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MESTRADO EM PSICOLOGIA

A VIVÊNCIA DO CLIENTE NO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO:

UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO NA GESTALT-TERAPIA

Celana Cardoso Andrade

GOIÂNIA-GO

2007
i

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

MESTRADO EM PSICOLOGIA

A VIVÊNCIA DO CLIENTE NO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO:

UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO NA GESTALT-TERAPIA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia,

como requisito parcial para obtenção do

grau de Mestre em Psicologia.

Mestranda: Celana Cardoso Andrade

Orientador: Prof. Dr. Adriano Furtado Holanda

Co-orientadora: Prof. Dra. Vannúzia Leal Andrade Peres

GOIÂNIA-GO

2007
ii

A VIVÊNCIA DO CLIENTE NO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO:

UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO NA GESTALT-TERAPIA

Dissertação apresentada a Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Psicologia.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Adriano Furtado Holanda, Faculdade Alvorada / IESB (DF) – Presidente

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Vannúzia Leal Andrade Peres, UCG – Co-orientadora

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro, Unb – Membro

_______________________________________________________________________

Prof. Dr. Rodolfo Petrelli, UCG – Membro

_______________________________________________________________________

Prof. Dr. Fábio Jesus Miranda, UCG – Suplente.


iii

A Adriano, meu marido e companheiro,

a minha gratidão pela sua existência,

pela sua companhia em todos o momentos,

e pelo apoio incondicional a todos os meus projetos.

Não tenho palavras para expressar

a intensidade de meu amor por ele.


iv

AGRADECIMENTOS

A Adriano Holanda, por ter orientado este trabalho com respeito, interesse, amizade, e por tê-lo
acompanhado tão de perto, o que resultou em preciosas contribuições. Conhecê-lo e ter sido sua
orientanda foi um privilégio.

A Jorge Ponciano, Rodolfo Petrelli e Fábio Miranda, exemplos de sabedoria, por terem enriquecido
este trabalho com suas observações por ocasião do exame de qualificação e por participarem da defesa
como membros da banca examinadora.

À Vannúzia Peres, por ter respeitado que eu constituísse meu caminho nesta pesquisa.

A Pedro Humberto Campos, diretor do programa de pós-graduação, pela sua compreensão e


sensibilidade.

A Darcy, Ingrid e Graciana, pela colaboração constante.

A Marisete Malaguth e Virgínia Suassuna, por tudo que me ensinaram.

A Emília, Fabiana e Marta, pelo incentivo de ingressar no mestrado e pela disponibilidade sempre.

A Liliane e Ana, minhas companheiras do curso de mestrado, por ouvirem minhas inquietações.

A minhas amigas e amigos por terem me aceitado da maneira que foi possível.

A meus pais, Celso e Suzana, por serem quem são e por sempre acreditarem e torcerem por mim.

A Gustavo, meu irmão, por ter sempre convivido comigo e me respeitado no dia-a-dia desta jornada.

A minha família, irmãos, sobrinhas e sobrinhos, primas e primos, tias e tios, sogro e sogra, cunhadas e
cunhados, por aceitarem minha ausência e, ao mesmo tempo, exigirem a minha presença.

A meus alunos e clientes que me ensinaram muito mais do que qualquer livro.

A Janaína, Marcos e Luísa, colaboradores desta pesquisa, sem os quais ela não teria sido possível.

A Deus, por ter tanto a agradecer.


v

RESUMO

Ainda existe a necessidade de aprofundamento do conhecimento acerca da contribuição da

psicoterapia na constituição do indivíduo como sujeito, ator e autor de sua vida. Esta pesquisa

tem como objetivo investigar a vivência do cliente no processo psicoterapêutico, de acordo

com sua própria perspectiva. O ponto de partida teórico é a Gestalt-terapia, e a

Fenomenologia, a sua abordagem metodológica. O trabalho divide-se em cinco partes. A

primeira destaca a pesquisa qualitativa e aborda o método fenomenológico, segundo as

formulações de Amedeo Giorgi, apresentando brevemente a Fenomenologia e a

Epistemologia Qualitativa. A segunda parte – momento empírico – é constituída de

entrevistas abertas com três clientes que realizaram mais de seis anos de terapia individual e

pelo menos dois anos de terapia de grupo; as entrevistas focalizaram as vivências dos

processos psicoterapêuticos dos clientes. Na terceira parte, são apresentados os resultados na

forma de categorias, e, na quarta parte, descreve-se o processo psicoterapêutico em Gestalt-

terapia, após uma breve introdução sobre a psicoterapia (em geral) e a Gestalt-terapia (em

particular). Finalmente, é feita uma reflexão sobre a pesquisa, com base em alguns

questionamentos e proposições. Conclui-se que a psicoterapia foi vivenciada de uma maneira

positiva pelos colaboradores e que, depois desse processo, eles conseguiram atingir um

autoconhecimento, descobrir o sentido de suas existências, resgatar a autenticidade e

encontrar o outro e a si mesmos com respeito e aceitação, além de desenvolverem suas

habilidades de dialogar, de viver no momento presente, ressignificar situações inacabadas e,

sobretudo, estabelecer relações mais saudáveis.

Palavras-chave: vivência do cliente, processo psicoterapêutico, Gestalt-terapia,

Fenomenologia, método fenomenológico.


vi

ABSTRACT

There is still the need of further knowledge about the contribution of psychotherapy to

position the individual as subject, actor, and author of its own life. This research has the

objective of investigate the individual experience throughout the psychotherapeutic process,

considering its own perspective. The theoretical starting point is Gestalt-therapy and

Phenomenology – its methodological approach. This paper is divided into five parts. The first

part outlines qualitative research and phenomenological method according to Amedeo Giorgi,

briefly presenting Phenomenology and Qualitative Epistemology. The second, empirical part

presents interviews with three clients who were submitted to more than six years of individual

therapy and at least two years of group therapy. The interviews were focused on their

experiences during the psychotherapeutic processes. In the third part, results are presented in

categories, and, in the fourth part, the psychotherapeutic process in Gestalt-therapy is

described, after a brief introduction on psychotherapy (in general) and, particularly, Gestalt-

therapy. Finally, a reflection on the research conducted follows, considering some questions

and propositions. We conclude that psychotherapy was positively experienced by the

interviewed clients, who after this process, were able to reach self-knowledge, discover the

reason of their existence, recover their authenticity and encounter the other and themselves

with respect and acceptance. They also developed their ability to dialogue, to live in the

present moment, to re-signify un-ended situations, and, most of all, to establish healthier

relationships.

Key words: client experimentation, psychotherapeutic process, Gestalt-therapy,

Phenomenology, Phenomenological method.


vii

A VIVÊNCIA DO CLIENTE NO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO:

UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO NA GESTALT-TERAPIA

SUMÁRIO

Dedicatória ..............................................................................................................................iii

Agradecimentos .......................................................................................................................iv

Resumo ......................................................................................................................................v

Abstract ....................................................................................................................................vi

Introdução .................................................................................................................................1

Capítulo I – A pesquisa qualitativa e a pesquisa fenomenológica ......................................10

1.1 A epistemologia qualitativa ....................................................................................11

1.2 A pesquisa qualitativa ............................................................................................14

1.3 A Fenomenologia ...................................................................................................16

1.3.1 O retorno às coisas-mesmas e a intencionalidade ...................................20

1.3.2 A redução fenomenológica e a intuição das essências ............................22

1.3.3 O mundo-da-vida .....................................................................................25

1.4. O método fenomenológico em pesquisa ...............................................................27

1.4.1 Um modelo fenomenológico: Amedeo Giorgi ........................................34


viii

Capítulo II – A pesquisa ..........................................................................................................40

2.1 Momento empírico .................................................................................................40

2.1.1 Participantes ............................................................................................42

2.1.2 Instrumento ..............................................................................................44

2.2 A vivência do cliente no processo psicoterapêutico ..............................................45

2.2.1 A vivência de Janaína .............................................................................46

2.2.2 A vivência de Marcos .............................................................................60

2.2.3 A vivência de Luísa .................................................................................69

Capítulo III – Os resultados ....................................................................................................81

Capítulo IV – O processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia ........................................106

4.1 Psicoterapia ..........................................................................................................107

4.2 Gestalt-terapia ......................................................................................................110

4.2.1 Breve histórico .......................................................................................112

4.2.2 Bases teórico-filosóficas e metodológica ..............................................119

4.2.2.1Psicologia da Gestalt ...............................................................120

4.2.2.2 Teoria Organísmica Holística .................................................124

4.2.2.3Teoria de Campo .....................................................................128

4.2.2.4 Existencialismo .......................................................................133

2.2.2.5 Humanismo .............................................................................138

4.2.2.6 Fenomenologia .......................................................................140

4.2.3 Conceitos básicos ..................................................................................143

4.2.3.1 Contato ....................................................................................143

4.2.3.2 Awareness ...............................................................................147


ix

4.2.3.3 Mudança paradoxal .................................................................151

2.2.3.4 Auto-regulação .......................................................................154

4.2.3.5 Figura-fundo ...........................................................................157

4.2.3.6 Ajustamento criativo ...............................................................160

4.2.3.7 Aqui-agora ..............................................................................164

4.2.3.8 Diálogo ...................................................................................166

4.3 O processo psicoterapêutico .................................................................................173

Discussão e considerações finais .........................................................................................184

Referências bibliográficas ...................................................................................................196

Anexos ...................................................................................................................................205

Anexo 1 – Cartaz convite ...........................................................................................206

Anexo 2 – Termo de consentimento livre e esclarecido ............................................207

Anexo 3 – Entrevista de Janaína ................................................................................210

Anexo 4 – Entrevista de Marcos ................................................................................237

Anexo 5 – Entrevista de Luísa ...................................................................................251

Anexo 6 – E-mail de Janaína ......................................................................................269

Anexo 7 – E-mail de Luísa .........................................................................................271


INTRODUÇÃO

A motivação de pesquisar A vivência do cliente no processo psicoterapêutico: um

estudo fenomenológico na Gestalt-terapia decorre de toda uma história acadêmica e prática

da pesquisadora: inicialmente como aluna e cliente e, depois, como professora e

psicoterapeuta na abordagem gestáltica há dezessete anos.

Nesse período, observou-se uma maior procura e aceitação da população em

submeter-se ao processo psicoterapêutico. Percebe-se que está mais fácil o acesso à

psicoterapia, visto que esse tipo de serviço é disponibilizado em várias escolas de Psicologia,

tanto nos contextos da graduação quanto da pós-graduação e, também, o número de convênios

que contempla a psicoterapia tem aumentado significativamente, tornando-a um caminho

mais acessível para as pessoas, até mesmo para aquelas economicamente mais carentes. Os

três colaboradores fizeram ou fazem psicoterapia por intermédio de convênios.

Outra atitude observada entre os clientes demonstra que o processo psicoterapêutico

tornou-se mais público, o que é constatado na mudança de atitude das pessoas. Anos atrás, era

comum ouvir a seguinte solicitação de um cliente: – “Pede para a secretária não ligar na

minha casa, pois ninguém sabe que estou em terapia”. Atualmente percebe-se uma maior

aceitação de estar em terapia, tanto do cliente quanto de seus familiares. Fazer terapia não está

mais tão associado a: ser louco, problemático, ou descompensado etc. Muitos clientes contam

que estão em terapia e a indicam a outras pessoas, dizendo que ela é benéfica, que pode ajudá-

las a serem pessoas mais interessantes, atitude comum nos colaboradores desta pesquisa.

O aumento do número de pessoas que procuram a terapia também se deve ao caos

relacional em que as pessoas vivem atualmente e, por isto, faz-se necessário identificar o

cliente que tem chegado aos consultórios de psicologia. Observam-se dois temas gerais que os
2

colaboradores desta pesquisa abordaram em seus relatos e que também têm sido comuns no

dia-a-dia das pessoas em geral.

O primeiro tema é a perda de sentido na vida, do lado humano das pessoas, e elas têm

vivido uma nostalgia referente a essa perda. Minkowski (1966) enfatiza que a nostalgia

“refere-se à ‘perda’, à perda do que nos é caro e precioso” (p.160, grifo do autor). O cliente

precisa, pois, descobrir a significação de sua existência, uma vez que, dependendo da

preocupação com o seu estar-no mundo, de como está sendo-no-mundo, desenvolve-se uma

forma predominante de lidar neste mundo. Sem reconhecer qual o sentido de sua vida, o

cliente torna-se impotente para lutar por algo significativo e surge então um vazio que o torna

infeliz.

Uma das razões significativas da perda de sentido deve-se a um duplo apelo que

homem atual sofre: ao mesmo tempo em que ele é solicitado a viver sua humanidade mais

profundamente, faz-se um apelo para a produção e a realização material. No entanto, as

pessoas têm sentido dificuldades em coordenar essas solicitações que advêm tanto do mundo

externo quanto do mundo interno.

A ênfase excessiva no conhecimento técnico e no materialismo, no final do século

XX, é o efeito direto da preponderância de uma atitude que busca conhecimento,

produtividade e resultado. O homem está sendo treinado, por meio de uma influência familiar

e cultural massificada, a dirigir sua vida para ganhar a qualquer preço. As pessoas estão

deixando escravizar-se pelas estruturas do trabalho produtivo, racionalizado, objetivado e

despersonalizado, pois existe a ilusão de que é necessário usar o outro e a si mesmo para

gerar lucros, sem perceberem que essa maneira limitada de pensar impede o seu

desenvolvimento como seres humanos.

A ditadura desse estilo de vida está conduzindo a humanidade a um impasse crucial:

ou põe-se limite à voracidade produtiva, associando trabalho e sentimento, ou o homem se


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tornará uma máquina, nem tão eficiente, determinado a produzir, indiscriminadamente, e

nunca se sentirá pleno. A maioria dos clientes está sentindo-se assim: cheio de produtividade

e vazio de valores humanos. Outros são os clientes, em menor número, que se sentem

desconectados das exigências atuais, por investirem em se tornarem pessoas melhores. Ambos

têm dificuldades de conectar os dois lados da vida: ter e ser.

Em decorrência, “perdeu-se a visão do ser humano como ser-de-relações ilimitadas,

ser de criatividade, de ternura, de cuidado, de espiritualidade, portador de um projeto sagrado

e infinito” (Boff, 1999, p. 98). É muito mais seguro relacionar-se de forma objetiva do que

envolvida. Hycner (1995) explicita que

na idade moderna predominam a racionalidade e a determinação. A determinação é a

arrogância, o orgulho que temporariamente infla o ego, mas que eventualmente leva à

autodestruição. Isso ajuda a criar a impressão de que podemos superar qualquer

obstáculo da natureza. (p. 86)

O resgate de uma atitude em que se percebe que o homem não só existe, mas co-existe

com os outros, se faz necessário e se torna possível à medida que se renuncia à vontade de

poder, que reduz tudo a objetos, desconectados da humanidade do homem. Esse resgate faz-se

quando se reduz a obsessão pela eficácia a qualquer custo e se desenvolve um genuíno

interesse e respeito pela pessoa com quem se interage, modificando a forma de relacionar-se

com o outro, tema trabalhado na Gestalt-terapia, que privilegia a relação.

Martins e Bicudo (1983) acrescentam que “existir é estar em inter-dependência, em

solicitude com os outros. Este estado de solicitude é, portanto, uma possibilidade básica do

ser-no-mundo” (p. 41). A solicitude é uma disponibilidade que o homem precisa buscar em

sua vida e que deve ser revista em seu processo psicoterapêutico.


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O segundo tema relatado com ênfase por um dos colaboradores, e pelos outros dois de

maneira mais implícita, foi o quanto eles se sentem sozinhos e desacompanhados em seus

sentimentos, pensamentos e ações, nesse mundo competitivo e vertiginoso em que vivem

atualmente. Na verdade, ao buscarem a terapia, nem mesmo têm claro quais são esses

sentimentos, pensamentos, e/ou ações. Trata-se de mais uma tentativa de encontrar alguém

que os escute e os confirme.

De acordo com Friedman (2002), “solidão significa ausência de relação e manutenção

do isolamento. Na solidão o homem conduz um diálogo com ele mesmo” (p. 85), o que

acontece quando o homem falha em sua tentativa de entrar em relação, e, em decorrência, a

distância entre ele e o outro aumenta e se solidifica.

Buber (1979) assinala que a sociedade capitalista promove um esgotamento da ação

dialogal na sua emergência, tornando os homens supérfluos e solitários. A pessoa sente-se

menos sozinha ao encontrar o outro, e essa percepção é bastante significativa nos relatos dos

colaboradores.

A fim de entender a solidão, é necessário atentar que o empobrecimento do contato

decorre, muitas vezes, da sociedade atual, que a todo tempo brinda o ser humano com grandes

facilidades e confortos e o afasta de seu ser, levando-o à constante busca do ter. O cliente,

então, corre o risco de viver no parecer (Hycner, 1995).

Segundo Petrelli (2004a), a chance de o homem integrar o seu ser e o seu ter é ele

mesmo escrever e executar a sua história. Para tal, necessita de um projeto existencial: o de

construir o ser autêntico. Resgatar a autenticidade é uma obrigação ética. Para assumir um

compromisso com a vida, é preciso descobrir o sentido da existência, e, então mostrar que a

ética é mais que um conjunto de normas, está ligada ao sentido da existência humana.

Petrelli (2004a) é enfático ao afirmar que realizar o existir “é tirar o nosso destino das

mãos dos outros, das mãos dos sistemas que nos rodeiam, sistemas ideológicos, políticos,
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científicos” (p. 184). O homem precisa ter coragem de ser, de avaliar, segundo ele mesmo, a

experiência do bem e do mal. Immanuel Kant, citado por Petrelli (2004a) diz que “para o

homem justo não é preciso emanar leis” (p. 184).

A decisão de escolher ser alguém, de ser uma pessoa plena, autora de sua experiência,

torna-se cada vez mais difícil. O homem, alienado de si mesmo, passa a contemplar a

aparência, em detrimento da própria existência; passa a ser um espectador de sua vida,

distante de seus valores éticos e de suas crenças. O artificial tende a substituir o autêntico. O

homem só se sente aceito e pertencente a esse mundo, quando se adéqua às imagens

estabelecidas pela mídia e outros meios de comunicação (Debord, 1997).

A aparência tenta suprir as exigências internas e externas, mas é frágil, por isso as

pessoas têm procurado a psicoterapia.

Apesar do número de pessoas ter aumentado nos consultórios, a investigação científica

em psicoterapia é um campo relativamente recente, iniciado no início do século XX; e, em

Gestalt-terapia, especialmente no Brasil, são poucos os estudos acadêmicos na área clínica

(Holanda & Karwowski, 2004). Este dado também foi uma motivação para que esta pesquisa

ocorresse.

Sousa (2006) apresenta o estudo sobre Investigação em psicoterapia, no qual ele

apresenta algumas considerações relevantes para a pesquisa em psicoterapia. O autor aponta

que a investigação em psicoterapia se centra nos resultados, isto é, tenta explicar como o

cliente se encontra antes e depois da terapia e poucas pesquisas buscam compreender a

relação terapêutica e como ela é vivenciada.

Poucos avanços foram dados quanto ao entendimento do como o processo

psicoterapêutico promove mudança nos clientes. Assim, foi proposto um novo paradigma de

pesquisa, no qual se pretende compreender os mecanismos de mudança psicoterápica, ou seja,

como a relação psicoterapêutica promove mudança nos clientes. O paradigma pretende


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ultrapassar a dicotomia entre os estudos sobre resultados/processos, procurando investigar o

como e o porquê da mudança psicoterapêutica. Busca-se, nesta pesquisa, discutir como a

relação psicoterapêutica foi vivenciada pelos clientes: as mudanças, as contribuições, as

implicações etc.

Um aspecto que Sousa (2006) destaca em seu artigo é a distância de interesses entre os

terapeutas e os investigadores. Nas palavras do autor, “os clínicos criticam as metodologias

usadas na investigação e não encontram, nos resultados desta, elementos que os ajudem a

melhorar a sua prática; por sua vez os investigadores sustentam a necessidade de validar

cientificamente os conhecimentos teóricos e clínicos” (pp. 373-374).

Neste estudo, a pesquisadora é uma terapeuta que faz uso da metodologia

fenomenológica para investigar as implicações da psicoterapia na vida do cliente, sem a

pretensão de validar a teoria da Gestalt-terapia, mas com o interesse de conhecer a vivência

do cliente no processo psicoterapêutico.

A rigor, a investigação é, sobretudo, analisar como os clientes vivenciaram seus

processos psicoterapêuticos. No entanto, por ser uma pesquisa qualitativo-fenomenológica, a

experiência da pesquisadora também interfere nos resultados, pois eles são constituídos tanto

pelos colaboradores quanto pela pesquisadora.

Sousa (2006) faz um levantamento de algumas pesquisas sobre psicoterapia e assevera

que: a) é evidente a eficácia da psicoterapia; b) na literatura é comumente referido que 80%

dos clientes têm uma mudança significativa em sua vida, quando comparado com outras

pessoas com o mesmo tipo de problema e que não fizeram terapia; c) não há diferenças

significativas entre os resultados de diferentes abordagens; d) as pessoas mantêm as

competências adquiridas no processo psicoterapêutico e sabem lidar mais facilmente com

situações futuras; e) a relação terapêutica tem sido salientada como o fator mais importante

para o bom resultado da terapia, envolvendo as competências interpessoais tanto do cliente


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quanto do terapeuta. Estes e outros aspectos serão discutidos a posteriori, de acordo com as

vivências dos colaboradores.

Para Macran, Ross, Hardy e Shapiro (1999), a maioria dos estudos sobre pesquisa

psicoterapêutica não tem considerado a perspectiva do cliente e, destacam, que o olhar do

cliente sobre o processo psicoterapêutico é necessário para o desenvolvimento desse campo

de pesquisa. Os autores ponderam que o modo como o cliente percebe sua terapia é tão

importante quanto qualquer outra perspectiva. Até os dias atuais, os estudos têm buscado

compreender como o psicoterapeuta entende a terapia.

Macran et al. (1999) entendem que o motivo de os pesquisadores negligenciarem as

perspectivas, os sentimentos e os valores dos clientes na pesquisa em psicoterapia teve suas

sementes nas idéias tradicionais de Freud. Na concepção freudiana, o indivíduo em processo

psicoterapêutico normalmente não tem, sozinho, acesso consciente ao processo, mas somente

com a ajuda do analista, e, conseqüentemente, os clientes teriam muito pouca utilidade na

pesquisa sobre psicoterapia. Outra influência foi o Behaviorismo, que, por razões diferentes,

também deu pouco valor aos pensamentos, desejos e intenções dos clientes, escolhendo

concentrar-se mais direta e objetivamente nos comportamentos observáveis.

Na literatura sobre psicoterapia, existe uma variedade de razões que são comumente

citadas para justificar a tendência à negligência dos julgamentos dos clientes: a) em virtude de

seu estado mental inadequado, os clientes não estão habilitados a fazerem seus julgamentos

sobre suas terapias; b) os clientes dispõem de uma visão menos diferenciada do processo

psicoterapêutico do que os terapeutas ou conhecedores desse campo; c) os clientes podem,

consciente ou inconscientemente, distorcerem suas experiências relatadas; d) os clientes não

têm habilidade suficiente para fazerem uma avaliação competente sobre a terapia que recebem

(Macran et al., 1999).


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Esses autores também listam boas razões que contestam os descasos com as

contribuições dos clientes. Eles afirmam que os clientes até podem exagerar os benefícios

obtidos ou distorcerem algo, mas, a não ser que suas idéias sejam consideradas delirantes, não

existem razões para questionar seus relatos. Defendem a idéia de que o cliente não é

meramente um receptor passivo da terapia, tanto que o processo psicoterapêutico reflete um

acontecer de quatro mãos. Assim, as observações dos clientes são tão importantes quanto as

dos terapeutas, até mesmo porque os clientes não são pessoas passivas em seus processos

psicoterapêuticos como os modelos mais tradicionais os consideram. Os clientes trazem suas

próprias esperanças, seus objetivos e intenções para a psicoterapia e ativamente avaliam as

ações de seus terapeutas em relação a essas intenções, e, a decisão acerca do que é importante

e significativo para os clientes cabe a eles. Enfim, se os pesquisadores querem entender, em

profundidade, os efeitos da psicoterapia, eles precisam dos clientes para auxiliá-los.

Após essas notas introdutórias sobre o cliente que chega ao consultório, o como as

pesquisas têm abordado a psicoterapia, além da importância da visão do cliente sobre sua

vivência psicoterapêutica, faz-se importante descrever como esta pesquisa será apresentada.

O primeiro capítulo trata, teoricamente, da pesquisa qualitativa e do método

fenomenológico. Decidiu-se iniciar a apresentação deste estudo com este capítulo, pois ele foi

de fundamental importância para que a pesquisadora entendesse o método fenomenológico

que iria usar na pesquisa. É um método que exige um conhecimento anterior da

Fenomenologia, tendo sido necessário discutir alguns conceitos da Fenomenologia. Ademais,

para uma compreensão da atitude do pesquisador diante do pesquisado, foi necessário abordar

questões sobre epistemologia qualitativa e pesquisa qualitativa em geral.

Em seguida, no capítulo II apresenta-se o momento empírico: a pesquisa propriamente

dita. Foram entrevistadas três pessoas que haviam sido submetidas ao processo

psicoterapêutico. As vivências psicoterapêuticas foram apresentadas por meio de uma síntese


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individual das entrevistas, no qual foi utilizada uma linguagem psicológica apropriada no

intuito de enfatizar o fenômeno estudado.

No terceiro capítulo, após ter seguido todos os passos do método fenomenológico,

exemplificado no capítulo I, a pesquisadora chegou a algumas categorias, o que gerou os

resultados.

Alcançados os resultados, decidiu-se escrever sobre o processo psicoterapêutico em

Gestalt-terapia, abordagem em que os clientes vivenciaram suas terapias tanto individuais

quanto em grupo. Para entender esse processo, fez-se uma breve introdução sobre a

psicoterapia em geral. Em seguida, apresentou-se a origem da Gestalt-terapia por meio da

história de seu principal representante, Fritz Perls. Várias concepções teóricas, filosóficas e

metodológicas influenciaram direta e indiretamente a Gestalt-terapia, o que pode ser

percebido em seus conceitos básicos e na prática psicoterapêutica. Assim constituiu-se o

quarto capítulo desta dissertação.

A discussão e considerações finais tentam responder às questões apresentadas no

decorrer do trabalho, refletir sobre os resultados encontrados, mostrar algumas interrogações

que ficaram em aberto, apresentar algumas categorias encontradas nos depoimentos dos

clientes que contribuem para a teoria da Gestalt-terapia e sugerir alguns passos para outras

pesquisas que não puderam fazer parte deste estudo.

Decidiu-se anexar as entrevistas, na íntegra, por considerar que as elas podem

esclarecer aspectos das histórias apresentadas, pela riqueza de seus conteúdos e pela infinita

possibilidade de olhar o que foi relatado sobre a vivência do cliente no processo

psicoterapêutico.
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CAPÍTULO I

A PESQUISA QUALITATIVA E A PESQUISA FENOMENOLÓGICA

Para um fenomenólogo a verdade não se cria, não é dada a


priori, não é um dogma. A verdade se busca, se colhe e se
respeita. Não se cultua, pois é provisória, histórica,
submetida a mutações do devir temporal.
Rodolfo Petrelli

Para a realização deste trabalho – A vivência do cliente no processo psicoterapêutico:

um estudo fenomenológico na Gestalt-terapia – foi utilizada a pesquisa qualitativa. Em meio

à diversidade dos métodos qualitativos em Psicologia, optou-se pelo fenomenológico como

um modelo compreensivo e, dentre os modelos conhecidos, escolheu-se a proposta de

Amedeo Giorgi (1985).

Na busca por minimizar as dificuldades encontradas na aplicação do método

fenomenológico, no que concerne à grande variedade de interpretação, nem sempre de acordo

com os princípios da Fenomenologia (Giorgi, 2006), e explicitar como foram constituídos os

resultados dessa prática de pesquisa, é necessário esclarecer a natureza qualitativa da

realidade investigada, o modelo de relação entre investigador-investigado e o modo como se

obtiveram conhecimento do problema e os aspectos intrinsecamente relacionados. Com o

intuito de abranger esse conteúdo, o capítulo foi dividido em quatro partes.

Inicialmente, buscar-se-á evidenciar a atitude da pesquisadora em relação ao estudo e

aos colaboradores, que será elucidada na apresentação da epistemologia qualitativa, difundida

primordialmente por González Rey (2002, 2003, 2005). Em seguida, será feita uma

introdução sobre a pesquisa qualitativa, pois, neste estudo, defende-se a compreensão

particular e, ao mesmo tempo complexa, do fenômeno estudado – serão discutidos três casos.

A terceira parte propõe discutir a Fenomenologia e seus principais conceitos, visto que, no

tocante à pesquisa qualitativa, será utilizado o método fenomenológico, abordado na quarta


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parte deste capítulo, em especial o modelo desenvolvido por Giorgi (1985), que será seguido

nos resultados.

1.1 A epistemologia qualitativa

O final da década de 1970 foi marcado por uma ampla discussão dos limites e

possibilidades das diferentes posições assumidas ante o conhecimento psicológico. A

emergência de novos problemas em sua construção, assim como a ostensiva perda da

influência do paradigma positivista, contribuíram para uma reflexão crescente do processo de

construção do conhecimento em Psicologia. Propôs-se então a epistemologia qualitativa, que

se constituiu em uma teoria que busca a produção do conhecimento e a inteligibilidade do

real. Nessa perspectiva, entende-se que pesquisador e colaborador da pesquisa investigarão

algo novo para ambos (González Rey, 2003).

Fernando González Rey é reconhecido como um dos mais importantes divulgadores

da epistemologia qualitativa no Brasil. O uso dos princípios propostos pelo autor foi de

grande valia nesta pesquisa, pois possibilitou à pesquisadora encontrar seus colaboradores e

constituir seu conhecimento sobre o objeto de estudo. Segundo González Rey (2002), a

epistemologia qualitativa apóia-se em três princípios que implicam conseqüências

metodológicas importantes para a compreensão do conhecimento: a) o conhecimento é uma

produção construtivo-interpretativa; b) a produção do conhecimento é um processo interativo;

c) a significação da singularidade é um nível legítimo da produção de conhecimento.

González Rey (2002) ressalta, em primeiro lugar, que o conhecimento é uma produção

construtivo-interpretativa. O conhecimento é construído na relação pesquisador-pesquisado,

pois ambos são subjetividades envolvidas ativamente na constituição desse conhecimento, e

colher a subjetividade, tanto a própria quanto a alheia, é pesquisa qualitativa.


12

Os conhecimentos prévios do pesquisador não devem se sobrepor a esse momento da

relação. González Rey (2003) assinala que a teoria é um momento de sentido no processo de

produção teórica, no entanto, não é o esquema geral a que se deve subordinar esse processo.

Ao mesmo tempo, González Rey (2002, 2005) enfatiza que, no curso de uma pesquisa, existe

a possibilidade de desenvolver conceitos e categorias novas, e o autor afirma ser esse

momento um dos mais criativos e delicados da pesquisa.

A interpretação decorre da necessidade de dar sentido à expressão do sujeito estudado.

É um processo no qual o investigador integra, reconstrói e representa, em construções

interpretativas, vários indicadores, que Giorgi (1985) – em uma perspectiva fenomenológica

– denomina categorias (ou expressão dos insights psicológicos), produzidas durante a

pesquisa, as quais não podem ser consideradas de forma isolada como construções empíricas.

A interpretação não se refere a nenhuma categoria universal, pelo contrário, é um

processo que se realiza pela unicidade e complexidade do sujeito estudado. Os significados

são construídos permanentemente nesses processos, daí a impossibilidade de esgotamento dos

fenômenos estudados.

No processo interativo da produção do conhecimento, segundo princípio da

epistemologia apresentada por González Rey (2002), o autor focaliza a relação entre

pesquisador-pesquisado, preocupação comum encontrada, por exemplo, em Binswanger

(1970), quando afirma que ambos são capazes de experienciar, interpretar e explicar a

singularidade fenomênica vivida. Este princípio é um requisito para o desenvolvimento das

pesquisas nas ciências humanas, assim como é atributo constitutivo do processo de produção

do conhecimento no estudo dos fenômenos humanos.

González Rey (2002, 2005) propõe um diálogo aberto que estimule a expressão de

sentimentos, de pensamentos e de ações, enfim, uma comunicação que incite os dados

imediatos da experiência da existência, o que favorece a compreensão dos sujeitos


13

pesquisados, ativos em todo processo. Ficar atento a todos os aspectos que surgem no cenário

da pesquisa leva a construções complexas, independentemente dos instrumentos utilizados.

O terceiro princípio apontado por González Rey (2002) ressalta a significação da

singularidade como nível legítimo da produção de conhecimento. O autor define a

singularidade (que retrata a história única da pessoa), como distinta do conceito de

individualidade (que ressalta as diferenças) – e resgata a historicidade na constituição

subjetiva do indivíduo, o que implica que o estudo qualitativo é validado pela qualidade da

expressão subjetiva do sujeito. O número de sujeitos a serem estudados deve responder a um

critério qualitativo, definido essencialmente pelas necessidades do processo de conhecimento

que surge no curso da pesquisa, o que lhe confere o caráter de licitude. O conhecimento

qualitativo legitima-se pela qualidade da expressão dos sujeitos estudados, o que se observa

igualmente na pesquisa fenomenológica, a partir dos estudos de Forghieri (1993), Gomes

(1997), Dartigues (2003), Bicudo (2005), Martins e Bicudo (2005), dentre outros.

A epistemologia qualitativa apresenta a concepção de um sujeito ativo e participante,

na qual pesquisador e pesquisado atuam em conjunto em um processo dialógico. Os sujeitos

das pesquisas realizam verdadeiras construções, que escapam de questionamentos lineares,

tornando-se um processo complexo que exige do pesquisador habilidade na definição dos

indicadores relevantes ao seu objeto de estudo (González Rey, 2002, 2003). Todos os

momentos vivenciados pelo pesquisador durante a pesquisa – as reflexões, as idéias, os

momentos casuais, a aplicação de instrumentos, os sentimentos, etc – auxiliam-no a dar

sentido às informações fragmentadas que foram sendo recolhidas no desenvolvimento da

pesquisa.
14

1.2 A pesquisa qualitativa

Holanda (2002) assinala que a pesquisa qualitativa constituiu um significativo avanço

para as chamadas ciências humanas e preencheu espaços que o modelo quantitativo não

alcançava. O autor cita:

o espaço da interlocução com o humano, o espaço de busca dos significados que estão

subjacentes ao dado objetivo, o espaço de reconstrução de uma idéia mais abrangente

do que é empírico, um espaço de construção de novos paradigmas para as ciências

humanas e sociais. (p. 156)

Os lugares ocupados pela pesquisa qualitativa permitem a busca do “conhecimento de

um objeto complexo: a subjetividade, cujos elementos estão implicados simultaneamente em

diferentes processos constitutivos do todo, os quais mudam em face do contexto em que se

expressa o sujeito concreto” (González Rey, 2002, p. 51).

O trabalho com questões complexas não permite ao pesquisador uma definição exata e

a priori dos caminhos que a pesquisa irá seguir. A flexibilidade no processo de condução da

pesquisa é uma das características da pesquisa qualitativa. González Rey (2005) enfatiza:

“tomar o novo como uma nova forma de saber preexistente é castrá-lo no que tem de

novidade” (p. 18). Assim, o percurso da pesquisa depende do contexto em que ela está

inserida, sem esquecer que o pesquisador exerce influência sobre a situação da pesquisa e é

por ela também influenciado.

Essa complexidade também é marcada pela mútua influência entre pesquisador-

pesquisado, pois tanto pesquisador como pesquisado produzem pensamentos com base na sua

posição diante do outro e de si mesmo, o que influencia o processo da pesquisa e,

conseqüentemente, seus resultados. Martin Buber (1965, 1979, 1982) sustenta a idéia da
15

influência mútua, ao destacar, em grande parte de sua obra, que o humano se estabelece na

relação ou, conforme sua própria terminologia, na esfera do interhumano. Este

posicionamento corrobora com as características da pesquisa qualitativa, em que se destaca a

parceria do pesquisador-pesquisado, uma singularidade que influencia o outro em um

contexto específico.

Diante da participação ativa do pesquisador – característica da pesquisa qualitativa – a

história e o contexto cultural deste devem ser entendidos como elementos de grande

significado na pesquisa, pois “marcam uma singularidade que é a expressão da riqueza e

plasticidade do fenômeno subjetivo” (González Rey, 2002).

Outra característica fundamental da pesquisa qualitativa é citada por Martins e Bicudo

(2005). Segundo eles, a pesquisa qualitativa busca uma compreensão particular daquilo que

estuda, já que o foco de sua atenção é dirigido para o específico, o individual, aspirando à

compreensão dos fenômenos estudados, que somente surgem quando situados.

Ao destacar algumas das características da pesquisa qualitativa, observa-se que essas

qualidades são comuns a outros modelos de pesquisa em ciências humanas. Moustakas (1994)

destaca o foco na experiência de totalidade, a busca de significados e essências da

experiência, que são alcançados com base nas descrições da experiência singular do sujeito

pesquisado e o comprometimento tanto do pesquisador quanto do pesquisado, na expectativa

de atingir a totalidade do fenômeno.

Nas várias modalidades de pesquisa qualitativa (tais como o modelo etnográfico, a

pesquisa heurística, a hermenêutica, a grounded-theory, a pesquisa historiográfica, o estudo

de caso, a pesquisa biográfica e a pesquisa fenomenológica), pesquisador e sujeito são

produtores de pensamento. A especificidade da pesquisa qualitativa refere-se à busca dos

aspectos da realidade do sujeito considerando que esses aspectos são apreendidos por sujeitos

pesquisadores.
16

Essas características estão refletidas nas considerações de González Rey (2002, 2005)

ao advertir que o pesquisador deve estar aberto a mudar suas próprias idéias para facilitar a

produção de conhecimentos, visto que a produção de teorias é um processo essencialmente

qualitativo, pois o momento da pesquisa é considerado um momento de confrontação e

desenvolvimento de novas teorias.

A pesquisa busca manter uma relação constante entre quatro diretrizes fundamentais: a

teoria, o momento empírico, os instrumentos e o processo de construção e interpretação de

informações com a produção de conhecimentos, em um desenvolvimento contínuo,

estabelecido tanto pelo pesquisador como pelo pesquisado. Assim, a pesquisa qualitativa não

corresponde somente a uma definição instrumental, ela é epistemológica e teórica e apóia-se

em processos singulares de construção de conhecimento. González Rey (2002) adverte que o

pesquisador que focaliza simplesmente a diferença metodológica, em geral distingue o

qualitativo e o quantitativo somente no plano das técnicas.

Ao buscar uma informação singular, o pesquisador retira a teoria de foco, aceitando o

empírico como via de produção do conhecimento e possibilidade de construção de novas

teorias, sobretudo em razão de a teoria representar um processo vivo, em desenvolvimento e

construção (Amatuzzi, 1996, 2003; Gomes, 1998; Holanda, 2002, 2006).

Com essa visão geral do que é a pesquisa qualitativa e sua epistemologia, percebe-se a

necessidade de conceituar a Fenomenologia e seus principais pressupostos para uma maior

compreensão da especificidade do método fenomenológico aplicado à pesquisa psicológica.

1.3 A Fenomenologia

A Fenomenologia nasceu no início do século XX com a obra Investigações lógicas, de

Edmund Husserl (1859-1938). Foi um dos movimentos filosóficos mais importantes do século

XX e, desde o seu início, guardou relações de intimidade com a recém-criada Psicologia


17

(Husserl, 1965, 1985, 1992; Forghieri, 1993; Holanda, 2002; Moreira, 2002; Dartigues, 2003;

Martins & Bicudo, 2005).

Os dez últimos anos do século XIX, que antecederam as publicações de Husserl sobre

a Fenomenologia, constituíram uma época que, segundo Dartigues (2003), se caracterizou na

Alemanha pela queda dos grandes sistemas filosóficos tradicionais. A Fenomenologia é a

ciência que, naquele período e até nos dias atuais, busca preencher o espaço deixado vazio

pela filosofia especulativa.

Edmund Husserl nasceu no Império Austro-Húngaro – atualmente República Tcheca –

e faleceu na Alemanha, em Freiburg. O início da formação acadêmica de Husserl deu-se nos

estudos da Matemática. De 1884 até 1886, Husserl permaneceu em Viena assistindo aos

cursos de Filosofia e Psicologia Descritiva do filósofo Franz Brentano. Holanda (2002)

ressalta que a Psicologia Descritiva brentaniana, fundada na doutrina da intencionalidade, já

propunha a especificidade da conduta humana como fonte da subjetivação.

Forghieri (1993) analisa que a Fenomenologia de Husserl ultrapassou a Psicologia

Descritiva de Brentano, ao analisar que,

embora partindo das idéias de Brentano sobre a intencionalidade, vai além deste,

investigando-a na vivência de consciência como tal, e chegando a uma análise

profunda do conhecimento, que ultrapassa os limites da Psicologia. Sua obra consiste,

sobretudo, em problematizar o próprio conhecimento e na apresentação da

Fenomenologia como o único método para chegar a verdades apodícticas1, evidentes.

(p. 14, grifos da autora)

1
Verdades universais e necessárias.
18

Husserl considerava-se um eterno iniciante em Filosofia, buscando incessantemente

tornar suas idéias mais claras. Extremamente crítico, revia constantemente seu trabalho,

ampliando-o. Além de diversos artigos, Husserl deixou uma obra de vários livros e mais de 45

mil páginas de manuscritos estenografados que se encontram na Bélgica. A transcrição e a

publicação desse material ainda continuam, e já contam com mais de trinta volumes

(Spiegelberg, 1972; Holanda, 2002; Moreira, 2002; Chauí, 2005).

Afinal, o que é Fenomenologia? O termo Fenomenologia deriva das palavras de raiz

grega phainomenon (aquilo que se mostra com base em si mesmo) e logos (ciência ou

estudo). Nesse sentido, etimologicamente, a Fenomenologia é o estudo ou a ciência do

fenômeno. Por fenômeno, em seu sentido mais genérico, entende-se tudo o que aparece, que

se manifesta ou se revela por si mesmo, por isso o domínio da Fenomenologia é amplo e

praticamente ilimitado (Mora, 2001; Abbagnano, 2003; Japiassu & Marcondes, 2006).

Petrelli (2004b) explicita que a Fenomenologia é a ciência que se aplica ao estudo dos

fenômenos: dos objetos, dos eventos e dos fatos da realidade. De acordo com o autor, a

Fenomenologia oferece “uma verdade, em partes e em momentos, e nunca na sua

transparência total, pois é a dúvida, e não a certeza, que nos motiva à busca incessante da

verdade” (p. 12). Faz-se necessário lembrar que “a verdade é um movimento em constituição,

não um estado” (Moreira, 2004, p. 449).

Moustakas (1994) e Dartigues (2003) acrescentam que a Fenomenologia, tal como

empregada por Husserl, busca a verdade, retornando aos dados primordiais da experiência, o

que implica voltar às próprias coisas. Uma vez que os fenômenos são sempre anteriores às

teorias e conceitos, o que é dado na percepção de uma coisa é sua aparência e as aparências

são sempre aparência de alguma coisa. Conclui-se, portanto, que os fenômenos são primários

e o que são, ou seja, eles têm natureza própria.


19

Fenômeno também quer dizer aparência (Abbagnano, 2003). Na concepção de Petrelli

(2004b), “fenômeno é, então, a dimensão sensível percebível da realidade; nesse sentido,

opõe-se à essência da realidade interditada à nossa experiência direta e imediata” (p. 15).

Perceber a realidade inclui qualquer espécie de sentimento, desejo e vontade.

Assim, qualquer ciência que descreva aparências ou aparições faz Fenomenologia

(Abbagnano, 2003; Dartigues, 2003). De acordo com Cappi (2004), a Fenomenologia não é

uma técnica, “é um rigoroso olhar metodológico a respeito do real, é uma opção radical de

percepção” (p. 8), a fim de desvendar significados, criar valores e assumir responsabilidades.

Tudo que se oferece ao conhecimento humano pode ser chamado de realidade fenomênica.

No entanto, o conhecimento também intenciona a realidade essencial. Petrelli (2004b)

destaca que “fenomenológico é todo procedimento metodológico que, partindo dos

fenômenos, nos conduz ao conhecimento das essências. Das aparências às essências dos fatos,

isso é Fenomenologia” (p. 16).

Com base nesses pressupostos, Merleau-Ponty (1999) – importante seguidor de

Husserl por ter desenvolvido suas idéias no sentido de esclarecer as possibilidades de

articulação entre a Fenomenologia e a Psicologia – redefine Fenomenologia:

Pode parecer estranho que ainda se precise colocar essa questão meio século depois

dos primeiros trabalhos de Husserl. Todavia, ela está longe de estar resolvida. A

fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-

se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por

exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na

existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra

maneira senão a partir de sua “facticidade”. É uma filosofia transcendental que coloca

em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também


20

uma filosofia para a qual o mundo já está sempre “ali”, antes da reflexão, como uma

presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo

com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico. É a ambição de uma filosofia

que seja uma “ciência exata”, mas é também um relato do espaço, do tempo, do mundo

“vividos”. É a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal qual ela é...

(p. 1, grifos do autor)

Como o pesquisador necessita de uma consistência em relação aos princípios

filosóficos, faz-se necessário discutir alguns conceitos da Fenomenologia, visto que eles

consolidarão o que foi refletido acerca dessa ciência e possibilitará uma maior compreensão

do método fenomenológico na pesquisa.

1.3.1 O retorno às coisas mesmas e a intencionalidade

Como já mencionado, a Fenomenologia busca o conhecimento das essências. Para

alcançar tal objetivo, Husserl (1965) propõe retornar a um ponto de partida que seja,

verdadeiramente, o primeiro, ou seja, um retorno às origens, à coisa mesma, tendo como dado

a própria realidade. Coisa mesma é o fenômeno, ao qual se tem acesso imediato. O fenômeno

integra a consciência e o objeto, o sujeito e o mundo, contendo uma significação.

Moustakas (1994) alerta que fenômeno é tudo que aparece na consciência, é a

totalidade do que se mostra diante de cada um. Assim, a máxima da Fenomenologia de ir às

coisas mesmas provoca uma nova experiência e um novo conhecimento; o que é percebido e

se torna consciente é a aparência de alguma coisa.

Nas palavras de Merleau-Ponty (1999),


21

retornar às coisas mesmas é retornar a este mundo anterior ao conhecimento do qual o

conhecimento sempre fala, e em relação ao qual toda determinação científica é

abstrata, significativa e dependente, como a geografia em relação à paisagem –

primeiramente nós aprendemos o que é uma floresta, um prado ou um riacho. (p. 4,

grifos do autor)

Husserl (1992) assegura que a consciência é sempre intencional, está constantemente

voltada para um objeto, ao passo que esse é sempre objeto para uma consciência; há entre

ambos uma correlação essencial. Toda consciência é consciência de algo, ela não é uma coisa,

mas aquilo que dá sentido às coisas. A consciência intencional possibilita o mundo aparecer

como fenômeno, como significação, por ser um cogitatum2 intencionado pelo sujeito. A

intencionalidade é o ato de atribuir um sentido a alguma coisa. Com a intencionalidade, fica

evidente que a saída de si para um mundo tem uma significação para ele. A intencionalidade é

a pedra angular da Fenomenologia (Forghieri, 1993; Bicudo, 2000; Holanda, 2002; Dartigues,

2003; Martins & Bicudo, 2005).

Nessa perspectiva, Giorgi (1978) faz uma reflexão sobre o que é consciência para o

pesquisador na tradição fenomenológica. Inicialmente, indica que a consciência deve ser

considerada sempre associada aos conceitos de intencionalidade, sentido e existência, e define

o termo consciência indo além da relação cognitiva de sujeito e objeto, como uma relação

existencial do sujeito com o seu mundo.

Existência é o modo como alguém se posiciona em relação ao seu mundo, é sua

atitude ante a vida. A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto

delimita o que se tornará o campo de análise da Fenomenologia de Husserl.

2
Objeto pensado.
22

1.3.2 A redução fenomenológica e a intuição das essências

A redução é o recurso usado pela Fenomenologia para chegar à essência do fenômeno,

tornando-o compreensível e legitimando-o cientificamente. O primeiro passo para que isso

aconteça é a mudança, da atitude natural – que Husserl denominava de senso comum – para a

atitude fenomenológica. Como explicita Forghieri (1993), essa mudança de atitude permite

visualizar o mundo do sujeito como fenômeno, “ou como constituinte de uma totalidade, no

seio da qual o mundo e o sujeito revelam-se, reciprocamente, como significações” (p. 15).

Por meio da redução, o conhecimento do mundo revela-se. Na redução

fenomenológica, suspendem-se as crenças, tanto na tradição quanto nas ciências. Nesse

momento, as opiniões acerca da existência externa dos objetos da consciência também devem

ser deixadas de lado. O pesquisador somente alcança o fenômeno em si se consegue por fora

de circuito (Husserl, 1985), da consciência, de qualquer conceitualização prévia.

Nessa perspectiva, o pesquisador fenomenólogo, segundo Moreira (2004), ao praticar

a redução, deve suspender seus próprios pensamentos e interesses, e, assim, estar aberto a

qualquer tipo de conteúdo ou tema que venha a emergir na sua pesquisa. Em decorrência, é

comum a pesquisa fenomenológica alcançar resultados novos, totalmente imprevistos. Na

opinião da autora, trata-se de uma pesquisa aberta ao novo e às possibilidades criativas de

compreensão do objeto de estudo. Dessa forma, a tese fica temporariamente suspensa e deixa-

se espaço à antítese; trata-se da Fenomenologia na dialética.

A redução fenomenológica consiste, então, “numa profunda reflexão que nos revele os

preconceitos em nós estabelecidos e nos leve a transformar este condicionamento consciente,

sem jamais negar a sua existência” (Merleau-Ponty 1973, p. 22). No entanto, Merleau-Ponty

(1999) esclarece: “O maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução

completa” (p.10). Em outras palavras, a prática da redução fenomenológica será sempre uma

tentativa, nunca inteiramente realizada, exatamente pela mundaneidade intrínseca ao homem.


23

Como na redução, que nunca se completa, o pesquisador também não consegue, no

absoluto, deixar de lado suas hipóteses ao pesquisar o fenômeno. Tanto isso é verdade que,

como assinala Moreira (2004), nos resultados (objeto de discussão posterior), o pesquisador

sai do parêntese e volta a olhar para a sua hipótese, para as suas suspeitas sobre possíveis

caminhos para a compreensão de seu objeto de estudo.

Quando o pesquisador sai do parêntese, ele deixa de praticar a redução

fenomenológica, e, então, retorna à sua hipótese como desconfiança, se assume integralmente

como pesquisador mundano, dialogando com os resultados da pesquisa e, sobretudo,

posicionando-se diante dos resultados, evitando, nesse momento, a neutralidade científica

(Moreira, 2004).

De forma semelhante, Forghieri (1993) faz uma reflexão importante sobre a redução

fenomenológica no campo da Psicologia ao propor dois momentos inter-relacionados e

reversíveis da redução: o envolvimento existencial e o distanciamento reflexivo. A autora

sintetiza que a redução

inicia-se com o envolvimento existencial que consiste no retorno do pesquisador à

vivência e sua penetração na mesma; prossegue com o distanciamento reflexivo que

consiste na reflexão sobre a vivência e na enunciação de seu significado para a pessoa

que a experiencia. (p. 60)

Os dois momentos são vividos tanto pelo pesquisador quanto pelo pesquisado. Da

mesma maneira que o pesquisador pratica a redução, Amatuzzi (2003) alerta que o pesquisado

também deve ser capaz, na entrevista, de abster-se de seus a prioris e permitir alterar para si

mesmo os fatos ou fenômenos que possam revelar a essência e, assim, ter acesso a ela.
24

Com base na redução fenomenológica, Husserl (2000) orienta sua pesquisa para as

essências, pois a Fenomenologia tem como tarefa elucidar as essências. É pela redução

fenomenológica que se chega às essências invariantes, constitutivas da realidade. Petrelli

(2004b) resgata que a redução fenomenológica é “conduzida pela consciência com um

instrumento que Husserl indica com o termo de ‘intencionalidade’, caracterizando, assim, a

essência da própria consciência” (p. 19).

Husserl (2000) aponta que as essências se referem ao sentido verdadeiro de alguma

coisa, pois são elas que representam as unidades básicas do entendimento comum de qualquer

fenômeno, aquilo sem o que o próprio fenômeno não pode ser concebido. Essência é aquilo

que é inerente ao fenômeno. “A essência (eidos) é um objeto de um novo tipo (...) assim o

dado da intuição eidética é uma essência pura”, postula Husserl (2000, p. 21). A essência é

pura porque está livre dos produtos do empirismo e, também, de um conceitualismo

preconceituoso.

A intuição da essência é “a visão do sentido ideal que atribuímos ao fato

materialmente percebido e que nos permite identificá-lo” (Dartigues, 2003, p. 15). A essência

permite identificar o fenômeno. De acordo com Dartigues (2003), não existe nenhum

fenômeno do qual se possa dizer que ele não é nada, no entanto, é a essência que permite

identificar um fenômeno.

O fenômeno, uma vez identificado, não pode ser outro fenômeno senão aquele.

Merleau-Ponty (1999) dá um passo adiante ao esclarecer que a Fenomenologia busca as

essências na existência, visto que o mundo está sempre aí, antes da reflexão. Não se pode

pensar a essência desvinculada do mundo.

Em virtude da constante busca de vinculação entre essência-mundo, Creswell (1998)

mostra que é tarefa dos pesquisadores buscar a essência da experiência e enfatizar a

intencionalidade da consciência. A análise fenomenológica dos dados realiza-se por


25

intermédio da metodologia da redução, da análise de afirmações e temas específicos e da

busca de todos os significados possíveis. Para tanto, o pesquisador deve suspender seus a

prioris e se apoiar no que surgirá da experiência pesquisador-pesquisado.

1.3.3 O mundo-da-vida

O método fenomenológico, segundo Creswell (1998), é a descrição das experiências

vividas dos sujeitos-pesquisados sobre um conceito ou fenômeno, com o objetivo de buscar a

estrutura essencial do fenômeno, ou seja, seu significado central. Em outras palavras, todo o

universo da ciência está construído sobre o mundo-da-vida – o Lebenswelt, na denominação

husserliana – e a ciência é uma expressão segunda, ao passo que a experiência do mundo é a

sua expressão primeira.

Gadamer (1998) retrata o conceito fenomenológico de mundo-da-vida, desenvolvido

por Husserl, como aquele em que o homem adentra simplesmente por viver a atitude natural e

que significa o solo prévio de toda experiência. O mundo-da-vida é mais originário que a

ciência, está essencialmente vinculado à subjetividade e opõe-se a todo objetivismo. É um

conceito que se deixa formular com sentido na experiência histórica, pois parte da vasta

progressão dos mundos humano-históricos, e não de um mundo que é. Enfim, o mundo-da-

vida é a totalidade em que o homem vive como ser histórico, é um mundo pessoal que se

fundamenta na co-presença de outros mundos.

Para Martins e Bicudo (2005), a pesquisa fenomenológica está relacionada

diretamente à idéia do mundo-da-vida, que é o mundo do pré-reflexivo. Os autores confirmam

que o sustentáculo de qualquer relação de vivido é o estar-no-mundo, e o mundo em que se

está, esse mundo real, é o mundo do pré-reflexivo.

Martins e Bicudo (2005) esclarecem:


26

Falar do mundo como sendo um real vivido é propor, ao mesmo tempo, duas teses. É

afirmar – esta é a primeira tese – uma oposição a qualquer proposta centralizada em

qualquer teoria que sustente a existência de dados sensoriais, isolados e sem sentido

em si mesmos (...). O mundo pré-reflexivo é coerente e precisa ser reconstruído a partir

da interpretação e do julgamento (...). É afirmar – esta é a segunda tese – que a ênfase

é posta na experiência viva, no mundo como ele é vivido. Nas experiências vividas

combinam-se memórias, percepções e antecipações a cada momento. Essa unidade

nunca é estática ou final. O mundo experiencial precisa ser continuamente

restabelecido no curso da experiência. (pp. 80-81)

A experiência do vivido somente pode ser alcançada, de forma imediata, pelo próprio

sujeito, pois o sentido é particular para quem o vive e está ligado à forma da pessoa existir no

mundo (Forghieri, 1993). Esse é o motivo pelo qual o mundo-da-vida precisa ser percebido e

descrito, em vez de ser interpretado ou julgado. A descrição possibilita resgatar o vivido com

base no retorno da sua percepção ao momento imediato. O vivido, uma vez vivido, somente

retorna pela memória – retornar ao que já foi por meio de uma ressignificação, ou pelo resgate

– que é viver novamente no presente (Holanda, 2002, 2003a, 2003b).

Assim, o mundo vivido propicia ao pesquisador ir além do conteúdo meramente

intelectual e alcançar o conteúdo afetivo-emocional, que é específico para uma determinada

pessoa ou grupo. Amatuzzi (2006) esclarece, nesse ponto, a diferença entre a ciência que se

refere a um conhecimento objetivo, cercado de todas as garantias de segurança e isenta de

qualquer subjetividade, da ciência que intenciona a consciência da experiência, que é o

conhecimento de um saber. Na ciência, todo o campo de conhecimento é preenchido pelo

objeto, ao passo que na consciência é enfatizada a relação entre pesquisador-pesquisado,


27

ambos presentes no campo e capazes de alterá-lo. A Fenomenologia administra o em-si e o

para-si, da relação sujeito e objeto e o para-outrem.

Gomes (1997) ressalta que a pesquisa fenomenológica estuda a vivência como

experiência consciente. O autor constata que a experiência consciente do mundo vivido se

esclarece tendo em vista a significação dos acontecimentos que a constituem, pois contém os

entrelaçamentos inextrincáveis do eu com o outro e com o mundo. “A experiência consciente

é um ato comunicativo de um corpo situado em um determinado ambiente. A mensagem que

expressa traz a peculiaridade de um mundo vivido”, declara Gomes (1997, p. 320).

A seguir, delimitar-se-á, no amplo campo das pesquisas qualitativas, um modelo

específico – o da pesquisa fenomenológica.

1.4 O método fenomenológico em pesquisa

Amatuzzi (1996) afirma que a pesquisa fenomenológica é uma forma de pesquisa

qualitativa que “designa o estudo do vivido, ou da experiência imediata pré-reflexiva, visando

descrever seu significado; ou qualquer estudo que tome o vivido como pista ou método. Em

suma, é a pesquisa que lida com o significado da vivência” (p. 5).

O método fenomenológico, segundo Holanda (2002, 2003b), deve buscar acessar a

essência, o eidos descrito por Husserl, do fenômeno estudado, o que pode ser alcançado com

o uso de um método que contemple os três elementos fundamentais da fenomenologia que

serão descritos a seguir. O primeiro elemento é a redução fenomenológica, já discutida

anteriormente, que é a suspensão de juízos do pesquisador em relação ao tema pesquisado, o

que lhe possibilita acessar a verdade do sujeito. O segundo elemento é a intersubjetividade,

que é a relação estabelecida entre o sujeito-pesquisador e o sujeito-pesquisado – duas pessoas

com histórias próprias que se encontram para compreender um fenômeno. O terceiro elemento
28

citado pelo autor é o retorno ao vivido, no qual o sujeito-pesquisado retoma seu mundo

vivido, sua história, por meio de sua entrevista.

O estudo fenomenológico busca descrever o significado das experiências vividas pelos

sujeitos pesquisados acerca de um conceito ou fenômeno. No entanto, compreender o

pensamento fenomenológico em si nem sempre é fácil. O interesse das investigações é captar

o mundo vivido que não é, necessariamente, sabido de antemão. “É no ato da relação pessoal,

quando surge a oportunidade de dizê-lo, que ele é acessado”, pondera Amatuzzi (2003, p. 19).

O método fenomenológico apresenta-se à Psicologia como um recurso apropriado para

pesquisar o mundo vivido do sujeito com a finalidade de investigar o sentido ou o significado

da vivência para a pessoa, em determinada situação, com o intuito de buscar a estrutura

essencial ou invariante do fenômeno. Segundo Amatuzzi (2003), o método fenomenológico

pretende apreender o que acontece por meio do clareamento do fenômeno, construindo, assim,

a compreensão de algo.

No entanto, o pensamento fenomenológico enfrenta muitas dificuldades em sua

comunicação e interpretação. Uma delas é que, na evolução da obra de Husserl, as mesmas

idéias sofreram alterações ao longo dos trabalhos publicados (Giorgi, 1985, 2006). O segundo

problema citado por Giorgi (1985, 2006) é que nem sempre os seguidores de Husserl

desenvolveram suas idéias coerentemente.

Creswell (1998) segue uma trajetória semelhante ao afirmar que o uso do método

fenomenológico pode ser desafiante. Além de o pesquisador precisar de uma consistente base

no tocante aos princípios filosóficos da Fenomenologia, os colaboradores no estudo

necessitam serem cuidadosamente escolhidos por serem indivíduos que experienciam o

fenômeno. Outro desafio é o pesquisador suspender as experiências pessoais, um objetivo

sempre presente e nunca alcançado em sua plenitude. Um quarto desafio é a decisão sobre a

forma como suas experiências pessoais serão introduzidas no estudo.


29

Ao mesmo tempo em que o método fenomenológico enfrenta dificuldades e desafios,

ele propicia um caminho coerente e sólido, tão importante na pesquisa em Psicologia. O

método fenomenológico é uma forma particular de conduzir uma pesquisa qualitativa.

Martins e Bicudo (2005) referem-se ao método fenomenológico como uma descrição

exaustiva do fenômeno. Pode-se comparar o trabalho do fenomenólogo ao de um jornalista.

Para os autores,

na pesquisa fenomenológica, o investigador, de início, está preocupado com a natureza

do que vai investigar, de tal modo que não existe, para ele, uma compreensão prévia

do fenômeno. Ele não possui princípios explicativos, teorias ou qualquer indicação

definitiva do fenômeno. Inicia o seu trabalho interrogando o fenômeno. Isso quer

dizer que ele não conhece as características essenciais do fenômeno que pretende

estudar. (p. 92, grifo do autor)

A premissa que consiste em interrogar o fenômeno como se o estivesse observando

pela primeira vez direciona a maneira pela qual o pesquisador irá inserir-se na pesquisa. Para

chegar à experiência vivida do sujeito, é necessário que o pesquisador procure colocar entre

parênteses os conhecimentos adquiridos anteriormente sobre a experiência que está

investigando. É por isso que o método fenomenológico não prescinde das hipóteses, embora a

pesquisa necessite ter uma direção, ela não se deixa conduzir por um caminho já conhecido,

pois se trata de direções rígidas e previamente fixadas. O mesmo se observa na epistemologia

proposta de González Rey (2005).

A tentação do pesquisador de dirigir suas análises com bases em hipóteses rígidas

pode levá-lo ao grande perigo de a pesquisa não produzir nenhum conhecimento significativo.

As metas pré-fixadas e as expectativas do pesquisador podem direcionar o andamento da


30

pesquisa (Petrelli, 2004b; González Rey, 2005). Qual pesquisador não se sente gratificado

quando, ao final da pesquisa, os resultados confirmam as hipóteses, mesmo que suspensas?

Na concepção de Petrelli (2004b),

a rigor, o método fenomenológico não rejeita as hipóteses, as suspende no momento

inicial e as verifica a posteriori com as teorias que as justificam, em uma postura

dialética de tese, antítese e síntese. É assim que o saber se vem construindo através da

pesquisa: um saber autêntico, não dogmático da realidade em si. (p. 25)

A suspensão dos conceitos é o primeiro momento do processo redutivo. Essa redução

chamada teorética consiste em eliminar qualquer constructo conceitual, ou seja, reter o saber

acumulado (Petrelli, 2004b). A redução teorética é necessária, pois a Fenomenologia deve

garantir à ciência sua própria pureza ao buscar a dimensão ética, não-manipuladora da

realidade, a qual Husserl chama de redução. Martins e Bicudo (2005) afirmam que uma das

características do método fenomenológico é o investigador pautar-se pelo sentido e não pela

objetividade do fenômeno.

Um dos recursos amplamente utilizados para alcançar a compreensão do fenômeno, da

realidade estudada, é a entrevista. Na entrevista, o pesquisador pode explorar a experiência

vivida e o sentido que o mundo vivido tem para o entrevistado ou entrevistados, e perceber

como diferentes pessoas experienciam certa condição que é comum a elas.

Existem vários modelos de entrevista. Neste trabalho, será discutida a entrevista

aberta, processual, que possibilita ao pesquisador interagir no diálogo com o entrevistado, de

forma espontânea e reflexiva, sem perder o objetivo da pesquisa. No contato, tanto o

entrevistado quanto o entrevistador se modificam. Esse tipo de entrevista deve provocar a co-
31

responsabilidade, visto que ambos se sentem responsáveis pelo processo (Gomes, 1997;

González Rey, 2005).

Os sujeitos são chamados por Amatuzzi (2003) de colaboradores, pois o autor entende

que a pesquisa fenomenológica não lida com sujeitos que forneçam informações, mas

colaboradores que, juntos, tratam do assunto. Parte-se do pressuposto metodológico de que o

colaborador é quem melhor sabe de sua experiência, ao passo que o pesquisador se propõe a

aprender com quem já vivenciou ou vivencia a experiência sobre a qual ele quer aprimorar

seus conhecimentos (Moreira, 2004). Nessa troca, ambos saem transformados.

O comprometimento de ambas as partes, segundo González Rey (2005), é

fundamental para alcançar o objetivo da pesquisa. No entanto, algumas dificuldades podem

surgir: o medo de a pessoa entrar em contato com feridas ainda abertas, o temor em conversar

sobre intimidades, o confronto de seus valores, a não-confiança no pesquisador, o desinteresse

pela pesquisa, dentre outros. Qualquer impasse na entrevista precisa ser esclarecido para que o

processo de conhecimento continue. Caso contrário, corre-se o risco de perder o compromisso

e a cumplicidade da dupla.

O método fenomenológico de pesquisa em Psicologia é apresentado no singular,

apesar de ele não se constituir em um só modelo. Apesar de haver aspectos que são comuns a

qualquer método fenomenológico, Moreira (2004), no entanto, destaca que existem

características e nuances específicas da Fenomenologia de cada uma das grandes vertentes

desse movimento. Essas diferenças advêm da diversidade da Fenomenologia.

Por existirem várias e não uma única forma de apreensão da Fenomenologia (como se

pode exemplificar, na Filosofia, por intermédio dos pensamentos de Sartre, Merleau-Ponty,

Scheler e outros), a metodologia fenomenológica de pesquisa em Psicologia sofre variações

de acordo com o pensamento filosófico que a sustenta, apesar de todas terem um eixo comum,

a busca do significado da experiência – fim último da pesquisa fenomenológica. Neste estudo,


32

a Fenomenologia tem sido abordada de acordo com os fundamentos de Edmund Husserl e

alguns seguidores.

Um importante representante dessa vertente metodológica é Amedeo Giorgi e sua

proposta será apresentada no próximo item.

William Gomes (1997) – um dos grandes estudiosos brasileiros da Fenomenologia –

faz uma breve exposição do método fenomenológico e revela que se baseou em estudos de

Kockelmans e de Husserl. Para o uso do método fenomenológico, Gomes (1997) estabelece

três passos reflexivos, que permitem o estudo da experiência consciente, por meio do estudo e

transcrição de entrevistas: descrição fenomenológica, redução fenomenológica e

interpretação fenomenológica.

O primeiro passo do método fenomenológico de Gomes (1997) sugere a descrição do

objeto da experiência com base no material empírico colhido na entrevista. A descrição deve

ser feita como se o pesquisador tivesse acesso ao fenômeno pela primeira vez. Para tanto,

suspende-se o que já é conhecido pelo pesquisador e se interroga o objeto como se não

soubesse absolutamente nada a seu respeito. No entanto, da mesma forma que não é possível

colocar a experiência entre parênteses por completo, a descrição também não é completa

(Gomes, 1997; Dias & Gomes, 1999; Merleau-Ponty, 1999).

Concluída a descrição, passa-se ao segundo passo, a exploração exaustiva do material

descrito. É um retorno à descrição para questioná-la, especificando suas partes temáticas,

evidenciando o que é essencial à identificação do objeto. Uma vez identificado o que é

essencial, retorna-se às entrevistas para localizar novos subsídios que confirmem, ou não, a

relevância da parte escolhida. Conclui-se o segundo passo com a preparação de uma nova

descrição que acaba sendo uma nova consciência do objeto da experiência. Nessa fase, define-

se o objeto, e fazem-se as distinções entre o essencial e o não-essencial (Gomes, 1997; Dias &

Gomes, 1999).
33

No terceiro passo, revela-se a intencionalidade da consciência, para aquele

determinado objeto da experiência, ou seja, o sentido que aquele objeto assume para a

consciência. Husserl procurava nesse último passo do seu método um eu submerso na

experiência. A investigação chega ao fim com o reconhecimento da intencionalidade do outro.

A interpretação caracteriza-se como indicação de possibilidades e não como generalização de

achados do fenômeno investigado (Gomes, 1997; Dias & Gomes, 1999).

Cada passo inclui os demais. Gomes (1997) exemplifica essa afirmação ao esclarecer:

“a redação da descrição, primeira etapa do método, é composta da redução e da interpretação

porque envolveu necessariamente escolhas do pesquisador” (p. 328). O autor, de forma muito

clara, resume as etapas do método fenomenológico:

Inicialmente, têm-se os dados brutos constituídos pelos protocolos de entrevista. Neste

momento, este conjunto de protocolos funciona como uma descrição bruta. A tarefa de

questionamento destes protocolos e a organização deste material em unidades

compreensivas é, então, a redução. A redação de um texto final (...) é a interpretação.

(Gomes, 1997, p. 328)

Para Gomes (1997), esses três passos são tecnicamente realizados com as entrevistas,

as transcrições, as definições de unidades mínimas de sentido, a elaboração de sínteses

descritivas de cada entrevista e a definição das grandes categorias, passos semelhantes aos

descritos por Giorgi (1985).

Petrelli (2004b) sugere um quarto passo ou momento desse itinerário investigativo,

quando o pesquisador articula os dados relativos ao fenômeno em estudo, os dados da eidética

universal e os da eidética individualizante e determinante do objeto. Nesse momento, o

fenomenólogo compara o novo conhecimento com os conhecimentos antecedentes


34

concomitantes. Teorias caem, teorias mantêm-se e novas teorias podem surgir. É o caminho

da verdade. Forghieri (1993) assinala que “os cientistas em geral almejam com suas

investigações conseguir captar e enunciar o verdadeiro significado da realidade” (p. 57).

Serão apresentados a seguir os passos apresentados por Giorgi (1985) que, segundo

Gomes (1997), disciplinam o trabalho de pesquisadores qualitativos e proporcionam uma

sistemática transparente de trabalho, pois sua proposta indica e contextualiza as escolhas do

pesquisador. Na Psicologia, Amedeo Giorgi tem sido considerado um importante

representante do método fenomenológico.

1.4.1. Um modelo fenomenológico: Amedeo Giorgi

Amedeo Giorgi coordenou durante muito tempo, na University of Duquesne, um

grupo de pesquisas de orientação fenomenológica, e elaborou passos bem detalhados para um

trabalho fenomenológico. Seu modelo é comumente descrito como uma fenomenologia

empírica ou fenomenologia experimental, e constitui o desdobramento dos estudos pioneiros

de Adrian Van Kaam, na década de 1950, com “pesquisa empírico-fenomenológica”

(Moustakas, 1994; Amatuzzi, 1996; Gomes, 1998; Holanda, 2002, 2003a).

O método fenomenológico proposto por Giorgi (1985) parte das descrições ou

entrevistas transcritas dos participantes sobre suas experiências vividas em relação a um

fenômeno e contém quatro passos que serão discutidos a seguir.

O sentido do todo, primeiro passo apresentado por Giorgi (1985), corresponde à

leitura de toda a descrição a fim de alcançar o sentido geral do todo. Para tanto, é necessário

compreender a linguagem de quem descreve, sem qualquer tentativa de identificar as unidades

significativas. O senso geral obtido é a base para o próximo passo.

O segundo passo é a discriminação de unidades significativas com base em uma

perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado. Após ter sido apreendido o
35

sentido do todo, o pesquisador faz a releitura do texto – tantas vezes quanto necessárias – com

o objetivo de discriminar as unidades significativas na perspectiva psicológica, focalizando o

fenômeno que está sendo pesquisado. Esse passo é necessário, pois não se pode analisar um

texto inteiro simultaneamente, deve-se quebrá-lo em unidades com as quais seja mais fácil

lidar.

As unidades significativas emergem sempre que se percebe uma mudança

psicologicamente sensível de significado da situação para o sujeito. As discriminações são

espontaneamente percebidas dentre as descrições do sujeito e são alcançadas quando o

pesquisador assume uma atitude psicológica em relação à descrição concreta. Nesse passo, a

linguagem do sujeito quase não é mudada. É essencial para o método que as discriminações

ocorram primeiro, para serem interrogadas mais adiante (no próximo passo) e que elas sejam

feitas espontaneamente, mesmo sendo uma espontaneidade disciplinada.

Holanda (2002) postula que as unidades de significado não existem soltas, mas em

relação à perspectiva adotada pelo pesquisador. Essas unidades são constitutivas do texto e

não apenas elementos isolados. A realidade psicológica não está pronta no mundo, ela precisa

ser constituída pelo psicólogo, sempre lembrando que o mundo cotidiano é mais rico e mais

complexo do que a perspectiva psicológica, tanto que vários pesquisadores podem analisar de

maneira diferente o mesmo conjunto de dados.

O contexto da descoberta da pesquisa é constituído na relação, dependendo da forma

que é feito. Assim, as unidades significativas não existem no texto como tais. Elas existem

apenas em relação a atitudes e cenários do pesquisador, e, por esse motivo, o que se destaca

depende muito da perspectiva do pesquisador.

O terceiro passo é configurado pela transformação das expressões cotidianas do

sujeito em linguagem psicológica com ênfase ao fenômeno que está sendo investigado. Uma

vez que as unidades significativas foram delineadas, o pesquisador, então, perpassa por todas
36

elas e expressa o insight psicológico nelas contido mais diretamente. É a transformação da

linguagem do dia-a-dia do sujeito em linguagem psicológica apropriada com ênfase ao

fenômeno em estudo.

É possível alcançar esse objetivo por meio de uma ampla interrogação do texto, com o

intuito de verificar o que exatamente o narrador quis expressar com seus termos. Giorgi

(1985) alerta que o maior obstáculo para esse processo é ainda não existir uma linguagem

psicológica consensual estabelecida. Em face dessa dispersão, a melhor alternativa é usar a

linguagem do senso comum, esclarecida pela perspectiva fenomenológica. Esse passo tem o

propósito de chegar às categorias, passando por expressões concretas.

O último passo do método fenomenológico apresentado por Giorgi (1985) busca a

síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da

estrutura do aprendizado. Finalmente, o pesquisador propõe que se sintetizem todas as

unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da significação

psicológica dos fenômenos observados em relação à experiência do sujeito e denomina essa

síntese de estrutura da experiência.

Para realizar tal tarefa, o pesquisador deve reagrupar os constitutivos relevantes para

chegar a uma análise da estrutura do fenômeno. Todas as unidades de significado

transformadas devem ser levadas em conta. O critério aconselhável a ser seguido é que todas

as unidades transformadas estejam, pelo menos implicitamente, contidas na descrição geral. A

estrutura da experiência deve, então, ser comunicada a outros pesquisadores com o propósito

de confirmação ou de crítica.

Com o intuito de exemplificar o método proposto por Giorgi (1985), apresentar-se-á

um trecho retirado da entrevista3 realizada com Marcos4 (colaborador 2) para esta pesquisa. A

3
A entrevista, na íntegra, está no anexo 4.
4
Nome fictício.
37

coluna da esquerda é a fala do colaborador. As demais colunas representam o segundo, o

terceiro e o quarto passos do método escolhido.


38

ENTREVISTA – MARCOS Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4

P: Marcos, você percebe no seu processo psicoterapêutico alguma coisa que a

terapia te prejudicou?

C: Tem uma coisa, que eu não dou esse peso. Eu não dou esse peso, porque eu Marcos não percebe que a Marcos entende que o Autoconhecimento,

acho assim: que a psicoterapia é o mesmo que o teatro, é o mesmo que a terapia o prejudicou. Ele autoconhecimento é dor,

dança, é o mesmo que o cinema, é o mesmo que qualquer tipo de arte faz com não dá esse peso doloroso e, para entrega,

quem resolve entrar nesse espaço, à medida que você tem mais conhecimento, pejorativo, porém percebe alcançá-lo, precisa superação.

você enxerga mais e você está passível de sofrer mais por isso. Então, assim, que a terapia, como entregar-se. Percebe

se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em contato com um monte qualquer outra arte, o que a superação do

de coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não enxergaria coisas que eu ajudou a se conhecer mais, sofrimento

enxergo hoje e que às vezes me colocam em situações muito complicadas o que provocou dor. Se não vivenciado na terapia

comigo. Eu faria vistas grossas porque seriam situações desconhecidas para tivesse feito terapia ainda faz valer a dor.

mim. Mas é a mesma coisa de eu lidar com qualquer outro tipo de estaria fazendo vistas Entende que

sensibilidade. Então, se eu invadir qualquer ramo das artes, eu vou aguçar, grossas para as coisas que atualmente se sente

qualquer pessoa que faz isso aguça a sensibilidade e passa a sofrer mais por enxergou e que, na época, melhor por ter se

isso. Então, eu não trabalho nesse ponto de ser pejorativo, assim, de tornou a o fez sofrer e ainda, o entregado, também, à
39

minha vida, foi ruim para mim. É uma escolha que eu fiz logo nas primeiras coloca em situações dor.

sessões: – “Eu vou me entregar ou eu não vou me entregar”? E aí eu tomei a complicadas com ele

decisão de me entregar. Como algumas pessoas não se entregam e não é só na mesmo. Escolheu, logo no

terapia, é em vários níveis da vida. Então, assim, eu me entreguei e, aí, eu sofri início da terapia entregar-

nesse processo. Se eu não tivesse me entregado à terapia, provavelmente eu se. Ressalta-se, em sua

não teria sofrido com algumas coisas. Mas ter sofrido e ter superado, hoje experiência, o processo

valeu à pena. É como eu ir ao teatro e não entender absolutamente nada da que lhe trouxe muito

peça. E ler um livro, estudar sobre o assunto e depois ver a peça novamente. E sofrimento, mas ter vivido

falar: – “Nossa, como eu não vi isso na primeira peça”. É exatamente isso. e superado fez valer todo o

Então, eu não considero que seja... ruim. Eu considero que seja doloroso. É sofrimento. Por isso,

como colocar aparelho nos dentes, é como fazer dieta. É isso. Você vai sofrer, Marcos considera o

tem hora que você vai querer arrancar tudo, pegar tudo e jogar o terapeuta pela processo psicoterapêutico

janela. Mas, depois você vai dar um sorriso no espelho e fala: – “Nossa, graças doloroso e não ruim. É um

ao aparelho, o meu sorriso está melhor”. É isso, assim, o meu sorriso ficou processo que requer

muito melhor com a terapia. E doeu colocar o aparelho. Então, eu não acho... entrega, e, graças à

eu não considero que seja ruim, considero que seja um processo doloroso e entrega, ele se sente muito

que requer entrega. melhor atualmente.


40

CAPÍTULO II

A PESQUISA

Tornar o novo como uma forma de saber preexistente


é castrá-lo no que tem de novidade.
Fernando González Rey

A pesquisa – A vivência do cliente no processo psicoterapêutico: um estudo

fenomenológico na Gestalt-terapia – reflete algumas inquietações da autora ao longo do

exercício de psicoterapeuta e, também, a respeito do que ensina sobre a psicoterapia. O

objetivo deste estudo foi investigar como o cliente vivenciou o processo psicoterapêutico. Foi

possível identificar e descrever como o processo foi vivenciado pelos clientes/colaboradores,

as repercussões nas suas vidas pessoal e relacional, assim como alguns mecanismos de

mudança psicoterápica.

2.1 Momento empírico

A pesquisa buscou pessoas que haviam vivenciado processos psicoterapêuticos

(fossem eles individuais e/ou grupais), na perspectiva da Gestalt-terapia e que tivessem mais

de dois anos de terapia. Escolhidos os colaboradores, a pesquisadora realizou entrevistas, cuja

pergunta disparadora abrira espaço para o diálogo entre eles.

A realização do momento empírico da viabilizou-se pela fixação de um cartaz-convite

para a pesquisa (anexo 1) na recepção da clínica na qual se localiza o consultório. A intenção

era que os clientes que a freqüentavam se dispusessem a participar da pesquisa ou

divulgassem o convite a algum conhecido que já tivesse vivido o processo psicoterapêutico.

Foram escolhidos três colaboradores para a pesquisa, número considerado suficiente

para o seu objetivo. Apesar do agendamento da entrevista com três colaboradores (duas

mulheres e um homem), ainda havia duas pessoas disponíveis para a pesquisa, caso fosse
41

necessário. Todos os clientes que se prontificaram a participar da pesquisa têm um perfil

semelhante: adultos jovens, com mais de seis anos de terapia na abordagem gestáltica. A

terceira colaboradora, que recebeu o nome de Luísa, diferentemente dos demais, iniciou o

processo em sua adolescência. Como as pessoas têm um perfil semelhante, a escolha foi feita

pela ordem da procura.

As entrevistas ocorreram em consultório psicológico. A escolha do local deu-se por

ser a sala um ambiente apropriado à tarefa proposta. As entrevistas foram muito tranqüilas,

pois todos os colaboradores estavam bastante interessados em contribuir para o

desenvolvimento da pesquisa, por conhecerem pessoalmente a pesquisadora e por estarem

empolgados com a perspectiva de reviverem seus processos psicoterapêuticos, considerados

bem-sucedidos tanto por eles quanto pelas terapeutas que os acompanhavam. Os três

colaboradores foram ou são clientes de psicoterapia em grupo. Quanto aos seus processos

psicoterapêuticos individuais, a colaboradora Janaína foi cliente, Luísa encontra-se em terapia

atualmente, e o rapaz, nomeado de Marcos, nunca fez terapia individual com a pesquisadora.

Não houve intenção, nem planejamento, de entrevistar apenas clientes, tanto que o

cartaz foi afixado em uma clínica que tem um corpo profissional composto por onze

psicólogas, das quais nove atuam na abordagem gestáltica. No entanto, apesar de não ter sido

programado entrevistar clientes pessoais, não houve nenhum problema a respeito. Uma vez

que o objetivo desta pesquisa é de caráter fundamentalmente empírico (e não clínico), não

foram abordadas questões relevantes em um cenário clínico clássico, como as relações de

transferência e contratransferência, por exemplo.

Cada colaborador foi abordado individualmente, momento em que foram elucidados

aspectos inerentes à pesquisa: a sua proposta, os seus objetivos, a sua finalidade, as etapas em

que seria realizada, além dos meios utilizados para a construção das informações necessárias

ao estudo. Desde essa etapa, foi oferecida a oportunidade de o colaborador aderir ou não à
42

pesquisa, com base nos princípios da espontaneidade e do respeito à vontade dos

colaboradores.

Nesse momento, foi apresentado e assinado o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido, de acordo com a Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (anexo 2).

De acordo com as orientações gerais para a tramitação de projeto de pesquisa (SGC/UCG-

CEP, ago., 2005): “a eticidade da pesquisa está, nesta resolução, baseada na corrente

principialista da bioética, que implica o respeito a quatro pilares básicos: autonomia,

beneficência, não maleficência e justiça, estando está última equiparada no âmbito desta

resolução com o conceito e eqüidade” (p. 1).

No primeiro encontro, foram marcados dia e hora para a entrevista. No termo

apresentado, era explicado que haveria tantos encontros quantos fossem necessários, ou até

que uma das partes percebesse que fosse inviável a continuação das entrevistas por qualquer

motivo. Houve um único encontro com cada colaborador e tanto a pesquisadora, quanto os

clientes, na qualidade de colaboradores, consideraram que uma única entrevista fora suficiente

para avaliar o fenômeno pesquisado.

Tendo em vista a complexidade de informações produzidas pelos participantes, os

encontros foram registrados em áudio, condição antecipadamente autorizada pelos

colaboradores. Todas as três entrevistas foram gravadas em CD, e transcritas na íntegra

(anexos 3, 4, e 5), para que fizessem os recortes necessários para compor a dissertação de

mestrado. Todo o material gerado (CDs e transcrições) está guardado em local seguro, no qual

permanecerá por um período de cinco anos e, posteriormente, será incinerado.

2.1.1 Participantes

Participaram desta pesquisa, como sujeitos colaboradores, três pessoas que estiveram

ou estão em processo psicoterapêutico, na abordagem gestáltica, com mais de seis anos de


43

terapia. Apesar do tempo cronológico não ser referencial suficiente de desenvolvimento,

postula-se que, após esse período, o cliente seja capaz de avaliar o nível de contribuição do

processo psicoterapêutico na sua vida, mesmo sabendo não ser possível definir até que ponto

a mudança decorreu somente da terapia. Muitas vezes as mudanças estão conectadas a fatores

externos à psicoterapia, como o próprio amadurecimento da pessoa, ou a influência de outras

relações, etc.

A primeira colaboradora – Janaína – é uma mulher de 37 anos, casada, mãe de dois

filhos. Formada em Contabilidade, trabalha como bancária e atualmente estuda Psicologia.

Seu processo psicoterapêutico, tanto individual quanto em grupo, deu-se na abordagem

gestáltica. A terapia individual durou seis anos e, nesse tempo, participou de terapia

combinada5 de grupo por dois anos.

A escolha de Janaína para a pesquisa ocorreu por sua própria iniciativa, ao ler o

cartaz-convite, divulgado na clínica psicológica. Apesar de Janaína já ter seu processo

psicoterapêutico encerrado, ela continuava levando seu filho mais velho para a psicoterapia,

prontificou-se a tomar parte da pesquisa.

Ela está de alta desde dezembro de 2005. Por ter sido cliente individual da

pesquisadora, foi informada que ela poderia ser colaboradora da pesquisa, mas que ficasse

completamente à vontade se sentisse, em algum momento da entrevista, que a relação

anteriormente estabelecida, de algum modo, pudesse criar dificuldades para ela se expressar.

Por outro lado, a pesquisadora também teria a liberdade de comunicar-lhe se experimentasse a

mesma sensação.

O segundo colaborador recebeu o nome de Marcos. É um rapaz de 31 anos, solteiro,

jornalista. Iniciou seu processo psicoterapêutico individual aos 22 anos, na abordagem

gestáltica. Sua terapia durou sete anos e meio e, neste tempo, também participou de terapia

5
A cliente fez terapia individual e de grupo ao mesmo tempo.
44

combinada de grupo, por mais ou menos dois anos e meio, também na Gestalt-terapia. Os

grupos de que Marcos participou eram coordenados pela pesquisadora e pela terapeuta

individual que o acompanhava.

A escolha de Marcos para participar da pesquisa originou-se de uma conversa

informal acerca da pesquisa, do curso de mestrado, de algo que investigasse a vivência do

cliente sobre terapia, mas que ainda não estava definido. Ele se prontificou a ser um dos

colaboradores da pesquisa, caso fosse adequado para o estudo. Quando o problema ficou

definido, Marcos foi informado sobre o objeto de estudo e indagado se realmente ele se

interessaria em contribuir para a pesquisa.

A terceira e última colaboradora recebeu o nome de Luísa. É uma moça que iniciou

seu processo psicoterapêutico na adolescência, aos 16 anos e atualmente encontra-se com 23

anos. Nesse período, de mais ou menos sete anos em terapia, ela também participou de alguns

grupos. Atualmente ela ainda continua em terapia individual e de grupo com a pesquisadora e,

no entanto, já trabalha sua alta. Ela está no último ano do curso de Nutrição.

Luísa foi informada sobre a pesquisa por meio do cartaz-convite que ela lera na

recepção da clínica e se ofereceu para participar da pesquisa. Disse que queria colaborar para

a pesquisa, e que gostaria muito de contar sua história para mais pessoas. Considera que foi

uma pessoa privilegiada por ter tido a oportunidade de iniciar sua terapia na adolescência e

poder continuar até os dias atuais. Segundo a colaboradora, a terapia a transformou: – “Eu me

tornei uma pessoa legal mesmo!” E é esse o motivo que a fez participar da pesquisa.

2.1.2 Instrumento

A entrevista foi o indutor para a expressão da subjetividade dos colaboradores. Uma

pergunta instigante – “Como você vivenciou seu processo psicoterapêutico”? – constituiu o

aspecto inicial que serviu para estimular o diálogo entre os colaboradores e a pesquisadora.
45

No diálogo com cada colaborador, foi respeitado o caminho por eles escolhido para

descreverem seus processos psicoterapêuticos, seus ganhos na terapia, e contarem suas

mudanças, exemplificando-as como quisessem. Assim, vários aspectos relacionados ao

problema estudado foram constituídos e integrados ao conteúdo da entrevista.

A flexibilidade e a multiplicidade do instrumento foram indispensáveis, gerando

possibilidades para a realização da interpretação das informações, na qual cada informação

apresentada pelos colaboradores foi entendida e integrada ao corpo de conhecimento que foi

sendo construído durante o processo de pesquisa.

A escolha pela entrevista como instrumento deu-se pela relevância dada ao diálogo em

todo o estudo, por ser o diálogo um forte aliado no estabelecimento do vínculo, e por ser um

canal que, se bem desenvolvido, possibilita uma comunicação autêntica do vivido da pessoa.

Durante as três entrevistas, observou-se muita abertura dos colaboradores em expressar o que

realmente acreditavam.

2.2 A vivência do cliente no processo psicoterapêutico

Neste tópico, será contado como os clientes-colaboradores, individualmente,

vivenciam seus processos psicoterapêuticos. Estas histórias são resumos das entrevistas, com

alguns comentários que as elucidam, e as transcrições integrais das entrevistas, por serem

bastante extensas, estão ao final deste estudo (anexos 3, 4 e 5). No entanto, tentou-se

apresentar, nessas histórias, todo o conteúdo que se relacionava com o fenômeno pesquisado,

apesar da forma concisa.

Esses depoimentos também serão utilizados como ilustração da fundamentação

filosófica, teórica e metodológica, além dos conceitos básicos da Gestalt-terapia no capítulo

IV. A aproximação entre os relatos e a teoria citada resulta em uma confirmação mútua em
46

muitos pontos, além de alguns enriquecimentos que a experiência dos colaboradores pôde

acrescentar, que serão comentados na discussão.

2.2.1 A vivência de Janaína

O encontro com Janaína deu-se no consultório psicológico, em 22 de junho de 2006,

com o propósito de conversar sobre a vivência de seu processo psicoterapêutico. No momento

da pesquisa, Janaína mostrou-se muito motivada em contar sua história. Ao final da

entrevista, na qual Janaína ficou absolutamente consciente de seu crescimento na terapia, ela

pediu para voltar a fazer terapia de grupo, e assim o fez – iniciou o processo de grupo em

agosto de 2006.

A entrevista foi integralmente gravada, com o compromisso de transcrevê-la (anexo 3)

para que ela a lesse e se posicionasse se estava de acordo com o texto e se faltava algo que ela

gostaria de acrescentar ou cortar da entrevista. Janaína fez a leitura e não acrescentou nem

cortou nada, apenas comentou, por e-mail (anexo 6) o que havia sentido:

Quando comecei a ler a transcrição da entrevista (...) foi forte a sensação – uma

sensação misturada – de conquista mesmo, de superação de tantas coisas (...). Mexeu

muito comigo esse processo de reviver a caminhada da psicoterapia. Fico pensando o

quanto foi importante para minha vida e continuará sendo para sempre (...). Na maior

parte do tempo da leitura meus olhos enchiam de água, mas senti que era mais de

satisfação e realização. Não tenho palavras para expressar o quanto a psicoterapia

foi e está sendo importante para minha vida – com certeza foi uma possibilidade

ímpar no meu processo de crescimento (...). Não senti vontade, no momento, de

acrescentar nada – acho que ficou a cara da minha psicoterapia mesmo.


47

Serão transcritos alguns trechos que enfatizam o fenômeno que está sendo pesquisado,

ou seja, como a psicoterapia foi vivenciada pelo cliente.

Janaína iniciou seu processo psicoterapêutico somente depois de um ano que havia

resolvido entrar na terapia e com muita resistência em expor-se. Até então, sentia-se muito

sozinha com os problemas de saúde que enfrentava, como relata:

Na época, eu tinha uma coisa comigo, de que eu precisava de uma psicoterapia

porque eu tinha contraído diabetes... [pausa]. Eu ficava indignada com aquela doença

e achava que tinha um fundo emocional, e eu assim, muito sozinha, muito comigo

mesma (...). Depois que eu fiquei sabendo da doença, ainda demorei um ano para

realmente vir para a psicoterapia (...). E eu vim (...). Tinha muita dificuldade de falar

de mim, das minhas coisas (...). Falava coisas que não eram relacionadas comigo (...).

Depois de um ano de psicoterapia que eu consegui falar para você da minha revolta

com a doença, da minha tristeza, das minhas coisas.

Janaína acreditava que a sua dificuldade em aprofundar na terapia era uma forma de

negar a doença que havia contraído – diabetes – negação que, às vezes, perdura até os dias

atuais:

Foi um jeito também de ficar negando a doença. Até hoje, eu ainda tenho em algumas

horas, momentos de negação e largo o regime para lá, tem vezes que me dá vontade

de parar de tomar os remédios (...). Essa doença foi, assim, como se tivesse caído o

mundo na minha cabeça. Fiquei muito (...) revoltada.


48

Como já foi dito, Janaína iniciou a psicoterapia com muita dificuldade de entrar no

processo. Com um ano em processo psicoterapêutico, ela ponderou sua saída e a interrupção

naquele momento foi questionada. Ela contou a importância de ter sido confrontada, pois

percebeu que a decisão de deixar a psicoterapia estava relacionada com suas expectativas a

respeito da mesma. Nesse momento, Janaína assumiu o processo psicoterapêutico de maneira

muito diferente de como estava fazendo até aquele momento:

Eu vim com a expectativa de que a psicoterapia ia tirar meus problemas (...). Só que

aquilo não foi acontecendo, assim, do jeito que era minha expectativa [risos] (...). Eu

queria sair, mas aí você, com muita habilidade, me fez ver de outra forma, que eu

precisava caminhar mais. E foi aí que eu comecei a entrar mesmo no processo

psicoterapêutico, de olhar para as dores, ir atrás das minhas crenças, dos meus

valores, o que era meu mesmo, o que era do outro, não é?

Janaína comparou como ela estava ao iniciar a terapia e como se encontra atualmente:

mais verdadeira e conseguindo perceber as coisas de forma diferente. As suas palavras são

esclarecedoras:

Eu cheguei na psicoterapia (...), assim, dissimulada, não é? Ninguém sabia o que se

passava comigo, eu sempre fui muito sozinha (...). Mas o que a psicoterapia fez

comigo foi isso, de ser mais verdadeira, de ficar mais próxima do que eu sou [pausa].

Tem algumas coisas que eu acho que ainda permanecem (...). Mas só que agora é

diferente. A forma agora como eu estou vendo é diferente da que eu via antes da

psicoterapia.
49

Janaína percebeu que a conexão consigo mesma lhe possibilitou integrar-se também

no mundo e, dessa forma, sentir-se mais presente:

Eu era muito solta mesmo, no mundo, perdida e hoje eu me vejo mais presente no

mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma pessoa... sei lá, solta... não tinha assim

essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais presente no mundo. Eu me vejo mais

dentro do mundo, não é (...)? Hoje eu me sinto mais integrada ao que está

acontecendo ao redor, comigo mesma, me sinto mais segura [pausa]. [Risos].

À medida que Janaína pôde estar com ela mesma, foi gradativamente se conhecendo.

Considera seu autoconhecimento processual, lento e cumulativo:

Foi uma coisa bem devagar, foi aos poucos, é uma coisa aqui, outra ali, acabou que

foi acumulando, e chegou uma hora que aconteceu. É uma coisa, assim, um dia

acontece [risos].

O autoconhecimento alterou sua forma de perceber situações vivenciadas antigamente,

mas que ainda permanecem:

A forma, a forma agora como eu estou vendo é diferente que eu via antes da

psicoterapia (...). Hoje quando eu estou dissimulando eu tenho consciência [risos],

que eu estou dissimulando (...). Hoje eu tenho consciência do que me incomoda, por

que está me incomodando, então é isso que eu acho que é diferente. A forma de ver

mesmo (...). Eu acho que se eu não tivesse feito psicoterapia, não sei o que ia ser de

mim não.
50

Ver a si mesma de forma diferente possibilitou a Janaína mostrar-se de maneira mais

verdadeira:

Eu me sinto mais verdadeira, melhor comigo mesma. E assim, é do tipo assim, se

gostar de mim é do jeito que eu sou, eu quero ser eu mesma em todos os lugares,

embora tenha hora que eu vejo que não dá para ser (...). Mas eu acho que (...) com as

pessoas mais próximas, aí não tem como, eu tenho que ser eu mesma, porque senão eu

vou me prejudicar, eu vou passar por cima de mim (...). Eu acho que uma coisa puxa

a outra.

Janaína percebeu que sua queixa principal não era o diabetes. Ao rever o processo,

compreendeu que sua grande dificuldade estava na sua relação com as pessoas, dentre elas,

sua relação com o seu marido e com o filho mais velho:

Quando eu vim para a psicoterapia parece que eu tinha assim, meio que (...)

inconsciente (...) que a coisa é ali (...) naquela relação marido e mulher, de mãe com

o filho, parece que ali é que estava o problema. E é interessante que parece que

neguei muito tempo e não conseguia nem aproximar.

Janaína reavaliou seu casamento de forma diferente. Considera que a terapia a ajudou

a perceber melhor a relação que mantinha com o marido:

Uma coisa que a psicoterapia foi muito importante para mim foi a forma de ver meu

relacionamento com meu marido (...). Caiu!... Sabe, trouxe muito conflito para nossa

relação. Impressionante o quanto eu dissimulava (...). Era uma relação boa, tanto
51

pessoal, quanto social, em todos os sentidos, não é? E de repente... eu vi que não era.

Consegui entrar na situação, ver realmente como que era a realidade e aí que parei.

Não consigo mais dissimular o meu jeito de ser para manter uma relação (...). Como

estava, não tem condição de voltar... Até ele fala assim que eu mudei muito, é

engraçado assim, eu acho interessante esses feedbacks que ele me dá porque [risos]

fica muito real as minhas mudanças (...). Eu acho bom, e ele acha que eu acho ruim.

Realmente eu sou outra (...)! Não dava para viver mais de olhos vendados para a

relação.

Sua relação com o filho mais velho ficou muito mais tranqüila ao aceitar os limites

físicos dele e, também, sua impossibilidade de mudá-los a qualquer custo. Ela temia que ele

pudesse sofrer tanto quanto ela sofrera em toda sua vida:

Meu filho mais velho (...). Eu tive uma decepção mesmo quando ele nasceu (...). Eu

achava que ele ia sofrer com as mesmas coisas que eu sofri, ele era baixinho, muito

magrinho (...). Eu achei que ele ia viver tudo que eu vivi. Porque eu sou baixinha

também, não queria que ele fosse baixinho de jeito nenhum. E aí eu sofria demais com

isso (...). Eu passei a olhar também ele de uma forma diferente (...), de ver o que pode

ser vivido agora. O que pode ser feito (...). Vou lá e levo no médico até hoje, toma

remédio, faz esporte (...). Eu estou fazendo o que eu posso, mas também se ficar com

1m 70cm, 1m 60cm para mim já não faz tanta diferença.

No decorrer da terapia, Janaína foi alterando sua percepção sobre outras pessoas e a

sua forma de conviver com elas: a ex-mulher de seu marido, seu enteado, seu pai, sua mãe

dentre outros. Essa alteração só foi possível graças a uma maior clareza de Janaína sobre ela
52

mesma e sobre o outro, uma maior aceitação de si mesma e do outro, uma capacidade de não

realizar julgamentos e uma revisão de seus papéis perante essas pessoas. Ela conta como

vivenciou esse processo:

Outra questão que a terapia me ajudou foi a forma de ver a ex-mulher do meu marido

que eu tinha uma birra (...). Eu transferia para ela toda a raiva que eu tinha das

atitudes do meu marido. Então, na terapia eu fui percebendo que ela é uma pessoa

que tem lá as qualidades e os defeitos dela.

(...)

Com meu enteado. Eu tinha, assim, a sensação que eu tinha que tolerar ele, tal.

Sempre que ele ia lá para casa incomodava, tal. Só que eu também fui vendo (...) que

eu não tinha motivo (...) uma criança excelente, muito educada, muito, assim,

obediente. Nunca tinha feito nada, super-respeitador, então eu não tinha motivo real

para ter raiva dele, aquele incômodo todo (...). E quando eu descobri isso a relação

nossa se transformou (...). Hoje ele faz parte da família (...). Inacreditável! [Risos].

(...)

Minha família – pai, mãe, irmãos. Eu mudei demais a minha maneira de conviver, de

entendê-los, de relacionar com eles (...). Antes da psicoterapia eu tinha um sentimento

de distância, de raiva do meu pai (...). Na psicoterapia fui vendo que era um

sentimento que não era o meu, de filha (...). Hoje eu olho para o meu pai de uma

forma (...) que ele faz parte da minha vida e eu aceito ele do jeito que ele é (...). E a

mesma coisa com a minha mãe (...). Então eu me sinto assim, uma pessoa mais

serena, mais amável, sem muita amargura, sem muito ódio.


53

Janaína conta que não só reviu suas relações com as pessoas, como também em sua

profissão:

Na minha área profissional eu também revi toda a minha profissão atual e consegui

atitudes para ir atrás de uma outra profissão que eu gosto (...). Psicologia (...). Eu

tive esse apoio em você, de realmente avançar. Avançar e fazer. Foram 15 anos com

vontade de fazer (...). Estou no quarto ano. E assim felicíssima da vida, sabe (...)? Me

encontrei mesmo na área profissional (...). Hoje eu penso assim: trabalhar seis horas

no banco [risos] para garantir o pão e atuar na Psicologia (...), que eu vou fazer por

amor, por prazer, por gostar e isso não tem dinheiro que paga... Essa é minha idéia

hoje.

Janaína percebeu o ganho em ter feito terapia antes de iniciar o curso de Psicologia.

Entende que a terapia a ajudou a relacionar teoria e prática no curso de Psicologia, e que se

sente mais presente no mundo:

A gente vê que já aconteceu na prática e eu acho que o interesse da gente melhora, do

que aqueles alunos ali que não estão entendendo o que está acontecendo, acho que

ficam mais perdidos. Com certeza acho que ajudou sim. Você conseguir materializar

uma coisa que você já viveu na sua vida... Aí, assim, me sinto que estou mais presente

no mundo.

Janaína enfatizou que a inteireza e a escuta da terapeuta facilitaram sua comunicação,

diferentemente do que ocorria em seu cotidiano, pois se sentia muito só:


54

Esse que é o momento mais interessante da psicoterapia. É você sair do dia-a-dia e

vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma pessoa te escutando, não é? Eu

acho que nisso você foi muito importante (...). Eu te sentia inteira, durante as sessões,

realmente estava escutando. Eu tenho muita dificuldade lá fora, lá fora da

psicoterapia, de achar que as pessoas não estão me escutando. Isso é muito ruim. A

gente fica muito só, fica muito solta, perdida.

Janaína percebeu que algumas características suas não foram alteradas e, talvez, nem o

sejam, apesar de sua tendência em tentar resolver as situações inacabadas:

Eu não consigo parar sem chegar perto de uma coisa ideal, uma coisa mais assim,

mais completa, senão não fico satisfeita [risos]. E aí eu já descobri que isso não tem

muito como mudar, que é meu jeito mesmo.

Olhar suas questões mais íntimas fez que Janaína entrasse em contato com dores

profundas. No entanto, foi capaz de ressignificá-las ao compartilhá-las no processo

psicoterapêutico e, conseqüentemente, sentir um alívio significativo após o mergulho em si

mesma:

Eu acho assim, que tem que olhar para a dor, tem que entrar na dor. Enquanto fica de

fora, de longe olhando, não consegue viver, sentir aquilo que realmente está

causando aquela dor (...), uma forma diferente de ver essa dor. Porque a dor existiu,

existe, não é? Não tem muito que alterar, mas a forma com que a gente vê, lida com

essa dor, a psicoterapia ajuda (...). Ressignificar a dor (...) é só no momento que você

consegue entrar mesmo na dor (...). Sentir mesmo, sentir. Eu já percebi momentos que
55

eu senti e que depois vem o alívio (...). Enquanto fica sozinha, só com a gente, ela só

vai aumentando, ela só vai aumentando (...). Então, eu acho que é (...) conseguir

compartilhar com outra pessoa (...), com uma psicoterapeuta.

Ao penetrar em seus conteúdos mais íntimos Janaína enfrentou uma depressão,

embora considere que esse estado era necessário:

Teve um momento de profunda dor. Eu entrei um processo de depressão, mas hoje eu

acho que ele era necessário, era preciso [risos]. Eu não ia sair dessa psicoterapia se

eu não entrasse realmente nessa dor e não olhasse.

Paradoxalmente, Janaína, após a depressão, descobriu seu lado jovem, feliz e cheio de

vitalidade:

Eu estava nessa época em um processo de depressão bem profunda (...). Tinha 34

anos e já queria me aposentar, não trabalhar mais, deixar de fazer coisas que não

estavam compatíveis com a minha idade (...). Eu fui vendo na psicoterapia que eu

tinha outros lados, um lado de moleca [risos]. Esse lado da moleca, como você

nomeou, é muito gostoso (...). Eu senti que isso estava adormecido em mim, essa

moleca, essa vitalidade, essa pessoa mais jovem (...). Só que foi despertado e eu fui

resgatando esse lado, um lado que era meu e que estava escondido, abafado, não

estava sendo vivido (...). Hoje eu consigo ser eu mesma (...). É muito prazeroso ser

realmente o que a gente é (...). Estou mais perto da minha idade e do meu jeito de ser.
56

Além da depressão, ela trabalhou, em seu processo psicoterapêutico, outros temas

importantes que a impediam de viver de maneira mais saudável: ansiedade, julgamento,

aceitação, limites, escolhas, timidez, rigidez etc. Janaína aprendeu, na terapia, a diminuir sua

ansiedade, vivenciando o presente:

Outra coisa que a terapia me ajudou muito foi em minha ansiedade (...). Eu era muito

ansiosa (...). Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava louca de pensar no

futuro e vivia muita coisa do passado. A psicoterapia me ajudou demais nesse

aspecto, de resolver algumas coisas do passado que ficavam martelando na cabeça

(...). Não vivia o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa

ansiedade toda, não é? E eu passei a olhar (...) no aqui e agora, de ver o que pode ser

vivido agora (...). Fazer a minha parte.

Janaína relacionou a diminuição da ansiedade com o respeito pelas pessoas com quem

se relacionou e a aceitação delas tal como elas são:

Há um tempo atrás eu ficava muito ansiosa para aquela pessoa fazer o que eu fiz.

Hoje não, ela vai ter o momento dela, a hora que ela sentir vontade ela vai passar por

isso e vai atrás... Talvez ela nunca vá atrás, não é? E vai viver... e é dela, não é meu.

Eu acho que vem é a questão de saber respeitar o outro. Que é outro ganho da

psicoterapia (...). Achava que poderia controlar o mundo, controlar as pessoas. Hoje

eu já vi que, assim... nem quero (...). As pessoas têm que realmente caminhar com as

próprias pernas.
57

Janaína aprendeu a lidar com as frustrações, com os limites que enfrentava, e percebeu

que as escolhas das outras pessoas concernem a elas, o que a tem ajudado, por exemplo, em

seus atendimentos durante o estágio supervisionado do curso de Psicologia:

Este ano estou fazendo estágio (...). E trabalhando essa questão mesmo da frustração,

não é? Porque tem hora que a pessoa não que participar do processo. Tem pessoas

que não assumem o tratamento, mas eu estou sabendo que nem todo mundo adere ao

tratamento como eu aderi um dia... E ela tem o direito de não estar.

Lidar com seus limites e com os limites do outro ajudou Janaína a deixar de julgar as

pessoas de acordo com seus preconceitos e a ficar mais próxima das pessoas. Janaína passou,

portanto, a colocar-se no lugar no outro, como relata:

Meu jeito de preconceito, de julgamento mudou muito. Eu era uma pessoa

extremamente preconceituosa, crítica, julgadora, e hoje eu já consegui elaborar isso e

me policiar a não ter esse tipo de comportamento (...). Assim, hoje eu consigo ficar

mais próxima do outro. Quando eu julgava eu afastava do outro. Hoje (...) eu consigo

me colocar no lugar do outro (...), a pessoa deve ter motivos para ser daquele jeito

(...). Isso me traz assim, um gostar mais de mim, um gostar mais do outro, ter mais

leveza.

Janaína passou, então, a expor-se de maneira mais espontânea, mais livre:

Eu era extremamente tímida e vergonhosa, tinha dificuldade de falar em público, eu

quase entrava em pânico quando tinha que falar em público (...). Teve esse ganho de
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estar falando em público, de estar pondo minha opinião, até de fazer graça, perguntar

quando tem dúvida e não ter vergonha, se o outro está achando se é uma dúvida

banal.

Esta liberdade trouxe muita flexibilidade a Janaína:

Me tornei mais flexível com a psicoterapia. Tipo... (...), hoje eu penso assim (...) mas

eu acho que tudo pode mudar também (...). Eu acho que eu era muito rígida, hoje eu

sou mais flexível, com certeza. Um exemplo que eu posso dar [pausa] (...) é a questão

da... da minha doença mesmo, da diabetes (...). Era o fim do mundo: – “Eu vou

morrer, vou amputar a perna, vou ficar cega”... Só via por este lado. Hoje não, já

vejo que tem tratamento, tem alternativa, pode acontecer, pode não acontecer (...).

Hoje eu estou muito melhor. Não tem nem comparação! [Risos] (…). E isso eu devo à

terapia.

Janaína contou um pouco de seu processo psicoterapêutico em grupo. Comentou que a

terapia de grupo foi um dos espaços que lhe permitiu experimentar ser mais verdadeira e,

posteriormente, manter essa atitude em outras situações:

No início dessa terapia de grupo, eu me propus a tentar ser verdadeira, porque me

incomodava essa questão de eu não ser verdadeira. E no final da terapia (...) eu

tava... acho que gostando mais de mim (...), um respeito (...). Tive uma surpresa

comigo, com a minha atitude. E aí parece que eu falei: – “Eu não sou tanto uma

bruxa quanto eu imaginava que eu fosse” (...) e foi aí que eu comecei a conseguir ser

eu mesma lá fora. E nesse momento começar gostar mais de mim, de ter mais
59

confiança (...). Acho que minha auto-estima melhorou bem (…). E aí no que eu me

mostrei na minha relação conjugal, eu acho que eu não agradei muito, sabe? [Risos].

Considerou que o grupo a ajudou a perceber situações nunca vistas, sentir-se

reconhecida como pessoa e ampliar a sua consciência:

Achei que a terapia de grupo... que o contato com um outro que também está em

processo psicoterapêutico faz a gente ver a gente mesmo no outro. Na relação social

o outro não está por conta de te ouvir, ou de me entender. O processo em grupo é

muito bom, ajuda demais. Principalmente essa autopercepção, de me ver no outro.

Nossa! Tinha coisas que acontecia no grupo que eu nunca tinha visto em mim, aí eu

via no outro e percebia que estava vendo no outro uma coisa que era minha. Às vezes,

vinha mexer em coisas que eu nem imaginava (...). Eram coisas que estavam sumidas

da minha vida e que de repente uma pessoa toca naquele assunto que também parece

comigo e vai e desenrola.

Janaína foi interrogada se ocorreram perdas no processo psicoterapêutico, e sua

resposta é bastante significativa:

Eu não considero perda (...). Eu passei por muitos conflitos na minha relação

conjugal e tudo, mas por incrível que pareça eu não vejo como perda não (...). Você

foi falando aí, eu tentei pensar em alguma perda, não consegui ver nenhuma perda

não. Acho que mesmo nos conflitos a gente ganhou muito.


60

Ao reviver o processo psicoterapêutico e olhar tanto as conquistas quanto a dor que a

terapia provoca, ela alegou que muitas pessoas podem não ser capazes de enfrentar esse

processo:

Vem uma emoção misturada. Vem assim alegria de ter conseguido, melhorado, estar

melhor. Mas vem também (...) a dor. Eu tentei pensar em alguma perda, não consegui

ver nenhuma perda não. Acho que mesmo nos conflitos a gente ganhou muito... De

mexer na ferida, porque dói, dói muito, dói. Mas hoje para mim tem aquela sensação

assim doeu, mas... curou (...)! Foi um processo assim, foi árduo, foi muito tempo, mas,

assim, quase foi completo.

2.2.2 A vivência de Marcos

O encontro com Marcos deu-se no consultório psicológico, no dia 3 de julho de 2006,

com o propósito de conversar sobre sua vivência no processo psicoterapêutico. No momento

da pesquisa, Marcos já havia interrompido seu processo psicoterapêutico individual e de

grupo havia um ano e meio, por ter sido transferido para a cidade de São Paulo-SP, a trabalho.

Toda a entrevista (anexo 4) foi gravada, com o compromisso de transcrevê-la para que

ele a lesse e se posicionasse se estava de acordo e se faltava alguma coisa que ele gostaria de

acrescentar ou cortar da entrevista. Marcos leu a entrevista e não acrescentou ou cortou nada,

apenas comentou, por telefone, que havia ficado novamente emocionado ao reler sua história.

Transcrever-se-ão alguns trechos que enfatizam o fenômeno pesquisado.

Marcos relata como chegou à terapia e como está atualmente:

Eu entrei no processo terapêutico com muita angústia (...). Aquela voz que me

produzia angústia foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza sobre as
61

coisas (...). Hoje eu consigo entrar nos meus momentos de angústia, como sempre,

porque é uma coisa minha, mas eu consigo ter calma e clareza para entender por que

eu estou entrando, o que eu quero com isso.

(...)

Então quando eu vejo a vida que eu consegui para mim hoje, era tudo que eu queria

(...). Hoje a minha vida tem a minha cara (...).

Marcos acredita que a psicoterapia o ajudou em vários aspectos, e o primeiro

mencionado foi o autoconhecimento:

Ela [a terapia] me ajudou a me entender e a me enxergar. E assim, a enxergar as

partes boas, a enxergar as partes ruins e saber o que eu podia fazer com isso. E tentar

encontrar dentro de mim as coisas, as respostas para essas coisas (...). É um processo

que me ajudou a ter muita consciência de mim (...). Se eu tiver consciência de que eu

quero fazer, mesmo se der errado alguma coisa eu não vou responsabilizar ninguém.

Na busca de autoconhecimento, ele identificou vários papéis que representava em suas

relações e na vida:

A terapia me ajudou a ir discernindo cada personagem, cada papel que esses

personagens representavam para mim e como eu queria lidar com essas pessoas (...).

Com a minha mãe foi redimensionar papéis. Assim, ela não era minha esposa mais, e

eu assumi o papel de filho. E não o papel de marido, e não o papel de tutor (...). Eu fui

descobrindo... por exemplo, o Marcos abandonado, o meu eu abandonado

procurando ajuda do pai, que era o objeto do abandono (...). Era o Marcos
62

estressado, cansado, não querendo a responsabilidade, chegando para a mãe e

dizendo: – “Olha, você não é minha mulher, são coisas que meu pai tem que resolver,

eu tenho meus problemas de filho”. Então, era eu ir assumindo os meus papéis e ir

descobrindo os meus limites (...), dentro da minha estrutura familiar.

Marcos conseguiu assimilar sua humanidade, perceber seus limites e possibilidades e,

com isso, não fugir de suas verdades e nem se furtar de vivenciar algumas experiências:

A terapia me ajudou perceber que existem algumas coisas que são humanas mesmo,

que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que aprender a lidar com essas coisas (...). Tem

um exemplo claríssimo nesse processo. Eu acho que eu jamais estaria sentado aqui,

dando entrevista para você, se eu não tivesse feito terapia (...). Eu sempre me ouvi

muito mal, eu sempre tive vergonha do meu jeito de falar, eu sempre tive vergonha da

minha voz, eu sempre fugia dessas situações (...). E foi a primeira entrevista que eu

não fugi (...). Então, assim, mudou, minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não.

Mas o meu jeito de me ouvir, o meu entendimento sobre isso, mudou. Então, o

processo me ajudou a não ficar fugindo. E me proibindo de algumas coisas, me

furtando de experimentar algumas coisas, de vivenciar algumas experiências.

(...)

De conseguir olhar para mim e dizer: – “Você merece andar mais, você merece ir

mais além e você tem todas as condições para ir além” (...). Eu não tenho medo nem

vergonha de falar das minhas fraquezas e das minhas inquietações, das minhas

angústias, eu não tenho medo. Então, assim, o que eu aprendi é: a partir do momento

em que eu tenho coragem de assumir as minhas falhas, os meus defeitos, e avisar para
63

a outra pessoa que eu tenho os meus limites, isso não me coloca numa posição

inferior, como eu achava que era, isso me coloca numa posição humana.

Sentir-se uma pessoa humana, capaz de realizar e falhar, alterou sua relação consigo

mesmo e com os outros, e um exemplo é sua relação com o pai:

A terapia me ajudou a olhar mais (...) para minhas relações. Olhar de verdade

mesmo, me ajuda até hoje (...). Eu não conhecia o meu pai de verdade, eu não

conseguia olhar para ele (...). E, de repente, eu me toquei que era uma companhia,

era uma presença, que eu queria muito perto de mim, e que eu só fui ter aos 27, 28

anos de idade.

Encontrar a si e ao outro provocou uma mudança significativa no modo de Marcos

dialogar com as pessoas, como ele revela:

Eu tive coragem de chegar pro meu pai (...) e dizer o quanto aquele momento tinha

sido importante e, para mim, tinha valido (...). Para mim, valeu muito mais guardar

essa lembrança no lugar daquele vazio que eu tinha do meu pai ausente na infância.

Marcos buscou ser o mais verdadeiro possível, colocar-se no lugar do outro e a não

julgá-lo:

Eu aprendi a perguntar para a outra pessoa, a pedir para a outra pessoa se colocar

no meu lugar, eu aprendi a me colocar no lugar das outras pessoas. Então, a

experimentar um pouco a dor do outro, e entender, e tentar entender as mazelas (...).


64

Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela como eu

me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela fez (...). Dizer

como eu estava me sentindo diante de uma determinada situação.

Ele aprendeu a arriscar-se na vereda estreita do diálogo e a encantar-se com uma

comunicação genuína entre ele e as outras pessoas:

É ir e fazer. E saber lidar com o que eu tenho de volta, que às vezes não é fácil. Então,

assim, é maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o

que você vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me ensinou a

lidar com isso que vem.

Marcos aprendeu que para alcançar uma relação autêntica ele precisaria ter coragem

para revelar-se e ser quem ele realmente era:

E à medida que a terapia foi me dando coragem para me mostrar, foi me dando

coragem para ser aquilo tudo que eu sempre quis ser. A terapia não trouxe nada de

novo (...). Ela só me abriu as portas, as minhas portas, para eu ser aquilo que eu

sempre tive vontade de ser e fazer.

Marcos sente-se autorizado a mostrar-se exatamente como ele é, ao perceber que ele

pode ser querido mesmo assim:

É extremamente prazeroso ver irradiando (...). E conseguir ver o reflexo. É emitir e

ver de volta. E não fechar o olho quando vê de volta, sabe? Então, assim, é me
65

mostrar, sem medo de me mostrar, e conseguir olhar para as pessoas e ver que elas

gostam de mim. E ver que elas admiram algumas coisas, que elas são ponderadas

com outras, que elas não gostam de outras. Mas olhar e falar: – “Gente, isso tudo sou

eu”!

Marcos conseguiu integrar em sua vida seus sentimentos, seus pensamentos e suas

ações:

Hoje quando eu assisto as minhas matérias [é jornalista], eu consigo ver (...) eu

conseguindo me colocar no meu trabalho, aquilo sou eu, sabe assim? Eu me

assistindo (...). Agora eu consigo soltar a minha emoção também no meu trabalho

(...). Não deixar ela só guardada em um determinado lugar (...). Hoje eu consigo fazer

minha leitura corporal.

Outro ganho de Marcos na terapia foi entender a importância do tempo na resolução

de suas questões:

Eu não me jogo mais em uma situação em que eu sei que eu posso sair muito

machucado. Então, eu me preparo para ela e enfrento (...). Eu aprendi a relação do

tempo, não dá para você resolver tudo de uma vez (...). Essa noção de tempo, de

espera, de paciência que a terapia me ensinou (...) foi um dos melhores suportes de eu

tive (...). Eu me lembro que quando eu entrava em crise (...) eu fui dando tempo para

ver como as coisas iriam caminhar.


66

No processo psicoterapêutico, Marcos formulou algumas regras básicas, dentre elas,

dar uma segunda chance, tanto para ele, quanto para o outro. Em relação ao outro, ele tenta

entender o sentido de um determinado ato para aquela pessoa e, ele, busca, em sua história,

entender, por exemplo, o sentido daquele determinado incômodo. Ele esclarece:

Eu dou uma segunda chance quando eu conheço uma pessoa e eu não vou com a cara

dela (...). Se alguém me incomoda isso... isso me chama a atenção e eu sou levado a

querer entender por que (...). Então, aquele cara que é muito grosseiro no trabalho,

eu prefiro lidar como ele tendo os motivos dele para ser grosseiro (...). Ele tem lá as

razões dele para ser daquele jeito. E aí, se incomodar, aí eu quero entender pelo

menos comigo porque que ele me incomodou. Se é porque me lembra meu pai, se é

porque me lembra não sei quem.

Marcos aprendeu a respeitar a sua singularidade e a do outro. A atitude de respeito

pelo próximo foi um dos aprendizados de Marcos no processo psicoterapêutico de grupo. Ele

conta como ocorreu esse processo:

A terapia me ensinou o respeito comigo e o respeito com o outro. É isso! E aí quando

você aprende a respeitar, a se respeitar e a respeitar o outro, as coisas funcionam

(...). Eu aprendi respeitar e pedir para as pessoas que façam a mesma coisa comigo

(...). Mas aí, quando você senta para conversar com a outra pessoa e está disposto a

respeitar, flui, é humano. Então, é bonito (...).

(...)

Tive muito medo. Precisei ser muito bem convencido pela minha terapeuta a fazer

parte do primeiro grupo. Depois disso, ah, foi uma festa. Não parei mais de fazer
67

terapia em grupo. Mas sempre acompanhado pela terapia individual (...). Foi um

terror no começo. Não sabia como agir, como lidar com as pessoas. Comecei

achando que seria um fracasso. Mas no final o grupo acabou me ajudando a me

entender diante das pessoas (...). O grupo me ensinou principalmente a respeitar o

outro. Respeitar o tempo das pessoas. Cada um funciona de uma forma (...). Se eu

pudesse comparar com alguma coisa, o grupo seria mais ou menos o meu ritual de

passagem para o mundo real. É como se eu precisasse fazer um exercício

supervisionado de como viver em público.

No processo psicoterapêutico, houve uma desmistificação da terapia, no sentido de

reconhecer seu próprio papel no processo, como relata Marcos:

Eu continuo vivendo meus períodos de angústia, eu continuo vivendo as minhas crises

de auto-estima, eu continuo com todos, todos eles (...). Então, eu achei que a terapia

fosse me livrar desses fantasmas e me colocar num paraíso. E eu descobri ao longo do

processo que ela só ia me proporcionar a fazer as pazes com um monte de coisas (...).

Ela ia me proporcionar a enterrar alguns fantasmas, a enterrar alguns assuntos (...),

que não tinham motivos para estar ali mais. E manter uma convivência pacífica com

outras coisas, porque algumas coisas são minhas e elas vão ficar comigo, então, eu

tenho que cuidar bem, porque elas fazem parte de mim.

Marcos responde se a terapia o prejudicou de alguma forma:

Eu não dou esse peso (...). Se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em

contato com um monte de coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não
68

enxergaria coisas que eu enxergo hoje e que às vezes me colocam em situações muito

complicadas comigo. Eu faria vistas grossas porque seriam situações desconhecidas

para mim (...). Eu me entreguei e aí eu sofri nesse processo (...). Mas ter sofrido e ter

superado, hoje valeu à pena (...). É como colocar aparelho nos dentes (...); você vai

sofrer, tem hora que você vai querer arrancar tudo (...), mas, depois você vai dar um

sorriso no espelho e fala: – “Nossa, graças ao aparelho o meu sorriso está melhor”.

É isso, assim, o meu sorriso ficou muito melhor com a terapia (...). Eu não considero

que seja ruim, considero que seja um processo doloroso e que requer entrega.

Marcos afirma que não é qualquer pessoa que realmente enfrenta o processo

psicoterapêutico:

Eu fiz terapia e (...), se eu não tivesse preparado pra esse mergulho dentro de mim, eu

podia estar há 10 anos fazendo terapia, que eu não ia fazer, é uma viagem que

depende de mim.

Marcos finaliza a entrevista dando um depoimento de como se sentiu ao relembrar o

processo psicoterapêutico:

Eu vim com medo de (...) abrir um monte de coisas e não sei o quê (...). É muito

prazeroso passear pela minha história (...). Me emociona, me dá saudade, é isso. É

reviver um momento maravilhoso (...). De fechar e falar assim: – “Cara, como eu

consegui chegar, como as coisas hoje são limpas, como eu sou limpo”.
69

2.2.3 A vivência de Luísa

O encontro com Luísa deu-se em meu consultório, em 8 de julho de 2006, com a

intenção de estabelecer o diálogo sobre sua vivência no processo psicoterapêutico. Por Luísa

estar em psicoterapia, discutiu-se, antes da entrevista, que aquele momento seria uma situação

diferente e que ela deveria ter a liberdade de expor sua vivência na psicoterapia em um outro

contexto. Luísa estava motivada para a entrevista, por acreditar que a psicoterapia

transformou sua vida e a tornou uma pessoa melhor:

“Eu me tornei uma pessoa legal mesmo”!

A entrevista foi integralmente gravada, com o compromisso de transcrevê-la (anexo 5)

para que Luísa a lesse e falasse se estava de acordo com o texto e se faltava algum fato que

ela gostaria de acrescentar ou cortar da entrevista. Luísa leu a entrevista e enviou um e-mail

(anexo 7), solicitando que acrescentasse, em seu depoimento, dois fatos importantes que ela

havia deixado de falar:

Ao sair do consultório aquele dia, algumas coisas que deixei de dizer sobre o meu

processo de vivência na terapia, ficaram muito fortes e presentes, por isso resolvi

escrever o e-mail para que você complete o meu depoimento.

O primeiro comentário de Luísa refere-se à importância de ter entendido,

vivencialmente, que aceitar a outra pessoa não implica concordar com ela, e relata que esse

discernimento a deixou livre e tranqüila para uma aceitação do outro. Percebeu que para
70

aceitar o outro não precisa alterar seus valores, já que não precisa haver concordância

absoluta:

Um desses sentimentos foi quanto a capacidade de entender o outro, suas atitudes e

escolhas, até aceitá-las, mesmo sem concordar com as mesmas. Gostaria de ressaltar

que o mais importante nesse processo, é, além de poder entender e aceitar, é ter o

direito, a capacidade, a liberdade e a tranqüilidade de não precisar aceitá-las de

acordo com minha própria individualidade e valores.

O segundo item citado por Luísa foi sobre a forma como ela entendeu e enfrentou sua

primeira crise depressiva, constatada em seu processo psicoterapêutico. Ela tem crises

depressivas esporádicas, que, atualmente, estão bem controladas:

O outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado uma

depressão. Se não tivesse tido o acompanhamento da terapia, não sei se conseguiria

ter sequer diagnosticado a patologia, enquanto meu mundo desmoronava, e poder me

tratar. Dessa forma a terapia foi fator decisivo no diagnóstico e tratamento da

depressão.

Estes dois depoimentos foram acrescentados à entrevista, como solicitado por Luísa.

No dia seguinte ao envio do e-mail, Luísa tinha sessão de psicoterapia. Relatou que sua

vontade, ao ler a entrevista, foi mostrar sua história para sua família, e que o fizera com sua

irmã. Contou que as duas leram a entrevista juntas e choraram de emoção ao depararem com

tamanho crescimento:
71

É gostoso ver até onde eu vim até agora, como foi meu caminho, muito bom! O que eu

fiz esses sete anos, o que eu aprendi, o que eu cresci! (...) Eu olho e penso: – “Meu

Deus! Foi uma vida!” [Risos].

Transcrever-se-ão alguns fragmentos que ilustram a vivência de Luísa no seu processo

psicoterapêutico. Luísa iniciou a psicoterapia na adolescência, época na qual se encontrava

perdida e com muitos conflitos pessoais e familiares, chegando a ser expulsa de casa:

Eu comecei, tinha 16 anos, era uma adolescente... Vou fazer 23! Estava, assim, meio

perdida no mundo, confusa, com briga em casa, cheia de conflitos mesmo. A terapia

foi (...), alguém de fora que eu precisava para me ajudar. Eu tinha brigado com a

minha mãe, ela tinha me expulsado de casa, enfim...

A primeira contribuição da psicoterapia na vida de Luísa foi ela aceitar-se e à sua

realidade:

Foi fundamental nessa fase da minha vida, porque... me ajudou a aceitar quem eu era,

porque eu não aceitava, não conseguia aceitar minha realidade. Não conseguia

aceitar minha família, não conseguia aceitar quem eu era, não conseguia aceitar

onde eu estava mesmo, queria viver uma vida que não era a minha. Era um conflito

muito grande.

Luísa necessitou, para aceitar sua realidade, reconhecer suas verdades, e, para tanto,

precisou rever sua vida, que até então rejeitava. Sentia-se perdida e sem lugar:
72

Eu não sabia reconhecer quais coisas eram de verdade, era como se eu tivesse em um

processo de negação. Eu não queria aquela vida que eu tinha, sabe? Eu não queria

aquela mãe, eu não queria aquele pai, não queria aquela situação, não queria (...).

Tanto que eu vivia mais na casa de amigas do que na minha própria casa. Não me

sentia em um lugar meu, o que era meu eu não sentia que era meu.

Ao olhar para si mesma e para sua família, Luísa passou a valorizar-se mais e também

a seus pais e à sua vida, a entender e a compreender melhor a si mesma e aos seus pais, e,

sobretudo, a aceitar o que a vida lhe oferecia e conviver com isso:

A psicoterapia me ajudou a ir vendo (...) quem eu era e que eu tinha que dar valor

(...), que não era ruim como eu achava... Então, acho que foi importante... até para

começar a entender o lado do meu pai, da minha mãe (...). Ir aceitando aos poucos o

que a vida me oferecia, olhando para o que eu tinha. Então, eu acho que a

psicoterapia foi fundamental nisso, mas primeiro eu tive que ver, não é? Porque eu

nem queria ver o que eu tinha. Então, primeiro eu tive que aprender a ver o que eu

tinha, quem era a minha mãe, quem era meu pai, quem era eu, onde que eu estava,

qual que era meu lugar, não é? Para aprender a conviver com isso.

Ao descobrir quem era, Luísa pôde experimentar mostrar-se de verdade, atitude

desconhecida antes da terapia. Vivia de aparências e, atualmente, policia-se para não entrar

nesse caminho:

Uma coisa que eu aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o que eu

realmente queria mostrar, nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o que eu
73

realmente sou? Eu olho isso sempre, justamente para fugir da hipocrisia. Cada dia eu

gosto menos da pessoa mostrar uma coisa que ela não é (...). Eu fiz isso muito tempo,

vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer uma coisa, um mundo, uma

postura que não era a minha, que não era eu, não tinha aquilo ali para dar (...). Era

uma capa.

Atualmente foge do jogo do faz-de-conta e sempre procura a verdade nela e nos

outros, mesmo que ela seja difícil de ver. Luísa tenta passar uma imagem fidedigna do que ela

é:

Faz-de-conta (...) tornou-se uma coisa insuportável na minha vida (...). O caminho de

ser dissimulado é mais fácil (...). Eu não consigo mais aceitar uma paisagem, uma

pintura, uma maquiagem, em cima daquilo que não é de verdade (...). Quero a

verdade por mais feia, por mais dura que ela seja (...). Hoje me incomoda não ser eu.

Me incomoda até quando alguém quer dizer quem sou eu: – “Essa não sou eu” (...)!

Fico tão preocupada em ser eu, em não mostrar uma coisa que eu não sou.

Ir ao encontro de sua verdade também abriu a possibilidade de organizar-se de

maneira menos fantasiosa e mais integrada. Atualmente, agrega, à sua opinião, as opiniões

externas, atitude incomum antes da terapia, pois ela ampliou sua visão sobre a situação:

Eu vou ao encontro com o que realmente é, sem fantasia, eu vou ao encontro com a

minha opinião. Assim, eu consigo organizar minhas idéias, eu acho que é isso,

conseguir organizar as idéias. Realmente, algumas opiniões são importantes, algumas

opiniões reais, algumas outras opiniões são muito parciais (...). Uma coisa que a
74

terapia me ajuda, que eu tenho que tomar muito cuidado, de não ir somente pela

opinião dos outros. Então eu acho que eu ainda preciso muito de ir para a terapia,

pois ajuda a me organizar melhor quando estou confusa (...) de poder sentar,

organizar, olhar a coisa de todos os ângulos.

Luísa considera que evoluiu muito com sua psicoterapia como um todo, no entanto,

faz um paralelo sobre o que ela considera ter aprendido na psicoterapia individual e na

psicoterapia de grupo. De um modo geral, Luísa considera que a psicoterapia individual a

ajudou a aceitar-se e a lidar com sua realidade, ao passo que o grupo a ajudou a se relacionar

com as pessoas, e, sobretudo, a entender que precisa do outro para crescer:

A [terapia] individual me ajudou a me ver, a ver meu mundo, a reconhecer meu

mundo, a me aceitar, a aceitar meu mundo, lidar com aquilo que eu tenho (...). A

terapia individual me fez entender que eu preciso me gostar, a melhor coisa que eu

tenho sou eu, do jeito que estou naquele momento Mas o grupo (...) me ajudou demais

nos meus relacionamentos, a entender os outros, me reconhecer nos outros, a ver que

problemas todo mundo tem, dificuldades todo mundo tem. O grupo me fez ver que eu

só vou crescer com as outras as pessoas (...). O maior aprendizado que eu posso ter é

na vida é com as pessoas.

Luísa constata que seu olhar e interesse pelas pessoas estão diferentes, sobretudo,

depois da psicoterapia de grupo, o que altera sua maneira de encontrar as pessoas, levando-a a

encontros sem preconceito e com mais disponibilidade para envolvimentos:


75

Depois que eu fiz grupo eu tive um outro olhar sobre qualquer pessoa, sabe? Um

olhar mais emotivo (...), menos crítico, um olhar de (...) tentar entender mesmo: –

“Isso é assim, mas tem um porquê” (...). No grupo, eu pude olhar mesmo, e querer

ver, querer conhecer, sabe? E ver que cada pessoa, todo mundo, por melhor ou pior

que ela seja, as pessoas sempre têm alguma coisa muito interessante (...). Isso tirou

muito preconceito... muita barreira de não me deixar envolver mesmo.

Luísa percebeu, no grupo, a necessidade de olhar para todos os lados de uma mesma

história, e que as pessoas assumem um posicionamento ante a vida de acordo com suas

histórias, incluindo ela mesma:

Toda história tem o outro lado, toda pessoa tem vários lados (...). No grupo eu

consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse feito

grupo. Por exemplo, consegui ouvir as razões de uma pessoa que era considerada

egoísta e entender seu egoísmo (...). Aprendi no grupo que (...) as pessoas (...) tinham

uma história (...) que me fazia entender aquelas atitudes diante a vida (...). Aquilo que

me levou a ser aquilo que eu sou hoje, a minha história.

Esse entendimento foi importante para Luísa, já que, ao olhar sua história, passou a

sentir orgulho de uma vida que antes repudiava. Percebeu que as pessoas precisam ter uma

história, mesmo que ela seja difícil, e que esta dificuldade, se vivida sem amargura, ajuda a

pessoa a ser mais interessante e sensível diante dos problemas alheios:

Se eu não tivesse passado por tudo que eu passei eu acho que eu seria uma boba, uma

mimada. Então assim: – “Eu dou graças a Deus... Nossa! Obrigada (...) porque eu
76

passei por um monte de problemas, porque isso fez de mim uma pessoa melhor, tenho

certeza” (...). Eu observo que quanto mais coisas ela [a pessoa] passou na vida, se ela

não deixou se amargurar, ela é uma pessoa mais interessante (...). E a pessoa [que

não passou por dificuldades], muitas vezes, fica boba, fútil, porque eu acho que ela

não consegue se sensibilizar com a situação do outro.

No grupo, Luísa teve a permissão de ser ela mesma ante o outro, pois pôde perceber

sua semelhança enquanto ser humano:

“Nossa! Eu também! Nossa! Não sou só eu que sou assim. Nossa! Não sou o patinho

feio da história”.

Ao mesmo tempo que Luísa distingue os benefícios de cada terapia ela mostra a

interferência de um processo sobre o outro.

Com o passar do tempo, com a aceitação e a admiração que passei a ver as pessoas

no grupo, me influenciou a ver, na terapia individual, a questão da minha família, de

ir aceitando ainda mais a família.

Luísa percebe-se, atualmente, muito diferente do início da terapia. Considera-se uma

pessoa mais interessante por olhar diferentemente para os outros e as coisas, por buscar a

totalidade, por notar-se mais sensível, por ter sede de aprender e pela paixão pelo ser humano:

Acho que a terapia me fez muito mais interessante, muito mais madura. A terapia fez

de mim uma pessoa diferente, eu tenho um diferencial (...). Eu tenho um olhar


77

diferente sobre as coisas e sobre as pessoas, sabe? Eu sinto que eu consigo ter uma

sensibilidade maior, eu consigo ver além, entendeu (...)? Coisas que para mim, às

vezes, são tão óbvias e ninguém está vendo (...). Ver além (...) dos preconceitos, dos

pré-julgamentos (...). Eu consigo ter uma noção de totalidade (...). Tenho sede de

aprender mais, mais e mais. Com uma paixão, que eu aprendi aqui na terapia, pelo

ser humano, uma paixão verdadeira.

Luísa continua com a tendência de cuidar do outro, de tomar a frente das coisas, no

entanto, com maior consciência do seu jeito de funcionar, avalia a necessidade ou não de

resolver os problemas:

A tendência continua. A tendência é de ir lá e resolver e pegar no colo e tomar frente.

Mas aí eu tenho que parar, e lembrar, e sentar aqui no sofazinho da terapia, e falar: –

“Não, espera aí, eu tenho minha ‘vidinha’, eu não tenho filho ainda dessa idade para

cuidar” (...). Eu já observei que se eu assumo, ninguém vai assumir. Então, de repente

se eu não assumir, alguém assume.

Ao mesmo tempo, Luísa revela assumir algumas coisas, que apesar de socialmente

não serem problemas dela, ela entende que o são, como cuidar do pai, por exemplo, o que

difere do comportamento da irmã:

Eu estava conversando isso com a minha irmã (...) sobre a questão do meu pai, tal e

eu perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me respondeu bem assim: –

“Não, não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele” (...). Achei uma visão

muito radical. (...). Eu falei assim: – “Claro! Tudo bem! Eu também sou filha, eu
78

também quero ser cuidada, mas infelizmente a gente não tem os pais para cuidar da

gente. Eles não nasceram para cuidarem da gente” (...). Também não acho certo, se

abster daquilo ali e levar uma vida como se não existisse.

Luísa aprendeu a ponderar e discernir seus desejos, seus deveres e suas possibilidades:

Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança mesmo, não

é? Se está me fazendo bem, se está me fazendo mal. O que me aproxima, o que me

afasta (...). Sempre foi um conflito: – “O que eu posso fazer, o que eu tenho que fazer,

o que eu quero fazer” (...). Hoje: – “Eu vou fazer até onde eu der conta”.

A ponderação, alcançada da terapia, foi essencial na escolha da profissão de Luísa e,

depois, na continuação do curso, pois ela procurou encontrar, nela mesma, o que queria:

A terapia me ajudou a (...) escolha profissional, porque chegou uma fase que eu

estava muito perdida (...). Então, foi assim imprescindível para ver o que realmente eu

queria, o que era para mim e o que era para os outros (...). Eu entrei assim (...): –

“Ah, não, isso eu gosto, eu acho que vai ser bom e tal”. Mas, na hora que eu entrei na

faculdade, eu comecei a achar meio chato (...). Aí eu tive que retomar e ver... porquê

que eu estava ali, se era o que eu realmente queria, ou se não (...). E ter uma postura

muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali (...). Ver os vários motivos pelos quais

eu estava ali (...). O que me fazia desistir, o que me fazia continuar (...). Avaliar tudo

(...). Assumir que só terei o bom se passar pelo ruim também.


79

É nítida a expansão do aprendizado psicoterapêutico de Luísa para a vida. Em sua

formação profissional, por exemplo, no estágio no curso de Nutrição, ela percebe um real

interesse e respeito pela pessoa humana, além de buscar os conhecimentos técnicos:

A terapia me ensinou também a dar valor nas pessoas (...). Aprendi a respeitar e ter

interesse pela pessoa humana. Eu já acho que... a terapia me fez assim, me deixar

envolver. Claro que é um envolvimento consciente, não é? Eu os olho [os pacientes]

como pessoas e não como um leito número 57... e isso faz muita diferença (...). Não

tenho o menor receio de pegar uma cadeira, sentar do lado do leito, ficar

conversando, ouvindo a história de sua vida (...). Porque eu não consigo separar (...)

que a pessoa simplesmente come como um metabolismo. Ela come, tem um

metabolismo e, também, tem uma história, e o seu metabolismo vem do estado dela,

não tem como, não tem como!

Luísa considera que a terapia a ajudou a tornar sua relação amorosa mais saudável, ao

descobrir, inicialmente, que sua vida não se limitava ao namoro, e, em seguida, transpor esse

aprendizado para o seu relacionamento com o namorado. Atualmente ambos são livres para

exercerem outros papéis na vida:

Eu comecei a namorar (...). Eu tinha uma tendência muito grande a... a ser submissa

(...), a ser dependente dessa relação. E nesse lugar [o consultório] que eu consegui

ter, assim, um insight de que eu tinha que ter minha vida (...). E, até hoje mesmo, é o

que mais me ajuda a clarear a coisas (...). A terapia me permitiu (...) enxergar meu

namorado, a vida dele como um todo, não só como namorado, sabe? Enxergar ele

como homem, enxergar ele como filho, enxergar ele como profissional. Porque antes
80

eu só enxergava um lado, só queria aquilo ali: namorado. Namorado tem que ser

assim e tem que ser assado.

Luísa dá um sentido positivo para a terapia:

Eu não consigo imaginar minha vida se eu não tivesse começado a fazer terapia

naquele momento. Porque, não sei onde eu estaria hoje, não sei se eu estaria.

Por outro lado, ela também aprendeu a ponderar sobre a importância da terapia em sua

vida, e a perceber se a terapia lhe trouxe algum prejuízo. Ao ser questionada a respeito, ela

responde que atualmente não consegue ver prejuízos, apesar que já ter pensado sobre isso em

relação à tolerância, antes vista como apatia:

Às vezes eu até pensei nisso, na questão da... de uma certa tolerância que a terapia

me deu com relação às pessoas... mas hoje eu vejo que não. Eu pensei nesse assunto

tem tempo, mas hoje vejo a tolerância como se fosse uma tolerância e não uma

apatia. Essa questão de estar entendendo demais, de estar vendo demais, de estar

aceitando demais e acaba tendo uma maior tolerância (...). Atualmente eu não vejo a

tolerância como uma coisa ruim.

Luísa relata como foi reviver seu processo psicoterapêutico:

Foi maravilhoso, até coisas que eu não tinha parado para pensar em todo esse

processo, coisas que eu nem tinha visto. Tinha visto, mas tinha passado, não tinha

parado para pensar, é como se tivesse fechando a Gestalt.


81

CAPÍTULO III

OS RESULTADOS

A psicoterapia é o mesmo que (...) qualquer tipo


de arte faz com quem resolve entrar nesse espaço (...).
É como eu ir ao teatro e não entender absolutamente nada da peça.
E ler um livro, estudar sobre o assunto e depois ver a peça novamente.
E falar: – “Nossa, como eu não vi isso na primeira peça”.
Marcos – colaborador

Após ter descrito a vivência dos clientes nos processos psicoterapêuticos, observaram-

se vários temas comuns em seus relatos. Também ficou evidente a relação do que eles

descreveram com os conceitos, com a visão de homem, com o método fenomenológico e a

atitude dialógica, tão presentes na prática psicoterapêutica do gestalt-terapeuta. Essa

proximidade será destacada no capítulo IV.

Talvez, em decorrência do tempo de psicoterapia dos colaboradores, percebeu-se que

eles utilizam expressões técnicas da Gestalt-terapia, e até mesmo alguns conceitos de forma

direta, como aqui-agora – “e eu passei a olhar (...) no aqui e agora, de ver o que pode ser

vivido agora”, ou contato – “eu não teria entrado em contato com um monte de coisas”, e

outros de forma indireta, como “eu aprendi a me colocar no lugar das outras pessoas”, que é

uma maneira de falar da inclusão, por exemplo.

Intenciona-se, nos resultados, identificar o que há de comum ou singular no

depoimento dos colaboradores, a fim de elucidar a vivência do cliente no processo

psicoterapêutico, problema deste estudo.

Para tanto, foram agrupadas, pelas semelhanças, categorias [quarto passo do método

apresentado por Giorgi (1985)] encontradas nas entrevistas. Cada agrupamento corresponde a

um conjunto de unidades de significado, que serão expressos por meio de uma categoria, na

busca de traduzir, de uma maneira mais ampla, o que eles pareciam transmitir. Cada categoria

será representada por um fragmento do discurso de cada colaborador (quando possível), na


82

direção de uma exemplificação, apesar de algumas unidades de significado se repetirem várias

vezes, e outras, não.

A psicoterapia e suas expectativas

Os colaboradores Janaína (C1) e Marcos (C2) chegaram à terapia com algumas

expectativas que não foram supridas. No entanto, Luísa (C3) encontrou, na terapia, o que

realmente imaginava:

C1 – Eu vim com a expectativa de que a psicoterapia ia tirar meus problemas.

C2 – Eu achei que a terapia fosse me livrar desses fantasmas e me colocar num

paraíso.

C3 – Alguém de fora que eu precisava para me ajudar.

A psicoterapia e seu sentido

No decorrer da psicoterapia, tanto Janaína (C1) quanto Marcos (C2) ressignificaram o

seu sentido, ao passo que Luísa (C3) sentiu-se confirmada no que procurou:

C1 – E foi aí que eu comecei a entrar mesmo no processo psicoterapêutico, de olhar

para as dores, ir atrás das minhas crenças, dos meus valores, o que era meu

mesmo, o que era do outro.

C2 – E eu descobri ao longo do processo que ela só ia me proporcionar a fazer as

pazes com um monte de coisas (...). Ela ia me proporcionar a enterrar alguns

fantasmas, a enterrar alguns assuntos (...), que não tinham motivos para estar

ali mais. E manter uma convivência pacífica com outras coisas, porque

algumas coisas são minhas e elas vão ficar comigo.


83

C3 – Eu não consigo imaginar minha vida se eu não tivesse começado a fazer terapia

naquele momento. Porque, não sei onde eu estaria hoje, não sei se eu estaria.

A psicoterapia e o autoconhecimento

Os colaboradores atribuem à psicoterapia algumas mudanças significativas em suas

vidas, como as relacionadas ao autoconhecimento, por exemplo. Observa-se, nesse tema, que

os colaboradores assinalam a importância da psicoterapia para um conhecimento de si, que se

dá à medida que o cliente se percebe. A atitude do perceber-se leva a pessoa a uma maior

aproximação de si mesma e ir ao encontro de sua verdade. A aproximação de si mesma leva a

uma maior conscientização – de si e de suas relações – e, conseqüentemente, à possibilidade

de realizar escolhas mais apropriadas, além de acarretar uma maior responsabilidade da

pessoa por essas escolhas:

C1 – Eu cheguei na psicoterapia (...), assim, dissimulada (...). Ninguém sabia o que se

passava comigo, eu sempre fui muito sozinha (...). Mas o que a psicoterapia fez

comigo foi isso, de ser mais verdadeira, de ficar mais próxima do que eu sou.

C2 – Ela [a terapia] me ajudou a me entender e a me enxergar (...), saber o que eu

podia fazer com isso (...). É um processo que me ajudou a ter muita consciência

de mim (...). Se eu tiver consciência de que eu quero fazer, mesmo se der errado

alguma coisa eu não vou responsabilizar ninguém.

C3 – Primeiro eu tive que aprender a ver o que eu tinha (...), quem era eu, onde que

eu estava, qual que era meu lugar.


84

Aceitação e respeito por si próprio e pelo outro

À medida que a pessoa adquire mais consciência de si mesma, ela passa a ter, também,

mais consciência do outro. Conhecer o outro e a si mesmo verdadeiramente favorece a

aceitação e o respeito pelo próximo e por si mesmo. Este é o segundo tema que foi destacado:

C1 – E no final da terapia (...) eu tava... acho que gostando mais de mim (...), um

respeito.

(...)

Eu acho que vem é a questão de saber respeitar o outro. Que é outro ganho da

psicoterapia (...). Achava que poderia controlar o mundo, controlar as pessoas.

Hoje eu já vi que, assim... nem quero (...). As pessoas têm que realmente

caminhar com as próprias pernas (...), e eu aceito ele do jeito que ele é (...).

Meu jeito de preconceito, de julgamento mudou muito... hoje eu consigo ficar

mais próxima do outro. Quando eu julgava eu afastava do outro. Hoje (...) eu

consigo me colocar no lugar do outro (...), a pessoa deve ter motivos para ser

daquele jeito (...). Isso me traz assim, um gostar mais de mim, um gostar mais

do outro.

C2 – A terapia me ajudou perceber que existem algumas coisas que são humanas

mesmo, que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que aprender a lidar com essas

coisas.

(...)

Eu aprendi a perguntar para a outra pessoa, a pedir para a outra pessoa se

colocar no meu lugar, eu aprendi a me colocar no lugar das outras pessoas...

Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela

como eu me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela
85

fez (...). A terapia me ensinou o respeito comigo e o respeito com o outro. É

isso! E aí quando você aprende a respeitar, a se respeitar e a respeitar o outro,

as coisas funcionam.

C3 – Me ajudou a aceitar quem eu era, porque eu não aceitava, não conseguia

aceitar minha realidade. Não conseguia aceitar minha família, queria viver

uma vida que não era a minha. Era um conflito muito grande.

(...)

E ver que cada pessoa, todo mundo, por melhor ou pior que ela seja, as pessoas

sempre têm alguma coisa muito interessante (...). Isso tirou muito preconceito...

muita barreira que tinha de não me deixar envolver mesmo (...). A capacidade

de entender o outro, suas atitudes e escolhas, até aceitá-las, mesmo sem

concordar com as mesmas (...). A terapia me ensinou também a dar valor nas

pessoas (...). Aprendi a respeitar e ter interesse pela pessoa humana.

Luísa (C3), em seu relato, foi além de Janaína (C1) e Marcos (C2) em relação ao

entendimento sobre a aceitação, quando diferenciou dois conceitos: aceitar e concordar. Essa

diferença, muito pertinente ao conceito de aceitação na Gestalt-terapia, deixou-a mais livre

para compreender o que o outro faz, sem perder seus valores:

C3 – Gostaria de ressaltar que o mais importante nesse processo, é além de poder

entender e aceitar, é ter o direito, a capacidade, a liberdade e a tranqüilidade

de não precisar aceitá-las de acordo com minha própria individualidade e

valores.
86

Quando o cliente aprende a se colocar no lugar do outro, diminuem os julgamentos e

aumentam a aceitação, o respeito e a proximidade entre as pessoas. Aceitar não significa

concordar com o outro, mas respeitar a diferença, representada pela verdade do outro. Na

terapia de grupo, os colaboradores conseguiram praticar a inclusão, elemento essencial na

compreensão, aceitação e respeito pelo outro, o que é ilustrado nas falas de Marcos (C2) e

Luísa (C3):

C2 – No grupo era bem diferente. Cada um funcionava à sua maneira. Ai, que delícia

fazer parte daquelas histórias!

C3 – Toda história tem o outro lado, toda pessoa tem vários lados (...). No grupo eu

consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse

feito grupo. Por exemplo, Consegui ouvir as razões de uma pessoa que era

considerada egoísta e entender seu egoísmo, segundo seu ponto de vista.

A psicoterapia e o diálogo

No processo psicoterapêutico os colaboradores começaram a comunicar-se

genuinamente, inicialmente com o terapeuta, e, posteriormente, ampliam para outras relações.

Dialogar proporcionou-lhes a capacidade tanto de falar quanto de ouvir verdadeiramente.

Assim, torna-se possível não “apontar o dedo”, mas dizer o que a atitude do outro provoca na

pessoa e perceber como fica tocada pela fala do outro. Na percepção dos colaboradores, essa

atitude facilita o diálogo e a própria expressão de si, como se observa a seguir:

C1 – Tinha muita dificuldade de falar de mim, das minhas coisas (...). Falava coisas

que não eram relacionadas comigo (...). Depois de um ano de psicoterapia eu

consegui falar (...) das minhas coisas.


87

C2 – É maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o

que você vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me

ensinou a lidar com isso que vem.

C3 – Eu estava conversando isso com a minha irmã (...) sobre a questão do meu pai,

tal e eu perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me respondeu bem

assim: –“Não, não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele” (...).

Achei uma visão muito radical. (...). Eu falei assim: – “Claro! Tudo bem! Eu

também sou filha, eu também quero ser cuidada, mas infelizmente a gente não

tem os pais para cuidar da gente. Eles não nasceram para cuidarem da gente”

(...). Também não acho certo, se abster daquilo ali e levar uma vida como se

não existisse.

Nessa passagem, observa-se como a psicoterapia permitiu à Janaína (C1) a

consciência e a mudança em relação à sua dificuldade de expressar-se; na fala de Marcos

(C2), como o diálogo pode chegar a um lugar nunca imaginado, ao permitir a ampliação do

conhecido, o descobrimento do novo, o desvelar-se da pessoa, o acolhimento da verdade do

outro, e, no relato de Luísa (C3), a ilustração de um diálogo em si.

A escuta do psicoterapeuta

O diálogo autêntico, muitas vezes, experimentado pela primeira vez na psicoterapia,

vem acompanhado de uma atitude de acolhimento e escuta do terapeuta, percebida como

abertura para o outro. No caso de Janaína (C1), foi vivenciado como presença e inteireza.

Sem o outro, o sentimento de solidão da colaboradora era muito presente:


88

C1 – Esse que é o momento mais interessante da psicoterapia. É você sair do dia-a-

dia e vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma pessoa te escutando,

não é? Eu acho que nisso você foi muito importante (...). Eu te sentia inteira,

durante as sessões, realmente estava escutando. Eu tenho muita dificuldade lá

fora, lá fora da psicoterapia, de achar que as pessoas não estão me escutando.

Isso é muito ruim. A gente fica muito só, fica muito solta, perdida (...).

Enquanto fica sozinha, só com a gente, ela [a dor] só vai aumentando, ela só vai

aumentando (...). Conseguir compartilhar com outra pessoa (...), com uma

psicoterapeuta (...).

A psicoterapia e a possibilidade de mudança do cliente ao aceitar-se tal como é

Além da escuta atenta do terapeuta, da busca pelo diálogo, da inclusão, da aceitação,

dentre outras atitudes terapêuticas, percebe-se a importância da confirmação no processo

psicoterapêutico, que é o cliente poder ser validado naquilo que ele é. Ser o que é, por si só, é

transformador, e este é o paradoxo da mudança:

C1 – Eu fui resgatando... um lado que era meu e que estava escondido, abafado, não

estava sendo vivido (...). Hoje eu consigo ser eu mesma (...). É muito prazeroso

ser realmente o que a gente é (...). Estou mais perto da minha idade e do meu

jeito de ser.

C2 – E à medida que a terapia foi me dando coragem para me mostrar, foi me dando

coragem para ser aquilo tudo que eu sempre quis ser. A terapia não trouxe

nada de novo (...). Ela só me abriu as portas, as minhas portas, para eu ser

aquilo que eu sempre tive vontade de ser e fazer.

C3 – Ir aceitando aos poucos o que a vida me oferecia, olhando para o que eu tinha.
89

A psicoterapia e a aproximação do cliente com ele próprio

Quando o cliente se sente confirmado, ele experiencia uma sensação de maior

liberdade, sentindo que pode vir a ser o que ele é, de fato, o que não vinha ocorrendo ao longo

de sua vida, por força das exigências internas e externas. À medida que ele é confirmado e se

mostra, ele passa a perceber que pode ser amado sendo ele mesmo, e que não precisa mais

aparentar ser o que não é, tanto que o cliente, ao ter abertura para desvelar-se, encanta-se com

a possibilidade de viver o real, mesmo que ele não seja o desejado por outras pessoas:

C1 – Eu me propus a tentar ser verdadeira, porque me incomodava essa questão de

eu não ser verdadeira. (...). E foi aí que eu comecei a conseguir ser eu mesma lá

fora. E nesse momento começar gostar mais de mim, de ter mais confiança (...).

Acho que minha auto-estima melhorou bem.

C2 – Então, assim, é me mostrar, sem medo de me mostrar, e conseguir olhar para as

pessoas e ver que elas gostam de mim. E ver que elas admiram algumas coisas,

que elas são ponderadas com outras, que elas não gostam de outras. Mas olhar

e falar: – “Gente, isso tudo sou eu”!

C3 – Faz-de-conta (...) tornou-se uma coisa insuportável na minha vida (...). O

caminho de ser dissimulado é mais fácil (...). Eu não consigo mais aceitar uma

paisagem, uma pintura, uma maquiagem, em cima daquilo que não é de

verdade (...). Quero a verdade por mais feia, por mais dura que ela seja (...).

Hoje me incomoda não ser eu.

Conhecimento de sua verdade e não desconsideração da verdade do outro

A terapia ajuda a aproximar a pessoa de suas verdades e a evidenciar sua

singularidade, no entanto, não o torna individualista. Ser quem realmente se é não significa
90

fazer o que deseja, onde deseja, mas ter consciência que, apesar de ser aquela pessoa, ela é um

ser que se relaciona e que deve respeitar, também, o outro. A diferença é que a pessoa não se

afasta de sua verdade, podendo apropriar-se dela, sem excluir o outro:

C1 – Antes (...) eu sentia por dentro um incômodo, mas não sabia o que era. Hoje eu

tenho consciência do que me incomoda. (...). Coisa que eu não aprovava, eu

afastava. Hoje não (...), eu consigo me colocar no lugar do outro (...), a pessoa

deve ter motivos para ser daquele jeito (...). Isso me traz assim, um gostar mais

de mim, um gostar mais do outro, ter mais leveza.

C2 – Eu dou uma segunda chance quando eu conheço uma pessoa e eu não vou com a

cara dela (...). Isso me chama a atenção e eu sou levado a querer entender o

porquê.

C3 – Eu vou ao encontro do que realmente é, sem fantasia, eu vou ao encontro da

minha opinião. Assim, eu consigo organizar minhas idéias (...). Realmente,

algumas opiniões são importantes, algumas opiniões reais, algumas outras

opiniões são muito parciais.

A psicoterapia e a dimensão humana do cliente

A atitude de considerar a si mesmo e ao outro como pessoa foi analisada por Marcos

(C2) e Luísa (C3) como fundamental para resgatar os sentidos de humanidade e de limitação:

C2 – O que eu aprendi é: a partir do momento em que eu tenho coragem de assumir

as minhas falhas, os meus defeitos, e avisar para a outra pessoa que eu tenho os

meus limites, isso não me coloca numa posição inferior, como eu achava que

era, isso me coloca numa posição humana.


91

C3 – “Nossa! Eu também! Nossa! Não sou só eu que sou assim. Nossa! Não sou o

patinho feio da história”.

A psicoterapia e a possibilidade de ressignificação

Constituir-se humano e limitado, sem se sentir inferior, facilita, para os colaboradores,

olhar para suas questões abertas ou mal resolvidas. Quando os clientes encaram essas

situações, eles têm a chance de ressignificar suas experiências vividas, ou seja, atualizarem

pensamentos, sentimentos e ações antigas que perduram até os dias recentes e que, muitas

vezes, são percebidas como anacrônicas. Nesse momento, o novo olhar para uma situação

antiga a deixa nova também.

Aprender a lidar de forma diferente com situações antigas consiste em ajustar-se

criativamente, ou seja, agir da melhor forma possível, naquele momento, diante de uma

situação ainda não-resolvida. Os três colaboradores discorrem sobre a necessidade de realizar

esse enfrentamento:

C1 – Tem que olhar para a dor... Porque a dor existiu, existe, não é? Não tem muito

que alterar, mas a forma com que a gente vê, lida com essa dor, a psicoterapia

ajuda (...). Ressignificar a dor (...) é só no momento que você consegue entrar

mesmo na dor (...). Tem algumas coisas que eu acho que ainda permanecem

(...). Mas só que agora é diferente. A forma agora como eu estou vendo é

diferente da que eu via antes da psicoterapia.

C2 – Eu acho que eu jamais estaria sentado aqui, dando entrevista para você, se eu

não tivesse feito terapia (...). Eu sempre me ouvi muito mal, eu sempre tive

vergonha do meu jeito de falar, eu sempre tive vergonha da minha voz, eu

sempre fugia dessas situações (...). E foi a primeira entrevista que eu não fugi
92

(...). Então, assim, mudou, minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não.

Mas o meu jeito de me ouvir, o meu entendimento sobre isso, mudou.

C3 – Eu não queria aquela mãe, eu não queria aquele pai, não queria aquela

situação, não queria (...). Tanto que eu vivia mais na casa de amigas do que na

minha própria casa. Não me sentia em um lugar meu, o que era meu eu não

sentia que era meu (...). A psicoterapia me ajudou a ir vendo (...) quem eu era e

que eu tinha que dar valor (...), que não era ruim como eu achava.

A psicoterapia e o tempo presente

A experiência de atualizar seus conteúdos leva os clientes a buscarem o presente, pois

passam a entender que ficar preso ao passado e/ou a expectativas futuras não resolve, na

prática, suas questões existenciais. Janaína (C1) e Luísa (C3) focalizam a importância de viver

o aqui-agora, ao passo que Marcos (C2) se centra no valor da espera:

C1 – Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava louca de pensar no futuro

e vivia muita coisa do passado. A psicoterapia me ajudou demais nesse aspecto,

de resolver algumas coisas do passado que ficavam martelando na cabeça (...).

Não vivia o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa

ansiedade toda, não é? E eu passei a olhar (...) no aqui-e-agora, de ver o que

pode ser vivido agora.

C2 – Eu aprendi a relação do tempo, não dá para você resolver tudo de uma vez (...).

Essa noção de tempo, de espera, de paciência que a terapia me ensinou.

C3 – A terapia individual me fez entender que eu preciso me gostar, a melhor coisa

que eu tenho sou eu, do jeito que estou naquele momento.


93

A imagem da psicoterapia de grupo para o cliente

Todos os colaboradores também tiveram experiência de participação em processo de

psicoterapia de grupo e discorrem como perceberam o processo grupal. Janaína (C1) retoma a

questão da escuta e da solidão: em um primeiro momento, fala da importância da escuta da

terapeuta e volta a enfatizar a escuta dos colegas no grupo e, também, toca no sentimento de

pertencimento, ao relacionar as questões apresentadas pelos colegas com as suas questões

pessoais. Já Marcos (C2) considera o grupo como um “ritual de passagem para o mundo

real”, além de voltar ao tema do respeito pelo outro.

Luísa (C3) é a colaboradora que mais destaca, em seu depoimento, as implicações do

grupo em sua vida pessoal e, sobretudo, relacional. Ela realça que no grupo aprendeu a

importância das pessoas e, ao aprender olhar para a história das pessoas, entendeu seus

funcionamentos na vida:

C1 – Na relação social, o outro não está por conta de te ouvir, ou de me entender. O

processo em grupo é muito bom, ajuda demais... Eram coisas que estavam

sumidas da minha vida e que de repente uma pessoa toca naquele assunto que

também parece comigo e vai e desenrola.

C2 – O grupo acabou me ajudando a me entender diante das pessoas (...). O grupo me

ensinou principalmente a respeitar o outro. Respeitar o tempo das pessoas... o

grupo seria mais ou menos o meu ritual de passagem para o mundo real. É

como se eu precisasse fazer um exercício supervisionado de como viver em

público.

C3 – O grupo (...) me ajudou demais nos meus relacionamentos, a entender os outros,

me reconhecer nos outros, a ver que problemas todo mundo tem, dificuldades
94

todo mundo tem. O grupo me fez ver que eu só vou crescer com as outras as

pessoas (...). O maior aprendizado que eu posso ter é na vida é com as pessoas.

(...)

Depois que eu fiz grupo eu tive um outro olhar sobre qualquer pessoa, sabe?

Um olhar mais emotivo (...), menos crítico, um olhar de (...) tentar entender

mesmo: – “Isso é assim, mas tem um porquê” (...). No grupo, eu pude olhar

mesmo, e querer ver, querer conhecer (...). Aprendi no grupo que (...) as

pessoas (...) tinham uma história (...) que me fazia entender aquelas atitudes

diante a vida.

A psicoterapia e a ampliação das relações dos clientes

Os colaboradores, assim como aprenderam a olhar para si mesmos, para o

psicoterapeuta, para as pessoas do grupo, aprenderam a olhar para as pessoas de suas

convivências. A questão de prestar atenção às relações vem acoplada ao respeito e à

aceitação:

C1 – Uma coisa que a psicoterapia foi muito importante para mim foi a forma de ver

meus relacionamentos (...). Eu mudei demais a minha maneira de conviver, de

entendê-los, de relacionar com eles (...). E eu aceito ele do jeito que ele é...

Então eu me sinto assim, uma pessoa mais serena, mais amável, sem muita

amargura, sem muito ódio (...). Não dava para viver mais de olhos vendados

para a relação.

C2 – A terapia me ajudou a olhar mais (...) para minhas relações. Olhar de verdade

mesmo.
95

C3 – Com o passar do tempo, com a aceitação e a admiração que passei a ver as

pessoas no grupo, me influenciou a ver, na terapia individual, a questão da

minha família, de ir aceitando ainda mais a família e me relacionando muito

melhor.

A psicoterapia e o encontro do cliente com sua verdade pessoal

Durante a entrevista individual, os colaboradores apresentaram um eixo comum e

constante em grande parte do relato. Discorrem como a psicoterapia ajudou-os a serem

pessoas mais verdadeiras e mais seguras [e, no caso de Janaína (C1); como se tornou mais

presente]. Nessa perspectiva, observa-se que a psicoterapia ajudou bastante os colaboradores a

encontrarem uma ética pessoal, um jeito de ser no mundo, com base no encontro consigo

mesmo e com os outros:

C1 – Eu era muito solta mesmo, no mundo, perdida e hoje eu me vejo mais presente

no mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma pessoa... sei lá, solta... não

tinha assim essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais presente no mundo.

Eu me vejo mais dentro do mundo (...). Hoje eu me sinto mais integrada ao que

está acontecendo ao redor, comigo mesma, me sinto mais segura.

C2 – Hoje a minha vida tem a minha cara (...).“Cara, como eu consegui chegar, como

as coisas hoje são limpas, como eu sou limpo”.

C3 – Uma coisa que eu aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o

que eu realmente queria mostrar, nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o

que eu realmente sou? Eu olho isso sempre, justamente para fugir da

hipocrisia. Cada dia eu gosto menos da pessoa mostrar uma coisa que ela não é

(...). Eu fiz isso muito tempo, vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer
96

uma coisa, um mundo, uma postura que não era a minha, que não era eu, não

tinha aquilo ali para dar (...). Era uma capa.

O enfrentamento da depressão

Os colaboradores, ao falarem sobre seus processos psicoterapêuticos, percebem que

não é simples essa vivência, que ela faz entrar em contato com dores complicadas. Tanto

Janaína (C1) quanto Luísa (C3) tiveram depressão diagnosticada pela primeira vez, depois

que estavam em psicoterapia:

C1 – Teve um momento de profunda dor. Eu entrei um processo de depressão, mas

hoje eu acho que ele era necessário, era preciso [risos]. Eu não ia sair dessa

psicoterapia se eu não entrasse realmente nessa dor e não olhasse...

C3 – O outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado

uma depressão. Se não tivesse tido o acompanhamento da terapia, não sei se

conseguiria ter sequer diagnosticado a patologia, enquanto meu mundo

desmoronava, e poder me tratar. Dessa forma a terapia foi fator decisivo no

diagnóstico e tratamento da depressão.

A psicoterapia vivida como uma experiência positiva

Os três colaboradores consideram extremamente gratificante passar pelas dificuldades

e superar os obstáculos encontrados. É importante ressaltar que nenhum deles se referiu

negativamente à terapia:

C1 – Não tenho palavras para expressar o quanto a psicoterapia foi e está sendo

importante para minha vida – com certeza foi uma possibilidade impar no meu
97

processo de crescimento (...). Vem, assim, alegria de ter conseguido,

melhorado, estar melhor. Mas vem também (...) a dor. Eu tentei pensar em

alguma perda, não consegui ver nenhuma perda não. Acho que mesmo nos

conflitos a gente ganhou muito... De mexer na ferida, porque dói, dói muito,

dói. Mas hoje para mim tem aquela sensação assim doeu, mas... curou (...)! Me

tornei mais flexível com a psicoterapia.

C2 – Se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em contato com um monte de

coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não enxergaria coisas que eu

enxergo hoje e que às vezes me colocam em situações muito complicadas

comigo. Eu faria vistas grossas porque seriam situações desconhecidas para

mim... Mas ter sofrido e ter superado, hoje valeu à pena... Eu não considero que

seja ruim, considero que seja um processo doloroso e que requer entrega.

C3 – É gostoso ver até onde eu vim até agora, como foi meu caminho, muito bom! O

que eu fiz esses sete anos, o que eu aprendi, o que eu cresci! (...) Eu olho e

penso: – “Meu Deus! Foi uma vida!” [Risos].

A psicoterapia como um processo muito difícil de ser vivido

A entrega e o contato com situações complicadas fazem que os colaboradores –

Janaína (C1) e Marcos (C2) – opinem que a terapia não é para qualquer pessoa, ou seja, não é

todo mundo que consegue passar pelo processo como eles passaram um dia, ou seja, eles

enfrentaram o processo em sua plenitude:

C1 – Foi um processo penoso. Nossa, como foi! Teve momentos terríveis mesmo.

Assim, de mexer na ferida e eu acredito que... acho que muita gente não dá
98

conta, de mexer... De mexer na ferida, porque dói, dói muito, dói. Mas hoje

para mim tem aquela sensação assim doeu, mas... curou!

C2 – Nem todo mundo adere ao tratamento como eu aderi um dia (...). Se eu não

tivesse preparado para esse mergulho dentro de mim, eu podia estar há dez

anos fazendo terapia, que eu não ia fazer, é uma viagem que depende de mim.

A expansão do aprendizado psicoterapêutico para a vida

Com base nas reflexões sobre si mesmos e sobre suas relações, proporcionadas

inicialmente pela terapia, os colaboradores apontam que esse aprendizado foi estendido para

outros espaços, para a vida além do consultório:

C1 – E eu mesma pedi... a alta, para sair. Porque o trabalho psicoterapêutico, ele

ainda continua... [risos] quando a gente [risos] a gente pára a psicoterapia de

estar ali no consultório... Então, assim, o processo psicoterapêutico ainda

continua... eu continuo, assim, refletindo, olhando para mim, para o outro, não

é? Um conjunto de coisas para eu viver melhor.

C2 – Eu vou continuar parando e olhando para uma figura no meio da Avenida

Paulista e vou me emocionar, e vou querer saber por que ela está ali, o que leva

ela a estar ali, a estar na rua, a estar nas coisas. Porque isso é meu, esse olhar

é meu. E eu aprendi a dar valor para isso e uso isso (...). Eu não usava (...). Eu

carrego para mim um kit básico de terapia, sabe assim? Regrinhas básicas que

eu aprendi (...) e depois sair por aí colocando em prática. E não é que

funcionou?

C3 – Eu os olho [os pacientes] como pessoas e não como um leito número 57... e isso

faz muita diferença (...). Não tenho o menor receio de pegar uma cadeira,
99

sentar do lado do leito, ficar conversando, ouvindo a história de sua vida (...).

Porque eu não consigo separar (...) que a pessoa simplesmente come como um

metabolismo. Ela come, tem um metabolismo e, também, tem uma história, e o

seu metabolismo vem do estado dela, não tem como, não tem como!

A mudança do cliente vista pelo outro

Outro ponto importante assinalado pelos colaboradores é que as mudanças

experienciadas no processo psicoterapêutico são percebidas como mudanças reais tanto para

eles quanto para os outros, ou seja, os demais também percebem os colaboradores diferentes

em relação ao que eram antes dos processos terapêuticos:

C1 – Até ele fala assim que eu mudei muito, é engraçado assim, eu acho interessante

esses feedbacks que ele me dá porque [risos] fica muito real as minhas

mudanças... ele fala assim: – “Você virou outra pessoa. Você é outra”!

C2 – Eu indico todo mundo que eu converso, que me perguntam sobre isso, “nossa,

mas às vezes você tem uma clareza tão grande das coisas e tal”. Eu faço

propaganda, assim: – “Olha, eu fiz terapia”...

C3 – Acho que a terapia me fez muito mais interessante, muito mais madura. A

terapia fez de mim uma pessoa diferente (...). Eu tenho um olhar diferente sobre

as coisas e sobre as pessoas, sabe? Eu sinto que eu consigo ter uma

sensibilidade maior, eu consigo ver além, entendeu (...)? Coisas que para mim,

às vezes, são tão óbvias e ninguém está vendo: –“Nossa! Vocês não estão vendo

isso, está na cara” (...). Ver além (...) dos preconceitos, dos pré-julgamentos

(...). Eu consigo ter uma noção de totalidade (...). Tenho sede de aprender mais,
100

mais e mais. Com uma paixão, que eu aprendi aqui na terapia, pelo ser

humano, uma paixão verdadeira.

Alguns mecanismos que promovem a mudança do cliente

Embora o objetivo deste estudo seja o de investigar a vivência do cliente na

psicoterapia, Marcos (C2) e Luísa (C3) foram além e relataram como aconteceram algumas

mudanças no processo psicoterapêutico durante as sessões. Eles mostraram alguns

mecanismos que usaram para conhecerem a si mesmo e ao outro e se sentirem valorizados

como ser humano. Por considerar essa contribuição extremamente relevante e por entender

que a psicoterapia não tem necessariamente a ver com a cura, mas com a mudança, optou-se

por destacá-la nos resultados. Contrariamente, Janaína (C1) não se ateve a esses detalhes, o

que fica evidente em sua fala: – “É engraçado que tem coisas que acontecem na psicoterapia

que você não sabe explicar o porquê [risos] acontecem”.

Percebe-se que Marcos (C2), sobretudo, prestava bastante atenção às pontuações da

terapeuta, tanto que ele descreve algumas atitudes, observações e tarefas que são comuns

entre os gestalt-terapeutas como: “O que eu quero com isso”, “ficar prestando atenção no

meu jeito” dentre outros. Os exemplos a seguir demonstram a dinâmica (vivida pelos

colaboradores) da polaridade saúde e seus bloqueios, ou seja, elucidam como os mesmos

tornaram-se mais saudáveis ao superarem ou reconhecerem velhos hábitos.

C2 – Eu criei um terapeutazinho dentro da minha cabeça. E... aquela voz que me

produzia angústia ela foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza

sobre as coisas. Então, assim, é uma voz que continua fazendo perguntas, mas

ela hoje me indica.


101

O que se destaca desse relato é o quanto os clientes incorporam em seu cotidiano,

posturas e atitudes vividas e observadas em terapia, em especial naquelas que remetem à

figura do próprio terapeuta. Isto inclusive os auxilia a se perceberem como mais

tranqüilidade, assumindo realidades antes incompatíveis com suas expectativas, desejos e

idéias:

C2 – Eu consigo ter calma e clareza para entender por que eu estou entrando, o que

eu quero com isso (...). A terapia me ajudou perceber que existem algumas

coisas que são humanas mesmo, que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que

aprender a lidar com essas coisas.

(...)

Era eu ir assumindo os meus papéis e ir descobrindo os meus limites.

(...)

À medida que a terapia foi me dando coragem para me mostrar, foi me dando

coragem para ser aquilo tudo que eu sempre quis ser (...). Eu aprendi a... Eu

sempre me pergunto se isso vai me fazer bem. Se isso é arriscado e se estou

tomando determinada atitude, por mim.

(...)

Meu exercício de... de regar mesmo o resto da minha vida com a minha

emoção.

(...)

Quando eu levava as tarefinhas para casa, eu achava impossível ficar

prestando atenção no meu jeito, ficar prestando atenção em como eu conduzia

determinadas coisas e tudo mais. E eu me lembro que eu falava para a

terapeuta: – “Eu não vou conseguir, é muito difícil, isso nunca vai fazer parte
102

de mim”. E ela falava que sim, que com o tempo isso ia ser absorvido e que eu

nem ia perceber. E é realmente isso.

(...)

O que eu aprendi é: a partir do momento em que eu tenho coragem de assumir

as minhas falhas, os meus defeitos, e avisar para a outra pessoa que eu tenho os

meus limites, isso não me coloca numa posição inferior, como eu achava que

era, isso me coloca numa posição humana.

(...)

Eu aprendi a pedir para a outra pessoa se colocar no meu lugar, eu aprendi a

me colocar no lugar das outras pessoas. Então, a experimentar um pouco a dor

do outro, e entender, e tentar as mazelas.

(...)

Mas eu aprendi isso e eu exercitei isso muito tempo no meu processo

terapêutico, que era dizer como eu estava me sentindo diante de uma

determinada situação. Como isso funciona! Como isso é impressionante! E

como isso me coloca numa situação, muitas vezes, de uma coragem extrema.

(...)

E um dos grandes exercícios que eu faço até hoje é exatamente esse, é como

lidar com as coisas que vêm para mim. Que são muito fruto das coisas que eu

faço, são reflexos das coisas que eu faço.

Luísa (C3), também passou a fazer algumas observações em seu cotidiano que foram

aprendidas na terapia:
103

C3 – Eu observo que quanto mais coisas ela [a pessoa] passou na vida, se ela não

deixou se amargurar, ela é uma pessoa mais interessante (...). E a pessoa [que

não passou por dificuldades], muitas vezes, fica boba, fútil, porque eu acho que

ela não consegue se sensibilizar com a situação do outro.

(...)

Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança

mesmo, não é? Se está me fazendo bem, se está me fazendo mal. O que me

aproxima, o que me afasta (...). Sempre foi um conflito: – “O que eu posso

fazer, o que eu tenho que fazer, o que eu quero fazer” (...). Hoje: – “Eu vou

fazer até onde eu der conta”.

(...)

Aí eu tive que retomar e ver... porque que eu estava ali, se era o que eu

realmente queria, ou se não (...). E ter uma postura muito diferente, de assumir

mesmo aquilo ali (...). Ver os vários motivos pelos quais eu estava ali (...). O

que me fazia desistir, o que me fazia continuar (...). Avaliar tudo (...). Assumir

que só terei o bom se passar pelo ruim também.

Observou-se, nesses resultados a proximidade das categorias entre os colaboradores

entrevistados e, sobretudo, que eles estão seguros que a psicoterapia contribuiu para a

qualidade de suas vidas.

São pessoas que entendem que psicoterapia implica:

a) crescimento, pois se sentem, por exemplo, mais maduros em suas decisões;

b) autoconhecimento, ao aproximarem-se de suas verdades;

c) aceitação de si mesmo e do outro, o que leva a relações mais próximas e

genuínas com eles mesmos e com os outros;


104

d) respeito pela história das pessoas, pela sua humanidade, que envolve, até

mesmo o respeito pelos defeitos de cada um;

e) diálogo mais aberto e sincero, pois aprenderam tanto a falar o que pensam e

sentem quanto a se abrirem para escutar o que o outro tem a dizer;

f) escuta mais tranqüila e, sobretudo, uma escuta pessoal percebida tão logo

revelavam ou descobriam aspectos a seus respeitos e os compartilhavam com a

terapeuta ou com o grupo de terapia;

g) pertencimento, sentimento percebido, especialmente do grupo de terapia, no

qual os colaboradores se sentiram mais reais, ou seja, mais semelhantes ao

próximo e pertencentes a esse mundo;

h) presença – a primeira presença sentida no processo psicoterapêutico foi a das

terapeutas e, posteriormente, vivenciaram a mesma situação, de uma maneira

muito especial, no grupo, ao perceberem a presença dos companheiros de

grupo;

i) mudança visível dos colaboradores em seus processos psicoterapêuticos,

percebida tanto por eles mesmos quanto pelas pessoas próximas a eles; foram

mudanças importantes em busca da verdade;

j) verdade – as descobertas de suas verdades lhes deram liberdade para assumir

atitudes pertinentes com o que acreditavam, sem desconsiderar o outro;

k) consideração com o próximo – uma preocupação saudável que os

colaboradores ampliaram em suas vidas, sobretudo, após o grupo de terapia, no

qual puderam ouvir o relato de várias histórias e perceberem que todas são

dignas de respeito;

l) humildade – aprenderam que as pessoas, incluindo eles mesmos, são humanos

e, justamente por isso, passíveis de erros e acertos;


105

m) ressignificação – puderam rever suas histórias e lhes darem um novo sentido;

n) confirmação percebida, sobretudo, em relação às terapeutas, pois elas os

confirmavam como pessoas que eram, sem julgamentos ou preconceitos;

o) viver o aqui-agora – os colaboradores puderam experimentar em seus

processos a resolução de situações inacabadas e perceberam que, dessa forma,

ficavam mais livres para novas possibilidades; também abandonaram as

fantasias e começaram a viver mais concretamente o que era possível, enfim,

puderam ser o que era possível naquele momento;

p) relações saudáveis, estabelecidas, inicialmente, na dupla cliente e terapeuta, e,

em seguida com mais pessoas no grupo e, afinal, com outras pessoas

significativas em suas vidas.

Enfim, os colaboradores consideram-se pessoas melhor preparadas para enfrentar o

mundo em suas adversidades e mais prontas para aproveitar seus benefícios e isto foi

alcançado por terem tornado-se pessoas mais fluidas, mais sensíveis, mais conscientes, com

maior habilidade em mobilizarem-se pelo que emergia e, assim, terem atitudes mais

adequadas a cada situação. Suas capacidades de interação foram ampliadas e passaram a ser

pessoas mais satisfeitas com o que obtinha.


106

CAPÍTULO IV

O PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO EM GESTALT-TERAPIA

Mesmo no retraimento mais profundo existe uma


vaga inquietação da alma que anseia pelo
encontro genuíno com o outro.
Hans Trüb

Com o intuito de discutir o processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia, faz-se mister

introduzir o próprio campo das psicoterapias. Iniciar-se-á por um artigo de Ludwig

Binswanger (1970), no qual o autor, em conferência a estudantes de medicina, questiona a

possibilidade de um processo de tratamento, sem medicação (como é o caso da psicoterapia).

Em seguida apresentar-se-á a psicoterapia nos dias atuais, que segue em seu processo de

evolução.

Nessa evolução, emergiram várias linhas de atuação, contudo, qualquer que seja a

abordagem, existe a intenção comum de buscar o bem-estar e o crescimento saudável do ser

humano. Cada linha psicoterapêutica apresenta uma maneira singular de agir com o cliente,

pois elas se baseiam em perspectivas epistemológicas, metodológicas e conceptuais

totalmente diversas.

Com o propósito de melhor compreender a Gestalt-terapia – abordagem na qual os

colaboradores vivenciaram seus processos psicoterapêuticos – será apresentado um breve

histórico de seu nascimento oficial, com o objetivo de evidenciar as influências recebidas pelo

principal representante dessa abordagem, Fritz Perls, e de sua esposa Laura Perls e,

posteriormente, como a Gestalt-terapia chegou ao Brasil.

Ao conhecer um pouco as influências pessoais, teóricas, filosóficas e metodológicas –

diretas ou indiretas – sofridas pelo casal Fritz e Laura Perls, essas correntes serão

apresentadas e, em seguida, discutidas como a Gestalt-terapia, de algum modo fez uso delas

em sua teoria e em sua prática psicoterapêutica. Tratadas essas bases teóricas (Psicologia da
107

Gestalt, Teoria Organísmica Holística e Teoria de Campo), filosóficas (Existencialismo e

Humanismo) e metodológicas (Fenomenologia), serão definidos os conceitos básicos da

clínica gestáltica – contato, awareness, mudança paradoxal, auto-regulação, figura-fundo,

ajustamento criativo, aqui-agora, diálogo – a maioria originada dessas fundamentações

teóricas, filosóficas e metodológicas.

Por fim, será focalizado o processo psicoterapêutico na abordagem gestáltica, que

incorporou os saberes destas teorias como instrumento de trabalho e, atualmente, com 55 anos

desde sua primeira publicação, encontra-se mais amadurecida e, a cada dia, tem ampliado seu

campo de trabalho para outras áreas além da psicoterápica.

No decorrer dessa discussão teórica, que busca dar inteligibilidade às diferentes

categorias encontradas nos resultados (capítulo III), tentar-se-á articular a teoria com as falas

dos colaboradores, sempre que possível, a fim de confrontar a teoria com o momento

empírico, visto que o empírico é inseparável do teórico. Destacar-se-á, em negrito, o que será

ilustrado pela fala dos colaboradores.

4.1 Psicoterapia

Já no início do século XX, Binswanger (1970) tentava explicar, aos seus jovens

estudantes de medicina, como se podia atuar, com eficácia, na psicoterapia – uma prática que

prescinde do uso das mãos, dos medicamentos e mesmo da eletricidade, mas que age “com a

comunicação humana, a palavra e todos os outros meios pelos quais o homem entra em

contato com um outro homem e pode, assim, atuar nele” (p. 137). Na conferência, o autor

expôs uma nova situação médica que apresentava uma nova forma de comunicação.

A psicoterapia, segundo Binswanger (1970), trata da “esfera do ser interhumano” (p.

138). Em toda forma de psicoterapia médica, existem dois homens face a face, de algum

modo dirigidos um para o outro, portanto, são homens que estão um com o outro e separados
108

um do outro, enfim, é uma co-presença operante dialogante. Estar um com o outro somente é

possível quando se cumpre a condição de bilateralidade da experiência e quando o

psicoterapeuta retribui a confiança do cliente ao oferecer, por sua vez, o presente da confiança

humana. A psicoterapia é uma relação entre homens (como existentes) e com homens e seus

princípios são a atenção, o cuidado, a assistência, o tratamento em si e a comunicação. Por

essas razões, Binswanger (1970) defende a possibilidade da psicoterapia:

A possibilidade de psicoterapia não repousa em mistério nem em segredo algum,

como vocês têm ouvido, nem sequer em algo novo e nem extraordinário, senão em um

traço fundamental da estrutura do ser humano com o “ser-no-mundo” (Heidegger), e

precisamente o “ser com o outro e para o outro”. Enquanto esse traço fundamental da

estrutura do ser humano “se conservar”, a psicoterapia será possível. (pp. 139-140,

grifos do autor)

A relação psicoterapeuta e cliente, como já dito, é uma co-presença operante

dialogante em uma postura dialética, ou seja, de um para o outro. De acordo com Binswanger

(1970), a dialética é o verdadeiro fundamento de toda psicoterapia e, um bom psicoterapeuta,

sempre é aquele que prioriza a relação dialética. O psicoterapeuta deve ser habilidoso na

tarefa de contato-afastamento, ou seja, de desenvolver uma sincronia que permita tanto

aproximar e ver claramente o fato, quanto afastá-lo o suficiente para continuar no exercício de

sua profissão.

No entanto, “as exigências de uma concreta situação psicoterapêutica podem ser mais

fortes que as indicações teóricas do mestre” (Binswanger, 1970, p. 142). Nesse momento,

suspendem-se os conhecimentos teóricos, filosóficos ou metodológicos e permanecem dois

seres humanos em relação. Outro ponto relevante da psicoterapia é o poder de reconciliação


109

do homem consigo mesmo e, portanto, com o mundo, que é alcançado quando há a

transformação de inimizade contra si mesmo em amizade para consigo mesmo e, portanto,

com o mundo (Binswanger, 1970).

Essa concepção era muito nova naquela época e ainda o é nos dias atuais. No entanto,

apesar da pouca idade, o campo das psicoterapias tem crescido muito e de forma preocupante,

pois nem sempre a teoria e a prática de uma abordagem estão associadas a uma construção

coerente e a uma fundamentação sólidas. Holanda (2005) destaca a necessidade de

compreender a proposta de uma abordagem, a fim de poder alcançar o verdadeiro sentido de

sua contribuição. Para ele,

a passagem da teoria para a prática ocorrerá por conseqüência, e não por isolamento e

elementarização; por dialética, e não por segmentação; por significado, e não por

atribuição (...). Far-se-á por fundamentação, e não por fantasia; por sedimentação, e

não por “geração espontânea”; por fortalecimento, e não por simplificação. Com isto,

as contribuições (...) tornar-se-ão científicas e não mágicas; concretas e não subjetivas;

sólidas e não abstratas. (p. 25, grifo do autor)

Esta preocupação implica superar o psicologismo inerente à ciência psicoterápica e,

até mesmo, obter uma segurança qualitativa nas diversas abordagens que são de alcance

público na atualidade.

Por muito tempo, segundo Penna (1997), o tema da unidade da Psicologia impôs-se

diante de uma extensa dispersão imposta pela utilização de perspectivas epistemológicas,

metodológicas e conceptuais significativamente distintas. No entanto, o autor entende ser essa

dispersão irremediável, tornando o sonho da unidade do pensamento psicológico uma tarefa


110

utópica. Ressalta, ainda, que a impossibilidade de unificação, de nenhum modo, compromete

a Psicologia no que se refere à sua condição de conhecimento no singular.

Penna (1997) focaliza quatro perspectivas epistemológicas que determinaram trajetos

diversos para os estudos psicológicos, envolvendo métodos e conceitos: a perspectiva

positivista, que fundamentou o Behaviorismo; a crítica, desenvolvida pela escola de

Frankfurt, que melhor alicerça a Psicanálise; a fenomenológica, desenvolvida inicialmente por

Husserl, sobre a qual se propõe uma Psicologia Eidética; e a existencial, produzida,

sobretudo, por Heidegger, e que fornece a base de sustentação da Psicologia Existencial.

Este estudo busca uma maior compreensão sobre a abordagem gestáltica que, de

acordo com Holanda (2005), também necessita construir uma epistemologia da teoria e da

prática gestáltica. Tal escolha justifica-se por esta pesquisadora ter buscado, em sua pesquisa,

investigar a vivência do cliente no processo psicoterapêutico que tinha como base a

fundamentação gestáltica.

4.2 Gestalt-terapia

Gestalt significa configuração, forma, todo ou totalidade. Trata-se da configuração de

algo que toma forma ao se completar, ou seja, qualquer todo estruturado ou organizado. Tudo

que tem uma forma estruturada, um sentido perceptual, ou cognitivo, ou afetivo ou social, é

uma Gestalt, um todo com forma ou com sentido, algo completo e que faz sentido.

Yontef (1998) caracteriza a Gestalt-terapia com base em três princípios, e cada um

deles inclui os demais: a) a Gestalt-terapia é fenomenológica e seu objetivo e metodologia são

a awareness6; b) a Gestalt-terapia baseia-se no existencialismo dialógico e; c) a base

conceitual da Gestalt-terapia e sua visão de mundo estão alicerçadas no Holismo e na Teoria

de Campo.

6
Yontef (1998) define awareness como uma “forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante
com o evento mais importante do campo indivíduo-meio, com total apoio sensório-motor, emocional, cognitivo
e energético” (p. 215).
111

Ribeiro (1985) amplia essa caracterização alegando que a Gestalt-terapia,

necessariamente, assume um posicionamento existencialista, mas que ela nem sempre é

dialógica. O autor enfatiza que a essência do existencialismo é o sentido de respeito e

responsabilidade pela própria existência e pelo outro. Por isso, o terapeuta deve respeitar a

experiência do cliente como a autoridade máxima para a compreensão do seu funcionamento

e para seu ajustamento criativo.

A Gestalt-terapia é um modelo pautado pela filosofia fenomenológico-existencial. A

expressão fenomenológico-existencial é a mais correntemente utilizada, embora não haja

consenso entre os próprios teóricos da Gestalt-terapia. Há autores que consideram um erro

epistemológico usar a expressão fenomenológico-existencial e argumentam que essa

nomeação associa indiscriminadamente duas abordagens que, por vezes, se excluem. Além

disso, essa expressão refere-se a abordagens distintas, tais como a Logoterapia, a Abordagem

Centrada na Pessoa ou, mesmo, a Gestalt-terapia (Holanda, 2005).

O recorrente nesse modelo é que clientes e terapeutas devem estar, necessariamente,

em diálogo, isto é, precisam comunicar suas perspectivas um ao outro, com o propósito de

mostrarem-se o mais verdadeiramente possível. Assim, a ênfase dada ao processo

psicoterapêutico recai sobre o diálogo, ou sobre a relação dialógica, pois é a partir dela que se

alcança o objetivo da Gestalt-terapia – a awareness. Tomando por base a filosofia dialógica

de Martin Buber (1979, 1982), a Gestalt-terapia propõe-se a promover o diálogo, facilitando

ao cliente o reconhecimento de suas formas incompletas de relacionamento com o mundo,

consigo e com os outros.

A Gestalt-terapia tem como objetivo tornar os clientes conscientes do que estão

fazendo, como o fazem, como podem transformar-se e, ao mesmo tempo, aprenderem a

aceitarem-se e a valorizarem-se. Para atingir tais objetivos, a Gestalt-terapia faz uso de

procedimentos que ajudam o cliente a solucionar, da melhor forma possível, as questões


112

concretas de seu cotidiano (sua dor, seu desespero, sua angústia, sua necessidade de escolher,

de superar seus limites etc) mediante uma metodologia clínica que investiga, aprofunda e

esclarece essa experiência, de modo a torná-la plena de sentido para o cliente.

Essa abordagem apóia-se na metodologia do contato e da awareness, fazendo uso de

experimentos e do diálogo, como procedimentos. O terapeuta em ação usa diversos

instrumentos, e os mais importantes na Gestalt-terapia são o corpo, a fala e a própria relação

terapêutica.

Essa forma de trabalhar fundamenta-se na crença de que o homem é um ser em

relação, presente no mundo, repleto de possibilidades e apto, ao conhecer-se, a realizar suas

escolhas e a dirigir sua vida. Para a Gestalt-terapia, o cliente deve descobrir o sentido de sua

vida (sentimentos, pensamentos e ações) no contexto em que ele vive e, entender que essa

forma de existir lhe fornece informações acerca de si mesmo e das pessoas com as quais

convive.

Ao conhecer-se melhor, o cliente escolhe melhor. A cada decisão acertada, há o

aumento do auto-suporte. O desenvolvimento do cliente, como pessoa, é alcançado por meio

da atitude intencional do terapeuta em aceitá-lo e confirmá-lo no que ele está vivendo, isto é,

por meio da atitude inclusiva do terapeuta. Ao sentir-se verdadeiramente confirmado, o

cliente pode abrir-se a novas possibilidades de ser, descobrir novas possibilidades no

ambiente, e ajustar-se criativamente.

4.2.1 Breve histórico

Friedrich Salomon Perls (1893-1970), ou Fritz Perls, como ficou conhecido, é

considerado o principal fundador e divulgador da Gestalt-terapia. Perls, de ascendência

judaica, nasceu em Berlim e cresceu sob a influência de um pai comerciante, sedutor,

irritadiço e vaidoso, e de uma mãe amante da arte, do teatro, da ópera – características que o
113

acompanharam por toda sua vida. Sempre teve um temperamento questionador, mostrando-

se irrequieto e intempestivo, e muito criativo. Logo cedo, aos treze anos, interessou-se pelo

teatro, que o influenciou por toda sua vida. Nessa fase, aprendeu a detectar sutilezas da

entonação de voz e da linguagem corporal, elementos tão explorados posteriormente em seu

trabalho terapêutico (Perls, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001).

Perls (1979) descreve-se como “um obscuro menino judeu classe média, passando por

um psicanalista medíocre até chegar ao possível criador de um ‘novo’ método de tratamento

e expoente de uma filosofia viável que poderia fazer algo pela humanidade” (p. 11, grifo do

autor).

Graduou-se em medicina e tornou-se neuropsiquiatra. Durante a Primeira Guerra

Mundial, foi para as trincheiras cuidar dos feridos, ocasião em que sua atenção foi despertada

para os fenômenos psicossomáticos. Após a guerra, trabalhou como médico-assistente de

Kurt Goldstein, teórico da Psicologia Organísmica. Perls (1979) relata que já naquela época

ouvia, ainda sem entender a extensão do significado, a expressão auto-realização. Essa

experiência repercutiu posteriormente na Gestalt-terapia, que tem a Psicologia Organísmica

como uma das bases teóricas. O enfoque organísmico contrapôs-se, nesse momento, à visão

associacionista ainda vigente (Lilienthal, Fernandes & Ciornai, 2001).

Kurt Goldstein pesquisava distúrbios perceptivos em pessoas com problemas

cerebrais, tendo como base a Psicologia da Gestalt, escola que buscava identificar as leis que

regem a percepção, por meio do estudo dos fenômenos da percepção sensorial. Um dos

conceito, dessa teoria, de grande influência para a Gestalt-terapia é o de figura-fundo que

será discutido posteriormente (Lilienthal, Fernandes & Ciornai, 2001).

Perls conheceu, nesse período, Lore Posner, que ficou conhecida por Laura Perls, após

casar-se e mudar-se para os Estados Unidos da América. Estudante de Psicologia, fora aluna

e assistente de Max Wertheimer, um dos fundadores da Psicologia da Gestalt. Ela tornou-se


114

esposa e parceira intelectual de Fritz em praticamente todas as suas obras (Ginger & Ginger,

1995; Yontef, 1998; Kiyan, 2001). Yontef (1998) atribui a Laura o papel de co-fundadora da

Gestalt-terapia, apesar de ter escrito poucos trabalhos com seu nome. Ela também teve

contato com Martin Buber e Paul Tillich, e deles recebeu influências. “Boa parte da Gestalt,

as influências existenciais e fenomenológicas da Gestalt-terapia vieram dela”, declara Yontef

(1998, p. 24).

Perls, paralelamente à sua formação de psicanalista, foi submetido a várias análises

com terapeutas diferentes, com destaque para Karen Horney e Wilhelm Reich (Perls, 1979;

Polster & Polster, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001). Polster e

Polster (1979) e Ribeiro (1985) ressaltam a importância de Reich para a Gestalt-terapia,

afirmando que ele foi um psicanalista que se interessou mais pelo presente que pelas

escavações arqueológicas da primeira infância e procurou descobrir processos de cura. Fazia

uma análise ativa, não hesitando tocar o corpo de seus clientes. Nesse processo, Perls, enfim,

sentiu-se compreendido e energizado, e o corpo, os gestos, o olhar, a entonação da voz,

passaram a fazer parte da terapia que realizava. Além disso, ele tinha uma preocupação não

só com a estrutura da fala, mas também com a sua forma.

Em 1933, Perls, Laura e seus filhos fugiram da Alemanha, na qual a perseguição aos

judeus já havia começado e instalou-se em Johannesburg, em 1934, onde fundou o Instituto

Sul-Africano de Psicanálise. Logo eles se tornaram psicanalistas reconhecidos, mas já sob

forte influência da Teoria Organísmica, da Psicologia da Gestalt (Perls, 1979; Ginger &

Ginger, 1995; Lilienthal, Fernandes & Ciornai, 2001; Karwowski, 2005) e de Reich.

No ano de 1936, aconteceu o Congresso Internacional de Psicanálise em Praga. Perls

preparou sua comunicação e esperava submetê-la à apreciação de Freud e de toda

comunidade psicanalítica, porém, a acolhida fria, tanto de Freud quanto de seus ex-analistas

(como por exemplo, de Reich), se transformou em um grande desapontamento (Perls, 1979).


115

Esse desencontro motivou-o a desenvolver alguns conceitos que já estavam sendo

experienciados e que o afastavam da psicanálise clássica. Em 1940, ele terminou a redação

do seu primeiro livro, intitulado Ego, hunger and agression, escrito com a colaboração de

Laura e publicado em 1942 (na África do Sul), mas que só teve sua edição inglesa em 1947.

Esse livro tem como subtítulo uma revisão da teoria e método de Freud. Não só questiona a

psicanálise como propõe a Terapia da Concentração, em substituição ao método da

associação livre.

Ginger e Ginger (1995) observam que

desde esse primeiro livro começaram se esboçar várias noções que desembocariam

(...), no nascimento oficial da Gestalt-terapia: importância do momento presente, a do

corpo, a procura de uma abordagem mais sintética do que analítica, a contestação da

neurose de transferência (...). Preconizava um contato direto e autêntico entre o

paciente e seu analista (...). Tratava também de uma abordagem “holística” do

organismo e de seu meio (...) e a obra termina com a exposição de uma “terapia da

concentração”, compreendendo técnicas de utilização da primeira pessoa do singular,

responsabilidade pelos sentimentos, concentração no corpo e nas sensações. (pp. 53-

54, grifos do autor)

De acordo com Ginger e Ginger (1995), Perls, ainda na África do Sul, teve contato

com Jan Smuts, idealizador do Holismo, e se encantou com Smuts considerar o organismo

como um todo, em interdependência estreita com seu meio e com o universo (tese muito

próxima da perspectiva organísmica que já conhecia, por intermédio de Goldstein).

Em 1946, Perls e sua família emigraram para os Estados Unidos da América, em razão

do crescente movimento de apartheid na África do Sul e, no solo norte-americano nasceu a


116

Gestalt-terapia, apesar de suas raízes estarem referenciadas na cultura alemã, de seu método

advir do pensamento europeu (Ginger & Ginger, 1995) e de sua concepção ter sido elaborada

na África do Sul, entre os anos de 1933 e 1946.

Em 1950, foi constituído o grupo dos sete, composto por Fritz Perls, Laura Perls, Paul

Goodman, Isadore From, Paul Weisz, Eliot Shapiro e Silvester Eastman. Mais tarde, Ralph

Hefferline foi chamado para participar do grupo, pois sua posição de professor universitário

era importante para avalizá-lo, ao publicar suas teses. Esse grupo estudava a Fenomenologia,

o Existencialismo e o Zen-budismo, além de articular os pensamentos da Gestalt-terapia

(Perls, 1979; Polster & Polster, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001).

Ginger e Ginger (1995) consideram esse grupo como fundador da Gestalt-terapia.

Em 1951, foi publicada a obra Gestalt-therapy – excitement and growth in the human

personality, cujos autores foram Perls, Hefferline e Goodman. Foi a primeira aparição pública

da expressão Gestalt-terapia, e delimitou o início oficial da nova prática. Segundo Ginger e

Ginger (1995), houve grande discussão acerca da nomenclatura da nova abordagem, e vários

outros nomes haviam sido anteriormente suscitados: a) Laura Perls sugerira Psicanálise

Existencial, porém houve rejeição em virtude da associação da expressão com a filosofia

sartreana, que era considerada pessimista demais nos EUA; b) Hefferline propusera Terapia

Integrativa; c) Fritz Perls inicialmente queria Terapia Experiencial ou Terapia da

Concentração, que se opunha à livre associação da Psicanálise. Por fim, decidiram-se por

Gestalt-terapia, proposta de Fritz Perls, que acreditava ser um bom nome para o marketing da

nova abordagem. Laura Perls foi contra, alegando que, embora a Gestalt-terapia fosse

diferente da Psicologia da Gestalt, poderia ser confundida com ela.

Lilienthal, Fernandes e Ciornai (2001) e Loffredo (1994) assinalam que a Gestalt-

terapia, desde seu início oficial, enfatizou a awareness (objetivo dessa abordagem), a

importância da experiência imediata (Fenomenologia) e a ênfase ao contato e ao diálogo (sob


117

influência do pensamento de Martin Buber). Perls, Hefferline e Goodman (1997) defenderam

a concepção de que o ser humano pode ser agente transformador de sua própria vida e do

meio em que vive, destacando a importância do ajustamento criativo como processo humano

vital.

No ano seguinte ao lançamento do Gestalt-therapy, Fritz e Laura Perls deram outro

passo significativo na divulgação e aprofundamento desta abordagem ao fundarem o primeiro

instituto de Gestalt – The Gestalt Institute of New York – seguido em 1954, pelo de Cleveland.

Logo, Perls entregou a direção dos institutos a Laura, Goodman e Weisz, dando início à sua

interminável peregrinação pelos Estados Unidos da América, a fim de divulgar o novo

método, que, por mais de quinze anos teve repercussão modesta (Perls, 1979; Ginger &

Ginger, 1995).

Em 1962, Perls entrou em contato com o Zen-budismo ao viver em um mosteiro no

Japão, local no qual apreendeu alguns princípios que se incorporaram à filosofia da Gestalt-

terapia. São eles: permitir o fluir da experiência, aceitar o que se é e a possibilidade de

aprender a lidar com o vazio, o qual é fértil de possibilidades, e, muitas vezes, precede o ato

criativo. Perls havia tido um contato anterior com o conceito de vazio fértil, ao encontrar, logo

no início de sua vida adulta, Salomon Friedlander, pensador que desenvolveu conceitos

provenientes do pensamento oriental: indiferença criativa, polaridades, o próprio vazio fértil e

pensamento diferencial (Ribeiro, 1985; Yontef, 1998).

Ao final de sua vida, Perls coordenava workshops em Esalen (EUA), local em que fora

criado um Centro de Desenvolvimento do Potencial Humano. Perls instalou-se nesse centro

como residente, e, além dos laboratórios, realizava um programa de formação em Gestalt-

terapia. Em 1969, adquiriu um hotel em Cowichan (EUA), onde todos viviam em

comunidade, participavam do trabalho coletivo e faziam sessões de terapia ou de formação.


118

Ele declarou, nessa época, que pela primeira vez na vida estava em paz (Ginger & Ginger,

1995).

Assim viveu Perls, o principal porta-voz da Gestalt-terapia.

No Brasil, a Gestalt-terapia surgiu em meados de 1970 com Thérèse A. Tellegen, uma

holandesa que emigrou para esse país. Seu primeiro contato com a nova abordagem ocorreu

em Londres. Em seguida, estudou com os Polster em San Diego (EUA). Nessa época, ao lado

de Jean Clark Juliano – também pioneira da Gestalt no Brasil – realizou trabalhos no

Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Tellegen foi responsável pela primeira publicação de Gestalt no Brasil, intitulada Elementos

da psicoterapia guestáltica, em 1972, no Boletim de Psicologia da Sociedade de Psicologia

de São Paulo (Tellegen, 1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda & Karwowski, 2004).

A Gestalt-terapia foi inicialmente conhecida no Brasil como uma abordagem

eminentemente prática, visto que as primeiras obras traduzidas para o português foram

Tornar-se presente: experimentos de crescimento em Gestalt-terapia, de John Stevens, e

Gestalt-terapia explicada de Perls, nos anos de 1976 e 1977. São textos nos quais os autores

descrevem um conjunto de experimentos utilizados em Gestalt-terapia e essas publicações

dão demasiada ênfase à técnica (Tellegen, 1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda &

Karwowski, 2004).

Em decorrência, os brasileiros conheceram a prática da Gestalt-terapia antes mesmo

de terem acesso às reflexões teóricas, filosóficas, metodológicas e epistemológicas dessa

abordagem. Um exemplo é a data de tradução para o português do Gestalt-therapy – livro

considerado, por muitos, como o mais importante da Gestalt-terapia. A obra foi escrita em

1951, mas somente traduzida para o português em 1997, 27 anos após o surgimento dessa

abordagem no Brasil e 46 anos após sua primeira edição em inglês.


119

Em meio a essas adversidades, percebe-se que, aos poucos, houve uma adaptação e

amadurecimento da teoria e da prática gestáltica no Brasil. Em 1984, Thérèse A. Tellegen

publicou o primeiro livro brasileiro de Gestalt – Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica.

No ano seguinte, Jorge Ponciano Ribeiro publicou Gestalt-terapia: refazendo um caminho, o

primeiro livro brasileiro a tratar dos fundamentos teórico-conceituais, filosóficos e

metodológico da nova abordagem. A partir de então, seguiram-se várias publicações de

autores brasileiros e a cada dia mais se amplia a área de atuação da Gestalt-terapia (Tellegen,

1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda & Karwowski, 2004).

A amplitude da Gestalt-terapia no Brasil pode ser notada na obra de Ribeiro. Holanda

e Karwowski (2004) destacam sua produção e seu pioneirismo no desenvolvimento e na

abertura de novos campos da Gestalt-terapia, tais como o trabalho com grupos, em Gestalt-

terapia – o processo grupal: uma abordagem fenomenológica da teoria de campo e holística

(1994), e a psicoterapia de curta duração, em Gestalt-terapia de curta duração (1999), dentre

outros.

Atualmente, a Gestalt-terapia no Brasil, já em fase adulta, tem a tarefa de propagar as

reflexões alcançadas e o compromisso em dar continuidade ao aprofundamento, à revisão e à

ampliação da teoria e da prática gestáltica.

4.2.2 Bases teórico-filosóficas e metodológica

Como já mencionado, a Gestalt-terapia sofreu várias influências teóricas, filosóficas e

metodológicas que serão discutidas a seguir. Algumas influências foram diretas, como mostra

o histórico dessa abordagem, e outras, de maneira indireta, como a Teoria de Campo, de Kurt

Lewin, que participou do movimento gestaltista. Tradicionalmente, a Gestalt-terapia

subdivide seus fundamentos em três teorias de base: a Psicologia de Gestalt, de Wertheimer,

Köhler e Koffka, a Teoria Organísmica Holística, de Goldstein, que abrange as reflexões


120

acerca de uma concepção de mundo de Smuts, fundador da Teoria Holística, e a Teoria de

Campo, de Lewin.

Dois são os fundamentos filosóficos principais – o Humanismo e o Existencialismo – e

a Fenomenologia, já foi descrita no capítulo I, constitui suporte metodológico na clínica

gestáltica. Existem várias correntes humanistas, existencialistas e fenomenológicas, no

entanto, nesta discussão, levar-se-ão em conta os elementos gerais, comuns, que servem a

uma reflexão da prática psicoterapêutica e do homem. É necessário esclarecer que não existe

uma transposição dessas correntes para a Psicologia, e, de forma específica, para a

psicoterapia, mas “frequentemente a interpretação e a aplicação do texto a um momento

psicoterapêutico terá caráter certamente analógico” (Ribeiro, 1985, p. 27). Alguns exemplos

clínicos serão apresentados com base nos depoimentos dos colaboradores. Será destacado, em

negrito, o que o fragmento tenta ilustrar.

4.2.2.1 Psicologia da Gestalt

Trata-se de um dos mais importantes sistemas psicológicos da atualidade, organizado

como uma escola – a Escola Gestaltista ou o Gestaltismo – em torno de um princípio: a idéia

de Gestalt, palavra alemã sem tradução específica, mas que significa, como já foi dito,

configuração, todo, totalidade ou forma, daí esse sistema ser ainda conhecido como

Psicologia da Forma (Penna, 2000). Uma boa parte das idéias desenvolvidas por essa escola e

teoria foi incorporada na estruturação (posterior) da moderna perspectiva clínica chamada de

Gestalt-terapia.

Segundo Penna (2000), o movimento gestaltista surgiu em oposição ao Elementarismo

wundtiano e titcheneriano, e ao Behaviorismo watsoniano. Foi Max Wertheimer (1880-1943)

o primeiro promotor do movimento gestaltista, quando, em 1912, publicou uma pesquisa


121

sobre o movimento aparente. Posteriormente, Wertheimer veio a ser assessorado por Kurt

Koffka (1886-1941) e Wolfgang Köhler (1887-1967).

Outros expoentes da Psicologia da Gestalt merecem destaque, em especial Kurt Lewin

(1890-1947), o criador da Teoria do Campo e precursor da dinâmica de grupo; e Kurt

Goldstein (1878-1965), idealizador da Teoria Organísmica (Penna, 2000).

O movimento fenomenológico foi uma influência fundamental para a Psicologia da

Gestalt, pois, metodologicamente, propõe a descrição da experiência imediata, da forma como

ela ocorre. Portanto, nessa metodologia, a experiência não é reduzida a elementos, mas é

respeitada como fenômeno que se revela.

A Psicologia da Gestalt tende a definir a Psicologia como o estudo da experiência

imediata do organismo total. Embora os gestaltistas queiram incluir todo o espectro da

Psicologia em sua perspectiva, privilegiam o estudo da percepção, em relação às demais

áreas.

Esse movimento articula-se em torno de algumas idéias básicas, e a mais importante

delas é que “o todo é diferente da soma de suas partes”, ou seja, que a qualidade do todo não é

apenas mais um elemento, e que as qualidades do todo determinam as características das

partes. Deriva deste princípio a lei da pregnância, ou a clareza, equilíbrio e harmonia da

Gestalt, segundo a qual a organização de qualquer todo é tão boa quanto as condições

vigentes (Burow & Scherpp, 1985; Ribeiro, 1985; Gomes Filho, 2003).

Essas idéias constroem um modelo dinâmico da Gestalt, em que as forças físicas

determinam uma organização. A relação entre todo-parte é fundamental para a compreensão

da Psicologia da Gestalt. Quando alguém se depara com alguma coisa, sua percepção ocorre

como um todo, e somente depois ele decompõe o todo em partes, pois a percepção do todo é

anterior às partes.
122

Toda Gestalt existe em uma relação de figura que se destaca sobre um fundo mais

geral. A figura forma-se mais claramente do que o fundo, isto é, possui uma estrutura mais

perfeita e é mais resistente à mudança.

Um dos principais objetivos da escola gestaltista é a elaboração de leis e princípios

sobre a organização da percepção. Para Wertheimer, a percepção humana está estruturada e

tem um caráter único. Se for estruturada de outro modo, será uma estrutura totalmente

diferente e nova. Em outras palavras, uma alteração em partes do todo altera necessariamente

o todo (Penna, 2000).

As principais leis relativas a esse tema, de acordo com Burow e Scherpp (1985),

Ribeiro (1985) e Penna (2000) são as seguintes: proximidade (os elementos próximos no

tempo e no espaço tendem a ser percebidos juntos); similaridade (elementos semelhantes

tendem a ser percebidos como pertencentes à mesma estrutura); e pregnância (refere-se ao

princípio do fechamento ou princípio do equilíbrio, ou seja, as figuras são vistas de um modo

tão bom quanto forem possíveis as condições do estímulo).

Afinal, qual a relação entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-terapia?

Shane (2003) assinala que existe uma conexão de linhagem histórica entre a Psicologia

da Gestalt e a Gestalt-terapia, a qual se deve muito a Laura Perls. Segundo Shane (2003), ao

estudar os escritos de Laura Perls, pode-se perceber que ela antecipou idéias-chaves na

Gestalt-terapia, relacionadas à Psicologia da Gestalt, as quais antecederam os escritos de Fritz

Perls.

Perls et al. (1997) apontam as correlações da Psicologia da Gestalt com a Gestalt-

terapia ao mencionarem que “como psicoterapeutas que se alimentam da Psicologia da

Gestalt, investigamos a teoria e o método da awareness criativa, a formação figura-fundo

como sendo o centro coerente dos discernimentos” (p. 53).


123

Alguns princípios da Psicologia da Gestalt utilizados pela Gestalt-terapia tiveram uma

configuração própria, como por exemplo, o princípio figura-fundo, que será discutido nos

conceitos básicos da Gestalt-terapia, e o princípio da boa forma (lei da pregnância), cuja

tendência é a procura do ser humano para a completude. Outro princípio fundamental da

Gestalt-terapia e que recebeu influência indireta da Psicologia da Gestalt é o do aqui-agora,

que será discutido posteriormente. Este princípio também recebeu influência de Lewin, do

Existencialismo e do Zen-budismo.

Na prática clínica da Gestalt-terapia, assim como na Psicologia da Gestalt, observa-se

que o cliente primeiro percebe a realidade como um todo, como uma totalidade:

Na época [início da psicoterapia], eu tinha uma coisa comigo, de que eu precisava de

uma psicoterapia porque eu tinha contraído diabetes [todo]... Depois que eu fiquei

sabendo dos detalhes da doença: É uma doença que está com a tacha leve, que só com

alimentação e exercícios pode melhorar, etc [parte]”.

E que a alteração da parte altera o todo: O que antes era o fim do mundo: – “Eu vou

morrer” (...). Hoje não, já vejo que tem tratamento, tem alternativa.

Outro conceito da Gestalt-terapia que recebeu influência, sobretudo, da Psicologia da

Gestalt, e que é nitidamente percebido na prática clínica, é o conceito de figura-fundo7.

Percebe-se, na clínica, a importância em ajudar o cliente a eleger a figura ou seu tema e,

sobretudo, entender que aquela figura emergiu de um fundo, que o sustenta e lhe dá sentido.

7
Discutir-se-ão mais aprofundadamente os conceitos básicos posteriormente.
124

4.2.2.2 Teoria Organísmica Holística

A Teoria Organísmica tenta superar a divisão do homem em corpo e mente, e sugere

que se entenda o indivíduo como um todo unificado. Trata-se de um movimento que recebeu

influência de Jan Smuts, reconhecido como o precursor filosófico da Teoria Holística, que

usou a palavra holismo, cuja raiz grega, holos, quer dizer completo, inteiro, todo (Hall &

Lindzey, 1984a).

Smuts (2006) defende a idéia que o universo é uma grande totalidade, no qual suas

partes estão intrinsecamente conectadas umas às outras – tudo está em tudo, uma coisa

envolve a outra e nada é independente. Em conseqüência, a totalidade constitui o poder de

regular e coordenar a estrutura e o funcionamento das partes. De acordo com Ribeiro (1999)

“a teoria holística vê a pessoa como um sistema uno, integral, consistente e coerente, porque

vê o organismo como algo organizado e em permanente organização de relação pessoa-

mundo” (p. 122).

Segundo Hall e Lindzey (1984a), Kurt Goldstein, principal pensador da Teoria

Organísmica, ao estudar os lesionados cerebrais durante a Primeira Guerra Mundial, chegou à

conclusão de que determinado sintoma não poderia ser compreendido somente com base em

certa lesão orgânica, mas também em relação ao organismo como uma totalidade. Os autores,

ao apresentarem a Teoria Organísmica, afirmam que as leis do todo governam o

funcionamento das suas diferentes partes, e, ainda, o que ocorre em uma parte afeta o todo,

concepção semelhante à da Psicologia da Gestalt. A diferença é que a Psicologia da Gestalt

preocupa-se com o todo da percepção, ao passo que a Teoria Organísmica se refere ao todo do

organismo – corpo e mente. Portanto, é necessário descobrir as leis segundo as quais o

organismo inteiro funciona.

Seguem-se as principais características da Teoria Organísmica, no que diz respeito ao

funcionamento da pessoa:
125

a) há unidade, integração, consistência e coerência na pessoa normal, pois a

organização é um estado natural do organismo; e a desorganização é patológica;

b) o organismo é um sistema organizado, e o todo é diferente de suas partes; um

elemento é sempre considerado como parte integrante do organismo total, e o todo é regido

por leis que não se encontram nas partes;

c) o indivíduo é motivado por um impulso dominante de auto-realização, e luta

para realizar suas potencialidades;

d) existem potencialidades inerentes do organismo para crescer; se o organismo

não pode controlar o meio, trata de adaptar-se a ele.

Para a Teoria Organísmica, pode-se aprender mais em um estudo compreensivo da

pessoa do que em uma investigação extensiva de um sintoma. Por estas razões, a Teoria

Organísmica tende a ser muito popular entre os gestalt-terapeutas, que se preocupam,

também, com a totalidade. Ribeiro (1999) entende que a Teoria Organísmica rompe

epistemologicamente com o modo então existente de conceber a realidade, ao defender que a

totalidade explica a parte, e o autor acrescenta que “não é, no entanto, o número de partes que

um objeto contém que o faz simples ou complexo, explicável ou não. É sua relação com a

vida” (p. 102).

De acordo com Hall e Lindzey (1984a), os principais conceitos dinâmicos da Teoria

Organísmica definidos por Goldstein são: a) equalização ou centragem do organismo, b) auto-

realização e c) pôr-se em acordo com o meio ambiente. No tocante à equalização ou

centragem do organismo, Goldstein postula que a energia é constante e tende a distribuir-se

uniformemente por todo o organismo após um estado de tensão. No entanto, o equilíbrio

completo é um estado holístico ideal, raramente conseguido. Ao passo que na equalização a

pessoa busca o equilíbrio no interior do organismo, na centragem, a pessoa busca o equilíbrio

fora do organismo, isto é, busca no mundo o que é bom para ela (Hall & Lindzey, 1984a).
126

A auto-realização, segundo Goldstein (Hall & Lindzey, 1984a), é o único motivo que

possui o organismo. A satisfação de alguma necessidade é um requisito básico para a auto-

realização do organismo total.

Pôr-se em acordo com o meio ambiente significa existir uma interação constante entre

o organismo e o meio ambiente. Algumas vezes, as ameaças do ambiente são tão fortes que o

comportamento do indivíduo é paralisado pela ansiedade; outras vezes, a auto-realização é

bloqueada pela carência de condições e de objetos necessários no meio.

A teoria até então apresentada vem ao encontro da prática clínica na Gestalt-terapia

em razão de seus princípios direcionarem o terapeuta no atendimento clínico. Estabelecer-se-

ão algumas correlações entre a Teoria Organísmica e a Gestalt-terapia.

O gestalt-terapeuta, assim como a Teoria Organísmica, vê a pessoa como um todo –

corpo e mente – e não como partes isoladas. Esse sistema uno deve ser uma constante busca

do cliente, como revela um deles:

Uma pessoa veio e me abraçou na redação e falou: – “Eu chorei na sua matéria”.

Aquilo foi maravilhoso! Porque, assim, era eu conseguindo me colocar no meu

trabalho (...). Porque eram duas coisas muito separadas: eu era muito sério no meu

trabalho e aí eu guardava a emoção muito para mim. Meu exercício de... de regar

mesmo o resto da minha vida com a minha emoção. Não deixar ela só guardada em

um determinado lugar.

Outro ponto comum entre a Teoria Organísmica e a Gestalt-terapia é a crença na auto-

realização. Este princípio ajuda o terapeuta a incentivar o cliente a delinear seus projetos e a

caminhar rumo a suas realizações, o que aconteceu com um deles:


127

Aí eu tive que retomar e ver ... porquê que eu estava ali [no curso de Nutrição] (...).

Eu vi que: – “Nossa! É isso que eu quero, que eu gosto”. Me deixei mesmo... e ter

uma postura muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali, de que é isso que eu quero,

de estudar, de correr atrás dos estágios e das oportunidades que a vida me oferecia

(...). E me apaixonar do jeito que eu me apaixonei [pela profissão].

Percebe-se que a cada conquista do cliente, maior é a chance de atualização de suas

potencialidades e de acreditar em seu crescimento e desenvolvimento: “De conseguir olhar

para mim e dizer: – ‘Você merece andar mais, você merece ir mais além e você tem todas as

condições para ir além’”. A cada derrota do cliente, o terapeuta deve ajudá-lo a integrar esse

fracasso à sua vida e lhe dar suporte para que ele saiba lidar com suas limitações ou até

mesmo a investir em seus projetos em um momento oportuno: “A profissão que eu sempre

tive vontade, que eu tenho desde a época do vestibular, mas pelas circunstâncias eu não fiz

Psicologia e tal (...). Fui questionando essas coisas, não é”?

Na busca de seus objetivos, muitas vezes o cliente precisa pôr-se em acordo com o

meio ambiente: “Eu achei que a terapia fosse me livrar desses fantasmas e me colocar num

paraíso. E eu descobri ao longo do processo que ela só ia me proporcionar a fazer as pazes

com um monte de coisas”. Quanto mais o cliente tem clareza de sua figura, maior a sua

energia para buscar satisfazer sua necessidade, mesmo que o meio lhe seja adverso. A Gestalt-

terapia relaciona esse princípio com o conceito de ajustamento criativo, que será discutido

posteriormente.

A crença do terapeuta de que o cliente tem a tendência de retornar ao seu estado de

equilíbrio ou homeostase é muito importante em seu trabalho, pois, dessa forma, ele é capaz

de manter a calma diante as desorganizações temporárias do cliente e pode entender que,

muitas vezes, a resistência, ou um sintoma, por exemplo, são modos de equilíbrio possíveis
128

naquele momento, como se percebe nessa fala: “Eu entrei um processo de depressão, mas

hoje eu acho que ele era necessário, era preciso [risos]. Eu não ia sair dessa psicoterapia se

eu não entrasse realmente nessa dor e não olhasse”.

4.2.2.3 Teoria de Campo

Kurt Lewin (1890-1947) foi o idealizador da Teoria de Campo. Seus estudos iniciais

ocorreram em Berlim, com outros psicólogos da Psicologia da Gestalt (Wertheimer e Köhler),

o que justifica a afirmação de Hall e Lindzey (1984b) de que a primeira manifestação

importante da influência da Teoria de Campo apareceu no movimento gestaltista.

Para Lewin (1973), o campo tem diversos pontos e fontes de força, formando uma

rede. A percepção depende dessa rede. Assim, coisas e pessoas só são compreendidas se

percebidas em uma relação total com o ambiente que os cerca. Em outras palavras, a pessoa

só se faz compreensível no contexto total no qual se encontra. Yontef (1998) conceitua campo

como “uma totalidade de forças que se influenciam mutuamente e que juntas formam um todo

unificado e interativo” (p. 185). Desse modo, a ênfase dada pela Teoria de Campo ao

processo, ao relacionamento e às forças dinâmicas existentes no campo, fornece uma base

segura para a compreensão de fenômenos complexos (Parlett, 1991; Harris, 1998; Yontef,

1998).

Na Teoria de Campo, o comportamento, portanto, é função do campo. Uma pessoa (P)

é um universo fechado, em um universo mais amplo. Decorrem, então, duas propriedades: a)

diferenciação, que define a separação do mundo por meio de um limite contínuo – ou

diferencia a pessoa (P) de qualquer outra coisa (Não-pessoa ou N-P); e b) relação parte-todo,

que remete à inclusão da pessoa em um universo mais amplo. Lewin (1973) destaca a

importância de compreender um comportamento em relação ao meio que o circunda, ou seja,


129

compreender o campo, até porque “toda psicologia científica deve tomar em conta situações

totais, isto é, o estado da pessoa e do meio ambiente” (p. 29).

A teoria de Lewin (1973) é estrutural, e seus conceitos fundamentais são pessoa, meio

e espaço vital. O espaço vital (V) é aquele em que ocorre o comportamento, que também é

função do campo. Em uma fórmula simples [V = P + M], em que (V) é o espaço vital, (P) é

pessoa, e (M) é o meio psicológico. Assim, compreende-se que a pessoa ao mesmo tempo se

individualiza (é um universo fechado) e se comuniza (inclui-se em um universo mais amplo).

O espaço vital é o universo do psicológico (o todo da realidade psicológica). Contém a

totalidade dos fatos possíveis, capazes de determinar o comportamento do indivíduo, o que

define o comportamento como função do campo, ou, na fórmula lewiniana, [C = f(V)].

Assim, Lewin (1973) define que a pessoa e o meio são interdependentes, ou seja, há uma

interdependência entre a região (P) e a região (M), que formam o campo vital (V). A realidade

é, então, definida pela permeabilidade entre as regiões.

Nas palavras de Lewin (1973), o espaço vital psicológico indica “a totalidade de fatos

que determinam o comportamento de um indivíduo num certo momento” (p. 29), ou seja,

todos os fatos reais, todos aqueles que tenham efeitos, sejam conscientes ou não. Define-se

assim o princípio da contemporaneidade, que é a relação temporal do evento com as

condições dinâmicas que o produzem (ou a relação entre as parte do espaço vital). Somente a

situação presente, apenas o que existe concretamente pode ter efeitos. Contrariamente, pois,

aos demais modelos psicológicos, a ênfase ao presente, na perspectiva da Psicologia dinâmica

de Lewin (1973), define que a influência da história prévia da pessoa é indireta:

a estrutura da pessoa e as características psicológicas do meio ambiente em cada

momento, em cada ponto dependem, de um modo decisivo da história prévia (...).

Contudo, devemos considerar essa influência da história prévia como indireta na


130

psicologia dinâmica (...). Os eventos passados só podem ter uma posição nos

encadeamentos históricos causais, cujas interligações geram a situação presente. (p.

54)

Além do princípio da contemporaneidade, Lewin (1973) apresenta os princípios da

conexão (interação de dois ou mais fatos) e da concreção (só os fatos concretos que existem

no espaço vital podem ter efeitos). Esses três princípios são discutidos em decorrência dos

estudos da locomoção e comunicação (ocorrências), isto é, as formas como as regiões se

interagem. As ocorrências (influência de uma região sobre a outra) possibilitam a

reestruturação do espaço vital, além da alteração no número de regiões, posição dessas

regiões, mudanças nas delimitações e alterações nas qualidades de superfície das regiões.

Hall e Lindzey (1984b) afirmam que “as regiões do meio estão conectadas, quando a

pessoa pode realizar uma locomoção entre elas. Diz-se que as regiões da pessoa estão

conectadas quando podem comunicar-se entre si” (p. 251, grifos dos autores). Para entender a

locomoção, é preciso compreender os conceitos dinâmicos de Lewin: energia, tensão,

necessidade, valência, força ou vetor. Esses conceitos dependem da situação e das

propriedades do campo.

Há uma complexidade e interação entre esses conceitos. Lewin (1973) defende que a

pessoa é um sistema complexo de energia. A energia é liberada quando a pessoa tenta

retornar ao equilíbrio, após um estado de desequilíbrio. O desequilíbrio é produzido pelo

aumento de tensão em uma parte do sistema, como resultado de estímulo externo, ou de

mudança interna. O aumento de tensão ou a liberação de energia na região intrapessoal é

causada pelo aparecimento de uma necessidade. Ao surgir o necessidade, a pessoa precisa

locomover-se e, na locomoção, há também o conceito de valência. Valência é o valor da

região para a pessoa. Existem duas espécies de valor: positivo e negativo. A região de valor
131

positivo, ao contrário do valor negativo, é aquela que contém um objetivo que reduz a tensão

quando a pessoa nela penetra. No entanto, uma valência não é uma força ou vetor. A força ou

vetor dirige a pessoa através do seu meio psicológico, mas não provê a pessoa do poder

motivador da valência para locomover-se (Hall & Lindzey, 1984b).

Lewin (1973) define sua teoria como um sistema de conceitos relacionados com fatos

observáveis, de tal forma que os fatos empíricos podem ser deduzidos dos conceitos. Assim,

leis empíricas são relações funcionais de dados observáveis e devem referir-se a leis

dinâmicas; em outras palavras, toda ciência é e deve ser empírica. Entretanto, não pode se

fechar simplesmente nos dados, mas centrar-se nas relações funcionais dos dados. Portanto,

para Lewin, teoria é igual a sistema de conceitos, mais as leis dinâmicas.

Harris (1998), Yontef (1998) e Ribeiro (1999) ressaltam a contribuição da Teoria de

Campo na Psicologia e, particularmente, na construção teórica e prática da Gestalt-terapia.

Yontef (1998) vai além, ao sustentar que a Teoria de Campo é a fundamentação teórica que

melhor se adéqua ao sistema da Gestalt-terapia, sobretudo por possibilitar a superação da

dicotomia entre biológico e social, conferindo-lhe uma visão holística na Teoria de Campo.

Segundo Ribeiro (1994), “A Teoria de Campo vê a realidade como campos ou como

um grande campo unificado, onde a realidade maior acontece” (p. 63). O autor afirma ainda

que o campo está em constante mudança, provocada por alterações nos subcampos.

Observa-se que o cliente percebe essas mudanças: “Depois que eu fiz grupo eu tive um outro

olhar sobre qualquer pessoa, sabe? Um olhar mais emotivo mesmo, um olhar menos frio,

menos julgador, menos crítico, um olhar de falar assim, é... tentar entender mesmo: – “Isso é

assim, mas tem um porquê”. Embora ocorra esse processo mutável, existe algo que mantém

ao longo do tempo:
132

Eu continuo sendo a mesma pessoa que passou anos aqui fazendo terapia. Não

mudou. A minha essência é a mesma. Eu vou continuar parando e olhando para uma

figura no meio da Avenida Paulista e vou me emocionar, e vou querer saber por que

ela está ali, o que leva ela a estar ali, a estar na rua, a n coisas. Porque isso é meu,

esse olhar é meu.

Assim como para a Teoria de Campo, a Gestalt-terapia entende que uma pessoa (P),

singular (diferenciada), e ao mesmo tempo inserida em um campo (parte-todo), só pode ser

compreendida em um contexto atual (aqui-agora). Para tanto, procuram-se resgatar as

conexões e as relações entre os diversos elementos do campo (Zinker, 2001). A cliente

declara:

Eu fui resgatando... um lado que era meu e que estava escondido, abafado, não estava

sendo vivido (...). Hoje eu consigo ser eu mesma (...). É muito prazeroso ser realmente

o que a gente é (...). Estou mais perto da minha idade e do meu jeito de ser.

Tanto a Teoria de Campo quanto a Gestalt-terapia consideram que o todo é maior que

a soma das partes. Cada parte (cada pessoa) só pode ser entendida no contexto do todo (sua

história, seu ambiente), ou seja, o comportamento é função do campo. A cliente

compreende essa condição:

Acho que se eu não tivesse esse momento aqui para conversar sobre isso, para ter

essa visão de todos os lados da história, do todo, de mim dentro daquilo ali, de tudo

que... tudo que me influenciava, eu teria levado o curso, sem saber se era realmente

aquilo que queria (...). A profissão me tocou, eu vi que: – “Nossa! É isso que eu
133

quero, que eu gosto” (...). E ter uma postura muito diferente, de assumir mesmo

aquilo ali.

A modificação de uma parte implica a mudança da totalidade. O processo, por ser

circular e não linear, possibilita que a interferência em um ponto modifique o conjunto

(Ribeiro, 1985; Yontef, 1998; Zinker, 2001).

A Gestalt-terapia também faz uso dos conceitos dinâmicos da Teoria de Campo

quando investiga, com o cliente, onde está sua energia, qual a sua necessidade, o quê e como

tem feito para alcançar seus objetivos, e se sua direção tem sido, para os campos de valência,

positiva ou não. O cliente relata:

E meu pai estava sentado comigo, no meu quarto, enchendo balão. E, de repente, eu

me toquei que era uma companhia, era uma presença, que eu queria muito perto de

mim, e que eu só fui ter aos 27, 28 anos de idade. E trouxe isso para a terapia, a gente

trabalhou isso e eu tive coragem de chegar pro meu pai depois e conversar com ele

sobre isso.

4.2.2.4 Existencialismo

O Existencialismo reuniu os mais diversos pensadores, desde seus antecessores,

Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Söeren Aabye Kierkegaard (1813-1855), passando por

pensadores como Gabriel Marcel (1889-1973), Albert Camus (1913-1960), Emmanuel

Levinas (1905-1995), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Karl Jaspers (1889-1969), Martin

Heidegger (1889-1976), Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), Simone de Beauvoir (1908-

1986) e Martin Buber (1868-1965).


134

Não há, portanto, um Existencialismo, mas vários, e, assim, cada pensador enfatiza

algum aspecto da existência. No entanto, todos esses pensamentos caracterizam-se por uma

crítica aos fundamentos da ciência moderna, e pela relevância do sujeito humano em relação à

técnica (Heidegger, 2001). Pode-se dizer que o Existencialismo teve em Kierkegaard e

Nietszche seus primeiros expoentes, mas tornou-se mundialmente conhecido a partir da

publicação, em 1945, do livro de Sartre, O existencialismo é um humanismo, passando a ser

sucessivamente associado à sua figura. Entre os anos 1945 e 1960, esse movimento invadiu a

vida política e literária, o teatro, o cinema, e, evidentemente, a filosofia (Huisman, 2001).

O Existencialismo é uma corrente filosófica que fascina pelos seus questionamentos

absolutamente atuais. Os filósofos da existência buscaram – no esteio do pessimismo do

período entreguerras – entender o homem como um sujeito situado, ou seja, como uma

realidade em contato com outros sujeitos e com o mundo. Assim, as filosofias da existência

resgatam noções esquecidas, como angústia, desespero, ansiedade, morte, relação, sentido,

subjetividade, significado, diálogo, liberdade, vivido, dentre outras.

As filosofias da existência procuram opor a realidade da existência ao essencialismo

filosófico. Para os pensadores dessa abordagem, o homem não é um sujeito pré-determinado,

mas um sujeito concreto, singular, responsável, livre, repleto de possibilidades, e que se

constitui por meio de suas escolhas. Considera-se, portanto, a liberdade como o cerne do

Existencialismo, visto que cada pessoa é definida por aquilo que ela faz, tanto, que somente a

própria pessoa pode criar seus valores, por meio da própria liberdade e sob sua

responsabilidade (Japiassu & Marcondes, 2006). Em decorrência, a subjetividade tem um

lugar destacado nessas filosofias.

Até então, a ciência procurava definir o homem pelos seus condicionantes essenciais,

ou elementos definidores. Em oposição à prerrogativa vigente, Sartre (1973) apresentou a

máxima: a existência precede a essência. Primeiro é preciso existir, para depois definir-se.
135

Para definir-se, o homem deve lançar mão da sua liberdade, ou seja, deve escolher e, dessa

forma, responsabilizar-se por sua escolha. Para Sartre (1973), portanto, o homem não pode

fugir à sua responsabilidade, já que não pode não-escolher. Nesse sentido, de acordo com

Ribeiro (1985), “o homem nada mais é do que aquilo que ele decide ser, do que aquilo que ele

projeta ser; sua essência surge como uma resultante de seus atos” (p. 38).

Se existir é escolher, existir é sofrer angústia, pois “o homem que se compromete e

percebe que não é apenas aquele que escolhe ser, mas que é também um legislador,

escolhendo, ao mesmo tempo que a si mesmo, a humanidade inteira, não poderia escapar ao

senso da sua total e profunda responsabilidade” (Nogare, 1994, p. 145). É angustiante

escolher em razão da responsabilidade direta ante os outros homens que a escolha envolve.

Segundo Burow e Scherpp (1985), os existencialistas fundamentam-se em alguns

princípios, a fim de compreenderem a existência do ser humano. Um dos princípios do

existencialismo é a singularidade do homem, o que foi identificado por uma cliente:

Perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me respondeu bem assim: –“Não,

não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele, eu sou filha, eu quero ser

cuidada”. Achei uma visão muito radical (...). Eu também sou filha, eu também quero

ser cuidada, mas infelizmente a gente não tem os pais para cuidar da gente. Eles não

nasceram para cuidarem da gente” (...). Eu acho que você deve fazer até onde você

puder”. E é o que eu faço. Também não acho certo, se abster daquilo ali e levar uma

vida como se não existisse.

Nesse sentido, a filosofia existencialista é subjetiva.

Outro princípio é o da auto-responsabilidade e da possibilidade da própria pessoa dar

forma à sua existência, evidenciando que o próprio homem se faz, como declara um cliente:
136

“Se eu tiver consciência de que eu quero fazer, mesmo se der errado alguma coisa eu não vou

responsabilizar ninguém. Foi uma coisa minha, foi um processo meu, eu resolvi, eu fui”. Ser

singular não é ser egoísta, mas é uma proposta rigorosa de “assumir-se totalmente na

liberdade responsável (...), de modo que o homem possa dar respostas diferenciadas entre suas

necessidades e as exigências que vêm de fora” (Ribeiro, 1985, p. 35).

Outros três princípios são discutidos por Burow e Scherpp (1985). Os autores afirmam

que, no tocante ao método, “os existencialistas são fenomenólogos” (p. 42), que a filosofia

existencialista é dinâmica, conceito importantíssimo para a Gestalt-terapia; e que “a existência

humana é sempre um ser(estar)-no-mundo e é sempre um ser(estar)-com-os-outros” (p. 42,

grifos do autor). Na perspectiva heideggeriana, a Psicologia existencialista não é

individualista.

Além de Heidegger, outro importante filósofo da modernidade que enfatiza o homem

como ser de relação é Martin Buber. Em 1923, Buber publicou um livro que o tornou famoso,

e no qual expõe sua perspectiva filosófica: trata-se do Eu e Tu. Neste livro, Buber destaca que

o homem não existe só, mas em relação. Como assinala no início do seu livro, “não há eu em

si” (Buber, 1979, p. 4). Só se é quando em relação. Para atingir a plenitude da existência, o

homem deve engajar-se no diálogo com outro homem.

Assim, Buber (1979) propõe uma filosofia pautada por dois conceitos: o Eu-Tu, que

define o diálogo, a abertura da existência do homem como ser-no-mundo e como ser de

relações, que se caracteriza pela vivência e pela confirmação de si e do outro como existentes;

e o Eu-Isso, que caracteriza a relação objetiva, típica do discurso da ciência, que coloca o

sujeito à parte da sua realidade, ou seja, destaca o sujeito do mundo (Zuben, 1969, 1979,

2003; Holanda, 1998).

A Gestalt-terapia é um caminho e uma forma de o homem expressar-se diante da vida,

de encontrar um modo particular de estar no mundo e de lidar com ele (Ribeiro, 1985),
137

como relata um cliente: “Eu fico me questionando: – “Pra que, por que eu fiz isso, se seria

bom se eu não tivesse dissimulando, ou não”. Ah, tem horas que o caso é de dissimular

mesmo”.

Na Gestalt-terapia, o homem também é percebido como uma pessoa singular,

concreta, livre e, ao mesmo tempo, circunstancial, responsável pelas suas escolhas. Suas

escolhas vão ao encontro de seus valores, suas crenças e seus projetos. Uma cliente assegura:

Me ajudou a ir olhando mesmo, se era realmente o que eu queria. Olhar o sentido de

estar ali. Tá, eu escolhi porque era legal, mas agora eu não estou achando legal?

Então, tá, então eu posso não continuar, mas por que eu estou continuando?

Entendeu? Então, ver os vários motivos pelos quais eu estava ali, e ver o que me fazia

estar ali ou não. O que me fazia desistir, o que me fazia continuar. E ver

principalmente se era o que realmente eu queria, porque eu tinha a opção de não

querer.

Por isso, o objetivo da Gestalt-terapia é a awareness, pois ao tomar consciência de si,

do outro e do mundo, o sujeito torna-se cônscio de seu projeto de vida, de como esse projeto

vem sendo realizado, se está de acordo com o que se pretendia para sua vida e a vida ao seu

redor. A revelação do cliente é esclarecedora:

Eu abandonei tudo, eu mudei de uma cidade para outra, eu larguei um trabalho de

nove anos, eu larguei uma relação de sete anos, eu larguei uma família que eu sempre

morei, eu larguei a terapia, eu larguei uma vida que eu tinha construído com muito

tesão, com muito prazer e parti para uma etapa nova (...). Eu sempre quis morar em

São Paulo.
138

O Existencialismo é a base filosófica que permite ao gestalt-terapeuta ter uma visão de

homem e, então, direcionar seu trabalho para esse homem que se constitui à medida que é.

Além da visão de homem, o gestalt-terapeuta precisa de um método para trabalhar (no caso, o

método fenomenológico) e de uma atitude dialógica para encontrar o cliente (Hycner, 1995;

Jacobs, 1978, 1997; Yontef, 1998).

4.2.2.5 Humanismo

Embora a preocupação com o ser humano, de alguma forma, sempre tenha existido,

foi o Humanismo que buscou a compreensão do homem em sua totalidade (como unidade

psique-corpo-espírito). Com o Humanismo, procurou-se integrar o homem, como um todo, ao

meio em que vivia e, assim, dar-lhe uma identidade como ser humano (Holanda, 1998).

Enfim, o homem passou a ser o centro do universo.

Erasmo de Rotterdam (1467-1536) foi o mais notável dos primeiros humanistas,

sempre pregando a paz, a tolerância, a concórdia, levantando a bandeira do Humanismo como

sinal de uma nova humanidade, unida pelo amor e reciprocidade, acima das diferenças de

línguas, raças e credos. Homem bastante religioso, Erasmo de Rotterdam acreditava na

liberdade essencial do homem e no poder criador do indivíduo, e exaltava a dignidade e a

liberdade do homem (Nogare, 1994).

Etimologicamente, Humanismo é tudo aquilo que se volta para o humano, que é

relativo ao homem e que o define como o ser criador de seu próprio ser, à medida que o

humano, através de sua história, gera sua própria natureza (Japiassu & Marcondes, 2006). De

acordo com Ribeiro (1985), não significa “ser o homem o senhor absoluto e prepotente do

universo, mas que o universo deve ser pensado a partir do homem. O mundo que caminha

além do homem, sem o homem, ainda que através dele, é um mundo caminhando para a

desumanização” (p. 28).


139

As raízes espirituais e históricas da Psicologia Humanística são o Humanismo e o

Existencialismo. A Gestalt-terapia deve ser considerada como agregada à escola da Psicologia

Humanística, o que significa que contém e promove a idéia do homem como centro, como

valor positivo, como capaz de autogerir-se e regular-se (Burow & Scherpp, 1985; Ribeiro,

1985).

A Psicologia Humanista, ou terceira força, constituiu-se nos anos 1960, na Psicologia

americana, como uma alternativa ao Comportamentalismo e à Psicanálise. Desenvolveu-se

como movimento de combate ao sentimento de desumanização e à massificação do indivíduo

no século XX. No campo específico da Psicologia, a adoção da denominação humanista foi

uma tentativa de tornar a Psicologia uma ciência humana (Burow & Scherpp, 1985; Holanda,

1998).

Os temas centrais dessa perspectiva são: a) ênfase à experiência consciente (em

contraposição ao determinismo ambiental do Behaviorismo e à noção de inconsciente da

Psicanálise); b) crença na natureza humana, como uma totalidade; c) ênfase à questão da

liberdade – muitas vezes confundida com livre-arbítrio – e na espontaneidade, além do poder

criador do ser humano; d) importância dos temas humanos como objetos de estudo (assim,

temas como motivação, emoção, sensação, são objetos fundamentais) (Holanda, 1998).

O questionamento humanista passou a ser fundamental, pois interroga a ação técnica

sobre o ser humano. Atualmente, vive-se em uma sociedade altamente intelectualizada e

tecnicista, esquecida de questões básicas como a relação humana. Holanda (1998) pondera

que a filosofia humanista tenta reverter a ênfase dada ao desenvolvimento tecnológico e à

ciência desconectada da totalidade da existência humana, em detrimento de valores que

foram resgatados por essa filosofia. Uma cliente assinala: “Eu não consigo separar que a

pessoa simplesmente come como um metabolismo. Ela come, tem um metabolismo e, também,

tem uma história, e o seu metabolismo vem do estado dela, não tem como, não tem como”!
140

4.2.2.6 Fenomenologia

No capítulo I, discutiram-se as idéias básicas da Fenomenologia. Neste tópico,

pretende-se mostrar como que Gestalt-terapia se fundamenta metodologicamente na

Fenomenologia, e quais são suas influências na conduta do psicólogo ante as tarefas

psicoterapêuticas.

É recente a aplicação dos postulados da Fenomenologia à prática psicoterapêutica. O

primeiro pensador que buscou estabelecer essa relação foi Ludwig Binswanger, nas primeiras

duas décadas do século XX. Petrelli (1999) esclarece que a contribuição de Binswanger para a

psicoterapia consistiu em destacá-la como uma “modalidade coexistencial de duas pessoas

que se põem, intencionalmente, uma diante da outra, expondo uma para outra a autenticidade

da própria singularidade e subjetividade – de forma plena, no terapeuta; de forma potencial,

no outro, o cliente” (p. 41). A atitude de uma pessoa colocar-se genuinamente uma ante a

outra é comum nos depoimentos dos colaboradores, como o faz uma cliente ao referir-se à

terapia de grupo: “No início dessa terapia de grupo, eu me propus a tentar ser verdadeira,

porque me incomodava essa questão de eu não ser verdadeira”.

Nesse contexto, a presença constante do terapeuta é fundamental para que a presença

potencial do cliente seja despertada. A presença do terapeuta realiza-se por intermédio de

uma investigação compreensiva do fenômeno, confirmada por uma colaboradora: “Eu te

sentia inteira, durante as sessões, realmente estava escutando. Eu tenho muita dificuldade lá

fora, lá fora da psicoterapia, de achar que as pessoas não estão me escutando”.

Segundo Holanda (1997), “a Fenomenologia, aplicada à Psicologia, pode ser

entendida como uma postura, uma atitude que nos abre todo o leque de possibilidades para

plenificar o encontro com o fenômeno” (p. 40). Trata-se de um encontro que ocorre no aqui-

agora, e terapeuta e cliente interagem em seus campos fenomenológicos, com a intenção de

ampliarem seus conhecimentos sobre o fenômeno que se apresenta. Nesse momento, o


141

terapeuta apresenta-se como pessoa existente diante do cliente, e, também, como co-

existentividade.

O fenômeno revela-se à consciência à medida que o terapeuta se encontra em uma

atitude de observador atento à realidade que se mostra, sem a priori sobre o fato; o contrário

se dá quando existem preconceitos, que embaçam a percepção do fenômeno em si. O cliente

também percebe melhor o fenômeno quando se despoja dos seus próprios preconceitos:

No grupo, eu pude olhar mesmo, e querer ver, querer conhecer, sabe? E ver que cada

pessoa, todo mundo, por melhor ou pior que ela seja, as pessoas sempre tem alguma

coisa muito interessante. Sempre eu vou aprender com as pessoas, sabe? Sempre...

Então isso... isso tirou muito preconceito... muita barreira de não me deixar envolver

mesmo.

Holanda (1997) entende que a fonte de todo conhecimento autêntico está na

experiência imediata de si e de outrem. Na relação imediata, não deve existir qualquer teoria

entre terapeuta e cliente, apenas um encontro face a face, qualidade apontada por Buber

(1979), quando ele se refere ao diálogo como realidade existencial, que implica envolvimento

e colocação presente da pessoa. A afirmação do autor é corroborada por uma cliente: “Tem

muito isso na minha profissão, das pessoas não se envolverem, das pessoas serem frias. Eu já

acho que... a terapia me fez assim, me deixar envolver. Claro que é um envolvimento

consciente”.

Ribeiro (1985) acrescenta que, para realizar essa tarefa, o terapeuta deve fazer a

redução fenomenológica para “encontrar com o cliente nele, com ele, através dele” (p. 44). Na

redução fenomenológica, suspende-se todo o conhecimento e toda expectativa em relação à


142

natureza do fenômeno, o que dificulta possíveis direcionamentos terapêuticos, conscientes ou

não, tanto que, por um momento o terapeuta deve reter seu saber acumulado (Petrelli, 2004b).

Assim, o risco de o terapeuta misturar-se com o cliente diminui e aumentam as

chances de atingir a totalidade de sua essência. Atingir a totalidade consiste em perceber o

sentido existencial do fenômeno observado e integrá-lo à totalidade do cliente. Por isso, assim

como a Fenomenologia, a psicoterapia deve não deve ter uma atitude ingênua de descrever

apenas o que se vê, mas deve investigar o que se percebe no contexto do cliente, enfim, deve

olhar para o todo que aparece (Ribeiro, 1985). Nunca se pode perder a originalidade do

cliente.

De acordo com Holanda (1997), a Psicologia, baseada na Fenomenologia tem como

fundamento a valorização da subjetividade consciente e suas inter-relações, por isso, a

preocupação com a experiência consciente. Para Gomes (1997), nesse contexto, os psicólogos

encontram ambiente propício para o estudo da vivência como experiência consciente, como

mundo vivido. Ao focalizar a experiência do cliente, o terapeuta atua fenomenológica e

humanisticamente.

Petrelli (2004b) assegura que ser fenomenólogo é transformar “a vivência de uma

realidade contingente e particular em uma vivência de significados absolutos e universais” (p.

32), pois uma vivência aparentemente simples esconde uma grandeza imensurável. No

entanto, o saber deve acompanhar a vida – “primum vivere, deinde philosophare” (p. 32), ou

seja, o significado da realidade surge após a experiência imediata. A ética de um

fenomenólogo, depois do respeito às diferenças do ser humano, realiza-se por uma presença

humilde e ativa, não só com o seu cliente, mas no mundo.


143

4.2.3 Conceitos básicos

Os conceitos que fundamentam a Gestalt-terapia dão suporte tanto à teoria quanto à

prática dessa abordagem. Todos eles, em alguma proporção, advêm das suas bases teóricas,

filosóficas ou metodológica. Neste tópico, apresentar-se-ão os conceitos relacionados à

Gestalt-terapia considerados os mais relevantes para o embasamento da prática do gestalt-

terapeuta. Os conceitos são os seguintes: contato, awareness, mudança paradoxal, auto-

regulação, figura-fundo, ajustamento criativo, aqui-agora e diálogo, que inclui os elementos

do interhumano (presença, inclusão, comunicação genuína e confirmação).

Compete, então, que se faça uma breve consideração de cada um desses conceitos,

compreendidos como fundamentos da singularidade teórica e prática gestálticas. Eles serão

ilustrados com fragmentos extraídos das entrevistas realizadas com os colaboradores e serão

apresentados e separados de maneira didática; no entanto, cada conceito, necessariamente,

permeia os demais, tanto que um mesmo fragmento pode exemplificar mais de um conceito.

4.2.3.1 Contato

O homem é, necessariamente, um ser de relação e está inserido no mundo, o que evoca

a noção de contato no cerne da natureza humana, pois contato é, para a Gestalt-terapia, o

processo básico do relacionamento. Ribeiro (1994) defende que contato é viver, é sentir, é

pensar, é agir, é falar, enfim, é experienciar no presente. Contato consiste em relacionar-ser

com a vida e com o imediato aqui-agora. Polster e Polster (1979) e Ribeiro (1994, 2006)

entendem que o como a pessoa vivencia suas funções de contato determina a qualidade do

mesmo, tal como declara um colaborador: “Eu consegui fazer uma releitura da minha vida

enquanto eu fiz terapia e, hoje, eu consigo me enxergar muito melhor, muito, eu consigo me

ver muito melhor, eu consigo identificar algumas coisas em mim”.


144

A Gestalt-terapia também poderia ser chamada de terapia do contato (Ginger &

Ginger, 1995), conceito essencial nesta abordagem. Para Yontef (1998), contato é o processo

de reconhecer a si mesmo e ao outro em um duplo movimento: o de conectar-se e de afastar-

se do diferente. A esse respeito, uma cliente declara:

Coisa que eu não aprovava, eu afastava. Hoje não (...), eu consigo me colocar no

lugar do outro (...), a pessoa deve ter motivos para ser daquele jeito (...). Isso me traz

assim, um gostar mais de mim, um gostar mais do outro, ter mais leveza.

De acordo com Perls (1988), nem todo contato (conectar) é saudável, e nem toda fuga

(afastamento) é doentia, visto que as escolhas de aproximação ou distanciamento – meios de

satisfazer as necessidades emergentes – são necessárias e só se tornam nítidas se advêm do

contato.

A escolha adequada depende do contato interno e externo, o que é percebido por

uma colaboradora:

Na relação social o outro não está por conta de te ouvir, ou de me entender. O

processo em grupo é muito bom, ajuda demais. Principalmente essa autopercepção,

de me ver no outro. Nossa! Tinha coisas que acontecia no grupo que eu nunca tinha

visto em mim, aí eu via no outro e percebia que estava vendo no outro uma coisa que

era minha. Às vezes, vinha mexer em coisas que eu nem imaginava.

Quanto melhor a pessoa fizer contato consigo mesma, melhor será seu contato com o

outro e vice-versa.
145

Para Ribeiro (2006), “fazer contato está ligado à questão da intencionalidade, do

sentido que a coisa tem em si e do significado que minha relação estabelece com a coisa em

mim, para mim e fora de mim” (p. 78). Polster e Polster (1979) discutem o paradoxo união e

separação:

Nosso senso de união depende, paradoxalmente, de um senso aumentado de

separação, e é este paradoxo que nós constantemente procuramos resolver. A função

que sintetiza a necessidade de união e separação é o contato (...). Se nós insistirmos

em nossos direitos territoriais, corremos o risco de reduzir o contato excitante com o

outro e se definhar. A diminuição do contato vincula o homem à solidão. (pp. 100-

101, grifo do autor)

O solitário é a pessoa que se perdeu na multidão ao privar-se do sentido de

comunidade e comunhão. A pessoa então se fecha ao contato, perde a capacidade de dialogar

e a disponibilidade à novidade, ao imprevisto, a si mesma e ao outro. Esta atitude impede o

crescimento e a mudança. Uma colaboradora ressalta a dificuldade, vivenciada por uma fase,

de relacionar-se com seu enteado:

Eu tinha, assim, a sensação que eu tinha que tolerar ele, tal (...). Só que eu também fui

vendo. Eu estava transferindo para ele uma raiva que eu tinha do pai dele. Eu não

tinha motivo nenhum para ter raiva... Uma criança excelente (...). E quando eu

descobri isso a relação nossa se transformou.

Polster e Polster (1979) refletem que “o contato é o sangue vital do crescimento, o

meio para mudar a si mesmo e a experiência que se tem do mundo. A mudança é um produto
146

inescapável do contato (...). O contato é implicitamente incompatível com permanecer igual”

(p. 102).

Por acreditar que o contato seja transformador e que a natureza da psicoterapia na

abordagem gestáltica consiste em promover o contato, o terapeuta deve estar sempre

incentivando o cliente a olhar para si mesmo, para o outro e para o mundo, pois é este

movimento que dá qualidade ao contato e permite alcançar a awareness. É o que constata

uma cliente: “Enquanto fica de fora, de longe olhando, não consegue viver, sentir, entender

aquilo que realmente está causando aquela dor”.

Ribeiro (2006) adverte que o gestalt-terapeuta deve ficar alerto quando o cliente, por

algum motivo, estiver com seu contato bloqueado. A percepção desse bloqueio nem sempre

é imediata, como revela uma colaboradora:

Era uma relação boa, tanto pessoal, quanto social, em todos os sentidos, não é? E de

repente... eu vi que não era. Consegui entrar na situação, ver realmente como que era

a realidade. Não consigo mais dissimular o meu jeito de ser para manter uma

relação.

Muitas vezes, o contato opaco é a única possibilidade encontrada pela pessoa para

auto-ajustar-se e buscar o equilíbrio, ainda que precário e temporário.

Entrar em contato com algumas situações, como no exemplo citado, são momentos

delicados da terapia e que devem ser tratados com cuidado e aceitação. É preciso atentar ao

fato que não é o bloqueio em si que deve ser objeto de cuidado, mas os componentes neles

envolvidos, que impedem a pessoa de se expressar e de viver como verdadeiramente é. O

gestalt-terapeuta acredita em contatos moldados na relação dialógica, que, segundo Polster e


147

Polster (1979), “dotam a terapia de substância e drama” (p. 159) e que dão a base para a

awareness.

4.2.3.2 Awareness

De modo resumido, awareness é ter consciência da própria consciência, é olhar o

próprio olhar e, como tal, é um momento de transcendência.

A Gestalt-terapia possui uma compreensão particular do que seja consciência. Para

essa abordagem, há duas formas distintas de consciência, que são representadas pelas palavras

inglesas counsciousness e awareness. A primeira refere-se a uma consciência cotidiana,

limitada no tempo e no espaço, mais relacionada a uma compreensão racional de si e do

mundo, ao passo que a awareness pode ser definida como uma consciência ampliada,

organísmica.

Awareness, objetivo da Gestalt-terapia, é dar-se conta de algo, é uma forma integrada

e totalizante, resultado de variáveis presentes em dado campo (Perls et al, 1997; Ribeiro,

1994, 2006). Um cliente descreve como vivenciou esse processo:

Eu entrei no processo terapêutico com muita angústia (...). Aquela voz que me

produzia angústia foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza sobre as

coisas (...). Hoje eu consigo entrar nos meus momentos de angústia, como sempre,

porque é uma coisa minha, mas eu consigo ter calma e clareza para entender por que

eu estou entrando, o que eu quero com isso.

Com base na definição de awareness, apresentada em nota de rodapé no início deste

capítulo, Yontef (1998) aponta três corolários básicos: a) “a awareness é eficaz apenas

quando fundamentada e energizada pela necessidade presente dominante do organismo”; b)


148

“a awareness não está completa sem conhecer diretamente a realidade da situação e como se

está na situação”; c) “awareness é sempre aqui-e-agora e está sempre mudando, evoluindo e

transcendendo-se” (p. 216, grifos do autor).

A compreensão do conceito de awareness dá-se mediante uma concepção que envolve

necessidade, presentificação, responsabilidade, escolha, experimentação e integração. A

necessidade implica a disponibilidade de a pessoa estar em contato com seu interesse

dominante. Presentificação refere-se à capacidade de atualização da necessidade.

Responsabilidade é concebida como a habilidade de a pessoa ser responsável e responder por

seus comportamentos e sentimentos (Karwowski, 2005).

Em resumo, elege-se a necessidade presente (dominante) ao integrar as dimensões

físicas, psíquicas e espirituais e, então, escolhe-se o caminho a ser percorrido e torna-se

responsável por experimentá-lo, como afirma um cliente:

A terapia me ajudou a ir discernindo cada personagem, cada papel que esses

personagens representavam para mim e como eu queria lidar com essas pessoas (...).

Com a minha mãe foi redimensionar papéis. Assim, ela não era minha esposa mais, e

eu assumi o papel de filho. E não o papel de marido, e não o papel de tutor (...).

Então, era eu ir assumindo os meus papéis e ir descobrindo os meus limites (...),

dentro da minha estrutura familiar.

Ser aquilo que se é exige um continuum de awareness que possibilita ao indivíduo

tomar posse de seu processo de existir, de apreender como esse processo se estabelece a cada

momento, e de encontrar sua totalidade, tal como o experienciou uma colaboradora: “Foi uma

coisa bem devagar [ser mais verdadeira], foi aos poucos, é uma coisa aqui, outra ali, acabou

que foi acumulando, e chegou uma hora que aconteceu”.


149

Sem esse movimento contínuo, dinâmico, e pleno de sentido não há awareness e

crescimento, apenas hábito, mesmo porque, muitas vezes, é tarefa árdua ficar aware tanto de

suas possibilidades quanto que suas limitações. “A awareness é acompanhada por aceitação”

(Yontef, 1998, p. 31) e evolui de acordo com o auto-suporte da pessoa para aquele contato.

Laura Perls, citada por Yontef (1998), afirma:

O objetivo da Gestalt-terapia é o continuum da awareness, a formação continuada e

livre de Gestalt, onde aquilo que for o principal interesse e ocupação do organismo, do

relacionamento, do grupo ou da sociedade se torne gestalt, que venha para o primeiro

plano, e que possa ser integralmente experienciado e lidado (reconhecido, trabalhado,

selecionado, mudado ou jogado fora etc) para que então possa fundir-se com o

segundo plano (ser esquecido, ou assimilado e integrado) e deixar o primeiro plano

livre para a próxima gestalt relevante. (p. 31)

Pelo continuum de awareness, a pessoa pode atingir um grau de consciência

ampliada, desde que essa consciência seja energizada pela necessidade dominante. Declara

uma colaboradora:

A forma, a forma agora como eu estou vendo é diferente que eu via antes da

psicoterapia (...). Hoje quando eu estou dissimulando eu tenho consciência [risos],

que eu estou dissimulando (...). Hoje eu tenho consciência do que me incomoda, por

que está me incomodando, então é isso que eu acho que é diferente. A forma de ver

mesmo.
150

Identificar a figura (no caso do exemplo, a dissimulação) só é possível com o

conhecimento de si mesmo, da situação atual e de como a pessoa encontra-se nessa situação.

O contrário levará a uma consciência reduzida, no qual o processo de formação de Gestalt se

torna empobrecido e, portanto, dificulta o crescimento. Nessa perspectiva, a pessoa não

consegue hierarquizar e satisfazer suas necessidades, acumulando, assim, situações

inacabadas, o que caracteriza um funcionamento doentio (Cardella, 2002).

Intenciona-se que o cliente que participa de um processo psicoterapêutico cujo

objetivo é a awareness, possa perceber como está sendo impedido de realizar suas

necessidades, identificar o que tem dificultado ou bloqueado sua comunicação e expressão,

dar-se conta de relações e significações até então desconhecidas, e seja capaz de fechar

gestalten inacabadas, até então manifestadas de forma distorcida, processo vivenciado por

uma colaboradora:

Eu comecei a namorar (...). Eu tinha uma tendência muito grande a... a ser submissa

(...), a ser dependente dessa relação. E nesse lugar [o consultório] que eu consegui

ter, assim, um insight de que eu tinha que ter minha vida (...). A terapia me permitiu

(...) enxergar meu namorado, a vida dele como um todo, não só como namorado,

sabe? Enxergar ele como homem, enxergar ele como filho, enxergar ele como

profissional.

Awareness é um momento de iluminação, em que a pessoa se percebe como uma

totalidade em funcionamento e, somente então, se vê como possível. É o que revela uma

colaboradora: “E nesse momento, quando eu percebi que eu não era tão cruel assim, que eu

tinha esse outro lado e foi aí que eu comecei a conseguir ser eu mesma lá fora”. A clareza

acerca de quem se é, do que deseja, das possibilidades e limitações, oferece ao cliente a


151

sensação de estar mais forte para mudar. Nesse momento, a Gestalt-terapia, segundo Beisser

(1980), é apoiada pela teoria paradoxal da mudança. O autor aponta que mudar é se tornar

exatamente o que se é.

4.2.3.3 Mudança paradoxal

Beisser (1980) afirma que, na Gestalt-terapia, o terapeuta deve reconhecer, aceitar,

identificar e entender como e onde o cliente está. Esse lugar, para ser alcançado, não deve ser

entendido como algo indesejável, mas simplesmente conhecido. Jacobs (1978, 1997) e Yontef

(1998) corroboram com esse pensamento ao enfatizarem que o terapeuta não deve desejar

mudar o cliente, mas compreender sua existência, pois a mudança só pode ocorrer com a

awareness suportiva do que é.

“A awareness se desenvolve quando a pessoa investe na experiência atual, sem

exigências para mudá-la e sem julgamentos de que não deveria ser o que é”, afirma Jacobs

(1997, p. 77). Caso contrário, a pessoa repetiria a experiência habitual de satisfazer as

expectativas do outro. Beisser (1980) defende que a pessoa muda quando ela investe seu

esforço para ser o que é. O paradoxo é que quanto mais alguém tentar ser quem não é, mais

irá permanecer o mesmo.

A dificuldade em ser quem se é advém de cobranças, inicialmente externas, que

levam as pessoas a introjetar idéias e comportamentos, e elas passam a assumir vários

deverias em suas vidas, em nome de ser amado e admirado a qualquer preço. O depoimento

de uma entrevistada é esclarecedor:

Eu quase entrava em pânico quando tinha que falar em público (...). Teve esse ganho

de estar falando em público, de estar pondo minha opinião, até de fazer graça,
152

perguntar quando tem dúvida e não ter vergonha, se o outro está achando se é uma

dúvida banal.

Os deverias sabotam as pessoas, à medida que elas tentam ser quem na verdade não

são, e por isso mesmo, não conseguem plenamente assumir a imagem que projetam para elas

mesmas, além de se distanciarem do que realmente são.

Ribeiro (2006) entende que “o paradoxo nos remete a lugares muito negados, porque

muito desejados, mas sentidos como impossíveis (...). Na mudança paradoxal, recuperamos

partes que pareciam estar fora do campo de ação da pessoa” (p. 149, grifos nossos). É

preciso ter coragem de correr o risco e ser de verdade, o que foi constatado por um

entrevistado:

Eu sempre me ouvi muito mal, eu sempre tive vergonha do meu jeito de falar, eu

sempre tive vergonha da minha voz, eu sempre fugia dessas situações (...). E foi a

primeira entrevista [o colaborador é jornalista] que eu não fugi (...). Então, assim,

mudou, minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não. Mas o meu jeito de me

ouvir, o meu entendimento sobre isso, mudou. Então, o processo me ajudou a não

ficar fugindo. E me proibindo de algumas coisas, me furtando de experimentar

algumas coisas, de vivenciar algumas experiências.

Yontef (1998) assegura que “a metodologia predominante da Gestalt-terapia é

centrada na teoria paradoxal da mudança, que significa estar em contato com o que é, com

que somos, permitindo que o crescimento se desenvolva naturalmente” (p. 124, grifos

nossos). Uma colaboradora salienta: “E ir aceitando aos poucos o que a vida me oferecia,

olhando para o que eu tinha. Então, eu acho que a psicoterapia foi fundamental nisso, mas
153

primeiro eu tive que ver”. Yontef (1998) explicita que a Gestalt-terapia acredita em mudanças

naturais e espontâneas por meio do contato e da awareness que abrange aceitação, escolha e

responsabilidade. Essas atitudes levam a pessoa ao crescimento.

Existem dois axiomas, segundo Polster e Polster (1979), na Gestalt-terapia e que

tiveram sustentação na teoria paradoxal da mudança de Beisser: “O que é, é” e “Uma coisa

leva à outra” (grifos nossos). Uma comparação é feita por um cliente:

É como colocar aparelho nos dentes (...); você vai sofrer, tem hora que você vai

querer arrancar tudo (...), mas, depois você vai dar um sorriso no espelho e fala: –

“Nossa, graças ao aparelho o meu sorriso está melhor”. É isso, assim, o meu sorriso

ficou muito melhor com a terapia.

O gestalt-terapeuta tenta, com o cliente, descobrir quem ele é naquele aqui-agora, o

quanto ele se distanciou de suas verdades existenciais e busca integrá-lo em sua totalidade,

e esse processo é percebido pela cliente:

Eu não queria aquela mãe, eu não queria aquele pai, não queria aquela situação, não

queria (...). A psicoterapia me ajudou a ir vendo (...) quem eu era e que eu tinha que

dar valor (...), que não era ruim como eu achava... Então, acho que foi importante...

até para começar a entender o lado do meu pai, da minha mãe.

O cliente também é responsável por ter aceitado ser o que lhe fora proposto pelo outro

ou pelo mundo, provavelmente por ter sido, muitas vezes, a única possibilidade vislumbrada.

A estratégia do terapeuta é a de encorajar e insistir para que o cliente assuma o que é: “A

mudança pode ocorrer quando o paciente abandona, ao menos naquele momento, o que
154

gostaria de se tornar, e tenta ser o que é” (Yontef, 1998, p. 220). Essa atitude o deixa mais

equilibrado e mais próximo de se auto-regular, pois passa a responder de acordo com suas

reais necessidades.

4.2.3.4 Auto-regulação

A auto-regulação – muitas vezes chamada de homeostase – é um processo em

constante renovação, no qual o organismo satisfaz suas necessidades em busca de um

equilíbrio dinâmico. A dinamicidade, fruto de um constante equilibrar-se e desequilibrar-se,

decorre do surgimento de novas necessidades que aparecem à medida que o organismo

responde à necessidade atual. Uma cliente declara: “Com o passar do tempo, com a aceitação

e a admiração que passei a ver as pessoas no grupo, me influenciou a ver, na terapia

individual, a questão da minha família, de ir aceitando ainda mais a família e me

relacionando muito melhor”.

Aquilo de que o organismo necessita surge como figura que, em dado momento é

satisfeita e, assim, restabelece seu estado de equilíbrio. Essa auto-regulação, segundo Robine

(2006), é sã e espontânea, já a neurose é a interrupção ou a distorção do processo saudável.

Perls et al. (1997) reiteram que a experiência neurótica é também auto-reguladora, apesar de

não ter consciência da necessidade dominante ou de não saber utilizar a função de contato

adequada à satisfação da figura. Perls (1988) assegura que

uma vez que as necessidades são muitas e cada necessidade perturba o equilíbrio, o

processo homeostático perdura o tempo todo. Toda vida é caracterizada pelo jogo

contínuo de estabilidade e desequilíbrio no organismo. Quando o processo

homeostático falha em alguma escala, quando o organismo se mantém num estado de


155

desequilíbrio por muito tempo e é incapaz de satisfazer suas necessidades, está doente.

(p. 20)

Por meio da organização das necessidades, os indivíduos regulam-se de forma

ordenada e significativa. O indivíduo organismicamente auto-regulador absorve o que é

nutritivo e rejeita o que é maléfico, ao passo que no indivíduo não saudável inexiste o

processo de assimilação. As introjeções enrijecem o comportamento e prejudicam a percepção

da necessidade presente, inibindo o crescimento. Yontef (1998) acrescenta que o introjetor se

alimenta da regulação deverística que se baseia em deverias introjetados, nem sempre

conectados às necessidades organísmicas e de prioridades internas. Deverias são entidades

fixas e inflexíveis.

A terapia deve ajudar o cliente a analisar o que lhe está sendo proposto, verificar o que

ele acredita e rejeitar o que não lhe serve, o que só é possível se o cliente integra as

reivindicações internas e externas, como o fez uma entrevistada: “Hoje eu penso assim:

trabalhar seis horas no banco [risos] para garantir o pão e atuar na Psicologia (...), que eu

vou fazer por amor, por prazer, por gostar e isso não tem dinheiro que paga. Essa é minha

idéia hoje”. A fé do terapeuta na auto-regulação organísmica permite-lhe ficar com o cliente e

aceitá-lo em seu estado atual e confirmar o seu vir a ser, o seu tornar-se (Yontef, 1998).

Para satisfazer suas necessidades, a pessoa deve buscar os suplementos necessários no

meio. Polster e Polster (1979) afirmam que a consciência de necessidades é uma função

orientadora, ou seja, a pessoa precisa saber o que quer antes de ser gratificada, senão o prêmio

perde o sentido. Assim, o terapeuta tem a tarefa de ajudar o cliente a reconhecer suas

vontades, como descreve uma cliente:


156

Na minha área profissional eu também revi toda a minha profissão atual e consegui

atitudes para ir atrás de uma outra profissão que eu gosto (...). Psicologia (...). Eu

tive esse apoio em você, de realmente avançar. Avançar e fazer. Foram 15 anos com

vontade de fazer.

Com a emergência de um desejo claramente definido, a energia do cliente pode ser

direcionada com eficiência e, dessa forma, aumenta a probabilidade de sua satisfação.

Ribeiro (2006) pondera que nenhum ser se auto-regula sozinho ou com base nele

mesmo, pois todos os seres se auto-regulam no mundo e com base nele. A esse respeito,

um entrevistado relata:

Então, não dava para preencher aquele espaço [da presença do pai] porque o tempo

já tinha passado, mas dava para experimentar uma situação nova, dava para ter ele

do meu lado. Então, não era ficar preso num vazio é..., mas era saber que eu poderia

ter ele de uma outra forma, mais velho, com as limitações, não soltando pipa comigo,

mas (...) tomando cerveja comigo.

O autor esclarece:

Auto-regular-se significa respeitar a totalidade funcional do organismo, significa

olhar-se e comportar-se como um todo organizado e eficiente, significa privilegiar as

necessidades que gritam dentro de nós para ser saciadas ou satisfeitas, significa olhar-

se como uma pessoa inteira no mundo, significa amar o corpo como a casa que

habitamos, significa prestar atenção aos infinitos pedidos de socorro que o corpo emite
157

e pensar que o alimento pode ser encontrado, sempre, dentro da própria pessoa, sem

perder seu aspecto relacional com o mundo. (Ribeiro, 2006, p. 56)

Quando a pessoa se auto-regula a figura recua e, assim, abre a possibilidade de

emergir nova figura (sempre relacionada a um fundo), na busca de ser satisfeita.

4.2.3.5 Figura-fundo

A noção de figura-fundo é um dos conceitos que a Gestalt-terapia toma de empréstimo

dos trabalhos dos gestaltistas alemães. Na perspectiva gestaltista (em especial com base nos

trabalhos de Wertheimer), as propriedades das partes dependem de sua relação com o todo. A

noção de figura-fundo foi cunhada por Edgar Rubin, e ele afirmou que, da configuração total

da percepção, se destaca um estímulo (figura), ao passo que outra parte recua (fundo) (Penna,

2000).

Na prática, a figura não existe destacada do fundo, pois o fundo permite a emersão da

figura – é o momento dialético da Gestalt. Em outras palavras – em uma perspectiva relativa

ao gestaltismo – a figura está no todo, ou seja, figura e fundo formam uma unidade (Ribeiro,

1985; Loffredo, 1994).

Quando a pessoa se depara com várias necessidades simultâneas a serem satisfeitas, o

equilíbrio só poderá acontecer se, antes de qualquer coisa, for eleita uma necessidade, que é a

figura. Ribeiro (1985) e Robine (2006) enfatizam que a figura não é uma parte isolada do

fundo, ela existe nele. Uma colaboradora descreve a percepção que tinha do filho: “Eu

achava que ele ia sofrer com as mesmas coisas que eu sofri, ele era baixinho, muito magrinho

(...). Eu achei que ele ia viver tudo que eu vivi. Porque eu sou baixinha também”. O fundo

revela a figura e permite o surgimento da figura, ou seja, a figura que se constitui no campo
158

não pode ser considerada independente de seu contexto. Deve-se observar, sobretudo, a

relação entre ambos e, portanto, os fatores que levaram à elaboração dessa dominância.

Robine (2006) postula que a dominância está diretamente ligada à auto-regulação do

organismo, pois a figura é conseqüência da hierarquização, tanto da saúde quanto da doença.

A hierarquização organiza o comportamento, para privilegiar as Gestalten abertas, aquelas

situações ainda inacabadas. Ribeiro (2006) entende que esses conceitos estão ligados à

questão da percepção e da intencionalidade, pois

não captamos o que vemos e percebemos como necessariamente o que vemos e

percebemos (...). Esses conceitos, portanto, têm relação tanto com o que percebo

quanto com o modo como percebo (...). Figura e fundo formam uma relação de

complementaridade (...), um não pode ser concebido sem o outro – embora, do ponto

de vista da percepção, eu vejo uma parte (...). Um é ocasião para que o outro emerja de

uma totalidade circunstante. (pp. 122-123)

A qualidade do processo figura-fundo determina a qualidade da consciência de uma

pessoa e de sua auto-regulação, pois sinaliza o que é emergente para a pessoa. Se a figura

fenomenológica da pessoa não é nítida, seu sentido de significado também será reduzido

(Yontef, 1998). O processo de formação de figura-fundo é um processo dinâmico, no qual as

urgências e os recursos do campo interagem. Uma entrevistada revela:

Hoje, até os pensamentos estão mais flexíveis, ora estou pensando na doença, ora eu

estou pensando no meu filho, ora estou pensando em sair [risos], ora eu estou

pensando... Antes eu era muito obcecada. Eu era meio obsessiva assim. Eu fui
159

obcecada com o problema do meu filho, não saía da cabeça, eu ficava obcecada com

a doença.

Quanto mais saudável a pessoa e mais nítida a necessidade, maior a probabilidade dela

alcançar o que lhe falta.

No entanto, quando a figura é opaca e sem energia, quando é uma Gestalt débil,

segundo Perls et al. (1997), o contato fica empobrecido, “algo no ambiente está obliterado,

alguma necessidade orgânica vital não está sendo expressa; a pessoa não está ‘toda aí’, isto é,

seu campo total não pode emprestar sua urgência e recursos para o completamento da figura”

(pp. 45-46, grifo do autor). Uma cliente descreve como superou essa fase: “Só que foi

despertado e eu fui resgatando esse lado [mais jovem], um lado que era meu e que estava

escondido, abafado, não estava sendo vivido”.

Além de figuras opacas e desenergizadas, existem as figuras cristalizadas. Tanto umas

quanto as outras precisam ser reavaliadas pelo terapeuta e pelo cliente. Muitas vezes a figura

opaca acaba não tendo o espaço ideal para ir em direção à solução, e a figura cristalizada

fica tão aumentada no campo que o cliente perde a noção de suas outras áreas ou recursos,

como declara uma colaboradora: “Tinha 34 anos e já queria me aposentar, não trabalhar

mais, deixar de fazer coisas que não estavam compatíveis com a minha idade (...). Eu fui

vendo na psicoterapia que eu tinha outros lados”.

Uma das qualidades mais importantes de uma Gestalt é a necessidade que ela possui

de completar-se, nem sempre de maneira ideal, mas da melhor forma possível naquele

momento. Esse movimento é conhecido como formação e destruição de figuras. Uma

cliente constata:
160

Outra questão que a terapia me ajudou foi a forma de ver a ex-mulher do meu marido

que eu tinha uma birra, uma coisa (...). E eu fui vendo que não é assim, ela é uma

pessoa tem lá suas qualidades, seus defeitos, assim como eu também.

Ribeiro (2006) propõe a troca dessa terminologia para formação e transformação de

figura, pois essa expressão enfatiza a dinâmica processual tanto da figura quanto do fundo,

sempre abertos para o surgimento de uma nova forma, visto que nenhuma necessidade se

satisfaz plena e eternamente.

No consultório, o terapeuta deve atentar que a queixa do cliente nem sempre é a figura

que lhe causa dor e sofrimento. O terapeuta não deve ter um olhar ingênuo para a queixa do

cliente, mas perceber as suas verdadeiras necessidades. A declaração de uma cliente é

exemplo:

Precisava de uma psicoterapia porque eu tinha contraído diabetes [queixa inicial]

(...). E é interessante que parece que neguei muito tempo e não conseguia nem

aproximar (...). Parece que eu tinha assim, meio que (...) inconsciente (...) que a coisa

é ali (...) naquela relação marido e mulher, de mãe com o filho, parece que ali é que

estava o problema [eixo temático do processo psicoterapêutico].

Quando a pessoa percebe suas verdadeiras necessidades, é mais fácil satisfazê-las da

melhor forma possível. Trata-se do ajustamento criativo.

4.2.3.6 Ajustamento criativo

O ajustamento criativo é o processo que leva as necessidades do organismo e os

estímulos do ambiente a interagirem. Uma colaboradora descreve:


161

Tinha coisas que acontecia no grupo que eu nunca tinha visto em mim, aí eu via no

outro e percebia que estava vendo no outro uma coisa que era minha. Às vezes, vinha

mexer em coisas que eu nem imaginava (...). Eram coisas que estavam sumidas da

minha vida e que de repente uma pessoa toca naquele assunto que também parece

comigo e vai e desenrola.

A pessoa, ao sentir uma necessidade, busca resposta do ambiente. Ajustar-se

criativamente é optar por uma decisão que lhe pareça a melhor possível, para cumprir a

demanda organísmica que se tornou figura naquele momento (Perls et al., 1997; Yontef,

1998; Ribeiro, 2006; Robine, 2006).

De acordo com Perls et al. (1997) e Robine (2006), ajustamento e criação aparecem

como dois pólos complementares de um mesmo processo e são mutuamente necessários para

que se mantenha um equilíbrio saudável e dinâmico. O ajustamento, sem a criatividade, pode

levar a pessoa a acomodar-se aos padrões e às exigências do meio, pois, além de não integrar

nenhuma novidade do campo, não lhe resta outra opção a não ser a repetição neurótica.

Por outro lado, a criatividade destituída de ajustamento pode levar a pessoa a um

anarquismo desprovido de funcionalidade, pois não tem nenhuma raiz fincada na realidade

(Perls et al., 1997; Robine, 2006). “O ajustamento garante a dimensão do real e da adaptação,

a criação abre para a dimensão da fantasia e para a ampliação de possibilidades”, afirma

Robine (2006, p. 53). Assim, para Yontef (1998), a terapia que apenas ajuda o cliente a se

ajustar favorece o conformismo, e a terapia que favorece a interação criativa do cliente faz

que ele assuma a responsabilidade pelo equilíbrio ecológico entre self e seus arredores.

Ribeiro (2006), de forma poética, assevera que “não nos ajustamos criativamente

quando renunciamos à nossa liberdade, mas quando, embora não conseguindo caminhar,
162

tentamos fazê-lo – e esta tentativa é o caminho do meio, com todos os perigos que ele pode

envolver” (p. 131, grifos nossos). A esse respeito, o colaborador revela:

Eu não me jogo mais em uma situação em que eu sei que eu posso sair muito

machucado. Então, eu me preparo para ela e enfrento (...). Eu aprendi a relação do

tempo, não dá para você resolver tudo de uma vez (...). Essa noção de tempo, de

espera, de paciência que a terapia me ensinou (...) foi um dos melhores suportes de eu

tive (...). Eu me lembro que quando eu entrava em crise (...) eu fui dando tempo para

ver como as coisas iriam caminhar.

Os perigos, nem sempre tão reais, são vivenciados como conseqüência da novidade e

da variedade indefinida do ambiente (Perls et al., 1997). Os autores (1997) entendem que ante

a situação do desconhecido, o contato, por si só, já é o começo de uma transformação criativa

e a abertura para que haja assimilação e crescimento.

O funcionamento saudável na Gestalt-terapia compreende o ajustamento criativo.

Ciornai (1995) e Yontef (1998) defendem que o funcionamento saudável é aquele em que a

formação perceptual figura-fundo interage criativamente com seu meio ambiente, como

na situação descrita:

Porque a dor existiu, existe, não é? Não tem muito que alterar, mas a forma com que

a gente vê, lida com essa dor, a psicoterapia ajuda (...). Ressignificar a dor (...). Eu já

percebi momentos que eu senti e que depois vem o alívio.

Nesse intercâmbio, a pessoa atualiza e amplia seus recursos para responder às

dominâncias emergentes e utiliza suas funções de contato para avaliar e, apropriadamente,


163

estabelecer contatos enriquecedores, ou interrompê-los, quando tóxicos e intoleráveis. Saúde

é prevalência desse tipo de funcionamento.

No entanto, nem sempre o ajustamento criativo leva ao crescimento. Existem

ajustamentos criativos disfuncionais, mas que podem ser superados, como relata uma

cliente:

Eu era muito solta mesmo, no mundo, perdida e hoje eu me vejo mais presente no

mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma pessoa... sei lá, solta... não tinha assim

essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais presente no mundo. Eu me vejo mais

dentro do mundo, não é (...)? Hoje eu me sinto mais integrada ao que está

acontecendo ao redor, comigo mesma, me sinto mais segura.

Ciornai (1995) faz o contraponto entre estes dois modos de funcionamento da pessoa,

ao discorrer, também, sobre o funcionamento doentio. Neste modo de funcionar, observa-se a

formação de figuras mal definidas e desvitalizadas, uma percepção turva tanto da necessidade

quanto dos recursos que as pessoas poderiam buscar no ambiente. Assim, são figuras que

quase sempre não se completam e dificultam progressivamente os contatos criativos. (Yontef

1998; Ribeiro, 2006; Robine, 2006).

Na terapia, o terapeuta deve favorecer ao cliente estabelecer contato com suas

soluções já conhecidas, presentes e disponíveis a ele, e encontrar novas soluções à medida

que as necessidades forem surgindo, o que aconteceu com um colaborador:

Meu editor chefe chegou e falou assim: – “Marcos, você tem que criar (...), você

precisa ousar um pouco mais” (...). Um comentário desses antes me destruiria

completamente (...). E a única coisa era que assim, eu sabia que eu tinha aquilo que
164

ele estava me pedindo, mas eu só tinha medo, só tinha vergonha e aí eu comecei a

soltar. E é incrível, hoje quando eu assisto as minhas matérias, eu consigo ver

criação.

Para tanto, “o cliente precisa aprender a estar atento a suas necessidades imediatas,

tentar perceber o mundo como um parceiro, acreditar em suas possibilidades, aprender a

perceber que o risco da mudança vale a esperança de um viver mais prazeroso” (Ribeiro,

2006, p. 68). Isso só pode ser alcançado no aqui-agora.

4.2.3.7 Aqui-agora

A Gestalt-terapia, por ser uma abordagem fenomenológica, destaca o trabalho com a

experiência imediata – com ênfase ao presente – e, em conseqüência, salienta seu trabalho no

aqui-agora, como o faz um entrevistador:

Dá muita saudade! De relembrar [o processo psicoterapêutico], de vir, chorar, entrar

no carro e ir embora chorando, lá, lá, lá. Eu não sei se eu faria isso de novo. Não sei

se eu sairia e entraria no carro com esse choro. Porque esse choro, ele se encaixa

com aquele momento, e agora, é outro choro, é outra história (...). Eu aprendi a

relação do tempo.

Aqui (espaço)-agora (tempo) são duas realidades que se relacionam, mesmo porque,

de certa forma, uma constitui a outra. Ribeiro (2006) afirma que “tempo, espaço e sujeito

formam uma única realidade, vista de uma única perspectiva” (p. 70).

O presente é uma movimentação permanente entre passado e futuro, e somente no

agora a pessoa consegue contatar memórias ou expectativas e, dessa forma, dar-se conta de
165

todas as suas escolhas. Experiências de alguns minutos, dias, anos ou décadas atrás, que têm

importância presente, são abordadas no processo psicoterapêutico, assim como o futuro deve

ser destacado se ele está presente nos processos atuais (Yontef, 1998).

Polster e Polster (1979) asseveram que só o presente existe agora, e que qualquer

desvio dele confunde a qualidade viva da realidade. A Gestalt-terapia reconhece os atos de

relembrar e de planejar como funções presentes, apesar de referirem-se ao passado e ao

futuro. Comportar-se como se estivesse realmente no passado ou no futuro, como fazem

muitas pessoas, polui as possibilidades vivas da existência. Uma entrevistada constata:

Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava louca de pensar no futuro e

vivia muita coisa do passado. A psicoterapia me ajudou demais nesse aspecto, de

resolver algumas coisas do passado que ficavam martelando na cabeça (...). Não vivia

o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa ansiedade toda,

não é? E eu passei a olhar (...) no aqui e agora, de ver o que pode ser vivido agora.

Somente no presente podem funcionar os sistemas sensorial e motor do indivíduo.

Perls (1988) assinala que a terapia bem-sucedida deve levar “o cliente a cuidar de

seus problemas passados, não resolvidos até o fim, porque estes finais são capazes de

causar problemas na atualidade” (p. 76, grifos nossos). Acerca do relacionamento com o pai,

uma cliente comenta:

Antes da psicoterapia eu tinha um sentimento de distância, de raiva do meu pai (...).

Na psicoterapia fui vendo que era um sentimento que não era o meu, de filha (...).

Hoje eu olho para o meu pai de uma forma (...) que ele faz parte da minha vida e eu

aceito ele do jeito que ele é.


166

A pessoa não resolve uma situação do passado re-narrando a cena, mas revivendo-a e

tendo a chance de atualizá-la, pois, se seus problemas passados fossem realmente passados,

não seriam mais problemas (seriam lembranças, reminiscências) e, certamente, não seriam

atuais.

4.2.3.8 Diálogo

A relação entre terapeuta e cliente é o aspecto, segundo Binswanger (1970), Jacobs

(1978, 1997), Buber (1979, 1982), Friedman (1985, 2002), Hycner (1995), Yontef (1998),

Ribeiro (2006) entre outros, mais importante da psicoterapia. A esse respeito, uma cliente

assinala: “A gente não consegue às vezes compartilhar com pessoas até de casa, de família,

não é? E consegue com uma psicoterapeuta (...) de fazer um momento de realmente de fala,

de escuta, de reflexão”. O diálogo existencial é uma parte essencial da metodologia da

Gestalt-terapia, e esse princípio justifica a disponibilidade do gestalt-terapeuta trabalhar

engajando-se em um diálogo, em vez de manipular o cliente em direção a um objeto

terapêutico. O contato terapêutico é marcado por respeito, aceitação, cuidado, compromisso

com a tarefa, autenticidade e, sobretudo, pelo diálogo.

O diálogo refere-se a uma interação específica entre pessoas, na qual há o desejo de

encontrar genuinamente o outro, portanto, a atitude da pessoa é falar-ao-outro, e não

simplesmente falar voltada para o outro (Amatuzzi, 1989; Hycner, 1995). A importância do

diálogo é percebida pelo colaborador: “Eu tive coragem de chegar pro meu pai depois e

conversar com ele sobre isso. E dizer o quanto que aquele momento tinha sido importante”.

Para Ribeiro (2006, pp. 105-106), diálogo

é entregar minha palavra para o outro e receber a dele, sabendo que a única coisa que

torna duas pessoas iguais é a aceitação da diferença existente na presença viva de


167

ambas (...). Diálogo não é aceitar ou negar a palavra do outro, dialogar é aceitar que o

outro tem o direito de ser diferente de mim (...). Diálogo é encontrar e encontrar-se.

O diálogo é uma forma de contato do interhumano e ocorre, sobretudo, quando os

interlocutores têm a sensação de estarem inteiros no que dizem, ou fazem, ou até mesmo

deixam de fazer, e quando existe a intenção de estabelecer uma relação mútua e viva entre

ambos. Como relata um cliente:

Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela como eu

me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela fez. Mas eu

aprendi isso e eu exercitei isso muito tempo no meu processo terapêutico, que era

dizer como eu estava me sentindo diante de uma determinada situação. E (...), como

isso funciona!

A inteireza de uma pessoa clama pela inteireza da outra, da mesma forma que

aparência fomenta aparência.

A Gestalt-terapia acredita que o homem adoece quando o diálogo é interrompido,

quando as pessoas perdem a habilidade em se comunicarem, quando o diálogo cede lugar aos

monólogos disfarçados de diálogo (Buber, 1982), quando o diálogo se torna eminentemente

técnico, enfim, quando deixa de haver interesse real ou preocupação com a alteridade da

outra pessoa (Hycner, 1995; Jacobs, 1978, 1997; Yontef, 1998). Para um entrevistado,

consiste em

saber lidar com o que eu tenho de volta, que às vezes não é fácil. Então, assim, é

maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o que você
168

vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me ensinou a lidar com

isso que vem.

Como já descrito anteriormente, é possível definir Gestalt-terapia como terapia do

contato, e não se pode conceber o contato sem o diálogo e vice-versa. No entanto, o diálogo

na terapia tem uma característica especial, visto que, na relação terapêutica, a atitude

dialógica do terapeuta precede a do cliente, não busca reciprocidade e não há a exigência da

troca.

É nesse sentido prático que a Gestalt-terapia pode ser definida como uma terapia

dialógica, isto é, uma terapia que faz do diálogo seu principal instrumento de trabalho

(Hycner, 1995; Jacobs, 1978, 1997; Yontef, 1998; Ribeiro, 2006). Alguns elementos do

interhumano são pré-requisitos para o relacionamento dialógico: a presença, a inclusão, a

comunicação genuína e a confirmação.

O primeiro elemento do interhumano a ser discutido é a presença. Ribeiro (2006)

entende que presença é

olhar para mim e me sentir vivo (...), é perceber que o que é meu está em mim, que

não tenho nada emprestado e não existem pedaços meus fora de mim agindo em meu

nome (...). A sensação de estar presente em si mesmo acontece quando se tem uma

profunda consciência da própria totalidade, uma sensação de inteireza. (p. 164)

A presença é o elemento básico do diálogo. É estar-com (si mesmo, o outro e o

mundo), em uma relação sem que nada de externo se interponha à pessoa, naquele momento.

Segundo Petrelli (1999), “não temos tutores, não temos leis, não temos normas, mas apenas o

imperativo da nossa consciência perante o apelo de um Outro, de um evento” (p. 28). A


169

presença é uma categoria a priori da existência, pois a presença não se realiza por um apenas

ser dado a existir, como coisa, mas se qualifica, de acordo com Minkowski, pela consciência

intencional dirigida eticamente (Petrelli, comunicação pessoal, 15 dez. 2006).

Para tanto, a pessoa precisa estar inteira, plena, absolutamente envolvida com a

realidade e livre da pretensão de influenciar o outro para que a veja de acordo com sua auto-

imagem. Um cliente declara:

É extremamente prazeroso ver irradiando (...). E não fechar o olho quando vê de

volta, sabe? Então, assim, é me mostrar, sem medo de me mostrar, e conseguir olhar

para as pessoas e ver que elas gostam de mim. E ver que elas admiram algumas

coisas, que elas são ponderadas com outras, que elas não gostam de outras. Mas

olhar e falar: – “Gente, isso tudo sou eu”!

Já a aparência distancia a pessoa de sua realidade, que perde, assim, a habilidade de

respeitar seu self verdadeiro, privilegiando um falso self. Buber (1982) esclarece que “a

verdadeira problemática no âmbito do inter-humano é a dualidade do ser e do parecer” (p.

141, grifos nossos). Uma entrevistada constata:

Uma coisa que eu aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o que eu

realmente queria mostrar, nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o que eu

realmente sou? Eu olho isso sempre, justamente para fugir da hipocrisia. Cada dia eu

gosto menos da pessoa mostrar uma coisa que ela não é (...). Eu fiz isso muito tempo,

vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer uma coisa, um mundo, uma

postura que não era a minha, que não era eu, não tinha aquilo ali para dar (...). Era

uma capa.
170

A pessoa opta por um desses modos de existência. A escolha da imagem torna o

contato empobrecido e, em decorrência, a pessoa afasta-se de si mesma e do outro. A escolha

pelo ser deixa o homem próximo dele mesmo e com possibilidades de chamar a verdade ou o

outro.

A presença é uma qualidade fundamental no processo terapêutico. Clinicamente, a

presença do terapeuta deve preceder a presença do cliente, no entanto, a presença não deve

ser legislada, ela é. Segundo uma cliente: “Esse que é o momento mais interessante da

psicoterapia. É você sair do dia-a-dia e vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma

pessoa te escutando, não é? Eu acho que nisso você foi muito importante”.

Se o terapeuta não está presente em si mesmo, dificilmente poderá ajudar o cliente a

estar presente com ele, com o outro e com o mundo. A presença do terapeuta, ou seja, a

disponibilidade de ser tocado e mobilizado, evoca a presença do cliente.

A Gestalt-terapia postula um encontro real de pessoas. Por isso, é importante a

presença do terapeuta tanto nas situações de potência, quanto nos momentos de impotência

(Hycner, 1995; Jacobs, 1978, 1997). O terapeuta, presente, responde ao cliente com toda sua

verdade, mesmo que signifique dizer ao cliente algo difícil de falar, ou, ainda, que não tenha o

que dizer.

Buber (1982) afirma que “qualquer que seja em outros campos o sentido da palavra

‘verdade’, no campo do inter-humano ela significa que os homens se comunicam uns-com-os-

outros tal como são. Não importa que um diga ao outro tudo que lhe ocorre” (p. 143, grifos do

autor). Para Yontef (1998), essa presença é confirmadora, no entanto, às vezes é erroneamente

considerada como não-aceitação ou, até mesmo, como uma rejeição do cliente.

O terapeuta deve estar disposto a envolver-se e a dizer o que é relevante para a tarefa

terapêutica, desde o silêncio à comunicação de algo pessoal – importante para facilitar o


171

acesso do cliente ao seu senso de pertencimento. No entanto, a presença autêntica do

terapeuta não é uma licença para o comportamento impulsivo. Ele deve estar atento, e ser

capaz de perceber, por exemplo, se sua intervenção é pertinente àquele momento. Jacobs

(1997) enfatiza a posição de Laura Perls, ao escrever que a comunicação da awareness do

terapeuta é feita para ajudar o cliente a dar o próximo passo, mesmo que ele não seja uma

certeza.

A comunicação do terapeuta para o cliente deve ser genuína e constitui o segundo

elemento importante em um diálogo. Buber (1982) enfatiza que o “principal pressuposto para

o surgimento de uma conversação genuína é que cada um veja seu parceiro como este

homem, como precisamente este homem é” (p. 146).

Quanto mais o terapeuta puder aproximar-se da experiência vivida do cliente, maior

sua chance de alcançá-lo em sua totalidade. Uma cliente constata:

Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança mesmo, não

é? Se está me fazendo bem, se está me fazendo mal. O que me aproxima, o que me

afasta (...). Sempre foi um conflito: – “O que eu posso fazer, o que eu tenho que fazer,

o que eu quero fazer”.

Para tanto, o terapeuta deve tentar ver o mundo do cliente pelos olhos dele. A atitude

do terapeuta de colocar-se na pele do cliente é chamado de inclusão, terceiro elemento do

diálogo. Yontef (1998) define inclusão como “posicionar-se, tanto quanto possível, na

experiência do outro, sem julgar, analisar ou interpretar, e simultaneamente resguardar o

sentido de sua própria presença distinta” (p. 19).

O terapeuta deve colocar-se na experiência do cliente a fim de obter uma concreta

imaginação da realidade do mesmo e, ao mesmo tempo, preservar sua auto-identidade. Só


172

assim o terapeuta saberá como o cliente está desejando, sentindo, percebendo e pensando.

Segundo Friedman (1985), imaginar o real é tornar o outro presente.

A inclusão é o terreno necessário para o encontro, e sua carência provoca uma

interrupção da relação dialógica. Uma colaboradora relata:

Toda história tem o outro lado, toda pessoa tem vários lados (...). No grupo eu

consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse feito

grupo. Por exemplo, consegui ouvir as razões de uma pessoa que era considerada

egoísta e entender seu egoísmo segundo seu ponto de vista e passar a nomear aquela

atitude de luta pelo que acredita (...). Aprendi no grupo que (...) as pessoas (...) tinham

uma história (...) que me fazia entender aquelas atitudes diante a vida (...). Aquilo que

me levou a ser aquilo que eu sou hoje, a minha história.

No momento da prática da inclusão, o cliente é apreendido e reconhecido em seu ser

total, sem julgamento, o que é percebido pela cliente: “É muito interessante essa questão

mesmo de a gente não julgar, não ter esse preconceito e assim, hoje eu consigo ficar mais

próxima do outro. Quando eu julgava eu afastava do outro”. O terapeuta deve honrar a

experiência fenomenológica do cliente, penetrar de maneira respeitosa no seu mundo, para

assim, validar uma realidade e um conjunto de dados diferentes. Um cliente relata: “A terapia

me ensinou o respeito comigo e o respeito com o outro. É isso! E aí quando você aprende a

respeitar, a se respeitar e a respeitar o outro, as coisas funcionam”.

Ao validar a experiência do cliente, o terapeuta o confirma, quarto elemento

importante para o diálogo. Friedmam (1985) define: “a verdadeira confirmação significa que

confirmo meu parceiro como sendo este ser que já existe, mesmo me contrapondo a ele como

a pessoa que sou” (p. 121, grifos nossos). A esse respeito, uma cliente assinala: “Eu acho
173

interessante esses feedbacks que ele me dá porque [risos] fica muito real as minhas mudanças

(...). Eu acho bom, e ele acha que eu acho ruim.”

A confirmação só é possível por meio da aceitação, da inclusão, da presença e da

comunicação – elementos que se interagem para que o diálogo autêntico aconteça. Aceitar e

confirmar não significam concordância, mas referem-se à validação da experiência do

cliente como única e singular, como se percebe no relato da cliente:

Um desses sentimentos [de satisfação] foi quanto a capacidade de entender o outro,

suas atitudes e escolhas, até aceitá-las, mesmo sem concordar com as mesmas.

Gostaria de ressaltar que o mais importante nesse processo, é, além de poder

entender e aceitar, é ter o direito, a capacidade, a liberdade e a tranqüilidade de não

precisar aceitá-las de acordo com minha própria individualidade e valores.

Buber (1982) aponta que a confirmação “não significa ainda, de forma alguma, uma

aprovação; mas, no que quer que seja que eu seja contrário ao outro, eu disse Sim à sua

pessoa, aceitando-o como parceiro” (p. 154).

4.3 O processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia

O processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia utiliza-se do Existencialismo e do

Humanismo (como visão de homem), da Fenomenologia (como método de trabalho), da

Filosofia do Diálogo de Martin Buber (como atitude) e das bases teóricas da Psicologia da

Gestalt, da Teoria de Campo e da Teoria Organísmica Holística (como seus principais

conceitos).
174

Neste item será discutida a relação terapêutica tanto individual quanto em grupo,

baseada nos contextos citados, e nas experiências dos colaboradores desta pesquisa – A

vivência do cliente no processo psicoterapêutico: um estudo fenomenológico na Gestalt-

terapia – que participaram dos dois procedimentos e relataram a vivência em ambos.

Usualmente, o cliente chega ao consultório com a queixa de que, sozinho, não tem

conseguido resolver seus problemas e inicia a psicoterapia com o desejo de que um

profissional o ajude nessa empreitada. O psicoterapeuta, por sua vez, recebe o cliente com a

intenção de entender sua queixa no do contexto em que ele vive. A atitude de contextualizar

advém da crença existencialista de que o ser humano é um ser de relação, e assim, sua

singularidade só pode ser compreendida no contexto relacional.

O homem precisa, necessariamente, de contato, de estar em relação-com-o-outro para

confirmar-se como humano (Buber, 1982; Friedman, 1985), por isso, a ênfase da Gestalt-

terapia à relação terapeuta-cliente, ao encontro e ao diálogo.

O encontro da pessoa consigo mesma e com o outro ocorre, de forma espontânea, em

diferentes momentos da interação homem-mundo, contudo, é intencionado no âmbito da

psicoterapia. O encontro é o ponto de partida e objetivo do trabalho psicoterapêutico que

enfatiza o continuum de awareness como ferramenta para a pessoa constituir-se, e então, co-

existir e con-viver em uma autêntica relação interpessoal.

A awareness não é possível sem o contato; e o contato é essencial na busca de sentido

na vida do cliente. A ausência de sentido sugere a perda de contato com o querer, a perda do

contato consigo mesmo e o temor do encontro com um outro ser humano. Ao mesmo tempo,

o cliente anseia por contato: para ser encontrado, ser reconhecido em sua singularidade, em

sua plenitude e vulnerabilidade. Friedman (1985) cita Hans Trüb que enfatiza que “mesmo no

retraimento mais profundo existe uma vaga inquietação da alma que anseia pelo encontro

genuíno com o outro” (p. 78).


175

O homem constrói-se com base em seus projetos, assumindo a responsabilidade que

ele tem por si mesmo e pelos demais. O contato – conceito básico da Gestalt – consigo

mesmo e com o mundo que o cerca, o ser tocado e perceber a interação da própria existência

com a existência do outro, torna o cliente cônscio dessa responsabilidade. A atitude com que

o homem se aproxima do outro é, também, a atitude com que se aproxima de si próprio, pois

encontrar o outro possibilita o encontro consigo mesmo e vice-versa.

Transformar o outro em objeto é transformar a si próprio em objeto. Zelar pelas

relações com envolvimento afetivo humaniza o homem. Pela qualidade da atitude de contato

com o mundo, a pessoa desenvolve-se e revela sua crença diante da vida. O seu modo de ser-

no-mundo fundamenta sua vida e suas relações.

A busca de sentido, vislumbrada pelo cliente dá-lhe a possibilidade de tornar-se

presente como pessoa que é. No processo psicoterapêutico, esta meta pode ser alcançada à

medida que o cliente vai se sentindo suportado, confirmado e legitimado, o que lhe possibilita

começar a se reconhecer, a se auto-apreciar, a se permitir experienciar, a se auto-suportar e,

então, conseguir mostrar-se genuinamente para o outro. Quando o cliente é confirmado em

suas verdades, ele se abre com maior facilidade para aproximar-se de si mesmo tal como ele

é.

Para Buber (1982), “não é fácil fazer-se confirmar no seu Ser pelos outros; aí a

aparência oferece a sua ajuda. A ela ceder é a verdadeira covardia do homem; resistir, sua

verdadeira coragem” (p. 144). Cummings, em um pensamento semelhante diz: “não ser

ninguém a não ser você mesmo, num mundo que faz todo o possível, noite e dia, para

transformá-lo em outra pessoa, significa travar a batalha mais dura que um homem pode

enfrentar e, jamais parar de lutar” (citado por Martins, 1995, p. 47). Na sociedade atual, há

uma força que atropela o homem impelindo-o a tornar-se igual e a perder o sentido de sua

vida.
176

Einstein questionou certa vez: "qual o sentido da vida humana?... O homem que

considera sem sentido sua vida é, não somente infeliz, mas, também, incapaz de lutar para

viver" (citado por Frankl, 1976, p. XVII). Muitos clientes sofrem, em razão de um sentimento

de profunda falta de sentido – chegam ao consultório como pessoas angustiadas por esse

motivo, o que os impossibilita viver com maior plenitude sua humanidade. Sentem um vazio

que os oprime e que lhes retira o sabor da vida. Talvez esse seja o grande mal do século.

A falta de sentido paralisa o cliente, a necessidade não emerge, a figura não se forma

claramente e, como conseqüência, ele perde a capacidade de se auto-regular como um ser-no-

mundo. Martins e Bicudo (1983) ponderam que “como ser-no-mundo, o homem existe numa

situação de ambigüidade, isto é, ele é livre, mas é, também, circunstancial” (p. 42). Dentro

dos limites criados pela circunstancialidade, porém, o homem tem a possibilidade, a

capacidade e a aptidão para escolher.

Ser humano é estar em contínua situação de escolha, de correr riscos nessa escolha, de

assumir compromissos e de sofrer as conseqüências das escolhas feitas. Sem riscos não há

opções significativas para o homem e, sem elas, não há liberdade. É mediante a atitude de

assumir o risco da liberdade, e sua conseqüente responsabilidade para com o outro e com o

mundo que o homem supera e transcende a sua facticidade. Esta é a premissa da mudança

paradoxal – deixar-se ser.

A capacidade de ser livre e singular é fatalmente perdida no decorrer da vida,

fenômeno em que se deixa de lado quem se é e se passa a ser o que se espera que seja. O risco

de não ser aceito e até mesmo ser rejeitado leva a pessoa a uma atitude que a distancia de si

mesma para ser amada, mesmo que condicionalmente. Cardella (1994) sugere que a pessoa

abriga em si a crença subjacente de que a possibilidade de existir verdadeiramente e ser

amada incondicionalmente não são possíveis. Similarmente, Miller (1986) afirma que
177

só não percebemos que é um “amor” que exige provas de reciprocidade, que exige

renúncias, enfim, que exige. Por esta razão, diante de qualquer ameaça percebida,

vislumbrada, sentida ou pressentida, nós nos abandonamos, cedemos às pressões, às

manipulações, às chantagens emocionais e fazemos o que querem que façamos,

passamos a ser a criança bem dotada. (p. 41)

O contato forma a pessoa, mas também a deforma, à medida que exige obediência e

adequação em detrimento da sua expressão pessoal. A pessoa, em vista disso, na ânsia de ser

aceita e, por sua vez, protegida e amada se submete a tudo em busca da sobrevivência.

Atualmente, para sobreviver de modo digno, coeso e autêntico, é necessário resgatar a pessoa,

quem ela está sendo e como pode interagir de forma criativa. Quanto mais saudável se

encontra a pessoa, mais criativamente ela se ajusta ao meio. E é por isso que uma das tarefas

da psicoterapia é, com o cliente, olhar a forma com a qual ele tem lidado consigo mesmo e

com o mundo.

A psicoterapia tem um caráter libertador. A liberdade consiste em propiciar ao outro a

possibilidade de dispor mais facilmente de si, experimentar novas formas de ser, para não

ficar restrito a uma única forma de estar aí, o que causa sofrimento. Na busca de um sentido

em sua vida, na coragem de ser, de sentir o vivido, o cliente depara-se com a emergência de

novas figuras, com o surgimento de conteúdos muito íntimos, como o sofrimento, a angústia,

a ansiedade. A angústia e a ansiedade são estados afetivos presentes em todas as formas da

existência humana.

Esses conteúdos, mediados pelo trabalho psicoterapêutico, podem e devem ser vividos

intensamente, mudando-se, então, a maneira de percebê-los, descobrindo-se novas formas de

ser e aumentando a compreensão sobre a própria vida.


178

A prática clínica norteada pelo método fenomenológico tem o objetivo de ir às coisas

mesmas – vividas, sentidas e significadas – por intermédio da presença humana. Na busca do

que foi experienciado, visa-se o encontro mais próximo possível com o humano, com uma

pessoa exclusiva, específica e singular. Paradoxalmente, é mediante o encontro com esse

singular que a essência é acessada.

O encontro com o psicoterapeuta leva ao encontro da pessoa com sua própria vida.

Para tanto, é necessário o profissional estar a serviço de seu trabalho. Jacobs (1997, p. 101)

pondera que “estar a serviço de’ implica escuta profunda para ouvir o que não tem sido

escutado até agora, permitindo que o não-dito seja pronunciado, o oculto revelado, o invisível

tornado visível”. Essa atitude pode criar condições propiciadoras para o possível

desenvolvimento das potencialidades humanas e conquistar o cuidado de si mesmo à medida

que vai desvelando suas próprias possibilidades, o que é confirmado em uma metáfora acerca

da similaridade entre um terapeuta e um jardineiro, que Cytrynowicz (1978) descreve:

O terapeuta deve atuar como um jardineiro que cultiva uma planta. O jardineiro não

produz a planta como se produz um automóvel, não cria a terra nem a semente, nem

planeja os passos que devem ser seguidos pela planta para atingir a maturidade, florir

e frutificar. Ele somente cria melhores condições de solo, abriga a muda, quando

muito pequena, contra condições climáticas adversas, protege-a na medida do possível

contra insetos, livra-lhe a área de crescimento, para que ela não morra por falta de

espaço ou luz. Mas não é ele que a faz crescer. O crescimento da planta é dela própria.

Cabe a cada homem ser o guardião do próprio destino, cabe ao terapeuta,

constantemente, alertá-lo para esta tarefa. (pp. 23-24)


179

Em contrapartida, cabe ao cliente, conhecedor de si mesmo, no exercício de sua

liberdade, experimentar novas formas de ser, de utilizar seus sentidos internos e externos de

maneira que possa ser auto-responsável e auto-sustentado. A capacidade de integração

criativa, de olhar para a vida de uma forma curiosa, permite à pessoa experimentar novas

formas de ser com outro olhar.

A pessoa deve olhar para si mesma e para o mundo como nunca antes o fizera, uma

vez que, na busca de satisfazer as expectativas que percebia ou imaginava recaírem sobre sua

pessoa, esqueceu-se de olhar para si mesmo. O olhar sempre atualizado é ressaltado por

Yontef (1998) ao afirmar que as pessoas estão infinitamente refazendo-se ou descobrindo-se.

Nada é definitivo, e sempre há novos horizontes, novos problemas e novas oportunidades.

Ao alcançar o novo olhar, que com certeza teve a ajuda do terapeuta, o cliente torna-se

capaz de olhar e se relacionar com o outro de forma mais saudável e comprometida. O olhar

para si mesmo influencia o olhar direcionado ao outro e vice-versa. A terapia de grupo é um

facilitador a mais para que o cliente desenvolva sua capacidade de relacionar-se.

Um grupo psicoterapêutico torna-se a síntese de uma realidade maior, é uma micro-

representação social, em que são trabalhadas as interações interpessoais. É um espaço em que

se observa que a presença de uma pessoa muda a outra. Uma pessoa contribui para a criação

da outra, pois, a presença do outro ser humano por si só é impactante. É a influência inter-

humana no grupo, é a manifestação do diálogo, é a presença do encontro.

Se alguém procura um grupo psicoterapêutico, mais do que um lugar para dividir seus

conteúdos mais íntimos e desejos, mais do que escutar a história de outras pessoas, ele vai

intencionado a melhorar, a crescer, a des-cobrir seus fantasmas. Na maioria das vezes, ele

deixa o grupo com sentimentos nunca antes imaginados, como o de pertencimento, isto é,

quando o cliente percebe que sua dor não é só ele quem a tem, o de aceitar o outro, o de não
180

julgar. Nesse contexto, abre-se para ele a possibilidade de reconhecer outros caminhos a

serem seguidos.

À medida que o processo se dá, cada elemento do grupo precisa perceber-se e se

assumir como uma parte do todo que, eventualmente, se torna figura. Nesse momento,

começa a existir uma afirmação do eu como eu, isto é, de um eu único, autocentrado,

individualizado, incomparável, livre, autodeterminado. A unicidade não é afastamento, não é

egoísmo, mas é a forma de o homem mostrar-se irrepetível e insubstituível. Contudo, o eu só

é eu porque tem um mundo, um universo estruturado, um grupo ao qual ele pertence e do

qual, ao mesmo tempo, é separado.

Tillich (1976) afirma que “participação significa ‘tomar parte” (p. 69). Como ensina a

Psicologia da Gestalt, uma parte de um todo não é idêntica ao todo ao qual ela pertence, mas o

todo é o que é, com a parte. O grupo não seria o que é sem o eu individual. Ser uma parte

indica que a auto-afirmação, necessariamente, inclui a afirmação de si próprio como

participante. Gestalt é isso: a integração das partes em um todo significativo. Configurando-

se em uma determinada forma ou em um determinado sentido, serve sempre ao princípio

primordial de sobrevivência e evolução.

Quanto mais o ser tem autoconhecimento, mais ele é capaz de relacionar-se e de

participar. Quando ele se torna único, conhecedor de suas possibilidades, ele tem maiores

condições de interagir com o outro, sem se misturar. Ao mesmo tempo, a unicidade, como

mencionado, afirma-se mediante o grupo do qual participa. A singularidade é gerada na

interação com o outro. Um ser modifica-se na relação com outro ser. O interhumano cria o

ser.

Se o grupo é conduzido por um gestalt-terapeuta, há que se reforçar o poder do

diálogo, da influência mútua entre os participantes, pois essa forma de trabalho favorece o

suporte para a pessoa se auto-revelar, facilita a auto-expressão da individualidade, valoriza o


181

contato, a consciência e a experimentação. Por outro lado, contribui para que a pessoa preste

atenção e esteja aberta para a outra pessoa que está à sua frente, tornando-se mais próxima da

experiência da outra. Ao se aproximar da outra, aproxima-se de si mesma.

Nesse momento, o indivíduo é encorajado ao diálogo, cujo controle não lhe pertence.

A pessoa não sabe antecipadamente o que a sua fala pode provocar nela e na relação com o

outro. Segundo Yontef (1998), “qualquer encontro (...) envolve substância experimental, isto

é, descoberta. Em um encontro genuíno ambas as partes estão por acontecer e ninguém sabe o

resultado” (p. 92). O risco da existência, do mesmo modo que amedronta, fascina.

No ambiente de encontro, as pessoas vão se auto-regulando, se mostrando e

aprendendo a conviver em grupo, a aceitar-se e a respeitar o outro como ele é. A aceitação da

pessoa pelo outro possibilita-lhe a própria auto-aceitação. O momento em que a pessoa

começa a se mostrar realmente como é revela a emergência da mudança, desvela o que

Beisser (1980) chama de mudança paradoxal. Hycner (1985) corrobora com esse princípio,

ao enfatizar que

torno-me consciente dele, consciente de que ele é diferente, essencialmente diferente

de mim, de uma maneira única e definida que lhe é própria; e aceito a quem assim o

vejo, de forma que eu possa plenamente dirigir o que digo a ele, como pessoa que é.

(p. 79)

Ao sentir firmeza, suporte para expor-se na exposição do outro, a pessoa experimenta

expressar seus sentimentos, sua história, sua verdade, com base em uma atitude dialógica tão

esquecida nos dias atuais – a atitude de compromisso com ele próprio e com o outro, de co-

responsabilidade, de respeito, de inteireza. É um espaço em que a sinceridade, a clareza, a

assertividade, a verdade são a base da relação, e essas qualidades vão sendo alcançadas no
182

decorrer do grupo. Com o tempo, a comunicação vai se tornando mais espontânea, mais

madura, mais esclarecedora. Ribeiro (1994) assevera que “quando se limpa a comunicação,

ficam limpas as atitudes” (p. 170).

O interessante é que normalmente cada fato revelado ecoa nos demais elementos –

como na relação figura-fundo. Ao perceber-se sendo compreendida, que a sua história ecoa na

outra, que aquilo que acontece com ela não é só dela, que sua linguagem é comum e não

individual, a pessoa se integra no grupo, se percebe humana. O sentimento de pertencer é

muito importante para que o homem se mostre tal como é.

O eco existe porque, de alguma forma, a pessoa se identifica com aquela história, ora

por ser muito próxima da sua experiência, ora por ser polar à sua experiência. Ela experimenta

os sentimentos: “eu também já vivenciei isto”; “é isto mesmo”; “comigo é o contrário”. Todos

têm um pouco de tudo e tudo está um pouco em todos. O compartilhar da vivência é uma

experiência transformadora.

Cada pessoa do grupo é trabalhada, às vezes se pronunciando, às vezes ficando em

silêncio. Vendo a dor do outro, pode-se perceber a própria dor. É um momento em que as

pessoas se ouvem, se olham, se sentem. A pessoa vê-se espelhada em cada elemento do

grupo. Começa, nesse instante, a exercitar uma nova forma de interagir, o que tem grande

influência psicoterapêutica. Cada elemento do grupo vai, gradativamente, abandonando seus a

prioris e tentando ter uma relação direta, sem intermediários, com a outra pessoa. Ela

suspende as próprias crenças, para encontrar-se autenticamente com o outro.

No encontro, quando um acolhe o outro, se realiza a co-existência e surge o amor. O

amor é sempre uma abertura para o outro, uma con-vivência e uma comum-união com o outro.

Boff (1999) assegura que “não existimos, co-existimos, con-vivemos e co-mungamos com as

realidades mais imediatas” (p. 118). A pessoa sai na direção do outro, sente como o outro,

participa de sua existência, deixa-se tocar pela sua história de vida. Começa-se a aceitar o
183

outro e a si mesmo do jeito que se é, e o com-partilhar a diferença faz-se interessante. O

indivíduo liga-se ao outro afetivamente – o que eles criam passa a ser responsabilidade de

ambos, e simultaneamente eles se constroem.

Ribeiro (1994) esclarece:

O grupo se transforma num processo contínuo de cura, descobrindo, a cada momento,

sua capacidade auto-reguladora e equilibradora, seu movimento intrínseco para a

totalidade, funcionando como matriz de mudança, em que cada um de seus membros

colhe, na atmosfera grupal, força para soluções de seus conflitos, compreensão do

mistério do outro e garantia de que ninguém é e está só neste universo. (p. 150)

A cura ocorre não apenas pela metodologia da qual o psicoterapeuta lança mão, mas

especialmente pela natureza da interação entre os partícipes do grupo. O homem é, porém, um

ser de relação, e o encontro existencial entre duas ou mais pessoas tem o poder regulador da

sua humanidade. A psicoterapia individual – como o processo grupal, numa perspectiva

gestáltica – não é somente um espaço de acolhimento da individualidade, mas,

fundamentalmente, de construção da subjetividade.


184

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nenhuma época acumulou conhecimentos tão numerosos


e tão diversos sobre o homem como a nossa.
Nenhuma época conseguiu apresentar seu saber acerca
do homem sob uma forma que nos afete tanto.
Nenhuma época conseguiu tornar esse saber tão facilmente acessível.
Mas também nenhuma outra época soube menos o que é o homem.
Martin Heidegger

Após a leitura cuidadosa do trabalho, decidiu-se iniciar a discussão respondendo a

algumas das perguntas feitas ao longo do estudo. Em seguida, far-se-ão reflexões sobre os

resultados encontrados, destacando categorias encontradas nos depoimentos dos

colaboradores, estabelecendo comparações com outras pesquisas e apontando algumas

interrogações que ficaram em aberto por não fazerem parte deste estudo, mas que se

sobressaíram em algum momento e que podem ser aprofundados em outras pesquisas.

Vários pesquisadores poderiam discutir este trabalho, com o mesmo conjunto de dados

e de inúmeras maneiras, no entanto, a discussão fundamenta-se na Gestalt-terapia, na pesquisa

fenomenológica e no momento empírico, permeada pela experiência da

pesquisadora/terapeuta.

Cada linha psicoterapêutica apresenta uma maneira singular de agir com o cliente, e o

cliente de cada abordagem responde ao processo psicoterapêutico, de um modo específico.

Embora os colaboradores sejam pessoas com realidades bastante diferentes, com queixas e

dificuldades diversas, com vivências psicoterapêuticas díspares, todos chegaram a lugares

muito próximos, como pode ser confirmado nas categorias encontradas nos resultados.

Conhecer a vivência terapêutica dos colaboradores, o que será discutido a seguir,

auxiliou a entrevistadora a compreender o sentido do todo da pesquisa – primeiro e

fundamental passo do método utilizado. No entanto, a pesquisadora teve o cuidado de

suspender, não somente seus conhecimentos teóricos e sua crença na eficácia psicoterapêutica
185

para a maioria dos clientes e para os colaboradores em especial, mas, sobretudo, seus

conhecimentos acerca dos clientes/colaboradores. Apreender essas vivências segundo o olhar

do cliente é diferente e muito mais real do que ela própria imaginava.

A suspensão dos conhecimentos teóricos também foi facilitada pela opção de redigir a

parte teórica, referente à Gestalt-terapia, após encontrar os resultados e neles se baseados.

Assim, a pesquisadora conseguiu retirar a teoria de foco no momento empírico e buscar uma

informação singular, pois como já foi dito, “tomar o novo como uma nova forma de saber pré-

existente é castrá-lo no que tem de novidade” (González Rey, 2005, p. 18). Os conhecimentos

prévios que ficaram em suspenso, sobretudo no momento empírico, passam a integrar esta

discussão.

Neste espaço, abrem-se as possibilidades de a pesquisadora sair do parêntese e

integrar a vivência do cliente no processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia com sua

experiência como terapeuta e professora que faz uso dessa abordagem. Ela se sente

gratificada, ao perceber que os resultados confirmaram suas hipóteses, mesmo que suspensas

– a de que os colaboradores cresceram e se desenvolveram tanto em suas vidas pessoais

quanto relacionais – e, sobretudo, que as respostas têm o aval deles. O cliente/colaborador é

quem melhor sabe de sua experiência, tanto que a pesquisadora participou da pesquisa com o

intuito de aprender com quem vivenciou o fenômeno estudado.

O primeiro acontecimento que chamou a atenção neste estudo foi a seleção dos

colaboradores para a pesquisa. O propósito era encontrar clientes com mais de dois anos de

terapia na abordagem gestáltica, em uma clínica com grande fluxo de clientes. No entanto,

todos os clientes que se interessaram pela pesquisa foram, ou ainda são, clientes individuais

e/ou de grupo da pesquisadora, e tinham pelo menos seis anos de terapia.


186

Três aspectos destacaram-se: o vínculo terapêutico com a pesquisadora, o tempo de

terapia bem superior ao solicitado e os colaboradores terem participado de terapia individual e

de grupo.

O vínculo terapêutico preocupou inicialmente a pesquisadora, pois foram ventiladas

duas hipóteses. A primeira, se a proximidade da pesquisadora e seus colaboradores poderia

dificultar o processo: “Os colaboradores conseguirão deixar seus papéis de clientes e assumir

o papel de sujeitos na pesquisa”? “A pesquisadora conseguirá deixar seu papel de terapeuta e

assumir o papel de pesquisadora nas entrevistas”? A segunda hipótese, se o vínculo entre

ambos não criaria um viés na pesquisa: “Os colaboradores tenderão a responder aos desejos,

que eles supõem serem os da pesquisadora”?

Entretanto, ao contrário do que se supunha, percebeu-se que o vínculo prévio não

interferiu na pesquisa. A proximidade de ambos facilitou a entrevista em relação à liberdade

de os colaboradores falarem de seus conteúdos mais íntimos, vividos no processo

psicoterapêutico. Talvez seja esse o motivo de somente pessoas conhecidas da pesquisadora a

procurarem para participar da pesquisa, pois, falar sobre uma história pessoal para alguém

conhecido e que também conhece sua história é mais seguro.

Em relação à preocupação com possíveis respostas tendenciosas, verificou-se que a

inquietação inicial não tinha tanto fundamento. Percebeu-se que os colaboradores

responderam à solicitação com muita seriedade em relação aos propósitos da pesquisa e

tiveram interesse em contar como tinham sido suas vivências da maneira mais genuína

possível. A mesma atitude ética alcançada em seus processos psicoterapêuticos foi mostrada

em seus depoimentos: uma ação pela qual o homem tenta se esquivar dos interesses que

constituem a materialidade da vida e penetra em si mesmo para descobrir o verdadeiro sentido

de sua existência – pilar de uma história que lhe seja própria.


187

A reflexão sobre o tempo de psicoterapia dos colaboradores – muito maior do que o

solicitado – confirma que quanto maior for o tempo de psicoterapia, maior a facilidade em

expor sua história. Decorrido um certo tempo de psicoterapia, a pessoa consegue aproximar-

se de suas verdades, pois já vivenciou, entendeu e resolveu vários episódios que não estavam

claros para ela; já aceitou que alguns aspectos de suas vidas vão permanecer, o que lhe

possibilita conviver melhor ou mais conscientemente com eles.

Outra ponderação acerca do tempo de terapia dos colaboradores é que, se a pessoa

tem, como nesta pesquisa, pelo menos seis anos de terapia, já passou por um procedimento

similar, provavelmente bem-sucedido, o que facilita a exposição da experiência, como foi

relatado por uma das colaboradoras.

É interessante destacar também em relação ao tempo de terapia, que os três

colaboradores são clientes de convênios, o que torna a terapia bastante acessível. Sem a

pressão financeira, o cliente tende a permanecer em terapia enquanto lhe for conveniente.

A passagem dos colaboradores pelas terapias individuais e de grupo leva a algumas

reflexões. A primeira delas é que não se trata de uma mera coincidência. As psicoterapeutas

trabalham ambos os procedimentos, compartilhados por alguns de seus clientes, sobretudo

aqueles que têm mais tempo de terapia, como as pessoas que participaram deste estudo.

Embora não seja objetivo desta pesquisa diferenciar os dois modos de psicoterapia, foi

interessante perceber a forma como os clientes/colaboradores os vivenciaram, e como um

processo influencia o outro. Todos os participantes da pesquisa falaram, espontaneamente,

dessa influência e de suas diferenças, e um deles, acerca do processo psicoterapêutico de

grupo, afirmou: “Se eu pudesse comparar com alguma coisa, o grupo seria mais ou menos o

meu ritual de passagem para o mundo real”.

Os colaboradores destacaram que a grande diferença da terapia de grupo em relação à

individual é que ela ensina as pessoas a se relacionarem. No grupo, eles aprenderam a


188

respeitar o outro, a si mesmos e, sobretudo, viram que poderiam ser respeitados pelos outros,

e, dessa forma experimentavam, cada vez mais, a possibilidade de serem mais verdadeiros. Os

colaboradores apontaram que puderam ser reconhecidos e confirmados como pessoas

humanas, e aprenderam que as pessoas, por mais complicadas que sejam suas histórias, têm

algo interessante a revelar.

No grupo, eles puderam interessar-se verdadeiramente pelo outro. O efeito desse

interesse foi a crescente aproximação entre eles, que só foi possível quando aprenderam a se

colocar no lugar dos colegas de grupo. Compreenderam que toda história tem várias facetas e,

para percebê-las, é preciso olhá-la de outros ângulos. Esses discernimentos ajudaram-nos em

suas relações no grupo e fora dele, pois a maneira menos preconceituosa de olhar as pessoas

refletiu-se na aceitação do colega e na possibilidade de serem eles mesmos diante do outro.

Entende-se que, a partir desse momento, passaram a atuar no mundo de forma diferente.

Outro ganho importante da terapia de grupo relaciona-se com a expansão dos temas

trabalhados. Os colaboradores relataram que cresceram bastante ao ouvirem as histórias dos

colegas do grupo, disseram que entraram em lugares e temas nunca imaginados, e que

também eram seus, o que os ajudou a ampliarem sua consciência em relação a assuntos que

até então não eram tratados na psicoterapia individual. Dessa forma, percebe-se que um

procedimento acelera o outro.

Após essas ponderações iniciais, far-se-ão uma discussão geral dos resultados, visto

que cada categoria encontrada foi apresentada e discutida nos resultados (capítulo III).

Evidenciou-se, nos resultados obtidos, que os colaboradores buscaram a terapia em

momentos de desconforto e se apoiavam na idéia de que a terapia iria, milagrosamente, tirá-

los da zona de perigo ou dor. Essa expectativa, tão logo revista, ajudou-os a assumirem seus

processos terapêuticos de maneira menos fantasiosa, pois descobriram que cabia a eles, ao

lado de suas terapeutas, apreenderem o verdadeiro sentido de suas existências e adquirirem


189

autonomia para engajarem-se na via que julgassem adequada, sendo responsáveis por si

mesmos e pelo outro.

De uma maneira mais ampla, percebeu-se, nos resultados, que a grande contribuição

do processo psicoterapêutico consistiu em ajudar os colaboradores a descobrirem a realidade

vital de suas existências e abrirem os olhos para a situação concreta que eles estavam vivendo

e, assim, tornarem-se responsáveis por suas escolhas. Neste estudo, os colaboradores

descobriram o significado de suas existências e suas responsabilidades em relação a eles

mesmos, aos outros e ao mundo.

Não foi tarefa simples para os colaboradores entrarem em contato com crenças e

valores pessoais, ações necessárias que legitimam a existência, da mesma forma que não foi

fácil adotarem atitudes coerentes em relação às questões pessoais e universais. No entanto,

observou-se que a psicoterapia foi um campo propício para tal busca, pois os colaboradores

cresceram muito como seres humanos, ao aproximarem de si mesmos e dos outros. Para

assumirem um compromisso com a vida, foi preciso descobrirem o sentido da existência.

Fernandes (2005) define que existir é

primordialmente, ter que ser, ou seja, estar submetido à con-vocação de ser o que

somos, vale dizer, àquele apelo que atinge o âmago de cada um de nós, apelo que

conclama à coragem de ser, apelo para um vir-a-ser-si-mesmo no seu poder-ser mais

próprio. (pp. 145-146)

O sentido da existência foi uma busca constante dos colaboradores nos processos

psicoterapêuticos. No início do processo, eles não estavam satisfeitos com suas vidas e

terminaram por desenvolver alguns sintomas, tais como os apresentados nos relatos de suas

experiências: a angústia de não ser aceito, o sentimento de sua solidão e do outro, o


190

distanciamento do outro em virtude de julgamentos e de preconceitos, dentre outros. Ao

descobrirem seus valores e o que pretendiam para suas vidas, os colaboradores

desenvolveram sua capacidade de lidar com as requisições pessoais e as exigências externas

do mundo atual.

Assim, no contato com as pessoas de suas relações, os colaboradores puderam

repassar o que foi assimilado no encontro com as terapeutas e com os colegas de grupo. Trata-

se de alguns elementos considerados importantes e presentes em seus processos

psicoterapêuticos e eles perceberam que, agindo desse forma, as relações melhoravam, pois

nelas estavam presentes: respeito, aceitação, autenticidade, diálogo, confirmação, inclusão,

comunicação genuína, os bloqueios de contato melhor trabalhados, dentre outros. Os

colaboradores usaram muitos desses termos quando se referenciavam ao próximo, sobretudo,

ao relatarem suas vivências nos grupos psicoterapêuticos de que participaram.

Todos esses elementos fazem parte da atitude dialógica das terapeutas. Inicialmente,

tratava-se de uma atitude unilateral – somente das terapeutas – mas no decorrer da

psicoterapia, passou a ser também dos clientes. Os colaboradores desenvolveram a habilidade

de expressar-se e de resolverem suas questões com as pessoas abertamente. Perceberam que,

ao olhar para questões mal resolvidas, ou seja, para as gestalten inacabadas, tinham a chance

de ressignificá-las no aqui-agora. Entenderam que, em um diálogo, não se sabe o caminho a

ser percorrido, no entanto eles estavam mais preparados para entrarem nesse espaço

desconhecido e fascinante.

Com base nos resultados da pesquisa, verificou-se que os colaboradores atingiram, em

seus processos psicoterapêuticos, um nível ótimo de aprofundamento ao desvencilharem de

seus bloqueios e chegaram a uma ação ética, tema recorrente em sua fala. De acordo com

Petrelli (1999), na busca da verdade e da ética, a pessoa torna-se capaz de compreender a

idéia de missão existencial de cada ser humano, e então, assumir o compromisso de mostrar
191

sua verdade e sua humanidade. “Na ação ética acaba a terapia, pois o discípulo – o cliente –

vira mestre”, afirma o autor (p. 48). Dois dos três colaboradores já encerraram seus processos

psicoterapêuticos, e uma colaboradora está trabalhando sua alta.

Evidenciou-se nos relatos da pesquisa que as escolhas conscientes tornam os

colaboradores mais responsáveis por suas decisões. Esta atitude possibilitou aos

colaboradores um maior compromisso com eles mesmos, com o outro e com a sociedade, e

eles passaram a serem mais verdadeiros consigo mesmos e em suas relações. As relações

éticas são determinadas pela responsabilidade com que os colaboradores interagem com os

outros.

A ética que se constatou ter sido alcançada pelos colaboradores não tem conotações

morais ou sociais; ela é originária da essência da pessoa. A eficácia dos princípios éticos dá-se

pela singularidade de cada situação e pela adaptação de suas exigências às circunstâncias, pois

não há regras absolutas e definidas uma vez por todas elas. Assim, a pessoa passa a ter

responsabilidade, tal qual uma habilidade em responder a outrem, o que lhe permite um

contato mais próximo com o outro e, ainda, ser contatada, para então responder. É a própria

essência da comunidade humana.

O contato com o outro tornou-se muito forte na vivência dos colaboradores e eles

destacaram, sobretudo, a terapia de grupo como um espaço no qual eles aprenderam a olhar

para a outra pessoa com respeito, admiração, entendimento, aceitação e reconhecimento. Eles

eram pessoas que tinham seu senso de intimidade e comunhão pouco desenvolvido, sentiam-

se perdidos e deslocados no mundo. E foi exatamente no grupo que eles puderam desenvolver

o sentido do que seja gregário, de fazer parte, de pertencer, sentimentos vivenciados no grupo

psicoterapêutico.

Mostrar-se e ser aceito e confirmado como se é realmente não foi tarefa simples no

cotidiano dos colaboradores. Eles revelaram-se, inicialmente, diante deles mesmos e de suas
192

terapeutas e relataram sentirem-se compreendidos e confirmados. O suporte recebido na

terapia individual fez que eles experimentassem se mostrar em um grupo de terapia e,

novamente, tiveram a ótima experiência de serem aceitos e confirmados.

O processo psicoterapêutico possibilitou- lhes arriscar-se no mundo em outras relações

significativas. Os passos que eles seguiram mostraram a ampliação do aprendizado

terapêutico para além do consultório, visto que somente nessa forma de con-viver se

estabelece uma relação viva e recíproca, em uma atitude autêntica entre os homens. Eles

aprenderam alguns mecanismos que guardaram como forma de auxiliar a resolução de suas

questões como, por exemplo, dizer como se sentem diante de determinado fato ou pessoa em

vez de acusar uma pessoa ou de exigir uma mudança dela – uma das proposições abertamente

difundidas pela Gestalt-terapia.

Neste estudo, ficou evidente que, diferentemente do que o senso comum apresenta, a

terapia não torna a pessoa um ser egoísta por ela revelar-se singular; pelo contrário, torna-a

um ser relacional, como foi confirmado nos relatos dos colaboradores. O processo de

individuação, aponta Fernandes (2005),

nada tem a ver com um fechamento egoísta e individualista no seu pequeno e franzino

eu. A individuação é, muito mais, um recolher-se no uno, um reconduzir a vida da sua

dispersão para o recolhimento do único necessário (...). Nesta singularização ele não

se particulariza, muito mais, ele se universaliza, pois torna-se uno com tudo, uno no

uno. E isto significa: estar em casa em toda a parte. (p. 150).

A terceira parte da discussão busca comparar os resultados desta pesquisa com outros

trabalhos da mesma área. Sousa (2006) investigou vários estudos de psicoterapia e chegou a

algumas conclusões que serão cotejadas com o presente trabalho.


193

Uma das conclusões que corrobora pesquisas anteriores é a evidência da eficácia

terapêutica. O interessante, nesta pesquisa, é que essa evidência foi validada pelo próprio

cliente, pois houve uma mudança significativa em suas vidas, o que sobressai com nitidez em

seus relatos.

Foi constatada, tanto nas pesquisas apresentadas por Sousa (2006) quanto nesta, que o

cliente mantém as competências adquiridas no processo psicoterapêutico, atitude comum nos

colaboradores desta pesquisa. Vale ressaltar que existem as recaídas, porém as pessoas

passam a lidar muito melhor com elas. Por conhecerem seu funcionamento, mesmo sabendo

que nada se repete na mesma forma, dispõem de suporte para melhor avaliar a atitude

adequada para aquele momento, que corresponde ao que a Gestalt-terapia entende por

ajustamento criativo.

A importância do vínculo na relação terapêutica, destacada na literatura, e, sobretudo

na Gestalt-terapia, também foi ressaltada pelos colaboradores: sentiram-se seguros,

entendidos, aceitos e confirmados em suas experiências, o que lhes possibilitou se revelarem

com maior confiança, profundidade e intensidade.

Pesquisas anteriores defendem a importância das competências interpessoais, tanto

dos pesquisadores quanto dos clientes (Sousa, 2006). Na Gestalt-terapia, é primordial a

competência do terapeuta, pois ela influencia a competência interpessoal do cliente. Nesta

pesquisa, os colaboradores aprenderam a relacionar-se, inicialmente, com o terapeuta, em

seguida com mais pessoas no grupo psicoterapêutico, e, por fim, expandiram essa

competência para pessoas de seu relacionamento, como um efeito dominó. As pessoas da

convivência desses colaboradores aprenderam, com o tempo, a dialogar com maior facilidade,

o que pode ser interpretado como produto da interferência da qualidade da comunicação do

cliente.
194

Feitas essas considerações, três questões ainda continuam em aberto. A primeira delas

é: “Como os clientes acabaram levando para a sua vida externa muito do que aprenderam na

terapia, isto não produzirá uma deformação, dado que se corre o risco, como na sociedade, de

se formatar o externo de acordo com o que se pressupõe ser o correto”? Trata-se de um risco

que se corre, entretanto, não condiz com o que os colaboradores apreenderam em seus

processos psicoterapêuticos – encontrar o próximo com o respeito pela sua forma de ser. A

mesma atitude é tarefa do terapeuta, que deve estar atento, o tempo todo, para não moldar

(com conselhos, opiniões etc) o cliente dessa ou daquela forma, como a sociedade tenta fazê-

lo, mas ao contrário, o terapeuta tem o dever de ajudá-lo a conhecer-se e seguir seu próprio

caminho.

Não se pode desconsiderar que a terapia, como percebido nos resultados encontrados,

incentivou os colaboradores a dialogarem, a respeitarem e a aceitarem o outro, a buscarem

suas verdades. Essas atitudes acabam lhes dando uma identidade terapêutica, pois é comum

ouvir: “Ele é assim porque faz terapia”. Contudo, não se deve entender essas atitudes de uma

forma pejorativa, pois o terapeuta não indica caminhos pré-determinados no encontro com o

cliente. Ao contrário, ele ajuda os clientes a desenvolverem algumas habilidades que lhes

conferem uma identidade, com o intuito de que disponham de suporte para conhecerem a si

mesmos, e a levarem suas vidas de acordo com as exigências internas e externas. No processo

psicoterapêutico deve existir a preocupação em não conformar as pessoas segundo os critérios

do psicoterapeuta, mas de acordo com os seus próprios critérios.

A outra questão que permanece em aberto é se os resultados seriam semelhantes se os

colaboradores tivessem tempos de terapia diferentes, mesmo de acordo com o proposto neste

trabalho – mais de dois anos – e, ainda, se tivessem terapeutas com formações diferentes,

ainda na abordagem gestáltica. Pode-se, então, sugerir a realização de um estudo que procure

apreender como vivenciam o processo psicoterapêutico clientes com pouco tempo de terapia.
195

Outro aspecto importante seria investigar as vivências relacionadas a processos mal-

sucedidos, com o intuito de obter dados relevantes para procedimentos efetivos.

A terceira e última questão é até que ponto as mudanças alcançadas nas vidas dos

clientes realmente são efeitos da psicoterapia, do amadurecimento destas pessoas ou de outras

relações significativas. Acredita-se que estes e outros pontos influenciem, ao mesmo tempo, a

vida dos clientes, mas não se pode desconsiderar que algumas mudanças foram vivenciadas

no processo psicoterapêutico, independentemente do amadurecimento ou qualquer outro

evento. Por exemplo, os momentos em que os colaboradores experimentaram a awareness, ou

seja, tiveram consciência da própria consciência, momento de transcendência e mudança em

si e por si.

A contribuição de estudos dessa natureza para a Psicologia e, em especial, para a área

de psicoterapia, cenário de desenvolvimento humano, é a de aprofundar o conhecimento

acerca da vivência e da eficácia da psicoterapia na constituição do indivíduo como sujeito, de

acordo com a visão do cliente. Em outras palavras, as pesquisas devem verificar como o

indivíduo torna-se sujeito ao apropriar-se de seus valores e se posicionar ante eles.

Trata-se de configurar o ponto de vista do cliente, visto que normalmente os estudos

na área da psicoterapia tratam de fundamentações filosóficas, técnicas e teóricas de cada

abordagem, e poucos terapeutas investigam como o cliente percebe seu desenvolvimento

nesse processo (Macran et al., 1999).

Por fim, considera-se que este estudo é apenas um ponto de partida para maiores

reflexões e pesquisas, uma vez que o tema – a vivência do cliente no processo

psicoterapêutico – foi até o momento pouco estudado, e essa foi uma tentativa de pesquisar a

questão. Espera-se que novas pesquisas sejam realizadas e que possam encontrar respostas

que não foram elucidadas por este estudo, pois o fim de uma investigação é sempre um novo

começo.
196

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205

ANEXOS
206

Anexo 1

CARTAZ CONVITE

PREZADOS (AS) CLIENTES

Eu, Celana Cardoso Andrade, realizarei uma pesquisa para o curso de Pós-graduação

Stricto Senso na Universidade Católica de Goiás, cujo tema é A vivência do cliente no

processo psicoterapêutico: um estudo fenomenológico na Gestalt-terapia. Para tanto

precisarei de pessoas que estejam disponíveis a participarem do estudo.

Tal estudo objetiva, primordialmente, entender as implicações do processo

psicoterapêutico na vida do cliente.

Caso tenha interesse em contribuir com o processo, favor entrar em contato,

agendando um horário com a secretária da clínica para marcar a primeira entrevista. Esse

encontro inicial terá o objetivo de explicar como o projeto será desenvolvido e, assim, você

poderá decidir quanto à sua participação na pesquisa.

Atenciosamente,

Celana Cardoso Andrade


207

Anexo 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após

ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,

assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é minha,

pesquisadora responsável. Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma.

Informações sobre a pesquisa:

Título do Projeto: A vivência do cliente no processo psicoterapêutico: um estudo

fenomenológico na Gestalt-terapia.

Pesquisadora Responsável: Celana Cardoso Andrade

Telefone para contato: (62)3245-1322

A psicoterapia, importante cenário de desenvolvimento humano, pode propiciar o

encontro do cliente com seus valores pessoais, com suas crenças, enfim, o encontro com o

verdadeiro sentido de sua existência. O objetivo deste estudo é investigar a vivência do cliente

no processo psicoterapêutico. Essa pesquisa justifica-se pela necessidade de aprofundamento

do conhecimento acerca da contribuição da psicoterapia na constituição do indivíduo como


208

sujeito, ator e autor de sua vida. Para tanto, faz-se necessária uma pesquisa com pessoas que

estão ou já estiveram em processo psicoterapêutico por, pelo menos, dois anos.

O momento empírico será efetivado por meio de entrevistas, que serão realizadas em

meu consultório de psicologia, por possuir um ambiente adequado para recebê-lo. Os horários

serão marcados previamente. As entrevistas findarão assim que forem geradas as informações

consideradas necessárias, ou quando você solicitar, por qualquer motivo. Você tem a

liberdade em recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da

pesquisa sem penalidade alguma e sem prejuízo ao seu cuidado.

Será utilizado gravador nas entrevistas, garantindo assim um melhor registro dos dados.

Todas as fitas serão transcritas na íntegra, e, posteriormente, alguns trechos comporão a

dissertação do mestrado. Todo o material gerado, fitas e transcrições, serão guardados em

local seguro por um período de cinco anos e, posteriormente, incinerado. Garante-se o mais

absoluto sigilo no que diz respeito à preservação de sua identidade em qualquer publicação

(dissertação de mestrado, artigos, etc) que diga respeito a essa pesquisa.

Você, apesar de não correr o risco de desconforto nas entrevistas ou qualquer risco

moral, terá o direito de conversar sobre tal fato, caso necessário. Você tem a garantia de

receber quaisquer esclarecimentos antes e durante o curso da pesquisa.

Os benefícios que por ora podem ser apresentados são uma oportunidade para que você

se expresse livremente sobre como ocorreu o seu processo psicoterapêutico e como isso

alterou sua vida e, sobretudo, a possibilidade de que possa, ao dialogar comigo, ressignificar

conteúdos importantes de sua história e até mesmo vir a descobrir experiências não-vividas

até então, promovendo seu desenvolvimento humano.

Nome do pesquisadora: Celana Cardoso Andrade

Assinatura do pesquisadora: ___________________________


209

Data: __________________

Eu, _______________________________________________________________________,

RG nº ________________________________, CPF nº ______________________________,

abaixo assinado, concordo em participar do estudo – A vivência do cliente no processo

psicoterapêutico: um estudo fenomenológico na Gestalt-terapia – como colaborador. Fui

devidamente informado e esclarecido pela pesquisadora Celana Cardoso Andrade sobre a

pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios

decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a

qualquer momento, sem e que isto leve à qualquer penalidade ou interrupção de meu

acompanhamento/assistência/tratamento.

Local e data: _______________________________________________________________

Nome do sujeito: ____________________________________________________________

Assinatura do sujeito: ________________________________________________________

Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre a pesquisa e aceite do

sujeito em participar.

Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):

Nome: ___________________________________ Assinatura: _______________________

Nome: ___________________________________ Assinatura: _______________________

Observações complementares: __________________________________________________


210

Anexo 3

ENTREVISTA – JANAÍNA

22 de junho de 2006.

P8: Janaína, como é participar da pesquisa e falar sobre sua vivência no processo

psicoterapêutico?

C9: Foram seis anos de psicoterapia. Eu acho interessante falar, porque creio que me ajuda um

pouco a reviver o processo e, também, assim... Como é um trabalho de pesquisa, eu fico

empolgada de achar que pode trazer algum benefício para a sociedade acadêmica.

P: O objetivo desse trabalho é pesquisar como você vivenciou seu processo psicoterapêutico.

C: Na época, eu tinha uma coisa comigo, de que eu precisava de uma psicoterapia porque eu

tinha contraído diabetes... [pausa]. Eu ficava indignada com aquela doença e achava que tinha

um fundo emocional, e eu assim, muito sozinha, muito comigo mesma. Tem alguma coisa aí!

Eu tenho que procurar... Só que eu demorei, depois que eu fiquei sabendo da doença, ainda

demorei um ano para realmente vir para a psicoterapia. Porque ainda tinha aquela dúvida: –

“Ah, não é diabetes, é diabetes, porque é muito leve, aquela coisa, não é”... Depois eu fiquei

sabendo dos detalhes da doença: é uma doença que está com a tacha leve, que só com

alimentação e exercícios pode melhorar, etc E eu vim, mas eu lembro que tinha muita

dificuldade de falar de mim, das minhas coisas, e eu fiquei enrolando... É... [risos], eu fiquei

enrolando um tempo para conseguir falar alguma coisa e tal. E eu me lembro de uma sessão

que a psicoterapeuta falou para mim que eu demorei a falar de mim, que eu chegava e contava

8
P: pesquisadora.
9
C: colaborador(a).
211

caso e não sei o quê, falava coisas que não eram relacionadas comigo. E eu achei interessante,

assim..., na hora que ela falou e até achei assim nossa, será? [risos] Como assim? Eu fiz isso

mesmo. Mas eu tenho certeza que fiz por causa disso, eu lembro dos dados, depois de um ano

de psicoterapia que eu consegui falar para você da minha revolta com a doença, da minha

tristeza, das minhas coisas e tal. E acho que foi um jeito também de ficar negando a doença.

Até hoje, eu ainda tenho em algumas horas, momentos de negação e largo o regime para lá,

tem vezes que me dá vontade de parar de tomar os remédios, não sei o que... Ainda tenho uma

coisa para mim essa doença foi, assim, como se tivesse caído o mundo na minha cabeça.

Fiquei muito... muito... acho que é revoltada mesmo a palavra, muito revoltada. Então eu

cheguei na psicoterapia, é... até de uma forma do jeito que eu era, assim, dissimulada, não é?

Ninguém sabia o que se passava comigo, eu sempre fui muito sozinha, mas, para os outros, eu

estava ótima, passava assim... Uma amiga minha uma vez comentou que nunca imaginava

que eu sofria tanto por causa da doença porque eu passava, com as palavras, de uma forma

muito tranqüila, como se fosse uma coisa que eu lidava bem. Mas o que a psicoterapia fez

comigo foi isso, de ser mais verdadeira, de ficar mais próxima do que eu sou [pausa]. Tem

algumas coisas que eu acho que ainda permanecem, que... tive alguns ganhos, algumas

mudanças, mas de vez em quando eu me vejo cometendo as mesmas, as mesmas atitudes e eu

acho que... mas só que agora é diferente. A forma agora como eu estou vendo é diferente da

que eu via antes da psicoterapia.

P: Vê diferente o quê? Dê um exemplo de uma atitude que permanece, mas que de alguma

forma você vê diferente, Janaína.

C: Esse exemplo mesmo que eu estava falando da dissimulação. Hoje quando eu estou

dissimulando eu tenho consciência [risos], que eu estou dissimulando. Aí eu fico me


212

questionando: – “Pra que, por que eu fiz isso, se seria bom se eu não tivesse dissimulando, ou

não. Ah, tem horas que o caso é de dissimular mesmo”.

P: É consciente!

C: É consciente. Antes eu acho que era um processo meio escuro. Eu sentia por dentro um

incômodo, mas não sabia o que era. Hoje eu tenho consciência do que me incomoda, por que

está me incomodando, então é isso que eu acho que é diferente. A forma de ver mesmo.

P: Você percebe alguma área sua que realmente você está menos dissimulada? Você fala que

até hoje, às vezes, você dissimula, apesar de atualmente perceber, ser consciente. Tem alguma

área que você pensa: – “Isso eu não dou conta mais de dissimular”? Ou que é mais difícil, ou

que você tem menos interesse em dissimular?

C: Uma coisa que a psicoterapia foi muito importante para mim foi a forma de ver meu

relacionamento com meu marido. Então, hoje eu não consigo mais dissimular. Caiu!... Sabe,

trouxe muito conflito para nossa relação. Impressionante, assim, o quanto eu dissimulava, e

fazia de conta que não estava vendo ou via, mas não enxergava. Então, meu relacionamento

era até bom, mas depois disto aí eu acho... que neste ponto, assim, entre aspas falando é...

Trouxe prejuízo pro o relacionamento, porque...

P: Era um relacionamento até bom e que deixou de ser?

C: Era uma relação boa, tanto pessoal, quanto social, em todos os sentidos, não é? E de

repente... eu vi que não era. Consegui entrar na situação, ver realmente como que era a
213

realidade e aí que parei. Não consigo mais dissimular o meu jeito de ser para manter uma

relação. Que era o que eu fazia.

P: Ver a realidade trouxe um prejuízo para a relação?

C: Um prejuízo na relação, mas um ganho pessoal que não tem... sabe, que vale a pena. Eu

acho que até ia adoecer mais, porque quando eu vim para a psicoterapia parece que eu tinha

assim, meio que... é um inconsciente que a gente é consciente, que a coisa é ali, não está

muito bem é ali, naquela relação marido e mulher, de mãe ali com o filho, parece que ali é que

estava o problema. E é interessante que parece que neguei muito tempo e não conseguia nem

aproximar.

P: Você fala de um ganho pessoal que não tem preço, mesmo tendo um prejuízo na relação.

C: Eu me sinto mais verdadeira, melhor comigo mesma. E assim, é do tipo assim, se gostar de

mim é do jeito que eu sou, eu quero ser eu mesma em todos os lugares, embora tenha hora

que eu vejo que não dá para ser... não dá para ser... Mas eu acho que assim na minha família,

com as pessoas mais próximas, aí não tem como, eu tenho que ser eu mesma, porque senão eu

vou me prejudicar, eu vou passar por cima de mim. É assim que eu penso. Eu acho que uma

coisa puxa a outra.

P: Como foi perceber quem você é? O que te provocou? Como isto aconteceu no processo

psicoterapêutico?
214

C: Foi uma coisa bem devagar, foi aos poucos, é uma coisa aqui, outra ali, acabou que foi

acumulando, e chegou uma hora que aconteceu. É uma coisa, assim, um dia acontece [risos],

um dia acontece, eu acho que assim... Eu me lembro muito bem que eu participei de uma

terapia de grupo e a gente teve uma atividade, é... como é que chama... tipo... tipo uma

atividade de... ai, eu esqueci o nome do...

P: Uma vivência?

C: Uma vivência. Então, a gente teve uma vivência e a gente tinha que fazer alguma coisa

com argila. E no início dessa terapia de grupo, eu me propus a tentar ser verdadeira, porque

me incomodava essa questão de eu não ser verdadeira. E no final da terapia, então, pra essa

atividade eu não consegui ver outra coisa pra fazer a não ser fazer eu mesma. Eu fiz tipo uma

bonequinha e tal. E quando a gente foi compartilhar com os demais membros do grupo sobre

essa atividade, sem perceber eu coloquei essa bonequinha no colo, coloquei em cima da

almofada. E, assim, um outro membro do grupo que percebeu o que eu tinha feito isso. Eu

não tinha visto que eu tinha feito isso [risos].

P: O que você estava fazendo naquela hora, Janaína?

C: Eu tava... acho que gostando mais de mim, fazendo um carinho, alguma coisa assim, um

respeito, aquela coisa. Quando ele falou que eu tinha feito isso, ele ficou muito emocionado

também. E quando ele falou que eu tinha feito isso, eu fiquei assim: – “Nossa!”. Tive uma

surpresa comigo, com a minha atitude. E aí parece que eu falei: – “Eu não sou tanto uma

bruxa quanto eu imaginava que eu fosse, porque tem aquela coisa assim que eu sou cruel, eu

sou ruim, eu sou não sei o quê”. E nesse momento, quando eu percebi que eu não era tão cruel
215

assim, que eu tinha esse outro lado e foi aí que eu comecei a conseguir ser eu mesma lá fora.

E nesse momento começar de eu gostar mais de mim, de ter mais confiança...

P: Você pode se mostrar no grupo e depois lá fora?

C: Eu pude me mostrar. E aí no que eu me mostrei na minha relação conjugal, eu acho que eu

não agradei muito, sabe? [risos]. Aí entraram outras...

P: Foi gostoso mostrar-se no grupo e isso abriu a possibilidade de você se mostrar lá fora, não

é?

C: Pois é... [pausa]. Outra coisa que a terapia me ajudou muito foi em minha ansiedade. Acho

que a ansiedade abaixou muito. Eu era muito ansiosa. Acho que esse processo da psicoterapia

já diminuiu bastante minha ansiedade. Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava

louca de pensar no futuro e vivia muita coisa do passado. A psicoterapia também me ajudou

demais nesse aspecto, assim, de, de resolver algumas coisas do passado que ficavam

martelando na cabeça. O que eu vou trazer de exemplo, é assim, com meu filho mais velho,

não é? Que eu tive uma decepção mesmo quando ele nasceu, só que ao mesmo tempo era uma

mãe muito responsável. Então ficou aquele jogo ali, mas difícil conviver com aquilo ali. Eu

achava que ele ia sofrer com as mesmas coisas que eu sofri, ele era baixinho, muito magrinho,

não comia direito, então tudo para mim... Eu sofria muito com aquilo de preocupar, que no

futuro que o menino com um ano de idade, eu já estava levando no médico por conta de

crescimento [risos]. Porque eu achei que ele ia viver tudo que eu vivi. Porque eu sou baixinha

também, não queria que ele fosse baixinho de jeito nenhum. E aí eu sofria demais com isso e

acabava que não vivia o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa
216

ansiedade toda, não é? E eu passei a olhar também ele de uma forma diferente, de... no aqui e

agora, de ver o que pode ser vivido agora. O que pode ser feito. Vou fazer a minha parte, vou

lá e levo no médico até hoje, toma remédio, faz esporte, então assim, eu fico mais tranqüila

nesse sentido. Eu estou fazendo o que eu posso, mas também se ficar com 1m 70cm, 1m

60cm para mim já não faz tanta diferença.

P: Você foi percebendo que ele, necessariamente, não precisa passar pelas mesmas coisas que

você e que você não pode alterar algumas coisas?

C: É. E ele mesmo fala: – “Mãe eu gosto de ser baixinho, eu quero é ser baixinho, se eu ficar

da altura do Romário, está ótimo”.

P: Ele joga futebol?

C: Joga [risos]. Outra questão que a terapia me ajudou foi a forma de ver a ex-mulher do meu

marido que eu tinha uma birra, uma coisa...

P: Você está falando que olhar de forma diferente a ex-mulher do seu marido foi ajuda da

psicoterapia?

C: Com certeza, não tem outra, não tem outra assim... eu acho que se eu não tivesse feito

psicoterapia, não sei o que ia ser de mim não ...

P: Talvez você ainda estivesse sofrendo com essas coisas, não é, Janaína?
217

C: Provavelmente, eu acho. Eu acho não, tenho certeza. Acho que a psicoterapia foi

fundamental.

P: Até agora você já tocou em quatro coisas pelas quais você atribui as mudanças em

decorrência da psicoterapia: ser mais verdadeira, aceitar seu filho melhor, diminuir a

ansiedade, o jeito que você foi e está no casamento Nesta questão, você questiona até que

ponto a terapia ajudou ou não a relação, apesar de dizer que foi bom não simular mais. Neste

momento, você fala da ex-mulher do seu marido, é outra relação que a psicoterapia ajudou.

Em que sentido?

C: No sentido assim, acho que era um processo assim que eu transferia para ela toda a raiva

que eu tinha das atitudes do meu marido. Então, na terapia eu fui percebendo que ela é uma

pessoa que tem lá as qualidades e os defeitos dela, e antes eu achava assim que ela tinha

muito defeito, tinha o feito sofrer e fui vendo que não era bem assim. E eu fui vendo que não

é assim, ela é uma pessoa tem lá suas qualidades, seus defeitos, assim como eu também. E eu

acho que resolveu assim, como eu, também do nada, eu tirei essa coisa... do mesmo jeito que

foi com o filho deles.

P: Resolvendo a questão com ela, resolveu a questão com o filho deles?

C: Também. Com meu enteado. Eu tinha, assim, a sensação que eu tinha que tolerar ele, tal.

Sempre que ele ia lá para casa incomodava, tal. Só que eu também fui vendo. Eu estava

transferindo para ele uma raiva que eu tinha do pai dele. Eu não tinha motivo nenhum para ter

raiva... Uma criança excelente, muito educada, muito, assim, obediente. Nunca tinha feito

nada, super-respeitador, então eu não tinha motivo real para ter raiva dele, aquele incômodo
218

todo. E aí o que aconteceu, quando eu percebi, isso foi através da psicoterapia com certeza

também, que era tipo uma transferência que eu fazia da raiva que eu tinha do pai dele, de

algumas atitudes. Mas eu não queria ficar com raiva do pai dele, não é? Porque eu era,

digamos, sei lá, apaixonada, sei lá o que era [risos]. Então, eu não queria ficar com raiva do

pai, aí eu passava toda a raiva para ele.

P: Para ele, para a ex-esposa...

C: E quando eu descobri isso a relação nossa se transformou. Assim, mais eu em relação a ele,

ele não, ele continua o mesmo. A mesma pessoa boa, educada, respeitosa... Ele continua o

mesmo, quem mudou fui eu.

P: Você mudando sua maneira de vê-lo, mudou a relação em algum sentido?

C: Mudou. Porque aí eu converso mais, dou mais atenção, não tem aquela distância dele mais.

Porque era uma pessoa que estava na minha casa sempre, mas tinha certa distância.

P: Hoje ele faz parte da família?

C: Hoje ele faz parte da família. Tipo assim, eu imaginava se fosse morar comigo, Deus me

livre! Hoje se ele for morar comigo eu vou adorar. Inacreditável! [risos]. Tipo assim quem me

viu antes [risos].

P: Profissionalmente, você vê alguma mudança?


219

C: Total! [risos]. Até a psicoterapeuta falou uma vez que a gente tinha caminhado por todas as

áreas da vida, digamos assim... Realmente foi, eu acho que foi um processo assim, foi árduo,

foi muito tempo, mas, assim, quase foi completo, acho que não foi completo, acho assim

impossível. Mas acho assim, foi um processo completo. Na minha área profissional eu

também revi toda a minha profissão atual e consegui atitudes para ir atrás de uma outra

profissão que eu gosto. É a profissão que eu sempre tive vontade, que eu tenho desde a época

do vestibular, mas pelas circunstâncias eu não fiz Psicologia e tal. E, na terapia, eu tinha esse

lado, eu fui vendo o que realmente o que eu gosto de fazer. Por eu ter um emprego bom, era

um emprego para o resto da vida, eu fiquei um pouco acomodada, mas ao mesmo tempo me

incomodava também, de estar ali, de não fazer o que eu gosto. Fui questionando essas coisas,

não é? Aí eu fui... Eu tive esse apoio em você, de realmente avançar. Avançar e fazer. Foram

quinze anos com vontade de fazer. Eu formei há quinze anos atrás...

P: Você se formou em quê, Janaína?

C: Contabilidade. Trabalhava em banco... Aí eu formei em Contabilidade, até na época eu

queria transferir para outro curso, para Psicologia, mas os horários não encaixavam, porque eu

trabalhava no banco à tarde, aí tinha estágio na época, não dava certo. Eu continuei o curso de

Contabilidade e terminei. E depois, em 2000, mais ou menos, eu fui fazer uma pós-graduação

na área de Recursos Humanos e fui trabalhar na área de Recursos Humanos também no banco

e parece que foi tudo casando, então juntou esse meu desejo de fazer o curso. Nessa pós-

graduação fiz uma monografia que falava muito assim, da pessoa certa no lugar certo, investir

nos pontos fortes ao invés de investir nos pontos fracos. Aí eu, já com esse hábito de estar

questionando, de estar me questionando: – “Aí, e eu? O que eu gosto de fazer? O que é meu

ponto forte?” Até aí eu não sabia, não é? Uma coisa assim que o jovem já sabe o que quer, o
220

que gosta, o que é o ponto forte... e eu era meio perdida, em todas as áreas da minha vida, mas

essa é bem clara assim... Apesar de gostar, eu não sabia se aquilo ali era um ponto forte meu.

Aí, tanto é que assim, eu pedi para minha terapeuta fazer uma orientação vocacional a gente

fez toda uma bateria de testes, de entrevistas, e tal, não deu em outra!

P: Deu Psicologia?

C: Área de humanas e eu concluí: lógico que é Psicologia, já era meu forte. Aí eu fui. Estou

no quarto ano. E assim felicíssima da vida, sabe? Acho que foi assim uma... é outro ganho.

Como se diz tem o preço, a gente paga a faculdade [risos], mas não tem preço também, assim,

o tanto que está sendo bom para mim, o tanto que... cada vez mais vai aprofundando mais no

curso. Este ano, estou fazendo estágio. Então assim, me encontrei mesmo na área profissional.

Hoje eu já penso diferente, já pensei em sair do banco, hoje eu penso assim: trabalhar seis

horas no banco [risos] para garantir o pão e atuar na Psicologia.

P: Até ver que o pão vem de lá também!

C: Se não chegar o pão da Psicologia também é uma coisa assim, que eu vou fazer por amor,

por prazer, por gostar e isso não tem dinheiro que paga... Essa é minha idéia hoje. E eu até

quero aproveitar o gancho assim, que eu acho que eu me tornei mais flexível com a

psicoterapia. Tipo... é... hoje... Hoje, hoje eu penso assim: – “Eu estou no quarto ano, vou me

formar, eu vou trabalhar, vou continuar trabalhando no banco seis horas”. Porque agora a

gente já tem essa alternativa lá. Então vou trabalhar seis horas e vou atuar na Psicologia fora

desse horário. Mas eu acho que tudo pode mudar também.


221

P: Como era sua flexibilidade antes?

C: Rígida, rígida [risos] e rígida. É meio assim... Eu acho que eu era muito rígida, hoje eu sou

mais flexível, com certeza. Um exemplo que eu posso dar [pausa], um exemplo é assim, a

questão da... da minha doença mesmo, da diabetes, é uma doença crônica, não sei o quê... Eu

era muito rígida assim com ela: – “Ai, nossa”! Era o fim do mundo: – “Eu vou morrer, vou

amputar a perna, vou ficar cega”... Só via por este lado. Hoje não, já vejo que tem tratamento,

tem alternativa, pode acontecer, pode não acontecer. Então, não fico muito presa, naquela...

no pessimismo, naquela linha assim de... do fatalismo. Fatalmente vai acontecer, hoje não,

hoje eu acho que tem alternativa.

P: Você disse que quando descobriu sua doença passou por um processo de negação da

mesma. Disse que até hoje, muitas vezes, ainda nega sua doença, saindo do regime, por

exemplo. Agora, você fala da flexibilidade. Será que sair do regime não pode ser considerado

flexibilidade no lugar de negação?

C: Eu ficava muito rígida assim, não posso comer isso, não posso comer aquilo e ficava

aquilo na minha cabeça o tempo todo. Hoje, até os pensamentos estão mais flexíveis, ora

estou pensando na doença, ora eu estou pensando no meu filho, ora estou pensando em sair

[risos], ora eu estou pensando... Antes eu era muito obcecada. Eu era meio obsessiva assim.

Eu fui obcecada com o problema do meu filho, não saía da cabeça, eu ficava obcecada com a

doença, então por aí vai... Hoje eu estou mais flexível mesmo, acho que é essa palavra

mesmo... Eu alterno ali, vejo a hora mais certa de fazer as coisas, de outras. Hoje eu estou

muito melhor. Não tem nem comparação! [risos]. Não tem comparação! E isso eu devo à

terapia.
222

P: E viva a terapia?! Janaína, como é a sensação reviver seu processo psicoterapêutico, de

observar sua evolução? Uma evolução que teve dor, que teve dificuldade, que teve

conquistas?

C: Vem uma emoção misturada. Vem assim alegria de ter conseguido, melhorado, estar

melhor. Mas vem também essa dor, vem a dor. Foi um processo penoso. Nossa, como foi!

Teve momentos terríveis mesmo. Assim, de mexer na ferida e eu acredito que... acho que

muita gente não dá conta, de mexer... De mexer na ferida, porque dói, dói muito, dói. Mas

hoje para mim tem aquela sensação assim doeu, mas... curou!

P: Valeu a pena?!

C: Eu acho assim, que tem que olhar para a dor, tem que entrar na dor. Enquanto fica de fora,

de longe olhando, não consegue viver, sentir, entender aquilo que realmente está causando

aquela dor. Uma forma de, eu acho que vem a questão da forma, uma forma diferente de ver

essa dor. Porque a dor existiu, existe, não é? Não tem muito que alterar, mas a forma com que

a gente vê, lida com essa dor, a psicoterapia ajuda.

P: É como se ressignificasse essa dor?

C: É. Ressignificar a dor, ver outros ganhos, outras perdas, que teve em relação a essa dor.

Mas é só no momento que você consegue entrar mesmo na dor. Enquanto fica de fora que não

fala, acho que essa questão de falar... Nossa!


223

P: Assumir a dor na fala.

C: Assumir e falar. É... sentir mesmo, sentir. Eu já percebi momentos que eu senti e que

depois vem o alívio, a sensação de alívio mesmo, sente e fala. Enquanto fica sozinha, só com

a gente, ela só vai aumentando, ela só vai aumentando. E assim, terapia eu acho que o veículo

mesmo é a fala, não é? Para você estar trabalhando a psiquê e tal. Então, eu acho que é isso, é

o falar, dividir, conseguir compartilhar com outra pessoa. É interessante que eu penso assim a

gente não consegue às vezes compartilhar com pessoas até de casa, de família, não é? E

consegue com uma psicoterapeuta...

P: Até então desconhecida...

C: Até então desconhecida... E eu acho que é esse que é o momento mais interessante da

psicoterapia. É você sair do dia-a-dia e vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma

pessoa te escutando, não é? Eu acho que nisso você foi muito importante.

P: Você só fez com uma?

C: Só. Eu te sentia inteira, durante as sessões, realmente estava escutando. Eu tenho muita

dificuldade lá fora, lá fora da psicoterapia, de achar que as pessoas não estão me escutando.

Isso é muito ruim. A gente fica muito só, fica muito solta, perdida. Então, acho que desse

momento para cá, de fazer um momento de realmente de fala, de escuta, de reflexão.

P: Quando você fala de ficar muito só lá fora, muito solta, me dá a impressão de que é

exatamente como você chegou à terapia. Muito sozinha com seu diagnóstico, muito solta em
224

relação ao diagnóstico da diabetes. O que precisou... o que alterou na relação sua com a sua

terapeuta que você foi tendo mais confiança, conseguiu se abrir e, conseqüentemente ficar

menos sozinha?

C: É engraçado que tem coisas que acontecem na psicoterapia que você não sabe explicar por

que [risos] acontecem... Acho que foi muito, mais em relação comigo mesmo, de ter assim

coragem de falar, eu tinha muita vergonha, muita vergonha... Eu era muito vergonhosa, hoje

eu sou mais extrovertida, eu era... às vezes, assim, eu era muito solta mesmo, no mundo,

perdida e hoje eu me vejo mais presente no mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma

pessoa... sei lá, solta... não tinha assim essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais

presente no mundo. Eu me vejo mais dentro do mundo, não é?

P: Presente no sentido de ser mais responsável por você e pelo mundo, por estar mais inserida

no mundo?

C: Isso!... [pausa]. Você estava perguntando na questão da relação com a terapeuta... Eu acho

que chegou num ponto que era assim, eu pedi para sair da psicoterapia e ela me ajudou no

sentido assim: – “Olha, eu acho que não é o momento, as pessoas realmente têm esse

momento de querer sair”. Eu acho que foi nessa época que teve essa... essa sacudida dela, de

que eu não estava ainda... bem, que precisava olhar mais um pouco, tal... então, eu achei que

foi com essa sacudida, assim...

P: Sua postura mudou?


225

C: Minha postura mudou. Porque até então, eu achava que estava fazendo psicoterapia, que

era aquilo ali só. Não tinha mais coisa além para ir. E aí, eu tenho essa coisa assim comigo,

assim: às vezes eu não consigo perceber algumas coisas, mas aí quando fala [estala os dedos]

eu pego: – “Nossa é mesmo! Ela falou isso, está acontecendo isso...” Aí, eu começo a

perceber e ver aquilo que está acontecendo questionar, perguntar, entrar...

P: Eu vejo três momentos na sua terapia. No início sentia-se sozinha, considerava-se

dissimulada, entrando aos poucos – esse momento que você acabou de descrever. Quando

teve vontade de sair e paradoxalmente assumiu o processo de maneira mais envolvida; e, por

fim, entrou em um momento de profunda reflexão, quando você discorre as mudanças

sofridas. Você disse que foi um processo quase completo. Vejo esses três momentos muito

definidos. Faz sentido isso?

C: Faz. Eu realmente... hoje quando eu olho o processo para trás, eu vejo dessa forma mesmo.

Que eu comecei... eu vim com a expectativa assim, digamos assim, que a psicoterapia ia tirar

meus problemas... Quando [risos]...

P: E você viu que a psicoterapia iria te colocar nos seus problemas!...

C: Só que aquilo não foi acontecendo, assim, do jeito que era minha expectativa [risos]. Aí, o

que aconteceu, eu queria sair, mas aí você, com muita habilidade, me fez ver de outra forma,

que eu precisava caminhar mais. E foi aí que eu comecei a entrar mesmo no processo

psicoterapêutico, de olhar para as dores, ir atrás das minhas crenças, dos meus valores, o que

era meu mesmo, o que era do outro, não é? E foi um processo, teve um momento de profunda

dor. Eu entrei um processo de depressão, mas hoje eu acho que ele era necessário, era preciso
226

[risos]. Eu não ia sair dessa psicoterapia se eu não entrasse realmente nessa dor e não

olhasse... E tive um momento que eu senti mesmo que eu já tinha caminhado por várias áreas

da minha vida, que eu poderia estar saindo da psicoterapia, e eu mesma pedi pra... a alta, para

sair. Porque o trabalho psicoterapêutico, ele ainda continua... [risos] quando a gente [risos] a

gente pára a psicoterapia de estar ali no consultório...

P: Você aprendeu a refletir, não é?

C: Isso. Então, assim, o processo psicoterapêutico ainda continua... eu continuo, assim,

refletindo, olhando para mim, para o outro, não é? Um conjunto de coisas para eu viver

melhor.

P: Ao te ouvir, percebo que você foca a entrevista em seus ganhos terapêuticos. Isso também

é nítido ao perceber a clareza com que você se descreve, mas eu gostaria que você verificasse

suas perdas terapêuticas. Se com a psicoterapia você perdeu alguma coisa significativa?

C: [Pausa]. Olha... Eu não considero perda. Eu não considero perda, assim, eu passei por

muitos conflitos na minha relação conjugal e tudo, mas por incrível que pareça, eu não vejo

como perda não. Eu não consigo ver assim, você foi falando, aí eu tentei pensar em alguma

perda, não consegui ver nenhuma perda não. Acho que mesmo nos conflitos a gente ganhou

muito. Tanto ele quanto eu. Era insustentável uma relação daquela, do jeito que era. A gente

está em conflito e tal, não sei o que ainda vai dar... Ora define por uma separação mesmo, de

fato e volta atrás, ainda está nessa confusão. Eu sei que está nessa confusão. Mas eu não estou

ficando ansiosa e nem apressada por causa disso não. Acho que é um momento que a gente

tem que viver mesmo, pode ser que reverta para uma coisa muito boa... essa crise, não é?
227

P: Você também busca no casamento a verdade?

C: A verdade! É... Então, eu ainda não sinto segurança de falar: – “Acabou mesmo não tem

mais nada”... E também como estava, não tem condição de voltar... Até ele fala assim que eu

mudei muito, é engraçado assim, eu acho interessante esses feedbacks que ele me dá porque

[risos] fica muito real as minhas mudanças.

P: Ele sente na pele suas mudanças.

C: Ele sente na pele essas mudanças, ele fala assim: – “Você virou outra pessoa. Você é

outra”! [risos]. Eu acho bom, e ele acha que eu acho ruim. Realmente eu sou outra! É bem

visível.

P: Qual a descoberta mais importante que você teve sobre você mesma?

C: [Pausa]. Eu vou focar nessa: a descoberta do meu relacionamento conjugal. Eu acho que é

uma descoberta importante. Não dava para viver mais de olhos vendados para a relação.

P: É uma descoberta pessoal?

C: Pessoal é aquela que eu falei da psicoterapia de grupo onde eu percebi que eu tenho coisas

boas também, acho que minha auto-estima melhorou bem... Foi essa!

P: Você fez psicoterapia de grupo quanto tempo?


228

C: Foram dois anos! E esse que estou falando foi o terceiro.

P: A psicoterapia de grupo ajudou a terapia individual e vice-versa?

C: Ajuda demais. Achei que a terapia de grupo... que o contato com um outro que também

está em processo psicoterapêutico faz a gente ver a gente mesmo no outro. Na relação social,

o outro não está por conta de te ouvir, ou de me entender. O processo em grupo é muito bom,

ajuda demais. Principalmente essa autopercepção, de me ver no outro. Nossa! Tinha coisas

que acontecia no grupo que eu nunca tinha visto em mim, aí eu via no outro e percebia que

estava vendo no outro uma coisa que era minha. Às vezes, vinha mexer em coisas que eu nem

imaginava.

P: Acelerava o processo, pois trazia alguns assuntos que você não dizia na individual.

C: Não trazia. Eram coisas que estavam sumidas da minha vida e que de repente uma pessoa

toca naquele assunto que também parece comigo e vai e desenrola.

P: Janaína, você tem mais alguma coisa que você lembrou, quer você quer falar? Que eu não

te perguntei, que a gente não tocou?

C: [Pausa]. Uai, eu acho que a questão da minha família – pai, mãe, irmãos. Eu mudei demais

a minha maneira de conviver, de entendê-los, de relacionar com eles.

P: Mudou como?
229

C: Antes da psicoterapia, eu tinha um sentimento de distância, de raiva do meu pai. Na

psicoterapia, a gente foi vendo que tinha muita influência da minha mãe em relação a esse

sentimento. Na psicoterapia, fui vendo que era um sentimento que não era o meu, de filha.

P: De filha?

C: De filha. Hoje eu olho para o meu pai de uma forma entendendo que realmente ele teve

muitos problemas, que ele não foi perfeito, mas que ele faz parte da minha vida, e eu aceito

ele do jeito que ele é. Eu sentia um ódio, uma raiva, quando ainda tinha expectativa de um pai

ideal. Na minha adolescência, infância, fui vendo que não era o pai ideal e ficando com raiva.

Hoje eu estou mais próxima e sei também como ele realmente é. E mesma coisa com a minha

mãe, eu também tinha raiva da minha mãe, do jeito dela ser. Hoje eu já aceito minha mãe do

jeito que ela é. E olhar para esses dois dessa forma me trouxe muita serenidade. Então eu me

sinto assim, uma pessoa mais serena, mais amável, sem muita amargura, sem muito ódio. E

outra coisa que eu queria falar também é do meu jeito de preconceito, de julgamento mudou

muito. Eu era uma pessoa extremamente preconceituosa, crítica, julgadora, e hoje eu já

consegui elaborar isso e me policiar a não ter esse tipo de comportamento. E é muito

interessante essa questão mesmo de a gente não julgar, não ter esse preconceito e assim, hoje

eu consigo ficar mais próxima do outro. Quando eu julgava eu afastava do outro.

P: Você vivenciava muitos tipos de preconceito, Janaína?

C: Todo tipo... Até com relação a algumas atitudes, não é? Pessoas mais extrovertidas, mais

não sei o que, eu já afastava: – “Ah, aquela pessoa fez isso”... Coisa que eu não aprovava, eu
230

afastava. Hoje não, assim parece que eu consigo me colocar no lugar do outro, nunca é muito,

mas assim na maioria das vezes eu estou conseguindo não julgar mesmo, deixar... a pessoa

deve ter motivos para ser daquele jeito, tentar dessa forma. Isso me traz assim, um gostar mais

de mim, um gostar mais do outro, ter mais leveza.

P: Eu imagino que o grupo terapêutico foi um momento importante no qual você conseguiu

ver várias pessoas diferentes tentando se mostrar verdadeiramente. Como você lidou com o

preconceito?

C: Enquanto eu estava falando, eu estava lembrando de uma situação no grupo que foi

interessante, que foi da bola de cristal [risos]. A gente fica pensando que tem bola de cristal, e

eu vejo hoje que isso na sociedade é demais. As pessoas o tempo todo estão adivinhando o

que está passando com o outro, não é? E eu falo, não gente não é assim... Eu até hoje levanto

a bandeira e falo não gente não é assim. Vocês estão fazendo uma coisa sem saber. Você tem

bola de cristal para saber o que está se passando e tal.

P: Você já teve uma bola de cristal?

C: Já [risos], muitas! Já tive muitas bolas de cristal. E aquilo torna verdadeiro, não é? E você

vai montando aquilo vira um... às vezes assim... até nos relacionamentos da família, da

intimidade, a gente ficava com bola de cristal e, às vezes, fazendo um fantasma, uma

tempestade em um copo d’água, não é nada daquilo que você estava imaginando. É

interessante, acho que também me ajudou muito a psicoterapia. E isso eu acho assim muito

importante, é um jeito assim de viver... Tem coisas que a gente fantasia e não acontecem e a

gente sofre por bobeira.


231

P: Você se lembra de mais alguma coisa que tem vontade de contar?

C: Se a gente for falar, falar, falar, vão aparecer muitas coisas... Assim, uma coisa que eu

estava pensando aqui agora e que eu não falei, é a questão assim da minha timidez. Eu era

extremamente tímida e vergonhosa, tinha dificuldade de falar em público, eu quase entrava

em pânico quando tinha que falar em público. E isso assim, na vida social, principalmente

trabalho, escola atrapalhava demais. Eu era uma pessoa que não perguntava em sala de aula,

não abria a boca, entrava muda e saía calada. Às vezes, com dúvida, às vezes, assim o

professor fazia um comentário, e eu queria acrescentar, eu ficava com vergonha de falar e não

falava, aí o outro colega vai fala o que eu falaria e era elogiado. Então assim, está até

interessante fazer o curso agora, digamos assim depois de um tempo, porque teve esse ganho

de estar falando em público, de estar pondo minha opinião, até de fazer graça, perguntar

quando tem dúvida e não ter vergonha, se o outro está achando se é uma dúvida banal, uma

dúvida assim...

P: A psicoterapia te ajuda no curso de Psicologia, além de estar participando de uma maneira

mais ativa?

C: Ajuda, assim. Às vezes a teoria ali, não é? A gente vê que já aconteceu na prática e eu acho

que o interesse da gente melhora, do que aqueles alunos ali que não estão entendendo o que

está acontecendo, acho que ficam mais perdidos. Com certeza acho que ajudou sim. Você

conseguir materializar uma coisa que você já viveu na sua vida... Aí, assim, me sinto que

estou mais presente no mundo.


232

P: Essa frase é uma frase muito forte sua: – “Estou mais presente no mundo”.

C: Porque quando eu ia para a escola, para a aula, eu ficava solta, perdida, aquela coisa... Hoje

eu me sinto mais integrada ao que está acontecendo ao redor, comigo mesma, me sinto mais

segura [pausa]. [Risos]. Essa vida é engraçada... Não, e eu acho assim interessante quando eu

vejo outras pessoas de certa forma parecidas com o jeito que eu era.

P: O que te dá quando você vê pessoas do jeito que você era?

C: Há um tempo atrás eu ficava muito ansiosa para aquela pessoa fazer o que eu fiz. Hoje não,

ela vai ter o momento dela, a hora que ela sentir vontade ela vai passar por isso e vai atrás...

Talvez ela nunca vá atrás, não é? E vai viver... e é dela, não é meu. Eu acho que vem é a

questão de saber respeitar o outro. Que é outro ganho da psicoterapia. Não era assim não

[risos], não era assim não, de jeito nenhum.

P: Você queria que todo mundo fosse como você?

C: É. Eu tinha assim, achava que poderia controlar o mundo, controlar as pessoas. Hoje eu já

vi que, assim... nem quero.

P: Isso que é importante, nem tem interesse, nem quer.

C: Isso tira um peso das minhas costas. Eu tinha vontade, mas não era por mal não, era tipo

assim um mundo melhor, uma pessoa melhor e tal, mas hoje eu vejo assim cada um tem seu

papel na sociedade. E eu não tenho esse poder e nem quero, porque não é eu. Aí assim com a
233

minha família, com meus irmãos, eu chegava ao ponto de tipo assim, procurar emprego para

minha irmã uma coisa que ela não estava nem querendo, entendeu? De tanta preocupação que

eu tinha com ela, ela tinha que arrumar um emprego bom, eu ia atrás para ela, aí até uma vez

que eu consegui, e ela não foi. Acho que foi aí que eu comecei a sentir que não é assim, que

não tenho esse poder, que as pessoas têm que realmente caminhar com as próprias pernas. Na

minha relação com o meu filho, de não deixar ele sofrer, ele vai passar por algumas coisas, ele

vai ter que passar...

P: Você tem caminhado com suas próprias pernas?

C: E aí confirma aquilo que eu estava te falando que o meu processo psicoterapêutico foi um

caminhar em todas as áreas. Que vem um pouco assim, do meu jeito de ser. Quando eu não

consigo parar sem chegar perto de uma coisa ideal, uma coisa mais assim, mais completa,

senão não fico satisfeita [risos]. E aí eu já descobri que isso não tem muito como mudar, que é

meu jeito mesmo...

P: Hum, hum.

C: Que eu tenho que conviver com isso e saber que tem o lado positivo disso também. Às

vezes eu escuto: – “Ah, não sei quem largou o processo de psicoterapia, saiu”. Aí eu

pergunto: – “Será que estava na hora? Será que está completo”? Às vezes, dá aquela sensação,

poxa, mas se tivesse mais um pouquinho, talvez tivesse sido melhor. Eu recomendo terapia!

[risos].

P: Principalmente agora que vai ser psicóloga... Está gostando de atender?


234

C: Tô. Tô gostando. E trabalhando essa questão mesmo da frustração, não é? Porque tem hora

que a pessoa não que participar do processo. Tem pessoas que não assumem o tratamento,

mas eu estou sabendo que nem todo mundo adere ao tratamento como eu aderi um dia... E ela

tem o direito de não estar.

P: Enquanto estávamos despedindo Janaína lembrou de um fato que ela vai compartilhar, pois

é algo importante em sua história.

C: Foi a questão de eu ter resgatado a minha parte mais jovem. Uma vez eu fui a um

psiquiatra e ele comentou que eu estava me comportando como uma velha. A doença era de

velha, a minha indisposição para o trabalho, como eu me comportava era de velha. Eu estava

nessa época em um processo de depressão bem profunda, mas ele falou e eu achei que

realmente tinha sentido. Com isso eu fui vendo o quanto eu era velha, realmente muito velha.

E, na psicoterapia, eu fui ligando o que tinha ouvido no médico com o que a psicoterapeuta já

me falava... até o meu jeito de vestir era de velha. Eu tinha 34 anos e já queria me aposentar,

não trabalhar mais, deixar de fazer coisas que não estavam compatíveis com a minha idade.

Eu percebi que até o meu jeito de vestir e eu atribuo esse meu jeito velho à questão do meu

marido ser dez anos mais velho do que eu e que também tem um comportamento de pessoas

mais velhas, mais sérias e tal. E eu fui vendo que, para acompanhá-lo, eu também era mais

velha, mais séria, mais fechada... principalmente perto dele. Eu fui vendo na psicoterapia que

eu tinha outros lados, um lado de moleca [risos]. Esse lado da moleca, como você nomeou, é

muito gostoso. Eu tenho certeza que isso me ajudou de mais a ser mais feliz, a ser... Eu senti

que isso estava adormecido em mim, essa moleca, essa vitalidade, essa pessoa mais jovem...
235

Estava adormecido. Só que foi despertado e eu fui resgatando esse lado, um lado que era meu

e que estava escondido, abafado, não estava sendo vivido.

P: Como você lida atualmente com a velha e a moleca? Como elas convivem? Vejo-te hoje

bem moleca na sua roupa, no sorriso... É jogo do Brasil, está de blusinha verde, pulseiras

verde e amarelo...

C: Então, esse é o lado moleca mesmo e que eu consigo assumir esse lado. Em outros jogos

atrás, eu não tinha isso não... de colocar um verde, um verde e amarelo. Eu tinha vergonha,

aquilo que eu estava falando da insegurança. Hoje eu consigo ser eu mesma. E esse lado

moleca eu tenho mesmo e acho bom. Eu gosto dele [risos]. E a velha... a velha... eu acho que

ela morreu [risos]. É muito prazeroso ser realmente o que a gente é. Porque aquela velha era

muito chata, muito ranzinza, muito pesada, muito para baixo, me deixava muito triste... Hoje

eu viajo sozinha... [risos] e é engraçado que a gente encontra velhos, com a idade de velhos,

fazendo isso...

P: Não é a idade, não é? É o espírito.

C: É, não é a idade, é o espírito. Hoje estou mais para o lado adolescente, de moleca e eu

tomei consciência que não gosto do lado da velha e que eu me sinto melhor assim. Estou mais

perto da minha idade e do meu jeito de ser.

P: Obrigada por mais essa contribuição, por essa lembrança de algo que considera

significativo.
236

C: Se ficarmos aqui conversando, com certeza, virão mais coisas.


237

Anexo 4

ENTREVISTA – MARCOS

03 de julho de 2006.

P: Marcos, como que foi o processo psicoterapêutico para você? Conte um pouco dessa

vivência.

C: Eu fiz terapia durante mais ou menos sete anos e meio. Segui a linha Gestalt e fiz terapia

com uma pessoa só. Então, a minha experiência, ela é referente a uma única linha, eu não

experimentei outras... Outras linhas, outras pessoas e tudo mais. Eu me dei muito bem,

sempre me dei muito bem com a que eu fiz. E aí, quando você me ligou e me falou qual era a

pergunta, qual era a proposta, eu vim me perguntando assim: – “Gente, como é que eu vou

responder isso”. E... e assim, uma das respostas que eu tive foi que a terapia, ela me ajudou

a... ela me ajudou a me entender e a me enxergar. E assim, a enxergar as partes boas, a

enxergar as partes ruins e saber o que eu podia fazer com isso. E tentar encontrar dentro de

mim as coisas, as respostas para essas coisas. Para minhas dúvidas, para minhas angústias. Eu

entrei no processo terapêutico com muita angústia. Um dos motivos que mais me levaram a...

a isso, que me levou ao processo, foi a angústia. E aí a angústia em vários níveis: no nível

pessoal, no nível familiar, no nível de relacionamento. E a terapia me ajudou a ir discernindo

cada personagem, cada papel que esses personagens representavam para mim e como eu

queria lidar com essas pessoas.

Então, assim, ter feito terapia é uma coisa que eu sempre brinco para todo mundo

assim: eu criei um terapeutazinho dentro da minha cabeça. E... aquela voz que me produzia

angústia ela foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza sobre as coisas. Então,

assim, é uma voz que continua fazendo perguntas, mas ela hoje me indica, hoje eu consigo
238

entrar nos meus momentos de angústia, como sempre, porque é uma coisa minha, mas eu

consigo ter calma e clareza para entender por que eu estou entrando, o que eu quero com isso,

se eu quero um minuto de descanso ou se eu quero resolver um problema gigante, se eu quero

mudar a situação ou se eu quero simplesmente pedir um tempo. Então, antes eu não conseguia

fazer isso, antes de começar a fazer terapia. E o que a terapia me ajudou perceber que existem

algumas coisas que são humanas mesmo, que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que aprender a

lidar com essas coisas. A encarar, a olhar e falar: E aí? Por que você veio? Qual que é a

proposta? O que você está a fim de mim? Entendeu? Por que eu? E antes não. Antes, eu

deixava... Eu fazia piadas das minhas mazelas e não conseguia resolver. Tem um exemplo

claríssimo nesse processo. Eu acho que eu jamais estaria sentado aqui, dando entrevista para

você, se eu não tivesse feito terapia, se eu não tivesse passado por esse processo terapêutico.

Porque uma das coisas que eu sempre trabalhei com a minha psicoterapeuta foi como eu me

ouvia. E eu sempre me ouvi muito mal, eu sempre tive vergonha do meu jeito de falar, eu

sempre tive vergonha da minha voz, eu sempre fugia dessas situações. E a terapia me ajudou

a... a não só me enxergar, me ajudou a me ouvir. E aí quando você me ligou hoje e disse: –

“Olha, a gente pode marcar para hoje, e a gente pode marcar para depois”. Não! Se a gente

tem que fazer isso, então vamos fazer. E foi a primeira entrevista que eu não fugi... foi essa.

Então, assim... E é muito legal eu não ter fugido dessa entrevista, porque fecha mais um ciclo

para mim, de estar me ouvindo e de estar contanto a minha história. Então, assim, mudou,

minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não. Mas o meu jeito de me ouvir, o meu

entendimento sobre isso, mudou. Então, o processo me ajudou a não ficar fugindo. E me

proibindo de algumas coisas, me furtando de experimentar algumas coisas, de vivenciar

algumas experiências. Então, a terapia me ajudou a olhar mais para meu pai, a olhar mais para

minha mãe, a olhar para minhas relações. Olhar de verdade mesmo, me ajuda até hoje, sabe?
239

P: Como você olhava para suas relações e como você as olha atualmente?

C: A terapia me ajudou a identificar os meus personagens. Então, eu não conhecia o meu pai

de verdade, eu não conseguia olhar para ele, quem era essa figura. E eu me lembro que uma

vez eu estava preparando uma festa minha de aniversário, e a gente estava enchendo balão e

tudo mais, era meu aniversário de 27, 28 anos, uma coisa assim. E meu pai estava sentado

comigo, no meu quarto, enchendo balão. E, de repente, eu me toquei que era uma companhia,

era uma presença, que eu queria muito perto de mim, e que eu só fui ter aos 27, 28 anos de

idade. E trouxe isso para a terapia, a gente trabalhou isso e eu tive coragem de chegar pro meu

pai depois e conversar com ele sobre isso. E dizer o quanto que aquele momento tinha sido

importante e, para mim, tinha valido muito mais do que... para mim, valeu muito mais guardar

essa lembrança no lugar daquele vazio que eu tinha do meu pai ausente na infância por n

motivos e tudo mais... Então, não dava para preencher aquele espaço porque o tempo já tinha

passado, mas dava para experimentar uma situação nova, dava para ter ele do meu lado.

Então, não era ficar preso num vazio é..., mas era saber que eu poderia ter ele de uma outra

forma, mais velho, com as limitações, não soltando pipa comigo, mas enchendo balão no meu

aniversário ou tomando cerveja comigo. Entendeu? Com a minha mãe foi redimensionar

papéis. Assim, ela não era minha esposa mais, e eu assumi o papel de filho. E não o papel de

marido, e não o papel de tutor. Então eu fui fazendo uma releitura da minha família.

P: Você foi descobrindo novos personagens?

C: Eu fui descobrindo... É exatamente isso!... Por exemplo, o Marcos abandonado, o meu eu

abandonado procurando ajuda do pai, que era o objeto do abandono, que era quem tinha me

abandonado. Era o Marcos estressado, cansado, não querendo a responsabilidade, chegando


240

para a mãe e dizendo: – “Olha, você não é minha mulher, são coisas que meu pai tem que

resolver, eu tenho meus problemas de filho”. Então, era eu ir assumindo os meus papéis e ir

descobrindo os meus limites, dentro da minha... dentro da minha estrutura familiar. O mesmo

foi com minha irmã, o mesmo aconteceu com minhas relações e... A terapia me ajudou muito,

me ajudou muito na minha história de... de sete anos com a minha relação amorosa... de eu

conseguir... Eu acho que a palavra é libertação. De conseguir olhar para mim e dizer: – “Você

merece andar mais, você merece ir mais além e você tem todas as condições para ir além”. E

não ficar me apoiando, e não ficar me prendendo em... uma pessoa. Então assim, não é pelo

quesito nem pelo sentimento, eu entro no quesito medo. De pegar uma pessoa e de colocar ela

na minha frente para me salvar. Para que eu não tivesse medo. E à medida que a terapia foi

me dando coragem para me mostrar, foi me dando coragem para ser aquilo tudo que eu

sempre quis ser. A terapia não trouxe nada de novo, a terapia só me..., ela só me abriu as

portas, as minhas portas, para eu ser aquilo que eu sempre tive vontade de ser e fazer. Acho

que eu preferia espelhar nos outros e não..., não olhar para mim e não me dar oportunidade

para fazer isso. Então quando eu vejo a vida que eu consegui para mim hoje, era tudo que eu

queria. Sabe, assim? Eu não tenho a melhor vida do mundo, mas...

P: Como é que está sua vida?

C: Hoje a minha vida tem a minha cara, sabe? Ela tem a minha cara. Ela tem altos e baixos.

Eu continuo sendo a mesma pessoa que passou anos aqui fazendo terapia. Não mudou. A

minha essência é a mesma. Eu vou continuar parando e olhando para uma figura no meio da

Avenida Paulista e vou me emocionar, e vou querer saber por que ela está ali, o que leva ela a

estar ali, a estar na rua, a n coisas. Porque isso é meu, esse olhar é meu. E eu aprendi a dar

valor para isso e uso isso, uso isso no meu trabalho hoje. Eu não usava.
241

P: Como assim?

C: Mesmo! É tão engraçado, quando eu cheguei na televisão, no auge da minha mudança

toda, eu comecei a editar, eu editava matérias e tal. E eu me lembro que eu pegava as matérias

e eu tinha uma determinada idéia para aquilo, para resolver a matéria. E aí, eu ia para ilha,

passava semanas trabalhando aquilo e quando eu assistia à matéria, não era aquilo que eu

tinha pensado para a matéria. Até o dia que meu editor chefe chegou e falou assim: –

“Marcos, você tem que criar, você tem que ser mais criativo, as suas matérias são boas, mas

elas são duras, elas são secas, você precisa ousar um pouco mais”. E um comentário desses

antes... um comentário desses antes me destruiria completamente, eu ia me sentir burro, eu ia

me sentir um inútil, eu ia me sentir um incapaz. E a única coisa era que assim, eu sabia que eu

tinha aquilo que ele estava me pedindo, mas eu só tinha medo, só tinha vergonha e aí eu

comecei a soltar. E é incrível, hoje quando eu assisto as minhas matérias, eu consigo ver

criação...

P: O que você consegue ver?

C: O meu sonho era editar uma matéria e fazer alguém chorar vendo minha matéria. E eu

consegui isso lá. Eu consegui chegar na redação, era uma matéria sobre... na verdade foram

duas matérias: era uma matéria sobre o Ayrton Senna e uma matéria sobre uma denúncia de

prostituição infantil, em Manaus. E as pessoas ligaram depois, mandaram e-mails, e eu tive

notícias de gente daqui de Goiânia e gente de lá de São Paulo que veio e me abraçou na

redação e falou: – “Eu chorei na sua matéria”. Aquilo foi maravilhoso! Porque, assim, era eu

conseguindo me colocar no meu trabalho, aquilo sou eu. Sabe, assim? Eu me assistindo, eu
242

consigo me assistir. Não sou eu fazendo uma matéria porque os outros querem e era o que eu

fazia. E agora não, agora eu consigo soltar a minha emoção também no meu trabalho. Porque

eram duas coisas muito separadas: eu era muito sério no meu trabalho e aí eu guardava a

emoção muito para mim. Meu exercício de... de regar mesmo o resto da minha vida com a

minha emoção. Não deixar ela só guardada em um determinado lugar. Então assim, a terapia

me fez fazer os exercícios. E é louco, porque eu falava para minha terapeuta que eu não ia

fazer isso, que eu não ia conseguir fazer isso, nunca. Porque era tudo difícil. Quando eu

levava as tarefinhas para casa, eu achava impossível ficar prestando atenção no meu jeito,

ficar prestando atenção em como eu conduzia determinadas coisas e tudo mais. E eu me

lembro que eu falava para a terapeuta: – “Eu não vou conseguir, é muito difícil, isso nunca vai

fazer parte de mim”. E ela falava que sim, que com o tempo isso ia ser absorvido e que eu

nem ia perceber. E é realmente isso. Então, assim, hoje eu consigo fazer minha leitura

corporal, eu consigo fazer... É... eu sei exatamente os meus momentos em que eu preciso do

meu momento e consigo falar: – “Agora, gente, me desculpe, mas eu preciso ficar comigo”.

Eu não vou me expor a uma determinada situação que eu não tenho condições de enfrentar.

Eu não me jogo mais em uma situação em que eu sei que eu posso sair muito machucado.

Então, eu me preparo para ela e enfrento. Então assim, eu aprendi a relação do tempo, não dá

para você resolver tudo de uma vez.

Então assim, o que me manteve muito em São Paulo no meu início, é... porque eu

abandonei tudo, eu mudei de uma cidade para outra, eu larguei um trabalho de nove anos, eu

larguei uma relação de sete anos, eu larguei uma família que eu sempre morei, eu larguei a

terapia, eu larguei uma vida que eu tinha construído com muito tesão, com muito prazer e

parti para uma etapa nova. E com muito medo de não dar certo, com muito medo de dar

errado, querendo um resultado muito rápido. Mas essa noção de tempo, de espera, de

paciência que a terapia me ensinou, que eu aprendi ao longo da terapia é... foi um dos
243

melhores suportes de eu tive. Então assim, eu tive as minhas crises homéricas de choro. Eu

construí um espaço na minha casa que eu apelidei de choródromo. Então, tem assim um

banco que eu coloco ao lado da janela da área de serviço, que é uma janela gigante e eu tenho

uma visão extremamente urbanóide, prédios e prédios e prédios e prédios. E aquela era a

imagem que eu sempre quis para mim, eu sempre quis morar em São Paulo, eu sempre quis

viver este estilo de vida. Então, eu me lembro que quando eu entrava em crise, eu sentava no

banco e chorava, olhando para a realização do meu sonho. Então, eu chorei de saudades do

meu pai, eu chorei de saudades da minha mãe, eu chorei de saudades de Goiânia, do meu

trabalho, de mim, de como eu era aqui. Mas eu sabia que isso era parte de um processo de

mudança, um processo de despedida... Então, assim, eu fui dando tempo para ver como as

coisas iriam caminhar. E eu levo a terapia como uma das coisas mais importantes, assim, eu

sou defensor número 1 da terapia, da terapia preventiva, da terapia para resolver os

problemas. Eu sou defensor número 1, porque... porque assim, é um tempo que eu tive para

mim, que foi muito importante. É... é um processo que me ajudou a ter muita consciência de

mim. Eu sinto falta de fazer terapia hoje, deve ter um ano e meio que interrompi a terapia. Vai

fazer um ano, tem um ano que eu fui para São Paulo e eu sinto falta de fazer porque eu

reconheço que com a vida que eu levo hoje, o que eu experimento hoje em São Paulo, no meu

trabalho, com as relações que eu estou criando, eu continuaria no meu processo de

crescimento, e muito. Porque o que eu consigo como leigo, ler hoje, o que eu consigo

absorver dessa história toda eu fico pensando se eu tivesse um acompanhamento. Então

assim, seria muito legal, estar ali trabalhando nesse momento que eu julgo muito importante

na minha vida. Mas eu carrego para mim um kit básico de terapia, sabe assim? Regrinhas

básicas que eu aprendi...

P: Quais são essas regras?


244

C: As minhas regrinhas básicas: eu sempre dou uma segunda chance. Foi uma das primeiras

coisas que eu aprendi na terapia. Eu dou uma segunda chance quando eu conheço uma pessoa

e eu não vou com a cara dela. Eu não me fecho, porque se alguém me incomoda isso ... isso

me chama a atenção e eu sou levado a querer entender por quê. Então eu dou uma segunda

chance, sempre. Eu não tenho medo nem vergonha de falar das minhas fraquezas e das

minhas inquietações, das minhas angústias, eu não tenho medo. Então, assim, o que eu

aprendi é: a partir do momento em que eu tenho coragem de assumir as minhas falhas, os

meus defeitos, e avisar para a outra pessoa que eu tenho os meus limites, isso não me coloca

numa posição inferior, como eu achava que era, isso me coloca numa posição humana. Sabe?

De dizer que eu tenho os meus limites e que a pessoa precisa respeitar os meus limites. Então

isso é uma regra básica que eu não fazia. Eu aprendi a... Eu sempre me pergunto se isso vai

me fazer bem. Se isso é arriscado e se eu estou tomando determinada ação, determinada

atitude, por mim. Se sou eu que quero fazer isso, porque, se eu tiver consciência de que eu

quero fazer, mesmo se der errado alguma coisa eu não vou responsabilizar ninguém. Foi uma

coisa minha, foi um processo meu, eu resolvi, eu fui. E, então, não há sofrimento. E, se há

sofrimento, é um sofrimento menor, porque é um sofrimento meu, porque eu decidi isso. É

claro que tudo isso leva tempo. Então, assim, eu não tomo uma decisão da noite para o dia.

Então eu penso, eu converso com outras pessoas, desabafo, lá, lá, lá, lá, lá, lá, e depois eu

tomo minha decisão. Eu não faço essas coisas sozinho, eu aprendi a dividir também.

Então, são essas coisas: eu dou uma segunda chance, eu olho para mim, eu aprendi a

me cuidar, eu aprendi a perguntar para a outra pessoa, a pedir para a outra pessoa se colocar

no meu lugar, eu aprendi a me colocar no lugar das outras pessoas. Então, a experimentar um

pouco a dor do outro, e entender, e tentar entender as mazelas. Então, aquele cara que é muito

grosseiro no trabalho, eu prefiro lidar como ele tem os motivos dele para ser grosseiro. Se ele
245

quer expor ou se ele não quer expor aí é uma outra história. Entendeu? Mas ele tem lá as

razões dele para ser daquele jeito. E aí se incomodar aí eu quero entender pelo menos comigo

porque que ele me incomodou. Se é porque me lembra meu pai, se é porque me lembra não

sei quem. Então, eu aprendi isso, a me ver primeiro. Eu tenho um caso legal que é... Quando

eu passo por uma situação de estresse, ou que alguém briga comigo ou que eu fico chateado

com alguém e tal. Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela

como eu me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela fez. Mas eu

aprendi isso e eu exercitei isso muito tempo no meu processo terapêutico, que era dizer como

eu estava me sentindo diante de uma determinada situação. E, Celana, como isso funciona!

Como isso é impressionante! E como isso me coloca numa situação, muitas vezes, de uma

coragem extrema. Então assim, eu fico muito... Eu indico todo mundo que eu converso, que

me perguntam sobre isso: – “Nossa, mas às vezes você tem uma clareza tão grande das coisas

e tal”. Eu faço propaganda, assim – “Olha, eu fiz terapia e, tem um detalhe, se eu não tivesse

preparado pra esse mergulho dentro de mim, eu podia estar há dez anos fazendo terapia, que

eu não ia fazer, é uma viagem que depende de mim. Se eu estou disposto a me ver, se estou

disposto a encarar, se eu estou disposto a chorar e tudo mais, eu vou em frente”. Então assim,

eu continuo, eu faço questão de dizer isso, que eu continuo vivendo meus períodos de

angústia, eu continuo vivendo as minhas crises de auto-estima, eu continuo com todos, todos

eles, mas todos eles agora têm o seu lugar específico e a gente consegue sentar e... A gente

consegue sentar e bater um papo legal.

Então, eu achei que a terapia fosse me livrar desses fantasmas e me colocar num

paraíso. E eu descobri ao longo do processo que ela só ia me proporcionar a fazer as pazes

com um monte de coisas. Então assim, ela ia me proporcionar a enterrar alguns fantasmas, a

enterrar alguns assuntos, que faziam questão mesmo, sabe? Que não tinham motivos para

estar ali mais. E manter uma convivência pacífica com outras coisas, porque algumas coisas
246

são minhas e elas vão ficar comigo, então, eu tenho que cuidar bem, porque elas fazem parte

de mim. Então, isso eu aprendi, isso eu... Eu me sinto leve. É louco isso... Sabe? Mas, eu

consegui fazer uma releitura da minha vida enquanto eu fiz terapia e, hoje, eu consigo me

enxergar muito melhor, muito, eu consigo me ver muito melhor, eu consigo identificar

algumas coisas em mim...

P: E como é espalhar o que está acumulado?

C: É uma delícia. É uma delícia. Dá medo, requer cuidado, mas é extremamente prazeroso me

ver circulando. É extremamente prazeroso ver irradiando, sabe, assim? E conseguir ver o

reflexo. É emitir e ver de volta. E não fechar o olho quando vê de volta, sabe? Então, assim, é

me mostrar, sem medo de me mostrar, e conseguir olhar para as pessoas e ver que elas gostam

de mim. E ver que elas admiram algumas coisas, que elas são ponderadas com outras, que

elas não gostam de outras. Mas olhar e falar: – “Gente, isso tudo sou eu”! E não ficar sentado

dizendo: – “Poxa, se eu dissesse, poxa se eu... sabe? Se eu fizesse, se eu andasse, se eu

falasse”. É ir e fazer. E saber lidar com o que eu tenho de volta, que às vezes não é fácil.

Então, assim, é maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o que

você vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me ensinou a lidar com

isso que vem. Porque é legal você fazer, é legal você pôr para fora, mas o maior trabalho é em

como você vai lidar com o que você pega de volta, com a reação daquilo que você faz. E um

dos grandes exercícios que eu faço até hoje é exatamente esse, é como lidar com as coisas que

vêm para mim. Que são muito fruto das coisas que eu faço, são reflexos das coisas que eu

faço. E antes eu ignorava completamente, eu deixava passar, como se isso não fizesse parte de

mim. Como se eu tivesse só que dar para as pessoas e elas não tivessem que fazer

absolutamente nada em troca. E hoje eu sei que elas fazem em troca. E aí eu sento e recebo. E
247

é prazerosíssimo quando é positivo, quando é negativo, porque... porque é um fluxo. Então

assim, eu não tenho mais medo de chorar, eu não tenho mais medo de sofrer, porque eu sei

que é tudo processo. Eu aprendi como é que as coisas funcionam [risos]. Eu aprendi como

funciona, que você tem que deixar as coisas virem. Aí eu simplesmente... é... ouvir e... e pegar

para mim o que é bacana, entender o que não é bacana. Uma palavra: eu acho que é respeito,

sabe, assim? A terapia me ensinou o respeito comigo e o respeito com o outro. É isso! E aí

quando você aprende a respeitar, a se respeitar e a respeitar o outro, as coisas funcionam.

Porque você magoa menos e você é menos magoado. É isso! Você machuca menos e você

sofre menos. Então, eu acho que se a gente puder fechar, o meu fechamento é esse.

P: Com o respeito?

C: Com o respeito. Eu aprendi respeitar e pedir para as pessoas que façam a mesma coisa

comigo. Algumas conseguem mais, outras conseguem menos. Às vezes, com mais facilidade,

às vezes, com menos facilidade, às vezes, dói mais, às vezes, dói menos. A dor ainda existe, a

ansiedade ainda existe. Mas aí, quando você senta para conversar com a outra pessoa e está

disposto a respeitar, flui, é humano. Então, é bonito. E eu sempre achei isso maravilhoso.

Então, é isso, a gente fecha com duas palavras [risos]: tempo e respeito. É isso: é o respeito

pelo tempo. Meu, seu, do outro. Assim, as coisas funcionam.

P: Marcos, você tem algo mais que gostaria de compartilhar sobre seu processo

psicoterapêutico?

C: Olha, Celana, gostaria de falar sobre a terapia de grupo. Fazer parte do grupo para mim foi

uma experiência bem bacana. Antes, eu preciso te falar que eu tive muito medo. Precisei ser
248

muito bem convencido pela minha terapeuta a fazer parte do primeiro grupo. Depois, disso,

ah, foi uma festa! Não parei mais de fazer terapia em grupo. Mas sempre acompanhado pela

terapia individual. O grupo, pra mim? Foi um terror no começo. Não sabia como agir, como

lidar com as pessoas. Comecei achando que seria um fracasso. Mas, no final, o grupo acabou

me ajudando a me entender diante das pessoas. Não é nada fácil ficar sentado ali contando as

minhas neuras para um monte de gente estranha. Mas, com o tempo, eu fui me acostumando,

e o processo foi ficando mais tranqüilo. O grupo me ensinou principalmente a respeitar o

outro. Respeitar o tempo das pessoas. Cada um funciona de uma forma. E eu não entendia

isso. Tudo tinha que ser do meu jeito e resolvido no meu tempo. No grupo era bem diferente.

Cada um funcionava à sua maneira. Ai, que delícia fazer parte daquelas histórias! Sabe que

falando assim, até me dá saudade de voltar a fazer parte de um grupo. Se eu pudesse comparar

com alguma coisa, o grupo seria mais ou menos o meu ritual de passagem para o mundo real.

É como se eu precisasse fazer um exercício supervisionado de como viver em público.

Aprender algumas regrinhas básicas e depois sair por aí colocando em prática. E não é que

funcionou? [risos]. No começo, eu duvidei. Mas quando vi, já estava virando uma vítima

saudável da terapia em grupo. Essa sem dúvida foi uma experiência incrível na minha vida.

Não vou esquecer tão cedo as lições que tirei.

P: Qual é a sensação de relembrar seu processo psicoterapêutico?

C: Eu... eu vim com medo de... Aí, meu Deus, eu vou abrir um monte de coisas e não sei o

quê... Mas eu fiquei muito feliz de chegar aqui, muito. E de olhar e receber as pessoas como

amigos, assim. E é muito prazeroso passear pela minha história. É muito prazeroso. É como

passear por Goiânia. Assim, eu peguei o carro e andei. Fiz o caminho mais longo para chegar

aqui e fui vivenciando isso. Às vezes, eu fico preocupado, falo assim: – “Ah, eu estou
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começando a ficar triste”. Mas é isso! É assim, essa tristeza vai me fazer bem? Ela vai, porque

é um saudosismo gostoso. Então eu deixo vir isso. Então, esse passeio que a gente fez por sete

anos e meio de terapia, é exatamente isso. E dá saudade de sentar naquela salinha? Nossa!

Muita saudade! De relembrar, de vir, chorar, entrar no carro e ir embora chorando, lá, lá, lá.

Eu não sei se eu faria isso de novo. Não sei se eu sairia e entraria no carro com esse choro.

Porque esse choro, ele se encaixa com aquele momento, e agora, é outro choro, é outra

história. Então, assim, e não me incomoda. Me emociona, me dá saudade, é isso. É reviver um

momento maravilhoso e... e é isso. De fechar e falar assim: – “Cara, como eu consegui

chegar, como as coisas hoje são limpas, como eu sou limpo”!

P: Marcos, você percebe no seu processo psicoterapêutico alguma coisa que a terapia te

prejudicou?

C: Tem uma coisa, que eu não dou esse peso. Eu não dou esse peso, porque eu acho assim: o

que a psicoterapia fez é o mesmo que o teatro, é o mesmo que a dança, é o mesmo que o

cinema, é o mesmo que qualquer tipo de arte faz com quem resolve entrar nesse espaço. À

medida que você tem mais conhecimento, você enxerga mais e você está passível de sofrer

mais por isso. Então, assim, se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em contato

com um monte de coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não enxergaria coisas que eu

enxergo hoje e que às vezes me colocam em situações muito complicadas comigo. Eu faria

vistas grossas porque seriam situações desconhecidas para mim. Mas é a mesma coisa de eu

lidar com qualquer outro tipo de sensibilidade. Então, se eu invadir qualquer ramo das artes,

eu vou aguçar, qualquer pessoa que faz isso aguça a sensibilidade e passa a sofrer mais por

isso. Então, eu não trabalho nesse ponto de ser pejorativo, assim, de tornou a minha vida, foi

ruim para mim. É uma escolha que eu fiz logo nas primeiras sessões: – “Eu vou me entregar
250

ou eu não vou me entregar”? E aí eu tomei a decisão de me entregar. Como algumas pessoas

não se entregam e não é só na terapia, é em vários níveis da vida. Então, assim, eu me

entreguei e, aí, eu sofri nesse processo. Se eu não tivesse me entregado à terapia,

provavelmente eu não teria sofrido com algumas coisas. Mas ter sofrido e ter superado, hoje

valeu à pena. É como eu ir ao teatro e não entender absolutamente nada da peça. E ler um

livro, estudar sobre o assunto e depois ver a peça novamente. E falar: – “Nossa, como eu não

vi isso na primeira peça”. É exatamente isso. Então, eu não considero que seja... ruim. Eu

considero que seja doloroso. É como colocar aparelho nos dentes, é como fazer dieta. É isso.

Você vai sofrer, tem hora que você vai querer arrancar tudo, pegar tudo e jogar o terapeuta

pela janela. Mas, depois você vai dar um sorriso no espelho e fala: – “Nossa, graças ao

aparelho, o meu sorriso está melhor”. É isso, assim, o meu sorriso ficou muito melhor com a

terapia. E doeu colocar o aparelho. Então, eu não acho... eu não considero que seja ruim,

considero que seja um processo doloroso e que requer entrega.

P: Quantos anos você tem hoje?

C: Eu tenho 31 anos.

P: Qual que é sua profissão?

C: Eu sou jornalista. Sou jornalista há dez anos.


251

Anexo 5

ENTREVISTA – LUÍSA

08 de julho de 2006.

P: Luísa, como você tem vivenciado seu processo psicoterápico?

C: Eu comecei, tinha 16 anos, era uma adolescente... Vou fazer 23! Estava, assim, meio

perdida no mundo, confusa, com briga em casa, cheia de conflitos mesmo. A terapia foi mais

uma ajuda mesmo, alguém de fora que eu precisava para me ajudar. Eu tinha brigado com a

minha mãe, ela tinha me expulsado de casa, enfim... E foi, eu acho que foi fundamental nessa

fase da minha vida, porque... me ajudou a aceitar quem eu era, porque eu não aceitava, não

conseguia aceitar minha realidade. Não conseguia aceitar minha família, não conseguia

aceitar quem eu era, não conseguia aceitar onde eu estava mesmo, queria viver uma vida que

não era a minha. Era um conflito muito grande. E a terapia me ajudou nesse ponto, nessa

época muito importante, numa época de muita decisão: escolha da profissão, de saber mais ou

menos o que queria da vida, e eu não tinha nem maturidade para isso.

P: Como era a Luísa adolescente que estava perdida?

C: Eu não sabia reconhecer quais coisas eram de verdade, era como se eu tivesse em um

processo de negação. Eu não queria aquela vida que eu tinha, sabe? Eu não queria aquela mãe,

eu não queria aquele pai, não queria aquela situação, não queria... sabe? Minha vida era uma

constante fuga nessa época. Tanto que eu vivia mais na casa de amigas do que na minha

própria casa. Não me sentia em um lugar meu, o que era meu eu não sentia que era meu. A

psicoterapia me ajudou a ir vendo isso, aos poucos. Vendo quem eu era e que eu tinha que dar
252

valor, que era bom, que não era ruim como eu achava... Então, acho que foi importante... até

para começar a entender o lado do meu pai, da minha mãe, não é? Principalmente da minha

mãe, que era com quem eu tinha mais conflito naquela época. Então, foi mais esse processo

de começar a entender ela, ver que ela também tinha as dificuldades dela... E ir aceitando aos

poucos o que a vida me oferecia, olhando para o que eu tinha. Então, eu acho que a

psicoterapia foi fundamental nisso, mas primeiro eu tive que ver, não é? Porque eu nem

queria ver o que eu tinha. Então, primeiro eu tive que aprender a ver o que eu tinha, quem era

a minha mãe, quem era meu pai, quem era eu, onde que eu estava, qual que era meu lugar,

não é? Para aprender a conviver com isso. Então, nesse começo eu acho que foi mais isso.

Outra coisa que a terapia me ajudou foi a questão da escolha profissional, porque

chegou uma fase que eu estava muito perdida... foi logo no segundo grau [ensino médio] me

tinha que escolher uma profissão. E aí, entra aquela história, o que realmente eu queria e o

que eu queria provar para os outros. Porque tinham coisas que vinham na cabeça que eu

queria fazer simplesmente para provar que eu era capaz, outras coisas que minha mãe queria

que eu fizesse. Então, foi assim imprescindível para ver o que realmente eu queria, o que era

para mim e o que era para os outros. Então, nesse ponto se eu não tivesse feito terapia aquela

época eu poderia estar frustrada, fazendo uma coisa ou outra sem ter a menor noção de quem

eu era e do que eu queria, poderia não estar feliz. Então, nesse ponto, nessa fase, a

psicoterapia foi muito importante.

Nessa época também eu comecei a namorar, um namoro que dura até hoje. E foi muito

assim... acho que se eu não tivesse a terapia também, não teria sido uma relação saudável

assim, porque eu era muito menina e problemática. E a pessoa que eu encontrei veio de toda

uma história problemática familiar e estava com problemas na época, sempre nosso

relacionamento passou por problemas na família dele. Então, assim, se não tivesse a

psicoterapia... se não fosse esse lugar, essa válvula de escape, esse lugar para me ajudar
253

mesmo a olhar sem tanto... sem radicalizar tanto, sem fantasiar demais, olhar, assim, de

verdade. Eu tinha uma tendência muito grande a... a ser submissa, a subjugar, a ficar

dependente, a ser dependente dessa relação, achar que essa relação era tudo na minha vida,

depositar minha vida inteira nessa relação e eu sofri muito, muitos anos nessa relação. E nesse

lugar que eu consegui ter, assim, um insight de que eu tinha que ter minha vida, que eu tinha

que ser mais eu, foi também na terapia. Eu acho que se não fosse a terapia ou era uma relação

muito frustrada, muito ruim, ou não tinha mais essa relação. Acho que não teria construído a

relação como está hoje. E, até hoje mesmo, é o que mais me ajuda a clarear a coisas. É muito

difícil, porque, opinião, todo mundo quer dar, amiga... todo mundo tem o que falar, todo

mundo vê de um jeito, todo mundo sabe um lado da história, mas nunca é o que realmente é.

Então, eu acho que se eu não fizesse terapia eu não ia conseguir filtrar, e, uma coisa que a

terapia me ajuda, que eu tenho que tomar muito cuidado, de não ir somente pela opinião dos

outros. Então eu acho que eu ainda preciso muito de ir para a terapia, pois ajuda a me

organizar melhor quando estou confusa.

P: A terapia te ajuda a organizar-se melhor e a não seguir a opinião dos outros. O que você

segue?

C: Eu vou ao encontro do que realmente é, sem fantasia, eu vou ao encontro da minha

opinião. Assim eu consigo organizar minhas idéias, eu acho que é isso, conseguir organizar as

idéias. Realmente, algumas opiniões são importantes, algumas opiniões reais, algumas outras

opiniões são muito parciais. Então, assim, tudo tem vários lados, toda história tem o outro

lado, toda pessoa tem vários lados. E, muitas vezes, a opinião de alguém só vê um lado. No

grupo eu consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse feito

grupo. Por exemplo, consegui ouvir as razões de uma pessoa que era considerada egoísta e
254

entender seu egoísmo, segundo seu ponto de vista e passar a nomear aquela atitude de luta

pelo que acredita. Então, eu acho que é nesse ponto, de poder me organizar, de poder sentar,

organizar, olhar a coisa de todos os ângulos que a gente pode ver. Nesse ponto eu acho que a

terapia é muito bom, nesse ponto, o que eu acho que mais me ajudou foi a terapia de grupo, a

questão de estar no grupo. Eu acho que a individual [terapia] me ajudou a me ver, a ver meu

mundo, a reconhecer meu mundo, a me aceitar, a aceitar meu mundo, lidar com aquilo que eu

tenho. Mas o grupo ele me ensinou a me reconhecer nos outros, a ver que... Me ajudou demais

nos meus relacionamentos, a entender os outros, me reconhecer nos outros, a ver que

problemas todo mundo tem, dificuldades todo mundo tem, às vezes são as mesmas, às vezes

são diferentes. Então, assim, eu acho que o grupo me ajudou mais na questão de relação.

Depois que eu fiz grupo eu tive um outro olhar sobre qualquer pessoa, sabe? Um olhar mais

emotivo mesmo, um olhar menos frio, menos julgador, menos crítico, um olhar de falar

assim, é... tentar entender mesmo: – “Isso é assim, mas tem um porquê”. Ninguém é perfeito,

em compensação a pessoa tem outras qualidades, tal... não ser tão radical no julgamento.

P: O que você quer dizer quando fala em reconhecer-se no outro?

C: É mais ou menos assim, na prática, quando alguém estava dando... dando um testemunho

de alguma coisa que aconteceu e aquilo ali me tocava. Entendeu? Aquilo ali no fundo estava

me tocando porque era um reconhecimento de mim naquela pessoa. Estava olhando e falando:

– “Nossa! Eu também! Nossa! Não sou só eu que sou assim. Nossa! Não sou o patinho feio da

história”. E até saber como que aquela pessoa lidava com aquilo... tudo me ajudou muito. E

são muitas histórias assim, é muito emocionante...

P: Te vem alguma história agora?


255

C: Ah! Tem vários momentos... Não só que eu me reconheci, mas que eu me comovi muito.

Que eu saía pensando que são pessoas maravilhosas, apesar de terem tido uma vida dificílima,

que você olha e fala assim: – “Nossa! Eu reclamando... Ou, meu Deus! Essa pessoa é ótima,

essa pessoa merece muito mais”. Mais nesse sentido... Me ajudou muito na relação com os

outros... [pausa] Com o passar do tempo, com a aceitação e a admiração que passei a ver as

pessoas no grupo, me influenciou a ver, na terapia individual, a questão da minha família, de

ir aceitando ainda mais a família e me relacionando muito melhor, de ir aceitando meu pai

alcóolatra. Sempre foi um conflito: – “O que eu posso fazer, o que eu tenho que fazer, o que

eu quero fazer”. Porque era um sofrimento muito grande ter uma única opção: – “Eu tenho

que fazer alguma coisa, eu tenho que fazer alguma coisa”! Não dava, nem ele estava pronto,

nem eu estava pronta. Hoje: – “Eu vou fazer até onde eu der conta”. Mas até eu chegar a ter

essa tranqüilidade, de fazer até onde eu dou conta e ficar tranqüila, era uma luta constante de

culpa, de... culpa daquela situação, de não estar fazendo nada, de estar deixando aquilo

acontecer. Então, até chegar nesse ponto, se não fosse a terapia, acho que eu tinha machucado

muito a mim mesma, e machucado muito também o meu pai. Teria forçado certas situações

que a pessoa não está pronta e não adianta [pausa].

Na área profissional mesmo, no começo eu tive uma dificuldade imensa para cair a

ficha do que eu estava querendo, do que eu queria fazer, se era aquilo mesmo, se não era,

gosto, não gosto, vou estudar, não vou. Então, assim, foi um processo demorado, tanto que eu

perdi um ano na faculdade [risos], mas eu acho que foi um ano que valeu a pena ter perdido,

porque depois eu... hoje eu dou mais valor. Mas, é outro ponto assim, se... acho que se eu não

tivesse esse momento aqui para conversar sobre isso, para ter essa visão de todos os lados da

história, do todo, de mim dentro daquilo ali, de tudo que... tudo que influenciava, tudo que me

influenciava, eu teria levado o curso, sem saber se era realmente aquilo que queria, me
256

formado, estaria frustrada, tal. Sabe, assim, não ia conseguir me deixar tocar pela frustração e

não teria parado para pensar. Não teria parado para me deixar tocar e falar: – “Nossa! É isso

mesmo que eu quero. Nossa! É isso que eu gosto”. Sabe? E me apaixonar do jeito que eu me

apaixonei. Porque eu não entrei apaixonada por aquilo ali. Eu entrei assim, foi um processo

também na terapia. Eu virei e: – “Ah, não, isso eu gosto, eu acho que vai ser bom e tal”. Mas,

na hora que eu entrei na faculdade, eu comecei a achar meio chato... relaxei, as matérias meio

que não tinham muito a ver e tal, e foi virando uma coisa meio sem sentido. Aí eu tive que

retomar e ver ... porque que eu estava ali, se era o que eu realmente queria, ou se não, se não

tinha nada a ver. Então, assim, foi um momento que eu acho que... a profissão me tocou, eu vi

que: – “Nossa! É isso que eu quero, que eu gosto”. Me deixei mesmo... e ter uma postura

muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali, de que é isso que eu quero, de estudar, de

correr atrás dos estágios e das oportunidades que a vida me oferecia. E acho que se não fosse

a terapia...

P: Você lembra como a terapia te ajudou nessa época?

C: [Pausa]. Me ajudou a ir olhando mesmo, se era realmente o que eu queria. Olhar o sentido

de estar ali. Tá, eu escolhi porque era legal, mas agora eu não estou achando legal? Então, tá,

então eu posso não continuar, mas por que eu estou continuando? Entendeu? Então, ver os

vários motivos pelos quais eu estava ali, e ver o que me fazia estar ali ou não. O que me fazia

desistir, o que me fazia continuar. E ver principalmente se era o que realmente eu queria,

porque eu tinha a opção de não querer. Falar: – “Não, não é nada disso” e desistir, e fazer

outra coisa. Mas a terapia me ajudou a ver que... parece que não tinha mais nada não [risos].

Por mais que tenha outras áreas que eu goste, que eu acho interessante, mas para eu trabalhar

como profissional era aquilo ali mesmo. Nesse sentido de ver mesmo... o que eu queria... o
257

que tinha a ver comigo esse curso, o que eu queria fazer. Avaliar tudo. Avaliar como ia ser

meu trabalho, avaliar o que eu tinha daqui para frente, porque eu ia ter que passar por umas

matérias chatas, que eu não gostava mesmo, mas que não tinha jeito...

P: Assumir o curso inteiro, não é?

C: É, assumir que só terei o bom se passar pelo ruim também. Tive e terei as matérias que eu

não gosto, sempre tem os professores ignorantes, sempre tem colegas chatos. Sempre tem a

parte chata, não é? Por mais que eu gostasse e escolhesse aquilo ali, não ia ser uma coisa

perfeita. Então, assumir isso, de passar pelas partes ruins por causa das boas. Isso a terapia me

ajudou. Deixa eu ver o que mais... [pausa].

P: Gostaria de retomar a algo que hoje você falou nesta entrevista de uma maneira muito

emocionada: o como você olha para as pessoas atualmente. Você disse que na terapia,

sobretudo na terapia de grupo, você pôde olhar para as pessoas e ver o bonito delas, e que isso

te ajudou na vida...

C: Na vida... Eu sei que hoje isso me faz uma pessoa diferente das outras, é um diferencial

para mim, isso eu tenho absoluta certeza.

P: Descreva essa diferença.

C: Eu consigo, e fica cada dia mais claro, gostar das pessoas que nem todo mundo gosta ou

mesmo que eu nunca tinha visto. Gostar de quem você conhece, é quase que uma obrigação e

você, pela convivência, acaba vendo o lado bom. Mas você tentar gostar de alguém que você
258

nunca viu, como é o caso assim nos estágios, sabe? No próprio hospital, chegar ao leito de um

paciente e eu ter a sensibilidade de saber que aquilo ali é alguém que pode me ensinar alguma

coisa e não simplesmente eu estar ali fazendo minha obrigação, e eu tenho certeza que isso

fez, sabe, me dar esse diferencial. É como se fosse assim: a terapia individual me fez entender

que eu me basto no sentido de que, eu... não no sentido que eu sou uma ilha, mas no sentido

assim de que eu preciso me gostar, a melhor coisa que eu tenho sou eu, do jeito que estou

naquele momento, mas o grupo me fez ver que eu só vou crescer com as outras as pessoas, é

uma coisa assim que... o maior aprendizado que eu posso ter é na vida é com as pessoas. No

meu estágio, muito do meu atendimento é realizado com pessoas simples, uma pessoa

desconhecida, uma velhinha, um velhinho simples, calvinho, e aquilo ali você aprende tanto...

tanto... é muito mais do que fosse um PhD. Aprendi a respeitar e ter interesse pela pessoa

humana. Mas esse olhar eu acho que eu só aprendi a ter no grupo, esse olhar de olhar mesmo

para as pessoas, chegar e olhar.

P: Como você vivenciou isso no grupo?

C: No grupo, eu pude olhar mesmo, e querer ver, querer conhecer, sabe? E ver que cada

pessoa, todo mundo, por melhor ou pior que ela seja, as pessoas sempre têm alguma coisa

muito interessante. Sempre eu vou aprender com as pessoas, sabe? Sempre... Então isso... isso

tirou muito preconceito... muita barreira de não me deixar envolver mesmo. Tem muito isso

na minha profissão, das pessoas não se envolverem, das pessoas serem frias. Eu já acho que...

a terapia me fez assim, me deixar envolver. Claro que é um envolvimento consciente, não é?

Claro que ele é um movimento assim quase que de propósito e necessário essa aproximação

da pessoa com quem eu estou.


259

P: Como essa maneira de se relacionar tem ajudado na sua vida?

C: A terapia me permitiu a ver, por exemplo, os porquês do meu namorado, sabe? É...

enxergar meu namorado, a vida dele como um todo, não só como namorado, sabe? Enxergar

ele como homem, enxergar ele como filho, enxergar ele como profissional. Porque antes eu só

enxergava um lado, só queria aquilo ali: namorado. Namorado tem que ser assim e tem que

ser assado. E o resto... o resto ficava fora, o resto ficava da porta para fora. Então, eu aprendi

a ver e a conviver com isso. E a terapia me ajudou muito porque ele não é uma pessoa

comum, não é uma pessoa fácil, não é uma pessoa fácil de gostar, não é todo mundo que

adora. Não é uma pessoa que as amigas falam: – “Nossa, seu namorado é muito legal, é muito

simpático”. Então, assim, é muito complicado, porque que eu tenho que sempre estar olhando

e lembrando, por que eu gosto dele tanto? [Risos] Que ele é isso, que ele é aquilo. Mas nessa

questão a terapia me ajudou. De exatamente me deixar envolver, de deixar ver, sabe? Porque

muita coisa eu não queria ver. Deixar ver mesmo com os defeitos? As piores coisas, as coisas

mais feias que uma pessoa pode ter, pois ele tem muitas coisas feias e, também, tem as coisas

mais sublimes, que você olha: – “Nossa, que legal, que meigo...”. Então eu acho que isso

ajudou demais.

P: E novamente integrar o ruim e o bom, não é?

C: Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança mesmo, não é? Se

está me fazendo bem, se está me fazendo mal. O que me aproxima, o que me afasta. Tem

muita coisa que afasta também. Mas essa visão do ser humano, sabe? Essa visão do humano

mesmo, de olhar e ver que ninguém é perfeito, que todo mundo tem seus problemas,

principalmente todo mundo tem uma história e acho que isso é fundamental. Isso eu aprendi
260

no grupo... que... por mais que as pessoas não fosse assim, do jeito que pretendiam, tinham

uma história que sempre vinha, uma história delas, uma história de vida que me fazia entender

aquelas atitudes diante a vida. Aquilo que as levaram a serem aquilo que elas são hoje.

Aquilo, igual eu falei: – “Aquilo que me levou a ser aquilo que eu sou hoje, a minha história,

se não fosse”... Eu falo se eu não tivesse passado por tudo que eu passei eu acho que eu seria

uma boba, uma mimada. Então assim: – “Eu dou graças a Deus... Nossa! Obrigada porque

meu pai e minha mãe separaram quando eu era pequena, obrigada porque eu passei por um

monte de problemas, porque isso fez de mim uma pessoa melhor, tenho certeza”. E poder ver

isso também nos outros, e ver que de repente... eu observo que quanto mais sofrida, quanto

mais coisas ela passou na vida, se ela não deixou se amargurar, ela é uma pessoa mais

interessante, sabe? Então eu vejo que se... eu tivesse tido uma vidinha perfeita... E hoje, eu

não queria ter tido essa vidinha perfeita, porque seria uma boba, entendeu? Eu vejo muitas

amigas que vêm de uma perfeição, sabe? Os pais tiveram uma história comum, casaram, tal,

estão bem, a amiga tem a vidinha dela, tudo perfeito, perfeito, perfeito, perfeito. Tão perfeito

que é quase insuportável para mim. E a pessoa, muitas vezes, fica boba, fútil, porque eu acho

que ela não consegue se sensibilizar com a situação do outro, porque ela não sabe o que é

aquilo ali, a pessoa não... eu acho que não sabe olhar para o que o outro está passando.

P: Você ressalta que a terapia lhe ajudou a olhar o humano da outra pessoa. E o seu lado

humano, também ficou mais fácil acessar?

C: Eu fico pensando, eu falo: – “Gente... eu não consigo imaginar minha vida se eu não

tivesse começado a fazer terapia naquele momento”. Porque, não sei onde eu estaria hoje, não

sei se eu estaria. Porque eu estava em uma fase muito problemática, não é? E eu tinha

tendência a ser muito problemática.


261

P: Luísa, você se considerava uma adolescente problemática, hoje você é uma jovem...

C: Eu acho que eu sou bem resolvida, sabe? Eu acho, eu sou... acho que a terapia me fez

muito mais interessante, muito mais madura. Igual eu falei, eu acho que a terapia fez de mim

uma pessoa diferente, eu tenho um diferencial.

P: E você saboreia esse diferencial, não é?

C: É. Eu tenho um olhar diferente sobre as coisas e sobre as pessoas, sabe? Eu consigo sentir

algumas coisas nas outras pessoas, ter, como se diz, um feeling, que as outras pessoas não

têm.

P: Em relação a quem você mais percebe essa diferença?

C: Eu vejo isso com as minhas colegas, é... eu vejo isso com meu namorado. No próprio dia-

a-dia, assim, por exemplo: uma pessoa ao falar de uma pessoa tal, um fulano de tal, na minha

visão, eu vejo que eu vejo além do que eles vêem, entendeu? Eu sinto que eu consigo ter uma

sensibilidade maior, eu consigo ver além, entendeu? Coisas que... coisas que para mim às

vezes são tão óbvias e ninguém está vendo: – “Nossa! Vocês não estão vendo isso, está na

cara, a pessoa é assim”. Sabe?

P: O que é ver além?


262

C: Ver além... Por exemplo, até os preconceitos, os pré-julgamentos mesmo... Uma amiga da

faculdade fala: – “Ah! É porque essa fulana é”... Acontece muito preconceito com professor:

– “Ah! Porque fulana é muito dura, é muito fria, é muito carrasca, não sei o quê, muito

radical”. E no fundo não, no fundo ela é uma pessoa ótima, só porque ela é muito ética,

entendeu? E isso, essa distorção exclui a professora da faculdade. A terapia me ensinou

também a dar valor nas pessoas. Por exemplo, essas pessoas que são muito sinceras, muito

transparentes, radicais, que não fazem questão de não agradar ninguém... Igual meu padrasto

mesmo. Hoje eu dou valor nele, entendeu? Gostar ou pelo menos respeitar as pessoas que eu

topei na vida, porque é muito fácil ser falso, não é? Tão mais fácil agradar todo mundo, ser

falso e tal. É o caminho de ser dissimulado é mais fácil, as pessoas buscam mais e eu

discordo. Hoje consigo gostar, por exemplo, do meu padrasto e antes era completamente

implicada, pois o via como muita gente o vê.

P: Como você vê seu padrasto?

C: Ele não faz questão de não agradar ninguém, entendeu? Ele não faz a menor questão. E

quem não o conhece, o vê como uma pessoa horrorosa, uma pessoa rude, uma pessoa sem

educação. E no fundo ele é uma pessoa muito boa.

P: Como você percebeu esse lado dele?

C: Consegui ver esse lado. E, ainda bem que eu acho assim, que esse lado é... não só eu, acho

que eu consegui ver primeiro, acho que eu consigo ver mais, sabe? Mas com a convivência as

pessoas acabam vendo. Ele tem esse jeitão que não mostra tudo, só que eu vejo o que está

escondido antes, eu vi antes, entendeu? Eu consigo ter uma noção de totalidade... um insight
263

mesmo com as pessoas. De ver mesmo, sabe? De olhar e ver, olhar e ver e não só olhar,

passar e ficar com aquilo ali que a pessoa está oferecendo. Porque ele está oferecendo o que

ele tem para dar, não é? Muita gente entende que o que ele está oferecendo é aquela dureza e

tal, mas, ele tem muito mais para dar, só que a pessoa vê só uma parte.

P: Como você tem oferecido e dado para as pessoas e para você?

C: É interessante, é um processo que até eu ainda estou nele, que ainda não tenho muita

segurança assim... acho que é um processo ainda para a terapia. Mas... uma coisa que eu

aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o que eu realmente queria mostrar,

nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o que eu realmente sou? Eu estou oferecendo o

que eu realmente tenho e quero dar?

P: Você tem preocupado em mostrar o que você realmente é?

C: Eu olho isso sempre, justamente para fugir da hipocrisia. Cada dia eu gosto menos da

pessoa mostrar uma coisa que ela não é, sempre tenho muito medo disso. Porque eu fiz isso

muito tempo, vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer uma coisa, um mundo, uma

postura que não era a minha, que não era eu, não tinha aquilo ali para dar. Entendeu? Era uma

capa. Então eu tomo muito cuidado para não ir por esse caminho e até no sentido de dar até

onde eu posso também. Porque isso também sempre foi um conflito, não é? De querer, às

vezes, me machucar demais por dar demais ou me culpar por dar de menos.

P: Vem alguma relação que você dá demais e se culpa por dar de menos?
264

C: A relação com minha família mesmo. Principalmente da família do meu pai, que eu sinto

esse peso, não é? E foi assim, imprescindível a terapia, principalmente agora depois que meu

avô morreu, que a família ficou desassistida, eu senti um peso imenso. Se eu não... se eu não

tivesse terapia, eu tinha trancado a faculdade, ido fazer Direito, assumido a fazenda e tinha

ido cuidar deles e esquecido da minha vida. Sabe assim, no calor da emoção sou eu que tenho

que fazer alguma coisa, eu tenho que cuidar, a responsabilidade é minha, sou eu, sou eu, sou

eu. Então, a terapia me ajudou a parar, olhar, falar: – “Espera aí, olha o que você realmente é

responsável, o que é você pode fazer e o que você quer fazer e para quem”.

P: Você continua com tendência a tentar resolver os problemas das outras pessoas e acreditar

que ninguém sobreviverá sem você.

C: A tendência continua. A tendência é de ir lá e resolver e pegar no colo e tomar frente. Mas

aí eu tenho que parar, e lembrar, e sentar aqui no sofazinho da terapia, e falar: – “Não, espera

aí, eu tenho minha ‘vidinha’, eu não tenho filho ainda dessa idade para cuidar, não é...” Nesse

sentido mesmo... Eu tenho que me policiar para tentar ser mais... mais relaxada. Relaxada no

sentido de deixar as coisas acontecerem. Porque eu já observei que se eu assumo, ninguém vai

assumir. Então, de repente se eu não assumir, alguém assume. E até dar espaço para a outra

pessoa. Porque é muito cômodo para todo mundo eu assumir tudo. Então, o pessoal relaxa. Eu

quero um momento, assim, que eu falo: – “Não, eu vou relaxar um pouco, deixar eles

assumirem”. Eu estava conversando isso com a minha irmã ontem. A gente conversando

sobre a questão do meu pai, tal e eu perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me

respondeu bem assim: –“Não, não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele, eu sou

filha, eu quero ser cuidada”. Achei uma visão muito radical. Aquilo foi, assim, quase uma

agressão para mim. Eu falei assim: – “Claro! Tudo bem! Eu também sou filha, eu também
265

quero ser cuidada, mas infelizmente a gente não tem os pais para cuidar da gente. Eles não

nasceram para cuidarem da gente”. E ela disse: – “Olha... eu não vou assumir uma

responsabilidade que não é minha”. E eu disse: – “E nem eu acho que você deva, mas eu acho

que você deve fazer até onde você puder”. E é o que eu faço. Também não acho certo, se

abster daquilo ali e levar uma vida como se não existisse. Está ali, sabe? Está ali, batendo na

porta todo dia. Não tem como... Então a terapia é... uma coisa que me ajudou e vai ajudar

sempre, no meu jeito de lidar.

P: Quem é a Luísa hoje?

C: A Luísa hoje é... acho que é uma pessoa interessante, acho que eu sou assim: tenho sede de

aprender mais, mais e mais. Com uma paixão, que eu aprendi aqui na terapia, pelo ser

humano, uma paixão verdadeira. Qualquer ser humano é capaz de me comover, de me

apaixonar. Do lixeiro ao padeiro, ao... sabe? Estou tendo uma experiência de estágio no

hospital de pacientes muito graves e de uma morte muito rápida. Acho que se eu não tivesse

essa visão, eu ia passar por aquilo, sem nem me interessar pelo que estava acontecendo ou ia

ser muito dramática: – “Ah! Meu paciente morreu! Mas aí, quando eu chego ali eu quero

aprender, eu estou também preocupada em aprender com eles, não aprender somente da

minha profissão, mas aprender da vida, que são pessoas extremamente interessantes. Então,

eu acho que eu sou essa pessoa hoje.

P: E com isso você os trata diferente.

C: Eu os olho como pessoas e não como um leito número 57... e isso faz muita diferença... Eu

não tenho medo de dar carinho, entendeu? Não tenho medo de dar sorriso, de ser simpática,
266

não tenho medo de encostar no paciente, de passar a mão no braço do paciente. Não tenho o

menor medo. Muito pelo contrário, não tenho o menor receio de pegar uma cadeira, sentar do

lado do leito, ficar conversando, ouvindo a história de sua vida.

P: Percebo que você vai além do que sua profissão de nutricionista exige.

C: Porque eu não consigo separar, eu não consigo separar que a pessoa simplesmente come

como um metabolismo. Ela come, tem um metabolismo e, também, tem uma história, e o seu

metabolismo vem do estado dela, não tem como, não tem como! Atendi uma paciente esta

semana com diabetes, está descompensada, toda ruinzinha, mas está comendo bolacha todo

dia. E está no prontuário dela todo dia: – “Paciente não adere a dieta do diabetes, paciente

não”... Aí eu fui conversar com ela que me disse: – “Está tão difícil ficar comendo só sal, sal”.

E imediatamente vi sua dificuldade e respondi: –“Olha, eu sei que é difícil”. E eu sei mesmo!

Porque não é fácil. Então, eu não sou hipócrita, de chegar e falar assim: – “Olha, você não vai

comer doce”, porque eu sei que ela vai comer. Porque a pessoa está num leito de hospital,

num leito de hospital horrível, em um hospital horrível e decadente, eu não vou a deixar

comer uma bolacha que é um prazer que ela tem? Eu não dou conta de virar para ela e falar

assim... até porque eu sei que ela vai comer. Então eu faço a minha parte: – “Então você come

depois da refeição, para não dar crise de glicemia e tal, tal, tal, vai anotando para mim que

tanto você está comendo para a gente ir controlando”. É diferente, eu podia simplesmente até

chegar lá e falar assim: – “Olha, você não pode comer, você não vai comer, pá, pá, pá”.

P: Um faz-de-conta? Você faz de conta que ela não vai comer, ela faz de conta que não está

comendo, além de você não respeitar o que ela está te dizendo: – “Está tão difícil ficar

comendo só sal”!
267

C: É. E na verdade não seria um tratamento eficiente. Fazer de conta é uma coisa que eu não

suporto. Tornou-se uma coisa insuportável na minha vida, insuportável... eu não consigo, faz-

de-conta e nem mentira... Nada que não é real. Assim, eu não consigo mais aceitar uma

paisagem, uma pintura, uma maquiagem, em cima daquilo que não é de verdade. Eu não

consigo aceitar isso, eu quero a verdade por mais feia, por mais dura que ela seja, mas eu

quero a verdade. Eu acho que eu era uma pessoa mentirosa, meio mentirosa. Hoje me

incomoda não ser eu. Me incomoda até quando alguém quer dizer quem sou eu: – “Essa não

sou eu”! Então, eu já fico naquela, não é? Porque eu fico tão preocupada em ser eu, em não

mostrar uma coisa que eu não sou, e...

P: Luísa, você acha que a terapia te prejudicou em algum momento?

[Pausa]. Celana, eu não sei, não consigo ter essa visão agora. Às vezes eu até pensei nisso, na

questão da... de uma certa tolerância que a terapia me deu com relação às pessoas... mas hoje

eu vejo que não. Eu pensei nesse assunto tem tempo, mas hoje vejo a tolerância como se fosse

uma tolerância e não uma apatia. Essa questão de estar entendendo demais, de estar vendo

demais, de estar aceitando demais e acaba tendo uma maior tolerância. Não sei como eu

reagiria se não tivesse feito terapia, se seria tolerância zero, não aceitaria nada. Mas

atualmente eu não vejo a tolerância como uma coisa ruim. Hoje “percebo como uma

capacidade de entender o outro, suas atitudes e escolhas, até mesmo aceitá-las, mesmo sem

concordar com as mesmas. Gostaria de ressaltar que o mais importante nesse processo, é além

de poder entender e aceitar, é ter o direito, a capacidade, a liberdade e a tranqüilidade de não

precisar aceitá-las de acordo com minha própria individualidade e valores”10.

10
Acréscimo ao depoimento (e-mail).
268

P: Luísa, veja se ainda quer dizer alguma coisa sobre seu processo psicoterápico.

C: “Outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado uma

depressão. Se não tivesse tido o acompanhamento da terapia, não sei se conseguiria ter sequer

diagnosticado a patologia, enquanto meu mundo desmoronava, e poder aceitar que precisava

me tratar. Dessa forma a terapia foi fator decisivo no diagnóstico e tratamento da

depressão”11.

P: Como está sendo reviver seu processo psicoterápico? Como foi ouvir sua história

psicoterápica contada por você?

C: Foi maravilhoso, até coisas que eu não tinha parado para pensar em todo esse processo,

coisas que eu nem tinha visto. Tinha visto, mas tinha passado, não tinha parado para pensar, é

como se tivesse fechando a Gestalt. Então... é gostoso ver até onde eu vim até agora, como foi

meu caminho, muito bom! O que eu fiz esses sete anos, o que eu aprendi, o que eu cresci. Se

você for olhar, de um lado sete anos, relativamente, não são nada, mas eu olho e penso: –

“Meu Deus! Foi uma vida!” [Risos]. E só fazendo essa retrospectiva eu saio daqui me

sentindo assim: – “Eu me tornei uma pessoa legal mesmo!” [Risos].

11
Acréscimo ao depoimento (e-mail).
269

Anexo 6

E-MAIL DE JANAÍNA

21 de julho de 2006.

E-mail endereçado a Janaína:

Janaína,

Acabei de transcrever sua entrevista. Pode-se considerar uma aula de Gestalt-terapia.

Muito lindo! Quero que você releia e veja se sente vontade de acrescentar alguma coisa. Pode

ser por escrito ou pessoalmente. Se tiver algo que não concorde na transcrição favor grifar de

outra cor.

Beijinho super carinhoso,

Celana

Resposta de Janaína:

Oi Celana, tudo bem? Como foi de congresso? Espero que tenha sido maravilhoso!

Confesso que fiquei muito feliz e até lisonjeada com suas manifestações na mensagem. Mas

ao mesmo tempo veio um pouco daquela coisa: – “Nossa! Ela está exagerando!”, não sou isso

tudo nunca – aquela velha mania minha de me subestimar, sabe né? Ou ser exigente demais...

Vou relatar para você como foi desde o início. Logo que recebi, li o que você escreveu

fiquei muito emocionada e quis te reenviar alguma coisa na hora, só que segurei. Depois,

quando comecei a ler a transcrição da entrevista, no início foi aquela mistura de alegria com

dor e logo em seguida percebi que não iria consegui ler tudo e parei. Fugi da raia mesmo. Aí

somente hoje, na sexta-feira, que voltei a ler, embora durante a semana lembrasse que não
270

tinha lido e percebendo que tinha fugido raia. Foi forte a sensação – uma sensação misturada

– acho que mais de conquista mesmo, de superação de tantas coisas. Nossa, como posso dizer

que estou mais leve, né? Hoje consegui ler tudo. Olha, mexeu muito comigo esse processo de

reviver a caminhada da psicoterapia. Fico pensando o quanto foi importante para minha vida e

continuará sendo para sempre. Quero de agradecer mais uma vez pela paciência, dedicação,

profissionalismo e carinho com que me acompanhou.

Na maior parte do tempo da leitura meus olhos enchiam d’água, mas senti que era

mais de satisfação e realização. Não tenho palavras para expressar o quanto a psicoterapia foi

e está sendo importante para minha vida – com certeza foi uma possibilidade ímpar no meu

processo de crescimento – em todos os sentidos, né?

Não senti vontade, no momento, de acrescentar nada – acho que ficou a cara da minha

psicoterapia mesmo. Ah! não sabia que eu falava tanto "assim"... (risos) – só para não deixar

passar em branco meu lado crítico...

Se você achar que precisa de um novo encontro é só me falar.

Conte comigo pro que der e vier, tá?

Beijos,

Janaína
271

Anexo 7

E-MAIL DE LUÍSA

25 de julho de 2006.

Celana,

Ao sair do consultório aquele dia, algumas coisas que deixei de dizer sobre o meu processo de

vivência na terapia, ficaram muito fortes e presentes, por isso resolvi escrever o e-mail para

que você complete o meu depoimento.

1. Um desses sentimentos foi quanto a capacidade de entender o outro, suas atitudes e

escolhas, até aceitá-las, mesmo sem concordar com as mesmas. Gostaria de ressaltar que o

mais importante nesse processo, é, além de poder entender e aceitar, é ter o direito, a

capacidade, a liberdade e a tranqüilidade de não precisar aceitá-las de acordo com minha

própria individualidade e valores.

2. O outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado uma

depressão. Se não tivesse tido o acompanhamento da terapia, não sei se conseguiria ter sequer

diagnosticado a patologia, enquanto meu mundo desmoronava, e poder me tratar. Dessa

forma a terapia foi fator decisivo no diagnóstico e tratamento da depressão.

Era isso!!!

Bjs,

Luísa

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