Você está na página 1de 93

FACULDADE ÚNICA

DE IPATINGA

1
Márcio Oliveira Souza da Silva

Mestre em Estética e Filosofia da Arte (2015) e Graduado em Artes Cênicas - Licenciatura


(2013) pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Professor efetivo de artes no Sesi
Divinópolis e professor conteudista no curso de licenciatura EaD em Filosofia da Faculda-
de Única de Ipatinga. Atuou como professor substituto EBTT no Cefet-MG (Campus Divi-
nópolis) onde ministrou aulas de artes e filosofia para o Ensino Médio Técnico. É drama-
turgo, diretor e interprete, tendo trabalhado com a Cia. Calor de Laura (Ouro Preto-MG).
Ministrou aulas de literatura e artes para o ensino médio técnico na função de professor
substituto EBTT no IFMG (Campus Ouro Branco) durante o segundo semestre de 2015.

FILOSOFIA DA CIÊNCIA

1ª edição
Ipatinga – MG
2021

2
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL

Diretor Geral: Valdir Henrique Valério


Diretor Executivo: William José Ferreira
Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos
Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira
Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa
Revisão/Diagramação/Estruturação: Bárbara Carla Amorim O. Silva
Carla Jordânia G. de Souza
Rubens Henrique L. de Oliveira
Design: Brayan Lazarino Santos
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Maria Luiza Filgueiras

© 2021, Faculdade Única.

Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza-
ção escrita do Editor.

T314i Teodoro, Jorge Benedito de Freitas, 1986 - .


Introdução à filosofia / Jorge Benedito de Freitas Teodoro. – 1. ed. Ipatinga,
MG: Editora Única, 2020.
113 p. il.

Inclui referências.

ISBN: 978-65-990786-0-6

1. Filosofia. 2. Racionalidade. I. Teodoro, Jorge Benedito de Freitas. II. Título.

CDD: 100
CDU: 101
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.

NEaD – Núcleo de Educação as Distancia FACULDADE ÚNICA


Rua Salermo, 299
Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG
Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300
www.faculdadeunica.com.br

3
Menu de Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo
aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos.
Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um
com uma função específica, mostradas a seguir:

São sugestões de links para vídeos, documentos científi-


co (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou
links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Bibliote-
ca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado.

Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações impor-


tantes nas quais você deve ter um maior grau de aten-
ção!

São exercícios de fixação do conteúdo abordado em


cada unidade do livro.

São para o esclarecimento do significado de determi-


nados termos/palavras mostradas ao longo do livro.

Este espaço é destinado para a reflexão sobre questões


citadas em cada unidade, associando-o a suas ações,
seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano.

4
SUMÁRIO

UNIDADE A ORIGEM DA ATIVIDADE CHAMADA CIÊNCIA E SEUS CARACTERES


NODAIS.................................................................................................... 10

01 1.1 O ALMAGESTO DE PTOLOMEU E A TESE DO GEOCENTRISMO: A PRIMEIRA


OBRA CIENTÍFICA ................................................................................................. 10
1.1.1 Um método descritivo para a explicação de fenômenos naturais. ...12
1.1.2 O caráter cético da ciência.......................................................................13
1.2 A FÍSICA DE ARISTÓTELES ..................................................................................... 15
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 18

UNIDADE A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E O NASCIMENTO DO MÉTODO


INDUTIVISTA ............................................................................................. 23

02 2.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 23
2.2 O SIGNIFICADO FILOSÓFICO DA FÍSICA NEWTONIANA ................................... 25
2.3 A CIÊNCIA COMO MÉTODO INDUTIVISTA .......................................................... 28
2.3.1 A indução no experimento da Lei da Queda dos Corpos de Galileu
..........................................................................................................................29
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 33

UNIDADE O ADVENTO DO POSITIVISMO NO SÉCULO XIX .................................... 38

03
3.1 O PENSAMENTO DE AUGUSTE COMTE: A CIÊNCIA COMO RELIGIÃO? ............ 38
3.2 OS TRÊS ESTÁGIOS DO CONHECIMENTO HUMANO E DA EVOLUÇÃO DA
HUMANIDADE ....................................................................................................... 40
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 43

UNIDADE O CÍRCULO DE VIENA E O POSITIVISMO LÓGICO ................................ 48

04
4.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 48
4.1.1 A teoria do verificacionismo: o princípio do empirismo lógico ............50
4.2 O ADVENTO DA MECÂNICA QUÂNTICA E A FILOSOFIA: A METAFÍSICA
QUÂNTICA ............................................................................................................ 52
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 57

UNIDADE A ECLOSÃO DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO SÉCULO XX: DO


FALSIFICACIONISMO DE POPPER AOS PROGRAMAS DE PESQUISA DE

05
LAKATOS .................................................................................................. 60

5.1 UMA DELIMITAÇÃO PARA A ATIVIDADE CIENTÍFICA: O FALSIFICACIONISMO


DE POPPER ............................................................................................................. 60
5.2 A CIÊNCIA CONFORME PARADIGMAS CIENTÍFICOS DE KUHN E O PROGRAMA
DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DE IMRE LAKATOS ............................................ 64
5.3 O ANARQUISMO EPISTEMOLÓGICO E A CRIATIVIDADE NA CIÊNCIA: A
FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE PAUL FEYERABEND .................................................. 70
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 72

UNIDADE RELAÇÕES ENTRE A CIÊNCIA E ÉTICA: A DICOTOMIA DO PROGRESSO


................................................................................................................. 77

06 6.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 77
6.2 O CAMPO DA BIOÉTICA: UMA REIVINDICAÇÃO DO “IMPERATIVO
CATEGÓRICO” DE KANT PARA O ÂMBITO DA CIÊNCIA E DA VIDA ................. 80
6.3 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE DE KANT: UM ALICERCE A
BIOÉTICA ............................................................................................................... 82

5
6.3.1 A comercialização da vacina (Sars-CoV-2): um tema polêmico para
pensar a ciência contemporânea e a economia. ................................83
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 87

RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ............................................... 91

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 92

6
CONFIRA NO LIVRO
Na primeira unidade o leitor será inserido à um conceito mais am-
plo sobre o que é a atividade científica no intuito de demonstrar
que essa é uma atividade que existe desde os primórdios da hu-
manidade. Nessa unidade será visitada também o que é conside-
rada a primeira obra científica da humanidade: O Almagesto de
Ptolomeu que traz a teoria do geocentrismo como seu principal
conteúdo.

Na segunda unidade o conteúdo se volta para a Revolução Cien-


tífica e o momento da filosofia na modernidade, filosofia essa que
se origina do espírito da ciência. Além do leitor ter acesso a descri-
ção dos bastidores da Revolução Científica passando teses de
astrônomos e físico como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei e
Isaac Newton, também será mostrado em como essa ciência deu
contornos basilares ao pensamento de Descartes, Hume, Kant,
entre outros filósofos modernos.

A unidade 3 encontra-se destinada a apresentar o leitor ao que


fora o advento da filosofia e da sociologia do positivismo. Toman-
do como principal expoente desse pensamento o filósofo Auguste
Comte será visto que o positivismo se tratou de uma teoria que
defendia que a sociedade pudesse ser estudada e as pessoas vi-
verem nela conforme regras e leis lógicas e cientificas.

Na unidade 4 é feita uma incursão sobre o que fora o positivismo


lógico proposta epistemológica dos filósofos do Círculo de Viena.
Influenciados pela física do início do século XX, tais como a relati-
vidade de Albert Einstein, esses pensadores se propuseram a com-
bater a metafísica dentro da filosofia e do conhecimento humano,
alegando que a metafísica era um conhecimento vazio.

Na unidade 5 o livro adentra o contexto de desenvolvimento da


filosofia da ciência do século XX; iniciado pelas propostas de Karl
Popper em resolver os problemas do método experimental induti-
vista originado na Revolução Científica, Popper lança mão da
teoria do falsificacionsimo científico. A partir de Popper vai eclodir
um debate fecundo dentro da filosofia sobre ciência e método
científico, dois interlocutores importantes são Imre Lakatos e Tho-
mas Kuhn. Por fim cotejamos Paul Feyaerabend que traz uma con-
tra proposta ao método, o “anarquismo epistemológico.

O leitor irá conferir o debate filosófico sobre as questões éticas que


envolvem o desenvolvimento e a pesquisa científica. Esse debate
veio a se tornar vigoroso a partir do momento em que nos mean-
dros da medicina nasce o campo da bioética, bastante influenci-
ado pela ética filosófica, o debate nasce quando frutos da ciência
começam a causar desastres sociais e a ceifar vidas humanas.

7
INTRODUÇÃO

A ciência é uma atividade humana que se tornou autônoma e possuidora de


um método próprio somente na modernidade, durante a Revolução Científica
ocorrida entre os séculos XVI e XVII na Europa, astrônomos e físicos como Galileu
Galilei e Isaac Newton consolidaram aquilo que convencionamos por denominar
como ciência e método científico baseando-se na estrutura da física que se propu-
seram a construir como nova disciplina independente da filosofia. No entanto, po-
demos considerar que a atividade de caráter científico já ocorria há muito tempo,
a Revolução Científica, portanto, não criou a ciência, mas a tornou independente.
Antes disso a ciência sempre ocorreu no interior da filosofia e de acordo com os
métodos e ferramentas filosóficas; assim fora, por exemplo, com a Física escrita por
Aristóteles, trata-se de uma obra coerente e contundente da ciência, que no en-
tanto, é feita de dentro do método da lógica filosófica.
Nos deparamos, pois, na contemporaneidade, com mais de trezentos anos
aproximadamente, após a ciência ter se tornado autônoma se desenraizando da
filosofia, com um vigoroso debate que eclode no início do século XX sobre “o que
de fato é a ciência” e em como “se distingue o seu método específico”. Iniciado
por filósofos como Karl Popper, o debate sobre o que é a ciência, e o que não é, se
desenvolve por todo o século XX, dando abertura ao âmbito da filosofia da ciência,
como uma área nova da filosofia; passando por pensadores como Imre Lakatos,
Thomas Kuhn, Paul Feyerabend, a filosofia da ciência se desenvolve até os dias atu-
ais. Um dos pensadores mais proeminentes em relação a área é Alan Chalmers que
no livro O que é ciência afinal? (1993) revisitou todo o itinerário desde Karl Popper
até as teorias do anarquismo científico proferidas por Feyrabend.
Nesse livro, que se trata de uma sucinta introdução a conceitos básicos da
ciência, e sobre a disciplina da filosofia da ciência, será desenvolvido ao longo de
seus 6 Unidades temas como os primórdios da ciência identificados nas obras de
Ptolomeu e Aristóteles, os aspectos da Revolução Científica, que emancipou a ci-
ência da filosofia, bem como todo o itinerário da filosofia da ciência desde o “falsi-
ficacionismo” de Popper, até os Programas de Pesquisa ” de Lakatos.
Por fim, no sexto capítulo o leitor é contemplado com uma excursão ao de-
bate sobre as relações entre a ética e o desenvolvimento da ciência, essa excursão
é feita através da perspectiva da bioética e de conceitos importados da filosofia
dialética como objetificação; propomos aqui, pois, que a ciência avança limites

8
éticos ao objetificar os seres humanos em seus processos de desenvolvimento, são
casos de pesquisas usando seres humanos como experimento ou mesmo os episó-
dios das bombas nucleares durante a Segunda Guerra Mundial. O capítulo traz até
uma reflexão dessa ordem sobre o desenvolvimento e comercialização da vacina
do Sars-Cov-2 no ano de 2020/2021.

9
A ORIGEM DA ATIVIDADE UNIDADE
CHAMADA CIÊNCIA E SEUS
CARACTERES NODAIS

1.1 O ALMAGESTO DE PTOLOMEU E A TESE DO GEOCENTRISMO: A PRIMEIRA


OBRA CIENTÍFICA

A primeira obra científica da história da humanidade, de acordo com o histo-


riador Price (1976), vem a ser o Almagesto, escrito por Ptolomeu no século II. A obra,
escrita em grego, se trata de um tratado matemático e astronômico que tem como
principal conteúdo a teoria do “geocentrismo” descrita e demonstrada.

É, pois, no Almagesto que vemos o triunfo de uma explicação ma-


temática da natureza, alcançado ainda no período helenista [...] o
Almagesto pode apresentar-se, pela primeira vez, como uma expli-
cação matemática, suficiente e completa, dos mais complexos fe-
nômenos. Em quase todas as minúcias, a explicação mostrou-se per-
feita e o livro fez-se exemplo de uma abordagem que estendida aos
demais ramos da ciência, tornaria a totalidade do universo inteira-
mente acessível a compreensão do homem (PRICE, 1976, p. 23-30).

De acordo com Lindenberg (1992), a ciência não remonta apenas a eclosão


da física clássica durante a Revolução Científica na modernidade, mas é uma ati-
vidade presente desde os primórdios da humanidade, estando presente nos traba-
lhos agrícolas e nas primeiras tecnologias do período paleolítico e neolítico. Mas
essa ciência, presente nessas atividades laborais de subsistência não se constituem
em teorias ou discursos teóricos, eis o pioneirismo do Almagesto.
É comumente aceito entre pensadores, filósofos e cientistas que a ciência é
todo aquele conhecimento passível de ser organizado é reconhecido através de
um claro e estruturado método: o método científico. Através do método estrutura-
do qualquer um pode acessar a tese científica demonstrada, sendo assim, compro-
var por si próprio toda a arquitetônica de premissas e conclusões que sustentam e
comprovam determinada tese. Por exemplo, ao ler a obra supracitada, Almagesto,
Ptolomeu nos dá acesso a todos os raciocínios que o levaram a concluir a tese do
geocentrismo. Sendo assim, qualquer um possuidor das regras matemáticas da ge-
ometria ptolomaica pode averiguar todo o processo de fundamentação e desen-

10
volvimento dessa tese, isso se dá, pois o Almagesto possuí um método matemático
e geométrico de desenvolvimento, passível de ser estudado e apreendido por
qualquer que se disponha a fazê-lo. De fato, a tese do geocentrismo fora derruba-
da na modernidade, logo no início da Revolução Científica por Galileu Galilei, con-
tudo, não há nada de incongruente no desenvolvimento interno do Almagesto, no
entanto, a matemática e a geometria não são métodos empíricos, e para os físicos
da modernidade o caráter empírico e experimental das teses sobre os fenômenos
naturais é uma condição sine qua non para quaisquer métodos científicos.
Diante disso, nos é coerente ponderar que sim, tanto a astronomia ptolomai-
ca quanto a física aristotélica são ciência, haja visto que possuem um método no
estruturar de seu conhecimento; no entanto, conforme a ciência desenvolvida na
modernidade, o método puramente matemático e geométrico se torna lacunar, e,
portanto obsoleto, em virtude de que o método experimental e empírico se apre-
senta como mais completo e efetivo na descrição e na construção de teses sobre
os fenômenos naturais. Ressaltamos que, o método experimental, que como vere-
mos no próximo capítulo fora inaugurado por Galileu, não abandona a geometria e
a matemática, mas sim, sintetiza essas com a experimentação e a empiria.
Por fim, vale a pena mencionar que tanto o conhecimento religioso, como o
mitológico, ou mesmo, o conhecimento do “senso comum” não possuem uma es-
truturação metodológica clara que possa ser transmitida e apreendida por qual-
quer um; eis a fundamental distinção entre o conhecimento científico e os outros
conhecimentos: não podemos utilizar de um método reproduzível para averiguar o
desenvolvimento e construção das afirmações religiosas e, ou, mitológicas, conhe-
cimentos desse tipo não podem, portanto, nem serem demonstrados ou mesmo
comprovados, estando no fim das contas sempre a critério de nossa capacidade
de “fé” sobre os mesmos, confiamos neles pelo seu poder “estético” e “psicológico”
de atração sobre nós.
Obviamente que as teses científicas exercem um poder estético e psicológi-
co de sedução sobre nós também, contudo, para aqueles que não se satisfazem
com a simples “fé” sobre as teses científicas, são totalmente acessíveis a metodolo-
gia e o conjunto de leis que regem quaisquer teses que almejam serem identifica-
das como científicas. De acordo com Lakatos (1978, p. 02, tradução nossa): “O co-
nhecimento teológico não pode ser falível: ele deve ser além do dubitável [...]”, em
outras palavras, para que não aja dúvida dentro da esfera teológica todas as suas

11
prerrogativas devem ser guiada por uma espécie de “crença não justificada” e que
não necessita ser “justificada”.

O livro “Filosofia da Ciência” (2003) de Alberto Oliva é


uma pequena introdução sobre o debate que eclode
no século XX sobre o que seria a atividade científica,
como ela nasce e como essa se caracteriza. Esse deba-
te é o núcleo de discussões do âmbito da filosofia da
ciência. Dentre seus conteúdos, encontra-se uma sucin-
ta descrição do discurso lógico, matemático e objetivo
da ciência, bem como uma descrição sumária de vá-
rias teorias meta-científicas, desde o fiabilismo de Pop-
per, até o verificacionismo e o anarquismo científico de
Paul Feyrabend. Dispoível em: http://bit.ly/3pLLP1l.
Acesso em: 30 nov. 2020.

1.1.1 Um método descritivo para a explicação de fenômenos naturais.

Uma das especificidades da ciência que esse livro pretende demonstrar, e


ainda pondera que essa seja uma especificidade que geralmente ofusca e turva a
questão da definição da ciência quando negligenciada, é a especificidade da
natureza e do objetivo da ciência. A ciência se caracteriza por ser uma atividade
de descrição dos fenômenos naturais, seus principais objetos estão bastante ou
completamente arraigados ao âmbito empírico; a ciência, por exemplo, não está
interessada em questões como: “o sentido da vida” ou mesmo, a “a finitude ou não
finitude da alma”, aliás, para a atividade científica um objeto denominado como
sendo “alma”, “espírito”, ou até mesmo “consciência” do ponto de vista da empiria
são amplamente contestáveis. Se, sempre levarmos em consideração essa especi-
ficidade da ciência notaremos que a famosa querela entre ciência e religião, ou,
ciência e filosofia, nada mais é que algo derivado de uma consequência do modo
de operar da ciência. Sendo assim, pensadores como Galileu, Newton, Darwin, Eins-
tein jamais se incumbiram, em primeira instância, da tarefa de refutar a religião e a
filosofia.
De fato, o heliocentrismo de Copérnico e Galileu torna obsoleto o geocen-

12
trismo e a física aristotélicas, no entanto, a lógica, a ética de Aristóteles, por exem-
plo, continuam intactas e vigorosas até os dias de hoje, podemos observar aí que a
preocupação dos físicos modernos era oferecer uma teoria descritiva cosmológica
mais adequada a natureza e ao universo do que o geocentrismo de Ptolomeu e
Aristóteles, no entanto, os físicos nunca se propunham a refutar a atividade filosófica
como um todo, e nem a religião. Vale a pena ainda, apontar o caso de Albert Eins-
tein que mantinha a preocupação de que o universo conforme a sua “teoria da
relatividade” fosse compatível com a existência de Deus de acordo com o judaís-
mo qual Einstein sempre pertenceu.
Como ilustra Gleiser (2001, p. 83, grifo nosso) sobre essa especificidade da ci-
ência:

[...] considere as três leis de movimento elaboradas por Isaac Newton


em sua obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, publicada
em 1687. Essas três leis descrevem adequadamente todos os movi-
mentos que presenciamos em nossa vida diária, como o de automó-
veis, trens ou mesmo foguetes. [...] na ciência, o objetivo é obter um
conjunto final de leis que descrevem todos os fenômenos naturais,
enquanto na religião, procuramos nos aproximar da perfeição moral
de Deus [...] A ciência não oferece o consolo emocional que a reli-
gião oferece a tantos, do mesmo modo que a religião não provê
uma explicação racional dos fenômenos naturais.

Como bem acentuado por Gleiser (2001) na citação acima, o escopo prin-
cipal da ciência é a descrição dos fenômenos naturais através de um conjunto de
leis que possam ser apreendidas e aplicadas de forma universal, isso significa que as
leis mecânicas de Newton têm por objetivo serem validas a quaisquer movimentos
encontrados no universo, se a ciência é totalmente efetiva ou somente parcialmen-
te efetiva em sua pretensão de leis universais, isso não muda essa especificidade da
mesma. Notamos, portanto, que a ciência e a religião não estão em primazia na
busca de refutar uma a outra.

1.1.2 O caráter cético da ciência

De acordo com Lakatos (1978, p. 01, tradução nossa) “Os cientistas [...] se
portam de maneira bastante cética, até mesmo com suas melhores teorias”. Po-
demos, pois, afirmar com alguma propriedade que todo conhecimento que clama
para si o título de científico, o mesmo vêm sempre envolto de uma esfera de ceti-
cismo, a ciência de alguma maneira ou outra se permite duvidar de suas próprias

13
prerrogativas, se põe a prova.
A partir da Revolução Científica ocorrida durante os séculos XVI e XVII, perío-
do em que a física e seu método experimental eclodiram como o estandarte daqui-
lo que pode ser considerado como sendo a autêntica atividade científica, a filoso-
fia passa a receber contornos céticos evidentes tal como nunca antes havia rece-
bido. Esse ceticismo que passa a fazer parte do pensamento filosófico moderno se
trata, sem dúvida, de um eco do processo da Revolução Científica: pensadores
como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço do ceticismo
como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta relembrar que
Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu método filosófico, ou
mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exercício elementar de
ceticismo perante todo o pensamento metafísico que antecede esse filósofo; Kant
por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que estabelece limites a capaci-
dade humana de conhecer, coroando sua teoria cognitiva na afirmação de que o
intelecto humano somente é capaz de conhecer a realidade como fenômeno da-
do em nossos sentidos, mas, jamais apreender e compreender a essência da natu-
reza e do universo.
O caráter cético da ciência se volta até mesmo a própria, no que diz respei-
to a estabelecer limites quanto a se determinado método de produção de conhe-
cimento é científico ou não.

O termo cético é um conceito amplamente utilizado dentro de todo o desenvolvimento


da filosofia. O ceticismo, por sua vez, assume várias vertentes ao longo da história da
filosofia, os primeiros céticos foram o filósofo Pirro de Elis na Grécia clássica e seus segui-
dores, contudo, e ao longo da história, o ceticismo assumiu vertentes na filosofia medie-
val, na modernidade com filósofos como David Hume, George Berkeley com fortes tra-
ços do ceticismo são encontrados, mas esse não deixa de estar presente na filosofia de
Descartes e Kant também, e na contemporaneidade o ceticismo fora muito comum na
filosofia da linguagem de Wittgenstein, bem como na filosofia da ciência de Karl Popper.
Em cada caso específico o ceticismo obtém traços e contornos próprios, sendo um
conceito profundo e detalhado caso queira se apropriar de todas as suas vertentes,
contudo, podemos compreender esse como um conceito que significa uma dúvida
epistemológica quanto a algo, ou quanto a própria cognição humana, a dúvida e falta
de certeza é um traço comum entre os diversos ceticismos.

14
1.2 A FÍSICA DE ARISTÓTELES

Devemos iniciar esse item advertindo o leitor de que a física aristotélica não é
algo semelhante a física que conhecemos e estudamos na escola desde nossa sex-
ta ou quinta série, a física que nós estudamos se assemelha a física moderna que
data do século XVI e XVII, e remonta a Galileu Galilei e Isaac Newton, a “física” de
Aristóteles é uma física híbrida e dependente do método filosófico organizado pelo
próprio Aristóteles.
A principal preocupação de Aristóteles em sua física era explicar o “movi-
mento” na natureza, de onde esse surgia, como esse era possível, e como esse se
comportava, sua física, portanto, era uma “mecânica”. O problema do “movimen-
to” na natureza fora uma incógnita por alguns séculos, para Platão, o “movimento”
se tratava de uma ilusão existente somente no mundo das aparências, e no mundo
das essências, no mundo verdadeiro de acordo com Platão, o movimento era ine-
xistente. Platão considerava que o movimento feria o princípio lógico da identida-
de, acompanhemos esse raciocínio: algo só pode ser algo, de fato, se suas proprie-
dades não se alteram; por exemplo, uma cadeira só pode ser cadeira, se a propri-
edade essencial da cadeira não se modifica, algo que ocorre somente no conceito
de ideia da cadeira, no mundo material essa cadeira fora antes uma árvore, e logo
mais poderá se quebrar deixando de ser uma cadeira, no mundo das ideias a ca-
deira como ideia é perene e não sofre nenhuma mudança, sendo assim para Pla-
tão, a ideia de cadeira é uma verdade, e a cadeira material é uma aparência des-
sa ideia, portanto não tão verdadeira quanto a ideia. Vejamos uma citação que
corrobora com a noção platônica descrita:

Para Platão, se o homem permanecesse dominado pelos sentidos, só


poderia ter um conhecimento imperfeito, restrito ao mundo dos fe-
nômenos, das coisas que são meras aparências e que estão em
constante fluxo. [...] O verdadeiro conhecimento, [...] é, ao contrário,
aquele pelo qual a razão ultrapassa o mundo sensível e atinge o
mundo das ideias, lugar das essências imutáveis de todas as coisas,
dos verdadeiros modelos. Este é o único mundo verdadeiro, e o
mundo sensível só existe na medida em que participa do mundo das
ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Um cavalo, por exemplo,
só é cavalo na medida em que participa da ideia de “cavalo em si”
(ARANHA; MARTINS, 1993, p. 136, grifo nosso).

Podemos notar explicitamente que a noção platônica considera o “movi-


mento”, algo existente somente no mundo sensível, como um traço de ilusão desse,
o mundo verdadeiro é imóvel. Aristóteles, discípulo de Platão, discorda desse em

15
relação a dicotomia mundo sensível e mundo das ideias, para Aristóteles existe so-
mente o mundo sensível, as ideias são existentes, no entanto elas também são sen-
síveis. Sendo assim, Aristóteles necessita dar conta de explicar o devir da realidade
sensível, sem que essa venha a ferir o princípio ontológico de identidade das “coi-
sas” e dos “seres” da realidade, ele necessita sintetizar de forma coerente a “mu-
dança” da matéria com a “essencialidade” das entidades da realidade. Sua física
surge, portanto, dessa necessidade. Façamos uma explanação breve sobre em
que se consiste na física de Aristóteles.
Para o filósofo de Estagira, todos os corpos possuem um peso e uma leveza
próprios, diferente da concepção moderna, aqui o peso é uma propriedade de
cada corpo, uma pedra possuí de maneira intrínseca a propriedade de ser pesada,
portanto essa propriedade faz com que seja da natureza das pedras caírem, en-
quanto o ar, por sua vez, é leve, sendo assim é da sua natureza flutuar. Uma pedra
que é arremessada para o alto, tem, por sua vez, um movimento contrário a sua
natureza imposto a ela, esse movimento é impresso na pedra por uma mão, ou al-
guma outra causa que imprima o movimento na pedra, contudo, o movimento im-
presso é finito, chamado de “motor” por Aristóteles, e geralmente ele é finito até
que seja atingida a “finalidade” (télos) do movimento; por exemplo, a pedra foi ar-
remessada para atingir um lago, a mão que impôs o movimento possuía essa finali-
dade ao imprimir esse movimento, ao atingir a finalidade o motor cessa e a pedra
retorna ao seu movimento natural, indo para o fundo do lago, já que é essencial-
mente pesada.
De maneira generalizada, o próprio Aristóteles reconhece que todo movi-
mento é “o ato de um ser em potência enquanto tal”, sendo assim, quando há mu-
dança em determinado ser, o movimento de mudança e a realização da potência
intrínseca de um ser, por exemplo: toda semente possuí em si a potência de se tor-
nar planta, a mudança, portanto é a realização dessa potência que ocorre em
“ato”, ou seja, em “movimento”.
Devemos lembrar, pois, que todo o cosmos e a realidade para Aristóteles
possuem finalidades, sendo assim, tudo o que existe na realidade possuí uma finali-
dade própria. É da finalidade de algumas pedras, portanto, receberem um movi-
mento para serem arremessadas e depois retornarem ao seu movimento natural,
indo então para cima e depois para baixo, no momento em que estão se deslo-
cando para cima, elas estão executando em “ato” sua “potência” de serem leves,

16
ao se deslocarem para baixo elas estão perdendo o “ato” dessa “potência”, e ge-
rando “ato” que é a potência realizada em sua causa formal (em sua forma); a
forma natural de ser pesada.
Para nós, na contemporaneidade, isso pode soar completamente desprovi-
do de sentido, no entanto, a física de Aristóteles que irá se constituir em uma mecâ-
nica e em uma astronomia semelhante a de Ptolomeu fora a melhor explicação
para o “movimento” na matéria durante um milénio, até a Revolução Científica e
as teorias de Galileu em relação a astronomia e Newton em relação a uma mecâ-
nica mais apurada e coerente do que a de Aristóteles. E, por incrível que pareça,
podemos averiguar que é da própria opinião tanto de Galileu, quanto do próprio
Newton, que Aristóteles realizou um exímio estudo, com justos métodos científicos
que ele disponha para a sua época e contexto, obviamente métodos distintos da
física moderna e menos arrojados e apropriados. Nesse mesmo sentido, podemos
notar que os métodos científicos se aprimoraram ainda mais até os dias de hoje, e a
mecânica de Newton fora refutada pela relatividade de Albert Einstein, assim como
Newton refutara a mecânica de Aristóteles.

Aristóteles é um eminente filósofo, quiçá um dos mais importantes pensadores do ociden-


te. Pudemos contemplar nesse capítulo, um pouco de sua mecânica, essa mecânica
por mais rude que nos pareça ser, perdurou até a modernidade, quando Galileu e New-
ton propuseram novas teorias científicas para o movimento na natureza. Você consegue
pensar em alguma utilidade para a mecânica aristotélica? Já que essa perdurou por
mais de mil anos como uma explanação satisfatório do movimento na natureza.

17
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Assinale a alternativa que corresponda a obra que pode vir a ser considerada
como o primeiro livro de ciência da humanidade:

a) A Física e a Metafísica de Aristóteles.


b) O Almagesto de Cláudio Ptolomeu.
c) A Física e a Metafísica de Cláudio Ptolomeu.
d) O Almagesto de Aristóteles.
e) Ambas as obras Física de Aristóteles e o Almagesto de Ptolomeu podem ser con-
sideradas como as primeiras obras científicas da humanidade, pois ambas ver-
sam sobre o geocentrismo e ambas foram publicadas por seus autores em para-
lelo no que diz respeito a suas cronologias.

2. De acordo com Derek de Solla Price: “É, pois, no Almagesto que vemos o triunfo
de uma explicação matemática da natureza, alcançado ainda no período he-
lenista [...] o Almagesto pode apresentar-se, pela primeira vez, como uma expli-
cação matemática, suficiente e completa, dos mais complexos fenômenos. Em
quase todas as minúcias, a explicação mostrou-se perfeita e o livro fez-se exem-
plo de uma abordagem que estendida aos demais ramos da ciência, tornaria a
totalidade do universo inteiramente acessível a compreensão do homem
Tendo em vista a citação acima, assinale a alternativa que melhor corresponde
aos critérios levados em consideração para identificar o Almagesto como uma
obra científica.

a) O Almagesto lança mão de um método filosófico e lógico e, portanto, verdadei-


ro, e a verdade é um critério para uma obra científica.
b) O Almagesto lança mão de um método matemático e lógico e, portanto, ver-
dadeiro, e a verdade é um critério para uma obra científica.
c) O Almagesto é uma obra que visa descrever um fenômeno da natureza usando
de um método evidente e preestabelecido.
d) O Almagesto é uma obra que visa descrever um fenômeno da natureza através
do método especulativo da ciência.
e) Todas as alternativas anteriores estão corretas.

18
3. Assinale a alternativa que corresponda ao “porquê” de Aristóteles ter criado uma
“física”:

a) Aristóteles descreveu uma física influenciado por seu mestre Platão, Platão por
sua vez herdara os problemas concernentes a natureza da tradição dos filósofos
naturalistas.
b) Aristóteles descreveu uma física em vista, primariamente, de sua necessidade de
dar conta do fenômeno do “movimento”, sua física, portanto, consiste em uma
mecânica e em uma cosmologia.
c) O projeto da física aristotélica é uma continuação do Almagesto de Ptolomeu.
d) Aristóteles descreveu uma física, tendo em um dos seus propósitos, combater o
dualismo de Platão.
e) Ambas as alternativas b e d são corretas.

4. (UNB – 2007) Com respeito à correlação entre filosofia e ciência, assinale a opção
correta.

a) O conhecimento científico busca as razões mais fundamentais de todas as coisas


e pretende ser objetivo, preciso e seguro.
b) O conhecimento filosófico é também teleológico.
c) O conhecimento mítico aparece quando tem uma massa em crise, que resulta
em uma emotividade que conduz a conclusões metódicas e racionais.
d) A ciência é um conhecimento metódico e racional, a filosofia é um conhecimen-
to sem método e supra-racional.
e) Nenhuma das anteriores está correta.

5. Na física de Aristóteles qual a explicação dada para o movimento nos fenôme-


nos naturais? Assinale a alternativa correta dentre as abaixo:

a) O movimento é o desenvolver da potência em ato de cada entidade específica


da realidade.
b) O movimento é um caráter inerente a cada entidade da realidade.
c) O movimento é essencial e específico em cada objeto e ser da realidade.
d) Todas as alternativas anteriores estão corretas.

19
e) Nenhumas das alternativas anteriores está correta.

6. De acordo com o caráter “cético” da ciência, assinale a alternativa que melhor


descreva o que vem a ser esse caráter:

a) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do ceticismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta re-
lembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu méto-
do filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exer-
cício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que ante-
cede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que es-
tabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria cog-
nitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhecer a
realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreender e
compreender a essência da natureza e do universo.
b) Pensadores como Aristóteles, Ptolomeu, Kant, entre outros, possuem o traço do
ceticismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta re-
lembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu méto-
do filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exer-
cício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que ante-
cede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que es-
tabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria cog-
nitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhecer a
realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreender e
compreender a essência da natureza e do universo.
c) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do ceticismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta re-
lembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu méto-
do filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exer-
cício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que ante-
cede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que bus-
ca unificar todo o conhecimento humano, proveniente da ciência, da filosofia e
da religião em único sistema absoluto transcendental, afirmando que o intelecto

20
humano é capaz de transpor qualquer limite, logo qualquer ceticismo, e esse é o
efeito da ciência em sua filosofia.
d) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do idealismo cético como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento.
Basta relembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu
método filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um
exercício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que an-
tecede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que
estabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria
cognitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhe-
cer a realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreen-
der e compreender a essência da natureza e do universo.
e) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do materialismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta
relembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu mé-
todo filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um
exercício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que an-
tecede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que
estabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria
cognitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhe-
cer a realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreen-
der e compreender a essência da natureza e do universo.

7. “O objetivo é obter um conjunto final de leis que descrevem todos os fenômenos


naturais”, nesse trecho, do livro O fim da Terra e do céu de Marcelo Gleiser en-
contra-se o objetivo da:

a) Religião.
b) Filosofia.
c) Religião e Ciência.
d) Filosofia e Ciência.
e) Somente da ciência.

21
8. Assinale a alternativa que melhor descreve em como a ciência trata os seguintes
problemas humanos: “o sentido da vida”, “a felicidade”, “o conceito de bom e
mau”.

a) A ciência não se debruça sobre esse tipo de reflexão, haja visto que se trata de
um conteúdo amplamente subjetivo.
b) A ciência considera que problemas desse âmbito são de ordem pessoal e indivi-
dual, ponderando que essas questões estão além dos limites de suas possibilida-
des de reflexão e teorias.
c) A ciência busca substituir a filosofia e a religião principalmente no que diz respei-
to a problemas desse tipo.
d) Ambas as alternativas a e b estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.

22
A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E O UNIDADE
NASCIMENTO DO MÉTODO
INDUTIVISTA

2.1 INTRODUÇÃO

Durante o ano de 1980 foi ao ar pela emissora de tv americana PBS a série


chamada Cosmos realizada pelo físico e astrônomo Carl Sagan, a série consiste em
um dos programas televisivos de maior sucesso no que diz respeito ao conteúdo da
divulgação científica. Em seus episódios podemos encontrar temas como a descri-
ção do universo, a origem da vida e até mesmo sobre a evolução da mente huma-
na.
Oportuno, adequado e feliz o título da série televisava de Sagan: “Cosmos”.
O cosmos de fato é um fator preponderante no nascer da ciência, talvez pela sua
força inebriante e sublime, ou pelo acaso do nosso descaso, sempre nos encontra-
mos a observar os céus; nos atraímos, mesmo que ébrios, pelo mistério da incomen-
surabilidade do universo. Assim foi com Ptolomeu quando ele redigiu a primeira
obra científica da história, como visto, seu Almagesto versa em linguagem pictórica-
matemática sobre o universo, se trata de uma teoria cosmológica. E assim segue
sendo até os dias atuais, tal como no Cosmos de Sagan.
Nesse sentido, próximo ao Renascimento irá irromper um evento que se es-
tende por um século, aproximadamente, denominado Revolução Científica. Na
Revolução Científica, momento em que a física tal qual a conhecemos se origina, a
admiração cósmica está presente como um fator crucial, podemos até mesmo
afirmar que sem o “cosmos” não haveria física, quiçá, ciência. Conforme caracteri-
za Reale e Antiseri (2004, p. 139) a respeito da Revolução Científica:

O período que vai de 1543, ano da publicação de De Revolutionibus


de Nicolau Copérnico, até 1687, ano da publicação de Philosophiae
naturalis principia mathematica de Isaac Newton, é geralmente indi-
cado como período da “revolução científica”.

De acordo com Kuhn (1998), a Revolução Científica da modernidade trans-


forma o paradigma cultural: a sociedade amplamente segura e ancorada na tese
aristotélico-ptolomaica, fundamentada pelo Almagesto (livro de Ptolomeu citado

23
no capítulo anterior) presença o astrônomo polonês Nicolau Copérnico afirmar pela
primeira vez que a Terra não era o centro do universo, essa afirmação irá desenca-
dear toda uma mudança na visão do mundo, da realidade e no próprio entendi-
mento que o ser humano tem de si. No paradigma “geocêntrico”, o ser humano se
encontra no centro do universo, considerando a si mesmo como a mais importante
e principal criação divina, no paradigma “heliocêntrico” lançado por Copérnico a
centralidade humana passa a ser dubitável.
E, durante todo esse período da revolução, aproximadamente 150 anos, na
mesma esteira de Copérnico, astrônomos como Kepler, Galileu Galilei irão propon-
do experimentos e teses que cada vez mais endossam e comprovam o “heliocen-
trismo”. A Revolução Científica moderna é, portanto, uma revolução encabeçada
pela astronomia, pela maneira dos seres humanos compreenderem o universo e
compreenderem a si mesmo dentro desse universo. Quando esse período é sinteti-
zado pela mecânica de Newton, um novo modo de ver a realidade e o universo
está consolidado, esse modo é filosoficamente conhecido como “mecanicismo”, o
universo é simbolicamente falando, semelhante à uma máquina, como um “reló-
gio”.
Com a mudança de paradigma, a ciência, que como já vimos é uma ativi-
dade humana que ocorre desde o neolítico, reinventa-se também: o nome de Gali-
leu ecoa e reverbera a palavra “experimento”, e, é através de experimentos empí-
ricos que a tese copernicana do “heliocentrismo” fora comprovada pela primeira
vez por Galileu. A partir disso, a ciência passa a ser compreendida como ciência
experimental, em outras palavras, propositora de um método, não somente mate-
mático ou lógico, conforme na física de Aristóteles ou Ptolomeu, mas um método
“experimental”, conforme as palavras de Reale e Antiseri (2004, p. 143-145):

O discurso qualifica-se enquanto tal porque – como disse Galileu –


procede com base nas “experiências sensatas” e nas “demonstra-
ções necessárias”. A experiência de Galileu é o experimento. [...] É
através do que os cientistas tendem a obter proposições verdadeiras
sobre o mundo, ou melhor, proposições sempre mais verdadeiras,
mais amplas e poderosas e publicamente controláveis.

Corroborando, assim, com os pressupostos de Kuhn a respeito das revoluções


científicas, a revolução da ciência na modernidade impacta não somente no âm-
bito da atividade científica, mas na cultura propriamente dita, ao modificar a ma-
neira de vermos o cosmos e nos vermos nos cosmos, bem como a nossa forma de

24
acessar os eventos e fenômenos naturais que passam a reverberar e a angariar o
caráter experimental fundado por Galileu, o ser humano moderno passa, assim, a
ser um indivíduo que experimenta aquilo que sente e que pensa.
Para todos os efeitos, Chalmers (1993) investiga a estrutura do método origi-
nado na Revolução Científica moderna, e denomina essa estrutura metodológica
de ‘indutivismo”, no último item desse capítulo apresentamos uma descrição sintéti-
ca sobre essa denominação de Chalmers (1993). Antes disso, prosseguimos com
descrição da visão de mundo científica gerada na modernidade, descrição essa
que é coroada pela mecânica newtoniana após 150 anos de desenvolvimento da
física e da ciência moderna.

2.2 O SIGNIFICADO FILOSÓFICO DA FÍSICA NEWTONIANA

A física e, ou, mecânica newtoniana encerra o período denominado como


Revolução Científica; o pensamento de Newton fora responsável por sintetizar todas
as transformações iniciadas por Copérnico no que diz respeito a nova atividade
científica, sintetização essa, que culmina com a consolidação da física clássica por
Newton, a partir disso o universo e todos os fenômenos naturais existentes nele pas-
sam a ser vistos de acordo com a mecânica inaugurada em sua obra Princípios Ma-
temáticos da Filosofia Natural:

Esse livro pode ser considerado o ponto culminante de milhares de


anos de esforços para compreender a dinâmica do universo, os prin-
cípios da força e do movimento e física dos corpos em movimento
em meios diversos. E à medida que a continuidade do desenvolvi-
mento do pensamento nos permite falar de uma conclusão e de um
ponto de partida, podemos dizer que, com Isaac Newton, acabava
um período da atitude dos filósofos em relação à natureza e come-
çava outro, inteiramente novo. Em sua obra, a ciência clássica [...]
alcançou existência independente e, daí em diante começou a
exercer toda sua influência sobre a sociedade humana (REALE;
ANTISERI, 2004, p. 233).

Newton, de fato, fora paradigmático, a maneira de olharmos para o universo


e para a natureza é um antes de Newton e outro após este. Após Newton, passa-
mos a possuir uma visão do mundo e do universo que afirma que esse é análogo a
uma grande máquina, se trata de um universo regulado e ordenado que se susten-
ta e funciona a partir de regras as quais acessamos através de observações, expe-
rimentos e leis que derivamos desses, em outras palavras, o universo é como o siste-

25
ma de funcionamento de um grande relógio e esse sistema pode ser descrito a par-
tir do uso da matemática e da física; a lei da gravidade, ou, força da gravitação
universal, se trata de um desses alicerces da harmonia, ordenação e regularidade
dos pêndulos do relógio chamado universo.
Diante disso, desse mecanismo harmônico em que se consiste no universo,
surge a questão: de onde vêm essa ordenação? Eis a resposta dada por Newton:
“Esse sistema extremamente maravilhoso do sol, dos planetas e dos cometas só po-
de ter se originado do projeto e da potência de um Ser inteligente” (REALE;
ANTISERI, 2004, p. 238), talvez venha a ser de surpreender, mas estamos diante da
assunção da plausibilidade da existência de Deus pelo que talvez venha a ser o
cientista de maior impacto na cultura e no dia a dia dos seres humanos. No ent an-
to, Newton está de fato inclinado a crer que esta harmonia e perfeição cósmica
somente pode prescindir de um intelecto superior capaz de projetar determinado
sistema, contudo, nós somente podemos afirmar a sua existência através da con-
templação e investigação de sua obra: o universo. Mas, jamais podemos descrever
quaisquer propriedades “ontológicas” a respeito de Deus. Assim como, ao nosso
intelecto, e a nossa ciência só podemos descrever e constatar aquilo que nos é
dado através das nossas sensações e sentidos, só podemos falar de Deus enquanto
sua criação cósmica, o universo, que nos é dada nos sentidos também. Não pode-
mos falar de propriedades essenciais, ou, quaisquer “substâncias”, seja de Deus ou
da natureza, em outras palavras, não conhecemos Deus enquanto entidade pró-
pria, mas acessamos sua obra e assim também é para todo e qualquer fenômeno
que nos circunda.
Ora, para aquele já familiarizado com determinadas ideias canônicas da filo-
sofia, a última sentença dada no parágrafo anterior nos remete a filosofia crítica de
Kant, especificamente a divisão epistemológica que Kant faz sobre o “fenomênico”
e “noumênico”. Nas palavras do próprio Kant (KANT, 2003, p. 45):

Entretanto em nossa concepção, quando denominamos certos obje-


tos, como fenômenos, seres sensíveis, distinguindo nosso modo de in-
tui-los de sua natureza em si, já ocorre que, por assim dizer, contra-
pomos a eles os próprios objetos em sua natureza em si, ou até outras
coisas possíveis, mas que não são precisamente objetos dos nossos
sentidos, como objetos pensados simplesmente pelo intelecto, cha-
mando-os de seres inteligíveis (noumena).

Declaradamente, a divisão epistemológica de Kant entre “fenômenos” – a


natureza intuída por nossa sensibilidade, e “noumênico” – a natureza em si, em sua

26
substância própria, se trata de uma influência direta do método científico fundado
por Newton; Kant nunca fez mesura quanto a sua admiração e inspiração na ciên-
cia moderna, e nunca poupou citações e referencias a Copérnico ou Newton, de-
nominando até mesmo sua proposta epistemológica como uma “revolução coper-
nicana” no que concerne a teoria do conhecimento.
É impossível compreender o pensamento empirista formado na Inglaterra en-
tre os séculos XVII e XVIII, tais como as teorias epistemológicas de John Locke e Da-
vid Hume, bem como, impossível compreender a gênese da Crítica da Razão Pura
de Kant, sem antes possuir o mínimo de discernimento sobre a mudança paradig-
mática causada por Newton e sua mecânica.
De acordo com Newton:

Como nós só conhecemos as qualidades dos corpos através dos ex-


perimentos, devemos considerar universais todas as qualidades que
universalmente revelam-se concordantes nos experimentos e que
não podem ser diminuídas e nem retiradas. Certamente, não deve-
mos abandonar a evidência dos experimentos por amor aos sonhos
e as vãs fantasias da nossa especulação, mas também não devemos
abandonar a analogia da natureza, que é simples e conforme consi-
go mesma (REALE; ANTISERI, 2004, p. 236).

Tanto os empiristas, como Kant, seguem à risca a alusão de Newton a não


abandonar a evidência dos experimentos por amor aos sonhos e vãs fantasias da
nossa especulação. Para empiristas como Locke, ou David Hume, todo o nosso co-
nhecimento deriva-se de nossas experiências advindas de nossos sentidos e sensa-
ções, para Kant ainda existem determinados conhecimentos a priori, tal como a
matemática, a nossa própria linguagem e a moral; no entanto tanto as teorias epis-
temológicas empíricas quanto o transcendentalismo kantiano são heranças diretas
do método científico experimental formalizado por Galileu, e da visão mecanicista
do universo proposta por Newton.

A Revolução Científica influenciou todo o pensamento e a filosofia modernas, gerando


mesmo, toda uma revolução no interior da filosofia, tal como fora com o erigir da epis-
temologia na modernidade como uma das principais motrizes dessa revolução filosófi-
ca. A partir disso e de seus conhecimentos, em como a Revolução Científica vem a in-
cidir em problemas tais quais os previstos na epistemologia moderna?

27
2.3 A CIÊNCIA COMO MÉTODO INDUTIVISTA

Conforme nos elucida Chlamers (1993), o paradigma científico nascido du-


rante a Revolução Científica é nomeado pelo mesmo como “indutivismo”, e seu
cerne se encontra no método da observação e indução; em outras palavras, como
bem já vimos antes, a forma de fazer ciência conforme Newton, Galileu, Copérnico
se consiste majoritariamente em obsevar e induzir. Nas palavras do próprio:

[...] a ciência começa com a observação. O observador científico


deve ter órgãos sensitivos normais e inalterados e deve registrar fiel-
mente o que puder ver, ouvir etc. em relação ao que está observan-
do, e deve fazê-lo sem preconceitos. Afirmações a respeito do esta-
do do mundo, ou de alguma parte dele, podem ser justificadas ou
estabelecidas como verdadeiras de maneira direta pelo uso dos sen-
tidos do observador não-preconceituoso. As afirmações a que se
chega (vou chamá-las de proposições de observação) formam en-
tão a base a partir da qual as leis e teorias que constituem o conhe-
cimento científico devem ser derivadas (CHALMERS, 1993, p. 25).

Todo o processo do método do indutivismo está assentado na experimenta-


ção sensorial através de instrumentos ou não, experimentação que inicia no obser-
var e caminha para o derivar através da indução, de leis gerais universais do fenô-
meno observado. Vejamos, pois, alguns exemplos dessas leis em forma de enuncia-
dos:

Da astronomia: Os planetas se movem em elipses em torno de seu


Sol.
Da física: Quando um raio de luz passa de um meio para outro, mu-
da de direção de tal forma que o seno do ângulo de incidência di-
vidido pelo seno do ângulo de refração é uma característica cons-
tante do par em média.
Da psicologia: Animais em geral têm uma necessidade inerente de
algum tipo de liberdade agressiva.
Da química: Os ácidos fazem o tornassol ficar vermelho (CHALMERS,
1993, p. 27).

Todas essas proposições são enunciados de leis universais de caráter científi-


co indutivista. Sendo assim todas passaram pelo processo de experimentação ob-
servacional através dos sentidos humanos, e após isso, os determinados enunciados
foram induzidos na forma de leis universais. O conhecimento científico se trata des-
sas leis e teorias que pretendem generalizar o comportamento de determinado fe-
nômeno. No entanto, conforme Chalmers (1993), o que nos permite transformar
uma “indução” em uma lei universal? Para prosseguir com a resposta a essa per-
gunta, vale a pena rememorar o processo de indução.

28
Em termo lógicos, a indução se consiste em a partir de uma amostra singular
de determinada afirmação sobre dado fenômeno, conseguirmos obter um escopo
geral e universal dessa afirmação a partir do momento em que averiguamos ser
possível fazer a mesma afirmação em várias amostras do mesmo singular (ou seme-
lhante), exemplo: 1) “Observamos que determinado metal (singular) sofre uma de-
terminada expansão quando aquecido, 2) “Passamos a observar a ocorrência des-
sa mesma expansão em uma série de objetos classificados como pertencente ao
conjunto dos metais, 3) por fim, é feita a indução: “todos os metais possuem a pro-
priedade expansível quando submetidos ao aquecimento. Devemos observar que
a obtenção da lei geral, o 3), não é algo de absoluta certeza, haja visto quer não é
possível observar todas as amostras de metais existentes, a “indução” no fim das
contas é uma probabilidade, se, todos os metais testados se expandiram, prova-
velmente todos eles possuem essa características. No entanto, a amostra experi-
mentada antes da lei geral ser derivada de forma indutiva, deve conter a máxima
variedade possível de variáveis de “metais” diferentes, para que a probabilidade
da indução possa ser o máximo acurada; a falta de acurácia em uma indução é
um critério para a refutação de qualquer lei universal obtida indutivamente.
No capítulo 4 iremos cotejar uma série de críticas direcionadas ao método
indutivista. Para encerrar esse capítulo iremos avançar a uma breve descrição de
como esse método foi usado por Galileu em sua Lei da Queda do Corpos.

O termo indutivismo é o conceito dado aos primeiros métodos científicos originados du-
rante a Revolução Científica na modernidade. Dentre seus principais inauguradores es-
tão os físicos astrônomos como Galileu Galilei e Isaac Newton. O termo é derivado do
conceito indução, que se consiste no processo lógico inverso da dedução, no caso da
dedução, conforme Aristóteles, o raciocínio procede de uma verdade universal para
deduzir caracteres de fenômenos particulares, a indução, por sua vez, parte da consta-
tação comum de um mesmo caráter em vários fenômenos semelhantes, e assim sendo
se traduz essa constatação em uma característica universal desses fenômenos.

2.3.1 A indução no experimento da Lei da Queda dos Corpos de Galileu

Segundo a mecânica de Aristóteles a velocidade dos corpos é determinada

29
por seu peso natural, sendo assim, um metal do mesmo tamanho que um isopor terá
uma aceleração maior que o isopor se ambos caírem em queda livre de uma
mesma altura, isso se justifica pois se o metal tem o dobro do peso do isopor ele de-
ve necessariamente ter o dobro de aceleração, e assim por conseguinte. A veloci-
dade dos diferentes materiais, portanto, dependem de sua propriedade interna
natural.
Galileu Galilei no século XVI observou que essa conjectura de Aristóteles era
falsa. O astrônomo italiano, a partir de uma arguta observação da realidade, e de
alguns pressupostos físicos desenvolvidos por Copérnico, entre outros pensadores
posteriores a física aristotélica, constatou que a aceleração dos corpos em queda
livre varia não por uma propriedade interna dos diversos materiais, mas por uma
ação de resistência do ar sobre o material. Sendo assim, de acordo com Galileu
todos os materiais, independente de seu peso, ou propriedades intrínsecas, possu-
em a mesma aceleração de 9,8 m/s2.
Contudo o que vemos com nossos olhos é que uma pena possuí uma veloci-
dade bem inferior a uma pedra quando ambos em queda livre, Galileu diz sobre
isso que o contato do ar com a pena é muito maior que com a pedra, esse contato
maior gera uma maior desaceleração na pena, gerando a impressão de que essa
cai mais devagar que a pedra. Experimentos recentes, realizados no vácuo, com-
provaram a tese de Galileu, cientistas contemporâneos dentro de uma câmara de
vácuo colocaram em queda livre penas, e uma bola de boliche, e puderam ver a
olhos nus que ambas atingem o solo juntas, com a mesma aceleração, e a mesma
velocidade.
Nos é impossível reconstituir todo o trajeto de estudos feitos por Galileu, bem
como todo seu arcabouço teórico que foram subsídios para suas observações, e
experimentos, que o levaram a concluir o Lei da Queda dos Corpos; devemos por-
tanto nos ater no fato de que sua “Lei” é uma afirmação universal, que pretende
assegurar que todos os corpos, independente de composição ou natureza, em
queda livre possuem uma aceleração de 9,8 m/s2, e que essa lei é extraída por in-
dução. Mas por que, por indução?
Acompanhemos a seguinte digressão mental: 1) Galileu observou, e realizou
experimentos com corpos semelhantes em proporção, mas de diferentes naturezas
que estivesse em queda livre, ou que ele mesmo colocará, 2) Galileu se ateve aos
fenômenos os quais a dimensão desses corpos era pequena e seu contato com o ar

30
era praticamente mínimo, 3) ao constatar em vários singulares, de diversos corpos
que caíram em paralelo que esses caiam juntos independente de sua natureza,
Galileu concluíra que a aceleração não pode estar atrelada a um caráter intrínse-
co do corpo, 4) se a aceleração não depende da natureza do corpo, todos os
corpos estão submetidos as mesmas condições de aceleração quando em “queda
livre”, já que os fatores de aceleração e desaceleração são externos, e sempre ex-
ternos, ao determinado corpo. Nos itens 3 e 4 de nossa digressão mental encontra-
mos o processo indutivo, Galileu pode afirmar esses dois itens de caráter universal, a
partir, de seus experimentos e observações singulares. Essa, talvez seja, uma das in-
duções mais perfeitas na história da física, seu nível de acurácia probabilística é
elevadíssimo, ainda mais levando em consideração a parca disponibilidade de
tecnologia que Galileu tinha para executar suas observações e experimentos.

O indutivismo ou inducionismo científico está atrelado ao empi-


rismo filosófico; compreender de forma detalhada o indutivis-
mo necessita de que seja compreendido o que é o empirismo
epistemológico, o livro “Empirismo” (2017) de Robert G Mayer é
uma ótima leitura para aquele que deseja compreender o
empirismo da modernidade em termos históricos e conceituais.
Disponível em: https://bit.ly/3uskaGa. Acesso em: 25 jan. 2021.

Para aqueles que se interessam pelas intersecções entre


filosofia e ciência vale a pena assistir a série Cosmos de
Carl Sagan de 1980, bem como a nova série Cosmos de
Neil deGrasse Tyson de 2014. Ambas as séries possuem a
mesma temática de divulgar os principais temas científicos
abordados pela física, pela cosmologia e astronomia
clássicas e contemporâneas. Disponível em:
https://bit.ly/3pOeWBf. Acesso em: 25 jan. 2021.

31
Durante a modernidade surgem vários filósofos inspirados e influenciados pela ciência,
filósofos como René Descartes, David Hume e Imannuel Kant. Uma das características
comuns entre esses pensadores modernos é o caráter cético de suas filosofias, em rela-
ção a Hume prescinde um forte ceticismo epistemológico. Levando em consideração
que o ceticismo presente nesses filósofos é uma influência da ciência que eclode na
modernidade, pense em como essa influência refletiu em uma espécie de ceticismo de
ordem epistemológica.

32
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Enem 1999) [...] Depois de longas investigações, convenci-me por fim de que o
Sol é uma estrela fixa rodeada de planetas que giram em volta dela e de que ela
é o centro e a chama. Que, além dos planetas principais, há outros de segunda
ordem que circulam primeiro como satélites em redor dos planetas principais e
com estes em redor do Sol. [...] Não duvido de que os matemáticos sejam da mi-
nha opinião, se quiserem dar-se ao trabalho de tomar conhecimento, não super-
ficialmente mas duma maneira aprofundada, das demonstrações que darei nes-
ta obra. Se alguns homens ligeiros e ignorantes quiserem cometer contra mim o
abuso de invocar alguns passos da Escritura (sagrada), a que torçam o sentido,
desprezarei os seus ataques: as verdades matemáticas não devem ser julgadas
senão por matemáticos.
(COPÉRNICO, N. De Revolutionibus orbium caelestium)

Aqueles que se entregam à prática sem ciência são como o navegador que
embarca em um navio sem leme nem bússola. Sempre a prática deve funda-
mentar-se em boa teoria. Antes de fazer de um caso uma regra geral, experi-
mente-o duas ou três vezes e verifique se as experiências produzem os mesmos
efeitos. Nenhuma investigação humana pode se considerar verdadeira ciência
se não passa por demonstrações matemáticas.
(VINCI, Leonardo da. Carnets)

O aspecto a ser ressaltado em ambos os textos para exemplificar o racionalismo


moderno é:

a) a fé como guia das descobertas.


b) o senso crítico para se chegar a Deus.
c) a limitação da ciência pelos princípios bíblicos.
d) a importância da experiência e da observação.
e) o princípio da autoridade e da tradição.

2. (Uel 2006) Uma das afirmações mais conhecidas e citadas de Galileu, que reflete
o novo projeto da ciência da natureza, é a seguinte: “A filosofia está escrita neste
grandíssimo livro que aí está aberto continuamente diante dos olhos (digo, o uni-

33
verso), mas não se pode entendê-lo se primeiro não se aprende a entender a lín-
gua e conhecer os caracteres nos quais está escrito.
Ele está escrito em língua matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e
outras figuras geométricas, meios sem os quais é humanamente impossível en-
tender-lhe sequer uma palavra; sem estes trata-se de um inútil vaguear por obs-
curo labirinto.”
(NASCIMENTO, Carlos Arthur R. De Tomás de Aquino a Galileu. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 1998. p.
176.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a concepção de ciência em


Galileu, é correto afirmar:

a) Ciência é o conhecimento fixo, estável e perene da essência constitutiva da rea-


lidade, alcançável por meio da abstração.
b) A autonomia da explicação científica baseia-se em argumentos de autoridade e
princípios metafísicos que justificam a verdade imutável do mundo natural.
c) A verdade natural é conhecida independente de teorias e da realização de ex-
periências, já que o fator primordial da ciência é o uso da matemática para de-
cifrar a essência do mundo.
d) A compreensão da natureza por meio de caracteres matemáticos significa deci-
frar a obra da criação e, consequentemente, ter acesso ao conhecimento do
próprio criador.
e) A ciência busca construir o conhecimento assentado na razão do sujeito e no
controle experimental dos fenômenos naturais representados matematicamente.

3. Em sua divisão epistemológica que versa sobre o conhecimento fenomênico e


conhecimento noumênico Kant se baseia em que físico moderno:

a) Isaac Newton.
b) Galileu Galilei.
c) Nicolau Copérnico.
d) Giordano Bruno.
e) Francis Bacon.

34
4. Sobre as concepções de saber antes e depois da ascensão da ciência moderna,
analise as afirmativas a seguir:

I. O saber que até então era considerado laico passa, a partir da ascensão da ci-
ência moderna, a ser considerado mítico.
II. O saber que até então era considerado contemplativo passa, a partir da ascen-
são da ciência moderna, a ser considerado ativo.
III. O saber que até então era considerado quantitativo passa, a partir da ascensão
da ciência moderna, a ser considerado qualitativo.
IV. O saber que até então era considerado especulativo passa, a partir da ascensão
da ciência moderna, a ser considerado transformador do mundo.

É CORRETO o que se afirma em :

a) II, apenas.
b) IV, apenas.
c) I e III, apenas.
d) II e IV, apenas.
e) II, III e IV, apenas.

5. Entre os séculos XVI ao XVIII, os filósofos formularam diversas epistemologias ou


teorias do conhecimento. Entretanto, uma importante vertente dessa investiga-
ção foi a empirista. Em especial, no que diz respeito ao empirismo filosófico deste
período, podemos afirmar que os filósofos mais famosos foram os empiristas ingle-
ses. São eles:

a) Thomas Hobbes, John Locke, George Berkeley e Bertrand Russell.


b) Francis Bacon, George Berkeley, Husserl e John Locke.
c) Isaac Newton, John Locke, Bertrand Russell e Thomas Hobbes.
d) Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume.
e) Nenhuma das alternativas anteriores é correta.

35
6. A filosofia e a ciência são formas de conhecimento humano que se distinguem
fundamentalmente, mas que também se aproximam, em maior ou menor grau
quando emitimos juízos sobre a realidade. Desse modo, é correto afirmar:

I. A filosofia exige fundamentação teórica e livre crítica, cujo conhecimento siste-


mático se volta para o ser e para o valor das coisas. Mas, a ciência procura obje-
tivamente as estruturas universais e necessárias das coisas investigadas.
II. A filosofia se caracteriza por um conhecimento quantitativo, pois busca medidas,
padrões, critérios de comparação e de avaliação para coisas que parecem ser
diferentes. Mas, a ciência é um conhecimento reflexivo e lógico que exige o
despertar da consciência crítica de si e do outro.
III. A filosofia é conhecimento racional, e essa racionalização se caracteriza por pre-
tender alcançar uma adequação entre pensamento e realidade, isto é, entre
explicação e aquilo que se procura explicar. Mas, a ciência é conhecimento
homogêneo, sobretudo por buscar as leis gerais de funcionamento dos fenôme-
nos, que são as mesmas para fatos que nos parecem diferentes.
IV. Na filosofia, os modos da consciência se encontram geralmente emaranhados
de tal forma que suas noções se caracterizam por uma aglutinação acrítica e
ametódica de juízos. Mas, a ciência é conhecimento particular e metódico, por
delimitar o seu objeto de investigação e realizar experimentações com precisão
e técnica.

São corretas as afirmativas:

a) I, II, III e IV.


b) II e IV somente.
c) 1 e III somente.
d) II e III somente.
e) I, II e III.

7. O que caracteriza uma lei derivada de um processo científico indutivo:

a) É uma lei derivada de uma constatação empírica averiguada em muitos fenô-


menos singulares semelhantes, dessa averiguação é derivada uma lei geral.

36
b) É uma lei matemática axiomática.
c) É uma lei exclusiva da física newtoniana.
d) É uma lei derivada de experimentos científico empíricos.
e) É uma lei universal concluída de forma introspectiva.

8. (Upe-adaptada) A validade de nossos conhecimentos é garantida pela corre-


ção de raciocínio. São dois os modos de raciocínio: indutivo e o dedutivo. Sobre
isso, assinale a alternativa correta.

a) O raciocínio indutivo é amplamente utilizado pelas ciências experimentais.


b) O raciocínio indutivo parte de uma lei universal, considerada válida para um de-
terminado conjunto.
c) O raciocínio dedutivo parte de uma lei particular, considerada válida para um
determinado conjunto.
d) Ambas a alternativas a e b são válidas.
e) Nenhumas das alternativas é válida.

37
O ADVENTO DO POSITIVISMO NO UNIDADE
SÉCULO XIX

3.1 O PENSAMENTO DE AUGUSTE COMTE: A CIÊNCIA COMO RELIGIÃO?

O positivismo se desenvolveu como uma ideologia na Europa a partir de 1840


até a primeira guerra mundial eclodir em 1914. Suas ideias se estendem a pratica-
mente todas as manifestações da sociedade europeia, desde a filosofia, política, as
artes e as ciências. Não é propósito desse livro realizar uma descrição geral do posi-
tivismo, e da composição do ideário dessa ideologia, mas focalizar o discurso cientí-
fico forjado dentro dessa, e em como a própria ciência se tornou a base para a
fundamentação dessa ideologia, a ponto mesmo de se tornar o núcleo de uma
doutrina, nesse sentido a ciência se tornou no positivismo, uma espécie de religião
laica, ilustra-se essa afirmação, Vedernal (1974) apud Andery et al., (2012, p. 374):

Em última análise o positivismo é a fórmula filosófica que permite


transmutar a ciência em religião, a ciência desembaraçada de todo
além teórico, da especulação, converte-se em religião despojada
de perspectiva teológica e reduzida aos fatos da prática religiosa: os
ritos sociais.

O enfoque desse item nesse capítulo vem a ser, portanto, justamente descre-
ver e debater de maneira sucinta em como a ciência é usada no discurso ideológi-
co positivista para a fundamentação de um éthos, em outras palavras, os ritos soci-
ais conforme a citação acima, vindo a se tornar mesmo equiparada a uma espécie
de doutrina.
Durante o desenvolvimento do positivismo vários pensadores e filósofos aderi-
ram às suas premissas, dentre eles, se encontram John Stuart Mill e Herbert Spencer
na Inglaterra, Ernst Haeckel na Alemanha, Roberto Ardigò na Itália e Auguste Com-
te na França.
Comte, por sua vez, pode ser reconhecido como um dos filósofos mais em-
blemáticos do positivismo, e será através da filosofia desse que esse livro irá propor
uma descrição sobre em como a ciência se converteu em uma ideologia e éthos
para a sociedade europeia, durante essa segunda metade do século XIX.

38
Baseando-se diretamente na ciência que havia surgido durante a Revolução
Científica, a ciência predominada pela física e astronomia de Galileu Galilei, Co-
pérnico, Isaac Newton, entre outros; mesma ciência que impulsionara a reforma
feita na filosofia encabeçada por Descartes, Bacon e tardiamente por Hume e
Kant, filósofos que reivindicaram o espírito e o método científico para o organun da
filosofia. O positivismo cria um discurso ideológico e pretende que tanto a maneira
de viver dos seres humanos, quanto a própria investigação da sociedade (a socio-
logia) estejam submetidos aos métodos científicos; nas palavras do próprio Comte,
conforme Francis Bacon, o verdadeiro conhecimento somente nos é dado através
da empiria.
Uma das principais características do positivismo é tratar os fenômenos sociais
da mesma forma que a ciência opera com os fenômenos naturais, sumamente fa-
lando, a sociedade deve ser investigada, tratada e vivida conforme leis causais
mecânicas, desse ponto de vista a sociedade é entendida como uma extensão da
natureza que, no entanto, não possuí um dinamismo próprio e, ou, autêntico, mas o
mesmo dinamismo mecânico, mecanismo esse que fora amplamente desenvolvido
pela física clássica na modernidade. Sendo consequente com essa analogia pro-
posta pelo positivismo, pensadores como Newton e Galileu, tem suas teses como o
ponto de partida fundamental para estudos sobre a sociedade, e até mesmo para
a estruturação de nossas leis, nossa ética e nossos hábitos.
Auguste Comte, fundador do positivismo na França é um dos filósofos que se
apoia nesse mote. Para Comte existem três etapas do desenvolvimento do pensa-
mento humano, a última etapa, que se trata da etapa mais evoluída, denominada
de positiva, é justamente uma etapa onde o conhecimento humano se aloja no
conhecimento de caráter mecânico, reconhecendo esse, como o conhecimento
genuíno. Nas palavras de Comte (1978a, p. 03):

Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impos-


sibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e
o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos,
para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem
combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a sa-
ber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude.

Às relações invariáveis de sucessão e semelhança Comte está se referindo as


leis da causalidade, e a melhor, e mais adequada expressão dessas leis fora dada
pelos físicos da modernidade, pelo discurso científico. A partir disso, Comte propõe

39
que a “sociologia”, conhecimento que se debruça sobre a sociedade, deva se
pautar pela busca de leis causais de tudo aquilo que ocorre na sociedade e vida
humana; ele propõe uma “sociologia” que esteja totalmente fundamentada no
estágio positivo do conhecimento humano.
É importante notarmos que o positivismo, parte do pressuposto que, de fato,
a sociedade e a vida humana funcionam e estão organizadas de acordo com leis
fundamentais que não se modificam, mas que apenas se desenvolvem conforme
uma lógica preestabelecida. A ordenação definitiva e eterna é um pressuposto do
pensamento de Comte, assim como essa ordem ocorre na natureza, ela ocorre
também na sociedade, aliás, na acepção positivista a sociedade é um estrato da
natureza. Vejamos uma interessante citação do próprio Comte a esse respeito: “[...]
todos os acontecimentos reais, compreendendo os de nossa própria existência indi-
vidual e coletiva, estão sempre sujeitos a relações naturais de sucessão e similitude
[...] essa ordem exterior é indispensável para a direção de nossa existência [...]”
(COMTE, 1978b, p. 109)

Para Comte, portanto, a existência humana está submetida a uma ordem natural prees-
tabelecida, isso faz com que ele conclua que as ciências naturais devem servir de base
para as nossas leis, nossa moral e nossa organização social.

3.2 OS TRÊS ESTÁGIOS DO CONHECIMENTO HUMANO E DA EVOLUÇÃO DA


HUMANIDADE

Para compreender melhor isso, se faz necessário que cotejemos quais são os
outros dois estágios do conhecimento que se encontram abaixo do positivo; são
eles: o conhecimento teológico e o metafísico. Vale a pena reproduzir em extenso
a própria caracterização de Comte a respeito desses estágios:

No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente su-


as investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras
e finais de todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os co-
nhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos
pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou me-
nos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomali-
as aparentes do universo. No estado metafísico, que no fundo nada
mais é do que simples modificação geral do primeiro, os agentes so-
brenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entida-

40
des (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mun-
do, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias to-
dos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em
determinar para cada um uma entidade correspondente. Enfim, no
estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade
de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino
do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para pre-
ocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado
do raciocínio e da observação, suas leis efetivas [...] (COMTE, 1978a,
p. 03).

Para Comte, o conhecimento genuíno é somente o conhecimento derivado


do método científico que surge na modernidade, o principal caráter que Comte
vislumbra no método científico é a abertura de mão que os seres humanos devem
fazer da busca por responder questões de maneira absoluta. Em suma, podemos
notar que Comte absorve toda a crítica que os pensadores modernos, principal-
mente os empiristas exercem sobre a “metafísica” e sobre o conhecimento religioso,
haja visto que ele considera que o conhecimento positivo, possuí em si o crivo céti-
co epistemológico que é derivado das filosofias da modernidade, como já visto em
capítulos anteriores desse livro. Podemos assim dizer que o conhecimento verdadei-
ro reconhece seus limites e não avança para além desses, e assim se comporta o
conhecimento humano quando alcança o estágio “positivo”, no caso dos estágios
teológico e metafísico os limites epistemológicos são sempre ultrapassados, o que
faz com que avancem em ilusões e conclusões subjetivas a respeito da realidade.
A maneira como Comte vislumbrava o conhecimento positivo se desenvolve-
ra conforme o desenvolvimento da própria história e necessariamente na história
houve momentos os quais os outros estágios haveriam de preponderar.
É sabido, por aqueles leitores já iniciados na história da filosofia e da cultura
que a segunda revolução industrial é um fator preponderante para o erigir e o dis-
seminar da ideologia do positivismo, podemos afirmar, até mesmo, que os motes do
positivismo são reflexos das mudanças e paradigmas trazidos pela segunda revolu-
ção industrial, sendo assim: “[...] a revolução industrial mudou radicalmente o modo
de vida. E os entusiasmos se cristalizaram em torno da ideia de progresso humano e
social irrefreável [...]” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 295), nesse contexto o que prepon-
dera é o conhecimento positivo. Por fim, Comte vislumbra que esse conhecimento
se precipite em uma religião universal, e assim os seres humanos passariam a viver
da melhor forma possível em sociedade, uma forma derivada do método da ciên-
cia.

41
Encerramos o capítulo nos referindo ao fato de que o estado brasileiro fora
totalmente estruturado no modelo positivista de Comte, inclusive os motes de nossa
bandeira: ordem e progresso são derivados da síntese sobre em que se consiste no
positivismo social de acordo com o próprio Comte.

O livro “História do Positivismo no Brasil” (1964) de Ivan Lins é um dos


estudos mais completos sobre a influência do positivismo na funda-
ção do estado brasileiro. Para aqueles que se interessam nos me-
andros e nas minucias desse assunto, vale a pena mergulhar em
suas páginas. Disponível em: https://bit.ly/3bvtel3. Acesso em: 20
nov. 2020.

Em relação a questão do positivismo dentre os pensadores ale-


mães, o livro “A Disputa do Positivismo na Sociologia Alemã”
(2014) de, Theodor W. Adorno e colaboradores traz em seu con-
teúdo um importante debate que marcou a questão do positi-
vismo na Alemanha. Nesse episódio dois importantes filósofos da
Alemanha (Karl Popper e Theodor Adorno) discutem a cerca de
como o positivismo influenciou a cultura alemã. Disponível em:
https://bit.ly/3umGD7I. Acesso em: 20 nov. 2020.

De acordo com Auguste Comte a sociologia deve ser vista como uma espécie de “física
social”, sendo assim devemos buscar leis científicas no comportamento humano e social
no intuito de prever a forma desses comportamentos ocorrerem, assim como a mecâni-
ca newtoniana prevê o movimento de objetos, a sociologia através da história deve
prever comportamentos humanos. Para ti as leis do fenômeno social são análogas as leis
da física natural? Ou a sociedade possuí leis específicas não comparáveis com a física
natural?

42
FIXANDO O CONTEÚDO

1. O positivismo foi uma das grandes correntes de pensamento social, destacando-


se, entre seus principais teóricos, Augusto Comte e Émile Durkheim. Sobre a con-
cepção de conhecimento científico presente no positivismo do século XIX, é cor-
reto afirmar:

a) A busca de leis universais só pode ser empreendida no interior das ciências natu-
rais, razão pela qual o conhecimento sobre o mundo dos homens não é científi-
co.
b) Os fatos sociais fogem à possibilidade de constituírem objeto do conhecimento
científico, haja vista sua incompatibilidade com os princípios gerais de objetivi-
dade do conhecimento e a neutralidade científica.
c) Apreender a sociedade como um grande organismo, a exemplo do que fazia o
materialismo histórico, é rejeitado como fonte de influência e orientação para as
investigações empreendidas no âmbito das ciências sociais.
d) A ciência social tem como função organizar e racionalizar a vida coletiva, o que
demanda a necessidade de entender suas regras de funcionamento e suas insti-
tuições forjadas historicamente.
e) O papel do cientista social é intervir na construção do objeto, aportando à com-
preensão da sociedade os valores por ele assimilados durante o processo de so-
cialização obtido no seio familiar.

2. Comte acreditava que os problemas sociais e as sociedades, em geral, deveriam


ser estudadas com o mesmo rigor científico das demais ciências naturais. A partir
dessa premissa, Augusto Comte cunhou o nome “Sociologia”, que seria dado à
nova área de estudo que se dedicaria às sociedades. Qual era o objetivo princi-
pal da sociologia de Comte?

a) Transformar o meio social fixo e imutável do século XIX, de forma a inserir perspec-
tivas relativistas acerca do pensamento humano.
b) Demonstrar que o mundo é um lugar violento e degenerado, em que a busca
pelo pensamento positivo é impossível.
c) Entender os efeitos do estranhamento cultural entre diferentes indivíduos em sua

43
convivência com suas diferenças culturais.
d) Entender as leis que regem nosso mundo social, ajudando-nos a compreender os
processos sociais e dando-nos controle direto sobre os rumos que nossas socie-
dades tomariam.
e) N.D.A

3. O positivismo é a linha de pensamento dominante no trabalho de Comte. Sobre


essa corrente de pensamento, marque a alternativa correta:

a) o pensamento positivo baseia-se no bom humor e na felicidade, que devem


comandar as ações do sujeito social moderno que busca entender os conflitos
que se instauram no mundo pós-revolução industrial.
b) as classes sociais sempre estarão em conflito generalizado entre si, uma vez que
o caráter positivo da realidade de uma sempre resultará em resultados negativos
para as outras.
c) o conhecimento verdadeiro só pode ser obtido por meio da experimentação e
pelo aferimento científico.
d) o mundo palpável e observável insere-se dentro do conceito de conhecimento
negativo, e a jornada espiritual voltada para Deus configura-se como o conhe-
cimento positivo.
e) N.D.A

4. (Unespar 2016) “A ciência deveria ser um instrumento para análise da sociedade


a fim de torná-la melhor. O lema era: “conhecer para prever, prever para co-
nhecer”, ou seja, o conhecimento deveria existir para fazer previsões e também
para dar a solução dos possíveis problemas.
(TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o ensino médio. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.
239)

A assertiva acima chama a atenção para um determinado período histórico,


onde o positivismo é determinante para se fazer ciência e, mais precisamente,
resolver os problemas sociais e políticos desse momento histórico.

44
De acordo com os seus conhecimentos e, a partir da assertiva acima, o lema
apresentado, a saber, “conhecer para prever, prever para conhecer” se refere a
qual dos autores abaixo:

a) Emile Durkheim.
b) Karl Marx.
c) Max Weber.
d) Auguste Comte.
e) Saint-Simon.

5. De acordo com Augusto Comte, são estágios da evolução da espécie humana:

a) o ético, o estético e o religioso.


b) o teológico, o metafísico e o científico.
c) o mítico, o estético e o ideológico.
d) o filosófico, o científico e o comunicativo.
e) o ontológico, o epistemológico e o pós-estrutural.

6. A Revolução Industrial e a Revolução Francesa influenciaram fortemente o surgi-


mento da:

a) Astrologia.
b) Geologia.
c) Astronomia.
d) Sociologia.
e) Filosofia.

7. (UEMA/2012) O Positivismo, corrente cientifica que influenciou demasiadamente


os estudos historiográficos no Brasil ao longo do século XX, tinha como premissa o
estabelecimento da verdade sobre o passado, a partir da investigação das fon-
tes históricas. Sobre essa corrente, considere as afirmações a seguir.

I. A bandeira brasileira traz ao centro a inscrição: “ordem e progresso”, em refe-


rência a uma das concepções basilares dessa corrente, que considera a evo-

45
lução de uma sociedade dependente, primeiro, do seu ordenamento sem o
qual não há evolução.
II. Essa corrente, enquanto concepção metodológica de pesquisa histórica,
apropriou-se dos princípios da Escola Romântica alemã, notadamente das
ideias de Humboldt e Leopold Von Ranke. Portanto, entre o Historicismo e o Po-
sitivismo não há diferenças conceituais.
III. A ideia de que o historiador não poderia analisar criticamente a história, ape-
nas descrever os fatos tais e quais se passaram, resultou na exaltação de per-
sonagens “ilustres”, “datas” e “lugares”, já que esses explicavam a história por
si própria.
IV. Na divisão das ciências, a história ocupava o lugar mais importante, pois era o
carro-chefe na compreensão das relações sociais e o historiador era o cientis-
ta que se encarregaria de aplicar a física social, ou seja, conduzir a socieda-
de.
V. Se a nação brasileira aplicasse integralmente os princípios positivistas, rapida-
mente se transformaria numa nação rica e evoluída, pois aliaria o cientificismo
dessa corrente com as ideias românticas de Ranke, como a valorização da
cultura e dos sentimentos dos povos.

Estão corretas apenas as afirmações:

a) II, IV e V.
b) I, II e III.
c) II e IV.
d) I e III.
e) IV e V.

8. (UFU 1998) Sobre o positivismo, como uma das formas de pensamento social, po-
demos afirmar que:

I. é a primeira corrente teórica do pensamento sociológico preocupada em de-


finir o objeto, estabelecer conceitos e definir uma metodologia.
II. derivou-se da crença no poder absoluto e exclusivo da razão humana em co-
nhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis naturais.

46
III. foi um pensamento predominante na Alemanha, no século XIX, nascido prin-
cipalmente de correntes filosóficas da Ilustração.
IV. nele, a sociedade foi concebida como um organismo constituído de partes in-
tegradas e coisas que funcionam harmoniosamente, segundo um modelo físi-
co ou mecânico.

a) II, III e IV estão corretas.


b) I, II e III estão corretas.
c) I, II e IV estão corretas.
d) I e III estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.

47
O CÍRCULO DE VIENA E O UNIDADE
POSITIVISMO LÓGICO

4.1 INTRODUÇÃO

Em 1929 Hans Hahn, Otto Neurath e Rudolf Carnap publicaram um panfleto


denominado “Wissenschaftliche Weltauffassung der Weiner Kreis”, traduzido para o
português A Concepção Científica do Mundo – O Círculo de Viena, conforme o
panfleto, o chamado Círculo de Viena fora fundado por Moritz Schlick físico forma-
do em Heidelberg, Schlick havia difundido o discurso de que era necessário propa-
gar uma concepção científica de mundo, e que além de instaurar os ditames da
ciência empírica a todos os eixos do conhecimento humano, os vestígios da antiga
metafísica deveriam ser combatidos em processo denominado de “purificação da
ciência” (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1986).
Os pensadores, cientistas e filósofos do Círculo de Viena acreditavam que
desde a antiguidade até os dias atuais nos meandros do conhecimento se encon-
travam diluídos os sentimentos e os aspectos da subjetividade humana que não
compreendiam de fato o que eles consideravam como conhecimento, esses as-
pectos subjetivos, denominados de Lebensgefühl (sentimentos perante a vida) se
faziam presentes no conhecimento através do método metafísico que sempre fora
demasiadamente utilizado por todo o desenvolvimento da cultura ocidental. Con-
forme palavras do panfleto:

O metafísico e o teólogo, compreendendo mal a si próprios, creem


expressar algo com suas proposições, descrever um estado das coi-
sas. A análise mostra, todavia, que tais proposições nada significam,
sendo apenas expressão de algo como um sentimento perante a vi-
da [Lebensgefühl]. Tal expressão certamente pode ser uma tarefa
significativa no âmbito da vida. O meio adequado a isso é, porém, a
arte: a poesia lírica ou a música [...] (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1986,
p. 10-11, grifo nosso).

Esses pensadores entendiam que o combate a metafísica, que não se trata-


va de um conhecimento autêntico como vimos na citação acima, mas de um
enunciado de aspectos subjetivos, conforme o próprio Schlick: “O que o empirista

48
diz ao metafísico não é: ‘As tuas palavras afirmam uma coisa falsa’, mas: ‘As tuas
palavras não afirmam nada’. Não o contradiz, mas afirma: ‘Não compreendo o
que queres dizer’ (SCHLICK 1973, apud SILVA, 2012).
Conforme Silva (2012), podemos afirmar que as principais objeções dirigidas
contra a metafísica prescindem do fato que ela encerra por gerar pseudoproble-
mas que são insolúveis. Acompanhemos o raciocínio: os enunciados metafísicos ini-
ciam por se referirem a fenômenos que não correspondem a experiências de fato,
no entanto, geralmente o filósofo metafísico é alguém de notória e brilhante argú-
cia de raciocínio e domínio filosófico e de outros conhecimentos, ele procede, por
sua vez, em galgar uma cadeia de deduções ancorado em um cerne tautológico,
um axioma metafísico que não corresponde a nada, sua argucia e habilidade o
levam a construir todo um verdadeiro monumento sistemático que no entanto não
corresponde a realidade, pois não partiu dessa. Apesar de os sistemas metafísicos
serem verdadeiros exemplos do domínio do raciocínio lógico e filosófico, na acep-
ção do empirista lógico elas acabam nos guiando a erros, a ilusões, sendo assim, a
verificação lógica seria uma maneira de dissolver problemas ilusórios criados pela
metafísica.
Um dos maiores representantes desse parecer sobre a metafísica é o filósofo
Ludwig Wittgenstein. Mesmo não fazendo parte do Círculo de Viena, Wittgenstein
foi um forte propositor do verificacionismo lógico, sendo um dos fundadores desse
princípio. De acordo com Wittgenstein, toda a cultura ocidental encontra-se en-
clausurada em hábitos ilusórios da metafísica, em seus livros Tractatus Logico-
Philosophicus, Investigações Filosóficas, o filósofo tenta por duas frentes distintas
combater esses hábitos. Wittgenstein alega que o platonismo é um marco do surgi-
mento dessas ilusões, e que de certa forma, através da linguagem e da religião, as
ilusões metafísicas passaram a ocupar não somente a filosofia, mas até mesmo as-
pectos de nossa cultura.
Um dos exemplos mais claros sobre esses hábitos metafísicos é a divisão e dis-
tinção entre mente e corpo existente na tradição do pensamento ocidental desde
Sócrates. Para o empirista lógico, bem como para Wittgenstein, e até mesmo para
outros pensadores emblemáticos do ocidente, como Espinosa, essa distinção é uma
ilusão criada por especulações metafísicas. Bem como havíamos dito, muitos filóso-
fos se ancoram nesses pressupostos e erguem seus palácios sistemáticos sobre esses
alicerces metafísicos, tal como Descartes, em seu pensamento a divisão corpo e

49
mente é algo imprescindível.
Não estamos a afirmar aqui que toda a filosofia cartesiana é um erro por
causa desse aspecto, mas somente apontando o que o empirista lógico objeta. Até
mesmo os empiristas lógicos consideram Descartes um filósofo brilhante, contudo,
suas teses, assim como de todos os metafísicos devem ser purificadas, e essa purifi-
cação se consiste na dissolução das ilusões metafísicas.
Para tal empreitada, o empirista lógico, bem como Wittgenstein, lançam
mão do chamado verificacionismo lógico. Vejamos, pois, na próxima sessão, em
que se consiste esse método.

Nessa sessão foram utilizados dois termos que de forma recorrente são usados na filosofia,
são eles: tautológico e axiomas. Os termos são imprescindíveis ao vocabulário de qual-
quer estudo filosófico, ambos advindos da lógica; tautologia é todo enunciado que inci-
de em um significado redundante, portanto é um enunciado vazio em termos de co-
nhecimento, axiomas, por sua vez, são postulados indemonstráveis, que, no entanto, são
considerados verdades fundamentais, evidentes e necessárias. Na acepção do empiris-
mo lógico, como visto aqui, todo axioma incide em uma tautologia, haja visto que ele
não é derivado de uma experiência sensorial, uma empiria.

4.1.1 A teoria do verificacionismo: o princípio do empirismo lógico

Uma das principais ideias da filosofia surgida entre os pensadores do Círculo


de Viena é o chamado “verificacionismo”. A premissa fundamental da teoria verifi-
cacionista é a de que o significado de uma sentença consiste em sua verificação
quanto ao valor epistemológico do que a sentença enuncia. A partir do princípio
“verificacionista” conseguimos compreender melhor o porquê que os filósofos do
Círculo de Viena eram denominados de “empiristas lógicos”. De acordo com Go-
dfrey-Smith (2003, p. 27):

Por “verificação” aqui, os positivistas queriam dizer verificação por


meio da observação. A observação em todas essas discussões é in-
terpretada de forma ampla, para incluir todos os tipos de experiência
sensorial. E “verificabilidade” não é a melhor palavra para o que eles
significam. Uma palavra melhor seria "testabilidade". Isso ocorre por-
que o teste é uma tentativa de descobrir se algo é verdadeiro ou fal-
so, e isso é o que os positivistas tinham em mente. O termo “verificá-
vel” geralmente só se aplica quando você é capaz de mostrar que

50
algo é verdade. Teria sido melhor chamar a teoria de "a teoria do
significado de testabilidade". Às vezes, os positivistas lógicos usavam
essa frase, mas o nome mais padrão é "teoria da verificabilidade" ou
apenas "verificabilidade". O verificacionismo é um princípio empirista
forte; a experiência é a única fonte de significado, bem como a úni-
ca fonte de conhecimento.

Apesar de clamarem e de buscarem um modelo de conhecimento pautado


na ciência, e somente nessa, os filósofos do Círculo de Viena se encontram no âm-
bito da filosofia da linguagem, a meta em comum deles era de alcançar o que
chamavam de “visão científica de mundo” através de um balizamento lógico lin-
guístico.
Conforme visto na citação de Godfrey-Smith (2003), os positivistas lógicos
conservam a crença de que todo conhecimento verdadeiro necessariamente pos-
suí um lastro empírico, e através da verificação da sentença é possível esclarecer a
qual experiência sensível corresponde o enunciado da sentença. Se a sentença
não pode encontrar um correspondente empírico, de certo que ela pode ser con-
siderada como enunciado vazio, em outras palavras, como um conhecimento fal-
so. Para os “empiristas lógicos” todo enunciado metafísico, ou religioso, irá incidir em
uma tautologia caso seja filtrado pela verificação de sua sentença.
Na acepção de Wittgenstein, toda a filosofia ocidental, inclusive as teses
mais emblemáticas do ocidente, deveriam ser diagnosticadas através de uma veri-
ficação lógica; em seu livro inacabado Investigações Lógicas Wittgenstein cria a
imagem de um “óculos metafísico” que turva nossa visão para a própria realidade,
o propósito de sua filosofia seria portanto nos despir desses óculos.
Wittgenstein, por sua vez, combate a metafísica através de dois vieses linguís-
ticos: o primeiro deles, proposto no Tractatus obra publicada em 1921, almeja cons-
truir uma linguagem cientificamente adequada da essência da realidade, essa lin-
guagem seria conquistada, em partes, através de uma depuração da metafísica
constitutiva da filosofia; o segundo viés, conhecido por comentadores como o se-
gundo Wittgenstein, almeja combater a metafísica também, contudo não mais
através da construção de uma espécie de linguagem cientificamente adequada,
mas, devolvendo os problemas metafísicos a seu contexto cotidiano de origem, es-
sa proposta leva em consideração que não existe nada mais empírico do que o
próprio cotidiano, e que todas as nossas questões brotam desse, sendo assim realo-
car as ilusões metafísicas do sistema do filósofo para seu contexto cotidiano dissol-
veria as mesmas.

51
A primeira proposta de Wittgenstein é a mais próxima do propósito do Círculo
de Viena, a segunda, por sua vez, se afasta desse contexto arraigado na ciência.

A partir de seus conhecimentos prévios em filosofia e cultura ocidental, você concorda


com o diagnóstico de Wittgenstein que afirma que prescindem ilusões metafísicas em
muitos aspectos filosóficos em toda a tradição do ocidente?

Conforme visto nessa unidade, o Círculo de Viena toma como um dos seus principais
objetivos a eliminação de toda e qualquer metafísica, não somente da ciência, mas sim
da base epistemológica humana. Se apoiando vigorosamente no empirismo e na lógica,
os filósofos e cientistas que fazem parte do Círculo são denominados também de “empi-
ristas lógicos”. A partir de seus conhecimentos sobre metafísica e epistemologia, você
pondera que a premissa do empirismo lógico é possível e plausível? Por que?

4.2 O ADVENTO DA MECÂNICA QUÂNTICA E A FILOSOFIA: A METAFÍSICA


QUÂNTICA

A mecânica quântica pode ser vista como uma baque, não somente para
os físicos, mas para toda a comunidade científica; de certa maneira podemos
ponderar que a premissa fundamental da quântica mina a solidez “objetiva” que
acompanha a “ciência” e a “física” desde suas origens no século XVI, justamente
porque a quântica possui por premissa que: “todo sujeito modifica o objeto que
analisa”, em outras palavras, que “o observador, no simples fato de observar o fe-
nômeno natural, já o modificou e muito de seu estado natural”.
Essa premissa, se plausível e verdadeira, relega todo método científico a uma
esfera subjetiva no fim das contas, aliás, por mais que todo o círculo de Viena,
Wittgenstein e Karl Popper tenham se esforçado para atingir um modelo lógico de
pensamento onde a assertividade obtivesse máxima acurácia e seu modelo epis-
temológico pudesse ser considerado o mais “objetivo” possível, a premissa trazida
pelos físicos Heisenberg e Schrödinger, símbolos da teoria quântica, poderia por
água baixo todo o esforço do positivismo lógico e de Karl Popper.
O baque da premissa quântica fora tão impactante que o próprio Albert Eins-
tein, físico que como já vimos inspirou a proposta do positivismo lógico, criticou ve-
ementemente a teoria quântica, seus princípios e suas premissas (PONCZEK, 2009).

52
Mas, indo além da premissa de que o sujeito modifica o objeto, que prescinde essa
teoria? E quais são suas consequências gnosiológicas de forma esmiuçada? Vere-
mos, que, em termos filosóficos e epistemológicos, a teoria quântica endossa o ca-
ráter crítico forjado por Kant, mas, contudo, abre espaço a uma nova metafísica, e
essa metafísica, por sua vez, invade a ciência despida de qualquer metafísica pre-
terida e preconizada por Comte, e endossada pelo Círculo de Viena.
No século XVIII, Newton havia descoberto que, em um prisma óptico, a luz
branca se decompõe em todas as cores do arco-íris. Na segunda metade do sécu-
lo XIX descobriu-se que, quando a luz emitida por uma substância aquecida até a
incandescência passa por um prisma óptico, aparecem raias coloridas. Para cada
substância obtêm-se cores diferentes. Então, como se produz essas raias espectrais?
Por que uma substância emite luz de determinadas cores e outras de cores diferen-
tes?
Nessa história vemos o princípio da chamada mecânica quântica, em outras
palavras, o problema que surge daí, o porquê de uma substância emitir luz de cores
diferentes é respondido pelo modelo atômico de Rutherford, proposto por esse em
1911, vejamos, pois, uma imagem do modelo atômico que nos permite visualizar a
resposta para a emissão de cores diferentes:

Figura 1: Modelo Atômico desenvolvido por Rutherford em 1911

Disponível em: https://bit.ly/3aLGnaA. Acesso em: 21 jan. 2021

A partir desse modelo de Rutherford, Bohr demonstrou que as distintas cores


emitidas são devidas aos diferentes níveis de energia que o elétron emite ao saltar
de uma órbita a outra, dependendo de qual órbita a qual órbita o elétron vai, pres-
cinde uma cor. No entanto, por quê o elétron se mantinha naquele sistema orbital

53
atômico saltando sempre de uma órbita a outra em torno do núcleo formado pelos
nêutrons e prótons, de fato, quando um gás é comprimido ou qualquer outro mate-
rial da realidade sofre alguma ação, em termos microscópicos, essa ação irá exci-
tar o átomo, e assim energizar o elétron, contudo, não é coerente crermos que o
movimento do elétron deveria cessar assim que a ação se encerre? Porém, con-
forme observado por Bohr, o elétron jamais cessa seu movimento e seus saltos orbi-
tais, mas por quê? E uma outra pergunta: o que há entre as órbitas? O elétron está
saltando sob o que? As respostas dadas a esse micro fenômeno é aquilo que deu
origem estrutural ao campo da quântica, inicialmente são dadas suas respostas, a
primeira em 1925 pelo físico Heisenberg, e a segunda em 1926 por Schrödinger; es-
ses nomes podem ser considerados os maiores emblemas da quântica.
Vejamos então, qual fora a resposta dada por esses inauguradores da quân-
tica de acordo com Cassinello e Gómez (2017, p. 20): “[...] como, no átomo de
Bohr, o elétron “salta” de uma órbita a outra? Não pode ser que desapareça de
uma órbita e apareça em outra. Na natureza não há saltos descontínuos. Tinha que
haver uma maneira de descrever a mudança de órbita[...]”. Essa maneira era a
equação dada por Schrödinger. Nessa equação, em termos descritivos não mate-
máticos, o físico demonstra que o elétron salta em seu próprio campo de energia,
ou seja, o caminho criado por ele é a energia que ele emana. A partir disso, inaugu-
rou-se aquilo que veio a se denominar por mecânica quântica.
No entanto, mesma com a equação não se podia prever para qual órbita e
quando o elétron se deslocaria. Esse problema que fora denominado, “saltos quân-
ticos”, levou aos dois papas da quântica Schorödinger e Heisenberg a concorda-
rem que os “saltos quânticos” eram indescritíveis, e imprevisíveis. A explicação mais
sensata para essa indescritibilidade viera através do princípio da incerteza de Hei-
senberg, esse princípio fora descrito nas primeiras linhas dessa sessão, ele argumen-
ta sobre em como o sujeito influência no objeto de que analisa. O famoso gato de
Schrödinger se trata de um experimento mental análogo ao “princípio da incerte-
za” de Heisenberg. Não podemos aprofundar nesse assunto sem um aparato técni-
co físico adequado, vamos nos bastar em apontar que a quântica é um advento
que tem consequências epistemológicas relevantes para a filosofia, bem como abri
um espaço para a necessidade da metafísica novamente, pois em muitos casos é
imprescindível avançar em lacunas tais como a dos “saltos quânticos”, e nesse sen-
tido é preciso especular e criar ideias sem um lastro empírico adequado. No mais, a

54
partir do momento onde se admite que todo objeto analisado pode sofrer uma sub-
jetivação do observador, devemos contar com a possibilidade de estarmos aprisio-
nados sempre na metafísica, sempre em um Lebensgefüh, conforme conceito for-
jado pelos empiristas lógicos.
Diante da quântica, as pretensões dos empiristas lógicos se tornam turvas e
embaçadas, de nenhuma maneira a quântica refuta o verificacionismo, contudo,
determinadas sentenças tautológicas quanto ao crivo do verificacionismo, não po-
dem ser substituídas, explicações devem ser dadas, em certos casos, mesmo que
não possam ser reduzidas a empiria, tal como se dava muitas vezes com os “saltos
quânticos”.
Albert Einstein fora um dos cientistas a admitir a quântica em total contragos-
to, conforme Montero (2020, p. 04, grifo nosso):

Embora Einstein seja considerado um dos pais da mecânica quântica


(seu modelo do efeito fotoelétrico de 1905 desempenhou um papel
importante no desenvolvimento da mecânica quântica), com o pas-
sar do tempo, ele considerou desagradável alguns conceitos que es-
tava adotando a mecânica quântica, em particular, o conceito da
indeterminação quântica, que foi desenvolvido na década de 1920.
A noção de que as partículas quânticas não têm estados bem defi-
nidos antes da medição, e principalmente a introdução da aleatori-
edade na física. Tudo aquilo parecia uma mudança radical demais
nos ideais da física clássica que levaram Einstein a se tornar um críti-
co severo da mecânica quântica. Ele passou as últimas décadas de
sua vida procurando uma versão da mecânica quântica que fosse
livre do indeterminismo e da aleatoriedade.

Justamente porque Einstein possuía em sua maneira de pesquisar e ver o


mundo àquela objetividade categórica, e a crença de que a física sempre haveria
de conquistar a certeza em seu método de previsibilidade da natureza. Como já
dissemos anteriormente, Albert Einstein e seus trabalhos foram uma forte influência
ao Círculo de Viena.
Encerra-se por aqui sobre esse importante episódio da ciência, talvez o leitor
deva estar se perguntando por que não abordamos a teoria da relatividade como
conteúdo desse livro também já que fora dedicado uma sessão a quântica. Nosso
propósito nessa abordagem se dá pelo fato da própria ciência ter objetado as pre-
tensões de filósofos que se inspiram na objetividade da ciência e filósofos da ciên-
cia, no caso da relatividade, existe uma correspondência maior com essas critérios
de objetividade, enquanto a quântica demonstra de dentro da ciência que o inde-
terminismo, a aleatoriedade e a subjetividade ocupam espaços dentro do fazer

55
científico e espaços nodais e necessários muitas vezes.

O livro “Química Quântica: Origem e Aplicações” (2020)


de Liziane Bugalski e Daniel Arbo Gabe se trata de um
ótimo material para aqueles que desejam entender a ori-
gem e o desenvolvimento histórico da física e da química
quântica. Os autores propõe nos capítulos iniciais do livro
um itinerário que se inicia nas hipóteses sobre o átomo, e
em como Demócrito lançou mão pela primeira vez desse
conceito na Grécia Clássica entre os pré-socráticos, e
assim sendo, desenvolve sua descrição até a física que
eclode no início do século XX em meio as discussões da
relatividade e das equações de Maxwell sobre o modelo

atômico de Rutherford, mostrando a origem da quântica nos pressupostos matemáticos


de Schroedinger e Heisenberg. Disponível em: https://bit.ly/3qRilk3. Acesso em: 21 jan.
2021.

56
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Ufsj 2013) O Círculo de Viena foi um importante marco para a filosofia e, exem-
plarmente, propôs que:

a) antes de ser classificado de percepção extrema ou subjetividade, todo e qual-


quer dado deve ser sistematicamente analisado.
b) em qualquer evento, existe algo de subjetivo e isso é disfarçado pelas extraordi-
nárias extensões no mundo metafísico.
c) para ser aceita como verdadeira, uma teoria científica deveria passar pelo crivo
da verificação empírica.
d) no limite do que o sujeito pode perceber e do que é exatamente o objeto há um
abismo de possibilidades e é nisso que consiste a importância da metafísica.
e) todo conhecimento deve ser derivado de experiência metafísicas.

2. O que significa o termo Lebensgefühl forjado pelos filósofos do Círculo de Viena?


Assinale a alternativa que contenha a resposta correta:

a) O termo alemão usado pelos filósofos do Círculo de Viena significa “forma de


vida”.
b) O termo húngaro usado pelos filósofos do Círculo de Viena significa “forma de
vida”.
c) Conceito elaborado por Schlick e Neurath visava esclarecer o que se passa na
vida empírica dos fenômenos científicos.
d) O termo alemão usado pelos filósofos do Círculo de Viena significa “sentimentos
perante a vida”.
e) Conceito elaborado por Schlick e Neurath visava esclarecer o fundamento do
verificacionismo.

3. A seguinte frase: “As tuas palavras não afirmam nada”, é uma emblemática frase
do filósofo M. Schlick. Essa frase é uma objeção a qual tipo de pensamento? E
aponta para qual característica que crê notas nesse pensamento? Assinale a al-
ternativa mais adequada a essas perguntas.

57
a) Ao pensamento religioso, que se trata de um pensamento mitológico.
b) Ao pensamento metafísico, que é considerado uma tautologia pelo empirista
lógico.
c) Ao pensamento religioso, que é considerado pelo empirista lógico como uma
expressão de fé.
d) Ao pensamento metafísico, que é considerado um pensamento fraco se consi-
derado o uso da lógica e do raciocínio.
e) Ao pensamento metafísico, que é considerado arraigado de equívocos lógicos.

4. Assinale a alternativa que aponta a definição correta do que é o verificacionis-


mo.

a) A premissa fundamental da teoria verificacionista é a de que o significado de


uma sentença consiste em sua verificação quanto ao valor epistemológico do
que a sentença enuncia.
b) Por “verificação” aqui, os positivistas queriam dizer verificação por meio da ob-
servação. A observação em todas essas discussões é interpretada de forma am-
pla, para incluir todos os tipos de experiência sensorial.
c) O verificacionismo é uma teoria de que todas as sentenças se verificadas devem
incidir em enunciados empíricos.
d) Ambas a alternativas b e c estão corretas.
e) As alternativas a, b e c estão corretas.

5. Os filósofos do Círculo de Viena foram influenciados tanto por cientistas, como


por outros filósofos. Assinale a alternativa abaixo que corresponda a essas in-
fluências.

a) Ludwig Wittgenstein, Karl Popper e Albert Einstein.


b) Ludwig Wittgenstein, Karl Popper e Ernst Mach.
c) Ludwig Wittgenstein, Albert Einstein e Ernst Mach.
d) Ludwig Wittgenstein, Karl Popper e Auguste Comte.
e) Ludwig Wittgenstein, Karl Popper e Isaac Newton.

58
6. Uma das premissas da física quântica é que: “todo sujeito modifica o objeto que
analisa”. Essa premissa é simbolizada por um princípio físico e por um experimento
mental. Assinale a alternativa que contém esses símbolos e seus respectivos auto-
res.

a) Princípio da Incerteza de Schrödinger e o gato de Heinserberg.


b) Princípio do indutivismo de Karl Popper e gato de Schrödinger.
c) Princípio da Incerteza de Heisenberg e o gato de Schrödinger.
d) Princípio da Incompletude de Kurt Gödel e o gato de Schrödinger.
e) Princípio do indutivismo de Karl Popper e Princípio da Incompletude de Kurt
Gödel.

7. Assinale a alternativa que corresponda à uma descoberta científica fundamental


para a origem da quântica:

a) O modelo atômico de Rutherford.


b) O modelo atômico de Schrödinger.
c) O átomo descoberto por Albert Einstein.
d) As fórmulas de Maxwell.
e) O modelo atômico de Bohr.

8. De acordo com Arroyo Montero: “Embora Einstein seja considerado um dos pais
da mecânica quântica (seu modelo do efeito fotoelétrico de 1905 desempenhou
um papel importante no desenvolvimento da mecânica quântica), com o passar
do tempo, ele considerou desagradável alguns conceitos que estava adotando
a mecânica quântica [...]” (2020). A partir dessa citação, assinale a alternativa
que contém os aspectos que Einstein considerava desagradáveis na teoria da
mecânica quântica:

a) Indeterminação e aleatoriedade.
b) Indeterminação e imprecisão.
c) Incerteza e aleatoriedade.
d) Teleologia, causalidade e tautologia.
e) Indeterminação e causalidade.

59
A ECLOSÃO DA FILOSOFIA DA UNIDADE
CIÊNCIA NO SÉCULO XX: DO
FALSIFICACIONISMO DE POPPER
AOS PROGRAMAS DE PESQUISA DE
LAKATOS

5.1 UMA DELIMITAÇÃO PARA A ATIVIDADE CIENTÍFICA: O FALSIFICACIO-


NISMO DE POPPER

Uma das vertentes mais populares sobre metodologia científica é o chama-


do “falsificacionismo” de Popper. Conforme Godfrey-Smith (2003), Sir Karl Popper é
um dos únicos, ou praticamente o único filósofo da ciência a inspirar de fato os ci-
entistas, bem como algumas de suas conjecturas foram apreendidas fortemente
pela biologia, bem como pela ecologia.
Descrevendo de forma sucinta sobre a trajetória do pensador austríaco:

Popper iniciou sua carreira intelectual em Viena, entre as duas guer-


ras mundiais. Ele não fazia parte do Círculo de Viena, mas teve con-
tato com os positivistas lógicos. Esse contato incluiu muitas divergên-
cias, à medida que Popper desenvolveu sua própria posição distinta.
Popper conta como um “empirista” [...] ele passou muito tempo dis-
tinguindo suas visões de versões mais familiares de empirismo. Como
os positivistas lógicos, Popper deixou a Europa com a ascensão do
nazismo e, depois de passar os anos de guerra na Nova Zelândia,
mudou-se para a London School of Economics, onde permaneceu
pelo resto de sua carreira (GODFREY-SMITH, 2003, p. 57, tradução
nossa).

Vemos nessa citação, portanto, que Popper não faz parte do Círculo de Vie-
na, apesar de interesses e abordagens semelhantes, os “empiristas lógicos” ergue-
ram suas teses científicas juntamente a uma filosofia da linguagem e a uma episte-
mologia, Popper, por sua vez, teve como interesses primários compreender a estru-
tura de funcionamento interno da própria ciência e em delimitar o que era “ciên-
cia” e o que era “pseudociência”. Ao contrário do que muitos creem, Popper não
afirma categoricamente que o conhecimento proveniente do que ele chama de
pseudociência seja menor do que o científico, tal como o positivista lógico crê que
a metafísica é tautológica, Popper só afirma que pseudociência não é ciência, são

60
apenas processo metodológicos distintos, e o sufixo de “pseudo” é agregado por
ele justamente porquê essas disciplinas não admitem que seu procedimento é bem
distinto da ciência e almejam por vezes se enquadrarem no mesmo conjunto que
os procedimentos científicos. Um exemplo clássico atrelado por vários comentado-
res de Popper a respeito disso, é a distinção que o filósofo faz do proceder da psi-
canálise de Freud e da física de Einstein, os procedimentos de Einstein para Popper
são evidentemente científicos, enquanto Freud não opera dentro desses mesmos
parâmetros, portanto quando a psicanálise freudiana quer se enquadrar como ci-
ência ela se torna uma pseudociência.
Tendo isso em vista, esse livro confere o caráter de delimitação a teoria me-
todológica científica de Popper. Popper propõe uma teoria e uma metodologia
que delimita àquilo que almeja ser científico, essa teoria é conhecida como “falsifi-
cacionismo”. Avançaremos agora com uma descrição oportuna do pensamento
de Popper que permite angariar teoricamente de forma sucinta o que ele compre-
ende como o “falsificacionismo”.
A primeira análise e reflexão que Karl Popper propõe em seu livro Lógica da
Pesquisa Científica é uma crítica ao “inducionismo”, modelo científico que se origi-
nou na Revolução Científica, conforme já havíamos cotejado nesse livro nas Unida-
des 2 e 3.
A crítica de Popper não é algo autêntico, seu pressuposto já está dado des-
de o século XVIII nos meandros do pensamento epistemológico de David Hume,
esse pressuposto é conhecido como o “problema da indução”; em suma, esse pro-
blema é o simples fato de que qualquer indução possuí uma probabilidade de ser
falsa, até mesmo uma conclusão indutiva verdadeira pode se tornar falsa, por
exemplo: o fato de que todos os cisnes encontrados até os dias de hoje são branco,
não nos dá garantias de que a premissa “todos os cisnes são brancos” tenha vali-
dade universal, haja visto, que sempre existirá a probabilidade de que surja um cis-
ne negro.
O cerne da crítica de Popper, e que já era a crítica epistemológica de Hu-
me, é que não é de fato possível derivar leis universais de constatações singulares,
por mais que sejam averiguados inúmeros casos singulares, jamais será possível
checar todos, de forma assertiva, jamais podemos afirmar, portanto, que um pro-
cesso indutivo pode nos conferir uma “lei universal” de fato.
É interessante e oportuno afirmar isso após já havermos cotejado a teoria

61
quântica e a relatividade, pois ambas refutam a mecânica newtoniana, bem como
outras leis físicas produzidas por Galileu, se nos recordarmos, pois, que todas essas
“leis universais” produzidas por esses físicos clássicos oriundos da Revolução Científi-
ca estão suportadas na indução, notamos agora de maneira clarividente que não
eram de fato “leis universais”, mas afirmações singulares com um escopo muito
grande de exemplares dentro de suas leis descritas.
Vejamos, pois, uma reflexão que torna isso mais palatável: Newton afirmava
que o “tempo” era algo absoluto e concreto, uma grandeza que se comportava
de forma unívoca e independente, apesar de só podermos acessar esse tempo
através de cálculos matemáticos, para Newton ele existe como um elemento da
natureza e se comporta como um fluxo contínuo que independe de outros fenô-
menos para ocorrer (ROVELLI, 2017,p. 58-59); com esse “tempo” absoluto, Newton
opera em todas as suas leis físicas de sua mecânica. Observemos que a afirmação
sobre o caráter absoluto do tempo é algo obtido através de uma indução é que
ganha o status de lei universal, no momento em que Einstein, no início do século XX,
demonstra uma série de eventos nos quais o tempo não se comporta de maneira
absoluta, como já vimos no capítulo anterior, o caráter “universal” cai por terra e o
“problema da indução” vêm à baila.
É importante ressaltar aqui, que o “tempo” absoluto de Newton não é algo
mentiroso, falso, contudo, não possuí um status de universalidade, se encontra limi-
tado em determinados eventos da natureza, e outros nos deparamos com defor-
mações no “tempo” e em relativizações do mesmo, conforme demonstrou Einstein
e Lorenz. Eis então, que Hume triunfa em sua prerrogativa do “problema da indu-
ção”, e Popper interpreta criticamente a partir desse todo experimento científico
empírico experimental.
Acreditamos que a partir dessas descrições e críticas trazidas por Popper po-
demos alcançar o mel da colmeia denominada falsificacionismo. Conforme o
“problema da indução”, em termos epistemológicos estamos enclausurados a arcar
com uma preponderância da indução em nosso conhecimento, no entanto, Pop-
per afirma que de fato só iremos arcar com essa preponderância quando estamos
interessados em afirmar “verdades”, se, no entanto, nos dispusermos a notar àquilo
que há de “falso” no que observamos na realidade, estaremos deduzindo o que é
“falso”, e assim sendo nosso conhecimento sobre o que algo não é, é um conheci-
mento seguramente dedutivo.

62
A partir disso, Popper lança a tese de que todo procedimento metodológico
contém um caráter empirista falseável, em outras palavras, toda teoria científica
permite que essa venha a ser falsificada, essa é a lacuna prevista pelo “problema
da indução”. Assim como Newton veio a ser falseado pela física de Einstein, toda
tese que requer o caráter de ciência para si, deve conter em si mesma um princípio
de falseabilidade, haja visto que todo conhecimento que almeja descrever algo de
forma “verdadeira” arca com sua “indução”, e dentro da “indução” está contida a
possibilidade de falseamento. Cotejamos uma citação de Godfrey-Smith (2003, p.
58-59, tradução nossa) que endossa nossa descrição:

Popper chamou o problema de distinguir a ciência da não-ciência


de "problema da demarcação". Toda a filosofia de Popper começa
com sua proposta de solução para este problema. “Falsificacionis-
mo” foi o nome que Popper deu à sua solução. O falsificacionismo
afirma que uma hipótese é científica se, e somente se, tiver o poten-
cial de ser refutada por alguma observação possível. Para ser cientí-
fico, uma hipótese tem que assumir um risco, tem que “arriscar o
pescoço para fora”. Se uma teoria não corre nenhum risco, porque é
compatível com todas as observações possíveis, então não é cientí-
fica. [...] Até agora, descrevi o uso da falseabilidade de Popper para
distinguir teorias científicas das não científicas. Popper também fez
uso da ideia de falsificação de uma forma mais abrangente. Ele
afirmou que todos os testes na ciência têm a forma de tentar refutar
teorias por meio da observação. E, o que é crucial, para Popper
nunca é possível confirmar ou estabelecer uma teoria mostrando sua
concordância com as observações. A confirmação é um mito. A
única coisa que um teste observacional pode fazer é mostrar que
uma teoria é falsa.

Muitas outras metodologias e filósofos da ciência, como Imre Lakatos, Tho-


mas Kuhn, Alan Chalmers, dirigiram críticas ao falsificacionismo de Popper, contudo,
existe uma genialidade de raciocínio filosófico ímpar dentro da tese do falsificacio-
nismo, se as teses científicas são falsificáveis, elas o são, justamente porque a ciên-
cia busca de toda forma alcançar a verdadeira descrição da realidade, e como
isso não é possível, pois nossa descrição empírica da realidade é sempre, no fim das
contas coroada por uma indução, necessariamente, toda e qualquer tese com-
prometida de fato com a verdade, sempre será falseada. No mais, conforme ele, a
pseudociência não é falseável, e, portanto, não está totalmente comprometida
com uma descrição empiricamente verdadeira. Isso não quer dizer que as pseudo-
ciências não nos auferem discursos úteis, contudo, não são procedimentos total-
mente criteriosos quanto ao caráter de verdade empírica.

63
5.2 A CIÊNCIA CONFORME PARADIGMAS CIENTÍFICOS DE KUHN E O PRO-
GRAMA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DE IMRE LAKATOS

O físico e historiador da ciência Thomas Kuhn sugere uma abordagem distinta


das vistas até aqui para tentar delimitar o fenômeno da ciência, partindo de um
ponto de vista heurístico sobre o desenvolvimento fático da ciência, Kuhn implode,
de certa maneira, com a proposta de delimitar metodologicamente essa. Sua pro-
posta, que passa por uma visão histórica do desenvolvimento da ciência, inaugura
aquilo que o próprio denominara como “paradigma” científico, “ciência normal” e
“revolução científica” dentro do âmbito da filosofia da ciência. Mas o que, exata-
mente, Kuhn denomina como paradigma científico? Logo na primeira parte de seu
livro A estrutura das revoluções científicas, Kuhn (1998, p. 29-30) esclarece sobre a
que se refere como paradigma científico:

A física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu, os Principia e a Op-


tica de Newton, a Eletricidade de Franklin, a Química de Lavoisier e a
Geologia de Lyell – esses e muitos outros trabalhos serviram, por al-
gum tempo, para definir implicitamente os problemas e métodos le-
gítimos de um campo de pesquisas para as gerações posteriores de
praticantes de ciência. Puderam fazer isso porque partilhavam duas
características essenciais. Suas foram suficientemente sem preceden-
tes para atrais um grupo duradouro de partidários, afastando-os de
outras formas de atividade científica dissimilares. Simultaneamente,
suas realizações eram suficientemente abertas para deixar toda a
espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido
de praticantes da ciência. Daqui por diante deverei referir-me às rea-
lizações que partilham essas duas características como “paradig-
mas”.

A nós, do campo filosófico, nos deve chamar a atenção o fato da física ter
sido a mais bem sucedida ciência no que diz respeito a erigir “paradigmas” até os
dias de hoje. Essa eficiência paradigmática da física, fora exatamente aquilo que
chamara a atenção de Kant e dos demais filósofos da modernidade.
Para Kuhn, a ciência que é feita por uma comunidade científica dentro de
um determinado paradigma científico, e seguindo os pressupostos fundamentais e
básicos dados por esses paradigmas, ou seja, tomando esses pressupostos como
uma espécie de axioma científico, é denominada de “ciência normal”. Vamos
exemplificar isso para que possa ficar mais palpável: durante todo o transcorrer des-
se livro foram apontados vários exemplos de paradigmas científicos, conforme a
teoria de Kuhn, entre eles se encontram a física de Aristóteles, a mecânica de New-
ton e a mecânica quântica; dentro do paradigma aristotélico o movimento (e sua

64
velocidade portanto) ser inerente ao objeto ou a ser, e variar conforme a essência
desses é uma espécie de axioma desse paradigma, toda ciência feita dentro desse
paradigma leva em conta que essas características são verdadeiras, ao avançar
para a mecânica newtoniana o movimento não é mais visto como uma proprieda-
de inerente aos objetos, mas a resultante de forças externas a todo e qualquer ob-
jeto, se Aristóteles está correto, Newton não está, pois esses paradigmas não podem
coexistir ambos como verdades, pois se refutam; no entanto, tanto em um como
em outro é considerado uma atividade de “ciência normal” quando se procede
em pesquisas que tomam por base verdadeira algum dos “paradigmas. O mesmo
vale para a mecânica de Newton e a quântica, na primeira o “tempo” é conside-
rado uma entidade da realidade é visto como algo absoluto, na segunda, por sua
vez, o tempo é considerado como algo relativo e que possuí um contestabilidade
se é de fato é algo na realidade, ou se, somente é uma forma de interpretação,
uma notação quantitativa da matemática; o importante a ressaltar aqui é que to-
da a ciência que leva em consideração o tempo de Newton encontra-se em um
paradigma, e que toda pesquisa que pondera que esse não pode ser absoluto se
encontra nos paradigmas da quântica ou da relatividade.
Para Kuhn existe também um momento do desenvolvimento histórico da ci-
ência chamado de período de crise, é um período em que o paradigma deixa de
ser satisfatório, acompanhemos uma citação de Godfrey Smith (2003, p. 82,
tradução nossa) sobre isso:

Uma “anomalia” para Kuhn é um quebra-cabeça que resiste à solu-


ção. Kuhn afirma que todos os paradigmas enfrentam algumas
anomalias em um determinado momento. Enquanto não houver mui-
tos deles, a ciência normal prossegue como de costume e os cientis-
tas os consideram um desafio. Mas as anomalias tendem a se acu-
mular. Às vezes, um único se torna particularmente proeminente, por
resistir aos esforços dos melhores trabalhadores do campo. Eventu-
almente, de acordo com Kuhn, os cientistas começam a perder a fé
em seu paradigma. O resultado é uma crise. A ciência da crise, para
Kuhn, é um período especial em que um paradigma existente per-
deu a capacidade de inspirar e guiar os cientistas, mas quando ne-
nhum novo paradigma emergiu para colocar o campo de volta nos
trilhos. A transição para uma crise é quase como uma transição de
fase, como a mudança de uma substância do sólido para o líquido
durante a fusão. Por alguma razão, os cientistas em um campo per-
dem a confiança no paradigma. Como consequência, as questões
mais fundamentais estão de volta à mesa para debate. Curiosamen-
te, Kuhn chega a sugerir que, durante as crises, os cientistas tendem
a repentinamente se interessar pela filosofia, um campo que ele vê

65
como bastante inútil para a ciência normal. (2003, p. 82. Tradução
Nossa)

Nos exemplos que citamos podemos notar anomalias quando, por exemplo,
em algum experimento o movimento conforme Aristóteles gera um “quebra cabe-
ças”, ou mesmo se o tempo absoluto conforme Newton também gera isso, em ou-
tras palavras, parece que se o paradigma é verdadeiro os resultados de algum ex-
perimento se mostram como paradoxais, sendo assim a verdade paradigmática
entra em crise, essa crise se estende até que outro paradigma seja equacionado.
Conforme Kuhn, toda ciência que opera fora de um paradigma, é chamada
de ciência extraordinária, ao invés de ciência normal. Essa ciência surge pois de
fato as pesquisas não podem cessar, nesse tipo de ciência não existe um paradig-
ma que a sustente, inclusive as pesquisas em ciência extraordinária são efluentes de
novos paradigmas.
A publicação do livro de Kuhn modificou todo o cenário da filosofia da ciên-
cia, Kuhn conferiu uma importância a perspectiva e não se pode disputar que esta
é a primeira tentativa, desde há muito tempo, de usar insights históricos para infor-
mar a abordagem da ciência feita pelos filósofos.
Um outro aspecto apontado por Kuhn que mina uma das bases nucleares do
empirismo lógico é o aspecto de que quando investigado momentos cruciais da
história da ciência, como por exemplo, as contribuições de Kepler a astronomia,
praticamente não encontramos um momento em que a ciência fora executada de
forma pura, em outras palavras, despida de quaisquer traços metafísicos.
Nesse sentido, podemos concluir de maneira bem sucinta e objetiva, sem
aprofundar tanto nas teses de Kuhn, pois o objetivo desse livro é somente fazer uma
apresentação de cada um dos filósofos mais importantes no que diz respeito a filo-
sofia da ciência, que para Kuhn existe um ciclo no progresso da ciência: determi-
nadas teses científicas lançam “paradigmas”, as comunidades científicas passam a
operar naquilo que é chamado de “ciência normal”, que são pesquisas que ocor-
rem nas bases conceituais oferecidas pelos “paradigmas”, quando um “paradig-
ma” se esgota e é substituído ocorre uma “revolução científica”. Vale a pena cita
Godfrey-Smith (2003, p. 77, tradução nossa) para auferir maior autenticidade a essa
descrição:

Kuhn usou a frase “ciência normal” para o trabalho científico que


ocorre dentro da estrutura fornecida por um paradigma. Uma carac-

66
terística fundamental da ciência normal é que ela é bem organiza-
da. Os cientistas que fazem ciência normal tendem a concordar so-
bre quais problemas são importantes, como abordá-los e como ava-
liar possíveis soluções. Eles também concordam sobre como o mundo
é, pelo menos em linhas gerais. Uma revolução científica ocorre
quando um paradigma quebra e é substituído por outro.

De acordo com Godfrey-Smith (2003) o Programa de Investigação Científica


proposto por Imre Lakatos é algo bastante semelhante aos “paradigmas científicos”
de Kuhn, apesar de que o próprio Lakatos considerava a proposta histórica de Kuhn
algo de um irracionalismo latente. Para Lakatos a proposta de Kuhn, que coloca a
história da filosofia como nódulo e bussola para a investigação sobre o fenômeno
da ciência, se fundamenta em algo impreciso, que é o próprio método de desen-
volvimento da pesquisa histórica, que para Lakatos, a história ainda era um método
lacuna e impreciso. A influência de Popper no pensamento de Lakatos era algo
evidente e forte, possivelmente sua desconfiança para com a história advêm dos
pressupostos de Popper, Popper não só classificava a metodologia da história como
uma pseudociência, mas além disso, criticava o processo de desenvolvimento do
historicismo como algo extremamente raso e pobre, as críticas de Popper foram
publicadas em 1936 no livro A Miséria do historicismo.
Com uma proposta de filosofia da ciência que almejava também rebater o
“irracionalismo” propagado por Popper, Lakatos lança mão de um estudo que têm
como base a proposta do Programa de Investigação Científica:

Um Programa de Investigação Científica consiste basicamente em


um núcleo e uma heurística. O núcleo é um conjunto de proposições
“metafísicas”, i.e., proposições que por decisão metodológica são
dadas como não testáveis. A heurística é um conjunto de regras me-
todológicas e pode ser vista como a conjunção de uma heurística
negativa, que consiste em regras que nos dizem que direções de
pesquisa devem ser evitadas, e uma heurística positiva, que são re-
gras que indicam as direções a serem seguidas (BORGES NETO, 2012,
p. 02).

Como já afirmado, o próprio Lakatos afirma que seu Programa de Investiga-


ção seja análogo a proposta de Kuhn, o núcleo é semelhante a um paradigma, a
heurística, por sua vez, está próxima a ciência normal. De acordo com o próprio
Lakatos, a diferença se consiste em que os Programas de Investigação coexistem,
ou seja, eles não operam conforme os paradigmas, Programas distintos e que se
contradizem podem operar paralelamente, inclusive eles competem entre si. No
caso dos “paradigmas”, esse prepondera, e não coexiste um paradigma rival ao

67
mesmo tempo, ele somente é substituído. Essa falha no pensamento de Kuhn, con-
forme Lakatos, é fruto de sua perspectiva histórica. Acompanhemos dois exemplos
de Programas de Investigação dados por Godfrey-Smith (2003, p. 104-105, tradução
nossa)em sua leitura da teoria de Lakatos:

Por exemplo, o programa de pesquisa newtoniano da física do sécu-


lo XVIII tem as três leis do movimento de Newton e sua lei gravitacio-
nal como seu núcleo duro. O cinturão protetor (heurística) do newto-
nianismo mudará com o tempo e, a qualquer momento, conterá
ideias detalhadas sobre a matéria, uma visão sobre a estrutura do
universo e ferramentas matemáticas usadas para ligar o núcleo duro
aos fenômenos reais. O programa de pesquisa darwinista em biolo-
gia do século XIX tem um núcleo duro que afirma que diferentes es-
pécies biológicas estão ligadas por descendência e formam uma ár-
vore genealógica (ou talvez um número muito pequeno de árvores
separadas). Mudanças nas espécies biológicas são devidas princi-
palmente ao acúmulo de pequenas variações favorecidas pela se-
leção natural, com algumas outras causas da evolução desempe-
nhando um papel secundário. O cinturão protetor do darwinismo do
século XIX é composto de um conjunto mutante de idéias mais deta-
lhadas sobre quais espécies estão intimamente relacionadas com
quais; idéias sobre herança, variação, competição e seleção natural;
idéias sobre a distribuição de organismos ao redor da Terra; e assim
por diante.

Um dos argumentos de objeção de Lakatos a Kuhn é o de que se os núcleos


teóricos das propostas científicas não coexistem, conforme o caso dos paradigmas,
o progresso da ciência é de certa maneira comprometido, pois não há algo interno
que faça com que o paradigma mude, sendo assim o progresso estaria estancado
se a perspectiva histórica de Kuhn estivesse correta. Em sua proposta dos Programas
de Investigação, a coexistência dos núcleos e a competição entre eles é uma con-
dição vital para o progredir científico.

68
Um dos livros mais completos sobre o desenvolvimento da
filosofia da ciência ao longo de todo o século XX é o livro
publicado por em “O que é ciência afinal?” (1993) de Alan
Chalmers. Chalmers faz uma imersão em todo o desenvol-
vimento da filosofia da ciência, desde o indutivismo, pas-
sando por versões do falsificacionismo popperiano, con-
templando as propostas de Kuhn, Lakatos e por fim, Chal-
mers lança mão de uma teoria própria apoiada no realis-
mo científico. Disponível em: https://bit.ly/3aMgyan. Acesso
em: 19 jan. 2020.

O livro “Tópicos em Epistemologia” (2019) de João Carlos


Lourenço Caputo, além de abordar a questão conheci-
mento em vários filósofos importantes para a filosofia da
ciência como Descartes, Hume e Kant, ainda traz um capí-
tulo abordando o tratamento do conhecimento humano
na filosofia da ciência de Thomas Kuhn. Disponível em:
https://bit.ly/2ZGCPQH. Acesso em: 19 jan. 2020.

69
5.3 O ANARQUISMO EPISTEMOLÓGICO E A CRIATIVIDADE NA CIÊNCIA: A
FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE PAUL FEYERABEND

Paul Feyerabend, a última parada do itinerário sobre a filosofia da ciência do


século XX desse livro tornou-se emblemático pelo seu livro denominado Contra o
Método. A intenção do pensador austríaco, de fato, se trata da implosão de quais-
quer métodos prévios que venham a direcionar uma pesquisa científica. Uma me-
todologia prévia, conforme Feyerabend, pode tolher o potencial criativo do pesqui-
sador, e em sua perspectiva, a pesquisa científica é uma atividade guiada pela
criatividade e pela liberdade, antes de ser guiada por um método específico.
Na acepção de Feyerabend, a contemporaneidade passou a realizar uma
ciência inimiga da liberdade, uma espécie de ciência tal como uma linha de pro-
dução em série, que somente reproduz e não inova:

No século XVII, de acordo com Feyerabend, a ciência era amiga da


liberdade e da criatividade e se opunha heroicamente ao domínio
embrutecedor da Igreja Católica. Ele admirava os aventureiros cientí-
ficos desse período, especialmente Galileu. Mas a ciência de Galileu
não é a ciência de hoje. A ciência, para Feyerabend, deixou de ser
uma aliada da liberdade para se tornar uma inimiga. Os cientistas es-
tão se transformando em “formigas humanas”, totalmente incapazes
de pensar fora de seu treinamento. E o domínio da ciência na socie-
dade ameaça transformar o homem em um “mecanismo miserável,
hostil, hipócrita, sem charme ou humor”. Nas páginas finais de Contra
o Método, ele declara que a sociedade agora deve ser libertada
das garras sufocantes de uma instituição científica dominadora, as-
sim como antes teve que ser libertada das garras da Única Religião
Verdadeira (GODFREY-SMITH, 2003, p. 113, traduação nossa).

Tomando como exemplo as investigações de Galileo Galilei, Feyerabend de-


fende que durante toda a Revolução Científica os astrônomos inovavam de forma
criativa na heurística que propunham para ler os fenômenos da natureza que to-
mavam por objeto de estudo, em outras palavras, a teoria heliocêntrica que substi-
tuíra o geocentrismo é fruto de um intenso exercício de criatividade e liberdade de
leitura da natureza, uma nova interpretação desse tipo só pode surgir mediante ao
uso da criatividade e a criatividade não pode ser previamente guiada, ou seu po-
tencial seria desde o início limitado. Pautando-se nessa imprescindibilidade da cria-
tividade na pesquisa cientifica, Feyerabend traz o mote denominado “vale tudo”
diante da pesquisa científica, um mote que afirma que a pesquisa científica não
pode se amarrar em premissas a priori, mas que de início tudo é válido como méto-
do.

70
Dessa não demarcação metodológica proposta por Feyerabend prescinde
sua característica não racionalista a respeito da ciência, ao lançar o mote do “vale
tudo” uma pesquisa pode ser guiada por diretrizes que não se assemelhem com
vias racionais; eis daí o caráter de anarquismo epistemológico proferido pelo filóso-
fo; a ciência não precisa estar prescrita por um método racional dado. Nas pala-
vras do próprio:

[...] Um anarquista ingênuo diz (a) que tanto as regras absolutas


quanto as dependentes do contexto têm seus limites e conclui (b)
que todas as regras e critérios são inúteis e devem ser postos de lado.
A maior parte dos comentadores considera-me um anarquista ingê-
nuo neste sentido, esquecendo as numerosas passagens onde mos-
tro que certos procedimentos ajudaram os cientistas na sua investi-
gação. [...] embora eu concorde com (a), não concordo com (b).
Sustento que todas as regras têm seus limites e que não existe uma
“racionalidade” englobante. Não sustento que devamos proceder
sem regras nem critérios [...]. (FEYERABEND, 2007, p. 231).

O anarquismo epistemológico, por sua vez, não se trata de que a pesquisa


científica deva operar sem quaisquer regras, mas que não deve haver uma prescri-
ção metodológica que venha a tolher a liberdade e a criatividade dos pesquisado-
res envolvidos.

71
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Leia as afirmações abaixo a respeito de Karl Popper:

I. Ele nasceu na Inglaterra, onde exerceu carreira docente e recebeu o título de


Sir;
II. Ele foi um dos pensadores mais importantes do Círculo de Viena;
III. Ele foi autor do critério de verificabilidade;
IV. Sua maior contribuição foi o critério de falseabilidade;
V. Também ofereceu uma grande contribuição para a filosofia política.

Com base nas afirmações acima, estão corretas:

a) Apenas I e IV;
b) Apenas II e IV;
c) Apenas IV e V;
d) Apenas I, III e V;
e) Apenas I, II, III e V

2. Analise o seguinte fragmento de Popper:

Um dos ingredientes mais importantes da civilização ocidental é o que poderia chamar


de 'tradição racionalista', que herdamos dos gregos: a tradição do livre debate – não a
discussão por si mesma, mas na busca da verdade. A ciência e a filosofia helênicas foram
produtos dessa tradição, do esforço para compreender o mundo em que vivemos; e a
tradição estabelecida por Galileu correspondeu ao seu renascimento.
(POPPER, K. R. Conjecturas e refutações. Brasília: UNB, 1972. p. 129)

Qual característica da ciência podemos entender a partir dessa visão de Pop-


per?

a) O caráter racional da ciência;


b) O caráter empírico da ciência;
c) O caráter infalível da ciência;
d) O caráter universal da ciência

72
e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.

3. Em sua filosofia da ciência, Sir Karl Popper, parte de uma premissa epistemológi-
ca empirista que se torna componente fundamental de sua tese do falsificacio-
nismo. Assinale a alternativa que aponta corretamente essa premissa e qual filó-
sofo empirista ela pertence.

a) Trata-se do problema epistemológico denominado “indutivismo” de David Hume.


b) Trata-se do problema epistemológico denominado “indutivismo” de John Locke.
c) Trata-se do problema epistemológico denominado “verificacionismo” do Círculo
de Viena.
d) Trata-se do problema epistemológico denominado “tabula rasa” de David Hume.
e) Trata-se do problema da tautologia da metafísica, caráter que os filósofos do
Círculo de Viena.

4. Para muitos estudiosos e leitores da filosofia da ciência as propostas metodológi-


cas de Kuhn e Lakatos são análogas, no entanto, apresentam uma distinção fun-
damental. Assinale a alternativa que contém as propostas de ambos, bem como
qual seria essa distinção fundamental entre elas.

a) As propostas análogas de Kuhn e Lakatos são os “paradigmas científicos” e os


“programas de pesquisa científica” e sua distinção fundamental se consiste no
uso do verificacionismo lógico empírico que Lakatos faz.
b) As propostas análogas de Kuhn e Lakatos são os “paradigmas científicos” e os
“programas de pesquisa científica” e sua distinção fundamental se consiste em
que os programas de pesquisa coexistem e devem coexistir, enquanto os para-
digmas preponderam de forma única.
c) As propostas análogas de Kuhn e Lakatos são os “paradigmas científicos” e os
“programas de pesquisa científica” e sua distinção fundamental se consiste no
fato de que Kuhn faz uso do falsificacionismo de Popper de uma maneira históri-
ca, enquanto Lakatos faz o mesmo uso de forma a-histórica.
d) As propostas análogas de Kuhn e Lakatos são os “paradigmas científicos e os
“programas de pesquisa científica” e sua distinção fundamental se consiste.
e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.

73
5. Segundo Thomas Kuhn, revoluções científicas são aqueles episódios de desenvol-
vimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parci-
almente substituído por um novo, incompatível com o anterior, conforme defen-
de na obra A Estrutura das Revoluções Científicas. No que diz respeito à filosofia
da ciência de Thomas Kuhn, julgue os itens que se seguem.

I. Para ocorrer uma revolução científica, é necessário que haja a passagem de


um período de ciência normal para outro período de ciência normal, interca-
lada por um período de ciência revolucionária, no qual, em geral, os para-
digmas entram em crise.
II. Paradigma é considerado uma das principais noções da filosofia da ciência
de Thomas Kuhn, visto que ela se articula diretamente à noção de revolução
científica.
III. Um paradigma, em grande medida, define uma comunidade científica ou
partes de uma comunidade científica.

Estão corretos os itens:

a) Nenhum dos itens está correto.


b) Somente o I.
c) Somente o II.
d) Os itens I e II.
e) Os itens I, II e III.

6. De acordo com Thomas Kuhn: “A física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu,


os Principia e a Optica de Newton, a Eletricidade de Franklin, a Química de La-
voisier e a Geologia de Lyell – esses e muitos outros trabalhos serviram, por algum
tempo, para definir implicitamente os problemas e métodos legítimos de um
campo de pesquisas para as gerações posteriores de praticantes de ciência.”
(1998, p. 29 e 30)

As obras citadas nesse excerto são consideradas por Kuhn como:


a) Contextos de Revolução Científica.
b) Contextos em que opera a ciência normal.

74
c) Exemplos de paradigmas científicos.
d) Programas de Investigação Científica.
e) Heurísticas da ciência natural.

7. De acordo com Imre Lakatos: “Um Programa de Investigação Científica consiste


basicamente em um núcleo e uma heurística. O núcleo é um conjunto de propo-
sições “metafísicas”, i.e., proposições que por decisão metodológica são dadas
como não testáveis”.

A partir dessa citação assinale a alternativa que possuí um exemplo correto de


um programa de investigação, demonstrando o núcleo e a heurística.

a) O programa de pesquisa darwinista em biologia do século XIX tem um núcleo


duro que afirma que diferentes espécies biológicas estão ligadas por descen-
dência e formam uma árvore genealógica (ou talvez um número muito pequeno
de árvores separadas). Mudanças nas espécies biológicas são devidas princi-
palmente ao acúmulo de pequenas variações favorecidas pela seleção natural,
com algumas outras causas da evolução desempenhando um papel secundário.
O cinturão protetor (heurística) do darwinismo do século XIX é composto de um
conjunto mutante de idéias mais detalhadas sobre quais espécies estão intima-
mente relacionadas com quais; idéias sobre herança, variação, competição e
seleção natural; idéias sobre a distribuição de organismos ao redor da Terra; e as-
sim por diante.
b) O programa de pesquisa newtoniano da física do século XVIII tem as três leis do
movimento de Newton e sua lei gravitacional como seu núcleo duro. O cinturão
protetor do newtonianismo mudará com o tempo e, a qualquer momento, con-
terá ideias detalhadas sobre a matéria, uma visão sobre a estrutura do universo e
ferramentas matemáticas usadas para ligar o núcleo duro aos fenômenos reais.
c) O programa de pesquisa darwinista em biologia do século XIX tem uma heurística
que afirma que diferentes espécies biológicas estão ligadas por descendência e
formam uma árvore genealógica (ou talvez um número muito pequeno de árvo-
res separadas). Mudanças nas espécies biológicas são devidas principalmente
ao acúmulo de pequenas variações favorecidas pela seleção natural, com al-
gumas outras causas da evolução desempenhando um papel secundário. O nú-

75
cleo, por sua vez, do darwinismo do século XIX é composto de um conjunto mu-
tante de idéias mais detalhadas sobre quais espécies estão intimamente relacio-
nadas com quais; idéias sobre herança, variação, competição e seleção natural;
idéias sobre a distribuição de organismos ao redor da Terra; e assim por diante.
d) Ambas as alternativas A e B podem ser consideradas corretas.
e) As alternativas a, b e c podem ser consideradas corretas.

8. Para Thomas Kuhn um dos equívocos dos pensadores do Círculo de Viena era:

a) Se debruçar na filosofia da linguagem para construir um modelo de método para


a ciência.
b) Partir do verificacionismo de sentenças para atingir critérios científicos.
c) Se inspirar na física do século XX para a criação de suas teorias e teses.
d) Usar o verificacionismo como critérios de cientificidade.
e) Crer ser possível que o conhecimento e a ciência possam ser realizados despidos
totalmente de caracteres metafísicos.

76
RELAÇÕES ENTRE A CIÊNCIA E UNIDADE
ÉTICA: A DICOTOMIA DO
PROGRESSO
6.1 INTRODUÇÃO

Na segunda parte de sua obra de vida, Fausto, Goethe vislumbrou, capturou


e expressou magistralmente em forma lírica e dramática alguns dos dilemas mais
caros entre a ciência e a ética. O primeiro desses dilemas é expresso por Goethe no
segundo ato dessa parte, se trata da tentativa da criação da vida pelas mãos do
ser humano, ato que transcorre entre o quarto de Fausto e o laboratório, o ser hu-
mano criado in vitro é chamado de homúnculo, a pretensão da criação de ser fa-
lha, entretanto sem muitas consequências aos indivíduos e a sociedade, o mais
atingido é o próprio homúnculo que desenvolve uma consciência, mas que não
possuí uma estrutura fisiológica que faça jus a um indivíduo pleno; o episódio não
deixa de mostrar uma das tangentes entre as pretensões do desenvolvimento da
ciência e da ética.
O segundo, que também é mais catastrófico, envolve não somente ciência,
mas a tecnologia, a indústria e a colonização. Devemos estar atentos, pois esses
contextos estão atrelados mais do que cremos, acompanhemos a progressão de
pensamento: desde o século XVIII, e quiçá antes, com a eclosão da Segunda Revo-
lução Industrial a ciência tem seus produtos cooptados e reivindicados pela tecno-
logia, pela indústria e pela colonização, sendo assim, são desenvolvidos não somen-
te novas ferramentas, e máquinas para o bem estar da sociedade, mas se investe
muito em armas e formas de domínio do próprio ser humano, a ciência, nesse senti-
do, desde a Revolução Científica, recebe a incumbência de desenvolver formas de
dominar e transformar a natureza, mas também de dominar e transformar o próprio
ser humano. Nesse sentido, o progresso científico-tecnológico é feito ao preço de
vidas humanas. E assim ocorre em Fausto, no episódio trágico de Philemon e Baucis,
um casal de velhinhos que vive a anos em uma região onde Fausto pretende colo-
nizar e transformar trazendo tecnologia e progresso a região ainda feudal, o casal
que se recusa a se mudar dali é assassinado por trabalhadores a serviço de Fausto
e Mefistófeles em uma cena em que o casebre dos velhinhos é demolido com os
dois dentro.

77
Os episódios do Fausto citados trazem a relação entre a ética e o desenvol-
vimento da ciência à tona, conforme nos esclarece Cardoso (1998, p. 01):

A relação ética e ciência é um dos desafios colocado a nós nessa


segunda metade de século. A partir da hecatombe de Hiroshima, a
ambigüidade do progresso científico-tecnólogico passou do plano
teórico para o existencial, ou seja, começamos a perceber na vida
cotidiana a deterioração galopante do ambiente físico e social ao
lado do mundo estonteante e maravilhoso da tecnologia. As con-
quistas tecnológicas nos campos da comunicação, transporte, ali-
mentação, moradia, saúde e lazer convivem ao lado do desequilí-
brio ecológico, da miséria, da fome, dos sem-emprego, sem-terra,
sem-teto, enfim ao lado de toda sorte de violência que destrói digni-
dade humana dos excluídos. Por isso, Le Goff (1994: 366) - em sua re-
flexão sobre o conceito de progresso - conclui que “como não há
progresso que não seja também moral, a principal tarefa dos nossos
dias [...], na via de um progresso ridicularizado e duvidoso, mas pelo
qual se deve mais do que nunca combater, é o combate pelo pro-
gresso dos direitos humanos.

A ética tem por princípio evitar que os seres humanos sejam objetificados,
objetificação essa que ocorre como consequência de nossas próprias ações em
sociedade, por exemplo, a “escravidão” é explicitamente uma das mais cruéis ob-
jetificações já cometidas entre os seres humanos, no caso da “escravidão”, ela não
é uma objetificação por consequência, mas uma objetificação planejada e im-
plementada, obviamente que sua execução extrapola quaisquer condutas éticas e
direitos do escravizado, em suma, ele é visto como um mero objeto que seu dono, o
senhor de escravos, possuí, sendo assim, suas vontades próprias e liberdades são
totalmente reduzidas.
O fenômeno da objetificação entre os seres humanos assumiu diversas for-
mas ao longo do desenvolvimento da humanidade, entre elas, o sexismo dos gêne-
ros, onde em muitos casos através de apelos sexuais, as mulheres são objetificadas,
ou mesmo, subjugadas pelos homens através de argumentos que se baseiam na
natureza e fisiologia do gênero. Filósofos como Hegel e Marx em suas obras descre-
veram exaustivamente as várias formas que a objetificação tomou ao longo da his-
tória, em seu pensamento dialético a objetificação humana também é denomina-
da como estranhamento, haja visto que quando desumanizamos alguém passamos
a vê-lo como um estranho e não como um semelhante, um ser humano. A objetifi-
cação é uma das formas que o estranhamento pode assumir, aqui nos interessa
somente quando a “objetificação” e o estranhamento ocorrem na ciência, seja de
forma direta ou indireta, e não nos cabe prosseguir sobre os caracteres distintivos

78
entre os fenômenos universais e o específico. Mas vale a pena ressaltar determina-
das premissas sobre o estranhamento conforme Hegel e Marx.
Para Hegel, o estranhamento e a “objetificação” são fenômenos que podem
ser superados, mas que, no entanto, necessariamente tiveram de ocorrer para que
a humanidade se desenvolvesse ou se desenvolva ainda. Em sua obra, Fenomeno-
logia do Espírito, esse necessário do desenvolvimento humano é chamado de “tra-
gédia do ético”, nesse sentido, podemos interpretar de maneira coerente com a
dialética hegeliana que determinados momentos de escravidão haveriam de ocor-
rer para que o imperialismo se desenvolvesse e trouxesse as benesses de uma soci-
edade industrialmente desenvolvida; um exemplo factível disso é a expansão do
império napoleônico, que apesar de causar guerras e assassinar pessoas, as tratan-
do de maneira estranhada, pode industrializar toda a Alemanha que ainda vivia
sob a égide da agropecuária rústica do feudalismo. Hegel ainda afirma que a supe-
ração desses estranhamentos somente pode ocorrer após sua concretude, se Hegel
está de fato correto ou não, não podemos afirmar categoricamente, contudo, de
fato, nós somente passamos a fazer valer leis contra a escravidão após essa ter vin-
do a ocorrer e muito.
Para Marx, por sua vez, a “objetificação” está totalmente arraigada ao mo-
delo de produção onde determinada sociedade está estruturada; em seu extenso
corpus bibliográfico ele vislumbra que o único modelo de produção capaz de eli-
minar a “objetificação” é o comunismo, veja bem, ele afirma que o comunismo
elimina a objetificação, contudo, não elimina o estranhamento. O capitalismo, por
sua vez, é o ápice da “objetificação”, já que é um sistema de produção onde tudo
pode ser vendido, e, assim sendo tratado como objeto.
Muitos pensadores contemporâneos tendem a concordar com Marx e com
Hegel, ao mesmo tempo, por incrível que essa afirmação pareça. Em sua maior par-
te, esses pensadores que inclinam por concordar com ambos, o fazem, porque
consideram que o estranhamento antes de ser um fenômeno social e ético, é tam-
bém um fenômeno psíquico, sendo assim, é comum perdermos a noção daquilo
que é humano até em nossas personalidades e em nossos cotidianos, e até na rela-
ção com familiares e amigos mais íntimos.
Preparamos, pois, um terreno conceitual para aquilo que gostaríamos de ar-
guir aqui sobre a ciência e ética. Surgem então algumas perguntas que vislumbra-
mos que sejam respondidas: o desenvolvimento da ciência deve ser impedido caso

79
venha a “objetificar” ou estranhar os seres humanos? Podemos, e devemos estudar
meios de realizar esse desenvolvimento sem que o estranhamento ocorra? É possível
que ele não ocorra ao ser efetivada a pesquisa científica em suma máxima acurá-
cia?

6.2 O CAMPO DA BIOÉTICA: UMA REIVINDICAÇÃO DO “IMPERATIVO CATE-


GÓRICO” DE KANT PARA O ÂMBITO DA CIÊNCIA E DA VIDA

Apesar de, como vimos na sessão anterior, serem Hegel e Marx que irão ex-
plorar teoricamente a fundo os fenômenos sociais conceituados como “objetiva-
ção” e estranhamento, o princípio desses fenômenos já está prescrito na filosofia
moral de Kant. Sendo mais preciso, o “imperativo categórico” pressupõe exatamen-
te que nossas ações, sejam elas quais forem, jamais podem incidir em um estra-
nhamento para com outro ser humano, sendo assim, jamais podem incidir em qual-
quer espécie de objetificação. Vale a pena replicar e analisar o “imperativo cate-
górico” aqui, para podermos visualizar analiticamente essa afirmação:
Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se mediante sua vonta-
de a lei universal da natureza.
O imperativo categórico prescreve que devemos tentar agir sempre pauta-
dos na possibilidade de que nossa ação possa vir a se tornar a ação de qualquer
outro indivíduo, isso é a “lei universal”, sendo assim, eu não devo agir de forma que
será gerado diretamente ou indiretamente quaisquer tipos de estranhamento, já
que eu não desejo sofrer algum estranhamento, ou mesmo ser “objetificado” de
alguma forma, pois essa ação colocaria em risco minha individualidade, integrida-
de física, bem como minha dignidade humana, e se a ações objetificadoras se tor-
nam leis universais, cedo ou tarde eu haveria de ser objetificado, e colocaria em
risco minha própria existência. Em suma, o “imperativo categórico” também deriva
de sua máxima que todo ser humano seja tratado como um “fim em si mesmo” e
não como um “meio”, todo estranhamento e objetificação tratam os seres huma-
nos como “meios” para algo; nesse sentido, o “imperativo” rejeita toda e qualquer
ação que objetifique todo e qualquer ser humano.
É fazendo um uso basilar da moral kantiana, principalmente de aspectos de-
rivados do “imperativo categórico tal como descrevemos aqui, que surge na se-
gunda metade do século XX o chamado campo da “bioética”. Bioética que signifi-

80
ca: “bios” do grego vida e “ethos” do grego relativo à ética.
O campo da bioética surge relacionado principalmente a medicina, no en-
tanto, em seu contexto de surgimento estão atrelados casos escandalosos do uso
de seres humanos em pesquisas científicas (DEJEANE, 2011). Em nosso imaginário
prescinde daí cenas assustadoras, tais como àquelas vistas em enredos de filmes
como A Ilha do Dr. Moreau, nesse filme que é baseado em um romance do século
XIX de H.G. Wells, um cientista que domina o campo da genética começa a fazer
experimentos em seu laboratório que fica em uma ilha desabitada, seus experimen-
tos são criações de seres humanos a partir da modificação genética de animais
que vivem no bioma da ilha; os resultados são criaturas bizarras. Situações tais como
a do Dr. Moreau na realidade são de nos constranger e gerar tremenda repulsa, e
são casos que devem estar presentes na humanidade desde muito tempo. Con-
forme Dejeane (2011, p. 33):

[...] a história da bioética como ética médica é marcada também


pelas providências do governo norte americano diante da descober-
ta de escândalos envolvendo a pesquisa científica com seres huma-
nos. O Relatório Belmont, documento ainda hoje importante como
“marco histórico e normativo” para a bioética é o resultado do tra-
balho de quatro anos de uma “Comissão Nacional para a Proteção
de Sujeitos Humanos na Pesquisa Biomédica e Comportamental” ins-
tituída em 1974 pelo Governo e Congresso estadunidenses “em res-
posta a uma série de acusações e escândalos envolvendo a pesqui-
sa científica com seres humanos”.

Como podemos deduzir, com todo o estudo feito até aqui e com as descri-
ções já dadas nesse capítulo, o uso de seres humanos em pesquisas científicas é
uma objetificação extrema do ser humano, seres humanos colocados como cobai-
as estão sendo totalmente submetidos a uma condição de objetos, sem falar com
os casos em que essa objetificação pode chegar ao extremo de ceifar vida desses
indivíduos. Seria justo ceifar a vida de indivíduos humanos em prol de algum desen-
volvimento científico? A bioética surge para equacionar problemas urgentes como
este. De fato, é um campo que deve se atrelar mais a ciências como medicina, bi-
oquímica, que lidam com uma ocorrência muito maior com vidas humanas, do que
a astronomia, por exemplo, essa última onde a incidência de vidas humanas é bas-
tante rara. Contudo, devemos rememorar que as tragédias atômicas do holocausto
da segunda guerra mundial estão diretamente atreladas a desenvolvimentos no
campo da física, inclusive a famosa fórmula de Einstein: E=mc², já visitada aqui no
capítulo 4, fora usada diretamente nos projetos de desenvolvimento dos armamen-

81
tos nucleares, e até a atualidade muitos campos da física, como a mecânica, bem
como da química, são usados no desenvolvimento de armamentos de destruição
em massa. É levando isso em consideração, que o campo da bioética fora vendo a
necessidade de se expandir para além das fronteiras dos problemas da biomedici-
na.
Para encerrar essa sessão, e o capítulo que encerra o livro também, iremos
retomar a abordagem sobre a filosofia de Kant, alicerçando nessa as contraparti-
das que o campo da bioética pode oferecer a vários impasses éticos que surgem
do desenvolvimento da ciência.

Levando em consideração o conceito de objetificação e o modo como a ciência opera


já estudado por diversas perspectivas neste livro, você pondera que a ciência pode
avançar e progredir sem gerar objetificações? Ou, essas devem ser sanadas pós seu de-
senvolvimento, já que são inevitáveis e imprevisíveis?

6.3 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE DE KANT; UM ALICERCE A


BIOÉTICA

Ainda não fora ressaltado aqui, que a bioética não é um campo da filosofia,
mas sim uma área interdisciplinar no qual a filosofia compõe um eixo imprescindível
(DEJEANE, 2011). Conforme Diniz e Guilhem (2002, p. 44) sobre a bioética e suas ba-
ses filosóficas:

[...] teria assumido como orientação básica os modelos éticos utilita-


rista, de que David Hume, Jeremy Bentham e John Stuart Mill teriam
sido a inspiração e deontológico, baseado nas ideias de certos filóso-
fos gregos, tais como Aristóteles e Hipócrates e mais profundamente
em Immanuel Kant.

Podemos comprovar assim, que a área da bioética está fortemente ancora-


da na filosofia. No interessa aqui, sobretudo, o aprofundamento na moral Kant. Já
elencamos anteriormente, em como o “imperativo categórico” é pertinente a ques-
tão da objetificação humana, bem como ele se apresenta como uma base forte
para a bioética. Para Diniz e Guilhem (2002), o campo da bioética ainda se vale de
mais dois princípios kantianos, que são o princípio de autonomia e a dignidade hu-
mana, ambos esses princípios estão vinculados ao imperativo categórico e podem

82
ser derivados do mesmo, tal como se apresenta na proposta sistemática de Kant,
não iremos, no entanto, nos preocupar com essa decupação do sistema moral de
Kant, mas sim, iremos nos ater a esses dois princípios quais são de extrema impor-
tância para a bioética e demonstrar em como eles operam em alguns casos rele-
vantes ao campo da bioética.
O princípio da autonomia, ou, autonomia da vontade se encontra balizado
pelo caráter racional de todo indivíduo humano, façamos o uso de mais uma cita-
ção para deixar essa ideia mais palatável:

Pois, de acordo com Kant, o critério supremo da moralidade, que se


expressa por um dever incondicionado (imperativo categórico), se
justifica como tal somente na medida em que pressupõe na sua ba-
se o princípio da autonomia da vontade, isto é, a liberdade como
instância e fundamento último do agir moral. De tal modo que em
Kant a capacidade de auto-legislação moral, isto é a sua capaci-
dade de agir autonomamente, é a condição mesma da dignidade
do ser humano (DEJEANE, 2011, p. 43).

Dessa última citação já extraímos a compreensão de dignidade humana, e


balizamos assim uma certa conclusão para o campo da bioética, bem como para
todos os outros campos onde o desenvolvimento da ciência se depara com ques-
tões éticas, e essa conclusão é a de que, jamais um desenvolvimento científico po-
de ferir a dignidade humana, em outras palavras, nenhum indivíduo racional, com
capacidades de se auto legislar, com plenas faculdades de discernir suas ações, e
em livre volição exercer ações universalistas pode ter sua liberdade tolhida. Todo é
qualquer indivíduo que não agir de forma digna, portanto, está indo contra sua
própria natureza, ferindo sua própria dignidade e a dignidade daqueles que de
certa forma estarão envolvidos nas consequências de suas ações. A comunidade
científica é composta por indivíduos, sendo assim, esses indivíduos também estão
submetidos ao princípio de dignidade, portanto, não devem ferir, nem ter sua dig-
nidade ferida.

6.3.1 A comercialização da vacina (Sars-CoV-2): um tema polêmico para


pensar a ciência contemporânea e a economia.

Em termos teóricos, o princípio de dignidade é amplamente ajustável e ade-


quado às questões da “objetificação” e estranhamento gerados pela atividade
científica, no entanto, como amplamente ancorado em Kant, sofre da mesma de-

83
ficiência que a ética kantiana apresenta, que é a total dependência da delibera-
ção do indivíduo. E nesse sentido, muitas outras questões se encontram envolvidas,
como questões monetárias que envolvem as ciências e o desenvolvimento da tec-
nologia. Para aplicar um exemplo pertinente e contemporâneo, nos anos de 2020 e
de 2021, tem-se a pandemia de Sars-CoV-2, conforme o princípio de dignidade to-
do indivíduo deve fazer direito de uma quarentena segura e com meios materiais
para se prevenir da doença, e bem como ter direito a ser vacinado assim que a
vacina seja plenamente desenvolvida.
No que diz respeito a esse último caráter, a questão da vacina, seu desenvol-
vimento se liga diretamente a ciência, e a pesquisas de desenvolvimento tecnoló-
gico. Devemos, portanto, nos atentar para com a implicação de que a comerciali-
zação da vacina é um ato de violação da dignidade humana, e a comunidade
científica deve se opor a qualquer tipo de comercialização do produto de suas
pesquisas, sendo assim, se opor a comercialização da vacina da COVID-19. Assim
como Einstein ficou consternado, e se opôs aos projetos atômicos que utilizavam de
sua equação, os cientistas contemporâneos envolvidos na pesquisa da vacina CO-
VID-19, devem se opor a sua comercialização se quiserem serem condizentes com o
princípio de dignidade humana.
Por fim, lembremos que os cientistas e pesquisadores estão submetidos às ré-
deas de um sistema financeiro, envolvendo governo, financistas e grandes laborató-
rios químicos, em tese todos deveriam assumir o compromisso de dignidade huma-
na, contudo, se uma instância fere esse princípio ela reage em cadeia ferindo o
princípio nas outras instâncias.
Para aprofundar nessas questões, e elas devem ser aprofundadas, os pensa-
dores dialéticos como Hegel e Marx devem ser encarados, haja visto que eles foram
os pioneiros em investigar as consequências da moral kantiana diante da concre-
tude social, Marx, por sua vez, fez essa análise mediante condições sociais, e eco-
nômicas concretas. E sim, a ciência está submetida ao modelo de produção da
sociedade, e nesse sentido, nossa ciência está submetida ao mercado financeiro
do capitalismo, assim como o pesquisador, o cientista, e o consumidor da ciência,
haja visto, que no capitalismo todos são produtores e consumidores.

84
Johann Wolfgang von Goethe: Nascido em 28 de Agosto de 1749 em Frankfurt, Goethe
se trata, talvez, do mais importante literato alemão até a atualidade. Entre suas obras
mais importantes se encontram o epistolário romântico Os Sofrimentos do Jovem Werther,
obra publicada em 1774 que repercuti e influencia mundialmente até os dias de hoje
pela sua representação poética maestral de um jovem depressivo relatando suas últimas
vivências até seu suicídio; e a tragédia épica Fausto que Goethe levara 60 anos até
conceber sua forma final em 1832, Fausto se trata de um fenômeno ímpar na literatura
mundial, não somente por representar de forma magnânima o mito de “Fausto”, como
também por fazê-lo com um domínio da forma poética e narrativa de maneira eximia, a
obra é considera por muitos, como Nietzsche, Adorno, Lúkacs, Thomas Mann como sen-
do uma verdadeira ilíada do homem moderno. Vindo a falecer em 22 de Maio de 1832,
Goethe deixou um legado representativo não somente na literatura, mas também na
ciência, com tratados de ótica, como A Doutrina das Cores e estudos em biologia como
A Metamorfose das Plantas.

Objetificação: Termo que se torna emblemático na filosofia após Hegel, reconhecido


também pelo nome de alienação, significa, conforme Hegel, o processo pelo qual fe-
nômenos humanos ou mesmo relações se tornam objetivadas, e objetificadas, perdendo
no processo seu caráter humano. Um exemplo dado por Marx em apropriação do termo
de Hegel é o trabalho, que é evidentemente um produto das relações humanas, mas
que perde seu caráter humano ao ser vendido e comercializado.

Para aqueles que se interessam pelo tema a bioética e


desejam aprofundar nesse tipo de discussão, o livro
“Bioética” (2014) de Robert M. Veatch é uma bibliogra-
fia bastante completa e acessível ao assunto. O autor
inicia o livro fazendo uma descrição de como a bioética
trata a ética, bem como fazendo um apanhando sucin-
to sobre o juramento de Hipócrates e a importância
histórica desse para a disciplina. Além de contemplar
problemas como a noção de vida humana, eutanásia e
questões éticas que envolvem as células troncos.
Trata-se de um importante livro de filosofia aplicada a medicina. Disponível em:
https://bit.ly/3aMgyan. Acesso em: 19 jan. 2020.

85
O conceito de dignidade humana é um dos princípios que estruturam a bioética, bem
como se trata de um conceito nodal para entender os problemas da relação entre ética
e ciência. A dignidade humana é um pressuposto moral derivado da capacidade de
autonomia.

86
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Os episódios ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial envolvendo as tragé-


dias com as bombas atômicas trazem uma importante reflexão para junto da-
queles que se interessam por ciência. Assinale a alternativa que informa de ma-
neira sucinta sobre essa reflexão:

a) Um dos principais problemas éticos para a ciência é o latente paradoxo que


prescinde de seu desenvolvimento.
b) Durante a Segunda Guerra Mundial surge uma importante reflexão sobre a ciên-
cia ser comercializada.
c) A ciência apresenta como uma de seus principais paradoxos a questão sobre se
seu proceder deve ser a ético.
d) Todas as alternativas anteriores são corretas.
e) Ambas as alternativas a e c estão corretas.

2. (Vunesp – 2012) A noção de bioética tem sofrido várias mutações nos últimos
anos, mas nos parece que a mais interessante e frutífera continua sendo a pro-
posta por Van Rensselaer Potter. Ele primeiramente sugeriu uma bioética ponte,
com a intenção de unir ciência e filosofia para promover a sobrevivência. Mais
tarde, esta evolui para a bioética global, visto a necessidade de fusão da ética
biomédica com a ecologia, numa escala mais ampla, com a mesma finalidade,
trazendo à discussão questões de saúde pública de relevância mundial. Sua mis-
são continua sendo o desenvolvimento da ética para a sobrevivência humana
sustentável em longo prazo. Posteriormente, sugere a bioética profunda devido à
necessidade de ampliar mais a discussão da bioética, pois a ciência é demasia-
damente importante para estar nas mãos somente dos cientistas.
(Cássia R. R. N. Nunes e Amauri Porto Nunes. “Bioética”. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília
(DF), 2004, set/out. Adaptado)

A partir das colocações do texto, assinale a alternativa correta.

a) A noção de bioética permanece cristalizada em torno da discussão sobre as re-


lações entre a filosofia e as ciências naturais.
b) A bioética global focaliza a sobrevivência humana baseada no controle dos fe-
nômenos naturais por meio do conhecimento científico.

87
c) A sobrevivência humana sustentável a longo prazo depende de discussões téc-
nicas conduzidas pelas ciências da saúde.
d) d)A bioética enfrenta problemas cuja eventual solução exige uma abordagem
simultaneamente humanista e científica.
e) A bioética ponte se estabelece pela junção entre as ciências médicas e as ciên-
cias biológicas para tratar questões éticas.

3. É importante pautar a atuação profissional nos princípios bioéticos. Sobre a bioé-


tica, assinale a alternativa correta.

a) Respeito à autonomia: as pessoas têm o direito, em partes, de decidir sobre as


questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. Na atenção à saúde, as ações
devem ser autorizadas pelos profissionais.
b) Beneficência: à obrigação ética de minimizar o benefício e maximizar o prejuízo.
c) Não maleficência: a finalidade é reduzir os efeitos adversos ou indesejáveis das
ações diagnósticas e terapêuticas no ser humano.
d) Consentimento informado: qualquer procedimento deve ser informado, desde
que o profissional ache necessário.
e) Justiça: todas as pessoas devem ser tratadas com igual consideração, porém a
situação socioeconômica, cultural, étnica, orientação sexual, religião e profissão
podem sugerir preferências de atendimento.

4. Assinale em qual desses pressupostos éticos a bioética está amplamente anco-


rada:

a) O princípio de Eudaimonia de Aristóteles.


b) O imperativo categórico de Kant.
c) O princípio de autonomia racional de Kant.
d) As três alternativas anteriores podem ser consideradas corretas.
e) As alternativas b e c podem ser consideradas corretas.

5. O Relatório Belmont é um importante marco para:

a) O surgimento da bioética.

88
b) O campo da bioética agregar importantes princípios éticos da filosofia.
c) O revelar da violência e da objetificação humana nos alicerces do capitalismo.
d) A declaração universal dos direitos humanos.
e) O revelar de abusos humanos no âmbito do mercado da ciência.

6. De acordo com a filosofia e os conceitos de Hegel, como podemos denominar a


dicotomia do progresso e desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

a) Dialética de desenvolvimento da humanidade.


b) Tragédia ética.
c) Dialética do espírito absoluto.
d) Dialética do estranhamento.
e) Objetificação.

7. “teria assumido como orientação básica os modelos éticos utilitarista, de que


David Hume, Jeremy Bentham e John Stuart Mill teriam sido a inspiração e deon-
tológico, baseado nas ideias de certos filósofos gregos, tais como Aristóteles e Hi-
pócrates e mais profundamente em Immanuel Kant”. (2000, p. 44)

A citação acima explícita as bases teóricas da:

a) Ética contemporânea.
b) Dialética Hegeliana.
c) Da concepção de estranhamento de Hegel e Marx.
d) Da bioética contemporânea.
e) Do pensamento de Marx.

8. O fenômeno __________ entre os seres humanos assumiu diversas formas ao longo


do desenvolvimento da humanidade, entre elas, o sexismo dos gêneros, onde em
muitos casos através de apelos sexuais, as mulheres são objetificadas, ou mesmo,
subjugadas pelos homens através de argumentos que se baseiam na natureza e
fisiologia do gênero.

a) Da objetificação.

89
b) Do estranhamento.
c) Da moral.
d) Da escravidão.
e) Nenhuma das alternativas é correta.

90
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 01 UNIDADE 02

QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 C
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 A

UNIDADE 03 UNIDADE 04

QUESTÃO 1 D QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 A

UNIDADE 05 UNIDADE 06

QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 D
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 E QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 D
QUESTÃO 8 E QUESTÃO 8 A

91
REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. et al. A Disputa do Positivismo na Sociologia Alemã. Tradução de


Ana Laura et al. 1. ed. São Paulo: Ícone Editora, 2014. 306 p. (Coleção Fundamentos
do Direito).

ANDERY, M. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 16. ed.
Rio de Janeiro: Garamond, 2012.

ARANHA, M. L. D. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: Introdução a Filosofia. São Paulo:


Moderna, 1993.

BORGES NETO, J. Imre Lakatos e a Metodologia dos Programas de Investigação


Científica. UFPR, Curitiba, 2012. Disponível em: https://bit.ly/37HABEV. Acesso em: 21
jan. 2021.

BUGALSKI, L.; GABE, D. A. Química Quântica: Origem e Aplicações. Curitiba:


Intersaberes, 2020.

CAPUTO, J. C. L. Tópicos em Epistemologia. Curitiba: Intersaberes, 2019.

CARDOSO, C. M. Ciência e Ética: alguns aspectos. Revista Ciência e Educação,


Bauru, v. 05, n. 01, p. 01-06, 1998. Disponível em: https://bit.ly/2P7K1Dl. Acesso em: 21
jan. 2021.

CASSINELLO, A.; GÓMEZ, J. L. S. O mistério quântico: uma expedição às fronteiras da


física. Tradução de Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Planeta do Brasil, 2017.

CHALMERS, A. O que é ciência afinal? Tradução de Raul Filker. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1993.

COMTE, A. Curso de Filosofia Positiva. In: Comte (1798-1857): Vida e Obra (Os
Pensadores). Tradução de José Arthur Giannotti, Miguel Lemos. São Paulo: Abril
Cultural, 1978a. p. 01-39. (Seleção de textos de José Arthur Giannotti).

COMTE, A. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. In: Comte (1798-


1857): Vida e Obra (Os Pensadores). Tradução de José Arthur Giannotti, Miguel
Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1978b. p. 95-116. (Seleção de textos de José Arthur
Giannotti).

DEJEANE, S. Os fundamentos da bioética e a teoria principialista. Thaumazein, Santa


Maria, v. Ano IV, n. 07, p. 32-45, jul. 2011. Disponível em: https://bit.ly/2ZLqD0R.
Acesso em: 21 jan. 2021.

DINIZ, D.; GUILHEM, D. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002.

FEYERABEND, P. Contra o Método. Tradução de Cezar Augusto Mortari. São Paulo:


Editora Unesp, 2007. (tradução da edição inglesa de 1993).

GLEISER, M. O fim da Terra e do Céu: o apocalipse na ciência e na religião. São


Paulo: Companhia das Letras, 2001.

92
GODFREY-SMITH, P. Theory and Reality: an introduction to philosophy of Science.
Chicago: The University of Chicago Press, 2003.

HAHN, H.; NEURATH, O.; CARNAP, R. A concepção científica do mundo: o Círculo de


Viena. Cadernos de História e Filosofia e Ciência, Campinas, v. 10, p. 05-20, 1986.
Disponível em: https://bit.ly/3qNOzg8. Acesso em: 20 jan. 2021.

KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2003.

KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira,


Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.

LAKATOS, I. The Methodology of Scientific Research Programmes. (Philosophical


Papers I). Cambridge: Cambridge University Press, 1978.

LINDENBERG, D. C. The Beginnings of Western Science. Chicago: University of


Chicago Press, 1992.

LINS, I. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Compania Editora Nacional, 1964.

MAYER, R. G. Empirismo. Tradução de Marcus Penchel. Petropólis: Vozes, 2017. (Série


Pensamento Moderno).

MONTERO, E. A. A. Einstein e a Mecânica Quântica: um relacionamento


complicado e irônico! UFABC Divulga Ciência, Santo André, v. 03, n. 01, p. 04, 2020.
Disponível em: https://bit.ly/3qZWGpK. Acesso em: 21 jan. 2021.

OLIVA, A. Filosofia da Ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

PONCZEK, R. L. Deus ou seja a natureza: Spinoza e os novos paradigmas da Física.


Salvador: EDUFBA, 2009. 352 p.

PRINCE, D. D. S. A ciência desde a Babilônia. Tradução de Leônidas Hegenberg,


Octanny S. da Mota. Belo Horizonte: Itatiai, 1976.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: do romantismo até os nossos dias. São
Paulo: Paulus, 2003.

REALE, G.; ANTISERI, D. Historia da Filosofia: do Humanismo a Descartes. Tradução de


Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. 3 p.

SILVA, B. L. D. P. O silêncio da metafísica em Moritz Schlick e em Rudolf Carnap.


Pensar Revista Eletrônica da FAJE, v. 03, n. 01, p. 75-85, 2012.

VEATCH, R. M. Bioética. Tradução de Daniel Vieira. São Paulo: Pearson, 2014. 260 p.

93

Você também pode gostar