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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Anna Paula Moreira de Araujo

SE EU COMPRAR O CARRO VOCÊ VEM JUNTO?


ECONOMIAS SEXUAIS NO MUNDO DOS EVENTOS

CAMPINAS
2020
ANNA PAULA MOREIRA DE ARAUJO

SE EU COMPRAR O CARRO VOCÊ VEM JUNTO?


ECONOMIAS SEXUAIS NO MUNDO DOS EVENTOS

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia


e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas como parte dos
requisitos para a obtenção do título de
doutora em Ciências Sociais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adriana Gracia


Piscitelli

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À


VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA
PELA ALUNA ANNA PAULA MOREIRA
DE ARAUJO, E ORIENTADA PELA
PROFª. DRª. ADRIANA GRACIA
PISCITELLI.

CAMPINAS
2020
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Araújo, Anna Paula Moreira de, 1985-


Ar15s Ara"Se eu comprar o carro você vem junto?" Economias sexuais no mundo dos
eventos / Anna Paula Moreira de Araújo. – Campinas, SP : [s.n.], 2020.

AraOrientador: Adriana Gracia Piscitelli.


AraTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas.

Ara1. Trabalho. 2. Prostituição. 3. Moralidades. 4. Identidade de gênero. 5.


Publicidade. I. Piscitelli, Adriana Gracia, 1954-. II. Universidade Estadual de
Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: "If I buy the car will you come together?" Sexual economies in the
world of events
Palavras-chave em inglês:
Work
Prostitution
Moralities
Gender identity
Publicity
Área de concentração: Ciências Sociais
Titulação: Doutora em Ciências Sociais
Banca examinadora:
Adriana Gracia Piscitelli [Orientador]
Ana Paula Da Silva
Nadya Araújo Guimarães
Angela Maria Carneiro Araújo
Isadora Lins França
Data de defesa: 08-12-2020
Programa de Pós-Graduação: Ciências Sociais

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-6559-6843
- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/5407309334921086

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelas


Professoras Doutoras a seguir descritas, em sessão pública realizada no dia 8 de dezembro de
2020, considerou a candidata Anna Paula Moreira de Araujo aprovada.

Profa. Dra. Adriana Gracia Piscitelli (Orientadora)


Profa. Dra. Ana Paula Da Silva (UFF)
Profa. Dra. Nadya Araújo Guimarães (USP)
Profa. Dra. Angela Maria Carneiro Araújo (UNICAMP)
Profa. Dra. Isadora Lins França (UNICAMP)

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema


de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
À memória do amor da minha vida,
minha avó Margarida.
Agradecimentos

...fazer parentes e fazer amizades (como categoria,


cuidar, parentes sem vínculos de nascimento, parentes
laterais, muitos outros ecos) amplia a imaginação e
pode mudar a história.

Donna Haraway em Staying with the Trouble


(2016, p. 103).

Começo pelo mais clichê que é agradecer à Adriana Piscitelli, a orientadora deste
trabalho. Pela liberdade, paciência, afeto, cuidado e rigor analítico; fatores que me permitiram
realizar as mais belas descobertas intelectuais que eu sequer um dia pude imaginar serem
possíveis.
Ao apoio da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES),
sob o Código de Financiamento 001. Por proporcionar a bolsa de pesquisa, sem a qual não
seria possível realizar esta pesquisa.
À Priscila Rabelo, minha amiga antropóloga. Por ter pego na minha mão e me
auxiliado a escrever meu primeiro diário de campo em 2013. Nada sequer teria começado sem
você.
À Rosa de Oliveira. Por ter me apresentado à Adriana em 2013.
Ao Fernando Balieiro. Por ter sentado amorosa e pacientemente ao meu lado e me
ajudado a escrever o projeto em 2013.
Ao grupo de estudos que integrei ao longo de todo o doutorado. Por poder
compartilhar experiências de pesquisa. Pelas leituras brilhantes que fizeram do meu trabalho.
Pelas sugestões, sem as quais a tese não seria a mesma. À Iara Beleli, Natália Corazza, Laura
Lowenkron, Bruna Bumachar, Aline Tavares, Paula Togni (em memória), Carol Branco,
Flávia Teixeira, Jullyane Ribeiro, Lauren Zeytounlian, Cinthia Marques, Domila Pazini, Lucia
Sestokas, Raquel Banuth, Jéssica Gutiérrez e Luiza Hortelan. Ao José Miguel Olivar e Tiago
Vaz Silva.
À Angela Araújo. Por ter me auxiliado generosamente com o projeto de pesquisa em
2013. Por ter contribuído enormemente na minha banca de qualificação e, agora, compor a
banca de defesa.
À Isadora Lins França pelos ricos comentários na banca de qualificação. Por, neste
momento, integrar a banca de defesa.
À Nadya Guimarães. Por ter aceitado constituir a banca de defesa.
À Ana Paula Da Silva. Também por aceitar fazer parte da banca de defesa.
Angela, Isadora, Nadya e Ana Paula, agradeço imensamente a honra de tê-las como
banca de defesa da tese. Primeiramente, apenas juntá-las para ouví-las e aprender com suas
leituras já é uma alegria. Em segundo lugar, suas contribuições para o aprimoramento da
versão final da tese e instigantes insights para pesquisas futuras a partir da tese são motivo
para mais alegria, é indescritível.
Iara Beleli, Nati Corazza e Thaddeus Blanchette, preciso agradecer a honra – parte 2 –
de tê-las e tê-lo como suplentes. É uma explosão de contentamento poder contar com vocês.
Ao Sérgio Carrara. Por contribuir para o delineamento da centralidade do fantasma da
prostituição na pesquisa.
À Juliana Cavilha. Por, no Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 de 2017, ter
me doado uma publicação organizada pelo NIGS da UFSC.
À Paula Luna, minha amiga genial. Por todo o suporte para seguir com o lema tudo
pela tese. Eu não poderia ter tido um auxílio-cotidiano-emergencial de tese mais sofisticado e
generoso que o que você me deu. A tese é sua também.
Ao Herbert Mora. Baby. Honey. Por ser genial. Pelos mais disruptivos ensinamentos
sobre o corpo, a mente e as emoções. Pelas profundas e difíceis reflexões sobre vida no – e
após – o luto. Por ter contribuído enormemente com a revisão deste trabalho.
Ao Thiago Scatena, meu amigo, meu amor. Por estar por perto no fim do mundo. Até
esse fim chegar – e não chega nunca – a gente segue, perplexos, mas rindo, tentando decifrar
o que vemos ao nosso redor: ruínas. Você é co-autor da tese.
À Débora Brabetz Sandonato, minha amiga-irmã. Pelo suporte incondicional. Pelo
incentivo. Pela presença. Por ter me dado um amigo-irmão, o Rodrigo Margonar. Por ser
verdade.
À Lidiane Maciel, minha Diva. Por me ensinar sobre foco e autoestima. Por ter me
entrevistado na seleção para o doutorado com mais rigor que a entrevista oficial. Pela
parceria. Pela confiança. Pela torcida.
À Juliana Jodas, minha comadre. Por ter sido a mais querida e agradável companhia
dos tempos de Barão Geraldo. Por ser forte e grande. Por me benzer e curar sempre que
preciso. Por crescer comigo em meio aos acontecimentos alegres e trágicos da vida.
Ao Gustavo de Carvalho, meu grude. Por, às vezes, me tirar de casa. Por me encorajar.
Pela torcida. Pelas belíssimas histórias de juventude que você me proporcionou. Pelas
histórias por vir.
À Daiane Victorino, minha sacerdotisa. Por trazer novos ventos. Por me curar.
Ao Fernando Novais, meu príncipe. Por me divertir. Por me mostrar outros mundos.
Por conhecer o mundo dos eventos.
À Pamela Smecellato, minha amiga. Por estar comigo. Por me entender de uma forma
indescritível.
Ao Ricardo Brocenschi, meu xucro favorito. Pelo apoio permanente. Por ser tão
dedicado. Por me ensinar preciosos conhecimentos sobre agricultura e vida no campo.
Ao Pablo Muñoz. Por ter comprado meu gravador quando morava no bairro Santa
Efigênia. Por ser ao mesmo tempo doce e amargo. Identifico-me.
À Ana Domingues. Por fazer parte da minha história. Pela companhia jovial. Por toda
a solidariedade que sempre me prestou.
À Bruna de Tuya. Por ser grande exemplo de força unida à leveza. Por me fazer
acreditar em grandes recomeços.
À Gabriela Rancan. Por temperar doçura e seriedade. Por me ensinar a cuidar das
plantas.
Ao Emmanuel Ponte. Pela juventude “vidaloka” que vivemos juntos. Por ser
inteligente e sofisticado.
À Carol Pavejau, ao Dario Munoz e à Io. Pelos diversos momentos de imenso afeto
compartilhado em Barão Geraldo.
Ao Rafael do Nascimento Cesar. Pelos bons tempos de botecos sujos, com certeza os
melhores. Pelas reflexões sobre a vida e além.
À Michelle Alcântara de Camargo. Pela amizade. Pelas aventuras. Por ser afetuosa.
Ao Julian Simões. Por ser presença tão inteligente e divertida.
Ao Lucas Said. Por ter sido minha grande companhia nos duros tempos de escrita da
tese. Por ter corrigido minha postura incansavelmente. Pelo amor que me dedicou.
À minha mãe, Sirlei Moreira. Por me apoiar incondicionalmente a seguir com a vida
de estudos. Por ser verdade e amor. Por me ensinar o valor da generosidade, humildade,
trabalho duro e leveza de espírito diante dos acontecimentos.
Ao Thiago Malta, meu idolatrado primo. Por todo o auxílio rotineiro e além que você
me dá. Por ter um senso estético apuradíssimo. Por ser diferente de mim. Por saber que a vida
é sim um moinho. Por me dar apelidos. Por me fazer rir como ninguém faz.
À minha madrinha, Rita (“Silvana”) Malta. Por me dar suporte e afeto cotidianamente.
Por me ensinar sobre assuntos domésticos e facilitar muito minha vida.
Ao meu padrinho, Paulo Malta. Por me convencer de que a graça da reforma e da
construção é você mesma ir lá e fazer.
À Vera Malta, minha madrinha de crisma. Por ter me incentivado a buscar sabedoria
nos livros quando eu era adolescente.
À Maria Augusta Malta, minha avó de coração. Pela harmoniosa, maravilhosa,
relação de vizinhança.
À Beatriz Tiemi Suyama, secretária do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais. Por contribuir para que a defesa dessa tese ocorresse no dia 8 de dezembro.
À toda equipe de funcionários/as da Unicamp. Principalmente, a Marli da limpeza e o
Bene da xerox. Por conversarem comigo campus afora.

Ao incognoscível.
A fragilidade dos homens me comove

Gabriela Leite em Eu, mulher da vida (1992, p. 30).

[Este trabalho] não apresenta uma narrativa redentora [...]. Em


primeiro lugar, as opções apresentadas às pessoas que escolhem ou
que devem viver no fim da tolerância do liberalismo e do gotejamento
do capitalismo, muitas vezes, não são boas opções. Fingir que sim é
ignorar os danos reais que as formas liberais de tolerância social e as
formas capitalistas de extração de riqueza e de vida produzem. Em
segundo lugar, desejar uma narrativa redentora, buscá-la, é desejar
que os experimentos sociais satisfaçam em vez de perturbar
determinadas condições [...]

Elizabeth Povinelli em Empire of love (2006, p. 25).

O capitalismo não é um sistema totalizador que molda e abraça todos


os aspectos de nossa existência [...]. O mundo é mais complicado e
confuso do que isso

David Graeber em Bullshit jobs (2018, p. 203).


Resumo

Esta tese tem como objetivo principal analisar a articulação entre trabalho e economias
sexuais no mundo dos eventos. Na esteira de Elizabeth Bernstein, refiro-me não apenas à troca
literal de sexo por dinheiro, mas também à maneira pela qual as circulações sexuais aparecem
como estratégias críticas em projetos econômicos. Mostro como profissionais de eventos
(promotoras, recepcionistas e modelos) e objetos em exposição são sobrepostos em um jogo
de objetificação e sexualização mútuas. Sexualização que pode proporcionar benefícios
econômicos ou, se cruzado o limite do aceitável, pode apresentar efeitos adversos às
profissionais e empresas com o estigma da prostituição. O código ficha rosa, usado para
identificar profissionais de eventos que realizam trocas de sexo por dinheiro, denuncia o lugar
secreto de negociações sexuais paralelas. Tomando como referência o trabalho etnográfico
realizado em quatro feiras, duas na capital São Paulo e duas na região de Ribeirão Preto,
interior de São Paulo, analiso como a imbricação entre trabalho e economias sexuais afeta as
profissionais de eventos. Em diálogo com leituras feministas sobre trabalho sexualizado,
emocional/afetivo e de cuidado, formulo dois argumentos adotando perspectivas
interseccionais que dedicam atenção aos espaços de agência: o primeiro é o de que as
economias sexuais são organizadoras do mundo dos eventos e o segundo é o de que a
prostituição, no referido espaço comercial, opera à maneira de um fantasma. Desenvolvo os
argumentos considerando como os diversos estilos corporais das profissionais são
classificados, hierarquizados e situados, articulando corporalidades e uma gramática moral em
relação ao fantasma da prostituição. Por fim, mostro como uma racialização sexualizada, que
evoca marcas de classe e códigos morais sintetizados na ideia de perfil, traça as possibilidades
de êxito econômico e afetivo, distribuídas desigualmente entre os sujeitos envolvidos.

Palavras-chave: Trabalho sexualizado; Trabalho afetivo; Trabalho emocional; Trabalho de


cuidado; Economias sexuais; Prostituição; Ficha rosa; Interseccionalidades; Códigos morais.
Abstract

This thesis has as main goal to analyze the articulation between work and sexual economies
on the world of events. I mean, following Elizabeth Bernstein, not only the exchange of sex
for money in its most literal sense, but also the ways in which sexual circulations are critical
for other economic projects. I show how professionals of events (promoters, receptionists and
models) and objects on display are overlap in a game of mutual objectification and
sexualization. This sexualization provides economic benefits, but it is, at the same time, an
aspect that can have adverse effects on professionals and also the companies involved with
the stigma of prostitution. Ficha rosa code, used to identify professionals of events that
exchange sex for money, denounces the secret place of parallel sexual negotiations. Having as
reference ethnographic work done in four fairs, two in the capital São Paulo, and two in the
region of Ribeirão Preto, São Paulo state, I analyze how the overlap of this work with sexual
economies affects the professionals of events. Dialoguing with feminist readings on
sexualized, emotional/affective and care work I formulate two arguments adopting
intersectional perspectives that pay attention to agency spaces: the first is that sexual
economies are organizers of the world of events and the second is that prostitution operates
like a ghost in these commercial spaces. I develop these arguments considering how the
different body styles of these professionals are classified, hierarchized and situated,
articulating corporealities and a moral grammar, in relation to the ghost of prostitution.
Finally, I show how, in the world of events, a sexualized racialization, that evokes class marks
and moral codes synthesized in the idea of perfil [profile], draw the possibilities of economic
and affective success, unequally distributed among the subjects involved.

Key-words: Sexualized work; Affective work; Emotional work; Care work; Sexual
economies; Prostitution; Ficha rosa; Intersectionality; Moral codes.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 14

ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS ................................................................................................................ 26

CAPÍTULO 1 – MUNDO DOS EVENTOS.......................................................................................... 29

O MERCADO DE FEIRAS E EVENTOS: BREVE PANORAMA ................................................................................ 29


A cidade de São Paulo e a região de Ribeirão Preto: feiras automotivas e agrícolas .................. 31
Estratégias de marketing em feiras de negócios: perspectivas de gênero e sexualidade ............ 40
COMO CONHECI O MUNDO DOS EVENTOS .................................................................................................. 43
ETNOGRAFIA ......................................................................................................................................... 51
NOTAS SOBRE A RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL ENTRE MULHER/OBJETOS EM EXPOSIÇÃO .......................................... 61

CAPÍTULO 2 – FICHA ROSA E O FANTASMA DA PROSTITUIÇÃO ..................................................... 65

EVENTOS E O QUINTO P, DE PUTARIA ........................................................................................................ 65


O MUNDO DOS EVENTOS ENTRE PROCESSOS GOVERNAMENTAIS E MIDIÁTICOS ................................................. 75
Crime ficha rosa ............................................................................................................................ 75
Book rosa ...................................................................................................................................... 79

CAPÍTULO 3 – PERFIL: GESTÃO DA SEXUALIZAÇÃO ATRAVÉS DAS DIFERENÇAS ............................. 91

AGÊNCIAS DE CASTING: MAX, VICKY E CONSIDERAÇÕES SOBRE DISTINÇÕES DE CLASSE ....................................... 92


QUAIS OS CRITÉRIOS? PERFIL À LUZ DAS INTERSECCIONALIDADES ................................................................. 103
Princesa e Mulherão ................................................................................................................... 103
Nina ............................................................................................................................................ 118
Mel .............................................................................................................................................. 124
Bela ............................................................................................................................................. 128
Agência, fetiche e ambiguidades ................................................................................................ 132

CAPÍTULO 4 – UM TRABALHO DIFÍCIL ........................................................................................ 141

TRABALHAR É PRECISO .......................................................................................................................... 142


Assédio normal. A perspectiva de Mel........................................................................................ 161
Que futuro? A perspectiva de Bela ............................................................................................. 173
Na fronteira entre trabalho e prostituição ................................................................................. 181
TRABALHAR É SOFRER? ......................................................................................................................... 186

CAPÍTULO 5 – DINHEIRO, AFETOS E CÓDIGOS MORAIS............................................................... 193


NINA E LUÍZA: NEGOCIANDO TRABALHO E INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA ........................................................ 194
PAQUERAR O CHEFE? ........................................................................................................................... 202
Bela: muitos pretendentes e solidão .......................................................................................... 203
Fragmentos: curtindo experiências e objetos de consumo ........................................................ 207
Suporte de outras mulheres........................................................................................................ 218

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 223


BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................... 229
ANEXO – CADERNO DE IMAGENS .............................................................................................. 247
14

INTRODUÇÃO

(...)Eu te dou minha palavra, não tenho namorada, não sou casado. Eu só queria
alguém pra ir numa festa hoje comigo, entrar e sair de mãos dadas; ofereço R$500 1 2. Foi o
que ouvi de um dos meus gerentes, que estava levemente embriagado, quando trabalhei como
profissional de eventos3 em um estande na Fenasucro de 2012 (grande feira do agronegócio
realizada na cidade de Sertãozinho, região de Ribeirão Preto, São Paulo).
Outro gerente da mesma empresa para a qual eu trabalhava, com mais de 20 anos de
experiência na Fenasucro, contou-me que, no início dos anos 2000, era comum contratarem
garotas de programa4 para as festas pós-expediente que incluíam orgias sexuais e shows de
strip-tease. Tais práticas precisaram ser interrompidas quando passou a circular uma imagem
negativa da empresa em decorrência dessas condutas. Suas informações condisseram com o
que soube através da dona da agência de marketing promocional que me contratou. Segundo
ela, até meados dos anos 2010, muitas meninas se recusavam a trabalhar para este estande
devido a uma difundida associação da empresa com putaria.
Ainda de acordo com a narrativa deste último gerente, data dos anos 1990 a presença
maciça de mulheres nos estandes. Tudo teria começado com o estande de uma grande
companhia petrolífera anglo-holandesa que, ao contratar uma mulher estilo Carla Perez5 para
vestir um macacão branco colado ao corpo, teria aumentado exponencialmente a visibilidade
e visitação do estande da empresa em questão. Para ele, havia, inclusive, uma disputa entre
estandes para eleger qual empresa apresentava as promotoras mais bonitas. Em 2012, em uma
confraternização informal, que não fazia parte da programação oficial da feira, houve um
concurso denominado Miss Fenasucro.

1
Agradeço especialmente à Laura Lowenkron por ter sugerido iniciar a tese com esta narrativa pessoal.
2
Será expressado em itálico enunciados nativos (originais) advindos dos sujeitos da pesquisa e palavras em
outros idiomas.
3
A definição de profissional de eventos me foi dada por uma interlocutora que possui vasta experiência na área,
cuja trajetória e pontos de vista sobre este trabalho serão mostrados ao longo desta tese. O termo em questão
aglutina as denominações de recepcionista, promotora e modelo e, dependendo do contexto, os sujeitos utilizam
uma ou outra dessas categorias. Outra forma bastante comum neste meio para se referir a essa atividade que é
massivamente desempenhada por jovens mulheres, é meninas de evento ou apenas meninas. Ao longo da tese
alternarei o uso destas denominações, mas priorizo profissional de eventos.

4
Garota de programa, expressão utilizada pelo interlocutor, remete à mulher que realiza troca de sexo por
dinheiro, profissional do sexo.
5
Carla Perez é ex-dançarina do É o tchan, banda do ritmo musical axé de muito sucesso nas décadas de 1990 e
2000. O estilo corporal de Carla tornou-se, na época, referência de um corpo esculpido em curvas, com uma
bunda redonda e grande.
15

Meu pagamento por quatro dias de trabalho na feira, das 13h às 20h, foi de R$600
(R$150 por dia). Caso tivesse aceitado a proposta para “acompanhar” o primeiro gerente, que,
a princípio, não incluía sexo, teria ganhado quase o dobro, R$1.100. Ele era um homem
jovem, na casa dos 30 anos, parecia-me relativamente atraente com sua camisa social, botinas
de grife e, ao meu ver, poderia sair, sem a necessidade de pagamento, com várias garotas tidas
como bonitas que circulavam naquele espaço.
A alta concentração masculina, em sua maioria heterossexual, e a incidência de
paqueras6 eram fatores conhecidos pelas pessoas que trabalhavam no meio, tanto que me foi
perguntado na seleção que participei dois meses antes da feira, se eu me incomodava com
cantadas7 de homens, pois não seriam selecionadas meninas que ficassem nervosinhas com o
“assédio”. Refiro-me à “assédio” entre aspas tendo em mente que, sobretudo neste meio, os
sentidos e significados atribuídos eram contextuais, podendo variar, e aquilo que era tido por
assédio em uma determinada ocasião, poderia ser visto, em outro momento, como paquera ou
cantada.
A impossibilidade de fixar o sentido de “assédio” se torna mais plausível considerando
que a Fenasucro, em especial, é um ambiente de bastante descontração8. Na maior parte dos
estandes são servidas bebidas alcoólicas, em alguns há bandas tocando música sertaneja, entre
outros atrativos para o público que é majoritariamente masculino e heterossexual. Estes
homens, em sua maioria, de outras cidades, estados e países, hospedavam-se em hotéis ou
ficavam em chácaras alugadas pela empresa. No meu estande, de porte médio9, havia em
torno de dez vendedores que, no geral, eram engenheiros e agrônomos funcionários da
empresa. Nas feiras, também realizavam o trabalho de recepcionar os clientes, cujas relações
comerciais, em alguns casos, eram de longa data. As cidades de Sertãozinho, Ribeirão Preto e

6
No ambiente em questão, paquerar é demonstrar interesse afetivo e sexual. Paquera, mais recentemente, no
Brasil, vem sendo também chamada pela gíria de língua inglesa crush. Com múltiplos significados, crush
significa não apenas paquera no sentido usual de interesse afetivo e/ou sexual em termos de romance, como se
pode ter um crush também em relação a amizades e personalidades famosas.
7
Ato de paquerar, seduzir.
8
Esta é uma característica específica da Fenasucro que pôde ser observada quando trabalhei como promotora em
2012 e quando retornei em 2016 para realizar trabalho de campo. A Agrishow, outra feira do agronegócio
ocorrida na cidade de Ribeirão Preto, apresenta uma dinâmica de funcionamento relativamente diferente, sendo
mais perceptível um viés de entretenimento tido como convencional e familiar que, é importante ressaltar,
coexiste com o ambiente de sociabilidade masculina.

9
Médio em comparação a outros que, ou eram de tamanho micro e possuíam apenas uma recepcionista, ou eram
maiores e possuíam quatro ou mais recepcionistas, além de vários vendedores.
16

adjacências são tomadas por turistas “de negócios” que buscam lazer e diversão em suas
viagens à trabalho.
Panfletos de baladas que ocorrem à noite eram distribuídos o tempo todo e nós,
meninas da agência, ganhávamos entrada vip em vários desses locais. Uma de minhas colegas
de estande saiu todos os dias após o expediente. Ela era uma garota solteira de 17 anos, loira,
com aplique de cabelos longos. Já tinha trabalhado em outras feiras. Preferia usar o vestido
mais curto e tinha ótima disposição para tirar fotos e interagir com o público masculino. Em
nossas conversas ao longo dos dias de trabalho, ela enfatizou que estava aproveitando a vida,
que gostava de passear de iate, que desejava um namorado lindo e rico e que planejava
colocar silicone nos seios, pois queria ter corpo de panicat10.
No último dia de feira, um dos vendedores da empresa, do qual me tornei próxima
durante aqueles dias, abordou-me em tom confidencial perguntando se ela fazia programa.
Ele justificou a suspeita me explicando que em uma festa na noite anterior, ela estava se
insinuando para um dos participantes mais endinheirados e que ela só ficava perto dos caras
que tinham grana. Quem havia passado essa informação para meu colega tinha sido um outro
vendedor (com o qual interagi pouco), que queria ela de todo jeito e que estava disposto a
pagar o quanto ela cobrasse, mas antes de fazer a proposta preferiu confirmar, através de mim,
as informações a respeito.
Tendo em mente a circulação de “fofocas”, o clima de especulação sobre a
participação em trocas de sexo por dinheiro, além da proposta concreta do meu gerente,
particularmente, senti-me assediada moral e sexualmente11.
Trabalhando na Fenasucro eu e minha colega fomos interpeladas sobre a possibilidade
de realizarmos trocas sexo-por-dinheiro sem que houvéssemos declarado previamente nossa
disponibilidade para práticas de prostituição. Esta suspeita ocorreu devido à circulação, no
mundo dos eventos, do código ficha rosa usado para identificar as profissionais de eventos
que realizam trocas sexuais, ficha azul para categorizar homens que realizam tais trocas e
ficha branca para quem não participa de intercâmbios sexuais. Soube da ficha rosa em 2010,
através de um amigo que, assim como eu, trabalhava em feiras e eventos para

10
Panicats foram assistentes de palco do extinto programa Pânico exibido pela Band. Eram conhecidas pela
exposição de seus corpos “malhados” geralmente vestindo biquínis. Devido ao enorme sucesso do programa
exibido por 14 anos na rede aberta de televisão (de 2003 a 2017), o estilo corporal da panicat tornou-se uma
referência no mercado de eventos em contraposição à estilos corporais mais magros e/ou longilíneos.

11
No entanto, a fim de evitar ambiguidades, deixo claro que partilho do posicionamento favorável ao
reconhecimento do trabalho sexual, da prostituição, como um trabalho. A defesa de tal ponto de vista é um dos
eixos argumentativos deste trabalho. Ainda nesta introdução detalharei um pouco mais o tema.
17

complementação de renda. Ficamos bastante instigados com o assunto e especulando se


algumas das pessoas que havíamos conhecido neste setor faziam programa. No
desenvolvimento do trabalho de pesquisa realizado posteriormente, percebi a recorrência da
suspeita da ficha rosa em diferentes feiras e eventos, embora a presença de programas fosse
impossível de traçar.
Inicio esta tese com o relato da minha experiência trabalhando em eventos em 2012,
pois ele é significativo para remeter às questões centrais que alinhavam este trabalho, que são:
Como opera a categoria ficha rosa/prostituição nesse meio? Como e de que maneiras o
trabalho de profissionais de eventos se articula com as economias sexuais? Como esta
articulação é experienciada pelos sujeitos que fazem parte desse mercado de trabalho, tanto
empreendedores como profissionais de eventos?
Antecipando-me às conclusões, sugiro que a prostituição no mundo dos eventos opera
à maneira de um fantasma (Cho, 2008), indissociável do fetiche posto na associação
mulher/objeto em exposição. A estratégia publicitária de mobilização do desejo através da
sexualização afeta, nesse caso, as pessoas que trabalham na área, em especial as profissionais
de eventos, mas também as empresas envolvidas. Ambos precisam negociar contextualmente
os usos da sexualização a fim de se obter benefícios deste recurso e não, ao contrário e no
limite, terem suas imagens assombradas pelo fantasma da prostituição.
Em tal contexto, as dinâmicas para afastar o fantasma são centrais porque ele, como
elemento central na constituição das relações sociais, expressa também as desigualdades entre
as partes envolvidas. Nesse sentido, considero como e de que maneiras os sujeitos
diferenciam suas imagens, seus trabalhos e seus relacionamentos do trabalho sexual.
Mostrarei como são mobilizadas, basicamente, duas estratégias, ora mais, ora menos
imbricadas uma na outra: o acionamento da prostituição como atividade imoral e a retórica da
valorização moral do trabalho.
Entendo por códigos morais, seguindo Jarret Zigon (2007), as disposições corporais
representadas não intencionalmente e irrefletidamente, pelas pessoas. A proposta do autor se
distingue da ideia de determinar um sentido fixo para as moralidades de forma abrangente.
Para ele, ser moral é habitar um corpo e uma alma “que é familiar para si e para a maioria dos
outros com quem se entra em contato. É nessa partilha familiar de moralidade que se pode
falar do bem, ou mais apropriadamente, de ser bom” (Zigon, 2007, p. 135).
18

A articulação entre relações de trabalho e agenciamento da sexualidade tem sido feita


através do debate sobre a regulamentação da prostituição12. A particularidade da discussão no
mundo dos eventos é que ela não envolve necessariamente prostituição, mas, sim,
permanentemente, o seu fantasma.
No meu episódio com o gerente, percebi ele como sendo um homem atraente e que,
caso eu tivesse sido convidada para sair sem a proposta dos R$500, nada impediria que
desenvolvêssemos uma paquera. Havia entre nós uma distribuição diferenciada de poder,
principalmente de classe social. Porém, menor do que a presente em outros contextos
organizados em torno das economias sexuais (termo que explicarei em seguida), como os
relacionados ao turismo sexual no nordeste brasileiro nos anos 2000 (Piscitelli, 2013).
A minha colega que teve a conduta rondada pelo fantasma da prostituição, estudava
em colégio particular, era filha de pais advogados e residia em uma região tida como de classe
média na cidade de Ribeirão Preto. No entanto, sair com um cara cheio da grana que ela
conheceu numa balada naqueles dias da feira, configurou-se como uma associação suspeita de
que ela fazia programa. Isto da perspectiva do nosso colega vendedor que estava interessado
em ter relações sexuais com ela, o que, evidentemente, não era o ponto de vista da minha
colega que não realizava programas e que não tinha o menor interesse afetivo e sexual no
referido vendedor.
Viviana Zelizer (2009) cunhou a noção de Boas Combinações entre dinheiro, poder e
sexo, para contribuir com as análises que envolvem o entrelaçamento entre afetos e interesses
econômicos. A autora, interessada na problemática do dinheiro nos relacionamentos, afirma
que não há como separar taxativamente economia e afetos e que, portanto, apenas critérios
morais podem definir se tal relação é “autêntica”, destituída de interesses econômicos ou não.
Para o vendedor em questão, o suposto interesse de minha colega por caras cheios da
grana, nos termos de Zelizer, não era “autêntico” e daí surgiria a suspeita de que ela fazia

12
Intercambiarei o uso dos termos prostituição e trabalho sexual ponderando as justificativas para ambas
definições. Sobre a noção de trabalho sexual, Adriana Piscitelli (2013) descreve que ela foi cunhada por uma
integrante do COYOTE – organização de trabalhadoras sexuais dos EUA – na década de 1970 porque “a palavra
prostituta tem conotações de vergonha e estigma”, enquanto “a expressão trabalho sexual, ao contrário, aludiria a
uma normalização como integrantes de uma categoria ocupacional, como trabalhadoras do setor de serviços, de
maneira mais específica no setor de cuidados” (Chapkis, 1997; Bernstein, 2007 apud Piscitelli, 2013, p. 38). Já
Gabriela Leite (2009, p. 158), prostituta e fundadora da Rede Nacional de Prostitutas, defende o uso das palavras
prostituta e puta sob o argumento de que para enfrentar o estigma deve-se assumir esses nomes e não fugir deles.
Em razão desses apontamentos, utilizarei também as expressões prostituição, prostituta e puta seguindo na
esteira dos novos olhares feministas sobre o trabalho sexual que “longe de considerarem as prostitutas vilãs,
heroínas ou vítimas, percebem-nas como seres dotados de capacidade de agência que exercem um trabalho”
(Piscitelli, 2013, p. 40).
19

programa. A dinâmica das Boas Combinações no acionamento do fantasma da prostituição


atravessa este trabalho.
No mundo dos eventos – organizado em torno de articulações entre sexo e dinheiro –
as economias sexuais são centrais. Para Elizabeth Bernstein, economias sexuais significam
“não apenas a troca de sexo por dinheiro em seu sentido mais literal (embora isso certamente
esteja incluído), mas também as maneiras pelas quais as circulações sexuais são críticas para
outros projetos econômicos” (2014, p. 349, tradução livre). Como sintetizado por Piscitelli,
este conceito, “longe de fazer uma separação entre mercados do sexo e do casamento, permite
explorar como essas trocas articulam ambos os mercados” (2016, p. 11). A operação dessas
economias e não as fichas rosa é o objeto desta tese. Interessa-me analisar como tais
economias afetam as meninas de eventos, sejam elas fichas rosa, ou não.
Contudo, levei um tempo para centrar-me na dinâmica das economias sexuais. No
projeto de pesquisa com o qual ingressei no doutorado, o objetivo era entender como, a partir
do trabalho em eventos, profissionais de eventos são incitadas a realizar trocas de sexo por
dinheiro. Sabendo da existência do código ficha rosa, o que me instigou foram as perguntas:
“quem são essas mulheres?” e “como se tornaram fichas rosa?”. As motivações e razões que
levam os sujeitos à prostituição constituem uma curiosidade muito comum quando o assunto é
mercados do sexo e comigo, a princípio, não foi diferente. Por mais que eu não fosse
estritamente contra a prostituição, ao me deparar com esse fantasma e ser eu mesma
confrontada com ele, meus próprios códigos morais vieram à tona. As perguntas norteadoras
da tese mudaram radicalmente no decorrer do trabalho de campo e do aprofundamento teórico
na produção bibliográfica feminista que defende as reivindicações das trabalhadoras do sexo
em relação ao reconhecimento da prostituição como trabalho.
Como minha percepção inicial sobre o trabalho sexual era, em tese, abolicionista, vale
uma breve apresentação sobre os debates em torno desta questão até pelo fato de ser comum
que pessoas não familiarizadas com a temática compartilhem desta visão. Piscitelli explica
que “os modelos legais relativos ao exercício da prostituição são basicamente quatro:
proibicionista; abolicionista; regulamentarista; e, mais recentemente um modelo denominado
de trabalhista, laboral ou de ‘despenalização’” (2013, p. 35).
Para os interesses desta tese, destaco, citando Piscitelli, que

a consideração das prostitutas como vítimas é específica do abolicionismo e


dela decorre a ideia de que o consentimento da prostituta seja considerado
irrelevante, desconhecendo o princípio de autonomia da vontade. E a defesa
das prostitutas, tidas como vítimas de um sistema imoral, estava associada à
20

realização de cruzadas de purificação, que incluía a luta contra a pornografia,


tida como expressão do prazer masculino que conduzia à prostituição e à
homossexualidade (2013, p. 36).

Sobre o abolicionismo, Monique Prada argumenta que “a ideia de erradicar a


prostituição é uma utopia distópica” (2018, p. 34). Segundo a autora, o uso de “utopia” ao
invés de apenas “distopia” deve-se à consideração de certa validade na

utopia de acabar com a prostituição na luta por um mundo com mais


igualdade de gênero. Mas é bastante óbvio que a busca dessa utopia pela
implementação de políticas abolicionistas ao redor do mundo resultou, por
exemplo, em grandes prejuízos às mulheres que exercem trabalho sexual,
empurrando-as para a clandestinidade ou mesmo para o cárcere (2018, p.
34).

As considerações abordadas neste texto sobre o modelo abolicionista são relevantes


para melhor compreendermos os efeitos negativos do fantasma da prostituição sobre as
profissionais de eventos. Ao executarem um trabalho que é sexualizado (Adkins, 1995, 1996;
Cabezas, 2009; Maia, 2012), mas que não é um trabalho sexual como a prostituição – este,
sim, fortemente estigmatizado – as profissionais em questão sentem a necessidade de se
colocarem o tempo todo em oposição à prostituição e, com isso, reiteram argumentos
contrários à prostituição que não contribuem para o debate em torno do reconhecimento do
trabalho sexual como um trabalho. É importante ressaltar que as atividades desempenhadas
por profissionais de eventos, analiticamente, envolvem em grande parte trabalho de cuidado e
trabalho afetivo/emocional.
O ponto que quero destacar é que a sexualização mútua de pessoas e artefatos em
exposição é a fonte de renda das profissionais de eventos ao mesmo tempo em que é uma
estratégia publicitária que favorece interesses de mercado, muitas vezes voltados para
públicos masculinos heterossexuais
Nesse sentido, tal como ocorre com a prostituição, os usos da sexualidade para este ou
aquele fim, podem tanto reforçar quanto resistir a uma dominação masculina. Por isso, faço
minhas as palavras de Piscitelli sobre prostitutas com relação às profissionais de eventos: “a
posição da prostituta não pode ser reduzida à de um objeto passivo utilizado na prática sexual
masculina, mas entendida como um ‘lugar’ no qual é possível fazer uso ativo da ordem sexual
existente” (2013, p. 38).
Dito isso, é importante explicar porque profissionais de eventos executam também um
trabalho sexualizado. A noção tem sido utilizada para analisar dinâmicas de trabalho em que
21

há, mesmo que indiretamente e de maneiras variadas, uma evocação da sexualidade, e foi
utilizada em outros contextos de pesquisa também marcados pela sexualização, como os
estabelecimentos turísticos britânicos do final dos anos 1980 (Adkins, 1995, 1996), os resorts
caribenhos (Cabezas, 2009) e os bares de cavalheiros novaiorquinos (Maia, 2009). Vale
ressaltar, no entanto, que nestes bares, especificamente, o trabalho sexual se materializa na
forma de prostituição, enquanto no mundo dos eventos a prostituição é, sobretudo, um
fantasma. Desse modo, o que caracteriza o mundo dos eventos é que as economias sexuais
fazem parte da organização do setor, uma vez que a sexualização é inerente às dinâmicas do
mercado. E isto é independente da existência de trocas de sexo por dinheiro como a evocada
pelo código ficha rosa.
Gostaria de observar também que a operacionalização de relacionamentos afetivo-
sexuais entre profissionais de eventos e clientes/público masculino heterossexual destes
espaços comerciais, em geral, envolve práticas que podem ser uma manifestação da
erotização e/ou sexualização das dinâmicas de trabalho peculiares do segmento em questão,
mas também do potencial de agência desses sujeitos (Cabezas, 2009, p. 89).
No mundo dos eventos, o fantasma da prostituição, experiências de “assédio”,
perspectivas de paqueras, amor e casamento formam a trama na qual a sexualidade é acionada
no ambiente de trabalho, tornando-o um campo privilegiado de análise à luz da noção de
economias sexuais. Embora não haja um acordo sobre seu conteúdo analítico, tal conceito é
fértil por possibilitar uma perspectiva que considere a importância da sexualidade na
organização do setor e os diversos usos econômicos que essas profissionais podem fazer de
seus trabalhos em feiras e eventos que não se restringem às trocas de sexo por dinheiro
pautadas na ficha rosa e incluem os desejos de encontrar um namorado lindo e rico.
A imoralidade da prostituição é um dos aspectos acionados pelas pessoas para se
afastarem do fantasma da prostituição neste universo. E um outro modo de fazê-lo é através
da moral do trabalho.
A problemática específica da moral do trabalho se torna visível no entrecruzamento do
trabalho dessas mulheres com as economias sexuais. Enunciados como profissionais de
eventos ganham dinheiro em pé, na chuva, no frio e não deitadas como prostitutas sintetizam
as tensões em jogo no plano da moralidade.
Como a circulação de dinheiro no mercado de trabalho em questão está ancorada na
sexualização dos produtos e, principalmente, das profissionais de eventos, afastar-se do
fantasma da prostituição é um exercício constante. Dado o pensamento equivocado, mas
largamente comum, de que prostituição não é trabalho, reiterar essa narrativa se torna uma
22

estratégia utilizada na busca pela legitimação do trabalho executado pela profissional de


eventos. Desse modo, os processos de precarização do trabalho aos quais essas trabalhadoras
são expostas, tornam-se, em parte, motivo de orgulho, como se o sofrimento causado pelas
más condições de trabalho provasse que o que elas fazem é digno de ser chamado de trabalho;
em oposição ao argumento das trabalhadoras do sexo que, embora também necessite da
gramática do trabalho para se legitimar, gira em torno da ideia de que a prostituição foi
escolhida como trabalho exatamente por ser menos sofrido que outros.
Em termos analíticos, uma das manifestações mais interessantes do processo moral de
afastar o fantasma da prostituição no mundo dos eventos é sua materialização corporal numa
figura que habita o imaginário social e que tomo a liberdade de definir como “cara de puta”.
Monique Prada é cirúrgica ao dizer que “parecer uma puta” é a “Ofensa Madre” que uma
mulher pode receber (2017, p. 65). É neste ponto que a retórica da moral do trabalho, como
parte das estratégias de diferenciação entre empresas e entre profissionais, aparecerá
recorrentemente embrenhada às categorias sociais da diferença – principalmente sexualidade,
raça e uma evocação de marcas de classe.
De saída, esclareço que, neste estudo, aludo à raça referindo-me aos processos de
racialização presentes no mundo dos eventos. De acordo com Adriana Piscitelli (2004), as
abordagens feministas preocupadas com o entrelaçamento do gênero a outras categorias da
diferença, convergem na interpretação da noção de racialização como uma alusão “aos
procedimentos pelos quais grupos marcados corporalmente são excluídos” (2004, p. 19). Na
esteira da autora, utilizo a noção de racialização para me referir à “superioridade concedida a
determinados grupos nesses processos de exclusão” (Piscitelli, 2004, p. 19) e às marcas
raciais atribuídas os grupos excluídos. No meu campo de estudo a brancura é valorizada
comercialmente. No entanto, como Adriana Piscitelli (2004) chama atenção, a brancura é
“algo que vá além da cor da pele” (2004, p. 19).
Quanto à classe, não necessariamente refiro-me à classe vinculada às condições
econômicas e sim ao conjunto de atributos que a evocam. A complexidade das classificações
sociais, tecidas a partir destas categorias mostra claramente como critérios morais, muito além
da sexualidade, são acionados (Togni, 2014, p. 133).
Isadora França explica que a “mistura entre pessoas de diferentes classes sociais gera
grande ansiedade por diferenciação e distinção” (França, 2010, p. 112), além de que, neste
processo de separação incessante, “os estilos produzem-se relacionalmente, produzindo
subjetividades e posições sociais diferenciadas” (França, 2010, p. 252). Na esteira destas
colocações da autora, insisto que olhemos para as novas articulações produzidas no mercado
23

de feiras e eventos. Não esqueçamos que estamos diante de um mercado de trabalho


concorrido em que, tal qual nos mercados do sexo analisados por Piscitelli nos anos 2000 no
nordeste brasileiro, “a disputa por clientes se expressa na concorrência entre estilos de
corporalidades” (Piscitelli, 2007, p. 25).
Logo, o relevante no plano analítico, não é a ficha rosa em si, mas como essas
categorias são operacionalizadas em contextos de desigualdade. O enunciado se eu comprar o
carro você vem junto?13, que circula com frequência em feiras como Salão Internacional do
Automóvel, sintetiza a dinâmica de um mundo, o dos eventos, em que profissionais e
artefatos em exposição são sobrepostos em um jogo de objetificação e sexualização mútuas.
No entanto, os efeitos desse jogo são desigualmente distribuídos entre os/as participantes.
Com o fim de analisar essas desigualdades, esta investigação se ancora no arsenal teórico-
metodológico das interseccionalidades. No entanto, opto por uma leitura de viés
construcionista das interseccionalidades. Nos termos de Anne McClintock (2010 [1995]), uma
perspectiva que, ao invés de denunciar a necessidade de agência, considera os instrumentos de
agência que os sujeitos encontram em meio a situações adversas.
Levando esse conjunto de discussões em conta, pergunto: Como os diversos estilos
corporais são organizados e como são traçados os limites em relação ao fantasma da
prostituição? Quais são os aspectos que acionam a categoria puta? Como são definidas as
categorias significativas em termos dessas delimitações, como trabalho, ficha rosa, “assédio”
e paquera? E, nos termos de Zelizer (2009), quais combinações entre relações afetivo-sexuais
e atividades econômicas são validadas moralmente pelo círculo social envolvido e quais, ao
contrário, são tidas como “suspeitas” de interesse econômico?
Ao longo das décadas de 2000 e 2010 foram realizados diversos estudos sobre o
mercado de feiras. Esses trabalhos apresentam importantes análises desse mercado em uma
perspectiva da sociologia da vida econômica. Esses estudos consideram feiras e exposições
como espaços privilegiados para se entender a constituição dos produtos, como mostram, por
exemplo, Gustavo Sorá (2013), Brian Moeran (2010) e Narinder Anand e Brittany Jones
(2008) em suas pesquisas sobre feiras de livros; Marie-France Garcia-Parpet (2005, 1999)
sobre feiras de vinho; Lilian Krohn (2017) sobre feiras de cervejas artesanais; Neil Pollock e
Robin Williams (2016) sobre as conferências de analistas industriais do setor de tecnologia da

13
Agradeço, em especial, à Natália Corazza Padovani por ter sugerido criativamente que esse fosse o título da
tese.
24

informação; Natacha Leal (2008) e Caetano Sordi (2013) sobre feiras do agronegócio no
Brasil; e Monise Picanço (2019) ao analisar a própria exposição como um produto.
Neste trabalho a proposta é pensar as feiras como espaços onde não só circulam
produtos (mulheres e artefatos), mas, em especial, onde a valoração de um produto (o artefato
visível e que tem sido objeto de estudo) passa pela valoração sexualizada posta em jogo com
o trabalho das profissionais de eventos. Nesse sentido, a intenção é ampliar os trabalhos sobre
feiras considerando como a sexualização os permeia e considerando os pontos de vista destas
profissionais sobre o mercado em questão.
No processo de explorar as possibilidades de arcabouços teórico-metodológicos para
analisar as relações de trabalho no mundo dos eventos, senti a necessidade de uma perspectiva
crítica e teórica que permitisse pensar nos vínculos entre trabalho, gênero e sexualidade,
considerando como esses vínculos se articulam com as estratégias que as pessoas usam para
gerar renda dentro da governamentalidade neoliberal. Uma de minhas interlocutoras,
profissional de eventos, após anos de experiência na área fundou sua própria agência e com
isso passou a contratar outras/os profissionais. Ela se identifica com a figura da
microempresária. Outras duas, embora prefiram a segurança e estabilidade de um trabalho
fixo, consideram ideal a situação em que possam conciliar o emprego fixo com a realização
de eventos devido à flexibilidade dos últimos. Estas três diferentes experiências mostram que
“imaginação”, “criatividade” e “flexibilidade” são habilidades valiosas no mercado de
trabalho em questão, para as quais sugiro uma leitura antropológica da economia que
considere mais as práticas cotidianas dos sujeitos, ao contrário dos grandes modelos
econômicos usuais (Narotzky & Besnier, 2014).
Neste sentido, as formulações de Michel Foucault em Nascimento da Biopolítica
(2008 [1978/1979]), em diálogo com os cânones da teoria econômica neoliberal, contribuem
para refletir sobre essas estratégias ao apontarem que para analisar materialmente a vida
econômica contemporânea devemos procurar observar os cálculos que as pessoas fazem,
mesmo que esses pareçam cegos ou insuficientes14.

14
Foucault argumenta que a competência do trabalhador é uma máquina que não se pode separar do próprio
trabalhador, o que não quer dizer que o capitalismo o aliena. “Deve-se considerar que a competência que forma
um todo com o trabalhador é, de certo modo, o lado pelo qual o trabalhador é uma máquina, mas uma máquina
entendida no sentido positivo, pois é uma máquina que vai produzir fluxos de renda” (Foucault, 2008
[1978/1979], p. 309). É a partir dessas condições que, para Foucault, o neoliberalismo significa o retorno ao
homo œconomicus reconfigurado como o homem do consumo que, enquanto consome também produz, no caso,
produz sua própria satisfação. “E deve-se considerar o consumo como uma atividade empresarial pela qual o
indivíduo, a partir de certo capital de que dispõe, vai produzir uma coisa que vai ser sua própria satisfação”
(Foucault, 2008 [1978/1979], p. 311). Não mais, como no marxismo ortodoxo, a análise da gênese do capital, da
relação entre coisas ou processos. Homo œconomicus, explica Foucault, é, na concepção da economia liberal
clássica, apenas o homem da troca a partir da problemática das necessidades. “No neoliberalismo – e ele não
25

É na esteira dessa reflexão que proponho mostrar a “positividade” do trabalho de


profissionais de eventos que, embora apresente uma série de formas de precarização do
trabalho, é visto, da perspectiva destas profissionais, como vantajoso não apenas enquanto
fluxos de renda – pois como veremos, é um trabalho que paga bem – mas também em termos
subjetivos ao possibilitar formas singulares de acesso a imagens de glamour. Sobre este
último aspecto, destaco que, dentre as dezenas de profissionais com que interagi em campo,
contando com minhas interlocutoras principais e outras cujas interações foram mais
superficiais; ouvi vários relatos sobre possibilidades de trabalho na televisão, uma atividade
bastante valorizada socialmente. Conheci profissionais que já participaram do programa Papo
Calcinha15, Casa Bonita16, fizeram teste para assistente de palco do Programa do Gugu e
teste para bandas como Banana Split17. Uma profissional tem uma amiga que se tornou
bailarina do Faustão18 e, como veremos, há uma ex-panicat que já trabalhou com eventos,
Babi Rossi.
A profissional de eventos, em muitas situações, reflete em sua corporalidade e
subjetividade, o glamour daquele artefato do qual ela se torna parte no cenário de exposição
publicitária. Empiricamente, o glamour habita nesse arranjo entre humanos e objetos. Em se
tratando do mundo dos eventos, esse processo pode ser também compreendido pela lógica do
fetiche. McClintock explica que não há como calcular exatamente o preço de um fetiche
porque este “encarna o problema do valor social contraditório [...]. O fetiche se tornou o
terreno simbólico em que o enigma do valor podia ser negociado e contestado” (2010 [1995],
p. 279/280).

esconde, ele proclama isso –, também vai-se encontrar uma teoria do homo œconomicus, mas o homo
œconomicus, aqui, não é em absoluto um parceiro da troca. O homo œconomicus é um empresário, e um
empresário de si mesmo. Essa coisa é tão verdadeira que, praticamente, o objeto de todas as análises que fazem
os neoliberais será substituir, a cada instante, o homo œconomicus parceiro da troca por um homo œconomicus
empresário de si mesmo, sendo ele próprio seu capital, sendo para si mesmo seu produtor, sendo para si mesmo a
fonte de sua renda” (Foucault, 2008 [1978/1979], p. 310/311).

15
O programa foi exibido pelo canal fechado Multishow e girava em torno da abordagem bem-humorada sobre
sexo. É possível ver a vinheta de abertura em: < https://www.youtube.com/watch?v=3bCiWWgDTXI>.
Acessado em 24 de set. de 2020.
16
Tratava-se de um Reallity Show exibido pelo canal fechado Multishow descrito como: “Dezesseis lindas
mulheres são confinadas em uma mansão em Angra dos Reis. Além de participar de desafios, elas têm que
mostrar sensualidade para permanecer na disputa”. Disponível em: < https://180graus.com/entretenimento/vai-
comecar-o-reality-casa-bonita-6-com-16-gatas-confinadas-veja-fotos>. Acessado em 24 de set. de 2020.
17
As experiências com estes testes serão retomadas na tese.
18
O coletivo de bailarinas do programa Domingão do Faustão, exibido pelo canal aberto de televisão Rede
Globo, é uma das marcas da atração desde 1994.
26

Por isso, o trabalho de profissionais de eventos, embora enredado em relações de


trabalho precárias e desiguais, não deve ser analisado somente em seus aspectos negativos. É
para mostrar seu campo de “positividade” no sentido foucaultiano que invisto na escrita
etnográfica do cotidiano laboral destas profissionais, tendo como objetivo escapar das areias
movediças da pura denúncia e, então, contribuir para “reconhecer a condição material de
produção de nosso mundo” (Cocco & Cava, 2018, p. 127).

Organização dos capítulos

O primeiro capítulo, “Mundo dos eventos”, também pode ser entendido como uma
introdução estendida. Ele está centrado na análise de como as estratégias publicitárias dos
eventos são sexualizadas, isto porque este mercado, vasto e múltiplo, em relação aos diversos
outros segmentos a ele associados, é o contexto no qual procuro compreender a articulação do
trabalho de profissionais de eventos com as economias sexuais. Contarei minha trajetória no
mundo dos eventos, como o trabalho no setor me pareceu vantajoso, ao mesmo tempo em que
as economias sexuais despertaram dilemas morais. Explicarei como a etnografia foi realizada
e finalmente desenvolverei a ideia de que os usos do slogan sexo vende apresentam efeitos
paradoxais, pois tanto podem aumentar a produtividade das empresas expositoras como
podem gerar uma visibilidade negativa caso o teor sexual passe dos limites aceitáveis.
No segundo capítulo, “Ficha rosa” e o fantasma da prostituição, mostrarei como a
ficha rosa aparece no mundo dos eventos sempre como uma suspeita e, praticamente, nunca
como uma confirmação. Ela existe principalmente no plano do enunciado, é um fantasma.
Considerarei o aparecimento do tema em processos de governo e sua eclosão midiática como
book rosa em 2015. A análise da produção e circulação da categoria ficha rosa nas esferas do
mercado, em processos de governo e na mídia provocará a reflexão sobre dois aspectos
principais e interconectados do fantasma da prostituição. O primeiro diz respeito aos
imaginários sociais existentes no Brasil em torno do trabalho de profissionais de eventos e sua
articulação com as economias sexuais, donde desponta a fábula de que há uma cota de 20% de
fichas rosa em feiras como a Agrishow. O segundo aborda como este fantasma costuma ser
evocado a partir de assimetrias entre os sujeitos, de estilos corporais específicos, além de uma
forte mobilização de elementos subjetivos.
No terceiro capítulo, “Perfil”: gestão da sexualização através das diferenças,
mostrarei como e de que maneiras, os diferentes estilos corporais das profissionais –
diretamente relacionados aos estilos das empresas que as contratam – são moralmente
27

classificados em meio às tensões e disputas sobre os sentidos e significados atribuídos à


utilização da sexualização como estratégia publicitária. É através da categoria nativa perfil
que as diversas corporalidades das profissionais são organizadas neste mercado. Neste
sentido, procurarei descortinar as maneiras pelas quais a gestão da sexualização é realizada
através de uma sexualização racializada que alude a marcas de classe e códigos morais.
Apresentarei as percepções sobre a operacionalização dos perfis de dois empreendedores do
ramo e de minhas três principais interlocutoras, profissionais de eventos. Como veremos, a
dinâmica de definição dos perfis é de suma importância para a instituição do trabalho de
profissional de eventos como um setor específico do mundo dos eventos, já que o grau de
objetividade possibilitado pela definição dos critérios de separação de um perfil para outro
permite diminuir os riscos de aparição do fantasma da prostituição.
O quarto capítulo, Um trabalho “difícil”, é dedicado à descrição do trabalho
executado por profissionais de eventos. As dissonâncias em torno desta atividade podem,
basicamente, ser apresentadas como uma disputa entre uma percepção acusatória de que a
atividade em questão não é trabalho ou é um trabalho fácil ou até mesmo que são todas
putas; e outra pautada na defesa de que o ambiente de feiras e eventos é um trabalho difícil,
podendo exigir 12 horas em pé e no frio ao contrário da prostituição, em que se trabalha
deitada. Para analisar estas disputas, utilizarei os conceitos de trabalho sexualizado, trabalho
de cuidado e trabalho afetivo/emocional, entendendo que o desempenho de trabalho de
cuidado e afetivo é balizado pelo fetiche da relação mulher/objeto em exposição que
caracteriza este mercado. Mostrarei como, apesar dos contextos, a princípio, desfavoráveis,
principalmente devido à recorrência de “assédio”, é possível desenvolver espaços para criação
de agência. A trama analítica em torno deste trabalho se adensa quando articulada às
economias sexuais e por isso, elaborarei sucintamente um exercício comparativo com
algumas variantes de prostituição. Mostrar como profissionais de eventos lidam
subjetivamente com seus trabalhos de acordo com suas posições dentro da categorização dos
perfis e como a vida das pessoas não se reduz ao trabalho são as questões norteadoras do
capítulo.
No quinto e último capítulo, Dinheiro, afetos e códigos morais, as narrativas sobre
paqueras deixam entrever como diferenciações de estilos corporais, comportamentos
subjetivos e o suporte de relações pessoais no ambiente de trabalho e fora dele, emaranham-se
tendo como resultado o potencial de definir o que é paquera, o que é “assédio” e o que é
prostituição. Buscarei desenvolver como os espaços de trabalho são produtivos não apenas de
fluxos de renda, mas de diversos tipos de relações. Como os relacionamentos que se iniciam
28

no mundo dos eventos costumam ser assombrados pelo fantasma da prostituição, mostrarei as
várias lógicas que as pessoas utilizam para definir seus envolvimentos. Com relação às
paqueras, destacarei o aparecimento de dois tipos principais de raciocínio, sendo que o que os
separa são códigos morais em que ou é negada a possibilidade de haver “autenticidade” em
relacionamentos com pessoas de classes sociais superiores ou, ao contrário, há considerável
desejo e valorização desses encontros.
29

CAPÍTULO 1 – MUNDO DOS EVENTOS

O mercado de feiras e eventos: breve panorama

Amiga apresentando Don para um


comunista:
̶ Don é publicitário.
Comunista:
̶ Publicitário! Como você dorme?!
Don:
̶ Numa cama de dinheiro!
Comunista:
̶ Você não se sente mal por vender
falsos sonhos para as pessoas?
Don:
̶ Não. As pessoas estão desesperadas para
que alguém diga o que elas devem fazer

Diálogo do seriado Mad Men

Mel19, uma profissional de eventos de 22 anos (2015), explicou-me que o mundo dos
eventos é muito amplo, pois tem desde buffet, feira, congresso, recepção, fazer showroom,
modelo de calce, modelo de roupa, modelo de cabelo, desfile, tem evento pra tudo, pra todos
os gostos, todos os dias, todas as horas20.
De acordo com as narrativas oficiais sobre o setor (Brasil, 2019), esse mercado é
constituído por estratégias comerciais em que a reunião de vários atores, como produtores,
fornecedores, distribuidores e representante viabiliza a formação de redes de relacionamentos
entre empresas, estimula o intercâmbio comercial permanente – inclusive, do comércio
exterior – e propicia o desenvolvimento de novos mercados. Ano a ano, multiplicam-se
diferentes tipos de feiras e exposições no Brasil nos mais variados segmentos econômicos,
impulsionando a economia e gerando empregos no País.
Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (ABEOC), o Brasil
é um dos dez países que mais sediam eventos internacionais ficando atrás de Estados Unidos,
Alemanha, Espanha, Reino Unido, França, Itália, Japão, China e Holanda (Brasil, 2015b). Em

19
Todos os nomes de interlocutoras/es citados são fictícios.
20
Entrevista realizada no dia 30/07/2016 via WhatsApp.
30

2015, período de crise econômica latente, com a queda de 3,5% do PIB segundo dados
oficiais do IBGE (IBGE, 2017), o setor de turismo de negócios e eventos se destacou na
indústria nacional de viagens. O segmento cresceu 7,8% em relação ao mesmo período do ano
anterior, 2014, de acordo com dados da Associação Brasileira de Agências de Viagens
Corporativas (Abracorp) apresentados pelo Ministério do Turismo (MTur). Os gastos destes
viajantes em passagens aéreas, diárias em hotéis, locação de veículos, meios de pagamentos e
serviços movimentaram R$ 6,95 bilhões no país (Brasil, 2015).
As cifras acima não deixam dúvidas dos motivos que fazem o setor de eventos ter sido
valorizado por três diferentes ministérios: Ministério da Indústria, Comércio exterior e
Serviços (MDIC) 21, Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Ministério do Turismo no
subsegmento Turismo de Negócios. Prosseguindo neste sentido, os dados mais recentes
fornecidos pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) em
201322, informam que o segmento de Turismo de Negócios & Eventos cresceu 400% de 2003
a 2013. De acordo com a ABEOC, em pesquisa realizada junto ao Sebrae, o mercado de
eventos gerou no ano de 2013, no país, cerca de R$ 209,2 bilhões. A pesquisa apontou ainda
que, naquele ano, 590 mil eventos nacionais e internacionais foram realizados no Brasil,
sendo 95% deles de âmbito nacional. Ao todo, 202,2 milhões de pessoas participaram. O setor
gerou R$ 48,7 bilhões em impostos, 7,5 milhões de empregos diretos e indiretos e representou
4,3% do PIB do país (Sebrae, Boletim de Inteligência, 2015).
Com relação às pesquisas de mercado sobre o público participante de feiras e eventos
internacionais, dados fornecidos pelo Sebrae (2015, p. 2) informam que do total de
estrangeiros que visitam feiras e eventos em território nacional, 58% são do sexo masculino,
54% das pessoas viajam sozinhas e 92% pretendem voltar ao Brasil. Em termos de faixa
etária, 55% está entre 25 e 44 anos. Com relação à níveis socioeconômicos, 39% possui renda
acima de US$ 4.000 e 97,3% tem curso superior. Os gastos dos/as turistas “de negócios”
chegam a ser quatro vezes maiores do que os gastos de quem viaja a lazer, pois enquanto “o
gasto médio diário do turista estrangeiro que visita o Brasil a negócios ou para participar de

21
Conforme determinado pela Medida Provisória n° 870/2019, a estrutura do Ministério da Indústria, Comércio
exterior e Serviços (MDIC) passou em 2019 a integrar o Ministério da Economia.

22
A previsão para a divulgação da próxima pesquisa desta magnitude é 2020. Aqui, vale chamar a atenção para
a volatilidade característica deste mercado, tendo, então, os dados apresentados a função analítica de mostrar sua
valorização do ponto de vista econômico.
31

eventos é de US$ 329,39 por dia”, o gasto médio do visitante a lazer é de US$ 73,7723
(Embratur, 2014).
As informações acima, resultantes de pesquisas realizadas por órgãos oficiais, dão
mostras do impacto econômico favorável do setor de feiras e eventos. Contudo, o que quero
destacar nestes dados são os aspectos de gênero e classe desse conjunto de turistas. Em
campo, pude observar um setor apresentado como mais masculinizado do que o percentual de
58% de estrangeiros do sexo masculino apontado pelo Sebrae. Merece ser enfatizado
também, tendo em conta os interesses desta tese, o perfil socioeconômico destes/as
estrangeiros/as, em que 39% possui renda acima de US$ 4.000 e 97,3% tem formação
universitária, bem como as despesas médias de US$ 329,39 por dia em território nacional.
O impacto turístico desses eventos nas cidades e regiões onde são realizados lança luz
para a grande demanda por entretenimento e lazer da parte destes turistas “de negócios”.

A cidade de São Paulo e a região de Ribeirão Preto: feiras automotivas e agrícolas

Realizei trabalho de campo em quatro feiras, duas localizadas na capital São Paulo:
Salão Internacional do Automóvel (edições 2014 e 2016) e Salão Duas Rodas (edição 2015), e
duas na região de Ribeirão Preto24, interior de São Paulo: Fenasucro (edição 2016) e
Agrishow (edições 2016 e 2017). As duas primeiras feiras são bienais, têm como foco o
mercado de automóveis, motocicletas e acessórios. As duas últimas, de caráter agropecuário,
ocorrem anualmente e têm como alvo comercial maquinário agrícola em geral.
Escolhi estas feiras especificamente por considerá-las analiticamente relevantes em
dois mercados-chave25: o automotivo na capital São Paulo e o agronegócio no interior
paulista, especificamente a região de Ribeirão Preto.
O Salão Internacional do Automóvel teve sua primeira edição em 196026. Segundo a
revista Automotive Business (2014), em 2014, a feira “reuniu 547 veículos contra 505 da

23
Os dados são originalmente da pesquisa “Impacto Econômico Dos Eventos Internacionais Realizados no
Brasil” elaborada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para a Embratur. O estudo foi realizado em 19 eventos
internacionais nas cinco regiões do País, entre abril e setembro de 2014, e escutou 1.726 participantes (Embratur,
2014).
24
Falo “região” de Ribeirão Preto porque a Fenasucro é realizada em Sertãozinho, cidade localizada acerca de 20
km da primeira.
25
A ideia de pensar o automobilismo e o agronegócio como mercados-chave teve inspiração na tese de Isadora
França (2010) sobre o mercado GLBT de boates noturnas na capital São Paulo.
32

última edição, em 84 expositores, representando 41 marcas. O evento demorou 11 dias para


ser montado, gerou 30 mil empregos e atraiu 4.380 profissionais de imprensa para sua
cobertura”. Em impacto turístico, a feira “gerou R$ 280 milhões. Os turistas representaram
32% dos visitantes, ficando na cidade 2,5 dias em média e gastando um ticket médio de R$
986 por pessoa” (Automotive Business, 2014)27. Dados oficiais da feira, de 2018, informam
que além da geração de cerca de 30 mil empregos diretos e indiretos, o Salão “movimenta
mais de R$ 320 milhões na cidade de São Paulo, sendo um dos mais importantes eventos na
economia brasileira” (Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, 2018).
Estas informações são importantes pois mostram como o Salão do Automóvel é
avaliado positivamente em termos de geração de empregos, movimentação turística e impacto
econômico para a cidade de São Paulo.

Imagem 1: Salão do Automóvel em sua 5ª edição, em 1966. Fonte:


Gasolina na veia, s/d.

26
Ver imagens diversas da feira ao som de Creedence Clearwater Revival. Disponível
em:<https://www.youtube.com/watch?v=T3oArb8wjsU>. Acessado em 11 de ago. de 2020.
27
A empresa responsável pela organização do Salão do Automóvel e Salão Duas Rodas, Reed Exhibitions
Alcantara Machado, em 2020 se torna Reed Exhibitions, marca global, retirando o nome “Alcantara Machado”
que portava desde 2007. Com isso, perderam-se os dados sobre o “perfil do visitante” que eu apresentava
incialmente, com atualização de 2017, a partir da empresa em questão. No entanto, trago-os aqui, a título de
curiosidade. Para o Salão do Automóvel, o perfil do visitante mostra que 77% do público é masculino, 31% está
na faixa etária de 30 a 39 anos, 48% são assalariados e 40% possuem ensino superior completo. Para o Salão
Duas Rodas, o perfil de visitante mostra que 60% são do sexo masculino, 50% estão entre 25 e 39 anos, 50%
pertencem a classe A e B e 69% possuem motos.
33

Imagem 2: Salão do Automóvel em sua 7ª edição, em 1970. Fonte:


Canal da peça, s/d.

Imagem 3: Salão do Automóvel em sua 9ª edição, em 1974. Fonte:


Canal da peça, s/d.
34

Imagem 4: Salão do Automóvel em sua 18ª edição, em 1994.


Fonte: Canal da peça, s/d.

Imagem 5: Salão do Automóvel em sua 28ª edição, em 2014.


Fonte: Arquivo pessoal.

O Salão Duas Rodas veio para o Brasil em 1991. De acordo com informações oficiais
do centro de eventos Anhembi, em 2015, na sua 13ª edição, esta feira, principal evento do
segmento de motocicletas da América Latina, apresentou o seguinte perfil de visitante: “em
geral, assalariados, com ensino superior completo e faixa etária de 30 a 39 anos. Além disso,
tinham renda mensal de 5 a 10 salários mínimos e gastavam, em média, por mês, cerca de R$
314 com veículo de duas rodas” (Anhembi, 2015).
35

Imagem 6: Salão Duas Rodas em sua 13ª edição, em 2015. Fonte:


Divulgação/Salão Duas Rodas.

A primeira edição da Agrishow ocorreu em 1994. A feira é considerada a maior no


ramo de tecnologia agrícola do Brasil, sendo que o evento é realizado num espaço de 440 mil
m². Segundo informações oficias, em 2018, em sua 24ª edição, a feira recebeu 159 mil
visitantes e mais de 800 marcas expositoras, gerando faturamento de R$2,7 bilhões, uma alta
de 22% em relação à 2017 (Agrishow, 2018).

Imagem 7: Vista aérea da Agrishow. Fonte: Divulgação/Agrishow.


36

Imagem 8: Pavimentação interna da Agrishow. Fonte: Divulgação/Agrishow.

A Fenasucro foi assim batizada em 1992. No entanto, o encontro do setor


sucroenergético (relacionado à cana de açúcar) ocorre desde 1984. Como apontam os dados
oficiais, em sua 25ª edição, em 2017, a feira ocupou 70 mil m² de espaço para exposição,
contou com mais de 1.000 marcas expositoras nacionais e internacionais, teve 37 mil
visitantes e gerou mais de R$ 3,1 bilhões em negócios (Fenasucro, 2017).

Imagem 9: Vista aérea da Fenasucro. Fonte: Divulgação/Fenasucro.


37

Imagem 10: Pavimentação interna da Fenasucro. Fonte:


Divulgação/Fenasucro.

Com relação às diferentes localidades e segmentos, a capital São Paulo é a cidade


brasileira que mais recebe eventos internacionais, ocupando a 34ª posição mundial em 2014.
Neste mesmo ano, dos 291 eventos realizados no país, 22,68% aconteceram em São Paulo, de
acordo com a ABEOC. Dessa maneira, São Paulo se consolida como forte destino do turismo
“de negócios”, posicionando-se à frente de destinos turísticos considerados tradicionais, como
Rio de Janeiro, por exemplo.
A região de Ribeirão Preto, localizada a cerca de 300 km de distância da capital, é
considerada desde 2004 como capital do agronegócio devido à intensa atividade
agroindustrial local. Na ocasião da Copa do Mundo em 2014, a Associação Brasileira do
Agronegócio da Região de Ribeirão Preto (ABAG/RP), em conjunto com a prefeitura
municipal, divulgou cartilhas em português, inglês e francês com informações sobre o turismo
“de negócios” agroindustrial da região, incluindo, por exemplo, visitas a fazendas e usinas28.
Assim como a intensa presença de eventos na cidade de São Paulo é produto das
múltiplas estruturas disponíveis como seu parque hoteleiro, comércio, gastronomia e roteiros
de lazer e entretenimento (Brás, 2008, p. 16/17), no caso da região de Ribeirão Preto, foi em
razão da infraestrutura da região que, na conjuntura da Copa do Mundo de 2014, ocorreu a
iniciativa público-privada de incentivo ao turismo local. Tanto a capital São Paulo quanto
Ribeirão Preto são potentes destinos do turismo “de negócios” no estado paulista.

28
Para outras informações, além do roteiro proposto, conferir a página oficial da ABAG/RP. Disponível em:<
http://www.abagrp.org.br/capital-brasileira-do-agronegocio>. Acessado em 12 de out. de 2019.
38

Em termos de receita gerada na cidade de São Paulo, a FIPE (Fundação Instituto de


Pesquisas Econômicas) divulgou que “os valores envolvidos nas atividades do setor referente
ao mercado de bens e serviços totalizam anualmente quase R$ 16,3 bilhões” (Fipe, 2013, p.
16). São, em média, 803 eventos de exposições por ano, com mais de 8 milhões de visitantes
(Fipe, 2013, p. 16).
No caso da região de Ribeirão Preto, as cifras monetárias informadas anteriormente
sobre a Agrishow e a Fenasucro dão mostras do tamanho dos negócios envolvidos, tendo
gerado R$2,7 bilhões em 2018 para a primeira feira e R$ 3,1 bilhões em 2017 para a
segunda29.
Importa ressaltar que os números aqui apresentados são os divulgados por diferentes
fontes e com diferentes finalidades, pois enquanto sobre a capital tem-se a receita anual em
termos de serviços, sobre a região de Ribeirão Preto, os dados apresentados referem-se às
feiras especificamente. Trago esses números, primeiro – e mais superficialmente, para
sublinhar a potência econômica representada nos setores automotivo e agrícola, mostrando o
contexto de mercado no qual as agências de marketing e profissionais de eventos
contempladas no trabalho de campo estão inseridas. Segundo – e mais importante, para
observar como em ambas cidades analisadas, turismo “de negócios” e turismo “sexual” se
misturam.
De acordo com Ana Paula Da Silva (2011), apesar de São Paulo se apresentar como
símbolo de modernidade com sua imagem de trabalho e negócios, distanciando-se das
imagens midiáticas de cidades turísticas nordestinas e cariocas como “paraísos tropicais”
devido às praias e natureza deslumbrante, a vocação da cidade como destino para o turismo
“de negócios” cria uma interação entre sexo comercial e deslocamentos (inter)nacionais
bastante peculiar (Da Silva, 2011, p. 104).
Nos sites especializados em prostituição analisados pela autora, informantes
anglofalantes colocam Rio de Janeiro e São Paulo como destinos mais citados. Segundo esses
putanheiros, como são conhecidos os consumidores de sexo comercial que navegam em sites
especializados no setor, São Paulo oferece serviços sexuais mais variados que os oferecidos
no Rio (Da Silva, 2011, p. 110). A autora (2011, p. 133) explica que por serem turistas “de
negócios”, suas atividades em casas de sexo não “configuram como ‘turismo sexual’ e sim
uma modalidade de lazer que está pressuposto na sua permanência na cidade”. Neste sentido,

29
Lembrando que a Fenasucro acontece em Sertãozinho. Contudo, apesar de o município de Ribeirão Preto não
arrecadar os impostos desta feira, grande parte dos gastos dos turistas “de negócios” é feita na cidade.
39

“ir a trabalho para São Paulo significa para o setor turístico uma possibilidade de transformar
uma atividade que nem sempre é associada ao lazer, em potencial diversão (e,
consequentemente, aumentar a quantidade de dinheiro que o turista deixa na cidade)” (Da
Silva, 2011, p. 108).
No entanto, é preciso enfatizar que no mundo dos eventos, os turistas “de negócios” tal
qual descritos por Da Silva, só podem consumir prostituição fora dos ambientes das feiras
(Imagem 11). Embora estes turistas “de negócios” possam ser potencialmente “turistas
sexuais”, os espaços de negócios em questão distanciam-se em absoluto do “turismo sexual”.
No setor de feiras e eventos, a prostituição opera muito mais à maneira de um fantasma do
que de uma prática perceptível (argumento que será desenvolvido no capítulo dois).
Guardada então tal diferença de contexto, seguindo o mesmo raciocínio de
comparação de gastos financeiros entre turistas “de negócios” e turistas “a lazer” feitos por
Da Silva, no Plano Municipal de Turismo de Ribeirão Preto (Ribeirão Preto, 2017); os
primeiros são valorizados economicamente em relação aos segundos no sentido de que o
turista “a negócios” geralmente tem:

as despesas pagas pelas empresas, costuma usar serviços de hospedagem e


alimentação mais sofisticados, gastando o seu próprio dinheiro em compras e
demais atividades extras. É muito diferente do turista que viaja com a família
com recursos limitados. A grande dificuldade, no entanto, tem sido a de
manter este turista de negócios mais tempo na cidade, oferecendo outras
atividades, aumentando a taxa de ocupação dos hotéis em finais de semana,
e aumentando a audiência dos nossos teatros, shows, bares e restaurantes e
estimulando nosso comércio [...]. A cidade é cheia de atrativos turísticos [...].
Se olharmos a região metropolitana de Ribeirão Preto podemos verificar,
também, um grande potencial para o turismo de excursão (de um dia) nos
demais municípios, mantendo a hospedagem em Ribeirão Preto e assim
aproveitamento da vida noturna (Ribeirão Preto, p. 59/60, 2017) 30.

As atrações da vida noturna de Ribeirão e sua “reputação” relacionada à putaria serão


aprofundadas no próximo capítulo.

30
Agradeço especialmente ao Thiago Scatena por apontar esta referência sobre Ribeirão Preto.
40

Imagem 11: panfletos de puteiro distribuidos à saída da Agrishow em 2016 e 2017. Fonte:
Arquivo pessoal.

Estratégias de marketing em feiras de negócios: perspectivas de gênero e sexualidade

Sobre a operacionalização das feiras de negócios, vale observar que seu planejamento
e desenvolvimento é responsabilidade dos chamados promotores de feiras que alugam os
espaços da feira diretamente com seus proprietários. Essa parte relativa à infraestrutura das
41

feiras conta também com os montadores da disposição geral dos estandes, os fornecedores de
insumos e outros múltiplos prestadores de serviços. Em meio a tantos setores envolvidos, os
promotores constituem o núcleo da cadeia produtiva do setor de feiras, pois são eles que
executam e controlam o acontecimento das mesmas. Seu produto principal é a venda de
espaço – m² – do evento. Quem compra os espaços dos promotores são os expositores, “que
utilizam as Feiras de Negócios como uma ferramenta do composto de promoção, dentro do
marketing mix, visando o fortalecimento da imagem, a divulgação institucional, o
relacionamento com clientes e a venda de produtos” (Fipe, 2013, p. 6). O “cliente” dos
expositores é o visitante, consumidor e público-alvo. Desse modo, se há certa complexidade
para definir todos os diversos segmentos envolvidos no setor, sua função de mercado é única:
aumentar as vendas.
De acordo com Maria Cecília Giacaglia (2008 [2003]), em estudo sobre a organização
de eventos, foi em 1958 que ocorreu a primeira feira de negócios no Brasil, a Fenit (Feira
Nacional da Industria Têxtil). O Salão Internacional do Automóvel teve sua primeira edição
em 1960 no Pavilhão da Indústria e do Comércio do Parque do Ibirapuera, sendo transferido
para o complexo do Anhembi em 1970; inaugurando esse novo espaço tido como o mais
importante centro de exposições da América latina (Giacaglia, 2008 [2003], p. 5). Até então,
nenhuma feira tinha a pretensão de vendas e elas estavam exclusivamente voltadas para a
exposição de produtos. Foi somente na década de 1990 que as feiras passaram a ter a
finalidade de promoção de vendas e comercialização de produtos e serviços (Giacaglia, 2008
[2003], p. 6).
Esse início das feiras em terreno brasileiro se alinha ao entendimento comum entre
estudiosos de marketing de que eventos buscam tanto a expansão de mercados como melhorar
o relacionamento entre marcas e clientes. É neste sentido que para Philip Kotler, considerado
um dos gurus do marketing, “uma das principais contribuições do marketing moderno é
ajudar as empresas a perceberem a importância de mudar o foco de sua organização do
produto para mercado e clientes” (Kotler, 2000, p. 12, grifos do autor). O evento, enquanto
estratégia de marketing, permite o “estreitamento das relações com os clientes, possibilitando
a interação deles com todos os profissionais da empresa. Essa interação, especialmente com a
equipe de vendas da empresa, gera mais empatia entre as partes e, consequentemente, facilita
as vendas” (Giacaglia, 2008 [2003], p. 7). Mais que dar ao mercado o que ele quer, a empresa
deve almejar “possuir” um mercado (Kotler, 2000, p. 221).
42

Sobretudo para as empresas que já “possuem” seu mercado e já criaram a identificação


do público consumidor com sua marca, a participação em feiras é crucial 31. Segundo
Giacagliaa autora, a feira apresenta a vantagem de atrair consumidores para locais específicos,
tornando-a uma prática pouco custosa em comparação com outras formas de propaganda, uma
vez que permite a exposição de produtos a um grande público segmentado, além de
“apresentar produtos e serviços de maneira bastante atraente e motivadora, induzindo-os à
compra imediata” (Giacaglia, 2008 [2003], p. 43).
De acordo com a autora, o investimento das empresas na contratação de mulheres para
ocuparem os estandes das feiras busca atrair público para estes espaços. Não valendo o
mesmo para congressos e convenções, onde não há necessidade de atrair público e então são
preferíveis “recepcionistas com características reservadas e postura discreta, prontas a atender
e não a chamar a atenção [...], percebe-se que deve ser maior o nível de exigência do que no
caso da atuação em Feiras” (Giacaglia, 2008 [2003], p. 164). Vale ressaltar que diante da
enorme pluralidade de feiras existentes, o nicho de mercado ao qual a feira se destina deve ser
observado:

Para Feiras de público corporativo, as (os) recepcionistas estarão mais bem


vestidas (os) com roupas sérias e pouco despojadas, a não ser, é claro, que a
intenção seja se diferenciar das demais empresas, partindo para o estilo
arrojado. Se o público, por outro lado, for constituído de jovens, donas de
casa, enfim, público não-corporativo, pode-se abusar da cor e descontração
das roupas, inclusive com toques de sensualidade. Fará sucesso, com certeza,
se não houver exageros e se for mantido o bom gosto (Giacaglia, 2008
[2003], p. 92).

Tais formulações fornecem elementos para analisarmos uma certa distinção entre os
tipos de eventos, por exemplo, corporativos e não corporativos, em que as feiras seriam não
corporativas (o tema será retomado no terceiro capítulo). No entanto, o trabalho de campo
realizado sugere que independentemente do uniforme ser sério ou com toques de
sensualidade, é o próprio trabalho em eventos, as dinâmicas de interação e a fetichização
sexualizada dos produtos envolvidos que possibilita situações em que profissionais de eventos
ouvirão explícita ou implicitamente se eu comprar o carro você vem junto?

31
Sobre este aspecto, Giacaglia explica que “decidir pela participação ou não em Feiras irá depender da
estratégia de comunicação da empresa”. A não participação pode ser interpretada negativamente, “será que a
empresa quebrou ou está quebrando?” podem perguntar os concorrentes (Giacaglia, 2008 [2003], p. 44).
43

Como conheci o mundo dos eventos

O meu trabalho etnográfico foi realizado em feiras situadas nos setores automotivo e
agrícola por serem mercados-chave para uma análise de gênero e sexualidade em decorrência
da importância concedida a um público percebido como majoritariamente masculino e
heterossexual, ao qual as estratégias publicitárias tendem a ser voltadas32. O interesse nessas
feiras tem relação direta com as percepções particulares que tive do mundo dos eventos
quando trabalhei no setor.
Entre os anos de 2007 e 2010, dos meus 22 a 25 anos, tive alguns trabalhos
temporários como forma de complementação de renda: trabalhei como pesquisadora de
opinião em períodos eleitorais, trabalhei como técnica social em projetos ocasionais do
governo municipal; fui vendedora em loja popular de calçados na temporada de natal
2007/2008, garçonete, vendedora em boutique no shopping na temporada de natal 2008/2009
e caixa em uma casa noturna. Com exceção da loja de calçados no centro de Barueri/SP, as
outras experiências aconteceram na cidade de São Carlos/SP quando eu realizava a graduação
em Ciências Sociais e quando fui aprovada no mestrado.
Destas experiências, foi na loja popular de calçados que consegui maior retorno
financeiro, foram cerca de R$80033 em 17 dias de trabalho bastante árduo, visto que era
preciso subir escadas para acessar o estoque e a loja estava sempre movimentada de clientes.
Eu não via o dia passar e terminava fisicamente exausta. Como garçonete a experiência foi
parecida em termos do trabalho corporal de andar carregando bandejas. No entanto, o retorno
financeiro era baixo principalmente porque era esporádico (recebia R$50 por dia). Foi como
garçonete que tive meu primeiro contato com eventos. Ao ver as profissionais da recepção,
também chamadas de hostess, vestidas com terninho e outros trajes sociais, como vestidos
pretos estilo tubinho, cabelos penteados e maquiadas tive interesse naquele trabalho que
considerei, ao menos, mais glamouroso.
No carnaval de 2010, quando eu já havia sido aprovada no processo seletivo para o
mestrado em Sociologia, mas ainda sem garantia de que teria bolsa para a pesquisa, fiz meu
primeiro trabalho como profissional de eventos. Previamente fui até a agência apenas para

32
No setor do agronegócio criou-se uma feira comercial direcionada para as mulheres do ramo. Disponível em:
<: http://www.mulheresdoagro.com.br/. Acessado em 18 de set. de 2020.

33
O que equivale a cerca de R$1.500 corrigidos pela inflação. Disponível em:<
https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecao
Valores>. Acessado em 18 de set. de 2020.
44

que me conhecessem e lá foram tiradas duas fotos minhas: uma de rosto e outra de corpo.
Contratada para o trabalho, a indicação da proprietária da agência foi a de utilizar make
[maquiagem] de balada. Não havia uniforme, apenas um abadá34 com o nome da festa. Foram
quatro dias de trabalho com cachê de R$80 o dia (Imagem 12).

Imagem 12: Minha primeira experiência no mundo dos eventos no carnaval


de 2010. Fonte: Arquivo pessoal.

Senti-me diante de um trabalho com muitas vantagens. O trabalho consistiu em


distribuir pelo centro da cidade de Brotas (65 km de São Carlos), flyers35 de uma balada
usando calçados de minha escolha, no caso chinelos de couro. Ao longo dos quatro dias de
trabalho em equipe, composta por oito pessoas, das quais quatro eram meus amigos pessoais,
ocorreu grande aproximação e interação com as/os novas/os colegas que relataram, com
entusiasmo, os lucros financeiros obtidos trabalhando no setor. O trabalho neste evento me
levou a pensar que em relação ao que eu havia ganhado até então em outros trabalhos, o
retorno financeiro era elevado, principalmente se comparado ao número de horas trabalhadas
(média de cinco horas por dia). Além do fato do trabalho ter sido para mim tranquilo (entrega
de flyers e interação com o público), no tangente à sociabilidade do grupo (as/os colegas, a

34
Abadá é um estilo de camiseta larga usada no carnaval para identificar os diferentes blocos, sendo que cada
bloco tem seu próprio abadá.
35
Panfletos contendo as informações sobre o evento, como as atrações e preços.
45

agência, clientes e o públicos-alvo), considerei uma experiência prazerosa e divertida,


sentindo que nunca havia ganho um dinheiro tão “fácil”. A ideia de que este trabalho é “fácil”
é um dos pontos a serem problematizados nesta tese. Trata-se de um elemento interessante,
sobretudo, se pensarmos que a prostituição também é tida popularmente como um trabalho
“fácil”. No capítulo quatro o assunto será retomado.
Então passei a trabalhar como caixa em uma balada, onde ganhava R$50 por noite. Foi
nessa balada que, quando uma das hostesses saiu de férias, a substitui temporariamente, tendo,
deste modo, minha primeira experiência com recepção. O aspecto negativo do trabalho de
hostess era ficar em pé por horas, usando saltos altos. No entanto, ao contrário do trabalho no
caixa, que exigia minha permanência até o fechamento do estabelecimento, como hostess, eu
ia embora assim que o movimento de entrada na casa diminuía, no final das contas, poderia
deixar o local cerca de três ou quatro horas antes do fechamento da boate.
Logo fui chamada para trabalhar em um outro evento. Tratava-se de um rali
envolvendo proprietários de veículos 4x4 de uma marca japonesa de automóveis “de luxo”36.
Trabalhei no estande de uma das marcas patrocinadoras do evento, uma empresa de peças
automotivas italiana. O cachê foi de R$100 no primeiro dia e R$120 no segundo. Ao ser
informada sobre os detalhes do trabalho, a dona da agência esclareceu de saída que o
uniforme não seria “vulgar”, descrevendo o traje como um macacão preto bem comportado
que não ficaria justo ao corpo, além do uso de tênis. Como eu só teria contato com o
uniforme no dia anterior ao evento, ela me mostrou fotos da roupa para então fecharmos
contrato de prestação de serviços.
O estande era uma espécie de espaço vip onde se servia vários tipos de café gourmet
para o público participante do evento, composto majoritariamente por homens com alto poder
aquisitivo. Tal fato podia ser evidenciado, entre outras razões, com a chegada de alguns ao
local de helicóptero. Foi minha primeira experiência com estande e minha função consistia
em ficar ali imóvel. Eu calçava tênis e então tive contato com outra dificuldade que não saltos
altos: tédio. A sensação que eu tinha era a de que o tempo não passava. Então coloquei em
jogo minhas habilidades comunicativas e passei a interagir com as pessoas que transitavam
pelo estande.

36
A título de preservação da identidade dos sujeitos, evitarei ao máximo citar nomes de empresas envolvidas.
Para contrabalancear a perda da riqueza etnográfica que tais nomes verdadeiros acarretariam, as apresentarei
com qualificações que possibilitem deduzir seu impacto de mercado e/ou seu público alvo, por exemplo,
empresas “de luxo”, “populares” e “médias”, “nacionais” e “internacionais”, etc.
46

Uma interação específica me fez pensar, pela primeira vez, na articulação desse
trabalho com as economias sexuais. Tratava-se de um pecuarista do centro-oeste brasileiro de
cerca de quarenta anos que enfatizava seu estado civil de solteiro. Ali o considerei atraente.
Em minha ânsia para interagir, comecei a contar-lhe que acabara de entrar no mestrado e que
estava trabalhando unicamente pelo dinheiro, então ele fez comentários do tipo se você quer
dinheiro está no lugar errado. Seu conselho foi que eu deveria trabalhar em feiras em
Ribeirão Preto e comentou especificamente sobre a Agrishow. Realizou uma sequência de
elogios à beleza das mulheres ribeirão-pretanas e me relatou sobre os puteiros e cafetinas da
capital nacional do agronegócio.
Depois de algumas horas, voltou perguntando-me se eu possuía habilitação de
motorista e se eu aceitaria levar seu carro para o hotel onde estava hospedado. Ele viera com
seu automóvel particular, mas naquele momento estava também com o automóvel da
competição. Ele foi insistente e eu fiquei constrangida e confusa pensando na ambiguidade da
situação. Como deveria manter a polidez diante da minha posição de trabalho, respondi que
tinha compromisso e não poderia ajudá-lo. No dia seguinte, segundo de evento, ele apenas me
cumprimentou à distância, o que me fez não ter dúvidas de que ele havia me paquerado e por
não ter sido correspondido me tratou indiferentemente. Neste dia de trabalho, que ocorreu em
outro espaço, o trabalho foi diferente: durante a manhã entreguei brindes para os pilotos
quando estes paravam no pit-stop, depois passei grande parte do período de trabalho em pé ao
lado de um playground montado para as crianças do local (era um ambiente bastante familiar)
e no final auxiliei na entrega dos prêmios e troféus para os pilotos classificados da corrida.
Falo pilotos no masculino porque era definitivamente um evento masculinizado. A única
mulher na posição de piloto era na verdade navegadora (auxiliar de piloto) e as mulheres que
circulavam no ambiente pareciam acompanhar os homens.
Vale ainda descrever outro acontecimento. No dia anterior ao início do evento, uma
sexta-feira, o produtor, um jovem na faixa dos 23 anos que morava na cidade de São Paulo e
era responsável pelo marketing da marca que representei precisava entregar o uniforme para
mim e então perguntou se poderíamos nos encontrar em algum lugar onde ele pudesse tomar
uma cerveja, pois ele queria também conhecer São Carlos. Aceitei e, tranquilamente, fui
tomar uma cerveja para pegar meu uniforme e conhecer aquele que seria meu chefe nos
próximos dias. O encontro foi rápido e de lá já pedi que ele me desse uma carona até a casa do
meu namorado da época.
Eu estava empolgada com aquela possibilidade de emprego. Do trabalho como
garçonete ou caixa quando eu ganhava um cachê de R$50 para o trabalho como profissional
47

de eventos, eu mais que dobraria meu rendimento tendo faturado R$120 somente no segundo
dia do rali.
Após o primeiro dia do trabalho, quando havia sido paquerada e, do meu ponto de
vista atual, assediada pelo pecuarista, retornei emocionalmente confusa para casa. Quando
contei o ocorrido para meu namorado, ele foi claro ao interpretar que o pecuarista estava
sexualmente interessado em mim, assim como aproveitou para dizer que o produtor do dia
anterior também. Com relação ao pecuarista, não entendi a situação taxativamente como
assédio na época, mas no momento em que escrevo, dez anos depois, interpreto o ocorrido
como ambivalente. Paquera e assédio me parecem sobrepostos, especificamente naquele
contexto. Ao mesmo tempo em que houve momentos de paquera, houve momentos de
assédio, afinal o pecuarista me constrangeu. Este é um tema que atravessará a tese como um
todo e será retomado com maior profundidade no quarto capítulo.
No final dos dois dias de trabalho, minha angústia não era com os efeitos do trabalho
no meu relacionamento, mas em como eu me senti “poluída” ao perceber o interesse sexual
dos homens por mim e também com relação àquele trabalho enquanto forma de obtenção de
renda. Agora eu sabia que trabalhar com eventos não era tão “fácil”.
Como fui contemplada com bolsa CNPq para realização do meu mestrado em
Sociologia na Unesp campus Araraquara, não trabalhei com eventos até defender minha
dissertação em junho de 2012. Em julho, após a defesa, a necessidade imediata de ganho
financeiro reapareceu e decidi voltar para o mundo dos eventos, desta vez sabendo que não era
um trabalho “fácil”. Um grande amigo que continuou trabalhando com eventos e chegou a
trabalhar internacionalmente como modelo (havíamos começado juntos em Brotas), me levou
até uma agência em Ribeirão Preto e então participei de uma seleção (casting) para a
Fenasucro que ocorreria em agosto daquele ano.
A dinâmica do casting era basicamente reunir dezenas de candidatas a serem
entrevistadas pelos clientes – representantes e mesmo proprietários das empresas expositoras
na feira. Primeiro houve uma entrevista coletiva, na qual participamos em grupos de cinco e,
depois, as pré-selecionadas foram entrevistadas individualmente. Na entrevista coletiva,
perguntaram sobre a experiência anterior com feiras e eventos e sobre as cantadas, já que
estas eram frequentes e não contratariam meninas nervosinhas. Estávamos em pé, então
pediram para que déssemos uma volta, segundo eles, para ver o comprimento dos cabelos. O
que eles queriam, na verdade, era observar a bunda das candidatas. Na entrevista individual,
principalmente, foi reiterada a questão das cantadas.
48

Como estava determinada a ser selecionada, vesti o que imaginei que agradaria os
clientes: minissaia preta justa, sapatos vermelhos de salto alto e segui munida de muita
simpatia. No dia seguinte fui informada que havia sido selecionada para o trabalho cujo cachê
era de R$150 ao dia, por quatro dias. Em um mês deveria provar a roupa que seria um vestido
azul justo, uma das mangas era de renda e havia uma fenda na barriga (Imagem 13). No
encontro com a costureira, solicitei que não deixasse curto. Este uniforme, digamos, possuía
os toques de sensualidade citados por Giacaglia (2008 [2003]).

Imagem 13: Colegas de estande e eu na Fenasucro em 2012. Fonte:


Arquivo pessoal

A preparação estética para o trabalho na Fenasucro foi bastante exigente. Eu deveria


chegar até a agência com cabelos feitos (no meu caso, escovados), unhas cuidadas e
maquiada. Para corresponder a todos os requisitos eu gastava cerca de duas horas. Tempo
gasto majoritariamente para lavar e escovar os cabelos porque a enorme poeira do local da
feira me obrigou a lavá-los todos os dias. Com relação às roupas, recebemos um único
uniforme que deveríamos manter limpo, o que me exigiu lavá-lo todos os dias ao chegar em
casa. Felizmente o clima seco e quente de Ribeirão Preto contribuiu para o cumprimento
dessa tarefa. Nossos sapatos, próprios, deveriam ter a mesma cor (a princípio preta ou outra
cor que fosse combinada entre as colegas para manter uma padronização).
No estande da empresa, logo no primeiro dia de trabalho senti-me assediada pelo
gerente, não aquele que me ofereceu R$500, mas o que havia me entrevistado e com o qual eu
havia sido simpática na entrevista. Ele passava por mim e me olhava dos pés à cabeça sem
49

nenhum pudor, pegava em minha cintura e suas intervenções eram angustiantes, estimulando
conflitos entre mim e ele e entre mim e eu mesma. Não titubeei em ser grosseira com ele,
claro que com certo limite, afinal, eu precisava sorrir. Então ele passou a cantar minha colega
de 17 anos que, como disse na introdução, gostava de andar de iate e sonhava com um
namorado lindo e rico.
A interação com as colegas da agência foi bastante divertida tal qual a experiência de
Brotas. Havia um ônibus que saía da agência em Ribeirão Preto para nos levar, cerca de 40
meninas, até o local da feira, em Sertãozinho (Imagem 14). No caminho, a dona da agência
aproveitava para dar instruções e avisos em geral. Em uma das interações coletivas, ela
informou sobre uma festa luxuosa que ocorreria naquela noite, em que as meninas da agência
constavam da lista vip. Todavia, o local onde seria a festa era conhecido pelos preços elevados
de bebidas e diante do burburinho e algumas críticas quanto a esse fato ela disse meninas, não
precisamos nos preocupar com as bebidas! Sabemos como fazê-los pagar. A resposta coletiva
foi eufórica com muitos risos.

Imagem 14: Equipe da agência na Fenasucro em 2012.


Fonte: Arquivo pessoal

Com exceção da boa relação com as colegas em geral, inclusive com minhas duas
colegas de estande, o tédio, os saltos altos e a interação com o gerente acima mencionado
fizeram do trabalho um tanto quanto angustiante. No terceiro dia de trabalho, acredito ter
sofrido perturbações físicas e morais, já que, devido a fortes cólicas, precisei recorrer a uma
injeção contra dor no ambulatório da feira. Então, no quarto e último dia de trabalho, conheci
um jovem funcionário do alto escalão da empresa expositora, que estava nitidamente
50

alcoolizado. Assim que fomos apresentados, sua primeira atitude foi gesticular para que a
garçonete do estande trouxesse uma cerveja para mim, que eu recusei de forma séria pois era
o último dia e senti que não precisava mais sorrir tanto. Foi então que entre alguns
comentários gerais, ele falou algo como eu te dou minha palavra, não tenho namorada, não
sou casado. Eu só queria alguém pra ir numa festa hoje comigo, entrar e sair de mãos dadas,
ofereço R$500. Eu estava cansada física e emocionalmente, nunca havia sido exposta a tanto
assédio masculino e naquele instante senti muita raiva.
Como eu disse antes, soube, através de outro gerente da empresa, de algumas histórias
sobre a contratação de trabalhadoras sexuais para trabalharem no estande da empresa na qual
fui contratada, bem como de shows de strip-tease e da realização de orgias sexuais no final do
expediente da feira. A interação com os funcionários do sexo masculino da empresa foi, no
geral, bastante agradável. Como passávamos oito horas juntos, não obstante a indicação e
vigilância para que eu permanecesse imóvel recepcionando os clientes que entravam no
estande, não faltou oportunidade para longas conversas com os colegas durante os quatro dias
de trabalho.
Com dois engenheiros-vendedores, especificamente, aproximei-me de forma mais
natural e espontânea. Eles me contaram algumas de suas aventuras sexuais viajando “a
negócios”, o que mesclava sentimento de culpa por serem infiéis em seus casamentos com
muita satisfação pelas experiências perigosamente vivenciadas em segredo. Entre as façanhas
sexuais, já haviam transado com travestis, tinham uma amante em comum e, inclusive, saiam
sempre os três juntos. Eu gostava bastante de conversar com eles e não me senti em nenhum
momento constrangida, talvez porque houve uma relação de confiança mútua entre nós, pois
eu estava irritada com o gerente que havia me entrevistado, me assediado e que depois passou
a cantar minha colega e eles tinham uma postura diferente dos outros colegas com relação à
sexualidade. Tendo em mente o ambiente mais conservador, de caráter rural e masculinizado
no qual estávamos, os outros colegas não sabiam o que eles faziam quando acabava a feira.
Enquanto a maioria ia para bares, eles já tinham seus encontros sexuais marcados e me
contaram que, quando questionados, sempre argumentavam que iam descansar. Eles se
consideravam outsiders da forma de socialização habitual daquele ambiente que, no caso,
costumava ser beber em bares.
Relatei na introdução que a marca do estande para o qual trabalhei acabou sendo
negativamente associada a sexualização, prejudicando sua imagem de mercado. A proprietária
da agência contou que durante alguns anos muitas profissionais não queriam trabalhar para a
empresa em questão por esta ter ficado conhecida como o estande das fichas rosa. Como
51

pontua o publicitário Cobra, “sexo vende, mas também ofende” (2001, p. 43). A associação
do referido estande à prostituição havia mudado nos últimos cinco anos, o que significa que
foram quase dez anos de orgias sexuais, entre meados de 2000 até 2007.
Após este longo relato pessoal, ressalto que a sexualização não é exclusividade do
setor de feiras e eventos. Em muitos outros ambientes de trabalho, onde não há nem
uniformes com toques de sensualidade nem turistas “de negócios” buscando diversão
enquanto viajam à trabalho, há, em alguma medida, a possibilidade de cantadas, paqueras,
prostituição e, principalmente, assédio. Considero, baseada no que está descrito acima, que no
mundo dos eventos, a sexualização ocupa um lugar peculiar porque é uma exigência do
mercado publicitário e, paradoxalmente, um aspecto que pode prejudicar pessoas e empresas
envolvidas. Contar a história de como tive contato com estas dinâmicas sociais foi uma
maneira de introduzir as complexidades envolvidas nesta forma de trabalho que mistura make
de balada, risadas com colegas, cantadas, assédio e múltiplas angústias ancoradas em códigos
morais.

Etnografia

O trabalho de campo foi elaborado de maneira diferente em cada feira. Primeiro


realizei um campo exploratório no Salão Internacional do Automóvel de 2014 que ocorreu
entre 30 de outubro a 9 de novembro. Procurei, sobretudo, informações sobre ficha rosa e
ficha azul. No entanto, foi mais profícuo observar as dinâmicas dos espaços da feira como um
todo, direcionando também a atenção para as diferenças entre estandes/marcas e estilos
corporais das profissionais. Comprei cinco ingressos de entrada para frequentar a feira,
intercalando minha presença entre dias de semana, nos quais o movimento seria menor,
possibilitando, assim, uma maior interação com profissionais e visitantes em geral, e finais de
semana, em que a interação seria dificultada pelo intenso movimento do público.
Especificamente visitei a feira nos três primeiros dias (30 e 31 de outubro e 01 de novembro)
e retornei depois, nos últimos dias (8 e 9 de novembro). Estabeleci diversas interações que me
renderam relatos interessantes para análise. Contudo, não aprofundei o relacionamento com as
pessoas com quem interagi. No entanto, destaco as interlocuções feitas durante a feira com
Cadu, de 23 anos (2014) e Bernardo, de 27 anos.
Já no ano seguinte, o trabalho de campo realizado no Salão Duas Rodas de 2015,
propiciou interações com pessoas com as quais, posteriormente, estabeleci laços e que vieram
a se tornar minhas principais interlocuções na cidade de São Paulo. A novela Verdades
52

Secretas37 já tinha ido ao ar quando comecei a perceber que a temática das relações de
trabalho rendia muito mais conversa com as pessoas do que a ficha rosa. A feira ocorreu entre
os dias 7 e 12 de outubro. Adquiri ingressos para quatro dias, intercalando novamente entre
dias de semana e finais de semana; frequentei especificamente os três primeiros dias (7, 8 e 9)
e o último (12 de outubro).
Vale a descrição de um evento em particular que ocorreu na segunda experiência de
campo. No último dia de Salão Duas Rodas – segunda-feira e feriado – eu havia combinado
de ir embora com a Nina pois ela morava perto da casa da minha amiga onde eu estava
hospedada, na região da Av. Paulista. Quando cheguei no estande por volta de 19h, horário do
encerramento da feira, Nina38 me contou que pegaríamos uma carona com a Mel39 do
Pavilhão do Anhembi até o terminal do Tietê; de lá seguiríamos de metrô juntas até nosso
destino comum. Nina, Mel e as demais promotoras do estande saíram do camarim vestindo
roupas próprias: em geral, confortáveis, algumas calçavam chinelos Havaianas nos pés,
outras carregavam a bolsa térmica na qual levavam comida.
Uma delas disse que queria tomar uma única cerveja, já que estava cansada demais
para sair para beber. Então eu disse que, por ser o encerramento da feira, costumava ocorrer
confraternizações em alguns estandes e que poderíamos entrar em algum. Expliquei que como
eu havia interagido com pessoas de diversos estandes, havia sido convidada especificamente
para um encerramento, mas que eu não estava muito confortável pois tinha achado os caras de
lá muito “tarados”. Fiquei surpresa pelo fato de elas não saberem da existência desses
encontros no final do evento.
No caminho para o estande dos “tarados”, enquanto notávamos a equipe de
manutenção já desmontando os estandes e retirando os carpetes do chão, fomos abordadas por
um sujeito que nos ofereceu cartões para entrarmos na área vip do estande de uma marca de
carros “de luxo” alemã. Algumas das meninas sentiram-se desconfortáveis por estarem de
chinelos e segurando bolsas térmicas, mas mesmo assim, entramos. No local, só haviam
homens vestidos com o uniforme da marca em questão. Aos poucos foram chegando mais
pessoas. As bebidas servidas incluíam espumante Chandon e chopp Madalena, ambas
consideradas “de luxo”. Ficamos cerca de uma hora no local e, por volta das 20 horas,
partimos. Foi, praticamente, o tempo de tomar uma única cerveja (Imagem 15).

37
Ver próximo capítulo.
38
Apresento-a a seguir.
39
Apresento-a a seguir.
53

A presença naquele espaço foi fundamental para minha aproximação com os sujeitos
de pesquisa. Solicitei um encontro privado com diversas pessoas e obtive êxito com quatro
profissionais: Mel, Bela, Nina e Luíza (Imagens 16 e 17) e também com Max, proprietário de
uma agência de casting da cidade de São Paulo. Com exceção de Bela, todas as outras pessoas
estavam na confraternização descrita acima.

Imagem 15: Profissionais de eventos e eu em uma confraternização


de encerramento do Salão Duas Rodas em 2015. A primeira da
esquerda é Mel e a quarta, na sequência, Nina. Fonte: Arquivo
pessoal.

Em 2015, Mel tinha 22 anos, Nina, 23, Bela, 20 e Luíza, 29. Ao longo da pesquisa,
todas declararam manter relacionamentos heterossexuais.
Meu primeiro encontro pessoal com Mel foi em 21 de janeiro de 2016, quinta-feira.
Combinamos de nos encontrar às 14h30, no shopping SP Market, localizado próximo à
estação Jurubatuba da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) do distrito de
Campo Grande, na cidade de São Paulo. Ela chegou pontualmente na hora combinada. A
escolha deste local era por ser vizinho a sua casa, em Santo Amaro, outro distrito da capital
São Paulo. Sentamo-nos na praça de alimentação, onde conversamos por mais de uma hora
até nos levantarmos para tomar um sorvete no McDonald’s. Caminhamos pelo shopping,
entramos em algumas lojas, dentre elas, uma rede de maquiagem na qual ela já tinha trabalho,
mas em outra unidade. Ela comprou um blush de tom terroso que disse precisar. Ao todo
passamos em torno de três horas juntas.
54

Imagem 16: Bela à esquerda. Mel à direita. Fonte: Arquivo pessoal40.

Imagem 17: Nina à esquerda. Luíza à direita. Fonte: Arquivo pessoal41.

No dia 16 de novembro de 2016, quarta-feira, encontramo-nos rapidamente no Salão


do Automóvel. Lá ela trabalhava entregando prêmios em um local reservado da feira, onde
ocorriam eventos internos de conotação mais corporativa do que a feira em geral.
Em 17 de janeiro de 2017, terça-feira, combinamos de nos encontrar para almoçar no
Shopping Ibirapuera, localizado no bairro de Indianópolis, na capital São Paulo. Ela tinha se
mudado para aquela região. O encontro durou cerca de uma hora e meia. Almoçamos em um
buffet de self-service de culinária tipicamente mineira que, no entanto, incluía sushi.

40
A fonte não pode ser publicada a fim de manter o sigilo das identidades das pessoas envolvidas.
41
Idem nota anterior.
55

A primeira vez que encontrei Bela em particular, foi em 13 de fevereiro de 2016,


sábado. Almoçamos no Outback, rede de restaurante especializada em culinária australiana,
no Internacional Shopping localizado em Guarulhos, cidade em que ela residia. Passamos
cerca de duas horas juntas.
Para nosso segundo encontro, em 23 de julho de 2016, sábado, decidimos repetir o
programa do encontro anterior e almoçamos no mesmo Outback em Guarulhos. Dessa vez,
passeamos pelo shopping, entramos em algumas lojas e também em uma livraria. Ao todo,
ficamos juntas em torno de três horas.
Foi com Nina que construí uma maior intimidade. Ainda no Salão Duas Rodas, após
pegarmos carona com Mel, pudemos conversar em particular no trajeto de metrô do Tietê até
a Consolação. Voltamos a nos encontrar, em particular, em 24 de fevereiro de 2016, quarta-
feira. Fui até sua casa na região central de São Paulo, onde conheci sua mãe e seus dois
cachorros. Me chamou a atenção, particularmente, os adesivos com imagens de Marilyn
Monroe e Audrey Hepburn em preto e branco colados no revestimento do banheiro. Tratava-
se de uma casa simples em termos de estrutura de construção e de mobiliário. A alegria,
afinidade e união entre mãe e filha eram notáveis. Neste dia fomos andando de sua casa até o
shopping Frei Caneca, pois ela precisava comprar itens, como roupas e calçados, para uma
viagem que faria à cidade do Rio de Janeiro, no dia seguinte.
Em 26 de julho de 2016, terça-feira, voltei à casa de Nina para acompanhá-la até um
casting (processo seletivo), marcado para as 15 horas, para o Salão do Automóvel. Após o
casting, tomamos cerveja em uma padaria nas proximidades da agência, na Vila Olímpia.
Voltamos para a sua casa onde passamos ainda algumas horas juntas.
Em 29 de janeiro de 2017, domingo, participei de uma confraternização pessoal de
Nina com sua família e rede de amigos. Foi uma honra ter sido convidada para este evento
bastante íntimo.
Com Luíza, tive um único encontro privado em 1° de março de 2016, terça-feira.
Combinamos de almoçar no Shopping Metrô Santa Cruz, região central de São Paulo, porque
ela tinha um compromisso naquela região. Ela decidiu comer uma batata recheada e eu optei
por temaki. Passamos cerca de duas horas juntas.
Além de entrar em contato com estas quatro profissionais de eventos que, como
mostrarei, são bastante diferentes, o trabalho de campo no Salão Duas Rodas me possibilitou
interagir com Max, proprietário de uma agência da cidade de São Paulo, com 34 anos (2015).
O estande da marca de motocicletas “de luxo” alemã onde Luíza trabalhava era
coordenado pela agência de Max. Foi esta profissional que sugeriu que eu conversasse com o
56

empresário. Ao buscar saber como faria para encontrá-lo, sua equipe de supervisão no estande
me informou que seria difícil contatá-lo, pois ele era muito discreto e não dava entrevistas.
No entanto, encontrei Luíza e a mesma equipe na confraternização de encerramento do Salão
Duas Rodas. Na ocasião, a promotora me encorajou a tentar novamente uma aproximação
com a agência de Max. Então fui até a equipe perguntar sobre o Max e soube que ele havia
aceitado conversar comigo e que estava presente naquele espaço! A equipe nos apresentou e
ele, educadamente, pediu desculpas por não poder conversar comigo naquela ocasião. Porém,
passou-me seu contato para que marcássemos uma reunião em sua agência.
O encontro com Max ocorreu naquela mesma semana, no dia 15 de outubro, quinta-
feira. Havíamos combinado 18h30 em sua agência. Neste horário, ele me ligou para explicar
que se atrasaria um pouco, mas que havia avisado o porteiro do prédio comercial que eu
estava autorizada a entrar. A agência estava localizada em Alto de Pinheiros, região
considerada nobre. Conversamos pouco mais de uma hora.
Encontrei Max novamente no Salão do Automóvel no dia 16 de novembro de 2016,
quarta-feira. Interagimos em meio à feira e de lá saímos juntos em direção a sua agência onde
conversamos por mais cerca de uma hora.
Entre um e outro desses encontros presenciais com as pessoas supracitadas, mantive
contato através do WhatsApp, Facebook e Instagram com Mel, Nina e Bela. Sendo que
grande parte de nossa interlocução se deu através da primeira rede social. Nenhuma das três
tinha muita disponibilidade de agenda para encontrar-me pessoalmente. Com Luíza e Max
não mantive contato virtual.
Para além destas interações mais profundas, frequentando como visitante o Salão do
Automóvel e o Salão Duas Rodas, pude interagir com dezenas de visitantes, em sua maioria,
do sexo masculino e heterossexuais, bem como com dezenas de profissionais de eventos e
demais pessoas envolvidas no setor, como seguranças, equipe de limpeza e produtoras/es.
O meu olhar etnográfico nos espaços das feiras, inicialmente, procurava por indícios
de prostituição, como a ficha rosa, sobretudo, no Salão do Automóvel em 2014. Sem sucesso,
no ano seguinte, no Salão Duas Rodas, desloquei minhas observações principalmente para as
dinâmicas do trabalho, suas condições de precarização mescladas com imagens de glamour, a
interação com o público masculino, as cantadas, situações de “assédio” e interação entre
colegas de trabalho. Apesar dessa mudança de foco, sempre estive atenta às diferenças de
estilos corporais e de uniforme das profissionais dos diversos estandes.
Além de circular nestes espaços com uma caderneta na qual eu anotava principalmente
os nomes, telefones, e-mails e redes sociais das pessoas com quem interagia, eu também
57

gravava em um aparelho alguns acontecimentos para registrar detalhes, como, por exemplo,
os relatos de profissionais da limpeza, de seguranças mulheres sobre seus trabalhos e o que
pensavam do trabalho de profissionais de eventos.
É preciso pontuar que estas feiras eram os ambientes de trabalho das pessoas com as
quais eu buscava interagir, o que me colocou em situações em que fui tida, por produtores,
por exemplo, como alguém prejudicando o rendimento dos funcionários em horário de
trabalho. Encontrá-los particularmente também teve seus empecilhos, pois conheci pessoas
cuja interlocução seria interessante para a tese, mas que acabaram não disponibilizando tempo
em suas agendas para me encontrar. Mesmo com estas cinco pessoas que me deram muito
mais abertura, também tive dificuldades em conseguir tempo disponível para nos reunirmos.
Todas/os trabalhavam muito.
Em Ribeirão Preto, o trabalho de campo foi diferente do de São Paulo. Entrei em
contato primeiramente com a proprietária de uma agência, a Vicky. Soube da reputação
positiva de sua agência por parte das meninas quando trabalhei na Fenasucro em 2012. Como
temos amigos em comum, solicitei a um deles que a perguntasse se ela aceitaria me encontrar.
Ela respondeu afirmativamente para meu amigo, mas quando a adicionei no Facebook esperei
em torno de um mês para ter a solicitação de amizade aprovada. Soube através desses nossos
amigos que ela estava em Nova Iorque.
Apesar de já sermos amigas no Facebook, mandei um e-mail para sua agência
explicando sobre a pesquisa. Combinamos de nos encontrar no dia 21 de outubro de 2015,
uma quarta-feira, numa loja da rede de cafeterias Starbucks do shopping Iguatemi de Ribeirão
Preto às 15 horas. No dia anterior, quando escrevi para confirmar o encontro, ela pediu que
fosse às 16 horas. Precisei ir de taxi até o local porque o clima estava tão quente e seco que
minha pressão chegou a cair, impossibilitando que eu me deslocasse de transporte público
como de costume. O taxista comentou que no dia anterior os termômetros da cidade haviam
registrado 45°C. Estar sob o ar condicionado do shopping me proporcionou imenso prazer.
Curiosamente, com exceção de Max, todos meus encontros particulares com os
sujeitos de campo foram em shoppings centers. Mesmo Nina, a quem encontrei em sua casa,
me convidou a acompanhá-la ao shopping.
Vicky, gentilmente, ligou-me para avisar que atrasaria alguns minutos.
A empresária de 29 anos (2015) chegou com a agenda na mão dizendo que não sabia
se deveria ter levado o computador. Enquanto conversávamos tomamos algumas bebidas
refrescantes fornecidas em caráter de degustação pela cafeteria. Vicky me explicou que o
motivo do atraso era porque estava na terapia e que tinha escolhido o shopping para nos
58

encontrarmos porque ela precisava supervisionar dois eventos de sua agência que ocorriam
ali. O primeiro era uma exposição de uma empresa organizadora de casamentos em que ela
fora contratada para fornecer uma recepcionista e o outro a inauguração de uma loja de
acessórios, onde ela também tinha fornecido uma recepcionista mulher e um homem. Após
pouco mais de uma hora conversando sentadas, acompanhei-a na supervisão destes eventos e
depois ela, solicitamente, deu-me uma carona até a rodoviária, para que eu retornasse a
Campinas, onde residia.
Em abril de 2016 ela me permitiu acompanhar sua equipe de supervisão na Agrishow,
durante todos os cinco dias de feira, de 25 a 29 de abril. Contudo, como um amigo trabalhava
no evento, na parte da produção, decidi trabalhar nesta área no primeiro dia, apenas. Passei o
dia todo em uma sala com ar condicionado colando adesivos com o nome da marca de tratores
norte-americana em copos descartáveis. Ganhei R$150. Nos outros quatro dias acompanhei a
supervisora de Vicky entrar e sair dos estandes contratantes da agência, tirando fotos das
meninas para enviar para os clientes (na maioria eram homens), organizando as disposições
físicas delas nos estandes e os horários de descanso de forma que sempre houvesse algum
profissional presente, além de resolver alguns conflitos que ocorriam entre a equipe de
produção e as promotoras ou entre promotoras.
No mesmo ano, na Fenasucro, que ocorreu entre 23 e 26 de agosto, repeti o trabalho
de acompanhante da equipe de supervisão, no qual cheguei a ser apelidada de “sombra” por
meninas da agência. Afinal, o que eu estava fazendo ali como etnógrafa parecia um tanto
misterioso, já que não recebia qualquer pagamento em dinheiro, à exceção do último dia, no
qual Vicky me contratou para trabalhar para um estande especificamente. Meu trabalho era
supervisionar o estoque de gelo dos coolers42, que circulavam pela feira distribuindo água
para o público. Era preciso garantir que sempre haveria gelo, então eu pegava o carrinho de
transportar pequenas cargas e levava o saco de gelo até as meninas com o cooler. Ela me
pagou R$180.
Naquela semana na Fenasucro, Vicky me levou para acompanhá-la em dois eventos
externos à feira: uma reunião com um cliente, uma agência de publicidade e em um jantar
corporativo, evento ao qual ela forneceu duas recepcionistas. Na primeira ocasião pude
observar como o marketing é fundamental para as empresas e como Vicky é pressionada a
garantir uma equipe de trabalho treinada.

42
Refrigeradores portáveis.
59

Tanto na Agrishow quanto na Fenasucro, vesti uma camiseta da agência que ganhei de
Vicky, o que me permitiu circular por estas feiras como se estivesse trabalhando com ela e
também não precisar pagar para visitá-las. Estar tão vinculada à Vicky inevitavelmente
dificultou que eu me aproximasse mais intensamente das profissionais, bem como transitasse
de maneira independente pela feira. Teve momentos em que o fiz, mas não foi a regra. No
entanto, destaco ter tido uma interlocução mais aprofundada com Helena, Karen e Valentina.
A primeira e a segunda com 23 anos (em 2016) e a terceira, 20 anos (em 2017).
Encontrei novamente Vicky em particular no dia 7 de fevereiro de 2017. Neste dia
conversamos por cerca de duas horas no interior de uma doceria e sorveteria, onde
consumimos apenas água. Estávamos as duas focadas no estilo de vida mais saudável. Na
ocasião ela me convidou para trabalhar como profissional de eventos em um estande da 24ª
Agrishow que ocorreria no próximo mês de maio.
Trabalhei de 1 a 5 de maio de 2017 nesta edição da feira (Imagem 18). Precisei, no dia
anterior ao início da feira, cozinhar minhas refeições da semana toda, considerando que era
melhor garantir a qualidade do que estaria comendo para evitar qualquer imprevisto
relacionado à alimentação. Foram cinco dias exaustivos. Acordava às 4 horas da manhã para
me arrumar porque era preciso chegar às 6h30 no local combinado para pegar o ônibus
alugado pela agência, que levava toda a equipe de profissionais até o espaço da Agrishow.
Embora a feira abrisse as portas ao público às 8 horas, um estande específico exigia a chegada
das meninas às 7h30, por isso a equipe toda necessitava chegar cedo. Muitas não conseguiam
estar prontas, uniformizadas e maquiadas às 6h30, então o faziam no trajeto do ônibus e nos
vestiários da própria feira (Imagem 19).
Eu costumava voltar para casa às 19h30. Hospedei-me confortavelmente na casa de
um amigo. Ganhei R$1.000 pelos cinco dias de trabalho pagos em cheque pela Vicky no
último dia de feira. Esta última informação mostra o cuidado da empresária com suas
promotoras, pois há agências que pagam 30 dias após o término do evento.
Por fim, participei de uma confraternização pessoal de Vicky em julho de 2017 com
sua família e amigas/os. Ocasião na qual me senti extremamente honrada em fazer parte.
No trabalho de campo em Ribeirão Preto, procurei observar mais atentamente a
dinâmica do trabalho, as imagens de glamour misturadas ao enorme tempo gasto para estar
bonita, o desconforto do calor, as longas horas em pé, os conflitos entre as próprias meninas e
entre elas e o cliente/produção. Esta sobreposição de glamour e precarização ficou evidente
quando considerei, a partir da minha experiência pessoal, ser mais confortável pregar adesivos
em copos sentada em uma sala fechada sob ar condicionado, como na Agrishow em 2016 do
60

que ficar o dia todo em pé exposta ao calor como ocorreu em 2017, em que apesar de ter
trabalhado como profissional de eventos, à sombra e ter ganhado R$50 reais a mais por dia de
trabalho, a exposição ao calor e ao tédio geram formas específicas de cansaço físico e
emocional. O mormaço dos cinco dias de feira deixou marcas de sol em meus ombros.

Imagem 18: Colegas de estande e eu na Agrishow em 2017.


Fonte: Arquivo pessoal.

Imagem 19: Profissionais de eventos na Agrishow. Fonte:


Arquivo pessoal.
61

Para além destas questões relativas às condições do trabalho, em Ribeirão Preto foquei
meu olhar etnográfico para o fantasma da prostituição, o “assédio” e as paqueras. Embora eu
ainda não percebesse, analiticamente, as “fofocas” sobre ficha rosa como um fantasma no
sentido de Grace Cho (2008), as dinâmicas de distinção entre as profissionais já apontavam
para esse caráter, mais fantasmagórico que fatídico, da prostituição nestes espaços comerciais.
O clima de paquera também já estava bastante evidente para mim, o que possibilitou que eu
pudesse interagir com as meninas e homens heterossexuais centrada neste tema
especificamente.
O conteúdo mais detalhado de todas minhas interações em campo aparecerá ao longo
da tese. Adianto que Max e Vicky são as principais interlocuções do terceiro capítulo porque
mostram as dinâmicas dos processos seletivos e dos esforços de distinção dos estilos de
sexualização através das categorias da diferença. Mel, Bela e Nina também aparecem no
terceiro capítulo, bem como são as protagonistas do quarto, voltado para a temática da
realização do trabalho na posição de linha de frente com o público participante de feiras e
eventos. Luíza, Helena, Karen, Valentina, Nina, Bela, entre outras interlocuções, são o centro
do quinto capítulo, no qual abordo relatos de relacionamentos estáveis e paqueras ocorridas
no mundo dos eventos.

Notas sobre a relação indissociável entre mulher/objetos em exposição

Até aqui delineei amplamente algumas das maneiras com que o mercado de feiras e
eventos é mobilizado por formas de sexualização. Como estratégia publicitária e por meio do
turismo “de negócios”, a sexualização aparece geralmente de forma produtiva como, por
exemplo, para a empresa que busca melhorar o relacionamento com seus clientes, para o
pecuarista e para meus colegas de trabalho que aproveitavam suas viagens “de negócios” para
aventuras afetivo-sexuais. No entanto, a depender do contexto, a sexualização torna-se algo
que gera incômodos, como quando me senti angustiada por ser confundida com uma
trabalhadora sexual que cobra R$500, pois eu procurava apenas complementar minha renda; e
também como foi o caso da empresa para a qual trabalhei na Fenasucro em 2012 que teve seu
nome associado pejorativamente com a ficha rosa por quase uma década.
Antes de considerar os efeitos dos processos de sexualização do mundo dos eventos, é
importante pensar no processo de comodificação em que se estabelecem relações entre
62

mulheres e objetos em exposição43. O intuito desta rápida explanação sobre tais relações é
apenas apresentar o trabalho de profissionais de eventos a partir da lógica de oferta e demanda
do mercado em questão.
Arjun Appadurai (2008 [1988]), refletindo em uma perspectiva socioantropológica
sobre o tema do consumo e consumismo das últimas três décadas do século XX, propõe uma
terceira via para a compreensão destes fenômenos. Nas formulações do autor, nem produção,
nem fetiche de mercadoria, mas, sim, a demanda é que deve adquirir centralidade analítica.
Para ele “é a demanda que, como base de uma troca real ou imaginária, confere valor ao
objeto” (Appadurai, 2008 [1988], p. 16).
No caso do Salão do Automóvel, especificamente, a demanda se materializa no
consumidor de automóveis pensado como masculino (se não majoritária, simbolicamente). A
“máquina” potente e veloz (Berardi, 2005, p. 18, 128, 130), materializada no automóvel, é
conceitualizada como um “símbolo sexual”, principalmente do ponto de vista do marketing
(Cobra, 2001, p. 135), o que também pode ser percebido nos outros setores analisados no
trabalho de campo.
O automóvel exposto junto à mulheres no Salão Internacional do Automóvel evoca a
ideia de símbolo materializado nos termos de Appadurai (2008 [1988], p. 56) quando ele
considera a vida social das coisas. Este símbolo existe em função de um fetichismo do
consumidor em que “as imagens de sociabilidade (pertencimento, apelo sexual, poder,
distinção [...]) que subjazem a grande parte da propaganda, visam à transformação do
consumidor a tal ponto que a mercadoria particular que está sendo vendida fica em segundo
plano” (Appadurai, 2008 [1988], p. 77).
Do ponto de vista da demanda masculina por automóveis, se eu comprar o carro você
vem junto? alude ao poder de consumo dos objetos em exposição e a um poder análogo no
campo afetivo e sexual, mesmo que seja apenas no plano imaginário44. Cobra, analisando os
efeitos do uso do sexo no marketing, situa o mercado automobilístico em um lugar de
destaque em termos da criação de fantasias relacionadas ao sexo nos/nas compradores/as:

43
Utilizo o termo comodificação em referência ao entendimento de Marx sobre como o capitalismo transfigura
em relações mercantis o que até então era visto como não mercantilizável (Beck; Cunha, 2017, p. 137).
44
Apenas para exemplificar a força simbólica da associação entre possuir automóveis/possuir mulheres, evoco o
clássico desenho animado Pica Pau. Criado nos anos 1940 e transmitido via televisão em finais dos anos 1950
nos Estados Unidos, nesta animação há um episódio (dublado em português) cuja personagem do gato diz “100
mil dólares; mulheres; automóvel; mulheres; iate; mulheres; mansões; mulheres(...)”; enquanto imagens
representativas desta sequência, que intercala e justapõe mulheres e bens materiais de alto valor, vão sendo
representadas em nuvens acima de sua cabeça, como imaginação sonhadora. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=CCfHXBrkqiY >. Acessado em 8 de out. de 2019.
63

O automóvel é um dos maiores símbolos de status em uma poderosa


sociedade de consumo. O carro é uma armadura para os guerreiros
modernos. Deve estar blindado para a proteção a assaltos, deve ser bonito
para ser sedutor e deve ser potente para representar potência sexual. A
propaganda de automóveis é um poderoso instrumento de persuasão que
utiliza o inconsciente das pessoas, para dizer: “Com este carro você ficará
ainda mais sedutor(a)...”. Para isso é preciso construir um cenário que
lembre a transformação de sonhos em realidade (Cobra, 2001, p. 143).

O regime de valor no qual automóveis são expostos ao lado de mulheres baseia-se,


então, na estratégia publicitária da contratação de uma profissional, considerada bela pelas
agências e/ou clientes que a contratam, para agregar valor ao objeto exposto (Cobra, 2001, p.
57 e p. 73). A beleza da profissional é também objeto de desejo neste mercado que, na
relação com a demanda – ao menos simbolicamente é representada pelo consumidor de
automóveis do sexo masculino e heterossexual – passa, muitas vezes e de diferentes maneiras,
por formas de sexualização45. A conjunção automóvel/mulher opera no plano evocativo. E, no
mundo dos eventos, essa sexualização das máquinas e dos corpos tem como efeito situar as
profissionais de eventos em um espaço ambivalente de sedução e estigmatização, atravessado
pelo fantasma da prostituição
Na percepção de Bela, as empresas colocam mulheres nos estandes para sugerir uma
ideia de prostituição e por isso não se deveria culpar muito os homens quando estes fazem
propostas ou comentários que remetam a trocas econômico/sexuais, porque no estande as
profissionais estão muito expostas. Por isso, que homem que vai ver a gente lá toda exposta
em cima da moto com os peitos pra fora e não vai pensar [que pode ser uma ficha rosa]? Se
eu fosse homem eu pensaria. Bela defende tal posicionamento porque o que mais tem em
evento é garota de programa. Quando perguntei se ela já havia trabalhado com alguma, ela
respondeu que não, mas enfatizou a força do sigilo em torno destas trocas de sexo por
dinheiro e deu o exemplo de uma panicat com quem trabalhou em um evento. De acordo com
ela, a panicat em questão foi fazer o evento detonada parecendo que voltava de uma balada,
cabelo molhado, que nem uma doida. Posteriormente, Bela ficou sabendo que a panicat tinha
feito programa com dois chefes do estande onde trabalhavam e que tinha cobrado R$5 mil e
concluiu que ninguém sabe, ninguém diz que ela é puta, ela não assume46.

45
Com relação a indústria automotiva, é manifesta a incoerência encontrada no fato de que apesar de serem as
mulheres as maiores compradoras de veículos automotivos, as ações de divulgação do Salão do Automóvel, por
exemplo, são focalizadas nos homens (Folha de São Paulo, 2014).
46
Entrevista realizada em 23/07/2016 em Guarulhos/SP.
64

Se ninguém sabe, ninguém assume que faz trocas de sexo por dinheiro como
diferenciar? Mary Douglas observa que a preocupação pelas diferenciações é inerente ao
pensamento humano. De acordo com a autora, “faz parte da nossa condição humana almejar
linhas rígidas e conceitos claros” (Douglas, 1976 [1966], p. 197), só havendo perigo de
contaminação onde a estrutura social tiver sua forma habitual abalada por elementos de
desordem.
A narrativa de Bela mostra como o peso da ambiguidade da comodificação da relação
mulher/objeto em exposição relaciona-se ao emaranhamento, também ambíguo, entre
sexualidade e dinheiro, já que parte de seu trabalho – pago por um cachê – é agregar valor
simbólico à motocicleta a partir de sua própria sexualização.
Segundo Douglas, “quando princípios morais entram em conflito, uma regra de
poluição pode reduzir a confusão providenciando um simples foco de preocupação” (Douglas,
1976 [1966], p. 164). No caso dos eventos, a preocupação das profissionais é não serem
confundidas com prostitutas, o que mostra a tensão entre a sexualização produtiva para o
mercado, no sentido comum do slogan publicitário sexo vende, e os efeitos adversos que recai
às profissionais de eventos, sobretudo, porque o fantasma relaciona-se, muitas vezes, às suas
corporalidades.
A intrínseca relação entre objeto em exposição e corporalidade feminina, mostra como
e de que maneiras a noção de dar a ideia de prostituição – que é também uma estratégia
publicitária – tem como efeito tornar-se um fantasma, entendido aqui, analiticamente, como o
limite, a fronteira que não deve ser atravessada, o que exige esforços individuais e
institucionais a fim de evitar qualquer aproximação com prostituição.
O fantasma da prostituição no mundo dos eventos se apresenta na forma do código
ficha rosa. No capítulo a seguir, apresentarei situações concretas do campo que mostram
alguns dos imaginários sociais em torno desta figura, tendo como foco as formas de
materialização deste fantasma e os esforços realizados para afastá-lo.
65

CAPÍTULO 2 – FICHA ROSA E O FANTASMA DA PROSTITUIÇÃO

Eventos e o quinto P, de putaria

A prostituta passa a parecer cada vez mais uma


mulher como todas as outras, e isso é tudo que não
pode ser aceito.

Monique Prada em Putafeminista (2018, p. 86).

Feiras como o Salão [do automóvel] tem de tudo, até prostituição. Irônica e
curiosamente ouvi esta frase em minha primeira interação quando realizava trabalho de
campo exploratório, quando, de maneira aberta, não procurava observar nenhum aspecto
específico. O autor da frase foi o tradutor posicionado no balcão de informações do Salão
Internacional do Automóvel de 2014, que, além de poliglota, era formado em Publicidade e
completou seu raciocínio dizendo que nesta área é bastante conhecida a estratégia dos quatro
Ps composta por produto, preço, praça e promoção; a qual ele acrescentaria um quinto P, de
putaria.
A forma como meu interlocutor publicitário discorreu sobre este quinto P contribui
para pensarmos nas dinâmicas sociais que tornam o mundo dos eventos um mercado
imbricado nas economias sexuais. Isso se torna mais evidente pela prática de prostituição
velada norteada pelos códigos ficha rosa, usado para identificar as profissionais de eventos
que realizam trocas de sexo por dinheiro, ficha azul para os homens que realizam essas trocas
e ficha branca para quem não realiza trocas sexuais (Imagem 20).
Nesta tese, a ficha rosa evoca, sobretudo, o fantasma da prostituição, ao dar a ideia de
prostituição e não necessariamente às trocas de sexo por dinheiro sugeridas pela divulgação
de puteiros e anúncios de diversos serviços sexuais nos arredores das feiras. Devo enfatizar
essa distinção porque eu não tive contato com nenhuma ficha rosa e ao interagir com as
pessoas em campo, me deparei com o fato de que pouco ou nada lhe agradavam falar sobre
esse assunto. Seus interesses estavam centrados nas várias dificuldades e condições precárias
do trabalho e também ao esforço em se afastarem de qualquer prática relacionada à
prostituição, como a ficha rosa. Dois aspectos que muitas vezes apareciam juntos, em
66

narrativas como quem é ficha rosa ganha dinheiro deitada e não trabalhando 12 horas em
pé47.

Imagem 20: Exemplos de chamadas para ficha rosa (FR) e ficha branca (FB).
Fonte: Arquivo pessoal da Bela, profissional de eventos.

Fragmentos de narrativas sobre ficha rosa que foram compartilhados comigo no


trabalho de campo realizado pelos corredores do Salão do Automóvel, Salão Duas Rodas,
Agrishow e Fenasucro entre 2014 e 2017 sugerem a disseminação desse fantasma. Uma
menina bastante sorridente de um estande de tamanho micro48, localizado nas periferias do
Salão do Automóvel de 2014, relatou que havia recebido uma proposta de trocas de sexo por
dinheiro e que ela jamais aceitaria pois são aqueles caras barrigudos, credo. Uma modelo
destaque49 de uma marca sul coreana de automóveis me perguntou conheceu alguma ficha
rosa? Respondi negativamente e ela disse elas não contam, né? No estande de uma marca
inglesa de carros “de luxo”, ouvi que muitas meninas estavam ali apenas para conseguir um
bom programa, apesar de que a maioria ralava [trabalhava] muito. No estande de uma das
maiores fabricantes de carros de marca alemã, o modelo destaque comentou que, como as

47
Fala de Mel que será aprofundada no quarto capítulo.
48
Os diferentes tamanhos dos espaços físicos dos estandes podem ser encontrados na planta do evento (Quatro
Rodas, 2014).

49
Dentro de alguns estandes do Salão do Automóvel, principalmente das grandes montadoras, há uma hierarquia
entre as/os profissionais de eventos operacionalizada a partir dos automóveis aos quais elas/es são
posicionadas/os. Esta hierarquia dos modelos mais aos menos sofisticados é seguida da diferença de
profissionais, uniformes e cachês, sendo que a/o modelo destaque é o ponto mais alto desta classificação. Ver
capítulo três.
67

profissionais de um outro estande de marca de carros japonesa não eram muito bonitas isso
poderia ser um indício de ficha rosa, assim como as promotoras dos estandes muito
pequenos.
Para um outro profissional de eventos do sexo masculino de uma empresa alemã de
carros “de luxo”, há pessoas estranhas que trabalham no Salão. Segundo ele, você olha e
pensa “será?”. Comentou também que circulava nos bastidores que, num determinado
estande, as meninas dançavam funk e ganhavam R$600, o que também poderia ser “suspeito”
já que modelos destaques ganhavam em torno de R$400. Fui até o estande em questão e lá
soube que elas eram dançarinas profissionais e que foram contratadas direto com o cliente,
sem o intermédio da agência, aumentando assim seus cachês.
Deste campo exploratório realizado no Salão do Automóvel em 2014, chamo à atenção
para a variedade de elementos acionados para identificar as possíveis fichas rosa. A ideia de
que os clientes de fichas rosa são barrigudos, o sigilo em torno do ser ficha rosa porque elas
não contam que são ficha rosa, a certeza de que muitas estão ali para um bom programa, se
as profissionais não são muito bonitas, se há pessoas estranhas, se ganham acima da média e
dançam funk, entre outros, são todos motivos de suspeita.
No Salão Duas Rodas no ano seguinte, 2015, a novela Verdades Secretas já havia sido
exibida pela Rede Globo, tornando o tema do book rosa (sinônimo de ficha rosa) ainda mais
evitado pelas pessoas do meio. Ainda assim, os poucos relatos sobre o código ficha rosa que
obtive foram bastante ricos. Uma modelo (que se autodefinia assim), posicionada no estande
de uma das maiores fabricantes de motocicletas do mundo, de criação japonesa, falou
confiante que se a garota tem cílios postiços muito grandes, aplique no cabelo e veste
macacão, é a ficha rosa. Disse que não tinha preconceito algum, que só andava com gay, que
conhecia e tinha várias amigas fichas rosa e que devido ao alto retorno financeiro com trocas
de sexo por dinheiro, em que elas ganhavam mil, dois mil [reais] a hora, não trabalhavam
em eventos. Contrariamente à perspectiva desta modelo, no estande de uma marca alemã de
motocicletas “de luxo”, outra profissional relatou que conhecia muitas fichas rosa, afirmando
que algumas inclusive estavam próximas a nós, no estande. Para ela, são garotas cansadas de
trabalhar duro horas em pé e que não estão se prostituindo por necessidade, mas porque são
safadas mesmo.
Tal argumentação expressa uma condenação moral do trabalho sexual da ficha rosa,
que seria justificável por necessidade, mas não por safadeza. Da Silva e Blanchette destacam
68

o quanto é reiterada a percepção de que a prostituta se prostitui porque “precisa e não porque
quer e muito menos porque tal atividade pode ser economicamente racional” (Da Silva &
Blanchette, 2011, p. 1, grifos dos autores). Nesta mesma direção, Gabriela Leite defende que
ser prostituta não anula a coexistência com outras formas de ser e estar no mundo. Nas
palavras da autora e prostituta, “o mundo não é feito de vítimas. Todo mundo negocia. Alguns
negociam bem, outros, mal. Mas cada um sabe, o mínimo que seja, quanto vale aquilo que
quer. E sabe até onde vai para conseguir o que quer. Com a prostituta não é diferente” (Leite,
2009, p. 190).
Para complementar o exercício analítico possibilitado por essa narrativa que separa
prostituição por necessidade e prostituição por safadeza, trago os relatos obtidos em 2016 na
Agrishow quando acompanhava a equipe de supervisão da agência de Vicky. Naquela
ocasião, tive a oportunidade de conviver com dois fotógrafos experientes em feiras, segundo
os quais, na última edição da Agrishow (2015), o marido de uma profissional passou o dia
todo observando-a de longe para saber se algum homem a abordaria. Sobre os ciúmes dos
companheiros das profissionais de eventos na Agrishow, principalmente, um dos fotógrafos
procurou justificar o motivo de sua alta recorrência comentando que o clima é muito propício
à paquera. Para um deles, embora as meninas estejam nos estandes para trabalhar pode
acontecer de saírem casadas com diretores, elas não vieram fazer isso, mas aconteceu.
Aconteceu, segundo este fotógrafo, porque vem um diretor de uma empresa, o cara é da
grana, vai com a cara da menina e banca ela. Tem todo tipo de gente, país, muita gente de
fora, ontem mesmo no Banco do Brasil tinha gente de três países diferentes. Eu vou pela
razão, o que move isso aí é dinheiro.
Na edição seguinte da Agrishow, em 2017, trabalhei em um dos estandes da feira. Foi
uma experiência etnográfica riquíssima, sobretudo pelo convívio com homens de diferentes
posições econômico-sociais que circulavam naquele espaço. Neste sentido, a vivência foi
parecida com a de 2012 na Fenasucro, pois pude ter contato com as percepções masculinas
sobre o fantasma da prostituição.
Uma de minhas colegas de estande ouviu de um dos engenheiros do seu estande na
Agrishow anterior (de 2016), que a ficha rosa é aquela que chega depois do início da feira,
entre 10 e 11 horas e sai mais cedo, em torno das 16h30 (a feira começa às 8 horas e termina
às 18 horas). Esta hipótese se baseia na ideia de que como a ficha rosa também sai à noite
com os clientes, ela precisa ter um horário especialmente reduzido. A fábula circulante estima
que 20% das meninas são fichas rosa, mas ela acredita que o percentual pudesse ser mais
elevado. Para ela, apesar de ser difícil confirmar quem é ficha rosa, os homens meio que
69

sabem. Esta mesma colega contou que na última Fenasucro, quando vestia um macacão
vermelho justo ao corpo, o assessor de um empresário a abordou oferecendo um cheque de
R$1 mil de proposta por um serviço sexual. Ele, o assessor, a buscaria às 21 horas e depois
ela sairia com o empresário. Tratava-se de uma transação previamente combinada. Ela negou.
Para outra de minhas colegas, durante o trabalho na Agrishow de 2017, foi perguntado
se ela aceitaria viajar com um cliente do estande, pois ele procurava por companhia.
A empresa para a qual eu trabalhava possuía um segundo espaço na feira, porém,
muito menor e, consequentemente, menor movimento. Lá ficava apenas uma profissional. No
último dia de feira fui deslocada para este local, onde pude interagir com mais liberdade com
o responsável pelo buffet, um homem na faixa dos 50 anos, que me contou que havia
aparecido um cliente fazendeiro com uma baita mulher, desse tamanho [grande], uma
morena com cabelos compridos em que, segundo este interlocutor, era perceptível que aquele
não era o ambiente dela, que usava uma roupa muito justa, um macacão preto colado e que
ela super destoava do restante do ambiente. Em sua percepção ela não era a mulher [esposa]
porque não opinava. O que era notório para ele, era que o cara vem lá da fazenda, deixa a
mulher [esposa] lá e então na feira se diverte com outras mulheres. Ele disse já ter visto nota
falsa de buffet no valor de R$3 mil que era para pagar fichas rosa e disse também já estar
habituado à presença de trocas de sexo por dinheiro, não só em feiras, mas em outros tipos de
eventos. Contou-me de um jantar de uma empresa de óleo para automóveis realizado em um
hotel em Ribeirão Preto, em que apostou com sua esposa que a recepcionista se prostituia. A
esposa não acreditava nesta possibilidade. Ao checar a suspeita diretamente com a
profissional, foi informado do valor de R$ 1 mil para o programa. Ganhou a aposta.
Assim como minha interlocutora do Salão Duas Rodas utilizou a aparência física a
partir do uso de cílios postiços enormes, aplique no cabelo e o macacão como forma de
identificar a ficha rosa, meu colega do buffet utilizou não somente tais atributos como o não
pertencimento ao ambiente da morena desse tamanho para definir sua relação com o
fazendeiro como diversão. Para ele, aquele encontro não era um relacionamento que pudesse
ser lido como “autêntico”50 (Zelizer, 2009), era um encontro assombrado pelo fantasma da
prostituição.
Os engenheiros do estande estavam hospedados em uma chácara alugada pela
empresa. Alguns deles, considerados mais jovens, na casa dos 30 anos, ao se perceberem
juntos nesta chácara, definiram-se como adolescentes procurando lugar para sair à noite.

50
Como apontado na introdução, “autenticidade” para Zelizer (2009) significa separar afetos de interesses
econômicos.
70

Contaram que foram até uma famosa choperia de Ribeirão Preto e que o local estava cheio de
puta, que os caras estavam com os uniformes dos estantes com as meninas [dos estandes],
foram direto da feira. Numa destas saídas adolescentes, um deles, noivo, atrasou todo o
restante do grupo porque precisava conversar com a noiva para a despistar. Ela não poderia
saber que seu noivo sairia para bares após o expediente da feira com mais três amigos.
Despistar era preciso já que todo mundo sabe que é Agrishow e já fica ressabiado
(desconfiado). As narrativas repetidas algumas vezes ao longo daqueles cinco dias de feira
foram que a Agrishow tem fama, nem em 20 anos perde a fama e que o problema é a
Agrishow.
Ítalo, um experiente engenheiro do estande, na faixa dos 50 anos e que também estava
hospedado na chácara, contou-me que a empresa tinha um rígido código de conduta em que,
diferente de outras empresas, como algumas marcas de tratores, por exemplo, era proibido
levar pessoas para a chácara, sobretudo, levarem as profissionais de eventos. Ele trabalhou
por três anos para uma grande marca de tratores, onde só passou vergonha. Nesta empresa,
quando um cliente comprava acima de meio milhão de reais era acionada uma bonificação de
R$2 mil para sair com uma trabalhadora sexual. A dinâmica estava sempre previamente
esquematizada, embora não fosse oferecida para todos os clientes, apenas para aqueles que
curtiam, pois havia clientes que não aceitariam participar de trocas de sexo por dinheiro e
poderiam chegar a ficar ofendidos e nunca mais comprar com eles, disse.
Outro engenheiro, Cleber, também na faixa dos 50 anos e que trabalhava na Agrishow
desde 2002, disse que quando começou a trabalhar na feira não havia tanta mulher como
profissional de eventos e muito menos com qualquer roupa, sendo por volta de 2006 e 2007
que se iniciou uma disputa por qual estande apresentaria as mais putas. Uma história
específica deste período foi a mais marcante para ele. Contou que outra famosa marca de
tratores, Delfs51, apresentou uma colhedeira na qual as profissionais, que vestiam saias,
subiam e em suas calcinhas, bem lá, na parte externa do órgão genital, estava escrito Delfs e
contou que o estande lotava de gente, os caras gritavam. Até os dias atuais a empresa era
conhecida pelas profissionais contratadas para seu estande na Agrishow. Para Cleber, o dono
gosta e trazia as profissionais do Paraná porque, devido ao uso de uniformes muito curtos, era
mais difícil encontrar profissionais da região de Ribeirão Preto que aceitassem uma maior
exposição à sexualização. A feira é um ambiente familiar, disse Cleber, que completou
alegando que ainda pega mal para as meninas. Em 2017, a marca foi envolvida em uma

51
Nome fictício.
71

“polêmica” nas redes sociais a partir da publicação de fotos das profissionais usando shorts e
tops curtos e justos (Imagem 21).

Imagem 21: Profissionais de eventos na Agrishow. Fonte: Arquivo pessoal52.

Das dezenas de comentários feitos por leitoras/es na página virtual de um jornal da


cidade de Ribeirão Preto, que eu e minhas três colegas de estande acompanhávamos, destaco
alguns: aqueles que criticavam a Delfs por colocar mulher pelada no estande, objetificando a
mulher, os que sonhavam em ser “ricos” para ter acesso a essa feira boa referindo-se
ambiguamente à Agrishow e aos corpos das profissionais, os que associavam o trabalho das
profissionais de eventos à prostituição, como, por exemplo, um comentário irônico escrito por
um homem que dizia promotoras? Sei, no que outro homem respondeu velho, elas promovem
muitas coisas e, complementou, aumenta a venda de Viagra, aumenta a venda de máquinas,
aumenta a circulação de dinheiro, rede hoteleira, etc... Como resposta aos comentários
anteriores, havia outra categoria de comentários composto por aqueles/as que defendem o
trabalho das profissionais como, por exemplo, minha namorada está lá, trabalhando. É claro
que existe o perfil acompanhantes, como existe o perfil profissional. Sai de sua bolha. Alguns
comentários respondiam às mulheres que chamavam as profissionais de eventos de putas, as
chamando de recalcadas por não terem beleza para serem selecionadas para trabalhar na
52
A fonte não pode ser publicada a fim de manter o sigilo das identidades das pessoas envolvidas.
72

feira, e, por fim, muitas profissionais de eventos desabafavam, expressando o quanto se


sentem desconfortáveis em terem seus trabalhos confundidos com prostituição. Em um desses
desabafos, a profissional disse: quando falo que trabalho com feiras, eventos, a pessoa já te
olha estranho [...] (Ver Anexo: Imagens 45 a 52).
Tais comentários mostram como a sexualização é interpretada — sobretudo por
sujeitos que aparentemente não frequentam o ambiente da Agrishow. Ademais, chamo à
atenção a utilização do estado civil dos sujeitos como meio para se posicionarem
favoravelmente perante a sexualização no mundo dos eventos, como o que vivenciei com o
pecuarista que em 2010 enfatizava que era solteiro, ou o gerente em 2012 que também frisou
não ser casado. É a fama da Agrishow que transforma maridos em espiões de suas esposas
enquanto trabalham, deixa noivas ressabiadas e torna namorados defensores do trabalho de
profissionais de eventos.
Outro ponto a ser destacado é que com exceção da ficha rosa, cuja presença parece ser
velada, a prostituição não é segredo algum na Agrishow. Não apenas na Agrishow em 2017,
mas na edição anterior, em 2016, havia trabalhadoras do sexo na saída entregando panfletos
de puteiros onde trabalhavam (Ver Imagem 11 – Capítulo 1). Em 2016 na rodovia que levava
até a Agrishow havia um outdoor do puteiro, tido como o mais elitizado de Ribeirão, que
dizia as melhores máquinas da Agrishow estão aqui. Em 2017, na saída da feira, perguntei
para uma delas como estava o movimento na boate, ela disse que vinha todo ano de Brasília
para a Agrishow, porque eram cinco dias muito bons de trabalho.
As referidas narrativas contribuem para perceber como o acionamento da sexualização
como estratégia publicitária tem efeitos adversos. As profissionais de eventos, contudo,
percebem de maneira mais dramática os efeitos da sexualização, uma vez que são marcadas
pelo fantasma da prostituição.
A ideia de pensar que a ficha rosa opera à maneira de um fantasma vinculado à
prostituição tem inspiração no trabalho realizado por Grace Cho (2008) ao estudar a diáspora
coreana para os Estados Unidos no contexto do pós-guerra da Coréia nos anos de 195053. A
autora, através da figura da yanggongju, que representa as mulheres que trabalhavam nos
campos militares onde eram relevantes os mercados do sexo voltados para as tropas norte-
americanas e aliadas durante a guerra, abordou a temática da exibição e invisibilidade de um
passado marcado pela violência da guerra na vida futura que tais mulheres teriam ao se
casarem com ex-soldados, tornando-se, assim, cidadãs norte-americanas.

53
Agradeço especialmente ao Sérgio Carrara por ter enfatizado a importância do diálogo com Grace Cho.
73

Paradoxalmente, foi a yanggongju – conhecida como noiva militar, mulher de


conforto, filha de mulher de conforto, prostituta de campo militar, entre outros – que
possibilitou a essas mulheres que estavam vivendo sob a miséria da batalha armada terem
acesso ao “sonho americano”. Acesso realizado através da relação subordinada da Coréia aos
Estados Unidos (Cho, 2008, p. 13) e é exatamente por a yanggongju remeter a “traumas de
guerra” na migração internacional, que sua existência deve ser apagada. Como expõe Cho,
gerar fantasmas é o mais “elaborado sistema de apagamento” (Cho, 2008, p. 14/15). Neste
sentido, havendo mais poder na incerteza do que no conhecimento da verdade, a yanggongju
tem sido uma agência espectral agindo e interagindo com várias forças subterrâneas,
permeando inconscientemente a diáspora coreana (Cho, 2008, p. 17).
De maneira análoga à yanggongju, a ficha rosa está presente fantasmagoricamente no
mundo dos eventos, materializando-se em mensagens privadas de redes sociais e em
postagens do Facebook, nas quais são divulgados processos seletivos para os trabalhos
disponíveis (Imagem 20). Isso parece reforçar a observação de Natânia Lopes (2016), em
relação à ficha rosa como integrante de um segmento da prostituição tida como “de luxo”,
que envolve clientes de extratos socioeconômicos mais abastados e é marcada pela discrição.
Discrição que cobra sentido ao se considerar que a intermediação na prostituição constitui
crime no Brasil pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 200954.
Em campo, presenciei muitos silêncios quando o tema era ficha rosa. Silêncios que
eram geralmente seguidos de comentários como os de Mel: ah ninguém gosta de comentar
muito assim, né, mas sempre teve uma pessoa ou outra que vem e faz proposta, a gente ganha
em média 200, 250 [reais] por dia, a agência oferece três mil [reais] pra uma hora [de ficha
rosa], é surreal55.
O fato de que ninguém gosta de comentar sobre prostituição e a surreal diferença
entre os cachês para ficha branca e para ficha rosa sugere que, como no caso analisado por
Cho, a ênfase em apagar sua existência tem o efeito paradoxal de produzir um excesso de
narrativas sobre aquilo que se quer esconder. Neste sentido, a ficha rosa enquanto fantasma
da prostituição parece operar como uma poderosa agência espectral acionada como categoria

54
Esta Lei modifica parte do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 do Código Penal. Altera o art. 1°
da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que trata de crimes hediondos segundo o art. 5° da Constituição
Federal. E também anula a Lei no 2.252, de 1° de julho de 1954, a respeito da corrupção de menores (Brasil,
2009b).
55
Entrevista realizada em 17/01/2017 em São Paulo/SP.
74

acusatória. O efeito de seu acionamento que gostaria de destacar é o de marcar interações e


relações mediante códigos morais.
Mostrei várias situações em que as pessoas especulavam sobre quem seria a ficha
rosa. Neste sentido, considero que o fantasma da prostituição atinge todas as profissionais de
eventos, no entanto, aquelas cuja corporalidade evoca marcas de classes mais baixas e que são
racializadas como não brancas, são as mais afetadas56. Pois são corpos percebidos através de
imaginários que os vinculam à ideia de puta.
Como afirma Monique Prada (2017), esse fantasma atinge a “todas as mulheres que de
algum modo contrariam a ordem das coisas” ao cometerem o que a autora – que também é
trabalhadora sexual – chama de “Ofensa Madre, parecer uma puta, ser confundida com uma
puta, ser chamada de puta” (Prada, 2017, p. 65).
No Brasil, o fantasma da prostituição tem afetado novas práticas de mulheres ao longo
da história. Margareth Rago (1990) analisou a problemática da embrionária e ambígua
emancipação da mulher de classe média, dada pela sua circulação nas ruas e pelo ingresso no
mercado de trabalho na cidade de São Paulo, na virada do século XIX para XX 57. Apesar do
enaltecimento da incorporação da mulher no espaço social, foi preciso claramente “instaurar
linhas de demarcação sexual definidoras dos papeis sociais”, para que não se confundissem
mulheres “honestas” com prostitutas (Rago, 1990, p. 28).
O medo da identificação com prostitutas tornou-se um poderoso fantasma de
contenção das mulheres de classes médias que ambicionavam ingressar na esfera da vida
pública. A figura da “mulher pública” era bastante presente, mesmo não sendo de carne e osso
e existindo apenas como um fantasma, aparecendo “nas entrelinhas dos discursos que
advertiam as senhoras contra os usos exagerados dos perfumes, das joias, das roupas
decotadas” (Rago, 1990, p. 50/51).
A autora diz ainda que “a prostituta foi construída como um contra-ideal necessário
para atuar como limite à liberdade feminina” (Rago, 1990, p. 54). Nesta mesma linha de
pensamento, Prada argumenta que a puta representa o perigo de “acabar por convencer as
outras mulheres de que o ‘lado de lá’ não é, afinal de contas, tão ruim ou perigoso assim”
(Prada, 2017, p. 69).
Distanciando-se das ideias de Monique Prada, no momento atual, no mundo dos
eventos, as profissionais se deparam com a necessidade de distinguirem-se do trabalho sexual

56
A noção de racialização é melhor desenvolvida no capítulo três.
57
Importante apontar que mulheres de classes baixas sempre circularam.
75

em um meio onde o trabalho realizado por elas parece inevitavelmente situá-las num lugar
ambíguo e suspeito.

O mundo dos eventos entre processos governamentais e midiáticos

Nesta tese sugiro que, no mundo dos eventos, o fantasma da prostituição, expressado
no termo ficha rosa, adquire uma agência espectral e é acionado como categoria acusatória
assinalando o limite que não deve ser ultrapassado. No entanto, a noção de ficha rosa foi
construída através de diversos espaços sociais, materializando-se em debates públicos e
midiáticos.

Crime ficha rosa

Em 2011, o código ficha rosa se disseminou amplamente ao aparecer como uma das
pautas da Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Como ocorre com as denúncias em território nacional relacionadas aos mercados do sexo, os
casos foram considerados tráfico interno com fins de exploração sexual, seguindo a Lei nº
11.106 de 2005, que modificou o art. 231 do Código Penal relativo ao tráfico de pessoas com
o objetivo de adequá-la ao Protocolo de Palermo58. Em 2016, o artigo 231-A da Lei n° 12.015
de 200959 sobre tráfico de pessoas foi modificado na Lei n° 13.34460.

58
O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, conhecido como Protocolo de Palermo, é um
instrumento legal internacional criado em 2000 e implementado no Brasil em 2004. Há diversas interpretações
críticas a este dispositivo, principalmente de pontos de vista feministas que procuram reconhecer a prostituição
como trabalho. Isto porque devido ao histórico que culminou na ratificação deste Protocolo, focado
principalmente no tráfico de crianças e mulheres, um dos efeitos dos aparatos legais relacionados ao tráfico de
pessoas foi principalmente o combate aos mercados do sexo (Teixeira, 2008; Piscitelli, 2013). Essas são
questões que denunciam a necessidade de esclarecimento sobre o conceito de tráfico de pessoas, empregado nas
formulações jurídicas transnacionais em questão. Ver o dossiê Gênero no tráfico de pessoas publicado pelos
Cadernos Pagu n. 31, 2008.
59
Segue a definição oficial desta categoria específica de tráfico dada pela Lei n° 12.015 de 2009: “Art. 231-A.
Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha a exercer a prostituição: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito)
anos, e multa. Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata o artigo disposto nos §§ 1º e 2º do art. 231 deste
Decreto-lei” (Brasil, 2009b).

60
De acordo com o “Art. 1º, esta Lei ordena sobre o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra
vítima brasileira ou estrangeira e no exterior, contra vítima brasileira. Parágrafo único. O enfrentamento ao
tráfico de pessoas compreende a prevenção e a repressão do suposto delito, bem como a atenção às suas vítimas”
(Brasil, 2016). O Art. 231-A, revogado pela Lei nº 13.344 de 2016, teve algumas alterações: “Promover ou
76

O código ficha rosa foi citado em matéria publicada no dia 31 de maio de 2011, na
página oficial do Senado, na área reservada ao tráfico de pessoas, sob o título CPI vai
investigar falsas agências de modelos na internet. Segundo a relatora da CPI, a senadora
Marinor Brito (PSOL-PA), “deveremos identificar as falsas agências de modelos e apurar os
indícios de que estejam usando a internet para fins de exploração sexual na modalidade
tráfico” (Senado, 2011).
A sugestão para investigar anunciantes e sites de agência, partiu do presidente da
SaferNet Brasil, Thiago Tavares de Oliveira, que citou uma lista com cerca de 700 sites de
recrutamento de modelos que anonimamente foram denunciados61. Nas palavras dele, “já
temos contas de e-mail suspeitas de serem usadas pelas supostas agências para aliciar jovens
tanto para o tráfico interno quanto internacional associado à exploração sexual” (Senado,
2011). Ademais, o diretor-presidente da ONG

explicou que os anúncios na internet costumam utilizar o código "ficha rosa"


quando querem indicar que estão recrutando modelos para participar de
eventos (feiras, congressos e festas fechadas, por exemplo) que, ao mesmo
tempo, fiquem disponíveis para programas sexuais. Jovens que desconhecem
o sentido da expressão “ficha rosa” são atraídas pelos anúncios e acabam se
tornando vítimas de situações inesperadas e abusos (Senado, 2011).

Thiago Tavares é conhecido principalmente pela sua atuação na campanha contra a


pedofilia na internet. A temática foi analisada por Laura Lowenkron (2012) que, além de
apontar o acionamento de uma gramática moral nos debates, mostra que as medidas
regulatórias geradas a partir do “pânico moral” acionado em torno da CPI da pedofilia,
permitem entrever uma “estratégia política mais ampla de articulação entre dois focos de
ameaça e alvos de regulação: a internet e a sexualidade” (Lowenkron, 2012, p. 195).
A aparição do código ficha rosa na CPI voltada ao tráfico de pessoas se deu de forma
bastante parecida à descrita por Lowenkron na CPI referente à pedofilia, sendo perceptível
que o apelo à regulação da internet e da sexualidade se deu com o mesmo vigor diante do
fantasma da prostituição.

facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de
exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro” (Brasil, 2016, grifos meus).

61
A SaferNet Brasil é uma ONG criada em dezembro de 2005, localizada na cidade de Salvador/BA e tem como
área de atuação a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos contra os direitos humanos. Em 2006, a
ONG e o MPF-SP “firmaram um Termo de Mútua Cooperação Técnica, Científica e Operacional, constituindo
assim a primeira parceria oficial entre a entidade e um órgão de governo para o combate à pornografia infantil na
internet” (Lowenkron, 2012, p. 221).
77

Sob a bandeira de prevenir a exposição de crianças e adolescentes a criminosos e ao


assédio sexual no mundo virtual, em um evento organizado para o lançamento da cartilha
Criança e Adolescente na Internet, foi debatido “o novo crime chamado de ficha rosa. Esta
denominação se refere a empresas camufladas que aliciam pré-adolescentes a se prostituírem
em eventos” (Pernambuco, 2014).
A referência ao aliciamento de pré-adolescentes para a prostituição em eventos
constitui um caso extremo dessas denúncias, sendo mais comum a menção à conivência das
“vítimas” com o crime e a acusação de “facilitação” para a prática de prostituição. Abaixo
trago o exemplo da reportagem do portal O Globo. Na narrativa da matéria, a delegada de
Atendimento à Mulher declara não conhecer o termo ficha rosa e justifica sua desinformação
dizendo que

os termos usados no agenciamento de garotos e garotas de programa sempre


mudam, até mesmo para dificultar investigações. Outro empecilho para
localizar os agentes é a conivência das “vítimas”. “É uma rede de
prostituição onde elas têm interesse na continuidade do crime. Falo pela
minha experiência. A moça se sente segura, porque tem um aparato antes de
chegar ao cliente. Sabe que o cliente tem referência, procedência”, comenta.
Cristiane [delegada] afirma que mesmo aqueles que dizem que só divulgam
os “serviços” das meninas estão incorrendo em crime. “Estão facilitando a
prostituição ou a exploração sexual” (O Globo, 2015).

Tal policiamento afeta as dinâmicas de trabalho de profissionais de eventos já que a


imensa maioria das seleções são realizadas através das redes sociais das agências. Desse
modo, como indica Lowenkron, “uma das dificuldades enfrentadas no combate aos crimes
praticados na internet é a inerente tensão entre os direitos e garantias individuais de
privacidade e intimidade, de um lado, e a segurança coletiva, de outro” (Lowenkron, 2012, p.
225).
Outra peculiaridade que deve ser destacada nessas denúncias é a construção de
interconexões entre exploração laboral, exploração do trabalho sexual e exploração sexual que
aparece na associação entre aliciadores e ofertas de trabalho. Chamo à atenção também para a
diferenciação das supostas vítimas através de seus pertencimentos às classes médias e altas,
construindo, assim, um perfil de vítima que se afasta das clássicas imagens de pobreza das
vítimas de tráfico de pessoas. Configura um exemplo de tais observações uma matéria
publicada pela revista Marie Claire em 2013:

Existem aliciadores que usam a web para recrutar garotas para festas de empresas
e eventos como salão do automóvel, carnaval e grandes competições esportivas
78

nacionais e internacionais. Quando elas se interessam pelo trabalho, em geral,


têm de mandar fotos em poses sensuais ou até de nudez para participar da
seleção. Depois, sutilmente, recebem outra proposta: ganhar pelo menos 15 vezes
mais caso se tornem “ficha rosa” [...]. “O foco dos traficantes não são garotas de
programa. São jovens de classe média e alta que trabalham, estudam e querem
atuar como modelo para ganhar uma grana e complementar a mesada [...]. Os
riscos de cair nas mãos de traficantes não são desprezíveis. “O perfil das vítimas
de tráfico humano muda quando se trata de internet. Elas são jovens dos Jardins
e da Vila Olímpia, e não meninas pobres, que largam família e filhos em busca
de uma oportunidade” [o comentário entre aspas é de Thiago Tavares] (Marie
Claire, 2013, grifos da reportagem).

O conjunto dessas narrativas sugere que, de acordo com algumas denúncias de tráfico
de pessoas, as profissionais de eventos são tidas como vítimas, mas com um perfil que as
distancia da imagem recorrente de vítima de tráfico de pessoas, em função de sua classe
social. Neste sentido, nas narrativas mencionadas, é possível perceber que a classe social
unida ao desejo de ser modelo desponta como um dos elementos centrais na diferenciação das
supostas vítimas do crime ficha rosa de outras formas de exploração sexual62.
O lugar ambíguo dado à “vítima”, sobretudo pela pressuposição de sua conivência e
interesse na perpetuação do crime, deixa claro que a categoria de tráfico de pessoas pode ser
acionada tanto com a intenção de proteger supostas vítimas, como para criminalizá-las. Em
estudos que criticam várias dinâmicas das investigações oficiais nesse período, argumentam-
se que elas têm o efeito de limitar dramaticamente a mobilidade de alguns sujeitos além de
reprimir trocas sexuais e econômicas. É devido a esse caráter repressor que tais investigações
têm dificuldade em encontrar vítimas que se autointitulem vítimas, principalmente quando se
trata do tráfico de pessoas com fins de exploração sexual (Piscitelli, 2008, 2013; Teixeira,
2008; Castilho, 2008; Sprandel e Mansur, 2010).
Nos relatos mencionados em tom de denúncia, o desejo de trabalhar como modelo se
torna uma justificativa para “enganar” jovens, expondo essas pessoas a situações de “abuso”.
No entanto, embora o termo “abuso” possa se referir também à exploração do trabalho, o
acionamento de expressões como programas sexuais, prostituição e fotos sensuais, mostra
que o foco dessas investigações recai, sobretudo, sobre a sexualidade, mais do que sobre as
relações de trabalho. Nessas últimas investigações, como mostrarei no quarto capítulo, as
situações dignas de denúncia próximas da realidade das pessoas envolvidas se referem
basicamente à precarização das condições laborais. Paula Luna Sales (2015) apontou que à

62
Ressalto que não analiso a categoria classe enquanto extrato econômico, como tais reportagem o utilizam, mas
sim como marcas de classe que são evocas corporalmente, numa espécie de mimese. O tema será aprofundado
no próximo capítulo.
79

época da Copa do Mundo de 2014 em Fortaleza, o foco das políticas públicas se voltou
completamente para o combate ao tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, deixando
de lado questões mais relevantes, do ponto de vista das comunidades locais. No caso dos
eventos, percebemos que quando a problemática da exploração do trabalho neste setor é
ignorada e substituída pela gramática do tráfico de pessoas, um dos efeitos negativos desse
procedimento é o apagamento de certas condições precárias do trabalho de profissionais de
eventos.

Book rosa

A narrativa da jovem que deseja atuar como modelo e termina “enganada” e vítima de
aliciadores foi desenvolvida midiaticamente em uma novela, mostrando, deste modo, outro
caminho na materialização da ficha rosa. Entre junho e setembro de 2015 foi exibida a novela
Verdades Secretas no horário das 23 horas pela Rede Globo. A novela foi protagonizada por
Arlete que assume o nome artístico de Angel, uma modelo de 16 anos, alta (1,77m), magra
com poucas curvas, cabelos e pele impecáveis, feição facial típica da idade e postura perfeita,
perfil esperado para se desfilar em passarelas. A personagem foi representada pela atriz
Camila Queiroz que tinha 22 anos à época. A trama foi desenvolvida a partir da circulação do
book rosa (sinônimo de ficha rosa) na agência de modelos contratante da protagonista que, ao
receber a proposta para participar destas trocas sexuais, ficou emocionalmente abalada pelo
contato com a prostituição. No entanto, Angel aceitou fazer o book rosa diante da necessidade
de ajudar sua avó a quitar dívidas.
A novela atingiu audiência recorde dentre as novelas exibidas no horário das 23 horas
e foi premiada internacionalmente com o Emmy de melhor telenovela63. Consequentemente, o
book rosa se tornou a pauta da vez na mídia em geral e pode-se dizer que praticamente todos
os canais midiáticos debateram o assunto. Apresento algumas destas narrativas que mostram
como o fantasma de prostituição é produzido e disseminado na mídia televisiva. Escolhi três
programas de canais abertos de televisão, chamadas mídias mainstream (Bessa, 2012; Beleli e
Olivar, 2011), cujo assunto era o book rosa: a entrevista de Babi Rossi realizada no programa

63
Em 2019 foi confirmada a continuação da novela e Verdades Secretas 2 será exibida em 2021 (Notícias da tv
uol, 2019).
80

CQC da Rede Bandeirantes64, a entrevista de uma ex-book rosa para o Fantástico65 da Rede
Globo e o programa SuperPop da RedeTV! 66.
Como explicarei, essas narrativas midiáticas sugerem que alguns estilos corporais
parecem ser mais confrontados com o fantasma da prostituição que outros, como o de Babi
Rossi (Imagem 22), o da entrevistada anônima do Fantástico e o de Adriane Goulart no
programa SuperPop. A narrativa da apresentadora e ex-modelo Luciana Gimenez (Imagem
23) que já teve sua imagem marcada por formas de sexualização transnacional racializada
comuns às brasileiras (Piscitelli, 1996, 2008, 2013; Togni, 2014) quando engravidou do
cantor inglês Mick Jagger, oferece um contraponto interessante, no sentido de ela apresentar
um estilo corporal distinto das três primeiras.

Imagem 22: Babi Rossi (segunda da direita para esquerda) no programa


Pânico. Fonte: Google Imagens.

64
CQC, sigla de Custe o Que Custar, foi um programa semanal humorístico e jornalístico exibido pela Rede
Bandeirantes de 2008 a 2015.
65
Fantástico é um programa semanal exibido pela Rede Globo deste 1973 nas noites de domingo.
66
SuperPop é um programa exibido nas noites de segundas e quartas-feiras.
81

Imagem 23: Luciana Gimenez. Fonte: Google


Imagens.

No programa CQC da Band do dia 20 de julho de 2015, foi realizada uma reportagem
sobre book rosa em que se entrevistou, entre outras personalidades, Babi Rossi, modelo, ex-
profissional de eventos, ex-panicat e vice ganhadora do reality show A Fazenda 7, exibido
pela Rede Record em 201467. Segue o diálogo com o repórter68:

R: Babi, cê começou como modelo, né, sua carreira?


B: Comecei como modelo...
R: Fez muitas vezes Salão do automóvel, esse tipo de evento, Salão de
cabelo, essas coisas assim?
B: Tudo, tudo, tudo que você imagina eu tava [...]. Não vou ser hipócrita e
dizer que nunca me chamaram pra fazer alguma coisa desse tipo [book rosa]
porque tem sim nesse meio. Sou super contra, nunca fiz. Não tenho a
mínima vontade, já apareceram propostas, mas é uma coisa que não faz parte
de mim.
R: Você falou que já foi convidada, já apareceram propostas, quanto?
B: Ah gente, já foram assim propostas de você comprar uma mansão.

67
A Fazenda reúne celebridades para conviverem em um ambiente rural disputando o prêmio de R$ 2 milhões
(em 2014). Os competidores são filmados 24 horas por dia e são privados do contato com o exterior ao longo de
três meses. Rossi foi contemplada com um automóvel avaliado em R$ 100 mil por conquistar o segundo lugar na
competição.
68
É possível assistir a reportagem através do link: https://www.youtube.com/watch?v=gT4eH0_FIBI. Acessado
em 22 de out. de 2019.
82

Na participação de Rossi na A Fazenda em 2014, colegas trocavam informações, em


tom hostil, de que ela se prostituía, o que a fez derramar muitas lágrimas. Em uma situação
específica um dos participantes declarou ter visto seu nome no book rosa de um cara
bilionário que pagava dois e meio, três, quatro, cinco [mil reais], por trocas sexuais. Outra
participante completou dizendo que tal valor pago para o suposto encontro com a modelo era
a gorjeta, considerando que se tratava de uma pessoa bilionária69. Ao longo do programa, a
modelo costumava salientar sua origem humilde, região de Pirituba, oeste da capital São
Paulo, além de explicar que começou a trabalhar aos 13 anos e que atualmente ajudava
financeiramente toda sua família.
Desde que estreou em 2003, o programa Pânico na TV é alvo de múltiplas críticas
devido à atuação das panicats, dançarinas sensualmente vestidas de biquínis, participando de
quadros de entretenimento70. Rossi, por exemplo, teve os cabelos raspados ao vivo, entre
outras situações consideradas misóginas (Macedo, 2017). Evoco, brevemente, as
características do programa em que a modelo trabalhou por três anos (entre 2010 e 2013), pois
o Pânico na TV mostra, em outro universo social, o da televisão, usos da sexualização
marcados por ambiguidades similares as do mundo dos eventos ao serem produtivos
economicamente, mas também apresentando efeitos desfavoráveis.
Quando a novela Verdades Secretas foi exibida em 2015, Rossi foi entrevistada para
falar sobre book rosa, como mostrou a reportagem do CQC. Pelo fato da modelo ter
trabalhado em feiras como Salão do Automóvel, sua trajetória com o fantasma ficha rosa é
um caso empírico bastante proveitoso para os propósitos do presente trabalho. A origem de
classe baixa da modelo, em contraste com seus supostos clientes bilionários, é um aspecto
relevante porque uma das características mais proeminentes do fantasma da prostituição no
mundo dos eventos é que, tal qual o fantasma da yanggongju de Cho (2008), ele é marcado
por assimetrias significativas entre os envolvidos. No contexto analisado pela autora, tratava-
se da assimetria entre homens norte-americanos e mulheres coreanas que eram inferiorizadas
a partir de processos de racialização devido a suas nacionalidades. Rossi, semelhante a alguns
relacionamentos de profissionais de eventos com homens de extratos sociais mais elevados,
sofreu efeitos da assimetria de classe entre os participantes da relação.

69
O título do vídeo é “A Fazenda 7 Leo fala que Babi esta num ‘book rosa’ (lista de agenciamento de
prostitutas)”. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=CY7NbyF4utU>. Acessado em 20 de out. de
2019.
70
De 2003 a 2012 o programa foi exibido nas noites de domingo da RedeTV!. Em 2012 o programa mudou de
emissora e de nome. O novo Pânico na Band foi exibido no canal Band até sua extinção em 2017.
83

Ser panicat acionou o fantasma da prostituição, mas estas não são as primeiras
dançarinas de programas televisivos populares a serem consideradas putas. Raphael Bispo
(2016) realizou uma etnografia centrada nas trajetórias de uma geração de chacretes,
dançarinas sensuais do programa televisivo do Chacrinha das décadas de 1960 e 197071, que
contribui para pensarmos que a associação de Babi Rossi ao book rosa é, em parte, decorrente
de uma racialização e sexualização que aponta para distinções de classe e códigos morais.
Um dos diretores do Chacrinha, Aroldo da Costa, falava abertamente que o critério
para escolha das chacretes era o seguinte: “elas têm que representar o tipo da mulher que
corresponde ao padrão ideal do homem brasileiro. Ou seja, toda candidata a chacrete tem que
ser, fundamentalmente, boa. E, depois, saber dançar” (Aroldo da Costa apud Bispo, 2016, p.
45). Como ressalta Bispo,

as características físico-corporais delas exigidas ressaltavam [...]: ser


“bonita”, “catita”, “boa”, “boazuda”, “carnuda”. Tais marcas não são
aleatórias e destacam o tipo de mulher desejado para essa função. Portanto,
um processo de seleção que [...] aciona uma plêiade variada de marcadores
da diferença (Bispo, 2016, p. 45).

Bispo destaca a intersecção de diversas categorias sociais da diferença na configuração


do tipo-ideal boa: a começar pela idade, em que a juventude era essencial, passando pela
classe social, ponto mostrado primeiro pelas origens de classe mais baixas das primeiras
gerações de chacretes e depois através das mudanças ocorridas entre as chacretes recrutadas
no Rio de Janeiro, tidas como “vulgares e pouco inteligentes” para as gerações seguintes de
paulistas “ ‘certinhas’ e com maior capital cultural” (Bispo, 2016, p. 59), e raça, em que havia
ausência de menção à altura e em que louras, mulatas e índias tiveram destaque, numa
erotização da cor da pele (Bispo, 2016, p. 50-56).
Boazuda e carnuda são exemplos do uso do sufixo “uda” que, como argumenta Bispo,

afasta a exigência da magreza, sendo os quilos um pouco a mais bastante


tolerados, compondo com graça o formato corporal exagerado [...]. A bunda
proeminente e arredondada corresponde aos ideais erótico-estéticos da
população brasileira há algum tempo, chegando, inclusive, a constituir-se
como símbolo da “brasilidade”, “paixão nacional”, algo que distingue as
mulheres daqui das demais do mundo (Bispo, 2016, p. 49).

71
Existiram outras gerações de chacretes nos anos de 1980, de onde Rita Cadilac (ex-chacrete considerada a
mais famosa de todas, ainda hoje lembrada) se destacou. No entanto, as entrevistadas de Bispo fizeram parte do
programa nas décadas precedentes.
84

Sobre o fantasma da prostituição que também atingiu as dançarinas do Chacrinha,


Bispo, através da narrativa nativa de juízo da fama, coloca em perspectiva as trajetórias de
duas ex-chacretes, Índia e Edilma, a fim de mostrar posicionamentos opostos perante as
experiências como dançarinas eróticas em rede nacional. Índia veio a público dizer que todas
as chacretes faziam programa e Edilma, bastante incomodada com a afirmação da ex-colega,
declarou ser sua missão de vida “mostrar a todos que as chacretes são bem diferentes entre si
e não são prostitutas ‘como dizem umas por aí’ [em referência às declarações de Índia]”
(Bispo, 2016, p. 351).
Passo agora para um outro exemplo em que o estilo corporal pareceu ter sugerido mais
facilmente a associação com prostituição. O programa dominical Fantástico da Rede Globo
exibiu no dia cinco de julho de 2015, uma reportagem em que se mesclaram cenas da novela,
a entrevista com uma modelo anônima que já fez book rosa e relatos do diretor do sindicado
de modelos de São Paulo, do dono de uma agência e de atrizes da novela72. Segue trechos da
reportagem:

Repórter: Você fez book rosa?


Modelo: Fiz. Eu não gostava, fazia só porque eu queria ganhar dinheiro. [...]
Narração: Ela diz que trabalhava principalmente em feiras e eventos e
também fotografava para catálogos. Ela não desfilava em passarela, ao
contrário da personagem Angel de Verdades Secretas. [...]
Repórter: Por que você decidiu começar a fazer?
Modelo: Por necessidade. Eu precisava pra pagar minha faculdade. A
agência já conhece os clientes, já sabe tudo direitinho e deposita o dinheiro
certinho na conta [...]. Às vezes eu fazia feira, eu ganhava R$100, eu ficava
o dia todo na feira e eu ia fazer o book rosa eu ganhava R$700, R$800.
Repórter: Numa noite?
Modelo: Numa noite às vezes.
Narração: O sindicato das modelos de São Paulo culpa os cachês baixos
pela existência do book rosa.
Diretor do Sindicato das Modelos de SP: [...] São mais as agências menores,
porque nas agências de médio e grande porte não há a necessidade de ganhar
dinheiro com a menina nesse trabalho, com esse trabalho e é até totalmente
proibido né?
Sócio-diretor de uma agência: Se uma menina ela tá numa agência que ela
recebe de 12 horas de trabalho o cachê de R$ 150 ou que ela fique muito
tempo e... ralando sem ter retorno algum e que ela tenha que ir pra um lado
de fazer programas pra poder se manter, ela não tá numa agência séria. [...]
(grifos meus)

72
É possível assistir a reportagem completa pelo link: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/07/agencia-
conhece-os-clientes-conta-jovem-que-diz-ter-feito-book-rosa.html. Na página há também a transcrição na íntegra
da reportagem. Acessado em 22 de out. de 2019.
85

A partir das narrativas desta reportagem, percebe-se que o esforço para evitar a
associação à prostituição é dado, sobretudo, numa escala que começa com a diferenciação
entre agências sérias e agências menores e/ou não sérias. Fator que seria definido pelo valor
dos cachês pagos, em que uma agência que paga R$150 por 12 horas de trabalho não é séria
e consequentemente recai no estilo corporal da entrevistada, que logo no início foi definida
como alguém que trabalhava em feiras e eventos e também fotografava para catálogos e que
não era modelo de passarela, além do que, a entrevistada informa que era a agência que
intermediava as trocas sexuais, uma atividade criminosa, como pontuou o diretor do sindicato
das modelos.
Embora a novela tenha situado a dinâmica do book rosa no universo social de modelos
de passarela, no momento em que é realizada uma reportagem sobre o assunto na emissora de
televisão que a exibe, a entrevistada não é uma modelo de passarela, mas uma profissional de
eventos (Imagem 24). Deste modo, como foi mostrado na seção anterior relativa às
investigações da CPI, reitera-se a existência da prostituição exercida pelas profissionais de
eventos. O mundo dos eventos é evocado para abordar oficial e midiaticamente o tema da
prostituição envolvendo agências de modelos sem, no entanto, expor modelos profissionais.
A escolha do book rosa como trama de novela parece garantir altos índices de
audiência, uma vez que o universo da prostituição aciona múltiplas fantasias. Assim, o
enorme sucesso da novela comprova a eficácia comercial do slogan sexo vende, sem, no
entanto, trazer à tona a problemática de um mercado de trabalho marcado pela precarização de
suas dinâmicas.
As profissionais de eventos realizam esforços para se afastarem do fantasma da
prostituição. Nesse sentido, a novela sobre book rosa não contribui para o reconhecimento das
profissionais de eventos e, ao contrário, as prejudicam estigmatizando-as num mercado
atravessado pelo uso comercial da sexualização.
Outras narrativas midiáticas reforçam o argumento de que certos estilos corporais são
mais atingidos que outros pelo fantasma da prostituição. Refiro-me ao programa SuperPop da
RedeTV! apresentado por Luciana Gimenez que abordou no dia 17 de junho de 2015 os
segredos da “ficha rosa”. Participaram do debate, Adriane Goulart, cantora e ex-garota de
programa; Camila Ferrari, garota de programa e ex-profissional de eventos; Danieli Freitas,
modelo de passarela; Matheus Mazzafera, apresentador da RedeTV!; e Nubia Óliiver, ex-
modelo, atriz e apresentadora. Gimenez iniciou seu programa dizendo eu sabia que era
safadeza, agora book rosa? A apresentadora questionou Goulart sobre o fato de garotas de
86

programa falarem que são modelos e pergunta como que surgiu isso? Adriane respondeu que
foi enganada pelo ex-empresário e então a apresentadora do programa perguntou sua altura, e,
após a resposta que foi de 1,60m, foi dito, quase em coro, pelos demais convidados não pode
ser modelo. Mazzafera afirmou que modelo tem que ter no mínimo 1,72m e Óliiver ponderou
citando o trabalho de modelos fotográficas, em que há vários exemplos de trabalhos que não
exigem estatura alta. Gimenez e Mazzafera prosseguiram argumentando sobre biotipo de
modelo. Em síntese, ao longo dos 70 minutos de programa, o núcleo do debate foi sobre quem
pode ou não ser chamada/o de modelo.

Imagem 24: Print do Facebook de profissional de eventos em


2015. Fonte: Arquivo pessoal73.

A narrativa de Gimenez busca separar prostituição do universo de modelos de


passarela enquanto a novela que inspirou a realização do debate em seu programa trata
exatamente de modelos de passarela que se prostituem.

73
A fonte não pode ser publicada a fim de manter o sigilo das identidades das pessoas envolvidas.
87

As diferenciações em torno da definição de biotipo de modelo ajudam a compreender


como alguns estilos corporais são mais associados ao fantasma da prostituição que outros,
como os de Babi Rossi, da entrevistada anônima do Fantástico e de Adriane Goulart. O que
as três têm em comum é que não têm biotipo de modelo já que seus estilos corporais são
caracterizados como panicat, mulherão ou como boazuda para usar a expressão do período
das chacretes.
O estudo sobre as chacretes feito por Bispo além de mostrar como não é incomum na
mídia mainstream a associação entre dançarinas sensuais de programas de auditório com
prostituição, tal vínculo costuma ser especialmente traçado a partir da racialização
sexualizada de estilos corporais que evocam marcas de classe. Dos depoimentos das ex-
chacretes que assumiram ter participado de trocas de sexo por dinheiro, mas que, no entanto,
não eram vistas por elas como prostituição, Bispo traz considerações interessantes para
pensarmos a materialização do fantasma da prostituição na mídia mainstream contemporânea,
como, por exemplo, o argumento de que caso não fossem figuras públicas, as chacretes
dificilmente teriam a possibilidade de acompanhar homens tidos como ricos. No entanto, o
renome também as impossibilitavam de realizar o trabalho de acompanhante “de luxo”, uma
vez que não podiam acompanhar publicamente seus “clientes” porque não podiam correr o
risco de serem reconhecidas. Com isso, Bispo enfatiza a evidente preocupação das chacretes
em manter estes intercâmbios sexuais com o maior sigilo possível e diferenciar suas trocas de
sexo por dinheiro do que elas consideravam “ser puta de verdade” (Bispo, 2016, p. 116).
Para mostrar, de outra perspectiva, a relação entre estilo corporal, como resultado,
principalmente, de racialização sexualizada que indica distinções de classe e o fantasma da
prostituição, evoco as histórias de uniões afetivas de Babi Rossi, de um lado, e de Luciana
Gimenez, de outro. Ambas tiveram envolvimentos amorosos com homens em posições sociais
superiores às suas, o que significou múltiplas suspeitas sobre a “autenticidade” (Zelizer, 2009)
dos referidos relacionamentos.
Anterior à participação no reality show A fazenda, Rossi namorou por quase um ano,
entre 2012 e 2013, Olin Batista, filho caçula do magnata Eike Batista com a ex-modelo Luma
de Oliveira. Na época, a modelo tinha 23 anos e Olin 17. Em uma entrevista, ela declarou que
a diferença de classe social foi um fator que contribuiu para o término, mundos diferentes,
disse ela, que também comentou sobre as “acusações” de que ela queria engravidar de Olin
(Folha de São Paulo, 2015). Deste modo, ser de origem humilde, ter trabalhado como
profissional de eventos e ser ex-panicat foram elementos que remeteram ao fantasma da
88

prostituição, ponto que atravessou não apenas sua imagem pública como artista, mas que
afetou seus relacionamentos amorosos.
Luciana Gimenez, com sua trajetória de ex-modelo de passarela que mede 1,80m e
apresenta estilo corporal esguio, foi qualificada na imprensa internacional como “filha de atriz
de pornochanchada” que “enganou” Mick Jagger para engravidar, o popularmente conhecido
“golpe da barriga” (Folha de São Paulo, 2015b; Diário Gaúcho, 2015). Posteriormente,
Gimenez se casou com o vice-presidente da emissora de televisão para a qual trabalha. No
caso da apresentadora, embora a sexualização transnacional racializada como brasileira tenha
afetado sua imagem, comparativamente à Babi Rossi, os efeitos de tais acusações parecem
mais amenos.
Escolhi as narrativas das duas modelos porque suas percepções enriquecem o trabalho
empírico deste trabalho em razão de que, como mostrarei no próximo capítulo, nos processos
de seleção para o trabalho em eventos, panicat se tornou uma expressão êmica para designar
um determinado estilo corporal com mais volume e curvas, o perfil mulherão. Este perfil
geralmente aparece em contraste com o perfil modelo de passarela que é caracterizado pelo
formato mais alto e mais esguio, como o de Gimenez.
A entrevistada do Fantástico e Adriane Goulart também apresentam o estilo corporal
perfil panicat e assumiram ter participado do book rosa. Estas três mulheres: Rossi,
entrevistada do Fantástico e Goulart, cada uma a seu modo e a partir de seus estilos corporais,
mostram os efeitos de uma racialização sexualizada que evoca marcas de classe e códigos
morais que em determinados contextos não resultou em Boas Combinações entre dinheiro,
poder e sexo (Zelizer, 2009), aproximando-as do fantasma da prostituição74. Em contraste
com Luciana Gimenez que, ex-modelo de passarela, parece ter tido um êxito maior em afastar
sua imagem do mesmo fantasma, embora também não completamente, principalmente do
ponto de vista de publicações internacionais75.

74
Zelizer (2009, p. 143) esboça três atributos principais para a definição de boas combinações entre afetos e
dinheiro norteadas, sobretudo, por moralidades. No quinto capítulo o tema será aprofundado.
75
Os envolvimentos amorosos de Rossi e Gimenez aludem para a possibilidade do encontro entre sujeitos de
diferentes posições sociais e econômicas em contextos marcados pela sexualização que, no caso delas, foi
possibilitado por suas carreiras artísticas e, consequentemente, pela circulação por espaços elitizados. Babi e
Olin, com diferentes origens de classe, dificilmente frequentariam os mesmos ambientes e assim teriam se
conhecido caso a ex-panicat não tivesse acessado outros espaços através de seu trabalho na televisão. Tendo
ocorrido o mesmo com o encontro entre Gimenez e Jagger que, especificamente, além da circulação nos mesmos
espaços contou com o fato de a ex-modelo ser bilíngue, um elemento que mostra capital social, e que pode ser
visto como um diferenciador de classe. Lembrando que a evocação das marcas de classe através do estilo
corporal, e não a classe como grupo econômico, é o aspecto central da articulação de classe com gênero,
sexualidade e raça, que a presente tese destaca em relação às profissionais de eventos.
89

*
Quando a temática da sexualização em um setor comercial é introduzida nos processos
governamentais como pauta da discussão sobre tráfico de pessoas com fins de exploração
sexual e em debates de mídias mainstream, podemos perceber a dimensão do caráter
perturbador da prostituição.
Ao longo do capítulo apresentei narrativas que depositavam nos estilos corporais e em
elementos subjetivos alguns dos critérios para identificar as fichas rosa. Aparecendo critérios
semelhantes nos debates oficiais e midiáticos, como, por exemplo, as aparentes origens de
classe média das supostas vítimas do crime ficha rosa. No entanto, no próximo capítulo,
mostrarei que não se trata de pertencimento de classe, mas sim da evocação de marcas de
classe.
Um outro aspecto central que caracteriza a presença do fantasma da prostituição é o
sigilo, pois quem é ficha rosa não fala que é. Neste sentido, a articulação entre turismo “de
negócios” e economias sexuais no mundo dos eventos é atravessada por marcadores da
diferença que descortinam o poder do fantasma da prostituição como agência espectral (Cho,
2008) nos espaços comerciais em questão. Enquanto uma categoria acusatória, o fantasma da
prostituição opera por meio de forças econômicas, políticas, sociais e subjetivas tendo como
um de seus efeitos gerais a perpetuação da “Ofensa Madre” de parecer ou ser confundida com
uma puta (Prada, 2017). Como diz Virginia Woolf, “é muito mais difícil matar um fantasma
do que uma realidade” (Woolf, 2012 [1942], p. 13).
Em síntese, mostrei diferentes materializações do fantasma da prostituição. Deixo
claro que não nego a existência de prostituição, ficha rosa ou outras modalidades de
intercâmbios sexuais no mundo dos eventos. Também não nego a possibilidade de ocorrer
tráfico de pessoas nesses espaços. Nas narrativas mencionadas neste capítulo, apareceram
relatos de trocas de sexo por dinheiro reais e não apenas seu fantasma. Porém, em meu
trabalho de campo, a prostituição opera como um fantasma. Meu objetivo foi destacar que a
vinculação entre prostituição e profissionais de eventos é alimentada por narrativas
governamentais e midiáticas. Busquei contribuir para um aprofundamento sobre como,
principalmente, estilos corporais e elementos subjetivos costumam ser acionados para
identificar alguém como sendo ou não ficha rosa.
90

No próximo capítulo, mostro como é que, através das categorias da diferença, a


sexualização é gerenciada pelos sujeitos interessados em lucrar com a estratégia publicitária
sexo vende sem, no entanto, acionar o fantasma da prostituição.
91

CAPÍTULO 3 – PERFIL: GESTÃO DA SEXUALIZAÇÃO ATRAVÉS DAS


DIFERENÇAS

A história é: o cara chega e fala, “mas você só


contrata mulher bonita, isso é discriminação. Aos
olhos de Deus todo mundo é igual”. Daí o cliente
responde “sim, concordo, aos olhos de Deus todo
mundo é igual, mas os meus clientes gostam de
mulher bonita”

Diário de campo, Agrishow, 2017

O fragmento acima retirado do meu diário de campo remete a um aspecto importante


do mundo dos eventos: os critérios de seleção das profissionais que invariavelmente envolvem
suas corporalidades. Os formatos de corpos das profissionais de eventos são gerenciados e
recrutados pelo mercado por meio da categoria êmica perfil. Nesse sentido, é interessante
olhar para as distinções traçadas nos perfis divulgadas por uma agência especializada em
casting em 2013:

– Perfil AA: São modelos de passarela. Acima de 1.75 de altura, muito


bonitas, magras e esguias. Requisitadas para eventos, desfiles, catálogos,
recepções…
– Perfil A: São as modelos de 1.70 a 1.75 de altura. Com manequim que
pode variar de 36 a 40. Requisitadas para eventos, desfiles, catálogos,
recepções, hostess…
– Perfil B: São as recepcionistas com altura de 1.55 a 1.70, manequim de 36
a 38. Requisitadas para eventos, desfiles, recepções, hostess, PDV,
panfletagem….
– Perfil C: São as recepcionistas que fazem PDV76 sem nenhum requisito
muito específico, porém que tenham experiência, pró-atividade,
comprometimento e simpatia.
– Mulherão: São as recepcionistas com perfil que chamamos de “panicat”
porque são as mulheres com curvas, corpo malhado, etc. Aqui não há
exigência de altura, apenas de medidas. Requisitadas para eventos,
catálogos, hostess, recepção…
– Bilíngues: Modelos e recepcionistas que falam mais de uma língua, e
podem se encaixar em qualquer categoria acima77.

76
PDV é a sigla para “ponto de venda”. Trata-se de uma estratégia publicitária de exposição, geralmente sazonal,
de produtos em locais tidos como “estratégicos”. Um exemplo é dado pelos espaços físicos estruturados pelas
empresas dentro de supermercados.
77
Casting é uma categoria êmica, cuja tradução é seleção. Disponível em:
<https://wondereventos.wordpress.com/2013/08/21/os-diversos-tipos-de-perfil-para-eventos/>. Acessado em 05
de jun. de 2019.
92

Panicat parece ter caído em desuso desde o fim do programa televisivo Pânico em
2017. No mais, tem-se na tabela acima um exemplo empírico da diferença de estilos corporais
circulantes no mercado de eventos que contribui para compreender o funcionamento do
casting. Como se vê no sintético esquema de tipos ideais, a diversidade e possibilidades de
combinações possíveis entre diferenças são múltiplas. Isto se expressa nas reticências ao final
de todas as definições, com exceção do perfil C (não acidentalmente o único perfil isento de
exigências com a aparência estética) e do perfil bilíngue (no lugar das reticências é dito que as
candidatas podem se encaixar em qualquer categoria acima). A categoria perfil oferece uma
porta privilegiada para a gestão da sexualização através das diferenças acionadas na produção
e hierarquização dos estilos corporais das profissionais de eventos. Esta gestão está afinada
com as preferências manifestadas no referido mercado. E isto gera tensões e disputas em
torno dos múltiplos usos (e abusos, dirão alguns) da sexualização nos espaços comerciais em
questão.
A gestão da sexualização é atravessada por códigos morais vinculados a diferenças de
raça que evocam marcas de classe. Para mostrar como ela opera, recorro as narrativas de
Vicky e Max, proprietários de agências de casting que conectam o cliente expositor com
profissionais do perfil solicitado. Descreverei também as percepções das profissionais de
eventos Nina, Mel e Bela sobre a operacionalização do perfil. Na prática, embora haja
concordâncias, as definições de perfil mudam conforme o contexto e envolvem critérios
subjetivos, contraditórios e carregados moralmente, fazendo do perfil e da gestão da
sexualização realizada através dele um campo aberto para a significação que pode ser
finalizado, no máximo, por reticências.

Agências de casting: Max, Vicky e considerações sobre distinções de classe

Agências de casting são responsáveis pela seleção de profissionais de eventos para


feiras e eventos. Tais agências têm praticamente o mesmo modo de atuação que as agências
de modelos, no sentido convencional do termo. A diferença é que, no lugar de desfiles de
moda e ações publicitárias em foto e vídeo, no caso das agências de casting, as modelos
também realizam trabalhos de promoção de produtos e recepção em geral78.
As agências de casting apresentam diferenças entre si a depender de sua cartela de
clientes/marcas, da composição de seu casting (profissionais cadastradas), dos trabalhos que

78
Ver próximo capítulo.
93

já realizaram, entre outros fatores que compõem o currículo da agência como fornecedora de
serviços. A maioria das profissionais tem cadastro em mais de uma agência, assim como os
clientes podem consultar o casting de várias agências antes de decidir qual será contratada.
Diante da concorrência, cabe certa “reputação social e econômica” às agências para
mediar a relação entre empresas – às vezes grandes multinacionais – e profissionais. Ao
aludir à reputação, quero dizer que os próprios agenciadores precisam ter um perfil
congruente com as exigências do mercado para serem contratados pelos clientes mais
disputados, aqueles dispostos ao máximo investimento em marketing promocional. É com
vistas nestas sensibilidades e habilidades necessárias a quem busca lograr uma agência de
casting que trago as trajetórias de Max e Vicky, dois empresários do mundo dos eventos. O
percurso de ambos no empreendedorismo oferece elementos para compreender como operam
as classificações e diferenciações acionadas na categoria perfil, tema central deste capítulo.
*
Max tinha 34 anos de idade (2015), era ex-modelo e na minha percepção, era alto, de
porte atlético, pele negra, cabelos escuros compridos na altura do peito, no estilo dreadlocks.
No momento de nosso encontro, demonstrou ser heterossexual. Quando perguntei a Max
sobre racismo, ele respondeu que no Brasil o que faz a raça é a grana e contou que o que
costuma ocorrer, às vezes, é um estranhamento em primeiros encontros, em que sentia que
muitas pessoas com as quais ele falava por telefone o imaginavam diferente, no caso,
branco79.
O empresário acabara de comprar e reformar um amplo escritório na zona oeste da
capital São Paulo. Apesar da nova agência ser ampla, Max não costuma receber muitas
pessoas ao mesmo tempo, no máximo, combina com uma ou outra menina, como disse, não
loto a sala para fazer seleção. Neste espaço, funciona apenas o atendimento ao cliente e
relacionamento pessoal, em geral. A parte financeira, referente à emissão de notas fiscais e
outras burocracias do gênero, é realizada em um outro prédio. Dentre os espaços no interior
da agência, como recepção, sala de reuniões e salas individuais, há uma pequena sala
exclusiva para descanso que, inspirado pela arquitetura dos escritórios da Google, Max
projetou para ser um espaço descompressor. De teto preto com pequenas luzes que simulam
estrelas, o descompressor é composto por televisão, vídeo game, um sofá macio e um tapete
acolchoado.

79
Entrevista realizada no dia 15/10/2015 em São Paulo/SP.
94

O negócio cresceu e a agência de casting não sofreu com a crise econômica de 2015
(IBGE, 2017), fato que ele explica sob a justificativa de que as empresas precisam aparecer
em feiras e eventos a fim de exibir crescimento, inovação e dinheiro em caixa para gastar em
tais encontros comerciais80. Para Max, o mundo dos eventos existe em função da visibilidade
das empresas que buscam obter cada vez mais espaço no mercado, sendo que os setores de
marketing empresarial reconhecem que o investimento em eventos divulgadores é
fundamental para melhorar a imagem das marcas.
A história de Max no setor começou quando ele administrou uma montadora de
estandes81 junto a ex-sócios dinamarqueses bilionários. A saída da montadora para investir
em casting se deu por volta de 2007. O primeiro cliente, uma companhia área nacional, surgiu
através de alguns contatos que ele mantinha com a empresa. Disse que na ocasião pediram
que ele apresentasse meninas, tendo ele recorrido a amigas, promotoras, para realizar o
evento. Depois vieram outros contatos e assim foi indo. Empresário bem-sucedido e
reconhecido na área de casting, Max viajaria naqueles dias para Salvador a convite de órgãos
governamentais com o objetivo de realizar palestras para pequenos empresários do ramo de
eventos.
Para Max, foi o trajeto por diferentes setores de eventos – primeiro como modelo e
depois com a montagem de estandes – que o levou a ter familiaridade com a dinâmica do
mercado em geral, para só depois decidir se especializar na área de casting. Entre seus
clientes, estão marcas de carros luxuosos, empresas aéreas nacionais, grifes de joias e relógios
que custam no mínimo R$50.000, companhias multinacionais de entretenimento, grifes de
alta-costura, bancos, etc. À serviço dessas marcas, na maior parte do tempo, sua agência
realiza eventos em aeroportos e shoppings centers, não sendo seu foco grandes feiras como
Salão do Automóvel e Salão Duas Rodas.
Dizem que sou famoso e não entendo82, exprimiu Max que, logo em seguida,
perguntou como eu o conheci. Explicou que poucas pessoas conseguem ter um nível maior de
intimidade com ele, muitos tentam, mas depois veem que não rola. Seu desejo de escapar, às
vezes, dos círculos sociais que costuma frequentar era tamanho que andava planejando

80
Sobre as dinâmicas de funcionamento do mercado de feiras e eventos, ver primeiro capítulo.
81
Como mostrado no primeiro capítulo, a montagem dos estandes, referente a infraestrutura, faz parte da cadeia
produtiva de feiras e eventos.
82
Entrevista realizada em 16/11/2016 em São Paulo/SP.
95

adquirir uma casa em Miami, nos Estados Unidos; o que seria para ele, um destino prático,
com voo de oito horas.
Max gosta de viver bem, admira joias de prata, tem um apreço especial pela posse de
relógios (possuindo uma coleção com mais de 30), perfumes e camisas Ricardo Almeida83,
ressalvando que às vezes compra na C&A, mesmo sabendo que vai usar pouco e depois doar.
Por isso, em busca de maior durabilidade das peças, prefere entrar na Zara e comprar uma
camisa de R$300. Ele acabara de comprar uma Land Rover modelo 2016 que foi a realização
de um sonho antigo. Justificou que preferiu esta marca, de origem inglesa, à alemã BMW
porque os melhores modelos desta última estavam populares entre novos ricos, funkeiros,
jogadores de futebol. Disse ainda que com R$150 mil era possível adquirir um modelo novo
na BMW, já na Land Rover, o modelo mais simples, 0km, não sai por menos de R$400 mil.
Foi direto em afirmar que quem é rico compra um anel de R$500.000 como se fosse R$50,
não entende como algo muito espetacular e explicou que uma pessoa rica sabe reconhecer se
sua blusa de lã preta básica é de alta costura ou não, só de olhar 84. Ainda sobre os
mecanismos de distinção de classe, declarou ter consciência de que não teria o respeito e os
contatos que tem, se ostentasse seu padrão de vida, usasse corrente dourada e adornos do
tipo. Finalizou o raciocínio com o exemplo da pessoa que ao estampar grifes enormes nas
camisetas, como Ralph Lauren, por exemplo, jamais se integrará ao círculo composto de
pessoas, de fato, ricas.

Vicky tinha 29 anos (2015), de pele branca, cabelos loiros naturais e lisos na altura dos
ombros era, na minha percepção, baixa e com formato corporal pequeno. À época de nosso
convívio, manifestava ser heterossexual. A empresária cresceu em Ribeirão Preto, estudou no
colégio particular de maior renome da cidade e me explicou: eu fui inserida num círculo
social que hoje eu vejo que tudo favoreceu para eu estar aqui. As pessoas que eu conheço, os
locais que eu trabalhei85.
A história de Vicky com eventos começou em 2009 quando ela trabalhava numa rádio
que possuía inúmeros anunciantes nível A, segundo sua própria classificação. Um dos
anunciantes, proprietário de uma concessionária de automóveis “de luxo”, perguntou se ela

83
Grife brasileira especializada em alfaiataria sob medida. Um blazer de modelo simples dificilmente custará
menos do que R$2.000.
84
Eu usava uma blusa de lã preta básica no momento em que conversávamos.
85
Entrevista realizada em 21/10/2015 em Ribeirão Preto/SP.
96

poderia organizar algumas meninas e uniformes para uma ação em um shopping86. No


andamento da negociação, o cliente em questão precisou de uma nota fiscal, um CNPJ 87 que
ela ainda não tinha, então, Vicky recorreu ao CNPJ de um amigo e conseguiu realizar o
evento. Para Vicky, o seu primeiro cliente foi um gigante e tal êxito inicial lhe imbuiu de
disposição e coragem para bater na porta de uma outra concessionária do mesmo nível A, para
divulgar seu trabalho de casting. Vicky obteve êxito novamente e então já possuía dois
clientes. Em seguida, investiu R$700 na abertura de seu próprio CNPJ e, assim, em meados
de 2011, nasceu sua agência.
Quatro anos depois, 2015, Vicky comemora o fato de já não precisar mais prospectar
clientes, inclusive pensa que já deveria ter alguém responsável pela área comercial, mas que
não tem tempo pra isso. Ela é bastante requisitada, e da mesma forma que Max, relata: nessa
crise não parou, pelo contrário, sabe? Esse ano [2015] bombou! Foi o ano que eu consegui
ganhar mais dinheiro, eu não sei também se vai aumentando por ser cada vez mais conhecida
e tal. Esse ano bombou! O mercado de eventos não para! Para Vicky, em empresas maiores,
cuja administração é eficiente, a tendência é investir em propaganda em tempos de crise, pois
é na hora da crise que a gente tem que mostrar que tá bem.
Vicky entende que seu sucesso se deu não apenas por sua rede de contatos ou por
gostar do meio e ter tesão no negócio, para ela, o que garante cada vez mais clientes para sua
agência é seu profissionalismo.
Trabalhando sozinha, a empresária supervisiona todos seus eventos e diante do
crescimento de sua empresa, tem cogitado contratar alguém para ajudá-la mais diretamente e
substituí-la em ocasiões nas quais não possa comparecer. No entanto, tem se deparado com
obstáculos para encontrar alguém que preencha seus requisitos88. Trata-se de exigências que,
na verdade, são primeiramente postas por seus clientes, às quais Vicky se esforça em cumprir.
Para representá-la em uma reunião com um cliente, por exemplo, Vicky precisa de
alguém que tenha uma bolsa bonita, um carro, isso conta, é besta, mas conta. Eu aprendi que
conta. Elementos que ela não tem encontrado com facilidade, já que as profissionais de
eventos observadas por ela, costumam ser breguinhas. Em sua análise, ou elas falam alto,
pisam forte e não passam despercebidas ou possuem um carro velho, caindo aos pedaços. No
86
Ação é um termo êmico utilizado para designar formas de eventos. Montar um estande, por exemplo, é fazer
uma ação.
87
CNPJ é a sigla para cadastro nacional de pessoa jurídica. Trata-se de um registro para a formalização de
empresas junto à Receita Federal.
88
Entrevista realizada em 07/02/2017 em Ribeirão Preto/SP
97

entanto, estes aspectos contam negativamente pensando apenas na relação com o cliente, pois
Vicky enfatiza achar o raciocínio preconceituoso e ressalta o quanto admira essas
profissionais, a ponto de ver nelas potencial para representá-la. A empresária reconhece
enormemente as qualidades das profissionais em questão, como a proatividade, ter boas
relações com os clientes, ter porte e boas maneiras e ser caxias89.
Neste sentido, dentre as observações de Vicky, ela destacou o empenho das
profissionais que se inspiram em seu jeito de se vestir e procuram se vestir igual. Contudo, ela
acredita que o cliente vai reparar no brincão de estrelinha com brilhinho que a pessoa usa e
com isso acaba não confiando 100% em alguém, muito pela aparência. Apesar de Vicky
buscar alguém para auxiliá-la para fechar negócios, lamentou: nunca vai ter como, eu que sou
a dona. Contou que precisou que uma das profissionais de sua equipe a representasse em uma
reunião e que, depois de ouvir que deu tudo certo da funcionária, o cliente não fechou o
negócio.
Seguindo a lógica de que coisas bestas contam, Vicky procura usar as redes sociais de
forma bastante “discreta”, expondo minimante a vida pessoal. Contou-me que na ocasião do
seu casamento, ela poderia ter realizado permutas90 comerciais em que receberia
gratuitamente o serviço ou produto e em troca faria uma “discreta” publi dos mesmos em suas
redes sociais, mas acreditou ser melhor não se expor e justificando, brincou: sou abelha
rainha91. Vicky não quer correr o risco de que os clientes nível A associem sua imagem a
alguém que ganha objetos, o que poderia significar precisar ganhá-los para tê-los. Fazer publi
poderia acarretar o efeito indesejado de ter sua “reputação social e econômica” posta em
dúvida por clientes em potencial, que a acompanham nas redes sociais.
*
As múltiplas formas de distinção de classe acionadas nas narrativas de Max e Vicky
constituem a primeira camada do exercício analítico de explorar como ocorre uma gestão da
sexualização através da articulação de categorias sociais da diferença no mundo dos eventos.

89
Caxias é uma expressão usada para descrever rigor e disciplina na execução de tarefas.
90
A permuta, no sentido empregado por Vicky, é uma forma de publi (abreviação de publicidade ou
propaganda), que é uma categoria usada nas redes sociais, principalmente Instagram e Facebook, em referência
às/os influenciadoras/es digitais que por serem consideradas/os formadoras/es de opinião recebem dinheiro para
mostrar produtos em suas redes. No entanto, a permuta de Vicky não envolve pagamento em dinheiro, apenas
uma “discreta” publi em suas redes sociais do serviço ou produto utilizado por ela. Outro sinônimo para publi é
merchan, de merchandising (técnica de divulgação publicitária).
91
Convivendo com Vicky, dei a ela esse apelido que acabou sendo incorporado, carinhosamente, por ela e toda
sua equipe na época.
98

Aqui, principalmente, chamo atenção para o modo que as corporalidades evocam marcas de
classe. A classe será analisada também descritivamente por meio dos objetos de consumo
citados por Max e Vicky, que informam diferenciações econômicas de forma mais matizada,
possibilitando uma interpretação menos rígida da noção (Escoura, 2019, p. 88).
Como empresários oferecendo serviços de casting, Max e Vicky também são
submetidos a “processos seletivos” para fechar seus contratos comerciais. Eles precisam ter
sensibilidades e habilidades relacionadas a processos de distinção de classe para se relacionar
e negociar com clientes e representantes de grandes empresas, com pessoas, de fato, ricas.
Pierre Bourdieu (2007 [1979]) oferece elementos para compreender os
relacionamentos comerciais de Max e Vicky com pessoas de classes sociais superiores. É
inspiradora a noção de luta pela dominação de classe no sentido do autor, pois trata-se de
lutas, principalmente simbólicas, nas quais interagem diversos tipos de capitais, econômico,
social e cultural92.
Nesse sentido, os sócios bilionários de Max e o primeiro cliente de Vicky, um cliente
nível A (loja de carros importados), contribuíram para acumulação de capital social. Ambos
tiveram acesso a sujeitos de níveis socioeconômicos superiores aos seus, ambos tinham
contatos. Na lógica empresarial, bilionários e clientes nível A pouco provavelmente
confiariam negociar com sujeitos aleatoriamente. Daí a importância de um senso de distinção
por parte do empresário e da empresária à frente de suas agências. Max e Vicky sublinharam a
importância dos contatos que os ajudaram nos seus inícios de carreira empresarial, fator que
contribuiu enormemente em suas trajetórias.
Após obter a confiança de clientes bilionários como seus ex-sócios, Max não precisa
mais se esforçar para provar sua posição social e econômica, podendo inclusive ser ele, em
algumas situações, o detentor da sensibilidade de olhar para uma blusa de lã preta básica e
saber se é de alta costura ou não. A diferença entre o carro da BMW do da Land Rover no
raciocínio de Max vai um pouco além da diferença de preço porque BMW se tornou um

92
Para entender melhor o que significa lutas simbólicas, vale uma breve explicação da noção de habitus. Para
cunhar seu conceito de habitus, Bourdieu utiliza as ideias de “luta pela dominação” e de “consciência de classe”
do marxismo. Ele se afasta da perspectiva de Marx, sobretudo, a que defende que uma tomada de “consciência
de classe” dentro das relações de poder capitalistas existentes possa gerar mudança social (Thiry-Cherqies, 2006,
p. 29). A noção de habitus, central no pensamento de Bourdieu, “é um sistema de disposições, modos de
perceber, de sentir, de fazer, de pensar, que nos levam a agir de determinada forma em uma circunstância dada
[...], gera uma lógica, uma racionalidade prática, irredutível à razão teórica. É adquirido mediante a interação
social e, ao mesmo tempo, é o classificador e o organizador desta interação” (Thiry-Cherqies, 2006, p. 33). A
partir dessa interpretação do habitus, fica mais compreensível a perspectiva de Bourdieu sobre lutas simbólicas,
como este autor explica, “as lutas das classificações, individuais ou coletivas, que visam transformar as
categorias de percepção e apreciação do mundo social e, por conseguinte, o mundo social, constituem uma
dimensão esquecida da luta de classes” (Bourdieu, 2007 [1979], p. 447).
99

aspecto de distinção de classe, de novo rico, de gosto. Ostentar é uma atitude de classes
populares, não de pessoas, de fato, ricas (imagem 25).

Imagem 25: meme pobre x rico. Fonte: Guia Invest,


2017.

Bourdieu procura mostrar como a distinção entre bom gosto e gosto vulgar é um
marcador privilegiado de classe social93. Deste modo, uma das barreiras mais fortes entre as
classes é composta pelas diferenças de gostos e consequentemente de estilos de vida, tendo
como efeito mais proeminente a “tendência para o estabelecimento de vínculos entre pessoas
com características comuns” (2007 [1979], p. 57). Em suas palavras:

93
O autor explica seu raciocínio primeiramente mostrando que “a obra de arte só adquire sentido e só tem
interesse para quem é dotado do código segundo o qual ela é codificada” (Bourdieu, 2007 [1979], p. 10). Há algo
que antecede o gosto pela arte, que é a educação do olhar, que pode ser dada pela família ou pela escolaridade,
havendo uma clara diferenciação entre estas duas formas de ver, com o aprendizado pela família obtendo maior
prestígio social, tido como mais “natural”. Há também um terceiro grupo, composto por sujeitos destituídos de
qualquer espécie de educação do olhar para apreciar obras de arte, geralmente definindo estas últimas como
“sem sentido”, além de predicados negativos como “feio”. Diante de critérios absolutamente subjetivos em que o
“sublime” para alguns é “absurdo” para outros, Bourdieu argumenta que a arte e o consumo artístico
desempenham “uma função social de legitimação das diferenças sociais” (Bourdieu, 2007 [1979], p. 14).
100

[...] O gosto é o operador prático da transmutação das coisas em sinais


distintivos [...]; ele faz com que as diferenças inscritas na ordem física dos
corpos tenham acesso à ordem simbólica das distinções significantes.
Transforma práticas objetivamente classificadas [...] em expressão simbólica
da posição de classe [...]. [O gosto] encontra-se, assim, na origem do sistema
dos traços distintivos que é levado a ser percebido como uma expressão
sistemática de uma classe particular (Bourdieu, 2007 [1979], p.166, grifos do
autor).

Nesse sentido, pessoas destituídas do senso de distinção entre bom gosto e gosto
vulgar, tal qual enunciado por Max, jamais se integrarão ao círculo composto de pessoas, de
fato, ricas. O empresário, por sua vez, provou possuir gostos compartilhados com extratos
elevados economicamente, movimento de distinção também feito por Vicky. Porém, de outra
maneira.
Vicky diz não confiar 100% em alguém, muito pela aparência. O exemplo dado por
ela do uso do brincão de estrelinha com brilhinho e da falta de uma bolsa bonita que seu
cliente poderia reparar mostra seu recurso à diferenciação de classe através das corporalidades
e/ou objetos de consumo, bem como uma suposta diferença de gosto entre o cliente e a
profissional que poderia a representar. Tal qual a corrente de ouro que Max falou, o brincão
de estrelinha com brilhinho é um acessório utilizado, na interpretação de Vicky, por classes
populares. Em uma outra ocasião, Vicky elogiou os brincos que eu usava, brincos que eram
bastante “simples”, de estilo ponto de luz, os quais ela sabia que não eram joias de pedras
preciosas, mas eram de seu gosto pessoal, pequenos, “discretos”. Não ter uma bolsa bonita
diz respeito, além da questão do gosto, às corporalidades que evocam marcas de classe e à
possiblidade limitada de consumo marcada pela posição econômica inferior. O que no caso do
carro velho fica mais evidente como uma marca de classe socialmente baixa no sentido
econômico.
Importante sublinhar que o ponto da análise de Bourdieu que contribui para este
trabalho são as dinâmicas de distinção. No estudo do autor, distinção e classe (como capital
econômico) estão juntos. Na presente análise, é o contrário: a distinção se separa do
pertencimento de classe. As profissionais de eventos não pertencem às classes sociais
superiores, e nem precisam. A distinção de classe aqui se torna uma evocação, uma mimese.
O trabalho de Max e Vicky é estimular que sua equipe consiga fabricar uma certa distinção
que remeta a aspectos de classe alta, como a deles; pois, assim, eles poderão atrair os
consumidores, de fato, ricos e nível A, importantes para seus negócios, de acordo com seus
cálculos empresariais.
101

Vicky, ocupando uma posição intermediária entre suas colegas de trabalho e seus
clientes, torna-se, por um lado, julgadora e, por outro, supostamente julgada. Ao mesmo
tempo em que vive a ansiedade do julgamento de seus clientes, ela julga e rejeita os gostos e
estilo de vida de algumas profissionais que evocam marcas de classes populares.
A preocupação de Vicky sobre os possíveis julgamentos do cliente sobre sua equipe,
além de informar sobre a distinção de gostos, fator que separa grupos como apontado acima;
coloca a questão de que Vicky precisa que sua equipe corporalmente evoque distinção de
classe. Ela aspira que suas potenciais representantes ao menos possuam outro gosto por
brincos e bolsas, fatores passíveis de performance, de mimese, o que já é mais difícil com
relação ao carro. Vicky aprendeu que por mais besta que isso seja, essas coisas contam.
Contam para uma diferenciação econômica mais nuançada através das corporalidades e/ou
dos objetos de consumo. Contam também, seguindo o raciocínio de Bourdieu, para gerar
características em comum com os/as clientes, pois caso contrário, a distinção pelo gosto que
gera identificação entre iguais pode se tornar uma “marca de infâmia” (Bourdieu, 2007
[1979], p. 446). O cliente, ao deter o poder de classificar, pode, assim como Vicky, não
confiar 100% em alguém, muito pela aparência, e a empresária, consequentemente, ser
prejudicada comercialmente.
Outra forma de distinção acionada por Vicky é a observação do pisar forte e falar alto,
que caracteriza a maneira, “um dos marcadores privilegiados da ‘classe’, ao mesmo tempo
que instrumento por excelência das estratégias de distinção” 94 (Bourdieu, 2007 [1979], p. 65).
Para o autor, a oposição entre distinto e vulgar no caso da linguagem corporal se manifesta
também através do contraste entre lentidão (distinto) e pressa (vulgar) (Bourdieu, 2007
[1979], p. 167/168). De acordo com tal lógica, o pisar forte e falar alto em oposição ao leve,
baixo, discreto e lento, tornam-se sinais de vulgaridade, sendo importante ressaltar como
essas disputas se dão de formas sutis, através de eufemismos que tornam irreconhecíveis as
disputas de poder simbólico embutidas no jogo de oposições (Bourdieu, 2007 [1979], p. 437).
Deste modo, na presente análise, a corporalidade, naquilo que ela socialmente
informa, tem o efeito objetivo de distinguir os grupos, mostrando acentuadamente o processo
de diferenciação social através da evocação de marcas de classe.
Gosto distinto, gosto vulgar, aparência e maneiras, noções desenvolvidas por
Bourdieu, são centrais neste capítulo. Max e Vicky preocupam-se com as imagens que eles,

94
Bourdieu distingue o aprendizado das boas maneiras realizado desde a infância do aprendizado tardio,
representando também uma “marca de origem” de maior ou menor prestígio (2007 [1979], p. 65).
102

como empresário e empresária, passam para sua clientela. De alguma forma, eles também
estão sendo julgados pela aparência, maneira, gosto e estilo de vida. Max e Vicky pertencem,
em termos econômicos, às classes superiores, no entanto, o marcador de localidade os
distingue, já que o contexto urbano-metropolitano do primeiro é mais valorizado que o
ambiente interiorano com resquícios provincianos da segunda95.
A posição de Max e Vicky exige que eles “cubram a distância” entre as classes – entre
equipes de trabalho e clientes – através da aparência e de um “corpo socialmente reconhecido
com as boas maneiras” (Bourdieu, 2007 [1979], p. 147). Neste sentido, como se definiriam os
limites entre classes? Para Bourdieu é por meio das lutas simbólicas, nas quais, por exemplo,
um elogio remete tacitamente ao seu oposto. Ao se elogiar a limpeza, por exemplo, critica-se
a falta dela, etc. (Bourdieu, 2007 [1979], p. 231). As classes populares participam nestas lutas
simbólicas apenas como referência de contraste. No limite, tudo que é construído como forma
de distinção, o é contra o popular e o vulgar; por isso tal dinâmica se configura como um
poderoso princípio de divisão (Bourdieu, 2007 [1979], p. 235).
Mostrarei agora como Max e Vicky, no comando de processos seletivos e a partir de
suas perspectivas sobre os diferentes perfis estéticos de profissionais de eventos, acionam
formas corporais de distinção de classe intersectadas com sexualidade, raça e uma gramática
moral.

95
Sobre as divisões de classe em termos econômicos, as análises de Salata (2015) trazem dados interessantes
para um quadro geral das diferenciações de classe no Brasil: “a maior parte dos brasileiros se identifica como
classe baixa (32,6%), seguidos por aqueles que se reconhecem como classe média (24,5%), classe trabalhadora
(19,1%), classe média baixa (16,2%), nenhuma classe (6%), classe média alta (1,5%) e, finalmente, classe alta
(menos de 1%)” (Salata, 2015, p. 117). Salata analisa as definições de classe em nível sistemático focando-se na
chamada “nova classe média brasileira” em que pertencer a ela significa não apenas a renda mensal, mas a
identificação subjetiva e autopercepção dos indivíduos com este extrato médio. Nesse sentido, o autor mostrou
que, no Brasil, o grupo que se define e se identifica com o termo classe média é aquele que em termos de renda
já se posiciona formalmente como classe A e B. Como a esfera subjetiva da estratificação é tão relevante quanto
a econômica, de acordo com as análises feitas por Salata, “é somente entre os indivíduos que ocupam posições
superiores (com renda alta, educação universitária, ocupação de prestígio e consumo distinto) que encontramos
uma forte e clara identificação com a classe média” (Salata, 2015, p. 122). Em termos de renda, é classificado
como AB, ganhos acima de R$ 3.474,00. O autor conclui que “os indivíduos que nos últimos anos têm sido
reconhecidos como ‘a nova classe média brasileira’ – ou o agregado de renda ‘C’ – não possuem uma clara
identidade de classe” (Salata, 2015, p. 129).
103

Quais os critérios? Perfil à luz das interseccionalidades

Princesa e Mulherão

Quais são os critérios utilizados por Max e Vicky na seleção de seus castings? Como
definem os perfis? Como entendem as diversas categorizações de estilos corporais que
circulam no mundo dos eventos? Procuro mostrar como no mercado em questão é elaborada
uma racialização sexualizada que evoca marcas de classe e códigos morais sintetizada na ideia
de perfil. Não se trata, desse modo, da inclusão da categoria classe na análise interseccional,
mas, sim, da noção de uma distinção que alude à classe.
Na análise da gestão da sexualização através das diferenças, dialogo com o arsenal
teórico e metodológico das interseccionalidades (McClintock, 2010 [1995]; Brah, 2006
[1996]; Piscitelli, 1996, 2007, 2008, 2013). A dinâmica de funcionamento do fantasma da
prostituição no trabalho de profissionais de eventos aciona elementos morais vinculados aos
estilos corporais para estabelecer os limites aceitáveis da sexualização.
Para Max, o trabalho com casting não tem como critério apenas a beleza da
profissional porque as personalidades também precisam ser consideradas e, por isso, ele
entende que seu trabalho é mais organizar as pessoas do que classificar tipos corporais e
estéticos96. Ele me deu dois exemplos de problemas envolvendo organização de pessoas para
demonstrar sua perspectiva. A primeira problemática ocorre quando a menina é boa, mas não
sabe trabalhar em equipe. Nesse caso, a solução é contratá-la ou para trabalhar sozinha ou
com uma equipe mais restrita possível. A segunda envolve a inimizade entre duas
profissionais, cuja solução é evitar colocá-las no mesmo evento, pois ao longo de vários dias
juntas podem ocorrer inúmeros problemas. Max pondera que como intermediador entre
cliente e profissionais, apenas ele pode resolver inconvenientes como esses. Devido à relação
direta mantida com o cliente, o qual procura oferecer o melhor serviço, ele não pode correr o
risco do cliente ter conhecimento de tais adversidades.
Ainda sobre a relação entre beleza e personalidade, o empresário disse que há pessoas
que não têm perfil, referindo-se, sobretudo, ao trabalho desgastante em feiras que pode
envolver longas horas e muitos dias seguidos de trabalho, diferentemente de outros tipos de
eventos, mais curtos. Max contou o caso de uma menina que era incrível nas fotos, mas que
não possuía experiência com eventos. Analisando a timeline do Facebook da candidata sentiu

96
Entrevista realizada no dia 15/10/2015 em São Paulo.
104

que ela poderia achar que evento é oba oba e não levar à sério. O Facebook indica muita
coisa e Max tanto seleciona como dispensa candidatas após análise da rede social. Essa
menina especificamente se encaixava no que ele chamou de perfil exótico, relacionado a
tatuagens, piercings, estilos de cabelos e, não necessariamente envolve cor da pele, mas uma
menina negra com cabelo afro pode ser enquadrada dentro desse perfil. Max detalhou que a
profissional era muito linda, o que, para ele, é considerado difícil de encontrar dentro do perfil
exótico, no entanto, as postagens e o conteúdo das mensagens publicadas o fizeram temer a
possibilidade dela dar problema.
Outro exemplo de como Max organiza as pessoas pensando sempre em cada evento
específico, de acordo com o cliente e as personalidades das meninas, é dado em seu relato
sobre uma amiga que é rica e não precisa trabalhar. Residente em Alphaville97 e por ser
apaixonada por carros, pede para trabalhar com ele quando ocorrem eventos de marcas de
carro “de luxo”. Ele sempre a contrata, por ela ter perfil, principalmente se for em Alphaville
e se o evento tiver no máximo seis horas de duração.
O empresário enfatiza que a função de uma agência de casting é selecionar o perfil de
recepcionistas que melhor se enquadre na imagem que a empresa deseja transmitir.
Apresentar em um evento uma equipe elegante e bem treinada é fundamental para o êxito da
marca, pois para ele, o evento tem que ter um glamour. A descrição oficial da agência em sua
página virtual inclui enunciados e expressões que endossam as funções supracitadas, por
exemplo, união de classe, luxo e criatividade e a ênfase de que o casting da agência é de alto
padrão98.
Max me disse que a composição de seu casting é diferenciada. Enquanto mostrava
algumas fotos de eventos realizados por sua agência, ressaltava só trabalhar com perfil A.
Além do destaque aos estilos corporais. Sobretudo quanto à estatura mais alta, Max destacava
o estado civil das profissionais das fotos, a maioria sendo comprometida, namorando ou
casada. Quando passou por uma loira perfil AA segundo os tipos-ideais que abrem este
capítulo, contou que ela morava na zona leste99 e que namorava um entregador de pizza pelo

97
Alphaville é uma região nobre localizada na grande São Paulo, acerca de 30 km do centro da capital.
98
A descrição integral não é apresentada a fim de manter em sigilo a identidade da agência.
99
A zona leste abarca uma região territorialmente extensa da cidade de São Paulo que tem algumas de suas áreas
específicas tidas como espaços concentrados de pobreza.
105

qual era muito apaixonada. Após a exibição de seu portfólio, Max foi enfático em dizer: aqui
na agência você não vai encontrar uma menina piriguete100 (Imagem 26).

Imagem 26: meme sobre piriguete. Fonte: Os profanos, s/d.

Em 2016 quando nos encontramos no Salão Internacional do Automóvel101, tínhamos


ao nosso redor estandes de diversas marcas de automóveis, profissionais com diferentes
estilos corporais, além da enorme variação de uniformes. Aproveitei o ambiente da feira para
saber a percepção de Max sobre a categoria perfil. Ele respondeu que para ele há apenas dois
perfis, A e B, e disse que sua agência não trabalha com a definição de perfil panicat ou

100
Piriguete é uma expressão bastante utilizada em músicas populares como funk, pagode e sertanejo, tida
correntemente no sentido pejorativo para se referir à mulher que vive livremente sua sexualidade, em oposição à
ideia de mulher casta. A partir dessa significação geral, não parece incorreta uma possível origem etimológica
que denote “garota perigosa”. Cf. Lana (2014).
101
Especificamente no dia 16/11/2016.
106

mulherão, Max nem entende o que significa de fato esse tipo de adjetivação. Mostrei a ele a
foto de uma profissional que trabalhava em um pequeno estande102 que facilmente seria
definida como perfil mulherão: corpo com volume e curvas, loira com cabelos lisos e
compridos, ela vestia shorts jeans curto e colado ao corpo, um body103 preto e branco com
recorte que deixava as laterais da cintura à mostra e calçava sapatos de salto alto estilo peep
toe104 na cor nude (Imagem 27).

Imagem 27: Profissional de eventos no Salão do


Automóvel. Fonte: Arquivo pessoal.

Max disse que ela usava roupas próprias e me chamou à atenção para as profissionais
ao nosso redor, em um cenário bastante distinto do da foto, pois estávamos no estande de seu
cliente, uma marca de carros “de luxo”. Comparando as profissionais daquele espaço (da sua
agência) com a da foto mostrada por mim, disse que as primeiras poderiam até ter mais corpo
do que a segunda, no entanto, o estilo do uniforme faz toda a diferença. Justificou que porque
é a [marca “de luxo”], tem seu estilo!

102
Em comparação a outros estandes da feira.
103
Espécie de maiô, collant, peça justa ao corpo que acentua a silhueta.
104
Estilo de sapatos de salto que pode ter ou não uma pequena abertura frontal que deixa os dedos à mostra.
107

Max, que gosta de ternos Ricardo Almeida e já foi modelo, possui ampla experiência
com estilos de vestuário e a escolha dos uniformes usados pelas profissionais de sua agência
passam por sua supervisão. Para me explicar como o perfil das meninas sofre influência da
roupa usada, além do estilo corporal, disse que um vestido que marca a cintura ressalta os
quadris, enquanto um vestido longo e reto dá outra noção de corpo. São detalhes que passam
despercebidos por leigos nas questões referentes à moda, mas que precisam ser levados em
consideração na hora de associar o estilo corporal da profissional ao uniforme a ser utilizado.
O objetivo final é bem servir o cliente que projeta nas aparências das profissionais o próprio
estilo enquanto marca e considerando que se trata neste caso específico de uma marca de
carros “de luxo”, Max precisa de fato estar atento a todas as sutilezas envolvidas na exposição
da imagem de seu cliente.
O uniforme da modelo destaque do estande em questão era composto por um conjunto
tailleur105 sem mangas, com saia lápis106 em linho branco no comprimento abaixo dos joelhos
e sapatos de saltos altos estilo peep toe na cor nude. A modelo destaque, com uniforme
exclusivo e o posicionamento ao lado do automóvel chamado carro conceito107 da marca,
ocupa um lugar hierarquicamente acima das demais profissionais, inclusive recebendo um
cachê maior, na ocasião, de R$500 por dia, informou-me o empresário. De acordo com Max,
ela trabalhava como modelo, não costumava trabalhar em feiras e havia sido convidada para o
Salão do Automóvel.
Este posicionamento especial de modelo destaque ao lado de um carro conceito em
um estande de uma montadora de carros “de luxo” informa muitas nuances que evocam,
corporalmente, distinções de classe como abordadas anteriormente em diálogo com Bourdieu.
Na feira em geral ocorrem diversas atrações artísticas, apresentações musicais, mostras de
dança, breves peças teatrais envolvendo os automóveis em exposição, cursos de mecânica
para mulheres, simulações 3D, entrega de brindes, degustações de sorvete, pipoca gourmet,
etc. Dentro dessas diversas atividades de entretenimento ao longo dos dias de feira, neste
estande, especificamente, a atração era shows de jazz que aconteciam algumas vezes ao dia.
Os músicos se vestiam com trajes esporte-fino e tocavam saxofone, trombone, entre outros

105
Tailleur é basicamente uma peça de alfaiataria feminina com saia e casaco do mesmo tecido ajustado à
cintura.
106
Modelo de saia indicado pelo estilo reto e rente ao corpo geralmente com o comprimento até os joelhos.
107
O modelo conceitual da marca representa um protótipo da máxima tecnologia e design empregados pela
montadora na fabricação de automóveis, trata-se de um modelo experimental, ainda fora de vendas que pode ou
não chegar a sê-lo.
108

instrumentos. Pensando não apenas no Salão do Automóvel, mas nas outras feiras
contempladas nesta etnografia, principalmente Agrishow e Fenasucro, locais em que as
formas de entretenimento incluem shows de música sertaneja e outros ritmos tidos como mais
populares e que costumam aglomerar centenas e milhares de transeuntes para apreciá-los, uma
apresentação de jazz é bastante expressiva do gosto distinto dos possíveis compradores de
carros “de luxo” ou pelo menos, a imagem com a qual a montadora quer ser associada.
As demais profissionais do estande em questão vestiam uniformes variáveis sendo um
dos modelos composto por um vestido de cor preta justo ao corpo com comprimento abaixo
dos joelhos e um cardigã de tule de mangas longas, nos pés, sapatos de salto alto estilo peep
toe pretos. Um outro modelo de uniforme era formado por vestidos cinturados em cetim na
cor off white, com leve movimento e comprimento até os joelhos; nos pés, sapatos de salto
alto estilo peep toe. Por fim, um terceiro modelo combinava um vestido estilo tubinho de
linho sem mangas na cor branca, de comprimento abaixo dos joelhos com sapatos pretos de
salto mais baixo estilo scarpin108. Seus cachês eram de R$350 por dia, informou Max.
Embora o uniforme impacte na imagem que a empresa representará em feiras e
eventos, o estilo corporal e a personalidade possuem considerável relevância. Max deixou
isso bem claro quando disse que há profissionais que são magrinhas, mas que exalam uma
sensualidade que chega a ser vulgar, e também quando explicou os usos que faz dos
conteúdos das redes sociais das candidatas como critério de seleção, sobretudo em se tratando
do Salão do Automóvel, uma feira que tem duração de 13 dias com mais de 10 horas de
trabalho diários109. Como o foco de sua agência não são feiras, muitas profissionais de seu
casting, segundo ele, não têm perfil pro trabalho mais pesado como o é o Salão, elas estariam
acostumadas a trabalhar por seis horas, tal qual exemplificou pela sua amiga rica. É neste
sentido que não é só a beleza que deve ser considerada.
Diferentemente de Max que possui uma equipe de trabalho, Vicky trabalha
basicamente sozinha, recorrendo à auxílio em situações específicas, a partir da contratação de
prestação de serviços. A empresária considera o trabalho com casting a área mais
problemática, preferindo realizar outras atribuições, como, por exemplo, relacionar-se com
clientes (abordado anteriormente), lidar com contabilidade, demais burocracias empresariais e
fiscalizar os eventos presencialmente.

108
Estilo de sapatos de saltos fechados na parte de trás e frontalmente. Podendo ter a frente mais afunilada ou
mais arredondada, estilo boneca.

109
Na edição de 2016, além dos 11 dias de exposição aberta ao público, ocorreram dois dias reservados à
imprensa. O número de dias de duração da feira varia de acordo com a edição.
109

É através do Facebook que Vicky publica as oportunidades de trabalho de sua agência.


O conteúdo das mensagens, no geral, traz informações como data, hora, local, valor do cachê
do trabalho, o perfil buscado, adjetivado como A ou B, especificando manequim e/ou altura,
cor da pele, se negra, loira, morena, etc., aparência de idade, por exemplo, acima de 30 anos,
proatividade, entre outros detalhes sobre o trabalho (Ver Anexo: Imagens 53 a 58). Além
desses itens descritos, Vicky solicita que as interessadas não enviem mensagens privadas e,
sim, que se manifestem publicamente na caixa de diálogo da postagem.
Uma vez esmiuçada minimamente como é a dinâmica geral de seleção de Vicky, fica
mais compreensível seu ponto de vista quando diz que selecionar meninas é um problema. A
empresária me contou que há muitas meninas que há anos comentam estar disponíveis em
suas postagens e mesmo não se encaixando no perfil e de nunca terem sido chamadas para
trabalhar, elas insistem. Vicky disse que procura ser cordial com todas as pessoas que
interagem profissionalmente com ela, postura que aprendeu mais observando outras agências
perdendo clientes do que na faculdade de publicidade que cursou. Quando acontece de
alguma profissional questioná-la publicamente nas postagens sobre o porquê de não ser
chamada, a resposta de Vicky costuma ser a mesma, que é: aparecendo trabalho pro seu
perfil eu aviso110.
Se questionamentos públicos sobre os critérios de seleção de Vicky não são comuns,
ela não pode dizer o mesmo sobre mensagens privadas via WhatsApp e Facebook. A
empresária relatou ser elevado o número de mensagens recebidas nestes dispositivos, cujos
conteúdos, frequentemente, são pedidos de trabalho, como meninas pedindo: me inclui nessa.
Vicky diz que é chato, que ela não quer responder. Muitas vezes também não sabe como
responder, como, por exemplo, quando o motivo pelo qual ela não quer contratar a
profissional é porque ela tá gordinha. Vicky me pergunta como se fala isso pra pessoa sem
ofender? E brincou dizendo: dá vontade de falar “filha, você não é bonita”, só que você não
é bonita pra mim, ela vai falar “quem é você pra falar se eu sou bonita?” entendeu?
Trabalhando sozinha em múltiplas frentes da agência, Vicky explica que para
organizar uma seção de casting presencial com cliente e candidatas é preciso conciliar sua
agenda com a do cliente, processo em geral dispendioso de tempo e energia. É então para
evitar seleções presenciais que Vicky prefere quando os clientes a permitem indicar
profissionais, enviando fotos das candidatas previamente escolhidas. No geral, a empresária
consegue fechar o negócio a partir desse esquema. Um detalhe importante a ser ressaltado na

110
Entrevista realizada em 07/02/2017 em Ribeirão Preto/SP.
110

dinâmica de trabalho de Vicky, é que há algumas profissionais nos castings da empresária que
não seriam selecionadas por foto, mas que ficam bonitas quando começam a falar, situação na
qual ter uma relação de confiança com o cliente contribui para que sejam contratadas
profissionais com bom desempenho e que, por isso, acabam recebendo elogios após o
trabalho.
Este método de seleção particular de Vicky trouxe inúmeras facilidades para seu
trabalho com feiras e eventos. No entanto, alguns problemas permanecem, como a acusação,
que não é rara, de que ela faz panelinha111. Em suas palavras:

O pessoal fala bastante que eu sou uma, que faz panelinha, mas todas as
agências fazem, mas eu faço questão sempre de ter, eu não gosto de menina
piriguete, sabe? Com jeitão. Gosto de menina princesa. Piercing no dente,
sabe essas coisas? Ah, eu já não curto muito. Você vê quando a menina é
piriguete pelas fotos que ela põe no Facebook, eu acompanho muito assim,
os posts, os erros de português, eu não quero uma menina que fala errado no
meu evento, então, “ai, a Vicky só chama as lindas, nã, nã”. Mas eu só
chamo, tipo assim, as princesas, as lindas, elegantes, educadas, sabe?
Menina bonita. Eu não gosto de potranca.

Diante da acusação de panelinha, Vicky argumenta explicando seus critérios de


seleção. Ela gosta de meninas princesas, lindas, elegantes e educadas, características que se
opõem à piriguete, com jeitão, piercing no dente, erros de português e potranca. Tais
adjetivações dialogam com a narrativa de Max quando defendeu que seu casting era
diferenciado, com a descrição de sua agência que também usava a categoria elegante e disse
que eu não encontraria nenhuma menina piriguete na sua agência. Nas narrativas de Max e
Vicky percebe-se uma divisão entre distinto e vulgar, entre outras formas de evocar marcas de
classe, acionadas através das corporalidades.
As diferenciações realizadas no âmbito da sexualização, que marca o mundo dos
eventos, são fluídas e mudam de acordo com o contexto, mas podem ser situadas em relação
às noções de elegância e vulgaridade. Max, não utilizou a ideia de princesa e nem ele nem
Vicky definiram exatamente o perfil mulherão, como exposto na tabela que abre este capítulo,
mas ambos acionaram a ideia piriguete como contraposição às suas preferências de perfil.
Os significados sociais amplamente atribuídos à noção de princesa foram analisados
por Michele Escoura (2012) a partir da percepção de crianças sobre as personagens princesas

111
A panelinha, que significa escolher sempre as mesmas profissionais, é uma categoria importante para
pensarmos as relações interpessoais presentes no mundo dos eventos. Da perspectiva das profissionais, já ouvi
ironias como agência x só escolhe as queridas.
111

da Disney. De acordo com as narrativas infantis colhidas pela pesquisadora, o contorno geral
que caracteriza uma princesa envolve uma mistura de atributos estéticos e referenciais de
gênero, “o destaque dado às coroas, joias, vestidos suntuosos, à beleza que se mostra branca e
jovem e, ainda, às performances corporais entendidas como elegantes, constituíam os critérios
daquilo que uma pessoa precisa ter para poder ser [princesa]” (Escoura, 2012, p. 152).

Imagem 28: Profissionais de eventos tidas e tido como perfil A.


Fonte: Arquivo pessoal112.

Imagem 29: Profissionais de eventos tidas como perfil A. Fonte:


Arquivo pessoal113.

112
A fonte não pode ser publicada a fim de manter o sigilo das identidades das pessoas envolvidas.
113
Idem nota anterior.
112

Max e Vicky, ao enfatizarem que não trabalham com piriguete, procuram se distanciar
de uma imagem popularmente tida como vulgar. A piriguete é uma figura considerada dotada
de uma sexualidade descontrolada, perigosa, em algumas interpretações (Lana, 2014), bem
como carregada de um valor moral negativo (Escoura, 2019, p.110). É nesse sentido que
destaco a importância de percebemos que toda a trama em torno das disputas pelos
significados da categoria perfil tem como objetivo efetuar uma gestão da sexualização através
das diferenças. Principalmente de uma sexualização racializada que evoca marcas de classe e
códigos morais. Do que foi mostrado acima, percebe-se que os gostos e preferências estéticas
promulgados por Vicky e Max são repertórios de beleza racializados. Como aponta Bernardo
Machado (2018), o oposto da piriguete e do mulherão, a princesa pertence a um “imaginário
subentendido de uma beleza branca e com poucas curvas” (Machado, 2018, p.162).

Imagem 30: Profissionais de eventos tidas como perfil


mulherão. Fonte: Arquivo pessoal114.

No universo social do casting as possiblidades de diferenciação são múltiplas, tanto


que para além das hierarquias acima apresentadas, destaco que há uma outra divisão dentro da
própria panelinha, desta vez entre as princesas, que coloca de um lado um restrito grupo
chamado de tops e, de outro, as que não são tops. Vicky explica a separação da seguinte
forma: quando um evento exige maior interação com os clientes, como entrega de brindes, por
exemplo, ela não pode colocar essas tops porque, embora mais bonitas, não costumam ser

114
Idem nota anterior.
113

proativas; quando se trata de um evento voltado para extratos socioeconômicos mais elevados,
em que não é preciso muita interação, é preciso apenas dois vasos, brincou, então, ela
seleciona as tops devido não somente à beleza, mas também à educação e elegância
apresentadas por elas.
A definição das tops como vasos, feita por Vicky me remeteu, em específico, às
formulações de Anne McClintock que, ao analisar as relações de classe no período da
Inglaterra vitoriana do século XIX, explicou o surgimento da “ideia de mulher ociosa” que
ocupava “um lugar ornamental na sociedade [...], ela [mulher de classe média] vivia apenas
para adornar a ambição mundana do marido” (2010 [1995]), p. 240).
Tive a oportunidade de acompanhar Vicky em um desses eventos no qual trabalharam
duas tops. Tratava-se de um trabalho de recepção no sentido convencional, um jantar
corporativo, com duração de cerca de quatro horas que contrastava enormemente com alguns
trabalhos em feiras, por exemplo.
Era agosto de 2016 e eu estava em Ribeirão Preto, em observação participante na
Fenasucro com a agência de Vicky. Fazia um calor intenso e o trabalho de algumas
profissionais era circular com um pequeno carrinho com cooler entregando água para o
público do lado externo da feira. O carrinho possuía acoplado um guarda-sol. Elas vestiam
camisas estilo polo, bonés, calças e botas de cano alto. Enquanto os dois primeiros itens do
uniforme foram fornecidos pela empresa, as botas eram delas próprias115. Sair deste ambiente
e ir para um jantar corporativo com Vicky tornou mais evidente algumas diferenças entre as
profissionais entregando água na feira e as tops vestindo ternos pretos dizendo boa noite,
sejam bem-vindos às pessoas convidadas do evento.
A intenção muito generosa de Vicky era exatamente me mostrar outro estilo de evento.
Contou-me que quando soube do que se tratava o jantar pensou que tinha que ser esse nível de
recepcionista. Uma das tops tinha cabelos loiros e lisos na altura dos ombros, estilo corporal
longilíneo, pele clara e, em minha percepção, era alta. Ela também era bilíngue e na época
fazia doutorado na Universidade de São Paulo. Seu namorado aparentava, nas redes sociais,
ter um estilo de vida associado a classes superiores. Ela morava em uma área considerada
nobre em Ribeirão Preto, algumas de suas fotos no Facebook com seu namorado revelavam
paisagens turísticas internacionais e iates.

115
O fato das botas serem próprias não é mero detalhe, pois devido ao calor intenso e a forte poeira do local, não
é incomum o esfarelamento de botas há muito guardadas, velhas ou no caso de botas novas ser lamentável a
sujeira acumulada. Além de que botas não costumam ser itens baratos, sobretudo as de couro, com qualidade e
garantia de durabilidade. Há empresas que fornecem botas como parte do uniforme, o que é sempre preferível,
considerando as ponderações apresentadas.
114

Se restringirmos as classificações do perfil apenas para os atributos estéticos-


corporais, algumas das meninas que estavam na Fenasucro facilmente poderiam também estar
ali como recepcionistas em um evento com quatro horas de duração. Já o contrário não é
possível, as tops têm pouco interesse em trabalhar em feiras, elas são como a amiga rica do
Max, e, em um certo sentido, não precisam trabalhar. Independentemente desses fatores de
diferenciação entre tops e não tops, Vicky precisa de ambas.
A empresária é lúcida em declarar que a distinção das tops vira um ciclo vicioso em
que fazem eventos tops porque são tops, são tops porque fazem eventos tops. Vicky explica
que foi ela e as outras agências que as fizeram tops, então, de evento top em evento top, elas
passaram a se valorizar com raciocínios como a gente é as tops, o topo da pirâmide é nosso,
as outras [que não são tops] vão falando pra elas [o quanto são bonitas] e colocando elas
num pedestal e daí elas são tops porque são bonitas.
No final, por saberem que têm potencial, as tops causam probleminhas específicos,
como, por exemplo, aceitarem determinado trabalho, mas cancelarem de última hora alegando
não poderem comparecer, mas, mais tarde Vicky descobre que elas foram fazer outro
trabalho, melhor, no mesmo horário. A empresária, apesar de no calor do momento se irritar
muito, sabe manter o profissionalismo, a gente é muito hormonal, passa o tempo e eu
esqueço. Eu vou precisar delas. Em resumo, explicou-me:

Aí fica assim, tem que fazer uma blitz116 e abordar [o público] eu vou colocar
quem? Quem é mais bonita? As duas [cita os nomes de duas tops], mas
quem vai agradar mais ao cliente, trazer mais resultado? Só que aí eu preciso
de duas vasos pra dar boa noite numa festa? Às vezes nem boa noite elas dão
direito. Vou pôr as duas mais gatas.

Na narrativa acima, Vicky estabelece uma clara separação entre proatividade e beleza,
não que suas meninas que abordam o público não sejam bonitas, afinal, ela só chama para
trabalhar com ela as lindas, princesas e educadas. No entanto, dentre as princesas de Vicky,
existe o topo da pirâmide habitado pelas tops. Do alto de seus pedestais, não precisam e/ou
não querem trabalhar em feiras e blitz.
Como citado anteriormente, a preferência de Vicky pelo perfil princesa é construído
em oposição à piriguete e para compreendermos melhor as disputas entre estes estilos
corporais (e de sexualização) no mundo dos eventos em Ribeirão Preto, segue um relato dela
sobre uniformes que envolvem tais tensões:

116
Blitz é, por exemplo, a entrega de panfletos e brindes em locais públicos, entradas de universidades, bares,
etc.
115

Uniforme de feira é brega [...]. Eu já neguei cliente porque ele queria a


menina de macacão branco com a bunda bordada, [cliente disse] “eu não
quero encima, no coquex, eu quero na bunda a marca da empresa”. Aí eu
falei, olha, então, não vou conseguir te atender esse dia, olha, eu não vou
pegar esse evento, as minhas meninas têm fama de serem princesas, por que
que eu vou colocar elas tudo umas piriguete? [...]. Eu sempre falo pro cliente
[...]. Consigo convencer quase todos, olha, as meninas não ficam [bonitas],
fica pegando.... Principalmente, eu tenho um cliente na [nome da empresa],
um cara fodidão, super rico, que ele vende carro, Lamburguine e nã, nã, nã.
E aí toda vida ele faz estande no Ribeirão Shopping e ele quer as meninas de
macacão no Ribeirão Shopping, o Ribeirão Shopping é família, isso aqui, é
família. Aí o cara vai pegar, vai ficar olhando pro carro na frente da mulher e
a menina lá com o corpudão. Ele não teve jeito, tanto que eu quase não
consegui a menina pra trabalhar lá, todo mundo quer fazer shopping, paguei
mais, tive que pagar mais. Eu falei pra ele, o macacão vai ser desse jeito, as
meninas vão ganhar mais.

Vicky me contou que uma das profissionais que foi escolhida para o trabalho recusou
dizendo que precisava do dinheiro, mas que conhece o povo de Ribeirão e por isso não
poderia aceitar a exposição de estar no shopping de macacão. Vicky contratou outra
profissional para fazer o trabalho e se responsabilizou pela confecção do macacão para o
evento:

eu fiz daquele tecido fitness, pensa na calça de ginástica mais grossa que
você tem, mas bem grossa. Eu pego aquele mais grosso que tem porque ele
fica colado mas ele não fica aquela coisa posto de gasolina. Ele fica ok. Ele
fica até elegante, não marca, sabe? E é o mais caro, o cliente que paga.

O recurso utilizado pela empresária para gerenciar a sexualização exigida pelo


mercado é uma distinção que, na percepção dela, atrai uma classe social superior.
Também podemos ver as corporalidades junto a objetos de consumo serem usadas
como recurso para diferenciar formas de sexualização através da evocação de marcas de
classe. Utilizo como exemplo a ocasião na qual Max me mostrou o tailleur da modelo
destaque do estande da marca de carros “de luxo” que ganhava R$500 por dia. O argumento
do empresário para diferenciar a modelo de sua agência da profissional vestida com shorts
jeans curto e justo e um body recortado que, segundo ele, eram roupas próprias, foi o de que a
roupa influencia na aparência final, não sendo somente o volume e as curvas corporais que
podem denotar vulgaridade.
Estilos de vestuário como mecanismos de diferenciação são trabalhados na etnografia
de Michele Escoura (2019) sobre vestidos de noiva havendo uma forte dicotomia entre os
estilos sereia e princesa. O modelo de vestido sereia é caracterizado por ser justo até o
116

comprimento das coxas, enquanto o modelo princesa, tido como um traje “clássico”, marca a
cintura e depois abre em uma saia com bastante volume. Para uma das noivas participantes da
etnografia, a escolha do modelo sereia gerou conflitos com a mãe, a quem o vestido parecia
como de piriguete e seria usado pela funkeira Valesca Popozuda117. O argumento utilizado
pela noiva em questão para defender sua escolha era que ela não se sentiu vulgar, ao
contrário, sentiu-se elegante e que a funkeira em questão não usaria um vestido de renda
chantilly francesa. Escoura explica que a renda chantilly francesa, um tecido considerado de
preço elevado, foi o elemento de negociação que a noiva dispôs para deslocar o valor moral
atribuído ao estilo sereia, no caso, piriguete, que traz conotações de vulgar (Escoura, 2019, p.
113-119).

Imagem 31: meme sobre uniforme do extinto perfil do


Facebook Promotoras da Depressão.

O gosto da noiva por um vestido sereia e o do cliente de Vicky por um macacão,


chamam à atenção para as possibilidades analíticas de distinção de classe na
contemporaneidade. Nesse sentido, na esteira da proposta de Escoura & Macedo (2018),
aposto no esforço descritivo em mostrar as diferenciações econômicas a partir dos objetos de
consumo junto à observação das nuances presentes na oposição entre distinto e vulgar de
Bourdieu. É apenas intercambiando todas essas estratégias que podemos de fato explicar

117
Cantora e dançarina de funk, Valesca é considerada como uma das responsáveis por propagar o funk carioca
no Brasil.
117

como distinções de classe diferenciam as pessoas muito além do quesito econômico


estritamente.
Atravessado pela distinção de classe, o embate entre sereia e princesa mostra o limite
da sensualidade de uma noiva envolto em disputas morais (Escoura, 2019, p. 119). Da mesma
forma como o tailleur em oposição ao macacão branco parecendo posto de gasolina,
representa os recursos utilizados por Max e Vicky para gerirem a sexualização das
profissionais de eventos. Tanto no caso do vestido de noiva sereia, quanto na situação do
cliente (uma loja de carros “de luxo”) que escolheu o macacão, o adjetivo elegante foi usado
como noção de gosto para classificar e demarcar fronteiras com a piriguete, a funkeira e o
posto de gasolina. Nos eventos, não é o valor do cliente que está em jogo, mas o de Vicky, o
limite da sexualização do macacão reflete na empresária. Daí percebermos como no mercado
de eventos a sexualização é ambivalente, pois o cliente da Lamburguine quis o macacão como
uniforme, assim como a noiva quis o modelo de vestido sereia, mas, diferentemente da noiva,
em que ela própria o confeccionou com renda chantilly francesa, no caso do macacão, foi
Vicky quem precisou confeccionar um macacão até elegante, e não o cliente que escolheu o
modelo inicialmente. Não há acordo entre a escolha do cliente pelo macacão e o esforço de
Vicky em “des-sexualizar” este estilo de vestuário e torna-lo elegante. O mundo dos eventos,
marcado pela mútua sexualização de corpos e objetos em exposição e assombrado pelo
fantasma da prostituição, produz relações peculiares entre economia e códigos morais.
É preciso especificar como se constitui essa gramática moral. Jarret Zigon (2007)
considera que uma antropologia das moralidades não diz respeito às moralidades em sentido
amplo, mas, sim, ao que ele chamou de colapso moral – momento exato em que o sujeito é
questionado quanto a algum assunto que até este momento de quebra, de colapso, não
necessitava ser pensado – quando ocorre “a necessidade de conscientemente considerar ou
raciocinar sobre o que se deve fazer” (Zigon, 2007, p. 133).
No momento do colapso é quando aparece o dilema ético, instante no qual se deve
realizar a ética, o que geralmente acontece diante de algum problema, desacordo ou
dificuldade, obrigando o sujeito “a se afastar e descobrir, trabalhar e lidar com a situação que
se tem em mãos” (Zigon, 2007, p. 137).
Inspirado pela filosofia de Alain Badiou e de seu conceito de Keep Going!
(Continue!), relacionado a situações que envolvam ética, Zigon defende que a motivação
maior das pessoas na situação de colapso moral é se livrar do dilema o quanto antes. Neste
sentido, o autor explica que “o que é importante no momento do colapso moral não é ‘ser
118

bom’ ou ‘ser um bom – ’118, mas voltar às disposições morais irrefletidas da vida cotidiana. É
ter conseguido esse retorno que é considerado bom, não o ato em si” (Zigon, 2007, p.
139/140).
Vicky precisa dos clientes, precisa selecionar estilos corporais e estilos de uniformes.
Assim como Max. Ambos o fazem pressionados a gerir a sexualização que marca o mercado
que integram e, diante do panorama, precisam keep going com seu trabalho.
Consideremos agora as percepções de profissionais de eventos sobre o assunto.

Nina

Idade: 23 anos (2015)


Altura: 1,75m
Cor: parda119
Cabelos: pretos e lisos com comprimento natural na cintura
Olhos: castanhos
Seios: fartos naturais
Formato corporal: longilíneo, sem curvas, quadris estreitos
Perfil: não declarou pertencer a nenhum perfil específico

Para Nina, o perfil faz toda diferença, principalmente em relação ao retorno


financeiro. Ela explica que, em sua opinião, o mais valorizado dos perfis, o perfil AA, é
composto pela estatura alta (ela acredita que sua altura de 1,75m é o mínimo), ter cabelão e
ser bonita de rosto porque rosto é tudo120. Para ela um belo rosto pode resultar na mudança do
critério de seleção do cliente e a candidata ser selecionada mesmo não tendo a altura mínima
ou o estilo corporal que inicialmente era o requisitado. O estilo corporal mais bolado, estilo
panicat, mulherão, é, para Nina, recrutado em eventos mais específicos, acontecendo o
mesmo com o estilo modelo de passarela, em que as meninas costumam ser muito magras,
restringindo as oportunidades de trabalhos em feiras e eventos. Neste sentido, o corpo ideal, o
118
Com este travessão, “ser um bom –”, o autor interpela quem o lê a completar a frase com o que quiser, “ser
um bom amigo”, por exemplo.
119
Segundo critérios do IBGE, não foi autodeclarada.
120
Entrevista realizada em 26/07/2016 em São Paulo/SP.
119

que costuma ser mais requisitado pelo mercado de eventos, com maior chance de ser
selecionado e consequentemente obter maior retorno financeiro, é aquele bem sutil, não
grande e esse é o ponto principal, porque você abrange os dois tipos de evento, tanto os de
modelete quanto os de menina bonita do corpão, entendeu? É a questão da cara.
Focada em conseguir a maior quantia em dinheiro possível através dos eventos, Nina
coloca o Salão do Automóvel como o trabalho mais concorrido devido aos cachês em torno de
R$350 por dia, sendo em média 13 dias de feira. Ela conta que em seu primeiro casting para o
Salão do Automóvel, na edição de 2012, foram nove horas de espera. Eu, particularmente,
soube da altíssima disputa nas seleções para a feira em questão em 2010, quando trabalhei na
área pela primeira vez e desde então ouvi em diferentes ocasiões que quem faz Salão faz
qualquer evento. Por serem tantos dias seguidos de trabalho, às vezes com mais de 10 horas
diárias, ter a feira no currículo é uma espécie de “certificação” da experiência como
profissional de eventos.
Nina explica que outro motivo de ansiedade em torno dos processos de seleção para
o Salão do Automóvel é devido à prioridade de algumas montadoras de automóveis na ordem
dos castings. As profissionais chamadas para as primeiras seleções, geralmente da Porsche e
da Ferrari, por exemplo, ganham R$600 por dia. No entanto, as profissionais que precisam
ficar girando abaixo da luz junto aos carros, na posição de destaque e ganhando esse valor,
costumam sentir náuseas e enjoos, sendo esses os piores carros [...], é terrível, é a pior coisa
que existe, mas elas ganham mais. Normalmente é assim, se o cachê é R$300 por dia, as
[modelos] destaques ganham R$600. Seríssimo, as [modelos] destaques sempre ganham
mais. Nina relembra um caso, para ela, exemplar da relação entre perfil e cachê: quando eu fiz
Salão do Automóvel tinha uma mina vestida de mulher gato encima de uma Maserati121... cê
imagina quanto ela tava ganhando por dia? Ela dentro de uma roupa todinha de couro e ela
ficava encima do carro o tempo inteiro!
A percepção de Nina é que as profissionais que se enquadram no chamado perfil AA,
ao mesmo tempo em que ganham mais realizam os piores trabalhos. Para ela, há uma
justificativa, além da aparência física, para as diferenças de cachês, argumento este que em
parte se alinha ao de Max quando explicou que algumas profissionais de sua equipe não
tinham perfil para o trabalho desgastante numa feira como o Salão do Automóvel. No
entanto, vimos o oposto com as tops de Vicky que, além de ganharem mais por realizarem

121
Marca italiana de automóveis “de luxo”.
120

trabalhos curtos, por exemplo, não trabalhavam em blitz por não terem o costume de interagir
com o público.
Nesse sentido, após termos visto as perspectivas de Vicky e de Max, é interessante o
ponto de vista de Nina sobre os castings mais disputados, como o Salão do Automóvel, para
percebermos os múltiplos interesses em jogo – do cliente, da agência e de profissionais – em
torno das diferenciações de perfis.
Com Nina, tive a oportunidade de realizar observação participante em um casting
para o Salão do Automóvel que aconteceu em julho de 2016. Já nos conhecíamos há quase um
ano e eu perguntei se poderia acompanhá-la nesta seleção realizada por uma das maiores
agências de casting da capital, responsável, na época, por selecionar as/os profissionais de
grande parte dos estandes da feira. Envolvendo a participação de milhares de candidatas/os,
considerando todas as marcas que selecionariam profissionais no mesmo período,
praticamente, cerca de três meses antes da feira, este é o tipo de seleção que Max e Vicky
evitam fazer, em que é necessária uma equipe de trabalho compatível ao número de clientes e
candidatas/os envolvidas/os.
O cliente, naquele dia, representava duas marcas inglesas de carros “de luxo” que
dividem estande no Salão do Automóvel e, Nina, embora atrasada, continuava a se maquiar e
tirar os esmaltes das unhas. Enquanto eu a apressava, ela explicava: miga, você não tá
entendendo, quero ir muito linda. Ainda precisávamos escolher a roupa que ela vestiria, tinha
que ser look de balada, disse. Terminou a chapinha e fomos escolher o look. Ela levaria a
roupa para trocar lá. Imagina andar assim no busão?
Na agência, que ocupava dois espaços separados, um de cada lado da rua, havia
algumas dezenas de pessoas (Imagem 32). Havia um toldo com uma mesa com vários
composites122 das/os candidatas/os (havia uma proporção considerável de homens) onde
pessoas da agência organizavam o preenchimento de uma ficha de cadastro e a pose para uma
fotografia segurando uma placa contendo os dados das/os profissionais.
Na sala de entrevista, estavam a proprietária da agência e o cliente. Devido ao grande
número de candidatas/os, estavam entrando três pessoas por vez (soube que o cliente do dia
anterior realizou entrevistas individuais). Seriam selecionadas 20 mulheres e 10 homens. Toda
a área interior desse prédio onde ocorria a entrevista estava tomada de candidatas/os.
Precisávamos entrar no prédio para que Nina vestisse o look de balada que ela não pôde usar
no ônibus. Atravessar o corredor estreito onde estava a porta da sala da entrevista foi um

122
Espécie de “ficha técnica” contendo uma foto, nome e medidas corporais.
121

sufoco, haviam pessoas dos dois lados. A sala de espera ao final do corredor estava lotada.
Nina se trocou. Saímos para a rua e, rapidamente, uma das coordenadoras da agência a
chamou para entrar.

Imagem 32: Casting para Salão do Automóvel em julho de 2016.


Fonte: Arquivo pessoal.

Enquanto esperava Nina, observei as pessoas que estavam na rua: em pé, sentadas em
algumas cadeiras abaixo do toldo, meninas que se arrumavam, que retocavam a maquiagem,
etc. Uma candidata que estava em pé ironizou bom que já vamos treinando ficar em cima dos
saltos. Era possível notar diferenças de estilos corporais e dos objetos utilizados (vestuário e
acessórios) entre as pessoas de dentro e de fora do prédio da entrevista. Apesar de haver
horário marcado, muitas pessoas não eram chamadas para entrar. Conversei com uma
candidata que esperava encontrar com o cliente desde às 13 horas. A entrevista de Nina estava
marcada para às 15 horas, chegamos por volta de 15h15 no local e em menos de 30 minutos
ela já estava no interior da agência.
Foi quando me dei conta de que talvez Nina já estivesse naquela fila enorme do
corredor e que eu ficaria ali esperando por tempo indeterminado. Porém, Nina saiu cerca de
quinze minutos depois e disse que já tinha sido entrevistada. Era um dia de sorte. De tão
empolgada, Nina saiu com o vestido da entrevista, o seu look de balada. Ela precisava se
trocar, o que nos obrigou a entrar no prédio e passar pelo corredor. Obviamente, observei
alguns olhares fuzilantes na direção de Nina que havia sido colocada à frente na fila para
entrevista.
122

Nina disse nunca ter feito tão rápido uma seleção concorrida como costumam ser as do
Salão do Automóvel, ela que já chegou a esperar nove horas na sua primeira experiência com
castings dessa magnitude. Ela queria tomar uma cerveja para comemorar e então
aproveitamos para conversar sobre como havia sido a entrevista com o cliente. Primeiro, ela
contou que a coordenadora da agência, quando a viu, disse é você! Preciso de uma morena
alta e, então, já a incluiu no grupo que entraria na sala de entrevista. Elas entraram em três e
Nina compartilhou que a lógica que definia quem seriam as três, de acordo com o que soube
através das coordenadoras, era que entrasse uma bonita, uma mais ou menos, uma bonita.
Com ela estavam uma morena e uma ruiva.
Ela disse que o cliente estava sério, perguntou se ela já havia trabalhado no Salão do
Automóvel. Ela respondeu positivamente, contando que trabalhou para a Volvo. Então, ele
perguntou em qual carro trabalhou, ela falou o modelo, errou e ele a corrigiu. Para a ruiva o
cliente requisitou que ela prendesse os cabelos (puxando-os para trás e deixando a raiz dos
cabelos em evidência na testa), depois perguntou se ela era ruiva natural e ela respondeu
negativamente. Quando a terceira entrevistada disse que nunca havia trabalhado no Salão, o
cliente pediu para que Nina explicasse para ela como era difícil trabalhar na referida feira.
Nina respondeu dizendo que difícil era, mas que o dinheiro no final fazia sorrir e o cliente riu
de sua resposta espontânea.
Quando comentei com Nina sobre as pessoas que estavam há horas esperando lá fora
enquanto ela rapidamente entrou e foi entrevistada, ela disse que é muito sofrido você ter que
ir em seleções, isso que mata nos eventos. Segundo sua experiência, muitas pessoas que
participam de seleções desse porte não têm o perfil que o cliente procura e mesmo assim não
são excluídos. Não sendo dispensados da seleção, continuam esperando indefinidamente. Na
visão de Nina seria preferível dispensar o quanto antes quem não é perfil, poupando o tempo
de todos envolvidos. Apesar da coordenação do referido casting não ter adotado essa
estratégia, já que o cliente entrevistou candidatas que não tinham o perfil que ele procurava,
Nina disse que foi realizada uma triagem para diminuir o volume de pessoas no espaço
interno do prédio e a coordenadora baniu as meninas estranhas pra fora e fechou a porta...
Você acredita que a mulher fez isso?
Enquanto algumas pessoas foram banidas pela coordenadora, Nina era o que ela
precisava, uma morena alta. Além da posse dos atributos estéticos, perguntei se ela se achava
parte da panelinha daquela agência, ao que ela respondeu:
123

Eu tô entrando nela [panelinha] agora, né? Mas eu penei seis anos pra entrar
na panela. Eu passei seis anos vendo meninas lindas entrar na minha frente
nos eventos e eu estar lá há horas também. Eu já passei tudo que aquelas
meninas passaram hoje comigo, então, eu aproveitei e entrei com os pulmão
cheio parecendo um pombo, querida. Porque eu já vi muita menina fazer
aquilo comigo [...]. Meu, a mulher me deu uma moral naquela hora, que as
meninas olharam assim [chocadas] pra minha cara.

Nina me contou que, no passado, trabalhou em um restaurante frequentado pela dona


da agência do casting supracitado e que foi seu chefe que deu boas referências sobre seu
trabalho para a empresária, dizendo que Nina fazia tudo certinho e que se arrumava, fatores
positivos para o trabalho com feiras e eventos. Inclusive, foi a dona da agência que em um
outro casting, no dia anterior a este do Salão do Automóvel, aconselhou-a a ir muito linda,
com roupa de balada.
No dia seguinte, Nina me encaminhou a mensagem de WhatsApp que havia recebido
da agência: Bom dia! Parabéns! Vc está aprovada p/ fazer o Salão do Automóvel 2016 com as
[marcas inglesas de carros “de luxo”]! Me confirme!!
Na ocasião em que conheci Nina, no Salão Duas Rodas, tive a oportunidade de
interagir com o representante da área de marketing do estande para o qual ela trabalhava, uma
marca de acessórios de motocicleta. Quando perguntei sobre o critério para escolha das
profissionais da marca, ele respondeu que escolheu as meninas pela magreza, explicou que
elas vestiriam uniformes elegantes, que a empresa não queria mulher vulgar, peitão, bundão,
roupa vulgar. O uniforme em questão era composto por uma regata de tecido stretch, sem
mangas, na cor azul, saia lápis de linho na cor branca e sapatos scarpin.
Nessa mesma conversa, Nina comentou que gostaria de realizar uma cirurgia para
reduzir os seios e colocar próteses de silicone no lugar (para mantê-los empinados), além de
que gostaria de dar uma encorpada, ganhar volume corporal. O profissional do marketing em
questão discordou e disse, você acha que veio para o estande por que? Porque você tem esse
biotipo e completou você está vestindo [nome da marca]!
Nina, arrisco dizer, tem o perfil A de Max e o de princesa, de Vicky. Nina é
frequentemente comparada ao estereótipo de beleza da princesa Jasmine de o Aladdin da
Disney, devido aos olhos grandes, aos cabelos escuros, lisos e longos; além da cor da pele.
124

Mel

Idade: 22 anos (2015)


Altura: 1,66m
Cor: branca
Cabelos: loiros e lisos com comprimento natural na altura dos seios
Olhos: castanhos
Seios: médios naturais
Formato corporal: pequeno com leves curvas
Perfil: se autointitulava perfil clássico

De acordo com a experiência com eventos de Mel, o perfil AA é menina magra e alta,
não tem jeito. Sem peito, sem bunda e sem cabelão. Tem que ser meninas clássicas mesmo,
magrinha, sem nada. Aí, menina peituda, bunduda, já não... as agências acabam barrando
porque acaba ficando um pouco deselegante123. Mel tende a relacionar os diferentes estilos
corporais das profissionais ao perfil da empresa e do evento, como ela explica:

No evento, há perfis de meninas. Então tem aquela empresa que precisa de


uma menina vulgar pra chamar à atenção. Não vulgar, mas que tenha peito,
bunda, cabelo, unha. Aquela menina que chame à atenção pra pessoa passar
e olhar, “vou entrar porque tem uma menina gostosa na frente”. Acontece
muito em feiras de construção, por exemplo [...]. Onde vai muito pedreiro,
muito peão, então eles gostam de meninas estilo povão, assim, aquela que
você olha e o olho cresce, né? E tem aquela empresa que trabalha com perfil
de meninas clássicas, é uma empresa mais chique, uma coisa mais clássica,
uma menina mais bem vestida, o cabelo bonito, escovado, uma unha clara, o
perfil clássico, que tá ali pra complementar a empresa e é esse meu perfil. Eu
tô ali pra complementar a empresa, não tô ali pra pessoa me ver e entrar
porque eu tô ali. Então quando o cliente entra no estande, no evento, ele já
sente que a menina é uma menina que tá ali pra realmente auxiliar, “oi, o que
o senhor precisa?”, “fazer cadastramento?” Então, é o perfil. Então
automaticamente, se tá lá na frente do estande de top, com a barriga de fora e
numa legging ou um shortinhos curto... é aquela coisa né? Acaba chamando
[atenção], ah o cara vai passar lá e vai achar que a menina tá propícia a isso
[a receber propostas de trocas sexuais]...

123
Entrevista realizada em 17/01/2017 em São Paulo/SP.
125

Ponderando a lógica de mercado que recruta ambos estilos corporais, gostosa e


clássica, Mel acredita que não é uma vergonha ser gostosa, porque muitas delas malham pra
ser bonitas mesmo, pra estar com corpão ali na frente. Perguntei para Mel sua visão sobre o
fato das meninas gostosas vestidas com top e barriga de fora supostamente serem mais
“assediadas” e/ou confundidas com putas, e sua resposta foi a de que é uma injustiça, uma
coisa não tá ligada a outra, uma menina que se cuida, quer ter um cabelo bonito, quer ter um
peito, não tem nada a ver, mas a sociedade infelizmente enxerga assim.
Sobretudo no primeiro capítulo, enfatizei os impactos de mercado da exposição das
empresas em feiras comerciais, sendo deste modo que se estabelece a relação entre estilos
corporais e status e/ou estilo das marcas. Artefatos em exposição e estilos corporais são
indissociáveis e mutuamente sexualizados. A este fato vale acrescentar que, em se tratando de
carros, tratores, motocicletas, artigos de construção e demais acessórios incluídos nestas
categorias de produtos tipicamente associados ao universo masculino, as formas de
sexualização envolvidas criam uma articulação entre mercados bastante peculiar porque
tangenciam com maior força o fantasma da prostituição. O recurso publicitário que sexualiza
as corporalidades e artefatos em exposição, tem como efeito a transformação do fantasma da
prostituição (e a prostituição existente) no mundo dos eventos, num atravessador moral das
relações. Nesse sentido, levando em consideração o quão forte é esta presença
fantasmagórica, questiono como e de que maneiras as categorias sociais da diferença se
articulam na trama acionada para diferenciar uma profissional posicionada para auxiliar da
profissional cuja função é chamar a atenção e que, por isso, é automaticamente tida como
mais propícia a ser confundida com uma trabalhadora sexual. Mais do que diferenciar, quais
os limites que distinguem os tipos de sexualização de uma e de outra?
Os apontamentos de Mel remetem à pesquisa de Suzana Maia (2012), que estudou
bares de cavalheiros (gentlemen’s bar) em Nova Iorque onde brasileiras oriundas de classes
médias trabalham como dançarinas eróticas. A autora classifica o ambiente desses bares como
“atmosferas sexualizadas” em que as dançarinas se esforçavam para definir os limites entre
dançar e se prostituir. Maia considera que com o aumento do número de mulheres migrantes
nos bares, passa a ocorrer nestes espaços “uma tendência a ir além do que poderia ser
considerado adequado”, pois essas dançarinas, às vezes, precisam mostrar o corpo além do
que é desejado por elas (Maia, 2012, p. 95).
O destaque dado pela autora às origens de classe social dessas dançarinas informa o
recorrente uso de uma gramática moral para definir tais limites, acrescido da preocupação de
brasileiras em serem confundidas com mulheres hispânicas, mostrando diferenciações de raça
126

e etnia. Por exemplo, beber mais do que o “apropriado” funciona como “uma maneira comum
de afirmar diferenças de classe entre as dançarinas” (Maia, 2012, p. 95). A autora explica
ainda que a “alegação de que ‘outras’ mulheres estão se comportando inadequadamente
[também] serve como uma separação simbólica de corpos de diferentes origens raciais e de
classe, não apenas nacionalidade” 124 (Maia, 2012, p. 96).
Mel tem uma origem social humilde (como veremos no próximo capítulo), no entanto,
apesar de não ser de classe média como as interlocutoras de Maia, ela se diferencia
corporalmente através do perfil clássica, de um estilo de sexualização racializada que evoca
uma distinção de classe superior. Num movimento análogo ao cenário transnacional estudado
por Maia, no mundo dos eventos, gênero, raça e uma evocação de atributos de classe são
acionados para representar diferentes tipos de sexualização, marcados por códigos morais,
produzindo com isso novas identificações e novas hierarquias.
Em 2015, Mel contabilizava quatro anos de experiência com eventos e sua percepção
de que injustamente diferentes estilos corporais muitas vezes recebem tratamentos diferentes,
é também baseada nas diversas situações de racismo que testemunhou. A promotora diz já ter
visto anúncios que declaravam selecionar meninas brancas, o que gera sempre bafafá e,
lamentando, disse que não tem o que falar, vai da marca mesmo.
Um anúncio que seleciona meninas brancas é um exemplo explícito do racismo que
permeia os processos de seleção para o trabalho de recepcionistas, promotoras e modelos em
feiras e eventos. Nesse sentido, vale discorrer brevemente sobre uma outra situação de
discriminação racial testemunhada por Mel que aconteceu quando ela trabalhava em um
shopping em uma ação de natal que durou 60 dias. O trabalho consistia em organizar a troca
de cupons por brindes. Uma cliente, não satisfeita com seu brinde, uma caneca, solicitou uma
caneca extra, então, Luíza, negra com cabelos volumosos, argumentou com a cliente que não
era possível lhe fornecer uma caneca extra, ao que a cliente retrucou que era um absurdo ser
tratada daquela forma por um bicho e ameaçou Luíza dizendo que caso ela voltasse no dia
seguinte e a profissional ainda estivesse ali faria um escândalo. Mel disse que nesse momento
o escândalo já estava feito, ela estava chocada com a situação. A gerente da ação, uma
japonesa, tentou manter Luíza na equipe, no entanto, o chefe, também japonês, dispensou

124
Maia detalha que, nos bares de cavalheiros, as “diferenças em como alguém se veste ou desnuda o corpo,
como alguém sorri ou usa os cabelos, como alguém aceita gorjetas e gasta dinheiro – todos são marcadores que
definem quem pertence a que grupos e redes formadas no bar” (Maia, 2012, p. 197). É por meio destes
complexos argumentos que as dançarinas brasileiras em Nova Iorque se diferenciam das hispânicas.
127

Luíza do trabalho. Segundo Mel, japonês é meio racista. Luíza, chorando, ligou para Mel e
disse que não adiantava, ela sempre seria a neguinha.
Embora, em sua percepção, o racismo seja mais chocante que outras formas de
discriminação recorrentes no mundo dos eventos, tais mecanismos de exclusão são
justificados, no final, como suscetíveis às escolhas das marcas. O caso, anteriormente citado,
da marca que não se intimida em utilizar de um critério explicitamente racista, mostra como é
naturalizado o padrão de brancura presente em algumas seleções.
Sobre brancura, Suzana Maia (2012b), analisando a imagem da modelo Gisele
Bündchen na mídia brasileira, mostra como a valorização social e econômica do fenótipo
branco é um aspecto essencial das relações raciais, embora menos estudado. Para a autora, o
critério estético da brancura, incluindo a textura dos cabelos, cor dos olhos e elegância do
andar são elementos impregnados no imaginário social que perpetuam a hegemonia da
associação da “brancura à beleza e poder” (Maia, 2012b, p. 333).
Os processos de embranquecimento/branqueamento (Corrêa, 1996; Moutinho, 2004;
2014) são aspectos relevantes das relações raciais observadas no mundo dos eventos. Nina,
citada anteriormente, embora parecida com a princesa Jasmine, não tem a pele clara como a
de Mel. No entanto, sua altura, magreza, cabelos lisos e traços faciais mais finos a
embranquecem. Como veremos a frente, Bela, apesar de ter os cabelos idênticos aos de Nina e
a pele praticamente da mesma cor, por apresentar um maior volume corporal, distancia-se
enormemente do perfil princesa que Nina, apesar da cor, consegue representar.
No próximo capítulo enfatizarei as dificuldades que Mel já enfrentou no mundo do
trabalho em geral e no mundo dos eventos, especificamente, até chegar a obter certo êxito
trabalhando para empresas mais chiques. O que quero pontuar neste momento é a riqueza de
sua percepção sobre as dinâmicas do perfil. A linha de raciocínio relativamente conformista
de Mel pode ser incluída no sutil jogo de atributos do perfil que ultrapassam as marcas
corporais. Max recusou contratar a profissional de perfil exótico temendo que ela causasse
problemas apesar dela ser muito linda. Max supôs que esta profissional não soubesse que,
caso alguém a “assediasse”, cantasse ou caso testemunhasse alguma situação do tipo, ela
deveria saber que a sociedade infelizmente enxerga assim, deveria continuar seu trabalho e
Keep Going! (Zigon, 2007), sem causar problemas. Da mesma forma, na minha experiência
em um casting, pediram-me para virar de costas para que os clientes tivessem uma melhor
percepção da minha bunda. Caso eu questionasse o porquê de precisar me mostrar de costas
eu simplesmente não seria selecionada porque eu estaria me mostrando nervosinha. No
próximo capítulo, esta delicada relação entre “assédio” e o trabalho afetivo/emocional (não se
128

mostrar nervosa) será aprofundada, apenas a antecipo aqui para situar o ponto de vista de Mel.
Ela precisa não ser nervosinha porque ela precisa trabalhar. Exatamente para ser selecionada
para trabalhar e se manter na área, ela procura não causar problemas.

Bela

Idade: 20 anos (2015)


Altura: 1,75m
Cor: parda125
Cabelos: pretos e lisos com comprimento de aplique na cintura
Olhos: cor mel
Seios: fartos e naturais
Formato corporal: volumoso, com curvas generosas
Perfil: não declarou pertencimento a nenhum perfil especificamente

Bela entende que possui uma beleza diferente, talvez pela altura e por ter uma cor de
pele diferente126. Desde os 15 anos se vê assim, diferente, e contou um pequeno caso que
aconteceu na academia onde treina musculação que mostra como ela se percebe de uma
maneira diferente em relação às outras mulheres:

A maioria das pessoas chega e já [fala] “ai você tem quanto de silicone?
Você já fez isso, já fez aquilo?” Eu falo não, nunca fiz nada, bebo cerveja e
foda-se. Tipo assim, enquanto as outras vivem se matando na dieta, tem
silicone, vivem em academia, então, sei lá, o diferente atrai às vezes.

A experiência mais marcante de Bela trabalhando com sua beleza diferente, foi
participando de uma seleção para a volta do Banana Split, um grupo musical e dançante
feminino que fez sucesso nos anos 1990. A seleção contou com 300 candidatas, das quais
foram selecionadas duas, Bela e uma loira. Após alguns ensaios de dança, de maneira
repentina, falaram que não ia dar mais para ela continuar. Os responsáveis alegaram que não
queriam que eu chamasse mais a atenção que a menina que cantaria. Nas palavras de Bela:

125
Segundo critérios do IBGE, não foi autodeclarada.
126
Entrevista realizada em 23/07/2016 em Guarulhos/SP.
129

eu tinha 15 anos na época, mas eu tinha corpo, eu dançava [...], mas cê imagina... e tipo
assim, tem mais de dez trabalhos entre evento e emprego que eu tentei arrumar e não
consegui porque eles acharam que eu era bonita ou que eu sairia com o dono127.
Bela trouxe a narrativa do produtor sobre ela chamar a atenção, exatamente o que
Mel falou anteriormente sobre empresas cujo público alvo é o povão. A beleza diferente a
expõe a situações em que seu estilo corporal é confrontado com sair com o dono, condizente
com o que Mel falou ser injusto, mas que infelizmente a sociedade enxerga assim. Dentro da
narrativa de Nina, Bela seria o perfil bolado, estilo corporal contratado para eventos mais
específicos e consequentemente com oportunidades de trabalho mais restritas.
Conheci Nina, Mel e Bela no Salão Duas Rodas em 2015. Nina e Mel trabalhavam
juntas no mesmo estande de uma marca de acessórios para motocicletas em uma equipe com
cerca de dez profissionais. Ambas vestiam uniformes elegantes, como definiu o publicitário
do estande. Bela, com seu peitão e bundão, não tinha o biotipo que a empresa das duas
primeiras buscava para representar a marca. Por sua vez, Bela também trabalhava em um
estande de acessórios de motocicletas, porém, de menor tamanho, com apenas mais duas
profissionais. Seu uniforme era um conjunto de top e shorts curto de couro na cor preta e
sapatos peep toe. Bela vestia justamente o estilo de uniforme que Mel definiu como o que
seria para chamar a atenção: barriga de fora e shortinhos curtos, tornando mais propícia a
associação com prostituição. Aliás, o macacão é um uniforme usado com frequência por Bela,
que brinca que se sente embalada a vácuo quando o veste.
De diferentes maneiras, em minhas interlocuções, é expressado que ter perfil envolve
atributos além da beleza e com Bela não é diferente. O sentido dado por ela à categoria perfil
engloba tanto atributos estéticos quanto a consciência de que é um trabalho difícil, em suas
palavras:

Muitas querem entrar [para os eventos] e eu logo corto as asas. A maioria


quer entrar porque acha que é bico. Porque evento é assim: “ai enquanto eu
não tô fazendo nada, eu vou fazer evento”. Mas é difícil. Tem que ter perfil.
Tem que aguentar muita coisa, o pessoal vê de fora e fala “nossa, de boa
ficar lá tirando foto”, mas não é assim [...]. Você vê o perfil da mulher, não
tem nada a ver. Esses dias eu vi uma menina que faz evento discutindo com
outra que não faz evento, por conta disso. Porque ela postou assim “evento
não é pra qualquer uma, não que eu seja a mulher mais bonita do mundo” aí
a outra comentou “você tá se achando demais”, daí começou o bate-boca.

127
Nos próximos capítulos apresentarei como foi o início de Bela como profissional de eventos, trazendo mais
detalhes sobre outros trabalhos realizados por ela além de aprofundar a problemática das cantadas, paqueras e
“assédio”.
130

Mas eu concordo em partes, tipo não é “ah a pessoa vai tá na rua fazendo
qualquer coisa, ai vou fazer evento”. Não é assim.

As formulações de Bela se referem aos vários detalhes do trabalho com eventos que
serão retomados no próximo capítulo, aqui quero chamar à atenção para o fato de que ter
perfil é uma narrativa polissêmica, que envolve critérios corporais e comportamentais, algo
extremamente subjetivo. Desse modo, um dos efeitos mais nefastos desta indefinição do que é
ter perfil é que esta narrativa acaba servindo para justificar processos de exclusão.
Bela, com sua beleza diferente, seu perfil mulherão, bolado, piriguete, trabalha às
margens no mundo dos eventos. Em relação às outras profissionais, enquanto Nina e Mel
passaram por um casting para trabalharem nesta feira de motociclismo, Bela foi contratada de
forma direta pelo cliente. Ela costuma trabalhar praticamente para os mesmos clientes e
negocia os detalhes dos trabalhos diretamente com eles, sem o intermédio de agências. De
acordo com Bela, as agências de casting tendem a contratar sempre as mesmas profissionais,
sendo este o motivo pelo qual ela duvida da idoneidade de grandes seleções. Ela explica:

Tem um grupo [Facebook] que eu vejo, tem mais de três mil comentários
falando pra enviar material. Cê acha que eles vão olhar? Não vão olhar, não
adianta. Não adianta. Porque no final, você vê as marcas, acaba fechando
com as mesmas meninas do seu meio, que você conhece, então eu nem perco
mais meu tempo assim. Eu comentar em publicação ou ir em seleção sem
falar comigo? Não. A maioria não vai em seleção presencial, que já é das
panelas.

Circulando pelo Salão Duas Rodas soube de cachês de R$300 por dia, via agência e,
diretamente com o cliente, ouvi sobre valores de R$250. Este ponto é importante na presente
investigação sobre as complexas formas de diferenciações entre os perfis, pois evidencia a
influência do estilo e status da empresa contratante. Nesse sentido, diante da sexualização de
corpos e artefatos em exposição e levando em consideração a presença do fantasma da
prostituição, como e de que maneiras as categorias sociais da diferença e estilos de uniformes
se articulam na trama para diferenciar, nos termos de Mel, uma profissional posicionada para
realmente auxiliar (clássica), de uma outra profissional cuja função é apenas chamar a
atenção (mulherão) e por isso é automaticamente associada à prostituição? Quais os limites
que diferenciam a sexualização corporificada por uma e pela outra?
No Salão do Automóvel de 2014, obtive um relato interessante para pensarmos as
diferentes formas de sexualização a partir da composição entre estilo corporal, estilo de
uniforme e estilo da empresa. Eu conversava com duas profissionais de perfil exótico, com
131

tatuagens, cabelos estilo dread locks que vestiam jeans rasgados, regatas largas de algodão e
calçavam coturnos, no estande de uma marca inglesa de carros “de luxo”. Elas passaram por
um processo seletivo que buscava estilos corporais e de uniformes que se alinhassem ao estilo
de grande parte dos compradores da marca, pessoas com estilo hipster128. Uma delas, com
pouca experiência em eventos, estava profundamente irritada com as dinâmicas de
sexualização da feira e disse que queria montar um estande só com bonecas infláveis, já que a
função das mulheres na maioria dos estandes da feira é apenas de “objetos” para o “deleite
sexual” do público masculino. A outra profissional, com experiência de 10 anos em eventos,
disse já ter usado muito macacão, por isso defendeu a ideia de que a roupa escolhida pelo
cliente tornava tudo diferente, sendo que a roupa pode possibilitar aberturas ou não, no
sentido de cantadas e “assédio”. Contou a situação dramática de uma colega que trabalhava
em um outro estande que apareceu chorando no camarim porque o cara falou para ela, que
vestia um macacão branco justo ao corpo, bucetão hein?
Bela já chorou muito em situações semelhantes, Mel e Nina também, mas por outras
razões como veremos nos próximos capítulos. Aqui, interessa problematizar os dois tipos
principais de sexualização utilizados em feiras e eventos. De um lado, para algumas marcas
(talvez porque queiram chamar a atenção) a forma de sexualização acionada é dada pelo
macacão que deixa os corpos embalados a vácuo e marcando a buceta enquanto para outras
marcas, de outro lado, a sexualização é feita através do uso de uniformes elegantes. Chamar a
atenção é “abusar” do recurso de sexualização, é passar dos limites. Através de uma
sexualização racializada que aponta marcas de classe e códigos morais é definido o grau e
estilo de sexualização aceito. Quando se trata do estilo tido como vulgar, há muito mais
probabilidade de transmitir a ideia de que a profissional está propícia a se prostituir.
Em oposição ao perfil princesa, clássica e A, geralmente associado ao elegante; a
beleza diferente, o perfil mulherão, o volume corporal e as curvas de Bela são lidos como
vulgaridade, como piriguete e a uma maior propensão para o sexo. Analiticamente, algumas
características de Bela a aproximam da mulata (Corrêa, 1996) e da brasileira que migra para
Europa e automaticamente é sexualizada, tornando-se alvo das políticas governamentais
contra tráfico de pessoas (Piscitelli, 1996, 2008, 2013). Processos que marcam os efeitos
desiguais do fantasma de prostituição no mundo dos eventos.

128
Hipster é a pessoa de estilo alternativo pertencente à extratos sociais mais elevados.
132

Agência, fetiche e ambiguidades

As perspectivas interseccionais contribuem para refletir sobre como – através da


operacionalização do perfil – gênero, sexualidade e raça são percebidos como distinções
morais, criando novas classificações e hierarquias de estilos corporais. As diferenças de perfil
apresentadas nas narrativas de Max, Vicky, Nina, Mel e Bela, cada uma a sua maneira,
mostram como as categorias da diferença informam sobre a associação entre estilo corporal
(incluindo os uniformes) e estilo de sexualização. Nesse sentido, ser princesa e ser mulherão
e/ou piriguete envolve atributos (elegância e vulgaridade) de uma sexualização racializada
(Piscitelli, 1996, 2004, 2008, 2013) que evoca marcas de classe e códigos morais.
Piscitelli (2008) explica que no contexto dos anos 1980, quando a categoria gênero
tem sua centralidade questionada, “a proposta do trabalho com essas categorias
(interseccionalidades) é oferecer ferramentas analíticas para compreender a articulação de
múltiplas diferenças e desigualdades” (Piscitelli, 2008, p. 266). Na leitura da autora, as
perspectivas sobre interseccionalidades estão marcadas pela diferença entre (1) a visão
sistema de Crenshaw, que para uma perspectiva antropológica contém o perigo de misturar a
noção de diferença com a de desigualdade; e (2) a abordagem construcionista promulgada por
Brah (2006 [1996]) e McClintock (2010 [1995]) que fazem uso do legado teórico gramsciano
de “lutas contínuas em torno da hegemonia”, de modo a que a articulação de categorias seja
trabalhada como uma prática que assenta-se na relação ente as partes, em que as identidades
sejam modificadas “como resultado da prática articuladora” (Piscitelli, 2008, p. 267).
Na mesma direção, analiso como, na construção das diferenciações entre os perfis, a
sexualização é mobilizada, considerando tais construções sob uma perspectiva que valoriza os
espaços de agência, entendidos como “capacidade de ação, mediada social e culturalmente”
(Piscitelli, 2013, p. 22), ao contrário de reiterar uma perspectiva fixa de vitimismo das pessoas
envolvidas.
No processo de inclusão do Brasil nos anos 1990 nos circuitos de turismo sexual
internacional e, paralelamente, o destaque de brasileiras nos mercados do sexo europeus,
tornou-se frequente a associação entre brasileiras migrantes e mercados do sexo, mesmo que a
maioria dessas migrantes não tivesse conexão com tais mercados. A noção de feminilidade
brasileira disseminada nos espaços transnacionais é um efeito da articulação de sexualidade,
gênero, cor da pele/raça e nacionalidade. Desse modo, ela é
133

ativada independentemente de que as mulheres estejam ou não vinculadas à


indústria do sexo. A ideia de que elas são portadoras de uma disposição
naturalmente intensa para fazer sexo e uma propensão para a prostituição
[...] tende a atingir indiscriminadamente essas migrantes (Piscitelli, 2008, p.
269).

Apesar de ocuparem, muitas vezes, posições inferiorizadas, tem-se que

as ambiguidades e contradições envolvendo esses processos de


racialização/sexualização articulados a gênero e nacionalidade, abrem
brechas para as negociações nesses contextos migratórios. Essas negociações
só podem ter lugar se considerarmos, à maneira de Brah, que as formas de
categorização podem limitar, mas também abrem possibilidades para a
agência (Piscitelli, 2008, p. 272).

No mundo dos eventos, as intersecções entre as categorias da diferença contribuem


para compreender como profissionais de eventos jogam com os vários estilos corporais
contratados no referido mercado. A corporificação de uma distinção de classe – enquanto
mimese – e os processos de racialização são marcas atribuídas diferencialmente a cada uma
delas, conforme visto na oposição princesa/mulherão.
No contexto da migração de brasileiras para a Europa, a conexão entre nacionalidade e
sensualidade, embora rejeitada em determinadas situações, é utilizada estrategicamente. No
caso dos mercados do sexo, o sex appeal brasileiro atrai clientes. Já nos mercados
matrimoniais transnacionais, cuja migração para países europeus constitui um desejo, “as
mulheres combinam sensualidade com outros atributos performando a imagem de esposas
sensuais, doces, domésticas, dedicadas e ávidas por serem mães” (Piscitelli, 2008, p. 271).
A articulação de categorias que Piscitelli observa no contexto do turismo sexual
brasileiro dos anos 1990 (Piscitelli, 1996) e depois com a migração de brasileiras para
mercados do sexo e mercados matrimoniais europeus (Piscitelli, 2008), onde o que aparecia
era, sobretudo, uma sexualização racializada é fundamental para a análise de como e de que
maneiras ocorre a gestão da sexualização através das diferenças no trabalho de profissionais
de eventos.
Observar a articulação das categorias da diferença para analisar como as pessoas estão
jogando com suas marcas de diferenciação em meio a contextos adversos inspirou estudos
antropológicos envolvendo a sexualização no trabalho tal qual mostrei ocorrer no mundo dos
eventos. Castellitti (2014) analisou um ensaio de nu fotográfico realizado para a revista
Playboy por três aeromoças da extinta Varig em 2006. Levando em conta o fetiche associado
a imagem da comissária de bordo, a autora questiona se os únicos papeis possíveis para as
134

mulheres em posições “objetificadas” é resistir ou reproduzir “opressões”. Buscando


encontrar alternativas a esses dois polos, Castellitti propõe pensarmos “nos rituais fetichistas
como jogos de fantasia que giram em torno das transformações de classe, de raça, de gênero,
de economia e de idade” para encontrarmos “outros elementos além do interesse comercial da
revista” (Castellitti, 2014, p. 6/7).
O ensaio de nu fotográfico, realizado em meio a pérolas e champanhe, retrata
representações de classe com imagens de sofisticação e elegância que podem ser acionados
“para ‘limpar’ o caráter impróprio ou imoral da ação de posar nua para uma revista”
(Castellitti, 2014, p. 7). Sem falar nas comuns críticas sobre a manipulação comercial que
acomete mulheres em posições sexualizadas. Castellitti explica que da mesma forma que para
a revista foi lucrativo produzir uma edição baseada na fantasia sexual com aeromoças,
análises baseadas em observar unicamente o aspecto comercial que “objetifica” significa
impor

uma suposição sobre as subjetividades das mulheres que realizam essa ação,
que na prática leva a negar essa subjetividade, sem na verdade saber nada
sobre seus motivos e vontades [...]. Em se denunciando uma prática
“sexualizadora” que supostamente transforma corpos em objeto de desejo,
não se faz nada mais que transformar os sujeitos em objetos sem desejo
(Castellitti, 2014, p. 11/12).

Uma das aeromoças protagonistas do ensaio nu encarou a experiência como uma


possibilidade de mostrar outras de suas qualificações, como o fato de ser poliglota. Castellitti
explica que por se tratar de um contexto – ensaio fotográfico de nudez feminina – comumente
apontado por seu aspecto “objetificador”, torna-se mais difícil reconhecer de forma ampla a
agência dessas profissionais.
Everton Rangel (2015) também traz à luz processos de sexualização em mercados de
trabalho. O autor, tendo como objeto de estudo dançarinas brasileiras em uma companhia de
circo que viajava pelos Estados Unidos, buscou mostrar como e de que maneiras a
sexualização das performances é relacionada às categorias de diferenciação que permeiam a
ideia de brasilidade, num contexto de mercado voltado para a família (circo) que desenha o
limite do aceitável.
Diferentemente do circo, que é para a família, o mercado de automóveis, motocicletas
e maquinários agrícolas é favorecido pela sexualização de seus produtos. Sexualização que
tem lugar no âmbito de tensões e é produtiva para o mercado publicitário.
135

A sexualização, no caso da companhia de circo, é operacionalizada através da tática


comercial de jogar com imagens de belas mulheres com pernas expostas, poses com a bunda
levemente empinada, etc, não evoca o sexo de maneira direta, explicitamente o sexo, mas que
se relacionam a alegria do povo brasileiro, seguindo a linha de raciocínio de Piscitelli (2008),
que mostra como a racialização das brasileiras é globalmente sexualizada. Rangel destaca
como os publicitários responsáveis pela divulgação do circo mobilizam a brasilidade (e
consequentemente a sexualização) em um jogo de “excitação velado, [em uma] prática de
exibição moralmente controlada” (Rangel, 2015, p.25).
Denúncias de crime ficha rosa e a divulgação midiática do book rosa através da
novela Verdades Secretas mostram que a sexualização do mundo dos eventos tem traços
produtivos e alguns nem tanto. O fantasma da prostituição exige que sujeitos e empresas se
esforcem na gestão da sexualização para mantê-la dentro de fronteiras moralmente aceitas
nesse universo.
As perspectivas interseccionais contribuem para pensar como a sexualização intrínseca
ao mercado de feiras e eventos aciona diferenças que estão além da sexualidade. As
distinções entre princesa e mulherão mostram como sexualidade, gênero e raça, percebidas
como distinções morais, são os meios pelos quais os sujeitos, ativamente, dentro de suas
possibilidades, gerenciam a sexualização.
Através da categoria empírica perfil, mostro como estilos corporais, associados a
outros fatores intersubjetivos como contatos, personalidade e panelinhas, são ressignificados
nos espaços de feiras e eventos, a depender do contexto e pessoas envolvidas. No embate
entre princesa (elegante) e mulherão (vulgar), as corporalidades da segunda são
inferiorizadas porque são racializadas e sexualizadas além dos “limites”; o estilo mulherão
representa os modelos de feminilidade mais assombrados pelo fantasma da prostituição.
Utilizo a ideia de ressignificação das diferenças para refletir sobre a agência das
pessoas num contexto que, a princípio, parece apenas oprimi-las. Sugiro que uma
compreensão sobre a “escolha” em trabalhar com formas de sexualização no mundo dos
eventos, um mercado articulado às economias sexuais; considere “as pressões presentes em
um contexto amplo, marcado por condições como pobreza, racismo, homofobia e
desigualdades de gênero” (Piscitelli, 2013, p. 41).
No próximo capítulo mostrarei as trajetórias de trabalho de Nina, Mel e Bela, para as
quais, ser profissional de eventos era a melhor possibilidade de trabalho que tinham. Desse
modo, independentemente da beleza de Bela ser diferente e consequentemente, de certa
maneira, racialmente sexualizada, às vezes, também inferiorizada na hierarquia dos perfis, não
136

se pode ler suas experiências a partir de termos binários como resistência ou subordinação às
normas de gênero imperantes. Bem como o perfil princesa não está imune a estas leituras. No
entanto, por corporalizar certas categorias da diferença, melhor posicionadas em relação aos
códigos morais em jogo, a princesa pode tirar mais vantagens das estratégias de sexualização
deste mercado.
Neste marco, o fetiche corporificado por profissionais de eventos, pode ser ao mesmo
tempo uma reiteração e uma subversão das normas de gênero e sexualidade. Posicionar
mulheres consideradas atraentes ao lado de artefatos em exposição é uma estratégia de
mercado vastamente utilizada. A publicidade seduz consumidores através de fantasias
sexuais. E as profissionais de eventos em certos momentos apropriam-se dos efeitos dessas
estratégias em benefício próprio. Como Da Silva et al. argumentam a respeito de dançarinas
eróticas nos Estados Unidos, “para serem bem-sucedidas, as dançarinas precisam vender
fantasias, que requeiram interações criativas e simbólicas com os fregueses. Objetos são
incapazes de produzir esse tipo de interação” (2014, p. 154). Ou como uma trabalhadora
sexual que, reconhecendo as vantagens desta forma de trabalho em detrimento de outras na
área de serviços, ao ser questionada se sentia-se “objetificada” na prostituição, respondeu
“Que me objetifiquem!”129 (Da Silva et al., 2014, p. 157).
Observar que profissionais de eventos podem usar o símbolo materializado
(Appadurai (2008 [1988]) do fetiche mulher/objeto em exposição em benefício próprio não é
negar as múltiplas violências de gênero existentes em feiras e eventos (o próximo capítulo
será dedicado a mostrar os aspectos precários desta forma de trabalho feminilizado). No
entanto, é relevante considerar as formas de agência possibilitadas a elas através da
sexualização desses espaços.
Anne McClintock lançou luz para tais complexidades ao mostrar como gênero, classe
e raça se relacionam uns aos outros de modos desiguais e contraditórios, sendo preciso
observar as sobre-determinações de poder, uma vez que é justamente nessa “encruzilhada das
contradições que as estratégias de mudança podem ser encontradas” (McClintock, 2010
[1995], p. 36). A autora analisou os fetiches compartilhados pela criada/escrava Hanna
Cullwick com seu patrão e esposo, o homem de letras vitoriano Arthur Munby, na metrópole
imperial inglesa no século XIX. Eles dividiam o prazer em criar cenários de travestismos de
classe, gênero e raça, com ela trabalhando exaustivamente na limpeza, vestindo-se de escravo
(no masculino), criança, homem (de alta classe) e madame.

129
No próximo capítulo o tema da “objetificação” será retomado.
137

Como a relação entre os fetiches envolvia, sobretudo, a vida doméstica e o império


britânico nascente, McClintock desafia o falo no âmbito do fetichismo das teorias
psicanalíticas e propõem abri-las “a uma história mais complexa e variada em que a classe e a
raça desempenham um papel tão formador quanto o gênero” (McClintock, 2010 [1995], p.
208). O fetichismo era para Cullwick, “uma tentativa – ambígua, contraditória e nem sempre
bem-sucedida de negociar os limites do poder de maneira que resultasse em algo mais que
simples lições sobre domínio e submissão” (McClintock, 2010 [1995], p. 208). Que Cullwick
estava em desvantagem não há dúvida, mas sua posição de vítima era ambígua130. McClintock
busca com a articulação das categorias de gênero, raça e classe “explorar a tensão estratégica
entre as limitações sociais e a atuação social” (McClintock, 2010 [1995], p. 211). Cullwick
exigia que Munby lhe pagasse um salário pelo seu trabalho doméstico, trabalho que ela
inclusive realizava em outras casas. Ela nunca quis se casar com ele e nunca tirou sua pulseira
de couro de escrava. “No fetiche da pulseira de escrava, raça, classe e gênero se sobrepõem e
mutuamente se contradizem; a pulseira de escrava, como a maioria dos fetiches, é
sobredeterminada” (McClintock, 2010 [1995], p. 224).
No Salão do Automóvel de 2014, especificamente no estande da Porsche, havia uma
catraca através da qual somente entravam pessoas autorizadas por meio de um cartão digital.
O estande era totalmente visível, mas havia uma cerca de vidro transparente levemente
elevada em relação ao piso principal que impedia o contato físico com os carros. Eu estava
bem próxima à catraca ao lado de uma adolescente que aparentava ter uns 15 anos de idade,
que estava com o avô e o irmão mais novo. Eles tinham traços fenotípicos de brancura – cor
da pele e textura dos cabelos – e os estilos de vestuário da família toda revelavam distinções
de classe corporalizadas. O cenário em que estávamos era de uma leve aglomeração, havendo
ao nosso redor, pessoas que aparentavam, corporalmente, ser de diferentes classes sociais, a
maioria queria entrar para ver, tocar e tirar uma foto ao lado dos modelos de automóveis desta
montadora de carros “de luxo”. Conversando com a adolescente, ela disse: eles estão
vendendo carros ou mulheres?
As profissionais desse estande, como Nina falou, foram, provavelmente, as primeiras
selecionadas das agências de casting. Condizentes com o modelo-ideal perfil AA da tabela do
início do capítulo, elas vestiam longos vestidos na cor preta, parecidos a trajes de gala

130
Nas palavras de McClintock: “O poder que decorre de ser o espetáculo para o olhar do outro é um poder
ambíguo. Permite que se internalize o olhar do voyeur e participe do gozo vicário de seu poder. Mas também
alimenta uma dependência correspondente daquele que é dotado do privilégio social da aprovação” (2010
[1995], p. 236).
138

(Imagem 34). A questão posta por esta adolescente aparentemente “rica” mostra que o
fantasma da prostituição, no mundo dos eventos, recai sobre todas as pessoas e marcas
envolvidas, mesmo que as modelos não estivessem de top, barriga de fora ou usando
macacão.
Tal situação contribui para pensar na ambiguidade da sexualização que marca o mundo
dos eventos, os esforços individuais e institucionais para separar princesas/elegantes de
mulherões/piriguetes. No entanto, todos os esforços podem falhar já que a classificação dos
perfis não pode ser fixa e objetiva, no sentido estrito do termo, e com isso garantir que o
fantasma da prostituição esteja distante de sujeitos e empresas.

Imagem 33: meme sobre Salão do Automóvel.


Fonte: Arquivo pessoal.

Diante da inerente incerteza, dos riscos de usos da sexualização, são os empresários,


Max e Vicky, os responsáveis em afastar o fantasma da prostituição, a sexualização vulgar,
das imagens de mercado de seus clientes. Neste sentido, o perfil possibilita que a sexualização
se torne um negócio do setor de casting.
139

Imagem 34: Profissional de eventos no Salão do Automóvel. Fonte:


Arquivo pessoal.

A fixação de algum critério objetivo no que se refere aos usos da sexualização no


mundo dos eventos não parece possível. McClintock sugere que os fetiches habitam no limiar
entre o social e o psicológico. Embora a autora aborde o contexto do trabalho doméstico no
período da Inglaterra vitoriana, acredito que suas considerações valham para o trabalho das
profissionais de eventos. Segundo a autora, devemos observar as práticas fetichistas no nosso
tempo, renegociando os cânones psicanalíticos e marxistas que se desenvolveram

em torno da ideia do fetichismo como uma regressão primitiva e a rejeição


do valor social do trabalho doméstico, e é portanto, apropriado que as
inclinações fetichistas de uma obscura criada [Cullwick] nos obriguem a
começar a renegociar uma vez mais a relação entre a psicanálise e a história
social, a agência das mulheres e o poder masculino, a domesticidade e o
mercado (McClintock, 2010 [1995], p. 208).

Em termos das relações de trabalho e gênero há muitas nuances nas dinâmicas de


funcionamento do mundo dos eventos que merecem atenção. Nesse sentido, sublinho a
importância de considerar o quanto o fetiche mulher/carro pode ter efeitos “positivos”131 para
as profissionais de eventos. Diante de um trabalho concorrido, em que elas foram
selecionadas em detrimento de outras, devemos levar em conta esse universo social em sua
multiplicidade e ambivalência. E isto sem esquecer a possibilidade de “transferência” do
glamour dos artefatos para as pessoas.

131
Digo “positivo” no sentido empregado por Foucault (2008 [1978/1979]) quando este defende que as análises
se pautem mais na materialidade dos cálculos econômicos que os sujeitos realizam na obtenção de renda.
140

Neste capítulo, mostrei as perspectivas de empreendedores e profissionais de eventos


que fazem uso de diversos estilos de sexualização a fim de obterem os benefícios almejados.
No próximo capítulo mostro como as profissionais, trabalhando com formas de sexualização
em um mercado de trabalho articulado com economias sexuais, acionam a retórica da moral
do trabalho, provando com alusões ao sofrimento físico e psíquico que seus trabalhos estão
muito distantes da noção de “trabalho fácil” associada à prostituição.
141

CAPÍTULO 4 – UM TRABALHO DIFÍCIL

O sofrimento [no trabalho] tornou-se um emblema da


cidadania econômica. Não é muito diferente de um
endereço residencial. Sem ele, você não tem o direito
de fazer qualquer outra reivindicação.

David Graeber em Bullshit jobs (2018, p. 243).

Por ser difícil estabelecer uma caracterização única para o trabalho desempenhado por
profissionais de eventos, a atividade gera dissonâncias internas e externas. De um lado, há
percepções acusatórias de que se trata de um trabalho fácil, que a atividade não é trabalho,
que são todas putas e que elas ganham bem para sofrer em cima de saltos altos. Por outro
lado, o das próprias profissionais, considera-se que se trata de um trabalho difícil, que envolve
trabalhar 12 horas em pé, ser “assediada” e que deveria ser mais valorizado socialmente.
Tais caracterizações da atividade parecem uma defesa em relação às percepções acusatórias
dessa atividade.
Exploro essas tensões à luz das noções de trabalho sexualizado, trabalho de cuidado e
trabalho afetivo/emocional, considerando que profissionais de eventos executam uma
atividade emocional e de cuidado, marcada por um conjunto de fetiches e fantasias –
românticas e sexuais. Neste trabalho, sexualização, sorrisos e afetos são trocados pelo
pagamento em dinheiro. Por isso, no que segue, o trabalho de profissionais de eventos será
analiticamente percebido como representativo da tensão em torno da questão do dinheiro nas
relações interpessoais, uma contestação moral (Guimarães, 2016, p. 74).
No presente capítulo, considero como as referidas profissionais lidam subjetivamente
com essa trama de acordo com as posições adotadas dentro da categorização dos perfis.
Minha proposta é mostrar como as atividades das profissionais de eventos geram valor nos
ambientes comerciais de feiras e eventos e como elas desenvolvem espaços de agência no
trabalho. Contudo, ressalto que a agência em um trabalho que paga bem não neutraliza as
violações de direitos nas situações de “assédio” que promotoras experienciam. A
desvalorização social característica dos trabalhos de cuidado e afetivo/emocional, intensifica-
se, no caso deste trabalho, em função da estigmatização associada às economias sexuais. A
retórica da moral do trabalho contribui para pensarmos como a relação entre sexualização e
cuidado apresenta efeitos paradoxais na luta por direitos trabalhistas. Também considero
142

como as negociações realizadas pelas profissionais de eventos afetam suas vidas fora do
âmbito laboral.

Imagem 35: meme do extinto perfil do Facebook Promotoras da


Depressão que mostra as dissonâncias em torno da atividade.

Trabalhar é preciso

Um conflito familiar fez Mel sair de casa aos 15 anos e começar a construir uma vida
materialmente independente132. Ela morava em São Paulo com o pai e a madrasta, que na
época tinha em torno de 26 anos, quando as duas tiveram uma grave desavença. A mãe, que
morava em Portugal, disse que ela só permaneceria em São Paulo morando sozinha se
arrumasse um emprego. Do contrário, teria que voltar para Marília, cidade interiorana onde
nasceu e morou com a avó materna, lugar que não tinha nada. Decidiu mudar-se para viver
com o pai na capital, onde acreditava poder crescer. Por isso, Mel, para crescer, queria São
Paulo. Morou com o pai até o dia do conflito citado acima.
Conseguir um emprego era seu objetivo, então, já no dia seguinte à conversa com a
mãe, foi ao shopping, entrou na primeira loja que viu (uma loja de maquiagem) e a gerente
disse que ela poderia começar no próximo dia. Para Mel, a rapidez da contratação ocorreu
porque a gerente havia gostado dela. Empregada, ela se mudou para uma república de
meninas na Vila Olímpia. Sua mãe pagava o aluguel de R$500 e com os R$1.000 que

132
Entrevista realizada em 21/01/2016 em Campo Grande/SP.
143

ganhava se virava. Na perspectiva de Mel, começar a trabalhar cedo faz a pessoa ficar
vivida.
Da loja de maquiagem Mel passou a trabalhar em uma loja de roupas estilo surf.
Quando esta loja fechou, surgiu o interesse no trabalho com eventos. Recorreu a uma amiga
que trabalhava na área, solicitando que a indicasse. Apesar da amiga ter fornecido algumas
informações gerais, Mel fez tudo praticamente sozinha, pesquisando agências e outras
promotoras em busca de estabelecer contatos no meio. E corria atrás, levava meu material
pra agência, falava “por favor me dá uma chance”, “me dá uma chance” e foi indo.
O seu primeiro trabalho com eventos consistiu em entregar o jornal de uma grande loja
de departamento no farol para ganhar R$100 pelo dia trabalhado. Porém, como chovia, Mel
enfrentou contratempos com o transporte público e se atrasou. O atraso de 40 minutos a fez
receber apenas R$50 por oito horas de trabalho, mas Mel pondera o incidente dizendo que
trabalhou muito feliz porque sabia que era seu primeiro evento e que tinha sido muito difícil
ganhar a primeira oportunidade.
Desde 2011, quando fez este evento para a loja de departamento, Mel trabalha
praticamente todos os dias e agradece por ter conquistado seu espaço, pois ela relaciona tudo
o que tem, no plano da vida material, aos ganhos trabalhando com eventos, comprou carro,
casou, tudo com dinheiro de evento, ajudando o marido, trabalhando, juntando dinheiro.
Em agosto de 2016, viajaria para Paris onde encontraria a mãe133. A viagem tinha
custado um dinheirão que ela juntava havia dois anos com o marido, trabalhando só com
evento, economizando muito e juntando pra poder ter essas coisas. Outro motivo de
comemoração para Mel, era seu plano de começar uma faculdade no próximo ano (2017), o
que poderia ser planejado graças ao evento também. Vale enunciar que este plano não tem
relação com insatisfações com o trabalho em eventos, mas apenas expressa o seu desejo de
estudar psicologia. Então, tudo que eu tenho devo a minha área, de fazer evento.
Ao lado da valorização do trabalho com eventos, Mel tem na dança uma grande
paixão. Começou dançando Jazz, mas atualmente se dedica aos estilos Dança de Rua, Break e
Zumba. Por ter neste hobby uma performance acima da média, recentemente havia participado
de um teste para assistente de palco do Programa do Gugu na rede Record134 de televisão.
Circulava a informação de que se procurava meninas de estatura menor e que não fossem

133
Entrevista realizada em 30/07/2016 via WhatsApp.
134
O programa foi exibido pela emissora entre 2015 e 2017. O apresentador, Gugu Liberato, tornou-se famoso
devido ao Domingo Legal, programa exibido no canal aberto SBT de 1993 a 2009.
144

popozudas, estilo corporal no qual ela acreditava se enquadrar. Das 300 meninas
participantes, ela ficou entre as 12 finalistas, contudo, soube que seriam selecionadas apenas
dançarinas profissionais, com graduação em Dança.
Ao trabalhar só com evento, Mel entende que está construindo uma carreira com
perspectivas futuras na área, tanto que ela se vê como microempresária 135. Devido à
experiência de cinco anos no mundo dos eventos, sua rede de contatos possibilitou que ela
abrisse sua própria agência. Mel já contrata meninas para trabalharem para ela, tem seus
clientes próprios, emite nota, faz pagamento, tem contador. Por tudo isso, diz Mel, sou
promotora de evento, recepcionista e modelo. E hoje em dia tenho minha própria agência,
então é minha carreira, minha profissão. Vivenciando uma relação de profunda identificação
com seu trabalho, Mel enfatiza que apesar do cansaço, para ela, fazer evento é tudo. Em suas
palavras: eu amo fazer evento [...], eu vou trabalhar feliz todos os dias.
O que Mel mais ama em sua profissão é a flexibilidade: não ter rotina e cada dia estar
em contato com pessoas e empresas diferentes. Ela considera que isso contribui para o
crescimento intelectual, conhecendo um pouco de cada segmento, um dia trabalhando com
dentista, outro dia com médico, outro dia com peão, com máquina, com carro, com
congresso. Mel considera a flexibilidade muito legal principalmente por possibilitar à ela
aprender coisas novas e também porque ganha bem, não tem como negar, é um salário que
às vezes a gente ganha mais do que uma engenheira, do que um advogado, tem esse benefício
também né?
A ação de fim de ano que fez no Shopping Eldorado, com duração de 60 dias, lhe
rendeu RS10.000. Além do retorno financeiro, que Mel considera satisfatório, o trabalho com
eventos lhe proporciona acesso a tratamentos estéticos cujo pagamento ela não está disposta a
tirar do próprio bolso. Este trabalho consiste em fazer a divulgação do tratamento feito na
clínica em seu Facebook, estilo publi ou merchan. Seu trabalho envolve gastos com beleza e
por isso ganhar R$180 por dia, por mais que pareça muito, não o é quando se coloca na ponta
do lápis os custos para manter-se bonita.
*
Bela trabalha desde os 14 anos136. Entrou no mundo dos eventos aos 15. Ela mora
sozinha em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, cidade em que nasceu. A avó, com
quem tem um forte vínculo emocional, mora no mesmo terreno, em uma casa nos fundos.

135
Entrevista realizada em 17/01/2017 em São Paulo/SP.
136
Entrevista realizada em 23/07/2016 em Guarulhos/SP.
145

Bela é considerada uma pessoa forte, mas ela não se vê dessa maneira. Tem a autoimagem de
uma locona, daquelas que vai de chinelos no boteco e enche a cara, como diz ela, rindo, mas,
que prefere muitas vezes estar sozinha, pois se sente incompreendida e mal interpretada pelas
pessoas no geral.
Tal sentimento de incompreensão, na maioria das vezes, tem relação com o trabalho
em eventos, tanto que Bela evita revelar que trabalha na área. Ela nota que as pessoas mudam
quando têm essa informação, até amigos, família já pensaram que eu fazia programa. Já
questionaram seu cunhado dizendo ai sua cunhada é super nova e tem carro e ela argumenta:
ninguém pensa, ah ela se fode todo dia para comprar suas coisas.
Para Bela, o fato dela morar sozinha torna essas experiências com o fantasma da
prostituição mais difíceis de lidar. Ela conhece meninas que sofrem com as mesmas
desconfianças e até situações piores, no entanto, como elas ainda moram com a família
sentem-se mais acolhidas, pois querendo ou não a família dá apoio pra tudo.
O primeiro trabalho de Bela, aos 14 anos em uma lanchonete, já foi dando merda logo
de primeira. Era um local pequeno, perto de sua casa, onde trabalhava das 8 às 17 horas e
ganhava cerca de R$400 por mês137. Ressaltou que era bastante tranquilo, vendia coxinha e
convivia com os diversos homens que frequentavam a lanchonete para beber. Contudo, depois
de um mês foi demitida porque a esposa do dono a viu e achou que ela tinha muito corpo e
por isso poderia sair com o dono. Para Bela, não tinha motivo para a demissão já que ela fazia
tudo certo. Ao tentar argumentar com o patrão ele falou que não tinha como continuar ali
porque sua esposa o intimou alegando ou sua funcionária ou seu casamento. Bela chorou
muito ao sair do primeiro emprego.
Logo em seguida, ainda aos 15 anos, Bela começou a fazer eventos. No primeiro
evento, realizou uma série de desfiles de lingerie. Ela foi acompanhada por sua mãe, que
assinava as autorizações devido à menoridade. Bela descreveu essas experiências iniciais
como um misto entre o deslumbramento com a fama e o nojo da visão dos homens. Ela ainda
guarda um vídeo dos caras gritando “gostosa”, “delícia”, o que lhe causa um sentimento de
nojo.
Bela decidiu, então, que não queria trabalhar com eventos e levou currículo até uma
loja de suplementos, também perto de sua casa. Disse que foi vestida normalmente, que os
responsáveis pela loja nem olharam seu currículo e já mandaram ela começar no dia seguinte,
perguntando apenas se ela treinava musculação. Ela treinava, mas, assim, naquela, sem muita

137
Trata-se de 2009 quando o salário mínimo valia R$465. Disponível em:
http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm. Acessado em 08 de set. de 2020.
146

dedicação. O trabalho era das 8 às 17 horas, ela estudava à noite e ganhava pouco mais de
R$1.000. Era seu segundo emprego fora dos eventos e, como ela desejava continuar na loja,
se esforçou para aprender mais sobre suplementação. Decidiu que ia fazer de tudo, disse para
si mesma vou ficar na minha já que era um ambiente masculino como a lanchonete e ela
temia ser demitida sem motivo. O emprego durou dois meses e a própria Bela, narrando a
história, perguntou retoricamente que fora demitida por que de novo? Por causa de mulher!
Após uma divulgação online da loja em que Bela apareceu normal, vestindo camiseta, calça
jeans e legging, o movimento de homens na loja aumentou, então, a esposa do proprietário
começou a achar ruim, que poderia acontecer de eu sair com ele.... [Chegou] no ouvido dela
que tinha uma mulher que era bonita, que tava trabalhando na loja, cê sabe como que é
mulher, começa a pensar um monte de bosta. Daí eu tive que sair também.
Após a segunda demissão, ela ficou desanimada em procurar qualquer emprego e
precisou de um tempo para se recuperar emocionalmente. Depois de algumas tentativas
frustradas enviando currículos para setores variados, ligou o foda-se e decidiu vou voltar a
fazer eventos, só não vou me prostituir. Para ela não foi uma decisão fácil porque ela se
incomodava muito com a dinâmica do mundo dos eventos, no entanto, ela precisava trabalhar
e em seu retorno, apesar de ainda ser menor de idade, passou a pegar mais firme, a fazer mais
desfiles e feiras comerciais.
Ao completar 18 anos, Bela fez a terceira tentativa com emprego fixo. Relatou com
humor, consegui, fiquei super feliz, agora vai, vou sair dos eventos. E o dono começou a dar
em cima de mim, o bendito! Tratava-se de uma empresa de sucos na região de Alphaville, o
que significava realizar o trajeto de cerca de uma hora de carro de Guarulhos, mas, a distância
não importava porque ela fazia questão de trabalhar fixo e por isso ligou o foda-se e decidiu
tentar.
O trabalho consistia em fazer um pouco de tudo: vender, organizar, ir a eventos da empresa,
etc. Mas, logo iniciaram as fofocas que a faziam se sentir horrível, como se ela fosse um
pedaço de carne em qualquer lugar que estivesse, desde que fosse um ambiente masculino.
Após quatro meses saiu da empresa e voltou para os eventos.
Em uma ocasião futura, ela foi chamada para fazer um evento por indicação de seu ex-
chefe nesta empresa de sucos. Ao informar que cobrava R$200, Bela ouviu: nossa, você faz o
que além de eventos para ganhar esse valor? Para ela, era uma forma indireta de dizer ah
você vai sair comigo pra ganhar esse valor? Então, tomada de raiva, respondeu ah deixa de
ser ridículo, quando ouviu em resposta ah você deu pro dono [da empresa de sucos], por que
147

não dar pra mim? Revoltada, ligou na empresa e xingou todo mundo, inclusive o ex-chefe,
depois bloqueou todas as pessoas envolvidas em suas redes sociais.
Após esta terceira tentativa de emprego formal, Bela chegou a ficar traumatizada, pois
a situação parecia ter piorado. Foi então que a promotora decidiu aceitar que sua fonte de
renda viria dos eventos. Se em todo lugar que ela fosse trabalhar viveria um inferno por causa
dos olhares de desejo masculino diretos ou indiretos, concluiu: então é melhor trabalhar com
eventos que você já sabe que os caras já vão com essa intenção e você já manda se foder do
que insistir em arrumar emprego. Durante dois anos ela trabalhou só com eventos.
Foi trabalhando em uma feira que ela conseguiu sua quarta e mais recente
oportunidade de trabalhar em um emprego fixo. Ela ganhava R$150 por dia e enquanto estava
no estande familiarizou-se dos procedimentos de venda da empresa e chegou a vender
R$100.000, montante este que um dos vendedores do estande marcou em nome próprio. Bela,
dias após este evento, soube que os vendedores ganhavam comissão pelas vendas, então
procurou um funcionário da empresa para relatar que ela havia vendido cem mil reais na feira.
A pessoa que a atendeu não apenas se desculpou por ela não ter recebido sua comissão como
a convidou para fazer uma entrevista na empresa. Ela fez um teste e passou. A empresa
comercializava climatizadores e Bela passou a trabalhar como demonstradora de produtos.
Ganhava em torno de R$3.200 e revezava sua presença entre as três sedes da empresa,
localizadas em Santos, Av. Paulista e São Bernardo do Campo.
Bela estava trabalhando nesta empresa e fazia eventos de fim de semana, o que para
ela era tranquilo. Conciliar emprego fixo com eventos é a situação ideal. Ela estava feliz no
emprego e temia ser demitida, sobretudo por saber que estava em andamento diversos cortes
de funcionários devido ao contexto da crise. Demitida em meados de junho de 2016, Bela
obteve depois informações sobre comentários a seu respeito que circulavam na empresa. Um
funcionário ligou para ela e disse não queria te falar, mas só que eu fiquei sabendo que você
ia sair da empresa porque você não quis sair com o dono [...]. Bela disse que era sempre a
mesma visão.
Apesar de todas as ponderações desfavoráveis que Bela faz ao trabalho com eventos,
com esta atividade, aos 17 anos comprou seu primeiro carro, um corsa velho, brincou, além
de outros bens materiais que ela adquiriu trabalhando em qualquer evento que aparecia.
Atualmente ela tem autonomia para selecionar eventos em que quer trabalhar, mas, pondera,
pra entrar é foda, meu. Já trabalhei de graça. Já fechei cachê de R$40 que não pagava nem a
passagem. Foda. Só pra você entrar e conhecer. Porque é isso aí. Depois que cê entra você
pode rever seus cachês. Bela reconhece o retorno financeiro favorável proporcionado pelos
148

eventos em que num mês bom você consegue tirar uns quatro mil. No entanto, faz a seguinte
ressalva, prefiro mil vezes ganhar mil e pouco e ficar na minha, não ter que aguentar
desaforo de ninguém, porque eu já cansei de mandar homem se foder.
A renda de cerca de quatro mil reais em um mês bom trabalhando com eventos é
acompanhada pelo interesse sexual masculino e o julgamento social sobre o trabalho, razão
pela qual Bela não se empolga em construir uma carreira na área, ela nutre o desejo de
encontrar algum emprego fixo em outro setor e fazer uma faculdade. Sua permanência no
mundo dos eventos é resultado das tentativas frustradas de encontrar outra forma de emprego,
ela não faz eventos porque quer e lamenta o pensamento comum em seu entorno social que
considera que toda mulher bonita é burra ou vai dar pro dono.
*
Nina trabalha com eventos desde os 18 anos138. Nascida na capital São Paulo, reside
no centro da cidade com a mãe. Seu pai, com quem mantém uma relação amistosa, embora ele
não a ajude financeiramente, mora em outro bairro. Sua mãe recebe temporariamente a
quantia de um salário mínimo de auxílio por problemas médicos.
Tal cenário coloca Nina praticamente como a responsável pelo sustento da casa, para
pagar aluguel e comprar suas coisas, ela precisa trabalhar. Nina é apaixonada pela mãe, elas
dormem no mesmo quarto, são amigas e se divertem bebendo e fumando juntas. Desde nossa
primeira conversa no estande do Salão Duas Rodas no meio da agitação da feira, quando
falávamos sobre as fofocas sobre prostituição, Nina se mostrou possuidora de considerável
segurança com afirmações do tipo não dou a mínima para o que as pessoas pensam, só quero
agradar a minha mãe, só devo satisfação pra minha mãe.
O primeiro emprego, aos 14 anos, foi como vendedora temporária em uma loja de
roupas estilo surf no centro de São Paulo139. O segundo, que durou dois anos, foi em uma
farmácia onde sua mãe já trabalhava como atendente e sua função era realizar entregas a
domicílio que ela fazia a pé, porque era muito atrapalhada para usar bicicleta. Rindo contou
que era bem magrinha de tanto realizar as entregas andando. Depois passou a trabalhar como
recepcionista em um restaurante italiano ao mesmo tempo em que já dançava
profissionalmente. Foi através de contatos do meio da dança que recebeu a proposta de fazer
seu primeiro evento. Um trajeto que para ela foi muito fácil considerando o trabalho com
recepção e com a dança que ela já exercia. Contudo, ela não era muito perfil, estava acima do

138
Entrevista realizada em 24/02/2016 em São Paulo/SP.
139
Entrevista realizada em 26/07/2016 em São Paulo/SP.
149

peso porque comia muita massa na casa italiana e por isso não conseguia ser selecionada para
os eventos que pagavam melhor, então, ela até fazia alguns eventos, mas naquele padrãozinho
das meninas mais “cheinha”, mais “boladinha”, até que tomou vergonha na cara e
emagreceu pra ficar rica!
Atualmente ela recebe um salário fixo como dançarina dos estilos Country e
Stiletto140 em uma casa sertaneja localizada na Vila Olímpia. As apresentações são feitas
durante os intervalos das atrações musicais e envolvem uma sofisticada preparação de
maquiagem e vestuário. Enquanto não está no palco, ela aguarda no camarim, não pode ficar
na balada, muito menos ingerir álcool, é muito sério.
O primeiro evento grande foi através de uma amiga que a levou em uma agência. Era
um congresso de medicina neurológica no qual sua função era apresentar o produto no
estande. Após se dedicar ao processo de emagrecimento, obteve contato com mais agências e
não parou mais de trabalhar na área. No entanto, Nina, mais próxima da visão de Bela e
diferentemente de Mel, não trabalha só com eventos. Em suas palavras, é muito interessante
ter um trabalho fixo, como eu sempre fiz. Por exemplo, eu concilio os eventos com um
trabalho fixo, agora só que eu tô fazendo só eventos. Porque ao mesmo tempo que tem vários,
pode ser que não tenha nenhum. A necessidade de Nina em ter um trabalho fixo e conciliar
com eventos é resultado de experiências antigas nas quais ela dependia do dinheiro dos
eventos e não conseguia ser selecionada porque mesmo após emagrecer tem muita menina que
é muito mais belíssima que você e muito mais o perfil que você, então, assim, tem trabalho
que você não pega.
*
Embora estejamos diante de mais uma forma de trabalho precário e de cuidado, em
que as mulheres são maioria, trabalhar como profissional de eventos possibilita acesso a
imagens de glamour que “encantam” e “enfeitiçam”141, em diferentes níveis, todos os
envolvidos. Este trabalho apresenta uma série de aspectos tidos, pelas profissionais, como
benéficos.
Em comparação a outros empregos no setor de serviços o trabalho com eventos
possibilita um retorno financeiro considerado satisfatório pelas minhas interlocutoras. Na

140
Dança caracterizada pelo uso de saltos altos popularizada pela cantora pop norte-americana Beyoncé.

141
Segundo McClintock (2010 [1995]), p. 277), “o termo ‘fetiche’ deriva da palavra medieval portuguesa
feitiço, que significava bruxaria ou arte mágica”.
150

plataforma oficial Trabalha Brasil há médias salariais de diversas categorias profissionais142.


No caso de promotor de eventos (só é informado no masculino), os salários variam entre R$
1.615,17 e R$ 4.067,91. Para o trabalho de vendedor (também só é informado no masculino),
os salários variam entre R$ 1.277,26 e R$ 3.216,87. Para garçonetes a variação está entre R$
1.153,74 e R$ 2.432,42. Mel ganhou R$10.000 em dois meses e Bela diz poder ganhar
R$4.000 em um mês bom.
Diante de tais números, é preciso apontar as vantagens do trabalho com eventos do
ponto de vista de minhas interlocutoras. Saba Mahmood (2006), em sua etnografia com
mulheres que participavam do movimento pietista de mesquitas no Egito, mostrou que a
devoção das mulheres adeptas da religião não podia ser lida como um fator puramente
alienante. O contexto religioso que, a princípio é percebido como contrário aos conceitos de
liberdade e independência feminina, defende a autora, “não podia ser entendido apenas por
referência a argumentos a favor da igualdade de gênero ou resistência à autoridade masculina”
(Mahmood, 2006, p. 132). Para dar conta de uma análise feminista em meio a tais condições,
a autora sugere que deixemos de pensar a agência apenas como “resistência” e que passemos
a vê-la também como um “modo de ação”, “como uma capacidade para a ação criada e
propiciada por relações concretas de subordinação historicamente configuradas” (Mahmood,
2006, p. 123).
A perspectiva de uma luta coletiva por melhoria das condições de trabalho tem uma
grande serventia para propósitos de organização política, especificamente sindical.
Profissionais de eventos, mostrarei à frente, sabem da importância desse tipo de união
institucional. Contudo, seus espaços de agência aparecem delineados no plano concreto das
economias cotidianas e trata-se de uma agência individual, como percebido nas mulheres em
mesquitas estudadas por Mahmood. Nesse sentido, os aspectos tidos como positivos pelas
minhas interlocutoras são perceptíveis, analiticamente, partindo-se do ponto de vista do lugar
que ocupam nessas economias, considerando-se as ações concretas em detrimento da
racionalidade e impessoalidade usual dos modelos – abstratos – da economia (Foucault, 2008
[2004], p. 305-308).
Lúcia Santaella (1990 [1983]) ao ser perguntada “o que é Semiótica” no momento de
surgimento da disciplina respondeu que “quando alguma coisa se apresenta em estado
nascente, ela costuma ser frágil e delicada, campo aberto a muitas possibilidades ainda não

142
Disponível em: < https://www.trabalhabrasil.com.br/media-salarial>. Acessado em 27 de jan. de 2020.
151

inteiramente consumadas e consumidas” 143 (Santaella, 1990 [1983], p. 8). Escrevendo essas
linhas encontro um alívio nas palavras desta autora, digo alívio porque ao longo do doutorado,
enquanto buscava por referências bibliográficas sobre relações de trabalho e gênero que
ecoassem no campo empírico das profissionais de eventos, atividade que eu também realizei,
cada vez mais sentia que os conceitos “alienação”144 e “objetificação”145 não correspondiam
ao que o trabalho de campo mostrava.
As definições, “alienação” e “objetificação”, foram, na minha busca intelectual, uma
espécie de bloqueio que impedia “justo a inquietação e curiosidade que nos impulsionam para
as coisas que, vivas, palpitam e pulsam” (Santaella, 1990 [1983], p. 9). A escrita etnográfica
me permitiu mostrar as dinâmicas sociais do campo naquilo que elas me pareciam
provocantes, abrindo-me outros caminhos.
Dito isto, que novo olhar podemos lançar para o trabalho flexível a partir das
experiências de profissionais de eventos? Apesar de Bela e Nina preferirem um trabalho fixo,
ambas veem benefícios em conciliar trabalho fixo e eventos a fim de obterem maior
rendimento financeiro. Mel não tem dúvidas, ela ama a flexibilidade. Neste sentido, vale
considerar que elas percebem a flexibilidade a partir de uma lógica ambivalente.

143
Agradeço especialmente ao Herbert Mora por ter chamado atenção para tal referência.
144
Trago algumas percepções sobre “alienação” comuns na literatura sobre relações de trabalho e gênero das
quais a presente tese precisou se afastar. Michael Hardt e Antonio Negri, em Multidão (2014 [2004]),
argumentam que se “a alienação nunca foi um bom conceito para entender a exploração dos operários de
fábricas”, com o trabalho afetivo, “terreno que muitos ainda não querem encarar como trabalho [...], a alienação
efetivamente constitui um fator conceitual útil para entender a exploração” (Hardt & Negri, 2014 [2004], p. 153).
Silvia Federici, em O ponto zero da revolução (2019 [2012]), também considera que o trabalho afetivo está mais
aberto à “alienação”. Segundo a autora, “o trabalho afetivo é, para os trabalhadores, uma experiência mecânica
alienante realizada sob um comando direto, sendo tão vigiada, medida e quantificada em sua capacidade de
produção de valor quanto qualquer forma de trabalho físico. É também uma forma de trabalho que gera um
senso mais intenso de responsabilidade e, ocasionalmente, orgulho dos trabalhadores, minando assim qualquer
rebelião em potencial contra sentimentos de injustiça” (Federici, 2019 ([2012]), p. 349/350).
145
Tal qual na nota anterior, reitero a necessidade de buscar por caminhos de análise alternativos ao conceito de
“objetificação” como o defendido, principalmente, por Catherine MacKinnon em várias de suas obras, como
Feminism Unmodified (1987) e Pornography, Civil Rights and Speech (1985). Para esta autora, a teoria da
”objetificação” “é a dinâmica da subordinação das mulheres” (MacKinnon, 1987, p. 118), em que a revista
Playboy, por exemplo, representa a objetificação sexual legalizada das mulheres (MacKinnon, 1987, p. 139).
Focando na produção pornográfica, MacKinnon argumenta que qualquer possibilidade de haver admiração da
beleza da mulher nestes cenários se torna objetificação diante do público consumidor destes produtos: a
sexualidade masculina (MacKinnon, 1987, p. 149/150). Sheila Jeffreys, em Beleza e misoginia (2005), analisa o
mercado da beleza em parte tendo a indústria pornográfica e a prostituição como referência para explicar seu
ponto de vista sobre a “objetificação”. Para a autora, “o estigma da objetificação sexual para venda tornou-se
tendência na indústria da beleza. As pressões da pornografia criaram novas normas fashion para as mulheres em
geral, como implante de seios, depilação genital, alteração cirúrgica dos lábios, os ornamentos do
sadomasoquismo na forma de roupas pretas e vinil, e a enorme exibição da carne, incluindo seios e nádegas”
(Jeffreys, 2005, s/p). Para uma reflexão crítica destas posições, conferir Ana Paula Da Silva et al. (2014).
152

Berrebi-Hoffman et al. (2009) enfatiza que “a flexibilidade na situação de trabalho não


é em si mesma negativa como Sennett argumenta, nem desejável, como sugerido nas teses de
Giddens”146 (Berrebi-Hoffman et al., 2009, p. 26/27). Os autores justificam a pertinência da
utilização da ideia de ambivalência nas análises sobre relações de trabalho contemporâneas no
sentido de que as demandas cotidianas da vida são sempre conflitivas. Valendo, então,
considerar como a flexibilidade, não obstante seus efeitos desastrosos no mercado de trabalho,
pode ser interpretada positivamente por minhas interlocutoras.
Se a flexibilidade se tornou uma técnica que diz respeito à possibilidade dos sujeitos
organizarem a vida na busca por satisfação, “autorrealização” e podendo ser o trabalho uma
maneira de desenvolver habilidades pessoais e negociá-las no mercado (Berrebi-Hoffman et
al., p. 33/34), é necessário ponderar que tais possibilidades não estão igualmente distribuídas
“entre os sexos, entre os diferentes grupos de idade ou entre as várias categorias sócio
profissionais” (Berrebi-Hoffman et al., p. 40). Desse modo, a percepção da ambivalência da
flexibilidade contribui para pensarmos as diferentes visões e perspectivas futuras que Mel,
Bela e Nina têm de seus trabalhos, diferenças que falam diretamente das relações
contemporâneas de trabalho marcadas por intersecções entre gênero, sexualidade, raça e idade
que remonta a distinções de classe associadas à códigos morais.
As três reconhecem que o capital da beleza foi fundamental para tornarem-se
profissionais de eventos. No entanto, para cada uma a beleza adquire um significado singular.
Se para Mel ter beleza ajuda muito e para Nina foi preciso emagrecer para ficar rica, para
Bela, entretanto, sua experiência como uma mulher bonita a confronta cotidianamente com o
julgamento de que toda mulher bonita ou é burra ou vai transar com o chefe. A beleza, para
esta última interlocutora, torna-se carregada moralmente (Gilliam & Gilliam, 1995; Corrêa,
1996; McClintock, 2010 [1995]), o que não ocorre nas perspectivas das duas primeiras.
As relações de trabalho no mundo dos eventos ressignificam marcas da diferença e o
perfil clássico de Mel, a semelhança de Nina com a princesa Jasmine e a beleza diferente de
Bela dão mostras dos efeitos desiguais acionados por suas corporalidades nesse processo,
sendo necessário, um olhar atento às nuances que perpassam as lógicas de diferenciação
internas ao mercado de feiras e eventos147.

146
Os autores se referem às obras Sennet, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do
trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2015 [1998]; e Giddens, Anthony. Modernidade e
identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002 [1991]. Trata-se de duas análises “tipicamente masculinas” que “tendem
a ignorar as dimensões sincrônicas da ambivalência” (Berrebi-Hoffman et alii, 2009, p. 29).
147
O tema será retomado à frente.
153

De qualquer modo, o campo mostra que minhas interlocutoras estão distantes de uma
subjetivação puramente negativa no que se refere ao trabalho flexível, por exemplo, quando
Mel diz trabalhar feliz e amar seu trabalho. Donna Haraway (2009 [1991]) sugere que, longe
de quaisquer modelos totalizantes, devemos perceber as ambivalências que as análises
marxistas desprezam e que devemos ter “uma sutil compreensão dos prazeres, das
experiências e dos poderes emergentes, os quais apresentam um forte potencial para mudar as
regras do jogo” (Haraway, 2009 [1991], p. 81/82).

Imagem 36: Foto de capa do extinto perfil do Facebook


Promotoras da Depressão.

Imagem 37: memes do extinto perfil do Facebook Promotoras da Depressão.


154

“Mudar as regras do jogo” pode ser pensado através das estratégias para “ganhar a
vida” [making a living] no sentido proposto por Susana Narotzky e Niko Besnier (2014). Os
autores se interessam por uma compreensão ampliada de economia que envolva dinâmicas
cotidianas que geralmente não são consideradas “econômicas”. Para explicar a proposta, eles
perguntam:

“Como é que as experiências das pessoas comuns moldam os projetos de


vida que empreendem? E como realidades materiais, sociais e culturais
restringem esses projetos?”. Pensamos “a economia” nem como um domínio
reificado de inquérito isolado do resto da existência humana, nem como uma
forma particular de ação social, tal como uma previsibilidade. Pelo contrário,
nós conceituamos a economia como consistindo de todos os processos que
estão envolvidos, de uma forma ou de outra, em “ganhar a vida”, tomados
em um sentido muito amplo e sublinhando tanto o “esforço” envolvido
quanto o objetivo de “sustentar a vida”. Mas ganhar a vida diz igualmente
sobre a cooperação e sobre ser parte de um coletivo que dá sentido à vida,
que faz com que a vida “valha a pena” (Narotzky & Besnier, 2014, p. S5/S6,
tradução livre).

De acordo com Narotzky & Besnier, “como as pessoas ganham a vida em diferentes
contextos sociais e culturais tem sido um interesse de longa data na antropologia” (2014, p.
S5). Em termos gerais, algumas perspectivas centraram-se na produção enquanto uma questão
de condições materiais no sentido de Karl Marx, enquanto outras enfatizaram a circulação de
bens, na direção da troca de presentes desenvolvida por Marcel Mauss148. Os autores, cuja
perspectiva compartilho, estão interessados em “ver a produção e circulação como
inextricavelmente emaranhadas na prática social” (Narotzky & Besnier, 2014, p. S5). Por isso,
a questão central de ganhar a vida, para eles, envolve o cruzamento dos temas da crise, do
valor e da esperança, já que para mostrar o que pessoas comuns entendem por “uma vida
digna de ser vivida”, é preciso compreender o que elas fazem para lidar com crises e com
quais valores caminham em direção a seus objetivos (Narotzky & Besnier, 2014, p. S5).
Deste modo, o trabalho de promotora, visto pela ótica do valor, representa um
problema social relativo ao mundo do trabalho que procurarei analisar a partir das dinâmicas
com as quais os sujeitos estão “ganhando a vida” cotidianamente, em suas ações e práticas
sociais.

148
David Graeber em Toward na anthropological theory of value, ao teorizar a dicotomia em torno de Marx e
Mauss, afirma: “nenhum presente puro ou mercadoria pura, a economia realmente existe” (Graeber, 2001, p. 36).
Narotzky &Besnier seguem na esteira desta proposta.
155

O que faz exatamente uma profissional de eventos?

Em 2014, Mel publicou no seu Facebook um texto que sintetiza várias das
controvérsias em torno de sua profissão e das atividades realizadas por ela (e que serão
aprofundados até o final do capítulo):

Meninas e colegas entendam, fazer evento não é um “bico” de fim de


semana. É um trabalho sério, é ser PROFISSIONAL do evento, uma
profissão! A mais de 3 anos atrás quando comecei, não ficava pedindo para
as meninas me indicarem, eu mesma corria atrás, ia nas agências, infinitas
seleções e cadastros. Ate conquistar o meu espaço. Entao só entra nessa se
for mesmo o que você quer, pois na minha opinião é uma das áreas mas
difíceis de se trabalhar... Vai aí um pouco do que passamos: os trabalhos
costumam ser cada semana em um lugar, na maioria das vezes muito longe!
O(a) cliente não entende que vc tem necessidades básicas, como comer,
beber água e ir ao banheiro. Para eles vc tem que aguentar pois é só uma
semana. (eles tbm não sabem que vc vive disso).Quando é mulher é pior, ela
pega birra de vc, te trata igual a um lixo qualquer. É uma grande missão,
conquistar seu espaço em uma empresa toda semana! Fora ser simpática e
estar bonita todo dia.... E ter inteligência suficiente para falar de todos os
assuntos, estar a par dos problemas políticos, etc... Ah ainda tem as cantadas
idiotas né!? Vc tem que sorrir e achar engraçado haha. E para de misturar as
coisas e falar que é tudo puta, as moças ganham dinheiro deitada e não
trabalhando 12 horas em pé de salto alto no calor, frio e na chuva! Enfim.....
Valorize aquela moça que está no stand sendo paga apenas pra “sorrir”,
como muitos falam! Voce não sabe o que ela passou ou passa para estar ali!
Um bom dia queridos!!!!

Em 2016, a morte da profissional de eventos Glaucia Pereira (Imagem 38) por


pneumonia levou as amigas de trabalho a suspeitarem que os motivos para seu adoecimento
possam ter sido as más condições de um trabalho realizado dias antes de sua internação
(Banda B, 2016).
Ainda em 2016, no Salão do Automóvel, o portal UOL de notícias publicou uma
reportagem que denunciava as condições precárias do trabalho de profissionais de eventos
(Uol, 2016). A matéria mostrava pés inchados, com marcas da sandália modelo gladiador,
usadas pelas promotoras naquela feira (Imagem 39). A má alimentação foi outro tema
abordado na publicação. Em visita à feira, soube através de uma profissional que o cliente
final do estande denunciado pagava o valor médio de R$50 pela alimentação de cada pessoa
da equipe. Porém, a produção distribuía comida em caixas que custavam R$8 dos R$50
destinados para as refeições.
A reportagem também destacou as baixas temperaturas da feira, que expunha as
promotoras ao frio devido à recusa da produção de alguns estandes em fornecer agasalho para
156

a equipe de trabalho. No passado, antes da mudança do local da feira, ao contrário, eram as


altas temperaturas que causavam problemas, em que desmaios em decorrência de baixa de
pressão não eram incomuns149.

Imagem 38: Homenagem à promotora feita no extinto perfil do


Facebook Promotoras da Depressão.

Imagem 39: Pés de recepcionistas com e sem os sapatos


fornecidos pelo estande de marca de automóveis. Fonte: UOL
Carros, 2016.

149
Um vendedor de sorvete que circulava pelo Salão do Automóvel de 2014 comentou que o calor era mais uma
fonte de lucro da feira, pois estimulava um alto consumo de produtos alimentícios refrescantes.
157

Após a denúncia veiculada pelo Portal UOL, trocou-se os sapatos e distribui-se uma
alimentação mais nutritiva para as profissionais do referido estande. Contudo, a agência
contratante instaurou um termo de sigilo sobre as dinâmicas de trabalho que deveria ser
assinado pelas profissionais de eventos para evitar a proliferação de comentários análogos à
reportagem.
Além das precárias condições de trabalho, a matéria levanta o debate sobre o “papel da
mulher no evento” e pontuou que apesar das mudanças, como a contratação de homens
promotores, “algumas montadoras ainda fazem valer a relação estereotipada entre mulher e
carro, infelizmente” (Uol, 2016). Comparando o Salão do Automóvel no Brasil com feiras de
automóveis europeias, foi dito que, se em território nacional, promotoras são unicamente
“enfeites” e o “assédio ainda é regra”, no velho continente, o quadro é bastante diferente, uma
vez que “homens e mulheres de praticamente todos os estandes são treinados para conhecer o
carro e passar informações detalhadas aos visitantes”. Contrariando esta informação, o portal
New York Post publicou no dia oito de março de 2018, dia internacional da mulher, uma
matéria mostrando que no Geneva International Motor Show, à exceção de poucos estandes,
como Toyota e Rolls-Royce, cujo diretor da primeira marca explicou a decisão de expor
mulheres vestindo trajes de negócios e passando informações sobre os automóveis em seu
estande, grande parte da feira reproduzia o estereótipo da indústria automobilística de associar
“ativamente seus produtos à sensualidade feminina” (New York Post, 2018).
Com estas reportagens jornalísticas, busco chamar à atenção para duas características
empíricas da atividade em questão: a precarização das condições de trabalho destacada na
reportagem do UOL sobre o Salão do Automóvel e a questão da sexualização – mais
especificamente dada nas ideias de ser apenas um enfeite e da possibilidade de assédio – que,
como a matéria do New York Post evidenciou, está em cena não apenas no Brasil.
Sobre a precarização, para Mel, muitas vezes é a produção (que faz a ponte entre
profissionais e clientes) que gera problemas principalmente com relação ao horário de
descanso e almoço. Depois de passar por muitas, mas muitas mesmo, experiências ruins em
que ela só conseguia pensar em escapar para chorar no banheiro150, aprendeu a exigir seus
direitos. Em uma situação específica, ela precisou se impor – e indispor – para garantir uma
hora integral de descanso e uma alimentação adequada. Tratava-se de uma feira do setor de

150
Selma Venco, em pesquisa realizada em empresas de telemarketing, enuncia que “expressões como ‘corredor
do choro’ ou ‘o banheiro é lugar de choro’ no telemarketing são reveladoras de uma situação penosa nos locais
de trabalho” (2006, p. 15).
158

moda com 10 horas de trabalho em pé de salto alto em que a produtora, segundo Mel, levou
uns lanchinhos para a equipe, e por ter levado lanchinhos considerou que as profissionais não
precisavam sentar para descansar. Sabendo que é lei e que não está pedindo favor nenhum,
Mel não se calou, em suas palavras: eu comecei a debater com ela, falei tá louca? A gente
precisa descansar, uma hora de descanso; ao que a produtora respondeu: claro que não, eu
trouxe comida pra vocês, vocês vão comer e voltar. Mel permaneceu firme: não, não, a gente
vai sentar, sair, descansar uma hora porque é nosso direito. Foi um verdadeiro duelo entre
Mel e a produtora, que estava irredutível e ameaçou dispensar Mel do trabalho, ao que, então,
todas as profissionais se sentaram e falaram que ou elas retiravam uma hora de descanso
integral, ou vai todo mundo embora151.
Para encarar cotidianamente trabalhos escravos como se refere Mel aos casos
semelhantes ao acima mencionado, ela e as demais colegas profissionais de eventos têm um
grupo chamado sindicato das recepcionistas no WhatsApp, no qual compartilham
informações sobre o mundo dos eventos. As queixas em geral giram em torno de agências que
não pagam na data combinada, que oferecem trabalhos de ficha rosa, que contratam
produtoras que maltratam a equipe de trabalho, que não fornecem água, que as deixam sem
comer, que não as permitem irem ao banheiro, etc. Quando perguntei a Mel se a criação de
um sindicato as ajudaria, ela explicou que poderia existir ao menos uma certificação
profissional para garantir uma melhor delimitação das profissionais aptas a exercer a
atividade, como várias outras profissões liberais possuem.
Contudo, é importante ressaltar que a mesma flexibilidade que expõe estas
profissionais a trabalhos escravos, explica Mel, possibilita também que existam trabalhos
fáceis nos quais você só chega, faz um negocinho e vai embora [...], mas um ser humano não
poder ir ao banheiro, beber água, almoçar, é surreal.
Luíza, profissional de eventos com 12 anos de experiência e amiga de Mel152, também
faz parte deste grupo do WhatsApp. A profissional, aliás, de tão inconformada com o quão
comum são situações precárias de trabalho, já chegou a consultar um advogado em busca de
informações sobre o processo de abertura de um sindicato153. Para Luíza, muitas produtoras
pensam que porque pagam bem podem maltratar. Isto porque pagar bem é relativo, pois
depende das horas trabalhadas. Contou que uma amiga aceitou um cachê de R$150 para

151
Entrevista realizada em 17/01/2017 em São Paulo/SP.
152
Foi ela quem sofreu a situação de racismo contada por Mel no capítulo anterior.
153
Entrevista realizada em 01/03/2016 em São Paulo/SP.
159

trabalhar por 10 horas, e apesar de entender a necessidade da amiga de trabalhar, considera


que com um pagamento deste valor, seis horas de trabalho seria o máximo admissível. Em
contrapartida, há clientes que pagam R$500 por três horas, como, por exemplo, uma marca
italiana de iates na São Paulo Boat Show, feira do setor náutico, explicou-me Luíza.
No capítulo anterior, Nina comentou que no Salão do Automóvel a posição de modelo
destaque na plataforma giratória merecia ganhar um cachê maior devido ao calor das luzes e
enjoos provocados pela posição em movimento contínuo. Nos espaços das feiras e eventos é
comum o raciocínio de que profissionais de eventos ganham bem e por isso devem relevar os
eventuais desconfortos e abusos sofridos. Ouvi esse tipo de argumento em diversas ocasiões.
No Salão do Automóvel de 2014, por exemplo, uma segurança mulher que ganhava R$80 por
dia, sem direito a água, falou que algumas profissionais eram muito educadas, outras nem
tanto e fez cara de nojo enquanto falava a respeito das promotoras mal educadas, gesticulando
para imitá-las. Estava posicionada fixamente na porta do camarim de um determinado
estande, um espaço construído para as profissionais de eventos se arrumarem e também para
descanso. As meninas que passavam a nossa volta, entrando e saindo do camarim, estavam
evidentemente sendo torturadas pelos seus scarpins vermelhos, pois chegavam a andar com as
pernas tortas na tentativa de diminuir o peso do corpo sobre os pés. Diante da cena, a
segurança falou que elas ganhavam muito bem para estar ali sofrendo encima do salto, sua
informação era de que o menor cachê do estande em questão era de R$350 e que chegava a
R$750, completando, faz as contas, dá pra tirar dez mil (somando-se os 13 dias de feira nesta
edição, sendo os dois primeiros fechados para imprensa).
Uma faxineira com quem interagi, que ganhava R$60 por dia, produziu um enunciado
quase idêntico ao da segurança, alegando que essas meninas ganham bem pra tá aí. Ela soube
que algumas chegavam a ganhar R$500 por dia de trabalho.
Na Agrishow de 2017, uma segurança relatou que ganhava R$70 por dia para trabalhar
das 7 às 19 horas. O combinado era R$80, mas explicou que foi descontado o valor do curso
para segurança que inicialmente era R$200, porém, depois cobraram R$250. Contou que as
pessoas têm medo de reclamar. Trabalhava com telemarketing e ganhava R$900 líquido, o
bruto era R$1.010. Como não quer voltar para esta área, disse que se tirar R$400 pela feira tá
ótimo. De acordo com a empresa que a contratou seriam vinte dias de trabalho, o que daria
R$1.350 (descontando o valor do curso). Perguntei se forneciam alimentação, ela disse que
sim, mas refletiu, só falta cobrarem.
O trabalho de profissionais de eventos, por se tratar de um trabalho flexível cuja
contratação, grosso modo, é pautada em atributos estéticos e cujas atividades são tidas, muitas
160

vezes, como basicamente ser um enfeite que chega e só faz um negocinho e vai embora são os
fatores que contribuem na produção dessas várias dissonâncias que invisibilizam as condições
precárias a que são expostas.
A intensificação da precarização do trabalho, marcada principalmente pela
desigualdade de gênero, é analisada por Angela Araújo (2009). Segundo a autora, a
introdução de elementos de um novo paradigma produtivo tem aumentado a responsabilidade
e a pressão sobre as mulheres ao longo dos processos de trabalho, em que se assiste a um
“processo gradativo de desgaste físico e emocional das trabalhadoras” (Araújo, 2009, p. 16).
Imagens de glamour (decorrentes de camarins, saltos altos e elevados atributos
salariais) misturadas à precarização do trabalho torna o trabalho de profissionais de eventos
um universo permeado por contradições cuja riqueza analítica habita exatamente nas tensões
que promove. Ao jogar o contexto da sexualização dado pela relação estereotipada entre
mulher e carro e a ficha rosa no caldeirão de possibilidades classificatórias do perfil,
compreender os significados e sentidos sociais, econômicos e culturais desta atividade faz de
tal exercício de análise ainda mais instigante.
Diante de outros contextos de pesquisa também marcados pela sexualização, foi
utilizada a noção de trabalho sexualizado para definir dinâmicas de trabalho em que há,
mesmo que indiretamente e de maneiras bastante variadas, uma evocação da sexualidade.
Dentre os estudos, destaco aqueles realizados sobre estabelecimentos turísticos britânicos no
final dos anos 1980 (Adkins, 1995; 1996), resorts caribenhos (Cabezas, 2009) e bares de
cavalheiros nova-iorquinos (Maia, 2009). O que não foi contemplado em tais análises, e que o
trabalho de profissionais de eventos mostra, é que esta atividade é sexualizada apesar das
promotoras não realizarem trocas de sexo por dinheiro. Amalia Cabezas (2009) elabora uma
transição entre o trabalho com hospitalidade para as economias sexuais que é dada a partir do
momento em que ocorre o intercâmbio entre sexo e dinheiro. O mundo dos eventos, em
contrapartida, considerando a conceitualização de Bernstein (2014), é pura economia sexual
porque a sexualização é intrínseca à dinâmica da venda e da atração do público; não havendo
qualquer espécie de passagem para as economias sexuais.
O fato do trabalho das profissionais de eventos ser sexualizado não quer dizer que não
haja uma fronteira, ao menos simbólica, entre o que é e o que não é prostituição, problema
típico de um trabalho sexualizado. O encargo da comissária de bordo, por exemplo, hoje é
considerado um trabalho emocional, mas principalmente no começo, nos anos 1960, a
atividade gerava forte imaginário relacionado a “libertinagem sexual”, o que, mesmo que em
menor grau, ainda ocorre (Castellitti, 2014). Minha premissa, neste sentido, é que se as
161

profissionais de eventos podem negociar, mesmo que pouco, quanto à precarização do


trabalho, o mesmo não ocorre com a sexualização, já que este aspecto funciona como uma das
principais marcas das feiras contempladas nesta etnografia.
No âmbito moral deste universo, quanto mais elegante for o uniforme e quanto mais
princesa for o perfil da recepcionista supõe-se uma menor sexualização que, por conseguinte,
é associada a empresas de maior nível. No entanto, com mais ou menos elegância, saltos
altos, roupas curtas e macacão devem ser usados porque no mundo dos eventos as mulheres
são sexualizadas como forma de também sexualizar os produtos. É a maneira de operação
deste mercado e por isso faz parte das economias sexuais.
Como mostrarei à frente com as narrativas de profissionais de eventos, a descrição de
seus trabalhos é típica do exercício do trabalho de cuidado e afetivo/emocional. No entanto,
este trabalho está inserido numa esfera de mercado em que a associação mulher/objeto,
através da exposição e da sexualização, possui valor simbólico em termos de poder de
consumo (com destaque para as masculinidades envolvidas) e valor econômico para aquelas
que podem obter retornos financeiros tidos como satisfatórios com o trabalho exercido.
A partir das controvérsias em torno dessa atividade, reflito sobre como as categorias da
diferença possibilitam aos sujeitos criarem novas classificações e combinações, no caso, com
a finalidade não apenas de terem seu trabalho reconhecido socialmente, mas também para
afastarem-se da prostituição. No final, todas as meninas de eventos podem ser percebidas
como fichas rosa, sendo os limites morais, junto a formas de sexualização racializada que
apontam marcas de classe, os aspectos definidores dessas fronteiras.
A seguir considerarei como esses limites afetam a percepção de valor pessoal e social de
Mel, que parece ser superior ao de Bela em relação a seus trabalhos. Observarei,
primeiramente, como as economias sexuais entram em jogo na realização do trabalho de
cuidado e afetivo/emocional e como, a partir do trabalho, essas duas profissionais recriam
categorias da diferença.

Assédio normal. A perspectiva de Mel

Para Mel, seu trabalho consiste antes de qualquer coisa em recepcionar o cliente, o
que, em se tratando de uma feira comercial geralmente aberta à visitação pública, inclui filtrar
o cliente, sentir o que que o cliente precisa, que que ele tá pedindo, pra depois passar pra
162

pessoa certa no estande154. É necessário ter uma recepcionista porque há diversos tipos de
clientes, explica Mel. Há o tipo que quer comprar uma máquina, o que só quer deixar um
cartão pra vender bombom e aquele que só quer fazer um contato e conhecer a empresa. Não
são todos os clientes que precisam ser encaminhados para o representante da empresa que
trabalha na feira.
Depois de recepcionar o cliente, outra atividade que profissionais de eventos precisam
eventualmente realizar é representar a empresa e passar as coordenadas pro cliente, falar o
que que é a empresa, o que ocorre, sobretudo se o estande estiver com excesso de pessoas
interessadas em conhecer a marca expositora e os representantes estiverem ocupados. Trata-se
de uma atuação em que é preciso se passar pela pessoa da empresa. Nestas situações, é
exigido destas recepcionistas que aprendam o máximo possível sobre a empresa em meia
hora.
Segundo Mel, profissionais de eventos também estão no estande para ser suporte, pra
ajudar em tudo, sendo preciso fazer tudo, o que inclui desde servir café a passar um pano no
chão, ajudar o cliente a montar brinde, em suma, ser proativa, mostrar serviço. A
proatividade é uma característica bastante valorizada no trabalho como profissional de
eventos porque é muito comum profissionais encarnarem a função de enfeite, pensando ser
pagas para serem vasos que mal cumprimentam os clientes. É em oposição a esta atitude que
Mel ressalta que a profissional de eventos é paga pra estar ali, então por mais que não tenha
nada pra fazer, acha alguma coisa pra fazer, pergunta pro cliente se precisa de alguma
coisa, tem uma mesa fora do lugar, arruma as cadeiras, tem um copo fora do lugar, joga no
lixo. A ausência destes últimos comportamentos, em Ribeirão Preto, era chamada por Vicky
de braço curto, uma ironia para representar as situações em que profissionais não tomavam
iniciativas tidas como simples e até automáticas como jogar um copo no lixo. É preciso
também realizar todas estas atividades com sorriso no rosto, é preciso ser simpática o tempo
todo, sempre sorrindo.
Mel pontua outra exigência da profissão, o esforço e dinheiro investidos em sua
beleza, enfatizando que ninguém sabe o quanto é difícil ter que cuidar da aparência, é
cabelo, maquiagem... A profissional, que sempre foi estilo patricinha, sabe? Loirinha,
menininha, tal, rosinha, lamenta sempre ter sofrido preconceito por ser bonita, o que
começou na escola com ameaças do tipo ah vou te pegar na saída porque você se acha,
acontecimento que ela relembra rindo, mas, que hoje se transformou no julgamento social de

154
Entrevista realizada em 30/07/2016 via WhatsApp.
163

que ah bonita, ah por isso ela tá onde ela tá, porque é bonita, “beleza ajuda” [as pessoas
julgam]. Lamentando esse tipo de opinião que, para ela parte das próprias mulheres que
nunca se defendem, Mel enfatiza, eu tenho que tá todo dia provando que eu sou inteligente,
que eu sou capaz, que eu sou esforçada e que não é só pela beleza.

Imagem 40: Profissionais de eventos na Fenascuro. Fonte:


Divulgação/Fenasucro.

O trabalho da profissional de eventos é, de acordo com Mel, recepcionar o cliente,


representar a empresa, ser proativa, simpática, estar bonita e provar que seu êxito não é só
pela beleza. O que Mel faz é, em grande parte, trabalho de cuidado e trabalho
emocional/afetivo, que são tradicionalmente reservados às mulheres, com ou sem
remuneração para executá-la, sendo socialmente desvalorizados. Mais especificamente, trata-
se de um trabalho inserido no “circuito profissional de cuidado” (Guimarães e Vieira, 2020)
devido ao seu caráter remunerado, o que aproximaria as tarefas descritas acima por Mel do
trabalho de enfermeiras, de cuidadoras/es domiciliares e do trabalho doméstico pago em
dinheiro. Enfatizo de antemão este ponto considerando que, para além das já recorrentes
controvérsias em torno da definição do que é ou não trabalho de cuidado, o aspecto
sexualizado da atividade coloca desafios extras para um tal enquadramento teórico de
profissionais de eventos como profissionais do cuidado, o que à frente será melhor
explicitado. Por ora, o foco analítico será posto na relação entre trabalho emocional/afetivo e
trabalho de cuidado.
David Graeber (2018, p. 203) observa que em algumas análises, trabalhos na área de
educação, trabalho doméstico e cuidado de crianças são tidos como “não produtivos” porque
164

servem para gerar mais-valia para o capitalismo, para reproduzir a força de trabalho que será
explorada. O autor argumenta que há um salto em dizer que “o amor de uma mãe ou o
trabalho de um professor não tem significado exceto como um meio de reproduzir a força de
trabalho, e a suposição de que, portanto, qualquer outra perspectiva sobre o assunto seja
necessariamente irrelevante, ilusória ou incorreta” (Graeber, 2018, p. 203, tradução livre).
É exatamente pelo fato do trabalho de cuidado envolver interação com outrem e certa
empatia que se argumenta que cuidar não é trabalho, que interagir é algo “natural da vida”.
No entanto, quando apenas um lado se preocupa com o que o outro precisa e este outro que
recebe o cuidado não vê necessidade de se envolver em trabalho interpretativo sobre os
dilemas de seus subordinados, tem-se um sério problema social porque isso vale “mesmo para
um pedreiro, se esse pedreiro estiver trabalhando para outra pessoa. Os subordinados
precisam monitorar constantemente o que o chefe está pensando, o chefe não precisa se
importar” (Graeber, 2018, p. 237).
Sob uma perspectiva que enfatiza a questão de gênero, Arlie Hochschild (2003 [1983])
estudou o trabalho de comissárias de bordo de uma companhia aérea norte-americana na
década de 1980. A autora argumenta que eram as comissárias as profissionais que tinham o
maior contato com os passageiros e que, sempre sorrindo, vendiam a companhia. Nesse
contexto, as comissárias se tornavam alheias às próprias emoções, perdendo parte de seus
selfs, já que a companhia comercializava exatamente o sorriso e o conjunto de expressões
emotivas dessas comissárias.
O discurso publicitário da companhia prometia um serviço “humano” e pessoal
realizado por “glamourosas garçonetes” (Hochschild, 2003 [1983], p. 121). Ao que
Hochschild assinala, as comissárias “simbolizam a Mulher [...]. Elas fazem o trabalho de
simbolizar a transferência da feminilidade caseira para o mercado impessoal, anunciando,
com efeito, um trabalho aos olhos do público, mas ainda uma mulher de coração”
(Hochschild, 2003 [1983], p. 175, tradução livre). Para a autora, o status social e econômico
da profissão executada majoritariamente por mulheres é resultado desse trabalho de
“interpretar a Mulher” (Hochschild, 2003 [1983], p. 184).
Com relação à performance de feminilidade executada por comissárias, “glamourosas
garçonetes”, como definiu Hochschild, encontramos um paralelo com profissionais de
eventos. No mais, diferentemente de comissárias de bordo, profissionais de eventos realizam
um trabalho flexível e, por isso, as atividades enquanto trabalham variam conforme o evento,
a feira, a produção, o cliente, etc. Tal fator obstaculiza a criação de uma identidade
profissional para profissionais de eventos como ocorre com comissárias.
165

Os estudos feministas mais recentes sobre o trabalho de cuidado ou care (Guimarães


& Hirata, 2014, 2012; Hirata, 2014; Guimarães, 2016) fornecem elementos sugestivos para
pensarmos profissionais de eventos menos como sujeitos expostos a uma “alienação” das
próprias emoções – “proletariado emocional” como Hochschild classificou as comissárias
(1983 [2003], p. 200) – e mais como profissionais cuja ocupação não é reconhecida como um
trabalho como qualquer outro.
Para Helena Hirata (2014, p. 67), o trabalho de cuidado – de idosos, pessoas
acamadas, etc. – é desvalorizado socialmente por ser tradicionalmente realizado por mulheres
no âmbito doméstico e familiar. O não reconhecimento das atividades de profissionais de
eventos, apesar de ficar desconectado do trabalho voltado para a vida privada como é o caso
do care, também é um trabalho focado na construção e manutenção das relações sociais.
Porém, são relações que não se baseiam na domesticidade e, sim, aquelas exclusivas do
universo público, em transações comerciais.
Nadya Guimarães (2016), ao explicar alguns fatores morais em torno da falta de
legitimidade social do trabalho de care, contribui para definirmos o trabalho de profissionais
de eventos como um trabalho de cuidado. Na pesquisa realizada pela autora em 2011, os
termos “cuidador de idoso” e “cuidador de pessoas” apareceram como principais atividades
cuja regulamentação profissional parecia “estapafúrdia” do ponto de vista de processos
governamentais (Guimarães, 2016, p. 71). O motivo para o estranhamento, segundo a autora,
é que o trabalho profissional de cuidado envolve a intimidade, uma esfera da vida que
supostamente deveria ser destituída de interesses comerciais. Ao menos no Brasil, o trabalho
de cuidado era tradicionalmente “assentado no trabalho gratuito e compulsório da dona-de-
casa” (Guimarães, 2016, p. 69). Desse modo, o domínio do care serve “para bem refletirmos
sobre o valor heurístico da perspectiva de análise dos mercados, atenta à disputa e à
contestação de ordem moral que subjaz ao processo de mercantilização” (Guimarães, 2016, p.
75).
Os motivos para disputa e contestação moral em torno do trabalho de cuidado são,
primeiro, sua inserção no ambiente doméstico e, segundo, que profissionais qualificados
como fisioterapeutas, enfermeiras/os, etc, é que deveriam realizá-lo. O lugar dos afetos no
care também é questionado:

Isso porque a questão do amor e do afeto, como componentes incontornáveis


do care, aparece recorrentemente no discurso das cuidadoras como um
elemento central, como uma disposição estruturante do seu modo de
trabalhar; entretanto, amor e afeto surgem, também reiteradamente, no
166

discurso das superiores hierárquicas, como elementos a serem banidos, em


nome da profissionalização do cuidado. A questão do amor torna-se, assim,
um objeto de confrontação e de dissenção entre classes e categorias
socioprofissionais (Guimarães & Hirata, 2014, p. 10).

Se o amor não é uma palavra frequente no trabalho de profissionais de eventos, o


desejo ocupa seu lugar155. A profissional de eventos realiza um trabalho de cuidado, no
entanto, seu trabalho não se restringe às atividades típicas da profissão, pois sua presença
possibilita e facilita o encontro de negócios – na maior parte das vezes, entre homens. Seu
trabalho é importante para os negócios porque ela não realiza apenas o trabalho de cuidado de
servir um café. Sendo portadora da beleza, uma mulher que fora selecionada para estar ali,
grande parte pelos atributos estéticos, o trabalho de mediação nas trocas comerciais está
baseado também em formas de sexualização.
A etnografia de Anne Allison (1994) sobre hostess clubs [clubes de recepcionistas] em
Tóquio no Japão auxilia a pensarmos o papel mediador que Mel apontou. Hostess clubs fazem
parte de um conjunto de atividades de entretenimento erótico noturno, o mizu shobai que, por
sua vez, insere-se no tipo de entretenimento corporativo que recebe no Japão o nome de settai,
cujo princípio é “fortalecer as relações de trabalho ou de negócios” (Allison, 1994, p. 9,
tradução livre). Nesse sentido, hostess clubs são estabelecimentos voltados para homens de
negócios que buscam relaxar ao mesmo tempo em que procuram gerar contatos comerciais
com clientes e criar laços entre colegas de trabalho. É um ambiente de homossociabilidade
onde belas e jovens hostess auxiliam na interação entre eles. Elas solicitam permissão para se
sentar entre eles, acendem cigarros, repõem gelo, bebidas e conversam com esses homens,
sendo a conversa a principal função. Conversas que muitas vezes são sexualizadas,
performando flertes. Desse modo, afirmou a autora, “o trabalho da hostess, como oradora e
ouvinte, é fazer com que os clientes se sintam especiais, à vontade e satisfeitos” (Allison,
1994, p. 8, tradução livre) ou como um cliente afirmou à pesquisadora, as hostesses fazem o
homem “se sentir como um homem”.
Sendo clubes bastante onerosos, Allison argumenta que esses homens não vão a
lugares mais baratos com garotas de programa, por exemplo, porque os altos gastos em um
hostess club sublinham a importância da empresa e de quem frequenta tais espaços.
Allison explica que os hostesses clubs mais bem avaliados são os que têm as hostesses
mais belas, jovens e sofisticadas. No entanto, elas são proibidas de terem qualquer
envolvimento com os clientes. Tratam-se, então, de mulheres sexualmente desejáveis, mas

155
Agradeço especialmente à Paula Luna por apontar este aspecto.
167

fora do alcance no geral. A hostess performa a sedução, como se estivesse romântica e


sexualmente interessada no cliente e como não é de se estranhar, há várias histórias de
hostesses que se relacionaram com clientes, apesar da proibição (Allison, 1994, p. 19). Trata-
se de um serviço que acaba nas preliminares e não no clímax (Allison, 1994, p. 20). A autora
destaca que dentro desta forma de entretenimento corporativo, o mais importante do trabalho
das hostesses é facilitar as relações entre os homens.
Uma interação com um visitante no Salão Duas Rodas em 2015 evidencia o papel
mediador que, com algumas diferenças da hostess japonesa analisada por Allison, a
profissional de eventos também realiza. O visitante da feira aparentava ter cerca de 40 anos,
advogado, com cinco pós-graduações, mais de 50 cursos na área, bastante erudito.
Conversamos durante o trajeto de ônibus entre o terminal Tietê e o Pavilhão do Anhembi.
Proprietário de uma moto da marca BMW avaliada em R$60 mil, ele ia à feira passear e ver
acessórios e peças para motocicleta, possuía alguns capacetes, sendo que o mais caro valia
R$2 mil. Quando contei da pesquisa com profissionais de eventos, ele disse que ia à feira ver
motos mesmo, algo pelo qual se dizia muito apaixonado e perguntou se eu conhecia a
antroposofia156. Ao responder que não conhecia, explicou que se tratava de um campo de
estudos sobre a humanidade que abarcava grandes períodos históricos, milênios. Segundo a
antroposofia, meu interlocutor disse que era muito antiga essa relação entre homem e mulher,
o homem querer ver a mulher, se é um homem lá [no estande] ele não vai chegar perto, mas
se é uma mulher, vai.
É esta relação entre homem e mulher, o fato do homem querer ver a mulher que
motiva enormemente o mundo dos eventos como mostra o slogan sexo vende. Todavia, o jogo
publicitário tem como grande efeito para as profissionais, principalmente, o peso do fantasma
da prostituição. Nesse sentido, pode-se dizer que o trabalho é duplo e contraditório porque
elas precisam alimentar e afastar o fantasma da prostituição. O trabalho é justamente gerir a
sexualização, saber quando se deve evocá-la e quando afastá-la.
Tal trabalho de estabelecer limites relacionados a execução de um trabalho
sexualizado que não é prostituição foi mostrado por Rhacel Parrenãs (2012) em estudo sobre
o trabalho de mulheres imigrantes filipinas em clubes de acompanhantes157 em Tóquio. A
autora explica que as atividades desempenhadas por estas profissionais, da mesma forma

156
A antroposofia, criada por Rudolf Steiner (1861 – 1925), é definida por uma mistura de filosofia com
teosofia, seria uma “ciência espiritual”. O contato com a Sociedade Teosófica fundada pela ocultista Helena
Blavatsky em 1875 foi fundamental para o autor desenvolver suas teorias.
157
Optei por manter o termo tal como foi traduzido para o português.
168

como Allison anteriormente descreveu — flertar e serem servis com os clientes —, devem ser
entendidas como trabalho de cuidado.
No entanto, trata-se de uma forma de trabalho de cuidado inusual, devido ao fato de
ser emaranhado com trabalho sexualizado158. Nesse sentido, Parreñas, que trabalhou como
acompanhante para realizar sua pesquisa, esclarece que a experiência a possibilitou aprender
que flertar “não tira pedaço”, que “não se engravida com um abraço” (Parreñas, 2012, p. 210).
Profissionais de eventos, de maneira análoga às imigrantes filipinas que trabalham
como acompanhantes no Tóquio, também precisam lidar com a confusão entre trabalho
sexualizado e trabalho de cuidado. Por isso, para Mel, o julgamento social relacionado à
sexualização do mundo dos eventos é um dos motivos que mais a incomoda neste meio. São
as pessoas inconvenientes que falam que profissionais de eventos são todas putas159. Mel
explica que existe ficha rosa, sim, mas pondera que é muito difícil uma menina ser contratada
diretamente pra ficha rosa em uma feira. O que tem é o trabalho de garota de programa
mesmo, [em] que ela é contratada pra ir num hotel e tem relação com o cliente. O que
acontece, Mel enfatizou, é as meninas saírem com os clientes por ter gostado do cara. Além
de ser importante ressaltar o estranhamento que fichas rosa manifestam em relação ao
trabalho de profissionais de eventos, o que considerariam exaustivo e mal pago quando
comparado com o trabalho sexual160.
Ela acredita que o que confunde as pessoas, que julgam sem saber é o fato do
“assédio” masculino nos eventos ser muito comum. Apresento “assédio” entre aspas porque
este é um termo em disputa no campo em questão, nem sempre tendo o mesmo significado,
podendo ser relacionado ao contato rotineiro com clientes homens, à violência sexual ou às
relações de paquera e flerte a depender do contexto e sujeitos envolvidos.
De acordo com Mel, é um assédio normal que nós temos, eu trabalhei em shopping
três anos e fui assediada os três anos no shopping pelo meu chefe também. O que torna os
eventos mais propícios para o “assédio” e para a associação do trabalho de profissionais de
eventos com prostituição, segundo Mel, são, em alguns casos, as roupas curtas, o macacão,
escolhas de vestuário que muitos clientes fazem porque querem chamar atenção, pra chamar
gente para o estande. Como a maioria das feiras tem o público masculino, desenvolve Mel,
quando mulheres frequentam a feira, elas julgam, aí essas meninas é tudo puta, tão aí pra

158
O que é tratado nesta tese como trabalho sexualizado, Parreñas define como uma das muitas variantes de
trabalho sexual.
159
Entrevista realizada em 21/01/2016 em Campo Grande/SP.
160
À frente essa ideia será melhor desenvolvida.
169

ficar com os clientes. Mel enfatiza, acontece mesmo, de vez em quando as meninas saem com
os clientes e eu acho que é isso que acaba ferrando com a gente. Ela pondera que tal visão de
que profissionais de eventos são todas putas é bastante deslocada da realidade que ela vive
em que

por incrível que pareça, as meninas que fazem evento são as mais certinhas,
são as casadas. As que tão ali pra trabalhar mesmo e trabalham porque
gostam. Porque se a menina quer ser garota de programa, ela não vai se
sujeitar a ficar 12 horas em pé de salto alto no sol, na chuva, numa feira e
sendo assediada, entendeu?

Quando se considera o julgamento social relacionado ao fantasma da prostituição


presente no mundo dos eventos, Mel enfatiza com veemência o quão cansativo se torna seu
trabalho pois, às vezes, ela chega a sentir uma energia pesada, resumindo: o homem assedia,
a mulher inveja, chego em casa estourada.

Imagem 41: Profissional de eventos em meio ao público no Salão Duas


Rodas. Fonte: Arquivo pessoal.
170

Imagem 42: Profissional de eventos em meio ao público no Salão


do Automóvel. Fonte: Arquivo pessoal.

Imagem 43: Profissional de eventos em meio ao público no Salão


Duas Rodas. Fonte: Arquivo pessoal.

Mel aciona categorias relacionadas às vidas íntimas, afetivas e sexuais dos sujeitos
para demarcar o limite entre seu trabalho difícil de acusações de que são todas putas.
Allison mostra que, em Tóquio, a proibição de envolvimentos afetivos e sexuais entre
hostesses e clientes é facilmente explicável, pois, caso fossem permitidos, um homem estaria
fora do grupo, o que prejudicaria o encontro de negócios, que é a razão da existência do
171

entretenimento corporativo (Allison, 1994, p. 20). Além disso, ela pontua que uma mulher
acessível, uma prostituta, naquele contexto, seria mais barato, portanto, a hostess mostra sua
classe enfatizando sua inacessibilidade.
Nesse sentido, Mel não estaria promovendo, mesmo que muito sutilmente, que
profissionais de eventos sejam inacessíveis para trocas afetivas e sexuais, mesmo tendo
gostado do cara, como forma de afastar o fantasma da prostituição por meio de uma distinção
moral?
Porém, importante assinalar que, ao contrário do ocorrido nos hostesses clubs, a contratação
de uma ficha rosa provavelmente sairia muito mais caro do que o serviço da profissional de
eventos161. Os valores vão depender obviamente da modalidade de prostituição escolhida, mas
como o código ficha rosa geralmente está associado à prostituição “de luxo”, costuma
envolver preços mais elevados do que outros tipos de trocas de sexo por dinheiro (Lopes,
2016).
Independentemente das diferenças de contexto, uma das conclusões de Allison quanto
ao simbolismo em torno da sexualização dos negócios entre homens em hostesses clubs vale
para o mundo dos eventos:

O serviço sexual da hostess funciona como um fetiche. É uma presença (a


promessa implícita de acesso sexual) e uma ausência (a negação do acesso),
e a simultaneidade dessas duas operações é o que a torna uma mercadoria
valiosa [...]. O serviço que é adquirido, então, é menos uma erotização da
mulher do que do homem – sua projeção como um homem poderoso e
desejável (Allison, 1994, p. 21/22, tradução livre).

Nos capítulos anteriores, mostrei o mundo dos eventos em seu aspecto de mercado
voltado para homens de negócios, uma forma de homossociabilidade que, fazendo parte do
setor de turismo “de negócios”, promove viagens a trabalho que incluem participar de formas
de entretenimento corporativo, não necessariamente em sua forma erótica como no mizu
shobai analisado por Allison. O ponto comum que quero destacar é que o perfil da
profissional de eventos contratada informa o status da empresa, o gosto e estilo das pessoas
que a selecionaram para ocupar a porta de entrada de seus estandes em feiras e eventos
comerciais e dos clientes desejados. Por isso, tudo indica que Mel não apoia sair com clientes
porque mantendo uma tal inacessibilidade para trocas afetivas e sexuais ela “se mostra
valiosa”, diferencia-se moralmente.

161
Apresentei no segundo capítulo exemplos de ofertas de R$3 mil para uma hora de troca sexual com fichas
rosa. Ver Imagem 20.
172

Todos os envolvidos no mundo dos eventos precisam gerir o fantasma da prostituição,


mas às profissionais, como Mel, cabe a tarefa mais pesada, já que precisam expressar a
sexualização através das corporalidades. Sendo este o motivo para leituras como as elaboradas
nas matérias do UOL e no NY Post, de que este trabalho “objetifica” a mulher. Nesse sentido,
acredito ter mostrado que o fetiche que associa mulher/objetos em exposição, estando a
serviço de relações de mercado, objetifica tanto imagens de feminilidade como imagens de
masculinidade.
Considero, deste modo, ser mais profícuo analiticamente problematizar como, através
do fetiche, os sujeitos acionam a sexualização em prol de seus interesses. Quando Mel se
incomoda com as críticas de que trabalhar em eventos é trabalho fácil, ela se mostra presa em
um dilema que, guardadas as tremendas diferenças de contexto, em parte é parecido com o da
dona de casa dos lares vitorianos de classe média, trazido por McClintock (2010 [1995]).
A mulher ociosa, retirada da esfera do trabalho produtivo, tido como aquele realizado
fora do lar, terminou por ocupar, segundo McClintock, “apenas um lugar ornamental na
sociedade”. O ócio feminino mostrava a importância do homem que fornecia à esposa
condições materiais para permanecer em casa (McClintock, 2010 [1995], p. 240). Mas a
autora chama à atenção para o fato de que este é o retrato vitoriano idealizado de mulher de
alta classe média, sendo a realidade muito diferente, principalmente nos lares de extratos
medianos, nos quais “para a maioria das mulheres cujos maridos ou pais não podiam pagar
criadagem suficiente para o ócio genuíno, o trabalho doméstico tinha de ser acompanhado
pelo esforço sem precedente histórico de tornar invisível cada sinal desse trabalho”
(McClintock, 2010 [1995], p. 243). Portanto, “uma dona de casa fresca e bonita à cabeceira da
mesa negava as horas de trabalho ansiosas e suadas – cozinhar, limpar e polir – mesmo com a
ajuda de uma criada com excesso de trabalho” (McClintock, 2010 [1995], p. 244).
O sucesso de Mel depende de sua habilidade de também aparecer no estande “fresca e
bonita”, apagando o trabalho em manter cabelos, pele bem cuidados, além do dinheiro gasto
com tais procedimentos estéticos, bem como ainda em continuar sorrindo apesar de sentir a
dor dos saltos e com o trabalho extra de não parecer uma puta. Para uma reflexão sobre o
dilema de Mel, as palavras de McClintock sobre o lugar social contraditório ocupado pelas
criadas são inspiradoras:

as mulheres que eram colocadas de maneira ambígua na divisão imperial


(enfermeiras, babás, governantas, prostitutas e serventes) serviam como
marcadores de fronteiras e mediadoras. Com as tarefas de purificação e
173

manutenção de fronteiras, elas eram especialmente fetichizadas como


perigosamente ambíguas e contaminantes (McClintock, 2010 [1995], p. 84).

Ser fetichizada como perigosamente ambígua e contaminante, no caso do trabalho das


profissionais de eventos, é não ter o seu trabalho de encarnar feminilidades reconhecido,
sendo este objeto de diversos estereótipos do feminino, que vão da ociosidade à
sensualidade162.
Mel diz ser loirinha, patricinha e de perfil clássico. A seguir, com Bela e sua beleza
diferente, procurarei mostrar outras percepções e experiências com a realização de um
trabalho sexualizado, de cuidado e afetivo nos eventos.

Que futuro? A perspectiva de Bela

Para Bela, as pessoas em geral não têm qualquer informação sobre o trabalho com
eventos. Os outros pensam que é fácil. Mas a gente aguenta cada coisa. É bolha no pé, teve
feira de passar fome, frio, aguentar desaforo, ter que ficar quieta, R$200 é muito pouco pra
aguentar tanta coisa163. Outro fator que Bela considera negativo na área é a falsidade entre as
promotoras. Fica tudo cochichando, fofocando disse Bela, que se sente, muitas vezes, odiada
pelas companheiras de trabalho.
Quando a conheci, no Salão Duas Rodas, ela havia discutido com a colega de estande
porque esta havia comentado com o supervisor que Bela chegava todos os dias atrasada
depois do almoço. Sincera, como ela se considera, contou que foi até a colega, que até então
era sua amiga, e pediu fala na minha cara. Para Bela, a ex-amiga que a dedurou se incomoda
com ela por considerá-la muito dada. Curioso é que tive a oportunidade de interagir
brevemente com essa colega em uma ocasião anterior ao relato de Bela sobre a briga. Como
minhas interações com Bela ao longo da feira eram sempre interrompidas pelo público
visitante que a chamava para tirar fotos, teve um momento em que, enquanto Bela posava
para fotos, comentei com esta outra profissional, que estava sentada em um banco alto
posicionado mais aos fundos do estande, o quão me parecia loucura a quantidade de pessoas

162
É em razão do fato de que a mulher que trabalhava no período vitoriano assumia tal lugar ambíguo e
contaminante que McClintock mostra que a divisão da sexualidade feminina foi claramente demarcada em linhas
de classe no período. Como a definição de classe média/média alta da época era ter criados, fica claro o contraste
entre mulheres da classe trabalhadora e ociosas damas.
163
Entrevista realizada em 13/02/2016 em Guarulhos/SP.
174

querendo fotografar com Bela sentada na moto, além de fotos com ela em outras posições. A
resposta desta profissional foi eu não subo na moto. Ela não foi antipática comigo, apenas
completou explicando que revezava o banco com a terceira profissional do estande.
Bela também não gosta do trabalho em eventos principalmente devido ao “assédio”
masculino. É enfática ao dizer que conhece mulheres que consideram legal fazer evento e
nestes casos, é mais questão de autoestima, eu tenho certeza. Contou a história de uma
profissional de 37 anos que trocou o trabalho fixo em um consultório, por eventos, o que fez
Bela acreditar que a decisão foi decorrente da autoestima proporcionada pelo trabalho com as
roupas, os homens. Quando encontrou a colega chorando no banheiro 164, reclamando do
trabalho com eventos, Bela se mostrou solidária, pois compreende o sentimento ambíguo da
companheira de profissão. Na sua leitura, a maioria faz evento por causa disso. Pra ter
homem sempre cobiçando, pra ter mulher com inveja.
Bela admite ter autoestima muito baixa, às vezes sentindo-se gorda. Esclarece que o
trabalho com eventos exige muito cuidado com a aparência, sendo os gastos financeiros com
o corpo um dos maiores obstáculos para guardar altas quantias de dinheiro ou construir
carreira na área, já que beleza acaba. É preciso estar com o cabelo bonito, com a pele boa,
além do investimento em suplementos para aumentar a massa muscular. Neste quesito, Bela
informa que é normal gastar R$800 com suplementação, pois são produtos caros os quais
profissionais do perfil dela precisam para manter o corpo. Bela também aponta os altos
investimentos com procedimentos estéticos, como drenagem linfática, em que um pacote com
algumas seções custa R$400. Com isso, em um mês você gasta mais que você ganha às vezes.
Tais cuidados com a aparência desagradam Bela, que queria trabalhar com alguma coisa que
eu não precisasse o tempo todo estar me preocupando com meu corpo, sabe? Que eu pudesse
sentar em algum lugar e beber o que eu quiser. Deste modo, a promotora considera que ponto
positivo de eventos é só dinheiro e o ego de algumas. Diz conhecer várias profissionais que
afirmam amar o trabalho em eventos, no entanto, ela questiona: que futuro?
Bela, semelhante a Mel, também se incomoda com a falta de reconhecimento do seu
trabalho, que ela ouve em frases como ah você não faz nada, fica ali em pé e ganha pra não
fazer nada. Mesmo com amigos, quando se queixou por estar cansada ao voltar de algum
evento, ouviu cansada do que? Você não faz nada, você só fica tirando foto.
Quanto ao “assédio” masculino, Bela sofre de maneira diferente do que ocorre com
Mel. Em nossa primeira interação, ela contou que havia caras que se aproximavam falando

164
Ver nota 150.
175

quero te comer. Embora seja a minoria, nem por isso deixa de ser um saco. No entanto, ela
relembra que em outros contextos de trabalho não é muito diferente, o que Bela usa para
justificar a permanência em eventos porque seria um ambiente no qual, em suas palavras, eu
aceito o que eu quero, que também não sou obrigada a aceitar safadeza de homem e é isso.
Esse lugar de sexualização que Bela ocupa no mercado de trabalho lhe causa um sofrimento
subjetivo considerável. Muitas vezes, a promotora prefere se trancar no quarto, sem querer
fazer qualquer coisa, porque, assim, o pessoal fala, eu não sou a mulher mais linda do
mundo, mas cada um tem seu charme, eu acho que [beleza] às vezes atrapalha.
Aos 16 anos, além do teste para a “volta do Banana Split”165, uma outra situação
relacionada ao trabalho com seu corpo a marcou. Tratava-se de um desfile de lingerie, estilo
de trabalho que costumava ser realizado por ela por ter mais corpo que as outras modelos de
sua idade e por encarar com profissionalismo a exposição de fotografar vestindo peças
íntimas. Apesar da pouca idade, Bela se sentia segura porque sua mãe sempre a acompanhava.
Até que um dia, ao colocar a meia ¾ de uma cinta liga, a delicada peça desfiou e a
organizadora do desfile, nas palavras de Bela:

me detonou, falou que eu era gorda demais (e eu era bem mais magra que eu
sou hoje), que eu era gorda demais pra fazer isso, que eu não tinha que estar
lá, que eu chamava mais a atenção que as lingeries, por isso eu não podia
mais desfilar.

Bela conta que apesar da opinião negativa da organizadora, a empresa pegou seu
contato por fora e passou a contratá-la para fazer fotos em formato de catálogo, o que em sua
visão era preferível porque a maioria das fotos eram apenas da lingerie e não mostravam seu
rosto. Depois que Bela ficou mais famosa na área de carro e moto, devido ao grande número
de eventos que fez para o segmento, a organizadora em questão a convidou para dar uma
entrevista para sua revista e teve como resposta não de Bela que não esqueceu da agressão
verbal sofrida quando era adolescente.
Na mesma época, ainda com 16 anos, Bela participou de um casting para um clipe de
funk, gênero musical que ela detesta, mas foi lá ver o que que dava. Ela não o faria hoje, mas
como estava conhecendo o meio, discorreu em tom de brincadeira, você vai em qualquer
coisa. A seleção era de biquíni e quando ela entrou na sala, o responsável disse essa menina
tem o corpo perfeito, eu nem quero chamar mais ninguém, eu vou fechar com você, então
convidou outros homens para conferir a beleza de seu corpo, o que a fez se sentir super mal.

165
Episódio descrito no capítulo anterior.
176

Para Bela, clipe de funk é o auge da exposição e por isso recusou a participação, além
do cachê ser baixo, R$200, o que Bela explicou: porque tem mulher que fala que clipe de funk
faz questão de estar lá mesmo que for de graça, então eles pagam pouco mesmo.
Sentindo-se constrangida por ter corpo, Bela pensou, na fase final da adolescência,
que teria que andar de qualquer jeito pra conseguir um emprego cuja seleção não fosse
justificada pela beleza. A profissional relatou situações nas quais quis sair pra algum lugar
sem chamar a atenção, sem nenhum cara enchendo o saco e colocava tipo um sapato baixo,
saía de rabo de cavalo e já era.
No segundo capítulo, eu trouxe um enunciado feito por uma profissional de eventos,
no qual ela argumentava que se a garota tivesse cílios postiços muito grandes, aplique no
cabelo e vestisse macacão, ela era ficha rosa. Reproduzi este raciocínio para Bela que, rindo,
respondeu eu! E explicou, ainda com muito bom humor, em todos eventos que eu vou, eu vou
toda montada, igual uma travesti. A maioria. No Salão [Duas Rodas], você lembra né? Logo,
fazer tal tipo de associação para definir quem é ficha rosa, para Bela, é nada a ver, não tem
como saber. Hoje em dia, as que tem carinha de santa...
O incômodo que Bela tem acumulado no trabalho com eventos é em grande medida
decorrente do “assédio” que recebe enquanto trabalha e de seus reflexos na vida pessoal. Em
suas palavras:

Eu nunca tive orgulho de alguém perguntar, cê conhece o cara e ele


pergunt,a “o que cê faz”, “faz o que da vida?”. “Ah faço eventos”. Não é
legal, é diferente de você dizer que trabalha numa empresa assim e assim.
Assim... eu nunca gostei muito por conta disso. Porque eu namorava. E foi
meu primeiro namorado, e eu era louca por ele... Qualquer coisa que eu
recebia de proposta indecente eu já me sentia mal e começava a chorar e
toda vez ele entendia. Ele me acompanhava em alguns eventos.

Quando seu pai pergunta se ela está trabalhando e a reposta é ah to fazendo meus
eventos, o pai retruca que ela precisa arrumar um emprego decente, um emprego direito. Sua
mãe é uma das poucas pessoas que se orgulham do seu trabalho com eventos. Bela explicou
que a mãe gosta do glamour, de tudo, das pessoas, sabe? Ela sempre fez questão de quando
alguém perguntava “quem é sua filha” ela mostrava uma foto minha em evento. Situação
oposta a do pai, que trabalha em metalúrgica, no meio dos homens, cê imagina os
comentários? Teve uma ocasião em que mostraram foto de Bela junto a comentário indecente
para seu pai sem saber que se tratava de sua filha.
177

Muitas fotos da promotora no Salão Duas Rodas – algumas em cima da motocicleta –


foram divulgadas em diversos meios de comunicação. Por isso, ela recebeu de vários amigos
fotos seguidas de comentários como “olha o que eu acabei de receber aqui”. Bela se chateou
ao ver que nos comentários públicos feitos em uma foto sua na página de um cara com mais
de 100 mil seguidores, não havia nenhum elogio como linda ou que bonita, apenas opiniões
como que peitão, essa já vem com airbag, em um dos comentários, ao ver uma mancha na
perna de Bela (que usava shorts), o cara disse você não compraria uma moto amassada, com
defeito, fazendo alusão à mancha em sua perna como um defeito. São situações tensas que
causam sofrimento e daí ela considerar ser difícil essa área, de eventos.
Recentemente, havia trabalhado em um evento de acessórios de carro, no caso, de
adesivos, cujo uniforme era quase uma fantasia sexy, era uma fantasia de policial e tinha
decote. A maioria do público era masculino e, em sua estimativa, tirou mais de 3.000 fotos.
Quanto à interação com os homens com os quais ela tirava foto, detalhou, a maioria dos caras
era, dava nojo, de falar “ai me algema na cama”. Você só ouve coisa assim, com teor sexual.
Se as situações de constrangimento descritas acima se restringem ao plano do enunciado,
houve outras em que as experiências de assédio masculino se concretizaram. Destaco dois
episódios específicos que Bela compartilhou comigo.
O primeiro caso de assédio foi em uma carona oferecida pelo próprio cliente,
proprietário de uma marca de acessórios de motociclismo que sempre a contratava. Eles
estavam a caminho do evento quando o cliente em questão tentou beijá-la à força. Segundo
Bela, quando ela resistiu e se negou a beijá-lo, ele a chamou de brava, disse imagino você
dentro de quatro paredes, e que se ela aceitasse se relacionar com ele poderia ter tudo.
Tratava-se de um homem casado, com filhos e cuja esposa a detestava. Naquele dia ela
trabalhou bastante abalada e relatou não ter comentado com ninguém o ocorrido.
O segundo caso ocorreu quando, trabalhando em um evento, Bela fez uma ligeira
amizade com um sujeito que a ofereceu carona. Ele pareceu ser uma pessoa legal, então ela
aceitou. Quando estavam no carro, ele desviou da rota que haviam combinado e entrou em
um motel. Bela começou a gritar e fez um escândalo. Depois de sua enfática recusa,
embravecido, ele a deixou em um ponto de ônibus consideravelmente longe de sua casa, onde
ela chorou muito. Devido ao colapso nervoso que acabara de passar, não se sentiu segura para
pedir outra carona, então restou esperar longamente pela chegada do transporte público que a
levaria para casa.
*
178

Bela, em nenhum momento acionou a categoria “assédio” para caracterizar tais


experiências. A configuração jurídica do crime de assédio sexual se dá, sobretudo, quando há
relação com o trabalho, sendo o ambiente da carona um caso recorrente, que costuma
envolver intimidação e prejuízo do desempenho no trabalho166 (Brasil, 2009, p. 8). Dentre as
consequências do assédio sexual sobre a saúde da pessoa assediada, encontra-se “sentimento
de culpa”, “transtornos de adaptação” e “baixa autoestima” (Brasil, 2009, p. 9).
A promotora foi assediada sexualmente nas duas situações de carona que me contou.
No entanto, mais que insistir na denúncia de tais atos criminosos de violência a mulher, quero
chamar à atenção para a pouca ou nenhuma possibilidade para criação de espaços de agência a
que, principalmente, situações como estas expõe profissionais de eventos.
Evidentemente, Bela até pode reclamar do “assédio” com o cliente do estande ou com
os próprios autores das situações de safadeza que ela vive. Não obstante, considerando que
ela é contratada para sorrir, demonstrar tal incômodo prejudica, em absoluto, seu
desempenho. E caso ela reclame algumas vezes, outras tantas devem ser relevadas porque
caso ela reclamasse o tempo todo, acabaria deixando de trabalhar na área por iniciativa
própria ou por não conseguir mais ser selecionada.
Talvez seja devido a esta realidade de uma quase institucionalização do assédio moral
e sexual que Bela não tenha utilizado a palavra assédio, ao mesmo tempo em que Mel
tranquilamente definiu suas experiências particulares como assédio normal. A suposta
naturalização do assédio não é exclusiva do mundo dos eventos. Em outro setor do trabalho
com Serviços, no de telemarketing, situações de assédio moral, mais especificamente, também
aparecem, de forma similar aos eventos, como parte das atribuições do trabalho (Venco, 2006;
Hirata, 2011; Cavaignac, 2011).
Dentro dos jogos de diferenciação dos perfis, o estilo corporal de Bela, panicat ou
mulherão, que ela define como beleza diferente, é marcado por um tipo de sexualização que é
racializado e mais aproximado do fantasma da prostituição. Esta profissional, analiticamente,
tem experiências subjetivas correspondentes a da figura da mulata (Gilliam & Gilliam, 1995;
Corrêa, 1996), o que, somado ao uniforme que era quase uma fantasia sexy, a expõe a ser
“tomada por prostituta” (Gilliam & Gilliam, 1995, p. 542).
Bernardo Machado, discorrendo sobre o universo teatral, mostra que atores e atrizes
articulam elementos do “corpo, aparência, emoção e personalidade” para justificar o

166
De acordo com o Código Penal, o “assédio sexual” é crime de acordo com a Lei n° 10.224 de 15 de maio de
2001, cujo Art. 216- A define como assédio sexual “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
179

pertencimento a certos “perfis”, como, por exemplo, “perfil boazinha”, “vilão” e “neurótica”
(2018, p. 180). Uma atriz entrevistada por ele se considera perfil “estranha”, parecida com
uma “cara de maluca”. Ela explica que até o timbre de voz de pobres e ricos é diferenciado.
Tais elementos, mostra Machado, são acionados para enquadrar o elenco em “perfis”. O
“perfil”, segundo este autor,

não age exclusivamente no corpo; ele extrapola para o comportamento das


personagens e interfere diretamente no trabalho de interpretação. Assumir a
classificação de pessoas com “cara de vilão” ou “cara de maluca”
corresponde a adotar a existência de um corpo pré-discursivo, no qual há
uma associação imediata entre o fenótipo e as ações [...]. Guardadas as
diferenças contextuais, a operação remonta formulações do determinismo
racial do século XIX, sobretudo da antropologia criminal de Cesare
Lombroso cujos escritos afirmavam ser possível prender o criminoso antes
que que ele cometesse o delito (Machado, 2018, p. 181).

Machado pontua que “a própria noção de perfil precede a/o intérprete” e por isso “já se
sabe a aparência da personagem Bela – Disney – antes mesmo do início da produção dos
espetáculos, pois há um repertório imagético que antecipa a própria seleção de atrizes”
(Machado, 2018, p. 181). No caso da profissional de eventos Bela, pode-se afirmar que sua
suposta “cara de ficha rosa” é marcada pela articulação de uma sexualização racializada (pela
sua cor de pele diferente), que evoca marcas de classe (em decorrência dos estilos de
maquiagem, uniforme, empresa contratante, etc.) relacionadas a uma gramática moral.
Um enunciado repetido diversas vezes por Bela foi o de que ela chama a atenção. Tal
qual a figura da mulata (Gilliam & Gilliam, 1995; Corrêa, 1996), ela é percebida como tendo
uma disposição para o sexo “naturalmente” aflorada. Para Gilliam & Gilliam (1995), a forte
erotização da mulher negra nas Américas culminou numa forma específica de subjetividade,
pois quando uma mulher é sexualizada, ela é “empurrada até uma posição de subjetividade da
mulata” e a própria “percepção do comportamento dela determina essa realidade” (Gilliam &
Gilliam, 1995, p. 530). Se “as mulheres brancas podem perder a honra pelo comportamento,
porém, esta lhes é atribuída a priori, as mulheres negras têm que lutar para adquiri-la”
(Gilliam & Gilliam, 1995, p. 530). Bela aciona uma certa gramática moralizadora da
“vergonha” (Duarte, 1987, p. 625) que faz com que ela não goste deste trabalho por causa do
“assédio” masculino, por não achar legal dizer que trabalha com eventos.
Contudo, não é só o “assédio” que a incomoda, mas também por causa da falsidade
entre as promotoras. Especificamente, o episódio conflituoso no Salão Duas Rodas entre Bela
e a ex-amiga, traz um elemento interessante para pensarmos como a agência espectral do
180

fantasma da prostituição permeia as relações de trabalho entre as profissionais, mostrando


como a dinâmica de diferenciação que configura esse mercado alimenta a inimizade e a
rivalidade entre mulheres167. Na situação em questão, o elemento em disputa foi, após a
discussão sobre o atraso relativo ao retorno do horário de almoço, o ato de sentar na moto –
considerado um fator a mais de sexualização, porque a depender do modelo, pode simular a
imagem de uma mulher na posição sexual popularmente conhecida como “de quatro”, com a
bunda empinada.
Maria Elvira Díaz-Benítez, em etnografia sobre a produção brasileira de filmes pornô,
apontou que dentro deste mercado que em geral é alvo de preconceitos, “os próprios
indivíduos que o conformam estabelecem regras que governam a moralidade interna da rede”
(Díaz-Benítez, 2010, p. 174). Atores e atrizes que participam de filmagens envolvendo
escatologia e zoofilia são estigmatizados pelo coletivo como tranqueiras, “os verdadeiros
outsiders” (Díaz-Benítez, 2010, p. 174). São acusações que “podem efetuar-se mediante
métodos ‘sutis’ de controle social, como a fofoca, por exemplo, atuando como uma discussão
da inadequação social, composta por sensacionalismos e moralismo e servindo para difundir
os valores do grupo” (Díaz-Benítez, 2010, p. 175).

Imagem 44: Profissional de eventos no Salão Duas Rodas. Fonte:


Arquivo pessoal.

167
Este tema será aprofundado no próximo capítulo.
181

É para aprofundar tais divisões internas, pautadas em códigos morais, que no próximo
tópico mostrarei como as disputas entre as próprias profissionais em torno do fantasma da
prostituição intensificam a desvalorização social do trabalho de cuidado e afetivos/emocionais
que desenvolvem.

Na fronteira entre trabalho e prostituição

As estratégias de diferenciação acionadas por profissionais de eventos podem ser


compreendidas a partir da categoria analítica fronteira, no caso, separando trabalho, de um
lado, e prostituição, de outro. Enfatizo de antemão que utilizo a ideia de uma fronteira entre
trabalho e prostituição exatamente para mostrar no plano empírico os efeitos da
estigmatização do trabalho sexual no cotidiano das profissionais de eventos. Não reifico em
hipótese alguma que haja qualquer separação entre trabalho e prostituição, já que esta última
também é trabalho168.
Segundo Gabriel Feltran (2010), fronteiras permitem ao mesmo tempo denotar uma
separação, um conflito e preservar “a possibilidade de fluxos, controlados, entre as parcelas
separadas” (Feltran, 2010, p. 228). O interessante em perceber, analiticamente, este trabalho
como uma fronteira entre trabalho e prostituição é que as tensões nela produzidas informam
como os próprios sujeitos transitam e como colocam limites entre um e outro lado.
Desse modo, com a ideia de fronteira busco mostrar, a partir das experiências de Mel e
Bela, os efeitos subjetivos e intersubjetivos da realização deste trabalho, as perspectivas de
carreira e visões sobre o fantasma da prostituição. Ambas lamentam ouvir frequentemente que
suas atividades laborais não são trabalho ou que é trabalho fácil, no entanto, essa
deslegitimação social é percebida por elas de maneira diametralmente oposta. Mel vem
construindo uma carreira na área e abriu a própria agência, enquanto Bela vive uma saga para
sair dos eventos. No entanto, não é apenas o diferente estilo de sexualização entre Mel e Bela
o fator responsável por suas posições divergentes. A faixa etária, principalmente no caso de
Bela, é outra categoria de diferenciação que entra nas estratégias acionadas para transitar pela
fronteira dos eventos.

168
Ver segundo capítulo.
182

Para explicar como a idade prejudica Bela, trago brevemente as narrativas de Luíza
sobre as dinâmicas do trabalho com eventos e sobre “assédio”. A profissional, que em 2016
completou 30 anos de idade e 12 anos de experiência na área, considera óbvio que a beleza
conta como um dos principais critérios de seleção, no entanto, pondera, todos os meus
clientes, eles contam muito mais com meu potencial de organização, de proatividade169.
Chamando a atenção para a diferença de amadurecimento entre as profissionais, Luíza
explica:

essas meninas novas são muito ilusórias, porque você viaja, eu tenho algumas
amigas que estão no Rio de janeiro hoje, inclusive, trabalhando. Eu acabo de
chegar da ilha de Comandatuba na Bahia, então, assim, você viaja, você tem
um lazer também, ganhando pra isso, tipo, aí as meninas se empolgam. Tem
uns rapazes bonitos, quem nunca?

Devido a experiência que esta profissional tem na área, ela pode recusar trabalhos,
como, por exemplo, aqueles em que o uniforme é um macacão. Tendo muitos contatos no
meio, Luíza poderia abrir uma agência, mas isso não está nos seus planos no momento já que
está escrevendo seu TCC para o curso de Jornalismo. Mesmo assim, apesar de não ter
oficializado a existência de sua agência, como disse, já contrato meninas, tenho meus clientes,
emito nota. Para ela, este é o único meio de ter carreira no mundo dos eventos.
Luíza ponderou que, sendo negra, precisou aprender com mais ênfase a lidar com o
“assédio” masculino. Contou que não gosta que a chamem de mulata ou morena, e questionou
retoricamente como a mulata é vista lá fora? Puta, sambista... Deste modo, ela diz não sofrer
mais com este inconveniente, pois, para ela, é uma questão de postura, então, assim, acho que
os caras olham e percebem também pelo rosto porque, não é que você julga, mas tem umas
que já meio que já dão na cara que querem isso, né? Querem se mostrar. A profissional
contou que a última vez que viveu esse tipo de situação foi numa feira de aviação, Labace, na
qual ela trabalhava para uma agência séria, com um vestido assim abaixo do joelho, super
séria, assim, elegante. Então, um dos poderosos, um velho lá perguntou se ela estava
trabalhando pela empresa ou por meio de alguma agência e quando ela respondeu fazer parte
de uma agência, ele indagou, você topa ir pra Nova Iorque no próximo final de semana
comigo? Ao que Luíza respondeu, bom, eu não sei se entendi, mas eu posso verificar com
meu marido, se ele puder ir junto e deixou o autor da proposta sem graça. Para esta
profissional, foi a experiência de 12 anos na área que trouxe as ferramentas para lidar com tais

169
Entrevista realizada em 01/03/2016 em São Paulo/SP.
183

situações constrangedoras, o que não se pode exigir das novatas. Como disse, as meninas,
elas se iludem, elas ficam, essa parada de glamour, “nossa que tudo, tô ganhando bem” e
com este raciocínio acabam aceitando convites para viagens, gastam todo o dinheiro com
roupas e não pagam Previdência Social.
Luíza é negra, possuía, à época da pesquisa, cabelos crespos estilo black power, olhos
castanhos e formato corporal longilíneo. Na minha percepção, alta. De porte magro, com
quadris estreitos, seios médios naturais e poucas curvas.
Trago estes detalhes para chamar a atenção no quão as categorias de diferenciação
podem ser embaralhadas no trabalho de profissionais de eventos. Luíza consegue jogar com a
racialização sexualizada que evoca atributos de classe e uma gramática moral através de sua
experiência de trabalho, de sua postura e de seus contatos com agências sérias. Deste modo,
a profissional transita pela fronteira entre trabalho e prostituição tendo maior êxito em se
manter no polo do trabalho, o que não é possível para Bela que talvez, quando estiver mais
experiente e com mais idade, se persistir no ramo, consiga adquirir a postura e contatos que
Luíza adquiriu em 12 anos de trajetória profissional.
Barbara Ehreinreich (2004) destaca que “quando os grupos sociais são desigualmente
divididos, as desigualdades preexistentes são reforçadas” (Ehreinreich, 2004, p. 102). A
economia dos serviços provê oportunidades, no entanto, elas são limitadas em termos não só
de gênero, mas de raça e classe. No mundo dos eventos, trata-se de uma racialização
sexualizada que evoca traços de classe, além dos de faixa etária. Desse modo, se a
diferenciação entre as profissionais é, em termos analíticos, marcada pela necessidade de
transitar pela fronteira entre trabalho e prostituição, está manifesto que o sucesso da jornada
dependerá do quanto os sujeitos conseguem modelar seus marcadores sociais da diferença.
Narrativas sobre “assédio” vão atingir diferencialmente as mulheres de acordo com seus
estilos corporais, mostrando que há mais de racismo e elitismo envolvidos no controle dos
corpos femininos tidos como abjetos do que apenas desigualdade de gênero no mundo do
trabalho.
Mas, o “grau” de sexualização não estabelece apenas fronteiras vinculadas à raça e
faixa etária que evocam marcas de classe, diz respeito também a critérios morais, como ser
dada, sentar na moto, querer aparecer, entre outros enunciados do tipo. Acredito que neste
sentido o mundo dos eventos, tal qual o universo da pornografia estudado por Díaz-Benítez,
tem “necessidade de brincar com a alteridade” (Díaz-Benítez, 2012, p. 275), até porque as
estratégias de diferenciação acionadas para afastar o fantasma da prostituição permitem
184

diferentes meios para exercícios de poder a partir da sexualização de acordo com seu
fundamento de mercado.
Desse modo, considero que algumas das experiências de trabalho de profissionais de
eventos, sobretudo as marcadas por “assédio”, configuram-se como uma “fissura” que o
cenário de mercado permitiu transpassar do consentimento ao abuso (Díaz-Benítez, 2015, p.
84). A noção de “fissura”, que extrapola o âmbito da sexualidade, explica Díaz-Benítez,
“pode ser percebida como uma espécie de exacerbação ou de elasticidade do limite moral, isto
é, algo que pode ser desejado pelos sujeitos em certos termos e momentos, mas capaz de se
tornar indesejável em outros, em um movimento micro” (Díaz-Benítez, 2015, p. 79)
O entendimento da “fissura como esse momento de fronteira” (Díaz-Benítez, 2015, p.
86) é importante para avançarmos no debate que enquadraria as profissionais de eventos
unicamente como objetos de assédio sexual constante, ao mesmo tempo em que não devemos
obviar a violência a qual estas profissionais são expostas no trabalho, percebendo-as como
símbolos de alguma forma de transgressão das normas de gênero e sexualidade. Sigo, neste
sentido, na esteira de Díaz-Benítez de que “a fissura é, antes de tudo, uma possibilidade”
(Díaz-Benítez, 2015, p. 86) e tal qual ocorre no mercado pornô, no mundo dos eventos “ela
possui enorme valor comercial” (Díaz-Benítez, 2015, p. 86).
Sendo um elemento de fronteira, a fissura é inerentemente marcada pela ambiguidade
e, por isso, pareceu uma definição pertinente para o “assédio” como uma característica do
trabalho de profissionais de eventos. Dito de outro modo, algo como “lidar com o assédio” é
parte do trabalho, ao menos as formas de “assédio” que empiricamente foram descritas como
assédio normal por Mel, safadeza de homem por Bela e proposta do velho poderoso por
Luíza.
O “assédio” mostra então as ambiguidades das relações no mundo dos eventos, tal qual
o é em todas as relações, daí a importância de analisarmos as paqueras e flertes no próximo
capítulo. No entanto, essas ambiguidades não impedem a percepção de formas de violência
que, sim, atravessam, de forma contextual, a atividade. Para avançar neste exercício analítico
vale realizar um diálogo com a literatura feminista interessada na despenalização da
prostituição, em prol de direitos trabalhistas e diminuição do estigma. Primeiro porque,
devido ao fato do fantasma da prostituição se colocar como o limite que todos, sujeitos e
empresas, buscam gerenciar através do distanciamento explícito e evocação implícita, este
fantasma reforça a ideia perversa de que “se fosse puta estava tudo bem” assediá-las.
Segundo, porque em algumas modalidades de prostituição há mais poder de criação de espaço
de agência que no mundo dos eventos. Em regra, na prostituição, há mais estigma com toda
185

certeza, mas, em alguns contextos, há menos assédio normal e menor incidência de outras
formas de “assédio” também.
Cláudia Fonseca (1996) interagindo com prostitutas de rua no centro de Porto Alegre
encontrou nas dinâmicas cotidianas dessas mulheres diversas vivências surpreendentes quanto
ao grau de socialização e suporte de redes próximas, sobretudo contra violências por parte de
policiais e clientes “truculentos”. Em uma das cenas presenciadas pela pesquisadora, estavam
elas, todas “quarentonas”, contando seus casos de amor na praça quando um homem de cerca
de 25 anos fez sinal para que uma delas se aproximasse, ao que ela foi lá negociar e voltou
rapidamente para a roda dizendo que o jovem “queria malandragem”, no caso, “a
malandragem” era “comer” o cu da prostituta, o que fez todas rirem. Com esta cena, Fonseca
pondera que “no processo de barganha com seus clientes a mulher da praça não está sozinha.
Atrás dela tem uma comunidade moral pronta para lhe dar razão nos seus enfrentamentos com
polícia ou cliente” (Fonseca, 1996, p. 19).
Paula Luna Sales (2014) mostra que, no restaurante Granada, um local de prostituição
em Fortaleza/CE, há uma separação bastante clara entre clientes e homens (frequentadores do
local conhecidos pelas meninas e que por isso não são clientes). Há, então, mesas de clientes,
mesas de meninas e mesas de homens. Como o espaço do Granada é, simbolicamente, das
meninas, os clientes não falam com elas sem consentimento prévio. Conforme a autora
pontuou, “no contexto do bar, paquerar seria trabalhar de graça” (Luna Sales, 2014, p. 223).
Deste modo, a dinâmica de negociação cliente-menina se dá de acordo com o seguinte
esquema: os clientes as olham de longe, elas fingem nem olhar, “fazem a tal caça dissimulada
para não dar cabimento sem ter o programa certo. Se eles chamam, dão o menor sinal de que
estão lá a sério, então elas vão junto a eles negociar, confirmar pela palavra o que o gestual
indicava” (Luna Sales, 2014, p. 223/224).
A partir destas duas cenas etnográficas, de Fonseca e de Luna Sales, percebe-se que
não há nestes contextos de prostituição tanta ambiguidade como nos eventos. A segunda
autora quantifica em números a dinâmica de interação entre cliente-meninas:

elas passam oito horas no Centro, das 10h às 18h, enquanto o tempo passado
no quarto dura em torno de 15 minutos e, num dia bom, elas fazem três ou
quatro programas; resultado, contando com uma negociação que leva uns 10
minutos, elas passam menos de 20% de seu tempo de trabalho a se ocupar
dos clientes (Luna Sales, 2014, p. 225).

Um contexto relativamente diferente foi apresentado por Natânia Lopes (2016), que,
em uma etnografia em meio a circuitos de prostituição “de luxo”, explica que há regras de
186

vestimentas, como, por exemplo, para trabalhar em certas casas “é preciso comprar os
vestidos e lingeries vendidos na Casa (Lopes, 2016, p. 57). Em outras casas chega a existir a
proibição de alguns modelos (Lopes, 2016, p. 131). A autora pondera que nestas boates,
embora haja mais segurança do que no trabalho em sites na internet, muitas vezes há estritas
regras de horário a serem cumpridas, “podendo-se passar o dia ‘presa’ no trabalho sem faturar
com nenhum programa, caso a garota não seja escolhida por nenhum cliente no salão” (Lopes,
2016, p. 120).
Como podemos inferir das análises das práticas do programa em espaços de
prostituição como os descritos acima, nos dois primeiros contextos, marcados por uma
modalidade de prostituição voltada para classes mais baixas, por haver o suporte das redes, há
mais espaço para criação de agência pelas prostitutas. Já no terceiro contexto, de prostituição
“de luxo”, a boate, a casa, local de prostituição hierarquicamente institucionalizado, embora
forneça a segurança que um site não possibilita, impõe restrições com relação às roupas e
horários de trabalho. Nesse sentido, de acordo com Luna Sales “a agência dos sujeitos não se
dá em relação ao seu sexo/gênero, ou ao espaço, mas as redes sociais às quais eles e seus
interlocutores se associam e fazem valer enquanto interagem” (Luna Sales, 2014, p. 232).
Meu intuito em dialogar com os estudos sobre trabalho sexual é mostrar os espaços de
agência existentes entre trabalhadoras/es sexuais (Piscitelli, 2005). Enfatizo que a luta pela
despenalização do trabalho sexual tem como intuito tornar sua prática mais segura (Prada,
2018, p. 99), já que grande parte das situações de violência neste meio não são decorrentes do
programa com o cliente em si, mas do fato de ser esta uma prática relacionada ao “crime”, o
que dificulta que se denuncie situações de violência sofridas e as tornem frequentes alvos de
investidas policiais. Daí a importância de abrir o diálogo para trabalhadoras sexuais que
querem falar sobre prostituição.

Trabalhar é sofrer?

Tive a oportunidade de apresentar a pesquisa sobre profissionais de eventos em uma


mesa de discussão na Unicamp cujo tema era prostituição e que contava com a participação
das trabalhadoras sexuais e putativistas Aline Lopez e Betânia Santos. Esta última, após me
ouvir contar a história de profissionais com pés inchados e precária alimentação, comentou
que qualquer puta prefere ser puta a ser profissional de eventos. Uma narrativa que já havia
ouvido, dentre outras ocasiões, durante o campo na Agrishow em 2016, quando uma
187

profissional de eventos contou sobre uma colega ficha rosa que sempre a perguntava,
ironicamente, trabalhou muito para ganhar R$150?!
Aline Lopez (2017), a partir do seu posicionamento de putativistas, pontua que mesmo
putas e mulheres tidas como empoderadas se deixam dominar pelo medo de serem chamadas
de putas. Medo este que retroalimenta eternamente o estigma contra a prostituição porque “a
verdade é que grande parte da violência contra a mulher tem como base isso: a pior coisa que
uma mulher pode ser/fazer [é ser puta]”. Nesse sentido, ela acrescenta que

enquanto mantiverem a forma simplista de lutar contra a exploração sexual


sem de fato nos ouvir ou sequer considerar as diferenças entre a exploração e
o trabalho sexual vai existir violência e exposição das mulheres, como um
efeito dominó onde todas caem juntas, putas ou não (Lopez, 2017, s/p).

Bela, enquanto discorria sobre suas experiências frustradas em empregos formais,


ressaltou: vou voltar a fazer eventos, só não vou me prostituir.
A peculiaridade das atividades laborais das profissionais de eventos está na execução
de um trabalho que, embora sexualizado, não é um programa. Por isso, transitar através da
“fronteira entre trabalho e prostituição” é o aspecto que possibilita aos sujeitos se distanciar
da prostituição – atividade tida como um não trabalho – e, com isso, garantir que estão, de
fato, trabalhando, além de poderem diferenciarem-se entre si, como mais ou menos elegantes
– um critério com traços morais – e, assim, serem vistas como menos sexualizadas.
Deste modo, a comercialização da sexualização por estas mulheres, que combinam
trabalho afetivo/emocional e de cuidado, neste mercado, parece evocar o mesmo árduo
caminho que a venda de seguros de vida gerou, causando um escândalo, quando surgiu na
América do Norte, no século XIX, como estudado por Zelizer170.
O especial interesse que esta autora tem pela interação entre dinheiro e valores
pessoais contribui para a reflexão sobre como profissionais de eventos acionam atributos
morais, sofrimento, 12 horas em pé no sol, na chuva, sendo assediada, para se diferenciarem

170
De acordo com Zelizer (1992 [1978]), o processo de comodificação “da morte e da vida” foi rodeado de
disputas porque as pessoas, em grande parte supersticiosas, tinham medo de fazer o seguro e morrer no dia
seguinte, como se estivessem provocando a Providência Divina. Foi a retórica dos agentes/vendedores, que
apelaram para a cerimônia sagrada da morte para convencer as pessoas da necessidade do seguro de vida, que
normalizou o novo produto e proporcionou seu êxito. Neste sentido, “o agente era indispensável”, mas seu papel
era ambíguo porque, a morte não poderia ser empurrada e promovida como um “artigo comum” (Zelizer, 1992
[1978], p. 298). Consequentemente, vender seguros de vida era visto como um “trabalho sujo”, e daí que
inicialmente tenha sido preciso acionar reflexões sobre rituais sagrados da morte até fazer dos seguros de vida
mais um produto do mercado.
188

das prostitutas, enquanto estão realizando um trabalho que é também sexualizado. Diante das
controvérsias e acusações de que o trabalho de profissionais de eventos é um “trabalho sujo”
(Zelizer, 1992 [1978], p. 298) porque são todas putas e/ou porque é trabalho fácil ou nem é
trabalho, a reação dessas profissionais, muitas vezes, endossa o estigma contra a prostituição,
porque este sim é o real, “trabalho sujo”, em que se trabalha deitada. Monique Prada (2018) é
clara quanto a este aspecto ao afirmar que é o estigma, a percepção do sexo como algo imoral
que atrapalha a comunicação. Em suas palavras, “o modo como nossa sociedade lida com
sexo e dinheiro é contraditório: são dois bens venerados e perseguidos ao extremo, mas a
ideia de que possam andar juntos assusta” (Prada, 2018, p. 75).
Enquanto Mel aciona o empreendedorismo para neutralizar os aspectos da
sexualização de seu trabalho, à Bela, que realiza o mesmo trabalho de cuidado que Mel, mas
que sofre efeitos mais pronunciados de sexualização e racialização, resta acionar termos de
desvalorização de sua atual profissão e seguir na saga para sair dos eventos.
No final, profissionais de eventos reivindicam que suas atividades sexualizadas e de
cuidado sejam reconhecidas como trabalho tal qual o fazem trabalhadoras sexuais. No
entanto, o fazem de maneira diametralmente oposta, pois, se para as primeiras, o trabalho com
eventos é difícil e este parece ser um dos principais recursos que elas utilizam para
“defenderem” sua categoria profissional; para as segundas, é exatamente a partir da “defesa”
de que o trabalho não precisa ser sinônimo de sofrimento que elas enquadram a troca de sexo
por dinheiro como trabalho. Isto é, ao reivindicarem a prostituição como trabalho, as
prostitutas rompem com a retórica da moral do trabalho171. Este é um aspecto das narrativas
de prostitutas que têm aparecido publicamente para falar em nome do coletivo que merece ser
contemplado. Para tanto, trago o ponto de vista das trabalhadoras sexuais Gabriela Leite,
Betânia Santos e Monique Prada.
Gabriela Leite, fundadora da Rede Brasileira de Prostitutas e que dá nome ao projeto
de lei n° 4.211/12 que visa a regulamentação da profissão, começa seu primeiro livro, Eu,
mulher da vida (1992), falando sobre como decidiu deixar de ser Otília, seu nome de
nascimento, para ser Gabriela, seu nome na prostituição. No relato, que mistura realidade com
fantasia, ela conta que enquanto via os sujeitos penosamente indo para seus trabalhos, todos
iguais, sem nenhum semblante que demonstrasse felicidade, “preocupados com o horário e
com o cartão de ponto no trabalho” (Leite, 1992, p. 9), avistou uma mulher diferente de todas
as outras pessoas, ela “não estava toda enrolada em preocupações, olhando para o chão como

171
Agradeço especialmente à Paula Luna por ter chamado atenção sobre este ponto.
189

todos. Pelo contrário: cabeça erguida, desafiando o mundo, fazia com que as pessoas
levantassem o rosto para olhá-la” (Leite, 1992, p. 10). Otília, em meio a pensamentos
contraditórios, decidiu que queria uma vida menos igual e então se tornou Gabriela. Trancou a
graduação em Ciências Sociais que cursava e se tornou puta.
Betânia Santos, em entrevista à Revista Página 22, observa que ela poderia ter sido
advogada e que não se formou por considerar a prostituição mais vantajosa. Como ela explica,
o trabalho sexual

me deu estrutura, liberdade, me deixou ser quem sou [...]. Sou negra, tenho
43 anos, estou grisalha, não serei escolhida facilmente em uma entrevista,
digamos, para recepcionista. A possibilidade de ganho de uma profissional
do sexo é maior do que qualquer outro trabalho, gente, sinto muito em dizer
isso. Tem nego que está trabalhando aí, que eu conheço, que não recebe há
três meses! Eu tenho uma amiga que é enfermeira-padrão de hospital público
que, quando dá o final do mês, vem me pedir dinheiro emprestado [...]. Aos
32 anos, eu já tinha minhas três filhas, casa própria, carro quitado. Para nós,
mulheres, é muito difícil conseguir um negócio desses lutando e trabalhando
de sol a sol (Santos, 2017, p. 7-9).

Monique Prada argumenta que, com exceção do estigma – o real causador de


problemas – o trabalho sexual é como qualquer outro trabalho e que ninguém “ousaria
condenar qualquer um que troque seu trabalho por outro em que receba pagamento melhor – a
não ser que esse outro trabalho seja trabalho sexual” (Prada, 2018, p. 50/51). Aline T.,
prostituta e advogada paulistana citada por Prada, explica que os discursos antiprostituição se
fundam na imoralidade do sexo e por isso a sexualidade não poderia gerar lucro, “é como se
estivéssemos trapaceando na meritocracia” (2018, p. 64). Prada completa que, apesar da
noção de meritocracia ser falha, Aline acerta o alvo. “É como se as pessoas quisessem nos
punir por, em vez de nos dedicarmos a trabalhos tão precários quanto [a prostituição] e de
remuneração pior, termos encontrado o que consideram uma espécie de atalho e sem nos
submetermos ao matrimônio, atalho socialmente aceito” (Prada, 2018, p. 64).
Como Prada enfatiza, não é a trabalhadora sexual que reclama do ofício que é
questionada, mas aquela que assume este trabalho “como uma atividade possível, que permite
sobreviver melhor do que outras, a palavra dessa mulher aparece sempre como algo a ser
questionado, desqualificado e desmentido” (Prada, 2018, p. 65). Ao contar sua trajetória, a
autora detalha, “ganhava o equivalente a quase um quarto do meu salário mensal por nem
duas horas daquele que, para mim, se apresentava também como uma grande diversão”
(Prada, 2018, p. 91).
190

Prada chama atenção para o fato de que o projeto de lei Gabriela Leite gerou
controvérsia quanto a cláusula que permite ao estabelecimento reter até 50% do valor do
programa. Sobre este aspecto, ela explica que

viu-se nisso uma espécie de regulamentação da exploração; seria


interessante, então, pensar no conceito de exploração do trabalho, sempre
presente nas relações laborais. Na prática, quantos e quais trabalhadores
sabem qual percentual do lucro da empresa sobre seu trabalho chega às suas
mãos? Para ficar no tema das profissionais autônomas, costumo usar o
exemplo das manicures ou cabeleireiras, que ficam, em média, com entre
40% e 60% do valor cobrado por seu trabalho (e normalmente levam o seu
próprio material e até sua própria agenda de clientes, usando apenas o espaço
disponibilizado pelos salões) (Prada, 2018, p. 99).

Betânia Santos, quando confrontada com a ideia de que prostitutas sofrem por
trabalharem com o corpo responde risonhamente que na maioria dos trabalhos se trabalha
também “com o corpo inteiro” (Santos, 2017, p. 8) e completa:

Claro que todo trabalho tem seus problemas, tem uso de drogas, assédio
sexual, cansaço, estresse, depressão, todos os trabalhos têm. Quando eu digo
que você usa todo o seu corpo para trabalhar, se você estiver menstruada,
você vai para o seu trabalho, e daí que você está com cólica? Já a gente não,
se a gente não quiser. “Ah, eu tô com uma cólica do peru, não vou não, vou
ficar aqui deitada” (Santos, 2017, p. 9).

Na esteira das observações acima, Ana Paula Da Silva et al. (2014) afirma que “o
trabalho sexual pode ser menos objetificante que outras formas de trabalho sob as condições
de capitalismo tardio” (Da Silva et al., 2014, p.148). Segundo os autores,

a transformação do indivíduo em objeto está geralmente visível somente no


contexto dos trabalhos estigmatizados, como a prostituição, a produção de
pornografia ou a dança erótica. Todavia, como Marx, Durkheim e Simmel
(entre muitos outros sociólogos) reconheceram, a divisão do trabalho, a
monetarização da sociedade e a urbanização tendem a objetificar o trabalho
em geral e, através disso, instrumentalizar as relações sociais (Da Silva et al.,
2014, p. 147).

Ao mostrar como trabalhadoras sexuais falam de trabalho e após ter discorrido como
profissionais de eventos pensam este aspecto de suas vidas, percebemos como as primeiras,
191

apesar de usarem o termo “trabalho sexual”172 e lutarem por direitos dentro da gramática da
valorização do trabalho, contestam, dentro do possível, a moral do trabalho. Já as segundas,
reforçam esta moral ao valorizarem o sofrimento. Os relatos de Gabriela Leite, Monique
Prada e Betânia Santos mostram que a escolha pela prostituição não foi por ser esta a última
possibilidade de trabalho, mas por ser a melhor dentro de suas limitações. Por mais que elas
acionem a retórica do trabalho e busquem reconhecimento social através desta, elas não
aceitam o imperativo de que o trabalho deve ser difícil para ser reconhecido como as
profissionais de eventos precisam fazer para se afastar do fantasma de que estão se
prostituindo.
Seria um paradoxo que mesmo as putas precisem falar em trabalho? Para Monique
Prada as trabalhadoras sexuais são “aliadas das lutas por direitos de todos os trabalhadores”
(Prada, 2018, p. 102) e é nesta direção que o tema de uma renda básica universal parece
apresentar um horizonte173. Essa saída se mostra um contraponto ao peso da moral do
trabalho, que impede a normalização de “ganhar” dinheiro sem trabalhar174.
Profissionais de eventos mobilizam uma moral do trabalho, especificamente
ressaltando seus sofrimentos – passando frio, fome, bolhas nos pés – e as atividades
desempenhadas – fazer de tudo e mostrar serviço – como estratégia para escapar do fantasma
da prostituição. Contudo, a tática da valorização moral do trabalho em um setor de atividade
articulado às economias sexuais, como é o mundo dos eventos, não tem o mesmo efeito para
todas as profissionais e à Bela, com sua beleza diferente, recai com maior potência o peso das
suspeitas de que ela se prostitui apesar dela se esforçar tanto para fazer tudo certo.

172
Gabriela Leite se posicionava contra o termo “profissional do sexo”, que se dizia ser um nome mais “sério”.
Sua justificativa era que “para o movimento é importante assumir o nome [puta/prostituta] e não fugir dele [...],
parece que mudar o nome é um pedido de desculpas”. (Leite, 2009, p. 158).

173
Sobre renda universal, Giuseppe Cocco e Bruno Cava (2018) explicam que “o que está em disputa, hoje, não
é mais um welfare, indexado ao fordismo industrialista e suas disciplinas de produção, um parâmetro da relação
emprego e cidadania que foi contestado pelas próprias lutas locais e globais. Mas um commonfare, um ‘salário
do comum’ atrelado à produtividade no tecido conjuntivo das redes materiais e digitais. Não é que se resuma a
uma posição movimentista ou utópica, mas à construção de instituições do comum ao redor da renda para todos,
como remuneração pela participação de cada um na produção e riqueza. O PBF [Programa Bolsa Família] e os
PdC, no Brasil, deram pistas de um caminho possível, que pode ser radicalizado” (Cocco & Cava, 2018, p.
117/118). David Graeber (2018) também defende que a instauração de uma renda universal solucionaria muitas
problemáticas contemporâneas relativas ao trabalho.

174
Para uma reflexão sobre como é rejeitada qualquer ideia de “ganhar” dinheiro sem trabalhar, vale assistir a
entrevista que Ana Fonseca, Secretária-Executiva do Programa Bolsa Família, deu ao programa Roda Viva do
canal aberto Cultura em 2004. Nessa ocasião fica evidente a dificuldade em validar a percepção da “renda como
um direito de cidadania” e não como uma política puramente assistencialista. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=gonuWz_0G2I>. Acessado em: 06 de set. de 2020.
192

Para que a sexualização possa ser utilizada favoravelmente aos negócios em feiras e
eventos, é preciso não apenas o desenvolvimento da dinâmica do perfil, que garante uma
maior objetividade nas escolhas dos estilos de sexualização (mais ou menos elegantes), mas
também se torna necessário que as profissionais de eventos endossem a moral do trabalho, a
valorização de seus sofrimentos, para que, de fato, os usos do slogan sexo vende surtam os
efeitos de mercado desejados. Efeitos estes que também valem para as profissionais que
encontraram neste trabalho uma forma de obtenção de renda mais favorável que em outros
trabalhos.
Nesse sentido, o ponto que chamo atenção é que a justaposição entre perfil e moral do
trabalho está assentada em atributos de gênero, sexualidade e raça, percebidos como
distinções morais e, por isso, os espaços de agência construído por estas profissionais não são
iguais. Embora o mercado, de maneira geral, recrute todos os diversos estilos corporais
existentes.
Por fim, com esta etnografia sobre o cotidiano laboral das profissionais de eventos,
procurei mostrar que o trabalho é apenas mais um elemento da vida dessas mulheres e, ao
contrário de um fim último de um projeto de vida, pode ser o primeiro passo em sua direção.
Este trabalho pode também possibilitar a criação de relações. No entanto, seriam
possibilidades também atravessadas por categorias de diferença e códigos morais que
impossibilitam os sujeitos de ter o mesmo acesso a redes de suporte afetivo. Para desenvolver
tal percepção, o próximo capítulo é dedicado a mostrar concretamente relacionamentos de
amizade e amorosos e/ou sexuais iniciados a partir do mundo dos eventos.
193

CAPÍTULO 5 – DINHEIRO, AFETOS E CÓDIGOS MORAIS

Tem umas [recepcionistas] que saem [com o cliente],


mas saem porque são solteiras, o cara é lindo, cê acha
que não vai querer, entendeu? Só que comigo, assim,
se o pessoal me falar “eu preciso de uma book rosa”
eu não sei nem... na verdade eu nem conheço, não sei
nem quem faz.

Vicky175

A fala de Vicky evoca o cerne da problematização a ser feita neste último capítulo
sobre a articulação entre trabalho e economias sexuais no mundo dos eventos, que é sobre a
possibilidade de nítida separação entre “assédio”, paquera e ficha rosa. No capítulo anterior,
mencionei a disputa de significados em torno da noção de “assédio”, que remete a
aproximações percebidas como violência em alguns contextos, mas, em outros, pode aparecer
como uma paquera, inclusive, desejada. Considerando tais paqueras e as eventuais trocas
afetivas e/ou sexuais decorrentes, mostro como o local de trabalho, produtor de meios de vida
e fonte de renda, é também produtor de múltiplas formas de relações (Padovani, 2015).
Quando iniciei a pesquisa não imaginei que relacionamentos amorosos fariam parte do
trabalho. Eu acreditava que analisaria um segmento de “luxo” dos mercados do sexo, que me
conduziria a uma crítica abolicionista da “exploração sexual” de jovens mulheres. Imaginava
que a partir do sonho em serem modelos, elas acabavam seduzidas pelas altas cifras oferecidas
para a realização de trocas sexuais e econômicas através do código ficha rosa (Araujo, 2013).
No trabalho de campo, porém, foram aparecendo outros temas: paqueras, namoros e
casamentos. Percebendo a articulação entre tais assuntos e o fantasma da prostituição,
comecei a prestar atenção nas relações estabelecidas entre trocas sexuais, econômicas e
afetivas. As diferentes lógicas acionadas pelos sujeitos para se referirem aos relacionamentos
afetivos e sexuais que tiveram início no mundo dos eventos serão consideradas levando-se em
conta que os envolvimentos ocorridos no ambiente de trabalho frequentemente têm sua
“autenticidade” questionada, sobretudo quando existem assimetrias de classe social entre os
participantes.
O capítulo está divido em dois blocos. No primeiro, trago histórias de Nina e Luíza
para mostrar como a valorização da moral do trabalho e da independência financeira, de

175
Entrevista realizada em 21/10/2015 em Ribeirão Preto/SP.
194

diferentes formas, aparecem como noções que afastam o fantasma da prostituição de seus
relacionamentos, no geral estáveis, com homens mais velhos e mais “ricos” do que elas. No
segundo bloco, com as narrativas de Bela e outras mais fragmentadas, como as de Cadu,
Valentina, Karen, Helena, entre outras, sugiro que paqueras no mundo dos eventos remetem a
códigos morais que colocam, em um extremo, a negação da autenticidade afetiva de propostas
e convites feitos no contexto do trabalho (caso de Bela), e/ou por pessoas de extratos
econômicos superiores; e no outro extremo, o desejo e valorização de tais pretendentes
amorosos (demais narrativas).

Nina e Luíza: negociando trabalho e independência financeira

Quando conheci Nina em outubro de 2015, no Salão Duas Rodas, ela estava solteira,
querendo todos, disse. Me contou que ficava176 com um cara desde os 17 anos, um militar,
nasceu militar, pai militar, tudo militar, e que este aparecera na feira naquela semana, lhe
dera carona e eles se beijaram. O que ele queria era tirar todos os homens da vida dela, além
do que só não propunha namoro por causa do seu trabalho com eventos. Quando perguntei se
ela gostava dele, sua resposta foi, meu, eu gosto é de mim, e enfatizou que queria viver sua
própria vida e não depender de homem algum177. O posicionamento tinha relação com uma
decepção amorosa que acabara de vivenciar depois de largar tudo para se dedicar ao ex-
namorado, Liam, um norte-americano de ascendência iraniana na faixa dos 40 anos, executivo
de alto escalão de uma empresa de telefonia no Brasil.
Nina e Liam se conheceram em 2014 quando ela trabalhava na recepção de um
restaurante na capital São Paulo. Ele mandou flores durante uma semana, mas ela, no início,
entendia como antiético estabelecer intimidade com os clientes do seu local de trabalho, até
que decidiu sair com ele. Saíram algumas vezes para jantar sem acontecer nada, sem relações
sexuais. Até que pensou por que não?, considerando que ele era uma pessoa legal apesar dos
40 anos, um espírito jovem178. Nina, que já havia se relacionado com muitos caras bonitos e
da idade dela, mas que não estavam nem aí, que eram uns cretinos, decidiu aceitar o pedido
de namoro de Liam que, ao contrário dos caras bonitos, desde o começo queria um
relacionamento sério.

176
Ficar designa envolvimentos afetivos e/ou sexuais mais efêmeros, sem comprometimento.
177
Entrevista realizada no Salão Duas Rodas em 9/10/2015.
178
Entrevista realizada no dia 24/02/2016 em São Paulo/SP.
195

Liam tem origem muçulmana e no começo da relação pediu que Nina usasse véu nos
cabelos, o que ela recusou. Via Skype ela já conversou com os dois filhos dele que moram nos
Estados Unidos, frutos do primeiro casamento. Por ele, os dois já teriam casado, mas ela se
considera jovem demais para um compromisso de tamanha magnitude. Na sua família há um
exército de advogados que defendem Liam e torcem para que eles fiquem juntos.
Liam não gostava do trabalho de Nina em eventos e menos ainda do trabalho como
dançarina (capítulo quatro). Então, em nome da relação, ela aceitou parar de trabalhar e por
um ano morou com ele em sua casa em São Paulo. Como Liam viajava constantemente para
os Estados Unidos devido ao trabalho, durante suas viagens ela voltava para a casa de sua
mãe. Foi em uma ocasião de retorno do empresário à São Paulo que ela, ao entrar no lar do
casal depois de ele já ter chegado, encontrou cabelos femininos na banheira. Além da traição,
Nina estava incomodada com a dependência financeira que estava tendo de Liam e decidiu
romper.
Ele correu muito atrás dela. Poucos meses depois do Salão Duas Rodas (outubro de
2015) eles retomaram o relacionamento. Em fevereiro de 2016, em uma visita que fiz à Nina,
ela se preparava para viajar com ele ao Rio de Janeiro. Ela estava empolgada com a viagem
que duraria de quinta-feira à tarde até sábado à noite. Fomos ao shopping porque ela precisava
comprar várias coisas para a viagem. Nina comprou sandália rasteirinha e tênis na Arezzo,
colar na Luigi Bertolli, shorts na Renner e mais alguns itens de farmácia, incluindo remédios
antigripais já que Liam manifestava o começo de um resfriado. Ao arrumar as malas, Nina
pensava na diversidade de ocasiões que podiam se apresentar na viagem ao Rio, desde ir à
praia, até jantar em algum lugar mais chique. Seu plano inicial era ficar na piscina do hotel
enquanto Liam estivesse em reunião.
Cinco meses depois, em julho de 2016, quando nos encontramos na ocasião do casting
para o Salão do Automóvel relatado no terceiro capítulo, ela estava novamente separada de
Liam. Eles ainda trocavam mensagens via WhatsApp, segundo ela, era um amor
complicado179 devido ao incômodo que ele mantinha em relação ao trabalho dela e pela busca
de Nina por independência financeira. Ela estava saindo com um cara que, em tom de
brincadeira, chamava de michê180, um lutador de jiu-jitsu relativamente famoso, segundo ela,
com quase 7.000 seguidores no Instagram181.

179
Entrevista realizada em 26/07/2016 em São Paulo/SP.
180
Interessante pontuar que na pesquisa de Néstor Perlongher (1987), o termo michê, basicamente, refere-se a
um tipo específico de “prostituição viril”. Diferentemente de outros tipos de prostituição homossexual, como a
travesti e o michê-gay, o michê estudado pelo autor se refere ao homem que ganha dinheiro para transar com
196

O michê sugeriu que ela pegasse um metrô até as proximidades da casa dele para que
se encontrassem. A sugestão a fez rir debochadamente. A proposta fez com que ela não
acreditasse em qualquer futuro para o relacionamento. Explicando o porquê de não ver
perspectiva de envolvimento sério com o michê, ela disse, tenho que me virar sem macho, que
ninguém é obrigada a ter macho [...]. Antes cê tava com um cara, automaticamente ele já
virava teu bofe, [...] não tem esse papo de você pagar. Nina valoriza o companheiro que
pergunta: você tá precisando do que?, que chega na sua casa e faz uma compra e continuou:

hoje em dia os caras manda cê pegar metrô, pra você ir ficar com eles, tá
entendendo? Metrô! “Te pego no metrô”, vai pegar sua mãe no metrô! “Eu
vou pegar vc no metrô”. É delivery agora, é delivery, que porra é essa? Tá de
brincadeira. Aí a pessoa chega num casting de 90 meninas, passa na frente e
tem que ir de metrô vê o michê. Não. É isso amiga. A única pessoa que eu
pago pau na minha vida é pra minha mãe. Eu não pago pau pra ninguém,
amiga.

Luíza, como Nina, conheceu seu atual esposo, Afonso, quando trabalhava como
hostess no restaurante de culinária portuguesa de propriedade do marido. O estabelecimento,
bastante renomado, fica localizado em uma região nobre da capital paulista. No entanto, o seu
caso de amor foi um pouco menos complicado que o de Nina, embora também teve
instabilidades.
Afonso, português com 50 anos de idade, há 30 morava no Brasil, apaixonou-se à
primeira vista por ela. Luíza contou que ele insistiu por uma semana para conhecê-la, no
entanto, ela não aceitou inicialmente porque acreditava que estrangeiros queriam uma comida
[transa] e nada mais182. Quando ele informou que abriria um novo restaurante e que
precisaria de uma hostess, ela aceitou anotar o telefone do chefe visando o interesse
profissional. O contato rendeu um convite para almoçarem e, assim, conversarem sobre a
vaga de emprego no novo restaurante. Antes, ele perguntou aonde ela gostaria de ir, gesto que
ela destacou como prova da educação e os dois acabaram por jantar em um restaurante
japonês localizado em Moema, outro bairro também valorizado da capital.
Luíza se encantou pela originalidade, vivacidade e educação de Afonso. Desde o
primeiro encontro foi mágico. Após três meses de namoro foram morar juntos e a relação, que

“bichas”, em que ele cobra como forma de negar sua homossexualidade. Com isso, apesar de ter relações
homossexuais, ele não é afeminado e também possui relações heterossexuais nas quais não cobra dinheiro.
181
Como em 2016 a rede social em questão era menos popularizada do que o é atualmente, 7.000 seguidores era
tido como um número relativamente alto.
182
Entrevista realizada em 01/03/2016 em São Paulo/SP.
197

já durava dois anos, parecia ter dez, contou-me ela. Antes de Afonso, Luíza já havia se
relacionado com um homem de cerca de 40 anos, o que para ela era preferível pois pessoas
mais velhas teriam uma maior estabilidade emocional. Contou que um ex-namorado, modelo
e mahamudra183, com 30 anos de idade, ao saber que ela estava namorando Afonso, teve
algumas atitudes imaturas, como a difamar em seu bairro, onde moram sua família e amigos
íntimos, além de ligar chorando pedindo para voltar.
Contudo, no começo, o relacionamento com Afonso teve algumas atribulações que
Luíza acredita ter sido decorrente de diferenças como, por exemplo, ela ser negra e 20 anos
mais jovem e ele um europeu de uma classe social mais elevada. Afonso detestava o trabalho
de Luíza em eventos e queria que ela trabalhasse apenas no restaurante, como hostess e em
outras funções internas. Mas ela insistiu em continuar trabalhando em eventos porque ele a
conheceu trabalhando na área e ele não tinha que gostar de porra nenhuma. Foi então que
Afonso ofereceu uma proposta irrecusável de trabalhar com ele. Ela largou os eventos
também por estar cansada da área, e então passou a se dedicar exclusivamente ao restaurante.
No entanto, a insegurança de Afonso ainda se fazia presente, o que, segundo Luíza, era
resultado do fato de ela ser uma mulher negra usando um vestido branco na recepção de um
restaurante português [...] cheio de portugueses [clientes]. Considerando o alto prestígio do
restaurante no mercado gastronômico paulistano, ela era muito, muito assediada por caras,
tipo, trilhardários. Em uma ocasião-limite, Afonso discutiu feio com um cliente, o que nunca
tinha acontecido antes em sua vida e, após o episódio, juntos os dois decidiram que era
melhor ela se afastar do restaurante. Ele começou a fazer terapia para lidar com o ciúme,
considerado exagerado por Luiza, e ela então voltou sua atenção para a faculdade de
jornalismo.
Apesar de Afonso prover o sustento da casa, para Luíza, trabalhar era uma questão de
honra. Ela gosta de trabalhar, podia estar casada com o cara mais rico do mundo e, mesmo
assim, continuaria trabalhando pois desde os 15 anos, nunca parou de trabalhar. Era ela quem
sustentava a família para qual estava construindo uma casa. Seu pai, que havia falecido
recentemente, dependia de Luíza para tudo, eu pagava aluguel, eu pagava a comida dele,
pagava remédio dele.
Com uma trajetória de independência e responsabilidades financeiras, ao sair do
restaurante, Luíza se sentiu perdida mas não tinha dúvidas em dizer a razão: porque eu fiquei

183
Mahamudra é um coletivo voltado para prática de exercícios físicos, geralmente vigorosos, e também para
reflexão espiritual e autoconhecimento. No Brasil, o grupo começou a se reunir em 2013 para realizar atividades
físicas e espirituais no Parque do Ibirapuera em São Paulo (Exame, 2016).
198

desempregada uns seis meses e virei madame, né? No âmbito do conflito, Luíza e Afonso
ficaram separados por três meses. Para ela foi um período muito difícil, de perder o chão. Ela
estava fora do peso para trabalhar com eventos, mas mesmo assim foi bem recepcionada pelos
ex-clientes. Depois de Afonso ter ido muito atrás dela, eles voltaram. Agora ela se impõe mais
e diz a ele: se você não gosta, então você cai fora porque eu não vou parar minha vida e eu
vou fazer daqui pra frente o que eu quiser. Então, assim, ele entendeu e entende, ele procurou
uma melhoria e ele tá muito melhor.
Luiza pondera que o término não foi apenas devido ao ciúme, já que o fato de ela ficar
em casa sendo madame, engordando, teria feito com que ele perdesse a admiração por ela. A
situação se inverteu quando ela voltou a trabalhar com eventos. Afonso tem orgulho dela ser a
mulher trabalhadeira que é. Refletindo sobre as negociações necessárias para que eles
retomassem o relacionamento, Luíza concluiu: tudo depende daquilo que você aceita. Eu
tenho um homem fantástico porque eu não quero menos que isso.
*
Os relacionamentos de Nina com Liam e Luíza com Afonso, desde o começo,
envolveram negociações econômicas. Nos dois casos se tratava de homens “ricos”, o
primeiro, executivo de uma multinacional e o segundo, empresário, proprietário de um
renomado restaurante. De acordo com Zelizer (2009), nas sociedades ocidentais, sobretudo
nos Estados Unidos, a relação entre afetos e dinheiro costuma ser bastante delicada, visto que
há a percepção de que o dinheiro corrompe os relacionamentos. Um dos argumentos da autora
é o de que “as relações são tão importantes que as pessoas trabalham duro para combiná-las
com formas apropriadas de atividade econômica e marcadores claros do caráter dessa relação”
(Zelizer, 2009, p. 14).
Nos termos de Zelizer, não há como separar absolutamente a esfera do amor da esfera
econômica. A busca de pureza, nesse sentido, como uma fronteira que delimite “amor” e
“interesse”, diz respeito aos valores morais presentes nas dinâmicas sociais nas quais amor e
dinheiro estão em jogo. As histórias de amor de Nina e Luíza, lidas em diálogo com as
formulações de Zelizer, mostram formas de afeto entrelaçadas com questões econômicas em
meio à necessidade de afastar o fantasma da prostituição.
Os estudos feministas sobre mercados transnacionais do sexo e do casamento que
sublinham a dimensão afetiva envolvida em tais intercâmbios contribuem para refletir sobre
as negociações entre Nina e Liam, Luíza e Afonso. Através dos relacionamentos entre
brasileiras e estrangeiros iniciados em Fortaleza-CE, nos anos 2000, Piscitelli (2011b)
considera a interpenetração entre economia e sexualidade no contexto do turismo sexual
199

internacional e a relevância das qualidades morais em sua articulação. A autora argumenta


que as brasileiras com as quais trabalhou, após migrarem para países europeus,
ressignificavam marcas de brasilidade, transformando a intensa sexualidade a elas concedidas,
em outros atributos como ser carinhosa e ter prazer em ser dona de casa; o que possibilitava
que se diferenciassem no mercado de sexo e no mercado de casamento internacional, apesar
de ser impossível escapar completamente do estereótipo racialmente sexualizado da brasileira
e de suas vinculações com a ideia de “interesse” econômico.
Nesse caso, acionar características referentes à domesticidade é parte da
ressignificação da brasilidade que busca se afastar da estigmatização da qual brasileiras são
alvo internacionalmente. A partir dessa perspectiva, a valorização do trabalho e da
independência financeira feita por Nina e Luíza contribui para afastar de seus relacionamentos
o fantasma da prostituição e a desconfiança de interesse econômico.
Desse modo, considero que o trabalho adquire um valor particular no âmbito das
economias sexuais vinculadas aos eventos diante do fantasma da prostituição. A honra
concedida pelo trabalho e a decisão de não depender financeiramente de homem algum, tem
como efeito afastar a sombra do interesse econômico dos relacionamentos de Nina e Luíza
com homens de extratos sociais mais elevados. A admiração de Afonso pelo fato de Luíza ser
uma mulher trabalhadeira parece ser só compreensível enquanto forma de distanciar o
fantasma da prostituição a partir da retórica moral da valorização do trabalho. No caso de
Nina, diferentemente, Liam não aceita que ela trabalhe em apresentações de dança e em
eventos, devido à associação das atividades com formas de sensualidade que se relacionam,
em parte, ao fantasma da prostituição. Para Liam, não importa a valorização moral do
trabalho, sendo a oratória da valorização da independência financeira importante apenas para
Nina, que não quer depender de homem nenhum.
De diferentes formas, para as duas interlocutoras, o trabalho como profissional de
eventos suscitou conflitos com os companheiros, parecendo haver uma tensão quase
constitutiva no relacionamento devido ao trabalho no mundo dos eventos: por um lado, se elas
trabalham na área, precisam lidar com o fantasma da promiscuidade, da presença da
sensualidade, remetendo a um sentido do termo prostituição como mulheres de conduta
desregrada; por outro lado, se elas param de trabalhar e passam a depender dos companheiros
(“ricos”), paira o fantasma do interesse, do sexo por dinheiro, que também é vinculado à
prostituição.
200

Nina e Luíza são praticamente as provedoras das casas de suas famílias 184. Nos dois
casos, o contexto de trabalho no mundo dos eventos norteia as habilidades de negociar com os
regimes de valor aos quais estão expostas (Cole, 2014), com as responsabilidades familiares e
com o relacionamento com homens “ricos”185.
A princípio, ambas resistiram à ideia de se envolverem com chefes/clientes de seus
ambientes de trabalho e tanto Liam quanto Afonso precisaram insistir. Após estabelecerem
compromisso, ambas precisaram negociar para continuarem trabalhando.
Luíza obteve significativo êxito em seus acordos com Afonso, já que este foi fazer
terapia para lidar com o ciúme exagerado e aceitou que ela continuasse trabalhando.
O relacionamento de Nina e Liam seguiu sendo um amor complicado. No período do
segundo término com o irano-americano, quando ela fala debochadamente sobre o michê,
temos elementos para pensarmos que tal qual Luíza, ela tem elevados critérios na escolha de
parceiros amorosos e sexuais. A sugestão do lutador para que fosse ao seu encontro no metrô,
despertou em Nina a valorização do comportamento masculino que manifesta preocupação e
cuidado (Piscitelli, 2011b, p. 568). Apesar das restrições às liberdades de Nina que Liam
tentou impor, tanto Nina quanto o exército de advogados que o irano-americano conquistou
na família dela, percebem positivamente a postura geral do empresário, sobretudo quando
comparado ao comportamento do michê que pensa que ela é delivery.
A negociação do amor complicado e dos ciúmes exagerados que Nina e Luíza,
respectivamente, realizaram mostra como fazer acordos na esfera afetiva é permanente. O que
me interessa ressaltar é a preferência de ambas por um relacionamento com homens maduros
em detrimento aos homens mais jovens, modelos, imaturos, cretinos que não querem nada
com nada.

184
A condição específica de Nina como “provedora” foi desenvolvida no capítulo anterior.
185
Jennifer Cole, a partir de uma etnografia em Madagascar com mulheres que se casam com europeus,
investigou como essas mulheres negociam diferentes visões entre fronteiras em busca de ganhar a vida e ganhar
valor social (2014, p. S86). Enquanto na França realizam trabalhos precários voltados para imigrantes, na África,
constroem casas, tornam-se autoridades entre seus parentes e adquirem um status que não o teriam não fosse
seus casamentos com europeus. Desse modo, precisam navegar em visões concorrentes de quem são e como
devem se comportar (Cole, 2014, p. S89). Na França são pobres migrantes recebendo ordens em trabalhos
repetitivos. Na África são elas que mandam. Elas “atravessam mundos diferentes, cada um com seus regimes de
valor. Seus esforços para traduzir práticas ‘francesas’ e ‘malgaxes’ contribuem para a reificação dessas
categorias, embora sua prática contribua para seu maior envolvimento” (Cole, 2014, S90).
201

Nina e Luíza não precisam de ajuda186, no entanto, suas percepções de amor provam
que “quando dinheiro e sexo estão intimamente conectados, o amor frequentemente está mais,
e não menos, entramado nas relações sociais, estruturando-as e se converte num lugar de
negociação e disputa” (Piscitelli, 2011b, p. 575).
A percepção do indissociável vínculo entre amor e dinheiro nas histórias de Nina e
Luíza, contribui para percebermos as diferenciações de classe envolvidas em trocas afetivas,
sexuais e econômicas, sem reduzir o debate a desigualdades sociais e econômicas. Nesse
sentido, consideremos os perfis estético-corporais das duas, que correspondem aos critérios
seletivos para trabalharem em feiras e eventos e também no posto de hostess, em restaurantes
conceituados na cidade onde conheceram Liam e Afonso, respectivamente. O trabalho as
colocou em contato com pessoas “ricas”.
Nina e Luíza, após serem selecionadas devido às suas corporalidades e
comportamentos187, passaram a ser alvo do desejo de homens “ricos”. Aliás, o comentário de
Luíza relativo a ser muito, muito assediada por caras, tipo, trilhardários oferece um exemplo
dos diferentes sentidos adquiridos pela noção de assédio no referido contexto. Ela não usa o
termo para aludir à violência, mas para justificar os motivos pelos quais Afonso tinha ciúmes
de ela trabalhar na recepção do restaurante. No entanto, o adjetivo trilhardários usado para
qualificar os sujeitos que a assediavam talvez mostre o desejo como via de mão dupla, em que
ambos os lados podem ser em alguma medida, fetichizados.
Os jogos de sentido em relação à classe exigem que olhemos as nuances envolvidas.
Tentando não perder tais sutilezas de vista, temos um certo caminho que começa com a
entrada das profissionais em espaços elitizados, passa pelas possibilidades de elas desejarem e
serem desejadas por homens de extratos econômicos superiores, segue com a consolidação de
relações estáveis e, por fim, possibilita acessarem objetos, lugares, experiências de consumo e
imagens de glamour, às quais, provavelmente, não teriam acesso fora de tais relacionamentos.
Ambas poderiam ser madames, mas a experiência trouxe efeitos indesejados: Nina não
suportava a dependência de Liam e Luíza se sentiu mais admirada enquanto uma mulher
trabalhadeira. Devido ao fantasma da prostituição, que recai não somente sobre elas, mas
também sobre eles, o relacionamento seguiu complicado, no caso de Nina, como sem
resolução final entre fantasma da prostituição e trabalho; já com Luíza e Liam, a solução foi

186
Piscitelli, na investigação dos relacionamentos transnacionais entre brasileiras e estrangeiros, encontrou na
lógica da ajuda uma forma de expressão de afetos e cuidados dentro de relacionamentos assimétricos. A ajuda
ofereceria benefícios econômicos, tanto por sobrevivência quanto para consumo (2011b, p. 550).
187
Os critérios de seleção estão detalhados no capítulo três.
202

ela continuar trabalhando para que ambos sentissem que a relação não era por puro interesse
econômico.
Portanto, o posicionamento das duas mostra que a construção de seus espaços de
agência feminina para negociar relacionamentos amorosos em meio ao fantasma da
prostituição, às dissimetrias de classe e à desconfiança de interesse econômico, é atravessada
pela valorização da moral do trabalho e da independência financeira.
No próximo tópico, mostrarei narrativas que apontam para outras direções, motivos
para recusar envolvimentos com homens mais “ricos” e ao contrário, a valorização de
pretendentes de extratos sociais mais elevados. A partir de fragmentos narrativos sobre
paqueras, elucidarei como o trabalho pode se embrenhar nas lógicas da curtição, de ser feliz e
de autovalorização na percepção das pessoas sobre suas vidas amorosas.

Paquerar o chefe?

As histórias de Nina e Luíza fornecem elementos para o exercício de análise de


negociações feitas em relacionamentos de maior duração. Os relatos que seguem se referem
ao momento anterior, da paquera, quando o interesse é puro desejo, expectativa e curiosidade.
Considero aqui as lógicas que operam nas paqueras e as noções sobre as preferências afetivo-
sexuais acionadas.
No trabalho de campo, encontrei dois raciocínios em cena no momento da paquera,
um que rejeita relacionamentos gerados no ambiente de feiras e eventos e outro que, ao
contrário, considera desejável que eles ocorram. Para o primeiro caso, apresentarei as
narrativas de Bela, profissional de eventos que não vê autenticidade nos convites e propostas
que recebe de homens que a conheceram no trabalho e por isso não tem interesse nos
referidos pretendentes. Para o segundo, considerarei os relatos de Cadu, Valentina, Karen,
Helena, entre outras histórias que mostram como o desejo e motivação para relacionar-se com
pessoas de extratos econômico-sociais superiores é atravessado, sobretudo, pela lógica de
curtir experiências e objetos de consumo.
203

Bela: muitos pretendentes e solidão

Bela foi muito apaixonada por Léo, um ex-namorado que também era seu vizinho188.
O relacionamento terminou por causa de ciúmes, cujo ápice ocorreu quando, em uma briga,
Léo quebrou o carro dela e colocou fogo em ursinhos e livros seus. Depois ele arcou com os
prejuízos materiais do carro, mas pouco tempo depois terminou o relacionamento
argumentando que não construiria uma vida e uma família com uma mulher que faz evento e
se expõe tanto. Lamentando o término, Bela contou que enquanto estavam juntos era nos
ombros do ex-namorado que ela chorava quando recebia propostas indecentes no trabalho em
eventos e que ele a confortava carinhosamente. Ela também costumava presenteá-lo com
roupas, pagava tudo para ele com o dinheiro dos eventos.
Solteira, Bela tem um posicionamento severo quanto aos pretendentes que a conhecem
no trabalho. Os homens que paqueram profissionais de eventos, em suas palavras, não querem
namorar, algo sério, querem por uma noite só [...], gostam da gente aqui como estamos no
evento, não as imaginando fora daquele contexto. Nesse sentido, recorro à lembrança da
minha primeira interação com ela no Salão Duas Rodas: enquanto ela caminhava pelo
corredor da feira em direção ao banheiro, homens viravam o pescoço para observá-la, assediá-
la, sem o menor pudor ou discrição. Quando me aproximei e perguntei como ela lidava com o
assédio masculino, ela respondeu todo mundo acha que eu sou ficha rosa. Contou enojada
que os caras a abordavam na feira falando quero te comer.
A profissional me mostrou algumas mensagens que recebe em seu Instagram de
homens, incluindo estrangeiros, que a conheceram trabalhando em feiras189. Um egípcio
escreveu hate you [te odeio] e Bela explicou que o motivo da agressividade é porque ela não
responde suas mensagens. Outro disse: posso te comprar um vestido de oncinha? Tua cara,
ao que sua resposta foi não, obrigada e nunca mais ele escreveu. Diferente de um terceiro que
havia mandando dezenas de mensagens que ela não respondia, entre as quais constava você
foi tão simpática naquele dia. Em mais uma mensagem que enfatizava a simpatia de Bela, um
quarto pretendente escreveu: queria te dar o presente [...], você foi simpática, educada
comigo naquela semana, por que não podemos conversar numa boa com todo respeito?
Estarei no Brasil em agosto [...], vamos tomar um café, deixa eu te dar algo pra demonstrar
meu carinho. Um quinto candidato a ter sua atenção mandou: eu queria muito te conhecer

188
Entrevista realizada em 13/02/2016 em Guarulhos/SP.
189
Entrevista realizada em 23/07/2016 em Guarulhos/SP.
204

pessoalmente, será que aceitaria um convite para jantar? A esta mensagem Bela respondeu
que tinha namorado. Havia dezenas de mensagens de homens que Bela não sabia quem eram,
é tudo [homens] de evento que vê foto e me chama.
Então ela explicou para mim porque é tão rígida em negar esses convites:

eu não ficaria com nenhum homem que eu conheci em evento e exposta.


Que eu conheci com os peitos pra fora. Porque na visão do cara, tipo, o cara
vai me conhecer daquele jeito. O cara me viu lá no Salão, vou ser meio
machista agora, o cara me viu no Salão com um shorts super curto, quase
mostrando a poupa da minha bunda, o decote, meu peito e o cara quer me
conhecer só porque ele me achou legal e simpática?! Ele nem conversou
comigo, como que ele sabe como que eu sou?! [...]. Para, pra mim não dá! É
diferente se estivesse de terninho. Eu tava pelada no Salão.

Quando o cara se dispõe a conversar com ela, e quando há oportunidade também, a


depender do movimento no evento, Bela conta mais sobre ela, só pra eles verem que é
totalmente diferente, não é isso que você tá vendo não, trouxa. Tipo, na semana fica de
chinelo e no boteco. Você tá pensando o que? Que eu sou a mulher dos seus sonhos? Que
lava louça de salto alto? Não!
O que é singular na trajetória de Bela como profissional de eventos é a intensidade
com que o trabalho afeta suas relações pessoais190. Considerando esta peculiaridade, as
narrativas acima podem ser melhor compreendidas quando levamos em conta duas situações
vividas por Bela relacionadas a amizades femininas. A maneira como outras mulheres
percebem Bela oferece elementos para pensar como o fantasma da prostituição afeta
particularmente algumas mulheres.
Bela contou-me que uma grande mágoa de sua vida foi o rompimento de uma amizade
de sete anos na qual ambas se viam como irmãs, trabalhavam juntas em eventos, eram
grudadas. Até que Bela percebeu que quando sua amiga começou a namorar, acabou se
afastando. Quando questionada, a amiga respondeu que se sentia mal perto dela [Bela] com o
namorado e mesmo Bela argumentando que não tinha malícia, a amiga insistiu em dizer que
não se sentia à vontade. Sensível, Bela chorou e aceitou o fim da amizade.
Um outro acontecimento análogo envolveu o ciúme da namorada de um amigo. Bela
explicou que vinha tentando fazer amizade com a namorada em questão quando a turma de
amigos se encontrava. No entanto, não obteve sucesso. Em uma viagem à praia, a namorada

190
No capítulo anterior há mais detalhes sobre o referido incômodo da profissional. Lá destaquei as situações de
ciúmes de mulher que Bela precisa lidar.
205

agrediu o amigo na frente de todos por causa da presença de Bela. Sentindo-se mal e culpada,
pediu desculpas ao amigo, mas, ressaltou, não tem nada a ver eu pedir desculpa só por estar
lá e por ser eu, por ser eu! Após um período de tempo, na ocasião do aniversário de um outro
dos amigos dessa mesma turma, quando a namorada chegou, ninguém mais conversou com
Bela que, sentindo-se ignorada, bebeu, ficou locona a ponto de não conseguir ir embora.
Chorando, e desesperada, ligou para sua mãe que perguntava o que estava acontecendo e ela
falava que era sozinha. O cunhado foi buscá-la e no carro ela seguiu dizendo que era muito
sozinha, que ninguém queria se aproximar dela e que a rejeição a incomodava muito. Bela
explica:

Tipo, você tá ali sendo rejeitada só por ser você, não é por ter feito nada pra
ninguém. Só porque as outras mulheres se sentem ameaçadas quando você
tá. Então, tipo é difícil em tudo, em eventos, em trabalho, em amizade. Eu
perdi amizade por causa de ciúmes de homem. Que tem a ver? Vários
amigos eu vejo, quando vou ver esse, me excluiu [de redes sociais], porque
começa a namorar e a namorada fica com raiva e exclui. Então meio que tô
acostumada.

*
O que as experiências de Bela nos informam sobre a gramática moral presente no
mundo dos eventos vinculada ao fantasma da prostituição?
No capítulo anterior mostrei os desafios profissionais e pessoais de Bela ao ser mais
constante e intensamente confrontada com o fantasma da prostituição que as demais
profissionais que integram a presente etnografia, como Mel, Nina e Luíza, por exemplo. Para
Bela, não há probabilidade de paquera “autêntica” porque todo mundo acha que ela é ficha
rosa.
Dentro de uma lógica discriminatória, em termos de racialização sexualizada que
evoca marcas de classe, o estilo corporal de Bela é direcionado para trabalhos com uniformes
compostos no geral por shorts super curto, quase mostrando a poupa da bunda, com decote,
com os peitos para fora, que a deixam pelada. Pelada, sem a proteção de um terninho, torna-
se quase impossível para ela não se entender subjetivamente próxima ao objeto (mercadoria)
que ela é contratada para expor. Sendo o objeto em exposição um fetiche de consumo
masculino – o carro é um exemplo emblemático – ela se percebe também como um objeto
fetichizado.
A estratégia publicitária que joga com a fantasia dos sujeitos, que cultiva o desejo na
obtenção de objetos de consumo (Rocha, 1995), produz o mesmo efeito na percepção que
206

Bela tem de si mesma quando exposta trabalhando. Assim como o objeto em exposição
materializa um desejo de consumo, um fetiche muitas vezes irrealizável, ela, pelada, só
poderia existir como objeto de desejo masculino enquanto sonho. Consequentemente, ela se
nega a se envolver afetivo-sexualmente com homens que conheceu trabalhando pelada porque
ela vincula moralmente o desejo desses homens por ela como pertencente a um “lado ruim”
das expressões sexuais191 (Rubin, 2002 [1984]), no caso, o interesse por uma noite só.
Bela coloca limites em relação ao fantasma da prostituição, em parte, interiorizando os
critérios morais (Fassin, 2012; Pigg, 2012) envolvidos nas leituras correntes sobre a atividade.
Sua estigmatização é mais intensa que a de profissionais de outros perfis devido à dinâmica de
sexualização racializada que alude a marcas de classe e à códigos morais. Por isso, ela parece
ter menos elementos para dissociar-se desse fantasma. A saída encontrada por Bela é
gerenciar a desvalorização moral por trabalhar pelada se apropriando dessa mesma gramática
moral que a desvaloriza, afirmando sua decisão de que não se envolveria com um homem que
a conheceu exposta nos eventos.
Embora Bela rejeite as propostas afetivo-sexuais que recebe trabalhando exposta em
feiras e eventos, fora do ambiente de trabalho, entre mulheres, é ela quem é rejeitada. O
ciúme da amiga que também trabalha com eventos mostra como aspectos morais são potentes
nas dinâmicas sociais do trabalho na área em questão, transformando amigas grudadas em
rivais, em ameaça, em desconforto. Como trabalhavam juntas, o que significa que ocupavam a
mesma posição hierárquica dentro da divisão dos perfis, a amiga de Bela também é alvo de
uma maior estigmatização com relação ao fantasma da ficha rosa que outras profissionais
com perfis distintos. A amiga, estando com seu namorado, passa a sentir-se mal perto de Bela
e para resolver o conflito moralizou as próprias amizades, afastando-se de Bela. Distante dela,
ela se sente também mais distante da estigmatização.
Quando Bela é rejeitada pelos amigos homens por causa do ciúme específico de uma
das namoradas, temos mais um elemento do quanto a estigmatização da prostituição recai
sobre ela de maneira mais acentuada. Sendo a locona que pagava tudo para o ex-namorado,
tem carro, ganha uma quantia razoável de dinheiro trabalhando em uma atividade sexualizada,
Bela parece não necessitar do apoio dos amigos. A atitude dos amigos sugere que, da

191
Gayle Rubin (2002 [1984], p. 17-19) discorre sobre a hierarquia moral das atividades sexuais em que se
coloca um “lado bom” e um “lado ruim” da sexualidade. Dentro da régua moral apresentada pela autora, as
sexualidades praticadas no casamento heterossexual ocupam as posições de mais “alta” valorização, enquanto
práticas sexuais como “fetichistas” e “por dinheiro” constam nas mais baixas posições.
207

perspectiva deles, Bela não precisa de suporte e, por isso, ficam perto da namorada do amigo,
o lado com maior legitimidade social para receber afeto.
No entanto, a solidão de Bela parece estar também vinculada à falta de suporte de
outras mulheres192. A falta de apoio feminino parece provocar em Bela um sofrimento
subjetivo tão profundo quanto os trouxas que a “assediam”. Desse modo, não é somente a
realização de um trabalho que a expõe, que a coloca pelada ao lado de objetos que é difícil,
mas também a visão de outras mulheres e de amigos em geral.
A falta de suporte de Bela está associada a códigos morais vinculados a um estilo
corporal racializado e sexualizado que evoca marcas de classe. A corporalidade faz com que
todo mundo ache que ela é ficha rosa. O efeito é a rejeição de outras pessoas que assim se
afastam do fantasma da prostituição. É devido à maneira com que opera esse fantasma
(capítulo dois) que Bela se sente rejeitada.
Enquanto Bela não sairia com nenhum homem que conheceu nos eventos e sente-se
sozinha, nas narrativas que se seguem, mostro a percepção de sujeitos que, se não estão à
procura de relacionamentos com pessoas mais “ricas”, não os recusariam caso aparecessem.

Fragmentos: curtindo experiências e objetos de consumo

Salão do Automóvel de 2014. No maior estande da feira, uma montadora de


automóveis alemã, conheço Cadu, modelo fashion internacional. Com 23 anos (2014), possuía
cabelos escuros, a barba era curta e aparada, sua pele era branca, mas bronzeada, ele tinha
olhos castanhos, em minha percepção ele era alto e magro, com formato corporal longilíneo,
estilo modelo de passarela. Se auto declarou heterossexual. Cadu tem muita história e uma
vida agitada193. Considera-se satisfeito com a vida, não precisando de dinheiro, pois ganha
bem como modelo. Na feira, seu cachê era de R$400 por dia como modelo destaque194.
Morador do bairro Itaim Bibi, onde geralmente aportam modelos fashion de todo o Brasil,

192
Sobre inimizade entre mulheres, Silvia Federici (2017 [2004]) aponta que um dos efeitos mais nefastos da
Caça às Bruxas na Idade Média foi ter destruído os laços entre mulheres. Os acusadores das bruxas forçavam-nas
a delatarem umas às outras, pois viam com suspeita a união e amizades femininas. Ao ver amigas, vizinhas e
parentes serem queimadas ao longo de dois séculos, criou-se um trauma coletivo. Neste sentido, Federici explica
que a “palavra gossip que na Idade Média significava amiga passou a ter uma conotação depreciativa até se
tornar fofoca” (Federici, 2017 [2004], p. 335).
193
Interação realizada no Salão do Automóvel em 2014.
194
No capítulo três são explicadas as diferenças de cachês de acordo com os diferentes posicionamentos em
estandes de grandes feiras.
208

Cadu já recebeu várias propostas para trocas sexo-por-dinheiro de homens gays e uma única
oferta feita por uma mulher de cerca de 40 anos, com quem ele decidiu sair porque ela era
bem conservada. No entanto, foi ele quem pagou tudo. Ele é heterossexual.
Cadu me mostrou a troca de mensagens via WhatsApp com uma profissional de
eventos do estande ao lado, elas são fáceis, se oferecem. Contou rindo que frequentemente
ouvia que era viado porque não cedia aos xavecos (cantadas) das meninas, sendo que ele, na
verdade, queria dizer que não acha elas bonitas, que elas não fazem seu tipo. Contou que no
último dia de feira, a pegação195 era geral.
Tal relato de Cadu foi reproduzido muito similarmente por Bernardo, que trabalhava
no estande de uma montadora alemã de carros “de luxo” nessa mesma edição do Salão do
Automóvel. O modelo tinha 27 anos (2014), seus cabelos eram escuros, sua barba era curta e
aparada, de pele branca, seus olhos eram castanhos. Em minha percepção, ele era alto e
magro, porém com grande porte físico, com massa muscular. Bernardo, que se autodeclarou
heterossexual, discorreu que na edição anterior do Salão (2012) havia passado o rodo196 e
saído com umas sete garotas porque estava solteiro e porque elas são fáceis197. Bernardo,
assim como Cadu, já recebeu várias propostas para trocas sexo-por-dinheiro com homens
gays, inclusive ele disse ter desistido de ser modelo porque não aguentava mais ser assediado
por fotógrafos gays.
Cadu se intitulava como relações públicas, pois como conhecia muitas pessoas,
muitos caras ricos, muitas modelos fashion, era frequentemente recrutado para organizar
camarotes em baladas para amigos milionários. Geralmente, o esquema era fechar camarotes
por R$25.000 e levar cerca de dez modelos com ele. Dos comentários de Cadu sobre modelos
que saiam com milionários e depois levavam um fora, destaco o seguinte relato: em uma das
baladas, o dono do camarote ficou louco por uma de suas amigas e os dois foram de
helicóptero para Campos do Jordão, para o Nordeste, passando uma semana juntos até
voltarem. Então ela ligou para o Cadu comentando que o cara tinha sumido e ele finalizou a
história dizendo que era assim mesmo ou, como me explicou, o cara queria curtir. Perguntei
se o cara tinha pagado para ela, ao que Cadu respondeu que os caras não pagam nada pra
essas meninas, elas ganham presentes. Em seguida, desabafou que, às vezes, sentia-se mal,

195
Pegação significa se envolver afetivo-sexualmente. Uma pessoa pega a outra. Pessoas se pegam.
196
Expressão usada para se referir à situação em que há envolvimento afetivo e/ou sexual com muitas ou até
todas as pessoas presentes no local em questão.
197
Interação realizada no Salão do Automóvel em 2014.
209

porque acabava sendo filho da puta já que muitas delas vinham do sul do Brasil, estavam
carentes e longe da família. Carência também vivida pelos milionários, como observou Cadu,
o cara mora num tríplex maravilhoso, mas está sozinho.
*
Outra narrativa relacionada ao convívio com caras ricos é a de Valentina, que
trabalhou na Agrishow em Ribeirão Preto/SP para a agência de Vicky em 2017. A promotora
tinha 20 anos (2017), os cabelos eram tingidos de loiro, lisos e com comprimento natural até a
cintura. Os olhos eram cor de mel, a pele branca e bronzeada e na minha percepção, de baixa
estatura combinada a um porte corporal pequeno e com curvas. À época declarava ter relações
heterossexuais. Falando alto, brincando com as colegas e fumando seu cigarro de palha,
Valentina não passava despercebida no ônibus que levava as meninas para trabalharem nos
estandes da feira.
Quando seu nome surgiu em uma roda de conversa, foi mencionado o vazamento de
fotos de Valentina nua. Vicky e outras profissionais de eventos não gostavam dela, mas
depois da Agrishow mudaram de opinião, é doidinha, disse Vicky carinhosamente.
No penúltimo dia de feira, após três dias de trabalho, o assunto de todo o ônibus era a
mensagem de WhatsApp que Valentina havia mandando para Enzo Mancini, um dos chefes
(cliente de Vicky) do estande no qual ela trabalhava. Ela disse ter ficado louca com ele e deu
um jeito de conseguir seu telefone. No dia seguinte, último de feira, no caminho de ida para o
evento, ela comunicou para todo o ônibus que sua mensagem foi respondida positivamente
pelo chefe. Detalhe: a frase final de Enzo na mensagem foi: sai comigo hoje, por favor. E o
por favor rendeu muitas risadas.
No caminho de volta, em meio à euforia generalizada devido ao encerramento da feira,
ela andava pelo corredor do ônibus brincando de imitar Enzo, dizendo que ao se casar com ele
adquiriria seu sobrenome, Mancini, que, por sinal, era o nome do estande, uma marca de
tratores e outros maquinários agrícolas198. Aproveitei o clima de festa e pedi para filmá-la,
perguntei onde você vai agora a noite, Valentina? Ao que ela respondeu, agora eu vou jantar
com um boy gato, dono da porra toda, sabe? Porque eu não pego qualquer um não.
Perguntei: qual é seu futuro nome mesmo? A resposta: Valentina De Luca Mancini, olha que
nome forte. Você quer trabalhar no meu estande? Eu te contrato ano que vem.
Como Valentina morava em uma cidade próxima à Ribeirão Preto e precisava de um
local para tomar banho e descansar um pouco antes de seu encontro com Enzo, ofereci a casa

198
Nome fictício.
210

do meu amigo onde eu estava hospedada. Muito extrovertida, ela interagiu com meu amigo e
seu irmão, foi tomar banho e reapareceu transformada: usava um vestido azul marinho
cintilante de cumprimento midi (até os joelhos), costas praticamente nuas, sem sutiã, sapatos
de salto alto nº 15, na cor vermelho. Estava bastante perfumada, com uma maquiagem que
marcava bem os olhos de preto e batom vermelho.
Enquanto esperávamos Enzo ir buscá-la, rindo, Valentina compartilhava comigo os
ardis utilizados para despistar outro paquera que também queria encontrá-la naquela noite,
Rafael. Disse a ele que estava muito cansada e que precisava descansar. Ele respondeu
dizendo tadinha. Segundo Valentina, a família de Rafael constava entre as dez mais ricas do
Brasil e detalhou que o pretendente tem motorista. Rafael gostava do fato dela ser simples e
dizia que com ela, ele podia ser ele mesmo. O povo rico é muito carente, disse ela, acionando
a emocionalidade/afeto como um capital dos não-ricos.
Já passavam das 23 horas quando ela enviou uma mensagem para Enzo perguntando
se ele chegaria logo e disse para mim que não esperaria por muito tempo. Enzo estava em
uma confraternização de encerramento da Agrishow e foi direto de lá buscá-la, momentos
após a sua mensagem. Combinamos de Valentina levar as chaves da casa já que ela não tinha
ideia de como seria esse encontro e talvez voltasse para dormir. Final da história: ela voltou às
10 horas da manhã do dia seguinte, um sábado.
Sentadas no jardim da casa do meu amigo, ela contou como foi a noite. Enzo a levou
para o hotel onde ele e sua família (proprietários da marca de tratores) estavam hospedados
para que ele tomasse um banho. Perguntou aonde poderiam ir e Valentina informou que como
já era quase meia noite, a única opção deles seria irem para alguma balada, pois os bares já
estariam fechados. Ele então sugeriu e se a gente pedir um vinho e ficar de boa aqui? Ficar
de boa aqui significou que transaram a noite toda, em todos os cantos do quarto. A
profissional, que achou uma delícia, contou que ele dormiu grudado nela.
De manhã, ele perguntou se ela tinha outro sapato, além dos de saltos altos nº 15
vermelhos, para descerem para o café. Enzo justificou que estariam presentes algumas
pessoas da feira, incluindo sua família, e poderiam achar que ela era outra coisa. Muito gentil,
ele ofereceu um chinelo para caso a resposta fosse negativa. Porém ela, prevenida, saiu de
casa com uma bolsa de tamanho médio, onde levava um par de rasteirinhas cobertas de strass
(brilho).
Valentina estava encantada com ele, educado, cheiroso, um engenheiro de produção
formado em universidade pública na casa dos 32 anos, todo certinho, como o caracterizou.
Contou-me que quando começou a paquerar o chefe no estande — o que ocorreu no segundo
211

dia de feira (de cinco dias) — passou a se arrumar mais para ele. No entanto, ela não sabe se
ele é o tipo de cara bom para ela, porque ela gosta dos mais loucos, mais parecidos com ela.
Durante a manhã, antes de descerem para o café, Enzo a encarou de uma tal maneira
que a deixou tímida, o que seria um grande feito, pois ela não fica tímida com facilidade.
Então ela perguntou em um tom que mistura riso com timidez: o que você tá olhando? E ele
respondeu que ela ficava incrivelmente mais bonita sem maquiagem, que a cara lavada
realçava a cor mel de seus lindos olhos.
Enquanto me contava sobre a noite anterior, pegou o celular que já tinha mensagens
das colegas e de Vicky no grupo de WhatsApp da agência, todas muito curiosas perguntando
como havia sido a noite e ela escreveu que estava radiante, resumindo: foi maravilhoso,
gente. Além de Rafael que lhe dera um bom dia perguntando se ela havia conseguido
descansar da feira.
Valentina me contou que já tinha passado por coisas que a convenceram de que a
gente tem que ser feliz. Ela me confessou ser sobrevivente de uma doença que quase tirou sua
vida ainda criança, que a deixou com uma enorme cicatriz entre os seios, além de um abuso
sexual na adolescência. Ela atualmente morava com os pais em uma cidade a 25 km de
Ribeirão Preto. Antes, morava com seu namorado, um cara rico por quem era apaixonada. O
problema, completou, era que ele era muito louco, bipolar. Por fim, e por mais que ela
preferisse os loucos, percebeu que ficaria para sempre naquela lenga lenga, pois ele nunca
falou de casamento. Então, considerou melhor romper o relacionamento.
Os pais foram buscá-la na casa do meu amigo por volta das 13 horas.
*
Na edição de 2016 da Agrishow, quando eu realizava trabalho de campo
acompanhando o trabalho da agência de Vicky, tive oportunidade de observar outros breves
relatos de relacionamentos entre profissionais de eventos e homens de extratos
socioeconômicos superiores e, não raro, mais velhos.
O primeiro deles foi o de Karen, 23 anos (2016), cabelos naturalmente longos na altura
da cintura, lisos e castanhos. A pele era branca, os olhos castanhos e, na minha percepção, sua
estatura era baixa combinada a uma estrutura corporal pequena com leves curvas. De acordo
com nossa interação, manifestou ser heterossexual. A promotora, que trabalhava no estande
de uma marca de carros “de luxo” e lá desenvolveu um flerte com Miguel, um dos
supervisores da marca, com seus 40 anos de idade. Ele pedira seu telefone depois de flertar
com uma outra promotora do estande. Quando perguntaram a ela se ele era bonito ela
respondeu: ele não é bonito, mas é supervisor da [marca de carros]. Ele não ligou.
212

No ano seguinte, no clima do encontro de Valentina com Enzo, Karen me contou que
quando trabalhava como hostess em um tradicional restaurante de Ribeirão Preto, saiu com
seu chefe, o proprietário do local, um homem de 37 anos por quem estava apaixonada. No
entanto, ele era muito esnobe, arrogante e ela maior favela. Apesar das diferenças apontadas
por Karen, em seu ponto de vista, o erro foi que ela quis dar uma de difícil, de boa moça, pra
casar e acabou não tendo um segundo encontro. Karen ainda não superou totalmente a
situação, ela sente certo arrependimento e se tivesse outra chance, não tinha dúvida de que se
jogaria; aconselhando, então, Valentina a se jogar no encontro com Enzo.
*
Em 2016, eu acompanhava a equipe de supervisão da agência de Vicky durante a
Fenasucro, então um cliente pediu a Vicky uma profissional mais corpuda, o que a fez
contratar Helena, uma estudante de engenharia mecânica de 23 anos (2016) que tem um
trabalho fixo em uma usina. A promotora tinha cabelos lisos, castanhos, naturalmente longos,
volumosos e de comprimento até a cintura. Sua pele era branca bronzeada, os olhos azuis e,
em minha percepção, sua estatura era baixa combinando um corpo levemente volumoso a
curvas acentuadas. À época manifestou ter relações heterossexuais.
Devido ao banco de horas na empresa, ela se organiza para trabalhar em feiras como
Agrishow e Fenasucro e eventos de MMA199 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Ela
prefere estes últimos eventos porque pagam melhor, em torno de R$1.000 por dia.
Pouco antes das 12 horas do terceiro dia de feira, acompanhei Vicky em buscar Helena
em um hotel “de luxo” para levá-la até a feira que começaria às 13 horas. Comentei com
Vicky que o hotel era muito chique, ao que ela respondeu ter visto no dia anterior, quando foi
sozinha buscar Helena, a promotora se despedindo de um homem que entrava em um puta
Audi200.
No carro, Helena comentou que tinha passado a noite com seu doutor, um médico de
33 anos, que foi de Araraquara para Ribeirão Preto, cerca de 90km de distância, só para vê-la.
Ele fez um convite para viajarem à Buenos Aires, na próxima sexta-feira (último dia de feira)
e ela estava cogitando aceitar. Estava apenas um pouco receosa por nunca ter saído do país.
Chegou uma mensagem de áudio em seu celular e ela, alegre, disse, olha a voz do meu doutor.
Na mensagem ele dizia: adorei a noite, quero mais, boa feira. Então ela comentou que nunca
gostou de menininho e que em sampa saia com um tenente que era mais velho também.

199
MMA são artes marciais que incluem golpes de luta em pé e técnicas de luta no chão.
200
Marca alemã de carros “de luxo”.
213

*
Em janeiro de 2017, Nina convidou-me para uma confraternização na qual interagi
com pessoas de seu círculo pessoal de amizades, dentre as quais, destacarei trechos das falas
de Kelly e de Fábio. A primeira manifestou ter relações heterossexuais e o segundo,
homossexuais.
Kelly é dançarina, mas eventualmente trabalha com eventos. Tinha 22 anos de idade
(2017), cabelos loiros e lisos na altura dos ombros, os olhos eram castanhos, o formato
corporal era magro com curvas e, em minha percepção, a estatura era baixa. Era adepta de
próteses de silicone nos seios e estava se recuperando de um peeling facial e de uma
lipoaspiração, por isso utilizava uma cinta no abdômen.
A amiga de Nina contou que após uma decepção amorosa com um engenheiro
desempregado com quem ela dividia pizza e para o qual ela pagava a faculdade, decidiu que
namorar era perda de tempo. Kelly sofreu três meses pelo engenheiro desempregado que a
largou. E uma vez superado o término passou a se relacionar com quem a levava para jantar
em lugar bom, como Fasano e Terraço Itália201, porque ela é cara. Kelly lamentou que
precisou cortar os cabelos por causa do ex-namorado pobre cuja mãe era cabelereira, mas fez
merda, ficou cinza, detonou meu cabelo, gastei horrores pra consertar.
O interessante na desilusão amorosa de Kelly é que ela se tornou amiga de uma ex-
namorada do engenheiro desempregado, que contou que ele tinha feito comentários
desagradáveis sobre ela. Um dia elas saíram juntas e o cara apareceu com uma outra menina,
só que ele estava namorando uma outra garota. Diante de duas ex-namoradas, acompanhado
de uma menina que não era sua namorada, acabou sendo criticado em público porque Kelly
não se conteve e disse: cadê sua namorada? Porque sei que não é essa aí. Ela também
aproveitou que estava na companhia de sua nova amiga para dizer: que coisa feia falar mal de
quem te ajudou.
Depois de ter sido largada e ter se reinventado, Kelly estava então saindo com um
médico urologista, pois, como enfatizou, agora só saio com quem me proporciona essas
coisas. A amiga de Nina brincou que não usa Kérastase no cabelo, perfume Chanel202 e
investe tanto nela para dividir uma pizza! — o que gerou muitos risos.

201
Ambos, Fasano e Terraço Itália, localizados na capital São Paulo, são restaurantes considerados como de alta
gastronomia, sobretudo o primeiro.

Kérastase é uma marca “de luxo” francesa de produtos para cabelos pertencente ao grupo L'Oréal. Chanel é
202

uma renomada marca “de luxo” francesa de produtos cosméticos e de moda.


214

Fábio, vendedor de loja de shopping203, tinha 30 anos, cabelos castanhos, lisos e


curtos, olhos igualmente castanhos, pele branca e, em minha percepção, estatura baixa. O
porte físico era pequeno e magro.
O amigo de Nina disse ter atração por gordinhos ricos. Contou que recentemente
tinha ido com um gordinho rico ao Sofitel Jequitimar, um hotel tido como “de luxo” no
Guarujá, litoral sul paulista. Ao perceber que o parceiro queria ficar apenas no quarto
transando, ele disse: você não me trouxe num lugar desses para eu ficar trancado. Prosseguiu
o relato descrevendo características do hotel em questão: você tá lá na piscina e o garçom
vem perguntando se você tá precisando de alguma coisa. Fábio esclareceu que trabalha, mas
que gosta de ganhar presentes, mostrou os óculos e o relógio que ganhou, afinal, de pobre já
basta eu, precisa se relacionar com gente rica, né? E contou que tem uma sobrinha de 21
anos que é bancada por um velho, que fez uma cirurgia de dez mil reais e que não trabalha.
Fábio costuma brincar com a sobrinha dizendo: pelo menos tudo que eu tenho é do meu suor,
já você...
*
As narrativas de Cadu, Bernardo, Valentina, Karen, Helena, Kelly e Fábio sobre
relacionamentos afetivos e/ou sexuais trazem elementos para uma reflexão sobre a assimetria
de classe social entre os parceiros envolvidos e, principalmente, sobre a atração vinculada à
possibilidade de benefícios econômicos.
Para Valentina, a gente tem que ser feliz e Enzo não é a primeira, tampouco a única,
experiência de Valentina com donos da porra toda. Quando Valentina se refere a um outro
pretendente, Rafael, ela destaca o fato de ele pertencer a uma das dez famílias mais ricas do
Brasil. A reflexão dela é que o povo rico é carente. Cadu reitera a ideia da carência dos ricos
quando disse que o cara mora num tríplex maravilhoso, mas está sozinho e assim como
Valentina, Cadu aciona a lógica da curtição para definir a atitude de um cara rico.
A narrativa de curtir e ser feliz após ter ficado louco/louca de desejo é evocada por
Valentina que, primeiro fica louca, mas, depois desperta o desejo masculino – Enzo pediu por
favor para ela sair com ele, e também nas narrativas de Cadu, como a do cara rico que, como
o modelo discorreu, foi quem tanto ficou louco pela amiga modelo de Cadu, que conheceu em
seu camarote, como quem apenas quis curtir. Não sabemos se a amiga de Cadu busca ser feliz
como Valentina, mas ela viajou e ganhou presentes. Da mesma forma que o cara rico sumiu

203
Apesar de Fábio não ser profissional de eventos, sendo do círculo social de Nina, considerei sua narrativa
enriquecedora para a presente discussão sobre afetos e dinheiro.
215

porque queria apenas curtir, Valentina não acredita que daria certo um relacionamento com
Enzo porque ele é muito certinho e ela prefere os mais loucos.
A sobreposição das narrativas do cara rico, de acordo com Cadu, com as de Valentina,
mostra como as motivações dos sujeitos para se envolverem em relações com assimetrias de
classe social, segundo Piscitelli (2011b, p. 575), “não podem ser reduzidas a questões
econômicas”, havendo a materialização de uma ampla gama de desejos que envolvem essas
trocas.
As narrativas de Helena, Karen, Kelly e Fábio também informam sobre as múltiplas
motivações e desejos envolvidos na obtenção de ganhos econômicos a partir de
envolvimentos amorosos com pessoas de classes sociais superiores.
Kelly, após dividir pizza com o ex-namorado engenheiro desempregado que a largou,
passou a se relacionar com quem a leva para jantar em lugar bom como Fasano e Terraço
Itália. Um jantar no Fasano custa em média R$400 por pessoa (Veja São Paulo, 2019). Já no
Terraço Itália a média de preço é de R$250 (Comer, Dormir, Viajar, 2018). Um jogo de
shampoo e condicionador de cabelos Kérastase custa em torno do mesmo valor.
Assim como Fábio, também Cadu e Bernardo expressam a valorização do suor do
trabalho. Os dois modelos fashion e heterossexuais foram convidados para estabelecer trocas
de sexo por dinheiro por homens gays. Bernardo desistiu de ser modelo, cansado do assédio
de fotógrafos gays e Cadu disse ter saído com uma mulher de quarenta anos, à princípio uma
cliente de garotos de programa, mas que no encontro foi ele quem pagou tudo. Cadu procura
uma reafirmação da heterossexualidade e de uma configuração de masculinidade não apenas
afastada do fantasma da prostituição, mas que reafirma o papel do homem “provedor” – que
paga as contas.
Do conjunto de narrativas acima, com exceção de Bernardo e Cadu, vale sublinhar o
fato de que as profissionais de eventos estão se relacionando com pessoas mais “ricas”,
curtindo, sendo felizes, dando importância ao ato de se jogar nas vivências, bem como
valorizando experiências que envolvam objetos de consumo caros. Os ganhos obtidos, nessas
histórias, são benefícios econômicos que, importa ressaltar, não valem unicamente enquanto
cifras monetárias; elas envolvem um conjunto de “vantagens” diversas, como acesso a lugares
e experiências, subjetiva e socialmente valorizadas.
Consideremos a gramática moral e as dinâmicas sociais que permeiam as negociações
em tais relações afetivo-sexuais marcadas pela desigualdade de classe social, além do lugar da
sexualização que lhe é concedido.
216

Após terem dormido grudados, à luz do dia, Enzo constata que Valentina é
incrivelmente mais bonita sem maquiagem, porque a cara lavada realça a cor mel dos seus
olhos, que são lindos. Os estilos de maquiagem, no mundo dos eventos, evocam códigos
morais e estéticos, e, nesse sentido, o fato de Enzo valorizar mais a beleza de cara lavada de
Valentina do que os olhos pintados de preto e o batom vermelho, mostra o gosto do
engenheiro pela beleza mais clássica, tida como menos vulgar204.
Além desse comentário sobre a beleza matinal de Valentina, Enzo se preocupou com
os sapatos com que ela se apresentaria no restaurante do hotel. Explicou que se ela calçasse
seus saltos altos vermelhos poderiam pensar que ela era outra coisa. Da perspectiva de uma
gestão da sexualização que evoca marcas de classe, os sapatos vermelhos configuram
vulgaridade e, consequentemente, aproximam Valentina do fantasma da prostituição, pois ela
estaria parecendo uma puta. Uma bela mulher jovem, loira, com um vestido azul e saltos altos
vermelhos em um café da manhã de hotel na companhia daquele que foi seu chefe ao longo de
toda a semana, tem grande probabilidade de cruzar a fronteira aceitável da sexualização e ser
tida como puta. Como estariam presentes no café da manhã demais participantes da feira,
incluindo a família Mancini, Enzo preferiu oferecer chinelos para Valentina, mas foi
surpreendido pela precaução da profissional que levou em sua bolsa um par de rasteirinhas de
strass.
Essas interações exigem que as profissionais interessadas em caras ricos transmitam
“autenticidade” nas trocas afetivo-sexuais. Refiro-me a “autenticidade” seguindo a
formulação de Zelizer (2009) do ideal de separação entre afetos e dinheiro, não parecendo ser
uma relação de puro interesse econômico.
Apesar de Valentina não achar que Enzo é bom pra ela, ela foi feliz não só à noite na
companhia dele, que era uma delícia, como também o ato de desejar o chefe a motivou a ir
trabalhar na feira (lembrando das dificuldades inerentes à dinâmica do trabalho: chegar muito
cedo, arrumar cabelos, uniforme, maquiagem, horário restrito para alimentação, etc.). Ela
passou a se arrumar mais para ele. Foi uma feliz aventura conseguir o telefone de Enzo,
enviar uma mensagem, esperar a resposta, compartilhar com as outras meninas do ônibus que
ele respondeu sai comigo hoje, por favor. Feliz, Valentina brinca que ela se casaria com Enzo
e seu nome passaria a ser Valentina De Luca Mancini, com isso ela poderia contratar as

204
No capítulo três é explicado o mecanismo de distinção de classe que separa o gosto pelo estilo mais clássico
do seu oposto, o vulgar.
217

amigas para trabalharem no estande da Mancini na próxima Agrishow. Feliz, ela conta como
foi a noite no grupo de WhatsApp, pois todas estavam curiosas querendo saber o desfecho.
Sublinho, no entanto, que a lógica de curtir e ser feliz que perpassa as narrativas
citadas sobre relacionamentos interclasses aparece também nos relacionamentos entre
profissionais de eventos homens e mulheres ocupando a mesma posição hierárquica no mundo
dos eventos.
Chamo a atenção para as narrativas de Cadu e Bernardo no ponto em que ambos
disseram que as colegas de trabalho são fáceis e que, após o expediente da feira, acontece
pegação geral, o grupo vai para festas e se envolve afetivo e/ou sexualmente. Bernardo disse
ter ficado com sete profissionais na edição anterior do Salão do Automóvel e Cadu é tido
como viado por não querer se envolver com meninas que não são seu tipo. As paqueras entre
profissionais de eventos evidenciam quão embaralhadas estão as trocas afetivas, sexuais e
econômicas no universo em questão e quanto a linguagem da curtição permeia esses
encontros que se iniciam no ambiente de trabalho e concretizam-se em festas em que se fica,
passa o rodo e pega geral após o expediente.
O adjetivo de fáceis, utilizado por ambos, expressa a ambiguidade e a contaminação
que marcam as mulheres da classe trabalhadora, no sentido proposto por McClintock (2010
[1995]). Ao transitarem entre as esferas privadas e públicas, só que nesse caso, em um
ambiente altamente sexualizado, elas são percebidas como fáceis pelos colegas homens.
Trata-se de uma condição do próprio trabalho sob o fantasma da prostituição: tudo puta.
Ao longo da tese venho mostrando como profissionais de eventos e empresas se
esforçam para afastarem-se do fantasma da prostituição. Neste capítulo observei como as
desigualdades postas na separação dos perfis e a maior ou menor estigmatização por parecer
puta se manifestam concretamente, sobretudo nas relações afetivo-sexuais com
chefes/clientes mais “ricos”.
Mas há ainda um ponto que merece atenção: a relação entre as profissionais do sexo
feminino. Mais especificamente, é importante considerar em que medida ter ou não o suporte
de outras mulheres pode modificar o julgamento externo recebido por esse trabalho e a
autopercepção de si mesmas das profissionais da área. Com esse fim, comparo as experiências
de Bela e de Valentina.
218

Suporte de outras mulheres

À Bela recai de forma mais intensa – em relação à profissionais com estilos corporais
menos racializados – a estigmatização de “parecer uma puta” (Prada, 2018). Já mencionei
diversas experiências de desconforto e sofrimento relacionadas direta ou indiretamente ao seu
trabalho: uniformes que são quase uma fantasia sexy, panelinhas de agências que sempre
contratam as mesmas profissionais, homens que assediam de múltiplas formas, companheiras
de trabalho que a odeiam, que a acusam de ser dada, falsidade entre profissionais, ex-
namorado que a abandona porque não quer formar uma família com alguém que trabalha em
eventos e que se expõe tanto, amiga (profissional de eventos) que não se sente bem em sua
presença quando está com o namorado e por isso rompe a amizade, e, por fim, amigos que a
excluem porque a namorada de um deles tem ciúmes (da beleza de Bela). No final, Bela se
sente sozinha, ignorada e rejeitada apenas por ser ela mesma, porque as outras mulheres se
sentem ameaçadas perto dela. Bela não encontra suporte em outras mulheres.
Valentina também sofre por ser ela mesma. Enfrentou o trauma de um abuso sexual na
adolescência que serviu, dentre outros fatores, como razão para ela buscar ao máximo ser
feliz, teve fotos nuas divulgadas, e colegas que não se simpatizavam antes de conhecê-la,
incluindo Vicky que, num segundo momento, a definiu afetuosamente como louquinha. O
comportamento expansivo de Valentina, como o modo de falar alto, o hábito de fumar
cigarros de palha antes de entrar no ônibus às 7 horas da manhã, e a desinibição em contar
para cerca de 40 meninas (dentre as quais algumas, em segredo, não simpatizavam com ela)
que havia mandado mensagem para o chefe, em alguma medida, torna-se alvo de certa
estigmatização perante o fantasma da prostituição porque seu comportamento escapa
sutilmente do perfil princesa das meninas de Vicky e relembra ligeiramente o perfil piriguete
(capítulo três).
Valentina é vista como louquinha. Bela se autodefine como locona. Bela, tal qual
Valentina, também quer ser feliz. No entanto, Bela chorou, sentiu-se sozinha, enquanto o caso
romântico de Valentina com o chefe foi motivo de risadas e apoio entre as colegas de
trabalho, incluindo Vicky. Bela não se relacionaria com nenhum homem que conheceu no
trabalho. Valentina sentia orgulho em sair com dono da porra toda porque ela não pega
qualquer um. São comportamentos opostos. Como podemos compreender o fato de Valentina
ter acesso a redes de suporte entre mulheres e Bela não? Sozinha, como Bela se protege da
insegurança, ciúmes e acusações das outras mulheres?
219

O cerne deste capítulo foi mostrar as implicações do fantasma da prostituição nos


relacionamentos afetivos que, muitas vezes, tendo início a partir do ambiente de trabalho,
suscitam questionamentos quanto a sua “autenticidade”, pois envolvem assimetrias de classe
social entre as partes envolvidas. O efeito da suspeita é o desenvolvimento de estratégias para
provar que o amor é “verdadeiro”. Nina e Luíza o fazem através da afirmação da honra do
trabalho e da independência financeira. Valentina, Karen, Helena, Fábio e Kelly valorizam
curtir experiências e/ou objetos de consumo sem se preocupar, no geral ou demasiadamente,
se estão sendo julgadas/os, se suas atitudes afetivo-sexuais podem ser vistas como outra
coisa. Bela, diferentemente de todas essas pessoas, preocupa-se um pouco mais com o modo
como é vista por outras pessoas. Seu trabalho subjetivo parece ser diferente das demais.
A descrença de Bela na “autenticidade” dos convites afetivo-sexuais feitos a ela
porque esses homens a querem apenas por uma noite só, resulta na restrição de sua circulação
em encontros com homens, dentre eles estrangeiros e, provavelmente de classes sociais
superiores. Nesse sentido, sugiro que, para compreender melhor as narrativas de afeto – e
desafeto – apresentadas neste capítulo, é preciso observar a desigual distribuição de coerência
e confiabilidade na autenticidade dos afetos nessas economias sexuais. Essa desigualdade é
enfrentada mediante uma variação de combinações possíveis entre afetos e dinheiro entre
profissionais de eventos e os homens, alguns mais ricos, que se interessam por elas.
Zelizer (2009, p. 143) delineia três características principais para demarcar boas
combinações entre afetos e dinheiro, balizadas, sobretudo, por códigos morais. Em primeiro
lugar, a transação econômica não deve ser confundida com trocas sexuais. Segundamente, os
parceiros estabelecem claros acordos sobre os termos afetivos e econômicos da relação. Em
terceiro, as outras pessoas reconhecem e legitimam o relacionamento.
No entanto, como expõe Luna Sales (2018, p. 331), para além dos critérios de Zelizer
(2009), a autopercepção que as pessoas fazem das relações tem importância central. Até
porque, se tanto Bela quanto Valentina estão sofrendo com os efeitos adversos da
sexualização, sobretudo, com o fantasma da prostituição — presente no âmbito laboral —,
podemos dizer que a segunda aposta na ideia de ser feliz e a primeira não vê outra
possibilidade além da estigmatização.
Bela, ao fim e ao cabo, na maior parte das vezes, é posicionada do lado “errado”: todo
mundo acha que ela é ficha rosa. Acontece que estar do lado “certo” não depende unicamente
do acionamento de uma conduta ética que se expressa na opção em não se relacionar com
nenhum homem que conhece no trabalho. Os elementos que a posicionam do lado “errado”
são independentes, sobretudo têm relação com seu estilo corporal racialmente sexualizado,
220

evocando distinções de classe. Valentina também não está do lado “certo”. No entanto, seu
estilo corporal, seu perfil, afastam-na do lado “errado”, dando-lhe a possibilidade de contar
com o suporte de outras mulheres, fator que permite a ela se validar como sujeito ético,
reforçando suas opções, entre elas o desejo de sair com o dono da porra toda205.
Sugiro, neste sentido, que o suporte de outras mulheres que Valentina recebe
relaciona-se com a lógica de operação do fantasma da prostituição, atravessada por processos
de racialização sexualizada, que evoca marcas de classe e uma gramática moral. Por ter uma
corporalidade distinta da de Bela, a primeira evoca outra classe social, participa de outros
circuitos de socialização, fatores que a possibilitam se relacionar com pessoas de extratos
economicamente superiores sem a sombra da prostituição.
Como Bela não se relaciona com nenhum homem que conhece enquanto trabalha, não
é o seu comportamento que a coloca do lado “errado”, é a cara de puta que o faz. Seu perfil,
seu volume corporal e sua beleza diferente a localizam no espectro da sexualização vulgar, da
piriguete (capítulo três). Este processo de racialização sexualizada está diretamente
relacionado com a sexualização da mulher negra, cujo efeito são as formas de subjetivação
(Gilliam & Gilliam, 1995; Corrêa, 1996) que Bela realiza: não acredita que homens que a
conhecem trabalhando pelada tem um autêntico interesse afetivo por ela, o que seria diferente
caso ela vestisse terninho. No limite, Bela quer sair dos eventos (capítulo anterior).
Já Valentina ocupa outro lugar na categorização dos perfis sendo loira e com traços de
brancura. O ponto de análise que destaco é como diferenças de raça, que evocam a ideia de
classe social, representadas na cara de puta de Bela e nos uniformes que deve vestir – quase
pelada –, situam-na do lado da prostituição e tem como efeito que ela não conte com o
suporte de outras mulheres, enquanto Valentina consegue acessar este suporte.

205
Luna Sales, em análise das dinâmicas de relacionamentos amorosos de missionárias (religiosas, sobretudo, de
vertentes neopentecostais, empenhadas em converter pessoas para sua fé ) e trabalhadoras sexuais brasileiras
com “gringos” em Fortaleza/CE, mostrou como em ambos os casos a “autenticidade” dos relacionamentos era
questionada. Isso ocorre porque há muitos pontos em comum entre elas: a crença em Deus e o compartilhamento
de algumas características, como aparência física, idade, origens de classe mais baixa, assim como nível de
escolaridade também baixo. No entanto, os efeitos da desconfiança sobre relacionamentos entre missionários
(brasileiras e “gringos” missionários) são leves quando comparados aos que recaem às trabalhadoras sexuais que
se relacionam com “gringos”. As missionárias escapam da estigmatização da brasileira interessada no “gringo” e
de serem associadas a uma cara de puta, através do esforço de evangelização (o “certo” de se fazer) das
trabalhadoras sexuais (lado “errado”), ao frequentar os espaços de trabalho destas últimas com a finalidade de as
evangelizar. Moralmente, são claras as diferenças entre missionárias e trabalhadoras sexuais, a despeito das
semelhanças apontadas. Já no mundo dos eventos, o que há em comum entre quase todas as promotoras é o
constante esforço de separação (sendo o perfil o ápice) para afastar o fantasma da prostituição. No mercado em
questão, as diferenças são mais nuançadas que no universo analisado por Luna Sales. As classificações e
hierarquizações nos eventos põem em jogo uma série de elementos que não cabem numa dicotomia. Todavia, a
análise da autora é inspiradora para pensarmos de que maneiras, no mundo dos eventos, o fantasma da
prostituição afeta umas e outras profissionais não.
221

As noções de gênero, sexualidade e raça, combinadas em critérios estéticos e morais


que evocam distinções de classe, atravessam as dinâmicas do trabalho de profissionais de
eventos, por meio de uma peculiar gramática moral, estabelecendo perfis que sexualizam,
tingindo de vulgaridade alguns estilos corporais enquanto constroem outros como elegantes,
princesas. Desse modo, a presença de uma fronteira que estabelece o estilo de sexualização
“certo” e o “errado”, mina as possiblidades de que Bela realize avaliações positivas de si
própria e de seu próprio trabalho. Enquanto Valentina, integrante da equipe de princesas de
Vicky, apesar da expansividade de seu comportamento e de assumir que se interessa por caras
ricos porque não pega qualquer um, se avalia positivamente no final: a gente tem que ser
feliz.
Em poucas palavras, tais dinâmicas de diferenciação permeadas por códigos morais
afetam subjetivamente Bela, que, por “parecer uma puta” (Prada, 2018), perde a possibilidade
de contar com apoio feminino.
Em um mercado de trabalho em que todo mundo quer se distanciar do fantasma da
prostituição, é importante observar a dinâmica de mulheres acusando, “prejudicando” outras
mulheres. Para mostrar uma situação oposta à experiência de rejeição de Bela, retomo à
narrativa de Kelly, que fez amizade com uma ex-namorada do seu ex-namorado, o engenheiro
desempregado que falou mal de Kelly para sua nova amiga. Elas estabeleceram uma aliança
para atacar o mesmo alvo: o ex-namorado acompanhado de uma menina que não era sua
namorada atual. Kelly, apoiada pela amiga, afrontou o ex-namorado, dizendo cadê sua
namorada? Porque sei que não é essa aí. Aproveitou também a ocasião de desmoralização
masculina para alertá-lo de que suas duas ex-namoradas estavam unidas e desabafou que sabia
que ele havia falado mal dela, justo ela que dividia pizza com ele, que o ajudava (Piscitelli,
2011b) pagando a faculdade, que coisa feia.
Como mostrei no segundo capítulo, em algumas divulgações de trabalhos é explícita a
separação entre ficha branca e ficha rosa. Trabalhando na Agrishow em 2017, a fábula que
circulava era que 20% das profissionais eram fichas rosa. Pensando na distância entre os
múltiplos “boatos” sobre prostituição e a realidade que encontrei em campo, pensei em uma
analogia que talvez contribua para entendermos melhor porque as experiências de Bela a
encaminham para uma solidão.
É como se a presença de mulheres trabalhando nos espaços de feiras e eventos fosse
uma gigantesca dança de cadeiras, em que a cada rodada, alguma “cota” de profissionais
ficará de fora, os supostos 20%. Nessa brincadeira, para Valentina “sentar” e garantir sua
felicidade com o chefe e poder rir com as amigas, Bela ficará de fora. Da perspectiva da CPI
222

de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas com fins de exploração sexual em que o mundo dos
eventos foi citado, praticamente nada do que apresentei nesta tese existe, com exceção dos
supostos 20%. E, isto, de alguma maneira corrobora com o senso comum que produz a
grande estigmatização sofrida por todas as profissionais de eventos: tudo puta.
Ficando quase sempre de “fora”, para Bela é difícil em tudo, no trabalho, nas
amizades, ela tá acostumada. Acostumada a estar “fora”. Enquanto Valentina ri com as
amigas porque combinou afetos e dinheiro de maneira adequada e se “sentou em uma
cadeira”, Bela se sente sozinha, não tem o suporte, ela sofre, chora por ser ela mesma.
É como se o preço a ser pago pela recriação do fantasma da prostituição entre
profissionais de eventos fosse Bela não ter autoestima e suporte, só encontrando uma
percepção positiva de si ao realizar o desvalorizado e sofrido trabalho de cuidado nos eventos.
A moralidade do trabalho honesto lhe cobra caro. A imoralidade da prostituição também. O
fantasma da prostituição, o fetiche – se eu comprar o carro você vem junto? – que sustenta
todo o mercado de feiras e eventos, mina as redes de suporte entre as mulheres porque obriga
a separação, hierarquização e moralização delas e entre elas. E todas querem “sentar”. No
entanto, enquanto houver fantasma da prostituição, alguém precisará ficar de “fora”. A
operação da separação moral entre trabalho honesto e prostituição infelizmente é assim. Desse
modo, enquanto algumas combinarão afetos e dinheiro seguindo padrões aceitáveis e poderão
curtir, ter experiências, viajar, ganhar presentes e até casar, outras, além da execução de um
difícil trabalho, estão destinadas a se sentirem sozinhas.
223

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto a denúncia quanto a revolução encontram-se


hoje esgotadas [...]. Este esgotamento ainda assim não
acalma os modernos, já que o motivo de seus crimes
em série é justamente o de nunca poder acusar
sinceramente um verdadeiro culpado.

Bruno Latour em Jamais fomos modernos (2011


[1994], p. 49).

Quando, em 2010, eu procurava um trabalho com vantagens econômicas na área de


serviços, encontrei no mundo dos eventos uma oportunidade. Ser “confundida” com uma ficha
rosa e sentir na pele as ambiguidades em torno dessa figura foi o impulso inicial para esta
pesquisa. No entanto, ao longo do trabalho de campo, surgiram questionamentos diferentes
dos que me propus inicialmente. Os aspectos negativos do trabalho em eventos ganharam
forma nas falas de minhas interlocutoras, ao mesmo tempo em que surgiram narrativas sobre
as dinâmicas de relacionamentos sexuais e afetivos – paqueras e romances – vinculados de
diferentes maneiras a interesses econômicos. Apesar dessas novas questões, ou, talvez, por
conta delas, a preocupação e a necessidade de se desvincular da prostituição se mostraram
recorrentes.
Devido a tais questões relacionadas ao fantasma da prostituição, a sexualização
ocupou um lugar central nesta tese, operando como um fio condutor para explorar as
dinâmicas sociais que perpassam as relações de trabalho em feiras e eventos, conduzindo-me
à conclusão de que o mundo dos eventos está inextricavelmente articulado com as economias
sexuais.
Seguindo esse fio, no primeiro capítulo, “Mundo dos eventos”, coube esmiuçar como
os espaços comerciais de eventos, em sua configuração de mercado, foram construídos em sua
relação com a sexualização. A estratégia de que sexo vende é utilizada para expor, publicizar e
vender os mais diversos produtos, dentre os quais foquei os relacionados ao agronegócio e ao
setor automotivo, ambos tradicionalmente associados ao universo masculino. Nesse sentido, o
enunciado se eu comprar o carro você vem junto? aponta como a capacidade masculina de
consumo dos artefatos expostos nas feiras está relacionada ao potencial de conquista na esfera
afetiva e sexual.
224

A associação automóvel/mulher atua no plano evocativo, contudo, a sexualização de


máquinas e corpos produz efeitos práticos tanto ao impulsionar a venda de certos produtos
quanto ao situar as profissionais de eventos em um lugar ambivalente de encanto e
estigmatização, atravessado pelo fantasma da prostituição. A comodificação do par
mulher/objeto em exposição se relaciona ao entrelaçamento entre sexualidade e dinheiro, uma
vez que parte do trabalho das promotoras – pago por um cachê – é adicionar valor simbólico
ao artefato exposto a partir de sua própria sexualização.
Contudo, como analisou o publicitário Marcos Cobra (2001), “sexo vende, mas
também ofende”. Esta ideia foi o centro do segundo capítulo, “Ficha rosa” e o fantasma da
prostituição, no qual procurei mostrar como esse fantasma pode causar efeitos adversos em
empresas e pessoas envolvidas no mundo dos eventos, exigindo que os usos da sexualização,
como tática de mercado, sejam cuidadosamente calculados.
A percepção da prostituição como um fantasma ancora-se nas teorizações de Grace
Cho, autora que afirmou que gerar fantasmas é o mais “elaborado sistema de apagamento”
(2008, p. 14/15). Com a criação de fantasmas, a incerteza se torna mais potente do que o
conhecimento da verdade. Nesse sentido, o fato de ninguém gostar de comentar sobre
prostituição e a surreal diferença entre os cachês para ficha branca e para ficha rosa deixa
entrever que os esforços em apagar a existência de trocas de sexo por dinheiro,
paradoxalmente, criam um excedente de narrativas sobre o que se deseja ocultar. A principal
consequência dessa dinâmica é que ficha rosa adquire os poderes de uma agência espectral,
sobretudo, quando acionada como categoria acusatória, delimitando, então, as relações
interpessoais a partir de códigos morais.
Embora a prostituição no setor de eventos seja muito mais um fantasma do que uma
realidade, ela se materializou em processos governamentais, como pauta da discussão sobre
tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, e, midiaticamente, na novela Verdades
Secretas exibida pela Rede Globo de televisão. Ambas narrativas, governamental e midiática,
trazem à tona o caráter perturbador da prostituição e reificam a ideia de que algumas
profissionais de eventos se prostituem.
Em meio à necessidade de afastar o fantasma da prostituição em um mercado com
múltiplas demandas, surgiram no mundo dos eventos diferentes estilos de sexualização. No
terceiro capítulo, “Perfil”: gestão da sexualização através das diferenças, mostrei como
ocorre a produção e circulação de tais tipos de sexualização. O perfil é o critério
aparentemente objetivo que permite às empresas avaliarem os riscos e os retornos do
investimento na sexualização.
225

Como Foucault (2008 [1978/1979]) explica, abordando a governamentalidade


neoliberal, na contemporaneidade, empresas e pessoas trabalham sob a noção de risco.
Utilizar a sexualização pode ser uma iniciativa mais ou menos bem-sucedida e a tarefa das
agências de marketing promocional é maximizar os ganhos com a sexualização minimizando
os possíveis impactos negativos ao longo do processo. O perfil, um dos pontos fundamentais
da gestão dos riscos, condensa em termos materiais corpóreos, comportamentais e espaciais, e
através dos estilos de uniformes, jeito, postura, maneiras, tarefas atribuídas e ambientes a
serem ocupados, o estilo de sexualização esperado das profissionais de eventos.
Com fins analíticos, estabeleci dois perfis como tipos ideais da dinâmica de
diferenciação dos estilos de sexualização, princesa e mulherão. Este último refere-se,
principalmente, a um maior volume corporal e curvas mais proeminentes, enquanto o
primeiro tende a ser associado à elegância. Empiricamente, trata-se de um conjunto de
critérios de beleza racializado, uma vez que a princesa, em oposição ao mulherão,
implicitamente carrega em si um imaginário social de brancura; bem como remete ao
pertencimento de classes sociais mais elevadas quando se leva em conta a postura pessoal e o
uso de determinados acessórios.
A alusão às marcas de classe como mecanismo de distinção foi fundamental para
desanuviar a operacionalização dos perfis e dos tipos de sexualização balizados pela
necessidade de afastar o fantasma da prostituição. Diferentemente do estudo de Bourdieu
(2007 [1979]), em que havia uma relação direta entre distinção e classe (enquanto capital
econômico), profissionais de eventos não precisam pertencer às classes mais altas, basta que
mimetizem a distinção de classe desejada por quem as contrata. Por isso, no presente estudo, a
inclusão da categoria classe na análise interseccional se deu pela evocação de marcas de
classe e não pela classe enquanto poder aquisitivo.
Ao longo do capítulo, com as narrativas empresariais e das profissionais sobre suas
experiências em processos de seleção – histórias sobre piriguetes, uniformes que lembram
posto de gasolina, uniformes elegantes, impressão de chamar atenção – fica claro que as
dinâmicas de diferenciação dos perfis produzem relações singulares entre economia e códigos
morais. Tal lógica operacional (re)produz desigualdades e discriminações dos mais variados
matizes, além de causar sofrimento às pessoas tidas como diferentes.
Importa ressaltar, no entanto, que o fetiche mulher/objeto em exposição, que as
profissionais de eventos corporificam, significa simultaneamente uma reiteração e uma
subversão das normas de gênero e sexualidade. Tais profissionais podem se apropriar dessas
dinâmicas em benefício próprio. Por isso, o presente estudo evitou reproduzir a ideia de que
226

elas seriam “objetificadas” por se submeterem aos referidos processos de seleção e


diferenciação. Isso não quer dizer que não haja violência. Busquei ressaltar a complexidade de
sua posição, levando em conta as formas de agência possibilitadas a elas através da
sexualização desses espaços, ao mesmo tempo em que foram observadas as disputas e
desvantagens apresentadas pela dinâmica dos perfis estéticos.
Nesse sentido, diante do contexto laboral apresentado, o que motiva mulheres a se
interessarem por esse trabalho? Para responder tal indagação, no quarto capítulo, Um trabalho
“difícil”, trouxe relatos de promotoras que contribuíram com a pesquisa sobre suas dinâmicas
de trabalho.
Um aspecto em comum nas narrativas de minhas interlocutoras sobre suas trajetórias
profissionais foi a necessidade de trabalhar desde a adolescência. Por isso, destaquei a ideia
de “ganhar a vida” (Narotzky & Besnier, 2014), mostrando os valores que norteiam as
pessoas na busca da realização de seus objetivos, a melhoria de suas condições de vida e das
pessoas de seu círculo de relações.
Por “ganharem a vida” realizando um trabalho sexualizado que é também trabalho de
cuidado e emocional, profissionais de eventos enfrentam alguns dilemas peculiares em seus
cotidianos laborais. Elas precisam lidar com acusações como as de que suas atividades não
são trabalho, que se trata de um trabalho fácil ou que são todas putas.
Esse trabalho, inserido na lógica publicitária de que sexo vende, exige que elas
performem certa sensualidade, em diversos níveis e de variadas maneiras, seja através de
sorriso, uniformes, entre outros fatores que aludem à sexualização. Contudo, diante do
fantasma da prostituição, parte do trabalho das profissionais de eventos consiste em gerir a
sexualização, sabendo quando se deve evocá-la e quando afastá-la.
Já os elementos do trabalho de cuidado são um componente central das atividades
executadas pelas profissionais em questão, mas muitas vezes não são reconhecidos. Sorrir,
recepcionar, servir um café, são todas tarefas de cuidado. Porém, há muitas controvérsias em
torno da definição analítica do que seria trabalho de cuidado, fazendo-se necessários alguns
esclarecimentos sobre o tema.
Associar conceitos de cuidado aos de trabalho é um desafio analítico em diferentes
perspectivas. A tarefa de cuidar de crianças e idosos em domicílio, por exemplo, tende a não
ser reconhecida como uma atividade profissional devido a sua associação com afetos e o
ambiente doméstico. Majoritariamente exercido por mulheres, esse trabalho tende a não ser
pago. Já o trabalho de enfermeiras/os, em outro exemplo, costuma ser mais facilmente
legitimado como uma atividade de cuidado, inserindo-se no chamado “circuito profissional do
227

cuidado” (Guimarães e Vieira, 2020). Profissionais de eventos, por sua vez, exercem o
trabalho de cuidado em contextos públicos. Faço essa afirmação considerando que sua
responsabilidade é proporcionar “bem-estar” e “conforto”.
Indo além das classificações desse trabalho, marcado pela sexualização das interações,
observo que a atividade das profissionais de eventos apresenta múltiplas facetas. Fundado em
imagens de glamour, conveniências percebidas na flexibilidade e maior rentabilidade que
outros trabalhos no setor de serviços que requerem o mesmo nível educacional, minhas
interlocutoras encontraram na profissão muitas vantagens. Contudo, tais fatores emaranham-
se com o sofrimento causado pelas condições laborais precárias somadas, por sua vez, à
valorização desse sofrimento em razão de uma moral do trabalho e da necessidade de traçar
um limite em relação à prostituição.
Como consequência das controvérsias que culminam nas acusações de que o trabalho
de profissionais de eventos não é trabalho ou que são todas putas, são acionados códigos
morais que buscam legitimar a atividade. Dentro de tal gramática moral, destaquei certa
valorização das dificuldades do trabalho, com narrativas como a de que se trata de um
trabalho com 12 horas em pé no sol, na chuva, sendo assediada ao contrário do trabalho fácil
da prostituta, que trabalha deitada.
No trabalho de profissionais de eventos, o precário convive com o gratificante e o
sofrimento convive com o desejo. Nesse sentido, a etnografia buscou complexificar o debate
sobre precariedade, saindo da ideia de “alienação” ou “proletariado emocional”, dando
abertura para entender a construção de sentido pelas pessoas que atuam na área.
Buscando aprofundar o debate sobre a moral do trabalho, estabeleci brevemente um
diálogo com prostitutas e pesquisas sobre trabalho sexual, a fim de mostrar que apesar das
trabalhadoras sexuais também recorrerem à gramática da valorização moral do trabalho, elas
tendem a defender a escolha pela prostituição por ser esta uma atividade com mais vantagens
e causar menor sofrimento que outros trabalhos disponíveis de acordo com suas qualificações
profissionais. Um segundo ponto observado na referida comparação foi que o trabalho de
profissionais de eventos possibilita um menor espaço de agência em situações de “assédio” do
que em algumas modalidades de prostituição.
Utilizei “assédio” entre aspas diante da variação de sentido que o termo assumiu em
campo, podendo ser considerada violência em alguns casos e paquera em outros. A
operacionalização de paqueras e outras formas de envolvimentos sexuais e afetivos foi
desenvolvida no quinto e último capítulo, Dinheiro, afetos e códigos morais, em que procurei
mostrar como e de que maneiras o fantasma da prostituição impacta os relacionamentos
228

amorosos que, muitas vezes iniciados no ambiente de trabalho, exigem que as pessoas
desenvolvam estratégias para “autenticar” afetos diante das assimetrias de classe.
O ponto central do capítulo foi apontar a desigual distribuição de confiabilidade na
autenticidade dos afetos nas economias sexuais. Para responder a essa desigualdade, são
criadas várias combinações possíveis entre afetos e dinheiro a partir da sobreposição entre
perfil e moral do trabalho. Por se tratar de uma justaposição fundada em critérios de
racialização sexualizada que evoca marcas de classe e uma gramática moral, algumas
profissionais conseguem construir espaços de agência nas posições que ocupam, enquanto
outras não têm o mesmo êxito.
As promotoras bem-sucedidas nesse quesito racial, sexual e de evocação de distinções
de classe encontram no trabalho possibilidades não apenas de obter vantagens econômicas,
mas também afetivas, pois podem, a partir do ambiente profissional, construir relações de
amizade, amorosas e/ou sexuais sem que o fantasma da prostituição as ameace especialmente.
As que não têm tais possibilidades, geralmente por corporificarem o fantasma da prostituição,
no limite, são posicionadas dentro da imaginária cota de 20% de fichas rosa, e apesar de
obterem benefícios econômicos do setor, tendem a receberem menos suportes afetivos.
A moral do trabalho e o fantasma da prostituição no mundo dos eventos podem ser
entendidos como dois aspectos da mesma problemática: a estigmatização da prostituição
expressada na acusação de que trabalho sexual não é trabalho. Como a grande peculiaridade
do trabalho da profissional de eventos é ele ser sexualizado, mas não ser prostituição no
sentido de trocas de sexo por dinheiro, as referidas profissionais precisam enfrentar formas de
descrédito social relativamente semelhantes às trabalhadoras sexuais.
A partir do trabalho de profissionais de eventos e sua articulação às economias
sexuais, nesta tese, mostrei como sexualização, glamour, fantasma da prostituição e moral do
trabalho formam um arranjo próprio no mundo dos eventos. Por isso, o trabalho, enquanto
atividade para gerar fluxos de renda, foi apresentado como mais um entre outros aspectos da
vida dessas profissionais, dando espaço para observarmos as estratégias para “ganhar a vida”
(Narotzky & Besnier, 2014) e para construir relações dentro e fora do ambiente de trabalho.
Nesse sentido, centrei-me nas diversas maneiras com as quais os sujeitos criam instrumentos
de agência para concretizarem projetos de vida, mostrando como, a partir de múltiplas
articulações e recriações de categorias da diferença, as possibilidades de êxito econômico e
afetivo são distribuídas desigualmente.
229

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247

ANEXO – CADERNO DE IMAGENS

Imagem 45: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de 2017
que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de Ribeirão
Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da feira que
trajavam roupas curtas.
248

Imagem 46: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de


2017 que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de
Ribeirão Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da
feira que trajavam roupas curtas.
249

Imagem 47: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de 2017
que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de Ribeirão
Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da feira que
trajavam roupas curtas.
250

Imagem 48: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de 2017
que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de Ribeirão
Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da feira que
trajavam roupas curtas.
251

Imagem 49: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de 2017
que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de Ribeirão
Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da feira que
trajavam roupas curtas.
252

Imagem 50: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de


2017 que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de
Ribeirão Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da
feira que trajavam roupas curtas.
253

Imagem 51: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de 2017
que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de Ribeirão
Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da feira que
trajavam roupas curtas.
254

Imagem 52: Prints feitos por profissional de eventos durante a Agrishow de 2017
que mostram os comentários de leitoras/es de um jornal da cidade de Ribeirão
Preto na publicação de fotos das recepcionistas de um dos estande da feira que
trajavam roupas curtas.

Imagem 53: exemplo de chamada para trabalho feita no facebook.


255

Imagem 54: exemplo de chamada para trabalho feita no facebook.

Imagem 55: exemplo de chamada para trabalho feita no facebook.

Imagem 56: exemplo de chamada para trabalho feita no facebook.


256

Imagem 57: exemplo de chamada para trabalho feita no facebook.

Imagem 58: exemplo de chamada para trabalho feita no facebook.

Imagem 59: Eu em campo na Agrishow em 2016. Fonte: Arquivo pessoal.

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