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ANAIS DO II CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA – ANDA

Comitê Dança e(m) Política – Julho/2012

PROCESSOS COMPOSITIVOS EM DANÇA E POLÍTICAS CULTURAIS:


CO-IMPLICÂNCIAS POLÍTICAS E ESTÉTICAS

Leda Muhana Iannitelli (UFBA)

Leda Maria Muhana Martinez Iannitelli. Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em


Dança. Possui graduação em Licenciatura Em Dança pela Universidade Federal da Bahia (1978),
mestrado em Masters Of Arts Dance Kinesiology - University of Utah (1984), doutorado em Dance
Education - Temple University (1993) e pós-doutorado pela Smith Collete (2003). Atualmente é Diretora da
Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia e também Professora Titular. Tem experiência na área
da Dança, com ênfase em Processos Educacionais e Corporeográficos, atuando principalmente nos
seguintes temas: dança e universidade, processos criativos, estudos de corpo e de composição em dança.
E-mail: ledamuhana@gmail.com

Resumo
Este artigo tem como propósito problematizar processos de composição e de estética em
dança, políticas de apoio e de circulação, com base em argumentos que possibilitam
relações de analogia e de co-implicância entre dança e políticas culturais à luz de estudos
sobre complexidade, caos e contemporaneidade. Para discutir questões de ações
compartilhadas e colaboração artística em dança, contextualizações e políticas culturais,
faremos uso de reflexões a partir do espetáculo Paradox (2011). Ressaltam-se aspectos
de imprevisibilidade e de complexidade na construção e na apresentação de danças, além
de propostas e formatos plurais que coexistem na contemporaneidade. O espetáculo
Paradox serve como um exemplo para contextualizar e discutir tanto questões de
processos de construção e de configuração em dança, como também para analisar
políticas culturais de fomento à dança na atualidade. Critica-se particularmente a política
de “editais fast food” e de ações que acabam por orientar criações do tipo pocket,
particularmente no que tange à circulação da produção de dança. Tais produções se
caracterizam pelo baixo custo de deslocamento e por grande flexibilidade de adequação
da obra a espaços variados.
Palavras chaves: processos compositivos em dança, políticas culturais, estética
coreográfica.

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COMPOSITIONAL PROCESSES IN DANCE AND CULTURAL POLITICS: AESTHETICS


AND POLITICAL CO-IMPLICATIONS

Abstract
The purpose of this article is to problematize dance aesthetics and composition and
cultural politics of support/circulation of dance works, based on arguments that reveal
relations of analogy and of co-implications between dance and cultural politics, in light of
studies of complexity, chaos, and contemporaneity. The work Paradox (2011) will be used
to shed light into the discussion of shared actions, artistic collaboration, contextualizations,
and cultural politics. It is observed the role that imprevisibility and complexity play in the
elaboration and presentation of dances, as well as how plural formats of dance coexist in
our contemporary world. The dance Paradox is used as an example to contextualize and
discuss not only issues of dance creation and configuration, but also to analyze cultural
politics of dance in our times. Results suggest that “fast food” proposals of support and of
actions tend to guide productions of the “pocket” kind, which particularly impact in the
circulation of dances. Such productions are characterized by their low cost of traveling and
by their flexibility of adaptation to varied spaces.
Keywords: compositional processes in dance, cultural politics, choreographic aesthetics.

Com o propósito de discutir processos de composição em dança, políticas de apoio e


de circulação, desenvolveremos alguns argumentos que possibilitam relações de analogia
e de co-implicância entre dança e políticas culturais, com base nos estudos da
complexidade, do caos e da contemporaneidade. Para discutir questões de ações
compartilhadas e colaboração artística em dança, contextualizações e políticas culturais,
faremos uso de reflexões a partir do espetáculo Paradox (2011), sob minha direção
artística.

A contemporaneidade marca-se pela pluralidade de informações continuamente em


trânsito; por inúmeras redes de micro e macro conexões que perpassam todo o planeta,
em suas culturas, em suas geografias e nos interesses de grupos e de indivíduos. É o
mundo efetivamente globalizado. Fronteiras antes claramente delimitadas têm se
permeabilizado, possibilitando dialogias e associações em áreas distintas, até mesmo
improváveis frente ao pensamento disciplinar tradicional. Transpõe-se este mesmo
pensamento disciplinar rumo à trans, inter e pluri-disciplinaridade. “Isto porque as
disciplinas são incapazes, isoladamente, de captar o que está tecido em conjunto. Essa
expressão em destaque é o significado da palavra ‘complexidade’. A vida está tecida em

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conjunto; não é possível separá-la. E é por isso que as disciplinas não têm dado conta da
complexidade, dessa diversidade articulada.” (Inojosa, 2001, p.103).

Dogmas universais de verdades absolutas e conceitos fixos vêm sendo questionados


e superados, cedendo lugar a relativismos e verdades transitórias e contextualizadas.
Incertezas e probabilidades tornam-se e são acatadas como ciência, e um mundo
positivista e simplificado dá vazão à um mundo complexo e relativizado. Surgem assim as
ciências da complexidade para dar conta das questões, visões e situações da
contemporaneidade globalizada. Segundo Morin,

À primeira vista a complexidade é um tecido de elementos


heterogêneos inseparavelmente associados, que apresentam a
relação paradoxal entre o uno e o múltiplo. A complexidade é
efetivamente rede de eventos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos que constituem nosso universo fenomênico.
(...) apresenta-se assim, sob o aspecto perturbador da perplexidade,
da desordem, da ambigüidade, da incerteza, de tudo aquilo que é e
se encontra do emaranhado inextricável. (Morin, 2003, p.44)

Nada ocorre isoladamente. Nada existe isoladamente. Nada é estático. O que há são
relações em direções múltiplas; trânsitos; movimentos. Deleuze e Guatarri trouxeram da
botânica o conceito de rizoma para iluminar questões de sistemas abertos, tão frequentes
na contemporaneidade. Segundo os autores, “Oposto ao grafismo, ao desenho ou à
fotografia, oposto aos decalques, o rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido,
construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas
entradas e saídas, com suas linhas de fuga”(2004, p. 32-33). Isto inclui desterritorialização,
desierarquização, mediação, negociação, conceitos pertinentes também à discussão de
processos artísticos na atualidade.

Ao olharmos para os processos criativos, de maneira geral, e neste caso em dança,


veremos que diferentes informações, instrumentos, inquietações, protocolos de ação,
pessoas e suas idiossincrasias, materiais, cultura, história, experiências, etc., interagem
numa complexa rede de colaborações e de dialogias rumo ao alcance da configuração
estética de uma obra artística em dança. Complexificando ainda mais o que já é complexo
por natureza, diferentes ações permeiam todo o processo de criação, conforme enunciado

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em minha tese de doutorado sobre o assunto 1: ações de geração de idéias e materiais, de


exploração e interpretação dos mesmos, além de seleção, avaliação e configuração do
trabalho em processo e de seus resultados artísticos. Vale ressaltar que tais ações se
desencadeiam em redes imprevisíveis e particulares a cada processo compositivo,
incluindo superposições e interconexões, até mesmo as mais improváveis. A rigor, quando
se trata de processos artísticos, surpresas e conexões inusitadas são benvindas sempre.
Várias têm sido as tentativas de compreensão dos processos criativos em arte. As que
buscam estabelecer métodos desaguam num reducionismo impertinente, uma vez que
nada pode ser prescrito quando se trata de criação artística. As formas e leis que regem
processos de composição artística se estabelecem a cada projeto em andamento,
informados por seus próprios encaminhamentos, objetivos e entendimentos, sem qualquer
possibilidade de modelos padronizados a serem seguidos a priori (Pareyson, 1983).

Podemos observar o alto grau de complexidade que caracteriza processos artísticos


de maneira geral. Isto se estende ao cenário artístico maior, considerando que as
produções artísticas na contemporaneidade marcam-se por sua multiplicidade de
expressões, opções estéticas, formas de organização e locais de apresentação. Formas
híbridas pluralizam e enriquecem o cenário artístico, onde fronteiras antes sólidas se
permeabilizam em formas multirreferencializadas e multimidiáticas, frequentemente
desierarquizadas. Instalações, intervenções (urbanas ou situacionais), vídeodanças,
improvisações cênicas, dança-teatro, teatro físico, dentre tantos outros, têm surgido nas
últimas décadas. Os espaços de apresentações também têm sido diversificados, incluindo,
além do tradicional prédio do teatro, áreas urbanas públicas, espaços noturnos, como
bares e boites, galerias e museus, espaços virtuais, dentre outros.

No que concerne à estrutura interna de processos compositivos em dança, o próprio


conceito da coreografia 2 e papel do “coreógrafo”, têm sido questionados, tendo o último

Iannitelli, Leda Muhana. Guiding Choreography: A process-oriented, person-centered approach to the


teaching of choreography with contributions from psychoanalytic, humanistic, and cognitive psychology. USA:
Temple University, 1994.
No final de março de 2012 o evento Expanded Choreography. Situations, Movements, Objects… foi
promovido pelo Museu d'Art Contemporani de Barcelona (MACBA) com o intuito de problematizar e discutir o
que significa coreografia na atualidade, uma vez que acredita-se que tal conceito necessita ser ampliado
para acomodar tantas formas plurais que fogem do que tradicionalmente se entende por “coreografia”.

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atuado mais como o “compositor” da cena da dança. O coreógrafo, aquele a quem era
atribuída a função de criação e estruturação da coreografia, ou seja, dos movimentos
levados à cena e das relações espaço-temporais que orquestravam os dançarinos, passa
a agir de forma articulada com todas as demais informações presentes em cena, ou seja,
figurino, luz, trilha sonora, vídeos, elementos de cena, ou outros que por ventura são
utilizados. Isto tudo numa relação desierarquizada, porém articulada rumo à composição
da cena da dança. As relações entre tais informações passam a ser fundamentais no
processo compositivo e, assim, deixam de ser vistas como elementos de cena. O que
resulta destas negociações e articulações entre as diferentes informações que constituem
o trabalho, são investigações e estéticas compartilhadas de informações distintas, gerando
de fato construções integradas. Por exemplo, era comum a coreografia ter maior
importância hierárquica frente aos demais elementos que compõem a cena. O figurinista
era chamado ao final quando a coreografia estava pronta para criar um figurino que seria
colado ao corpo e à coreografia. Atualmente, é frequente o coreógrafo ser o próprio autor
do figurino, trazendo-o ao processo desde seu início, o que altera sobremodo os
resultados desta relação. O mesmo pode ocorrer em relação ao som ou ao cenário, etc.
Ainda que não seja o coreógrafo responsável por tais tarefas, profissionais destas áreas
são integrados ao processo criativo em estágio inicial e de forma compartilhada (Diniz,
Carolina, 2012).

Outras transformações no cenário maior da dança têm ocorrido na atualidade. Por


exemplo, a estrutura de passos e de repetições de movimentos, frequentes na tradição
coreográfica da dança, tem dado lugar a estruturas cênicas nas quais dançarinos
apresentam corporeografias 3 próprias e com ações frequentemente criadas em cena.
Ideais sobre o corpo-que-dança, como os do ballet clássico e da dança moderna – corpo
longilíneo, leve, flexível e forte – tem dado espaço à diversidade de formas e de
possibilidades, incluindo dançarinos com idades variadas e pessoas com corporalidades
diferentes e ainda com necessidades especiais. Muitos dançarinos passam de
reprodutores de movimentos criados por coreógrafos, tradicionalmente, a intérprete-

Corporeografias é um termo criado para designar e problematizar a idéia de que dança = movimento. Foi
cunhado com a ajuda de Adriana Banana para nomear o grupo de pesquisa por mim liderado: PROCEDA -
Processos Corporeográficos e Educacionais em Dança (PPGDança, UFBA).

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criadores, assumindo papéis significativos criativamente, compositivamente e


esteticamente. Vale aqui ressaltar que, apesar de inovações quanto a modos de
organização, entendimentos de dança e dos papéis de coreógrafo e de dançarinos,
encaminhamentos metodológicos e proposições estéticas, outras abordagens mais
tradicionais, tanto de procedimentos quanto de expressão artística, co-existem na
contemporaneidade, o que promove pluralidade e grande diversidade na produção maior
da dança da atualidade. Este é um ponto crítico na discussão sobre políticas de apoio e de
circulação de dança.

Apresentaremos a seguir o caso do espetáculo Paradox para iluminar algumas


questões sobre processos criativos e políticas culturais. Este projeto foi vencedor do Edital
Yanka Rudzka de Apoio à Montagem de Espetáculo de Dança da Fundação Cultural do
Estado da Bahia em 2009/10. Seu objetivo maior, além da criação do espetáculo, era de
dar visibilidade à dança contemporânea a um público que não costuma frequentar teatros,
seja por falta de condições financeiras, seja por falta de hábito. Assim dito, mais do que
artístico, seu objetivo era político.

Políticas culturais e produção e circulação de dança


Gestores da política pública cultural ocupam um papel fundamental na qualidade
estética e nas formas de organização e de circulação das produções de dança.

Editais de apoio à montagem e circulação tem sido a prática mais utilizada de


suporte às produções de dança e de sua circulação pelos órgãos de gestão cultural.
Outras formas referem-se às leis de fomento via benefícios fiscais que conferem um
caráter mercadológico de fomento às artes. Ficam assim os artistas, submetidos às leis de
incentivo e aos editais de apoio.

Decorrem da política de editais, regulamentos que estabelecem prazos de execução


e de prestação de contas. Os valores de apoio com freqüência atrasam frente aos
cronogramas dos projetos. Ademais, os prazos para execução são curtos, considerando a
complexidade dos processos artísticos, o que pode comprometê-los por uma política de
“Editais Fast Food”. Isto impõe limitações de tempo e, consequentemente, de

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aprofundamento das investigações artísticas. Neste sentido, flexibilidade de prazos e


estímulo ao mergulho criativo seria aconselhável.

Os editais também não contemplam a diversidade de propostas em dança.


Entendemos que publicar editais que abranjam às diferentes tendências e gêneros no
cenário atual da dança implica em alto custo de execução. Uma possível solução para
esta questão estaria na publicação de editais de porte maior com subcategorias de apoio,
o que infelizmente ainda não ocorre. E ficam os artistas a tentarem se adequar aos perfis
dos editais em vigência, violando, de certa forma, suas aspirações artísticas.

O espetáculo Paradox oferece informações pertinentes à discussão tanto de


processos compositivos em dança, quanto de políticas culturais. Abaixo está um trecho do
release do espetáculo Paradox que contextualiza suas opções coreográficas de
construção artística, de local de apresentação e de formato de performance.

Paradox é uma dança que foge do padrão de apresentação em


teatros ao eleger como espaço de performance um palácio da cidade
– o Rio Branco – hoje museu. A apresentação ocorre às 17h00 e sua
entrada é franca. Com isso, seu público alvo diversifica-se daquele
dos teatros, como uma ação política de democratização da dança
contemporânea, arte que não alcança os meios de comunicação de
massa. O trabalho estabelece em sua configuração e estrutura
relações de ordem diversa: entre dança, artes visuais, arquitetura e
história, entre corpo e ambiente, entre o que se quer mostrar e o que
se quer esconder. O espetáculo ocorrerá no piso térreo, em
diferentes espaços – salões, escadarias, varanda com a vista para a
Baía de Todos os Santos, pátio, dentre outros. O público, ao longo
da performance, percorrerá tais espaços em suas cenas específicas.
Com um elenco de 30 dançarinos, o espetáculo resulta de uma
construção coletiva e que, apesar de sua direção geral ser assinada
por Leda Muhana, o projeto contou com o apoio de seis coreógrafos
assistentes dirigindo cenas específicas. Porém, não há como não
mencionar todos os dançarinos, que tiveram participação
fundamental como intérpretes e criadores. (Trecho do release do
espetáculo)

Conforme dito acima, várias questões podem ser levantadas a partir deste
espetáculo no que concerne políticas de apoio e de circulação, além de suas
particularidades de construção compartilhada, produção de conhecimento em dança e de
articulação entre pesquisa artística e pesquisa acadêmica. A relação corpo-ambiente tem
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sido amplamente discutida na atualidade em diferentes contextos. Já há 4 anos, a


coreógrafa deste trabalho vem investigando o que ela chama de “corporeografias”. Estes
estudos geraram dois espetáculos junto ao Grupo de Dança Contemporânea da UFBA
(Ilinx, 2007 e Möbius, 2009). Como estratégia de investigação sobre o conceito de
transformação mútua que ocorre na relação entre corpo e ambiente, têm sido utilizadas
peças cenotécnicas geradoras de instabilidades e de imprevisibilidades de comportamento
corporal. Assim, este espetáculo trabalha com movimentos de improvável previsibilidade.
O corpo é lócus de investigação e de configuração, tanto no processo de criação, quanto
na apresentação final. Nesta proposta, não se aplica o protocolo de construção de passos
de dança, e sim, de construção de corporalidades e de atitudes facilitadoras da proposta.

O projeto deste espetáculo teve por base e motivação dois objetivos específicos e de
natureza variada:

(1) A Dança Contemporânea, apesar da qualidade e quantidade de seus espetáculos,


tem pouca visibilidade na cena cultural da atualidade baiana. Além de ser pouco
mencionada ou veiculada pelas mídias de comunicação de maior alcance, ela
limita-se, em sua maioria, a apresentações em teatros fechados e com venda de
ingressos. Decorre desta realidade, amplo desconhecimento, por significativa
parcela da população, sobre sua produção ou configuração estética. Curiosamente,
um senso feito pelo MINC em 2008 em diferentes municípios de todo o Brasil,
identificou a Dança como a 2ª forma artística de maior popularidade, segundo
consulta sobre participação e produção artística, ficando atrás apenas de
Artesanato. Porém, poucos sabem o que “é” dança contemporânea. Certamente,
sua produção tem sido aprimorada, intensificada e diversificada, creio que em parte
graças a políticas públicas e às ações empreendedoras de seus centros de
formação profissional. Percebemos que seu público, apesar de reduzido, demonstra
surpresa e satisfação ao entrar em contato com suas apresentações. É com base
nestas reflexões que compreendemos a importância de proporcionar à Dança,
maior visibilidade; ao público, acesso; aos dançarinos, a possibilidade de difundir
seus trabalhos; e á cidade, uma produção expressiva de sua cultura;

(2) O período das fronteiras fixas e rígidas já mostra-se obsoleto. Esta proposta tem
por premissa básica e interesse pilar explorar zonas inter-fronteiriças de diálogo e
colaboração em diferentes níveis. Pretende estabelecer diálogos entre corpo e
ambiente, entre tradição e contemporaneidade, entre arquitetura, artes visuais e

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dança, entre artistas e comunidade. Investigando possibilidades corporeográficas e


de encenação acerca da relação estabilidade/instabilidade com alguns referenciais
do cotidiano pessoal e urbano, levanta questões e reflexões sobre assuntos pouco
pensados, mas intensamente vividos diariamente, levando ao público também a
possibilidade de estabelecer conexões relacionais.

Como se pode observar nos objetivos, este espetáculo faz em sua gênese uma
crítica às políticas culturais vigentes por não viabilizar o acesso à arte a todo e qualquer
cidadão, e por não oferecer suas ações continuadas, se caracterizando em geral como
ações pontuais via editais de fomento. Assim, o espetáculo questiona a elitização da arte e
políticas de fomento.

A Teoria do Caos, em seu pressuposto geral, nos revela que sistemas complexos,
dinâmicos, não lineares, em desordem, (todos os sistemas em que as variáveis interagem
e com diversas alternativas de soluções) têm, muitas vezes, na sua origem, leis e padrões
simples. Entretanto, as interferências e acasos no seu percurso tornam imprevisível seu
comportamento futuro, gerando desordens aparentes e de difícil explicação e
entendimento. Ocorrências imprevistas criam ordens desconhecidas (desordem) (KON,
João, 1996). Tal compreensão é absolutamente pertinente ao que aconteceu ao longo do
processo e das apresentações do espetáculo. Dentre suas variáveis tínhamos: uma
proposta de se pensar a relação corpo e aquele ambiente monumental, histórico,
arquitetônico, cultural etc.; seis coreógrafos colaboradores com propostas específicas para
diferentes ambientes dentro do palácio; 30 dançarinos, intérpretes e também
colaboradores para a sua construção e apresentação; e o público que, em sua maioria,
veria dança contemporânea pela primeira vez. Esta última questão se mostrou decisiva na
configuração geral da proposta. As perspectivas corporeográficas trazidas pelos seis
coreógrafos colaboradores eram herméticas e, salvo algumas exceções, de difícil fruição,
uma vez que faziam uso de configurações bastante desconhecidas e inovadoras, a
exemplo de performances, instalaçõe e videodanças, com timings excessivamente lentos
e introspectivos, considerando que o público estaria assistindo o espetáculo em pé. Porém,
suas proposições eram legítimas e deveriam ser acatadas, frente ao princípio de
autonomia estabelecido no início do projeto. Desta forma, algumas estratégias foram
adotadas no sentido de estabelecer alguns elos de referência com o público. Foram

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adotados protocolos de simultaneidade, oferecendo opções diversificadas ao público, e


algumas referências de dança tradicional, a exemplo da valsa, do tango e do hip hop. Em
sua dinâmica itinerante, o trânsito do público pelo espaço do palácio, também se
configurava como uma cena. Este foi um trabalho que considero bem sucedido em suas
perspectivas originais, considerando que lotou em todos os dias de suas apresentações e
contou efetivamente com a participação e interferência do público, que finalizava o
espetáculo numa grande valsa juntamente com os dançarinos. A imprevisibilidade era a
marca maior do espetáculo, tanto em seu processo quanto em suas apresentações.

Sua maior dificuldade refere-se à circulação. Apesar de sua produção estar pronta e
de não faltar espaços históricos e monumentais em várias cidades do Brasil, a proposta
não recebe apoio à circulação, uma vez que prevê o deslocamento, hospedagem e
alimentação de um grande elenco, o que é visto como um fator de inviabilidade. E é aí que
chegamos a outra questão crítica em relação às políticas culturais de apoio à circulação.

Frente às dificuldades de circulação de espetáculos com grande elenco ou com


grandes estruturas cênicas, o que observa-se é que privilegiam-se aqueles espetáculos de
menor custo de circulação. É neste sentido que vemos um novo cenário estético da dança
emergir: espetáculos “pocket”, ou seja, espetáculos que contam com apenas um artista
que é ao mesmo tempo autor, dançarino, produtor, ou outros, e que constroem seus
trabalhos sem grandes materiais cênicos, o que obviamente dificultaria circulação, e com
propostas de fácil adaptação a diferentes espaços. Este tem sido inclusive objeto de
estudo acadêmico em mestrado 4 . O que podemos observar é o resultado de ações
políticas impactando na estética e construção de danças da atualidade. Estabelece-se
assim uma relação de co-implicância entre dança e políticas culturais que efetivamente
passam a orientar produções estéticas no futuro, para que sobreviva o artista e a dança.

Concluindo, observamos o grau de complexidade, incerteza e instabilidade que


caracteriza processos compositivos em dança da atualidade. Observamos também a

O mestrando Fábio Monteiro, recém-ingresso no Curso de Mestrado em Dança no Programa de Pós-


Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia visa pesquisar o fenômeno dos espetáculos
“pocket” de dança, para cumprir com perspectivas de políticas culturais de apoio à circulação.

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pluralidade de propostas e formatos que configuram esta mesma dança na


contemporaneidade. As variáveis são múltiplas e imprevisíveis, muitas vezes até mesmo
na configuração e apresentação da dança. Cada artista responde a motivações diferentes
e estéticas particulares num ambiente nem sempre favorável às artes. Neste sentido, o
artista se depara com políticas públicas que priorizam a cultura dos editais, carecendo de
ações continuadas e sustentáveis e que favorecem a um determinado tipo de produção
“pocket” de fácil circulação e adaptabilidade, impossibilitando propostas que fogem a este
padrão e tornando a arte e a estética reféns de suas visões e ações.

Referências

BODEN, Margaret A. Dimensões da criatividade. Porto Alegre: Editora Artes Médicas


Sul, 1999.

DELEUZE, G. e GUATARRI. O que é a filosofia. SP: 34, 2004.

DINIZ, Carolina de Paula. Vestíveis em fluxo: A relação implicada entre corpo,


movimento e o que se veste na cena contemporânea da dança. Salvador: UFBA, 2012.
Dissertação (Mestrado em Dança), Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia,
2012.

IANNITELLI, Leda Muhana. Guiding Choreography: A process-oriented, person-


centered approach with contributions from psychoanalytic, humanistic, and
cognitive psychology. Philadelphia, USA, 1994. Tese (Doutorado em Dança),
Philadelphia: Temple University, 1994.

INOJOSA, R. Sinergias em Políticas e Serviços Públicos: Desenvolvimento Social com


Intersetorialidade. Cadernos FUNDAP, no. 22, 2001, pp. 102-110.

KON, João. A aceleração das mudanças e como enfrentá-las. Jornal "Estado de Minas",
Coluna R. Humanos, em 01/12/96 - MG.

MORIN, E.; ALMEIDA, M.; CARVALHO, E. (Orgs.). Educação e Complexidade: Os sete


saberes e outros ensaios. SP: Cortez, 2002.

MORIN, E.; CIURANDA, E.; MOTTA, R. Educar na Era Planetária: O pensamento


planetário como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. SP: Cortez,
2003.

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