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MOSCOVICI, Serge - Representacoes Sociais
MOSCOVICI, Serge - Representacoes Sociais
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SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO
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Uma “compulsão em repetir” mascara um tipo de neurose i-
deológica, que foi mobilizada sempre que o social ameaçou invadir
o psicológico. Ou, para passar duma metáfora freudiana para uma
antropológica, o social representou, consistentemente, uma amea-
ça de poluição à pureza da psicologia científica.
Por que se mostrou tão difícil estabelecer uma psicologia so-
cial que incluísse tanto o social como o psicológico? Embora Mos-
covici sugerisse, na citação acima, que isso era uma questão para
historiadores, ele mesmo contribuiu, de algum modo, para escla-
recer esse enigma, como muitos dos textos aqui coletados teste-
munham (ver capítulos 1, 2, 3 e 7). Num ensaio histórico importan-
te, The Invention of Society, Moscovici (1988/1993) oferece mais
um conjunto de considerações que discutem a questão comple-
mentar de por que as explicações psicológicas foram vistas como
ilegítimas, na teoria sociológica. Durkheim formulou suas idéias
explicitamente em seu aforismo de que “sempre que um fenôme-
no social é diretamente explicado por um fenômeno psicológico,
podemos estar seguros que a explicação é falsa” (1895/1982: 129).
Mas, como mostra Moscovici, esse preceito contra a explicação
psicológica não apenas percorre, como um fio unificador, através
do trabalho dos escritores clássicos da teoria social moderna, mas
é também sub-repticiamente contradito por esses mesmos textos.
Pois, ao construir explicações sociais para fenômenos sociais, es-
tes sociólogos (Weber e Simmel são os exemplos analisados por
Moscovici, junto com Durkheim), necessitam também introduzir
alguma referência aos processos psicológicos para fornecer coe-
rência e integridade a suas análises. Em síntese, nesse trabalho
Moscovici é capaz de demonstrar, através de sua própria análise
destes textos fundantes da sociologia moderna, que o referencial
explanatório exigido para tornar os fenômenos sociais inteligíveis
deve incluir conceitos psicológicos, bem como sociológicos.
A questão, contudo, de por que foi tão difícil conseguir um re-
ferencial teórico estável, abrangendo tanto o psicológico como o
social, permanece obscura. Para dizer a verdade, a hostilidade da
parte dos psicólogos ao “sociologismo” foi tanta quanto a dos so-
ciólogos ao “psicologismo”. Ao dizer que a psicologia social, como
uma categoria mista, representa uma forma de poluição, ficamos
apenas nas palavras, enquanto nós não compreendermos por que
o social e o psicológico são considerados como categorias exclusi-
vas.
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Esse é o centro do enigma histórico que retém seu poder es-
pecifico até hoje. Embora fosse ingênuo pretender oferecer uma
explicação clara de sua origem, nós podemos vislumbrar algo de
sua história na oposição entre razão e cultura que, como discute
Gellner (1992), foi tão influente desde a formulação do racionalis-
mo de Descartes. Contra o relativismo da cultura, Descartes pro-
clamou a certeza que brota da razão. O argumento em favor do co-
gito introduziu um ceticismo sobre as influências da cultura e do
social que foi difícil de superar. Na verdade, se Gellner está corre to
ao constatar nesse argumento uma oposição entre cultura e razão,
então toda a ciência da cultura será uma ciência da não-razão. A
partir daqui, é um curto passo chegar-se a uma ciência desprovida
de razão, o que parece ser a reputação dada a toda tentativa de
combinar os conceitos sociológicos com os psicológicos numa
ciência “mista”. Mas foi justamente tal “ciência desprovida de ra-
zão”, que Moscovici procurou ressuscitar, através dum retorno ao
conceito de representação, como central a uma psicologia social
do conhecimento.
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A modernidade sempre se coloca em relação a algum passado
que é considerado como tradicional e embora seja errado (como
Bartlett, 1923, viu muito previdentemente) considerar as socieda-
des pré-modernas - ou tradicionais - como efetivamente homogê-
neas, o fio condutor central do argumento de Moscovici sobre a
transformação das formas de criação coletiva na transição para a
modernidade se relaciona à questão da legitimação. Nas socieda-
des pré-modernas (que, nesse contexto, são as sociedades feudais
na Europa, embora este ponto possa ser também relevante para
outras formas de sociedade pré-moderna), são as instituições cen-
tralizadas da Igreja e do Estado, do Bispo e do Rei, que estão no
ápice da hierarquia de poder e regulam a legitimação do conheci-
mento e das crenças. De fato, dentro da sociedade feudal, as pró-
prias desigualdades entre diferentes estratos, dentro dessa hierar-
quia, foram vistas como legitimas. A modernidade, em contraste,
se caracteriza por centros mais diversos de poder, que exigem au-
toridade e legitimação, de tal modo que a regulação do conheci-
mento e da crença não é mais exercida do mesmo modo. O fenô-
meno das representações sociais pode, neste sentido, ser visto
como a forma como a vida coletiva se adaptou a condições des-
centradas de legitimação. A ciência foi uma fonte importante de
surgimento de novas formas de conhecimento e crença no mundo
moderno, mas também o senso comum, como nos lembra Mosco-
vici. A legitimação não é mais garantida pela intervenção div ina,
mas se torna parte duma dinâmica social mais complexa e contes-
tada, em que as representações dos diferentes grupos na socieda-
de procuram estabelecer uma hegemonia.
A questão de uma teoria ser vaga pode ser vista como sendo,
em grande parte, um problema metodológico, pois ela se refere,
fundamentalmente, àquilo que diferentes perspectivas sociopsi-
cológicas tornam visível e inteligível. Com respeito a isso, diferentes
perspectivas em psicologia social operam com critérios e con-
dições diferentes. Armado com o aparato conceptual da psicologia
social tradicional, alguém irá lutar para não ver nada mais que
atitudes, do mesmo modo que a perspectiva discursiva irá revelar
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apenas os efeitos do discurso nos processos sociopsicológicos.
Cada um desses enfoques opera dentro dum universo teórico mais
ou menos hereticamente lacrado. Dentro de cada perspectiva,
há uma ordem conceptual que traz claridade e estabilidade á co-
municação dentro dela (cada perspectiva, podemos dizer, “esta-
belece seu próprio código para intercâmbio social”). O que perma-
nece fora duma perspectiva particular mostra-se vago e o precur-
sor de desordem. Esse fato, na verdade, não é mais que uma ex-
pressão da permanente crise na disciplina da psicologia social que
continua a existir como um conjunto de “paradigmas solitários”. O
reconhecimento desse estado de coisas, por si mesmo, não confe re
status especial, ou privilegiado, à teoria das representações so -
ciais. O que dá ao trabalho de Moscovici seu particular interesse e a
razão pela qual ele continua a exigir atenção é que seu trabalho
em representações sociais forma parte dum empreendimento
mais amplo para estabelecer (ou re-estabelecer) os fundamentos
para uma disciplina que é tanto social, como psicológica.
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O FENÔMENO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
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A psicologia social é, obviamente, uma manifestação do pen-
samento científico e, por isso, quando estuda o sistema co gnitivo
ela pressupõe que:
1. os indivíduos normais reagem a fenômenos, pessoas ou aco n-
tecimentos do mesmo modo que os cientistas ou os estatísti-
cos, e
2. compreender consiste em processar informações.
Em outras palavras, nós percebemos o mundo tal como é e to-
das nossas percepções, idéias e atribuições são respostas a estí-
mulos do ambiente físico ou quase-físico, em que nós vivemos. O
que nos distingue é a necessidade de avaliar seres e objetos corre-
tamente, de compreender a realidade completamente; e o que dis-
tingue o meio ambiente é sua autonomia, sua independência com
respeito a nós, ou mesmo, poder-se-ia dizer, sua indiferença com
respeito a nós e a nossas necessidades e desejos. O que era tido
como vieses cognitivos, distorções subjetivas, tendências afetivas
obviamente existem. Como nós, todos estamos cientes disso, mas
eles são concretamente vieses, distorções e tendências em rela-
ção a um modelo, a regras, tidas como norma.
Parece-me, contudo, que alguns fatos comuns contradizem
esses dois pressupostos:
a) Primeiro, a observação familiar de que nós não estamos
conscientes de algumas coisas bastante óbvias; de que nós não
conseguimos ver o que está diante de nossos olhos. É como se
nosso olhar ou nossa percepção estivessem eclipsados, de tal mo-
do que uma determinada classe de pessoas, seja devido a sua ida-
de - por exemplo, os velhos pelos novos e os novos pelos velhos -
ou devido a sua raça - p. ex. os negros por alguns brancos, etc. - se
tomam invisíveis quando, de fato, eles estão “nos olhando de fren-
te”. É assim que um arguto escritor negro descreve tal fenômeno:
Eu sou um homem invisível. Não, eu não sou um fantasma como
os que espantaram Edgar Allan Poe; nem sou eu um de vos-
sos ectoplasmas dos cinemas de Hollywood. Eu sou um ho-
mem concreto, de carne e osso, fibra e líquidos – e de mim
pode-se até dizer que tenho inteligência. Eu sou invisível,
entenda-se, simplesmente porque as pessoas recusam ver-
me. Como a cabeça sem corpo, que às vezes se vê em circos,
acontece como se eu estivesse cercado de espelhos de vidro
grossa e que distorcem a figura. Quando eles se aproximam
de mim, eles vêem apenas o que me cerca, se vêem eles
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mesmos, ou construções de sua imaginação – na realidade,
tudo, exceto eu mesmo (Ellison, 1965: 7).
1 Nota do editor: Moscovici está se referindo a um quadro de Magritte, que pode não ser tio
familiar aos leitores, O famoso quadro data de 1926 e mostra uma simples imagem de um c a-
chimbo com a inscriç~o “Isso n~o é um cachimbo”, embaicho da pintura. Em 1966, ele pintou
outro quadro chamado Les deux mistéres (Os dois mistérios), em que o quadro de 1966 é mostra-
do em um cavalete, em uma sala vazia, com uma segunda imagem de um cachimbo flutuando no
ar, sobre ele. As questões sobre representação relacionadas a ambas as pinturas são extens a-
mente discutidas por Michel Foucault (1983).
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uma figura que está, ela mesma, dentro de uma figura e por isso um
pouco “menos real” que a outra, é totalmente ilusória. Uma vez que
se chegou a um acordo de “entrar na moldura”, nós já estamos com-
prometidos: temos de aceitar a imagem como realidade. Continua
contudo a realidade de uma pintura que, exposta em um museu e
definida como um objeto de arte, alimenta o pensamento, provoca
uma reação estética e contribui para nossa compreensão da arte
da pintura.
Como pessoas comuns, sem o benefício dos instrumentos ci-
entíficos, tendemos a considerar e analisar o mundo de uma ma-
neira semelhante; especialmente quando o mundo em que vive-
mos é totalmente social. Isso significa que nós nunca conseguimos
nenhuma informação que não tenha sido destorcida por re-
presentações “superimpostas” aos objetos e às pessoas que lhes
dão certa vaguidade e as fazem parcialmente inacessíveis. Quando
contemplamos esses indivíduos e objetos, nossa predisposição
genética herdada, as imagens e hábitos que nós já aprendemos, as
suas recordações que nós preservamos e nossas categorias cultu-
rais, tudo isso se junta para fazê-las tais como as vemos. Assim, em
última análise, elas são apenas um elemento de uma cadeia de rea-
ção de percepções, opiniões, noções e mesmo vidas, organizadas
em uma determinada seqüência É essencial relembrar tais lu gares
comuns quando nos aproximamos do domínio da vida mental na
psicologia social. Meu objetivo é reintroduzi-los aqui de uma ma-
neira que, espero, seja frutífera.
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comparação de mitos, lendas, tradições populares e lin-
guagens, como as representações sociais se atraem e se ex-
cluem, como elas se mesclam ou se distinguem etc. (Durkheim,
1895/1982: 41-42).
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Até o inicio do século, a linguagem verbal comum era um
meio tanto de comunicação, como de conhecimento; de idéias co-
letivas e de pesquisa abstrata, pois ela era igual tanto para o senso
comum, como para a ciência. Hoje em dia, a linguagem não-verbal
- matemática e lógica - que se apropriou da esfera da ciência, subs-
tituiu signos por palavras e equações por proposições. O mundo
de nossa experiência e de nossa realidade se rachou em dois e as
leis que governam nosso mundo cotidiano não possuem, agora,
relação direta com as leis que governam o mundo da ciência. Se
nós estamos, hoje, muito interessados em fenômenos lingüísticos,
isso se deve, em parte, ao fato de a linguagem estar em declínio, do
mesmo modo como estamos preocupados com as plantas, com a
natureza e os animais, porque eles estão ameaçados de extin-
ção. A linguagem, excluída da esfera da realidade material, re-
emerge na esfera da realidade histórica e convencional; e, se ela
perdeu sua relação com a teoria, ela conserva sua relação com a
representação, que é tudo o que ela deixou. Se o estudo da lin-
guagem, pois, é cada vez mais preocupação da psicologia social,
isso não é porque a psicologia social quer imitar o que aconteceu
com as outras disciplinas, ou porque quer acrescentar uma dimen-
são social a suas abstrações individuais, ou por qualquer outros
motivos filantrópicos. Isso está, simplesmente, ligado à mudança
que nós mencionamos há pouco e que a liga tão exclusivamente ao
nosso método normal, cotidiano, de compreender e intercam biar
nossas maneiras de ver as coisas.
b) Durkheim, fiel à tradição aristotélica e kantiana, possui uma
concepção bastante estática dessas representações - algo parecido
com a dos estóicos. Como conseqüência, representações, em sua
teoria, são como o adensamento da neblina, ou, em outras pa-
lavras, elas agem como suportes para muitas palavras ou idéias -
como as camadas de um ar estagnado na atmosfera da sociedade,
do qual se diz que pode ser cortado com uma faca. Embora isso
não seja inteiramente falso, o que é mais chocante ao observador
contemporâneo é seu caráter móvel e circulante; em suma, sua
plasticidade. Mais: nós as vemos como estruturas dinâmicas, ope-
rando em um conjunto de relações e de comportamentos que sur-
gem e desaparecem, junto com as representações. É o mesmo que
aconteceria com o desaparecimento, de nossos dicionários, da pa-
lavra “neurótico”, que iria, com isso, também banir certos senti-
mentos, certos tipos de relacionamento para com algumas pessoas
determinadas, uma maneira de julgá-las e, conseqüentemente, de
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nos julgarmos a nós mesmos.
Eu acentuo essas diferenças com uma finalidade especifica.
As representações sociais que me interessam não são nem as das
sociedades primitivas, nem as suas sobreviventes, no subsolo de
nossa cultura, dos tempos pré-históricos. Elas são as de nossa so-
ciedade atual, de nosso solo político, cientifico, humano, que nem
sempre têm tempo suficiente para se sedimentar completamente
para se tornarem tradições imutáveis. E sua importância continua
a crescer, em proporção direta com a heterogeneidade e a flutua-
ção dos sistemas unificadores - as ciências, religiões e ideologias
oficiais - e com as mudanças que elas devem sofrer para penetrar
a vida cotidiana e se tornar parte da realidade comum. Os meios
de comunicação de massa aceleraram essa tendência, multiplica-
ram tais mudanças e aumentaram a necessidade de um elo entre,
de uma parte, nossas ciências e crenças gerais puramente abstra-
tas e, de outra parte, nossas atividades concretas como indivíduos
sociais. Em outras palavras, existe uma necessidade continua de
re-constituir o “senso comum” ou a forma de compreensão que
cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma cole-
tividade pode operar. Do mesmo modo, nossas coletividades hoje
não poderiam funcionar se não se criassem representações sociais
baseadas no tronco das teorias e ideologias que elas transformam
em realidades compartilhadas, relacionadas com as interações en-
tre pessoas que, então, passam a constituir uma categoria de fe-
nômenos à parte. E a característica especifica dessas representa-
ções é precisamente a de que elas “corporificam idéias” em expe-
riências coletivas e interações em comportamento, que podem,
com mais vantagem, ser comparadas a obras de arte do que a rea-
ções mecânicas. O escritor bíblico já estava consciente disso quan-
do afirmou que o verbo (a palavra) se fez carne; e o marxismo con-
firma isso quando afirma que as idéias, uma vez disseminadas en-
tre as massas, são e se comportam como forças materiais.
3. O familiar e o não-familiar
4.
Para se compreender o fenômeno das representações sociais,
contudo, nós temos de iniciar desde o começo e progredir passo a
passo. Até esse ponto, eu não fiz nada mais que sugerir certas re-
formas e tentar defendê-las. Eu não poderia deixar de enfatizar de-
terminadas idéias, caso quisesse defender o ponto de vista que eu
estava sustentando. Mas, ao fazer isso, demonstrei que:
a) as representações sociais devem ser vistas como
uma “atmosfera”, em relação ao indivíduo ou ao
grupo;
b) as representações são, sob certos aspectos, espe-
cíficas de nossa sociedade.
Por que criamos nós essas representações? Em nossas razões
de criá-las, o que explica suas propriedades cognitivas? Estas são
as questões que irei abordar em primeiro lugar. Nós poderíamos
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responder recorrendo a três hipóteses tradicionais: (1) a hipótese
da desiderabilidade, isto é, uma pessoa ou um grupo procura criar
imagens, construir sentenças que irão tanto revelar, como ocultar
sua ou suas intenções, sendo essas imagens e sentenças distor-
ções subjetivas de uma realidade objetiva; (2) a hipótese do dese-
quilíbrio, isto é, todas as ideologias, todas as concepções de mun-
do são meios para solucionar tensões psíquicas ou emocionais,
devidas a um fracasso ou a uma falta de integração social; são,
portanto, compensações imaginárias, que teriam a finalidade de
restaurar um grau de estabilidade interna; (3) a hipótese do co n-
trole, isto é, os grupos criam representações para filtrar a informa-
ção que provem do meio ambiente e dessa maneira controlam o
comportamento individual. Elas funcionam, pois, como uma espé-
cie de manipulação do pensamento e da estrutura da realidade,
semelhantes àqueles métodos de controle “ comportamental” e de
propaganda que exercem uma coerção forçada em todos aqueles
a quem eles estão dirigidos.
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tais, ou as pessoas que pertencem a outras culturas, nos incomo-
dam, pois estas pessoas são como nós e contudo não são como
nós; assim nós podemos dizer que eles são “sem cultura”, “bárba-
ros”, “irracionais” etc. De fato, todas as coisas, tópicos ou pessoas,
banidas ou remotas, todos os que foram exilados das fronteira de
nosso universo possuem sempre características imaginárias; e pré-
ocupam e incomodam exatamente porque estão aqui, sem estar
aqui; eles são percebidos, sem ser percebidos; sua irrealidade se
torna aparente quando nós estamos em sua presença; quando sua
realidade é imposta sobre nós - é como se nos encontrássemos
face a face com um fantasma ou com um personagem fictício na
vida real; ou como a primeira vez que vemos um computador jo-
gando xadrez. Então, algo que nós pensamos como imaginação, se
torna realidade diante de nossos próprios olhos; nós podemos ver
e tocar algo que éramos proibidos.
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4. Ancoragem e objetivação, ou os dois processos
que geram representações sociais
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Pode-se dizer, contudo, que em sua grande maioria essas
classificações são feitas comparando as pessoas a um protótipo,
geralmente aceito como representante de uma classe e que o pri-
meiro é definido através da aproximação, ou da coincidência com o
última Desse modo, nós dizemos de certas personalidades - de
Gaulle, Maurice Chevalier, Churchill, Einstein, etc. - que eles são
representativos de uma nação, de políticos e de cientistas e nós
classificamos outros políticos ou cientistas em relação a eles. Se é
verdade que nós classificamos e julgamos as pessoas e coisas
comparando-os com um protótipo, então nós, inevitavelmente,
estamos inclinados a perceber e a selecionar aquelas caracterís-
ticas que são mais representativas desse protótipo, exatame n-
te como os aldeões de Denise Jodelet estavam mais claramente
conscientes da fala e do comportamento “esquisito” dos doentes
mentais, durante os dez ou vinte anos de sua estadia lá, do que da
gentileza, interesse e humanidade generalizados dessas desafor-
tunadas pessoas.
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• Objetivação - O físico inglês Maxwell disse, certa vez, que o
que parecia abstrato a uma geração se torna concreto para a se-
guinte. Surpreendentemente, teorias incomuns, que ninguém le-
vava a sério, passam a ser normais, criveis e explicadoras da reali-
dade, algum tempo depois. Como um fato tão improvável, como o
de um corpo físico produzindo uma reação á distância em um lu-
gar onde ele não está concretamente presente, pode transfor-
mar-se, menos de um século depois, em um fato comum, inques-
tionável - isso é ao menos tão misterioso, como sua descoberta, e
de conseqüências práticas muito maiores. Poderíamos mesmo ir
além da colocação de Maxwell, acrescentando que o que é inco-
mum e imperceptível para uma geração, torna-se familiar e óbvio
para a seguinte. Isso não se deve simplesmente a passagem do
tempo ou dos costumes, embora ambos sejam provavelmente ne-
cessários. Essa domesticação é o resultado da objetivação, que é
um processo muito mais atuante que a ancoragem e que nós va-
mos discutir agora.
Objetivação une a idéia de não-familiaridade com a de realida-
de, torna-se a verdadeira essência da realidade. Percebida primei-
ramente como um universo puramente intelectual e remoto, a ob-
jetivação aparece, então, diante de nossos olhos, física e acessí-
vel. Sob esse aspecto, estamos legitimados ao afirmar, com Lewin,
que toda representação torna real - realiza, no sentido próprio do
termo - um nível diferente da realidade. Esses níveis são criados e
mantidos pela coletividade e se esvaem com ela, não tendo exis-
tência por si mesmos; por exemplo, o nível sobrenatural, que em
certo tempo era quase onipresente, é agora praticamente inexis-
tente. Entre a ilusão total e a realidade total existe uma infinidade
de graduações que devem ser levadas em consideração, pois nós
as criamos, mas a ilusão e a realidade são conseguidas exatamen te
do mesmo modo.
A materialização de uma abstração é uma das características
mais misteriosas do pensamento e da fala. Autorida des políticas e
intelectuais, de toda espécie, a exploram com a fi nalidade de sub-
jugar as massas. Em outras palavras, tal autorida de está funda-
mentada na arte de transformar uma representação na realidade
da representação; transformar a palavra que substitui a coisa, na
coisa que substitui a palavra.
Para começar, objetivar é descobrir a qualidade icônica de
uma idéia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma
imagem. Comparar é já representar, encher o que está natural-
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mente vazio, com substância. Temos apenas de comparar Deus
com um pai e o que era invisível, instantaneamente se toma visível
em nossas mentes, como uma pessoa a quem nós podemos res-
ponder como tal. Um enorme estoque de palavras, que se referem
a objetos específicos, está em circulação em toda sociedade e nós
estamos sob constante pressão para provê-los com sentidos con-
cretos equivalentes. Desde que suponhamos que as palavras não
falam sobre “nada”, somos obrigados a ligá-las a algo, a encontrar
equivalentes não-verbais para elas. Assim como se acredita na
maioria dos boatos por causa do provérbio: “Não há fumaça sem
fogo”, assim uma coleção de imagens é criada por causa do pro-
vérbio: “Ninguém fala sobre coisa alguma”.
Mas é apenas o acaso que não pode responder pelo uso exten-
sivo que nós fazemos das particularidades da gramática, nem po-
de explicar sua eficiência.
Isso pode ser feito de uma maneira melhor, através da tenta-
tiva de objetivar a própria gramática, o que é conseguido muito
simplesmente colocando substantivos - que, por definição, se refe-
rem a substâncias, a seres - em lugar de adjetivos, advérbios, etc.
Desse modo, atributos ou relações são transformadas em coisas.
Na verdade, não existe tal coisa como uma repressão, pois ela se
refere a uma ação (reprimir a memória), ou um inconsciente, pois
ele é um atributo de algo diferente (os pensamentos e de sejos de
uma pessoa). Quando nós dizemos que alguém está dominado por
seu inconsciente ou sofre de uma repressão como se tivesse bócio
ou dor de garganta, o que nós realmente queremos dizer é que
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este indivíduo não está consciente do que faz ou pen sa; do mesmo
modo, quando nós dizemos que uma pessoa sofre de ansiedade,
nós queremos dizer que está ansiosa, ou se com porta de uma
maneira ansiosa.
Farr (1977) mostrou com acerto que existe uma relação en-
tre a maneira como nós concebemos algo para nós mesmos e a
maneira descrevemos aos outros. Vamos, pois, aceitar essa rela-
ção, embora notemos que o problema da causalidade foi sempre
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um problema crucial para as pessoas interessadas em representa-
ções sociais, como Fauconnet, Piaget e, mais modestamente, eu
mesmo. Nós enfocamos o problema, porém, de um ângulo muito
diverso do de nossos colegas americanos - americano é usado
aqui em um sentido puramente geográfico. O psicólogo social do
outro lado do Atlântico baseia suas investigações na teoria da atri-
buição e está interessado principalmente na maneira como nós
atribuímos causalidade as pessoas ou coisas que nos rodeiam.
Certamente não seria exagero dizer que suas teorias são baseadas
em um principio único - o ser humano pensa como um estatístico -
e que existe somente uma regra em seu método - estabelecer a
coerência da informação que nós recebemos do meio ambiente.
Nessas circunstâncias, grande número de idéias e imagens - na
realidade, todas as que a sociedade nos apresenta - devem ou en-
quadrar-se com o pensamento estatístico e assim consideradas
como sem valor, pois elas não podem se adequar a ele, ou então
ofuscar nossa percepção da realidade como de fato é. Elas são, por
isso, pura e simplesmente ignoradas.
2 Experimentos feitos por Tversky e Kabneman (1974) tiveram mui to sucesso ao prova r
que esse pressupos to é infundado e deve sua popularidade a um equívoco que s e bas eia em
principios artificiais
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explicações são totalmente opostas e obviamente provém de
representações sociais distintas. A primeira representação acena
responsabilidade individual e a energia pessoal — os problemas
sociais somente podem ser resolvidos por cada indivíduo. A se-
gunda representação acentua a responsabilidade social, denuncia:
a injustiça social e propõe soluções coletivas para problemas indivi-
duais. Shaver notou tais reações até mesmo nos Estados Unidos.
Atribuições pessoais sobre a razão para a assistência social
(wel-f are) levam a discursos sobre “aproveitadores do assisten-
cialismo”, a apelos para voltar aos tempos antigos, para a é-
tica protestante, ou para leis com a finalidade de tornar a
assistência financeira obrigatória mais difícil de ser conseguida. A-
tribuições situacionais, por outro lado, vão, mais provavelmente, su-
gerir que a expansão dos empregos, por parte do governo, a melhor
preparação para o trabalho e o aumento de oportunidade educa-
cional para todos, irão propiciar reduções mais duradouras
na assistência pública (Shaver, 1975: 133).
Conclusões
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Poderia ser útil apontar algumas distinções que devem ser le-
vadas em consideração. Algumas representações se referem a fa-
tos, outras a idéias. As primeiras transportam seu objeto de um
nível abstrato para um nível cognitivo concreto; as segundas, atra-
vés de uma mudança de perspectiva, tanto compõem, como de-
compõem seu objeto - elas podem, por exemplo, apresentar as bo-
las de bilhar como uma ilustração do átomo ou considerar uma
pessoa, psicanaliticamente falando, como dividida em um cons-
ciente e em um inconsciente. Ambas, contudo, criam quadros de
referência pré-estabelecidos e imediatos para opiniões e percep-
ções, dentro dos quais ocorrem automaticamente reconstruções
objetivas tanto de pessoas, como de situações e que subjazem à
experiência e ao pensamento subjetivos. O que é surpreendente e
que deve ser explicado não é tanto o fato de que tais reconstruções
são sociais e influenciam a todos, mas antes que a sociabilidade as
exige, expressa nelas sua tendência de posar como não-sociabili-
dade e como parte do mundo natural.
3 Nós discutiremos de novo representações socials depois que nós tivermos delineado as
criticas levantadas sobre o conceito de atitude que e, por definição, uma causa mediadora. Desse
modo, nós esperamos demonstrar a autonomia da psicologia social e inserir no contexto coletivo
uma teoria (isto é, a das atitudes), que se tomou muito individualística. O trabalho de Jaspers &
Fraser (1984) dá muito peso a esse ponto de vista
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rentes signos - olhos bem abertos, lábios distendidos, movimentos
da cabeça - que a incitam a ficar de pé, gritar, etc. Estas imagens e
paradigmas predizem o que surgirá como estimulo ou resposta ao
ator ou espectador: os braços da criança estendidos em direção ao
rosto sorridente da mãe, ou o rosto sorridente da mãe inclinado em
direção aos braços estendidos da criança.
Reações emocionais, percepções e racionalizações não são
respostas a um estimulo exterior como tal, mas à categoria na qual
nós classificamos tais imagens, aos nomes que nós damos a elas.
Nos reagimos a um estímulo à medida em que, ao menos parcial-
mente, nós o objetivamos e o re-criamos, no momento de sua
constituição. O objeto ao qual nós respondemos pode assumir di-
versos aspectos e o aspecto específico que ele realmente assume
depende da resposta que nós associamos a ele antes de defini-lo. A
mãe vê os braços da criança estendidos para ela e não para uma
outra pessoa, quando ela já está se preparando para sorrir e está
consciente de que seu sorriso é indispensável para a estabilidade
da criança.
Em outras palavras, representações sociais determinam tanto o
caráter do estimulo, como a resposta que ele incita, assim como, em
uma situação particular, eles determinam quem é quem. Conhecê-los e
explicar o que eles são e o que significam é o primeiro passo em toda
análise de uma situação ou de uma relação social e constitui-se em um
meio de predizer a evolução das interações grupais, por exemplo. Na
maioria dos nossos experimentos e observações sistemáticas nós, de
fato, manipulamos representações quando pensamos que estamos
manipulando motivações, inferências e percepções e é somente por-
que não as levamos em consideração, que estamos convencidos do
contrário. O laboratório mesmo, para onde uma pessoa se dirige para
ser objeto de um experimento, representa para ela e para nós o protó-
tipo de um universo reificado (cf. o capítulo de Farr). A presença do
aparato, a forma como o espaço é organizado, as instruções que ela
recebe, a natureza mesma do empreendimento, a relação artificial
entre o experimentador e o sujeito e o fato de que tudo isso ocorre no
contexto de uma instituição e sob a égide da ciência, tudo isso repro-
duz muitas características essenciais de um universo reificado. Está
muito claro que a situação determina tanto as questões que vamos
formular, como as respostas que elas vão fornecer.
100
Figura 1.1 -Modelos de representação
Idéia corrente
Estimulo
Representação
Resposta
Idéia proposta
Estimulo
Representação
Resposta
Observações finais
108
galáxia de investigações relacionadas. Percebo isto como uma
materialização concreta de uma observação de Vygotsky: “O pro-
blema do pensamento e da linguagem extrapola os limites da ciên-
cia natural e se toma o problema central da sociologia histórica
humana, i.e. da psicologia social” (Vygotsky, 1977). Esta seria a
ciência dos universos consensuais em evolução, uma cosmogonia
da existência física humana. Não ignoro as dificuldades de tal em-
preendimento, nem o fato de que ele pode ser impassível, como
também não ignoro a lacuna entre tal projeto e as nossas modes-
tas realizações até o dia de hoje. Mas não posso compreender que
isso seja razão suficiente para não empreendê-lo e não desenvol-
ve-lo, o mais claramente possível, na esperança que outros irão
compartilhar da minha fé nesse projeto.
109
110
2-SOCIEDADE E TEORIA EM PSICOLOGIA SOCIAL
113
não foi alcançada uma real maturidade.
Este ponto de vista é compartilhado por outros, cujas expe -
riências foram semelhantes à minha; mas apesar de nossas ori-
gens comuns, não fomos bem-sucedidos na criação de uma lin-
guagem, de um modelo e de uma definição de problemas que
correspondessem genuinamente à nossa realidade social. Não é
apenas esta realidade social que é compartilhada; para muitos de
nós, as idéias de Marx, Freud, Piaget, Durkheim, por exemplo,
estão em relevância direta porque nos são familiares e porque as
questões a que eles estavam tentando responder eram também
nossas próprias questões. Portanto, a estrutura social de classe,
o fenômeno da linguagem, a influência das idéias sobre a socie-
dade, tudo isso nos parece muito importante e exige prioridade
na análise da conduta “coletiva”, embora eles dificilmente ma r-
quem uma presença significativa na psicologia social contempo-
rânea.
Confrontados com esta situação, alguns buscam refúgio na
metodologia e na respeitabilidade que esta oferece, embora sai-
bam muito bem que isto não é uma solução. O fato de que somos
tão poucos é também importante: é difícil simplesmente conti-
nuar escrevendo um para o outro, isolarmo-nos dentro de nossa
disciplina e sermos os únicos juízes do que fazemos, enquanto
negligenciamos o que acontece alhures. Antropologia, lingüística,
sociologia, psicanálise e filosofia exigem nossa atenção; seus u-
suários solicitam que nos comuniquemos com eles. É impossível
ignorar suas questões e também as dos est udantes, que insistem
em obter respostas. A psicologia social, tal como ela se apresenta
hoje, não nos ajuda muito diante dessas premências. Ela possui
uma dimensão introspectiva e seu desenvolvimento se caracteri-
zou por uma negligência das questões de onde essas premências
se originaram; ou melhor: ela se desenvolveu como reação a ou-
tras premências, dentre as quais a economia, o behaviorismo e a
indústria são as mais importantes.
O segundo maior problema refere-se ao que é, muitas vezes,
chamado de “revolução estudantil”. Há opiniões diferentes sobre
o caráter “revolucionário” do movimento estudantil e de como
deveríamos agir a seu respeito, ou contra ele. Do meu ponto de
vista, o movimento teve um saldo positivo, porque nos ajudou a
confrontar problemas que procurávamos esquecer. Não há nada
mais saudável do que sermos colocados face a face com nossas
próprias contradições. Por muitos anos, nós afirmávamos que a
114
ciência buscava a verdade, que o seu papel era estimular valores
humanizantes, ampliar o reino da razão e criar seres humanos
capazes de julgamento objetivo, que pudessem ajudar a desen-
volver os ideais de democracia, igualdade e liberdade. Mas os
ideais dominaram nosso discurso, enquanto a realidade julgava
nossas ações. Max Weber nos ensinou que a violência legitimada
é o sustentáculo do corpo político, mas nós estávamos preocu-
pados com legitimidade, enquanto esquecíamos a violência.
Os estudantes nos levaram a sério e deram mais valor do
que nós àquilo que nós lhe ensina mos. Para eles, portanto, os
ideais existem para serem realizados, não simplesmente para
fazerem parte de nossos discursos. Os es tudantes são, muitas
vezes, acusados pelo uso que fazem da violência; mas nós não
podemos esquecer o fracasso de outra geração, que aspirou ser
conselheira do príncipe e acabou, pelo contrário, sendo sua ser-
va. E além disso, quem deu primeiro o exem plo de violência?
Ditaduras, torturas, campos de concentração não foram criados
com a atual geração de estudantes. O palavreado isolado acaba,
mais cedo ou mais tarde, vazio de significado, particula rmente
quando distorce a realidade, tentando convencer o prisioneiro
de que ele é livre, o pobre e o explorado de que vivem em uma
sociedade afluente, o homem que trabalha 5O horas semanais
sem nenhum descanso, de que ele é membro de uma so ciedade
de lazer. Ninguém ignora isso, mas todos colaboram para varrê-
lo para baixo do tapete. Qualquer visitante de museu sabe o que
está escondido por detrás das folhas de parreira e que, na rea-
lidade, sua função em nada está relacionada com a arte. Por que
então colocar um apêndice dispensável ao corpo humano? O pê-
nis de Davi, na Piazza della Signoria, em Florença, é incompara-
velmente mais bonito. Na sua busca por verdade e sinceridade,
os estudantes se voltaram contra as ciências, particularmente
contra as ciências sociais, as instituições que as protegem e os
homens que as praticam. Para a geração mais jovem, nossas dis-
ciplinas não se apresentam tão desinteressadas e objetivas como
pretendemos que sejam. Os estudantes se e ncarregaram de nos
lembrar as implicações ideológicas do que fazemos e seu papel
na preservação da ordem estabelecida, tanto quanto a ausência
de critica social em nosso trabalho.
Eles nos acusam de nos refugiarmos na metodologia, sob o
pretexto de que usar métodos adequados equivalentes na inves-
tigação cientifica. Nós afirmamos que nosso interesse está nos
115
problemas da sociedade. Eles nos respon dem que nós, tranqui-
lamente, ignoramos as desigualdades sociais, a violência política,
as guerras, o subdesenvolvimento e o conflito racial. Pelo quanto
eles conseguem perceber, nós estamos seguramente abrigados
dentro do “establishment”.
Por vezes, tudo isso nos leva ao ponto de nos convencer que
a ciência social é inútil. Mas um movimento político que perse-
gue objetivos em longo prazo não pode se dar ao luxo de retirar
apoio à ciência ou desprezar as contribuições que a ciência tra-
zer. Não há dúvida de que muitos de nós preferiríamos ver o
desenvolvimento de uma ciência do “movimento”, do que de uma
ciência da “ordem” - para usar uma expressão corrente na Fran-
ça. Como Martin Deutsch (1969) escreveu, em seu trabalho sobre
barreiras organizacionais e conceituais à mudança social. Na
verdade, muitos dos pressupostos implícitos das ciências susten-
tam barreiras a uma mudança ou se constituem, elas mesmas,
seu maior obstáculo. Infelizmente, porém, nem o marxismo, nem
os países socialistas contribuíram para tal ciência do “movimen-
to”.
O fato de que a maioria das ciências sociais, tais como a lin-
güística, a antropologia, a economia ou a psicologia social se te-
nham constituído ou desenvolvido, no século XX, sem uma signi-
ficativa influência ou contribuição do marxismo ou dos marxistas
é, com certeza, um fenômeno importante, para o qual deverá ser
encontrada, algum dia, uma explicação; naturalmente, isso aplica
ao próprio Marx, cujas idéias tiveram um profundo impacto. Mas
o fato de que tal ciência do “movimento” não exista no momento
não significa que não possa desenvolver-se no futuro assim como
não há tabula rasa na história, eu poderia supor que quando,
finalmente, isso acontecer, ela terá que pedir muita emprestada
a seus predecessores. Mas isso não poderá acontecer se a crítica
permanecer improdutiva. Não é suficiente reinterpretar como é
muitas vezes feito na França de hoje - todo um campo de pesqui-
sa, mostrando que as ciências sociais e a psicologia em particular
dependem de pressupostos implícitos sobre a sociedade, ou so-
bre uma ideologia que os psicólogos sociais não conseguiram
abandonar. Essa reinterpretação à luz das idéias dos marxistas e
freudianos, que pode ser entendida como uma hermenêutica,
levou ao desenvolvimento de uma ontologia freudiano-marxista
no pós-guerra alemão, enquanto em outros lugares da Euro pa
(particularmente na França) isso resultou em uma epistemolo gia
116
freudiano-marxista.
O sonho positivista de uma ciência sem metafísica - que hoje
em dia é seguidamente traduzido na exigência de uma ciência
sem ideologia - provavelmente não se tomará realidade. A meu
ver, ninguém ainda conseguiu mostrar que, sendo as ciências
nascidas (históricas), tenham elas conseguido libertar-se de suas
raízes, fundamentadas em valores sociais e filosofias. Se alguma
mudança foi obtida, foi precisamente na transformação destes
valores e filosofias para construir elos de natureza distinta. A
noção de uma completa independência da ciência social em rela-
ção a conceitos pré-científicos é um conto de fadas que os cien-
tistas gostam de contar uns aos outros.
A conferência sobre a qual The Context of Social Psychology
está baseada foi organizada em resposta a demandas especifi cas.
Nós assumimos a tarefa de discutir uma ciência que para al guns
absolutamente não existe e, para outros, não existe ainda. Como
já escrevi em outra oportunidade, a psicologia social que deve-
mos criar deve originar-se de nossa própria realidade ou, pelo
menos, de seus aspectos relevantes. Mas isso não tem sido, até o
momento, o principal foco de atenção. Além do mais - seja isso
bem-vindo ou não - o papel da ideologia na ciência e a rele vância
política da ciência têm-se tornado mais importante do que nun-
ca. Alguns problemas costumavam ser considerados por muitos
como “extra científicos” e a própria ciência tinha o privilé gio da
extraterritorialidade. Chegou agora o tempo de revisar estas
noções. A ciência é uma instituição social e, como tal, é um objeto
de análise como qualquer outro, da mesma forma que os experi-
mentos e seus sujeitos estão engajados na interação so cial, como
todos os demais. Mas, mesmo assim, a verdadeira questão é tão
simples quanto fundamental: precisamos perguntar qual é a fina-
lidade da comunidade cientifica. É ela a de apoiar ou de criticar a
ordem social? É de consolidá-la ou de transformá-la? Exigem de
nós, por toda parte, que definamos nossa posi ção a respeito des-
se assunto. Não há dúvidas de que a paz acadêmica não será res-
tabelecida em um futuro próximo e que torres de marfim conti-
nuarão a desmoronar, uma após outra. É melhor aceitar isso co-
mo um fato da vida do que lamentar um passado que, afinal, não
foi, de modo algum, tão imaculado.
Nas páginas que se seguem, tentarei colocar algumas idéias
sobre as mudanças e transformações que me parecem necessá-
rias. Posso prever algumas objeções que serão levantadas. E meu
117
pensamento, contudo, que algumas das criticas que se originam
de vários grupos políticos, filosóficos ou mesmo científicos, po-
dem seguramente ser ignoradas. Elas representam uma solução
tanto fácil quanto simples, pelo fato de virem de uma falta de
familiaridade com os conteúdos das ciê ncias sociais. Refiro-me
aqui a alguns textos publicados pela escola de Frankfurt, que são
também discutidos neste livro por Ragnar Rommetveit (1972).
Um movimento similar existe na França: Kant, Hegel e Marx são
discutidos ad naus comparados e confrontados; os autores, po-
rém, confrontam a própria imagem “adequada” que eles fazem
das ciências sociais, como aquela encontrada nas concepções
“dominantes”. Sua vitória, nesses escritos, já está assegurada e
lhes dá a impressão de ter col aborado no avanço da ciência soci-
al. Seria uma experiência interessante vê-los trabalhando e vê-
los assim mostrar como podem concretizar o que sugerem. Na
ciência, como em outras atividades, não é suficiente apontar uma
falha ou apedrejar o pecador. É previsível que se um trabalho
concomitante, para provar e validar o que se diz, não é também
realizado, estes textos, escritos com tanto fervor, serão rapida-
mente esquecidos.
Em grande parte das publicações européias existe uma ten -
dência de atribuir aos americanos a maior parte da responsabili-
dade de nossas falhas e de confundir a critica à ciência social
com a crítica aos EE.UU. Isso é, para nós, muito fácil: são as pu-
blicações que correm todos os riscos. Se nós somos “puros” é
porque nós; não produzimos quase nada e não exploramos, como
fizeram os europeus, a herança da psicologia, da psicologia social
e da sociologia do pré-guerra. Estou convencido de que se a psi-
cologia social subsistir como disciplina, a contribuição dada pela
psicologia social americana vai permanecer e durar. Nos capítu-
los que se seguem, serei crítico de muitos escritores americanos;
a razão disso é que foram os americanos que fizeram a maior
parte do trabalho. Na América, como na Europa, muitos psicólo-
gos sociais - particularmente os das gerações mais jovens - com-
partilham de uma preocupação com esses mesmos problemas.
118
2. Quem coloca os problemas e quem dá as respostas?
121
seus ambientes circundantes, mas também criam, de algum mo-
do, estes ambientes e em alguns momentos os tratam como re-
cursos e não como algo que exista pré-determinadamente. Em
outras palavras, nós estamos defronte a um estudo de dinâmica
de grupo, o qual, paradoxalmente, não mostra interesse na gêne-
se do grupo (cf. G. de Montmollin, 1959; 196O). Se nós conside-
rarmos o que aconteceu a nossa volta historicamente, podemos
ver - e isto constantemente confirmado através de estudos etoló-
gicos - os homens sempre criaram instituições coletivas e orga-
nizações de que eles necessitam. A produtividade é, na realidade,
apenas um produto secundário. A primeira tarefa de um grupo
não é funcionar melhor, mas funcionar. Os trabalhos de Bavelas -
por geniais que sejam - dão um exempla desta falta de interesse
na atividade criativa humana, como ela é expressa na sociedade e
nos grupos que se criam a si mesmos. Parte do trabalho feito
Claude Faucheux e por mim (196O) estava interessado com o
estudo da criação de um sistema de relações sociais em um am-
biente. Claude Flament (1965) também tentou cobrir esta lacuna
entre perspectivas “genéticas” e “produtivistas”. Mais recente-
mente Jean-Claude Abric (1984) pôde mostrar que a maneira
como os indivíduos concebem uma tarefa e os leva a criar uma
forma de organização social que seja adaptada a esta concepção.
Comentários semelhantes podem ser feitos sobre os estudo
de Coch e French (1953). A modificação social não pode apenas
ser vista em termos de técnicas e controles ambientais. Há sem-
pre dois fatores nela, que são os que iniciam as mudanças e os
que estão em situação de recepção destas mudanças. Juntos, eles
constituem um sistema de relações inter-grupais, com suas ca-
racterísticas especiais. Este é um sistema de interações dinâmi-
cas, em que cada uma das partes age sobre a outra. Além disto, a
resistência à mudança é ingrediente necessário a toda mudança,
não é um fator abstrato causal e deve ser considerado como uma
conseqüência da situação social. A medida que o processo de
mudança se desenvolve, a resistência a ele afeta tanto seu “re-
ceptor” quanto seu “iniciador” de que a administração consultou
psicólogos sociais, no caso tudo de Coch e French, é uma prova,
em si mesma, de alguma mudança de perspectiva no iniciador,
que se deveu à pressão exercida pela outra parte do sistema so-
cial.
É, contudo, surpreendente que os autores tenham negligen-
ciado, quase que por completo, os aspectos interacionais da a ção.
122
Eles não se perguntaram sobre a conduta da gerência, sua moti-
vação, ou suas intenções, nem inves tigaram a história das re-
lações entre a gerência e os trabalhadores. Desta forma, todos os
aspectos pertencentes ã anál ise do sistema social total, como tal,
são deixados de lado e uma situação intergrupal é transformada
em uma situação de relações intragrupais. Todas as questões são
reduzidas a problemas de motivação. A perspectiva geral conti-
nua sendo a dos administradores, uma vez que as etapas do pro-
cesso de mudança são definidas como “resistências”, isto é, como
obstáculos às efetivas implementações do que deveria acontecer.
O problema de quem deseja introduzir as mudanças e a cujos
interesses eles irão servir não e nem sequer mencionado; nada é
dito sobre o fato de que a resistência possa ser legitima, que suas
raízes possam estar ligadas a uma si tuação objetiva e que talvez
sela realmente necessária para os que resistem. Deve-se enfati-
zar, mais uma vez, que o raciocínio dos autores implica fazer
mudanças sem que ninguém resista a elas, ou melhor, que é ape-
nas o grupo resistente quem está na origem das dificuldades, que
o grupo pode simplesmente optar por aceitar o que está sendo
proposto. Qualquer um que teve oportunidades de estudar situa-
ções deste tipo sabe que os iniciadores da mudança, sejam ge-
rentes ou administradores, são, freqüentemente, contrários a
qualquer mudança que os afete; se exigem mudanças nos outros,
é no sentido de manterem-se, eles mesmos, mais seguros em
suas próprias posições (Moscovici, 1961a).
Para resumir, Coch e French adotaram uma definição parci-
al de situação que lhes permitiu considerar as mudanças sociais
como um meio de assegurar controle social; isto lhes perm itiu,
em troca, considerar resistência como uma variável negat iva e
acidental ao invés de reconhecer que é um aspecto positivo e
necessário da situação. Finalmente, os autores tomaram relações
sociais intergrupais de um ponto de vista intragrupal. Estavam
dentes, contudo, da natureza intergrupal do problema, como se
vê na passagem que se segue:
Neste conflito entre o campo de poder da gerência e o ca mpo
de poder do grupo, o grupo tentou reduzir a força do campo
de poder hostil relativa à força do seu próprio campo de po-
der. Esta mudança foi conseguida de três modos: a) O grupo
aumentou seu próprio poder, tomando-se um grupo mais co-
eso e mais disciplinado; b) O grupo conseguiu “aliados”, bus-
cando o apoio do sindicato, na confecção de uma reclamação
formal sobre a nova medida; c) O grupo atacou o poder do
123
campo hostil diretamente, na forma de agressão contra o su-
pervisor, o engenheiro de demarcação do tempo e a gerência
superior. A agressão, pois, não provejo apenas das frustra-
ções individuais, mas também do conflito entre os dois gru-
pos.
127
3. O lugar da teoria em um mundo de fatos
133
Isto não reflete, entretanto, um conjunto de dados estável ou
imutável, correspondente à existência de uma versão validada fir-
memente pela realidade. Pelo contrário, é um produto da cultura,
que, em nossa sociedade, é mesclado com teorias científicas. Em um
estudo sobre a imagem pública da psicanálise (Moscovici,
1961/1976) descrevi a extensão da penetração da teoria psicanalí-
tica no senso comum do pensamento quotidiano, nas discussões e
interpretações das ações das pessoas. Claudine Herzlich (1969)
analisou fenômenos similares na nossa concepção de saúde e do-
ença. Da mesma forma, o vocabulário marxista é parte e parcela de
nossa herança e de filosofias espontâneas de milhões de pessoas. O
mesmo é verdadeiro sobre o behaviorismo, a sociologia funcionalis-
ta, os modelos econômicos e sobre a avaliação da ação - em termos
históricos ou probabilísticos- Respeitar, pois, o senso comum, é
respeitar teorias que aceitamos implicitamente. Mas nós devemos
também aprender a desconfiar da “sabedoria popular”. O fato de
que o senso comum esteja de acordo com nossas intuições não pro-
va nada mais que a existência de um consenso. O socialista alemão
Babel costumava dizer que sempre se preocupava quando estava
de acordo com seus adversários ou quando estes concordavam com
ele. Eu penso que o psicólogo social deve ter a mesma atitude,
quando observa ou descobre que seus resultados apenas confir-
mam algo que é conhecido por todos.
Isto não quer dizer que devamos nos esforçar para sermos ori-
ginais a todo custo. E mais, em ciência só é descoberta verdadeira
aquilo que é surpreendente e original. É por isso que nós precisa-
mos tentar aceitar as coisas pelo que elas são em nossa disciplina.
No seu inicio, a psicologia social tinha a tarefa de verificar certas
hipóteses e interrogações, mesmo que elas não fossem muito dife-
rentes daquilo que todos aceitavam tranqüilamente. Chegou agora
o tempo de reconhecer que precisamos deixar esse primeiro es-
tágio para trás e seguir adiante. Multiplicar experimentos para re-
descobrir o que é óbvio pode conduzir unicamente a uma situação
paradoxal. De fato, a principal razão de ser do método experimental
é inventar e validar novos resultados de uma teoria ou produzir
efeitos inesperados. Se nós fazemos experimentos que não tenham
estas características e que não façam mais que confinar em um la-
boratório o que já se encontra difundido na cultura, nós pro-
cedemos de uma maneira não-experimental. Nossos experimentos
se tornam, então, um tipo de observação sistemática, dirigida a co-
locar em números e descrever em livros as crenças que foram
134
transmitidas pela tradição oral. Desta forma, muitos experimentos
sobre influência social, sobre os efeitos da maioria, sobre liderança
ou sobre ameaça, nada mais são do que uma longa entrevista que
fazemos junto à sociedade, sobre sua teoria social.
Entretanto, o domínio do senso comum é apenas uma conse-
qüência da ausência de esforço teórico; a mortalidade e a esterili-
dade dos achados em algumas áreas de pesquisa são outra. Estudos
sobre dinâmica de grupo e sobre as redes de comunicação de Bave-
las são um exemplo claro disso. Não estarei muito errado em afir-
mar que devem existir cerca de cinco mil artigos sobre estes tó-
picos; este número é provavelmente subestimada Muitos destes
estudos não são mais que validações do folclore industrial e minia-
turizações de situações reais; eles praticamente não contêm valor
de informação cientifica. Os livros que foram escritos sobre estes
estudos e as autópsias que foram feitas sobre eles têm revelado
que, na maioria dos casos, estavam completamente vazios de pre-
ocupação com problemas conceituais. Como McGrath & Altman
(1966) escreveram: "A produção da pesquisa continuou crescendo
a um ritmo intenso. A teoria era mínima durante a maioria dos anos
50 e tem continuado assim até o presente momento" (p. 9). Por
estas razões, os autores das várias revisões deste campo se re -
duziram à compilação de bibliografias ou, no máximo, a apresen-
tação de listas classificadas de resultados; não se pode, realmente,
dizer que o que sobrou é um conjunto de proposições confirmadas
ou de variáveis adequadamente definidas. Suspeito que o mesmo é
verdadeiro para o estudo sobre conflito.
A terceira conseqüência da ausência de interesse na teoria é o
isolamento de várias áreas de pesquisa, ou melhor, o fato de não
terem sido feitos esforços consistentes para chegar a generaliza-
ções teóricas. Com respeito, por exemplo, ao trabalho sobre con-
flito, alguém poderia perguntar se sua principal preocupação era
com os processos do conflito que são centrais a todos os fenômenos
psicológicos ou sociais - ou com ações particulares ditas "conceitu-
ais". Como é sabido, o último caso é verdadeiro; não foi feito ne-
nhum esforço para analisar as relações entre esta área particular do
comportamento e os processos centrais do conflito ou para ver
como eles se manifestam em vários tipos de situações reais. Como
eu não estou muito familiarizado com este campo de trabalho, não
irei discuti-lo mais a fundo; em lugar disso, tomarei, como exemplo
um problema que está mais próximo dos meus próprios interesses
e no qual tem sido despendido grande quantidade de trabalho, nos
135
últimos anos: este é o fenômeno da mudança de risco ("risky shift").
Em primeiro lugar, vamos descrever brevemente o bem co-
nhecido paradigma usado nestes estudos. Os sujeitos são geral-
mente confrontados com escolhas entre várias alternativas, envol-
vendo uma mudança na situação, nas relações com iguais, etc. de
uma pessoa. Cada uma das escolhas representa vários graus de
risco, para a pessoa que os escolhe. Trabalhando sozinho, cada su-
jeito faz dez ou doze escolhas. Os sujeitos são, então, colocados jun-
tos em grupos de vários tamanhos e solicitados a selecionar, para
cada problema, um nível de risco unanimemente aceito por todos
os membros do grupo. Uma vez completada a discussão do grupo,
os sujeitos são novamente separados e novamente lhes é solicitado
que indiquem sua preferência pessoal para a solução de cada pro-
blema. Chega-se à conclusão que os grupos geralmente se inclinam
para soluções de mais risco do que os indivíduos.
Descobriu-se isso por acaso. Na ciência e na tecnologia, acha-
dos ocasionais desse tipo foram sempre muito explorados. Uma boa
dose de atenção tem sido dada á mudança de risco porque, desde os
experimentos iniciais de F.H. Allport e de Sherif, afirmou-se que, em
situações sociais, as opiniões individuais e os juízos tendem a co n-
vergir em direção à média e afastar-se das posições extremas. All-
port atribui esta tendência à natureza ra cional das decisões coleti-
vas, que se colocam em oposição ao comportamento espontâneo da
multidão, caracterizado por juízos extremos e ações irracionais.
Assim, os resultados sobre os experimentos de risco, que foram
replicados muitas vezes, constituem uma exceção a um tipo de con-
duta que era considerado como universal. Isto fez surgir duas ques-
tões: a primeira dizia respeito às condições em que era possível
produzir uma "mudança conservadora" e a segunda questão era
por que os grupos assumem mais riscos que os indivíduos.
Mudanças conservadoras raramente foram conseguidas em
experimentos; quando isso aconteceu, foi através do fato de se dar
mais ênfase às dimensões éticas do risco. No todo, foi de uma difi-
culdade frustrante produzir tal fenômeno.
Diversas explicações da mudança de risco têm sido propostas.
Wallach, Kogan & Bem (1964) trazem a hipótese da difusão de
responsabilidade no grupo: sendo que cada indivíduo no grupo
sente menor responsabilidade do que quando toma decisões indi-
viduais, ele ousa correr mais riscos. Brown (1965) parte da idéia
que, em situações individuais, as pessoas estão em um estágio de
136
"ignorância pluralística", o que os força a serem cautelosos. Quando
eles se encontram em uma situação social, eles abandonam a caute-
la e tomam posições extremadas, particularmente porque o risco
tem uma conotação de valor positiva em nossa sociedade. Final-
mente, Kelley & Thibaut (1969) afirmam que existe uma "retórica
do risco", isto é, a argumentação em favor à tomada de um risco
tem sido mais convincente e elaborada do que a pregação do co n-
servadorismo. Além disso, alguns autores tentaram demonstrar
que correr um risco depende de características pessoais e, con-
seqüentemente, está relacionado à influência exercida em um gru-
po por seus membros mais extremados.
139
cessemos de nos concentrar sob este aspecto particular. Deste mo-
do, o concreto aprisiona o abstrato. O experimento de Moscovici e
Zavalloni (1969), de Doise (1969) e de Fraser et al.
(1971)demonstraram que o efeito de polarização deve ser conside-
rado dentro de um referencial mais geral que o de mudança de ris-
co, que é apenas um caso especial de outro fenômeno. Outros expe-
rimentos nos possibilitaram estudar as condições em que tanto a
convergência para a média como a polarização de grupo poderiam
ser obtidas com os mesmos itens inicialmente usados para de-
monstrar a mudança de risco. Mas isto apenas foi possível porque
os problemas levantados no início foram modificados, com o fim de
integrar a descoberta inicial dentro de um contexto mais amplo.
Tornou-se então óbvio que o fenômeno modificado é de relevância
imediata para a decisão social. É também importante para os pro-
cessos de avaliação e de mudança de atitude, para generalização e a
soma de categorias sociais e para relações intragrupais - e mesmo
intergrupais-na formação do preconceito. Os estudos de Anderson
(1968), Sherif et al. (1965), Tajfel & Wilkes (1964) e Fishbein
&Raven (1962) confirmam estes pontos de vista. Logo, a tarefa hoje
é achar uma explicação para a totalidade destes resultados e o es-
tudo da mudança de risco feito de forma isolada perde totalmente
seu interesse.
140
Esta situação é refletida nos livros de texto. Os mais úteis den-
tre eles adotam um vago esquema referencial que os possibilita,
quando muito, a classificar uns poucos resultados empíricos, que
são geralmente apresentados fora de seu contexto teórico - su-
pondo que tal contexto exista. Exemplos contraditórios raramente
são levados em consideração e, quando o são, é de maneira abstrata
e longínqua. Como resultado, os estudantes ficam com a impressão
de uma disciplina bem ordenada e fecunda - pela simples razão de
que os pontos difíceis ou contraditórios foram ignorados.
O que acontece quando uma teoria aparece? Como é ela apre-
sentada, criticada ou entendida? A teoria da dissonância cognitiva é
um caso em questão (Festinger, 1957; 1964). É verdade que esta
não é uma verdadeira teoria psicossocial, mas não há dúvida de sua
importância como uma descoberta intelectual, sua habilidade para
estimular a pesquisa, ou sua originalidade de perspectiva. Em uma
ciência adequadamente construída, uma teoria deste tipo tornar-se-
ia imediatamente um ponto de partida para novos conceitos, que a
integrariam em um contexto sociopsicológico e a traduziriam em
termos verdadeiramente sociais. Sua sorte foi radicalmente diversa.
Com exceção de Bem (1965), o interesse se centrou inteiramente
nos detalhes de metodologia. Em um artigo famoso, Chapanis e
Chapanis (1962) dedicaram sua atenção ao modo de seleção dos
sujeitos e a pontos referentes ã estatística. Outros criticaram Fes-
tinger porque ele foi incapaz de prover uma medida da dissonância
e estava, portanto, impossibilitado de fazer predições. E tudo parou
ai. Muitos psicólogos sociais continuaram a trabalhar na teoria do
reforço social ou na teoria da troca, como se a teoria da dissonância
cognitiva não existisse e não contradissesse os próprios princípios
comportamentais que eles tinham como certos. Se eles tivessem
realmente assumido estes princípios com seriedade, uma contro-
vérsia criada pela teoria da dissonância ter-se-ia tornado um centro
de atividade intelectual. Poder-se-ia imaginar os químicos continu-
ando calmamente a pesquisar, cada um em seu pequeno canto, en-
quanto alguns acreditavam em flogística e outros em oxigênio? É
óbvio para qualquer pessoa familiarizada com a história das idéias
que o progresso real emerge da confrontação teórica e os fatos e
métodos têm um papel relativamente menos importante. Mesmo
que Festinger e seus discípulos não se enquadrem completamente
ao ritual experimental, os fatos que eles demonstraram retêm seu
interesse e importância. Os fatos estabelecidos por Piaget, na base
de uma teoria sólida e coerente, também não conseguiram se en-
141
quadrar em todas as regras do jogo - e ainda assim eles sobrevive-
ram à passagem do tempo e aos ataques dos críticos.
Festinger e seus discípulos foram freqüentemente criticados
por sua tendência a buscar resultados que não eram óbvios e que
discordavam do senso comum. Esta é uma objeção que é surpreen-
dente, mas que é significativa. Isto mostra quão distante está nossa
concepção de experimentação do verdadeiro pensamento científico.
Escrevi anteriormente que a experimentação deve sempre ter como
finalidade a invenção e a criação de novos efeitos. As ciências natu-
rais são ciências de efeitos; diferentemente destas, as ciências soci-
ais - e particularmente a psicologia social - permanecem ciências
dos fenômenos e das aparências. A crença de que tudo, ou quase
tudo, sobre a conduta humana já é conhecido a partir da observação
direta impede nossa disciplina de gerar descobertas verdadeiras e
de contribuir com dados que modificariam o conhecimento pré-
científico. E assim nosso conhecimento toma forma de um refina-
mento do pré-conhecimento e a banalidade de nossos resultados
fica oculta sob o refinamento das técnicas e métodos.
Não é minha intenção defender aqui a teoria da dissonância
cognitiva, porque não precisa de defesa. Mas é importante ressaltar
que, quando uma teoria desta qualidade aparece na psicologia soci-
al, nenhuma tentativa é feita, tanto para desenvolver sua relevância
ao processo coletivo, quanto para invalidá-la. Mesmo quando tenta-
tivas de invalidação são feitas, elas dificilmente podem ser descritas
como científicas. Ao invés, é dado tratamento uniforme As teorias
de consistência cognitiva, como se todas tivessem o mesmo impacto
científico potencial; a fórmula para esta eclética cozinha pode ser
encontrada, por exemplo, no recente livro editado por Abelson et al.
(1968).
Não seria muito útil discutir esta situação em psicologia social,
sem tentar delinear uma maneira como poderíamos remediar as
deficiências. Praticamente todas as ciências tem seus teóricos, seus
experimentalistas, seus jornais teóricos e experimentais. Por que
não poderíamos nós aceitar o mesmo tipo de divisão e es-
pecialização? Poderíamos, então, deixar os teóricos definir seu ob-
jetivo, sua “cultura” e a estrutura de seus problemas. De qualquer
modo, teóricos e experimentalistas nunca se enquadraram muito;
avanço do conhecimento é o resultado de contradições entre eles e
das tentativas de comunicação feitas pelos dois lados. Em um estu-
do sobre a história da mecânica (Moscovici, 1968a) fui capaz de
mostrar que a característica principal de sua evolução não foi a
142
predominância da teoria ou da experimentação, mas a tensão de-
senvolvida entre as duas. Não há razão por que se deva tentar eli-
minar estas tensões e as contradições fecundas que dai se seguem.
Experimentação e teoria não se colocam em uma relação transpa-
rente uma em relação à outra; é o papel da teoria tornar a experi-
mentação desnecessária e o papel da experimentação tornar a teo-
ria impossível. A relação dialética existente entre as duas proposi-
ções deve ser convenientemente empregada, a fim de que o conhe-
cimento avance.
Mas, para se conseguir isso, decisões devem ser tomadas sobre
o tipo de teorias que deveria apresentar o referencial e sobre a tra-
dição intelectual que deveria constituir seu pano de fundo. É minha
opinião que maior independência é necessária à função preditiva da
teoria. Da forma como as coisas estão hoje, sempre que um concei-
to, ou um modelo, é proposto, ele é avaliado exclusivamente em
termos de sua utilidade, quanto aos fenômenos que ele pode predi-
zer e sobre os experimentos que ele sugere.
Isto resulta na criação de modelos restritivos que mais se pa-
recem a reflexões sobre certos aspectos do fenômeno, do que a uma
autêntica teoria sobre ele. Modelos deste tipo são úteis para estimu-
lar alguns experimentos interessantes, mas sua explicação é limita-
da, pois logo se atinge um ponto onde nada de novo é trazido para
experimentos posteriores. Além disso, é muitas vezes difícil decidir
experimentalmente sobre a validade de diferentes modelos, porque
eles se concentram em categorias diferentes de variáveis, per-
tencentes ao mesmo fenômeno. É este, por exemplo, o caso dos
modelos de dinâmica de grupo. A situação se reflete em uma jus-
taposição de experimentos tão numerosos, quanto ineficientes; e
isto ilustra que uma ciência ateórica não tem memória e é incapaz
de realizar uma integração de seus modelos restritos. A progressão
normal dos eventos pode ser descrita da seguinte forma: alguém
obtém dados ou propõe uma hipótese sobre, por exemplo, “mudan-
ça de risco”, ou “categorização social”. Uma vez que os achados este-
jam firmemente estabelecidos e a hipótese confirmada, tentativas
são imediatamente feitas para reprodução posterior através da
variação de fatores, tais como idade, personalidade ou estilo cogni-
tivo. O fenômeno é assim reduzido ao contexto da psicologia indivi-
dual ou inter-individual. Deste modo, o referencial da psicologia
social é progressivamente abandonado. Em vez de se progredir em
profundidade, progride-se em extensão; ao invés de estabelecer
laços entre fenômenos psicossociais, faz-se com que estes desapa-
143
reçam, através de sua absorção em processos que não são psicosso-
ciais. Parece, por isso, mais útil voltar-se para teorias que são ex-
planatórias ou que oferecem uma sistematização de um conjunto de
proposições. Devem estas teorias partir de fa tos ou de experimen-
tos? A resposta pode ser “sim” ou “não”, ao mesmo tempo. Seria
uma resposta negativa, se fossem teorias de tipo “baconiano”, con-
sistindo em uma “revisão crítica”, uma “síntese”, ou um “esclareci-
mento ou definição de conceitos”. Isto é assim por duas razões:
primeiro, porque não existe coerência suficiente no que nós consi-
deramos como conhecimento adquirido, em psicologia social; se-
gundo, é utópico esperar que uma teoria possa surgir de uma sim-
ples integração das partes que não tenham elas mesmas a marca de
uma teoria. O livro de Collins & Guetzkow (1969), que resume os
experimentos com pequenos grupos, mostrou a impossibilidade de
tal tentativa de integração.
145
começam a perguntar pelas razões da ocorrência do fenômeno que
eles observaram. Certamente os fins da ciência não são imutáveis e
o avanço teórico depende da consciência de seu contexto, continu-
amente em mudança; mas não pode existir progresso ulterior sem
uma definição comum desses fins.
Existem muitos que pensam que um acordo geral sobre tal de-
finição não é mais problema na psicologia social. De acordo com seu
ponto de vista, a psicologia social é uma ciência do comportamento
- a ciência do comportamento social; dessa maneira, eles acham que
o objeto da disciplina é idêntico ao da psicologia em geral, mesmo
que seja enfocado em um contexto especial. É esta concepção da
disciplina que necessita ser cuidadosa e criticamente examinado.
Muitas vezes se esquece que, inicialmente, foi dado um forte
impulso ao desenvolvimento da psicologia social com a esperança
de que isso viria contribuir à nossa compreensão das condições que
subjazem ao funcionamento de uma sociedade e à constituição de
uma cultura. O propósito da teoria era explicar os fenômenos so-
ciais e culturais; o objetivo prático era usar os princípios que, es-
perava-se, seriam descobertos, a fim de nos engajarmos na critica
da organização social. A abrangência da psicologia social, pois, era
tida como incluindo o estudo da vida cotidiana e as relações entre
os indivíduos e entre os grupos, bem como o estudo das ideologias
e da criatividade intelectual, tanto em suas formas individuais, co-
mo coletivas.
Vista dessa perspectiva, a psicologia social oferecia a promessa
de se tornar uma ciência verdadeiramente social e política. Tais
idéias foram logo esquecidas, contudo, quando nossa ciência se
tornou uma “ciência do comportamento.” Essa nova orientação
mudou a base da investigação e estudo, passando do argumento da
sociedade para os fenômenos individuais e interindividuais, que
eram encarados de um ponto de vista quase físico, em lugar de se-
rem vistos de um ponto de vista simbólico. O campo de pesquisa foi
drasticamente reduzido, tanto em seus horizontes, como no seu
impacto potencial. É certamente importante lembrar que, como
James Miller confessou certa ocasião, essa mudança de ênfase para
uma “ciência comportamental” também significou a chegada de
certa garantia nos quartéis responsáveis pelo desembolso dos fun-
dos de pesquisa, porque a idéia de “ciências sociais” tendia a criar
desconfiança e confusão. O rótulo de uma “ciência comportamental”
parecia mais aceitável.
146
Mas essa mudança de terminologia refletiu uma mudança cor-
respondente nos valores e interesses. De fato, os trabalhadores das
novas ciências sociais restringiram suas ambições, procurando por
paliativos para as disfunções da sociedade, sem questionar nem
suas instituições, nem sua adequação psicológica em face das ne-
cessidades humanas. O encurtamento dos horizontes está estreita-
mente ligado à restrição do sujeito ao “estudo do comportamento.”
A associação estreita com a psicologia geral, que tal restrição repre-
senta, esconde suas implicações sociais e políticas; impede-nos de
ver, em suas verdadeiras perspectivas, os fenômenos que, suposta-
mente, deveríamos estudar e apresenta, até mesmo, certa justifica-
ção para a acusação de que nós contribuímos para a alienação e a
burocratização de nossa vida social.
Independentemente de tudo isso, a noção de “comportamento
social”, embora seja útil para ajudar a definir índices empíricos,
permanece extremamente vago. Longe de nos ajudar a unificar o
sujeito, ela resultou no fato de nós termos, hoje, não uma, mas duas,
ou mesmo três psicologias sociais.
A primeira delas é taxonômica; sua finalidade é determinar a
natureza das variáveis que podem explicar o comportamento de um
individuo em frente a um estimulo. Esta psicologia ignora a nature-
za do sujeito e define “social” como uma propriedade dos objeto que
são divididos em sociais e não-sociais. O esquema geral da relação
entre sujeito-objeto pode, pois, ser representada assim:
Sujeito Objeto
Indiferenciado - Indefinido Diferenciado em social e não-
social
Sujeito Objeto
Diferenciado pelas características de sua perso- Indiferenciado
nalidade
Para qualquer tipo de tipologia que for adotada nessa perspec-
tiva, a finalidade é sempre a mesma: descobrir como diferentes
categorias de indivíduos se comportam quando eles são confron-
148
tados com um problema ou com outra pessoa. Em última instância,
isso tende ao estabelecimento de uma psicologia diferencial de res-
postas e - no limite - para a descrição da composição psicológica
dos grupos sociais, dos quais podem ser inferidas suas pro-
priedades. Um exemplo desse enfoque é a analise sintomatológica
dos sujeitos que são facilmente influenciados, seguida pela de-
monstração de que os mesmos indivíduos são fortemente sugestio-
náveis, quando confrontados com qualquer tipo de mensagem. Da
mesma maneira, os fenômenos sociais da liderança, mudanças com
risco ou competição são percebidas no nível dos traços psicológicos
dos indivíduos envolvidos; o que é completamente ignorado é que
alguns desses traços podem ser nada mais do que reflexo, no nível
individual, de um fenômeno que é inerente a uma rede de relações
sociais ou a uma cultura especifica. É, pois, evidente que o motivo
de realização (McClelland et al., 1953) está relacionado: com os
imperativos do protestantismo e do racionalismo econômico, como
foi mostrado por Max Weber. Mas transformar esse tipo ideal we-
beriano em características individuais é transplantá-lo como um
critério para a diferenciação de uma estrutura psicológica particu-
lar, que é, então, imediatamente aceita, sem justificação alguma,
como possuindo certo tipo de universalidade. Muitas vezes essas
descrições pessoais são redundantes e tautológicas.
Do mesmo modo que a psicologia diferencial, que mede dife-
renças individuais na inteligência ou na destreza manual, esse tipo
de psicologia social procura medir as dimensões da personalidade
ou os aspectos da afetividade que possuem somente uma tênue
relação com os fenômenos sociais. É devido a suas tentativas para
explicar o que acontece na sociedade em termos das características
dos indivíduos, que o interesse dessa psicologia social no “social” é
mais aparente que real.
Existe, finalmente, um terceiro tipo de psicologia social que
pode ser descrito como “sistemático”. Seu interesse se concentra
nos fenômenos globais, que resultam da interdependência de di-
versos sujeitos em sua relação com um ambiente comum, físico ou
social. Aqui, a relação entre Sujeito e Objeto é mediada pela inter-
venção de outro sujeito; essa relação se toma uma relação trian-
gular complexa, em que cada um dos termos é totalmente deter
minado pelos outros dois. Esta situação pode ser representada pelo
esquema seguinte:
149
Sujeito
Objeto
Sujeito
154
objeto adequado da ciência se nós mudarmos essa perspectiva e
passarmos a entender a comunicação como um processo autôno-
mo, que existe em todos os níveis da vida social.
A vida social é a base comum da comunicação e da ideologia. A
tarefa da psicologia social, no estudo desses fenômenos, é uma ta-
refa para a qual a disciplina está muito bem equipada; ela se inte-
ressa pelas relações entre o indivíduo e a sociedade. Essas relações
são um foco de tensões e contradições e elas representam o ponto
de encontro das necessidades de liberdade do ser humano e de suas
tendências para a alienação; elas são, também, o campo de batalha
preferido de muitos movimentos políticos. Embora seja verdade
que os psicólogos sociais estão conscientes dos problemas implíci-
tos aqui, eles, ao reluzi-los a processos de socialização, nada mais
fazem do que eliminar seus interesses reais e sua relevância.
Os pontos de vista que enfatizam a importância hegemônica da
socialização podem ser assim resumidos: a criança aprende e inter-
naliza um conjunto de valores, a linguagem e as atitudes sociais; ela
modela seu comportamento pelo comportamento dos adultos e
pelo de seus colegas. Finalmente, quando ela mesma se torna um
adulto, se integra ao grupo que a preparou adequadamente para
sua pertença a ele. Quando este estágio é alcançado, dificuldades de
ajustamento podem surgir somente se a pessoa não teve sucesso
nessa assimilação apropriada, ou na aplicação adequada dos prin-
cípios que lhe foram ensinados.
156
muitas vezes - em estabelecer uniformidades, mas também em
manter e acentuar diferenças. Conseqüentemente, na medida em
que o indivíduo se torna social, “. assim também a sociedade adqui-
re individualidade; é por isso que não existe apenas uma, mas mui-
tas sociedades, que diferem umas das outras tanto por suas origens,
como pelas características dos atores sociais que as compõem e as
produzem.
Esta perspectiva nos possibilita compreender o contraste en-
tre o individualismo e a tendência do ator social em minimizar suas
diferenças para poder conseguir seus objetivos e interesses e na
conformação de sua noção de o que é “bom” e o que é “verdadeiro.”
A pergunta principal que os psicólogos sociais faziam era: Quem
socializa o individuo? Os psicólogos negligenciaram o segundo as-
pecto do problema contido na sua pergunta: Quem socializa a soci-
edade? Um novo enfoque com respeito à relação entre indivíduo e
sociedade deveria tomar em consideração dois fenômenos básicos.
O primeiro é onde que o individuo não é apenas um produto bioló-
gico, mas um produto social; e o segundo é o de que a sociedade não
é um ambiente destinado a treinar o indivíduo e a reduzir suas in-
certezas, mas um sistema de relações entre “indivíduos coletivos”.
Esta visão da dinâmica social possui implicações científicas imedia-
tas, assim como importância psicológica e política; ela nos obriga a
encarar o controle social e a mudança social em uma perspectiva
comum e a não tratá-los separadamente, como aconteceu no passa-
do. Não existe razão nenhuma para conceder prioridade aos aspec-
tos da socialização que tendem para a transmissão das tradições
existentes e da estabilidade do status quo; as tendências opostas,
que possibilitam reformas e revoluções, são igualmente importan-
tes.
158
logia; mas esta analogia nos possibilita definir melhor aqueles ele-
mentos da vida social que são de maior importância para o estudo
teórico e empírico; e ela também realça a necessidade de introduzir
mais direcionamento e coerência na definição de nosso campo po-
tencial de investigação.
Onde fica o “comportamento” em relação a tudo isso? Ele tam-
bém deve ser enfocado em uma nova perspectiva: em vez de locali-
zar o “social” no comportamento nós devemos localizar o compor-
tamento no “social”. Em livros de texto e em outras publicações, o
comportamento social é, geralmente, considerado como qualquer
outro tipo de comportamento; a única diferença é que o comporta-
mento social, presumivelmente, inclui características sociais sobre-
impostas. É considerado como determinado pelas mesmas causas
psicológicas dos outros tipos de comportamento e pelos mesmos
sistemas de estimulação física. Do ponto de vista da presente dis-
cussão, o comportamento social deve ser visto como um problema
próprio e específico. Sua característica essencial é que ele é simbó-
lico. Os estímulos que deslancham o comportamento social e as
respostas que dai resultam são elos em uma cadeia de símbolos; o
comportamento expressa, pois, um código e um sistema de valores
que são uma forma de linguagem; ou, poder-se-ia até, talvez, dizer
que é o comportamento como tal que constitui a linguagem. Ele é
essencialmente social e criado por relações sociais; na realidade,
não poderia existir simbolismo confinado apenas a um indivíduo ou
a um indivíduo confrontado com objetos materiais.
164
idéia de uma ciência, a não ser que ela também se torne perigosa.
165
3 - HISTÓRIA E A ATUALIDADE DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
166
Tais coisas, que nos parecem estranhas e perturbadoras, têm
também algo a nos ensinar sobre a maneira como as pessoas pen-
sam e o que as pessoas pensam. Tomemos, por exemplo, essa es-
tranha e desconhecida doença, Aids. As conversações e a mídia
foram rápidas em se apoderar dela e, imediatamente, a cataloga-
ram como a doença vingadora de uma sociedade permissiva. A
imprensa a representou como uma condenação de “comporta-
mentos degenerados”, a punição de uma “sexualidade irrespon-
sável”. A Conferência dos Bispos do Brasil se colocou contra a
campanha para o uso de preservativos, descrevendo a Aids como
“uma conseqüência da decadência moral”, a “punição de Deus” e a
“resposta da natureza”. Houve também uma série de publica-
ções afirmando que o vírus tinha sido produzido pela CIA para ex-
terminar populações indesejáveis e assim por diante. Esse exem-
plo mostra (como outros poderiam mostrar do mesmo modo) a fre-
qüência com que circulam idéias ou imagens incríveis e alarman-
tes que não podem ser detidas nem pelo bom senso nem pela lógi-
ca. E evidente que um tipo de funcionamento mental que confirme
claramente essa irracionalidade fez nascer muita pesquisa. E isso
nos conduz ao cerne da questão.
Podemos sintetizar os resultados de tal pesquisa dizendo que,
não para nossa grande surpresa, eles mostram que a maior parte
das pessoas prefere explicações populares a explicações cientifi-
cas, fazendo correlações enganadoras que fatos objetivos são in-
capazes de corrigir. Em geral as correlações não levam em consi-
deração as estatísticas que desempenham papel tão amplo em
nossas decisões e discussões cotidianas. Distorcem a informação
que lhes é acessível. Além disso, como já foi dito repetidamente
sem que ninguém contestasse, as pessoas aceitam acima de tudo
aqueles fatos ou percebem aqueles comportamentos que confir-
mam suas crenças habituais. E as pessoas procedem assim mes mo
quando sua experiência lhes diz “está errado” e a razão lhe diz “é
um absurdo”. Deveríamos tomar tudo isso com moderação, ar-
gumentando que as pessoas são vitimas de preconceito, são en-
ganadas por alguma ideologia ou forçadas por algum poder? Não,
os fatos são por demais generalizados para que nos contentemos
com tais explicações e finjamos que não sentimos algum descon-
forto ao ver até que ponto o Homo sapiens, o único animal dotado
de razão, mostrou ser irracional.
É possível compreender esses fatos, repito, mas sem deixar de
pensar que eles têm conseqüências para as relações entre as pes-
167
soas, para as opções políticas, para as atitudes com respeito a ou-
tros grupos e para a experiência do dia-a-dia. Poderia continuar
trazendo à consideração o racismo, as guerras étnicas, a comuni-
cação de massa e assim por diante. Mas a questão mais chocante é
a seguinte: Por que as pessoas pensam de maneiras não-lógicas e
não-racionais? Uma questão preocupante, muito preocupante.
Sem dúvida alguma, é uma questão que compete à psicologia so -
cial e necessito explicar brevemente por que assim é.
A partir do ponto de vista do individuo, houve uma concor-
dância, penso que desde Descartes, em que as pessoas têm a ca-
pacidade de pensar corretamente sobre a evidência a elas apre-
sentada pelo mundo externo. Por um lado, estão em uma posição
de distinguir a informação acessível e, por outro lado, a partir do
conjunto de premissas referentes à informação, as pessoas sabem
como chegar a determinada conclusão . Seria, supõe-se, uma ques-
tão de seguir regras lógicas, das quais a mais importante é a da
não-contradição. Desde que tal raciocínio e conclusão sejam cor-
retos, pode-se também considerar que o modo como as regras e
procedimentos lógicos foram aplicados fornece a melhor explica-
ção das crenças persistentes e do conhecimento. Mas a partir do
momento que se percebe que o raciocínio é falso e a conclusão é
errada, deve-se procurar outras causas para a má aplicação das re-
gras, causas não-lógicas que podem explicar por que os indivíduos
cometem erros. Entre essas causas estão, em primeiro lugar, os
problemas afetivos, mas, sobretudo, as influências sociais que irão
submeter o aparato psíquico a pressões externas. As influências
sociais irão encorajar as pessoas a ceder diante dos hábitos, ou
afastar-se do mundo externo, de tal modo que sucumbam aos en-
ganos ou à satisfação de uma necessidade imaginada.
Descobrimos, por conseguinte, uma dualidade que está na
raiz da maioria das explicações nesse campo pode ser descrita em
poucas palavras: nossas faculdades individuais de percepção e
observação do mundo externo são capazes de produzir conheci-
mento verdadeiro, enquanto fatores sociais provocam distorções
e desvios em nossas crenças e em nosso conhecimento do mundo.
Detenhamo-nos por um instante sobre a natureza vaga dessa
dualidade e examinemos as três maneiras em que é expressa.
Primeiro, pela idéia de que alguém atinge os verdadeiros proces-
sos do conhecimento quando esses processos são pensados den-
tro do individuo, independentemente de sua cultura e, concre-
tamente, de qualquer cultura. Nesse sentido, como escreve Geli-
168
ner, “cultura, um conjunto partilhado de idéias, válido simples-
mente porque elas constituem os bancos conceituais conjuntos de
costumes de uma comunidade em ação, é rejeitada. É rejeitada
porque é uma cultura. Sua origem social e comum é sua mácula
fatal” (1992: 18).
Em segundo lugar, há a convicção, expressa principalmente
na psicologia da massa, que as pessoas reunidas em um grupo po -
dem ser consideradas como sofrendo mudanças em suas qualida-
des psíquicas, perdendo algumas e adquirindo outras. Ou, mais
precisamente, assume-se que as pessoas se comportam de ma-
neira correta e racional quando sozinhas, mas tornam-se imorais e
irracionais quando agem em grupo (Moscovici, 1985). Finalmen-
te e mais recentemente, à luz da pesquisa que mencionei antes, a
pessoa comum, o “noviço”, tem a tendência de desprezar a infor-
mação dada, de pensar de maneira estereotipada, não conseguin-
do levar em conta os erros a que isso induz. Em outras palavras, a
pessoa comum é, como dizem, um miserável, cognitivamente fa-
lando (“cognitive miser”).
Aqui está uma imagem pouco lisonjeira da maneira como as
pessoas pensam e agem quando colocadas juntas na sociedade a
que pertencem. Não creio em um tipo de debilidade mental que é
invocada e reconhecida através do que se parece a um conjunto
de crenças habituais, de desvios ou distorções de nosso conheci-
mento do mundo que surpreende ou escandaliza. Mas o fato é que
isso se apresenta como os sintomas de uma psicopatologia de ori-
gem social. Devo acrescentar que isso não é uma metáfora, lem-
brando que a psicologia social foi, por muito tempo, igualada, por
esse motivo, a psicologia patológica. Isto é expresso no próprio ti-
tulo de uma famosa revista dos Estados Unidos: o Journal of Ab-
normal and Social Psychology.
Essa associação provém também, e talvez principalmente, do
fato de que psicólogos como Freud, Jung e Janet, que tanto contri-
buíram para a psicopatologia, dedicaram também importantes li-
vros e artigos à psicologia coletiva. Era evidente para eles, como
para muitos outros, que o pensamento normal dos grupos tem sua
contrapartida nas anomalias mentais dos indivíduos. E isso vale
para as massas civilizadas, as assim chamadas sociedades primiti-
vas ou religiões exóticas. Embora falemos sobre isso de maneira
menos clara, ou sejamos menos conscientes disso, essa relação en-
tre pensamento coletivo e pensamento patológico está também ins-
crita em nossas teorias e métodos de observação. Isso significa que
169
finalmente razão e sociedade ou cultura são antitéticas. Como uma
conseqüência, a auto-suficiência total do individuo acaba sendo re-
presentada como a situação de referência e a norma, enquanto a as-
sociação de indivíduos na unidade social se toma uma situação de-
rivada, uma situação de dependência em relação a um ambiente
que modifica essa norma em um sentido positivo ou negativo.
Ao curso dessa discussão, contudo, há algo que seguramente
nos ajudará a surpreender-nos, o que me obriga a fazer um comen-
tário adicional. Nós não apenas aceitamos que é absolutamente
normal que exista uma dualidade entre as formas de pensamento
não-social e as formas de pensamento e de crença compartilhadas.
Nós também assumimos que os conceitos e leis das primeiras ser-
vem como a referência para as Ultimas. Como observam Wyer
&Stull (1984), “Esse raciocínio significa que os processos impli-
cados em lidar cognitivamente com acontecimentos não-sociais
são mais simples e conceitualmente mais fundamentais que os
processos implicados nos acontecimentos sociais. O estudo do pro-
cessamento cognitivo no contexto dos estímulos não-sociais fornece
um fundamento sobre o qual os princípios sociais cognitivos mais
complexos podem ser construídos” (p. 25). E desse pressuposto,
o mais limitador e também o mais desprovido de fundamento, que
nós necessitamos tentar nos libertar. De qualquer modo, é somen-
te no contexto de uma psicologia diferente que nós podemos eluci-
dar os sentidos dessas formas de pensamento e crença comuns.
É também acertado mostrar que as coisas estão mudando. A
supremacia do social é mais e mais reconhecida nos campos da
epistemologia, linguagem e psicologia social. Pessoalmente, estou
convencido de que essa é uma tendência que irá se aprofun dar.
Entretanto, não teria escrito esse capitulo se não estivesse co n-
vencido que não é suficiente reconhecer a supremacia do social
como se isso fosse uma esmola, mesmo no sentido de um consenso
geral. Acima de tudo, nós precisamos recuperar a perspectiva teó-
rica que pode iluminar esses fenômenos surpreendentes como
uma parte normal de nossa cultura e de nossa vida em sociedade.
Tomando tudo em consideração, é uma questão de reformular a
polaridade do individuo e da sociedade em termos mais claros e
definidos com mais precisão.
177
algo para produzir seu semelhante e é isso que é essencial. É desse
modo que uma categoria concreta de uma causalidade ativa é for-
mada, tanto na prática da cultura, como na prática da magia. Ou
repetindo, à medida que cada sociedade, por mais primitiva que
seja, divide e classifica seus membros, ela tende também, ne-
cessariamente, a classificar seres animados ou inanimados de a-
cordo com os mesmos critérios. Uma lógica de classificações é com
isso criada, que pode ser grosseira, mas não é menos rigorosa por
isso. Além do mais, religiões elementares esboçaram os princípios
básicos dos conceitos que, conforme Durkheim, tornaram possí-
veis a ciência e a filosofia.
A religião os tomou possíveis. É devido ao fato de a religião
ser uma coisa social que ela pôde desempenhar esse papel. Para que
os homens possam conseguir o controle das impressões sensoriais
e substituídas com uma nova maneira de imaginar4 o real, um novo tipo
de pensamento teve de ser criado: pensamento coletivo. Se
apenas o pensamento coletivo tem o poder de conseguir tal coisa. aqui
esta a razão: Criando todo um mundo de ideais, através dos
quais o mundo das realidades sensíveis pareceria transfi-
gurado, exigiria uma hiper-excitação das forças intelectuais
que é possível somente na e através da sociedade (Durkheim.
1912/1995: 239).
4Em s ua nova tradução, Karen Fields Vaduz représenter de Durkheim por imaginação (em
mules. imagining) (N. do T)
178
animal” (1912/1995: 44O). Essas são expressões fortes. Não pode-
mos nos queixar de que não sejam claras. Traçam uma fronteira
clara entre a psicologia individual e a psicologia social, ligando
cada uma delas a sua própria realidade e a suas formas distintas de
pensamento. Nessas circunstâncias e sem cair no banal, pode-se
concluir que, de acordo com o sociólogo, é obrigação da última,
isto é, da nossa ciência, conseguir uma compreensão mais pro-
funda das representações públicas e culturais. De acordo com
Durkheim, nossa ciência necessita estudar, através de compara-
ções de temas míticos, lendas, tradições populares e linguagens.
como as representações sociais estão ligadas ou se excluem,
como elas convergem ou se diferenciam umas das outras e assim
por diante (cf. Durkheim, 1895/1982).
As argumentações de Durkheim sobre esse ponto, a visão que
ele expressa da gênese coletiva de nossas crenças, de nosso co-
nhecimento e do que nos torna seres racionais de maneira mais
geral podem ser consideradas como discutíveis, ou mesmo desa-
tualizadas. O mesmo pode ser dito da influência das representa-
ções coletivas latentes sobre nossas representações individuais.
Mas permanece o fato de que elas são o único esboço de uma visão
coerente que continua a existir. Tal é também a opinião apresentada
recentemente pelo antropólogo Ernest Gellner sobre a solução do
problema com o qual nós estamos preocupados: “Não existe teoria
melhor disponível para responder a essa questão. Nenhuma outra
teoria realça o problema tão bem” (1991: 37). Além disso, a linha
geral do argumento interessa mais que os argumentos invocados
pelos críticos de Durkheim. E seguindo a linha que nos é demarca-
da, ao menos sabemos para onde estamos caminhando.
181
Podemos pôr fim a todos os equívocos que cercam a natureza
das representações no momento em que, daqui para frente, ao des-
crevermos os diferentes tipos de crenças, deixarmos de lado a ques-
tão de se necessitamos, para classificá-las, saber se elas são intelec-
tuais ou cognitivas e as juntarmos apenas de acordo com sua cone-
xão e sua aderência a uma sociedade ou cultura específicas. Devido a
várias razões, isso é até mesmo mais verdadeiro, conforme Lévy-
Bruhl, para as assim chamadas culturas primitivas, pois “o que é
concretamente” representação para nós, encontra-se combinado
com outros elementos de caráter emocional ou motor, colorido e
manchado por eles e, por isso, implicando uma atitude diferente
com respeito aos objetos representados” (1925/1926: 36). Todos os
símbolos presentes e ativos em uma sociedade obedecem tanto à
lógica do intelecto quanto à lógica das emoções, mesmo que estes
símbolos possam estar fundamentados em um principio diferente.
Afirmo que isso vale para qualquer cultura e não apenas para as as-
sim chamadas primitivas. Não devemos hesitar, portanto, em tratar
representações como construções intelectuais de pensamento,
embora relacionando-as às emoções coletivas que as acompanham,
ou que elas despertam. Quando fazemos discriminação contra um
grupo, expressamos não apenas nossos preconceitos sobre essa
categoria, mas também a aversão ou desprezo a que eles estão
indissoluvelmente ligados.
3) Um provérbio alemão diz que “o demônio está no detalhe”
e isso é também verdade com respeito as represen tações coleti-
vas. Evidentemente, elas compreendem idéias e crenças que são
gerais e as relacionam a práticas ou realidades que não o são.
Além disso, talvez seja legitimo concebê-las e apresentá-las como
uma ciência ou uma religião. Apesar disso, porém, é aconselhá-
vel procurar por essas representações entre os aspectos mais tri-
viais da linguagem ou comportamento, demorar-se sobre as in-
terpretações mais obscuras ou as metáforas mais fugidias, a fim
de descobrir sua eficácia e seu sentido. Se alguém, pois, as exa-
mina como um todo, as representações devem se mostrar como
continuas e internas tanto à sociedade como á realidade e não
como sua cópia ou seu reflexo. Nesse sentido, uma representa-
ção é ao mesmo tempo uma imagem e uma textura da coisa ima-
ginada que manifesta não apenas o sentido das coisas que coe-
xistem, mas também preenche as lacunas - o que é invisível ou
está ausente dessas coisas.
182
Lendo os livros de Lévy-Bruhl, ficamos surpresos com o talen-
to com que ele investigou conteúdos religiosos ou com que des-
creveu rituais e, além disso, pelo exame minucioso de suas ramifi-
cações nas expressões lingüísticas, o uso de números, o compor-
tamento para com os doentes ou as atitudes com respeito à morte.
Desse modo, uma compreensão das assim chamadas representa-
ções primitivas aumenta progressivamente à medida que as ve-
mos fincando raízes na vida concreta do povo. Entre os pesquisa-
dores contemporâneos dentro desse campo somente Denise Jode-
let (1989/1991, 1991a) demonstra um cuidado semelhante.
Isso, contudo, não se relaciona com o método, mas como pró-
prio conceito, que assume um sentido diferente. É isso que Husserl
viu com clareza ao escrever em uma carta a Lévy-Bruhl a 11 de mar-
ço de 1935 (a data aqui é importante):
Na verdade nós sabemos há muito tempo que todo ser humano
possui sua “representação do mundo”, que cada nação, cada
esfera cultural supranacional vive, por assim dizer, em outro mundo di-
ferente daquele que as circunda e nós também sabemos que isso é assim
para cada época histórica. Mas confrontados com essa generalidade va-
zia, seu trabalho e o excelente tema por ele tratado nos faz ver algo
tão surpreendente devido a sua novidade; é, com efei to, pos-
sível e absolutamente crucial tomar como tarefa “sentir a partir de
dentro” uma humanidade fechada vivendo em uma sociedade ativa e
generativa, para compreendê-la, pois ela contém um mundo
em sua vida social uniforme e, com base nisso, ela assume esse mundo
não simplesmente como uma “representação do mundo”, mas como o
próprio mundo existente. Chegamos, desse modo, a apreender,
identificar e pensar seus costumes e, conseqüentemente, sua lógica
bem como sua ontologia e, através de suas correspondentes ca-
tegorias, as do mundo circundante.
184
devemos, então, rejeitar de antemão toda idéia de reduzir as opera-
ções mentais a um único tipo, sejam quais forem os povos que estão
sendo considerados, e dar conta de todas as representações coleti-
vas através de um funcionamento psicológico e mental que é sem-
pre o mesmo” (1925/1926: 28). Esse é um sábio conselho que nos
autoriza, na frase de Husserl, a “sentir a partir de dentro” como a
mentalidade é moldada e como, por sua vez, ela molda, não a socie-
dade em geral, mas essa sociedade da Melanesia, ou essa sociedade
indígena, ou européia. Isso poderia ser mostrado em detalhe, mas
essa não é a ocasião de se fazer isso. No entanto, podemos com-
preender o sentido pleno da distinção entre dois modos de pensar e
representar, prestando atenção á psicologia social que deles e-
merge, em particular a das assim chamadas culturas primitivas,
que está fundamentada em três idéias principais.
Primeiro, a idéia que as representações não-científicas dessas
culturas estão embebidas em uma ambiance que sensibiliza as
pessoas á existência de entidades invisíveis, sobrenaturais, em
uma palavra, “místicas”. Essas entidades “místicas” dão um colori-
do a todos seus modos de pensar, sugerindo ligações precoces en-
tre as coisas representadas. Elas também tornam os indivíduos
impermeáveis aos dados da experiência imediata. Em segundo
lugar, há a idéia que a memória desempenha um papel mais impor-
tante nessas culturas do que nas nossas. Isso significa que o mun-
do das percepções mediadas e interiores domina o mundo das
percepções diretas e exteriores. Finalmente, a terceira idéia é que
as pessoas que criam essas representações e as colocam em práti-
ca não são constrangidas, como nós, a “evitar a contradição” (Lévy-
Bruhl, 1925/1926: 78). Pelo contrário, são forçadas a seguir a lógi-
ca regulada pela lei da participação, que lhes permite pensar o que
a nós é proibido, isto é, que uma pessoa ou uma coisa pode, ao mes-
mo tempo, ser tanto ela mesma, ou alguém ou alguma coisa dife-
rente.
189
lhes está por detrás. De qualquer modo, logo no inicio desses anos
cruciais, a noção de representações coletivas começou a moldar sua
visão de vida mental, sua mediação lingüística e seu conteúdo soci-
al. O encontro de Vygotsky com as categorias de Lévy-Bruhl deu a
Luria um sentido concreto e permitiu a Vygotsky formular uma
teoria do desenvolvimento cultural humano. Essa teoria original
leva a marca de Vygostky mesmo que eu, pessoalmente, não
esteja inclinado a lhe dar tanto valor cientifico como outros lhe
dão. Além do mais, essa teoria propõe, ao contrário da de Piaget,
uma evolução descontínua das representações coletivas.
Seja como for, uma vez feita a conexão, Vygotsky e Luria fo-
ram os primeiros a tentar uma prova experimental em uma pro-
porção verdadeira, o que ninguém havia tentado anteriormente.
Como conta Luria em suas memórias: “Os dados em que Levy-
Bruhl se apoiava, bem como seus críticos antropológicos e socio-
lógicos - na verdade os únicos dados disponíveis a alguém na-
quela época - eram anedotas coletadas por exploradores e missio-
nários que tinham entrado em contato com esse povo exótico du-
rante as suas viagens” (1979: 59). Portanto, eles tiveram a idéia de
planejar o primeiro estudo de campo em uma escala relativamen-
te ampla sobre as representações dos Uzbeks na Asia Central no
início da década de 1930: “Embora pudéssemos fazer nossos es-
tudos nas aldeias russas remotas, escolhemos para nossos campos
de pesquisa as vilas e regiões nômades do Ezbekistão e Ásia Cen-
tral, onde grandes discrepâncias entre formas culturais prometi-
am maximizar a possibilidade de descobrir mudanças nas for-
mas básicas, bem como no contexto do pensar das pessoas” (Luria,
1979: 60).
Podemos ver que esse vasto projeto procurou explorar em ni-
vel coletivo entre os nômades o que Piaget explorou em nível indi-
vidual entre as crianças. Eles tinham intenção de compreender as
transformações psicológicas que ocorriam em uma população liga-
das a sua religião e vivendo de um modo tradicional, mas que pas-
savam por uma profunda metamorfose a um nível social e cultural
como conseqüência da revolução. Os antigos referenciais de vida
se desintegraram, a hierarquia havia desaparecido, escolas haviam
sido abertas em numerosas aldeias, enquanto vários produtos
tecnológicos apareceram, descontrolando a economia tradicional.
Esse estudo, publicado somente muitos anos depois(Luria
1976), confirmou, do meu ponto de vista, a conjetura de Levi-
Bruhl e por isso deu à teoria de Vygotsky do desenvolvimento cul-
190
tural e histórico uma sólida fundamentação. Mas, a um nível mais
profundo, Vygotsky e Luria permaneceram mais fiéis que Piaget
aos cânones da psicologia individual face ao conceito de represen-
tações coletivas e fizeram um uso menos criativo da análise psico-
lógica do pensador francês. Existe aqui uma inversão: o conceito
de Piaget de desenvolvimento está mais distante de Levi-Bruhl,
enquanto o conteúdo de sua psicologia está mais próximo dele,
quanto com Vygotsky é exatamente o oposto. Como irmãos rivais,
eles compartilham o mesmo fundamento científico, embora sendo
totalmente opostos entre si. Espero que algum dia epistemólogos
com mais tempo que eu se interessem por essa relação peculiar.
O que parece importante aqui é que durante os anos em que
sua própria saúde piorou, bem como a saúde da revolução socia-
lista, Vygotsky foi atacado porque sua teoria do desenvolvimento
histórico e cultural, portanto, sua psicologia, devia muito às repre-
sentações coletivas e aos escritos de Durkheim e Lévy-Bruhl refe-
rentes a elas. Em um recente artigo, o psicólogo russo Brushlinky
(1989) reviu novamente essas críticas relativamente corretas e
defendeu Rubinstein, que estivera entre aqueles que fizeram tais
críticas, pois ele, por sua vez, se tornou vitima delas. Mas algo mais
surpreendente é o silêncio, se não a leviandade, com que os melho-
res especialistas que estudam o grande psicólogo russo (Wertsch,
1985) passam por cima de suas obras como se fosse uma questão
de anedota e não um momento essencial na história da psicologia
contemporânea, a tal ponto que as idéias e a pesquisa de Vygotsky
sobre desenvolvimento histórico e cultural, mesmo sobre lingua-
gem, pareçam ter surgido em sua cabeça do mesmo modo que a
deusa Atenas surgiu do cérebro de Zeus, através de uma filiação
miraculosa. Algumas poucas alusões a Mead ou Marx não tornam
essa aparição menos miraculosa; ao contrário, servem para obscu-
recer sua gênese concreta. Suspeito que essa cegueira para com a
conexão histórica efetiva seja devida a algo bem mais profundo
que uma simples negligência pela verdade.
Tal cegueira é o resultado - mesmo naqueles que estão con-
vencidos que os fenômenos psicológicos não devem ser reduzidos a
fenômenos orgânicos ou individuais e naqueles que demonstram
uma simpatia pelo social - de todavia verem tal desenvolvimento
em relação ao individuo, ou quando muito como uma forma de inter-
subjetividade. Desse modo, eles não conseguem ver com clareza
nem os limites do marxismo nas questões psicológicas, nem em
que sentido a abertura para um Durkheim ou para um Lévy-Bruhl
191
foi uma oportunidade única para os pensadores russos confronta-
dos com uma situação histórica extraordinária, em que eles esta-
vam plenamente conscientes dos riscos que estavam assumindo e
pelos quais eles pagaram as conseqüências, Esse é ainda um aspec-
to parcial da representação (Darstellung) que nos interessa. O que
realmente interessa é que à medida que se tornaram um conceito
preciso, as representações sociais inspiraram uma psicologia dos
“primitivos” que era nova e não-individualista (Davy, 1931). E isso,
por sua vez, abriu caminho para a psicologia da criança de Piaget e
para a psicologia das funções psicológicas superiores de Vygotsky.
Não se pode, pois, aceitar que não houvesse aqui uma noção ver-
dadeiramente especifica do social capaz de dar à psicologia da
representação seu conteúdo legítimo Não é esse, fundamental-
mente, o espírito que deveria predominar nas ciências humanas e
na psicologia social de maneira particular? Talvez não seja correto
continuar insistindo sobre posturas que já foram ultrapassadas há
tempo, a fim de se poder avançar. Por razões óbvias, não trouxe à
consideração o desenvolvimento de algo cujos traços são percebi-
dos na moderna epistemologia. Mas, lendo o livro de Fleck
(1935/1979), podem ser entendidos tais traços, mencionados pelo
próprio autor. Uma vez mais, eles levam a Lévy-Bruhl, de modo
marcante, se não exclusivo. De modo particular, o conceito de re-
presentação coletiva é expresso através da noção do estilo de pen-
samento de um coletivo usado por Fleck. E nós sabemos que o
livro de Fleck encontrou eco na teoria de Thomas Kuhn e na sua
epistemologia da ciência.
194
ordinário interesse nas representações coletivas, houve um perío-
do de reserva, até mesmo de abandono. Elas se mostram como no-
ções explicativas apenas com respeito a sociedades cujas cren-
ças, materializadas em instituições, linguagem e moral, têm cará-
ter de obrigatoriedade e são centradas no universo humano, ou,
para emprestar um termo de Piaget, são sociocêntricas. Elas não
poderiam, portanto, como viu claramente Bergson, ter validade
para além das sociedades fechadas ou totais, tais como uma
nação ou uma tribo. Ainda mais, dentro da concepção positivis-
ta que então predominava, a ciência e as técnicas racionais das so-
ciedades modernas, embora derivadas de um pensamento religio-
so, tinham um caráter objetivo e individual.
Foi aqui que Fleck viu corretamente uma incongruência, ou,
quanto a isso, uma contradição, pelo fato de propriedades objeti-
vas dependerem das condições particulares de uma sociedade,
tanto quanto dos seus modelos de pensar. E ele não foi o único,
pois Piaget escreveu, com relação a Durkheim, que sustentava ao
mesmo tempo tanto o caráter sociocêntrico das representações
coletivas, como o caráter individual da ciência:
Se ele foi capaz de manter duas posições tão incompatíveis,
é obviamente porque, em vez de proceder à análise de diferentes ti-
pos de interações sociais, ele retrocedia constantemente a
linguagem global da “totalidade”. Portanto, a fim de demonstrar a
natureza coletiva da razão, ele alternava entre dois tipos de
argumento, na verdade muito diversos, mas usados simultaneamen-
te sob a capa dessa noção indiferenciada de totalidade social exer-
cendo pressão sobre o individuo (Piaget, 1965/1995: 72).
5Ao falar de representações sociais em lugar de representações coletivas, quis romper com
as associações que o termo coletivo tinha herdado do pass ado e também com as In-
terpretações sociológicas e psicológicas que determi naram sua natureza no procedimento
clássico.
196
como de mais valor e poder que as formas consensuais. Nada aqui
justificaria colocá-las onde elas deveriam estar, livres da depen-
dência do social. Para me repetir, é claro que elas incluem alguma
representação social. Conseqüentemente, o postulado da reduti-
bilidade, isto é, o postulado de uma eliminação de crenças e co -
nhecimento comum pela ciência como um telos do desenvolvi-
mento individual e social, deve ser abandonado. Nesse sentido,
dentro de urna dimensão social, a ciência e o senso comum - cren-
ças em geral - são irredutíveis um ao outro, pelo fato de serem mo-
dos de compreender o mundo e de se relacionar a ele Embora o
senso comum mude seu conteúdo e as maneiras de raciocinar, ele
não é substituído pelas teorias científicas e pela lógica. Ele conti-
nua a descrever as relações comuns entre os indivíduos, explica
suas atividades e comportamento normal, molda seus intercâm-
bios no dia-a-dia. E ele resiste a qualquer tentativa de reificação
que transformaria os conceitos e imagens enraizados na lingua-
gem em regras e procedimentos explícitos (Farr, 1993).
Creio que fui um dos primeiros a defender a irredutibilidade do
senso comum à ciência, o que se tornou hoje uma posição filosófi-
ca, caracterizando uma parte da ciência cognitiva. Mas enquanto
as razões invocadas por Fodor, Dennett, Putnam e outros são de
uma ordem lógica, eu continuo a pensar que a razão verdadeira
é uma razão psicológica. De qualquer modo, devemos dizer que
renunciando ao mito da racionalização total, isto é, da assimilação
de todas as representações sociais por representações cientificas,
do universo consensual pelo universo reificado, implica abando-
nar outra idéia partilhada por muitas ciências humanas e em parti-
cular pela psicologia. Quero dizer, a idéia de que se vê uma ascen-
são de pensamento, da percepção à razão, do concreto ao abstra to,
do “primitivo” ao “civilizado”, da criança ao adulto, etc., à medida
que nosso conhecimento e nossa linguagem se tornam pro -
gressivamente mais descontextualizados. Ao contrário, o que ve-
mos é uma descida de pensamento, isto é, um movimento na dire-
ção oposta, à medida que nosso conhecimento e linguagem circu-
lam e se tornam contextualizados na sociedade. Isso é totalmente
normal, pois, como disse Maxwell, o abstrato de um século se torna
o concreto de outro. As mudanças e transformações têm lugar
constantemente em ambas as direções, as representações se co-
municam entre si, elas se combinam e se separam, introduzem
uma quantidade de novos termos e novas práticas no uso cotidia-
no e “espontâneo”. Na verdade, as representações sociais diaria-
197
mente e “espontaneamente” se tornam senso comum, enquanto
representações do senso comum se transformam em representa-
ções científicas e autônomas. Um exemplo desse primeiro tipo de
transformação é a difusão de idéias e explicações biológicas em
relação à ecologia ou à Aids (Herzlich, 1973; Marková & Wilkie,
1987) e do segundo tipo, em teorias da personalidade, ou do caos e
assim por diante.
Deixemos de lado essa distinção entre ascensão e descida de
representações sociais e reconheçamos como o conhecimento po -
pular do senso comum fornece sempre o conhecimento que as
pessoas têm a seu dispor; a própria ciência e tecnologia não hesi-
tam em emprestar dele quando necessitam uma idéia, uma ima-
gem, uma construção. Não há nada de surpreendente, pois se o
conhecimento comum permanece na base de todos os processos
cognitivos, o que coloca um problema teórico e empírico do ponto
de vista do conhecimento. Se um psicólogo fala de uma personali-
dade extrovertida ou de um protótipo, se um biólogo lembra infor-
mação e seleção, ou ainda se um economista raciocina em termos
de mercado e competição, cada um deles, dentro de sua própria
especialidade, apela para conceitos tirados de sua herança, das
fontes do conhecimento comum das quais ele nunca se separou.
Vemos como até mesmo a maneira de nomear e comunicar esses
elementos da ciência pressupõe e conserva um elo como conheci-
mento do senso comum (Moscovici, 1961/1976; Herzlich, 1973;
Fleck, 1935/1979; Flick, 1998).
Poderíamos deixar de comentar o profundo interesse que es-
se fenômeno possui para a psicologia social? E não é essa, precisa-
mente, a dificuldade com respeito às representações coletivas, o
fato de elas serem compreendidas, na prática, de maneira indireta
através de sistemas de crença e conhecimento codificados pelas
instituições, pela moral e pelas linguagens especializadas? Isso
acaba, de certo modo, por isolá-las do fluxo dos intercâmbios so-
ciais e por cortar operações psíquicas sem ser possível observar
como elas são articuladas na vida concreta. Em tais condições,
não é de se surpreender que essas representações devam apare-
cer tão “fechadas”, tão “totais” e que seja tão difícil aplicá-las á nos-
sa sociedade. Mas o argumento que estou apresentando me levou
a uma decisão clara. O senso comum, o conhecimento popular - o
que em inglês se chama de folk science - oferece-nos acesso di-
reto a representações sociais. São, até certo ponto, as represe n-
tações sociais que combinam nossa capacidade de perceber, infe-
198
rir, compreender, que vêm à nossa mente para dar um sentido às
coisas, ou para explicar a situação de alguém. Elas são tão “natu-
rais” e exigem tão pouco esforço que é quase impossível suprimi-
las. Imaginemos assistir a uma competição esportiva sem ter ao
menos uma idéia do que os atletas estão fazendo, ou ver duas pes-
soas se beijando na rua sem ter a menor idéia de que eles estão
enamorados. Essas interpretações são tão evidentes que nós
normalmente esperamos que todos concordem com a verdade do
que se passa diante de seus olhos.
Aprendemos a olhar as representações da física popular, bio-
logia popular ou economia popular com certo ceticismo. Mas
quem não tem uma representação que lhe permita compreender
por que os líquidos sobem em um recipiente, por que o açúcar se
dissolve, por que as plantas necessitam de água ou por que o go -
verno aumenta os impostos? Graças a essa física popular nós evi-
tamos colisões nas estradas, graças a essa biologia popular nós
cultivamos nossos jardins e essa economia popular nos ajuda a
procurar um modo de pagar menos imposto. As categorias da ci-
ência popular são tão espalhadas e irresistíveis que elas parecem
ser “inatas”. Fazemos uso de tal conhecimento e tecnologia todo o
tempo. Intercambiamo-los entre nós, os renovamos através do es-
tudo ou da experiência a fim de explicar as condutas com segurança
- e sem estarmos conscientes deles - e passamos boa parte do
tempo em que estamos despertos falando sobre o mundo, fazendo
planos sobre nosso futuro e sobre o futuro de nossos filhos como
uma função dessas representações.
Qual é o valor da ciência popular? Essa é uma questão filosófi-
ca que não me proponho discutir aqui, mas, como aponta o filóso-
fo Daniel Dennet com respeito a ela, todo o que se aventurar em
uma via expressa, deve julgar essa ciência confiável. O vasto campo
do senso comum, das ciências populares, nos permite agarrar es-
sas representações ao vivo, compreender como elas são geradas,
comunicadas e colocadas em ação na vida cotidiana. Para fazer
uma comparação, podemos dizer que esses campos oferecem um
material prototípico para explorar a natureza dessas representa-
ções, do mesmo modo que os sonhos oferecem um campo exem-
plar para todo o que quiser compreender o inconsciente. As repre-
sentações sociais perdem, então, o caráter derivado e abstrato as-
sociado com representações coletivas para se tornarem, de certo
modo, um fenômeno concreto e observável. Apesar de várias críti-
cas (Fraser & Gaskell, 199O), era e continua sendo minha convic-
199
ção que a psicologia social é mais que nunca a ciência das repre-
sentações sociais e ela pode descobrir nelas um tema unificador.
De qualquer modo, podemos ver como o senso comum e o co-
nhecimento popular nos oferecem esse campo privilegiado de ex-
ploração.
1) O que eu denominei de senso comum pós-científico é, como
todo conhecimento partilhado pela sociedade como um todo, en-
trelaçado com nossa linguagem, constitutivo de nossas relações e
de nossas habilidades. É um conjunto estruturado de descrições e
explicações, mais ou menos interligadas umas ás outras, da perso-
nalidade, da doença, dos sentimentos ou dos fenômenos nat u-
rais, que todas pessoas possuem, mesmo que não es tejam
cientes disso e que elas usam para organizar sua experiência,
para participar de uma conversação, ou para negociar como utras
pessoas. Ele é Umgangsdenken (pensamento cotidiano) associado
com Umgangssprache (linguagem coloquial), sem os quais a vida do
dia-a-dia é inconcebível. Até mesmo as crianças pequenas se apro-
priam facilmente - como Freud mostrou com respeito às teorias
sexuais das crianças - do conhecimento popular em uma idade em
que elas têm uma experiência limitada das atividades humanas,
permitindo-lhes deduzir tal conhecimento (Jodelet, 1989b).
Não podemos deixar de nos chocar com o seguinte contraste.
De um lado, estamos familiarizados com um bom número de ciên-
cias populares, as compreendemos, as usamos, renovamo-las fa-
cilmente através da conversação, lendo os jornais ou olhando tele-
visão. De outro lado, nós dominamos a muito custo uma pequena
parte do conhecimento científico ou tecnológico que empregamos
em nossa profissão, em nossa sobrevivência e na prática de toda
nossa vida. Em poucas palavras, como escreveu Chomsky:
A gramática e o senso comum são adquiridos virtualmente
por todos, sem esforço, rapidamente, de maneira uniforme, pelo
simples fato de viver em uma comunidade sob as mínimas condições
de interação, de exposição e de atenção. Não há necessida-
de de ensino ou treinamento explicito e, quando o Ultimo acontece,
tem apenas efeitos marginais no estágio final alcançado
(1975:144). Variações individuais são muito limitadas e,
em dada comunidade, cada pessoa adquire um estoque vas-
to e rico de conhecimento, comparável ao dos outros. Bergson es-
tava certo ao afirmar que o senso comum é “senso social” (1932/1935:
110).
200
2) Em contraposição às representações cientificas e ideológi-
cas, construídas de acordo com as demandas da lógica formal com
base em termos fundamentais, todos perfeitamente definidos, até
mesmo distintos, as representações do senso comum são, de um
modo ou de outro, “híbridas”. Isso quer dizer que idéias, expres-
sões lingüísticas, explicações de diferentes origens são agrega-
das, combinadas e regulamentadas mais ou menos como ciências
diferentes, em uma única ciência híbrida, como diversos idiomas
em uma linguagem crioula. As pessoas que partilham de um co -
nhecimento comum no decorrer de sua vida cotidiana não “racio-
cinam” sobre ele e não conseguem colocá-lo diante de si como um
“objeto”, ou analisar seus conteúdos colocando-o a certa distância
para “observá-lo”, sem que eles mesmos estejam implicados nisso.
Para apropriá-lo, eles devem fazer exatamente o oposto, devem
mergulhar no fluxo dos diferentes conteúdos, participar em sua
implementação concreta e esforçar-se para tomá-los acessíveis a
outros. Desse modo, seu conhecimento transformado assim em
conhecimento híbrido e seus vocabulários disparatados têm um
potencial semântico que não se exaure por nenhum uso espe cifico,
mas deve constantemente ser refinado e determinado com a ajuda
do contexto.
Deve ficar claro para nós que esses arranjos levam a dois re-
sultados que não coincidem de modo algum. O conhecimento co-
mum não apenas compreende crenças científicas ou religiosas.
Ele também as transpõe para imagens familiares, como se a possi-
bilidade de representar noções abstratas dominasse o processo.
Além disso, as representações sociais de diferentes origens são
condensadas em conhecimento comum, de tal modo que, confor-
me as necessidades, algumas podem ser substituídas por outras.
Se voltarmos ao exemplo da Aids, mencionado acima, pode-se di-
zer que as representações religiosas referentes á liberdade sexual
se combinam com representações médicas sobre as causas da do-
ença, ou com as representações políticas sobre a fabricação do
vírus pela CIA a fim de eliminar determinadas populações. Isso dá
uma impressão de uma colcha de retalhos cognitiva e social. Mas é
uma impressão falsa, pois do mesmo modo que nossa linguagem
habitual se fundamenta sobre o valor polissêmico de palavras e a
linguagem crioula é tão rigorosa como qualquer outra, assim tam-
bém as representações populares têm sua própria coerência e ri-
201
gor. Parece-me que o trabalho de Billig (1987) elaborou recente-
mente esses aspectos e esclareceu o que achei ter observado e
que era para mim apenas uma conjetura.
3) O senso comum continua a ser concebido predominante-
mente como um estágio arcaico de compreensão, incluindo uma
magnitude de conhecimento que não mudou durante milênios e
que nasceu de nossa percepção direta das pessoas e das coisas.
Ele, pois, se ajusta aos objetivos de nossa vida diária, com extraor-
dinário sucesso. Cerca da época em que sugeri que os psicólogos
sociais se interessaram pelo senso comum, o psicólogo Fritz Hei-
der (1958) começou a argumentar que as relações entre os seres
humanos são uma função de sua “psicologia ingênua”. Seria me-
lhor estudar a origem dessa psicologia ingênua que dá sentido a
nossa experiência Mas, como sabemos, isso foi feito começando
pela percepção que os indivíduos têm um do outro, sem levar em
consideração suas crenças, linguagem ou os sentidos implícitos
nessa linguagem. É curioso que Fritz Heider foi considerado como
sendo alguém que apoiasse essa concepção, pois suas análises
começam a partir de textos literários e filosóficos e não de análises
em laboratório. Seja como for, essa concepção dominante é acul-
tural e a-histórica. Seria incompatível com meu pressuposto. No
entanto, considerando-a como uma forma de representação so-
cial, pode-se reconhecer não apenas que ela possui traços cultu-
rais, mas também um caráter histórico. No primeiro estudo que fiz
nesse campo (Moscovici, 1961/1976), tentei mostrar que a ciência
popular não é a mesma para qualquer pessoa e para sempre. Ela é
modificada ao mesmo tempo em que as estruturas ou problemas
da sociedade com os quais as pessoas se confrontam também mu-
dam. Além do mais, idéias de escopo revolucionário nas ciências,
tais como as de Freud ou Marx, ou movimentos artísticos que ar-
rastam tudo consigo, são assimilados por muitas pessoas, deixan-
do uma impressão estável em sua maneira de pensar, de falar, de
compreender a si próprios ou de compreender o mundo em que
vivem. Eles podem ser impunemente venerados, pois, usados por
todos e incorporados às próprias estruturas da linguagem, as cate-
gorias e raciocínio da ciência popular são afetados por aqueles
que descobriram a psicanálise, a física, etc. Eles se comunicam
pouco a pouco e finalmente todos os consideram como sendo in-
dependentes e formando parte da "realidade".
Nós mesmos vemos as representações sociais se construindo
por assim dizer diante de nossos olhos, na mídia, nos lugares pú-
202
blicos, através desse processo de comunicação que nunca aconte-
ce sem alguma transformação. Mesmo quando a mudança afeta o
sentido, os conceitos, as imagens, ou a intensidade e associação
das crenças, no seio de uma comunidade, ela é sempre expressa
em representações (De Rosa, 1987). Todo o que menosprezar esse
fato, nunca irá construir uma teoria psicossocial do pensamento e
da ação. O antropólogo francês Dan Sperber (199O) formulou uma
interessante teoria da comunicação de representações. Ele as vê
como sendo geradas através de um processo de difusão epidemio-
lógica de representações individuais. Essa conjetura é difícil de
admitir, devido ao caráter intrinsecamente regulamentado e orga-
nizado de tal difusão. Em diferentes oportunidades, fomos capa zes
de experimentar a vantagem para nossa ciência de escolher o co-
nhecimento comum coma um campo de pesquisa e empreen der
uma comparação séria de uma forma com outra. Isso supõe que
nós consideremos tal conhecimento comum como o núcleo de
nosso universo consensual e reconheçamos nele um caráter histó-
rico, cultural e retórico, não permitindo que tal conhecimento seja
reduzido a traços empobrecidos, a esquemas e estereótipos sem
sentido. Parece-me importante enfatizar a linha entre ciência po-
pular, senso comum e representações sociais (ver também Flick,
1998), pois ela justifica, ao mesmo tempo, tanto o que eu restituí à
tradição desse conceito, como a maneira pela qual ele adquire
a importância que possui em nossa sociedade. E é devido ao fato
de as representações serem uma criação continua que nós pode-
mos compará-las in statu nascenti e compreende-las diretamen-
te e podemos propor oferecer uma teoria sua, isto é, não apenas
articular um conceito seu, mas descrever ou explicar essas repre-
sentações, enquanto um fenômeno social.
Conclusão
211
O estudo das representações sociais: uma nova
epistème6
Nos últimos trinta anos, toda uma série de enfoques foi desen-
volvida no campo da psicologia social para tentar esclarecer o
fenômeno das representações sociais. Trata-se claramente de um
tipo de fenômenos cujos aspectos salientes conhecemos e cuja
elaboração podemos perceber através de sua circulação através
do discurso, que constitui seu vetor principal. Tomemos o exem-
plo do desenvolvimento de representações relacionadas à Aids
(Jodelet, 1991b). As “teorias” elaboradas pelas discussões há dez
anos, antes da intervenção da pesquisa científica, não são as mes-
mas de hoje. No início, ela foi considerada como uma doença pu-
nitiva, castigando uma liberdade sexual que se tinha tornado exa-
gerada dentro do contexto de uma sociedade abertamente per-
missiva (Marková & Wilkie, 1987) e essa representação moral do
fenômeno, que se tornou um estigma social, foi repetida pelas au-
toridades religiosas. Mais tarde, emergiu entre algumas pessoas a.
idéia de uma conspiração, de modo especial entre minorias dos
EE.UU., apresentando a imagem de um “genocidio” perpetrado
pela classe dirigente dominante, branca e protestante. A questão
dos meios de propagação dessa conspiração foi, então, desenvol-
vida; proveio dai a emergência de teorias populares sobre sua
transmissão: se isso tinha acontecido através do sangue e esper-
ma, então por que não também através de outros líquidos corpó -
reos, tais como a saliva e o suor? Retorna-se, desse modo, a anti-
gas crenças sobre os “humores” (Corbin, 1977). O que é interes-
sante nesse caso é a conjunção entre discursos de medo e discur-
sos racistas, dando assim origem à permanência, se não à invari-
ância, de um tipo particular de representação social face á adver-
3. Temas e variações
240
Figura 4.1 -A função geradora dos temas
TEMAS: Idéias-fonte: "conceitos-imagem"
NOÇOES: Tópicos que geram sentido 'primitivo" e
representação na relação cultura-cognição
ANCORAGEM
Expressões em NOÇÕES
Na forma de TEMATIZAÇÕES cognitivas (“noemas falados” e topoi
argumentativos, lugares comuns, exemplos)
princípios
projetivos
ESQUEMATIZAÇÕES DISCURSIVAS
JOGOS ARGUMENTATIVOS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PRINCÍPIOS
NEGOCIAÇÕES NAS RELAÇÕES EU-OUTRO APLICATIVOS
regras máximas
cognições crenças
“culturas
246
5 – Caso Dreyfus, Proust e a Psicologia Social
7• As idéias desse artigo foram primeiramente apresentadas em uma confe rência no s emi-
nário geral da New School for social Research, Nova lorque.
247
não compartilham desses interesses. Dito com mais precisão, eles
relutam em devotar seu tempo e habilidades a tais empreendi-
mentos. Mas não necessitamos espantar-nos. Não pretendo criti-
car meus colegas, cujas motivações entendo perfeitamente bem,
principalmente porque a maioria deles, vivendo nos EE.UU., tema
sorte de possuir uma ampla comunidade cientifica e uma vasta
audiência, correndo, desse modo, menos riscos de ser atraídos ou
contaminados pelas preocupações das disciplinas afins. Na Euro-
pa, como todos sabemos, os limites são menos nítidos e a pressão
para responder As mesmas perguntas gerais são muito mais for-
tes. De qualquer modo, fica-se intrigado pela possibilidade de ex-
pandir nossas indagações para as áreas, digamos, da literatura ou
arte, história ou cultura, do mesmo modo como isso intriga sociólo-
gos, an- tropólogos e, certamente, psicanalistas. De qualquer mo-
do, uma coisa é certa. Existem menos chances de que os achados
de uma ciência possam criar um grande alvoroço ou ter muitas con-
seqüências, se ela volta as costas ao que acontece nessas áreas. Por
não to- mar parte em sua vida mental, ela não se comunica com
outras ciências e permanece uma disciplina de menor importân-
cia.
Voltemos aos nossos Gedankenexperiments. Eles podem ter
três diferentes finalidades. A primeira, é trazer à cena teorias psi-
cossociais existentes em lugar das teorias ad hoc excogitadat
por críticos literários, historiadores, ou sociólogos, para explicar
as relações humanas, os sentimentos ou o comportamento mos-
trado em novelas ou em peças teatrais. Pode-se estudar a dinâmi-
ca dos grupos imaginários ex atamente como se fossem grupos
concretos. Em segundo lugar, toda pequena história, novela ou
peça teatral contém um protocolo de observações feitas pelo au-
tor sobre uma classe de pessoas, eventos sociais importantes o
referencial mental de um período. E cada um desses protocolos
inclui, eu percebo, uma teoria psicológica e social que não foi expli-
citada. Conseqüentemente, ela nos fornece um ponto de partida
que nos ajuda a explicitá-la - como pude me convencer recente-
mente com respeito à psicologia da liderança e das massas Coun-
try Doctor de Balzac.
8
Em War and Peace. Tolstoi opõe Napoleão e Dutuzov, os dois tipos de lideres que defini
em The Age of Crowd (Moscovici, 1935) como totêmicos e mosaicos .
249
“Para realçar esses momentos irracionais”, escreve ele, da
esfera do mero instinto, a fim de torná-los racionalmente
perceptíveis e com isso colocá-los a serviço do progresso humano,
tal será a nova tarefa política da Ciência. As novas verdades políticas
terão seus fundamentos no psicológico. A humanidade está
prestes a deixar o período econômico de seu desenvolvimento e
entrar no seu período psicológico (Broch, 1979: 42).
250
Vejamos agora por que o caso Dreyfus e por que Proust. Gran-
des tempestades, grandes descargas de energia humana, grandes
rupturas de tensão na sociedade permanecem opacas aos con-
temporâneos e são vistas sob sua verdadeira luz somente depois de
algum tempo. Mas seu enigma nunca parece ter uma solução inques-
tionável. É isso que os torna fascinantes, que pode durar por um lon-
go tempo. O caso Dreyfus foi uma dessas grandes tempestades, uma
que rompe a tensão cujo enigma continua a nos fascinar quase um
século depois de acontecido. Vou sintetizar o caso Dreyfus breve-
mente. Devido à semelhança entre dois manuscritos, o capitão Drey-
fus, um oficial de carreira, foi acusado de vender informação militar
confidencial aos alemães. Depois de um julgamento sumário, foi con-
denado ao degredo e transportado à Guiana Francesa em 1894. Em
1896, outro oficial francês foi acusado de ser o verdadeiro culpado,
mas foi perdoado. Esse foi o inicio do caso Dreyfus. Em seu Souvenirs,
Leon Blum nos dá uma idéia disso quando escreve: “O caso foi uma
crise humana, não de tão amplas conseqüências, nem tão prolongada,
mas tão violenta como a Revolução Francesa ou a Grande Guerra”
(Blum, 1982: 35). Ele convulsionou o cenário político da França, con-
sagrou as novas relações sociais na Terceira República e trouxe à
tona a nova figura do nacionalismo moderno e do anti-semitismo. A
coisa é tão óbvia e tão bem conhecida que não vejo o que poderia
acrescentar ao que é de conhecimento comum.
Muitos livros foram escritos para discernir a verdade da falsi-
dade e para reconstruir o julgamento Dreyfus. Outros tentaram des-
crever e analisar a condição da sociedade francesa no tempo do acon-
tecimento, uma sociedade em que se travou uma das batalhas ideo-
lógicas e políticas mais ferozes do século dezenove. Mas que eu saiba,
nenhum deles se dedicou a analisar o movimento Dreyfus, iniciado
por uma minoria, um pequeno grupo de homens corajosos e hones-
tos. Gramsci foi uma das poucas pessoas que percebeu que esse é um
“tipo ideal” de movimento da sociedade contemporânea: “Há outros
movimentos histórico-políticos do tipo Dreyfus que podem ser en-
contrados, que são certamente não revoluções, mas que também não
são inteiramente reacionários Limas que indicam que havia forças
latentes efetivas na antiga sociedade que os antigos lideres não sou-
beram explorar” (Gramsci, 1971: 223). Não se faz muito para com-
preender a natureza de tais movimentos. E possuímos poucos estu-
dos históricos e sociológicos sobre as minorias que os promovem.
Mas, para alguém que está interessado, como eu, sobre sua psicologia
social (Moscovici, 1976), é difícil imaginar um caso mais iluminador
251
que o caso Dreyfus e uma minoria ativa mais exemplar que a que pri-
meiramente levantou o problema, depois o levou à vitória. Outra
coisa que não deve ser esquecida, muito ao contrário, é que muitos
documentos sobre o caso são acessíveis.
Isso não é tudo. Os escritos sobre o caso Dreyfus em que esses
documentos são recolhidos e analisados estão interessados com as
grandes batalhas políticas e ideológicas e com os acontecimentos
mais importantes do julgamento. Mantendo determinada tradição,
eles não mencionam a reação dessas batalhas e acontecimentos so-
bre a vida coletiva, sobre as várias relações tangíveis que foram esta-
belecidas ou enfraquecidas entre os grupos e as pessoas nessa ocasi-
ão. Refiro-me especialmente às relações estabelecidas ou enfraque-
cidas entre a minoria pró-Dreyfus9 e a maioria anti-Dreyfus. Uma
ilustração desse tipo de estudo foi oferecida pelo historiador francês
Le Roy Ladurie (198o) em seu livro sobre a caça às heresias no sudo-
este da França, onde ele mostrou quão importantes são essas rela-
ções tangíveis para uma correta compreensão dos fenômenos histó-
ricos e sociais. Com os documentos acessíveis, poder-se-ia, com o
mesmo método, reconstruir a vida coletiva durante o caso Dreyfus.
Poder-se-ia, digo, se isso não tivesse sido feito em grande parte por
alguns poucos escritores. Entre os melhores desses escritores temos
de colocar Marcel Proust, que o fez com suprema arte e inigualável
profundidade. Na verdade, ele o fez duas vezes, primeiro em Jean
Santeuil, no qual diversos capítulos constituem um protocolo de ob-
servações similares àquelas a que aludi, tanto sobre o julgamento,
como sobre as reações que ele acarretou; depois, mais visivelmente,
em Remembrance of Things Past, em que esse protocolo é recriado
por uma reflexão mais ampla e, se pudesse dizer, mais teórica. Não há
dúvida que é uma ficção, mas uma ficção cum fundamento in re (com
fundamento na realidade). Ela se mantém próxima à realidade his-
tórica pois, como foi notado, Proust aparece “como o maior histori-
ador dos costumes da Terceira República que tivemos até hoje” (De-
lhorbe, 1932: 87).
Como pró-Dreyfus e como judeu, por isso duplamente um
membro da minoria em questão, Proust quis recapturar a vida psí-
9
No francês foi cunhado o termo Dreyfusard para indicar os simpatizantes e defensores de
Dreyfus. Traduzimos o termo Dreyfusard por p ró-Dreyfus contrapondo-o assim a anti-Dreyfus já
empregado no texto (N. do trad.).
252
quica e social das pessoas que, com ele, acompanharam o evento -
um evento em que ele foi, desde o inicio, tanto testemunha como
ator. Sabemos que Proust esteve entre os primeiros escritores (Char-
le, 1977) - escritores marginais, na verdade (Reberioux, 1976; 1980)
- que defenderam a reconsideração do julgamento do Capitão Drey-
fus e tentaram convencer outros a se juntar a eles. Sua correspo n-
dência mostra quão profundamente o escritor estava interessado no
caso e nas suas conseqüências e também com os aspectos grosseiros
e intoleráveis de homens e da sociedade em geral que ele revelou.
Seja como for, sua novela é tanto um protocolo preciso e uma riqueza
de teorias que nos fazem compreender as relações e ações de seus
personagens sob aquelas dramáticas circunstâncias. Embora nunca
se coloque como o narrador em sua história, imediatamente os lan-
ces assumem o caráter de verdade histórica e realidade. As pessoas
muitas vezes falam erroneamente: “mais verdadeiro que a vida.” Com
relação a Proust, essas palavras são plenamente justificadas. Lendo
as partes de Remembrance of Things Past dedicadas ao caso, compre-
endi por que Leon Blum pode colocá-las entre as obras-primas da
literatura pró-Dreyfus, ao lado de J’acuse, de Zola, M Bergeret à Paris,
de Anatole France, e Journal, de Jules Renard, bem como Preuves, de
Jean Jaurés. Proust expressa, do mesmo modo que esses escritores,
uma paixão que é inteira e uma convicção desprovida de qualquer
complacência.
Todo leitor de Proust está familiarizado com nomes como Al-
bertine e Charlus, sabe que existe um estilo Swann e um estilo Guer-
mantes. O que dizer do caso Dreyfus? O leitor tem uma impressão
que ele é mencionado apenas de passagem como um episódio soma-
do a muitas tramas e acontecimentos. Mas eu defendo que essa im-
pressão não é suficientemente acurada. Primeiro, consideremos que
o caso é discutido no meio da novela, fica-se tentado a dizer em seu
centro. Isso é indicado pelo próprio Proust em uma carta a madame
Strauss, uma amiga de longa data, que acompanhou sua publicação
enferma em seu leito. Afinal, sabia ela dos tipos de personagens em
sua novela, que era, de certo modo, a história de sua vida? Aqui está o
que ele lhe escreveu em 1920:
O que me aborrece sobre esse estilo Guermantes é que ele
parece tão anti- ou pró-Dreyfus, por acaso, por causa dos
personagens que nele aparecem. É verdade que o volume
seguinte é tão pró-Dreyfus que ele será uma compensação,
porque o príncipe e a princesa de Guermantes são pró-
Dreyfus, do mesmo modo que Swann, embora o duque e a
253
duquesa não o sejam.
10 É claro que os criticas literários não deixam de mencionar o caso Dreyfus quando
discute Prous t. Depois de ler muitos del es, estou inclinado a acredi tar que eles compreen-
deram a influência do caso sobre sua vida melhor que sobre sua obra A partir de seus
escrita temos, as vezes, a sensação que esse importante acontecimento sucedeu próximo a
ele, sem atingi-lo como um homem, semi-judeu e como um artista. Os que o mencionam
relutam em insistir também e exami nam timidamente suas idéi as sobre o caso. Ver Del-
horbe (1932)”, R.L. Kopp (1971); 3.M. Cocking (1982).
254
dos quais se espera que venha, continuam mudando a toda hora.
Apesar das aparências, os universos de Balzac e Zola são estáveis, ou
procuram a estabilidade, depois das sublevações da Revolução Fran-
cesa e do Império, ou das perturbações do século dezenove; o mundo
de Proust é um mundo em transforma-cão. Os grupos e as ordens
sociais continuam sendo insensivelmente feitos e refeitos. Os cata-
clismos estão em ação nas profundezas. Ao contrário dos acidentes
da história, eles evocam as sublevações da cosmologia, quando o
único laço entre o antes e o depois é a permanência de um nome:
Swarm, Guermantes ou Charlus. Portanto, o reconhecimento não está
nunca definitivamente garantido, seguro. A todo momento temos de
lutar para mantê-lo novamente. Na verdade, como Max Weber escre-
veu: “O reconhecimento é um dever.” Isso significa que a pessoa que
o busca tem de conseguir toda qualidade física ou psíquica necessária
e preencher os requisitos estabelecidos pela sociedade. A questão
colocada às pessoas e gravada nas mentes daqueles que se engajam
nessa constante busca foi ironicamente expressa por Proust, em um
humor shakespeariano: “A questão não é, como para Hamlet, ser ou
não ser, mas pertencer ou não pertencer (en être ou ne pas en être)”
(G 231)”11. Essa questão marcante, que ele formulou no contexto
particular da homossexualidade, surge sempre de novo sob vários
disfarces na novela. Ela nos faz sentir em poucas palavras o dilema
com o qual nos deparamos vivendo com e entre outras pessoas pois,
como escreve ele: “Elas são todas manteiga e mel para as pessoas às
quais pertencem e não possuem palavras suficientemente más para
aquelas a quem não pertencem” (G 231)12.
É impossível traduzir mais clara e sucintamente nossa maneira
de comportar-nos em sociedade. Para responder a essa questão (que
é de crucial importância para a psicologia social, como sabemos),
Proust introduziu em sua novela uma teoria do fluxo humano. Como
11 M. Proust, Remembrance of Things Past, traduzido por C.K. Scott-Moncdeff (Lo ndres :
Ghana & Windus,1925). As citações são retiradas dessa edição principalmente em The Guer-
mantes Way (indicado pel a letra G nas páginas incidentalmente citadas) e Cities of the Plain
indicadas pela letra C)
12 Não é de se admirar que a busca de reconhecimento social tenha assumido tal impo rtân-
cia para Proust, pois ele é o des ejo de toda mi noria (ver Moscovici.1976). Ele mesmo mem -
bro de três minorias como um judeu, um homossexual e um pró -Dreyfus, experimentou e
viu as relações sociais desse tríplice ponto de vista.
13 Na verdade a teoria da recombinação social dos indivíduos e grupos em busca de um
reconhecimento que estou apresentando aqui é mais geral que as teori as de es tratificação
ou diferenci ação social. Ela pressupõe um constante movimento e mobilidade na sociedade,
enquanto que aquelas teorias consideram a sociedade como uma esp écie de molde, ou sis-
tema, em que os indivíduos e a grupos estão meramente situados um em relação ao outro .
255
em um maço de cartas, as pessoas são embaralhadas e separadas,
colocadas á parte e juntadas, de tal modo que as maiorias e as mino-
rias ou desviantes (nesse caso os pró-Dreyfus, judeus e ho-
mossexuais) são criados. Proust está consciente, e o diz várias vezes,
de que ele esboçou uma teoria desse fluxo. E somos autorizados a vê-
la como a verdadeira estrutura de sua novela. Mas sua visão de arte o
proíbe de explicá-la detalhadamente como um Tolstoi ou um Zola
teriam feito: “Uma obra em que há teorias é semelhante a um objeto
com a etiqueta do preço ainda nele presa”, escreve ele habilmente em
Time Regained (882). A melhor maneira de defini-la seria dizer que
é uma teoria do fenômeno da recombinação social dos indivíduos
nesse fluxo. Ela permite que se qualifiquem para um determinado
meio, de tal modo que pertençam a ele, en être. Como uma recombi-
nação genética, da qual emprestei a denominação, ela associa ao in-
divíduo alguns traços que não foram originalmente reconhecidos,
conforme seja ele conduzido através da sociedade junto com a maio-
ria, ou posto de lado junto com a minoria. Ele se toma assim diferente
do que era. Nesse caminho os grupos mudam seus componentes,
mesmo que algumas vezes incluam as mesmas pessoas. É importante
lembrar uma coisa: o fluxo é continuo e nunca congela em camadas
estáticas, diferenças ou relações”. “Devemos ter presente”, observa
Proust, “que as opiniões que temos uns dos outros, nossas relações
com amigos e familiares não são de forma alguma permanentes, sal-
vo na aparência, mas são eternamente fluidas como o próprio mar”
(G 37o).
Até mesmo a identidade de um indivíduo nunca é dada de uma
vez por todas, pois ela depende da percepção que outras pessoas têm
dele: “Não somos”, nota o escritor, “um todo materialmente constitu-
ído, idêntico para todos, que cada um de nós pode examinar como
uma lista de especificações ou um testamento: nossa personalidade
social é uma criação do pensamento de outras pessoas” (Swann’s
Way 23). Aqui está o exemplo banal de tal recombinação. Quando
Swann decide deixar a maioria, separar-se de seu meio anti-Dreyfus
e aproximar-se da minoria, em síntese, tornar-se um pró-Dreyfus,
testemunhamos sua metamorfose tanto mental como física. Ele a
assume com alivio e gratidão, também com alguma resignação. No
processo se misturam, junto com suas atitudes de gentleman, sua
maneira polida de falar e comportar-se, algumas características e
gestos já esquecidos e até mesmo nunca experienciados de seu pas-
sado judeu, até que ele se transforma em outra pessoa a seus pró-
prios olhos e aos dos outros. Retornaremos a esse ponto posterior-
256
mente.
13A recusa em perdoar um crime coletivo tem sua prov ável origem na teoria da conspir a-
ção. O i ndivi duo concreto ou s uposto, aderi ndo a uma gangue de cri minosos, ass ume
todos os crimes cometidos por seus cúmplices, tenha ou não participado deles .
257
ráveis de seu meio - seja o etilo Swann ou o estilo Guermantes - eles
são moldados por regras e normas com relação às quais eles se defi-
nem. Se acontecer de se tornarem vítimas da indecisão ou terem de
fazer uma escolha - veremos daqui a pouco a importância psicológica
disso - é o repertório de regras e normas que irá ditar suas decisões e
guiar suas escolhas. Na sociabilidade privada, por outro lado, os indi-
víduos são caracterizados por sua habilidade em corporificar ou do-
minar os símbolos, sua habilidade em transgredir as regras e normas
com a cumplicidade de outros. Eles são assim vulneráveis à paixão e
ao sofrimento, formam laços preferenciais de amizade, caem doentes
e até mesmo cometem a indecência de morrer. Portanto, o individual
aparece como uma sucessão de estados particulares cuja unidade
existe apenas na e pela memória. Para resumir o assunto, eu diria
que a sociabilidade pública pertence à dimensão do espaço e a so-
ciabilidade privada, à dimensão do tempo. A oposição implica, obvi-
amente, que alguém pode ser um pró-Dreyfus ou um anti-Dreyfus
apenas na esfera pública. Na esfera privada tal oposição é totalmente
sem sentido.
261
Na verdade o deslocamento coloca muitos problemas sócio-
psicológicos e eu não estou muito seguro de que a ciência os tenha
resolvido, ou mesmo os tenha discutido satisfatoriamente. Na verda-
de, desde então os judeus foram recebidos por toda parte e recebe-
ram, até mesmo, reconhecimento social, como Swann, foram assimi-
lados. Eles adquiriram os procedimentos, a aparência física, os nomes
apropriados, em síntese eles aprenderam a “ser como os outros”
(Berlin, 1981: 258). As pessoas se esqueceram como eles pareciam
antes. Os próprios judeus os esqueceram depois de ocultar suas ori-
gens e obedecer às regras em vigor por um longo tempo. Se você não
consegue descartá-los à primeira então a semelhança entre judeus e
não judeus se toma enigma no contexto do caso Dreyfus (É a mesma
coisa com a sem entre homossexuais e heterossexuais e Proust reto-
ma a isso vezes). Como podemos discernir que uma pessoa que é
você, apesar disso não parece ser como você? Como pode detectar
um judeu sob o disfarce de um pró-Dreyfus? Elaborando o que diz
Proust, nós nos damos conta que a semelhança coloca um duplo pro-
blema: o da percepção e o do reconhecimento.
O primeiro é o problema colocado a Mme. de Villeparisis, que
tem de detectar a presença de um judeu em seu salão a fim de con-
trolar seus movimentos. Se ao menos ela pudesse compreendê-lo!
Pouco, ou nada, à face ou diante da aparência de determinadas pes-
soas permite-lhe supor que ele é o tal. Ela não sabe, ou não lembra,
quais são as características distintivas. Ela apenas sabe que devem
existir tais características; a curva de um nariz, ou, até mesmo mais
indefinível, o tom de uma voz. Para sintetizar seu dilema: como pode
alguém decidir que o semelhante não é o semelhante? No que se re-
fere aos judeus, bem como aos homossexuais, o semelhante não é o
portador de um signe qui fait signe (sinal que produz um sinal),
que apenas os iniciados podem detectar. Nesse caso, escreve
Proust,
262
Logo que um indivíduo é percebido como um portador de tal
sin” um deles”, qu’il en est. Mas o sinal é invisível aos não-iniciados
(Deleuze, 1970). Então, essa é a questão de Proust: como perceber
o imperceptível, como devemos nos identificar como não-identifi-
cável, quando nós somos Mme. de Villeparisis e não um judeu co-
mo Swann, a duquesa de Guermantes e não um homossexual co-
mo o Barão de Charlus? Parece-me que a pesquisa sobre per-
cepção social não colocou o problema em termos tão sutis, nem
propôs uma resposta satisfatória. De qualquer modo, aqui está a
solução de Proust.
14“A opini~o pública francesa nos úl timos dois anos do século dezenove estev e ampla e in -
tens amente envolvida no caso Dreyfus, um tema que cristalizou nestas afirmativas de anti-
semitas com respeito à traição e conspi ração judaica e deu a tais afirmativas crédito e uma
aura de respei tabilidade ligando-as à causa do Exército e da Naç~o” (Wilson, 1976. 227).
268
sitar Marie-Aynard há alguns dias. Lá costumava ser tão agradável.
Hoje encontram-se ali todas as pessoas que gastamos a vida
toda tentando evitá-las, sob o pretexto de serem anti-Dreyfus (G
325).
271
um par de sapatos vermelhos" (G 394). Embora aborrecida por
Swann ter ouvido, ela tem de obedecer.
As duas dissonâncias expressam a tensão psíquica entre a so-
ciabilidade privada e pública, criada, nesse caso, pelo caso Drey-
fuss. A primeira dissonância é resolvida provisoriamente pela
pessoa. Contudo, a insistência do duque que sua esposa troque
seus sapatos mostra que apenas a regra convencional imposta
pelo meio social pode colocar um fim ao conflito. O capitulo ter-
mina apaziguando a todos, Swann e o narrador indo a suas casas e
os Guermantes a seu diner de gala. Uma vez mais a regra que, se-
gundo Proust, tem de prevalecer na vida social, prevalece: “Não
pode haver dissonância; diante do silêncio eterno, um acorde do-
minante!” (G 689). Como se pode ver, duas teorias sócio-
psicológicas, uma de ordem literária, outra de ordem científica,
parecem articular-se mutuamente a fim de revelar certa ordem
subjacente a um dos mais importantes enredos da novela15.
15 É difícil compreender esse lindo final se nos contentarmos em fazer como o faz
um historiador da literatura, que “a cena mais impressionante da hipocrisia social é a dos
sapatos vermelhos” (Kopp, 1971:45).
272
opinião, assumir uma posição. A pressão assim exercida sobre os
indivíduos resulta em que eles se organizem e adotem opiniões
semelhantes. A razão que ele dá para isso é engenhosa: “Há menos
idéias que homens, portanto todos os homens com idéias seme-
lhantes são parecidos” (G 138).
Tentemos agora seguir, em Cities of the Plain, uma das cenas
que se colocam, para Leon Blum, entre as obras-primas da alma
pró-Dreyfus. Vemos aqui o Príncipe de Guermantes obrigado a
apresentar uma opinião sobre o caso que divide a França. Estando
as coisas nesse pé, ele não pode deixar de ser anti-Dreyfus, como
todas as pessoas de seu meio com quem convive. Mas uma noite
ele se reúne em sua casa com Swann e lhe apresenta uma estra-
nha narrativa, lhe faz uma confissão. Irei resumi-la a fim de re-
construir brevemente a teoria de Proust. Convencido, como toda
sua parentela, da culpa de Dreyfus. o príncipe começa a hesitar
quando toma conhecimento de alguns fatos contraditórios apre-
sentados pelos pró-Dreyfus. Essa é a primeira fase, que eu chamo
de fase da revelação; ela acontece quando a minoria apresenta
uma idéia que é nova ou proibida, no caso em questão, a idéia da
possível inocência de Dreyfus e da implicação do exército na ma-
quinação. Embora perturbado, o príncipe resiste, recusa ouvir os
argumentos, ou ler os jornais pró-Dreyfus. Pensa, desse modo, po-
der permanecer invulnerável a qualquer prejuízo que tal conheci-
mento lhe possa causar.
Segue-se, então, uma segunda fase, a da incubação, no de-
curso da qual, apesar de sua resistência, uma dúvida insidiosa vai
se ampliando sem que dela ele se dê conta e as idéias rejeitadas
preparam o caminho até sua mente, tanto mais porque a minoria
pró-Dreyfus as martela insistentemente ou, se quiser. consisten-
temente. O príncipe não fala com ninguém sobre isso, nem mesmo
com sua mulher, que tinha nascido na Bavária: “Não senti que de-
vesse falar sobre isso com a princesa. Todos sabem que ela se tor-
nou tão francesa quanto eu” (C 15O). Ele é logo dominado pelo que
se transformou em um conflito interno tão sério que não pode ser
revelado a ninguém. Lê agora, contudo, a imprensa pró-Dreyfus,
mais, porém, assim pensa ele, para se confortar de sua opinião an-
ti-Dreyfus do que pela razão contrária. Nessa caminhada, contu do,
o príncipe finalmente se convence da inocência do Capitão Drey-
fus: “Depois disso,” diz a ele a Swann, “sem deixar que a princesa me
visse, comecei a ler o Siècle e o Aurore todos os dias; em pouco
tempo não permaneceram mais dúvidas, isso me mantinha toda
273
noite sem dormir” (C 151). Desse modo, lá onde ele estava procu-
rando por um antídoto, encontrou veneno. Suas noites de insônia
testemunham quão intenso se tornou o conflito. Ele entrou agora
na terceira fase, a da conversão. Caminha por ela por si mesmo,
transformando sua opinião através de um intenso trabalho psí-
quico. Ele, porém, permanece ainda na de fensiva, mesmo com
respeito a sua mulher, como se temesse ser assimilado por uma
minoria desprezível. Como os sujeitos de nossos experimentos, o
príncipe mudou privadamente seu ponto de vista, mas o manteve
em público. Essa tensão silenciosa, imperceptível, o corrói o tem-
po todo, como se fosse uma traição secreta aos familiares de al-
guém. O Príncipe de Germantes sente que ele necessita corrigir
uma má ação que cometeu como um francês e como um cristão.
Como poderia fazê-lo, a não ser confessando publicamente sua
conversão a seus familiares e aos que ele tinha anteriormente re-
jeitado pelo fato de não pensarem como ele? Mas isso ele nunca o
faria.
Portanto, como um bom cristão, ele abre sua consciência a
seu confessor, o Padre Poiré, e lhe pede para rezar uma missa pelo
Capitão Dreyfus. O sacerdote responde que ele não pode aceitar
seu pedido, pois outra pessoa já fez o mesmo. O príncipe fica sur-
preso quando ouve que existe mais alguém em seu meio e diz: “É
verdade! Há pró-Dreyfus entre nós, não é assim? O senhor atiça
minha curiosidade: gostaria de abrir-me a esse raro pássaro, se o
conhecesse. - O senhor o conhece. - Qual seu nome? - A Princesa
de Guermantes” (C 154). É pois sua própria esposa. Notemos, po-
rém, uma mudança léxica a que Proust chama a atenção e uma
mudança significativa no caso. Antigos anti-Dreyfus, quando con-
vertidos à causa, mudam seu nome e passam a ser não Dreyfu-
sards, mas Dreyfusists 16. A distinção significa que eles se conver-
teram não à minoria, como um Saint-Loup ou um Swann, mas à
posição minoritária e a seu movimento de opinião.
Conjecturei, certa ocasião (Moscovici, 1981), que a conversão é
acompanhada, no fenômeno de mudança, pelo que os sociólogos
chamam de ignorância pluralista. Algum dia, repentinamente, as
274
pessoas se dão conta que elas acreditam, ou sentem, as mesmas
coisas. Contudo, o que parece ser repentino, é preparado por um
processo oculto, interno, até mesmo secreto. Podemos ver aqui
que o esposo e a esposa se converteram separadamente e do mes-
mo modo, lendo os mesmos jornais, apenas ocultando mutuamen-
te o fato. A princesa mandava sua empregada comprá-los e foi
quase surpreendida por seu esposo lendo o Aurora. Se o Príncipe
de Guermantes apresenta a Swann uma narrativa de sua mudança
de opinião que é uma confissão, isso é para restabelecer o laço
com ele e para consagrar solenemente o que sua confissão ao Pa-
dre Poiré não tinha podido fazer por si só: sua conversão à minoria.
Vai aqui uma última citação:
Meu caro Swann, a partir desse momento imaginei a alegria
que devo ter-lhe causado quando lhe falei quão próximos eram
meus pontos de vista dos seus; perdoe-me não ter feito isso antes. Se
você considerar que nunca disse uma palavra á princesa, não será surpre-
sa para você saber que pensar de maneira igual faria com que,
naquele tempo, eu me mantivesse muito mais distante de você do que
pensar diferentemente (C 154).
Deixem-me acrescentar que a análise de Proust sobre a con-
versão principesca se fundamenta em um caso concreto. O conde
e a condessa de Greffulhe se converteram secretamente à causa
-. do Capitão Dreyfus. A condessa chegou até mesmo a escrever ao
imperador alemão para saber dele qual era a verdade no caso. Sua
resposta foi uma magnífica coroa de flores.
Conclusão
275
mente essas coisas e se pensa que isso pôde acontecer na
França há bem poucos anos e não entre os Apaches. Há um
contraste assustador entre, de um lado, a cultura, distinção,
inteligência e até mesmo o esplendor de seus uniformes e,
de outro lado, sua infâmia moral.
17 O Caso Dreyfus foi, por assim dizer o ensaio geral e a sedimentação das forças po-
líticas e Ideológicas que deveriam explodir com tal violência no século vinte. Desse ponto
de vista, es pecialmente no que se refere ao anti-semitismo e a suas conseqüências. Prous t
foi extraordi nariamente clarividente. Em sua obra podemos ler sentenças nítidas sabre
judeus e não judeus. Mas em nenhum lugar encenamos a ingenuidade do homem da ordem
e da razão como em Durkheim, que acreditou na assimilação como o efeito natural do caso:
“Os erros dos judeus s ão compensados por inquestionáveis qualidades e s e existem raças
melhores, há raças piores. Além disso, os Judeus estão perdendo suas características étni-
cas muito rapidamente. Mais duas gerações e isso será um fato consumado” (E. Durkheim,
1975: 253). Infelizmente sabemos como as coisas acharam acontecendo depois de duas
gerações.
276
277
6. CONSCIÊNCIA SOCIAL E SUA HISTÓRIA* 18
18 Este trabalho foi originalmente preparado para uma conferência pública na Segun da
Conferência sobre Estudos Socioculturais em Genebra, setembro de 1996, como parte da
celebração do centenário do nascimento de Jean Piaget e Lev Vygotsky.
278
muitas vezes, a psicologia social de outras culturas, assim chama-
das “primitivas”. Quando, no final da década de 1960, Piaget me
convidou a ir a Genebra para organizar ali o primeiro curso de psi-
cologia social, isso significou, para mim, um reconhecimento dos
esforços que tinha empreendido desde minha primeira leitura de
seu trabalho, que transformou a maneira de pensar de um estu-
dante que tinha começado seus estudos muito tarde, tendo sido
afastado deles devido à guerra.
Em contraposição, apenas me familiarizei com Vygotsky mais
recentemente. Foi durante os anos de meu curso em Nova York
que as idéias referentes à cultura, pensamento e linguagem, que
eram discutidas em numerosos livros e artigos, entraram em meu
mapa mental. Sob muitos aspectos, ele era um autor da moda. Co-
mecei lendo seu trabalho e o achei revigorante, estimulante e não-
convencional. Sobretudo, era curioso conhecer alguém que, na dé-
cada de 192o, pode escrever como se vivesse na década de 198o e
que não acreditava que poderia distinguir o social do marxista.
Deixei-me cativar pelo poder de seu estilo, uma impressão firme
que permanecia quanto mais penetrava em seu horizonte intelec-
tual.
Todo o que estiver bem informado sobre as fortemente irre-
gulares carreiras das vidas de Piaget e Vygotsky sabe que ambos
foram, com respeito a sua educação, estranhos à psicologia. Além
do mais, nenhum foi, e talvez ainda não o seja, um profeta em seu
respectivo país. Foi a América que lhes conferiu esse status e,
do mesmo modo como se pode falar de um “criador de rei”, foi Je-
rome Bruner quem foi o criador do profeta. Não parei, contudo, de
refletir sobre a questão inevitável: por que celebrar Piaget e Vy-
gotsky conjuntamente?
A primeira vista, eles parecem ser um par incompatível. Gos-
taria de afirmar, após refletir sobre isso, que Piaget e Vygotsky
possuem mais coisas em comum que a maioria dos grandes psicó-
logos do século vinte. Para começar, eles compartilham a convic-
ção de que existia um problema sério para a psicologia: o proble-
ma da modernidade. O que estava em jogo ali era oferecer uma ex-
plicação da evolução não tanto do animal até o ser humano, mas
da vida mental dos assim chamados “primitivos”, até a vida mental
dos assim chamados “civilizados”; do pensamento pré-racional e
coletivo, ao pensamento individual e científico. Em síntese, o pro-
blema era compreender como os seres humanos se tomam seres
racionais, como eles controlam seu próprio comportamento e co-
279
mo eles se libertam da dependência do ambiente e da tradição.
Seu trabalho como um tudo, do qual a psicologia da criança não é
mais que um capítulo, é uma resposta a uma questão fundamental
que ocupou todos os grandes pensadores dessa época. Seu traba-
lho corre o perigo de se tornar um borrão de Rorschach e podemos
ter tantos Piagets e Vygotskys quantos quisermos, se nosso en-
tendimento de seu trabalho não for ancorado em seu contexto his-
tórico. Pois seria somente um pequeno exagero dizer que a prolífi-
ca literatura que existe hoje sobre matérias que se referem a eles é
reticente sobre a exploração desse fundamento histórico.
Falando de Vygotsky - e poder-se-ia dizer o mesmo de Piaget -
Van der Veer & Valsiner (1991) observam que “com o floresci-
mento das modas “neo-vygotskianas” na psicologia contempo-
rânea, o foco histórico de Vygotsky e suas idéias voltaram a um se-
gundo plano” (p. 1).
Essa reticência, para mim, resulta de uma tendência comum
de procurar a fonte de uma teoria dentro da própria psicologia.
Como se, na nossa ciência, não pudéssemos tomar emprestado ou
encontrar inspiração em idéias e princípios de outras ciências,
como a física de Maxwell tomou emprestadas hipóteses estatísti-
cas da matemática social que era moda naquele tempo.
Curiosamente, mesmo teorias sociais parecem ter uma ori -
gem psicológica, como se pode ler no brilhante livro de Wertsch
Vygotsky and the Social Formation of Mind (1985): “Muito do que
Vygotsky tem a dizer sobre as origens sociais da consciência hu-
mana não está necessariamente fundamentado nas idéias de Marx,
ou de algum outro teórico social” (p. 60).
É evidente que, se cada psicólogo inventasse sua própria teo-
ria social, ela teria o mesmo valor científico como se cada geneti-
cista ou astrônomo inventasse sua própria teoria química ou física.
Contudo, se nos lembrarmos que Piaget e Vygotsky foram duas
mentes altamente criativas, com uma cultura de bases amplas, so-
mos levados a observar que suas idéias germinaram dentro de um
largo espectro de campos filosóficos e científicos. Além disso, é
interessante que ambos fundamentam suas teorias na mesma
perspectiva teórica, cuja influência foi tão penetrante em sua ge-
ração. Eles herdaram essa perspectiva teórica da sociologia e da
antropologia e fizeram amplo uso disso no estabelecimento dos
fundamentos da psicologia infantil. Essa inspiração de toda sua
vida, que Piaget e Vygotsky adquiriram dessas fontes, explica essa
280
proximidade continua, se não sempre uma similaridade, que man-
teve seus respectivos trabalhos “em termos de diálogo ” um co-
mo outro, mesmo que nunca se tenham encontrado. Mas essa é
outra história, embora não muito diferente.
2. Relembrando Lévy-Brull
283
A história, mesmo a das escolas de pensamento, não é mais um
rio tranqüilo. A concepção refletida de Durkheim de representações
coletivas implica uma continuidade de conceitos e de formas de
pensamento que vai das religiões antigas às ciências modernas. Ela
remonta ao que, em outro local (Moscovici, 1998), chamei de um
paradoxo da racionalidade das representações sociais. De fato, to-
das as representações são racionais, mesmo que, para parafrasear
Orwell, algumas pareçam mais racionais que outras. Representa-
ções dos civilizados podem parecer ser mais racionais do que aque-
las dos supostos primitivos, representações científicas podem pare-
cer mais racionais que as religiosas e assim por diante. Tal aparên-
cia, contudo, chega a um beco sem saída se adotarmos seriamente a
postura que o conceito de representação coletiva é criado apenas
por uma cultura.
Lévy-Bruhl colocou seu dedo nesse paradoxo. Ele tentou mos-
trar que se as representações são racionais aos olhos dos membros
de uma cultura elas necessitam ser assim tanto no mesmo sentido,
ou de acordo com a mesma lógica, aos olhos de outra cultura. O
projeto de toda a vida de Lévy-Bruhl foi duplo: primeiro, explicar a
mentalidade das assim chamadas culturas “primitivas” a partir de
causas sociais e não a partir de causas individuais, como Frazer
(1922) fizera; e, segundo, desmistificar o pensamento ocidental
como sendo privilegiado em comparação com outras formas de
pensamento. Lévy-Bruhl não era um durkheimiano e, em contraste,
trabalhou para conseguir uma compreensão mais rigorosa das re-
presentações coletivas que ele, então, transformou em um conceito
genuinamente autônomo com respeito a uma teoria especifica de
sociedade e de história. Como conseqüência, elaborou uma das mais
surpreendentes e radicais visões de mentalidade. Segundo ele, é
impossível converter formas superiores de pensamento, escolhidas
por uma cultura, em leis universais da mente humana.
Nos parágrafos que seguem, irei sintetizar três temas que ele
desenvolveu com respeito à natureza das representações em cul-
turas pré-modernas, ou assim chamadas “primitivas”.
O primeiro tema: essas representações coletivas são impene-
tráveis à experiência. Isso é assim porque nós as consideramos
como sendo santificadas pela autoridade ou tradição e, conse-
qüentemente, protegidas da informação que poderia falsificá-las.
Pode também acontecer que os membros do grupo nunca con-
frontem a experiência diretamente, mas apenas através de catego-
rias e sentimentos partilhados. Em um sentido, essas representa-
ções são como paradigmas, isto é, elas são incomensuráveis. Além
disso, conforme Finis (1994), a noção de incomensurabilidade en-
tre paradigmas foi um fruto da idéia de Lévy-Bruhl no referente à
impermeabilidade da experiência.
O segundo tema: todas as pessoas são sensíveis à contradi-
ção, mas essa afirmativa não é verdadeira para todas as represen-
tações que elas partilham. Isso é particularmente verdade para as
civilizações pré-modernas, nas quais a lei da participação toma
precedência sobre a eliminação da contradição. Ao apoiar-se nes-
sa lei, as pessoas julgam como idênticos objetos que para elas são
ou familiares, ou semelhantes.
Finalmente, o terceiro tema pode ser expresso como uma efi-
ciência semântica, fazendo alusão ã famosa eficiência simbólica.
De algum modo, a linguagem, para Lévy-Bruhl, é uma forma de re-
presentação social, até mesmo um sistema fundamentado em re-
presentações sociais. E nas assim chamadas culturas “primitivas”,
sua finalidade última seria reproduzir, tão estreitamente quanto
possível, imagens de objetos e de pessoas, toda situação, ou toda
mudança de situação. É por isso que, segundo ele, as culturas pos-
suem um léxico particularmente rico, flexível, móvel, termos qua-
se fluidos, sempre prontos a ser moldados de acordo com as ima-
287
gens que se transfo rmam.
Ao recordar essa evidência histórica, não reivindico nenhuma
originalidade exceto, com muita modéstia, colocar Lévy-Bruhl e
Vygotsky em seu contexto. Eles iniciaram um conjunto de idéias e
pressupostos interligados referentes à natureza das funções men-
tais mais elevadas que, por um tempo, tinham sido deixadas de
lado porque lhes faltava rigor formal e porque a psicologia se sepa-
rou da cultura. A cultura foi até considerada como um simples re-
sultado desses processos históricos. A autonomia do indivíduo foi
em grande parte considerada como sendo um resultado natural
dessa longa história. Esse processo foi suposto como um movi-
mento singular e progressivo da cultura humana. Agora, à medida
que a palavra “cultura” começa a ser usada no plural, sugerindo
muitas maneiras de vida distintas, locais e igualmente significati-
vas, os pressupostos referentes à natureza partilhada das repre-
sentações e sua especificidade psicológica podem emergir nova-
mente com uma nova feição.
293
caminho estéril da psicologia evolucionista de seu tempo e ofe-
receu uma nova visão de consciência social. Naquele tempo ele
propôs uma nova hipótese de desenvolvimento histórico e um
modo particular de torná-lo evidente. Embora ele não tivesse em-
pregado a palavra “revolução”, ela é, contudo, semelhante aos saltos
qualitativos das revoluções representacionais que têm muito em
comum com as mudanças paradigmáticas de Kuhn (1962). Tais
considerações levaram Vygotsky e Luria a acreditar que a conjetu-
ra de Lévy-Bruhl merecia ser provada. A revolução bolchevista se
constituía em um experimento natural que lhes permitia testá-la
concretamente. “O período”, escreveu Luria entre os anos de
1931/1932, “ofereceu uma oportunidade única de observar como
decididamente todas essas reformas efetuaram não apenas
uma abertura de visão mas também mudanças radicais na estru-
tura dos processos cognitivos” (Luria, 1976: iv). Não se po deria
sintetizar melhor tanto a tarefa que eles se propuseram realizar
como o enfoque hipotético-dedutivo que torna original essa teoria
histórico-cultural. É por isso que eu me surpreendi que ex celentes
estudiosos como Van der Veer & Valsiner (1991) pudessem escre-
ver que “Vygotsky e Luria sentiram a necessidade [ao planejar
essa pesquisa] de atestar essas semelhanças e diferenças cogniti-
vas” (p. 242).
Deduz-se dos escritos de Luria que ele e Vygotsky sentiram
necessidade de testar uma corajosa conjetura de Lévy-Bruhl e foi
com esse objetivo em mente que a expedição foi organizada. Em
seu excelente livro de memórias, Luria (1979) narra seu primeiro
encontro com Durkheim e sua visão de sociedade estruturada a
partir de representações sociais e normas que modelam a vida
mental dos indivíduos. Posteriormente, ele se familiarizou com as
idéias de Janet que, sob a influência desse sociólogo francês, se
aprofundou a compreensão da relação entre atividades sociais e
intelectuais no desenvolvimento da criança. Finalmente, ele es-
creveu sobre Lévy-Bruhl que, de certo modo, havia justificado o
experimento natural que eles quiseram realizar no Usbequistão,
Luria estava convencido que eles tinham provado que as mudan-
ças revolucionárias na sociedade tinham acarretado mudanças
fundamentais nas representações das pessoas e em seus proces-
sos mentais. E, desse modo, sua teoria sócio-histórica é perigosa-
mente correta, diria eu. Podemos lembrar como Rubinstein, em
1934, criticou implicitamente Vygotsky por escolher a hipótese da
descontinuidade de Lévy-Bruhl e não a hipótese da continuidade
294
de Marx: “o que é decisivo aqui”, escreve ele,
296
gos. Ela correspondia a duas correntes que dividiam a Europa na
marcha da história moderna.
Comentários conclusivos
298
299
7. IDÉIAS E SEU DESENVOLVIMENTO
302
lem pense que usei minha autoridade nesse assunto. Mais tarde fi-
quei muito feliz em ver que ele foi inspirado pela teoria e contri-
buiu para ela de maneira original.
307
Ao estudar as representações sociais da psicanálise na Fran-
ça, você mostrou como a propaganda, focando alguns critérios lin-
güísticos, através do emprego de palavras, associando-as a novos
sentidos e a categorias sócio-cognitivo-afetivas alternativas, ten-
tou criar novas representações, novo conhecimento comum. Você
descreve esse processo como consistindo de três estágios. O pri-
meiro estágio estava baseado na evidência geral de que a psicaná-
lise poderia ser associada a várias esferas das atividades humanas,
tais como a ciência, a terapia, a uma doutrina particular ou a uma
ideologia. Selecionando ideologia para associar psicanálise, a pa-
lavra “psicanálise” recebeu um novo sentido específica Por exem-
plo, a imprensa comunista descreveu a psicanálise como o símbo-
lo de um estilo de vida dos EE.UU., de uma cultura americana de-
cadente, ou como uma pseudociência. Podemos dizer que o senti-
do da palavra “psicanálise” foi particularizado, com a intenção de
que esse sentido particular fosse, mais tarde, adquirir um signifi-
cado novo e global. A fim de conseguir isso, a palavra “psicanálise”
subseqüentemente nunca foi usada sozinha, mas sempre com um
adjetivo, ou um grupo de palavras, que re-enfatizavam as novas
conexões. Desse modo, a imprensa comunista nunca usou combi-
nações de palavras, tais como “ciência psicanalítica”, “eficiência
terapêutica psicanalítica”, “objetividade das concepções psicanalí-
ticas” e assim por diante. Em vez disso, ela sempre usou combina-
ções tais como: “o mito da psicanálise”, “psicanálise americana”,
ou “uma ciência burguesa”. O emprego dessas restrições, fixou o
conteúdo particular, como um conteúdo geral. Como você mos-
trou, o sentido da nova combinação de palavras tomou-se um tipo
de rótulo, um título, como o título de um livro ou de um filme. No
estágio final, o critério de hierarquia determinou a ordem em que
significações específicas foram organizadas. Por exemplo, a pala-
vra “ciência” tornou-se parte de algum tipo de hierarquia artifici-
almente criada como, digamos, a “ciência soviética” no cume, se-
guida pela “ciência proletária”, a “ciência materialista” e assim por
diante. Tal hierarquia seria classificada como mais alta do que,
digamos, “a ciência racionalista”, “a ciência americana”, “a ciência
burguesa”, etc. Desse modo, a propaganda, através dos efeitos da
seleção de associações entre categorias, através do emprego do
controle, reduziu o raio de significações, a fim de eliminar os ris-
cos da relativização e das livres interpreta ções dos sentidos pelo
seu público, ou pelos interlocutores. O resultado dessas operações
foi, tanto a criação de uma linguagem especifica, como a elevação
de uma barreira semântica entre as palavras. É a constituição des-
308
sa linguagem especifica que acompanha a formação de uma repre-
sentação. Uma vez conseguido isso, as palavras obtem seus senti-
dos específicos e esses, por sua vez, justificam seu uso na propa-
ganda. A repetição dos elementos formaliza e solidifica o pensa-
mento, tomando-o parte da constituição lingüística e cognitiva do
indivíduo.
Achei esse estudo iluminador, porque ele mostrou uma rela-
ção direta entre pensamento e linguagem. Mais especificamente,
nesse caso, ele mostrou a relação entre as operações da ideologia.
e os sentidos das palavras, com uma ideologia tentando se tomai
representação social, uma parte da cultura.
Mas retomemos à origem de suas idéias sobre representa-
ções sociais. Você explicou que a primeira razão que o levou ao
estudo das representações sociais foi sua convicção de que o sen-
so co- mum, ou o conhecimento comum, necessita ser reabilitado.
E não pode ser tratado como algo irracional, mas como um impor-
tante terceiro fator entre conhecimento cientifico e ideologia. Oual
foi a segunda razão que o levou a estudar as representações soci-
ais durante sua idade da inocência?
315
mais tarde na New School, meus estudantes e eu descobrimos que
os elementos das representações novas e antigas se sobrepunham.
IM- Você disse antes que os marxistas não pensavam que fu-
são do conhecimento científico iria aumentar o nível de conhe-
cimento público e que, além disso, ligar o senso comum à irra-
cionalidade foi a visão partilhada por alguns outros cientistas
sociais. Em contraste, seu objetivo era reabilitar o pensamento
comum e o conhecimento comum e você assumia que o conhe-
cimento comum é algo bastante moderno, algo que provem da
ciência.
Gostaria de fazer algumas associações. A primeira, diz res-
peito ao conhecimento científico e senso comum. Há algum tem-
po, você fez uma distinção entre dois universos: reificado e co n-
sensual. O conhecimento científico pertence ao universo reifica-
do, enquanto o conhecimento do senso comum pertence ao uni-
verso consensual. Esses dois tipos de u niversos diferem um do
outro no sentido que o primeiro tenta estabelecer explicações do
mundo que são imparciais e independentes das pessoas, enquan-
to que o último prospera através da negociação e da aceitação
mútua. Mas, de maneira igualmente importante, eles diferem
com respeito ao tipo de pensamento e métodos de raciocínio. O
primeiro procede, sistematicamente, da premissa para a conclu-
são e ele se apóia naquilo que ele considera puros fatos. O méto-
do do segundo não é tão sistemático; ele se apóia na memória
coletiva, no consenso. Mas o que deve ser enfatizado é que am-
bos os modos de pensar estão baseados na razão. O pensamento
do senso comum é razoável, racional e sensível - para empregar
os termos de Alfred Schütz. Melhor ainda, para citar seu próprio
317
trabalho recente, “todas as representações são racionais, mesmo
se, para parafrasear Orwell, algumas pareçam mais racionais que
outras” (Moscovici, 1998: 416; ver também capítulo 6). Você
mesmo queria reabilitar o senso comum porque estava conven-
cido de que os marxistas e outros estavam errados quando eles
pensavam que o pensamento comum é irracional.
Queria, contudo, levantar esse ponto especifico aqui porque,
apesar do já acentuado por você repetidamente, penso que o
ponto que diz respeito à natureza racional das representações
sociais é, muitas vezes, mal entendido, até mesmo por estudiosos
das representações sociais. É fácil fazer um atalho e dizer que a
ciência é racional, porque ela se apoia na razão e porque as re-
presentações sociais se apóiam no consenso, elas estão baseadas
em um pensamento irracional. Em outras palavras, é fácil tomar
“raciocínio” como tendo apenas um sentido. Essa é outra razão
porque penso que é importante enfatizar a natureza polifásica do
conhecimento e do raciocínio. Raciocínio, no pensamento comum
e no senso comum, por um lado e em pensamento cientifico e
conhecimento cientifico, por outro lado, mostram essa natureza
polifásica.
No meu ponto de vista, a afirmação concernente à natureza
“razoável” do senso comum é a principal diferença entre o ponto
de vista das representações sociais e, digamos, da visão de Lewis
Wolpert em The Unnatural Nature of Science (1992), que Rob
Farr discute em seu artigo sobre “Senso comum, ciência e repre-
sentações sociais” (Farr, 1993).
Mas continuemos com a questão referente à ciência e senso
comum. Em contraste com os marxistas e com Wolpert, há den-
tistas sociais que tomam- ou tomaram - o conhecimento do senso
comum mais a sério e, de fato, viram um caminho direto do sen-
so comum até à ciência Você escreveu sobre o caminho da ciên-
cia ao senso comum em seu trabalho sobre “O fenômeno das re-
presentações sociais” (Moscovici, 1994a; ver capitulo 1 deste
livro) Você disse algo assim: antes, a ciência estava baseada no
senso comum e ela tornou o senso comum menos comum. Em
contraste hoje o senso comum é ciência tornada comum. Essa é
uma formulação provocativa e por isso nós devemos discuti-la
por um momento. Há - ao menos houve - cientistas sociais que
subscreveram a primeira parte da afirmação, isto é, do senso
comum para ciência. O conhecimento popular, conhecimento
cultural e se comum e sua relação com o conhecimento científico
318
foram dados muito extensivamente por antropólogos, sociólogos
e, a certo ponto, por psicólogos sociais. Poderíamos pensar em
pessoas como Schütz, Heider, Gadamer, Garfinkel e Bartlett.
Por exemplo, Schatz, em seus escritos fenomenológicos, fal-
ta uma distinção entre senso comum e conhecimento cientifico
referindo-se a Whithead, ele mostra que a ciência tem dois obje-
tivos: primeiro, produzir uma teoria que esteja de acordo com a
experiência e, segundo, explicar conceitos do senso comum so-
bre a natureza. A explicação consiste na preservação desses con-
ceitos do senso comum em uma teoria científica.
Para Schutz, o conhecimento do senso comum se apóia no
toque de conhecimento que é socialmente produzido e aprovado.
Ele começa de uma pressuposição da reciprocidade de perspec-
tivas. Em contraste, a ciência começa de um corpus de evidêndia
de regras de procedimento, métodos científicos, etc. A posição de
Heider, com respeito ao senso comum, eu a vejo como sendo
muito semelhante à de Schütz. Ele também afirma que o conhe-
cimento do senso comum deve ser levado a sério e que ele é a
base do conhecimento cientifico. Ele se refere a Whitehead pela
mesma razão que Schütz. Para Schütz, o senso comum e o racio-
cínio científico são duas maneiras paralelas de lidar com a reali-
dade social. Ambos correspondem à experiência, em particular à
observação física. Schatz considera o senso comum- como você
mesmo já comentou antes - como algo que, muitas vezes, se su-
põe proveniente dos sentidos, do conhecimento sensorial. O ca-
minho do senso comum até a ciência é, falando estritamente,
racional. Schütz sempre se referiu à racionalidade da ação e, ba-
sicamente, o que ele queria significar era uma correspondência
entre percepção dos sentidos, observação, etc., de um lado e a
realidade, de outro. De maneira semelhante, Whitehead se refe-
riu à física, à observação física - como fez Heider, quando ele
falou sobre senso comum.
Por conseguinte, ambas as posições possuem seus advoga -
dos, uma vendo o conhecimento cientifico comum como uma
continuação do senso comum e a outra vendo o senso comum e o
conhecimento científico como totalmente separados e opostos
entre si. Deveríamos, portanto, esclarecer as semelhanças e dife-
renças entre essas duas posições e a sua. Para mim, a questão é
interessante, não apenas por razões históricas, mas, sobretudo,
por razões teóricas.
319
SM - Para responder a seus comentários sobre ciência e sen-
so comum, seria obrigado a escrever um livro inteiro. Você me
pede que me defina correlação a outros autores e a outras teori-
as. Antes de fazer isso, eu tenho de lhe dizer o que eu mesmo
penso, como certas idéias nasceram e tomaram lugar, pois a
maioria do meu trabalho foi por caminhos solitários. Eu não es-
tava muito interessado em saber o que outras pessoas pensa-
vam, pois já tinha suficie nte trabalho em saber quais eram meus
próprios pensamentos. Por isso, para reassumir o fio de minha
história de vida, parecia-me que tinha dado um grande passo a
frente, que conhecia qual era o campo da psicologia social, quan-
do supus que sua “matéria-prima” era o senso comum. Experien-
ciei esse passo à frente como uma descoberta intelectual e uma
inspiração prática, porque há algo poético sobre conhecimento
popular, do mesmo modo que há sobre sonhos e mitos.
Ao mesmo tempo, na medida em que trabalhava entusiasti-
camente naquilo que seria a teoria das representações sociais,
participei de um seminário sobre a história e a filosofia da ciên-
cia, sob a orientação do Professor Alexandre Koyré. Como você
sabe, a primeira vez que fui aos EE.UU., fui não como psicólogo
social, mas como um historiador da ciência. Tinha uma bolsa de
estudos na Institute for Advanced Studies, em Princeton. Dei
minhas primei- ras aulas em inglês em Yale e Harvard sobre tó-
picos relacionados à revolução cientifica e encontrei Thomas
Kuhn que, de certo modo, foi discípulo de Koyré. Koyré foi um
mestre magnífico e seus seminários sobre Galileu, Kepler, etc.
foram extraordinários. De qualquer modo, eles me permitiram
ter uma percepção mais profundas noções de senso comum, me
permitiram ver como e por que senso comum pode ser coerente
e possui sua própria lógica diferindo, ao mesmo tempo, da ciên-
cia.
Do ponto de vista histórico, a física de Aristóteles é uma fisi-
ca do senso comum. Ela foi elaborada através da sistematização
algumas idéias correntes e está fundamentada nas qualidades
sensoriais - as famosas qualidades secundárias - dos objetos ob-
servação direta dos fenômenos e em uma explicação teleológica,
em causas finais. Ela não é, contudo, nem incoerente, nem mági-
ca, nem é ela um amontoado de ecos, como pensavam as pessoas
antes que Duhem ou Koyré mostraram o contrário. A ciência de
Galileu ou cartesiana é diferente, porque ela elimina as proprie-
dades sensoriais dos objetos, introduz o método experimental
320
estudo dos fenômenos e por isso formaliza o raciocínio teórico
Ao mesmo tempo, ela substitui uma explicação feita com causas
finais por uma explicação com causas eficientes. Tudo isso é mui-
to conhecido, precisa, contudo, ser rele mbrado, porque essa foi a
razão por que o senso comum se mostrou, para mim, como uma
forma de conhecimento sistemático, coerente. Isso também me
levou sob a recomendação de Claude Faucheux, ao maravilhoso
artigo de Kurt Lewin sobre a passagem da ciência aristotélica
para a ciência de Galileu, que ele queria empreender na psicolo-
gia social. Esse é um artigo que todo estudante deveria ler ainda
hoje. Apesar disso, foi durante esses seminários sobre a história
da ciência a especificidade do senso comum em relação à ciência
assuma forma mais precisa em minha mente, ao mesmo tempo
em que me convenci de seu respectivo valor e coerência. Quero
também insistir em outra diferença que parece importante, para
mim. Em contraste com o pensamento científico, que de maneira
ideal pode ser compreendido independentemente de seu conte-
údo, de uma maneira formal, lógico-matemática, o pensamento
espontâneo, ou cotidiano, não pode ser dividido em dois; o con-
teúdo infecta o raciocínio, tornando-o plausível, e, sem isso, a
forma iria parecer incompreensível, sem sentido. Em outras pa-
lavras, a estrutura e a dinâmica do pensamento não podem ser
compreendidas quando se parte apenas dos processos cogniti-
vos, pois eles não po dem ser separados do que é, por assim dizer,
a substância do co nhecimento concreto. Ao trabalhar com a filo-
sofia e a história da ciência, adquiri uma visão mais rica e mais
“realista” do que é a vida do conhecimento. Kepler é, certamente,
o primeiro que colocou a lei matemática do movimento dos pla-
netas, mas ele também pensava que esses planetas eram movi-
dos por forças vivas. A ação newtoni ana à distância é, sem dúvi-
da, familiar e fundamental, do ponto de vista científico. As pesso-
as, contudo, têm alguma dificuldade em aceitá-la - como pode um
corpo agir onde ele não está? -, pois ela se apóia sempre em uma
representação mágica de força.
Vamos adiante. Se há um sistema de conhecimento, é neces -
sário fazer a pergunta: quem é o sujeito conhecedor, como deve-
mos imaginá-lo nessa prática corrente? Por exemplo, na psicolo-
gia social recente, ele foi visto como um cientista leigo, ou um
aprendiz, comparado a um cientista sofisticado, ou um especia-
lista. Quando comecei minha pesquisa, na década de 195o, en-
frentei uma oposição entre o pesquisador profissional e o dile-
321
tante, o cientista e o filósofo amador, o primeiro fazendo pergun-
tas precisas sobre os fenômenos, enquanto que o segundo se
fazia perguntas gerais, até mesmo sobre fenômenos especí ficos.
Em vez de sistematizar, o amador coloca os itens de conhecimen-
to e informação que ele coleta em seus arquivos mentais. Desse
modo ele extrai elementos heterócl itos da ciência e os coloca em
um conjunto significante, que possui valor prático para ele. No
senso comum, predominam elementos “realísticos” e materialis-
ticos, do contexto imediato. Eles incluem interrogações especula-
tivas, metafísicas, tais como “De onde nós viemos? Quem somos
nós? Para onde vamos? Qual é a origem do universo e do ser hu-
mano?” e assim por diante. Eu escolho Bouvard e Pé cuchet, fa-
mosos heróis de Gustave Flaubert, que estão envolvidos em uma
caminhada prática e teórica através da agricultura, história,
química, arqueologia, medicina, como protótipos do sujeito do
senso comum. Como qualquer um de nós, eles caminham através
dos campos da ciência, como andantes no tempo e conhecimen-
to, arquivando noções e experimentos, tentando reconstruir uma
visão global. Eles recons troem um mundo comum, baseado em
idees regues (idéias recebidas), não em ides fausses (idéias falsas)
inspiradas por ideias científicas. Em sua novela inacabada, Flau-
bert nos dá uma visão da ciência popular como o século dezeno-
ve a propagou, cheia de entusiasmo e chavões tediosos. James
Joyce buscou alguma inspiração nisso: em certo sentido, Bloom é
o herdeiro de Bouvard e Péicuchet em nosso século.
Finalmente, sugiro, com cuida do, a hipótese da polifasia
cognitiva. Basicamente, penso que, do mesmo modo que a lin-
guagem é polissemica, assim também o conhecimento é polifási-
co. Isso significa, em primeiro lugar, que as pessoas são capazes,
de fato de usar diferentes modos de pensamento e diferentes
representações, de acordo com o grupo especifico ao qual pe r-
tencem, ao contexto em que estão no momento, etc. Não é neces-
sário investigar muito para perceber que até mesmo cientistas
profissionais não estão totalmente interessados no pensamento
cientifico. Muitos deles possuem um credo religioso, alguns são
racistas, ou consultam seus “astros”, têm um fetiche, amaldiçoam
seu aparato experimental quando se recusa a trabalhar, o que
não é, necessariamente, muito racional. E como mostraram mui-
to bem alguns estudos, quando solicitados a explicar alguns fe-
nômenos comuns, eles fazem uso até mesmo da física aristotéli-
ca, e da física de Galileu que eles aprenderam na escola e na qual
322
confiam. Se essas diferentes, até mesmo conflitantes, formas de
pensamento não coexistem em suas mentes, elas não seriam m
humanas, eu suponho.
O que interessa agora não são essas observações gerais, mas
o duplo significado de minha hipótese. Primeiro, as pessoas não
são monofásicas, capazes de uma única maneira privilegiada de
pensamento, sendo os outros caminhos acessórios, perniciosos
ou, mesmo, sobreviventes dos anteriores. Segundo, na nossa teo-
ria psicológica, supomos, como fez Augusto Comte, que finalmen-
te uma única forma de pensamento, isto é, a ciência, irá pre vale-
cer e o resto irá mover. Essa é a lei do progresso e da racionali-
zação. Mas, não há razão de por que, no futuro, apenas uma fo r-
ma de pensamento “puro” deva predominar. sendo o mythos de-
finitivamente substituído pelo logos, pois, em toda cultura co-
nhecida, várias formas de pensamento coexistem. Em síntese, a
polifasia cognitiva, a diversidade de formas de pensamento, é a
regra, não a exceção. Pode-se, por exemplo, observar hierarquias
parciais e temporais. Mas seria uma generalização arriscada, que
a ciência não deve favorecer, conferir privilégio excl usivo a esse
ou aquele gênero de conhecimento, ou forma de pensamento,
que será proclamado como o primeiro e o último. Partindo dessa
hipótese, podemos colocar as questões sociopsicológicas genuí-
nas, das transformações dos sistemas de conhecimento, das for-
mas de pensamento ou discursos, dentro do contexto social. A
partir dai, podemos compreender como é possível que, não ape-
nas em sociedades diferentes, mas também dentro dos mesmos
indivíduos, coexistam maneiras incompatíveis de pensamento e
representações. É verdade que essa é, por agora, uma hipótese
muito geral e também uma hipótese que é difícil de admitir. Mas,
ao mesmo tempo penso que não se pode questionar, tanto sua
relevância concreta, como sua relevância social, em nosso tempo
pós-moderno. Ao menos para mim, ela foi uma intuição útil. A-
qui, novamente, o senso comum aparece como o lugar privilegia-
do, em que tais questões podem ser colocadas e, conforme o ca-
so, respostas po dem ser conseguidas.
Peço desculpas por falar tão longamente, mas se for assim
dificilmente poderia justificar o que virá a seguir, o esclareci-
mento da racionalidade, que você está esperando. Você está me
colocando em uma posição delicada. O progresso das ciências
humanas separou-as da filosofia e impulsionou os pesquisadores
para gavetas de disciplinas especializadas. Quanto mais as pes-
323
soas progridem em seu conhecimento, mais elas perdem de vista
a totalidade dos fenômenos e de si mesmas. Na minha juventude,
dizer de um pesquisador que ele era um filósofo, ou que estava
interessado na filosofia, era quase que um insulto. Agora, é o
contrário, um pesquisador tem de ser um filosofo e apelar para a
filosofia como uma autoridade. Mas eu penso que seria ingenui-
dade não reconhecer que penetrar no mundo dos filósofos exige
alguma intuição e uma preparação especial. Se não for assim,
alguém pode correr o risco de se tornar, por sua vez, uma espé-
cie de Bouvard ou Pécuchet, vagando de um filósofo a outro, res-
pigando aqui e ali uma palavra-chave, ou metáfora, sem realmen-
te compreender seu sentido profundo. É por isso que, quando
expresso algumas opiniões filo sóficas, apenas o faço com o sorri-
so de alguém que não nutre ilusões sobre o que ele conhece, ou
não conhece.
Isso é para dizer que a maneira como concebo o senso co-
mum provém principalmente de filósofos da ciência como Me-
yerson, Frank, Mach, Peirce, Duhem, Bachelard e outros, com
cujo trabalho me familiarizei quando trabalhava nesse campo.
Não li Heider, até que estive em Princeton em 1962. Gostei mui-
to de seu livro como um livro literário, mais do que um livro de
psicologia social - isso mostra como eu era ignorante. Do mesmo
modo, eu não li Schütz, até que fosse professor na New School, na
década de 1980- Sua visão de senso comum como um tipo de
conhecimento direto e sensorial a la Mach, não era minha visão,
embora seu enfoque fosse re almente sutil e rico. Ofereci diversos
cursos integrando sua análise do mundo da vida. Contudo, o es-
pírito da fenomenologia não me capturou. É claro que eu li Krisis,
de Husserl, por razões nostálgicas. Era difícil, para mim, aceitar
suas idéias de que as raízes da crise dos tempos modernos de-
vem ser encontradas em Galileu e Descartes. Ou que sua solução
está na redescoberta do mundo concreto da v ida, o Lebenswelt,
como ele disse. Essa é uma frase linda, quase mágica, mas ela não
é suficiente para indicar o lugar onde as pessoas podem encon-
trar abrigo das forças da tecnologia, da política ou da história,
especialmente quando se sabe que ele escreveu em 1935, na
véspera do triunfo do fascismo.
Apesar disso, quando a Schutz, não me tornei um fanático de
tais noções como “aceito sem discussão”, ou tipicalidade, etc.
Elas pressupõem um ordenamento e uma preditibilidade das
coisas humanas, uma solidez do mundo da vida, nas quais eu não
324
acredito. Nossas relações intersubjetivas e decisões pessoais são
bastante imprevisíveis e improvisadas. Como disse Napoleão: “A
gente improvisa e então se vê”. Os mundos da vida, do mesmo
modo que quaisquer outros mundos, são seqüências de even tos
mais ou menos regulares, surpresas e rotinas, no meio das as pes-
soas conseguem viver junto. Essa é uma mágica social um lado,
tudo o que Schütz escreveu sobre a anomie, sobre a distribuição
do conhecimento, sobre themata, “descongelou” mui idéias que
tinha antes. Veja, por exemplo, a anomia. Ela é, primeiro, uma
perda de nome, significando que o que originalmente era uma
possessão individual, tomou-se uma possessão comum. Muitas
pessoas falam sobre e empregam noções que pertencem à teo ria
de Darwin, ou à psicanálise, sem mesmo conh ecer os nomes de
darwinismo ou psicanálise, Darwin ou Freud. Em segundo lugar,
a anemia é, ela própria, um nome. Ela categoriza um tipo de pes-
soa, ou conhecimento, em oposição a uma pessoa, ou conheci-
mento, particular que tem um nome. O senso comum é categori-
zado como um tipo anônimo de conhec imento, em oposição à
ciência, ou filosofia, que são consideradas não-anônimas. Essas
são categorias muito importantes de nossa cultura, pois aquilo
que tem um nome é considerado duradouro, memorável, de
grande valor, enquanto que aquilo que não tem nome, é efémero,
transitório, perecível. Não há dúvida que a paixão pelo nome é a
mais forte das paixões, sobre a qual ha páginas a dmiráveis no
Symposium, de Platão.
Retornando à fenomenologia, você não a acha muito estáti-
ca? De qualquer modo, o que eu tentei elucidar, naquele tempo,
foi a gênese do senso comum, a transformação de formas de pen-
samento. Enquanto que em minha pesquisa sobre a história da
ciência, estudei com Koyre a transformação da fisica do senso
comum aristotélico, para a mecânica científica de Galileu, em
minha pesquisa sobre psicanálise eu estava interessado com a
transforma-cão contrária. Sempre que falei sobre representações
sociais, posteriormente, enfoquei sua gênese, enfoquei as repre-
sentações se construindo, não como algo já feito. Eu até acres-
centaria que é essencial para nós estudá-las na sua construção,
do ponto de vista de sua história e desenvolvimento. É evidente
que as observações de nossa consciência e as representações são
elaboradas durante nossas comunicações. A “paixão para conhe-
cer”, sobre o que Husserl escreveu e a paixão para a comunica-
ção, vão de mãos dadas. E por isso que escrevi que “nós pensa-
325
mos com nossas bo cas”, acentuando o papel especifico da con-
versação na gênese e partilha de nossas representações comuns.
Estou consciente de que lhe devo uma resposta sobre a ra-
cionalidade, ou irracionalidade, dosenso comum. Na verdade,
pede-se fazer essa pergunta na esteira de toda pesquisa sobre
distorções cognitivas. O que fez os psicólogos se interessarem
pelo senso comum foi o trabalho de Heider, que abriu um campo
de investigação sobre o pensamento das pessoas leigas e das
pessoas na vida cotidiana. Na introdução de seu livro, Heider
(1958) lembra o leitor que não deve fazer perguntas sobre a
verdade ou falsidade de no ções do senso comum. Isso foi negli-
genciado, a tal ponto que os psicólogos sociais começaram a se
perguntar, não como e por que as pessoas pensam corretamente,
em seus contextos familiares, mas como e por que elas pensam
incorretamente. Por conseguinte, na década de 198O, nós expe-
rienciamos esse episódio marcante, embora curioso, no qual se
mostrava como pessoas fazem erros de atribuição fundamentais,
como coletam informações de manei ra deficiente, como menos-
prezam informação bem fundamenta da, como possuem habili-
dades limitadas no raciocinio dedutivo e assim por diante. Sob
todos os aspetos, isso provou nossa irracio nalidade na vida coti-
diana, por um lado e, por outro, a inutilidade de estudar o senso
comum, que desapareceu do horizonte de pes quisa. Pela mesma
razão, os motivos por que compo rtamentalistas disseram que
não devemos nos interessar com a mente, foram confirmados,
como foram também os argumentos dos filósofos que afirmavam
que o senso comum tem de ser banido do estudo do pensamento,
em síntese, que o ser humano não tem mente, ape nas um cére-
bro. Eu chamo esse episódio de curioso, porque ele reproduz,
exceto no referente aos métodos, a concepção de Frazer do pen-
samento primitivo e os primitivos como noviços ineptos. Quero
mostrar, com isso, o renascimento da psicologia individualista
dos antropólogos ingleses, sua degradação do pen samento popu-
lar e do pensamento de outras culturas. Foi Lévy-Bruhl quem
mostrou os erros das concepções de Tylor e Fiazer e revelou a
coerência e singularidade da assim chamada men talidade primi-
tiva e maneiras comuns de pensar. Ele mostrou que as pessoas
não são necessariamente cientistas despreparados, mas podem
ser bons místicos ou filósofos da vida cotidiana. É no solo do tra-
balho de Lévy-Bruhl que a psicologia do desenvolvimento de
Vygotsky e Piaget cresceram. Esse é um acontecimento excep-
326
cional, porque as criticas foram poucas e raramente chegaram
até a raiz da questão.
Mas, devemos nós, de fato, considerar a distorção como um
desvio do pensamento, como um sinal de erro, uma falta de lógi-
ca? O grande lingüista Emile Benveniste mostrou que, no estudo
das significações gramaticais ou léxicas, deve-se evitar empregar
noções polares de regularidade, ou desvio, em um sentido estri-
to. Aqueles que geralmente esquecem a estrutura hierárquica da
linguagem, a enterram na noção de desvio. Um elemento secun-
dário, é uma coisa, enquanto um elemento desviante é outra co i-
sa completamente diferente. Tomemos, por exemplo, o erro fun-
damental de atribuição, cujo elemento principal todavia perma-
nece na possibilidade de pensar que deve existir uma ligação
entre um efeito e uma causa. Esse erro consiste, como todos s a-
bem, em atribuir a causa de algum comportamento, ou aconte-
cimento, a uma pessoa, em vez de atribui-la a uma situação. O
leigo comete o erro, enquanto o especialista o evita, fornecendo,
por isso, uma resposta correta. Mas onde está a difere nça entre o
primeiro e o último? O leigo ignora a categoria de causalidade? É
ele incapaz de raciocinio causal, enquanto que o especialista,
conhecendo essa categoria, é, por isso, capaz de raciocinio cau-
sal?
Esse, evidentemente, não é o caso. Ambos são capazes de f
azer atribuições, de dar explicações causais. Desse modo, a única
diferença está no fato de que um prefere explicações pessoais,
enquanto que o outro prefere explicações situacionais, por moti-
vos que não ficaram claros. Portanto, eles não aplicam a catego-
ria de causalidade do mesmo modo; e não há aqui um erro de
raciocinio maior que o que existe quando se compara a astrono-
mia ptolemaica com a astronomia copernicana, pois ambos estão
fundamentados em uma hipótese distinta sobre o movimento
dos planetas. Mas não quero insistir no fato óbvio que a questão
da racionalidade não pode ser reduzida a uma questão de pro-
cesso e lógica, sem levar em consideração o conteúdo e finalida-
de do pensamento co mum. Ninguém assume uma mentalidade
conspiratória como o cume da ciência ou razão. Mas tomando em
consideração sua amplitude, freqüência e importãncia na vida
social, seria ridículo ex plicá-la apenas como uma distorção, ou
uma falta de lógica, pois ela implica toda uma visão sobre o ser
humano e o mundo. Enumerar suas irracionalidades é uma coisa,
compreender o que as pessoas fazem com ela é uma questão
327
totalmente diferente. Muitos estudos sobre a história das artes
mostram os feitos criativos que os pintores conseguiram, porque
nós estamos sujeitos a ilusões perceptuais, ou o que os novelis-
tas conseguiram, devido a nossas ilusões cognitivas. Somente
dentro da realidade histórica e cultural as relações de razão e
não-razão podem ser plenamente avaliadas e compreendidas.
A hipótese da polifasia cognitiva assume que nossa tendên-
cia em empregar maneiras de pensar diversas e até mesmo opos-
tas - tais como as cientificas e religiosas, metafóricas e lógicas e
assim por diante - é uma situação normal na vida cotidiana e na
comunicação. Conseqüentemente, a unidade lógica ou cognitiva
de nossa vida mental, que é assumida como dada por muitos
psicólogos, é um desiderato, não um fato. Podemos supor que há
três elementos - contexto, normas e fins - que regulam a escolha
que fazem de uma forma de pensamento, com preferência a ou-
tra. E talvez nós a qualifiquemos como racional. Para começar, é
óbvio que alguma informação particular pode ser identificada e
podemos lidar com ela, somente dentro de um contexto. Por e-
xemplo, um acontecimento não tem apenas uma causa, mas um
número infinito de causas, que dependem da multiplicidade de
outros eventos articulando esse contexto e também da represen-
tação que nós temos dele. Pense na famosa maçã de Newton. A
queda de uma maçã, como um simples fruto, pode bem ter como
sua causa o peso, a, maturação do fruto, que depende do sol che-
gando ao pomar, da: variedade da maçã, mas também das ci r-
cunstâncias atmosféricas, de um forte vento soprando naquele
dia. Apresentando sua representação mecânica, Newton olha
para a maçã caindo dentro de um contexto do qual ele exclui a
maturação do fruto, o vento etc: da cadeia causal, de modo a re-
ter apenas a direção do movimento e o peso do fruto. Por isso, a
maneira como nós lidamos com qualquer informação e a racio-
nalidade de nosso lidar com ela é uma questão de contexto e
representação explicando o que vai se r tomado como uma causa,
ou como um efeito.
As normas definem o que é considerado como pensamento e
conhecimento racionais na cultura ocidental. Desde os gregos, a
norma dominante foi o princípio de não-contradição, que se tor-
nou, por assim dizer, uma categoria imperativa. Ela é tanto um
imperativo jurídico, como retórico, dizendo -nos que não deve-
mos nos contradizer. Ao transgredir essa norma, somos qualifi-
cados como irracionais. O pensamento primitivo foi definido, no
328
século dezenove, com fundamento na suposição de que ele
transgride o princípio da não-contradição, ou as leis da associa-
ção. Pela metade do século passado, outra norma começou a e-
xistir: o princípio da probabilidade. A transgressão desse princi-
pio foi, desde então; considerado um sinal de distorção e irracio-
nalidade, embora o pr& prio Einstein duvidou disso, dizendo
“Deus não joga dados.”
As finalidades da atividade cognitiva podem ser múltiplas,
indo desde a procura da verdade, a persuasão e exercido do po-
der, até a sedução e o prazer de viver. Por conseguinte, o conhe-
cimento toma uma forma diferente, de acordo com o fim especi-
fico que alguém luta por conseguir. Pode ser uma finalidade cien-
tífica, como quando alguém quer confirmar, ou falsificar, uma
idéia arrojada, ou uma idéia ideológica, como quando alguém
tenta convencer ou exercer poder. Pode ser também uma finali-
dade “popular”, ter o prazer de pensar ou falar, ou desempenhar
espontaneamente determinada tarefa. É claro que uma pessoa,
ou um grupo, não pode conseguir todas essas finalidades dife-
rentes e opostas, através da mesma uni dade cognitiva. Muitos
efeitos cômicos surgem quando uma pessoa emprega uma forma
inadequada de pensar ou falar. Por exemplo, um cientista ten-
tando seduzir alguém através de um raciocínio ci entifico ou re-
tórico é tão ridiculo como Dom Quixote dirigindo -se a uma mu-
lher camponesa, como se ela fosse uma dama. Penetrar na racio-
nalidade do pensamento das pessoas, ou do senso comum, não é
uma tarefa fácil. Pense na questão do método. Ao estudar o pen-
samento cientifico, nós analisamos a produção, teorias e experi-
mentos dos pesquisadores e seus escritos. Ou nós observamos
como eles trabalham nos laboratórios e assim por diante. Nin-
guém nunca sugeriu que o conhecimento científico deveria ser
estudado escolhendo uma amostra de pessoas que receberam o
prêmio Nobel e solicitando-lhes que resolvam alguns problemas
implicando silogismos ou inferências estatísticas, mas isso é o
que os psicólo: gos fazem quando estudam o pensamento do sen-
so comum e o conhecimento comum. Ao invés disso, os psicólo-
gos deveriam estudar o conhecimento do senso comum a partir
de suas produções, inco rporadas em textos, linguagem, folclore,
ou mesmo literatura. Isso foi o que Heider fez. Se você contrasta
sua maneira de estudar psicologia popular com a maneira que se
tomou dominante posteriormente, com a psicologia social expe-
rimental empregando, por assim dizer, aprendizes, espero que
329
você irá compreender o que eu estou tenta ndo dizer. Na minha
opinião, a maioria desses experimentos não tem a ver como pen-
samento do senso comum. Isso não significa que eles não são
interessantes para o estudo do processa mento da informação. Se
você projeta isso para uma população in teira, que não possui
mais que 5 ou 1O por cento de especialistas, então você mesmo
pode tirar a conclusão sobre a finalidade social de tais resulta-
dos.
Nunca devemos esquecer que nós adquirimos a marca do
conhecimento do senso comum cedo na infância, quando nós
começamos a nos relacionar, comunicar e falar. A maioria das
pessoas fala muito bem sua língua materna, mesmo que elas não
tenham nenhum estudo. O conhecimento do senso comum, por
isso, não pode ser tão distorcido e errado, como algumas vezes
se supôs. Ele serve muito bem a seus propósitos na vida diária e
chegou mesmo a encantar e a tornar a vida digna de ser vivida
por séculos, como ele me serviu, durante minha infância na zona
rural, em uma cultura popular, maravilhosa, poética, apesar da
dificuldade e da pobreza em muitos lares. Penso em um quadro
de Chagall, Village et violiniste; ele pode lhe dar uma idéia da
pequena aldeia em que cresci.
IM - Penso que a questão colocada por você sobre senso
comum e distorções pode ser feita não apenas com respeito à
psicologia social, mas também com respeito à psicologia cogniti-
va. em um sentido mais geral. Quando vim à Inglaterra, em 1967,
fiquei admirada ao descobrir que os psicólogos ali não est uda-
vam o pensamento como um processo social, como era o caso na
psicologia marxista com a qual eu estava acostumada na Checos-
lováquia. Tenho em mente pessoas como Rubinstein, Vygotsky,
Leontiev e assim diante. Ao invés disso, o pensamento e a solu-
ção de problemas eram investigados como processamento da
informação e como processo onde o foco estava nos erros lógicos
e nas distorções. Você apresenta silogismos ou tarefas lógicas
baseadas em um cálculo proposicional às pessoas e você fica
interessado em descobrie que tipos de erros eles podem fazer.
Havia o pressuposto de existe apenas um modo de codificar co r-
retamente tais tarefas lógicas. Como resultado, os “erros” dos
sujeitos eram atribuídos ao conteúdo da tarefa, à motivação dos
sujeitos, ao esquema mental e a vários outros fatores. Escrevi
sobre isso muito extensamente em Paradigms, thought and lan-
guage (Marková, 1982). De fato, foi grande parte essa a razão por
330
que, em vez de continuar, na Inglaterra, como psicólogo cogniti-
vista - esse era o “rótulo” na Checoslováquia -, quis tornar-me
um psicólogo social, para estudar o pensamento e a linguagem,
do ponto de vista social.
Continuando com a mesma questão, gostaria de pe rguntar
sobre seus pontos de vista a respeito de Bartlett, a quem você se
refere muitas vezes em seu trabalho. Que papel, você diria de-
sempenhou ele no desenvolvimento de suas idéias sobre repre-
sentações sociais?
SM - Gostei do trabalho de Frederick Bartlett, que encontrei
quando fui ao Congresso Internacional de Psicologia, em Bruxe-
las, na década de 1950. Ele se vestia de maneira muito engraça-
da, mas era um homem agradável, gentil e eu estava em um pai-
nel sobre escalas, com Louis Guttman, no qual apresentei um
trabalho. Bartlett era uma pessoa bastante reservada, mas tive
uma conversa agradável com ele. Ele era mais “social” com res-
peito ao pensar, que muitos dos psicólogos sociais hoje. Durante
nossa conversa, ele fez um comentário sobre Lévy-Bruhl, dizen-
do que era errado comparar o homem primitivo com Kant. Des-
cobri depois que ele já havia feito esse comentário na década de
192O, em seu livro sobre cultura primitiva (cf. Bartlett, 1923:
289). Mas esse co mentário me impressionou muito, porque pen-
sei que ele estava de acordo com meu próprio método científico.
Esse encontro me dispôs a ler seu livro Remembering (Bartlett,
1932). Nesse tempo, es tava trabalhando na teoria das represen-
tações sociais. E sua análise sobre convencionalização ajudou-me
a compreender o processo de objetivação mais claramente.
IM - Isso me leva a uma questão até mesmo mais fundamen-
tal, que tem a ver com pressupostos ontológicos, de um lado, e
sua elaboração epistemológica, de outro. Gostaria de afirmar que
a fenomenologia, a teoria das representações sociais e alguns
outros enfoques sociais científicos, tais como o dialogismo de
Bakhtin, a teoria sociocultural da mente de Vygotsky, o co -
construtivismo de Valsiner, a teoria do desenvolvimento cogniti-
vo de Nelson, o estruturalismo da Escola de Praga, todos com-
partilham dos mesmos p ressupostos ontológicos sobre a realida-
de. Esses pressupostos incluem, por exemplo, a interdependên-
cia da cultura e da mente individual; seu co-desenvolvimento; a
interdependência entre pensamento/pensar e linguagem/falar.
Os pressupostos ontológicos são o fundamento de nosso racioci-
nar e muitas vezes eles são Implícitos, não-verbalizados - ou
331
mesmo difíceis de verbalizar. Contudo, eles dividem nitidamente
esses enfoques, daqueles que estão baseados em entidades dis-
cretas, processos isolados, pro cessamento da informação, rela-
ções causa-efeito. Em outras palavras, esses pressupostos onto-
lógicos especificam as diferenças entre o paradigma dialéti-
co/dialógico, por um lado, e o paradigma platônico/cartesiano,
por outro. Ainda mais, eles também os distinguem de enfoques
tais como pós-modernismo e construcionismo e, de modo parti-
cular, das formas “escuras” de construcionismo, para empregar o
termo de Danziger (1997).
337
mostra contendo numerosas crenças. Como podemos reconhe-
ce-las? O simples fato de que algumas proposições são assumi-
das como dadas e por isso se acredita nelas, é um indicador.
Além disso, elas estão misturadas com valores e atitudes que
não são discutidos, que é até mesmo proibido discutir, de tal
modo que as conclusões que nós tiramos de alguma informa-
ção, ou idéias, são, por assim dizer, já aceitas de antemão. Nesse
caso, nós tentamos confirmá-las a qualquer custo, o que se tem
observado nos estudos antropológicos ou experimentais. Atra-
vés da crença, o indivíduo, ou grupo, não se relaciona como um
sujeito se relaciona com um ob jeto, um observador com uma
paisagem; ele está conectado com o mundo como um ator com
o personagem que ele encarna, um ho mem com sua casa, uma
pessoa com sua identidade. As represen tações sociais, que são
identificadas no senso comum, são análo gas a paradigmas que,
contrariamente aos paradigmas científicos, são construídos
parcialmente por crenças baseadas na fé e parcialmente por
elementos de conhecimento baseados na verdade. E pelo fato
de conterem crenças, validá-los se mostra como um processo
longo, incerto, pois os paradigmas não podem ser nem confi r-
mados, nem negados. A origem de uma represent ação social
não é puramente raciocínio ou informação, mas ela pode estar
muitas vezes em oposição ostensiva a principios de raciocínio
ou informação. Se ela está fixada, como disse Peirce, ou enra i-
zada na cultura, na linguagem, então nós absorvemos represe n-
tações sociais, começando na infância, juntamente com outros
elementos de nossa cultura e com nossa língua materna.
Longe de apenas registrar dados, ou sistematizar fatos, e-
las (as representações sociais) são ferramentas mentais, ope-
rando na própria experiencia, conformando o contexto em que
os fenômenos estão radicados. Talvez isso também explique
por que dire- rentes tipos de conhecimento e representações
podem coexistir] juntos. Ainda mais, eles não eliminam antigos
tipos de conhecimento e representações, mesmo se velhos e
novos tipos se contradigam. Como observaram Stéphane Lau-
rent na França, ou McCloskey, Caramazzo e Green nos EE.UU., a
física do senso comum continua a ser usada mesmo por indiví-
duos que conhecem muito bem a física científica. Por exemplo,
eles podem aplicar a teoria medieval do movimento, a fim de
descrever e explicar o movimento de um corpo físico. Não há
nada de surpreendente sobre os achados desses experimentos,
338
nem significam eles que nossa física popu lar está baseada na
irracionalidade. Eles confirmam o que nós discutimos nos se-
minários de Koyré.
E depois o lingüista Leonard Talmy mostrou que essa teo-
ria medieval do movimento também inspira nossa linguagem.
Quando nós dizemos que o vento fez com que a bola continuas-
se a rolar, nós representamos a bola como tendo uma tendência
interna ao repouso. Ele podia também ter mostrado que os i n-
gleses, entre os quais a teoria de Newton nasceu, costumavam
dizer que o sol nunca se punha em seu império, o que se refere
à teoria de Ptolo meu. Lingüistas como Talmy supõem, correta-
mente na minha opinião, que representações compartilhadas
governam o sentido da linguagem - e não de outra maneira.
É claro, podemos encontrar representações sociais que são
mais abstratas, mais impessoais e outras que são mais concre-
tas e pessoais. Isso, de fato, é muito conhecido, de tal modo que
nós podemos falar, por exemplo, de cognições quentes e frias.
Mas eu penso que, do ponto de vista social, o que está em jogo
aqui é o grau de presença, ou de força, da crença. Por isso, ta l-
vez seja melhor falar, corno fez William James, do grau em que
essas representações estão vivas ou mortas; as pessoas acredi-
tam, ou não acreditam nelas, em determinado momento. Sendo
assim, duvido que possamos realmente compreender a vida
mental dos indivíduos ou grupos, se nós menosprezarmos o
cruzamento híbrido de fé e conhecimento, a mistura daquilo
que é considerado verdadeiro porque nós nele acreditamos e
aquilo em que nós acreditamos porque o consideramos verda-
deiro. A pobreza do cognitivismo não é que ele ignore o senti-
do; ele deixa fora as crenças.
SM- Por favor, não espere que eu jamais seja capaz de ex-
plicar a diferença entre “coletivo” e “social”. Suponho que de-
vam existir algumas diferenças, mas é preciso olhar no dicioná-
rio, porque eu não as encontro em nenhum trabalho de qual-
quer pensador digno de consideração, inclusive Durkheim. A
maior parte das vezes, as duas palavras são usadas como sinô-
nimas. Eu prefiro, contudo, usar apenas “social”, por que ele se
341
refere a uma noção clara, aquela da sociedade, a uma idéia de
diferenciação, de redes de pessoas e suas interações. No século
dezenove, a palavra “coletivo” era muito comum, sugerindo a
imagem de um amontoado de pessoas, um agregado de indivi-
duos formando um todo. Daí o termo “psicologia coletiva”, que
não era muito distinta da “psicologia da massa”. Não vejo a
questão histórica muito claramente. Mas eu posso construir
dois cenários. O primeiro, o cenário de Mauss, está ligado á es-
cola de Durkheim. O próprio Durkheim conservou o social e o
psicológico juntos. Depois de sua morte, Mauss insistiu mais na
especificidade do social e assumiu uma posição muito critica
com relação a Lévy-Bruhl, a quem considerou como insuficie n-
temente social, porque ele era muito psicológico. O ser coletivo
estava, para Bruhl, nesse lado da barreira, pois ele era “insensi-
vel” à singularidade dos grupos sociais. O outro cenário, o cená-
rio de Moscovici, se quiser, tem a ver com relações entre socie-
dade e cultura. Em The Invention of Society, distingui entre “so-
ciedades vividas” e “sociedades concebidas”. Brevemente, po-
deria dizer que na primeira, culturas, tradições, rituais, credos
simbólicos, etc. eram a matriz da sociedade. Na última, é o co n-
trario, sociedade é a matriz e aia sua cultura. Você po de encon-
trar um ponto de vista semelhante no livro de Raymond Willi-
ams Culture: “ O caráter social da produção cultural, que é evi-
dente em todos os periodos e formas, é agora mais diretamente
ativo e inescapável, que em to das as culturas anteriormente
desenvolvidas” (Williams, 1989: 3O). Arriscaria eu dizer que
não tenho realmente muita fé em nenhum desses cenários? Eu
respeito muito o trabalho histórico de Faz[. Uma vez ou outra,
contudo, a multiplicação de distinções cessa de ter a fecundida-
de que supostamente deveria. Através de todo meu trabalho,
permaneci fiel à navalha de Guilherme de O ccam: não se deve
multiplicar conceitos sem necessidade. Não se deve fazer com
mais o que se pode fazer com menos.
351
interdependências. Embora em linhas teóricas, o que você propôs
na teoria da inovação tem uma longa tradição, de Hegel através,
por exemplo, de Mead, Vygotsky, Baldwin e os lin güistas da Escola
de Praga, na psicologia social empírica foi uma nova concepção e,
por isso, difícil de ser compreendida.
IM - Há um ponto a mais. Eu me perguntei: como uma teoria
tão estranha e perturbadora como a psicanálise, defendida por um
grupo tão pequeno, altera o senso comum? Obviamente, outras
pessoas, por exemplo aquelas que trabalham no campo da crença
ou ciência, fizeram essa pergunta antes de mim. Você sabe que
essa foi a pergunta de Heisenberg: “Devemos perguntar como um
tão pequeno grupo de fisicos foi capaz de forçar o outro para essas
mudanças na estrutura da ciência e do pensamento.” Ele conside-
rou que essa era a pergunta principal para se compreender as re-
voluções cientificas.
Bem agora, para não vagar por muito longe de sua pergunta,
qual a relação entre a teoria das representações sociais e a teoria
da inovação, há aqui um outro ponto: as representações de grupos
que constituem um tipo ou outro têm, sem dúvida, alguma impor-
tância na comunicação da influência. Isso se refere a tipos que são
normalmente descritos como antagônicos ou alternativos. Como
entender a relutância que pessoas, especialmente nos EE.UU., ti-
vetam contra esse aspecto perturbador e incômodo das minorias?
Os EE.UU. é o pais dos imigrantes; houve ali dissidentes religiosos,
não-conformistas, pensadores independentes. Lendo o livro Tan-
glewood Tales, de Hawthorne, pode-se ver que a vida religiosa dos
EE.UU. esteve repleta de heresias e luta contra as heresias, sem
mencionar a desobediência civil e assim por diante. Esse pano de
fundo da teoria da inovação, do sentido das minorias e maiorias,
não despertou a atenção quando falei la sobre isso. Há algum tem-
po fiz uma análise literária de The Scarlet Letter, do ponto de vista
de minha teoria, do mesmo modo que fiz sobre Ala recherche du
temps perdu, de Proust, ou melhor, de um aspecto limitado desse
trabalho (Moscovici, 1986; ver também capitulo 5 neste volume).
354
2.4. Dissidentes como uma minoria
SM - Sim. Os dissidentes escolheram consistência porque eles
sabiam o que a consistência representa para os outros e o que o
compromisso representa para os outros. Desse modo, estilos com-
portamentais provem do estudo das representações sociais; sub-
jacentes a isso tudo, nós temos representações de intenção, de
comportamento, de regras de comportamento, etc. e você pode
dizer que isso resulta em representação. Se nós não tivermos a
mesma representação, então o estilo comportamental não tem
efeito.
IM - O estilo comportamental está baseado na consistência e
na repetição. A repetição é algo muito importante no desenvolvi-
mento da representação. Você discute esse ponto em La Psychaly-
se, como um modo de mostrar como a propaganda tenta mudar a
representação. Desse modo, poder-se-ia ver esse papel do estilo
comportamental de duas maneiras, primeiro, como uma represen-
tação compartilhada, como uma expressão de objetivos, inten ções,
motivos que são compreendidos por outros; e segundo, como uma
atividade consistente e repetitiva, que dá força a esses objetivos,
intenções e motivos.
SM - Não pensei sobre isso, mas é verdade.
IM - Eu me pergunto se a essa altura você não poderia dizer
algo sobre o estudo sobre dissidentes, porque seu excelente en-
saio sobre Solzhenitsyn e Tvardovsky é conhecido apenas aos
leitores franceses. Você o escreveu depois que a edição inglesa de
Social Influence and Social Change (1976) tinha sido publicada e
ele está incluido na versão francesa de seu livro intitulado Psycho-
logie des minorités actives (Moscovici, 1979) que, de algum modo,
expressa mais apropriadamente o enfoque principal do livro.
SM - Uma coisa que queria mostrar, nesse estudo, era que,
uma vez que você está na posição de um dissidente, sua maneira
de pensar, seu estilo de relações ou de comportamento mudam
totalmente. Pude ver a que ponto o estilo comportamental é con-
sistente em relação ao clima psicológico ou ã situação e As perso-
nalidades implicadas. No ensaio sobre Solzhenitsyn e Tvardovsky,
escrevi sobre pessoas que, em um tempo de um grande experi-
mento histórico, foram indivíduos fortes e muito proeminentes,
profundamente conscientes do que eles estavam fazendo e do que
355
estava acontecendo social e politicamente. Ambos tinham objeti-
vos pelos quais eles lutaram. Sua dramática relação revelou mui-
tos aspectos da influência que eles exerceram um sobre o outro e
achei isso iluminador. Essa foi também uma ocasião para confir-
mar a hipótese sobre conflito e conversão. Dessa maneira, até cer-
to ponto eles me forneceram subsidio teórico. Esses dois persona-
gens - e por personagem eu quero dizer alguém que faz o que pen-
sa e pensa o que ele faz - expressam a relação entre a ati vidade
mental e a comportamental. “Desde que escrevi esse ensaio, traba-
lhei sobre um terceiro personagem e fiz anotações sobre ele”. Sa-
kharov. Ele é um personagem muito interessante. Ele tinha escrito
suas memórias e comecei a trabalhar sobre elas. Você vê, então,
que eu penso que a análise de textos literários, baseada em dissi-
dentes, é um modo de progredir no estudo das minorias. Experi-
mentos de laboratório poderiam, às vezes, transformar-se em não
mais que uma série de pequenos estudos, um conduzindo ao o u-
tro, um sendo um refinamento do anterior e assim por diante,
todos juntos não sendo mais que uma espécie de trabalho intelec-
tual fechado.
IM - Essas análises literárias são estudos sociopsicológicos
imaginativos de grande valor. Mas são seus experimentos sobre
minorias, que influenciaram os psicólogos sociais. Os psicólogos
podem realizar estudos experimentais relativamente simples e
bem arrumados e podem procurar por variáveis que Moscovici
não levou em consideração, confirmar e desconfirmar Moscovici
nessas variáveis; eles podem aperfeiçoar esses experimentos, me-
lhorá-los e assim por diante. Em outras palavras, eles podem levar
adiante a “ciência normal”, para empregar o termo de Kuhn. Eu di-
ria que, de fato, todo livro-texto dos EE.UU. fala sobre seus estudos
em influência da minoria.
358
SM - Elas são coisas diferentes, mas marcadas pelo mesmo
referencial teórico e relacionadas à mesma teoria.
Há, portanto, alguns pequenos elos entre elas e espero que
outros venham construir mais alguns; por exemplo, poder-se-ia
pensar em um processo de gênese de um novo movimento social.
Se uma minoria quer criar um movimento, mudar sua posição na
sociedade e tornar-se ativa, ela tem de propor uma representação
social alternativa. Subseqüentemente, ela tem de se comunicar,
implementar uma estratégia de persuasão a fim de recrutar novos
membros e influenciar a maneira de pensar e agir da maioria. Em
Social Influence and Social Change (1976), tentei construir uma
psicologia de minorias ativas, como uma contrapartida à psicolo-
gia das massas, sobre-quem mais tarde escrevi outro livro, The
Age of the Crowd (1985), como você sabe. Uma vez superado o
que Norbert Elias chamou de accademismus, “a projeção das divi-
sões acadêmicas e conseqüentes rivalidades no projeto de pesqui-
sa dos departamentos”, a psicologia social é, na sua base, nada
mais que um casamento entre a psicologia das minorias ativas e a
psicologia das massas. Com essas duas psicologias, a alquimia
social constrói tudo o mais: identidades, grupos, comportamentos
coletivos, estereótipos, discurso e assim por diante. Você tem de
acreditar em sua estrela da sorte, a fim de materializar rapida-
mente seus sonhos, procurar uma resposta às perguntas que sur-
giram no decurso de sua vida. Eu não sou particularmente um
indivíduo otimista. Mas digo a mim mesmo que devo ter acredita-
do em minha estrela da sorte ao ir em busca dessas teorias, perse-
gui-las por tão longo tempo, a fim de procurar uma resposta ao
que me assombrou por anos, a fim de dar sentido a minha experi-
ência. Consegui, ou não, aos olhos de outros? Não compete a mim
responder. De qualquer modo, elas me ajudaram a criar uma com-
preensão melhor do mundo em que vivi e naquele em que esta-
mos vivendo.
Finalmente, gostaria de lhe dizer que a teoria da influência
exercida entre uma minoria e uma maioria, não nasceu da corren-
te de pesquisa sobre influência (Sherif, Asch, etc.), mas da pesqui-
sa sobre dinâmica de grupo. Como você sabe, por vinte anos ao
menos, o grupo tinha desaparecido da psicologia social. Preen cher
esse vácuo de fenômenos e noções bem estabelecidos, heurísticos,
será uma tarefa árdua. Seja como for, nós continuamos a pesquisa
sobre dinâmica de grupo da escola de Lewin, em duas direções. De
um lado, mencionaria os estudos sobre inovação e criatividade,
359
estendendo nossa crítica à maneira como o comportamento des-
viante e a ação das minorias, em um grupo, era concebida. Por
outro lado, posso mencionar a pesquisa que levou à descoberta,
com Mariza Zavalloni, da polarização do grupo (Moscovici & Zaval-
loni, 1969), algo que não apenas me trouxe grande felicidade,
mas foi também um dos fenômenos que me deu muita satisfação,
tanto no plano estético, como no intelectual. Não apenas porque
ele é fone e atraente, mas também porque ele está no coração da
teoria das decisões coletivas (Moscovici & Doi-se, 1994), cujo
primeiro esboço pode ser encontrado em Lewin e Sherif. A teoria
trata da mudança nas preferências, as atitudes induzidas no e pelo
grupo, através da participação e do envolvimento normativo de
seus membros. Dada a coerência e fecundidade da teoria, foi pos-
sível formulá-la em termos físico-matemáticos (Moscovici & Ga-
lam, 1991), o que permite lançar uma nova luz so bre a dinâmica
do grupo, a gênese das minorias e maiorias, as relações entre in-
fluência e poder e, algo notável, sobre a evolução dos grupos. Gos-
tei muito dela, porque leva à frente pontos fortes da pesquisa de
Lewin sobre mudança dentro do grupo e da pesquisa de Sherif
sobre envolvimento e mudança de atitude.
Porém, logo que transformamos a polarização do grupo em
um fenômeno intra-individual, não apenas a teoria perdeu sua be-
leza mas, além disso, o interesse, a centralidade do fenômeno fo -
ram perdidos. No tempo de sua descoberta nós a consideramos
como uma das principais contribuições da psicologia social expe-
rimental européia. Isso foi assim porque o laboratório de Bristol,
graças aos importantes estudos de Colin Fraser, tomou parte nele,
como também, se lembro bem, o laboratório fundado por Martin
Ide em Mannheim. Lembre-se que, naquele tempo, nós estáva mos
muito ocupados, construindo conscientemente uma psicologia
social na Europa. Pode ser ilustrativo você saber que em uma reu-
nião Henri Tajfel disse: “OK. Nós temos algo parecido com uma
interessante dinâmica de grupo. Agora, como Sherif depois de Le-
win, nós necessitamos também de algo parecido a uma interes-
sante dinâmica intergrupal.” Não conhecia essa relação, que ele
me explicou em detalhe. Esse foi um dos motivos para seu envol-
vimento naquilo que se tomaria seu trabalho de toda a vida e uma
das teorias mais originais nessa área. E meu laboratório tentou
contribuir com esse trabalho. Era muito excitante construir um
campo científico na Europa, arranhando as extremidades, por as-
sim dizer. Na verdade, isso é história. Mas lamento isso e não con-
360
segui entender como é possível conceber uma psicologia social
sem sociedade e sem o grupo, quero dizer, sem interação. Ou co-
mo outras pessoas fora da área podem acreditar no valor de tal
psicologia social. Isso não é uma questão de anti-individualismo e
tudo isso. Simplesmente, as palavras ainda têm seu sentido e os
campos científicos sua lógica. De minha parte pessoal, sinto-me
muito triste com respeito a esse encolhimento, a essa perda de
tempo, que me proporcionou muita alegria e confiança nas possi-
bilidades da psicologia social poder se envolver com problemas
muito importantes.
365
É correto afirmar que, quando as pessoas falam sobre La Psy-
chanalyse, eles se concentram na representação e se esquecem da
segunda parte do livro, que trata de comunicação e linguagem.
Como você disse, prestei atenção não apenas às mudanças nos
conteúdos, mas também às mudanças na maneira como as pessoas
falam sobre ele. Se nós estamos interessados no pensamento soci-
al, não podemos apenas imaginar pessoas ruminando informação,
ou ruminando conhecimento, como se eles fossem mudos, ou não
tivessem corpo. Minha hipótese em la Psychanalyse foi que exis-
tem diferentes sistemas de comunicação e conversação em niveis
interpessoais, do mesmo modo que há difusão, propagação e pro-
paganda em nível da “massa”; e que suas “regras” ou lógica con-
formam essas representações sociais de maneiras especificas. A
psicanálise foi não apenas tirada dos livros e tornada pública. Ha-
via uma luta cultural, os comunistas lutavam contra ela, a Igreja
Católica sutil e consistentemente resistia a ela e construía uma
representação inócua bastante diferente. Foi somente na década
de 197O que a situação mudou, quando a psicanálise de tornou
quase que uma religião civiL Mostrei como as prá ticas sociais se
tornaram relacionadas, por exemplo, a falas sobre cura e confis-
são, como essas práticas expressam suas representações em lin-
guagem e como a própria linguagem, ao mesmo tempo, vai mu-
dando. Para mim, comunicação é parte do estudo das representa-
ções, porque as representações são geradas nesse pro cesso de
comunicação e depois, claro, são expressas através da linguagem.
Sempre pensei que a conversação é algo muito básico para a psi-
cologia social. Esse ponto de vista era - e ainda é - algumas vezes,
ridicularizado, no sentido de que conversação foi pensada como
sendo algo em si mesma, algo pendurado metafisicamente em si
mesma. Foi nesse contexto do estudo da comunica ção, que come-
cei a pensar sobre lutas culturais - o que os alemães chamam kul-
turkampf - algo como uma “luta de idéias” e essas têm lugar no
campo da comunicação, na formação de representação social. Por-
tanto, uma representação social não é uma coisa tranqüila, consis-
tindo de um objeto e uma ciência e a transforma ção desse objeto.
Normalmente, há uma espécie de batalha ideo lógica, uma batalha
de idéias e tais batalhas são importantes mesmo na ciência. Como
disse Einstein, a única diferença entre uma ciência e uma guerra é
que na ciência você não mata pessoas; as pessoas não morrem na
batalha cientifica das idéias. Penso que o que está faltando muito
na psicologia social de hoje é uma preocupação com a luta das
idéias.
366
IM - Estudar representações sociais da psicanálise, portanto,
foi particularmente importante, porque essa questão era relevan-
te naquela ocasião, estava em seus começos, era saliente. Estava,
por assim dizer, na linguagem e na comunicação da época. Quan do
meus colegas e eu começamos a pesquisar, depois do fim do co-
munismo na Europa Central e do Leste, em 199O, sobre as repre-
sentações sociais da democracia, não conhecia nada sobre sua
análise da linguagem em La Psychanalyse. Mas nossas questões
eram semelhantes ás suas: a propaganda comunista, durante qua-
renta anos no poder, conseguiu mudar as representações sociais
da democracia? Do mesmo modo que em seu estudo da psicanáli-
se, assim também a palavra “democracia” foi particularizada, fo-
ram-lhe dados sentidos ideológicos específicos que, contudo, ob-
tiveram um significado ideológico global, por exemplo, “ democra-
cia burguesa”, “democracia soviética” e assim por diante. Foi então
que Ragnar Rommetveit chamou minha atenção para o traba lho
do filósofo Ame Naess, sobre a análise semântica da democracia.
Naess fez sua pesquisa como parte do estudo da Unesco durante a
Guerra Fria, em 195O.O objetivo desse estudo era, através da
compreensão dos sentidos da palavra empregados pelas ideo-
logias rivais do Leste socialista e do Oeste capitalista, diminuir a
tensão internacional. Naess observou que os políticos soviéticos
nunca empregavam o termo “democracia” sem um adjetivo, refe-
rindo-se ou a “democracia proletária” ou “democracia capitalista”
e assim por diante, sendo que “democracia soviética” estava no
cume de todas as democracias possiveis. Conseqüentemente, eles
obviamente empregavam as mesmas regras da propaganda que
você descreve em La Psychanalyse.
368
SM - Não, não. A propaganda é algo que está nas instituições;
a propaganda não é apenas “eu quero mudar as mentes das pes-
soas,” ela é algo que uma instituição faz continuamente e mu dar as
mentes das pessoas é parte disso. A propaganda procura manter a
estrutura da instituição, manter a representação e manter a estru-
tura social. Nós comunicamos, a sociedade tem de comunicar con-
tinuamente, bem ou mal. Desse modo, as representa ções estão
relacionadas com esse processo continuo de comunicação e mu-
dar as opiniões é parte dele. Com brevidade, a propaganda e a
oração são também rituais e sua função é manter a insti tuição, o
partido, etc.
IM - Tentarei sintetizar o que entendi. A propaganda faz mui-
tas coisas na sociedade, a fim de manter e fortificar as representa-
ções sociais existentes - e também para criar novas representa-
ções sociais. Antes, nesse diálogo, falávamos sobre a tentativa da
imprensa comunista e da Igreja de criar novas representações
sociais da psicanálise. Entre outras coisas que a propaganda faz,
ela também muda as mentes das pessoas. Não é seu objetivo prin-
cipal -embora esse possa ser um objetivo muito importante, como
ambos, você e eu, experimentamos, vivendo em regimes totalitá-
rios.
Em contraste, os processos de influência operam, em grande
parte, através da comunicação persuasiva, sendo seu objetivo fun-
damental mudar as mentes das pessoas, mas isso não seria plane-
jado estrategicamente. No inicio você falava da ciência, ideologia e
senso comum. Desse modo, em certo sentido, no co munismo e no
marxismo a propaganda empregava tanto a ciência, como a ideo-
logia, para seus propósitos. De fato, no bloco soviético havia a pro-
fissão de “propagandista”, cuja tarefa era educar as pessoas no
mandsmo-leninismo.
SM - Sim, mas era a instituição da sociedade, ou do partido.
Era comunicação, como a oração é a comunicação da Igreja. Não
era feita independentemente dessa instituição. Assim, quando
você tenta compreender a propaganda, você deve olhar para tudo
isso e não apenas para a mudança das mentes das pessoas. Propa-
ganda é uma instituição e nós a experimentamos, por exemplo, na
midia. A midia faz propaganda todo o tempo. Com respeito á psi-
cologia social da influência, aqui nós estamos interessados apenas
no problema de como esse processo de comunicação muda as
mentes das pessoas. Nos estudos sobre i nfluência da minoria, en-
foquei principalmente a persuasão, como as minorias influenciam.
369
O estudo de comunicação que realizei sobre psicanálise e
propaganda não foi um estudo sobre persuasão, foi um estudo
sobre certos géneros de comunicação, de certas instituições. Ao
contrario, nos estudos sobre minorias, enfoquei outro aspecto da
comunicação, a persuasão e a influência.
379
mesmo uma teoria que caminha na direção de resolver seu pro-
blema de unificação. Estou convencido, a partir de fundamentos
teóricos, que é a única teoria que pode, hoje, unificar nossa disci-
plina, profundamente fragmentada, que reduziu a humanidade de
indivíduos e grupos sociais a algo abstrato, estereotipado e insig-
nificante. O ser humano hoje, disse Kundera em algum lugar, se
encontra em um verdadeiro redemoinho de reducionismo e nossa
disciplina também contribui para isso, como se o ser humano não
fosse complexo e cheio de contradições, não tivesse paixões e
crenças, não estivesse sempre em tensão entre o conhecimento e a
crença, tanto em sua vida pessoal, como nos movimentos sociais.
Mas não quero fazer profecias sobre o futuro da psicologia social.
Quero dizer, simplesmente, que a psicologia social poderia ocupar
um lugar importante entre as ciências humanas e na sociedade e
que ela deveria deixar o redemoinho do reducionismo e agarrar os
fenômenos do pensamento e comunicação entre as pessoas em
sua unidade, isto é, em sua existência confusa. Bem lá no fundo,
aquilo em que sempre acreditei - e ainda acredito - é que a psico-
logia social deveria lutar para ser uma espécie de antropologia de
nossa cultura. Se isso for verdade, urn dia, então ela ha ocupar seu
lugar como uma disciplina central, que todos nos sos clássicos pre-
viram e profetizaram. Não lutar para que isso aconteça é não ter
esperança.
380
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indica a data da publicação original, e a segunda a data da úl-
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