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Identidade da Vida Consagrada dos Pobres de Jesus Cristo

“Para o discípulo, basta


ser como seu mestre”.
(Mt 10,25)

Para podermos refletir acerca da Identidade da Vida Consagrada em nossa Pequena Obra,
iniciamos nos perguntando o que é identidade, e qual a sua definição?

Identidade é a qualidade de idêntico, ou seja, que em nada difere de outro.

Identidade é o conjunto de atributos que caracterizam alguma pessoa ou coisa, ou seja, é a


soma de caracteres que individualizam uma pessoa, distinguindo-a das demais. É o conjunto
de caracteres particulares, que identificam uma pessoa, como nome, data de nascimento,
sexo, filiação, impressão digital etc. Em resumo são informações que garantem que eu sou
aquele que eu estou dizendo ser.

Temos também outros níveis de identidade como por exemplo a Identidade cultural que é o
conjunto das características de um povo: as tradições, a cultura, a religião, a música, a
culinária, o modo de vestir, de falar, entre outros, que representam os hábitos de uma nação.

Identidade falsa, pode ser uma identidade criada com o objetivo de ocultar sua própria
identidade. Esses perfis, chamados de "fakes", termo em inglês que significa mentiras,
falsidades, são usados para simular uma identidade falsa, onde os usuários criam um
personagem com características diferentes da sua real identidade.

Identidade da Vida Consagrada dos Pobres de Jesus Cristo.

“É a vivência do Evangelho em radicalidade e


plenitude que dá identidade ao religioso.”
Dom Pedro Brito Guimarães

Sabemos que a vivência da vida consagrada na Igreja traz consigo uma milenar, vasta e
gloriosa riqueza de testemunho, “tal como uma árvore se ramifica maravilhosa e
variadamente no campo do Senhor, a partir de uma semente lançada por Deus, assim
surgiram diversas formas de vida solitária ou comum, e várias famílias religiosas que vêm
aumentar a riqueza espiritual, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo
o Corpo de Cristo. Desde as origens da Igreja, houve homens e mulheres que se propuseram,
pela prática dos conselhos evangélicos, seguir mais livremente Cristo e imitá-Lo de modo
mais fiel1”

1
CIgC, 917-918
O estado de vida constituído pela profissão dos conselhos evangélicos, embora não pertença à
estrutura hierárquica da Igreja, está, no entanto, incontestavelmente ligado à sua vida e
santidade.

Os conselhos evangélicos são, na sua multiplicidade, propostos a todos os discípulos de


Cristo. A perfeição da caridade, a que todos os fiéis são chamados, comporta, para aqueles
que livremente assumem o chamamento à vida consagrada, a obrigação de praticar a
castidade no celibato por amor do Reino, a pobreza e a obediência. É a profissão desses
conselhos, num estado de vida estável reconhecido pela Igreja, que caracteriza a vida
consagrada a Deus.

A partir daí, o estado de vida consagrada aparece como uma das maneiras de viver uma
consagração mais íntima, radicada no Batismo e totalmente dedicada a Deus. Na vida
consagrada, os fiéis propõem‑se, sob a moção do Espírito Santo, seguir Cristo mais de perto,
entregar‑se a Deus amado acima de todas as coisas e, procurando a perfeição da caridade ao
serviço do Reino, ser na Igreja sinal e anúncio da glória do mundo que há-de vir.

A vida religiosa faz parte do mistério da Igreja. É um dom que a Igreja recebe do seu Senhor,
e que oferece, como um estado de vida estável, ao fiel chamado por Deus à profissão dos
conselhos. Assim, a Igreja pode, ao mesmo tempo, manifestar Cristo e em suas múltiplas
expressões, a vida consagrada revela a íntima vocação da Igreja, de pertencer somente ao seu
Senhor. A diversidade de carismas e formas de vida consagrada revelam a beleza do
pertencimento a Deus, cada uma com sua identidade. O consagrado é alguém que dá
testemunho de que o mundo pode ser diferente, como uma antecipação da eternidade,
manifestando assim o divino conúbio entre a Igreja-esposa com o Cristo-esposo.

Pois o marido é a cabeça da mulher, como Cristo também é a cabeça


da Igreja, seu Corpo, do qual ele é o Salvador. Maridos, amai as
vossas mulheres, como Cristo também amou a Igreja e se entregou
por ela, a fim de santificar pela palavra aquela que ele purifica pelo
banho da água. Pois ele quis apresentá-la a si mesmo toda bela, sem
mancha nem ruga ou qualquer reparo, mas santa e sem defeito. Este
mistério é grande – eu digo isto com referência a Cristo e à Igreja.
(Ef 5,23.25-27.32)

Desse modo, nosso carisma vem se somar a esta diversidade de carismas que o próprio
Senhor suscitou ao longo da história da Igreja para ser resposta frente aos desafios
vivenciados em cada época.

Uma das belas definições acerca da vida consagrada é afirmada pelo Concílio Vaticano II
quando diz: a vida consagrada “imita mais de perto, e perpetuamente representa na Igreja a
forma de vida que Jesus, supremo consagrado e missionário do Pai para o seu Reino,
abraçou e propôs aos discípulos que O seguiam2”

Sendo a vida consagrada nada mais que a vivência testemunhal de pessoas que escolheram
seguir a Cristo mais de perto, mediante a prática dos conselhos evangélicos, como maneira de
reproduzir sua vida.

Podemos então afirmar que a identidade da vida religiosa são os ensinamentos e valores que
foram deixados por Nosso Senhor, pois, “quem diz que permanece em Deus deve,
pessoalmente, caminhar como Jesus caminhou” (1 Jo 2,6). Quando olhamos para um
consagrado deveria-se com muita facilidade reconhecer o rosto de Cristo, estando o modo de
vida de Nosso Senhor enraizado naquele que abraçou a vida consagrada. Por isso, esta
passagem bíblica resume bem toda a missão de um religioso, “para o discípulo, basta ser
como seu mestre”. (Mt 10,25)

Ser como o mestre, essa é a missão de todo cristão e de modo tão especial deve dar
testemunho desta nobre tarefa os consagrados, e a maneira disto se realizar é pela vivência
do Evangelho que, “vivido sine glossa nos oferece o caminho seguro pelo qual podemos
encarnar toda a sua vida na nossa própria vida” (NF 1).

Sendo a Identidade da Vida Consagrada dos Pobres de Jesus Cristo aqueles valores, aquele
jeito, aquelas prioridades anunciadas e testemunhados por Nosso Senhor, onde atraídos por
Jesus, com uma “profunda vontade e ousada pretensão de querer Jesus por inteiro e de ser
dele também por inteiro” (Nf 1), buscamos no hoje de nossa vida, na vivência de nosso
carisma, atendendo os apelos da Igreja, onde trazendo consigo o “óleo” que é capaz de sanar
as feridas da humanidade, como bons samaritanos a exemplo do mestre.

Partamos também nós para ir encontrar as mãos dos pobres, porque


eles são o nosso monte das oliveiras. Sim, a multidão dos pobres é
como uma plantação de oliveira plantada na casa de Deus. É nele que
escorre, pouco a pouco, o óleo que cinco virgens tinham consigo, e as
outras, que não vigiaram, se esqueceram dele e pereceram. Estejamos
munidos meus irmãos desse óleo, e vamos com lâmpadas
resplandecentes ao encontro de nosso Esposo3.

O tempo de discernimento vocacional e de acompanhamento é este tempo necessário e


oportuno, para que possamos firmar em Cristo nossa resposta ao seu apelo, “segue-me” (Mt
9,9). A finalidade do acompanhamento é justamente este, nos auxiliar no discernimento para
podermos dar uma resposta ao convite de seguir a Nosso Senhor Jesus.

Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse:


“Se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai, sua mãe, sua
mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até à sua própria
vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não

2
Lumen gentium, 44.
3
HAMMAN. Adalbert. Os padres da Igreja, p. 128.
caminha após mim, não pode ser meu discípulo. De fato, se algum de
vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os
gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele
vai pôr o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem
isso começarão a zombar: Este homem começou a construir e não foi
capaz de acabar! Ou ainda: um rei que sai à guerra­contra um outro
não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá
enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que
não pode, envia uma delegação, enquanto o outro ainda está longe,
para negociar as condições de paz. Do mesmo modo, portanto,
qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser
meu discípulo! (Lc 14,28-33)

Devemos ter isto muito claro, que o acompanhamento que não evidencie a pessoa de Jesus é
deformante. Precisamos estar atentos a isto, tomar cuidado para que nenhum outro modelo
ocupe o lugar que é dele.

Tudo o que dissermos será a partir da nossa condição de eternos discípulos, “Na escola de
Jesus uma vez discípulo para sempre discípulo” (NF 4), somos chamados a sermos o que Ele
foi, de agirmos como Ele agiu, a falarmos como Ele falou. Jamais teremos algo que seja
nosso para transmitir aos demais. Tudo é d’Ele. “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso
nome toda a glória” (Sl 115,1).

Nosso senhor de modo muito simples, mas profundamente claro, evidenciou a necessidade de
termos bases sólidas, então nosso processo de discernimento vocacional precisa de alguma
maneira garantir àqueles que desejam ser um Pobre de Jesus Cristo um acompanhamento que
possa ajudá-los neste processo.

As inspirações fundantes de nossa Fraternidade devem ser norteadoras para todos os que
querem ser um Pobre de Jesus Cristo. “O discipulado tem exigências que são absolutas e
antepostas a tudo. Jesus não aceita nenhuma espécie de condição, por isso promulga a total
abnegação como critério fundamental para quem deseja ser seu discípulo” (NF 3).

Sendo a primeira; a conversão como exigência incondicional para seguir a Jesus;

A segunda; a pobreza e a fraternidade como único ideal de vida;

E a terceira; a caridade aos pobres como critério absoluto para entrar na Vida Eterna.

Inspiracões essas que permanecem vivas e atuais porque foram dadas pelo Evangelho que é a
incondicional, única e absoluta Regra de Vida da Fraternidade.

Um Pobre de Jesus Cristo é alguém profundamente apaixonado por Jesus. Imitá-Lo é a sua
“ambição” (cf. NF 2). Deste modo, somos atraídos por esse Deus que entra na condição
humana, que entra nas condições mais humildes e difíceis da vida. Entra na mortalidade da
carne. Entra na vulnerabilidade da humanidade. Escolhe a via da pequenez como caminho de
salvação.
Essa é uma verdade que não podemos jamais permitir que outras “falsas verdades”, possam
minimizar sua força e impacto, primeiro em nossas próprias vidas e depois na vida daqueles
que convivem conosco.

Somos convidados a olhar para os desafios que como Igreja e mundo temos enfrentado, onde
a fadiga da fidelidade e a diminuição das forças da perseverança são experiências que
pertencem a história da vida consagrada, desde os seus primórdios. A fidelidade, não obstante
o eclipse desta virtude em nosso tempo, foi inscrita na identidade profunda da vocação dos
consagrados4.

Diante de tais desafios “estamos cientes de que a hodierna cultura provisória pode influenciar
nas escolhas de vida e na própria vocação à vida consagrada, e essa é uma cultura que pode
engendrar uma fidelidade precária e, “quando o ‘para sempre’ é frágil - afirma o Papa
Francisco - qualquer razão vale para abandonar o caminho começado"5.
A coerência e a fidelidade a causa de Cristo não são virtudes que se adquire em um instante,
elas exigem uma profunda consciência das implicações humanas, espirituais, psicológicas e
morais, de uma vocação à vida consagrada6.
Por isso a importância de um bom acompanhamento vocacional feito com fidelidade e
responsabilidade, é preciso ficar claro para os vocacionados e um bom acompanhamento será
o meio para isso, que tipo de religiosos queremos em nossa fraternidade, um mau
acompanhamento, feito de qualquer jeito, pode atrapalhar todo este processo de
discernimento, por exemplo um grande desafio que temos enfrentado e a desistência dos
religiosos sobretudo quanto esses tem alguns anos de votos ou assumem algum serviço, pois
estas saídas fragilizam nossas referências, por isso a primeira “propagando vocacional deve
ser a própria vida moldada a vida de Cristo a partir do carisma, vivendo tudo isso na
obediência às nossas fontes e as inspirações dadas por Nosso Senhor, a partir de um profundo
sentimento de pertença.
Nosso SAV diante desses desafios precisa ter um olhar atento, sobre como salvaguardar este
bem precioso que é nosso carisma.
Só conseguiremos travar a crescente autossecularização da Igreja a crescente a
autorrelativização do ministério eclesial se tomarmos consciência da nossa identidade
espiritual. É preciso que o sacral se torna visível no mundo secularizado, sendo, por isso,
decisivamente importante que nos ponhamos a serviço da profundidade e da vitalidade
sacramentais da Igreja7. Para sermos sinais de Jesus no mundo, temos de ser diferentes do
mundo se não perdemos a capacidade de ser sinais.
O mundo vive, há alguns anos, uma crise de autoridade: rejeição a toda e qualquer forma de
autoridade.Quando a pessoa não consegue se adaptar a norma, tenta maquiar a norma as suas
conveniência pessoais. Observa-se isso até na prática da religião, quando alguém diz: “Sou
católico do meu jeito!” Ou seja, quebra as exigências mínimas de uma vida de fé8.

4
O DOM DA FIDELIDADE: A alegria da perseverança; n.1
5
FRANCISCO. A força da vocação: Conversa com Fernando Prado. Bolonha: EDB, 2018, p.63.
6
O DOM DA FIDELIDADE: A alegria da perseverança; n.1
7
AUGUSTIN, George. Colaboradores da vossa alegria. O ministério sacerdotal hoje. Petrópolis:
Vozes, 2018.
8
FARIA, João Bosco Oliver de. Coração Sacerdotal. Paulus, 2022, p. 22.
A Igreja sem a obediência com espírito de fé torna-se um "clube de serviço''. A obediência e
o caminho para a santidade. Pode considerar-se a santidade e a perfeição sob vários aspectos.
De qualquer modo que se faça, topa-se finalmente com a obediência. A obediência tem seu
preço de sacrifício. Sem a vivência profunda do espírito de fé, nos equiparamos a um
carregador de pedras que não sabe o porquê, nem o para que as carrega9.
Nossos jovens chegam a nós profundamente marcados por mentalidades e hábitos formados a
partir muitas vezes da ditadura das massas que são amplamente disseminadas de vários
modos, sendo algumas destas mentalidades fortemente contrária à fé e em consequência ao
seguimento a Nosso Senhor.
Com a valorização do sujeito na modernidade, cresce a responsabilidade de cada pessoa de
construir sua personalidade e plasmar sua identidade social. Essa postura, por outro lado,
pode fortalecer a subjetividade individual, enfraquecer os vínculos comunitários e
transformar a noção de tempo e espaço. A pessoa vive numa sociedade consumista que afeta
a sua identidade pessoal e a sua liberdade. Acentua-se o egoísmo e dizem raiz ao indivíduo da
comunidade da sociedade. Vive-se o fascínio entre a emergência da subjetividade e a cultura
individualista que propõe uma felicidade reduzida à satisfação do ego. Se, de um lado,
verifica-se o valor da pessoa, por outro, percebe-se a dificuldade de alguns em pensar no
outro.
Diante disso, constata-se a falta de reconhecimento da comunidade como geradora de sentido
e parâmetros da organização da vida pessoal. Difunde-se a noção de que a pessoa livre e
autônoma precisa se libertar da família, da religião e da sociedade.
A independência da pessoa pode ser compreendida equivocadamente com a libertação dos
vínculos e influências que os outros podem propor um indivíduo.
Alguns até rejeitam os valores herdados da fé em nome da criação de novos e muitas vezes,
arbitrários direitos individuais.
Por isso, cresce a indiferença pelo outro e aumenta a dificuldade de planejar o futuro. O que
conta, para muitas pessoas, é o viver o aqui e o agora . As novas gerações são as mais
afetadas por essa cultura imediatista. Importa mais a sensação do momento10.

Permanece válida a advertência do Apóstolo Paulo para quem quer buscar a essência do
seguimento a Nosso Senhor: “Não vos con­for­meis com este mundo, mas transfor­mai-vos,
renovando vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir o que é da vontade­
de Deus, a saber, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito”(Rm 12,2).

Imitação de Cristo - XIX


Dos exercícios do bom religioso

A vida do bom religioso deve ser ornada de todas as virtudes, para que corresponda o interior
ao que por fora vêem os homens; e com razão, ainda mais perfeito deve ser no interior do que
por fora parece, pois lá penetra o olhar perscrutador de Deus, a quem devemos suma
reverência, em qualquer lugar onde estivermos, e em cuja presença devemos andar com

9
Ibidem, p. 23.
10
CNBB. Comunidade de comunidades: A conversão pastoral da paróquia.n 12-14.
pureza Angélica. Cada dia devemos renovar nosso propósito e exercitar-nos a maior fervor,
como se esse fosse o primeiro dia de nossa conversão, dizendo: Confortai-me, Senhor, meu
Deus, no bom propósito e em vosso santo serviço; concedei-me começar hoje deveras, pois
nada é o que até aqui tenho feito.
A medida da nossa resolução será nosso progresso, e grande solicitude exige o sério
aproveitamento. Se aquele que toma enérgicas resoluções tantas vezes cai, que será daquele
que as toma raramente ou menos firmemente propõe? Sucede, porém, de vários modos
deixarmos o nosso propósito; e raras vezes passa sem dano qualquer leve omissão de nossos
exercícios. O propósito dos justos mais se firma na graça de Deus, que em sua própria
sabedoria; nela confiam sempre, em qualquer empreendimento. Porque o homem propõe, mas
Deus dispõe, e não está na mão do homem o seu caminho (Jr 10,23).
Quando, por motivo de piedade ou proveito do próximo, se deixa alguma vez o costume do
exercício, fácil é reparar depois essa falta; omiti-lo, porém, facilmente, por enfado ou
negligência, já é bastante culpável, e sentir-se-á o prejuízo. Esforcemo-nos quanto pudermos,
ainda assim cairemos em muitas faltas; contudo, devemos sempre fazer um propósito
determinado, mormente contra os principais obstáculos do nosso progresso espiritual.
Devemos examinar e ordenar tanto o interior como o exterior, porque ambos importam ao
nosso aproveitamento.
Se não podes continuamente estar recolhido, recolhe-te de vez em quando, ao menos uma vez
por dia, pela manhã ou à noite. De manhã toma resoluções, e à noite examina suas ações:
como te ouve hoje em palavras, obras e pensamentos, porque nisso, talvez não raro, tenhas
ofendido a Deus e ao próximo. Arma-te varonilmente contra as maldades do demônio; refreia
a gula, e facilmente refrear todo apetite carnal. Nunca esteja de todo desocupado, mas lê ou
escreve, reza ou medita ou faz alguma coisa de proveito comum. Nos exercícios corporais,
porém, haja toda discrição, porque não convém igualmente a todos.
Os exercícios pessoais não se devem fazer publicamente, mais seguro é praticá-los
secretamente. Guarda-te de ser negligente nos exercícios da regra, e mais diligente nos
particulares; mas, satisfeitas inteira e fielmente as coisas de obrigação e preceito, se tempo
sobrar, ocupa-te em exercícios, conforme te inspirar a tua devoção. Nem todos podem ter o
mesmo exercício; um convém mais a este, outro àquele. Até do tempo depende a
conveniência e o atrativo das práticas; porque umas são mais apropriadas para os dias
festivos, outras para os dias comuns; dumas precisamos para o tempo da tentação, de outras
no tempo de paz e sossego. Numas coisas gostamos de meditar quando estamos tristes, e
noutras quando estamos alegres no Senhor.
À volta das festas principais devemos renovar os nossos bons exercícios e com mais fervor
implorar a intercessão dos santos. De uma para outra festividade devemos preparar-nos, como
se então houvéssemos de sair deste mundo e chegar à festividade eterna. Por isso, devemos
aparelhar-nos diligentemente, nos tempos de devoção, com vida mais piedosa e observância
mais fiel de todas as regras, como se houvéssemos de receber em breve o galardão do nosso
trabalho.
E, se for adiada essa hora, tenhamos por certo que não estamos ainda bem preparados nem
dignos de tamanha glória que, a seu tempo, se revelará em nós, e tratemos de nos preparar
para a morte. Bem-aventurado o servo. Diz o evangelista São Lucas, “a quem o Senhor,
quando vier, achar vigiando. Em verdade vos digo que o constituirá sobre todos os seus
bens” (Lc 12,43 -44).

Dos textos de São Francisco de Sales

Uma irmã conversa do mosteiro de Annecy, chamada de Claude-simpliciene Fardel e


verdadeiramente digna de seu nome por sua simplicidade angélica, perguntou um dia a São
Francisco de Sales, com habitual ingenuidade. “Reverendo padre, se o senhor fosse uma de
nós, religiosas, o que faria para se tornar perfeita num instante?
Ele respondeu com um sorriso doce: “Minha cara filha, parece-me que, com a graça de Deus,
eu me poria muito atento para praticar as pequenas e simples observâncias que são da regra
desta casa, e, por esse meio, tentaria conquistar o coração de Deus. Guardaria bem o silêncio
e, às vezes, também falaria, mesmo no tempo do silêncio, isto é, sempre que a caridade o
requeresse, mas nunca quando não fosse assim, falaria bem lentamente, e nisto teria uma
atenção particular porque a constituição o ordena. Fecharia e abriria as portas muito
lentamente, porque nossa madre deseja, e nós desejamos fazer bem tudo aquilo que ela quer
que façamos. andaria sempre com os olhos para baixo e caminharia lentamente, pois, minha
cara filha, Deus e seus anjos nos vigiam sempre e tem amor extremo por aqueles que agem
bem.
Se me incubissem de algo e me dessem alguma tarefa, ficaria contente e me poria a fazer tudo
a contento. se nao me incubissem de nada e me deixassem de lado, também não me
intrometeria em nada além de bem obedecer e amar a nosso senhor. oh! parece-me que eu O
amaria de todo o coração, a este bom Deus, e que aplicaria meu espírito a bem observar essas
regras e constituições… parece-me que eu seria muito feliz e nunca me apressaria… eu me
manteria bem baixo e pequeno, e faria as práticas segundo os encontros; e ,me humilharia,
nem que eu fosse apenas por não ter sido humilhado. na medida do meu possível, procuraria
fazer o melhor para manter-me na presença de Deus e fazer, todas as minhas ações por seu
amor.

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