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A Vivência Do Cliente No Processo Psicoterapêutico PDF
A Vivência Do Cliente No Processo Psicoterapêutico PDF
GOIÂNIA-GO
2007
i
MESTRADO EM PSICOLOGIA
GOIÂNIA-GO
2007
ii
BANCA EXAMINADORA
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Prof. Dr. Adriano Furtado Holanda, Faculdade Alvorada / IESB (DF) – Presidente
___________________________________________________________________________
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AGRADECIMENTOS
A Adriano Holanda, por ter orientado este trabalho com respeito, interesse, amizade, e por tê-lo
acompanhado tão de perto, o que resultou em preciosas contribuições. Conhecê-lo e ter sido sua
orientanda foi um privilégio.
A Jorge Ponciano, Rodolfo Petrelli e Fábio Miranda, exemplos de sabedoria, por terem enriquecido
este trabalho com suas observações por ocasião do exame de qualificação e por participarem da defesa
como membros da banca examinadora.
À Vannúzia Peres, por ter respeitado que eu constituísse meu caminho nesta pesquisa.
A Emília, Fabiana e Marta, pelo incentivo de ingressar no mestrado e pela disponibilidade sempre.
A Liliane e Ana, minhas companheiras do curso de mestrado, por ouvirem minhas inquietações.
A minhas amigas e amigos por terem me aceitado da maneira que foi possível.
A meus pais, Celso e Suzana, por serem quem são e por sempre acreditarem e torcerem por mim.
A Gustavo, meu irmão, por ter sempre convivido comigo e me respeitado no dia-a-dia desta jornada.
A minha família, irmãos, sobrinhas e sobrinhos, primas e primos, tias e tios, sogro e sogra, cunhadas e
cunhados, por aceitarem minha ausência e, ao mesmo tempo, exigirem a minha presença.
A meus alunos e clientes que me ensinaram muito mais do que qualquer livro.
A Janaína, Marcos e Luísa, colaboradores desta pesquisa, sem os quais ela não teria sido possível.
RESUMO
psicoterapia na constituição do indivíduo como sujeito, ator e autor de sua vida. Esta pesquisa
entrevistas abertas com três clientes que realizaram mais de seis anos de terapia individual e
pelo menos dois anos de terapia de grupo; as entrevistas focalizaram as vivências dos
terapia, após uma breve introdução sobre a psicoterapia (em geral) e a Gestalt-terapia (em
particular). Finalmente, é feita uma reflexão sobre a pesquisa, com base em alguns
positiva pelos colaboradores e que, depois desse processo, eles conseguiram atingir um
ABSTRACT
There is still the need of further knowledge about the contribution of psychotherapy to
position the individual as subject, actor, and author of its own life. This research has the
considering its own perspective. The theoretical starting point is Gestalt-therapy and
Phenomenology – its methodological approach. This paper is divided into five parts. The first
part outlines qualitative research and phenomenological method according to Amedeo Giorgi,
briefly presenting Phenomenology and Qualitative Epistemology. The second, empirical part
presents interviews with three clients who were submitted to more than six years of individual
therapy and at least two years of group therapy. The interviews were focused on their
experiences during the psychotherapeutic processes. In the third part, results are presented in
described, after a brief introduction on psychotherapy (in general) and, particularly, Gestalt-
therapy. Finally, a reflection on the research conducted follows, considering some questions
interviewed clients, who after this process, were able to reach self-knowledge, discover the
reason of their existence, recover their authenticity and encounter the other and themselves
with respect and acceptance. They also developed their ability to dialogue, to live in the
present moment, to re-signify un-ended situations, and, most of all, to establish healthier
relationships.
SUMÁRIO
Dedicatória ..............................................................................................................................iii
Agradecimentos .......................................................................................................................iv
Resumo ......................................................................................................................................v
Abstract ....................................................................................................................................vi
Introdução .................................................................................................................................1
Anexos ...................................................................................................................................205
psicoterapia, visto que esse tipo de serviço é disponibilizado em várias escolas de Psicologia,
mais acessível para as pessoas, até mesmo para aquelas economicamente mais carentes. Os
tornou-se mais público, o que é constatado na mudança de atitude das pessoas. Anos atrás, era
comum ouvir a seguinte solicitação de um cliente: – “Pede para a secretária não ligar na
minha casa, pois ninguém sabe que estou em terapia”. Atualmente percebe-se uma maior
aceitação de estar em terapia, tanto do cliente quanto de seus familiares. Fazer terapia não está
mais tão associado a: ser louco, problemático, ou descompensado etc. Muitos clientes contam
que estão em terapia e a indicam a outras pessoas, dizendo que ela é benéfica, que pode ajudá-
las a serem pessoas mais interessantes, atitude comum nos colaboradores desta pesquisa.
relacional em que as pessoas vivem atualmente e, por isto, faz-se necessário identificar o
cliente que tem chegado aos consultórios de psicologia. Observam-se dois temas gerais que os
2
colaboradores desta pesquisa abordaram em seus relatos e que também têm sido comuns no
O primeiro tema é a perda de sentido na vida, do lado humano das pessoas, e elas têm
vivido uma nostalgia referente a essa perda. Minkowski (1966) enfatiza que a nostalgia
“refere-se à ‘perda’, à perda do que nos é caro e precioso” (p.160, grifo do autor). O cliente
precisa, pois, descobrir a significação de sua existência, uma vez que, dependendo da
preocupação com o seu estar-no mundo, de como está sendo-no-mundo, desenvolve-se uma
forma predominante de lidar neste mundo. Sem reconhecer qual o sentido de sua vida, o
cliente torna-se impotente para lutar por algo significativo e surge então um vazio que o torna
infeliz.
Uma das razões significativas da perda de sentido deve-se a um duplo apelo que
homem atual sofre: ao mesmo tempo em que ele é solicitado a viver sua humanidade mais
pessoas têm sentido dificuldades em coordenar essas solicitações que advêm tanto do mundo
produtividade e resultado. O homem está sendo treinado, por meio de uma influência familiar
e cultural massificada, a dirigir sua vida para ganhar a qualquer preço. As pessoas estão
despersonalizado, pois existe a ilusão de que é necessário usar o outro e a si mesmo para
gerar lucros, sem perceberem que essa maneira limitada de pensar impede o seu
nunca se sentirá pleno. A maioria dos clientes está sentindo-se assim: cheio de produtividade
e vazio de valores humanos. Outros são os clientes, em menor número, que se sentem
desconectados das exigências atuais, por investirem em se tornarem pessoas melhores. Ambos
e infinito” (Boff, 1999, p. 98). É muito mais seguro relacionar-se de forma objetiva do que
arrogância, o orgulho que temporariamente infla o ego, mas que eventualmente leva à
O resgate de uma atitude em que se percebe que o homem não só existe, mas co-existe
com os outros, se faz necessário e se torna possível à medida que se renuncia à vontade de
poder, que reduz tudo a objetos, desconectados da humanidade do homem. Esse resgate faz-se
interesse e respeito pela pessoa com quem se interage, modificando a forma de relacionar-se
solicitude com os outros. Este estado de solicitude é, portanto, uma possibilidade básica do
ser-no-mundo” (p. 41). A solicitude é uma disponibilidade que o homem precisa buscar em
O segundo tema relatado com ênfase por um dos colaboradores, e pelos outros dois de
maneira mais implícita, foi o quanto eles se sentem sozinhos e desacompanhados em seus
atualmente. Na verdade, ao buscarem a terapia, nem mesmo têm claro quais são esses
sentimentos, pensamentos, e/ou ações. Trata-se de mais uma tentativa de encontrar alguém
do isolamento. Na solidão o homem conduz um diálogo com ele mesmo” (p. 85), o que
menos sozinha ao encontrar o outro, e essa percepção é bastante significativa nos relatos dos
colaboradores.
decorre, muitas vezes, da sociedade atual, que a todo tempo brinda o ser humano com grandes
facilidades e confortos e o afasta de seu ser, levando-o à constante busca do ter. O cliente,
Segundo Petrelli (2004a), a chance de o homem integrar o seu ser e o seu ter é ele
mesmo escrever e executar a sua história. Para tal, necessita de um projeto existencial: o de
construir o ser autêntico. Resgatar a autenticidade é uma obrigação ética. Para assumir um
compromisso com a vida, é preciso descobrir o sentido da existência, e, então mostrar que a
ética é mais que um conjunto de normas, está ligada ao sentido da existência humana.
Petrelli (2004a) é enfático ao afirmar que realizar o existir “é tirar o nosso destino das
mãos dos outros, das mãos dos sistemas que nos rodeiam, sistemas ideológicos, políticos,
5
científicos” (p. 184). O homem precisa ter coragem de ser, de avaliar, segundo ele mesmo, a
experiência do bem e do mal. Immanuel Kant, citado por Petrelli (2004a) diz que “para o
A decisão de escolher ser alguém, de ser uma pessoa plena, autora de sua experiência,
torna-se cada vez mais difícil. O homem, alienado de si mesmo, passa a contemplar a
distante de seus valores éticos e de suas crenças. O artificial tende a substituir o autêntico. O
A aparência tenta suprir as exigências internas e externas, mas é frágil, por isso as
(Holanda & Karwowski, 2004). Este dado também foi uma motivação para que esta pesquisa
ocorresse.
que a investigação em psicoterapia se centra nos resultados, isto é, tenta explicar como o
psicoterapêutico promove mudança nos clientes. Assim, foi proposto um novo paradigma de
implicações etc.
Um aspecto que Sousa (2006) destaca em seu artigo é a distância de interesses entre os
usadas na investigação e não encontram, nos resultados desta, elementos que os ajudem a
melhorar a sua prática; por sua vez os investigadores sustentam a necessidade de validar
experiência da pesquisadora também interfere nos resultados, pois eles são constituídos tanto
dos clientes têm uma mudança significativa em sua vida, quando comparado com outras
pessoas com o mesmo tipo de problema e que não fizeram terapia; c) não há diferenças
situações futuras; e) a relação terapêutica tem sido salientada como o fator mais importante
quanto do terapeuta. Estes e outros aspectos serão discutidos a posteriori, de acordo com as
Para Macran, Ross, Hardy e Shapiro (1999), a maioria dos estudos sobre pesquisa
de pesquisa. Os autores ponderam que o modo como o cliente percebe sua terapia é tão
importante quanto qualquer outra perspectiva. Até os dias atuais, os estudos têm buscado
psicoterapêutico normalmente não tem, sozinho, acesso consciente ao processo, mas somente
pesquisa sobre psicoterapia. Outra influência foi o Behaviorismo, que, por razões diferentes,
também deu pouco valor aos pensamentos, desejos e intenções dos clientes, escolhendo
Na literatura sobre psicoterapia, existe uma variedade de razões que são comumente
citadas para justificar a tendência à negligência dos julgamentos dos clientes: a) em virtude de
seu estado mental inadequado, os clientes não estão habilitados a fazerem seus julgamentos
sobre suas terapias; b) os clientes dispõem de uma visão menos diferenciada do processo
têm habilidade suficiente para fazerem uma avaliação competente sobre a terapia que recebem
Esses autores também listam boas razões que contestam os descasos com as
contribuições dos clientes. Eles afirmam que os clientes até podem exagerar os benefícios
obtidos ou distorcerem algo, mas, a não ser que suas idéias sejam consideradas delirantes, não
existem razões para questionar seus relatos. Defendem a idéia de que o cliente não é
acontecer de quatro mãos. Assim, as observações dos clientes são tão importantes quanto as
dos terapeutas, até mesmo porque os clientes não são pessoas passivas em seus processos
ações de seus terapeutas em relação a essas intenções, e, a decisão acerca do que é importante
Após essas notas introdutórias sobre o cliente que chega ao consultório, o como as
pesquisas têm abordado a psicoterapia, além da importância da visão do cliente sobre sua
vivência psicoterapêutica, faz-se importante descrever como esta pesquisa será apresentada.
fenomenológico. Decidiu-se iniciar a apresentação deste estudo com este capítulo, pois ele foi
para uma compreensão da atitude do pesquisador diante do pesquisado, foi necessário abordar
dita. Foram entrevistadas três pessoas que haviam sido submetidas ao processo
individual das entrevistas, no qual foi utilizada uma linguagem psicológica apropriada no
resultados.
quanto em grupo. Para entender esse processo, fez-se uma breve introdução sobre a
história de seu principal representante, Fritz Perls. Várias concepções teóricas, filosóficas e
que ficaram em aberto, apresentar algumas categorias encontradas nos depoimentos dos
clientes que contribuem para a teoria da Gestalt-terapia e sugerir alguns passos para outras
esclarecer aspectos das histórias apresentadas, pela riqueza de seus conteúdos e pela infinita
psicoterapêutico.
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CAPÍTULO I
primordialmente por González Rey (2002, 2003, 2005). Em seguida, será feita uma
particular e, ao mesmo tempo complexa, do fenômeno estudado – serão discutidos três casos.
A terceira parte propõe discutir a Fenomenologia e seus principais conceitos, visto que, no
parte deste capítulo, em especial o modelo desenvolvido por Giorgi (1985), que será seguido
nos resultados.
O final da década de 1970 foi marcado por uma ampla discussão dos limites e
da epistemologia qualitativa no Brasil. O uso dos princípios propostos pelo autor foi de
grande valia nesta pesquisa, pois possibilitou à pesquisadora encontrar seus colaboradores e
constituir seu conhecimento sobre o objeto de estudo. Segundo González Rey (2002), a
González Rey (2002) ressalta, em primeiro lugar, que o conhecimento é uma produção
relação. González Rey (2003) assinala que a teoria é um momento de sentido no processo de
produção teórica, no entanto, não é o esquema geral a que se deve subordinar esse processo.
Ao mesmo tempo, González Rey (2002, 2005) enfatiza que, no curso de uma pesquisa, existe
pesquisa, as quais não podem ser consideradas de forma isolada como construções empíricas.
fenômenos estudados.
epistemologia apresentada por González Rey (2002), o autor focaliza a relação entre
(1970), quando afirma que ambos são capazes de experienciar, interpretar e explicar a
pesquisas nas ciências humanas, assim como é atributo constitutivo do processo de produção
González Rey (2002, 2005) propõe um diálogo aberto que estimule a expressão de
pesquisados, ativos em todo processo. Ficar atento a todos os aspectos que surgem no cenário
subjetiva do indivíduo, o que implica que o estudo qualitativo é validado pela qualidade da
que surge no curso da pesquisa, o que lhe confere o caráter de licitude. O conhecimento
qualitativo legitima-se pela qualidade da expressão dos sujeitos estudados, o que se observa
(1997), Dartigues (2003), Bicudo (2005), Martins e Bicudo (2005), dentre outros.
indicadores relevantes ao seu objeto de estudo (González Rey, 2002, 2003). Todos os
pesquisa.
14
para as chamadas ciências humanas e preencheu espaços que o modelo quantitativo não
o espaço da interlocução com o humano, o espaço de busca dos significados que estão
O trabalho com questões complexas não permite ao pesquisador uma definição exata e
a priori dos caminhos que a pesquisa irá seguir. A flexibilidade no processo de condução da
pesquisa é uma das características da pesquisa qualitativa. González Rey (2005) enfatiza:
“tomar o novo como uma nova forma de saber preexistente é castrá-lo no que tem de
novidade” (p. 18). Assim, o percurso da pesquisa depende do contexto em que ela está
inserida, sem esquecer que o pesquisador exerce influência sobre a situação da pesquisa e é
pesquisado, pois tanto pesquisador como pesquisado produzem pensamentos com base na sua
conseqüentemente, seus resultados. Martin Buber (1965, 1979, 1982) sustenta a idéia da
15
influência mútua, ao destacar, em grande parte de sua obra, que o humano se estabelece na
contexto específico.
história e o contexto cultural deste devem ser entendidos como elementos de grande
(2005). Segundo eles, a pesquisa qualitativa busca uma compreensão particular daquilo que
estuda, já que o foco de sua atenção é dirigido para o específico, o individual, aspirando à
qualidades são comuns a outros modelos de pesquisa em ciências humanas. Moustakas (1994)
experiência, que são alcançados com base nas descrições da experiência singular do sujeito
aspectos da realidade do sujeito considerando que esses aspectos são apreendidos por sujeitos
pesquisadores.
16
Essas características estão refletidas nas considerações de González Rey (2002, 2005)
ao advertir que o pesquisador deve estar aberto a mudar suas próprias idéias para facilitar a
A pesquisa busca manter uma relação constante entre quatro diretrizes fundamentais: a
estabelecido tanto pelo pesquisador como pelo pesquisado. Assim, a pesquisa qualitativa não
Com essa visão geral do que é a pesquisa qualitativa e sua epistemologia, percebe-se a
1.3 A Fenomenologia
Edmund Husserl (1859-1938). Foi um dos movimentos filosóficos mais importantes do século
(Husserl, 1965, 1985, 1992; Forghieri, 1993; Holanda, 2002; Moreira, 2002; Dartigues, 2003;
Os dez últimos anos do século XIX, que antecederam as publicações de Husserl sobre
ciência que, naquele período e até nos dias atuais, busca preencher o espaço deixado vazio
estudos da Matemática. De 1884 até 1886, Husserl permaneceu em Viena assistindo aos
embora partindo das idéias de Brentano sobre a intencionalidade, vai além deste,
1
Verdades universais e necessárias.
18
tornar suas idéias mais claras. Extremamente crítico, revia constantemente seu trabalho,
ampliando-o. Além de diversos artigos, Husserl deixou uma obra de vários livros e mais de 45
publicação desse material ainda continuam, e já contam com mais de trinta volumes
grega phainomenon (aquilo que se mostra com base em si mesmo) e logos (ciência ou
fenômeno. Por fenômeno, em seu sentido mais genérico, entende-se tudo o que aparece, que
praticamente ilimitado (Mora, 2001; Abbagnano, 2003; Japiassu & Marcondes, 2006).
Petrelli (2004b) explicita que a Fenomenologia é a ciência que se aplica ao estudo dos
fenômenos: dos objetos, dos eventos e dos fatos da realidade. De acordo com o autor, a
transparência total, pois é a dúvida, e não a certeza, que nos motiva à busca incessante da
verdade” (p. 12). Faz-se necessário lembrar que “a verdade é um movimento em constituição,
empregada por Husserl, busca a verdade, retornando aos dados primordiais da experiência, o
que implica voltar às próprias coisas. Uma vez que os fenômenos são sempre anteriores às
teorias e conceitos, o que é dado na percepção de uma coisa é sua aparência e as aparências
são sempre aparência de alguma coisa. Conclui-se, portanto, que os fenômenos são primários
opõe-se à essência da realidade interditada à nossa experiência direta e imediata” (p. 15).
(Abbagnano, 2003; Dartigues, 2003). De acordo com Cappi (2004), a Fenomenologia não é
uma técnica, “é um rigoroso olhar metodológico a respeito do real, é uma opção radical de
percepção” (p. 8), a fim de desvendar significados, criar valores e assumir responsabilidades.
Tudo que se oferece ao conhecimento humano pode ser chamado de realidade fenomênica.
fenômenos, nos conduz ao conhecimento das essências. Das aparências às essências dos fatos,
Pode parecer estranho que ainda se precise colocar essa questão meio século depois
dos primeiros trabalhos de Husserl. Todavia, ela está longe de estar resolvida. A
maneira senão a partir de sua “facticidade”. É uma filosofia transcendental que coloca
uma filosofia para a qual o mundo já está sempre “ali”, antes da reflexão, como uma
presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo
com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico. É a ambição de uma filosofia
que seja uma “ciência exata”, mas é também um relato do espaço, do tempo, do mundo
“vividos”. É a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal qual ela é...
filosóficos, faz-se necessário discutir alguns conceitos da Fenomenologia, visto que eles
consolidarão o que foi refletido acerca dessa ciência e possibilitará uma maior compreensão
alcançar tal objetivo, Husserl (1965) propõe retornar a um ponto de partida que seja,
verdadeiramente, o primeiro, ou seja, um retorno às origens, à coisa mesma, tendo como dado
a própria realidade. Coisa mesma é o fenômeno, ao qual se tem acesso imediato. O fenômeno
coisas mesmas provoca uma nova experiência e um novo conhecimento; o que é percebido e
grifos do autor)
voltada para um objeto, ao passo que esse é sempre objeto para uma consciência; há entre
ambos uma correlação essencial. Toda consciência é consciência de algo, ela não é uma coisa,
mas aquilo que dá sentido às coisas. A consciência intencional possibilita o mundo aparecer
como fenômeno, como significação, por ser um cogitatum2 intencionado pelo sujeito. A
evidente que a saída de si para um mundo tem uma significação para ele. A intencionalidade é
a pedra angular da Fenomenologia (Forghieri, 1993; Bicudo, 2000; Holanda, 2002; Dartigues,
Nessa perspectiva, Giorgi (1978) faz uma reflexão sobre o que é consciência para o
o termo consciência indo além da relação cognitiva de sujeito e objeto, como uma relação
atitude ante a vida. A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto
2
Objeto pensado.
22
aconteça é a mudança, da atitude natural – que Husserl denominava de senso comum – para a
atitude fenomenológica. Como explicita Forghieri (1993), essa mudança de atitude permite
visualizar o mundo do sujeito como fenômeno, “ou como constituinte de uma totalidade, no
seio da qual o mundo e o sujeito revelam-se, reciprocamente, como significações” (p. 15).
momento, as opiniões acerca da existência externa dos objetos da consciência também devem
ser deixadas de lado. O pesquisador somente alcança o fenômeno em si se consegue por fora
a redução, deve suspender seus próprios pensamentos e interesses, e, assim, estar aberto a
qualquer tipo de conteúdo ou tema que venha a emergir na sua pesquisa. Em decorrência, é
compreensão do objeto de estudo. Dessa forma, a tese fica temporariamente suspensa e deixa-
A redução fenomenológica consiste, então, “numa profunda reflexão que nos revele os
sem jamais negar a sua existência” (Merleau-Ponty 1973, p. 22). No entanto, Merleau-Ponty
completa” (p.10). Em outras palavras, a prática da redução fenomenológica será sempre uma
absoluto, deixar de lado suas hipóteses ao pesquisar o fenômeno. Tanto isso é verdade que,
como assinala Moreira (2004), nos resultados (objeto de discussão posterior), o pesquisador
sai do parêntese e volta a olhar para a sua hipótese, para as suas suspeitas sobre possíveis
(Moreira, 2004).
De forma semelhante, Forghieri (1993) faz uma reflexão importante sobre a redução
Os dois momentos são vividos tanto pelo pesquisador quanto pelo pesquisado. Da
mesma maneira que o pesquisador pratica a redução, Amatuzzi (2003) alerta que o pesquisado
também deve ser capaz, na entrevista, de abster-se de seus a prioris e permitir alterar para si
mesmo os fatos ou fenômenos que possam revelar a essência e, assim, ter acesso a ela.
24
Com base na redução fenomenológica, Husserl (2000) orienta sua pesquisa para as
essências, pois a Fenomenologia tem como tarefa elucidar as essências. É pela redução
coisa, pois são elas que representam as unidades básicas do entendimento comum de qualquer
fenômeno, aquilo sem o que o próprio fenômeno não pode ser concebido. Essência é aquilo
que é inerente ao fenômeno. “A essência (eidos) é um objeto de um novo tipo (...) assim o
dado da intuição eidética é uma essência pura”, postula Husserl (2000, p. 21). A essência é
preconceituoso.
materialmente percebido e que nos permite identificá-lo” (Dartigues, 2003, p. 15). A essência
permite identificar o fenômeno. De acordo com Dartigues (2003), não existe nenhum
fenômeno do qual se possa dizer que ele não é nada, no entanto, é a essência que permite
identificar um fenômeno.
O fenômeno, uma vez identificado, não pode ser outro fenômeno senão aquele.
essências na existência, visto que o mundo está sempre aí, antes da reflexão. Não se pode
busca de todos os significados possíveis. Para tanto, o pesquisador deve suspender seus a
1.3.3 O mundo-da-vida
estrutura essencial do fenômeno, ou seja, seu significado central. Em outras palavras, todo o
por Husserl, como aquele em que o homem adentra simplesmente por viver a atitude natural e
que significa o solo prévio de toda experiência. O mundo-da-vida é mais originário que a
conceito que se deixa formular com sentido na experiência histórica, pois parte da vasta
vida é a totalidade em que o homem vive como ser histórico, é um mundo pessoal que se
Falar do mundo como sendo um real vivido é propor, ao mesmo tempo, duas teses. É
qualquer teoria que sustente a existência de dados sensoriais, isolados e sem sentido
é posta na experiência viva, no mundo como ele é vivido. Nas experiências vividas
A experiência do vivido somente pode ser alcançada, de forma imediata, pelo próprio
sujeito, pois o sentido é particular para quem o vive e está ligado à forma da pessoa existir no
mundo (Forghieri, 1993). Esse é o motivo pelo qual o mundo-da-vida precisa ser percebido e
descrito, em vez de ser interpretado ou julgado. A descrição possibilita resgatar o vivido com
base no retorno da sua percepção ao momento imediato. O vivido, uma vez vivido, somente
retorna pela memória – retornar ao que já foi por meio de uma ressignificação, ou pelo resgate
pessoa ou grupo. Amatuzzi (2006) esclarece, nesse ponto, a diferença entre a ciência que se
esclarece tendo em vista a significação dos acontecimentos que a constituem, pois contém os
descrever seu significado; ou qualquer estudo que tome o vivido como pista ou método. Em
essência, o eidos descrito por Husserl, do fenômeno estudado, o que pode ser alcançado com
com histórias próprias que se encontram para compreender um fenômeno. O terceiro elemento
28
citado pelo autor é o retorno ao vivido, no qual o sujeito-pesquisado retoma seu mundo
o mundo vivido que não é, necessariamente, sabido de antemão. “É no ato da relação pessoal,
quando surge a oportunidade de dizê-lo, que ele é acessado”, pondera Amatuzzi (2003, p. 19).
pretende apreender o que acontece por meio do clareamento do fenômeno, construindo, assim,
a compreensão de algo.
idéias sofreram alterações ao longo dos trabalhos publicados (Giorgi, 1985, 2006). O segundo
problema citado por Giorgi (1985, 2006) é que nem sempre os seguidores de Husserl
Creswell (1998) segue uma trajetória semelhante ao afirmar que o uso do método
fenomenológico pode ser desafiante. Além de o pesquisador precisar de uma consistente base
sempre presente e nunca alcançado em sua plenitude. Um quarto desafio é a decisão sobre a
Para os autores,
do que vai investigar, de tal modo que não existe, para ele, uma compreensão prévia
dizer que ele não conhece as características essenciais do fenômeno que pretende
pela primeira vez direciona a maneira pela qual o pesquisador irá inserir-se na pesquisa. Para
chegar à experiência vivida do sujeito, é necessário que o pesquisador procure colocar entre
investigando. É por isso que o método fenomenológico não prescinde das hipóteses, embora a
pesquisa necessite ter uma direção, ela não se deixa conduzir por um caminho já conhecido,
pode levá-lo ao grande perigo de a pesquisa não produzir nenhum conhecimento significativo.
pesquisa (Petrelli, 2004b; González Rey, 2005). Qual pesquisador não se sente gratificado
dialética de tese, antítese e síntese. É assim que o saber se vem construindo através da
chamada teorética consiste em eliminar qualquer constructo conceitual, ou seja, reter o saber
realidade, a qual Husserl chama de redução. Martins e Bicudo (2005) afirmam que uma das
objetividade do fenômeno.
vivida e o sentido que o mundo vivido tem para o entrevistado ou entrevistados, e perceber
entrevistado quanto o entrevistador se modificam. Esse tipo de entrevista deve provocar a co-
31
responsabilidade, visto que ambos se sentem responsáveis pelo processo (Gomes, 1997;
Os sujeitos são chamados por Amatuzzi (2003) de colaboradores, pois o autor entende
que a pesquisa fenomenológica não lida com sujeitos que forneçam informações, mas
colaborador é quem melhor sabe de sua experiência, ao passo que o pesquisador se propõe a
aprender com quem já vivenciou ou vivencia a experiência sobre a qual ele quer aprimorar
surgir: o medo de a pessoa entrar em contato com feridas ainda abertas, o temor em conversar
pela pesquisa, dentre outros. Qualquer impasse na entrevista precisa ser esclarecido para que o
e a cumplicidade da dupla.
apesar de ele não se constituir em um só modelo. Apesar de haver aspectos que são comuns a
Por existirem várias e não uma única forma de apreensão da Fenomenologia (como se
de acordo com o pensamento filosófico que a sustenta, apesar de todas terem um eixo comum,
alguns seguidores.
faz uma breve exposição do método fenomenológico e revela que se baseou em estudos de
três passos reflexivos, que permitem o estudo da experiência consciente, por meio do estudo e
interpretação fenomenológica.
objeto da experiência com base no material empírico colhido na entrevista. A descrição deve
ser feita como se o pesquisador tivesse acesso ao fenômeno pela primeira vez. Para tanto,
soubesse absolutamente nada a seu respeito. No entanto, da mesma forma que não é possível
colocar a experiência entre parênteses por completo, a descrição também não é completa
essencial, retorna-se às entrevistas para localizar novos subsídios que confirmem, ou não, a
relevância da parte escolhida. Conclui-se o segundo passo com a preparação de uma nova
descrição que acaba sendo uma nova consciência do objeto da experiência. Nessa fase, define-
se o objeto, e fazem-se as distinções entre o essencial e o não-essencial (Gomes, 1997; Dias &
Gomes, 1999).
33
determinado objeto da experiência, ou seja, o sentido que aquele objeto assume para a
Cada passo inclui os demais. Gomes (1997) exemplifica essa afirmação ao esclarecer:
porque envolveu necessariamente escolhas do pesquisador” (p. 328). O autor, de forma muito
momento, este conjunto de protocolos funciona como uma descrição bruta. A tarefa de
Para Gomes (1997), esses três passos são tecnicamente realizados com as entrevistas,
descritivas de cada entrevista e a definição das grandes categorias, passos semelhantes aos
concomitantes. Teorias caem, teorias mantêm-se e novas teorias podem surgir. É o caminho
da verdade. Forghieri (1993) assinala que “os cientistas em geral almejam com suas
Serão apresentados a seguir os passos apresentados por Giorgi (1985) que, segundo
leitura de toda a descrição a fim de alcançar o sentido geral do todo. Para tanto, é necessário
perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado. Após ter sido apreendido o
35
sentido do todo, o pesquisador faz a releitura do texto – tantas vezes quanto necessárias – com
fenômeno que está sendo pesquisado. Esse passo é necessário, pois não se pode analisar um
texto inteiro simultaneamente, deve-se quebrá-lo em unidades com as quais seja mais fácil
lidar.
pesquisador assume uma atitude psicológica em relação à descrição concreta. Nesse passo, a
linguagem do sujeito quase não é mudada. É essencial para o método que as discriminações
ocorram primeiro, para serem interrogadas mais adiante (no próximo passo) e que elas sejam
Holanda (2002) postula que as unidades de significado não existem soltas, mas em
relação à perspectiva adotada pelo pesquisador. Essas unidades são constitutivas do texto e
não apenas elementos isolados. A realidade psicológica não está pronta no mundo, ela precisa
ser constituída pelo psicólogo, sempre lembrando que o mundo cotidiano é mais rico e mais
complexo do que a perspectiva psicológica, tanto que vários pesquisadores podem analisar de
que é feito. Assim, as unidades significativas não existem no texto como tais. Elas existem
apenas em relação a atitudes e cenários do pesquisador, e, por esse motivo, o que se destaca
sujeito em linguagem psicológica com ênfase ao fenômeno que está sendo investigado. Uma
vez que as unidades significativas foram delineadas, o pesquisador, então, perpassa por todas
36
fenômeno em estudo.
É possível alcançar esse objetivo por meio de uma ampla interrogação do texto, com o
intuito de verificar o que exatamente o narrador quis expressar com seus termos. Giorgi
(1985) alerta que o maior obstáculo para esse processo é ainda não existir uma linguagem
linguagem do senso comum, esclarecida pela perspectiva fenomenológica. Esse passo tem o
Para realizar tal tarefa, o pesquisador deve reagrupar os constitutivos relevantes para
transformadas devem ser levadas em conta. O critério aconselhável a ser seguido é que todas
estrutura da experiência deve, então, ser comunicada a outros pesquisadores com o propósito
de confirmação ou de crítica.
um trecho retirado da entrevista3 realizada com Marcos4 (colaborador 2) para esta pesquisa. A
3
A entrevista, na íntegra, está no anexo 4.
4
Nome fictício.
37
terapia te prejudicou?
C: Tem uma coisa, que eu não dou esse peso. Eu não dou esse peso, porque eu Marcos não percebe que a Marcos entende que o Autoconhecimento,
acho assim: que a psicoterapia é o mesmo que o teatro, é o mesmo que a terapia o prejudicou. Ele autoconhecimento é dor,
dança, é o mesmo que o cinema, é o mesmo que qualquer tipo de arte faz com não dá esse peso doloroso e, para entrega,
quem resolve entrar nesse espaço, à medida que você tem mais conhecimento, pejorativo, porém percebe alcançá-lo, precisa superação.
você enxerga mais e você está passível de sofrer mais por isso. Então, assim, que a terapia, como entregar-se. Percebe
se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em contato com um monte qualquer outra arte, o que a superação do
de coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não enxergaria coisas que eu ajudou a se conhecer mais, sofrimento
enxergo hoje e que às vezes me colocam em situações muito complicadas o que provocou dor. Se não vivenciado na terapia
comigo. Eu faria vistas grossas porque seriam situações desconhecidas para tivesse feito terapia ainda faz valer a dor.
mim. Mas é a mesma coisa de eu lidar com qualquer outro tipo de estaria fazendo vistas Entende que
sensibilidade. Então, se eu invadir qualquer ramo das artes, eu vou aguçar, grossas para as coisas que atualmente se sente
qualquer pessoa que faz isso aguça a sensibilidade e passa a sofrer mais por enxergou e que, na época, melhor por ter se
isso. Então, eu não trabalho nesse ponto de ser pejorativo, assim, de tornou a o fez sofrer e ainda, o entregado, também, à
39
minha vida, foi ruim para mim. É uma escolha que eu fiz logo nas primeiras coloca em situações dor.
sessões: – “Eu vou me entregar ou eu não vou me entregar”? E aí eu tomei a complicadas com ele
decisão de me entregar. Como algumas pessoas não se entregam e não é só na mesmo. Escolheu, logo no
terapia, é em vários níveis da vida. Então, assim, eu me entreguei e, aí, eu sofri início da terapia entregar-
nesse processo. Se eu não tivesse me entregado à terapia, provavelmente eu se. Ressalta-se, em sua
não teria sofrido com algumas coisas. Mas ter sofrido e ter superado, hoje experiência, o processo
valeu à pena. É como eu ir ao teatro e não entender absolutamente nada da que lhe trouxe muito
peça. E ler um livro, estudar sobre o assunto e depois ver a peça novamente. E sofrimento, mas ter vivido
falar: – “Nossa, como eu não vi isso na primeira peça”. É exatamente isso. e superado fez valer todo o
Então, eu não considero que seja... ruim. Eu considero que seja doloroso. É sofrimento. Por isso,
como colocar aparelho nos dentes, é como fazer dieta. É isso. Você vai sofrer, Marcos considera o
tem hora que você vai querer arrancar tudo, pegar tudo e jogar o terapeuta pela processo psicoterapêutico
janela. Mas, depois você vai dar um sorriso no espelho e fala: – “Nossa, graças doloroso e não ruim. É um
ao aparelho, o meu sorriso está melhor”. É isso, assim, o meu sorriso ficou processo que requer
muito melhor com a terapia. E doeu colocar o aparelho. Então, eu não acho... entrega, e, graças à
eu não considero que seja ruim, considero que seja um processo doloroso e entrega, ele se sente muito
CAPÍTULO II
A PESQUISA
objetivo deste estudo foi investigar como o cliente vivenciou o processo psicoterapêutico. Foi
as repercussões nas suas vidas pessoal e relacional, assim como alguns mecanismos de
mudança psicoterápica.
(fossem eles individuais e/ou grupais), na perspectiva da Gestalt-terapia e que tivessem mais
para o seu objetivo. Apesar do agendamento da entrevista com três colaboradores (duas
mulheres e um homem), ainda havia duas pessoas disponíveis para a pesquisa, caso fosse
41
semelhante: adultos jovens, com mais de seis anos de terapia na abordagem gestáltica. A
terceira colaboradora, que recebeu o nome de Luísa, diferentemente dos demais, iniciou o
processo em sua adolescência. Como as pessoas têm um perfil semelhante, a escolha foi feita
ser a sala um ambiente apropriado à tarefa proposta. As entrevistas foram muito tranqüilas,
bem-sucedidos tanto por eles quanto pelas terapeutas que os acompanhavam. Os três
colaboradores foram ou são clientes de psicoterapia em grupo. Quanto aos seus processos
atualmente, e o rapaz, nomeado de Marcos, nunca fez terapia individual com a pesquisadora.
Não houve intenção, nem planejamento, de entrevistar apenas clientes, tanto que o
cartaz foi afixado em uma clínica que tem um corpo profissional composto por onze
psicólogas, das quais nove atuam na abordagem gestáltica. No entanto, apesar de não ter sido
programado entrevistar clientes pessoais, não houve nenhum problema a respeito. Uma vez
que o objetivo desta pesquisa é de caráter fundamentalmente empírico (e não clínico), não
aspectos inerentes à pesquisa: a sua proposta, os seus objetivos, a sua finalidade, as etapas em
que seria realizada, além dos meios utilizados para a construção das informações necessárias
ao estudo. Desde essa etapa, foi oferecida a oportunidade de o colaborador aderir ou não à
42
colaboradores.
Esclarecido, de acordo com a Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (anexo 2).
CEP, ago., 2005): “a eticidade da pesquisa está, nesta resolução, baseada na corrente
beneficência, não maleficência e justiça, estando está última equiparada no âmbito desta
apresentado, era explicado que haveria tantos encontros quantos fossem necessários, ou até
que uma das partes percebesse que fosse inviável a continuação das entrevistas por qualquer
motivo. Houve um único encontro com cada colaborador e tanto a pesquisadora, quanto os
clientes, na qualidade de colaboradores, consideraram que uma única entrevista fora suficiente
(anexos 3, 4, e 5), para que fizessem os recortes necessários para compor a dissertação de
mestrado. Todo o material gerado (CDs e transcrições) está guardado em local seguro, no qual
2.1.1 Participantes
Participaram desta pesquisa, como sujeitos colaboradores, três pessoas que estiveram
postula-se que, após esse período, o cliente seja capaz de avaliar o nível de contribuição do
processo psicoterapêutico na sua vida, mesmo sabendo não ser possível definir até que ponto
a mudança decorreu somente da terapia. Muitas vezes as mudanças estão conectadas a fatores
relações, etc.
gestáltica. A terapia individual durou seis anos e, nesse tempo, participou de terapia
A escolha de Janaína para a pesquisa ocorreu por sua própria iniciativa, ao ler o
psicoterapêutico encerrado, ela continuava levando seu filho mais velho para a psicoterapia,
Ela está de alta desde dezembro de 2005. Por ter sido cliente individual da
pesquisadora, foi informada que ela poderia ser colaboradora da pesquisa, mas que ficasse
anteriormente estabelecida, de algum modo, pudesse criar dificuldades para ela se expressar.
mesma sensação.
gestáltica. Sua terapia durou sete anos e meio e, neste tempo, também participou de terapia
5
A cliente fez terapia individual e de grupo ao mesmo tempo.
44
combinada de grupo, por mais ou menos dois anos e meio, também na Gestalt-terapia. Os
grupos de que Marcos participou eram coordenados pela pesquisadora e pela terapeuta
cliente sobre terapia, mas que ainda não estava definido. Ele se prontificou a ser um dos
colaboradores da pesquisa, caso fosse adequado para o estudo. Quando o problema ficou
definido, Marcos foi informado sobre o objeto de estudo e indagado se realmente ele se
A terceira e última colaboradora recebeu o nome de Luísa. É uma moça que iniciou
anos. Nesse período, de mais ou menos sete anos em terapia, ela também participou de alguns
grupos. Atualmente ela ainda continua em terapia individual e de grupo com a pesquisadora e,
no entanto, já trabalha sua alta. Ela está no último ano do curso de Nutrição.
Luísa foi informada sobre a pesquisa por meio do cartaz-convite que ela lera na
recepção da clínica e se ofereceu para participar da pesquisa. Disse que queria colaborar para
a pesquisa, e que gostaria muito de contar sua história para mais pessoas. Considera que foi
uma pessoa privilegiada por ter tido a oportunidade de iniciar sua terapia na adolescência e
poder continuar até os dias atuais. Segundo a colaboradora, a terapia a transformou: – “Eu me
tornei uma pessoa legal mesmo!” E é esse o motivo que a fez participar da pesquisa.
2.1.2 Instrumento
aspecto inicial que serviu para estimular o diálogo entre os colaboradores e a pesquisadora.
45
No diálogo com cada colaborador, foi respeitado o caminho por eles escolhido para
apresentada pelos colaboradores foi entendida e integrada ao corpo de conhecimento que foi
A escolha pela entrevista como instrumento deu-se pela relevância dada ao diálogo em
todo o estudo, por ser o diálogo um forte aliado no estabelecimento do vínculo, e por ser um
canal que, se bem desenvolvido, possibilita uma comunicação autêntica do vivido da pessoa.
Durante as três entrevistas, observou-se muita abertura dos colaboradores em expressar o que
realmente acreditavam.
vivenciam seus processos psicoterapêuticos. Estas histórias são resumos das entrevistas, com
alguns comentários que as elucidam, e as transcrições integrais das entrevistas, por serem
bastante extensas, estão ao final deste estudo (anexos 3, 4 e 5). No entanto, tentou-se
apresentar, nessas histórias, todo o conteúdo que se relacionava com o fenômeno pesquisado,
IV. A aproximação entre os relatos e a teoria citada resulta em uma confirmação mútua em
46
muitos pontos, além de alguns enriquecimentos que a experiência dos colaboradores pôde
entrevista, na qual Janaína ficou absolutamente consciente de seu crescimento na terapia, ela
pediu para voltar a fazer terapia de grupo, e assim o fez – iniciou o processo de grupo em
agosto de 2006.
para que ela a lesse e se posicionasse se estava de acordo com o texto e se faltava algo que ela
gostaria de acrescentar ou cortar da entrevista. Janaína fez a leitura e não acrescentou nem
cortou nada, apenas comentou, por e-mail (anexo 6) o que havia sentido:
Quando comecei a ler a transcrição da entrevista (...) foi forte a sensação – uma
quanto foi importante para minha vida e continuará sendo para sempre (...). Na maior
parte do tempo da leitura meus olhos enchiam de água, mas senti que era mais de
foi e está sendo importante para minha vida – com certeza foi uma possibilidade
Serão transcritos alguns trechos que enfatizam o fenômeno que está sendo pesquisado,
Janaína iniciou seu processo psicoterapêutico somente depois de um ano que havia
resolvido entrar na terapia e com muita resistência em expor-se. Até então, sentia-se muito
porque eu tinha contraído diabetes... [pausa]. Eu ficava indignada com aquela doença
e achava que tinha um fundo emocional, e eu assim, muito sozinha, muito comigo
mesma (...). Depois que eu fiquei sabendo da doença, ainda demorei um ano para
realmente vir para a psicoterapia (...). E eu vim (...). Tinha muita dificuldade de falar
de mim, das minhas coisas (...). Falava coisas que não eram relacionadas comigo (...).
Depois de um ano de psicoterapia que eu consegui falar para você da minha revolta
Janaína acreditava que a sua dificuldade em aprofundar na terapia era uma forma de
negar a doença que havia contraído – diabetes – negação que, às vezes, perdura até os dias
atuais:
Foi um jeito também de ficar negando a doença. Até hoje, eu ainda tenho em algumas
horas, momentos de negação e largo o regime para lá, tem vezes que me dá vontade
de parar de tomar os remédios (...). Essa doença foi, assim, como se tivesse caído o
Como já foi dito, Janaína iniciou a psicoterapia com muita dificuldade de entrar no
processo. Com um ano em processo psicoterapêutico, ela ponderou sua saída e a interrupção
naquele momento foi questionada. Ela contou a importância de ter sido confrontada, pois
percebeu que a decisão de deixar a psicoterapia estava relacionada com suas expectativas a
Eu vim com a expectativa de que a psicoterapia ia tirar meus problemas (...). Só que
aquilo não foi acontecendo, assim, do jeito que era minha expectativa [risos] (...). Eu
queria sair, mas aí você, com muita habilidade, me fez ver de outra forma, que eu
psicoterapêutico, de olhar para as dores, ir atrás das minhas crenças, dos meus
Janaína comparou como ela estava ao iniciar a terapia e como se encontra atualmente:
mais verdadeira e conseguindo perceber as coisas de forma diferente. As suas palavras são
esclarecedoras:
passava comigo, eu sempre fui muito sozinha (...). Mas o que a psicoterapia fez
comigo foi isso, de ser mais verdadeira, de ficar mais próxima do que eu sou [pausa].
Tem algumas coisas que eu acho que ainda permanecem (...). Mas só que agora é
diferente. A forma agora como eu estou vendo é diferente da que eu via antes da
psicoterapia.
49
Janaína percebeu que a conexão consigo mesma lhe possibilitou integrar-se também
Eu era muito solta mesmo, no mundo, perdida e hoje eu me vejo mais presente no
mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma pessoa... sei lá, solta... não tinha assim
essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais presente no mundo. Eu me vejo mais
dentro do mundo, não é (...)? Hoje eu me sinto mais integrada ao que está
À medida que Janaína pôde estar com ela mesma, foi gradativamente se conhecendo.
Foi uma coisa bem devagar, foi aos poucos, é uma coisa aqui, outra ali, acabou que
foi acumulando, e chegou uma hora que aconteceu. É uma coisa, assim, um dia
acontece [risos].
A forma, a forma agora como eu estou vendo é diferente que eu via antes da
que eu estou dissimulando (...). Hoje eu tenho consciência do que me incomoda, por
que está me incomodando, então é isso que eu acho que é diferente. A forma de ver
mesmo (...). Eu acho que se eu não tivesse feito psicoterapia, não sei o que ia ser de
mim não.
50
verdadeira:
gostar de mim é do jeito que eu sou, eu quero ser eu mesma em todos os lugares,
embora tenha hora que eu vejo que não dá para ser (...). Mas eu acho que (...) com as
pessoas mais próximas, aí não tem como, eu tenho que ser eu mesma, porque senão eu
vou me prejudicar, eu vou passar por cima de mim (...). Eu acho que uma coisa puxa
a outra.
Janaína percebeu que sua queixa principal não era o diabetes. Ao rever o processo,
compreendeu que sua grande dificuldade estava na sua relação com as pessoas, dentre elas,
Quando eu vim para a psicoterapia parece que eu tinha assim, meio que (...)
inconsciente (...) que a coisa é ali (...) naquela relação marido e mulher, de mãe com
o filho, parece que ali é que estava o problema. E é interessante que parece que
Janaína reavaliou seu casamento de forma diferente. Considera que a terapia a ajudou
Uma coisa que a psicoterapia foi muito importante para mim foi a forma de ver meu
relacionamento com meu marido (...). Caiu!... Sabe, trouxe muito conflito para nossa
relação. Impressionante o quanto eu dissimulava (...). Era uma relação boa, tanto
51
pessoal, quanto social, em todos os sentidos, não é? E de repente... eu vi que não era.
Consegui entrar na situação, ver realmente como que era a realidade e aí que parei.
Não consigo mais dissimular o meu jeito de ser para manter uma relação (...). Como
estava, não tem condição de voltar... Até ele fala assim que eu mudei muito, é
engraçado assim, eu acho interessante esses feedbacks que ele me dá porque [risos]
fica muito real as minhas mudanças (...). Eu acho bom, e ele acha que eu acho ruim.
Realmente eu sou outra (...)! Não dava para viver mais de olhos vendados para a
relação.
Sua relação com o filho mais velho ficou muito mais tranqüila ao aceitar os limites
físicos dele e, também, sua impossibilidade de mudá-los a qualquer custo. Ela temia que ele
Meu filho mais velho (...). Eu tive uma decepção mesmo quando ele nasceu (...). Eu
achava que ele ia sofrer com as mesmas coisas que eu sofri, ele era baixinho, muito
magrinho (...). Eu achei que ele ia viver tudo que eu vivi. Porque eu sou baixinha
também, não queria que ele fosse baixinho de jeito nenhum. E aí eu sofria demais com
isso (...). Eu passei a olhar também ele de uma forma diferente (...), de ver o que pode
ser vivido agora. O que pode ser feito (...). Vou lá e levo no médico até hoje, toma
remédio, faz esporte (...). Eu estou fazendo o que eu posso, mas também se ficar com
No decorrer da terapia, Janaína foi alterando sua percepção sobre outras pessoas e a
sua forma de conviver com elas: a ex-mulher de seu marido, seu enteado, seu pai, sua mãe
dentre outros. Essa alteração só foi possível graças a uma maior clareza de Janaína sobre ela
52
mesma e sobre o outro, uma maior aceitação de si mesma e do outro, uma capacidade de não
realizar julgamentos e uma revisão de seus papéis perante essas pessoas. Ela conta como
Outra questão que a terapia me ajudou foi a forma de ver a ex-mulher do meu marido
que eu tinha uma birra (...). Eu transferia para ela toda a raiva que eu tinha das
atitudes do meu marido. Então, na terapia eu fui percebendo que ela é uma pessoa
(...)
Com meu enteado. Eu tinha, assim, a sensação que eu tinha que tolerar ele, tal.
Sempre que ele ia lá para casa incomodava, tal. Só que eu também fui vendo (...) que
eu não tinha motivo (...) uma criança excelente, muito educada, muito, assim,
obediente. Nunca tinha feito nada, super-respeitador, então eu não tinha motivo real
para ter raiva dele, aquele incômodo todo (...). E quando eu descobri isso a relação
nossa se transformou (...). Hoje ele faz parte da família (...). Inacreditável! [Risos].
(...)
Minha família – pai, mãe, irmãos. Eu mudei demais a minha maneira de conviver, de
de distância, de raiva do meu pai (...). Na psicoterapia fui vendo que era um
sentimento que não era o meu, de filha (...). Hoje eu olho para o meu pai de uma
forma (...) que ele faz parte da minha vida e eu aceito ele do jeito que ele é (...). E a
mesma coisa com a minha mãe (...). Então eu me sinto assim, uma pessoa mais
Janaína conta que não só reviu suas relações com as pessoas, como também em sua
profissão:
Na minha área profissional eu também revi toda a minha profissão atual e consegui
atitudes para ir atrás de uma outra profissão que eu gosto (...). Psicologia (...). Eu
tive esse apoio em você, de realmente avançar. Avançar e fazer. Foram 15 anos com
vontade de fazer (...). Estou no quarto ano. E assim felicíssima da vida, sabe (...)? Me
encontrei mesmo na área profissional (...). Hoje eu penso assim: trabalhar seis horas
no banco [risos] para garantir o pão e atuar na Psicologia (...), que eu vou fazer por
amor, por prazer, por gostar e isso não tem dinheiro que paga... Essa é minha idéia
hoje.
Janaína percebeu o ganho em ter feito terapia antes de iniciar o curso de Psicologia.
Entende que a terapia a ajudou a relacionar teoria e prática no curso de Psicologia, e que se
que aqueles alunos ali que não estão entendendo o que está acontecendo, acho que
ficam mais perdidos. Com certeza acho que ajudou sim. Você conseguir materializar
uma coisa que você já viveu na sua vida... Aí, assim, me sinto que estou mais presente
no mundo.
vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma pessoa te escutando, não é? Eu
acho que nisso você foi muito importante (...). Eu te sentia inteira, durante as sessões,
psicoterapia, de achar que as pessoas não estão me escutando. Isso é muito ruim. A
Janaína percebeu que algumas características suas não foram alteradas e, talvez, nem o
Eu não consigo parar sem chegar perto de uma coisa ideal, uma coisa mais assim,
mais completa, senão não fico satisfeita [risos]. E aí eu já descobri que isso não tem
Olhar suas questões mais íntimas fez que Janaína entrasse em contato com dores
mesma:
Eu acho assim, que tem que olhar para a dor, tem que entrar na dor. Enquanto fica de
fora, de longe olhando, não consegue viver, sentir aquilo que realmente está
causando aquela dor (...), uma forma diferente de ver essa dor. Porque a dor existiu,
existe, não é? Não tem muito que alterar, mas a forma com que a gente vê, lida com
essa dor, a psicoterapia ajuda (...). Ressignificar a dor (...) é só no momento que você
consegue entrar mesmo na dor (...). Sentir mesmo, sentir. Eu já percebi momentos que
55
eu senti e que depois vem o alívio (...). Enquanto fica sozinha, só com a gente, ela só
vai aumentando, ela só vai aumentando (...). Então, eu acho que é (...) conseguir
acho que ele era necessário, era preciso [risos]. Eu não ia sair dessa psicoterapia se
Paradoxalmente, Janaína, após a depressão, descobriu seu lado jovem, feliz e cheio de
vitalidade:
anos e já queria me aposentar, não trabalhar mais, deixar de fazer coisas que não
estavam compatíveis com a minha idade (...). Eu fui vendo na psicoterapia que eu
tinha outros lados, um lado de moleca [risos]. Esse lado da moleca, como você
nomeou, é muito gostoso (...). Eu senti que isso estava adormecido em mim, essa
moleca, essa vitalidade, essa pessoa mais jovem (...). Só que foi despertado e eu fui
resgatando esse lado, um lado que era meu e que estava escondido, abafado, não
estava sendo vivido (...). Hoje eu consigo ser eu mesma (...). É muito prazeroso ser
realmente o que a gente é (...). Estou mais perto da minha idade e do meu jeito de ser.
56
aceitação, limites, escolhas, timidez, rigidez etc. Janaína aprendeu, na terapia, a diminuir sua
Outra coisa que a terapia me ajudou muito foi em minha ansiedade (...). Eu era muito
ansiosa (...). Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava louca de pensar no
(...). Não vivia o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa
ansiedade toda, não é? E eu passei a olhar (...) no aqui e agora, de ver o que pode ser
Janaína relacionou a diminuição da ansiedade com o respeito pelas pessoas com quem
Há um tempo atrás eu ficava muito ansiosa para aquela pessoa fazer o que eu fiz.
Hoje não, ela vai ter o momento dela, a hora que ela sentir vontade ela vai passar por
isso e vai atrás... Talvez ela nunca vá atrás, não é? E vai viver... e é dela, não é meu.
Eu acho que vem é a questão de saber respeitar o outro. Que é outro ganho da
psicoterapia (...). Achava que poderia controlar o mundo, controlar as pessoas. Hoje
eu já vi que, assim... nem quero (...). As pessoas têm que realmente caminhar com as
próprias pernas.
57
Janaína aprendeu a lidar com as frustrações, com os limites que enfrentava, e percebeu
que as escolhas das outras pessoas concernem a elas, o que a tem ajudado, por exemplo, em
Este ano estou fazendo estágio (...). E trabalhando essa questão mesmo da frustração,
não é? Porque tem hora que a pessoa não que participar do processo. Tem pessoas
que não assumem o tratamento, mas eu estou sabendo que nem todo mundo adere ao
Lidar com seus limites e com os limites do outro ajudou Janaína a deixar de julgar as
pessoas de acordo com seus preconceitos e a ficar mais próxima das pessoas. Janaína passou,
me policiar a não ter esse tipo de comportamento (...). Assim, hoje eu consigo ficar
mais próxima do outro. Quando eu julgava eu afastava do outro. Hoje (...) eu consigo
me colocar no lugar do outro (...), a pessoa deve ter motivos para ser daquele jeito
(...). Isso me traz assim, um gostar mais de mim, um gostar mais do outro, ter mais
leveza.
quase entrava em pânico quando tinha que falar em público (...). Teve esse ganho de
58
estar falando em público, de estar pondo minha opinião, até de fazer graça, perguntar
quando tem dúvida e não ter vergonha, se o outro está achando se é uma dúvida
banal.
Me tornei mais flexível com a psicoterapia. Tipo... (...), hoje eu penso assim (...) mas
eu acho que tudo pode mudar também (...). Eu acho que eu era muito rígida, hoje eu
sou mais flexível, com certeza. Um exemplo que eu posso dar [pausa] (...) é a questão
da... da minha doença mesmo, da diabetes (...). Era o fim do mundo: – “Eu vou
morrer, vou amputar a perna, vou ficar cega”... Só via por este lado. Hoje não, já
vejo que tem tratamento, tem alternativa, pode acontecer, pode não acontecer (...).
Hoje eu estou muito melhor. Não tem nem comparação! [Risos] (…). E isso eu devo à
terapia.
terapia de grupo foi um dos espaços que lhe permitiu experimentar ser mais verdadeira e,
tava... acho que gostando mais de mim (...), um respeito (...). Tive uma surpresa
comigo, com a minha atitude. E aí parece que eu falei: – “Eu não sou tanto uma
bruxa quanto eu imaginava que eu fosse” (...) e foi aí que eu comecei a conseguir ser
eu mesma lá fora. E nesse momento começar gostar mais de mim, de ter mais
59
confiança (...). Acho que minha auto-estima melhorou bem (…). E aí no que eu me
mostrei na minha relação conjugal, eu acho que eu não agradei muito, sabe? [Risos].
Achei que a terapia de grupo... que o contato com um outro que também está em
processo psicoterapêutico faz a gente ver a gente mesmo no outro. Na relação social
Nossa! Tinha coisas que acontecia no grupo que eu nunca tinha visto em mim, aí eu
via no outro e percebia que estava vendo no outro uma coisa que era minha. Às vezes,
vinha mexer em coisas que eu nem imaginava (...). Eram coisas que estavam sumidas
da minha vida e que de repente uma pessoa toca naquele assunto que também parece
Eu não considero perda (...). Eu passei por muitos conflitos na minha relação
conjugal e tudo, mas por incrível que pareça eu não vejo como perda não (...). Você
foi falando aí, eu tentei pensar em alguma perda, não consegui ver nenhuma perda
terapia provoca, ela alegou que muitas pessoas podem não ser capazes de enfrentar esse
processo:
Vem uma emoção misturada. Vem assim alegria de ter conseguido, melhorado, estar
melhor. Mas vem também (...) a dor. Eu tentei pensar em alguma perda, não consegui
ver nenhuma perda não. Acho que mesmo nos conflitos a gente ganhou muito... De
mexer na ferida, porque dói, dói muito, dói. Mas hoje para mim tem aquela sensação
assim doeu, mas... curou (...)! Foi um processo assim, foi árduo, foi muito tempo, mas,
grupo havia um ano e meio, por ter sido transferido para a cidade de São Paulo-SP, a trabalho.
Toda a entrevista (anexo 4) foi gravada, com o compromisso de transcrevê-la para que
ele a lesse e se posicionasse se estava de acordo e se faltava alguma coisa que ele gostaria de
acrescentar ou cortar da entrevista. Marcos leu a entrevista e não acrescentou ou cortou nada,
apenas comentou, por telefone, que havia ficado novamente emocionado ao reler sua história.
Eu entrei no processo terapêutico com muita angústia (...). Aquela voz que me
produzia angústia foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza sobre as
61
coisas (...). Hoje eu consigo entrar nos meus momentos de angústia, como sempre,
porque é uma coisa minha, mas eu consigo ter calma e clareza para entender por que
(...)
Então quando eu vejo a vida que eu consegui para mim hoje, era tudo que eu queria
partes boas, a enxergar as partes ruins e saber o que eu podia fazer com isso. E tentar
encontrar dentro de mim as coisas, as respostas para essas coisas (...). É um processo
que me ajudou a ter muita consciência de mim (...). Se eu tiver consciência de que eu
quero fazer, mesmo se der errado alguma coisa eu não vou responsabilizar ninguém.
relações e na vida:
personagens representavam para mim e como eu queria lidar com essas pessoas (...).
Com a minha mãe foi redimensionar papéis. Assim, ela não era minha esposa mais, e
eu assumi o papel de filho. E não o papel de marido, e não o papel de tutor (...). Eu fui
procurando ajuda do pai, que era o objeto do abandono (...). Era o Marcos
62
dizendo: – “Olha, você não é minha mulher, são coisas que meu pai tem que resolver,
com isso, não fugir de suas verdades e nem se furtar de vivenciar algumas experiências:
A terapia me ajudou perceber que existem algumas coisas que são humanas mesmo,
que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que aprender a lidar com essas coisas (...). Tem
um exemplo claríssimo nesse processo. Eu acho que eu jamais estaria sentado aqui,
dando entrevista para você, se eu não tivesse feito terapia (...). Eu sempre me ouvi
muito mal, eu sempre tive vergonha do meu jeito de falar, eu sempre tive vergonha da
minha voz, eu sempre fugia dessas situações (...). E foi a primeira entrevista que eu
não fugi (...). Então, assim, mudou, minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não.
Mas o meu jeito de me ouvir, o meu entendimento sobre isso, mudou. Então, o
(...)
De conseguir olhar para mim e dizer: – “Você merece andar mais, você merece ir
mais além e você tem todas as condições para ir além” (...). Eu não tenho medo nem
vergonha de falar das minhas fraquezas e das minhas inquietações, das minhas
angústias, eu não tenho medo. Então, assim, o que eu aprendi é: a partir do momento
em que eu tenho coragem de assumir as minhas falhas, os meus defeitos, e avisar para
63
a outra pessoa que eu tenho os meus limites, isso não me coloca numa posição
inferior, como eu achava que era, isso me coloca numa posição humana.
Sentir-se uma pessoa humana, capaz de realizar e falhar, alterou sua relação consigo
A terapia me ajudou a olhar mais (...) para minhas relações. Olhar de verdade
mesmo, me ajuda até hoje (...). Eu não conhecia o meu pai de verdade, eu não
conseguia olhar para ele (...). E, de repente, eu me toquei que era uma companhia,
era uma presença, que eu queria muito perto de mim, e que eu só fui ter aos 27, 28
anos de idade.
Eu tive coragem de chegar pro meu pai (...) e dizer o quanto aquele momento tinha
sido importante e, para mim, tinha valido (...). Para mim, valeu muito mais guardar
essa lembrança no lugar daquele vazio que eu tinha do meu pai ausente na infância.
Marcos buscou ser o mais verdadeiro possível, colocar-se no lugar do outro e a não
julgá-lo:
Eu aprendi a perguntar para a outra pessoa, a pedir para a outra pessoa se colocar
Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela como eu
me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela fez (...). Dizer
É ir e fazer. E saber lidar com o que eu tenho de volta, que às vezes não é fácil. Então,
assim, é maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o
que você vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me ensinou a
Marcos aprendeu que para alcançar uma relação autêntica ele precisaria ter coragem
E à medida que a terapia foi me dando coragem para me mostrar, foi me dando
coragem para ser aquilo tudo que eu sempre quis ser. A terapia não trouxe nada de
novo (...). Ela só me abriu as portas, as minhas portas, para eu ser aquilo que eu
Marcos sente-se autorizado a mostrar-se exatamente como ele é, ao perceber que ele
ver de volta. E não fechar o olho quando vê de volta, sabe? Então, assim, é me
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mostrar, sem medo de me mostrar, e conseguir olhar para as pessoas e ver que elas
gostam de mim. E ver que elas admiram algumas coisas, que elas são ponderadas
com outras, que elas não gostam de outras. Mas olhar e falar: – “Gente, isso tudo sou
eu”!
Marcos conseguiu integrar em sua vida seus sentimentos, seus pensamentos e suas
ações:
assistindo (...). Agora eu consigo soltar a minha emoção também no meu trabalho
(...). Não deixar ela só guardada em um determinado lugar (...). Hoje eu consigo fazer
de suas questões:
Eu não me jogo mais em uma situação em que eu sei que eu posso sair muito
tempo, não dá para você resolver tudo de uma vez (...). Essa noção de tempo, de
espera, de paciência que a terapia me ensinou (...) foi um dos melhores suportes de eu
tive (...). Eu me lembro que quando eu entrava em crise (...) eu fui dando tempo para
dar uma segunda chance, tanto para ele, quanto para o outro. Em relação ao outro, ele tenta
entender o sentido de um determinado ato para aquela pessoa e, ele, busca, em sua história,
Eu dou uma segunda chance quando eu conheço uma pessoa e eu não vou com a cara
dela (...). Se alguém me incomoda isso... isso me chama a atenção e eu sou levado a
querer entender por que (...). Então, aquele cara que é muito grosseiro no trabalho,
eu prefiro lidar como ele tendo os motivos dele para ser grosseiro (...). Ele tem lá as
razões dele para ser daquele jeito. E aí, se incomodar, aí eu quero entender pelo
menos comigo porque que ele me incomodou. Se é porque me lembra meu pai, se é
pelo próximo foi um dos aprendizados de Marcos no processo psicoterapêutico de grupo. Ele
(...). Eu aprendi respeitar e pedir para as pessoas que façam a mesma coisa comigo
(...). Mas aí, quando você senta para conversar com a outra pessoa e está disposto a
(...)
Tive muito medo. Precisei ser muito bem convencido pela minha terapeuta a fazer
parte do primeiro grupo. Depois disso, ah, foi uma festa. Não parei mais de fazer
67
terapia em grupo. Mas sempre acompanhado pela terapia individual (...). Foi um
terror no começo. Não sabia como agir, como lidar com as pessoas. Comecei
outro. Respeitar o tempo das pessoas. Cada um funciona de uma forma (...). Se eu
pudesse comparar com alguma coisa, o grupo seria mais ou menos o meu ritual de
de auto-estima, eu continuo com todos, todos eles (...). Então, eu achei que a terapia
processo que ela só ia me proporcionar a fazer as pazes com um monte de coisas (...).
que não tinham motivos para estar ali mais. E manter uma convivência pacífica com
outras coisas, porque algumas coisas são minhas e elas vão ficar comigo, então, eu
Eu não dou esse peso (...). Se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em
contato com um monte de coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não
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enxergaria coisas que eu enxergo hoje e que às vezes me colocam em situações muito
para mim (...). Eu me entreguei e aí eu sofri nesse processo (...). Mas ter sofrido e ter
superado, hoje valeu à pena (...). É como colocar aparelho nos dentes (...); você vai
sofrer, tem hora que você vai querer arrancar tudo (...), mas, depois você vai dar um
sorriso no espelho e fala: – “Nossa, graças ao aparelho o meu sorriso está melhor”.
É isso, assim, o meu sorriso ficou muito melhor com a terapia (...). Eu não considero
que seja ruim, considero que seja um processo doloroso e que requer entrega.
Marcos afirma que não é qualquer pessoa que realmente enfrenta o processo
psicoterapêutico:
Eu fiz terapia e (...), se eu não tivesse preparado pra esse mergulho dentro de mim, eu
podia estar há 10 anos fazendo terapia, que eu não ia fazer, é uma viagem que
depende de mim.
processo psicoterapêutico:
Eu vim com medo de (...) abrir um monte de coisas e não sei o quê (...). É muito
consegui chegar, como as coisas hoje são limpas, como eu sou limpo”.
69
intenção de estabelecer o diálogo sobre sua vivência no processo psicoterapêutico. Por Luísa
estar em psicoterapia, discutiu-se, antes da entrevista, que aquele momento seria uma situação
diferente e que ela deveria ter a liberdade de expor sua vivência na psicoterapia em um outro
contexto. Luísa estava motivada para a entrevista, por acreditar que a psicoterapia
para que Luísa a lesse e falasse se estava de acordo com o texto e se faltava algum fato que
ela gostaria de acrescentar ou cortar da entrevista. Luísa leu a entrevista e enviou um e-mail
(anexo 7), solicitando que acrescentasse, em seu depoimento, dois fatos importantes que ela
Ao sair do consultório aquele dia, algumas coisas que deixei de dizer sobre o meu
processo de vivência na terapia, ficaram muito fortes e presentes, por isso resolvi
vivencialmente, que aceitar a outra pessoa não implica concordar com ela, e relata que esse
discernimento a deixou livre e tranqüila para uma aceitação do outro. Percebeu que para
70
aceitar o outro não precisa alterar seus valores, já que não precisa haver concordância
absoluta:
escolhas, até aceitá-las, mesmo sem concordar com as mesmas. Gostaria de ressaltar
que o mais importante nesse processo, é, além de poder entender e aceitar, é ter o
O segundo item citado por Luísa foi sobre a forma como ela entendeu e enfrentou sua
primeira crise depressiva, constatada em seu processo psicoterapêutico. Ela tem crises
O outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado uma
depressão.
Estes dois depoimentos foram acrescentados à entrevista, como solicitado por Luísa.
No dia seguinte ao envio do e-mail, Luísa tinha sessão de psicoterapia. Relatou que sua
vontade, ao ler a entrevista, foi mostrar sua história para sua família, e que o fizera com sua
irmã. Contou que as duas leram a entrevista juntas e choraram de emoção ao depararem com
tamanho crescimento:
71
É gostoso ver até onde eu vim até agora, como foi meu caminho, muito bom! O que eu
fiz esses sete anos, o que eu aprendi, o que eu cresci! (...) Eu olho e penso: – “Meu
perdida e com muitos conflitos pessoais e familiares, chegando a ser expulsa de casa:
Eu comecei, tinha 16 anos, era uma adolescente... Vou fazer 23! Estava, assim, meio
perdida no mundo, confusa, com briga em casa, cheia de conflitos mesmo. A terapia
foi (...), alguém de fora que eu precisava para me ajudar. Eu tinha brigado com a
realidade:
Foi fundamental nessa fase da minha vida, porque... me ajudou a aceitar quem eu era,
porque eu não aceitava, não conseguia aceitar minha realidade. Não conseguia
aceitar minha família, não conseguia aceitar quem eu era, não conseguia aceitar
onde eu estava mesmo, queria viver uma vida que não era a minha. Era um conflito
muito grande.
Luísa necessitou, para aceitar sua realidade, reconhecer suas verdades, e, para tanto,
precisou rever sua vida, que até então rejeitava. Sentia-se perdida e sem lugar:
72
Eu não sabia reconhecer quais coisas eram de verdade, era como se eu tivesse em um
processo de negação. Eu não queria aquela vida que eu tinha, sabe? Eu não queria
aquela mãe, eu não queria aquele pai, não queria aquela situação, não queria (...).
Tanto que eu vivia mais na casa de amigas do que na minha própria casa. Não me
sentia em um lugar meu, o que era meu eu não sentia que era meu.
Ao olhar para si mesma e para sua família, Luísa passou a valorizar-se mais e também
a seus pais e à sua vida, a entender e a compreender melhor a si mesma e aos seus pais, e,
A psicoterapia me ajudou a ir vendo (...) quem eu era e que eu tinha que dar valor
(...), que não era ruim como eu achava... Então, acho que foi importante... até para
começar a entender o lado do meu pai, da minha mãe (...). Ir aceitando aos poucos o
que a vida me oferecia, olhando para o que eu tinha. Então, eu acho que a
psicoterapia foi fundamental nisso, mas primeiro eu tive que ver, não é? Porque eu
nem queria ver o que eu tinha. Então, primeiro eu tive que aprender a ver o que eu
tinha, quem era a minha mãe, quem era meu pai, quem era eu, onde que eu estava,
qual que era meu lugar, não é? Para aprender a conviver com isso.
desconhecida antes da terapia. Vivia de aparências e, atualmente, policia-se para não entrar
nesse caminho:
Uma coisa que eu aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o que eu
realmente queria mostrar, nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o que eu
73
realmente sou? Eu olho isso sempre, justamente para fugir da hipocrisia. Cada dia eu
gosto menos da pessoa mostrar uma coisa que ela não é (...). Eu fiz isso muito tempo,
vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer uma coisa, um mundo, uma
postura que não era a minha, que não era eu, não tinha aquilo ali para dar (...). Era
uma capa.
outros, mesmo que ela seja difícil de ver. Luísa tenta passar uma imagem fidedigna do que ela
é:
Faz-de-conta (...) tornou-se uma coisa insuportável na minha vida (...). O caminho de
ser dissimulado é mais fácil (...). Eu não consigo mais aceitar uma paisagem, uma
pintura, uma maquiagem, em cima daquilo que não é de verdade (...). Quero a
verdade por mais feia, por mais dura que ela seja (...). Hoje me incomoda não ser eu.
Me incomoda até quando alguém quer dizer quem sou eu: – “Essa não sou eu” (...)!
Fico tão preocupada em ser eu, em não mostrar uma coisa que eu não sou.
maneira menos fantasiosa e mais integrada. Atualmente, agrega, à sua opinião, as opiniões
externas, atitude incomum antes da terapia, pois ela ampliou sua visão sobre a situação:
Eu vou ao encontro com o que realmente é, sem fantasia, eu vou ao encontro com a
minha opinião. Assim, eu consigo organizar minhas idéias, eu acho que é isso,
opiniões reais, algumas outras opiniões são muito parciais (...). Uma coisa que a
74
terapia me ajuda, que eu tenho que tomar muito cuidado, de não ir somente pela
opinião dos outros. Então eu acho que eu ainda preciso muito de ir para a terapia,
pois ajuda a me organizar melhor quando estou confusa (...) de poder sentar,
Luísa considera que evoluiu muito com sua psicoterapia como um todo, no entanto,
faz um paralelo sobre o que ela considera ter aprendido na psicoterapia individual e na
ajudou a aceitar-se e a lidar com sua realidade, ao passo que o grupo a ajudou a se relacionar
mundo, a me aceitar, a aceitar meu mundo, lidar com aquilo que eu tenho (...). A
terapia individual me fez entender que eu preciso me gostar, a melhor coisa que eu
tenho sou eu, do jeito que estou naquele momento Mas o grupo (...) me ajudou demais
nos meus relacionamentos, a entender os outros, me reconhecer nos outros, a ver que
problemas todo mundo tem, dificuldades todo mundo tem. O grupo me fez ver que eu
só vou crescer com as outras as pessoas (...). O maior aprendizado que eu posso ter é
Luísa constata que seu olhar e interesse pelas pessoas estão diferentes, sobretudo,
depois da psicoterapia de grupo, o que altera sua maneira de encontrar as pessoas, levando-a a
Depois que eu fiz grupo eu tive um outro olhar sobre qualquer pessoa, sabe? Um
olhar mais emotivo (...), menos crítico, um olhar de (...) tentar entender mesmo: –
“Isso é assim, mas tem um porquê” (...). No grupo, eu pude olhar mesmo, e querer
ver, querer conhecer, sabe? E ver que cada pessoa, todo mundo, por melhor ou pior
que ela seja, as pessoas sempre têm alguma coisa muito interessante (...). Isso tirou
Luísa percebeu, no grupo, a necessidade de olhar para todos os lados de uma mesma
história, e que as pessoas assumem um posicionamento ante a vida de acordo com suas
Toda história tem o outro lado, toda pessoa tem vários lados (...). No grupo eu
consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse feito
grupo. Por exemplo, consegui ouvir as razões de uma pessoa que era considerada
egoísta e entender seu egoísmo (...). Aprendi no grupo que (...) as pessoas (...) tinham
uma história (...) que me fazia entender aquelas atitudes diante a vida (...). Aquilo que
Esse entendimento foi importante para Luísa, já que, ao olhar sua história, passou a
sentir orgulho de uma vida que antes repudiava. Percebeu que as pessoas precisam ter uma
história, mesmo que ela seja difícil, e que esta dificuldade, se vivida sem amargura, ajuda a
Se eu não tivesse passado por tudo que eu passei eu acho que eu seria uma boba, uma
mimada. Então assim: – “Eu dou graças a Deus... Nossa! Obrigada (...) porque eu
76
passei por um monte de problemas, porque isso fez de mim uma pessoa melhor, tenho
certeza” (...). Eu observo que quanto mais coisas ela [a pessoa] passou na vida, se ela
não deixou se amargurar, ela é uma pessoa mais interessante (...). E a pessoa [que
não passou por dificuldades], muitas vezes, fica boba, fútil, porque eu acho que ela
No grupo, Luísa teve a permissão de ser ela mesma ante o outro, pois pôde perceber
“Nossa! Eu também! Nossa! Não sou só eu que sou assim. Nossa! Não sou o patinho
feio da história”.
Ao mesmo tempo que Luísa distingue os benefícios de cada terapia ela mostra a
Com o passar do tempo, com a aceitação e a admiração que passei a ver as pessoas
pessoa mais interessante por olhar diferentemente para os outros e as coisas, por buscar a
totalidade, por notar-se mais sensível, por ter sede de aprender e pela paixão pelo ser humano:
Acho que a terapia me fez muito mais interessante, muito mais madura. A terapia fez
diferente sobre as coisas e sobre as pessoas, sabe? Eu sinto que eu consigo ter uma
sensibilidade maior, eu consigo ver além, entendeu (...)? Coisas que para mim, às
vezes, são tão óbvias e ninguém está vendo (...). Ver além (...) dos preconceitos, dos
pré-julgamentos (...). Eu consigo ter uma noção de totalidade (...). Tenho sede de
aprender mais, mais e mais. Com uma paixão, que eu aprendi aqui na terapia, pelo
Luísa continua com a tendência de cuidar do outro, de tomar a frente das coisas, no
entanto, com maior consciência do seu jeito de funcionar, avalia a necessidade ou não de
resolver os problemas:
Mas aí eu tenho que parar, e lembrar, e sentar aqui no sofazinho da terapia, e falar: –
“Não, espera aí, eu tenho minha ‘vidinha’, eu não tenho filho ainda dessa idade para
cuidar” (...). Eu já observei que se eu assumo, ninguém vai assumir. Então, de repente
Ao mesmo tempo, Luísa revela assumir algumas coisas, que apesar de socialmente
não serem problemas dela, ela entende que o são, como cuidar do pai, por exemplo, o que
Eu estava conversando isso com a minha irmã (...) sobre a questão do meu pai, tal e
eu perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me respondeu bem assim: –
“Não, não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele” (...). Achei uma visão
muito radical. (...). Eu falei assim: – “Claro! Tudo bem! Eu também sou filha, eu
78
também quero ser cuidada, mas infelizmente a gente não tem os pais para cuidar da
gente. Eles não nasceram para cuidarem da gente” (...). Também não acho certo, se
Luísa aprendeu a ponderar e discernir seus desejos, seus deveres e suas possibilidades:
Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança mesmo, não
afasta (...). Sempre foi um conflito: – “O que eu posso fazer, o que eu tenho que fazer,
o que eu quero fazer” (...). Hoje: – “Eu vou fazer até onde eu der conta”.
depois, na continuação do curso, pois ela procurou encontrar, nela mesma, o que queria:
A terapia me ajudou a (...) escolha profissional, porque chegou uma fase que eu
estava muito perdida (...). Então, foi assim imprescindível para ver o que realmente eu
queria, o que era para mim e o que era para os outros (...). Eu entrei assim (...): –
“Ah, não, isso eu gosto, eu acho que vai ser bom e tal”. Mas, na hora que eu entrei na
faculdade, eu comecei a achar meio chato (...). Aí eu tive que retomar e ver... porquê
que eu estava ali, se era o que eu realmente queria, ou se não (...). E ter uma postura
muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali (...). Ver os vários motivos pelos quais
eu estava ali (...). O que me fazia desistir, o que me fazia continuar (...). Avaliar tudo
formação profissional, por exemplo, no estágio no curso de Nutrição, ela percebe um real
A terapia me ensinou também a dar valor nas pessoas (...). Aprendi a respeitar e ter
interesse pela pessoa humana. Eu já acho que... a terapia me fez assim, me deixar
como pessoas e não como um leito número 57... e isso faz muita diferença (...). Não
tenho o menor receio de pegar uma cadeira, sentar do lado do leito, ficar
conversando, ouvindo a história de sua vida (...). Porque eu não consigo separar (...)
metabolismo e, também, tem uma história, e o seu metabolismo vem do estado dela,
Luísa considera que a terapia a ajudou a tornar sua relação amorosa mais saudável, ao
descobrir, inicialmente, que sua vida não se limitava ao namoro, e, em seguida, transpor esse
aprendizado para o seu relacionamento com o namorado. Atualmente ambos são livres para
Eu comecei a namorar (...). Eu tinha uma tendência muito grande a... a ser submissa
(...), a ser dependente dessa relação. E nesse lugar [o consultório] que eu consegui
ter, assim, um insight de que eu tinha que ter minha vida (...). E, até hoje mesmo, é o
que mais me ajuda a clarear a coisas (...). A terapia me permitiu (...) enxergar meu
namorado, a vida dele como um todo, não só como namorado, sabe? Enxergar ele
como homem, enxergar ele como filho, enxergar ele como profissional. Porque antes
80
eu só enxergava um lado, só queria aquilo ali: namorado. Namorado tem que ser
Eu não consigo imaginar minha vida se eu não tivesse começado a fazer terapia
naquele momento. Porque, não sei onde eu estaria hoje, não sei se eu estaria.
Por outro lado, ela também aprendeu a ponderar sobre a importância da terapia em sua
vida, e a perceber se a terapia lhe trouxe algum prejuízo. Ao ser questionada a respeito, ela
responde que atualmente não consegue ver prejuízos, apesar que já ter pensado sobre isso em
Às vezes eu até pensei nisso, na questão da... de uma certa tolerância que a terapia
me deu com relação às pessoas... mas hoje eu vejo que não. Eu pensei nesse assunto
tem tempo, mas hoje vejo a tolerância como se fosse uma tolerância e não uma
apatia. Essa questão de estar entendendo demais, de estar vendo demais, de estar
aceitando demais e acaba tendo uma maior tolerância (...). Atualmente eu não vejo a
Foi maravilhoso, até coisas que eu não tinha parado para pensar em todo esse
processo, coisas que eu nem tinha visto. Tinha visto, mas tinha passado, não tinha
CAPÍTULO III
OS RESULTADOS
Após ter descrito a vivência dos clientes nos processos psicoterapêuticos, observaram-
se vários temas comuns em seus relatos. Também ficou evidente a relação do que eles
eles utilizam expressões técnicas da Gestalt-terapia, e até mesmo alguns conceitos de forma
direta, como aqui-agora – “e eu passei a olhar (...) no aqui e agora, de ver o que pode ser
vivido agora”, ou contato – “eu não teria entrado em contato com um monte de coisas”, e
outros de forma indireta, como “eu aprendi a me colocar no lugar das outras pessoas”, que é
Para tanto, foram agrupadas, pelas semelhanças, categorias [quarto passo do método
apresentado por Giorgi (1985)] encontradas nas entrevistas. Cada agrupamento corresponde a
um conjunto de unidades de significado, que serão expressos por meio de uma categoria, na
busca de traduzir, de uma maneira mais ampla, o que eles pareciam transmitir. Cada categoria
expectativas que não foram supridas. No entanto, Luísa (C3) encontrou, na terapia, o que
realmente imaginava:
paraíso.
seu sentido, ao passo que Luísa (C3) sentiu-se confirmada no que procurou:
para as dores, ir atrás das minhas crenças, dos meus valores, o que era meu
fantasmas, a enterrar alguns assuntos (...), que não tinham motivos para estar
ali mais. E manter uma convivência pacífica com outras coisas, porque
C3 – Eu não consigo imaginar minha vida se eu não tivesse começado a fazer terapia
naquele momento. Porque, não sei onde eu estaria hoje, não sei se eu estaria.
A psicoterapia e o autoconhecimento
vidas, como as relacionadas ao autoconhecimento, por exemplo. Observa-se, nesse tema, que
dá à medida que o cliente se percebe. A atitude do perceber-se leva a pessoa a uma maior
passava comigo, eu sempre fui muito sozinha (...). Mas o que a psicoterapia fez
comigo foi isso, de ser mais verdadeira, de ficar mais próxima do que eu sou.
podia fazer com isso (...). É um processo que me ajudou a ter muita consciência
de mim (...). Se eu tiver consciência de que eu quero fazer, mesmo se der errado
C3 – Primeiro eu tive que aprender a ver o que eu tinha (...), quem era eu, onde que
À medida que a pessoa adquire mais consciência de si mesma, ela passa a ter, também,
aceitação e o respeito pelo próximo e por si mesmo. Este é o segundo tema que foi destacado:
C1 – E no final da terapia (...) eu tava... acho que gostando mais de mim (...), um
respeito.
(...)
Eu acho que vem é a questão de saber respeitar o outro. Que é outro ganho da
Hoje eu já vi que, assim... nem quero (...). As pessoas têm que realmente
caminhar com as próprias pernas (...), e eu aceito ele do jeito que ele é (...).
consigo me colocar no lugar do outro (...), a pessoa deve ter motivos para ser
daquele jeito (...). Isso me traz assim, um gostar mais de mim, um gostar mais
do outro.
C2 – A terapia me ajudou perceber que existem algumas coisas que são humanas
mesmo, que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que aprender a lidar com essas
coisas.
(...)
Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela
como eu me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela
85
as coisas funcionam.
aceitar minha realidade. Não conseguia aceitar minha família, queria viver
uma vida que não era a minha. Era um conflito muito grande.
(...)
E ver que cada pessoa, todo mundo, por melhor ou pior que ela seja, as pessoas
sempre têm alguma coisa muito interessante (...). Isso tirou muito preconceito...
muita barreira que tinha de não me deixar envolver mesmo (...). A capacidade
concordar com as mesmas (...). A terapia me ensinou também a dar valor nas
Luísa (C3), em seu relato, foi além de Janaína (C1) e Marcos (C2) em relação ao
entendimento sobre a aceitação, quando diferenciou dois conceitos: aceitar e concordar. Essa
valores.
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concordar com o outro, mas respeitar a diferença, representada pela verdade do outro. Na
compreensão, aceitação e respeito pelo outro, o que é ilustrado nas falas de Marcos (C2) e
Luísa (C3):
C2 – No grupo era bem diferente. Cada um funcionava à sua maneira. Ai, que delícia
C3 – Toda história tem o outro lado, toda pessoa tem vários lados (...). No grupo eu
consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse
feito grupo. Por exemplo, Consegui ouvir as razões de uma pessoa que era
A psicoterapia e o diálogo
Assim, torna-se possível não “apontar o dedo”, mas dizer o que a atitude do outro provoca na
pessoa e perceber como fica tocada pela fala do outro. Na percepção dos colaboradores, essa
C1 – Tinha muita dificuldade de falar de mim, das minhas coisas (...). Falava coisas
C2 – É maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o
que você vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me
C3 – Eu estava conversando isso com a minha irmã (...) sobre a questão do meu pai,
tal e eu perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me respondeu bem
assim: –“Não, não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele” (...).
Achei uma visão muito radical. (...). Eu falei assim: – “Claro! Tudo bem! Eu
também sou filha, eu também quero ser cuidada, mas infelizmente a gente não
tem os pais para cuidar da gente. Eles não nasceram para cuidarem da gente”
(...). Também não acho certo, se abster daquilo ali e levar uma vida como se
não existisse.
(C2), como o diálogo pode chegar a um lugar nunca imaginado, ao permitir a ampliação do
A escuta do psicoterapeuta
abertura para o outro. No caso de Janaína (C1), foi vivenciado como presença e inteireza.
dia e vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma pessoa te escutando,
não é? Eu acho que nisso você foi muito importante (...). Eu te sentia inteira,
Isso é muito ruim. A gente fica muito só, fica muito solta, perdida (...).
Enquanto fica sozinha, só com a gente, ela [a dor] só vai aumentando, ela só vai
aumentando (...). Conseguir compartilhar com outra pessoa (...), com uma
psicoterapeuta (...).
psicoterapêutico, que é o cliente poder ser validado naquilo que ele é. Ser o que é, por si só, é
C1 – Eu fui resgatando... um lado que era meu e que estava escondido, abafado, não
estava sendo vivido (...). Hoje eu consigo ser eu mesma (...). É muito prazeroso
ser realmente o que a gente é (...). Estou mais perto da minha idade e do meu
jeito de ser.
C2 – E à medida que a terapia foi me dando coragem para me mostrar, foi me dando
coragem para ser aquilo tudo que eu sempre quis ser. A terapia não trouxe
nada de novo (...). Ela só me abriu as portas, as minhas portas, para eu ser
C3 – Ir aceitando aos poucos o que a vida me oferecia, olhando para o que eu tinha.
89
liberdade, sentindo que pode vir a ser o que ele é, de fato, o que não vinha ocorrendo ao longo
de sua vida, por força das exigências internas e externas. À medida que ele é confirmado e se
mostra, ele passa a perceber que pode ser amado sendo ele mesmo, e que não precisa mais
aparentar ser o que não é, tanto que o cliente, ao ter abertura para desvelar-se, encanta-se com
a possibilidade de viver o real, mesmo que ele não seja o desejado por outras pessoas:
eu não ser verdadeira. (...). E foi aí que eu comecei a conseguir ser eu mesma lá
fora. E nesse momento começar gostar mais de mim, de ter mais confiança (...).
pessoas e ver que elas gostam de mim. E ver que elas admiram algumas coisas,
que elas são ponderadas com outras, que elas não gostam de outras. Mas olhar
caminho de ser dissimulado é mais fácil (...). Eu não consigo mais aceitar uma
verdade (...). Quero a verdade por mais feia, por mais dura que ela seja (...).
singularidade, no entanto, não o torna individualista. Ser quem realmente se é não significa
90
fazer o que deseja, onde deseja, mas ter consciência que, apesar de ser aquela pessoa, ela é um
ser que se relaciona e que deve respeitar, também, o outro. A diferença é que a pessoa não se
C1 – Antes (...) eu sentia por dentro um incômodo, mas não sabia o que era. Hoje eu
afastava. Hoje não (...), eu consigo me colocar no lugar do outro (...), a pessoa
deve ter motivos para ser daquele jeito (...). Isso me traz assim, um gostar mais
C2 – Eu dou uma segunda chance quando eu conheço uma pessoa e eu não vou com a
cara dela (...). Isso me chama a atenção e eu sou levado a querer entender o
porquê.
A atitude de considerar a si mesmo e ao outro como pessoa foi analisada por Marcos
(C2) e Luísa (C3) como fundamental para resgatar os sentidos de humanidade e de limitação:
as minhas falhas, os meus defeitos, e avisar para a outra pessoa que eu tenho os
meus limites, isso não me coloca numa posição inferior, como eu achava que
C3 – “Nossa! Eu também! Nossa! Não sou só eu que sou assim. Nossa! Não sou o
olhar para suas questões abertas ou mal resolvidas. Quando os clientes encaram essas
situações, eles têm a chance de ressignificar suas experiências vividas, ou seja, atualizarem
pensamentos, sentimentos e ações antigas que perduram até os dias recentes e que, muitas
vezes, são percebidas como anacrônicas. Nesse momento, o novo olhar para uma situação
criativamente, ou seja, agir da melhor forma possível, naquele momento, diante de uma
esse enfrentamento:
C1 – Tem que olhar para a dor... Porque a dor existiu, existe, não é? Não tem muito
que alterar, mas a forma com que a gente vê, lida com essa dor, a psicoterapia
ajuda (...). Ressignificar a dor (...) é só no momento que você consegue entrar
mesmo na dor (...). Tem algumas coisas que eu acho que ainda permanecem
(...). Mas só que agora é diferente. A forma agora como eu estou vendo é
C2 – Eu acho que eu jamais estaria sentado aqui, dando entrevista para você, se eu
não tivesse feito terapia (...). Eu sempre me ouvi muito mal, eu sempre tive
sempre fugia dessas situações (...). E foi a primeira entrevista que eu não fugi
92
(...). Então, assim, mudou, minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não.
C3 – Eu não queria aquela mãe, eu não queria aquele pai, não queria aquela
situação, não queria (...). Tanto que eu vivia mais na casa de amigas do que na
minha própria casa. Não me sentia em um lugar meu, o que era meu eu não
sentia que era meu (...). A psicoterapia me ajudou a ir vendo (...) quem eu era e
que eu tinha que dar valor (...), que não era ruim como eu achava.
passam a entender que ficar preso ao passado e/ou a expectativas futuras não resolve, na
prática, suas questões existenciais. Janaína (C1) e Luísa (C3) focalizam a importância de viver
C1 – Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava louca de pensar no futuro
Não vivia o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa
C2 – Eu aprendi a relação do tempo, não dá para você resolver tudo de uma vez (...).
psicoterapia de grupo e discorrem como perceberam o processo grupal. Janaína (C1) retoma a
terapeuta e volta a enfatizar a escuta dos colegas no grupo e, também, toca no sentimento de
pessoais. Já Marcos (C2) considera o grupo como um “ritual de passagem para o mundo
grupo em sua vida pessoal e, sobretudo, relacional. Ela realça que no grupo aprendeu a
importância das pessoas e, ao aprender olhar para a história das pessoas, entendeu seus
funcionamentos na vida:
processo em grupo é muito bom, ajuda demais... Eram coisas que estavam
sumidas da minha vida e que de repente uma pessoa toca naquele assunto que
grupo seria mais ou menos o meu ritual de passagem para o mundo real. É
público.
me reconhecer nos outros, a ver que problemas todo mundo tem, dificuldades
94
todo mundo tem. O grupo me fez ver que eu só vou crescer com as outras as
pessoas (...). O maior aprendizado que eu posso ter é na vida é com as pessoas.
(...)
Depois que eu fiz grupo eu tive um outro olhar sobre qualquer pessoa, sabe?
Um olhar mais emotivo (...), menos crítico, um olhar de (...) tentar entender
mesmo: – “Isso é assim, mas tem um porquê” (...). No grupo, eu pude olhar
mesmo, e querer ver, querer conhecer (...). Aprendi no grupo que (...) as
pessoas (...) tinham uma história (...) que me fazia entender aquelas atitudes
diante a vida.
aceitação:
C1 – Uma coisa que a psicoterapia foi muito importante para mim foi a forma de ver
entendê-los, de relacionar com eles (...). E eu aceito ele do jeito que ele é...
Então eu me sinto assim, uma pessoa mais serena, mais amável, sem muita
amargura, sem muito ódio (...). Não dava para viver mais de olhos vendados
para a relação.
C2 – A terapia me ajudou a olhar mais (...) para minhas relações. Olhar de verdade
mesmo.
95
melhor.
pessoas mais verdadeiras e mais seguras [e, no caso de Janaína (C1); como se tornou mais
encontrarem uma ética pessoal, um jeito de ser no mundo, com base no encontro consigo
C1 – Eu era muito solta mesmo, no mundo, perdida e hoje eu me vejo mais presente
no mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma pessoa... sei lá, solta... não
tinha assim essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais presente no mundo.
Eu me vejo mais dentro do mundo (...). Hoje eu me sinto mais integrada ao que
C2 – Hoje a minha vida tem a minha cara (...).“Cara, como eu consegui chegar, como
C3 – Uma coisa que eu aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o
que eu realmente queria mostrar, nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o
hipocrisia. Cada dia eu gosto menos da pessoa mostrar uma coisa que ela não é
(...). Eu fiz isso muito tempo, vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer
96
uma coisa, um mundo, uma postura que não era a minha, que não era eu, não
O enfrentamento da depressão
não é simples essa vivência, que ela faz entrar em contato com dores complicadas. Tanto
Janaína (C1) quanto Luísa (C3) tiveram depressão diagnosticada pela primeira vez, depois
hoje eu acho que ele era necessário, era preciso [risos]. Eu não ia sair dessa
C3 – O outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado
negativamente à terapia:
C1 – Não tenho palavras para expressar o quanto a psicoterapia foi e está sendo
importante para minha vida – com certeza foi uma possibilidade impar no meu
97
melhorado, estar melhor. Mas vem também (...) a dor. Eu tentei pensar em
alguma perda, não consegui ver nenhuma perda não. Acho que mesmo nos
conflitos a gente ganhou muito... De mexer na ferida, porque dói, dói muito,
dói. Mas hoje para mim tem aquela sensação assim doeu, mas... curou (...)! Me
C2 – Se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em contato com um monte de
coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não enxergaria coisas que eu
mim... Mas ter sofrido e ter superado, hoje valeu à pena... Eu não considero que
seja ruim, considero que seja um processo doloroso e que requer entrega.
C3 – É gostoso ver até onde eu vim até agora, como foi meu caminho, muito bom! O
que eu fiz esses sete anos, o que eu aprendi, o que eu cresci! (...) Eu olho e
Janaína (C1) e Marcos (C2) – opinem que a terapia não é para qualquer pessoa, ou seja, não é
todo mundo que consegue passar pelo processo como eles passaram um dia, ou seja, eles
C1 – Foi um processo penoso. Nossa, como foi! Teve momentos terríveis mesmo.
Assim, de mexer na ferida e eu acredito que... acho que muita gente não dá
98
conta, de mexer... De mexer na ferida, porque dói, dói muito, dói. Mas hoje
C2 – Nem todo mundo adere ao tratamento como eu aderi um dia (...). Se eu não
tivesse preparado para esse mergulho dentro de mim, eu podia estar há dez
anos fazendo terapia, que eu não ia fazer, é uma viagem que depende de mim.
Com base nas reflexões sobre si mesmos e sobre suas relações, proporcionadas
inicialmente pela terapia, os colaboradores apontam que esse aprendizado foi estendido para
continua... eu continuo, assim, refletindo, olhando para mim, para o outro, não
Paulista e vou me emocionar, e vou querer saber por que ela está ali, o que leva
ela a estar ali, a estar na rua, a estar nas coisas. Porque isso é meu, esse olhar
é meu. E eu aprendi a dar valor para isso e uso isso (...). Eu não usava (...). Eu
carrego para mim um kit básico de terapia, sabe assim? Regrinhas básicas que
funcionou?
C3 – Eu os olho [os pacientes] como pessoas e não como um leito número 57... e isso
faz muita diferença (...). Não tenho o menor receio de pegar uma cadeira,
99
sentar do lado do leito, ficar conversando, ouvindo a história de sua vida (...).
Porque eu não consigo separar (...) que a pessoa simplesmente come como um
seu metabolismo vem do estado dela, não tem como, não tem como!
experienciadas no processo psicoterapêutico são percebidas como mudanças reais tanto para
eles quanto para os outros, ou seja, os demais também percebem os colaboradores diferentes
C1 – Até ele fala assim que eu mudei muito, é engraçado assim, eu acho interessante
esses feedbacks que ele me dá porque [risos] fica muito real as minhas
mudanças... ele fala assim: – “Você virou outra pessoa. Você é outra”!
C2 – Eu indico todo mundo que eu converso, que me perguntam sobre isso, “nossa,
mas às vezes você tem uma clareza tão grande das coisas e tal”. Eu faço
C3 – Acho que a terapia me fez muito mais interessante, muito mais madura. A
terapia fez de mim uma pessoa diferente (...). Eu tenho um olhar diferente sobre
sensibilidade maior, eu consigo ver além, entendeu (...)? Coisas que para mim,
às vezes, são tão óbvias e ninguém está vendo: –“Nossa! Vocês não estão vendo
isso, está na cara” (...). Ver além (...) dos preconceitos, dos pré-julgamentos
(...). Eu consigo ter uma noção de totalidade (...). Tenho sede de aprender mais,
100
mais e mais. Com uma paixão, que eu aprendi aqui na terapia, pelo ser
psicoterapia, Marcos (C2) e Luísa (C3) foram além e relataram como aconteceram algumas
como ser humano. Por considerar essa contribuição extremamente relevante e por entender
que a psicoterapia não tem necessariamente a ver com a cura, mas com a mudança, optou-se
por destacá-la nos resultados. Contrariamente, Janaína (C1) não se ateve a esses detalhes, o
que fica evidente em sua fala: – “É engraçado que tem coisas que acontecem na psicoterapia
terapeuta, tanto que ele descreve algumas atitudes, observações e tarefas que são comuns
entre os gestalt-terapeutas como: “O que eu quero com isso”, “ficar prestando atenção no
meu jeito” dentre outros. Os exemplos a seguir demonstram a dinâmica (vivida pelos
produzia angústia ela foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza
sobre as coisas. Então, assim, é uma voz que continua fazendo perguntas, mas
idéias:
C2 – Eu consigo ter calma e clareza para entender por que eu estou entrando, o que
eu quero com isso (...). A terapia me ajudou perceber que existem algumas
coisas que são humanas mesmo, que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que
(...)
(...)
À medida que a terapia foi me dando coragem para me mostrar, foi me dando
coragem para ser aquilo tudo que eu sempre quis ser (...). Eu aprendi a... Eu
(...)
Meu exercício de... de regar mesmo o resto da minha vida com a minha
emoção.
(...)
terapeuta: – “Eu não vou conseguir, é muito difícil, isso nunca vai fazer parte
102
de mim”. E ela falava que sim, que com o tempo isso ia ser absorvido e que eu
(...)
as minhas falhas, os meus defeitos, e avisar para a outra pessoa que eu tenho os
meus limites, isso não me coloca numa posição inferior, como eu achava que
(...)
(...)
como isso me coloca numa situação, muitas vezes, de uma coragem extrema.
(...)
E um dos grandes exercícios que eu faço até hoje é exatamente esse, é como
lidar com as coisas que vêm para mim. Que são muito fruto das coisas que eu
Luísa (C3), também passou a fazer algumas observações em seu cotidiano que foram
aprendidas na terapia:
103
C3 – Eu observo que quanto mais coisas ela [a pessoa] passou na vida, se ela não
deixou se amargurar, ela é uma pessoa mais interessante (...). E a pessoa [que
não passou por dificuldades], muitas vezes, fica boba, fútil, porque eu acho que
(...)
Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança
fazer, o que eu tenho que fazer, o que eu quero fazer” (...). Hoje: – “Eu vou
(...)
Aí eu tive que retomar e ver... porque que eu estava ali, se era o que eu
realmente queria, ou se não (...). E ter uma postura muito diferente, de assumir
mesmo aquilo ali (...). Ver os vários motivos pelos quais eu estava ali (...). O
que me fazia desistir, o que me fazia continuar (...). Avaliar tudo (...). Assumir
entrevistados e, sobretudo, que eles estão seguros que a psicoterapia contribuiu para a
d) respeito pela história das pessoas, pela sua humanidade, que envolve, até
e) diálogo mais aberto e sincero, pois aprenderam tanto a falar o que pensam e
f) escuta mais tranqüila e, sobretudo, uma escuta pessoal percebida tão logo
grupo;
percebida tanto por eles mesmos quanto pelas pessoas próximas a eles; foram
qual puderam ouvir o relato de várias histórias e perceberem que todas são
dignas de respeito;
mundo em suas adversidades e mais prontas para aproveitar seus benefícios e isto foi
alcançado por terem tornado-se pessoas mais fluidas, mais sensíveis, mais conscientes, com
maior habilidade em mobilizarem-se pelo que emergia e, assim, terem atitudes mais
adequadas a cada situação. Suas capacidades de interação foram ampliadas e passaram a ser
CAPÍTULO IV
Em seguida apresentar-se-á a psicoterapia nos dias atuais, que segue em seu processo de
evolução.
Nessa evolução, emergiram várias linhas de atuação, contudo, qualquer que seja a
humano. Cada linha psicoterapêutica apresenta uma maneira singular de agir com o cliente,
totalmente diversas.
histórico de seu nascimento oficial, com o objetivo de evidenciar as influências recebidas pelo
principal representante dessa abordagem, Fritz Perls, e de sua esposa Laura Perls e,
diretas ou indiretas – sofridas pelo casal Fritz e Laura Perls, essas correntes serão
apresentadas e, em seguida, discutidas como a Gestalt-terapia, de algum modo fez uso delas
em sua teoria e em sua prática psicoterapêutica. Tratadas essas bases teóricas (Psicologia da
107
incorporou os saberes destas teorias como instrumento de trabalho e, atualmente, com 55 anos
desde sua primeira publicação, encontra-se mais amadurecida e, a cada dia, tem ampliado seu
categorias encontradas nos resultados (capítulo III), tentar-se-á articular a teoria com as falas
dos colaboradores, sempre que possível, a fim de confrontar a teoria com o momento
empírico, visto que o empírico é inseparável do teórico. Destacar-se-á, em negrito, o que será
4.1 Psicoterapia
Já no início do século XX, Binswanger (1970) tentava explicar, aos seus jovens
estudantes de medicina, como se podia atuar, com eficácia, na psicoterapia – uma prática que
prescinde do uso das mãos, dos medicamentos e mesmo da eletricidade, mas que age “com a
comunicação humana, a palavra e todos os outros meios pelos quais o homem entra em
contato com um outro homem e pode, assim, atuar nele” (p. 137). Na conferência, o autor
expôs uma nova situação médica que apresentava uma nova forma de comunicação.
138). Em toda forma de psicoterapia médica, existem dois homens face a face, de algum
modo dirigidos um para o outro, portanto, são homens que estão um com o outro e separados
108
um do outro, enfim, é uma co-presença operante dialogante. Estar um com o outro somente é
psicoterapeuta retribui a confiança do cliente ao oferecer, por sua vez, o presente da confiança
humana. A psicoterapia é uma relação entre homens (como existentes) e com homens e seus
como vocês têm ouvido, nem sequer em algo novo e nem extraordinário, senão em um
precisamente o “ser com o outro e para o outro”. Enquanto esse traço fundamental da
estrutura do ser humano “se conservar”, a psicoterapia será possível. (pp. 139-140,
grifos do autor)
dialogante em uma postura dialética, ou seja, de um para o outro. De acordo com Binswanger
sempre é aquele que prioriza a relação dialética. O psicoterapeuta deve ser habilidoso na
aproximar e ver claramente o fato, quanto afastá-lo o suficiente para continuar no exercício de
sua profissão.
No entanto, “as exigências de uma concreta situação psicoterapêutica podem ser mais
fortes que as indicações teóricas do mestre” (Binswanger, 1970, p. 142). Nesse momento,
Essa concepção era muito nova naquela época e ainda o é nos dias atuais. No entanto,
apesar da pouca idade, o campo das psicoterapias tem crescido muito e de forma preocupante,
pois nem sempre a teoria e a prática de uma abordagem estão associadas a uma construção
a passagem da teoria para a prática ocorrerá por conseqüência, e não por isolamento e
elementarização; por dialética, e não por segmentação; por significado, e não por
atribuição (...). Far-se-á por fundamentação, e não por fantasia; por sedimentação, e
não por “geração espontânea”; por fortalecimento, e não por simplificação. Com isto,
até mesmo, obter uma segurança qualitativa nas diversas abordagens que são de alcance
público na atualidade.
Por muito tempo, segundo Penna (1997), o tema da unidade da Psicologia impôs-se
Este estudo busca uma maior compreensão sobre a abordagem gestáltica que, de
acordo com Holanda (2005), também necessita construir uma epistemologia da teoria e da
prática gestáltica. Tal escolha justifica-se por esta pesquisadora ter buscado, em sua pesquisa,
fundamentação gestáltica.
4.2 Gestalt-terapia
algo que toma forma ao se completar, ou seja, qualquer todo estruturado ou organizado. Tudo
que tem uma forma estruturada, um sentido perceptual, ou cognitivo, ou afetivo ou social, é
uma Gestalt, um todo com forma ou com sentido, algo completo e que faz sentido.
de Campo.
6
Yontef (1998) define awareness como uma “forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante
com o evento mais importante do campo indivíduo-meio, com total apoio sensório-motor, emocional, cognitivo
e energético” (p. 215).
111
responsabilidade pela própria existência e pelo outro. Por isso, o terapeuta deve respeitar a
nomeação associa indiscriminadamente duas abordagens que, por vezes, se excluem. Além
disso, essa expressão refere-se a abordagens distintas, tais como a Logoterapia, a Abordagem
psicoterapêutico recai sobre o diálogo, ou sobre a relação dialógica, pois é a partir dela que se
concretas de seu cotidiano (sua dor, seu desespero, sua angústia, sua necessidade de escolher,
de superar seus limites etc) mediante uma metodologia clínica que investiga, aprofunda e
terapêutica.
escolhas e a dirigir sua vida. Para a Gestalt-terapia, o cliente deve descobrir o sentido de sua
vida (sentimentos, pensamentos e ações) no contexto em que ele vive e, entender que essa
forma de existir lhe fornece informações acerca de si mesmo e das pessoas com as quais
convive.
da atitude intencional do terapeuta em aceitá-lo e confirmá-lo no que ele está vivendo, isto é,
irritadiço e vaidoso, e de uma mãe amante da arte, do teatro, da ópera – características que o
113
acompanharam por toda sua vida. Sempre teve um temperamento questionador, mostrando-
se irrequieto e intempestivo, e muito criativo. Logo cedo, aos treze anos, interessou-se pelo
teatro, que o influenciou por toda sua vida. Nessa fase, aprendeu a detectar sutilezas da
trabalho terapêutico (Perls, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001).
Perls (1979) descreve-se como “um obscuro menino judeu classe média, passando por
e expoente de uma filosofia viável que poderia fazer algo pela humanidade” (p. 11, grifo do
autor).
Mundial, foi para as trincheiras cuidar dos feridos, ocasião em que sua atenção foi despertada
Kurt Goldstein, teórico da Psicologia Organísmica. Perls (1979) relata que já naquela época
como uma das bases teóricas. O enfoque organísmico contrapôs-se, nesse momento, à visão
cerebrais, tendo como base a Psicologia da Gestalt, escola que buscava identificar as leis que
regem a percepção, por meio do estudo dos fenômenos da percepção sensorial. Um dos
Perls conheceu, nesse período, Lore Posner, que ficou conhecida por Laura Perls, após
casar-se e mudar-se para os Estados Unidos da América. Estudante de Psicologia, fora aluna
esposa e parceira intelectual de Fritz em praticamente todas as suas obras (Ginger & Ginger,
1995; Yontef, 1998; Kiyan, 2001). Yontef (1998) atribui a Laura o papel de co-fundadora da
Gestalt-terapia, apesar de ter escrito poucos trabalhos com seu nome. Ela também teve
contato com Martin Buber e Paul Tillich, e deles recebeu influências. “Boa parte da Gestalt,
(1998, p. 24).
com terapeutas diferentes, com destaque para Karen Horney e Wilhelm Reich (Perls, 1979;
Polster & Polster, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001). Polster e
afirmando que ele foi um psicanalista que se interessou mais pelo presente que pelas
uma análise ativa, não hesitando tocar o corpo de seus clientes. Nesse processo, Perls, enfim,
passaram a fazer parte da terapia que realizava. Além disso, ele tinha uma preocupação não
Em 1933, Perls, Laura e seus filhos fugiram da Alemanha, na qual a perseguição aos
forte influência da Teoria Organísmica, da Psicologia da Gestalt (Perls, 1979; Ginger &
Ginger, 1995; Lilienthal, Fernandes & Ciornai, 2001; Karwowski, 2005) e de Reich.
comunidade psicanalítica, porém, a acolhida fria, tanto de Freud quanto de seus ex-analistas
do seu primeiro livro, intitulado Ego, hunger and agression, escrito com a colaboração de
Laura e publicado em 1942 (na África do Sul), mas que só teve sua edição inglesa em 1947.
Esse livro tem como subtítulo uma revisão da teoria e método de Freud. Não só questiona a
associação livre.
desde esse primeiro livro começaram se esboçar várias noções que desembocariam
organismo e de seu meio (...) e a obra termina com a exposição de uma “terapia da
De acordo com Ginger e Ginger (1995), Perls, ainda na África do Sul, teve contato
com Jan Smuts, idealizador do Holismo, e se encantou com Smuts considerar o organismo
como um todo, em interdependência estreita com seu meio e com o universo (tese muito
Em 1946, Perls e sua família emigraram para os Estados Unidos da América, em razão
Gestalt-terapia, apesar de suas raízes estarem referenciadas na cultura alemã, de seu método
advir do pensamento europeu (Ginger & Ginger, 1995) e de sua concepção ter sido elaborada
Em 1950, foi constituído o grupo dos sete, composto por Fritz Perls, Laura Perls, Paul
Goodman, Isadore From, Paul Weisz, Eliot Shapiro e Silvester Eastman. Mais tarde, Ralph
Hefferline foi chamado para participar do grupo, pois sua posição de professor universitário
era importante para avalizá-lo, ao publicar suas teses. Esse grupo estudava a Fenomenologia,
(Perls, 1979; Polster & Polster, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001).
Em 1951, foi publicada a obra Gestalt-therapy – excitement and growth in the human
personality, cujos autores foram Perls, Hefferline e Goodman. Foi a primeira aparição pública
Ginger (1995), houve grande discussão acerca da nomenclatura da nova abordagem, e vários
outros nomes haviam sido anteriormente suscitados: a) Laura Perls sugerira Psicanálise
sartreana, que era considerada pessimista demais nos EUA; b) Hefferline propusera Terapia
Concentração, que se opunha à livre associação da Psicanálise. Por fim, decidiram-se por
Gestalt-terapia, proposta de Fritz Perls, que acreditava ser um bom nome para o marketing da
nova abordagem. Laura Perls foi contra, alegando que, embora a Gestalt-terapia fosse
terapia, desde seu início oficial, enfatizou a awareness (objetivo dessa abordagem), a
a concepção de que o ser humano pode ser agente transformador de sua própria vida e do
meio em que vive, destacando a importância do ajustamento criativo como processo humano
vital.
instituto de Gestalt – The Gestalt Institute of New York – seguido em 1954, pelo de Cleveland.
Logo, Perls entregou a direção dos institutos a Laura, Goodman e Weisz, dando início à sua
método, que, por mais de quinze anos teve repercussão modesta (Perls, 1979; Ginger &
Ginger, 1995).
Japão, local no qual apreendeu alguns princípios que se incorporaram à filosofia da Gestalt-
aprender a lidar com o vazio, o qual é fértil de possibilidades, e, muitas vezes, precede o ato
criativo. Perls havia tido um contato anterior com o conceito de vazio fértil, ao encontrar, logo
no início de sua vida adulta, Salomon Friedlander, pensador que desenvolveu conceitos
Ao final de sua vida, Perls coordenava workshops em Esalen (EUA), local em que fora
Ele declarou, nessa época, que pela primeira vez na vida estava em paz (Ginger & Ginger,
1995).
holandesa que emigrou para esse país. Seu primeiro contato com a nova abordagem ocorreu
em Londres. Em seguida, estudou com os Polster em San Diego (EUA). Nessa época, ao lado
Tellegen foi responsável pela primeira publicação de Gestalt no Brasil, intitulada Elementos
de São Paulo (Tellegen, 1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda & Karwowski, 2004).
eminentemente prática, visto que as primeiras obras traduzidas para o português foram
Gestalt-terapia explicada de Perls, nos anos de 1976 e 1977. São textos nos quais os autores
dão demasiada ênfase à técnica (Tellegen, 1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda &
Karwowski, 2004).
considerado, por muitos, como o mais importante da Gestalt-terapia. A obra foi escrita em
1951, mas somente traduzida para o português em 1997, 27 anos após o surgimento dessa
Em meio a essas adversidades, percebe-se que, aos poucos, houve uma adaptação e
publicou o primeiro livro brasileiro de Gestalt – Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica.
autores brasileiros e a cada dia mais se amplia a área de atuação da Gestalt-terapia (Tellegen,
abertura de novos campos da Gestalt-terapia, tais como o trabalho com grupos, em Gestalt-
outros.
metodológicas que serão discutidas a seguir. Algumas influências foram diretas, como mostra
o histórico dessa abordagem, e outras, de maneira indireta, como a Teoria de Campo, de Kurt
Campo, de Lewin.
entanto, nesta discussão, levar-se-ão em conta os elementos gerais, comuns, que servem a
uma reflexão da prática psicoterapêutica e do homem. É necessário esclarecer que não existe
psicoterapêutico terá caráter certamente analógico” (Ribeiro, 1985, p. 27). Alguns exemplos
clínicos serão apresentados com base nos depoimentos dos colaboradores. Será destacado, em
de Gestalt, palavra alemã sem tradução específica, mas que significa, como já foi dito,
configuração, todo, totalidade ou forma, daí esse sistema ser ainda conhecido como
Psicologia da Forma (Penna, 2000). Uma boa parte das idéias desenvolvidas por essa escola e
Gestalt-terapia.
sobre o movimento aparente. Posteriormente, Wertheimer veio a ser assessorado por Kurt
ela ocorre. Portanto, nessa metodologia, a experiência não é reduzida a elementos, mas é
áreas.
delas é que “o todo é diferente da soma de suas partes”, ou seja, que a qualidade do todo não é
Gestalt, segundo a qual a organização de qualquer todo é tão boa quanto as condições
vigentes (Burow & Scherpp, 1985; Ribeiro, 1985; Gomes Filho, 2003).
da Psicologia da Gestalt. Quando alguém se depara com alguma coisa, sua percepção ocorre
como um todo, e somente depois ele decompõe o todo em partes, pois a percepção do todo é
anterior às partes.
122
Toda Gestalt existe em uma relação de figura que se destaca sobre um fundo mais
geral. A figura forma-se mais claramente do que o fundo, isto é, possui uma estrutura mais
tem um caráter único. Se for estruturada de outro modo, será uma estrutura totalmente
diferente e nova. Em outras palavras, uma alteração em partes do todo altera necessariamente
As principais leis relativas a esse tema, de acordo com Burow e Scherpp (1985),
Ribeiro (1985) e Penna (2000) são as seguintes: proximidade (os elementos próximos no
Shane (2003) assinala que existe uma conexão de linhagem histórica entre a Psicologia
da Gestalt e a Gestalt-terapia, a qual se deve muito a Laura Perls. Segundo Shane (2003), ao
estudar os escritos de Laura Perls, pode-se perceber que ela antecipou idéias-chaves na
Perls.
configuração própria, como por exemplo, o princípio figura-fundo, que será discutido nos
que será discutido posteriormente. Este princípio também recebeu influência de Lewin, do
Existencialismo e do Zen-budismo.
que o cliente primeiro percebe a realidade como um todo, como uma totalidade:
uma psicoterapia porque eu tinha contraído diabetes [todo]... Depois que eu fiquei
sabendo dos detalhes da doença: É uma doença que está com a tacha leve, que só com
E que a alteração da parte altera o todo: O que antes era o fim do mundo: – “Eu vou
morrer” (...). Hoje não, já vejo que tem tratamento, tem alternativa.
sobretudo, entender que aquela figura emergiu de um fundo, que o sustenta e lhe dá sentido.
7
Discutir-se-ão mais aprofundadamente os conceitos básicos posteriormente.
124
que se entenda o indivíduo como um todo unificado. Trata-se de um movimento que recebeu
influência de Jan Smuts, reconhecido como o precursor filosófico da Teoria Holística, que
usou a palavra holismo, cuja raiz grega, holos, quer dizer completo, inteiro, todo (Hall &
Lindzey, 1984a).
Smuts (2006) defende a idéia que o universo é uma grande totalidade, no qual suas
partes estão intrinsecamente conectadas umas às outras – tudo está em tudo, uma coisa
regular e coordenar a estrutura e o funcionamento das partes. De acordo com Ribeiro (1999)
“a teoria holística vê a pessoa como um sistema uno, integral, consistente e coerente, porque
conclusão de que determinado sintoma não poderia ser compreendido somente com base em
certa lesão orgânica, mas também em relação ao organismo como uma totalidade. Os autores,
funcionamento das suas diferentes partes, e, ainda, o que ocorre em uma parte afeta o todo,
preocupa-se com o todo da percepção, ao passo que a Teoria Organísmica se refere ao todo do
funcionamento da pessoa:
125
elemento é sempre considerado como parte integrante do organismo total, e o todo é regido
pessoa do que em uma investigação extensiva de um sintoma. Por estas razões, a Teoria
também, com a totalidade. Ribeiro (1999) entende que a Teoria Organísmica rompe
totalidade explica a parte, e o autor acrescenta que “não é, no entanto, o número de partes que
um objeto contém que o faz simples ou complexo, explicável ou não. É sua relação com a
fora do organismo, isto é, busca no mundo o que é bom para ela (Hall & Lindzey, 1984a).
126
A auto-realização, segundo Goldstein (Hall & Lindzey, 1984a), é o único motivo que
Pôr-se em acordo com o meio ambiente significa existir uma interação constante entre
o organismo e o meio ambiente. Algumas vezes, as ameaças do ambiente são tão fortes que o
corpo e mente – e não como partes isoladas. Esse sistema uno deve ser uma constante busca
Uma pessoa veio e me abraçou na redação e falou: – “Eu chorei na sua matéria”.
trabalho (...). Porque eram duas coisas muito separadas: eu era muito sério no meu
trabalho e aí eu guardava a emoção muito para mim. Meu exercício de... de regar
mesmo o resto da minha vida com a minha emoção. Não deixar ela só guardada em
um determinado lugar.
realização. Este princípio ajuda o terapeuta a incentivar o cliente a delinear seus projetos e a
Aí eu tive que retomar e ver ... porquê que eu estava ali [no curso de Nutrição] (...).
Eu vi que: – “Nossa! É isso que eu quero, que eu gosto”. Me deixei mesmo... e ter
uma postura muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali, de que é isso que eu quero,
de estudar, de correr atrás dos estágios e das oportunidades que a vida me oferecia
para mim e dizer: – ‘Você merece andar mais, você merece ir mais além e você tem todas as
condições para ir além’”. A cada derrota do cliente, o terapeuta deve ajudá-lo a integrar esse
fracasso à sua vida e lhe dar suporte para que ele saiba lidar com suas limitações ou até
tive vontade, que eu tenho desde a época do vestibular, mas pelas circunstâncias eu não fiz
Na busca de seus objetivos, muitas vezes o cliente precisa pôr-se em acordo com o
meio ambiente: “Eu achei que a terapia fosse me livrar desses fantasmas e me colocar num
com um monte de coisas”. Quanto mais o cliente tem clareza de sua figura, maior a sua
energia para buscar satisfazer sua necessidade, mesmo que o meio lhe seja adverso. A Gestalt-
terapia relaciona esse princípio com o conceito de ajustamento criativo, que será discutido
posteriormente.
equilíbrio ou homeostase é muito importante em seu trabalho, pois, dessa forma, ele é capaz
muitas vezes, a resistência, ou um sintoma, por exemplo, são modos de equilíbrio possíveis
128
naquele momento, como se percebe nessa fala: “Eu entrei um processo de depressão, mas
hoje eu acho que ele era necessário, era preciso [risos]. Eu não ia sair dessa psicoterapia se
Kurt Lewin (1890-1947) foi o idealizador da Teoria de Campo. Seus estudos iniciais
Para Lewin (1973), o campo tem diversos pontos e fontes de força, formando uma
rede. A percepção depende dessa rede. Assim, coisas e pessoas só são compreendidas se
percebidas em uma relação total com o ambiente que os cerca. Em outras palavras, a pessoa
só se faz compreensível no contexto total no qual se encontra. Yontef (1998) conceitua campo
como “uma totalidade de forças que se influenciam mutuamente e que juntas formam um todo
unificado e interativo” (p. 185). Desse modo, a ênfase dada pela Teoria de Campo ao
segura para a compreensão de fenômenos complexos (Parlett, 1991; Harris, 1998; Yontef,
1998).
diferencia a pessoa (P) de qualquer outra coisa (Não-pessoa ou N-P); e b) relação parte-todo,
que remete à inclusão da pessoa em um universo mais amplo. Lewin (1973) destaca a
compreender o campo, até porque “toda psicologia científica deve tomar em conta situações
A teoria de Lewin (1973) é estrutural, e seus conceitos fundamentais são pessoa, meio
e espaço vital. O espaço vital (V) é aquele em que ocorre o comportamento, que também é
função do campo. Em uma fórmula simples [V = P + M], em que (V) é o espaço vital, (P) é
pessoa, e (M) é o meio psicológico. Assim, compreende-se que a pessoa ao mesmo tempo se
Assim, Lewin (1973) define que a pessoa e o meio são interdependentes, ou seja, há uma
interdependência entre a região (P) e a região (M), que formam o campo vital (V). A realidade
Nas palavras de Lewin (1973), o espaço vital psicológico indica “a totalidade de fatos
que determinam o comportamento de um indivíduo num certo momento” (p. 29), ou seja,
todos os fatos reais, todos aqueles que tenham efeitos, sejam conscientes ou não. Define-se
condições dinâmicas que o produzem (ou a relação entre as parte do espaço vital). Somente a
situação presente, apenas o que existe concretamente pode ter efeitos. Contrariamente, pois,
psicologia dinâmica (...). Os eventos passados só podem ter uma posição nos
54)
conexão (interação de dois ou mais fatos) e da concreção (só os fatos concretos que existem
no espaço vital podem ter efeitos). Esses três princípios são discutidos em decorrência dos
regiões, mudanças nas delimitações e alterações nas qualidades de superfície das regiões.
Hall e Lindzey (1984b) afirmam que “as regiões do meio estão conectadas, quando a
pessoa pode realizar uma locomoção entre elas. Diz-se que as regiões da pessoa estão
conectadas quando podem comunicar-se entre si” (p. 251, grifos dos autores). Para entender a
propriedades do campo.
Há uma complexidade e interação entre esses conceitos. Lewin (1973) defende que a
região para a pessoa. Existem duas espécies de valor: positivo e negativo. A região de valor
131
positivo, ao contrário do valor negativo, é aquela que contém um objetivo que reduz a tensão
quando a pessoa nela penetra. No entanto, uma valência não é uma força ou vetor. A força ou
vetor dirige a pessoa através do seu meio psicológico, mas não provê a pessoa do poder
Lewin (1973) define sua teoria como um sistema de conceitos relacionados com fatos
observáveis, de tal forma que os fatos empíricos podem ser deduzidos dos conceitos. Assim,
leis empíricas são relações funcionais de dados observáveis e devem referir-se a leis
dinâmicas; em outras palavras, toda ciência é e deve ser empírica. Entretanto, não pode se
fechar simplesmente nos dados, mas centrar-se nas relações funcionais dos dados. Portanto,
Yontef (1998) vai além, ao sustentar que a Teoria de Campo é a fundamentação teórica que
dicotomia entre biológico e social, conferindo-lhe uma visão holística na Teoria de Campo.
um grande campo unificado, onde a realidade maior acontece” (p. 63). O autor afirma ainda
que o campo está em constante mudança, provocada por alterações nos subcampos.
Observa-se que o cliente percebe essas mudanças: “Depois que eu fiz grupo eu tive um outro
olhar sobre qualquer pessoa, sabe? Um olhar mais emotivo mesmo, um olhar menos frio,
menos julgador, menos crítico, um olhar de falar assim, é... tentar entender mesmo: – “Isso é
assim, mas tem um porquê”. Embora ocorra esse processo mutável, existe algo que mantém
ao longo do tempo:
132
Eu continuo sendo a mesma pessoa que passou anos aqui fazendo terapia. Não
mudou. A minha essência é a mesma. Eu vou continuar parando e olhando para uma
figura no meio da Avenida Paulista e vou me emocionar, e vou querer saber por que
ela está ali, o que leva ela a estar ali, a estar na rua, a n coisas. Porque isso é meu,
Assim como para a Teoria de Campo, a Gestalt-terapia entende que uma pessoa (P),
declara:
Eu fui resgatando... um lado que era meu e que estava escondido, abafado, não estava
sendo vivido (...). Hoje eu consigo ser eu mesma (...). É muito prazeroso ser realmente
o que a gente é (...). Estou mais perto da minha idade e do meu jeito de ser.
Tanto a Teoria de Campo quanto a Gestalt-terapia consideram que o todo é maior que
a soma das partes. Cada parte (cada pessoa) só pode ser entendida no contexto do todo (sua
Acho que se eu não tivesse esse momento aqui para conversar sobre isso, para ter
essa visão de todos os lados da história, do todo, de mim dentro daquilo ali, de tudo
que... tudo que me influenciava, eu teria levado o curso, sem saber se era realmente
aquilo que queria (...). A profissão me tocou, eu vi que: – “Nossa! É isso que eu
133
quero, que eu gosto” (...). E ter uma postura muito diferente, de assumir mesmo
aquilo ali.
quando investiga, com o cliente, onde está sua energia, qual a sua necessidade, o quê e como
tem feito para alcançar seus objetivos, e se sua direção tem sido, para os campos de valência,
E meu pai estava sentado comigo, no meu quarto, enchendo balão. E, de repente, eu
me toquei que era uma companhia, era uma presença, que eu queria muito perto de
mim, e que eu só fui ter aos 27, 28 anos de idade. E trouxe isso para a terapia, a gente
trabalhou isso e eu tive coragem de chegar pro meu pai depois e conversar com ele
sobre isso.
4.2.2.4 Existencialismo
Não há, portanto, um Existencialismo, mas vários, e, assim, cada pensador enfatiza
algum aspecto da existência. No entanto, todos esses pensamentos caracterizam-se por uma
crítica aos fundamentos da ciência moderna, e pela relevância do sujeito humano em relação à
sucessivamente associado à sua figura. Entre os anos 1945 e 1960, esse movimento invadiu a
período entreguerras – entender o homem como um sujeito situado, ou seja, como uma
realidade em contato com outros sujeitos e com o mundo. Assim, as filosofias da existência
resgatam noções esquecidas, como angústia, desespero, ansiedade, morte, relação, sentido,
constitui por meio de suas escolhas. Considera-se, portanto, a liberdade como o cerne do
Existencialismo, visto que cada pessoa é definida por aquilo que ela faz, tanto, que somente a
própria pessoa pode criar seus valores, por meio da própria liberdade e sob sua
Até então, a ciência procurava definir o homem pelos seus condicionantes essenciais,
máxima: a existência precede a essência. Primeiro é preciso existir, para depois definir-se.
135
Para definir-se, o homem deve lançar mão da sua liberdade, ou seja, deve escolher e, dessa
forma, responsabilizar-se por sua escolha. Para Sartre (1973), portanto, o homem não pode
fugir à sua responsabilidade, já que não pode não-escolher. Nesse sentido, de acordo com
Ribeiro (1985), “o homem nada mais é do que aquilo que ele decide ser, do que aquilo que ele
projeta ser; sua essência surge como uma resultante de seus atos” (p. 38).
percebe que não é apenas aquele que escolhe ser, mas que é também um legislador,
escolhendo, ao mesmo tempo que a si mesmo, a humanidade inteira, não poderia escapar ao
escolher em razão da responsabilidade direta ante os outros homens que a escolha envolve.
Perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me respondeu bem assim: –“Não,
não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele, eu sou filha, eu quero ser
cuidada”. Achei uma visão muito radical (...). Eu também sou filha, eu também quero
ser cuidada, mas infelizmente a gente não tem os pais para cuidar da gente. Eles não
nasceram para cuidarem da gente” (...). Eu acho que você deve fazer até onde você
puder”. E é o que eu faço. Também não acho certo, se abster daquilo ali e levar uma
forma à sua existência, evidenciando que o próprio homem se faz, como declara um cliente:
136
“Se eu tiver consciência de que eu quero fazer, mesmo se der errado alguma coisa eu não vou
responsabilizar ninguém. Foi uma coisa minha, foi um processo meu, eu resolvi, eu fui”. Ser
singular não é ser egoísta, mas é uma proposta rigorosa de “assumir-se totalmente na
liberdade responsável (...), de modo que o homem possa dar respostas diferenciadas entre suas
Outros três princípios são discutidos por Burow e Scherpp (1985). Os autores afirmam
que, no tocante ao método, “os existencialistas são fenomenólogos” (p. 42), que a filosofia
individualista.
como ser de relação é Martin Buber. Em 1923, Buber publicou um livro que o tornou famoso,
e no qual expõe sua perspectiva filosófica: trata-se do Eu e Tu. Neste livro, Buber destaca que
o homem não existe só, mas em relação. Como assinala no início do seu livro, “não há eu em
si” (Buber, 1979, p. 4). Só se é quando em relação. Para atingir a plenitude da existência, o
Assim, Buber (1979) propõe uma filosofia pautada por dois conceitos: o Eu-Tu, que
relações, que se caracteriza pela vivência e pela confirmação de si e do outro como existentes;
e o Eu-Isso, que caracteriza a relação objetiva, típica do discurso da ciência, que coloca o
sujeito à parte da sua realidade, ou seja, destaca o sujeito do mundo (Zuben, 1969, 1979,
de encontrar um modo particular de estar no mundo e de lidar com ele (Ribeiro, 1985),
137
como relata um cliente: “Eu fico me questionando: – “Pra que, por que eu fiz isso, se seria
bom se eu não tivesse dissimulando, ou não”. Ah, tem horas que o caso é de dissimular
mesmo”.
concreta, livre e, ao mesmo tempo, circunstancial, responsável pelas suas escolhas. Suas
escolhas vão ao encontro de seus valores, suas crenças e seus projetos. Uma cliente assegura:
estar ali. Tá, eu escolhi porque era legal, mas agora eu não estou achando legal?
Então, tá, então eu posso não continuar, mas por que eu estou continuando?
Entendeu? Então, ver os vários motivos pelos quais eu estava ali, e ver o que me fazia
estar ali ou não. O que me fazia desistir, o que me fazia continuar. E ver
querer.
do outro e do mundo, o sujeito torna-se cônscio de seu projeto de vida, de como esse projeto
vem sendo realizado, se está de acordo com o que se pretendia para sua vida e a vida ao seu
nove anos, eu larguei uma relação de sete anos, eu larguei uma família que eu sempre
morei, eu larguei a terapia, eu larguei uma vida que eu tinha construído com muito
tesão, com muito prazer e parti para uma etapa nova (...). Eu sempre quis morar em
São Paulo.
138
homem e, então, direcionar seu trabalho para esse homem que se constitui à medida que é.
Além da visão de homem, o gestalt-terapeuta precisa de um método para trabalhar (no caso, o
método fenomenológico) e de uma atitude dialógica para encontrar o cliente (Hycner, 1995;
4.2.2.5 Humanismo
Embora a preocupação com o ser humano, de alguma forma, sempre tenha existido,
foi o Humanismo que buscou a compreensão do homem em sua totalidade (como unidade
meio em que vivia e, assim, dar-lhe uma identidade como ser humano (Holanda, 1998).
sinal de uma nova humanidade, unida pelo amor e reciprocidade, acima das diferenças de
relativo ao homem e que o define como o ser criador de seu próprio ser, à medida que o
humano, através de sua história, gera sua própria natureza (Japiassu & Marcondes, 2006). De
acordo com Ribeiro (1985), não significa “ser o homem o senhor absoluto e prepotente do
universo, mas que o universo deve ser pensado a partir do homem. O mundo que caminha
além do homem, sem o homem, ainda que através dele, é um mundo caminhando para a
Humanística, o que significa que contém e promove a idéia do homem como centro, como
valor positivo, como capaz de autogerir-se e regular-se (Burow & Scherpp, 1985; Ribeiro,
1985).
uma tentativa de tornar a Psicologia uma ciência humana (Burow & Scherpp, 1985; Holanda,
1998).
criador do ser humano; d) importância dos temas humanos como objetos de estudo (assim,
temas como motivação, emoção, sensação, são objetos fundamentais) (Holanda, 1998).
tecnicista, esquecida de questões básicas como a relação humana. Holanda (1998) pondera
foram resgatados por essa filosofia. Uma cliente assinala: “Eu não consigo separar que a
pessoa simplesmente come como um metabolismo. Ela come, tem um metabolismo e, também,
tem uma história, e o seu metabolismo vem do estado dela, não tem como, não tem como”!
140
4.2.2.6 Fenomenologia
psicoterapêuticas.
primeiro pensador que buscou estabelecer essa relação foi Ludwig Binswanger, nas primeiras
duas décadas do século XX. Petrelli (1999) esclarece que a contribuição de Binswanger para a
que se põem, intencionalmente, uma diante da outra, expondo uma para outra a autenticidade
no outro, o cliente” (p. 41). A atitude de uma pessoa colocar-se genuinamente uma ante a
outra é comum nos depoimentos dos colaboradores, como o faz uma cliente ao referir-se à
terapia de grupo: “No início dessa terapia de grupo, eu me propus a tentar ser verdadeira,
sentia inteira, durante as sessões, realmente estava escutando. Eu tenho muita dificuldade lá
entendida como uma postura, uma atitude que nos abre todo o leque de possibilidades para
plenificar o encontro com o fenômeno” (p. 40). Trata-se de um encontro que ocorre no aqui-
terapeuta apresenta-se como pessoa existente diante do cliente, e, também, como co-
existentividade.
atitude de observador atento à realidade que se mostra, sem a priori sobre o fato; o contrário
também percebe melhor o fenômeno quando se despoja dos seus próprios preconceitos:
No grupo, eu pude olhar mesmo, e querer ver, querer conhecer, sabe? E ver que cada
pessoa, todo mundo, por melhor ou pior que ela seja, as pessoas sempre tem alguma
coisa muito interessante. Sempre eu vou aprender com as pessoas, sabe? Sempre...
Então isso... isso tirou muito preconceito... muita barreira de não me deixar envolver
mesmo.
experiência imediata de si e de outrem. Na relação imediata, não deve existir qualquer teoria
entre terapeuta e cliente, apenas um encontro face a face, qualidade apontada por Buber
(1979), quando ele se refere ao diálogo como realidade existencial, que implica envolvimento
e colocação presente da pessoa. A afirmação do autor é corroborada por uma cliente: “Tem
muito isso na minha profissão, das pessoas não se envolverem, das pessoas serem frias. Eu já
acho que... a terapia me fez assim, me deixar envolver. Claro que é um envolvimento
consciente”.
Ribeiro (1985) acrescenta que, para realizar essa tarefa, o terapeuta deve fazer a
redução fenomenológica para “encontrar com o cliente nele, com ele, através dele” (p. 44). Na
não, tanto que, por um momento o terapeuta deve reter seu saber acumulado (Petrelli, 2004b).
sentido existencial do fenômeno observado e integrá-lo à totalidade do cliente. Por isso, assim
como a Fenomenologia, a psicoterapia deve não deve ter uma atitude ingênua de descrever
apenas o que se vê, mas deve investigar o que se percebe no contexto do cliente, enfim, deve
olhar para o todo que aparece (Ribeiro, 1985). Nunca se pode perder a originalidade do
cliente.
preocupação com a experiência consciente. Para Gomes (1997), nesse contexto, os psicólogos
encontram ambiente propício para o estudo da vivência como experiência consciente, como
humanisticamente.
32), pois uma vivência aparentemente simples esconde uma grandeza imensurável. No
entanto, o saber deve acompanhar a vida – “primum vivere, deinde philosophare” (p. 32), ou
fenomenólogo, depois do respeito às diferenças do ser humano, realiza-se por uma presença
prática dessa abordagem. Todos eles, em alguma proporção, advêm das suas bases teóricas,
Compete, então, que se faça uma breve consideração de cada um desses conceitos,
ilustrados com fragmentos extraídos das entrevistas realizadas com os colaboradores e serão
permeia os demais, tanto que um mesmo fragmento pode exemplificar mais de um conceito.
4.2.3.1 Contato
processo básico do relacionamento. Ribeiro (1994) defende que contato é viver, é sentir, é
com a vida e com o imediato aqui-agora. Polster e Polster (1979) e Ribeiro (1994, 2006)
entendem que o como a pessoa vivencia suas funções de contato determina a qualidade do
mesmo, tal como declara um colaborador: “Eu consegui fazer uma releitura da minha vida
enquanto eu fiz terapia e, hoje, eu consigo me enxergar muito melhor, muito, eu consigo me
Ginger, 1995), conceito essencial nesta abordagem. Para Yontef (1998), contato é o processo
Coisa que eu não aprovava, eu afastava. Hoje não (...), eu consigo me colocar no
lugar do outro (...), a pessoa deve ter motivos para ser daquele jeito (...). Isso me traz
assim, um gostar mais de mim, um gostar mais do outro, ter mais leveza.
De acordo com Perls (1988), nem todo contato (conectar) é saudável, e nem toda fuga
contato.
uma colaboradora:
de me ver no outro. Nossa! Tinha coisas que acontecia no grupo que eu nunca tinha
visto em mim, aí eu via no outro e percebia que estava vendo no outro uma coisa que
Quanto melhor a pessoa fizer contato consigo mesma, melhor será seu contato com o
outro e vice-versa.
145
sentido que a coisa tem em si e do significado que minha relação estabelece com a coisa em
mim, para mim e fora de mim” (p. 78). Polster e Polster (1979) discutem o paradoxo união e
separação:
crescimento e a mudança. Uma colaboradora ressalta a dificuldade, vivenciada por uma fase,
Eu tinha, assim, a sensação que eu tinha que tolerar ele, tal (...). Só que eu também fui
vendo. Eu estava transferindo para ele uma raiva que eu tinha do pai dele. Eu não
tinha motivo nenhum para ter raiva... Uma criança excelente (...). E quando eu
meio para mudar a si mesmo e a experiência que se tem do mundo. A mudança é um produto
146
(p. 102).
incentivando o cliente a olhar para si mesmo, para o outro e para o mundo, pois é este
uma cliente: “Enquanto fica de fora, de longe olhando, não consegue viver, sentir, entender
Ribeiro (2006) adverte que o gestalt-terapeuta deve ficar alerto quando o cliente, por
algum motivo, estiver com seu contato bloqueado. A percepção desse bloqueio nem sempre
Era uma relação boa, tanto pessoal, quanto social, em todos os sentidos, não é? E de
repente... eu vi que não era. Consegui entrar na situação, ver realmente como que era
a realidade. Não consigo mais dissimular o meu jeito de ser para manter uma
relação.
Muitas vezes, o contato opaco é a única possibilidade encontrada pela pessoa para
Entrar em contato com algumas situações, como no exemplo citado, são momentos
delicados da terapia e que devem ser tratados com cuidado e aceitação. É preciso atentar ao
fato que não é o bloqueio em si que deve ser objeto de cuidado, mas os componentes neles
Polster (1979), “dotam a terapia de substância e drama” (p. 159) e que dão a base para a
awareness.
4.2.3.2 Awareness
essa abordagem, há duas formas distintas de consciência, que são representadas pelas palavras
mundo, ao passo que a awareness pode ser definida como uma consciência ampliada,
organísmica.
e totalizante, resultado de variáveis presentes em dado campo (Perls et al, 1997; Ribeiro,
Eu entrei no processo terapêutico com muita angústia (...). Aquela voz que me
produzia angústia foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza sobre as
coisas (...). Hoje eu consigo entrar nos meus momentos de angústia, como sempre,
porque é uma coisa minha, mas eu consigo ter calma e clareza para entender por que
capítulo, Yontef (1998) aponta três corolários básicos: a) “a awareness é eficaz apenas
“a awareness não está completa sem conhecer diretamente a realidade da situação e como se
personagens representavam para mim e como eu queria lidar com essas pessoas (...).
Com a minha mãe foi redimensionar papéis. Assim, ela não era minha esposa mais, e
eu assumi o papel de filho. E não o papel de marido, e não o papel de tutor (...).
tomar posse de seu processo de existir, de apreender como esse processo se estabelece a cada
momento, e de encontrar sua totalidade, tal como o experienciou uma colaboradora: “Foi uma
coisa bem devagar [ser mais verdadeira], foi aos poucos, é uma coisa aqui, outra ali, acabou
crescimento, apenas hábito, mesmo porque, muitas vezes, é tarefa árdua ficar aware tanto de
suas possibilidades quanto que suas limitações. “A awareness é acompanhada por aceitação”
(Yontef, 1998, p. 31) e evolui de acordo com o auto-suporte da pessoa para aquele contato.
livre de Gestalt, onde aquilo que for o principal interesse e ocupação do organismo, do
selecionado, mudado ou jogado fora etc) para que então possa fundir-se com o
ampliada, desde que essa consciência seja energizada pela necessidade dominante. Declara
uma colaboradora:
A forma, a forma agora como eu estou vendo é diferente que eu via antes da
que eu estou dissimulando (...). Hoje eu tenho consciência do que me incomoda, por
que está me incomodando, então é isso que eu acho que é diferente. A forma de ver
mesmo.
150
objetivo é a awareness, possa perceber como está sendo impedido de realizar suas
dar-se conta de relações e significações até então desconhecidas, e seja capaz de fechar
gestalten inacabadas, até então manifestadas de forma distorcida, processo vivenciado por
uma colaboradora:
Eu comecei a namorar (...). Eu tinha uma tendência muito grande a... a ser submissa
(...), a ser dependente dessa relação. E nesse lugar [o consultório] que eu consegui
ter, assim, um insight de que eu tinha que ter minha vida (...). A terapia me permitiu
(...) enxergar meu namorado, a vida dele como um todo, não só como namorado,
sabe? Enxergar ele como homem, enxergar ele como filho, enxergar ele como
profissional.
colaboradora: “E nesse momento, quando eu percebi que eu não era tão cruel assim, que eu
tinha esse outro lado e foi aí que eu comecei a conseguir ser eu mesma lá fora”. A clareza
sensação de estar mais forte para mudar. Nesse momento, a Gestalt-terapia, segundo Beisser
(1980), é apoiada pela teoria paradoxal da mudança. O autor aponta que mudar é se tornar
exatamente o que se é.
identificar e entender como e onde o cliente está. Esse lugar, para ser alcançado, não deve ser
entendido como algo indesejável, mas simplesmente conhecido. Jacobs (1978, 1997) e Yontef
(1998) corroboram com esse pensamento ao enfatizarem que o terapeuta não deve desejar
mudar o cliente, mas compreender sua existência, pois a mudança só pode ocorrer com a
exigências para mudá-la e sem julgamentos de que não deveria ser o que é”, afirma Jacobs
expectativas do outro. Beisser (1980) defende que a pessoa muda quando ela investe seu
esforço para ser o que é. O paradoxo é que quanto mais alguém tentar ser quem não é, mais
deverias em suas vidas, em nome de ser amado e admirado a qualquer preço. O depoimento
Eu quase entrava em pânico quando tinha que falar em público (...). Teve esse ganho
de estar falando em público, de estar pondo minha opinião, até de fazer graça,
152
perguntar quando tem dúvida e não ter vergonha, se o outro está achando se é uma
dúvida banal.
Os deverias sabotam as pessoas, à medida que elas tentam ser quem na verdade não
são, e por isso mesmo, não conseguem plenamente assumir a imagem que projetam para elas
Ribeiro (2006) entende que “o paradoxo nos remete a lugares muito negados, porque
muito desejados, mas sentidos como impossíveis (...). Na mudança paradoxal, recuperamos
partes que pareciam estar fora do campo de ação da pessoa” (p. 149, grifos nossos). É
preciso ter coragem de correr o risco e ser de verdade, o que foi constatado por um
entrevistado:
Eu sempre me ouvi muito mal, eu sempre tive vergonha do meu jeito de falar, eu
sempre tive vergonha da minha voz, eu sempre fugia dessas situações (...). E foi a
primeira entrevista [o colaborador é jornalista] que eu não fugi (...). Então, assim,
mudou, minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não. Mas o meu jeito de me
ouvir, o meu entendimento sobre isso, mudou. Então, o processo me ajudou a não
centrada na teoria paradoxal da mudança, que significa estar em contato com o que é, com
que somos, permitindo que o crescimento se desenvolva naturalmente” (p. 124, grifos
nossos). Uma colaboradora salienta: “E ir aceitando aos poucos o que a vida me oferecia,
olhando para o que eu tinha. Então, eu acho que a psicoterapia foi fundamental nisso, mas
153
primeiro eu tive que ver”. Yontef (1998) explicita que a Gestalt-terapia acredita em mudanças
naturais e espontâneas por meio do contato e da awareness que abrange aceitação, escolha e
É como colocar aparelho nos dentes (...); você vai sofrer, tem hora que você vai
querer arrancar tudo (...), mas, depois você vai dar um sorriso no espelho e fala: –
“Nossa, graças ao aparelho o meu sorriso está melhor”. É isso, assim, o meu sorriso
quanto ele se distanciou de suas verdades existenciais e busca integrá-lo em sua totalidade,
Eu não queria aquela mãe, eu não queria aquele pai, não queria aquela situação, não
queria (...). A psicoterapia me ajudou a ir vendo (...) quem eu era e que eu tinha que
dar valor (...), que não era ruim como eu achava... Então, acho que foi importante...
O cliente também é responsável por ter aceitado ser o que lhe fora proposto pelo outro
ou pelo mundo, provavelmente por ter sido, muitas vezes, a única possibilidade vislumbrada.
mudança pode ocorrer quando o paciente abandona, ao menos naquele momento, o que
154
gostaria de se tornar, e tenta ser o que é” (Yontef, 1998, p. 220). Essa atitude o deixa mais
equilibrado e mais próximo de se auto-regular, pois passa a responder de acordo com suas
reais necessidades.
4.2.3.4 Auto-regulação
responde à necessidade atual. Uma cliente declara: “Com o passar do tempo, com a aceitação
Aquilo de que o organismo necessita surge como figura que, em dado momento é
satisfeita e, assim, restabelece seu estado de equilíbrio. Essa auto-regulação, segundo Robine
Perls et al. (1997) reiteram que a experiência neurótica é também auto-reguladora, apesar de
não ter consciência da necessidade dominante ou de não saber utilizar a função de contato
uma vez que as necessidades são muitas e cada necessidade perturba o equilíbrio, o
processo homeostático perdura o tempo todo. Toda vida é caracterizada pelo jogo
desequilíbrio por muito tempo e é incapaz de satisfazer suas necessidades, está doente.
(p. 20)
nutritivo e rejeita o que é maléfico, ao passo que no indivíduo não saudável inexiste o
fixas e inflexíveis.
A terapia deve ajudar o cliente a analisar o que lhe está sendo proposto, verificar o que
ele acredita e rejeitar o que não lhe serve, o que só é possível se o cliente integra as
reivindicações internas e externas, como o fez uma entrevistada: “Hoje eu penso assim:
trabalhar seis horas no banco [risos] para garantir o pão e atuar na Psicologia (...), que eu
vou fazer por amor, por prazer, por gostar e isso não tem dinheiro que paga. Essa é minha
aceitá-lo em seu estado atual e confirmar o seu vir a ser, o seu tornar-se (Yontef, 1998).
meio. Polster e Polster (1979) afirmam que a consciência de necessidades é uma função
orientadora, ou seja, a pessoa precisa saber o que quer antes de ser gratificada, senão o prêmio
perde o sentido. Assim, o terapeuta tem a tarefa de ajudar o cliente a reconhecer suas
Na minha área profissional eu também revi toda a minha profissão atual e consegui
atitudes para ir atrás de uma outra profissão que eu gosto (...). Psicologia (...). Eu
tive esse apoio em você, de realmente avançar. Avançar e fazer. Foram 15 anos com
vontade de fazer.
Ribeiro (2006) pondera que nenhum ser se auto-regula sozinho ou com base nele
mesmo, pois todos os seres se auto-regulam no mundo e com base nele. A esse respeito,
um entrevistado relata:
Então, não dava para preencher aquele espaço [da presença do pai] porque o tempo
já tinha passado, mas dava para experimentar uma situação nova, dava para ter ele
do meu lado. Então, não era ficar preso num vazio é..., mas era saber que eu poderia
ter ele de uma outra forma, mais velho, com as limitações, não soltando pipa comigo,
O autor esclarece:
necessidades que gritam dentro de nós para ser saciadas ou satisfeitas, significa olhar-
se como uma pessoa inteira no mundo, significa amar o corpo como a casa que
habitamos, significa prestar atenção aos infinitos pedidos de socorro que o corpo emite
157
e pensar que o alimento pode ser encontrado, sempre, dentro da própria pessoa, sem
4.2.3.5 Figura-fundo
dos trabalhos dos gestaltistas alemães. Na perspectiva gestaltista (em especial com base nos
trabalhos de Wertheimer), as propriedades das partes dependem de sua relação com o todo. A
noção de figura-fundo foi cunhada por Edgar Rubin, e ele afirmou que, da configuração total
da percepção, se destaca um estímulo (figura), ao passo que outra parte recua (fundo) (Penna,
2000).
Na prática, a figura não existe destacada do fundo, pois o fundo permite a emersão da
ao gestaltismo – a figura está no todo, ou seja, figura e fundo formam uma unidade (Ribeiro,
equilíbrio só poderá acontecer se, antes de qualquer coisa, for eleita uma necessidade, que é a
figura. Ribeiro (1985) e Robine (2006) enfatizam que a figura não é uma parte isolada do
fundo, ela existe nele. Uma colaboradora descreve a percepção que tinha do filho: “Eu
achava que ele ia sofrer com as mesmas coisas que eu sofri, ele era baixinho, muito magrinho
(...). Eu achei que ele ia viver tudo que eu vivi. Porque eu sou baixinha também”. O fundo
revela a figura e permite o surgimento da figura, ou seja, a figura que se constitui no campo
158
não pode ser considerada independente de seu contexto. Deve-se observar, sobretudo, a
relação entre ambos e, portanto, os fatores que levaram à elaboração dessa dominância.
situações ainda inacabadas. Ribeiro (2006) entende que esses conceitos estão ligados à
percebemos (...). Esses conceitos, portanto, têm relação tanto com o que percebo
quanto com o modo como percebo (...). Figura e fundo formam uma relação de
complementaridade (...), um não pode ser concebido sem o outro – embora, do ponto
de vista da percepção, eu vejo uma parte (...). Um é ocasião para que o outro emerja de
pessoa e de sua auto-regulação, pois sinaliza o que é emergente para a pessoa. Se a figura
fenomenológica da pessoa não é nítida, seu sentido de significado também será reduzido
Hoje, até os pensamentos estão mais flexíveis, ora estou pensando na doença, ora eu
estou pensando no meu filho, ora estou pensando em sair [risos], ora eu estou
pensando... Antes eu era muito obcecada. Eu era meio obsessiva assim. Eu fui
159
obcecada com o problema do meu filho, não saía da cabeça, eu ficava obcecada com
a doença.
Quanto mais saudável a pessoa e mais nítida a necessidade, maior a probabilidade dela
No entanto, quando a figura é opaca e sem energia, quando é uma Gestalt débil,
segundo Perls et al. (1997), o contato fica empobrecido, “algo no ambiente está obliterado,
alguma necessidade orgânica vital não está sendo expressa; a pessoa não está ‘toda aí’, isto é,
seu campo total não pode emprestar sua urgência e recursos para o completamento da figura”
(pp. 45-46, grifo do autor). Uma cliente descreve como superou essa fase: “Só que foi
despertado e eu fui resgatando esse lado [mais jovem], um lado que era meu e que estava
quanto as outras precisam ser reavaliadas pelo terapeuta e pelo cliente. Muitas vezes a figura
opaca acaba não tendo o espaço ideal para ir em direção à solução, e a figura cristalizada
fica tão aumentada no campo que o cliente perde a noção de suas outras áreas ou recursos,
como declara uma colaboradora: “Tinha 34 anos e já queria me aposentar, não trabalhar
mais, deixar de fazer coisas que não estavam compatíveis com a minha idade (...). Eu fui
Uma das qualidades mais importantes de uma Gestalt é a necessidade que ela possui
de completar-se, nem sempre de maneira ideal, mas da melhor forma possível naquele
cliente constata:
160
Outra questão que a terapia me ajudou foi a forma de ver a ex-mulher do meu marido
que eu tinha uma birra, uma coisa (...). E eu fui vendo que não é assim, ela é uma
figura, pois essa expressão enfatiza a dinâmica processual tanto da figura quanto do fundo,
sempre abertos para o surgimento de uma nova forma, visto que nenhuma necessidade se
No consultório, o terapeuta deve atentar que a queixa do cliente nem sempre é a figura
que lhe causa dor e sofrimento. O terapeuta não deve ter um olhar ingênuo para a queixa do
exemplo:
(...). E é interessante que parece que neguei muito tempo e não conseguia nem
aproximar (...). Parece que eu tinha assim, meio que (...) inconsciente (...) que a coisa
é ali (...) naquela relação marido e mulher, de mãe com o filho, parece que ali é que
Tinha coisas que acontecia no grupo que eu nunca tinha visto em mim, aí eu via no
outro e percebia que estava vendo no outro uma coisa que era minha. Às vezes, vinha
mexer em coisas que eu nem imaginava (...). Eram coisas que estavam sumidas da
minha vida e que de repente uma pessoa toca naquele assunto que também parece
criativamente é optar por uma decisão que lhe pareça a melhor possível, para cumprir a
demanda organísmica que se tornou figura naquele momento (Perls et al., 1997; Yontef,
De acordo com Perls et al. (1997) e Robine (2006), ajustamento e criação aparecem
como dois pólos complementares de um mesmo processo e são mutuamente necessários para
levar a pessoa a acomodar-se aos padrões e às exigências do meio, pois, além de não integrar
nenhuma novidade do campo, não lhe resta outra opção a não ser a repetição neurótica.
anarquismo desprovido de funcionalidade, pois não tem nenhuma raiz fincada na realidade
(Perls et al., 1997; Robine, 2006). “O ajustamento garante a dimensão do real e da adaptação,
Robine (2006, p. 53). Assim, para Yontef (1998), a terapia que apenas ajuda o cliente a se
ajustar favorece o conformismo, e a terapia que favorece a interação criativa do cliente faz
que ele assuma a responsabilidade pelo equilíbrio ecológico entre self e seus arredores.
Ribeiro (2006), de forma poética, assevera que “não nos ajustamos criativamente
quando renunciamos à nossa liberdade, mas quando, embora não conseguindo caminhar,
162
tentamos fazê-lo – e esta tentativa é o caminho do meio, com todos os perigos que ele pode
Eu não me jogo mais em uma situação em que eu sei que eu posso sair muito
tempo, não dá para você resolver tudo de uma vez (...). Essa noção de tempo, de
espera, de paciência que a terapia me ensinou (...) foi um dos melhores suportes de eu
tive (...). Eu me lembro que quando eu entrava em crise (...) eu fui dando tempo para
Os perigos, nem sempre tão reais, são vivenciados como conseqüência da novidade e
da variedade indefinida do ambiente (Perls et al., 1997). Os autores (1997) entendem que ante
Ciornai (1995) e Yontef (1998) defendem que o funcionamento saudável é aquele em que a
formação perceptual figura-fundo interage criativamente com seu meio ambiente, como
na situação descrita:
Porque a dor existiu, existe, não é? Não tem muito que alterar, mas a forma com que
a gente vê, lida com essa dor, a psicoterapia ajuda (...). Ressignificar a dor (...). Eu já
ajustamentos criativos disfuncionais, mas que podem ser superados, como relata uma
cliente:
Eu era muito solta mesmo, no mundo, perdida e hoje eu me vejo mais presente no
mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma pessoa... sei lá, solta... não tinha assim
essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais presente no mundo. Eu me vejo mais
dentro do mundo, não é (...)? Hoje eu me sinto mais integrada ao que está
Ciornai (1995) faz o contraponto entre estes dois modos de funcionamento da pessoa,
formação de figuras mal definidas e desvitalizadas, uma percepção turva tanto da necessidade
quanto dos recursos que as pessoas poderiam buscar no ambiente. Assim, são figuras que
Meu editor chefe chegou e falou assim: – “Marcos, você tem que criar (...), você
completamente (...). E a única coisa era que assim, eu sabia que eu tinha aquilo que
164
criação.
Para tanto, “o cliente precisa aprender a estar atento a suas necessidades imediatas,
perceber que o risco da mudança vale a esperança de um viver mais prazeroso” (Ribeiro,
4.2.3.7 Aqui-agora
no carro e ir embora chorando, lá, lá, lá. Eu não sei se eu faria isso de novo. Não sei
se eu sairia e entraria no carro com esse choro. Porque esse choro, ele se encaixa
com aquele momento, e agora, é outro choro, é outra história (...). Eu aprendi a
relação do tempo.
Aqui (espaço)-agora (tempo) são duas realidades que se relacionam, mesmo porque,
de certa forma, uma constitui a outra. Ribeiro (2006) afirma que “tempo, espaço e sujeito
formam uma única realidade, vista de uma única perspectiva” (p. 70).
agora a pessoa consegue contatar memórias ou expectativas e, dessa forma, dar-se conta de
165
todas as suas escolhas. Experiências de alguns minutos, dias, anos ou décadas atrás, que têm
importância presente, são abordadas no processo psicoterapêutico, assim como o futuro deve
ser destacado se ele está presente nos processos atuais (Yontef, 1998).
Polster e Polster (1979) asseveram que só o presente existe agora, e que qualquer
Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava louca de pensar no futuro e
resolver algumas coisas do passado que ficavam martelando na cabeça (...). Não vivia
o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa ansiedade toda,
não é? E eu passei a olhar (...) no aqui e agora, de ver o que pode ser vivido agora.
Perls (1988) assinala que a terapia bem-sucedida deve levar “o cliente a cuidar de
seus problemas passados, não resolvidos até o fim, porque estes finais são capazes de
causar problemas na atualidade” (p. 76, grifos nossos). Acerca do relacionamento com o pai,
Na psicoterapia fui vendo que era um sentimento que não era o meu, de filha (...).
Hoje eu olho para o meu pai de uma forma (...) que ele faz parte da minha vida e eu
A pessoa não resolve uma situação do passado re-narrando a cena, mas revivendo-a e
tendo a chance de atualizá-la, pois, se seus problemas passados fossem realmente passados,
não seriam mais problemas (seriam lembranças, reminiscências) e, certamente, não seriam
atuais.
4.2.3.8 Diálogo
(1978, 1997), Buber (1979, 1982), Friedman (1985, 2002), Hycner (1995), Yontef (1998),
Ribeiro (2006) entre outros, mais importante da psicoterapia. A esse respeito, uma cliente
assinala: “A gente não consegue às vezes compartilhar com pessoas até de casa, de família,
não é? E consegue com uma psicoterapeuta (...) de fazer um momento de realmente de fala,
simplesmente falar voltada para o outro (Amatuzzi, 1989; Hycner, 1995). A importância do
diálogo é percebida pelo colaborador: “Eu tive coragem de chegar pro meu pai depois e
conversar com ele sobre isso. E dizer o quanto que aquele momento tinha sido importante”.
é entregar minha palavra para o outro e receber a dele, sabendo que a única coisa que
ambas (...). Diálogo não é aceitar ou negar a palavra do outro, dialogar é aceitar que o
outro tem o direito de ser diferente de mim (...). Diálogo é encontrar e encontrar-se.
interlocutores têm a sensação de estarem inteiros no que dizem, ou fazem, ou até mesmo
deixam de fazer, e quando existe a intenção de estabelecer uma relação mútua e viva entre
Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela como eu
me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela fez. Mas eu
aprendi isso e eu exercitei isso muito tempo no meu processo terapêutico, que era
dizer como eu estava me sentindo diante de uma determinada situação. E (...), como
isso funciona!
A inteireza de uma pessoa clama pela inteireza da outra, da mesma forma que
quando as pessoas perdem a habilidade em se comunicarem, quando o diálogo cede lugar aos
técnico, enfim, quando deixa de haver interesse real ou preocupação com a alteridade da
outra pessoa (Hycner, 1995; Jacobs, 1978, 1997; Yontef, 1998). Para um entrevistado,
consiste em
saber lidar com o que eu tenho de volta, que às vezes não é fácil. Então, assim, é
maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o que você
168
vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me ensinou a lidar com
contato, e não se pode conceber o contato sem o diálogo e vice-versa. No entanto, o diálogo
na terapia tem uma característica especial, visto que, na relação terapêutica, a atitude
troca.
É nesse sentido prático que a Gestalt-terapia pode ser definida como uma terapia
dialógica, isto é, uma terapia que faz do diálogo seu principal instrumento de trabalho
(Hycner, 1995; Jacobs, 1978, 1997; Yontef, 1998; Ribeiro, 2006). Alguns elementos do
olhar para mim e me sentir vivo (...), é perceber que o que é meu está em mim, que
não tenho nada emprestado e não existem pedaços meus fora de mim agindo em meu
nome (...). A sensação de estar presente em si mesmo acontece quando se tem uma
mundo), em uma relação sem que nada de externo se interponha à pessoa, naquele momento.
Segundo Petrelli (1999), “não temos tutores, não temos leis, não temos normas, mas apenas o
presença é uma categoria a priori da existência, pois a presença não se realiza por um apenas
ser dado a existir, como coisa, mas se qualifica, de acordo com Minkowski, pela consciência
Para tanto, a pessoa precisa estar inteira, plena, absolutamente envolvida com a
realidade e livre da pretensão de influenciar o outro para que a veja de acordo com sua auto-
volta, sabe? Então, assim, é me mostrar, sem medo de me mostrar, e conseguir olhar
para as pessoas e ver que elas gostam de mim. E ver que elas admiram algumas
coisas, que elas são ponderadas com outras, que elas não gostam de outras. Mas
respeitar seu self verdadeiro, privilegiando um falso self. Buber (1982) esclarece que “a
Uma coisa que eu aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o que eu
realmente queria mostrar, nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o que eu
realmente sou? Eu olho isso sempre, justamente para fugir da hipocrisia. Cada dia eu
gosto menos da pessoa mostrar uma coisa que ela não é (...). Eu fiz isso muito tempo,
vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer uma coisa, um mundo, uma
postura que não era a minha, que não era eu, não tinha aquilo ali para dar (...). Era
uma capa.
170
pelo ser deixa o homem próximo dele mesmo e com possibilidades de chamar a verdade ou o
outro.
presença do terapeuta deve preceder a presença do cliente, no entanto, a presença não deve
ser legislada, ela é. Segundo uma cliente: “Esse que é o momento mais interessante da
psicoterapia. É você sair do dia-a-dia e vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma
pessoa te escutando, não é? Eu acho que nisso você foi muito importante”.
estar presente com ele, com o outro e com o mundo. A presença do terapeuta, ou seja, a
presença do terapeuta tanto nas situações de potência, quanto nos momentos de impotência
(Hycner, 1995; Jacobs, 1978, 1997). O terapeuta, presente, responde ao cliente com toda sua
verdade, mesmo que signifique dizer ao cliente algo difícil de falar, ou, ainda, que não tenha o
que dizer.
Buber (1982) afirma que “qualquer que seja em outros campos o sentido da palavra
outros tal como são. Não importa que um diga ao outro tudo que lhe ocorre” (p. 143, grifos do
autor). Para Yontef (1998), essa presença é confirmadora, no entanto, às vezes é erroneamente
considerada como não-aceitação ou, até mesmo, como uma rejeição do cliente.
O terapeuta deve estar disposto a envolver-se e a dizer o que é relevante para a tarefa
terapeuta não é uma licença para o comportamento impulsivo. Ele deve estar atento, e ser
capaz de perceber, por exemplo, se sua intervenção é pertinente àquele momento. Jacobs
terapeuta é feita para ajudar o cliente a dar o próximo passo, mesmo que ele não seja uma
certeza.
elemento importante em um diálogo. Buber (1982) enfatiza que o “principal pressuposto para
o surgimento de uma conversação genuína é que cada um veja seu parceiro como este
Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança mesmo, não
afasta (...). Sempre foi um conflito: – “O que eu posso fazer, o que eu tenho que fazer,
Para tanto, o terapeuta deve tentar ver o mundo do cliente pelos olhos dele. A atitude
diálogo. Yontef (1998) define inclusão como “posicionar-se, tanto quanto possível, na
assim o terapeuta saberá como o cliente está desejando, sentindo, percebendo e pensando.
Toda história tem o outro lado, toda pessoa tem vários lados (...). No grupo eu
consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse feito
grupo. Por exemplo, consegui ouvir as razões de uma pessoa que era considerada
egoísta e entender seu egoísmo segundo seu ponto de vista e passar a nomear aquela
atitude de luta pelo que acredita (...). Aprendi no grupo que (...) as pessoas (...) tinham
uma história (...) que me fazia entender aquelas atitudes diante a vida (...). Aquilo que
total, sem julgamento, o que é percebido pela cliente: “É muito interessante essa questão
mesmo de a gente não julgar, não ter esse preconceito e assim, hoje eu consigo ficar mais
assim, validar uma realidade e um conjunto de dados diferentes. Um cliente relata: “A terapia
me ensinou o respeito comigo e o respeito com o outro. É isso! E aí quando você aprende a
importante para o diálogo. Friedmam (1985) define: “a verdadeira confirmação significa que
confirmo meu parceiro como sendo este ser que já existe, mesmo me contrapondo a ele como
a pessoa que sou” (p. 121, grifos nossos). A esse respeito, uma cliente assinala: “Eu acho
173
interessante esses feedbacks que ele me dá porque [risos] fica muito real as minhas mudanças
comunicação – elementos que se interagem para que o diálogo autêntico aconteça. Aceitar e
suas atitudes e escolhas, até aceitá-las, mesmo sem concordar com as mesmas.
Buber (1982) aponta que a confirmação “não significa ainda, de forma alguma, uma
aprovação; mas, no que quer que seja que eu seja contrário ao outro, eu disse Sim à sua
Filosofia do Diálogo de Martin Buber (como atitude) e das bases teóricas da Psicologia da
conceitos).
174
Neste item será discutida a relação terapêutica tanto individual quanto em grupo,
baseada nos contextos citados, e nas experiências dos colaboradores desta pesquisa – A
Usualmente, o cliente chega ao consultório com a queixa de que, sozinho, não tem
profissional o ajude nessa empreitada. O psicoterapeuta, por sua vez, recebe o cliente com a
intenção de entender sua queixa no do contexto em que ele vive. A atitude de contextualizar
advém da crença existencialista de que o ser humano é um ser de relação, e assim, sua
confirmar-se como humano (Buber, 1982; Friedman, 1985), por isso, a ênfase da Gestalt-
enfatiza o continuum de awareness como ferramenta para a pessoa constituir-se, e então, co-
na vida do cliente. A ausência de sentido sugere a perda de contato com o querer, a perda do
contato consigo mesmo e o temor do encontro com um outro ser humano. Ao mesmo tempo,
o cliente anseia por contato: para ser encontrado, ser reconhecido em sua singularidade, em
sua plenitude e vulnerabilidade. Friedman (1985) cita Hans Trüb que enfatiza que “mesmo no
retraimento mais profundo existe uma vaga inquietação da alma que anseia pelo encontro
ele tem por si mesmo e pelos demais. O contato – conceito básico da Gestalt – consigo
mesmo e com o mundo que o cerca, o ser tocado e perceber a interação da própria existência
com a existência do outro, torna o cliente cônscio dessa responsabilidade. A atitude com que
o homem se aproxima do outro é, também, a atitude com que se aproxima de si próprio, pois
relações com envolvimento afetivo humaniza o homem. Pela qualidade da atitude de contato
com o mundo, a pessoa desenvolve-se e revela sua crença diante da vida. O seu modo de ser-
presente como pessoa que é. No processo psicoterapêutico, esta meta pode ser alcançada à
medida que o cliente vai se sentindo suportado, confirmado e legitimado, o que lhe possibilita
suas verdades, ele se abre com maior facilidade para aproximar-se de si mesmo tal como ele
é.
Para Buber (1982), “não é fácil fazer-se confirmar no seu Ser pelos outros; aí a
aparência oferece a sua ajuda. A ela ceder é a verdadeira covardia do homem; resistir, sua
verdadeira coragem” (p. 144). Cummings, em um pensamento semelhante diz: “não ser
ninguém a não ser você mesmo, num mundo que faz todo o possível, noite e dia, para
transformá-lo em outra pessoa, significa travar a batalha mais dura que um homem pode
enfrentar e, jamais parar de lutar” (citado por Martins, 1995, p. 47). Na sociedade atual, há
uma força que atropela o homem impelindo-o a tornar-se igual e a perder o sentido de sua
vida.
176
Einstein questionou certa vez: "qual o sentido da vida humana?... O homem que
considera sem sentido sua vida é, não somente infeliz, mas, também, incapaz de lutar para
viver" (citado por Frankl, 1976, p. XVII). Muitos clientes sofrem, em razão de um sentimento
de profunda falta de sentido – chegam ao consultório como pessoas angustiadas por esse
motivo, o que os impossibilita viver com maior plenitude sua humanidade. Sentem um vazio
que os oprime e que lhes retira o sabor da vida. Talvez esse seja o grande mal do século.
A falta de sentido paralisa o cliente, a necessidade não emerge, a figura não se forma
mundo. Martins e Bicudo (1983) ponderam que “como ser-no-mundo, o homem existe numa
situação de ambigüidade, isto é, ele é livre, mas é, também, circunstancial” (p. 42). Dentro
Ser humano é estar em contínua situação de escolha, de correr riscos nessa escolha, de
assumir compromissos e de sofrer as conseqüências das escolhas feitas. Sem riscos não há
opções significativas para o homem e, sem elas, não há liberdade. É mediante a atitude de
assumir o risco da liberdade, e sua conseqüente responsabilidade para com o outro e com o
mundo que o homem supera e transcende a sua facticidade. Esta é a premissa da mudança
fenômeno em que se deixa de lado quem se é e se passa a ser o que se espera que seja. O risco
de não ser aceito e até mesmo ser rejeitado leva a pessoa a uma atitude que a distancia de si
mesma para ser amada, mesmo que condicionalmente. Cardella (1994) sugere que a pessoa
amada incondicionalmente não são possíveis. Similarmente, Miller (1986) afirma que
177
só não percebemos que é um “amor” que exige provas de reciprocidade, que exige
renúncias, enfim, que exige. Por esta razão, diante de qualquer ameaça percebida,
O contato forma a pessoa, mas também a deforma, à medida que exige obediência e
adequação em detrimento da sua expressão pessoal. A pessoa, em vista disso, na ânsia de ser
aceita e, por sua vez, protegida e amada se submete a tudo em busca da sobrevivência.
Atualmente, para sobreviver de modo digno, coeso e autêntico, é necessário resgatar a pessoa,
quem ela está sendo e como pode interagir de forma criativa. Quanto mais saudável se
encontra a pessoa, mais criativamente ela se ajusta ao meio. E é por isso que uma das tarefas
da psicoterapia é, com o cliente, olhar a forma com a qual ele tem lidado consigo mesmo e
com o mundo.
possibilidade de dispor mais facilmente de si, experimentar novas formas de ser, para não
ficar restrito a uma única forma de estar aí, o que causa sofrimento. Na busca de um sentido
em sua vida, na coragem de ser, de sentir o vivido, o cliente depara-se com a emergência de
novas figuras, com o surgimento de conteúdos muito íntimos, como o sofrimento, a angústia,
existência humana.
Esses conteúdos, mediados pelo trabalho psicoterapêutico, podem e devem ser vividos
que foi experienciado, visa-se o encontro mais próximo possível com o humano, com uma
O encontro com o psicoterapeuta leva ao encontro da pessoa com sua própria vida.
Para tanto, é necessário o profissional estar a serviço de seu trabalho. Jacobs (1997, p. 101)
pondera que “estar a serviço de’ implica escuta profunda para ouvir o que não tem sido
escutado até agora, permitindo que o não-dito seja pronunciado, o oculto revelado, o invisível
tornado visível”. Essa atitude pode criar condições propiciadoras para o possível
que vai desvelando suas próprias possibilidades, o que é confirmado em uma metáfora acerca
O terapeuta deve atuar como um jardineiro que cultiva uma planta. O jardineiro não
produz a planta como se produz um automóvel, não cria a terra nem a semente, nem
planeja os passos que devem ser seguidos pela planta para atingir a maturidade, florir
e frutificar. Ele somente cria melhores condições de solo, abriga a muda, quando
contra insetos, livra-lhe a área de crescimento, para que ela não morra por falta de
espaço ou luz. Mas não é ele que a faz crescer. O crescimento da planta é dela própria.
liberdade, experimentar novas formas de ser, de utilizar seus sentidos internos e externos de
criativa, de olhar para a vida de uma forma curiosa, permite à pessoa experimentar novas
A pessoa deve olhar para si mesma e para o mundo como nunca antes o fizera, uma
vez que, na busca de satisfazer as expectativas que percebia ou imaginava recaírem sobre sua
pessoa, esqueceu-se de olhar para si mesmo. O olhar sempre atualizado é ressaltado por
Ao alcançar o novo olhar, que com certeza teve a ajuda do terapeuta, o cliente torna-se
capaz de olhar e se relacionar com o outro de forma mais saudável e comprometida. O olhar
se observa que a presença de uma pessoa muda a outra. Uma pessoa contribui para a criação
da outra, pois, a presença do outro ser humano por si só é impactante. É a influência inter-
Se alguém procura um grupo psicoterapêutico, mais do que um lugar para dividir seus
conteúdos mais íntimos e desejos, mais do que escutar a história de outras pessoas, ele vai
intencionado a melhorar, a crescer, a des-cobrir seus fantasmas. Na maioria das vezes, ele
deixa o grupo com sentimentos nunca antes imaginados, como o de pertencimento, isto é,
quando o cliente percebe que sua dor não é só ele quem a tem, o de aceitar o outro, o de não
180
julgar. Nesse contexto, abre-se para ele a possibilidade de reconhecer outros caminhos a
serem seguidos.
assumir como uma parte do todo que, eventualmente, se torna figura. Nesse momento,
Tillich (1976) afirma que “participação significa ‘tomar parte” (p. 69). Como ensina a
Psicologia da Gestalt, uma parte de um todo não é idêntica ao todo ao qual ela pertence, mas o
todo é o que é, com a parte. O grupo não seria o que é sem o eu individual. Ser uma parte
participar. Quando ele se torna único, conhecedor de suas possibilidades, ele tem maiores
condições de interagir com o outro, sem se misturar. Ao mesmo tempo, a unicidade, como
interação com o outro. Um ser modifica-se na relação com outro ser. O interhumano cria o
ser.
diálogo, da influência mútua entre os participantes, pois essa forma de trabalho favorece o
contato, a consciência e a experimentação. Por outro lado, contribui para que a pessoa preste
atenção e esteja aberta para a outra pessoa que está à sua frente, tornando-se mais próxima da
Nesse momento, o indivíduo é encorajado ao diálogo, cujo controle não lhe pertence.
A pessoa não sabe antecipadamente o que a sua fala pode provocar nela e na relação com o
outro. Segundo Yontef (1998), “qualquer encontro (...) envolve substância experimental, isto
é, descoberta. Em um encontro genuíno ambas as partes estão por acontecer e ninguém sabe o
resultado” (p. 92). O risco da existência, do mesmo modo que amedronta, fascina.
Beisser (1980) chama de mudança paradoxal. Hycner (1985) corrobora com esse princípio,
ao enfatizar que
de mim, de uma maneira única e definida que lhe é própria; e aceito a quem assim o
vejo, de forma que eu possa plenamente dirigir o que digo a ele, como pessoa que é.
(p. 79)
expressar seus sentimentos, sua história, sua verdade, com base em uma atitude dialógica tão
esquecida nos dias atuais – a atitude de compromisso com ele próprio e com o outro, de co-
assertividade, a verdade são a base da relação, e essas qualidades vão sendo alcançadas no
182
decorrer do grupo. Com o tempo, a comunicação vai se tornando mais espontânea, mais
madura, mais esclarecedora. Ribeiro (1994) assevera que “quando se limpa a comunicação,
O interessante é que normalmente cada fato revelado ecoa nos demais elementos –
como na relação figura-fundo. Ao perceber-se sendo compreendida, que a sua história ecoa na
outra, que aquilo que acontece com ela não é só dela, que sua linguagem é comum e não
O eco existe porque, de alguma forma, a pessoa se identifica com aquela história, ora
por ser muito próxima da sua experiência, ora por ser polar à sua experiência. Ela experimenta
os sentimentos: “eu também já vivenciei isto”; “é isto mesmo”; “comigo é o contrário”. Todos
têm um pouco de tudo e tudo está um pouco em todos. O compartilhar da vivência é uma
experiência transformadora.
silêncio. Vendo a dor do outro, pode-se perceber a própria dor. É um momento em que as
grupo. Começa, nesse instante, a exercitar uma nova forma de interagir, o que tem grande
prioris e tentando ter uma relação direta, sem intermediários, com a outra pessoa. Ela
amor é sempre uma abertura para o outro, uma con-vivência e uma comum-união com o outro.
Boff (1999) assegura que “não existimos, co-existimos, con-vivemos e co-mungamos com as
realidades mais imediatas” (p. 118). A pessoa sai na direção do outro, sente como o outro,
participa de sua existência, deixa-se tocar pela sua história de vida. Começa-se a aceitar o
183
indivíduo liga-se ao outro afetivamente – o que eles criam passa a ser responsabilidade de
mistério do outro e garantia de que ninguém é e está só neste universo. (p. 150)
A cura ocorre não apenas pela metodologia da qual o psicoterapeuta lança mão, mas
ser de relação, e o encontro existencial entre duas ou mais pessoas tem o poder regulador da
algumas das perguntas feitas ao longo do estudo. Em seguida, far-se-ão reflexões sobre os
interrogações que ficaram em aberto por não fazerem parte deste estudo, mas que se
Vários pesquisadores poderiam discutir este trabalho, com o mesmo conjunto de dados
pesquisadora/terapeuta.
Cada linha psicoterapêutica apresenta uma maneira singular de agir com o cliente, e o
Embora os colaboradores sejam pessoas com realidades bastante diferentes, com queixas e
muito próximos, como pode ser confirmado nas categorias encontradas nos resultados.
suspender, não somente seus conhecimentos teóricos e sua crença na eficácia psicoterapêutica
185
para a maioria dos clientes e para os colaboradores em especial, mas, sobretudo, seus
A suspensão dos conhecimentos teóricos também foi facilitada pela opção de redigir a
Assim, a pesquisadora conseguiu retirar a teoria de foco no momento empírico e buscar uma
informação singular, pois como já foi dito, “tomar o novo como uma nova forma de saber pré-
existente é castrá-lo no que tem de novidade” (González Rey, 2005, p. 18). Os conhecimentos
prévios que ficaram em suspenso, sobretudo no momento empírico, passam a integrar esta
discussão.
experiência como terapeuta e professora que faz uso dessa abordagem. Ela se sente
gratificada, ao perceber que os resultados confirmaram suas hipóteses, mesmo que suspensas
quem melhor sabe de sua experiência, tanto que a pesquisadora participou da pesquisa com o
O primeiro acontecimento que chamou a atenção neste estudo foi a seleção dos
colaboradores para a pesquisa. O propósito era encontrar clientes com mais de dois anos de
terapia na abordagem gestáltica, em uma clínica com grande fluxo de clientes. No entanto,
todos os clientes que se interessaram pela pesquisa foram, ou ainda são, clientes individuais
de grupo.
dificultar o processo: “Os colaboradores conseguirão deixar seus papéis de clientes e assumir
ambos não criaria um viés na pesquisa: “Os colaboradores tenderão a responder aos desejos,
procurarem para participar da pesquisa, pois, falar sobre uma história pessoal para alguém
tiveram interesse em contar como tinham sido suas vivências da maneira mais genuína
possível. A mesma atitude ética alcançada em seus processos psicoterapêuticos foi mostrada
em seus depoimentos: uma ação pela qual o homem tenta se esquivar dos interesses que
solicitado – confirma que quanto maior for o tempo de psicoterapia, maior a facilidade em
expor sua história. Decorrido um certo tempo de psicoterapia, a pessoa consegue aproximar-
se de suas verdades, pois já vivenciou, entendeu e resolveu vários episódios que não estavam
claros para ela; já aceitou que alguns aspectos de suas vidas vão permanecer, o que lhe
tem, como nesta pesquisa, pelo menos seis anos de terapia, já passou por um procedimento
colaboradores são clientes de convênios, o que torna a terapia bastante acessível. Sem a
pressão financeira, o cliente tende a permanecer em terapia enquanto lhe for conveniente.
reflexões. A primeira delas é que não se trata de uma mera coincidência. As psicoterapeutas
aqueles que têm mais tempo de terapia, como as pessoas que participaram deste estudo.
Embora não seja objetivo desta pesquisa diferenciar os dois modos de psicoterapia, foi
grupo, afirmou: “Se eu pudesse comparar com alguma coisa, o grupo seria mais ou menos o
respeitar o outro, a si mesmos e, sobretudo, viram que poderiam ser respeitados pelos outros,
e, dessa forma experimentavam, cada vez mais, a possibilidade de serem mais verdadeiros. Os
humanas, e aprenderam que as pessoas, por mais complicadas que sejam suas histórias, têm
interesse foi a crescente aproximação entre eles, que só foi possível quando aprenderam a se
colocar no lugar dos colegas de grupo. Compreenderam que toda história tem várias facetas e,
suas relações no grupo e fora dele, pois a maneira menos preconceituosa de olhar as pessoas
Entende-se que, a partir desse momento, passaram a atuar no mundo de forma diferente.
Outro ganho importante da terapia de grupo relaciona-se com a expansão dos temas
colegas do grupo, disseram que entraram em lugares e temas nunca imaginados, e que
também eram seus, o que os ajudou a ampliarem sua consciência em relação a assuntos que
até então não eram tratados na psicoterapia individual. Dessa forma, percebe-se que um
Após essas ponderações iniciais, far-se-ão uma discussão geral dos resultados, visto
que cada categoria encontrada foi apresentada e discutida nos resultados (capítulo III).
los da zona de perigo ou dor. Essa expectativa, tão logo revista, ajudou-os a assumirem seus
processos terapêuticos de maneira menos fantasiosa, pois descobriram que cabia a eles, ao
autonomia para engajarem-se na via que julgassem adequada, sendo responsáveis por si
De uma maneira mais ampla, percebeu-se, nos resultados, que a grande contribuição
vital de suas existências e abrirem os olhos para a situação concreta que eles estavam vivendo
Não foi tarefa simples para os colaboradores entrarem em contato com crenças e
valores pessoais, ações necessárias que legitimam a existência, da mesma forma que não foi
observou-se que a psicoterapia foi um campo propício para tal busca, pois os colaboradores
cresceram muito como seres humanos, ao aproximarem de si mesmos e dos outros. Para
primordialmente, ter que ser, ou seja, estar submetido à con-vocação de ser o que
somos, vale dizer, àquele apelo que atinge o âmago de cada um de nós, apelo que
O sentido da existência foi uma busca constante dos colaboradores nos processos
psicoterapêuticos. No início do processo, eles não estavam satisfeitos com suas vidas e
terminaram por desenvolver alguns sintomas, tais como os apresentados nos relatos de suas
do mundo atual.
repassar o que foi assimilado no encontro com as terapeutas e com os colegas de grupo. Trata-
psicoterapêuticos e eles perceberam que, agindo desse forma, as relações melhoravam, pois
Todos esses elementos fazem parte da atitude dialógica das terapeutas. Inicialmente,
ao olhar para questões mal resolvidas, ou seja, para as gestalten inacabadas, tinham a chance
ser percorrido, no entanto eles estavam mais preparados para entrarem nesse espaço
desconhecido e fascinante.
seus bloqueios e chegaram a uma ação ética, tema recorrente em sua fala. De acordo com
idéia de missão existencial de cada ser humano, e então, assumir o compromisso de mostrar
191
sua verdade e sua humanidade. “Na ação ética acaba a terapia, pois o discípulo – o cliente –
vira mestre”, afirma o autor (p. 48). Dois dos três colaboradores já encerraram seus processos
colaboradores mais responsáveis por suas decisões. Esta atitude possibilitou aos
colaboradores um maior compromisso com eles mesmos, com o outro e com a sociedade, e
eles passaram a serem mais verdadeiros consigo mesmos e em suas relações. As relações
éticas são determinadas pela responsabilidade com que os colaboradores interagem com os
outros.
A ética que se constatou ter sido alcançada pelos colaboradores não tem conotações
morais ou sociais; ela é originária da essência da pessoa. A eficácia dos princípios éticos dá-se
pela singularidade de cada situação e pela adaptação de suas exigências às circunstâncias, pois
não há regras absolutas e definidas uma vez por todas elas. Assim, a pessoa passa a ter
responsabilidade, tal qual uma habilidade em responder a outrem, o que lhe permite um
contato mais próximo com o outro e, ainda, ser contatada, para então responder. É a própria
O contato com o outro tornou-se muito forte na vivência dos colaboradores e eles
destacaram, sobretudo, a terapia de grupo como um espaço no qual eles aprenderam a olhar
para a outra pessoa com respeito, admiração, entendimento, aceitação e reconhecimento. Eles
eram pessoas que tinham seu senso de intimidade e comunhão pouco desenvolvido, sentiam-
se perdidos e deslocados no mundo. E foi exatamente no grupo que eles puderam desenvolver
o sentido do que seja gregário, de fazer parte, de pertencer, sentimentos vivenciados no grupo
psicoterapêutico.
Mostrar-se e ser aceito e confirmado como se é realmente não foi tarefa simples no
cotidiano dos colaboradores. Eles revelaram-se, inicialmente, diante deles mesmos e de suas
192
terapêutico para além do consultório, visto que somente nessa forma de con-viver se
estabelece uma relação viva e recíproca, em uma atitude autêntica entre os homens. Eles
aprenderam alguns mecanismos que guardaram como forma de auxiliar a resolução de suas
questões como, por exemplo, dizer como se sentem diante de determinado fato ou pessoa em
vez de acusar uma pessoa ou de exigir uma mudança dela – uma das proposições abertamente
Neste estudo, ficou evidente que, diferentemente do que o senso comum apresenta, a
terapia não torna a pessoa um ser egoísta por ela revelar-se singular; pelo contrário, torna-a
um ser relacional, como foi confirmado nos relatos dos colaboradores. O processo de
nada tem a ver com um fechamento egoísta e individualista no seu pequeno e franzino
dispersão para o recolhimento do único necessário (...). Nesta singularização ele não
se particulariza, muito mais, ele se universaliza, pois torna-se uno com tudo, uno no
A terceira parte da discussão busca comparar os resultados desta pesquisa com outros
trabalhos da mesma área. Sousa (2006) investigou vários estudos de psicoterapia e chegou a
terapêutica. O interessante, nesta pesquisa, é que essa evidência foi validada pelo próprio
cliente, pois houve uma mudança significativa em suas vidas, o que sobressai com nitidez em
seus relatos.
Foi constatada, tanto nas pesquisas apresentadas por Sousa (2006) quanto nesta, que o
colaboradores desta pesquisa. Vale ressaltar que existem as recaídas, porém as pessoas
passam a lidar muito melhor com elas. Por conhecerem seu funcionamento, mesmo sabendo
que nada se repete na mesma forma, dispõem de suporte para melhor avaliar a atitude
adequada para aquele momento, que corresponde ao que a Gestalt-terapia entende por
ajustamento criativo.
seguida com mais pessoas no grupo psicoterapêutico, e, por fim, expandiram essa
convivência desses colaboradores aprenderam, com o tempo, a dialogar com maior facilidade,
cliente.
194
Feitas essas considerações, três questões ainda continuam em aberto. A primeira delas
é: “Como os clientes acabaram levando para a sua vida externa muito do que aprenderam na
terapia, isto não produzirá uma deformação, dado que se corre o risco, como na sociedade, de
se formatar o externo de acordo com o que se pressupõe ser o correto”? Trata-se de um risco
que se corre, entretanto, não condiz com o que os colaboradores apreenderam em seus
processos psicoterapêuticos – encontrar o próximo com o respeito pela sua forma de ser. A
mesma atitude é tarefa do terapeuta, que deve estar atento, o tempo todo, para não moldar
(com conselhos, opiniões etc) o cliente dessa ou daquela forma, como a sociedade tenta fazê-
lo, mas ao contrário, o terapeuta tem o dever de ajudá-lo a conhecer-se e seguir seu próprio
caminho.
Não se pode desconsiderar que a terapia, como percebido nos resultados encontrados,
suas verdades. Essas atitudes acabam lhes dando uma identidade terapêutica, pois é comum
ouvir: “Ele é assim porque faz terapia”. Contudo, não se deve entender essas atitudes de uma
forma pejorativa, pois o terapeuta não indica caminhos pré-determinados no encontro com o
cliente. Ao contrário, ele ajuda os clientes a desenvolverem algumas habilidades que lhes
conferem uma identidade, com o intuito de que disponham de suporte para conhecerem a si
mesmos, e a levarem suas vidas de acordo com as exigências internas e externas. No processo
colaboradores tivessem tempos de terapia diferentes, mesmo de acordo com o proposto neste
trabalho – mais de dois anos – e, ainda, se tivessem terapeutas com formações diferentes,
ainda na abordagem gestáltica. Pode-se, então, sugerir a realização de um estudo que procure
apreender como vivenciam o processo psicoterapêutico clientes com pouco tempo de terapia.
195
A terceira e última questão é até que ponto as mudanças alcançadas nas vidas dos
relações significativas. Acredita-se que estes e outros pontos influenciem, ao mesmo tempo, a
vida dos clientes, mas não se pode desconsiderar que algumas mudanças foram vivenciadas
si e por si.
acordo com a visão do cliente. Em outras palavras, as pesquisas devem verificar como o
Por fim, considera-se que este estudo é apenas um ponto de partida para maiores
psicoterapêutico – foi até o momento pouco estudado, e essa foi uma tentativa de pesquisar a
questão. Espera-se que novas pesquisas sejam realizadas e que possam encontrar respostas
que não foram elucidadas por este estudo, pois o fim de uma investigação é sempre um novo
começo.
196
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Bélgica.
204
ANEXOS
206
Anexo 1
CARTAZ CONVITE
Eu, Celana Cardoso Andrade, realizarei uma pesquisa para o curso de Pós-graduação
agendando um horário com a secretária da clínica para marcar a primeira entrevista. Esse
encontro inicial terá o objetivo de explicar como o projeto será desenvolvido e, assim, você
Atenciosamente,
Anexo 2
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após
ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,
assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é minha,
pesquisadora responsável. Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma.
fenomenológico na Gestalt-terapia.
encontro do cliente com seus valores pessoais, com suas crenças, enfim, o encontro com o
verdadeiro sentido de sua existência. O objetivo deste estudo é investigar a vivência do cliente
sujeito, ator e autor de sua vida. Para tanto, faz-se necessária uma pesquisa com pessoas que
O momento empírico será efetivado por meio de entrevistas, que serão realizadas em
meu consultório de psicologia, por possuir um ambiente adequado para recebê-lo. Os horários
serão marcados previamente. As entrevistas findarão assim que forem geradas as informações
consideradas necessárias, ou quando você solicitar, por qualquer motivo. Você tem a
Será utilizado gravador nas entrevistas, garantindo assim um melhor registro dos dados.
local seguro por um período de cinco anos e, posteriormente, incinerado. Garante-se o mais
absoluto sigilo no que diz respeito à preservação de sua identidade em qualquer publicação
Você, apesar de não correr o risco de desconforto nas entrevistas ou qualquer risco
moral, terá o direito de conversar sobre tal fato, caso necessário. Você tem a garantia de
Os benefícios que por ora podem ser apresentados são uma oportunidade para que você
se expresse livremente sobre como ocorreu o seu processo psicoterapêutico e como isso
alterou sua vida e, sobretudo, a possibilidade de que possa, ao dialogar comigo, ressignificar
conteúdos importantes de sua história e até mesmo vir a descobrir experiências não-vividas
Data: __________________
Eu, _______________________________________________________________________,
decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a
qualquer momento, sem e que isto leve à qualquer penalidade ou interrupção de meu
acompanhamento/assistência/tratamento.
sujeito em participar.
Anexo 3
ENTREVISTA – JANAÍNA
22 de junho de 2006.
P8: Janaína, como é participar da pesquisa e falar sobre sua vivência no processo
psicoterapêutico?
C9: Foram seis anos de psicoterapia. Eu acho interessante falar, porque creio que me ajuda um
empolgada de achar que pode trazer algum benefício para a sociedade acadêmica.
P: O objetivo desse trabalho é pesquisar como você vivenciou seu processo psicoterapêutico.
C: Na época, eu tinha uma coisa comigo, de que eu precisava de uma psicoterapia porque eu
tinha contraído diabetes... [pausa]. Eu ficava indignada com aquela doença e achava que tinha
um fundo emocional, e eu assim, muito sozinha, muito comigo mesma. Tem alguma coisa aí!
Eu tenho que procurar... Só que eu demorei, depois que eu fiquei sabendo da doença, ainda
demorei um ano para realmente vir para a psicoterapia. Porque ainda tinha aquela dúvida: –
“Ah, não é diabetes, é diabetes, porque é muito leve, aquela coisa, não é”... Depois eu fiquei
sabendo dos detalhes da doença: é uma doença que está com a tacha leve, que só com
alimentação e exercícios pode melhorar, etc E eu vim, mas eu lembro que tinha muita
dificuldade de falar de mim, das minhas coisas, e eu fiquei enrolando... É... [risos], eu fiquei
enrolando um tempo para conseguir falar alguma coisa e tal. E eu me lembro de uma sessão
que a psicoterapeuta falou para mim que eu demorei a falar de mim, que eu chegava e contava
8
P: pesquisadora.
9
C: colaborador(a).
211
caso e não sei o quê, falava coisas que não eram relacionadas comigo. E eu achei interessante,
assim..., na hora que ela falou e até achei assim nossa, será? [risos] Como assim? Eu fiz isso
mesmo. Mas eu tenho certeza que fiz por causa disso, eu lembro dos dados, depois de um ano
de psicoterapia que eu consegui falar para você da minha revolta com a doença, da minha
tristeza, das minhas coisas e tal. E acho que foi um jeito também de ficar negando a doença.
Até hoje, eu ainda tenho em algumas horas, momentos de negação e largo o regime para lá,
tem vezes que me dá vontade de parar de tomar os remédios, não sei o que... Ainda tenho uma
coisa para mim essa doença foi, assim, como se tivesse caído o mundo na minha cabeça.
Fiquei muito... muito... acho que é revoltada mesmo a palavra, muito revoltada. Então eu
cheguei na psicoterapia, é... até de uma forma do jeito que eu era, assim, dissimulada, não é?
Ninguém sabia o que se passava comigo, eu sempre fui muito sozinha, mas, para os outros, eu
estava ótima, passava assim... Uma amiga minha uma vez comentou que nunca imaginava
que eu sofria tanto por causa da doença porque eu passava, com as palavras, de uma forma
muito tranqüila, como se fosse uma coisa que eu lidava bem. Mas o que a psicoterapia fez
comigo foi isso, de ser mais verdadeira, de ficar mais próxima do que eu sou [pausa]. Tem
algumas coisas que eu acho que ainda permanecem, que... tive alguns ganhos, algumas
acho que... mas só que agora é diferente. A forma agora como eu estou vendo é diferente da
P: Vê diferente o quê? Dê um exemplo de uma atitude que permanece, mas que de alguma
C: Esse exemplo mesmo que eu estava falando da dissimulação. Hoje quando eu estou
questionando: – “Pra que, por que eu fiz isso, se seria bom se eu não tivesse dissimulando, ou
P: É consciente!
C: É consciente. Antes eu acho que era um processo meio escuro. Eu sentia por dentro um
incômodo, mas não sabia o que era. Hoje eu tenho consciência do que me incomoda, por que
está me incomodando, então é isso que eu acho que é diferente. A forma de ver mesmo.
P: Você percebe alguma área sua que realmente você está menos dissimulada? Você fala que
até hoje, às vezes, você dissimula, apesar de atualmente perceber, ser consciente. Tem alguma
área que você pensa: – “Isso eu não dou conta mais de dissimular”? Ou que é mais difícil, ou
C: Uma coisa que a psicoterapia foi muito importante para mim foi a forma de ver meu
relacionamento com meu marido. Então, hoje eu não consigo mais dissimular. Caiu!... Sabe,
trouxe muito conflito para nossa relação. Impressionante, assim, o quanto eu dissimulava, e
fazia de conta que não estava vendo ou via, mas não enxergava. Então, meu relacionamento
era até bom, mas depois disto aí eu acho... que neste ponto, assim, entre aspas falando é...
C: Era uma relação boa, tanto pessoal, quanto social, em todos os sentidos, não é? E de
repente... eu vi que não era. Consegui entrar na situação, ver realmente como que era a
213
realidade e aí que parei. Não consigo mais dissimular o meu jeito de ser para manter uma
C: Um prejuízo na relação, mas um ganho pessoal que não tem... sabe, que vale a pena. Eu
acho que até ia adoecer mais, porque quando eu vim para a psicoterapia parece que eu tinha
assim, meio que... é um inconsciente que a gente é consciente, que a coisa é ali, não está
muito bem é ali, naquela relação marido e mulher, de mãe ali com o filho, parece que ali é que
estava o problema. E é interessante que parece que neguei muito tempo e não conseguia nem
aproximar.
P: Você fala de um ganho pessoal que não tem preço, mesmo tendo um prejuízo na relação.
C: Eu me sinto mais verdadeira, melhor comigo mesma. E assim, é do tipo assim, se gostar de
mim é do jeito que eu sou, eu quero ser eu mesma em todos os lugares, embora tenha hora
que eu vejo que não dá para ser... não dá para ser... Mas eu acho que assim na minha família,
com as pessoas mais próximas, aí não tem como, eu tenho que ser eu mesma, porque senão eu
vou me prejudicar, eu vou passar por cima de mim. É assim que eu penso. Eu acho que uma
P: Como foi perceber quem você é? O que te provocou? Como isto aconteceu no processo
psicoterapêutico?
214
C: Foi uma coisa bem devagar, foi aos poucos, é uma coisa aqui, outra ali, acabou que foi
acumulando, e chegou uma hora que aconteceu. É uma coisa, assim, um dia acontece [risos],
um dia acontece, eu acho que assim... Eu me lembro muito bem que eu participei de uma
terapia de grupo e a gente teve uma atividade, é... como é que chama... tipo... tipo uma
P: Uma vivência?
C: Uma vivência. Então, a gente teve uma vivência e a gente tinha que fazer alguma coisa
com argila. E no início dessa terapia de grupo, eu me propus a tentar ser verdadeira, porque
me incomodava essa questão de eu não ser verdadeira. E no final da terapia, então, pra essa
atividade eu não consegui ver outra coisa pra fazer a não ser fazer eu mesma. Eu fiz tipo uma
bonequinha e tal. E quando a gente foi compartilhar com os demais membros do grupo sobre
essa atividade, sem perceber eu coloquei essa bonequinha no colo, coloquei em cima da
almofada. E, assim, um outro membro do grupo que percebeu o que eu tinha feito isso. Eu
C: Eu tava... acho que gostando mais de mim, fazendo um carinho, alguma coisa assim, um
respeito, aquela coisa. Quando ele falou que eu tinha feito isso, ele ficou muito emocionado
também. E quando ele falou que eu tinha feito isso, eu fiquei assim: – “Nossa!”. Tive uma
surpresa comigo, com a minha atitude. E aí parece que eu falei: – “Eu não sou tanto uma
bruxa quanto eu imaginava que eu fosse, porque tem aquela coisa assim que eu sou cruel, eu
sou ruim, eu sou não sei o quê”. E nesse momento, quando eu percebi que eu não era tão cruel
215
assim, que eu tinha esse outro lado e foi aí que eu comecei a conseguir ser eu mesma lá fora.
P: Foi gostoso mostrar-se no grupo e isso abriu a possibilidade de você se mostrar lá fora, não
é?
C: Pois é... [pausa]. Outra coisa que a terapia me ajudou muito foi em minha ansiedade. Acho
que a ansiedade abaixou muito. Eu era muito ansiosa. Acho que esse processo da psicoterapia
já diminuiu bastante minha ansiedade. Hoje eu consigo viver mais o agora, porque eu ficava
louca de pensar no futuro e vivia muita coisa do passado. A psicoterapia também me ajudou
demais nesse aspecto, assim, de, de resolver algumas coisas do passado que ficavam
martelando na cabeça. O que eu vou trazer de exemplo, é assim, com meu filho mais velho,
não é? Que eu tive uma decepção mesmo quando ele nasceu, só que ao mesmo tempo era uma
mãe muito responsável. Então ficou aquele jogo ali, mas difícil conviver com aquilo ali. Eu
achava que ele ia sofrer com as mesmas coisas que eu sofri, ele era baixinho, muito magrinho,
não comia direito, então tudo para mim... Eu sofria muito com aquilo de preocupar, que no
futuro que o menino com um ano de idade, eu já estava levando no médico por conta de
crescimento [risos]. Porque eu achei que ele ia viver tudo que eu vivi. Porque eu sou baixinha
também, não queria que ele fosse baixinho de jeito nenhum. E aí eu sofria demais com isso e
acabava que não vivia o presente por conta de ficar preocupada com o futuro, gerando essa
216
ansiedade toda, não é? E eu passei a olhar também ele de uma forma diferente, de... no aqui e
agora, de ver o que pode ser vivido agora. O que pode ser feito. Vou fazer a minha parte, vou
lá e levo no médico até hoje, toma remédio, faz esporte, então assim, eu fico mais tranqüila
nesse sentido. Eu estou fazendo o que eu posso, mas também se ficar com 1m 70cm, 1m
P: Você foi percebendo que ele, necessariamente, não precisa passar pelas mesmas coisas que
C: É. E ele mesmo fala: – “Mãe eu gosto de ser baixinho, eu quero é ser baixinho, se eu ficar
C: Joga [risos]. Outra questão que a terapia me ajudou foi a forma de ver a ex-mulher do meu
P: Você está falando que olhar de forma diferente a ex-mulher do seu marido foi ajuda da
psicoterapia?
C: Com certeza, não tem outra, não tem outra assim... eu acho que se eu não tivesse feito
P: Talvez você ainda estivesse sofrendo com essas coisas, não é, Janaína?
217
C: Provavelmente, eu acho. Eu acho não, tenho certeza. Acho que a psicoterapia foi
fundamental.
P: Até agora você já tocou em quatro coisas pelas quais você atribui as mudanças em
decorrência da psicoterapia: ser mais verdadeira, aceitar seu filho melhor, diminuir a
ansiedade, o jeito que você foi e está no casamento Nesta questão, você questiona até que
ponto a terapia ajudou ou não a relação, apesar de dizer que foi bom não simular mais. Neste
momento, você fala da ex-mulher do seu marido, é outra relação que a psicoterapia ajudou.
Em que sentido?
C: No sentido assim, acho que era um processo assim que eu transferia para ela toda a raiva
que eu tinha das atitudes do meu marido. Então, na terapia eu fui percebendo que ela é uma
pessoa que tem lá as qualidades e os defeitos dela, e antes eu achava assim que ela tinha
muito defeito, tinha o feito sofrer e fui vendo que não era bem assim. E eu fui vendo que não
é assim, ela é uma pessoa tem lá suas qualidades, seus defeitos, assim como eu também. E eu
acho que resolveu assim, como eu, também do nada, eu tirei essa coisa... do mesmo jeito que
C: Também. Com meu enteado. Eu tinha, assim, a sensação que eu tinha que tolerar ele, tal.
Sempre que ele ia lá para casa incomodava, tal. Só que eu também fui vendo. Eu estava
transferindo para ele uma raiva que eu tinha do pai dele. Eu não tinha motivo nenhum para ter
raiva... Uma criança excelente, muito educada, muito, assim, obediente. Nunca tinha feito
nada, super-respeitador, então eu não tinha motivo real para ter raiva dele, aquele incômodo
218
todo. E aí o que aconteceu, quando eu percebi, isso foi através da psicoterapia com certeza
também, que era tipo uma transferência que eu fazia da raiva que eu tinha do pai dele, de
algumas atitudes. Mas eu não queria ficar com raiva do pai dele, não é? Porque eu era,
digamos, sei lá, apaixonada, sei lá o que era [risos]. Então, eu não queria ficar com raiva do
C: E quando eu descobri isso a relação nossa se transformou. Assim, mais eu em relação a ele,
ele não, ele continua o mesmo. A mesma pessoa boa, educada, respeitosa... Ele continua o
C: Mudou. Porque aí eu converso mais, dou mais atenção, não tem aquela distância dele mais.
Porque era uma pessoa que estava na minha casa sempre, mas tinha certa distância.
C: Hoje ele faz parte da família. Tipo assim, eu imaginava se fosse morar comigo, Deus me
livre! Hoje se ele for morar comigo eu vou adorar. Inacreditável! [risos]. Tipo assim quem me
C: Total! [risos]. Até a psicoterapeuta falou uma vez que a gente tinha caminhado por todas as
áreas da vida, digamos assim... Realmente foi, eu acho que foi um processo assim, foi árduo,
foi muito tempo, mas, assim, quase foi completo, acho que não foi completo, acho assim
impossível. Mas acho assim, foi um processo completo. Na minha área profissional eu
também revi toda a minha profissão atual e consegui atitudes para ir atrás de uma outra
profissão que eu gosto. É a profissão que eu sempre tive vontade, que eu tenho desde a época
do vestibular, mas pelas circunstâncias eu não fiz Psicologia e tal. E, na terapia, eu tinha esse
lado, eu fui vendo o que realmente o que eu gosto de fazer. Por eu ter um emprego bom, era
um emprego para o resto da vida, eu fiquei um pouco acomodada, mas ao mesmo tempo me
incomodava também, de estar ali, de não fazer o que eu gosto. Fui questionando essas coisas,
não é? Aí eu fui... Eu tive esse apoio em você, de realmente avançar. Avançar e fazer. Foram
queria transferir para outro curso, para Psicologia, mas os horários não encaixavam, porque eu
trabalhava no banco à tarde, aí tinha estágio na época, não dava certo. Eu continuei o curso de
Contabilidade e terminei. E depois, em 2000, mais ou menos, eu fui fazer uma pós-graduação
na área de Recursos Humanos e fui trabalhar na área de Recursos Humanos também no banco
e parece que foi tudo casando, então juntou esse meu desejo de fazer o curso. Nessa pós-
graduação fiz uma monografia que falava muito assim, da pessoa certa no lugar certo, investir
nos pontos fortes ao invés de investir nos pontos fracos. Aí eu, já com esse hábito de estar
questionando, de estar me questionando: – “Aí, e eu? O que eu gosto de fazer? O que é meu
ponto forte?” Até aí eu não sabia, não é? Uma coisa assim que o jovem já sabe o que quer, o
220
que gosta, o que é o ponto forte... e eu era meio perdida, em todas as áreas da minha vida, mas
essa é bem clara assim... Apesar de gostar, eu não sabia se aquilo ali era um ponto forte meu.
Aí, tanto é que assim, eu pedi para minha terapeuta fazer uma orientação vocacional a gente
fez toda uma bateria de testes, de entrevistas, e tal, não deu em outra!
P: Deu Psicologia?
C: Área de humanas e eu concluí: lógico que é Psicologia, já era meu forte. Aí eu fui. Estou
no quarto ano. E assim felicíssima da vida, sabe? Acho que foi assim uma... é outro ganho.
Como se diz tem o preço, a gente paga a faculdade [risos], mas não tem preço também, assim,
o tanto que está sendo bom para mim, o tanto que... cada vez mais vai aprofundando mais no
curso. Este ano, estou fazendo estágio. Então assim, me encontrei mesmo na área profissional.
Hoje eu já penso diferente, já pensei em sair do banco, hoje eu penso assim: trabalhar seis
C: Se não chegar o pão da Psicologia também é uma coisa assim, que eu vou fazer por amor,
por prazer, por gostar e isso não tem dinheiro que paga... Essa é minha idéia hoje. E eu até
quero aproveitar o gancho assim, que eu acho que eu me tornei mais flexível com a
psicoterapia. Tipo... é... hoje... Hoje, hoje eu penso assim: – “Eu estou no quarto ano, vou me
formar, eu vou trabalhar, vou continuar trabalhando no banco seis horas”. Porque agora a
gente já tem essa alternativa lá. Então vou trabalhar seis horas e vou atuar na Psicologia fora
C: Rígida, rígida [risos] e rígida. É meio assim... Eu acho que eu era muito rígida, hoje eu sou
mais flexível, com certeza. Um exemplo que eu posso dar [pausa], um exemplo é assim, a
questão da... da minha doença mesmo, da diabetes, é uma doença crônica, não sei o quê... Eu
era muito rígida assim com ela: – “Ai, nossa”! Era o fim do mundo: – “Eu vou morrer, vou
amputar a perna, vou ficar cega”... Só via por este lado. Hoje não, já vejo que tem tratamento,
tem alternativa, pode acontecer, pode não acontecer. Então, não fico muito presa, naquela...
no pessimismo, naquela linha assim de... do fatalismo. Fatalmente vai acontecer, hoje não,
P: Você disse que quando descobriu sua doença passou por um processo de negação da
mesma. Disse que até hoje, muitas vezes, ainda nega sua doença, saindo do regime, por
exemplo. Agora, você fala da flexibilidade. Será que sair do regime não pode ser considerado
C: Eu ficava muito rígida assim, não posso comer isso, não posso comer aquilo e ficava
aquilo na minha cabeça o tempo todo. Hoje, até os pensamentos estão mais flexíveis, ora
estou pensando na doença, ora eu estou pensando no meu filho, ora estou pensando em sair
[risos], ora eu estou pensando... Antes eu era muito obcecada. Eu era meio obsessiva assim.
Eu fui obcecada com o problema do meu filho, não saía da cabeça, eu ficava obcecada com a
doença, então por aí vai... Hoje eu estou mais flexível mesmo, acho que é essa palavra
mesmo... Eu alterno ali, vejo a hora mais certa de fazer as coisas, de outras. Hoje eu estou
muito melhor. Não tem nem comparação! [risos]. Não tem comparação! E isso eu devo à
terapia.
222
observar sua evolução? Uma evolução que teve dor, que teve dificuldade, que teve
conquistas?
C: Vem uma emoção misturada. Vem assim alegria de ter conseguido, melhorado, estar
melhor. Mas vem também essa dor, vem a dor. Foi um processo penoso. Nossa, como foi!
Teve momentos terríveis mesmo. Assim, de mexer na ferida e eu acredito que... acho que
muita gente não dá conta, de mexer... De mexer na ferida, porque dói, dói muito, dói. Mas
hoje para mim tem aquela sensação assim doeu, mas... curou!
P: Valeu a pena?!
C: Eu acho assim, que tem que olhar para a dor, tem que entrar na dor. Enquanto fica de fora,
de longe olhando, não consegue viver, sentir, entender aquilo que realmente está causando
aquela dor. Uma forma de, eu acho que vem a questão da forma, uma forma diferente de ver
essa dor. Porque a dor existiu, existe, não é? Não tem muito que alterar, mas a forma com que
C: É. Ressignificar a dor, ver outros ganhos, outras perdas, que teve em relação a essa dor.
Mas é só no momento que você consegue entrar mesmo na dor. Enquanto fica de fora que não
C: Assumir e falar. É... sentir mesmo, sentir. Eu já percebi momentos que eu senti e que
depois vem o alívio, a sensação de alívio mesmo, sente e fala. Enquanto fica sozinha, só com
a gente, ela só vai aumentando, ela só vai aumentando. E assim, terapia eu acho que o veículo
mesmo é a fala, não é? Para você estar trabalhando a psiquê e tal. Então, eu acho que é isso, é
o falar, dividir, conseguir compartilhar com outra pessoa. É interessante que eu penso assim a
gente não consegue às vezes compartilhar com pessoas até de casa, de família, não é? E
C: Até então desconhecida... E eu acho que é esse que é o momento mais interessante da
psicoterapia. É você sair do dia-a-dia e vir para um lugar onde você pode falar, que tem uma
pessoa te escutando, não é? Eu acho que nisso você foi muito importante.
C: Só. Eu te sentia inteira, durante as sessões, realmente estava escutando. Eu tenho muita
dificuldade lá fora, lá fora da psicoterapia, de achar que as pessoas não estão me escutando.
Isso é muito ruim. A gente fica muito só, fica muito solta, perdida. Então, acho que desse
P: Quando você fala de ficar muito só lá fora, muito solta, me dá a impressão de que é
exatamente como você chegou à terapia. Muito sozinha com seu diagnóstico, muito solta em
224
relação ao diagnóstico da diabetes. O que precisou... o que alterou na relação sua com a sua
terapeuta que você foi tendo mais confiança, conseguiu se abrir e, conseqüentemente ficar
menos sozinha?
C: É engraçado que tem coisas que acontecem na psicoterapia que você não sabe explicar por
que [risos] acontecem... Acho que foi muito, mais em relação comigo mesmo, de ter assim
coragem de falar, eu tinha muita vergonha, muita vergonha... Eu era muito vergonhosa, hoje
eu sou mais extrovertida, eu era... às vezes, assim, eu era muito solta mesmo, no mundo,
perdida e hoje eu me vejo mais presente no mundo. Parece que eu não era eu. Eu era uma
pessoa... sei lá, solta... não tinha assim essa conexão comigo mesma. Hoje eu sou mais
P: Presente no sentido de ser mais responsável por você e pelo mundo, por estar mais inserida
no mundo?
C: Isso!... [pausa]. Você estava perguntando na questão da relação com a terapeuta... Eu acho
que chegou num ponto que era assim, eu pedi para sair da psicoterapia e ela me ajudou no
sentido assim: – “Olha, eu acho que não é o momento, as pessoas realmente têm esse
momento de querer sair”. Eu acho que foi nessa época que teve essa... essa sacudida dela, de
que eu não estava ainda... bem, que precisava olhar mais um pouco, tal... então, eu achei que
C: Minha postura mudou. Porque até então, eu achava que estava fazendo psicoterapia, que
era aquilo ali só. Não tinha mais coisa além para ir. E aí, eu tenho essa coisa assim comigo,
assim: às vezes eu não consigo perceber algumas coisas, mas aí quando fala [estala os dedos]
eu pego: – “Nossa é mesmo! Ela falou isso, está acontecendo isso...” Aí, eu começo a
dissimulada, entrando aos poucos – esse momento que você acabou de descrever. Quando
teve vontade de sair e paradoxalmente assumiu o processo de maneira mais envolvida; e, por
sofridas. Você disse que foi um processo quase completo. Vejo esses três momentos muito
C: Faz. Eu realmente... hoje quando eu olho o processo para trás, eu vejo dessa forma mesmo.
Que eu comecei... eu vim com a expectativa assim, digamos assim, que a psicoterapia ia tirar
C: Só que aquilo não foi acontecendo, assim, do jeito que era minha expectativa [risos]. Aí, o
que aconteceu, eu queria sair, mas aí você, com muita habilidade, me fez ver de outra forma,
que eu precisava caminhar mais. E foi aí que eu comecei a entrar mesmo no processo
psicoterapêutico, de olhar para as dores, ir atrás das minhas crenças, dos meus valores, o que
era meu mesmo, o que era do outro, não é? E foi um processo, teve um momento de profunda
dor. Eu entrei um processo de depressão, mas hoje eu acho que ele era necessário, era preciso
226
[risos]. Eu não ia sair dessa psicoterapia se eu não entrasse realmente nessa dor e não
olhasse... E tive um momento que eu senti mesmo que eu já tinha caminhado por várias áreas
da minha vida, que eu poderia estar saindo da psicoterapia, e eu mesma pedi pra... a alta, para
sair. Porque o trabalho psicoterapêutico, ele ainda continua... [risos] quando a gente [risos] a
refletindo, olhando para mim, para o outro, não é? Um conjunto de coisas para eu viver
melhor.
P: Ao te ouvir, percebo que você foca a entrevista em seus ganhos terapêuticos. Isso também
é nítido ao perceber a clareza com que você se descreve, mas eu gostaria que você verificasse
suas perdas terapêuticas. Se com a psicoterapia você perdeu alguma coisa significativa?
C: [Pausa]. Olha... Eu não considero perda. Eu não considero perda, assim, eu passei por
muitos conflitos na minha relação conjugal e tudo, mas por incrível que pareça, eu não vejo
como perda não. Eu não consigo ver assim, você foi falando, aí eu tentei pensar em alguma
perda, não consegui ver nenhuma perda não. Acho que mesmo nos conflitos a gente ganhou
muito. Tanto ele quanto eu. Era insustentável uma relação daquela, do jeito que era. A gente
está em conflito e tal, não sei o que ainda vai dar... Ora define por uma separação mesmo, de
fato e volta atrás, ainda está nessa confusão. Eu sei que está nessa confusão. Mas eu não estou
ficando ansiosa e nem apressada por causa disso não. Acho que é um momento que a gente
tem que viver mesmo, pode ser que reverta para uma coisa muito boa... essa crise, não é?
227
C: A verdade! É... Então, eu ainda não sinto segurança de falar: – “Acabou mesmo não tem
mais nada”... E também como estava, não tem condição de voltar... Até ele fala assim que eu
mudei muito, é engraçado assim, eu acho interessante esses feedbacks que ele me dá porque
C: Ele sente na pele essas mudanças, ele fala assim: – “Você virou outra pessoa. Você é
outra”! [risos]. Eu acho bom, e ele acha que eu acho ruim. Realmente eu sou outra! É bem
visível.
P: Qual a descoberta mais importante que você teve sobre você mesma?
C: [Pausa]. Eu vou focar nessa: a descoberta do meu relacionamento conjugal. Eu acho que é
uma descoberta importante. Não dava para viver mais de olhos vendados para a relação.
C: Pessoal é aquela que eu falei da psicoterapia de grupo onde eu percebi que eu tenho coisas
boas também, acho que minha auto-estima melhorou bem... Foi essa!
C: Ajuda demais. Achei que a terapia de grupo... que o contato com um outro que também
está em processo psicoterapêutico faz a gente ver a gente mesmo no outro. Na relação social,
o outro não está por conta de te ouvir, ou de me entender. O processo em grupo é muito bom,
ajuda demais. Principalmente essa autopercepção, de me ver no outro. Nossa! Tinha coisas
que acontecia no grupo que eu nunca tinha visto em mim, aí eu via no outro e percebia que
estava vendo no outro uma coisa que era minha. Às vezes, vinha mexer em coisas que eu nem
imaginava.
P: Acelerava o processo, pois trazia alguns assuntos que você não dizia na individual.
C: Não trazia. Eram coisas que estavam sumidas da minha vida e que de repente uma pessoa
P: Janaína, você tem mais alguma coisa que você lembrou, quer você quer falar? Que eu não
C: [Pausa]. Uai, eu acho que a questão da minha família – pai, mãe, irmãos. Eu mudei demais
P: Mudou como?
229
psicoterapia, a gente foi vendo que tinha muita influência da minha mãe em relação a esse
sentimento. Na psicoterapia, fui vendo que era um sentimento que não era o meu, de filha.
P: De filha?
C: De filha. Hoje eu olho para o meu pai de uma forma entendendo que realmente ele teve
muitos problemas, que ele não foi perfeito, mas que ele faz parte da minha vida, e eu aceito
ele do jeito que ele é. Eu sentia um ódio, uma raiva, quando ainda tinha expectativa de um pai
ideal. Na minha adolescência, infância, fui vendo que não era o pai ideal e ficando com raiva.
Hoje eu estou mais próxima e sei também como ele realmente é. E mesma coisa com a minha
mãe, eu também tinha raiva da minha mãe, do jeito dela ser. Hoje eu já aceito minha mãe do
jeito que ela é. E olhar para esses dois dessa forma me trouxe muita serenidade. Então eu me
sinto assim, uma pessoa mais serena, mais amável, sem muita amargura, sem muito ódio. E
outra coisa que eu queria falar também é do meu jeito de preconceito, de julgamento mudou
consegui elaborar isso e me policiar a não ter esse tipo de comportamento. E é muito
interessante essa questão mesmo de a gente não julgar, não ter esse preconceito e assim, hoje
C: Todo tipo... Até com relação a algumas atitudes, não é? Pessoas mais extrovertidas, mais
não sei o que, eu já afastava: – “Ah, aquela pessoa fez isso”... Coisa que eu não aprovava, eu
230
afastava. Hoje não, assim parece que eu consigo me colocar no lugar do outro, nunca é muito,
mas assim na maioria das vezes eu estou conseguindo não julgar mesmo, deixar... a pessoa
deve ter motivos para ser daquele jeito, tentar dessa forma. Isso me traz assim, um gostar mais
P: Eu imagino que o grupo terapêutico foi um momento importante no qual você conseguiu
ver várias pessoas diferentes tentando se mostrar verdadeiramente. Como você lidou com o
preconceito?
C: Enquanto eu estava falando, eu estava lembrando de uma situação no grupo que foi
interessante, que foi da bola de cristal [risos]. A gente fica pensando que tem bola de cristal, e
eu vejo hoje que isso na sociedade é demais. As pessoas o tempo todo estão adivinhando o
que está passando com o outro, não é? E eu falo, não gente não é assim... Eu até hoje levanto
a bandeira e falo não gente não é assim. Vocês estão fazendo uma coisa sem saber. Você tem
C: Já [risos], muitas! Já tive muitas bolas de cristal. E aquilo torna verdadeiro, não é? E você
vai montando aquilo vira um... às vezes assim... até nos relacionamentos da família, da
intimidade, a gente ficava com bola de cristal e, às vezes, fazendo um fantasma, uma
tempestade em um copo d’água, não é nada daquilo que você estava imaginando. É
interessante, acho que também me ajudou muito a psicoterapia. E isso eu acho assim muito
importante, é um jeito assim de viver... Tem coisas que a gente fantasia e não acontecem e a
C: Se a gente for falar, falar, falar, vão aparecer muitas coisas... Assim, uma coisa que eu
estava pensando aqui agora e que eu não falei, é a questão assim da minha timidez. Eu era
em pânico quando tinha que falar em público. E isso assim, na vida social, principalmente
trabalho, escola atrapalhava demais. Eu era uma pessoa que não perguntava em sala de aula,
não abria a boca, entrava muda e saía calada. Às vezes, com dúvida, às vezes, assim o
professor fazia um comentário, e eu queria acrescentar, eu ficava com vergonha de falar e não
falava, aí o outro colega vai fala o que eu falaria e era elogiado. Então assim, está até
interessante fazer o curso agora, digamos assim depois de um tempo, porque teve esse ganho
de estar falando em público, de estar pondo minha opinião, até de fazer graça, perguntar
quando tem dúvida e não ter vergonha, se o outro está achando se é uma dúvida banal, uma
dúvida assim...
mais ativa?
C: Ajuda, assim. Às vezes a teoria ali, não é? A gente vê que já aconteceu na prática e eu acho
que o interesse da gente melhora, do que aqueles alunos ali que não estão entendendo o que
está acontecendo, acho que ficam mais perdidos. Com certeza acho que ajudou sim. Você
conseguir materializar uma coisa que você já viveu na sua vida... Aí, assim, me sinto que
P: Essa frase é uma frase muito forte sua: – “Estou mais presente no mundo”.
C: Porque quando eu ia para a escola, para a aula, eu ficava solta, perdida, aquela coisa... Hoje
eu me sinto mais integrada ao que está acontecendo ao redor, comigo mesma, me sinto mais
segura [pausa]. [Risos]. Essa vida é engraçada... Não, e eu acho assim interessante quando eu
vejo outras pessoas de certa forma parecidas com o jeito que eu era.
C: Há um tempo atrás eu ficava muito ansiosa para aquela pessoa fazer o que eu fiz. Hoje não,
ela vai ter o momento dela, a hora que ela sentir vontade ela vai passar por isso e vai atrás...
Talvez ela nunca vá atrás, não é? E vai viver... e é dela, não é meu. Eu acho que vem é a
questão de saber respeitar o outro. Que é outro ganho da psicoterapia. Não era assim não
C: É. Eu tinha assim, achava que poderia controlar o mundo, controlar as pessoas. Hoje eu já
C: Isso tira um peso das minhas costas. Eu tinha vontade, mas não era por mal não, era tipo
assim um mundo melhor, uma pessoa melhor e tal, mas hoje eu vejo assim cada um tem seu
papel na sociedade. E eu não tenho esse poder e nem quero, porque não é eu. Aí assim com a
233
minha família, com meus irmãos, eu chegava ao ponto de tipo assim, procurar emprego para
minha irmã uma coisa que ela não estava nem querendo, entendeu? De tanta preocupação que
eu tinha com ela, ela tinha que arrumar um emprego bom, eu ia atrás para ela, aí até uma vez
que eu consegui, e ela não foi. Acho que foi aí que eu comecei a sentir que não é assim, que
não tenho esse poder, que as pessoas têm que realmente caminhar com as próprias pernas. Na
minha relação com o meu filho, de não deixar ele sofrer, ele vai passar por algumas coisas, ele
C: E aí confirma aquilo que eu estava te falando que o meu processo psicoterapêutico foi um
caminhar em todas as áreas. Que vem um pouco assim, do meu jeito de ser. Quando eu não
consigo parar sem chegar perto de uma coisa ideal, uma coisa mais assim, mais completa,
senão não fico satisfeita [risos]. E aí eu já descobri que isso não tem muito como mudar, que é
P: Hum, hum.
C: Que eu tenho que conviver com isso e saber que tem o lado positivo disso também. Às
vezes eu escuto: – “Ah, não sei quem largou o processo de psicoterapia, saiu”. Aí eu
pergunto: – “Será que estava na hora? Será que está completo”? Às vezes, dá aquela sensação,
poxa, mas se tivesse mais um pouquinho, talvez tivesse sido melhor. Eu recomendo terapia!
[risos].
C: Tô. Tô gostando. E trabalhando essa questão mesmo da frustração, não é? Porque tem hora
que a pessoa não que participar do processo. Tem pessoas que não assumem o tratamento,
mas eu estou sabendo que nem todo mundo adere ao tratamento como eu aderi um dia... E ela
P: Enquanto estávamos despedindo Janaína lembrou de um fato que ela vai compartilhar, pois
C: Foi a questão de eu ter resgatado a minha parte mais jovem. Uma vez eu fui a um
psiquiatra e ele comentou que eu estava me comportando como uma velha. A doença era de
velha, a minha indisposição para o trabalho, como eu me comportava era de velha. Eu estava
nessa época em um processo de depressão bem profunda, mas ele falou e eu achei que
realmente tinha sentido. Com isso eu fui vendo o quanto eu era velha, realmente muito velha.
E, na psicoterapia, eu fui ligando o que tinha ouvido no médico com o que a psicoterapeuta já
me falava... até o meu jeito de vestir era de velha. Eu tinha 34 anos e já queria me aposentar,
não trabalhar mais, deixar de fazer coisas que não estavam compatíveis com a minha idade.
Eu percebi que até o meu jeito de vestir e eu atribuo esse meu jeito velho à questão do meu
marido ser dez anos mais velho do que eu e que também tem um comportamento de pessoas
mais velhas, mais sérias e tal. E eu fui vendo que, para acompanhá-lo, eu também era mais
velha, mais séria, mais fechada... principalmente perto dele. Eu fui vendo na psicoterapia que
eu tinha outros lados, um lado de moleca [risos]. Esse lado da moleca, como você nomeou, é
muito gostoso. Eu tenho certeza que isso me ajudou de mais a ser mais feliz, a ser... Eu senti
que isso estava adormecido em mim, essa moleca, essa vitalidade, essa pessoa mais jovem...
235
Estava adormecido. Só que foi despertado e eu fui resgatando esse lado, um lado que era meu
P: Como você lida atualmente com a velha e a moleca? Como elas convivem? Vejo-te hoje
bem moleca na sua roupa, no sorriso... É jogo do Brasil, está de blusinha verde, pulseiras
verde e amarelo...
C: Então, esse é o lado moleca mesmo e que eu consigo assumir esse lado. Em outros jogos
atrás, eu não tinha isso não... de colocar um verde, um verde e amarelo. Eu tinha vergonha,
aquilo que eu estava falando da insegurança. Hoje eu consigo ser eu mesma. E esse lado
moleca eu tenho mesmo e acho bom. Eu gosto dele [risos]. E a velha... a velha... eu acho que
ela morreu [risos]. É muito prazeroso ser realmente o que a gente é. Porque aquela velha era
muito chata, muito ranzinza, muito pesada, muito para baixo, me deixava muito triste... Hoje
eu viajo sozinha... [risos] e é engraçado que a gente encontra velhos, com a idade de velhos,
fazendo isso...
C: É, não é a idade, é o espírito. Hoje estou mais para o lado adolescente, de moleca e eu
tomei consciência que não gosto do lado da velha e que eu me sinto melhor assim. Estou mais
P: Obrigada por mais essa contribuição, por essa lembrança de algo que considera
significativo.
236
Anexo 4
ENTREVISTA – MARCOS
03 de julho de 2006.
P: Marcos, como que foi o processo psicoterapêutico para você? Conte um pouco dessa
vivência.
C: Eu fiz terapia durante mais ou menos sete anos e meio. Segui a linha Gestalt e fiz terapia
com uma pessoa só. Então, a minha experiência, ela é referente a uma única linha, eu não
experimentei outras... Outras linhas, outras pessoas e tudo mais. Eu me dei muito bem,
sempre me dei muito bem com a que eu fiz. E aí, quando você me ligou e me falou qual era a
pergunta, qual era a proposta, eu vim me perguntando assim: – “Gente, como é que eu vou
responder isso”. E... e assim, uma das respostas que eu tive foi que a terapia, ela me ajudou
enxergar as partes ruins e saber o que eu podia fazer com isso. E tentar encontrar dentro de
mim as coisas, as respostas para essas coisas. Para minhas dúvidas, para minhas angústias. Eu
entrei no processo terapêutico com muita angústia. Um dos motivos que mais me levaram a...
a isso, que me levou ao processo, foi a angústia. E aí a angústia em vários níveis: no nível
cada personagem, cada papel que esses personagens representavam para mim e como eu
Então, assim, ter feito terapia é uma coisa que eu sempre brinco para todo mundo
assim: eu criei um terapeutazinho dentro da minha cabeça. E... aquela voz que me produzia
angústia ela foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza sobre as coisas. Então,
assim, é uma voz que continua fazendo perguntas, mas ela hoje me indica, hoje eu consigo
238
entrar nos meus momentos de angústia, como sempre, porque é uma coisa minha, mas eu
consigo ter calma e clareza para entender por que eu estou entrando, o que eu quero com isso,
mudar a situação ou se eu quero simplesmente pedir um tempo. Então, antes eu não conseguia
fazer isso, antes de começar a fazer terapia. E o que a terapia me ajudou perceber que existem
algumas coisas que são humanas mesmo, que eu vou ter isso sempre. Eu tenho que aprender a
lidar com essas coisas. A encarar, a olhar e falar: E aí? Por que você veio? Qual que é a
proposta? O que você está a fim de mim? Entendeu? Por que eu? E antes não. Antes, eu
deixava... Eu fazia piadas das minhas mazelas e não conseguia resolver. Tem um exemplo
claríssimo nesse processo. Eu acho que eu jamais estaria sentado aqui, dando entrevista para
você, se eu não tivesse feito terapia, se eu não tivesse passado por esse processo terapêutico.
Porque uma das coisas que eu sempre trabalhei com a minha psicoterapeuta foi como eu me
ouvia. E eu sempre me ouvi muito mal, eu sempre tive vergonha do meu jeito de falar, eu
sempre tive vergonha da minha voz, eu sempre fugia dessas situações. E a terapia me ajudou
a... a não só me enxergar, me ajudou a me ouvir. E aí quando você me ligou hoje e disse: –
“Olha, a gente pode marcar para hoje, e a gente pode marcar para depois”. Não! Se a gente
tem que fazer isso, então vamos fazer. E foi a primeira entrevista que eu não fugi... foi essa.
Então, assim... E é muito legal eu não ter fugido dessa entrevista, porque fecha mais um ciclo
para mim, de estar me ouvindo e de estar contanto a minha história. Então, assim, mudou,
minha voz mudou, meu jeito de falar mudou? Não. Mas o meu jeito de me ouvir, o meu
entendimento sobre isso, mudou. Então, o processo me ajudou a não ficar fugindo. E me
algumas experiências. Então, a terapia me ajudou a olhar mais para meu pai, a olhar mais para
minha mãe, a olhar para minhas relações. Olhar de verdade mesmo, me ajuda até hoje, sabe?
239
P: Como você olhava para suas relações e como você as olha atualmente?
C: A terapia me ajudou a identificar os meus personagens. Então, eu não conhecia o meu pai
de verdade, eu não conseguia olhar para ele, quem era essa figura. E eu me lembro que uma
vez eu estava preparando uma festa minha de aniversário, e a gente estava enchendo balão e
tudo mais, era meu aniversário de 27, 28 anos, uma coisa assim. E meu pai estava sentado
comigo, no meu quarto, enchendo balão. E, de repente, eu me toquei que era uma companhia,
era uma presença, que eu queria muito perto de mim, e que eu só fui ter aos 27, 28 anos de
idade. E trouxe isso para a terapia, a gente trabalhou isso e eu tive coragem de chegar pro meu
pai depois e conversar com ele sobre isso. E dizer o quanto que aquele momento tinha sido
importante e, para mim, tinha valido muito mais do que... para mim, valeu muito mais guardar
essa lembrança no lugar daquele vazio que eu tinha do meu pai ausente na infância por n
motivos e tudo mais... Então, não dava para preencher aquele espaço porque o tempo já tinha
passado, mas dava para experimentar uma situação nova, dava para ter ele do meu lado.
Então, não era ficar preso num vazio é..., mas era saber que eu poderia ter ele de uma outra
forma, mais velho, com as limitações, não soltando pipa comigo, mas enchendo balão no meu
aniversário ou tomando cerveja comigo. Entendeu? Com a minha mãe foi redimensionar
papéis. Assim, ela não era minha esposa mais, e eu assumi o papel de filho. E não o papel de
marido, e não o papel de tutor. Então eu fui fazendo uma releitura da minha família.
abandonado procurando ajuda do pai, que era o objeto do abandono, que era quem tinha me
para a mãe e dizendo: – “Olha, você não é minha mulher, são coisas que meu pai tem que
resolver, eu tenho meus problemas de filho”. Então, era eu ir assumindo os meus papéis e ir
descobrindo os meus limites, dentro da minha... dentro da minha estrutura familiar. O mesmo
foi com minha irmã, o mesmo aconteceu com minhas relações e... A terapia me ajudou muito,
me ajudou muito na minha história de... de sete anos com a minha relação amorosa... de eu
conseguir... Eu acho que a palavra é libertação. De conseguir olhar para mim e dizer: – “Você
merece andar mais, você merece ir mais além e você tem todas as condições para ir além”. E
não ficar me apoiando, e não ficar me prendendo em... uma pessoa. Então assim, não é pelo
quesito nem pelo sentimento, eu entro no quesito medo. De pegar uma pessoa e de colocar ela
na minha frente para me salvar. Para que eu não tivesse medo. E à medida que a terapia foi
me dando coragem para me mostrar, foi me dando coragem para ser aquilo tudo que eu
sempre quis ser. A terapia não trouxe nada de novo, a terapia só me..., ela só me abriu as
portas, as minhas portas, para eu ser aquilo que eu sempre tive vontade de ser e fazer. Acho
que eu preferia espelhar nos outros e não..., não olhar para mim e não me dar oportunidade
para fazer isso. Então quando eu vejo a vida que eu consegui para mim hoje, era tudo que eu
C: Hoje a minha vida tem a minha cara, sabe? Ela tem a minha cara. Ela tem altos e baixos.
Eu continuo sendo a mesma pessoa que passou anos aqui fazendo terapia. Não mudou. A
minha essência é a mesma. Eu vou continuar parando e olhando para uma figura no meio da
Avenida Paulista e vou me emocionar, e vou querer saber por que ela está ali, o que leva ela a
estar ali, a estar na rua, a n coisas. Porque isso é meu, esse olhar é meu. E eu aprendi a dar
valor para isso e uso isso, uso isso no meu trabalho hoje. Eu não usava.
241
P: Como assim?
toda, eu comecei a editar, eu editava matérias e tal. E eu me lembro que eu pegava as matérias
e eu tinha uma determinada idéia para aquilo, para resolver a matéria. E aí, eu ia para ilha,
passava semanas trabalhando aquilo e quando eu assistia à matéria, não era aquilo que eu
tinha pensado para a matéria. Até o dia que meu editor chefe chegou e falou assim: –
“Marcos, você tem que criar, você tem que ser mais criativo, as suas matérias são boas, mas
elas são duras, elas são secas, você precisa ousar um pouco mais”. E um comentário desses
me sentir um inútil, eu ia me sentir um incapaz. E a única coisa era que assim, eu sabia que eu
tinha aquilo que ele estava me pedindo, mas eu só tinha medo, só tinha vergonha e aí eu
comecei a soltar. E é incrível, hoje quando eu assisto as minhas matérias, eu consigo ver
criação...
C: O meu sonho era editar uma matéria e fazer alguém chorar vendo minha matéria. E eu
consegui isso lá. Eu consegui chegar na redação, era uma matéria sobre... na verdade foram
duas matérias: era uma matéria sobre o Ayrton Senna e uma matéria sobre uma denúncia de
notícias de gente daqui de Goiânia e gente de lá de São Paulo que veio e me abraçou na
redação e falou: – “Eu chorei na sua matéria”. Aquilo foi maravilhoso! Porque, assim, era eu
conseguindo me colocar no meu trabalho, aquilo sou eu. Sabe, assim? Eu me assistindo, eu
242
consigo me assistir. Não sou eu fazendo uma matéria porque os outros querem e era o que eu
fazia. E agora não, agora eu consigo soltar a minha emoção também no meu trabalho. Porque
eram duas coisas muito separadas: eu era muito sério no meu trabalho e aí eu guardava a
emoção muito para mim. Meu exercício de... de regar mesmo o resto da minha vida com a
minha emoção. Não deixar ela só guardada em um determinado lugar. Então assim, a terapia
me fez fazer os exercícios. E é louco, porque eu falava para minha terapeuta que eu não ia
fazer isso, que eu não ia conseguir fazer isso, nunca. Porque era tudo difícil. Quando eu
levava as tarefinhas para casa, eu achava impossível ficar prestando atenção no meu jeito,
lembro que eu falava para a terapeuta: – “Eu não vou conseguir, é muito difícil, isso nunca vai
fazer parte de mim”. E ela falava que sim, que com o tempo isso ia ser absorvido e que eu
nem ia perceber. E é realmente isso. Então, assim, hoje eu consigo fazer minha leitura
corporal, eu consigo fazer... É... eu sei exatamente os meus momentos em que eu preciso do
meu momento e consigo falar: – “Agora, gente, me desculpe, mas eu preciso ficar comigo”.
Eu não vou me expor a uma determinada situação que eu não tenho condições de enfrentar.
Eu não me jogo mais em uma situação em que eu sei que eu posso sair muito machucado.
Então, eu me preparo para ela e enfrento. Então assim, eu aprendi a relação do tempo, não dá
Então assim, o que me manteve muito em São Paulo no meu início, é... porque eu
abandonei tudo, eu mudei de uma cidade para outra, eu larguei um trabalho de nove anos, eu
larguei uma relação de sete anos, eu larguei uma família que eu sempre morei, eu larguei a
terapia, eu larguei uma vida que eu tinha construído com muito tesão, com muito prazer e
parti para uma etapa nova. E com muito medo de não dar certo, com muito medo de dar
errado, querendo um resultado muito rápido. Mas essa noção de tempo, de espera, de
paciência que a terapia me ensinou, que eu aprendi ao longo da terapia é... foi um dos
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melhores suportes de eu tive. Então assim, eu tive as minhas crises homéricas de choro. Eu
construí um espaço na minha casa que eu apelidei de choródromo. Então, tem assim um
banco que eu coloco ao lado da janela da área de serviço, que é uma janela gigante e eu tenho
uma visão extremamente urbanóide, prédios e prédios e prédios e prédios. E aquela era a
imagem que eu sempre quis para mim, eu sempre quis morar em São Paulo, eu sempre quis
viver este estilo de vida. Então, eu me lembro que quando eu entrava em crise, eu sentava no
banco e chorava, olhando para a realização do meu sonho. Então, eu chorei de saudades do
meu pai, eu chorei de saudades da minha mãe, eu chorei de saudades de Goiânia, do meu
trabalho, de mim, de como eu era aqui. Mas eu sabia que isso era parte de um processo de
mudança, um processo de despedida... Então, assim, eu fui dando tempo para ver como as
coisas iriam caminhar. E eu levo a terapia como uma das coisas mais importantes, assim, eu
problemas. Eu sou defensor número 1, porque... porque assim, é um tempo que eu tive para
mim, que foi muito importante. É... é um processo que me ajudou a ter muita consciência de
mim. Eu sinto falta de fazer terapia hoje, deve ter um ano e meio que interrompi a terapia. Vai
fazer um ano, tem um ano que eu fui para São Paulo e eu sinto falta de fazer porque eu
reconheço que com a vida que eu levo hoje, o que eu experimento hoje em São Paulo, no meu
crescimento, e muito. Porque o que eu consigo como leigo, ler hoje, o que eu consigo
assim, seria muito legal, estar ali trabalhando nesse momento que eu julgo muito importante
na minha vida. Mas eu carrego para mim um kit básico de terapia, sabe assim? Regrinhas
C: As minhas regrinhas básicas: eu sempre dou uma segunda chance. Foi uma das primeiras
coisas que eu aprendi na terapia. Eu dou uma segunda chance quando eu conheço uma pessoa
e eu não vou com a cara dela. Eu não me fecho, porque se alguém me incomoda isso ... isso
me chama a atenção e eu sou levado a querer entender por quê. Então eu dou uma segunda
chance, sempre. Eu não tenho medo nem vergonha de falar das minhas fraquezas e das
minhas inquietações, das minhas angústias, eu não tenho medo. Então, assim, o que eu
meus defeitos, e avisar para a outra pessoa que eu tenho os meus limites, isso não me coloca
numa posição inferior, como eu achava que era, isso me coloca numa posição humana. Sabe?
De dizer que eu tenho os meus limites e que a pessoa precisa respeitar os meus limites. Então
isso é uma regra básica que eu não fazia. Eu aprendi a... Eu sempre me pergunto se isso vai
atitude, por mim. Se sou eu que quero fazer isso, porque, se eu tiver consciência de que eu
quero fazer, mesmo se der errado alguma coisa eu não vou responsabilizar ninguém. Foi uma
coisa minha, foi um processo meu, eu resolvi, eu fui. E, então, não há sofrimento. E, se há
claro que tudo isso leva tempo. Então, assim, eu não tomo uma decisão da noite para o dia.
Então eu penso, eu converso com outras pessoas, desabafo, lá, lá, lá, lá, lá, lá, e depois eu
tomo minha decisão. Eu não faço essas coisas sozinho, eu aprendi a dividir também.
Então, são essas coisas: eu dou uma segunda chance, eu olho para mim, eu aprendi a
me cuidar, eu aprendi a perguntar para a outra pessoa, a pedir para a outra pessoa se colocar
no meu lugar, eu aprendi a me colocar no lugar das outras pessoas. Então, a experimentar um
pouco a dor do outro, e entender, e tentar entender as mazelas. Então, aquele cara que é muito
grosseiro no trabalho, eu prefiro lidar como ele tem os motivos dele para ser grosseiro. Se ele
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quer expor ou se ele não quer expor aí é uma outra história. Entendeu? Mas ele tem lá as
razões dele para ser daquele jeito. E aí se incomodar aí eu quero entender pelo menos comigo
porque que ele me incomodou. Se é porque me lembra meu pai, se é porque me lembra não
sei quem. Então, eu aprendi isso, a me ver primeiro. Eu tenho um caso legal que é... Quando
eu passo por uma situação de estresse, ou que alguém briga comigo ou que eu fico chateado
com alguém e tal. Eu aprendi nunca apontar o dedo para a pessoa, eu aprendi dizer para ela
como eu me senti com aquilo que ela fez. E não recriminar por aquilo que ela fez. Mas eu
aprendi isso e eu exercitei isso muito tempo no meu processo terapêutico, que era dizer como
eu estava me sentindo diante de uma determinada situação. E, Celana, como isso funciona!
Como isso é impressionante! E como isso me coloca numa situação, muitas vezes, de uma
coragem extrema. Então assim, eu fico muito... Eu indico todo mundo que eu converso, que
me perguntam sobre isso: – “Nossa, mas às vezes você tem uma clareza tão grande das coisas
e tal”. Eu faço propaganda, assim – “Olha, eu fiz terapia e, tem um detalhe, se eu não tivesse
preparado pra esse mergulho dentro de mim, eu podia estar há dez anos fazendo terapia, que
eu não ia fazer, é uma viagem que depende de mim. Se eu estou disposto a me ver, se estou
disposto a encarar, se eu estou disposto a chorar e tudo mais, eu vou em frente”. Então assim,
eu continuo, eu faço questão de dizer isso, que eu continuo vivendo meus períodos de
angústia, eu continuo vivendo as minhas crises de auto-estima, eu continuo com todos, todos
eles, mas todos eles agora têm o seu lugar específico e a gente consegue sentar e... A gente
Então, eu achei que a terapia fosse me livrar desses fantasmas e me colocar num
com um monte de coisas. Então assim, ela ia me proporcionar a enterrar alguns fantasmas, a
enterrar alguns assuntos, que faziam questão mesmo, sabe? Que não tinham motivos para
estar ali mais. E manter uma convivência pacífica com outras coisas, porque algumas coisas
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são minhas e elas vão ficar comigo, então, eu tenho que cuidar bem, porque elas fazem parte
de mim. Então, isso eu aprendi, isso eu... Eu me sinto leve. É louco isso... Sabe? Mas, eu
consegui fazer uma releitura da minha vida enquanto eu fiz terapia e, hoje, eu consigo me
enxergar muito melhor, muito, eu consigo me ver muito melhor, eu consigo identificar
C: É uma delícia. É uma delícia. Dá medo, requer cuidado, mas é extremamente prazeroso me
ver circulando. É extremamente prazeroso ver irradiando, sabe, assim? E conseguir ver o
reflexo. É emitir e ver de volta. E não fechar o olho quando vê de volta, sabe? Então, assim, é
me mostrar, sem medo de me mostrar, e conseguir olhar para as pessoas e ver que elas gostam
de mim. E ver que elas admiram algumas coisas, que elas são ponderadas com outras, que
elas não gostam de outras. Mas olhar e falar: – “Gente, isso tudo sou eu”! E não ficar sentado
falasse”. É ir e fazer. E saber lidar com o que eu tenho de volta, que às vezes não é fácil.
Então, assim, é maravilhoso você chegar e falar, mas você tem que estar preparado para o que
você vai ouvir de volta, o que você vai receber de volta. E a terapia me ensinou a lidar com
isso que vem. Porque é legal você fazer, é legal você pôr para fora, mas o maior trabalho é em
como você vai lidar com o que você pega de volta, com a reação daquilo que você faz. E um
dos grandes exercícios que eu faço até hoje é exatamente esse, é como lidar com as coisas que
vêm para mim. Que são muito fruto das coisas que eu faço, são reflexos das coisas que eu
faço. E antes eu ignorava completamente, eu deixava passar, como se isso não fizesse parte de
mim. Como se eu tivesse só que dar para as pessoas e elas não tivessem que fazer
absolutamente nada em troca. E hoje eu sei que elas fazem em troca. E aí eu sento e recebo. E
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assim, eu não tenho mais medo de chorar, eu não tenho mais medo de sofrer, porque eu sei
que é tudo processo. Eu aprendi como é que as coisas funcionam [risos]. Eu aprendi como
funciona, que você tem que deixar as coisas virem. Aí eu simplesmente... é... ouvir e... e pegar
para mim o que é bacana, entender o que não é bacana. Uma palavra: eu acho que é respeito,
sabe, assim? A terapia me ensinou o respeito comigo e o respeito com o outro. É isso! E aí
Porque você magoa menos e você é menos magoado. É isso! Você machuca menos e você
sofre menos. Então, eu acho que se a gente puder fechar, o meu fechamento é esse.
P: Com o respeito?
C: Com o respeito. Eu aprendi respeitar e pedir para as pessoas que façam a mesma coisa
comigo. Algumas conseguem mais, outras conseguem menos. Às vezes, com mais facilidade,
às vezes, com menos facilidade, às vezes, dói mais, às vezes, dói menos. A dor ainda existe, a
ansiedade ainda existe. Mas aí, quando você senta para conversar com a outra pessoa e está
disposto a respeitar, flui, é humano. Então, é bonito. E eu sempre achei isso maravilhoso.
Então, é isso, a gente fecha com duas palavras [risos]: tempo e respeito. É isso: é o respeito
P: Marcos, você tem algo mais que gostaria de compartilhar sobre seu processo
psicoterapêutico?
C: Olha, Celana, gostaria de falar sobre a terapia de grupo. Fazer parte do grupo para mim foi
uma experiência bem bacana. Antes, eu preciso te falar que eu tive muito medo. Precisei ser
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muito bem convencido pela minha terapeuta a fazer parte do primeiro grupo. Depois, disso,
ah, foi uma festa! Não parei mais de fazer terapia em grupo. Mas sempre acompanhado pela
terapia individual. O grupo, pra mim? Foi um terror no começo. Não sabia como agir, como
lidar com as pessoas. Comecei achando que seria um fracasso. Mas, no final, o grupo acabou
me ajudando a me entender diante das pessoas. Não é nada fácil ficar sentado ali contando as
minhas neuras para um monte de gente estranha. Mas, com o tempo, eu fui me acostumando,
outro. Respeitar o tempo das pessoas. Cada um funciona de uma forma. E eu não entendia
isso. Tudo tinha que ser do meu jeito e resolvido no meu tempo. No grupo era bem diferente.
Cada um funcionava à sua maneira. Ai, que delícia fazer parte daquelas histórias! Sabe que
falando assim, até me dá saudade de voltar a fazer parte de um grupo. Se eu pudesse comparar
com alguma coisa, o grupo seria mais ou menos o meu ritual de passagem para o mundo real.
Aprender algumas regrinhas básicas e depois sair por aí colocando em prática. E não é que
funcionou? [risos]. No começo, eu duvidei. Mas quando vi, já estava virando uma vítima
saudável da terapia em grupo. Essa sem dúvida foi uma experiência incrível na minha vida.
C: Eu... eu vim com medo de... Aí, meu Deus, eu vou abrir um monte de coisas e não sei o
quê... Mas eu fiquei muito feliz de chegar aqui, muito. E de olhar e receber as pessoas como
amigos, assim. E é muito prazeroso passear pela minha história. É muito prazeroso. É como
passear por Goiânia. Assim, eu peguei o carro e andei. Fiz o caminho mais longo para chegar
aqui e fui vivenciando isso. Às vezes, eu fico preocupado, falo assim: – “Ah, eu estou
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começando a ficar triste”. Mas é isso! É assim, essa tristeza vai me fazer bem? Ela vai, porque
é um saudosismo gostoso. Então eu deixo vir isso. Então, esse passeio que a gente fez por sete
anos e meio de terapia, é exatamente isso. E dá saudade de sentar naquela salinha? Nossa!
Muita saudade! De relembrar, de vir, chorar, entrar no carro e ir embora chorando, lá, lá, lá.
Eu não sei se eu faria isso de novo. Não sei se eu sairia e entraria no carro com esse choro.
Porque esse choro, ele se encaixa com aquele momento, e agora, é outro choro, é outra
momento maravilhoso e... e é isso. De fechar e falar assim: – “Cara, como eu consegui
P: Marcos, você percebe no seu processo psicoterapêutico alguma coisa que a terapia te
prejudicou?
C: Tem uma coisa, que eu não dou esse peso. Eu não dou esse peso, porque eu acho assim: o
que a psicoterapia fez é o mesmo que o teatro, é o mesmo que a dança, é o mesmo que o
cinema, é o mesmo que qualquer tipo de arte faz com quem resolve entrar nesse espaço. À
medida que você tem mais conhecimento, você enxerga mais e você está passível de sofrer
mais por isso. Então, assim, se eu não tivesse feito terapia, eu não teria entrado em contato
com um monte de coisas que me fez sofrer muito na época, e eu não enxergaria coisas que eu
enxergo hoje e que às vezes me colocam em situações muito complicadas comigo. Eu faria
vistas grossas porque seriam situações desconhecidas para mim. Mas é a mesma coisa de eu
lidar com qualquer outro tipo de sensibilidade. Então, se eu invadir qualquer ramo das artes,
eu vou aguçar, qualquer pessoa que faz isso aguça a sensibilidade e passa a sofrer mais por
isso. Então, eu não trabalho nesse ponto de ser pejorativo, assim, de tornou a minha vida, foi
ruim para mim. É uma escolha que eu fiz logo nas primeiras sessões: – “Eu vou me entregar
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provavelmente eu não teria sofrido com algumas coisas. Mas ter sofrido e ter superado, hoje
valeu à pena. É como eu ir ao teatro e não entender absolutamente nada da peça. E ler um
livro, estudar sobre o assunto e depois ver a peça novamente. E falar: – “Nossa, como eu não
vi isso na primeira peça”. É exatamente isso. Então, eu não considero que seja... ruim. Eu
considero que seja doloroso. É como colocar aparelho nos dentes, é como fazer dieta. É isso.
Você vai sofrer, tem hora que você vai querer arrancar tudo, pegar tudo e jogar o terapeuta
pela janela. Mas, depois você vai dar um sorriso no espelho e fala: – “Nossa, graças ao
aparelho, o meu sorriso está melhor”. É isso, assim, o meu sorriso ficou muito melhor com a
terapia. E doeu colocar o aparelho. Então, eu não acho... eu não considero que seja ruim,
C: Eu tenho 31 anos.
Anexo 5
ENTREVISTA – LUÍSA
08 de julho de 2006.
C: Eu comecei, tinha 16 anos, era uma adolescente... Vou fazer 23! Estava, assim, meio
perdida no mundo, confusa, com briga em casa, cheia de conflitos mesmo. A terapia foi mais
uma ajuda mesmo, alguém de fora que eu precisava para me ajudar. Eu tinha brigado com a
minha mãe, ela tinha me expulsado de casa, enfim... E foi, eu acho que foi fundamental nessa
fase da minha vida, porque... me ajudou a aceitar quem eu era, porque eu não aceitava, não
conseguia aceitar minha realidade. Não conseguia aceitar minha família, não conseguia
aceitar quem eu era, não conseguia aceitar onde eu estava mesmo, queria viver uma vida que
não era a minha. Era um conflito muito grande. E a terapia me ajudou nesse ponto, nessa
época muito importante, numa época de muita decisão: escolha da profissão, de saber mais ou
menos o que queria da vida, e eu não tinha nem maturidade para isso.
C: Eu não sabia reconhecer quais coisas eram de verdade, era como se eu tivesse em um
processo de negação. Eu não queria aquela vida que eu tinha, sabe? Eu não queria aquela mãe,
eu não queria aquele pai, não queria aquela situação, não queria... sabe? Minha vida era uma
constante fuga nessa época. Tanto que eu vivia mais na casa de amigas do que na minha
própria casa. Não me sentia em um lugar meu, o que era meu eu não sentia que era meu. A
psicoterapia me ajudou a ir vendo isso, aos poucos. Vendo quem eu era e que eu tinha que dar
252
valor, que era bom, que não era ruim como eu achava... Então, acho que foi importante... até
para começar a entender o lado do meu pai, da minha mãe, não é? Principalmente da minha
mãe, que era com quem eu tinha mais conflito naquela época. Então, foi mais esse processo
de começar a entender ela, ver que ela também tinha as dificuldades dela... E ir aceitando aos
poucos o que a vida me oferecia, olhando para o que eu tinha. Então, eu acho que a
psicoterapia foi fundamental nisso, mas primeiro eu tive que ver, não é? Porque eu nem
queria ver o que eu tinha. Então, primeiro eu tive que aprender a ver o que eu tinha, quem era
a minha mãe, quem era meu pai, quem era eu, onde que eu estava, qual que era meu lugar,
não é? Para aprender a conviver com isso. Então, nesse começo eu acho que foi mais isso.
Outra coisa que a terapia me ajudou foi a questão da escolha profissional, porque
chegou uma fase que eu estava muito perdida... foi logo no segundo grau [ensino médio] me
tinha que escolher uma profissão. E aí, entra aquela história, o que realmente eu queria e o
que eu queria provar para os outros. Porque tinham coisas que vinham na cabeça que eu
queria fazer simplesmente para provar que eu era capaz, outras coisas que minha mãe queria
que eu fizesse. Então, foi assim imprescindível para ver o que realmente eu queria, o que era
para mim e o que era para os outros. Então, nesse ponto se eu não tivesse feito terapia aquela
época eu poderia estar frustrada, fazendo uma coisa ou outra sem ter a menor noção de quem
eu era e do que eu queria, poderia não estar feliz. Então, nesse ponto, nessa fase, a
Nessa época também eu comecei a namorar, um namoro que dura até hoje. E foi muito
assim... acho que se eu não tivesse a terapia também, não teria sido uma relação saudável
assim, porque eu era muito menina e problemática. E a pessoa que eu encontrei veio de toda
uma história problemática familiar e estava com problemas na época, sempre nosso
relacionamento passou por problemas na família dele. Então, assim, se não tivesse a
psicoterapia... se não fosse esse lugar, essa válvula de escape, esse lugar para me ajudar
253
mesmo a olhar sem tanto... sem radicalizar tanto, sem fantasiar demais, olhar, assim, de
verdade. Eu tinha uma tendência muito grande a... a ser submissa, a subjugar, a ficar
dependente, a ser dependente dessa relação, achar que essa relação era tudo na minha vida,
depositar minha vida inteira nessa relação e eu sofri muito, muitos anos nessa relação. E nesse
lugar que eu consegui ter, assim, um insight de que eu tinha que ter minha vida, que eu tinha
que ser mais eu, foi também na terapia. Eu acho que se não fosse a terapia ou era uma relação
muito frustrada, muito ruim, ou não tinha mais essa relação. Acho que não teria construído a
relação como está hoje. E, até hoje mesmo, é o que mais me ajuda a clarear a coisas. É muito
difícil, porque, opinião, todo mundo quer dar, amiga... todo mundo tem o que falar, todo
mundo vê de um jeito, todo mundo sabe um lado da história, mas nunca é o que realmente é.
Então, eu acho que se eu não fizesse terapia eu não ia conseguir filtrar, e, uma coisa que a
terapia me ajuda, que eu tenho que tomar muito cuidado, de não ir somente pela opinião dos
outros. Então eu acho que eu ainda preciso muito de ir para a terapia, pois ajuda a me
P: A terapia te ajuda a organizar-se melhor e a não seguir a opinião dos outros. O que você
segue?
opinião. Assim eu consigo organizar minhas idéias, eu acho que é isso, conseguir organizar as
idéias. Realmente, algumas opiniões são importantes, algumas opiniões reais, algumas outras
opiniões são muito parciais. Então, assim, tudo tem vários lados, toda história tem o outro
lado, toda pessoa tem vários lados. E, muitas vezes, a opinião de alguém só vê um lado. No
grupo eu consegui escutar e entender histórias que não entenderia na rua, se não tivesse feito
grupo. Por exemplo, consegui ouvir as razões de uma pessoa que era considerada egoísta e
254
entender seu egoísmo, segundo seu ponto de vista e passar a nomear aquela atitude de luta
pelo que acredita. Então, eu acho que é nesse ponto, de poder me organizar, de poder sentar,
organizar, olhar a coisa de todos os ângulos que a gente pode ver. Nesse ponto eu acho que a
terapia é muito bom, nesse ponto, o que eu acho que mais me ajudou foi a terapia de grupo, a
questão de estar no grupo. Eu acho que a individual [terapia] me ajudou a me ver, a ver meu
mundo, a reconhecer meu mundo, a me aceitar, a aceitar meu mundo, lidar com aquilo que eu
tenho. Mas o grupo ele me ensinou a me reconhecer nos outros, a ver que... Me ajudou demais
nos meus relacionamentos, a entender os outros, me reconhecer nos outros, a ver que
problemas todo mundo tem, dificuldades todo mundo tem, às vezes são as mesmas, às vezes
são diferentes. Então, assim, eu acho que o grupo me ajudou mais na questão de relação.
Depois que eu fiz grupo eu tive um outro olhar sobre qualquer pessoa, sabe? Um olhar mais
emotivo mesmo, um olhar menos frio, menos julgador, menos crítico, um olhar de falar
assim, é... tentar entender mesmo: – “Isso é assim, mas tem um porquê”. Ninguém é perfeito,
em compensação a pessoa tem outras qualidades, tal... não ser tão radical no julgamento.
C: É mais ou menos assim, na prática, quando alguém estava dando... dando um testemunho
de alguma coisa que aconteceu e aquilo ali me tocava. Entendeu? Aquilo ali no fundo estava
me tocando porque era um reconhecimento de mim naquela pessoa. Estava olhando e falando:
– “Nossa! Eu também! Nossa! Não sou só eu que sou assim. Nossa! Não sou o patinho feio da
história”. E até saber como que aquela pessoa lidava com aquilo... tudo me ajudou muito. E
C: Ah! Tem vários momentos... Não só que eu me reconheci, mas que eu me comovi muito.
Que eu saía pensando que são pessoas maravilhosas, apesar de terem tido uma vida dificílima,
que você olha e fala assim: – “Nossa! Eu reclamando... Ou, meu Deus! Essa pessoa é ótima,
essa pessoa merece muito mais”. Mais nesse sentido... Me ajudou muito na relação com os
outros... [pausa] Com o passar do tempo, com a aceitação e a admiração que passei a ver as
ir aceitando ainda mais a família e me relacionando muito melhor, de ir aceitando meu pai
alcóolatra. Sempre foi um conflito: – “O que eu posso fazer, o que eu tenho que fazer, o que
eu quero fazer”. Porque era um sofrimento muito grande ter uma única opção: – “Eu tenho
que fazer alguma coisa, eu tenho que fazer alguma coisa”! Não dava, nem ele estava pronto,
nem eu estava pronta. Hoje: – “Eu vou fazer até onde eu der conta”. Mas até eu chegar a ter
essa tranqüilidade, de fazer até onde eu dou conta e ficar tranqüila, era uma luta constante de
culpa, de... culpa daquela situação, de não estar fazendo nada, de estar deixando aquilo
acontecer. Então, até chegar nesse ponto, se não fosse a terapia, acho que eu tinha machucado
muito a mim mesma, e machucado muito também o meu pai. Teria forçado certas situações
Na área profissional mesmo, no começo eu tive uma dificuldade imensa para cair a
ficha do que eu estava querendo, do que eu queria fazer, se era aquilo mesmo, se não era,
gosto, não gosto, vou estudar, não vou. Então, assim, foi um processo demorado, tanto que eu
perdi um ano na faculdade [risos], mas eu acho que foi um ano que valeu a pena ter perdido,
porque depois eu... hoje eu dou mais valor. Mas, é outro ponto assim, se... acho que se eu não
tivesse esse momento aqui para conversar sobre isso, para ter essa visão de todos os lados da
história, do todo, de mim dentro daquilo ali, de tudo que... tudo que influenciava, tudo que me
influenciava, eu teria levado o curso, sem saber se era realmente aquilo que queria, me
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formado, estaria frustrada, tal. Sabe, assim, não ia conseguir me deixar tocar pela frustração e
não teria parado para pensar. Não teria parado para me deixar tocar e falar: – “Nossa! É isso
mesmo que eu quero. Nossa! É isso que eu gosto”. Sabe? E me apaixonar do jeito que eu me
apaixonei. Porque eu não entrei apaixonada por aquilo ali. Eu entrei assim, foi um processo
também na terapia. Eu virei e: – “Ah, não, isso eu gosto, eu acho que vai ser bom e tal”. Mas,
na hora que eu entrei na faculdade, eu comecei a achar meio chato... relaxei, as matérias meio
que não tinham muito a ver e tal, e foi virando uma coisa meio sem sentido. Aí eu tive que
retomar e ver ... porque que eu estava ali, se era o que eu realmente queria, ou se não, se não
tinha nada a ver. Então, assim, foi um momento que eu acho que... a profissão me tocou, eu vi
que: – “Nossa! É isso que eu quero, que eu gosto”. Me deixei mesmo... e ter uma postura
muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali, de que é isso que eu quero, de estudar, de
correr atrás dos estágios e das oportunidades que a vida me oferecia. E acho que se não fosse
a terapia...
C: [Pausa]. Me ajudou a ir olhando mesmo, se era realmente o que eu queria. Olhar o sentido
de estar ali. Tá, eu escolhi porque era legal, mas agora eu não estou achando legal? Então, tá,
então eu posso não continuar, mas por que eu estou continuando? Entendeu? Então, ver os
vários motivos pelos quais eu estava ali, e ver o que me fazia estar ali ou não. O que me fazia
desistir, o que me fazia continuar. E ver principalmente se era o que realmente eu queria,
porque eu tinha a opção de não querer. Falar: – “Não, não é nada disso” e desistir, e fazer
outra coisa. Mas a terapia me ajudou a ver que... parece que não tinha mais nada não [risos].
Por mais que tenha outras áreas que eu goste, que eu acho interessante, mas para eu trabalhar
como profissional era aquilo ali mesmo. Nesse sentido de ver mesmo... o que eu queria... o
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que tinha a ver comigo esse curso, o que eu queria fazer. Avaliar tudo. Avaliar como ia ser
meu trabalho, avaliar o que eu tinha daqui para frente, porque eu ia ter que passar por umas
matérias chatas, que eu não gostava mesmo, mas que não tinha jeito...
C: É, assumir que só terei o bom se passar pelo ruim também. Tive e terei as matérias que eu
não gosto, sempre tem os professores ignorantes, sempre tem colegas chatos. Sempre tem a
parte chata, não é? Por mais que eu gostasse e escolhesse aquilo ali, não ia ser uma coisa
perfeita. Então, assumir isso, de passar pelas partes ruins por causa das boas. Isso a terapia me
P: Gostaria de retomar a algo que hoje você falou nesta entrevista de uma maneira muito
emocionada: o como você olha para as pessoas atualmente. Você disse que na terapia,
sobretudo na terapia de grupo, você pôde olhar para as pessoas e ver o bonito delas, e que isso
te ajudou na vida...
C: Na vida... Eu sei que hoje isso me faz uma pessoa diferente das outras, é um diferencial
C: Eu consigo, e fica cada dia mais claro, gostar das pessoas que nem todo mundo gosta ou
mesmo que eu nunca tinha visto. Gostar de quem você conhece, é quase que uma obrigação e
você, pela convivência, acaba vendo o lado bom. Mas você tentar gostar de alguém que você
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nunca viu, como é o caso assim nos estágios, sabe? No próprio hospital, chegar ao leito de um
paciente e eu ter a sensibilidade de saber que aquilo ali é alguém que pode me ensinar alguma
coisa e não simplesmente eu estar ali fazendo minha obrigação, e eu tenho certeza que isso
fez, sabe, me dar esse diferencial. É como se fosse assim: a terapia individual me fez entender
que eu me basto no sentido de que, eu... não no sentido que eu sou uma ilha, mas no sentido
assim de que eu preciso me gostar, a melhor coisa que eu tenho sou eu, do jeito que estou
naquele momento, mas o grupo me fez ver que eu só vou crescer com as outras as pessoas, é
uma coisa assim que... o maior aprendizado que eu posso ter é na vida é com as pessoas. No
meu estágio, muito do meu atendimento é realizado com pessoas simples, uma pessoa
desconhecida, uma velhinha, um velhinho simples, calvinho, e aquilo ali você aprende tanto...
tanto... é muito mais do que fosse um PhD. Aprendi a respeitar e ter interesse pela pessoa
humana. Mas esse olhar eu acho que eu só aprendi a ter no grupo, esse olhar de olhar mesmo
C: No grupo, eu pude olhar mesmo, e querer ver, querer conhecer, sabe? E ver que cada
pessoa, todo mundo, por melhor ou pior que ela seja, as pessoas sempre têm alguma coisa
muito interessante. Sempre eu vou aprender com as pessoas, sabe? Sempre... Então isso... isso
tirou muito preconceito... muita barreira de não me deixar envolver mesmo. Tem muito isso
na minha profissão, das pessoas não se envolverem, das pessoas serem frias. Eu já acho que...
a terapia me fez assim, me deixar envolver. Claro que é um envolvimento consciente, não é?
Claro que ele é um movimento assim quase que de propósito e necessário essa aproximação
C: A terapia me permitiu a ver, por exemplo, os porquês do meu namorado, sabe? É...
enxergar meu namorado, a vida dele como um todo, não só como namorado, sabe? Enxergar
ele como homem, enxergar ele como filho, enxergar ele como profissional. Porque antes eu só
enxergava um lado, só queria aquilo ali: namorado. Namorado tem que ser assim e tem que
ser assado. E o resto... o resto ficava fora, o resto ficava da porta para fora. Então, eu aprendi
a ver e a conviver com isso. E a terapia me ajudou muito porque ele não é uma pessoa
comum, não é uma pessoa fácil, não é uma pessoa fácil de gostar, não é todo mundo que
adora. Não é uma pessoa que as amigas falam: – “Nossa, seu namorado é muito legal, é muito
simpático”. Então, assim, é muito complicado, porque que eu tenho que sempre estar olhando
e lembrando, por que eu gosto dele tanto? [Risos] Que ele é isso, que ele é aquilo. Mas nessa
questão a terapia me ajudou. De exatamente me deixar envolver, de deixar ver, sabe? Porque
muita coisa eu não queria ver. Deixar ver mesmo com os defeitos? As piores coisas, as coisas
mais feias que uma pessoa pode ter, pois ele tem muitas coisas feias e, também, tem as coisas
mais sublimes, que você olha: – “Nossa, que legal, que meigo...”. Então eu acho que isso
ajudou demais.
C: Pegar aquilo ali tudo que não tem jeito de separar e colocar na balança mesmo, não é? Se
está me fazendo bem, se está me fazendo mal. O que me aproxima, o que me afasta. Tem
muita coisa que afasta também. Mas essa visão do ser humano, sabe? Essa visão do humano
mesmo, de olhar e ver que ninguém é perfeito, que todo mundo tem seus problemas,
principalmente todo mundo tem uma história e acho que isso é fundamental. Isso eu aprendi
260
no grupo... que... por mais que as pessoas não fosse assim, do jeito que pretendiam, tinham
uma história que sempre vinha, uma história delas, uma história de vida que me fazia entender
aquelas atitudes diante a vida. Aquilo que as levaram a serem aquilo que elas são hoje.
Aquilo, igual eu falei: – “Aquilo que me levou a ser aquilo que eu sou hoje, a minha história,
se não fosse”... Eu falo se eu não tivesse passado por tudo que eu passei eu acho que eu seria
uma boba, uma mimada. Então assim: – “Eu dou graças a Deus... Nossa! Obrigada porque
meu pai e minha mãe separaram quando eu era pequena, obrigada porque eu passei por um
monte de problemas, porque isso fez de mim uma pessoa melhor, tenho certeza”. E poder ver
isso também nos outros, e ver que de repente... eu observo que quanto mais sofrida, quanto
mais coisas ela passou na vida, se ela não deixou se amargurar, ela é uma pessoa mais
interessante, sabe? Então eu vejo que se... eu tivesse tido uma vidinha perfeita... E hoje, eu
não queria ter tido essa vidinha perfeita, porque seria uma boba, entendeu? Eu vejo muitas
amigas que vêm de uma perfeição, sabe? Os pais tiveram uma história comum, casaram, tal,
estão bem, a amiga tem a vidinha dela, tudo perfeito, perfeito, perfeito, perfeito. Tão perfeito
que é quase insuportável para mim. E a pessoa, muitas vezes, fica boba, fútil, porque eu acho
que ela não consegue se sensibilizar com a situação do outro, porque ela não sabe o que é
aquilo ali, a pessoa não... eu acho que não sabe olhar para o que o outro está passando.
P: Você ressalta que a terapia lhe ajudou a olhar o humano da outra pessoa. E o seu lado
C: Eu fico pensando, eu falo: – “Gente... eu não consigo imaginar minha vida se eu não
tivesse começado a fazer terapia naquele momento”. Porque, não sei onde eu estaria hoje, não
sei se eu estaria. Porque eu estava em uma fase muito problemática, não é? E eu tinha
P: Luísa, você se considerava uma adolescente problemática, hoje você é uma jovem...
C: Eu acho que eu sou bem resolvida, sabe? Eu acho, eu sou... acho que a terapia me fez
muito mais interessante, muito mais madura. Igual eu falei, eu acho que a terapia fez de mim
C: É. Eu tenho um olhar diferente sobre as coisas e sobre as pessoas, sabe? Eu consigo sentir
algumas coisas nas outras pessoas, ter, como se diz, um feeling, que as outras pessoas não
têm.
C: Eu vejo isso com as minhas colegas, é... eu vejo isso com meu namorado. No próprio dia-
a-dia, assim, por exemplo: uma pessoa ao falar de uma pessoa tal, um fulano de tal, na minha
visão, eu vejo que eu vejo além do que eles vêem, entendeu? Eu sinto que eu consigo ter uma
sensibilidade maior, eu consigo ver além, entendeu? Coisas que... coisas que para mim às
vezes são tão óbvias e ninguém está vendo: – “Nossa! Vocês não estão vendo isso, está na
C: Ver além... Por exemplo, até os preconceitos, os pré-julgamentos mesmo... Uma amiga da
faculdade fala: – “Ah! É porque essa fulana é”... Acontece muito preconceito com professor:
– “Ah! Porque fulana é muito dura, é muito fria, é muito carrasca, não sei o quê, muito
radical”. E no fundo não, no fundo ela é uma pessoa ótima, só porque ela é muito ética,
também a dar valor nas pessoas. Por exemplo, essas pessoas que são muito sinceras, muito
transparentes, radicais, que não fazem questão de não agradar ninguém... Igual meu padrasto
mesmo. Hoje eu dou valor nele, entendeu? Gostar ou pelo menos respeitar as pessoas que eu
topei na vida, porque é muito fácil ser falso, não é? Tão mais fácil agradar todo mundo, ser
falso e tal. É o caminho de ser dissimulado é mais fácil, as pessoas buscam mais e eu
discordo. Hoje consigo gostar, por exemplo, do meu padrasto e antes era completamente
C: Ele não faz questão de não agradar ninguém, entendeu? Ele não faz a menor questão. E
quem não o conhece, o vê como uma pessoa horrorosa, uma pessoa rude, uma pessoa sem
C: Consegui ver esse lado. E, ainda bem que eu acho assim, que esse lado é... não só eu, acho
que eu consegui ver primeiro, acho que eu consigo ver mais, sabe? Mas com a convivência as
pessoas acabam vendo. Ele tem esse jeitão que não mostra tudo, só que eu vejo o que está
escondido antes, eu vi antes, entendeu? Eu consigo ter uma noção de totalidade... um insight
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mesmo com as pessoas. De ver mesmo, sabe? De olhar e ver, olhar e ver e não só olhar,
passar e ficar com aquilo ali que a pessoa está oferecendo. Porque ele está oferecendo o que
ele tem para dar, não é? Muita gente entende que o que ele está oferecendo é aquela dureza e
tal, mas, ele tem muito mais para dar, só que a pessoa vê só uma parte.
C: É interessante, é um processo que até eu ainda estou nele, que ainda não tenho muita
segurança assim... acho que é um processo ainda para a terapia. Mas... uma coisa que eu
aprendi e que era um conflito muito grande, era não saber o que eu realmente queria mostrar,
nem sabia quem eu era. Eu estou mostrando o que eu realmente sou? Eu estou oferecendo o
C: Eu olho isso sempre, justamente para fugir da hipocrisia. Cada dia eu gosto menos da
pessoa mostrar uma coisa que ela não é, sempre tenho muito medo disso. Porque eu fiz isso
muito tempo, vivia de imagem, de... ter uma imagem, de oferecer uma coisa, um mundo, uma
postura que não era a minha, que não era eu, não tinha aquilo ali para dar. Entendeu? Era uma
capa. Então eu tomo muito cuidado para não ir por esse caminho e até no sentido de dar até
onde eu posso também. Porque isso também sempre foi um conflito, não é? De querer, às
vezes, me machucar demais por dar demais ou me culpar por dar de menos.
P: Vem alguma relação que você dá demais e se culpa por dar de menos?
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C: A relação com minha família mesmo. Principalmente da família do meu pai, que eu sinto
esse peso, não é? E foi assim, imprescindível a terapia, principalmente agora depois que meu
avô morreu, que a família ficou desassistida, eu senti um peso imenso. Se eu não... se eu não
tivesse terapia, eu tinha trancado a faculdade, ido fazer Direito, assumido a fazenda e tinha
ido cuidar deles e esquecido da minha vida. Sabe assim, no calor da emoção sou eu que tenho
que fazer alguma coisa, eu tenho que cuidar, a responsabilidade é minha, sou eu, sou eu, sou
eu. Então, a terapia me ajudou a parar, olhar, falar: – “Espera aí, olha o que você realmente é
responsável, o que é você pode fazer e o que você quer fazer e para quem”.
P: Você continua com tendência a tentar resolver os problemas das outras pessoas e acreditar
aí eu tenho que parar, e lembrar, e sentar aqui no sofazinho da terapia, e falar: – “Não, espera
aí, eu tenho minha ‘vidinha’, eu não tenho filho ainda dessa idade para cuidar, não é...” Nesse
sentido mesmo... Eu tenho que me policiar para tentar ser mais... mais relaxada. Relaxada no
sentido de deixar as coisas acontecerem. Porque eu já observei que se eu assumo, ninguém vai
assumir. Então, de repente se eu não assumir, alguém assume. E até dar espaço para a outra
pessoa. Porque é muito cômodo para todo mundo eu assumir tudo. Então, o pessoal relaxa. Eu
quero um momento, assim, que eu falo: – “Não, eu vou relaxar um pouco, deixar eles
assumirem”. Eu estava conversando isso com a minha irmã ontem. A gente conversando
sobre a questão do meu pai, tal e eu perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me
respondeu bem assim: –“Não, não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele, eu sou
filha, eu quero ser cuidada”. Achei uma visão muito radical. Aquilo foi, assim, quase uma
agressão para mim. Eu falei assim: – “Claro! Tudo bem! Eu também sou filha, eu também
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quero ser cuidada, mas infelizmente a gente não tem os pais para cuidar da gente. Eles não
nasceram para cuidarem da gente”. E ela disse: – “Olha... eu não vou assumir uma
responsabilidade que não é minha”. E eu disse: – “E nem eu acho que você deva, mas eu acho
que você deve fazer até onde você puder”. E é o que eu faço. Também não acho certo, se
abster daquilo ali e levar uma vida como se não existisse. Está ali, sabe? Está ali, batendo na
porta todo dia. Não tem como... Então a terapia é... uma coisa que me ajudou e vai ajudar
C: A Luísa hoje é... acho que é uma pessoa interessante, acho que eu sou assim: tenho sede de
aprender mais, mais e mais. Com uma paixão, que eu aprendi aqui na terapia, pelo ser
apaixonar. Do lixeiro ao padeiro, ao... sabe? Estou tendo uma experiência de estágio no
hospital de pacientes muito graves e de uma morte muito rápida. Acho que se eu não tivesse
essa visão, eu ia passar por aquilo, sem nem me interessar pelo que estava acontecendo ou ia
ser muito dramática: – “Ah! Meu paciente morreu! Mas aí, quando eu chego ali eu quero
aprender, eu estou também preocupada em aprender com eles, não aprender somente da
minha profissão, mas aprender da vida, que são pessoas extremamente interessantes. Então,
C: Eu os olho como pessoas e não como um leito número 57... e isso faz muita diferença... Eu
não tenho medo de dar carinho, entendeu? Não tenho medo de dar sorriso, de ser simpática,
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não tenho medo de encostar no paciente, de passar a mão no braço do paciente. Não tenho o
menor medo. Muito pelo contrário, não tenho o menor receio de pegar uma cadeira, sentar do
P: Percebo que você vai além do que sua profissão de nutricionista exige.
C: Porque eu não consigo separar, eu não consigo separar que a pessoa simplesmente come
como um metabolismo. Ela come, tem um metabolismo e, também, tem uma história, e o seu
metabolismo vem do estado dela, não tem como, não tem como! Atendi uma paciente esta
semana com diabetes, está descompensada, toda ruinzinha, mas está comendo bolacha todo
dia. E está no prontuário dela todo dia: – “Paciente não adere a dieta do diabetes, paciente
não”... Aí eu fui conversar com ela que me disse: – “Está tão difícil ficar comendo só sal, sal”.
E imediatamente vi sua dificuldade e respondi: –“Olha, eu sei que é difícil”. E eu sei mesmo!
Porque não é fácil. Então, eu não sou hipócrita, de chegar e falar assim: – “Olha, você não vai
comer doce”, porque eu sei que ela vai comer. Porque a pessoa está num leito de hospital,
num leito de hospital horrível, em um hospital horrível e decadente, eu não vou a deixar
comer uma bolacha que é um prazer que ela tem? Eu não dou conta de virar para ela e falar
assim... até porque eu sei que ela vai comer. Então eu faço a minha parte: – “Então você come
depois da refeição, para não dar crise de glicemia e tal, tal, tal, vai anotando para mim que
tanto você está comendo para a gente ir controlando”. É diferente, eu podia simplesmente até
chegar lá e falar assim: – “Olha, você não pode comer, você não vai comer, pá, pá, pá”.
P: Um faz-de-conta? Você faz de conta que ela não vai comer, ela faz de conta que não está
comendo, além de você não respeitar o que ela está te dizendo: – “Está tão difícil ficar
comendo só sal”!
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C: É. E na verdade não seria um tratamento eficiente. Fazer de conta é uma coisa que eu não
suporto. Tornou-se uma coisa insuportável na minha vida, insuportável... eu não consigo, faz-
de-conta e nem mentira... Nada que não é real. Assim, eu não consigo mais aceitar uma
paisagem, uma pintura, uma maquiagem, em cima daquilo que não é de verdade. Eu não
consigo aceitar isso, eu quero a verdade por mais feia, por mais dura que ela seja, mas eu
quero a verdade. Eu acho que eu era uma pessoa mentirosa, meio mentirosa. Hoje me
incomoda não ser eu. Me incomoda até quando alguém quer dizer quem sou eu: – “Essa não
sou eu”! Então, eu já fico naquela, não é? Porque eu fico tão preocupada em ser eu, em não
[Pausa]. Celana, eu não sei, não consigo ter essa visão agora. Às vezes eu até pensei nisso, na
questão da... de uma certa tolerância que a terapia me deu com relação às pessoas... mas hoje
eu vejo que não. Eu pensei nesse assunto tem tempo, mas hoje vejo a tolerância como se fosse
uma tolerância e não uma apatia. Essa questão de estar entendendo demais, de estar vendo
demais, de estar aceitando demais e acaba tendo uma maior tolerância. Não sei como eu
reagiria se não tivesse feito terapia, se seria tolerância zero, não aceitaria nada. Mas
atualmente eu não vejo a tolerância como uma coisa ruim. Hoje “percebo como uma
capacidade de entender o outro, suas atitudes e escolhas, até mesmo aceitá-las, mesmo sem
concordar com as mesmas. Gostaria de ressaltar que o mais importante nesse processo, é além
10
Acréscimo ao depoimento (e-mail).
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P: Luísa, veja se ainda quer dizer alguma coisa sobre seu processo psicoterápico.
C: “Outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado uma
depressão. Se não tivesse tido o acompanhamento da terapia, não sei se conseguiria ter sequer
diagnosticado a patologia, enquanto meu mundo desmoronava, e poder aceitar que precisava
depressão”11.
P: Como está sendo reviver seu processo psicoterápico? Como foi ouvir sua história
C: Foi maravilhoso, até coisas que eu não tinha parado para pensar em todo esse processo,
coisas que eu nem tinha visto. Tinha visto, mas tinha passado, não tinha parado para pensar, é
como se tivesse fechando a Gestalt. Então... é gostoso ver até onde eu vim até agora, como foi
meu caminho, muito bom! O que eu fiz esses sete anos, o que eu aprendi, o que eu cresci. Se
você for olhar, de um lado sete anos, relativamente, não são nada, mas eu olho e penso: –
“Meu Deus! Foi uma vida!” [Risos]. E só fazendo essa retrospectiva eu saio daqui me
11
Acréscimo ao depoimento (e-mail).
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Anexo 6
E-MAIL DE JANAÍNA
21 de julho de 2006.
Janaína,
Muito lindo! Quero que você releia e veja se sente vontade de acrescentar alguma coisa. Pode
ser por escrito ou pessoalmente. Se tiver algo que não concorde na transcrição favor grifar de
outra cor.
Celana
Resposta de Janaína:
Oi Celana, tudo bem? Como foi de congresso? Espero que tenha sido maravilhoso!
Confesso que fiquei muito feliz e até lisonjeada com suas manifestações na mensagem. Mas
ao mesmo tempo veio um pouco daquela coisa: – “Nossa! Ela está exagerando!”, não sou isso
tudo nunca – aquela velha mania minha de me subestimar, sabe né? Ou ser exigente demais...
Vou relatar para você como foi desde o início. Logo que recebi, li o que você escreveu
fiquei muito emocionada e quis te reenviar alguma coisa na hora, só que segurei. Depois,
quando comecei a ler a transcrição da entrevista, no início foi aquela mistura de alegria com
dor e logo em seguida percebi que não iria consegui ler tudo e parei. Fugi da raia mesmo. Aí
somente hoje, na sexta-feira, que voltei a ler, embora durante a semana lembrasse que não
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tinha lido e percebendo que tinha fugido raia. Foi forte a sensação – uma sensação misturada
– acho que mais de conquista mesmo, de superação de tantas coisas. Nossa, como posso dizer
que estou mais leve, né? Hoje consegui ler tudo. Olha, mexeu muito comigo esse processo de
reviver a caminhada da psicoterapia. Fico pensando o quanto foi importante para minha vida e
continuará sendo para sempre. Quero de agradecer mais uma vez pela paciência, dedicação,
Na maior parte do tempo da leitura meus olhos enchiam d’água, mas senti que era
mais de satisfação e realização. Não tenho palavras para expressar o quanto a psicoterapia foi
e está sendo importante para minha vida – com certeza foi uma possibilidade ímpar no meu
Não senti vontade, no momento, de acrescentar nada – acho que ficou a cara da minha
psicoterapia mesmo. Ah! não sabia que eu falava tanto "assim"... (risos) – só para não deixar
Beijos,
Janaína
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Anexo 7
E-MAIL DE LUÍSA
25 de julho de 2006.
Celana,
Ao sair do consultório aquele dia, algumas coisas que deixei de dizer sobre o meu processo de
vivência na terapia, ficaram muito fortes e presentes, por isso resolvi escrever o e-mail para
escolhas, até aceitá-las, mesmo sem concordar com as mesmas. Gostaria de ressaltar que o
mais importante nesse processo, é, além de poder entender e aceitar, é ter o direito, a
2. O outro ponto imprescindível que deixei de citar, foi o fato de ter enfrentado uma
depressão. Se não tivesse tido o acompanhamento da terapia, não sei se conseguiria ter sequer
Era isso!!!
Bjs,
Luísa