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Vida e obras
INTRODUÇÃO
No dia seguinte ele escreveu: “O meu amigo alemão ameaça ser um fardo,
ele voltou comigo depois de minha aula e debateu até a hora do jantar – é obs-
tinado e perverso, mas creio que não é burro” (Russell, 19 outubro de 1911, em
Monk, 1990, p. 39). E quatro semanas mais tarde, “O meu feroz alemão veio e
debateu comigo depois da minha aula. Ele é revestido por uma armadura con-
tra todos os assaltos do raciocínio. É realmente uma perda de tempo conversar
com ele” (Russell, 16 de novembro de 1911, em Monk, 1990:40).
Ao final do trimestre em Cambridge, Wittgenstein estava incerto sobre
insistir na filosofia ou continuar o seu trabalho em aeronáutica. Ele pediu o
conselho de Russell:
Foi quando Wittgenstein lhe entregou o que tinha escrito durante as fé-
rias de Natal que Russell viu a extensão verdadeira da sua habilidade. Era, as-
sim ele escreveu, “muito bom, muito melhor do que os meus alunos ingleses
fazem. Eu certamente o encorajarei. Talvez ele venha a fazer grandes coisas”
(Russell, 23 de janeiro de 1912, em Monk, 1990:41).
Pouco depois, Wittgenstein estava matriculado como aluno do bachare-
lado e depois como estudante avançado em Cambridge, com Russell como o
seu supervisor. Ele gastou os próximos cinco trimestres, até o verão de 1913,
trabalhando em Cambridge, em estreita colaboração intelectual com Russell.
Durante esse tempo, ele também firmou amizades duradouras com o filósofo
G. E. Moore e o economista J. M. Keynes, entre outros. Na morte do seu pai,
em janeiro de 1913, ele herdou uma grande fortuna.
Na maior parte do ano acadêmico de 1913–1914, Wittgenstein viveu so-
zinho, em um vilarejo remoto no oeste da Noruega, trabalhando em filosofia
e desenvolvendo as concepções que tinha começado a formar em Cambridge.
Moore o visitou na Noruega, na primavera de 1914; Wittgenstein ditou a
Moore algumas notas relatando as suas novas ideias, e ele tinha esperança de
que esse seria um meio de comunicá-las a Russell.
A guerra irrompeu em agosto de 1914. Wittgenstein foi dispensado do
serviço militar por motivos de saúde: ele tinha tido passado por mais de uma
1919–1928: RETIRADA
Após a sua libertação do cativeiro, depois da guerra, Wittgenstein retor-
nou para Viena. Ele tinha três preocupações imediatas: publicar o Tractatus,
Você me pergunta em sua carta se você poderia fazer alguma coisa para
tornar possível para mim o retorno ao trabalho científico. A resposta é
Não: não há nada que possa ser feito nesse sentido, porque eu mesmo
não tenho mais qualquer ímpeto interno forte para aquele tipo de ativi-
dade. Tudo o que eu realmente tinha para dizer, eu disse, e assim a fonte
secou. Isso soa estranho, mas é como as coisas são.
(4 de julho de 1924, WEC:153).
Ou a minha peça é uma obra do mais alto nível, ou ela não é uma obra do
mais alto nível. No último (e mais provável) caso, eu mesmo sou a favor
de ela não ser impressa. E no último caso é uma questão de indiferença
se ela é impressa vinte ou uma centena de anos mais cedo ou mais tarde.
(6 de maio de 1920, WEC:120).
E em 1922:
Ludwig projetou cada janela, porta, barra de janela e aquecedor nas mais
finas proporções e com tal exatidão que poderiam ter sido instrumentos
de precisão. Afinal, ele foi adiante com a sua irrefreada energia, de modo
que tudo foi em realidade manufaturado com a mesma exatidão. Eu ainda
posso ouvir o chaveiro, que lhe perguntou, com respeito a um buraco de
chave, “Diga-me, Senhor Engenheiro, um milímetro aqui é realmente
importante para você?”, e mesmo antes de ele ter terminado a sentença,
o alto, enérgico “Sim”, que quase fez com que ele recuasse. Sim, Ludwig
tinha tal sentimento sensível a proporções que metade de um milímetro
realmente importava. Não se permitia que tempo e dinheiro fossem de
qualquer importância em tal caso.
(Hermine Wittgenstein, 1981:7)
E:
A prova mais forte do caráter implacável de Ludwig com respeito a medi-
ções precisas é talvez o fato de que ele decidiu ter o forro de um quarto
a modo de saguão erguido por três centímetros, justamente quando a
limpeza da casa inteira estava para começar. O seu instinto estava abso-
lutamente correto e o seu instinto tinha de ser seguido.
(ibid.:9)
Wittgenstein – a obra deixada para trás, depois da sua morte – lista cerca de
80 manuscritos e 40 textos datilografados: a maioria deles escritos no período
depois de 1929 (para detalhes completos, ver von Wright, 1993).
Um número dos escritos de Wittgenstein publicados postumamente data
do período da atividade como conferencista de faculdade, em 1930–1936.
Um material datilografado importante, publicado como O grande manuscrito,
foi originalmente produzido em 1933 e gradualmente revisado até 1937: ele
lida com tópicos incluindo linguagem, pensamento e intenção, a natureza da
experiência, a filosofia da matemática e o caráter da própria filosofia. Uma
versão de parte desse material também foi publicada como Gramática filosó-
fica. Em adição, existem duas obras que Wittgenstein ditou aos seus estudan-
tes: O livro azul e O livro marrom, ditados em 1933–1934 e 1934–1935, res-
pectivamente. O livro marrom inclui o que é reconhecidamente uma primeira
versão das primeiras 180 seções, ou cerca disso, das Investigações filosóficas.
O livro azul – que Wittgenstein descreveu para Russell como um conjunto de
notas “ditadas... aos meus alunos, de modo que eles pudessem ter alguma
coisa para levar para casa com eles, nas suas mãos, se não nos seus cérebros”
(AM: v) – lida em parte com os mesmos tópicos, mas também com questões
sobre experiência e subjetividade.
Em 1936, a atividade letiva de Wittgenstein em Cambridge chegou a
um fim e ele se retirou novamente para a Noruega, onde viveu em uma casa
que tinha construído em 1914; ele trabalhou lá – com algumas breves inter-
rupções – até o fim de 1937. O trabalho feito durante 1936–1937 foi a base
para um manuscrito preparado no ano seguinte, o qual se tornou as seções
1–188 da versão final das Investigações filosóficas. Em 1938, a Cambridge
University Press aceitou uma proposta de publicar um livro escrito por Witt-
genstein – para o qual esse material era destinado. Nessa fase, Wittgenstein
estava planejando um livro que iniciaria com uma discussão da linguagem,
do significado e do entendimento e então procederia, via uma discussão do
tópico de seguir-uma-regra,* para um tratamento de questões na filosofia da
matemática. Mas ele em pouco tempo desistiu daquele plano, insatisfeito com
* N. de T.: Em regra, essa é a tradução que será adotada para a expressão inglesa “rule-
-following”, que constitui um tema central na filosofia do “segundo” Wittgenstein. Assim
como no inglês, ela será mantida hifenizada, como de resto tem sido versada para o
português no que diz respeito à tradução da obra de Wittgenstein. Essa é a tradução
que aparece, a propósito, e a meu juízo com correção, na obra de referência (traduzida
para o português) de Hans-Johann Glock, Dicionário Wittgenstein, tradução de Helena
Martins, revisão técnica de Luiz Carlos Pereira, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998,
p. 398. Naturalmente, a presente tradução trará, no restante, um grande número de
passagens em que uma expressão semelhante aparecerá no texto principal sem hifens;
nesses casos, em regra tem-se como pano de fundo expressões inglesas de construções
outras que “rule-following”, a saber, “to follow a rule” e “following a rule”.
Parabéns pelo seu doutorado! E agora: que você possa fazer bom uso dele!
Com isso quero dizer: que você possa não enganar nem a si mesmo nem
aos seus estudantes. Porque, a menos que eu esteja muito enganado, é
isso que será esperado de você. E será muito difícil não fazê-lo, e talvez
impossível; e nesse caso: que você possa ter força para sair.
(22 de junho de 1940, Malcolm, 1984:88)
Enquanto trabalhando como porteiro no Guy’s – para o que lhe eram pa-
gos 28 shillings por semana –, Wittgenstein continuou a escrever sobre filosofia
da matemática, nos seus cadernos de notas manuscritos. Em fins de semana
alternados, ele viajava para Cambridge para dar aulas. Ele também se tornou
interessado por um projeto de pesquisa no Guy’s sobre “choque de ferimento”
– um diagnóstico frequente em vítimas de trauma, mas cuja existência como
condição genuína era posta em dúvida pelos pesquisadores do Guy’s. Em 1942,
o projeto se mudou para Newcastle, e Wittgenstein acompanhou como o técni-
co do projeto, trabalhando naquela posição de 1943 a 1944.
No início do Trimestre Michaelmas* de 1944, Wittgenstein retornou a
Cambridge e retomou os seus deveres profissionais. Pelos próximos dois anos,
produziu a versão final das Investigações filosóficas como agora a temos. Ela
começa da mesma maneira que o manuscrito que ele tinha preparado em
1938, com uma discussão da linguagem e do significado. Mas, a sua segun-
da metade é completamente nova, lidando com a linguagem da sensação
e outros tópicos em filosofia da mente. Em 1944, a Cambridge University
Press mais uma vez aceitou publicar a obra de Wittgenstein: o plano era para
um livro que reproduziria o Tractatus junto com os últimos pensamentos de
Wittgenstein. Mas, como anteriormente, Wittgenstein ficou insatisfeito com
os seus esforços e abandonou a tentativa de publicar ele mesmo a sua obra.
Três anos depois do seu retorno do trabalho de guerra, em 1947, Witt-
genstein renunciou ao seu professorado. Ele estava cada vez mais desgostoso
com a vida em Cambridge e achava impossível combinar os seus deveres
como professor com a obra filosófica que queria fazer. Como ele escreveu
para Norman Malcolm em agosto daquele ano:
o caso que a pessoa que eu estou esperando seja Jones, e que o que eu estou
esperando que ele faça seja chegar às 15h? As mesmas perguntas figuram nas
Investigações filosóficas e além. A discussão de Wittgenstein sobre seguir uma
regra tem um lugar central nas Investigações filosóficas. Ela ocupa os §§143–
242 do livro, e oferece uma ponte entre a discussão da linguagem, do signi-
ficado e do entendimento na primeira metade das Investigações filosóficas e o
tratamento de tópicos em filosofia da mente na segunda metade. Essas pas-
sagens têm sido um tópico central de debate interpretativo e filosófico pelos
últimos 30 anos. E elas são dignas de nota como a área na qual as reflexões
de Wittgenstein sobre a filosofia da matemática são o mais visíveis na obra
que ele mesmo preparou para a publicação. Não exploro os detalhes da obra
de Wittgenstein sobre a filosofia da matemática neste livro, mas a discussão
de seguir uma regra inclui temas que têm um lugar importante naquela obra.
O Capítulo 6 lida com a filosofia da mente e da psicologia, pondo o enfo-
que amplamente nas Investigações filosóficas e na Filosofia da psicologia – um
fragmento (ou Investigações filosóficas Parte II), mas baseando-se também nos
primeiros escritos e nas conversas de 1929 a 1930 e ainda em outros mate-
riais de 1946 a 1949. A primeira parte do Capítulo lida com a discussão sobre
as sensações e a linguagem da sensação de Wittgenstein e considera, entre
outros tópicos, o famoso argumento da linguagem privada das Investigações
filosóficas: o argumento de que não poderia haver uma “linguagem da sensa-
ção privada” – uma linguagem cujas palavras “se referem ao que somente o
falante pode saber: às suas sensações privadas imediatas” (IF §243). A segun-
da parte discute a resposta de Wittgenstein a algumas ideias centrais de dois
psicólogos cujos escritos foram particularmente influentes na época: William
James e Wolfgang Köhler.
O Capítulo 7 discute Sobre a certeza: a coleção de observações sobre o
conhecimento e a certeza que Wittgenstein escreveu nos poucos meses antes
da sua morte. Tem havido um florescimento de interesse em Sobre a certeza,
nos anos recentes. Isso se explica parcialmente por uma retomada de interes-
se em questões sobre conhecimento e ceticismo na filosofia contemporânea.
Ele também reflete um crescimento mais geral na atenção que os especialistas
têm dado à obra final de Wittgenstein.
O Capítulo 8 lida com dois tópicos vinculados: a filosofia da religião de
Wittgenstein e as suas visões sobre o entendimento de rituais e cerimônias –
visões que têm peso sobre a antropologia e a ciência social. Nenhum desses
tópicos é muito proeminente nos escritos de Wittgenstein, mas o que ele de
fato diz sobre eles atraiu uma grande dose de interesse de especialistas em
outras disciplinas bem como de filósofos. Eu os incluo aqui porque as ideias
de Wittgenstein sobre esses tópicos têm tido uma influência particular fora da
filosofia acadêmica, e é particularmente provável que tenha atraído a atenção
de leitores em geral.
RESUMO
publicados como livros, desde então. Todos eles estão agora disponíveis ele-
tronicamente.
LEITURA ADICIONAL
Existem duas excelentes biografias de Wittgensten, e eu as tomei fortemente como base ao escrever
este capítulo. Uma delas lida somente com o período até a publicação do Tractatus:
McGuinness, B. (1988) Wittgenstein: A Life – Young Ludwig 1889–1921, London: Duckworth,
reprinted, Harmondsworth: Penguin Books, 1990.
A outra biografia principal cobre o todo da vida de Wittgenstein:
Monk, R. (1990) Wittgenstein: The Duty of Genius, London: Jonathan Cape.
Há uma quantidade de memórias de Wittgenstein, escritas por amigos que o conheceram em
diversos estágios da sua vida. Elas oferecem uma vívida impressão dele e deixam claro o efeito
poderoso que ele teve sobre aqueles ao seu redor. Ver em particular:
Malcolm, N. (1984) Ludwig Wittgenstein: A Memoir, Oxford: Oxford University Press.
Engelmann, P. (1967) Letters from Ludwig Wittgenstein with a Memoir, ed. B. McGuinness, trans.
L. Furtmüller, Oxford: Blackwell.
A memória escrita por Malcolm também contém uma breve biografia, de autoria de outro dos
amigos de Wittgenstein:
von Wright, G. H. (1955) ‘Ludwig Wittgenstein: A Biographical Sketch’, Philosophical Review 64:
527–545.
Diversas outras memórias pessoais, incluindo as lembranças anotadas pela irmã de Wittgenstein,
Hermine, estão contidas em:
Rhees, R. (ed.) (1981) Ludwig Wittgenstein: Personal Recollections, Oxford: Blackwell.
Para um relato de grande auxílio sobre o ambiente intelectual e a cultura da Viena do início do
século XX, bem como a sua influência sobre o pensamento de Wittgenstein, ver:
Janik, A. and Toulmin, S. (1973) Wittgenstein’s Vienna, London: Weidenfeld and Nicolson.
Muitas das cartas de Wittgenstein sobrevivem. Elas são uma fonte útil de informação histórica.
Elas também oferecem uma boa percepção do caráter e das emoções de Wittgenstein, das suas
relações com os seus amigos e da sua opinião sobre a sua própria obra. InteLex publica uma edição
completa da correspondência de Wittgenstein em sua série Past Masters (Mestres do Passado). Para
uma coleção compreensiva de cartas de Wittgenstein a Russell, Moore, Keynes e outros amigos e
colegas de Cambridge, junto com algumas das cartas deles a ele, ver:
B. McGuinness (ed.) (2008) Wittgenstein in Cambridge: Letters and Documents 1911–51, Oxford:
Blackwell.
As memórias de Engelmann e de Malcolm (ver acima) contêm as cartas que cada um deles recebeu
de Wittgenstein. E as cartas de Wittgenstein a G. H. von Wright estão impressas em:
Klagge, J. and Nordmann, A. (eds) (1993) Ludwig Wittgenstein, Philosophical Occasions 1912–1951,
Indianapolis: Hackett Publishing Company.
A maioria das cartas a Malcolm e von Wright são também reproduzidas em McGuinness, Wittgen
stein in Cambridge.