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DE IPATINGA
1
Márcio Oliveira Souza da Silva
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
1ª edição
Ipatinga – MG
2021
2
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL
Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza-
ção escrita do Editor.
Inclui referências.
ISBN: 978-65-990786-0-6
CDD: 100
CDU: 101
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.
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Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo
aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos.
Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um
com uma função específica, mostradas a seguir:
4
SUMÁRIO
02 2.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 23
2.2 O SIGNIFICADO FILOSÓFICO DA FÍSICA NEWTONIANA ................................... 25
2.3 A CIÊNCIA COMO MÉTODO INDUTIVISTA .......................................................... 28
2.3.1 A indução no experimento da Lei da Queda dos Corpos de Galileu
..........................................................................................................................29
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 33
03
3.1 O PENSAMENTO DE AUGUSTE COMTE: A CIÊNCIA COMO RELIGIÃO? ............ 38
3.2 OS TRÊS ESTÁGIOS DO CONHECIMENTO HUMANO E DA EVOLUÇÃO DA
HUMANIDADE ....................................................................................................... 40
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 43
04
4.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 48
4.1.1 A teoria do verificacionismo: o princípio do empirismo lógico ............50
4.2 O ADVENTO DA MECÂNICA QUÂNTICA E A FILOSOFIA: A METAFÍSICA
QUÂNTICA ............................................................................................................ 52
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 57
05
LAKATOS .................................................................................................. 60
06 6.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 77
6.2 O CAMPO DA BIOÉTICA: UMA REIVINDICAÇÃO DO “IMPERATIVO
CATEGÓRICO” DE KANT PARA O ÂMBITO DA CIÊNCIA E DA VIDA ................. 80
6.3 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE DE KANT: UM ALICERCE A
BIOÉTICA ............................................................................................................... 82
5
6.3.1 A comercialização da vacina (Sars-CoV-2): um tema polêmico para
pensar a ciência contemporânea e a economia. ................................83
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 87
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 92
6
CONFIRA NO LIVRO
Na primeira unidade o leitor será inserido à um conceito mais am-
plo sobre o que é a atividade científica no intuito de demonstrar
que essa é uma atividade que existe desde os primórdios da hu-
manidade. Nessa unidade será visitada também o que é conside-
rada a primeira obra científica da humanidade: O Almagesto de
Ptolomeu que traz a teoria do geocentrismo como seu principal
conteúdo.
7
INTRODUÇÃO
8
éticos ao objetificar os seres humanos em seus processos de desenvolvimento, são
casos de pesquisas usando seres humanos como experimento ou mesmo os episó-
dios das bombas nucleares durante a Segunda Guerra Mundial. O capítulo traz até
uma reflexão dessa ordem sobre o desenvolvimento e comercialização da vacina
do Sars-Cov-2 no ano de 2020/2021.
9
A ORIGEM DA ATIVIDADE UNIDADE
CHAMADA CIÊNCIA E SEUS
CARACTERES NODAIS
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volvimento dessa tese, isso se dá, pois o Almagesto possuí um método matemático
e geométrico de desenvolvimento, passível de ser estudado e apreendido por
qualquer que se disponha a fazê-lo. De fato, a tese do geocentrismo fora derruba-
da na modernidade, logo no início da Revolução Científica por Galileu Galilei, con-
tudo, não há nada de incongruente no desenvolvimento interno do Almagesto, no
entanto, a matemática e a geometria não são métodos empíricos, e para os físicos
da modernidade o caráter empírico e experimental das teses sobre os fenômenos
naturais é uma condição sine qua non para quaisquer métodos científicos.
Diante disso, nos é coerente ponderar que sim, tanto a astronomia ptolomai-
ca quanto a física aristotélica são ciência, haja visto que possuem um método no
estruturar de seu conhecimento; no entanto, conforme a ciência desenvolvida na
modernidade, o método puramente matemático e geométrico se torna lacunar, e,
portanto obsoleto, em virtude de que o método experimental e empírico se apre-
senta como mais completo e efetivo na descrição e na construção de teses sobre
os fenômenos naturais. Ressaltamos que, o método experimental, que como vere-
mos no próximo capítulo fora inaugurado por Galileu, não abandona a geometria e
a matemática, mas sim, sintetiza essas com a experimentação e a empiria.
Por fim, vale a pena mencionar que tanto o conhecimento religioso, como o
mitológico, ou mesmo, o conhecimento do “senso comum” não possuem uma es-
truturação metodológica clara que possa ser transmitida e apreendida por qual-
quer um; eis a fundamental distinção entre o conhecimento científico e os outros
conhecimentos: não podemos utilizar de um método reproduzível para averiguar o
desenvolvimento e construção das afirmações religiosas e, ou, mitológicas, conhe-
cimentos desse tipo não podem, portanto, nem serem demonstrados ou mesmo
comprovados, estando no fim das contas sempre a critério de nossa capacidade
de “fé” sobre os mesmos, confiamos neles pelo seu poder “estético” e “psicológico”
de atração sobre nós.
Obviamente que as teses científicas exercem um poder estético e psicológi-
co de sedução sobre nós também, contudo, para aqueles que não se satisfazem
com a simples “fé” sobre as teses científicas, são totalmente acessíveis a metodolo-
gia e o conjunto de leis que regem quaisquer teses que almejam serem identifica-
das como científicas. De acordo com Lakatos (1978, p. 02, tradução nossa): “O co-
nhecimento teológico não pode ser falível: ele deve ser além do dubitável [...]”, em
outras palavras, para que não aja dúvida dentro da esfera teológica todas as suas
11
prerrogativas devem ser guiada por uma espécie de “crença não justificada” e que
não necessita ser “justificada”.
12
trismo e a física aristotélicas, no entanto, a lógica, a ética de Aristóteles, por exem-
plo, continuam intactas e vigorosas até os dias de hoje, podemos observar aí que a
preocupação dos físicos modernos era oferecer uma teoria descritiva cosmológica
mais adequada a natureza e ao universo do que o geocentrismo de Ptolomeu e
Aristóteles, no entanto, os físicos nunca se propunham a refutar a atividade filosófica
como um todo, e nem a religião. Vale a pena ainda, apontar o caso de Albert Eins-
tein que mantinha a preocupação de que o universo conforme a sua “teoria da
relatividade” fosse compatível com a existência de Deus de acordo com o judaís-
mo qual Einstein sempre pertenceu.
Como ilustra Gleiser (2001, p. 83, grifo nosso) sobre essa especificidade da ci-
ência:
Como bem acentuado por Gleiser (2001) na citação acima, o escopo prin-
cipal da ciência é a descrição dos fenômenos naturais através de um conjunto de
leis que possam ser apreendidas e aplicadas de forma universal, isso significa que as
leis mecânicas de Newton têm por objetivo serem validas a quaisquer movimentos
encontrados no universo, se a ciência é totalmente efetiva ou somente parcialmen-
te efetiva em sua pretensão de leis universais, isso não muda essa especificidade da
mesma. Notamos, portanto, que a ciência e a religião não estão em primazia na
busca de refutar uma a outra.
De acordo com Lakatos (1978, p. 01, tradução nossa) “Os cientistas [...] se
portam de maneira bastante cética, até mesmo com suas melhores teorias”. Po-
demos, pois, afirmar com alguma propriedade que todo conhecimento que clama
para si o título de científico, o mesmo vêm sempre envolto de uma esfera de ceti-
cismo, a ciência de alguma maneira ou outra se permite duvidar de suas próprias
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prerrogativas, se põe a prova.
A partir da Revolução Científica ocorrida durante os séculos XVI e XVII, perío-
do em que a física e seu método experimental eclodiram como o estandarte daqui-
lo que pode ser considerado como sendo a autêntica atividade científica, a filoso-
fia passa a receber contornos céticos evidentes tal como nunca antes havia rece-
bido. Esse ceticismo que passa a fazer parte do pensamento filosófico moderno se
trata, sem dúvida, de um eco do processo da Revolução Científica: pensadores
como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço do ceticismo
como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta relembrar que
Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu método filosófico, ou
mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exercício elementar de
ceticismo perante todo o pensamento metafísico que antecede esse filósofo; Kant
por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que estabelece limites a capaci-
dade humana de conhecer, coroando sua teoria cognitiva na afirmação de que o
intelecto humano somente é capaz de conhecer a realidade como fenômeno da-
do em nossos sentidos, mas, jamais apreender e compreender a essência da natu-
reza e do universo.
O caráter cético da ciência se volta até mesmo a própria, no que diz respei-
to a estabelecer limites quanto a se determinado método de produção de conhe-
cimento é científico ou não.
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1.2 A FÍSICA DE ARISTÓTELES
Devemos iniciar esse item advertindo o leitor de que a física aristotélica não é
algo semelhante a física que conhecemos e estudamos na escola desde nossa sex-
ta ou quinta série, a física que nós estudamos se assemelha a física moderna que
data do século XVI e XVII, e remonta a Galileu Galilei e Isaac Newton, a “física” de
Aristóteles é uma física híbrida e dependente do método filosófico organizado pelo
próprio Aristóteles.
A principal preocupação de Aristóteles em sua física era explicar o “movi-
mento” na natureza, de onde esse surgia, como esse era possível, e como esse se
comportava, sua física, portanto, era uma “mecânica”. O problema do “movimen-
to” na natureza fora uma incógnita por alguns séculos, para Platão, o “movimento”
se tratava de uma ilusão existente somente no mundo das aparências, e no mundo
das essências, no mundo verdadeiro de acordo com Platão, o movimento era ine-
xistente. Platão considerava que o movimento feria o princípio lógico da identida-
de, acompanhemos esse raciocínio: algo só pode ser algo, de fato, se suas proprie-
dades não se alteram; por exemplo, uma cadeira só pode ser cadeira, se a propri-
edade essencial da cadeira não se modifica, algo que ocorre somente no conceito
de ideia da cadeira, no mundo material essa cadeira fora antes uma árvore, e logo
mais poderá se quebrar deixando de ser uma cadeira, no mundo das ideias a ca-
deira como ideia é perene e não sofre nenhuma mudança, sendo assim para Pla-
tão, a ideia de cadeira é uma verdade, e a cadeira material é uma aparência des-
sa ideia, portanto não tão verdadeira quanto a ideia. Vejamos uma citação que
corrobora com a noção platônica descrita:
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relação a dicotomia mundo sensível e mundo das ideias, para Aristóteles existe so-
mente o mundo sensível, as ideias são existentes, no entanto elas também são sen-
síveis. Sendo assim, Aristóteles necessita dar conta de explicar o devir da realidade
sensível, sem que essa venha a ferir o princípio ontológico de identidade das “coi-
sas” e dos “seres” da realidade, ele necessita sintetizar de forma coerente a “mu-
dança” da matéria com a “essencialidade” das entidades da realidade. Sua física
surge, portanto, dessa necessidade. Façamos uma explanação breve sobre em
que se consiste na física de Aristóteles.
Para o filósofo de Estagira, todos os corpos possuem um peso e uma leveza
próprios, diferente da concepção moderna, aqui o peso é uma propriedade de
cada corpo, uma pedra possuí de maneira intrínseca a propriedade de ser pesada,
portanto essa propriedade faz com que seja da natureza das pedras caírem, en-
quanto o ar, por sua vez, é leve, sendo assim é da sua natureza flutuar. Uma pedra
que é arremessada para o alto, tem, por sua vez, um movimento contrário a sua
natureza imposto a ela, esse movimento é impresso na pedra por uma mão, ou al-
guma outra causa que imprima o movimento na pedra, contudo, o movimento im-
presso é finito, chamado de “motor” por Aristóteles, e geralmente ele é finito até
que seja atingida a “finalidade” (télos) do movimento; por exemplo, a pedra foi ar-
remessada para atingir um lago, a mão que impôs o movimento possuía essa finali-
dade ao imprimir esse movimento, ao atingir a finalidade o motor cessa e a pedra
retorna ao seu movimento natural, indo para o fundo do lago, já que é essencial-
mente pesada.
De maneira generalizada, o próprio Aristóteles reconhece que todo movi-
mento é “o ato de um ser em potência enquanto tal”, sendo assim, quando há mu-
dança em determinado ser, o movimento de mudança e a realização da potência
intrínseca de um ser, por exemplo: toda semente possuí em si a potência de se tor-
nar planta, a mudança, portanto é a realização dessa potência que ocorre em
“ato”, ou seja, em “movimento”.
Devemos lembrar, pois, que todo o cosmos e a realidade para Aristóteles
possuem finalidades, sendo assim, tudo o que existe na realidade possuí uma finali-
dade própria. É da finalidade de algumas pedras, portanto, receberem um movi-
mento para serem arremessadas e depois retornarem ao seu movimento natural,
indo então para cima e depois para baixo, no momento em que estão se deslo-
cando para cima, elas estão executando em “ato” sua “potência” de serem leves,
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ao se deslocarem para baixo elas estão perdendo o “ato” dessa “potência”, e ge-
rando “ato” que é a potência realizada em sua causa formal (em sua forma); a
forma natural de ser pesada.
Para nós, na contemporaneidade, isso pode soar completamente desprovi-
do de sentido, no entanto, a física de Aristóteles que irá se constituir em uma mecâ-
nica e em uma astronomia semelhante a de Ptolomeu fora a melhor explicação
para o “movimento” na matéria durante um milénio, até a Revolução Científica e
as teorias de Galileu em relação a astronomia e Newton em relação a uma mecâ-
nica mais apurada e coerente do que a de Aristóteles. E, por incrível que pareça,
podemos averiguar que é da própria opinião tanto de Galileu, quanto do próprio
Newton, que Aristóteles realizou um exímio estudo, com justos métodos científicos
que ele disponha para a sua época e contexto, obviamente métodos distintos da
física moderna e menos arrojados e apropriados. Nesse mesmo sentido, podemos
notar que os métodos científicos se aprimoraram ainda mais até os dias de hoje, e a
mecânica de Newton fora refutada pela relatividade de Albert Einstein, assim como
Newton refutara a mecânica de Aristóteles.
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FIXANDO O CONTEÚDO
1. Assinale a alternativa que corresponda a obra que pode vir a ser considerada
como o primeiro livro de ciência da humanidade:
2. De acordo com Derek de Solla Price: “É, pois, no Almagesto que vemos o triunfo
de uma explicação matemática da natureza, alcançado ainda no período he-
lenista [...] o Almagesto pode apresentar-se, pela primeira vez, como uma expli-
cação matemática, suficiente e completa, dos mais complexos fenômenos. Em
quase todas as minúcias, a explicação mostrou-se perfeita e o livro fez-se exem-
plo de uma abordagem que estendida aos demais ramos da ciência, tornaria a
totalidade do universo inteiramente acessível a compreensão do homem
Tendo em vista a citação acima, assinale a alternativa que melhor corresponde
aos critérios levados em consideração para identificar o Almagesto como uma
obra científica.
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3. Assinale a alternativa que corresponda ao “porquê” de Aristóteles ter criado uma
“física”:
a) Aristóteles descreveu uma física influenciado por seu mestre Platão, Platão por
sua vez herdara os problemas concernentes a natureza da tradição dos filósofos
naturalistas.
b) Aristóteles descreveu uma física em vista, primariamente, de sua necessidade de
dar conta do fenômeno do “movimento”, sua física, portanto, consiste em uma
mecânica e em uma cosmologia.
c) O projeto da física aristotélica é uma continuação do Almagesto de Ptolomeu.
d) Aristóteles descreveu uma física, tendo em um dos seus propósitos, combater o
dualismo de Platão.
e) Ambas as alternativas b e d são corretas.
4. (UNB – 2007) Com respeito à correlação entre filosofia e ciência, assinale a opção
correta.
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e) Nenhumas das alternativas anteriores está correta.
a) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do ceticismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta re-
lembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu méto-
do filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exer-
cício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que ante-
cede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que es-
tabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria cog-
nitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhecer a
realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreender e
compreender a essência da natureza e do universo.
b) Pensadores como Aristóteles, Ptolomeu, Kant, entre outros, possuem o traço do
ceticismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta re-
lembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu méto-
do filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exer-
cício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que ante-
cede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que es-
tabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria cog-
nitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhecer a
realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreender e
compreender a essência da natureza e do universo.
c) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do ceticismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta re-
lembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu méto-
do filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um exer-
cício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que ante-
cede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que bus-
ca unificar todo o conhecimento humano, proveniente da ciência, da filosofia e
da religião em único sistema absoluto transcendental, afirmando que o intelecto
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humano é capaz de transpor qualquer limite, logo qualquer ceticismo, e esse é o
efeito da ciência em sua filosofia.
d) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do idealismo cético como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento.
Basta relembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu
método filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um
exercício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que an-
tecede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que
estabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria
cognitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhe-
cer a realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreen-
der e compreender a essência da natureza e do universo.
e) Pensadores como Francis Bacon, Descartes, Kant, entre outros, possuem o traço
do materialismo como um caráter estrutural de sua filosofia e pensamento. Basta
relembrar que Descartes elege a “dúvida” como instrumento núcleo de seu mé-
todo filosófico, ou mesmo que a “teoria dos ídolos” de Bacon se trata de um
exercício elementar de ceticismo perante todo o pensamento metafísico que an-
tecede esse filósofo; Kant por sua vez, inaugura uma epistemologia crítica que
estabelece limites a capacidade humana de conhecer, coroando sua teoria
cognitiva na afirmação de que o intelecto humano somente é capaz de conhe-
cer a realidade como fenômeno dado em nossos sentidos, mas, jamais apreen-
der e compreender a essência da natureza e do universo.
a) Religião.
b) Filosofia.
c) Religião e Ciência.
d) Filosofia e Ciência.
e) Somente da ciência.
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8. Assinale a alternativa que melhor descreve em como a ciência trata os seguintes
problemas humanos: “o sentido da vida”, “a felicidade”, “o conceito de bom e
mau”.
a) A ciência não se debruça sobre esse tipo de reflexão, haja visto que se trata de
um conteúdo amplamente subjetivo.
b) A ciência considera que problemas desse âmbito são de ordem pessoal e indivi-
dual, ponderando que essas questões estão além dos limites de suas possibilida-
des de reflexão e teorias.
c) A ciência busca substituir a filosofia e a religião principalmente no que diz respei-
to a problemas desse tipo.
d) Ambas as alternativas a e b estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.
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A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E O UNIDADE
NASCIMENTO DO MÉTODO
INDUTIVISTA
2.1 INTRODUÇÃO
23
no capítulo anterior) presença o astrônomo polonês Nicolau Copérnico afirmar pela
primeira vez que a Terra não era o centro do universo, essa afirmação irá desenca-
dear toda uma mudança na visão do mundo, da realidade e no próprio entendi-
mento que o ser humano tem de si. No paradigma “geocêntrico”, o ser humano se
encontra no centro do universo, considerando a si mesmo como a mais importante
e principal criação divina, no paradigma “heliocêntrico” lançado por Copérnico a
centralidade humana passa a ser dubitável.
E, durante todo esse período da revolução, aproximadamente 150 anos, na
mesma esteira de Copérnico, astrônomos como Kepler, Galileu Galilei irão propon-
do experimentos e teses que cada vez mais endossam e comprovam o “heliocen-
trismo”. A Revolução Científica moderna é, portanto, uma revolução encabeçada
pela astronomia, pela maneira dos seres humanos compreenderem o universo e
compreenderem a si mesmo dentro desse universo. Quando esse período é sinteti-
zado pela mecânica de Newton, um novo modo de ver a realidade e o universo
está consolidado, esse modo é filosoficamente conhecido como “mecanicismo”, o
universo é simbolicamente falando, semelhante à uma máquina, como um “reló-
gio”.
Com a mudança de paradigma, a ciência, que como já vimos é uma ativi-
dade humana que ocorre desde o neolítico, reinventa-se também: o nome de Gali-
leu ecoa e reverbera a palavra “experimento”, e, é através de experimentos empí-
ricos que a tese copernicana do “heliocentrismo” fora comprovada pela primeira
vez por Galileu. A partir disso, a ciência passa a ser compreendida como ciência
experimental, em outras palavras, propositora de um método, não somente mate-
mático ou lógico, conforme na física de Aristóteles ou Ptolomeu, mas um método
“experimental”, conforme as palavras de Reale e Antiseri (2004, p. 143-145):
24
acessar os eventos e fenômenos naturais que passam a reverberar e a angariar o
caráter experimental fundado por Galileu, o ser humano moderno passa, assim, a
ser um indivíduo que experimenta aquilo que sente e que pensa.
Para todos os efeitos, Chalmers (1993) investiga a estrutura do método origi-
nado na Revolução Científica moderna, e denomina essa estrutura metodológica
de ‘indutivismo”, no último item desse capítulo apresentamos uma descrição sintéti-
ca sobre essa denominação de Chalmers (1993). Antes disso, prosseguimos com
descrição da visão de mundo científica gerada na modernidade, descrição essa
que é coroada pela mecânica newtoniana após 150 anos de desenvolvimento da
física e da ciência moderna.
25
ma de funcionamento de um grande relógio e esse sistema pode ser descrito a par-
tir do uso da matemática e da física; a lei da gravidade, ou, força da gravitação
universal, se trata de um desses alicerces da harmonia, ordenação e regularidade
dos pêndulos do relógio chamado universo.
Diante disso, desse mecanismo harmônico em que se consiste no universo,
surge a questão: de onde vêm essa ordenação? Eis a resposta dada por Newton:
“Esse sistema extremamente maravilhoso do sol, dos planetas e dos cometas só po-
de ter se originado do projeto e da potência de um Ser inteligente” (REALE;
ANTISERI, 2004, p. 238), talvez venha a ser de surpreender, mas estamos diante da
assunção da plausibilidade da existência de Deus pelo que talvez venha a ser o
cientista de maior impacto na cultura e no dia a dia dos seres humanos. No ent an-
to, Newton está de fato inclinado a crer que esta harmonia e perfeição cósmica
somente pode prescindir de um intelecto superior capaz de projetar determinado
sistema, contudo, nós somente podemos afirmar a sua existência através da con-
templação e investigação de sua obra: o universo. Mas, jamais podemos descrever
quaisquer propriedades “ontológicas” a respeito de Deus. Assim como, ao nosso
intelecto, e a nossa ciência só podemos descrever e constatar aquilo que nos é
dado através das nossas sensações e sentidos, só podemos falar de Deus enquanto
sua criação cósmica, o universo, que nos é dada nos sentidos também. Não pode-
mos falar de propriedades essenciais, ou, quaisquer “substâncias”, seja de Deus ou
da natureza, em outras palavras, não conhecemos Deus enquanto entidade pró-
pria, mas acessamos sua obra e assim também é para todo e qualquer fenômeno
que nos circunda.
Ora, para aquele já familiarizado com determinadas ideias canônicas da filo-
sofia, a última sentença dada no parágrafo anterior nos remete a filosofia crítica de
Kant, especificamente a divisão epistemológica que Kant faz sobre o “fenomênico”
e “noumênico”. Nas palavras do próprio Kant (KANT, 2003, p. 45):
26
substância própria, se trata de uma influência direta do método científico fundado
por Newton; Kant nunca fez mesura quanto a sua admiração e inspiração na ciên-
cia moderna, e nunca poupou citações e referencias a Copérnico ou Newton, de-
nominando até mesmo sua proposta epistemológica como uma “revolução coper-
nicana” no que concerne a teoria do conhecimento.
É impossível compreender o pensamento empirista formado na Inglaterra en-
tre os séculos XVII e XVIII, tais como as teorias epistemológicas de John Locke e Da-
vid Hume, bem como, impossível compreender a gênese da Crítica da Razão Pura
de Kant, sem antes possuir o mínimo de discernimento sobre a mudança paradig-
mática causada por Newton e sua mecânica.
De acordo com Newton:
27
2.3 A CIÊNCIA COMO MÉTODO INDUTIVISTA
28
Em termo lógicos, a indução se consiste em a partir de uma amostra singular
de determinada afirmação sobre dado fenômeno, conseguirmos obter um escopo
geral e universal dessa afirmação a partir do momento em que averiguamos ser
possível fazer a mesma afirmação em várias amostras do mesmo singular (ou seme-
lhante), exemplo: 1) “Observamos que determinado metal (singular) sofre uma de-
terminada expansão quando aquecido, 2) “Passamos a observar a ocorrência des-
sa mesma expansão em uma série de objetos classificados como pertencente ao
conjunto dos metais, 3) por fim, é feita a indução: “todos os metais possuem a pro-
priedade expansível quando submetidos ao aquecimento. Devemos observar que
a obtenção da lei geral, o 3), não é algo de absoluta certeza, haja visto quer não é
possível observar todas as amostras de metais existentes, a “indução” no fim das
contas é uma probabilidade, se, todos os metais testados se expandiram, prova-
velmente todos eles possuem essa características. No entanto, a amostra experi-
mentada antes da lei geral ser derivada de forma indutiva, deve conter a máxima
variedade possível de variáveis de “metais” diferentes, para que a probabilidade
da indução possa ser o máximo acurada; a falta de acurácia em uma indução é
um critério para a refutação de qualquer lei universal obtida indutivamente.
No capítulo 4 iremos cotejar uma série de críticas direcionadas ao método
indutivista. Para encerrar esse capítulo iremos avançar a uma breve descrição de
como esse método foi usado por Galileu em sua Lei da Queda do Corpos.
O termo indutivismo é o conceito dado aos primeiros métodos científicos originados du-
rante a Revolução Científica na modernidade. Dentre seus principais inauguradores es-
tão os físicos astrônomos como Galileu Galilei e Isaac Newton. O termo é derivado do
conceito indução, que se consiste no processo lógico inverso da dedução, no caso da
dedução, conforme Aristóteles, o raciocínio procede de uma verdade universal para
deduzir caracteres de fenômenos particulares, a indução, por sua vez, parte da consta-
tação comum de um mesmo caráter em vários fenômenos semelhantes, e assim sendo
se traduz essa constatação em uma característica universal desses fenômenos.
29
por seu peso natural, sendo assim, um metal do mesmo tamanho que um isopor terá
uma aceleração maior que o isopor se ambos caírem em queda livre de uma
mesma altura, isso se justifica pois se o metal tem o dobro do peso do isopor ele de-
ve necessariamente ter o dobro de aceleração, e assim por conseguinte. A veloci-
dade dos diferentes materiais, portanto, dependem de sua propriedade interna
natural.
Galileu Galilei no século XVI observou que essa conjectura de Aristóteles era
falsa. O astrônomo italiano, a partir de uma arguta observação da realidade, e de
alguns pressupostos físicos desenvolvidos por Copérnico, entre outros pensadores
posteriores a física aristotélica, constatou que a aceleração dos corpos em queda
livre varia não por uma propriedade interna dos diversos materiais, mas por uma
ação de resistência do ar sobre o material. Sendo assim, de acordo com Galileu
todos os materiais, independente de seu peso, ou propriedades intrínsecas, possu-
em a mesma aceleração de 9,8 m/s2.
Contudo o que vemos com nossos olhos é que uma pena possuí uma veloci-
dade bem inferior a uma pedra quando ambos em queda livre, Galileu diz sobre
isso que o contato do ar com a pena é muito maior que com a pedra, esse contato
maior gera uma maior desaceleração na pena, gerando a impressão de que essa
cai mais devagar que a pedra. Experimentos recentes, realizados no vácuo, com-
provaram a tese de Galileu, cientistas contemporâneos dentro de uma câmara de
vácuo colocaram em queda livre penas, e uma bola de boliche, e puderam ver a
olhos nus que ambas atingem o solo juntas, com a mesma aceleração, e a mesma
velocidade.
Nos é impossível reconstituir todo o trajeto de estudos feitos por Galileu, bem
como todo seu arcabouço teórico que foram subsídios para suas observações, e
experimentos, que o levaram a concluir o Lei da Queda dos Corpos; devemos por-
tanto nos ater no fato de que sua “Lei” é uma afirmação universal, que pretende
assegurar que todos os corpos, independente de composição ou natureza, em
queda livre possuem uma aceleração de 9,8 m/s2, e que essa lei é extraída por in-
dução. Mas por que, por indução?
Acompanhemos a seguinte digressão mental: 1) Galileu observou, e realizou
experimentos com corpos semelhantes em proporção, mas de diferentes naturezas
que estivesse em queda livre, ou que ele mesmo colocará, 2) Galileu se ateve aos
fenômenos os quais a dimensão desses corpos era pequena e seu contato com o ar
30
era praticamente mínimo, 3) ao constatar em vários singulares, de diversos corpos
que caíram em paralelo que esses caiam juntos independente de sua natureza,
Galileu concluíra que a aceleração não pode estar atrelada a um caráter intrínse-
co do corpo, 4) se a aceleração não depende da natureza do corpo, todos os
corpos estão submetidos as mesmas condições de aceleração quando em “queda
livre”, já que os fatores de aceleração e desaceleração são externos, e sempre ex-
ternos, ao determinado corpo. Nos itens 3 e 4 de nossa digressão mental encontra-
mos o processo indutivo, Galileu pode afirmar esses dois itens de caráter universal, a
partir, de seus experimentos e observações singulares. Essa, talvez seja, uma das in-
duções mais perfeitas na história da física, seu nível de acurácia probabilística é
elevadíssimo, ainda mais levando em consideração a parca disponibilidade de
tecnologia que Galileu tinha para executar suas observações e experimentos.
31
Durante a modernidade surgem vários filósofos inspirados e influenciados pela ciência,
filósofos como René Descartes, David Hume e Imannuel Kant. Uma das características
comuns entre esses pensadores modernos é o caráter cético de suas filosofias, em rela-
ção a Hume prescinde um forte ceticismo epistemológico. Levando em consideração
que o ceticismo presente nesses filósofos é uma influência da ciência que eclode na
modernidade, pense em como essa influência refletiu em uma espécie de ceticismo de
ordem epistemológica.
32
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Enem 1999) [...] Depois de longas investigações, convenci-me por fim de que o
Sol é uma estrela fixa rodeada de planetas que giram em volta dela e de que ela
é o centro e a chama. Que, além dos planetas principais, há outros de segunda
ordem que circulam primeiro como satélites em redor dos planetas principais e
com estes em redor do Sol. [...] Não duvido de que os matemáticos sejam da mi-
nha opinião, se quiserem dar-se ao trabalho de tomar conhecimento, não super-
ficialmente mas duma maneira aprofundada, das demonstrações que darei nes-
ta obra. Se alguns homens ligeiros e ignorantes quiserem cometer contra mim o
abuso de invocar alguns passos da Escritura (sagrada), a que torçam o sentido,
desprezarei os seus ataques: as verdades matemáticas não devem ser julgadas
senão por matemáticos.
(COPÉRNICO, N. De Revolutionibus orbium caelestium)
Aqueles que se entregam à prática sem ciência são como o navegador que
embarca em um navio sem leme nem bússola. Sempre a prática deve funda-
mentar-se em boa teoria. Antes de fazer de um caso uma regra geral, experi-
mente-o duas ou três vezes e verifique se as experiências produzem os mesmos
efeitos. Nenhuma investigação humana pode se considerar verdadeira ciência
se não passa por demonstrações matemáticas.
(VINCI, Leonardo da. Carnets)
2. (Uel 2006) Uma das afirmações mais conhecidas e citadas de Galileu, que reflete
o novo projeto da ciência da natureza, é a seguinte: “A filosofia está escrita neste
grandíssimo livro que aí está aberto continuamente diante dos olhos (digo, o uni-
33
verso), mas não se pode entendê-lo se primeiro não se aprende a entender a lín-
gua e conhecer os caracteres nos quais está escrito.
Ele está escrito em língua matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e
outras figuras geométricas, meios sem os quais é humanamente impossível en-
tender-lhe sequer uma palavra; sem estes trata-se de um inútil vaguear por obs-
curo labirinto.”
(NASCIMENTO, Carlos Arthur R. De Tomás de Aquino a Galileu. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 1998. p.
176.)
a) Isaac Newton.
b) Galileu Galilei.
c) Nicolau Copérnico.
d) Giordano Bruno.
e) Francis Bacon.
34
4. Sobre as concepções de saber antes e depois da ascensão da ciência moderna,
analise as afirmativas a seguir:
I. O saber que até então era considerado laico passa, a partir da ascensão da ci-
ência moderna, a ser considerado mítico.
II. O saber que até então era considerado contemplativo passa, a partir da ascen-
são da ciência moderna, a ser considerado ativo.
III. O saber que até então era considerado quantitativo passa, a partir da ascensão
da ciência moderna, a ser considerado qualitativo.
IV. O saber que até então era considerado especulativo passa, a partir da ascensão
da ciência moderna, a ser considerado transformador do mundo.
a) II, apenas.
b) IV, apenas.
c) I e III, apenas.
d) II e IV, apenas.
e) II, III e IV, apenas.
35
6. A filosofia e a ciência são formas de conhecimento humano que se distinguem
fundamentalmente, mas que também se aproximam, em maior ou menor grau
quando emitimos juízos sobre a realidade. Desse modo, é correto afirmar:
36
b) É uma lei matemática axiomática.
c) É uma lei exclusiva da física newtoniana.
d) É uma lei derivada de experimentos científico empíricos.
e) É uma lei universal concluída de forma introspectiva.
37
O ADVENTO DO POSITIVISMO NO UNIDADE
SÉCULO XIX
O enfoque desse item nesse capítulo vem a ser, portanto, justamente descre-
ver e debater de maneira sucinta em como a ciência é usada no discurso ideológi-
co positivista para a fundamentação de um éthos, em outras palavras, os ritos soci-
ais conforme a citação acima, vindo a se tornar mesmo equiparada a uma espécie
de doutrina.
Durante o desenvolvimento do positivismo vários pensadores e filósofos aderi-
ram às suas premissas, dentre eles, se encontram John Stuart Mill e Herbert Spencer
na Inglaterra, Ernst Haeckel na Alemanha, Roberto Ardigò na Itália e Auguste Com-
te na França.
Comte, por sua vez, pode ser reconhecido como um dos filósofos mais em-
blemáticos do positivismo, e será através da filosofia desse que esse livro irá propor
uma descrição sobre em como a ciência se converteu em uma ideologia e éthos
para a sociedade europeia, durante essa segunda metade do século XIX.
38
Baseando-se diretamente na ciência que havia surgido durante a Revolução
Científica, a ciência predominada pela física e astronomia de Galileu Galilei, Co-
pérnico, Isaac Newton, entre outros; mesma ciência que impulsionara a reforma
feita na filosofia encabeçada por Descartes, Bacon e tardiamente por Hume e
Kant, filósofos que reivindicaram o espírito e o método científico para o organun da
filosofia. O positivismo cria um discurso ideológico e pretende que tanto a maneira
de viver dos seres humanos, quanto a própria investigação da sociedade (a socio-
logia) estejam submetidos aos métodos científicos; nas palavras do próprio Comte,
conforme Francis Bacon, o verdadeiro conhecimento somente nos é dado através
da empiria.
Uma das principais características do positivismo é tratar os fenômenos sociais
da mesma forma que a ciência opera com os fenômenos naturais, sumamente fa-
lando, a sociedade deve ser investigada, tratada e vivida conforme leis causais
mecânicas, desse ponto de vista a sociedade é entendida como uma extensão da
natureza que, no entanto, não possuí um dinamismo próprio e, ou, autêntico, mas o
mesmo dinamismo mecânico, mecanismo esse que fora amplamente desenvolvido
pela física clássica na modernidade. Sendo consequente com essa analogia pro-
posta pelo positivismo, pensadores como Newton e Galileu, tem suas teses como o
ponto de partida fundamental para estudos sobre a sociedade, e até mesmo para
a estruturação de nossas leis, nossa ética e nossos hábitos.
Auguste Comte, fundador do positivismo na França é um dos filósofos que se
apoia nesse mote. Para Comte existem três etapas do desenvolvimento do pensa-
mento humano, a última etapa, que se trata da etapa mais evoluída, denominada
de positiva, é justamente uma etapa onde o conhecimento humano se aloja no
conhecimento de caráter mecânico, reconhecendo esse, como o conhecimento
genuíno. Nas palavras de Comte (1978a, p. 03):
39
que a “sociologia”, conhecimento que se debruça sobre a sociedade, deva se
pautar pela busca de leis causais de tudo aquilo que ocorre na sociedade e vida
humana; ele propõe uma “sociologia” que esteja totalmente fundamentada no
estágio positivo do conhecimento humano.
É importante notarmos que o positivismo, parte do pressuposto que, de fato,
a sociedade e a vida humana funcionam e estão organizadas de acordo com leis
fundamentais que não se modificam, mas que apenas se desenvolvem conforme
uma lógica preestabelecida. A ordenação definitiva e eterna é um pressuposto do
pensamento de Comte, assim como essa ordem ocorre na natureza, ela ocorre
também na sociedade, aliás, na acepção positivista a sociedade é um estrato da
natureza. Vejamos uma interessante citação do próprio Comte a esse respeito: “[...]
todos os acontecimentos reais, compreendendo os de nossa própria existência indi-
vidual e coletiva, estão sempre sujeitos a relações naturais de sucessão e similitude
[...] essa ordem exterior é indispensável para a direção de nossa existência [...]”
(COMTE, 1978b, p. 109)
Para Comte, portanto, a existência humana está submetida a uma ordem natural prees-
tabelecida, isso faz com que ele conclua que as ciências naturais devem servir de base
para as nossas leis, nossa moral e nossa organização social.
Para compreender melhor isso, se faz necessário que cotejemos quais são os
outros dois estágios do conhecimento que se encontram abaixo do positivo; são
eles: o conhecimento teológico e o metafísico. Vale a pena reproduzir em extenso
a própria caracterização de Comte a respeito desses estágios:
40
des (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mun-
do, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias to-
dos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em
determinar para cada um uma entidade correspondente. Enfim, no
estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade
de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino
do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para pre-
ocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado
do raciocínio e da observação, suas leis efetivas [...] (COMTE, 1978a,
p. 03).
41
Encerramos o capítulo nos referindo ao fato de que o estado brasileiro fora
totalmente estruturado no modelo positivista de Comte, inclusive os motes de nossa
bandeira: ordem e progresso são derivados da síntese sobre em que se consiste no
positivismo social de acordo com o próprio Comte.
De acordo com Auguste Comte a sociologia deve ser vista como uma espécie de “física
social”, sendo assim devemos buscar leis científicas no comportamento humano e social
no intuito de prever a forma desses comportamentos ocorrerem, assim como a mecâni-
ca newtoniana prevê o movimento de objetos, a sociologia através da história deve
prever comportamentos humanos. Para ti as leis do fenômeno social são análogas as leis
da física natural? Ou a sociedade possuí leis específicas não comparáveis com a física
natural?
42
FIXANDO O CONTEÚDO
a) A busca de leis universais só pode ser empreendida no interior das ciências natu-
rais, razão pela qual o conhecimento sobre o mundo dos homens não é científi-
co.
b) Os fatos sociais fogem à possibilidade de constituírem objeto do conhecimento
científico, haja vista sua incompatibilidade com os princípios gerais de objetivi-
dade do conhecimento e a neutralidade científica.
c) Apreender a sociedade como um grande organismo, a exemplo do que fazia o
materialismo histórico, é rejeitado como fonte de influência e orientação para as
investigações empreendidas no âmbito das ciências sociais.
d) A ciência social tem como função organizar e racionalizar a vida coletiva, o que
demanda a necessidade de entender suas regras de funcionamento e suas insti-
tuições forjadas historicamente.
e) O papel do cientista social é intervir na construção do objeto, aportando à com-
preensão da sociedade os valores por ele assimilados durante o processo de so-
cialização obtido no seio familiar.
a) Transformar o meio social fixo e imutável do século XIX, de forma a inserir perspec-
tivas relativistas acerca do pensamento humano.
b) Demonstrar que o mundo é um lugar violento e degenerado, em que a busca
pelo pensamento positivo é impossível.
c) Entender os efeitos do estranhamento cultural entre diferentes indivíduos em sua
43
convivência com suas diferenças culturais.
d) Entender as leis que regem nosso mundo social, ajudando-nos a compreender os
processos sociais e dando-nos controle direto sobre os rumos que nossas socie-
dades tomariam.
e) N.D.A
44
De acordo com os seus conhecimentos e, a partir da assertiva acima, o lema
apresentado, a saber, “conhecer para prever, prever para conhecer” se refere a
qual dos autores abaixo:
a) Emile Durkheim.
b) Karl Marx.
c) Max Weber.
d) Auguste Comte.
e) Saint-Simon.
a) Astrologia.
b) Geologia.
c) Astronomia.
d) Sociologia.
e) Filosofia.
45
lução de uma sociedade dependente, primeiro, do seu ordenamento sem o
qual não há evolução.
II. Essa corrente, enquanto concepção metodológica de pesquisa histórica,
apropriou-se dos princípios da Escola Romântica alemã, notadamente das
ideias de Humboldt e Leopold Von Ranke. Portanto, entre o Historicismo e o Po-
sitivismo não há diferenças conceituais.
III. A ideia de que o historiador não poderia analisar criticamente a história, ape-
nas descrever os fatos tais e quais se passaram, resultou na exaltação de per-
sonagens “ilustres”, “datas” e “lugares”, já que esses explicavam a história por
si própria.
IV. Na divisão das ciências, a história ocupava o lugar mais importante, pois era o
carro-chefe na compreensão das relações sociais e o historiador era o cientis-
ta que se encarregaria de aplicar a física social, ou seja, conduzir a socieda-
de.
V. Se a nação brasileira aplicasse integralmente os princípios positivistas, rapida-
mente se transformaria numa nação rica e evoluída, pois aliaria o cientificismo
dessa corrente com as ideias românticas de Ranke, como a valorização da
cultura e dos sentimentos dos povos.
a) II, IV e V.
b) I, II e III.
c) II e IV.
d) I e III.
e) IV e V.
8. (UFU 1998) Sobre o positivismo, como uma das formas de pensamento social, po-
demos afirmar que:
46
III. foi um pensamento predominante na Alemanha, no século XIX, nascido prin-
cipalmente de correntes filosóficas da Ilustração.
IV. nele, a sociedade foi concebida como um organismo constituído de partes in-
tegradas e coisas que funcionam harmoniosamente, segundo um modelo físi-
co ou mecânico.
47
O CÍRCULO DE VIENA E O UNIDADE
POSITIVISMO LÓGICO
4.1 INTRODUÇÃO
48
diz ao metafísico não é: ‘As tuas palavras afirmam uma coisa falsa’, mas: ‘As tuas
palavras não afirmam nada’. Não o contradiz, mas afirma: ‘Não compreendo o
que queres dizer’ (SCHLICK 1973, apud SILVA, 2012).
Conforme Silva (2012), podemos afirmar que as principais objeções dirigidas
contra a metafísica prescindem do fato que ela encerra por gerar pseudoproble-
mas que são insolúveis. Acompanhemos o raciocínio: os enunciados metafísicos ini-
ciam por se referirem a fenômenos que não correspondem a experiências de fato,
no entanto, geralmente o filósofo metafísico é alguém de notória e brilhante argú-
cia de raciocínio e domínio filosófico e de outros conhecimentos, ele procede, por
sua vez, em galgar uma cadeia de deduções ancorado em um cerne tautológico,
um axioma metafísico que não corresponde a nada, sua argucia e habilidade o
levam a construir todo um verdadeiro monumento sistemático que no entanto não
corresponde a realidade, pois não partiu dessa. Apesar de os sistemas metafísicos
serem verdadeiros exemplos do domínio do raciocínio lógico e filosófico, na acep-
ção do empirista lógico elas acabam nos guiando a erros, a ilusões, sendo assim, a
verificação lógica seria uma maneira de dissolver problemas ilusórios criados pela
metafísica.
Um dos maiores representantes desse parecer sobre a metafísica é o filósofo
Ludwig Wittgenstein. Mesmo não fazendo parte do Círculo de Viena, Wittgenstein
foi um forte propositor do verificacionismo lógico, sendo um dos fundadores desse
princípio. De acordo com Wittgenstein, toda a cultura ocidental encontra-se en-
clausurada em hábitos ilusórios da metafísica, em seus livros Tractatus Logico-
Philosophicus, Investigações Filosóficas, o filósofo tenta por duas frentes distintas
combater esses hábitos. Wittgenstein alega que o platonismo é um marco do surgi-
mento dessas ilusões, e que de certa forma, através da linguagem e da religião, as
ilusões metafísicas passaram a ocupar não somente a filosofia, mas até mesmo as-
pectos de nossa cultura.
Um dos exemplos mais claros sobre esses hábitos metafísicos é a divisão e dis-
tinção entre mente e corpo existente na tradição do pensamento ocidental desde
Sócrates. Para o empirista lógico, bem como para Wittgenstein, e até mesmo para
outros pensadores emblemáticos do ocidente, como Espinosa, essa distinção é uma
ilusão criada por especulações metafísicas. Bem como havíamos dito, muitos filóso-
fos se ancoram nesses pressupostos e erguem seus palácios sistemáticos sobre esses
alicerces metafísicos, tal como Descartes, em seu pensamento a divisão corpo e
49
mente é algo imprescindível.
Não estamos a afirmar aqui que toda a filosofia cartesiana é um erro por
causa desse aspecto, mas somente apontando o que o empirista lógico objeta. Até
mesmo os empiristas lógicos consideram Descartes um filósofo brilhante, contudo,
suas teses, assim como de todos os metafísicos devem ser purificadas, e essa purifi-
cação se consiste na dissolução das ilusões metafísicas.
Para tal empreitada, o empirista lógico, bem como Wittgenstein, lançam
mão do chamado verificacionismo lógico. Vejamos, pois, na próxima sessão, em
que se consiste esse método.
Nessa sessão foram utilizados dois termos que de forma recorrente são usados na filosofia,
são eles: tautológico e axiomas. Os termos são imprescindíveis ao vocabulário de qual-
quer estudo filosófico, ambos advindos da lógica; tautologia é todo enunciado que inci-
de em um significado redundante, portanto é um enunciado vazio em termos de co-
nhecimento, axiomas, por sua vez, são postulados indemonstráveis, que, no entanto, são
considerados verdades fundamentais, evidentes e necessárias. Na acepção do empiris-
mo lógico, como visto aqui, todo axioma incide em uma tautologia, haja visto que ele
não é derivado de uma experiência sensorial, uma empiria.
50
algo é verdade. Teria sido melhor chamar a teoria de "a teoria do
significado de testabilidade". Às vezes, os positivistas lógicos usavam
essa frase, mas o nome mais padrão é "teoria da verificabilidade" ou
apenas "verificabilidade". O verificacionismo é um princípio empirista
forte; a experiência é a única fonte de significado, bem como a úni-
ca fonte de conhecimento.
51
A primeira proposta de Wittgenstein é a mais próxima do propósito do Círculo
de Viena, a segunda, por sua vez, se afasta desse contexto arraigado na ciência.
Conforme visto nessa unidade, o Círculo de Viena toma como um dos seus principais
objetivos a eliminação de toda e qualquer metafísica, não somente da ciência, mas sim
da base epistemológica humana. Se apoiando vigorosamente no empirismo e na lógica,
os filósofos e cientistas que fazem parte do Círculo são denominados também de “empi-
ristas lógicos”. A partir de seus conhecimentos sobre metafísica e epistemologia, você
pondera que a premissa do empirismo lógico é possível e plausível? Por que?
A mecânica quântica pode ser vista como uma baque, não somente para
os físicos, mas para toda a comunidade científica; de certa maneira podemos
ponderar que a premissa fundamental da quântica mina a solidez “objetiva” que
acompanha a “ciência” e a “física” desde suas origens no século XVI, justamente
porque a quântica possui por premissa que: “todo sujeito modifica o objeto que
analisa”, em outras palavras, que “o observador, no simples fato de observar o fe-
nômeno natural, já o modificou e muito de seu estado natural”.
Essa premissa, se plausível e verdadeira, relega todo método científico a uma
esfera subjetiva no fim das contas, aliás, por mais que todo o círculo de Viena,
Wittgenstein e Karl Popper tenham se esforçado para atingir um modelo lógico de
pensamento onde a assertividade obtivesse máxima acurácia e seu modelo epis-
temológico pudesse ser considerado o mais “objetivo” possível, a premissa trazida
pelos físicos Heisenberg e Schrödinger, símbolos da teoria quântica, poderia por
água baixo todo o esforço do positivismo lógico e de Karl Popper.
O baque da premissa quântica fora tão impactante que o próprio Albert Eins-
tein, físico que como já vimos inspirou a proposta do positivismo lógico, criticou ve-
ementemente a teoria quântica, seus princípios e suas premissas (PONCZEK, 2009).
52
Mas, indo além da premissa de que o sujeito modifica o objeto, que prescinde essa
teoria? E quais são suas consequências gnosiológicas de forma esmiuçada? Vere-
mos, que, em termos filosóficos e epistemológicos, a teoria quântica endossa o ca-
ráter crítico forjado por Kant, mas, contudo, abre espaço a uma nova metafísica, e
essa metafísica, por sua vez, invade a ciência despida de qualquer metafísica pre-
terida e preconizada por Comte, e endossada pelo Círculo de Viena.
No século XVIII, Newton havia descoberto que, em um prisma óptico, a luz
branca se decompõe em todas as cores do arco-íris. Na segunda metade do sécu-
lo XIX descobriu-se que, quando a luz emitida por uma substância aquecida até a
incandescência passa por um prisma óptico, aparecem raias coloridas. Para cada
substância obtêm-se cores diferentes. Então, como se produz essas raias espectrais?
Por que uma substância emite luz de determinadas cores e outras de cores diferen-
tes?
Nessa história vemos o princípio da chamada mecânica quântica, em outras
palavras, o problema que surge daí, o porquê de uma substância emitir luz de cores
diferentes é respondido pelo modelo atômico de Rutherford, proposto por esse em
1911, vejamos, pois, uma imagem do modelo atômico que nos permite visualizar a
resposta para a emissão de cores diferentes:
53
atômico saltando sempre de uma órbita a outra em torno do núcleo formado pelos
nêutrons e prótons, de fato, quando um gás é comprimido ou qualquer outro mate-
rial da realidade sofre alguma ação, em termos microscópicos, essa ação irá exci-
tar o átomo, e assim energizar o elétron, contudo, não é coerente crermos que o
movimento do elétron deveria cessar assim que a ação se encerre? Porém, con-
forme observado por Bohr, o elétron jamais cessa seu movimento e seus saltos orbi-
tais, mas por quê? E uma outra pergunta: o que há entre as órbitas? O elétron está
saltando sob o que? As respostas dadas a esse micro fenômeno é aquilo que deu
origem estrutural ao campo da quântica, inicialmente são dadas suas respostas, a
primeira em 1925 pelo físico Heisenberg, e a segunda em 1926 por Schrödinger; es-
ses nomes podem ser considerados os maiores emblemas da quântica.
Vejamos então, qual fora a resposta dada por esses inauguradores da quân-
tica de acordo com Cassinello e Gómez (2017, p. 20): “[...] como, no átomo de
Bohr, o elétron “salta” de uma órbita a outra? Não pode ser que desapareça de
uma órbita e apareça em outra. Na natureza não há saltos descontínuos. Tinha que
haver uma maneira de descrever a mudança de órbita[...]”. Essa maneira era a
equação dada por Schrödinger. Nessa equação, em termos descritivos não mate-
máticos, o físico demonstra que o elétron salta em seu próprio campo de energia,
ou seja, o caminho criado por ele é a energia que ele emana. A partir disso, inaugu-
rou-se aquilo que veio a se denominar por mecânica quântica.
No entanto, mesma com a equação não se podia prever para qual órbita e
quando o elétron se deslocaria. Esse problema que fora denominado, “saltos quân-
ticos”, levou aos dois papas da quântica Schorödinger e Heisenberg a concorda-
rem que os “saltos quânticos” eram indescritíveis, e imprevisíveis. A explicação mais
sensata para essa indescritibilidade viera através do princípio da incerteza de Hei-
senberg, esse princípio fora descrito nas primeiras linhas dessa sessão, ele argumen-
ta sobre em como o sujeito influência no objeto de que analisa. O famoso gato de
Schrödinger se trata de um experimento mental análogo ao “princípio da incerte-
za” de Heisenberg. Não podemos aprofundar nesse assunto sem um aparato técni-
co físico adequado, vamos nos bastar em apontar que a quântica é um advento
que tem consequências epistemológicas relevantes para a filosofia, bem como abri
um espaço para a necessidade da metafísica novamente, pois em muitos casos é
imprescindível avançar em lacunas tais como a dos “saltos quânticos”, e nesse sen-
tido é preciso especular e criar ideias sem um lastro empírico adequado. No mais, a
54
partir do momento onde se admite que todo objeto analisado pode sofrer uma sub-
jetivação do observador, devemos contar com a possibilidade de estarmos aprisio-
nados sempre na metafísica, sempre em um Lebensgefüh, conforme conceito for-
jado pelos empiristas lógicos.
Diante da quântica, as pretensões dos empiristas lógicos se tornam turvas e
embaçadas, de nenhuma maneira a quântica refuta o verificacionismo, contudo,
determinadas sentenças tautológicas quanto ao crivo do verificacionismo, não po-
dem ser substituídas, explicações devem ser dadas, em certos casos, mesmo que
não possam ser reduzidas a empiria, tal como se dava muitas vezes com os “saltos
quânticos”.
Albert Einstein fora um dos cientistas a admitir a quântica em total contragos-
to, conforme Montero (2020, p. 04, grifo nosso):
55
científico e espaços nodais e necessários muitas vezes.
56
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Ufsj 2013) O Círculo de Viena foi um importante marco para a filosofia e, exem-
plarmente, propôs que:
3. A seguinte frase: “As tuas palavras não afirmam nada”, é uma emblemática frase
do filósofo M. Schlick. Essa frase é uma objeção a qual tipo de pensamento? E
aponta para qual característica que crê notas nesse pensamento? Assinale a al-
ternativa mais adequada a essas perguntas.
57
a) Ao pensamento religioso, que se trata de um pensamento mitológico.
b) Ao pensamento metafísico, que é considerado uma tautologia pelo empirista
lógico.
c) Ao pensamento religioso, que é considerado pelo empirista lógico como uma
expressão de fé.
d) Ao pensamento metafísico, que é considerado um pensamento fraco se consi-
derado o uso da lógica e do raciocínio.
e) Ao pensamento metafísico, que é considerado arraigado de equívocos lógicos.
58
6. Uma das premissas da física quântica é que: “todo sujeito modifica o objeto que
analisa”. Essa premissa é simbolizada por um princípio físico e por um experimento
mental. Assinale a alternativa que contém esses símbolos e seus respectivos auto-
res.
8. De acordo com Arroyo Montero: “Embora Einstein seja considerado um dos pais
da mecânica quântica (seu modelo do efeito fotoelétrico de 1905 desempenhou
um papel importante no desenvolvimento da mecânica quântica), com o passar
do tempo, ele considerou desagradável alguns conceitos que estava adotando
a mecânica quântica [...]” (2020). A partir dessa citação, assinale a alternativa
que contém os aspectos que Einstein considerava desagradáveis na teoria da
mecânica quântica:
a) Indeterminação e aleatoriedade.
b) Indeterminação e imprecisão.
c) Incerteza e aleatoriedade.
d) Teleologia, causalidade e tautologia.
e) Indeterminação e causalidade.
59
A ECLOSÃO DA FILOSOFIA DA UNIDADE
CIÊNCIA NO SÉCULO XX: DO
FALSIFICACIONISMO DE POPPER
AOS PROGRAMAS DE PESQUISA DE
LAKATOS
Vemos nessa citação, portanto, que Popper não faz parte do Círculo de Vie-
na, apesar de interesses e abordagens semelhantes, os “empiristas lógicos” ergue-
ram suas teses científicas juntamente a uma filosofia da linguagem e a uma episte-
mologia, Popper, por sua vez, teve como interesses primários compreender a estru-
tura de funcionamento interno da própria ciência e em delimitar o que era “ciên-
cia” e o que era “pseudociência”. Ao contrário do que muitos creem, Popper não
afirma categoricamente que o conhecimento proveniente do que ele chama de
pseudociência seja menor do que o científico, tal como o positivista lógico crê que
a metafísica é tautológica, Popper só afirma que pseudociência não é ciência, são
60
apenas processo metodológicos distintos, e o sufixo de “pseudo” é agregado por
ele justamente porquê essas disciplinas não admitem que seu procedimento é bem
distinto da ciência e almejam por vezes se enquadrarem no mesmo conjunto que
os procedimentos científicos. Um exemplo clássico atrelado por vários comentado-
res de Popper a respeito disso, é a distinção que o filósofo faz do proceder da psi-
canálise de Freud e da física de Einstein, os procedimentos de Einstein para Popper
são evidentemente científicos, enquanto Freud não opera dentro desses mesmos
parâmetros, portanto quando a psicanálise freudiana quer se enquadrar como ci-
ência ela se torna uma pseudociência.
Tendo isso em vista, esse livro confere o caráter de delimitação a teoria me-
todológica científica de Popper. Popper propõe uma teoria e uma metodologia
que delimita àquilo que almeja ser científico, essa teoria é conhecida como “falsifi-
cacionismo”. Avançaremos agora com uma descrição oportuna do pensamento
de Popper que permite angariar teoricamente de forma sucinta o que ele compre-
ende como o “falsificacionismo”.
A primeira análise e reflexão que Karl Popper propõe em seu livro Lógica da
Pesquisa Científica é uma crítica ao “inducionismo”, modelo científico que se origi-
nou na Revolução Científica, conforme já havíamos cotejado nesse livro nas Unida-
des 2 e 3.
A crítica de Popper não é algo autêntico, seu pressuposto já está dado des-
de o século XVIII nos meandros do pensamento epistemológico de David Hume,
esse pressuposto é conhecido como o “problema da indução”; em suma, esse pro-
blema é o simples fato de que qualquer indução possuí uma probabilidade de ser
falsa, até mesmo uma conclusão indutiva verdadeira pode se tornar falsa, por
exemplo: o fato de que todos os cisnes encontrados até os dias de hoje são branco,
não nos dá garantias de que a premissa “todos os cisnes são brancos” tenha vali-
dade universal, haja visto, que sempre existirá a probabilidade de que surja um cis-
ne negro.
O cerne da crítica de Popper, e que já era a crítica epistemológica de Hu-
me, é que não é de fato possível derivar leis universais de constatações singulares,
por mais que sejam averiguados inúmeros casos singulares, jamais será possível
checar todos, de forma assertiva, jamais podemos afirmar, portanto, que um pro-
cesso indutivo pode nos conferir uma “lei universal” de fato.
É interessante e oportuno afirmar isso após já havermos cotejado a teoria
61
quântica e a relatividade, pois ambas refutam a mecânica newtoniana, bem como
outras leis físicas produzidas por Galileu, se nos recordarmos, pois, que todas essas
“leis universais” produzidas por esses físicos clássicos oriundos da Revolução Científi-
ca estão suportadas na indução, notamos agora de maneira clarividente que não
eram de fato “leis universais”, mas afirmações singulares com um escopo muito
grande de exemplares dentro de suas leis descritas.
Vejamos, pois, uma reflexão que torna isso mais palatável: Newton afirmava
que o “tempo” era algo absoluto e concreto, uma grandeza que se comportava
de forma unívoca e independente, apesar de só podermos acessar esse tempo
através de cálculos matemáticos, para Newton ele existe como um elemento da
natureza e se comporta como um fluxo contínuo que independe de outros fenô-
menos para ocorrer (ROVELLI, 2017,p. 58-59); com esse “tempo” absoluto, Newton
opera em todas as suas leis físicas de sua mecânica. Observemos que a afirmação
sobre o caráter absoluto do tempo é algo obtido através de uma indução é que
ganha o status de lei universal, no momento em que Einstein, no início do século XX,
demonstra uma série de eventos nos quais o tempo não se comporta de maneira
absoluta, como já vimos no capítulo anterior, o caráter “universal” cai por terra e o
“problema da indução” vêm à baila.
É importante ressaltar aqui, que o “tempo” absoluto de Newton não é algo
mentiroso, falso, contudo, não possuí um status de universalidade, se encontra limi-
tado em determinados eventos da natureza, e outros nos deparamos com defor-
mações no “tempo” e em relativizações do mesmo, conforme demonstrou Einstein
e Lorenz. Eis então, que Hume triunfa em sua prerrogativa do “problema da indu-
ção”, e Popper interpreta criticamente a partir desse todo experimento científico
empírico experimental.
Acreditamos que a partir dessas descrições e críticas trazidas por Popper po-
demos alcançar o mel da colmeia denominada falsificacionismo. Conforme o
“problema da indução”, em termos epistemológicos estamos enclausurados a arcar
com uma preponderância da indução em nosso conhecimento, no entanto, Pop-
per afirma que de fato só iremos arcar com essa preponderância quando estamos
interessados em afirmar “verdades”, se, no entanto, nos dispusermos a notar àquilo
que há de “falso” no que observamos na realidade, estaremos deduzindo o que é
“falso”, e assim sendo nosso conhecimento sobre o que algo não é, é um conheci-
mento seguramente dedutivo.
62
A partir disso, Popper lança a tese de que todo procedimento metodológico
contém um caráter empirista falseável, em outras palavras, toda teoria científica
permite que essa venha a ser falsificada, essa é a lacuna prevista pelo “problema
da indução”. Assim como Newton veio a ser falseado pela física de Einstein, toda
tese que requer o caráter de ciência para si, deve conter em si mesma um princípio
de falseabilidade, haja visto que todo conhecimento que almeja descrever algo de
forma “verdadeira” arca com sua “indução”, e dentro da “indução” está contida a
possibilidade de falseamento. Cotejamos uma citação de Godfrey-Smith (2003, p.
58-59, tradução nossa) que endossa nossa descrição:
63
5.2 A CIÊNCIA CONFORME PARADIGMAS CIENTÍFICOS DE KUHN E O PRO-
GRAMA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DE IMRE LAKATOS
A nós, do campo filosófico, nos deve chamar a atenção o fato da física ter
sido a mais bem sucedida ciência no que diz respeito a erigir “paradigmas” até os
dias de hoje. Essa eficiência paradigmática da física, fora exatamente aquilo que
chamara a atenção de Kant e dos demais filósofos da modernidade.
Para Kuhn, a ciência que é feita por uma comunidade científica dentro de
um determinado paradigma científico, e seguindo os pressupostos fundamentais e
básicos dados por esses paradigmas, ou seja, tomando esses pressupostos como
uma espécie de axioma científico, é denominada de “ciência normal”. Vamos
exemplificar isso para que possa ficar mais palpável: durante todo o transcorrer des-
se livro foram apontados vários exemplos de paradigmas científicos, conforme a
teoria de Kuhn, entre eles se encontram a física de Aristóteles, a mecânica de New-
ton e a mecânica quântica; dentro do paradigma aristotélico o movimento (e sua
64
velocidade portanto) ser inerente ao objeto ou a ser, e variar conforme a essência
desses é uma espécie de axioma desse paradigma, toda ciência feita dentro desse
paradigma leva em conta que essas características são verdadeiras, ao avançar
para a mecânica newtoniana o movimento não é mais visto como uma proprieda-
de inerente aos objetos, mas a resultante de forças externas a todo e qualquer ob-
jeto, se Aristóteles está correto, Newton não está, pois esses paradigmas não podem
coexistir ambos como verdades, pois se refutam; no entanto, tanto em um como
em outro é considerado uma atividade de “ciência normal” quando se procede
em pesquisas que tomam por base verdadeira algum dos “paradigmas. O mesmo
vale para a mecânica de Newton e a quântica, na primeira o “tempo” é conside-
rado uma entidade da realidade é visto como algo absoluto, na segunda, por sua
vez, o tempo é considerado como algo relativo e que possuí um contestabilidade
se é de fato é algo na realidade, ou se, somente é uma forma de interpretação,
uma notação quantitativa da matemática; o importante a ressaltar aqui é que to-
da a ciência que leva em consideração o tempo de Newton encontra-se em um
paradigma, e que toda pesquisa que pondera que esse não pode ser absoluto se
encontra nos paradigmas da quântica ou da relatividade.
Para Kuhn existe também um momento do desenvolvimento histórico da ci-
ência chamado de período de crise, é um período em que o paradigma deixa de
ser satisfatório, acompanhemos uma citação de Godfrey Smith (2003, p. 82,
tradução nossa) sobre isso:
65
como bastante inútil para a ciência normal. (2003, p. 82. Tradução
Nossa)
Nos exemplos que citamos podemos notar anomalias quando, por exemplo,
em algum experimento o movimento conforme Aristóteles gera um “quebra cabe-
ças”, ou mesmo se o tempo absoluto conforme Newton também gera isso, em ou-
tras palavras, parece que se o paradigma é verdadeiro os resultados de algum ex-
perimento se mostram como paradoxais, sendo assim a verdade paradigmática
entra em crise, essa crise se estende até que outro paradigma seja equacionado.
Conforme Kuhn, toda ciência que opera fora de um paradigma, é chamada
de ciência extraordinária, ao invés de ciência normal. Essa ciência surge pois de
fato as pesquisas não podem cessar, nesse tipo de ciência não existe um paradig-
ma que a sustente, inclusive as pesquisas em ciência extraordinária são efluentes de
novos paradigmas.
A publicação do livro de Kuhn modificou todo o cenário da filosofia da ciên-
cia, Kuhn conferiu uma importância a perspectiva e não se pode disputar que esta
é a primeira tentativa, desde há muito tempo, de usar insights históricos para infor-
mar a abordagem da ciência feita pelos filósofos.
Um outro aspecto apontado por Kuhn que mina uma das bases nucleares do
empirismo lógico é o aspecto de que quando investigado momentos cruciais da
história da ciência, como por exemplo, as contribuições de Kepler a astronomia,
praticamente não encontramos um momento em que a ciência fora executada de
forma pura, em outras palavras, despida de quaisquer traços metafísicos.
Nesse sentido, podemos concluir de maneira bem sucinta e objetiva, sem
aprofundar tanto nas teses de Kuhn, pois o objetivo desse livro é somente fazer uma
apresentação de cada um dos filósofos mais importantes no que diz respeito a filo-
sofia da ciência, que para Kuhn existe um ciclo no progresso da ciência: determi-
nadas teses científicas lançam “paradigmas”, as comunidades científicas passam a
operar naquilo que é chamado de “ciência normal”, que são pesquisas que ocor-
rem nas bases conceituais oferecidas pelos “paradigmas”, quando um “paradig-
ma” se esgota e é substituído ocorre uma “revolução científica”. Vale a pena cita
Godfrey-Smith (2003, p. 77, tradução nossa) para auferir maior autenticidade a essa
descrição:
66
terística fundamental da ciência normal é que ela é bem organiza-
da. Os cientistas que fazem ciência normal tendem a concordar so-
bre quais problemas são importantes, como abordá-los e como ava-
liar possíveis soluções. Eles também concordam sobre como o mundo
é, pelo menos em linhas gerais. Uma revolução científica ocorre
quando um paradigma quebra e é substituído por outro.
67
mesmo tempo, ele somente é substituído. Essa falha no pensamento de Kuhn, con-
forme Lakatos, é fruto de sua perspectiva histórica. Acompanhemos dois exemplos
de Programas de Investigação dados por Godfrey-Smith (2003, p. 104-105, tradução
nossa)em sua leitura da teoria de Lakatos:
68
Um dos livros mais completos sobre o desenvolvimento da
filosofia da ciência ao longo de todo o século XX é o livro
publicado por em “O que é ciência afinal?” (1993) de Alan
Chalmers. Chalmers faz uma imersão em todo o desenvol-
vimento da filosofia da ciência, desde o indutivismo, pas-
sando por versões do falsificacionismo popperiano, con-
templando as propostas de Kuhn, Lakatos e por fim, Chal-
mers lança mão de uma teoria própria apoiada no realis-
mo científico. Disponível em: https://bit.ly/3aMgyan. Acesso
em: 19 jan. 2020.
69
5.3 O ANARQUISMO EPISTEMOLÓGICO E A CRIATIVIDADE NA CIÊNCIA: A
FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE PAUL FEYERABEND
70
Dessa não demarcação metodológica proposta por Feyerabend prescinde
sua característica não racionalista a respeito da ciência, ao lançar o mote do “vale
tudo” uma pesquisa pode ser guiada por diretrizes que não se assemelhem com
vias racionais; eis daí o caráter de anarquismo epistemológico proferido pelo filóso-
fo; a ciência não precisa estar prescrita por um método racional dado. Nas pala-
vras do próprio:
71
FIXANDO O CONTEÚDO
a) Apenas I e IV;
b) Apenas II e IV;
c) Apenas IV e V;
d) Apenas I, III e V;
e) Apenas I, II, III e V
72
e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.
3. Em sua filosofia da ciência, Sir Karl Popper, parte de uma premissa epistemológi-
ca empirista que se torna componente fundamental de sua tese do falsificacio-
nismo. Assinale a alternativa que aponta corretamente essa premissa e qual filó-
sofo empirista ela pertence.
73
5. Segundo Thomas Kuhn, revoluções científicas são aqueles episódios de desenvol-
vimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parci-
almente substituído por um novo, incompatível com o anterior, conforme defen-
de na obra A Estrutura das Revoluções Científicas. No que diz respeito à filosofia
da ciência de Thomas Kuhn, julgue os itens que se seguem.
74
c) Exemplos de paradigmas científicos.
d) Programas de Investigação Científica.
e) Heurísticas da ciência natural.
75
cleo, por sua vez, do darwinismo do século XIX é composto de um conjunto mu-
tante de idéias mais detalhadas sobre quais espécies estão intimamente relacio-
nadas com quais; idéias sobre herança, variação, competição e seleção natural;
idéias sobre a distribuição de organismos ao redor da Terra; e assim por diante.
d) Ambas as alternativas A e B podem ser consideradas corretas.
e) As alternativas a, b e c podem ser consideradas corretas.
8. Para Thomas Kuhn um dos equívocos dos pensadores do Círculo de Viena era:
76
RELAÇÕES ENTRE A CIÊNCIA E UNIDADE
ÉTICA: A DICOTOMIA DO
PROGRESSO
6.1 INTRODUÇÃO
77
Os episódios do Fausto citados trazem a relação entre a ética e o desenvol-
vimento da ciência à tona, conforme nos esclarece Cardoso (1998, p. 01):
A ética tem por princípio evitar que os seres humanos sejam objetificados,
objetificação essa que ocorre como consequência de nossas próprias ações em
sociedade, por exemplo, a “escravidão” é explicitamente uma das mais cruéis ob-
jetificações já cometidas entre os seres humanos, no caso da “escravidão”, ela não
é uma objetificação por consequência, mas uma objetificação planejada e im-
plementada, obviamente que sua execução extrapola quaisquer condutas éticas e
direitos do escravizado, em suma, ele é visto como um mero objeto que seu dono, o
senhor de escravos, possuí, sendo assim, suas vontades próprias e liberdades são
totalmente reduzidas.
O fenômeno da objetificação entre os seres humanos assumiu diversas for-
mas ao longo do desenvolvimento da humanidade, entre elas, o sexismo dos gêne-
ros, onde em muitos casos através de apelos sexuais, as mulheres são objetificadas,
ou mesmo, subjugadas pelos homens através de argumentos que se baseiam na
natureza e fisiologia do gênero. Filósofos como Hegel e Marx em suas obras descre-
veram exaustivamente as várias formas que a objetificação tomou ao longo da his-
tória, em seu pensamento dialético a objetificação humana também é denomina-
da como estranhamento, haja visto que quando desumanizamos alguém passamos
a vê-lo como um estranho e não como um semelhante, um ser humano. A objetifi-
cação é uma das formas que o estranhamento pode assumir, aqui nos interessa
somente quando a “objetificação” e o estranhamento ocorrem na ciência, seja de
forma direta ou indireta, e não nos cabe prosseguir sobre os caracteres distintivos
78
entre os fenômenos universais e o específico. Mas vale a pena ressaltar determina-
das premissas sobre o estranhamento conforme Hegel e Marx.
Para Hegel, o estranhamento e a “objetificação” são fenômenos que podem
ser superados, mas que, no entanto, necessariamente tiveram de ocorrer para que
a humanidade se desenvolvesse ou se desenvolva ainda. Em sua obra, Fenomeno-
logia do Espírito, esse necessário do desenvolvimento humano é chamado de “tra-
gédia do ético”, nesse sentido, podemos interpretar de maneira coerente com a
dialética hegeliana que determinados momentos de escravidão haveriam de ocor-
rer para que o imperialismo se desenvolvesse e trouxesse as benesses de uma soci-
edade industrialmente desenvolvida; um exemplo factível disso é a expansão do
império napoleônico, que apesar de causar guerras e assassinar pessoas, as tratan-
do de maneira estranhada, pode industrializar toda a Alemanha que ainda vivia
sob a égide da agropecuária rústica do feudalismo. Hegel ainda afirma que a supe-
ração desses estranhamentos somente pode ocorrer após sua concretude, se Hegel
está de fato correto ou não, não podemos afirmar categoricamente, contudo, de
fato, nós somente passamos a fazer valer leis contra a escravidão após essa ter vin-
do a ocorrer e muito.
Para Marx, por sua vez, a “objetificação” está totalmente arraigada ao mo-
delo de produção onde determinada sociedade está estruturada; em seu extenso
corpus bibliográfico ele vislumbra que o único modelo de produção capaz de eli-
minar a “objetificação” é o comunismo, veja bem, ele afirma que o comunismo
elimina a objetificação, contudo, não elimina o estranhamento. O capitalismo, por
sua vez, é o ápice da “objetificação”, já que é um sistema de produção onde tudo
pode ser vendido, e, assim sendo tratado como objeto.
Muitos pensadores contemporâneos tendem a concordar com Marx e com
Hegel, ao mesmo tempo, por incrível que essa afirmação pareça. Em sua maior par-
te, esses pensadores que inclinam por concordar com ambos, o fazem, porque
consideram que o estranhamento antes de ser um fenômeno social e ético, é tam-
bém um fenômeno psíquico, sendo assim, é comum perdermos a noção daquilo
que é humano até em nossas personalidades e em nossos cotidianos, e até na rela-
ção com familiares e amigos mais íntimos.
Preparamos, pois, um terreno conceitual para aquilo que gostaríamos de ar-
guir aqui sobre a ciência e ética. Surgem então algumas perguntas que vislumbra-
mos que sejam respondidas: o desenvolvimento da ciência deve ser impedido caso
79
venha a “objetificar” ou estranhar os seres humanos? Podemos, e devemos estudar
meios de realizar esse desenvolvimento sem que o estranhamento ocorra? É possível
que ele não ocorra ao ser efetivada a pesquisa científica em suma máxima acurá-
cia?
Apesar de, como vimos na sessão anterior, serem Hegel e Marx que irão ex-
plorar teoricamente a fundo os fenômenos sociais conceituados como “objetiva-
ção” e estranhamento, o princípio desses fenômenos já está prescrito na filosofia
moral de Kant. Sendo mais preciso, o “imperativo categórico” pressupõe exatamen-
te que nossas ações, sejam elas quais forem, jamais podem incidir em um estra-
nhamento para com outro ser humano, sendo assim, jamais podem incidir em qual-
quer espécie de objetificação. Vale a pena replicar e analisar o “imperativo cate-
górico” aqui, para podermos visualizar analiticamente essa afirmação:
Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se mediante sua vonta-
de a lei universal da natureza.
O imperativo categórico prescreve que devemos tentar agir sempre pauta-
dos na possibilidade de que nossa ação possa vir a se tornar a ação de qualquer
outro indivíduo, isso é a “lei universal”, sendo assim, eu não devo agir de forma que
será gerado diretamente ou indiretamente quaisquer tipos de estranhamento, já
que eu não desejo sofrer algum estranhamento, ou mesmo ser “objetificado” de
alguma forma, pois essa ação colocaria em risco minha individualidade, integrida-
de física, bem como minha dignidade humana, e se a ações objetificadoras se tor-
nam leis universais, cedo ou tarde eu haveria de ser objetificado, e colocaria em
risco minha própria existência. Em suma, o “imperativo categórico” também deriva
de sua máxima que todo ser humano seja tratado como um “fim em si mesmo” e
não como um “meio”, todo estranhamento e objetificação tratam os seres huma-
nos como “meios” para algo; nesse sentido, o “imperativo” rejeita toda e qualquer
ação que objetifique todo e qualquer ser humano.
É fazendo um uso basilar da moral kantiana, principalmente de aspectos de-
rivados do “imperativo categórico tal como descrevemos aqui, que surge na se-
gunda metade do século XX o chamado campo da “bioética”. Bioética que signifi-
80
ca: “bios” do grego vida e “ethos” do grego relativo à ética.
O campo da bioética surge relacionado principalmente a medicina, no en-
tanto, em seu contexto de surgimento estão atrelados casos escandalosos do uso
de seres humanos em pesquisas científicas (DEJEANE, 2011). Em nosso imaginário
prescinde daí cenas assustadoras, tais como àquelas vistas em enredos de filmes
como A Ilha do Dr. Moreau, nesse filme que é baseado em um romance do século
XIX de H.G. Wells, um cientista que domina o campo da genética começa a fazer
experimentos em seu laboratório que fica em uma ilha desabitada, seus experimen-
tos são criações de seres humanos a partir da modificação genética de animais
que vivem no bioma da ilha; os resultados são criaturas bizarras. Situações tais como
a do Dr. Moreau na realidade são de nos constranger e gerar tremenda repulsa, e
são casos que devem estar presentes na humanidade desde muito tempo. Con-
forme Dejeane (2011, p. 33):
Como podemos deduzir, com todo o estudo feito até aqui e com as descri-
ções já dadas nesse capítulo, o uso de seres humanos em pesquisas científicas é
uma objetificação extrema do ser humano, seres humanos colocados como cobai-
as estão sendo totalmente submetidos a uma condição de objetos, sem falar com
os casos em que essa objetificação pode chegar ao extremo de ceifar vida desses
indivíduos. Seria justo ceifar a vida de indivíduos humanos em prol de algum desen-
volvimento científico? A bioética surge para equacionar problemas urgentes como
este. De fato, é um campo que deve se atrelar mais a ciências como medicina, bi-
oquímica, que lidam com uma ocorrência muito maior com vidas humanas, do que
a astronomia, por exemplo, essa última onde a incidência de vidas humanas é bas-
tante rara. Contudo, devemos rememorar que as tragédias atômicas do holocausto
da segunda guerra mundial estão diretamente atreladas a desenvolvimentos no
campo da física, inclusive a famosa fórmula de Einstein: E=mc², já visitada aqui no
capítulo 4, fora usada diretamente nos projetos de desenvolvimento dos armamen-
81
tos nucleares, e até a atualidade muitos campos da física, como a mecânica, bem
como da química, são usados no desenvolvimento de armamentos de destruição
em massa. É levando isso em consideração, que o campo da bioética fora vendo a
necessidade de se expandir para além das fronteiras dos problemas da biomedici-
na.
Para encerrar essa sessão, e o capítulo que encerra o livro também, iremos
retomar a abordagem sobre a filosofia de Kant, alicerçando nessa as contraparti-
das que o campo da bioética pode oferecer a vários impasses éticos que surgem
do desenvolvimento da ciência.
Ainda não fora ressaltado aqui, que a bioética não é um campo da filosofia,
mas sim uma área interdisciplinar no qual a filosofia compõe um eixo imprescindível
(DEJEANE, 2011). Conforme Diniz e Guilhem (2002, p. 44) sobre a bioética e suas ba-
ses filosóficas:
82
ser derivados do mesmo, tal como se apresenta na proposta sistemática de Kant,
não iremos, no entanto, nos preocupar com essa decupação do sistema moral de
Kant, mas sim, iremos nos ater a esses dois princípios quais são de extrema impor-
tância para a bioética e demonstrar em como eles operam em alguns casos rele-
vantes ao campo da bioética.
O princípio da autonomia, ou, autonomia da vontade se encontra balizado
pelo caráter racional de todo indivíduo humano, façamos o uso de mais uma cita-
ção para deixar essa ideia mais palatável:
83
ficiência que a ética kantiana apresenta, que é a total dependência da delibera-
ção do indivíduo. E nesse sentido, muitas outras questões se encontram envolvidas,
como questões monetárias que envolvem as ciências e o desenvolvimento da tec-
nologia. Para aplicar um exemplo pertinente e contemporâneo, nos anos de 2020 e
de 2021, tem-se a pandemia de Sars-CoV-2, conforme o princípio de dignidade to-
do indivíduo deve fazer direito de uma quarentena segura e com meios materiais
para se prevenir da doença, e bem como ter direito a ser vacinado assim que a
vacina seja plenamente desenvolvida.
No que diz respeito a esse último caráter, a questão da vacina, seu desenvol-
vimento se liga diretamente a ciência, e a pesquisas de desenvolvimento tecnoló-
gico. Devemos, portanto, nos atentar para com a implicação de que a comerciali-
zação da vacina é um ato de violação da dignidade humana, e a comunidade
científica deve se opor a qualquer tipo de comercialização do produto de suas
pesquisas, sendo assim, se opor a comercialização da vacina da COVID-19. Assim
como Einstein ficou consternado, e se opôs aos projetos atômicos que utilizavam de
sua equação, os cientistas contemporâneos envolvidos na pesquisa da vacina CO-
VID-19, devem se opor a sua comercialização se quiserem serem condizentes com o
princípio de dignidade humana.
Por fim, lembremos que os cientistas e pesquisadores estão submetidos às ré-
deas de um sistema financeiro, envolvendo governo, financistas e grandes laborató-
rios químicos, em tese todos deveriam assumir o compromisso de dignidade huma-
na, contudo, se uma instância fere esse princípio ela reage em cadeia ferindo o
princípio nas outras instâncias.
Para aprofundar nessas questões, e elas devem ser aprofundadas, os pensa-
dores dialéticos como Hegel e Marx devem ser encarados, haja visto que eles foram
os pioneiros em investigar as consequências da moral kantiana diante da concre-
tude social, Marx, por sua vez, fez essa análise mediante condições sociais, e eco-
nômicas concretas. E sim, a ciência está submetida ao modelo de produção da
sociedade, e nesse sentido, nossa ciência está submetida ao mercado financeiro
do capitalismo, assim como o pesquisador, o cientista, e o consumidor da ciência,
haja visto, que no capitalismo todos são produtores e consumidores.
84
Johann Wolfgang von Goethe: Nascido em 28 de Agosto de 1749 em Frankfurt, Goethe
se trata, talvez, do mais importante literato alemão até a atualidade. Entre suas obras
mais importantes se encontram o epistolário romântico Os Sofrimentos do Jovem Werther,
obra publicada em 1774 que repercuti e influencia mundialmente até os dias de hoje
pela sua representação poética maestral de um jovem depressivo relatando suas últimas
vivências até seu suicídio; e a tragédia épica Fausto que Goethe levara 60 anos até
conceber sua forma final em 1832, Fausto se trata de um fenômeno ímpar na literatura
mundial, não somente por representar de forma magnânima o mito de “Fausto”, como
também por fazê-lo com um domínio da forma poética e narrativa de maneira eximia, a
obra é considera por muitos, como Nietzsche, Adorno, Lúkacs, Thomas Mann como sen-
do uma verdadeira ilíada do homem moderno. Vindo a falecer em 22 de Maio de 1832,
Goethe deixou um legado representativo não somente na literatura, mas também na
ciência, com tratados de ótica, como A Doutrina das Cores e estudos em biologia como
A Metamorfose das Plantas.
85
O conceito de dignidade humana é um dos princípios que estruturam a bioética, bem
como se trata de um conceito nodal para entender os problemas da relação entre ética
e ciência. A dignidade humana é um pressuposto moral derivado da capacidade de
autonomia.
86
FIXANDO O CONTEÚDO
2. (Vunesp – 2012) A noção de bioética tem sofrido várias mutações nos últimos
anos, mas nos parece que a mais interessante e frutífera continua sendo a pro-
posta por Van Rensselaer Potter. Ele primeiramente sugeriu uma bioética ponte,
com a intenção de unir ciência e filosofia para promover a sobrevivência. Mais
tarde, esta evolui para a bioética global, visto a necessidade de fusão da ética
biomédica com a ecologia, numa escala mais ampla, com a mesma finalidade,
trazendo à discussão questões de saúde pública de relevância mundial. Sua mis-
são continua sendo o desenvolvimento da ética para a sobrevivência humana
sustentável em longo prazo. Posteriormente, sugere a bioética profunda devido à
necessidade de ampliar mais a discussão da bioética, pois a ciência é demasia-
damente importante para estar nas mãos somente dos cientistas.
(Cássia R. R. N. Nunes e Amauri Porto Nunes. “Bioética”. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília
(DF), 2004, set/out. Adaptado)
87
c) A sobrevivência humana sustentável a longo prazo depende de discussões téc-
nicas conduzidas pelas ciências da saúde.
d) d)A bioética enfrenta problemas cuja eventual solução exige uma abordagem
simultaneamente humanista e científica.
e) A bioética ponte se estabelece pela junção entre as ciências médicas e as ciên-
cias biológicas para tratar questões éticas.
a) O surgimento da bioética.
88
b) O campo da bioética agregar importantes princípios éticos da filosofia.
c) O revelar da violência e da objetificação humana nos alicerces do capitalismo.
d) A declaração universal dos direitos humanos.
e) O revelar de abusos humanos no âmbito do mercado da ciência.
a) Ética contemporânea.
b) Dialética Hegeliana.
c) Da concepção de estranhamento de Hegel e Marx.
d) Da bioética contemporânea.
e) Do pensamento de Marx.
a) Da objetificação.
89
b) Do estranhamento.
c) Da moral.
d) Da escravidão.
e) Nenhuma das alternativas é correta.
90
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 01 UNIDADE 02
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 C
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 A
UNIDADE 03 UNIDADE 04
QUESTÃO 1 D QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 A
UNIDADE 05 UNIDADE 06
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 D
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 E QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 D
QUESTÃO 8 E QUESTÃO 8 A
91
REFERÊNCIAS
ANDERY, M. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 16. ed.
Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
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