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Sistemas e Tecnologias de Informação na Saúde

Book · January 2010

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Álvaro Rocha
University of Lisbon - ISEG
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Ficha Técnica
Título Sistemas e tecnologias de informação na saúde
editors Álvaro Rocha (Org.)

© 2010 - Universidade Fernando Pessoa

Edição
edições Universidade Fernando Pessoa
Praça 9 de Abril, 349 | 4249-004 Porto | Portugal
Tlf. +351 225 071 300 | Fax. +351 225 508 269
edicoes@ufp.edu.pt | www.ufp.pt

COMPOSIÇÃO e impressão do interior Oficina Gráfica da Universidade Fernando Pessoa


Impressão da capa e Acabamentos Gráficos Reunidos, Lda.

Depósito Legal 319601/10


ISBN 978-989-643-062-7

OS CONTEÚDOS DOS CAPÍTULOS SÃO DA INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES.

Reservados todos os direitos. Toda a reprodução ou transmissão, por qualquer forma, seja esta
mecânica, electrónica, fotocópia, gravação ou qualquer outra, sem a prévia autorização escrita do
autor e editor é ilícita e passível de procedimento judicial contra o infractor.

CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
---------------------------------------------------
SISTEMAS E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO NA SAÚDE
Sistemas e tecnologias de informação na saúde / org. Álvaro Rocha .
- Porto : Edições Universidade Fernando Pessoa, 2010. - 272 p. ; 25 cm
ISBN 978-989-643-062-7

Sistemas de informação -- Saúde / Tecnologias de informação -- Saúde / Informática de saúde

CDU 004: 61
---------------------------------------------------
agradecimentos
A organização de um livro implica sempre múltiplos
esforços e contribuições de diversas pessoas e instituições.
Agradecemos, pois, a todos os que proporcionaram e
permitiram esta publicação, em particular:

Aos autores dos capítulos e às instituições a que se


encontram vinculados profissionalmente, por terem
aceitado o desafio de colaborarem connosco na
organização e publicação deste livro sobre Sistemas
e Tecnologias de Informação na Saúde, assunto que
consideramos de importância estratégica para Portugal;

À Universidade Fernando Pessoa e à sua Administração


por terem proporcionado os recursos e as condições ideais
para a organização e publicação deste livro;

E à Cristina e ao Artur por terem aceitado com


compreensão alguns momentos de tempo e atenção que
não lhes proporcionei.

Muito obrigado a todos!

Álvaro Rocha
índice 125 Capítulo 9 Descoberta de Padrões de Prescrições de Medicamentos
Joana Fernandes | Orlando Belo

139 Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama


10 introdução Jaime S. Cardoso | Maria J. Cardoso

parte 3
parte1 Monitorização Remota e Telemedicina
Gestão de Sistemas e Tecnologias de Informação
157 Capítulo 11 Sistema de Monitorização Vital e Ambiental recorrendo a
15 Capítulo 1 Evolução da Maturidade dos Sistemas e Tecnologias de Redes de Sensores Sem Fios
Informação na Saúde Pedro Sobral | David Ferraz | José Torres | Paulo Pires | Rui Silva Moreira
Álvaro Rocha
171 Capítulo 12 SmartVest: Integrando vestuário com domótica,
27 Capítulo 2 Estrutura e Governo das “TI” para a Saúde cuidados médicos e tecnologias da informação
Rui Gomes Pedro Araújo | Rita Salvado

39 Capítulo 3 A Privacidade do Doente e as Necessidades 185 Capítulo 13 Magalhães Clínico e Tele-saúde


dos Profissionais em Acederem aos Seus Dados António Brás-Gomes
Henrique Ferreira
197 Capítulo 14 Telemedicina e Telessaúde: A Experiência da Universidade
49 Capítulo 4 As Instituições de Solidariedade Social, os Sistemas de São Paulo
de Informação e os Desafios da Prestação de Cuidados Integrados Chao Lung Wen
a Idosos
Alexandra Queirós | Nelson Pacheco da Rocha parte 4
Qualidade de Dados, Desenvolvimento de Software
63 Capítulo 5 Diagnóstico do SI do INEM: fragilidades e mudanças em curso e Gestão Energética
Sílvia Fernandes
215 Capítulo 15 Problemas de Qualidade de Dados em Internamentos
parte2 Hospitalares e Possíveis Implicações
Sistemas de Apoio à Decisão e Gestão de Conhecimento Tiago Silva-Costa | Bernardo Marques | Paulo Oliveira | Alberto Freitas

77 Capítulo 6 Sistemas de Business Intelligence aplicados à Saúde 229 Capítulo 16 Software para Apoio a Serviço de Medicina Física
Manuel Barrento | Miguel Neto | Maria do Rosário Martins | Sara Dias e Reabilitação
Hélder Anselmo | José Carlos Metrôlho | David Luna | Bruno Silva | Pedro Rodolfo
93 Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence
para a Análise da Qualidade de Vida Pré e Pós-Operatória 245 Capítulo 17 A Utilização Profissional das Comunidades Web 2.0
Diana Gonçalves | Maribel Yasmina Santos | Jorge Cruz – Um Caso Prático na Indústria Farmacêutica
Henrique São Mamede
113 Capítulo 8 Um Sistema de Gestão de Conhecimento para estudo da
Qualidade de Vida de doentes oncológicos de cabeça e pescoço 259 Capítulo 18 Eficiência Energética dos Hospitais
Joaquim Gonçalves | Augusta Silveira | Álvaro Rocha Alexandre Sousa
10 11

Introdução Os sistemas e tecnologias de informação têm vindo a mudar os cuidados de saúde, dado que proporcio-
nam escolha e controlo aos pacientes e ainda diagnósticos e decisões mais informadas aos profissionais
de saúde. Como a investigação em sistemas e tecnologias de informação na saúde continua, espera-se
Assistimos, actualmente, a um crescente aumento da procura de serviços de saúde, em consequência ver aumentada a qualidade de vida dos cidadãos pela prestação de melhores serviços pelos profissionais
do aumento da população idosa, do aumento da mobilidade dos cidadãos e ainda do aumento das suas de saúde.
exigências.
Não obstante este entendimento generalizado, quer pelos cidadãos quer pelos governos, a maioria dos
1
Estimativas sugerem que a população europeia com mais de 65 anos aumentará 70% até 2050 . Por países europeus, incluindo Portugal, somente começou a preocupar-se formalmente com a estratégia e
outro lado, motivado pelo esbatimento das fronteiras e por um mundo cada vez mais globalizado nas re- a integração dos sistemas e tecnologias de informação da saúde depois do ano 20033.
lações laborais e de lazer, há um aumento significativo da mobilidade dos cidadãos. Por outro lado ainda,
os cidadãos são cada vez mais exigentes, motivado pelo aumento da sua literacia e pelo acesso facilitado Desde essa altura que assistimos em Portugal a progressos substanciais, com a adopção e/ou a evo-
a informação e a conhecimento de saúde, quer em publicações científicas, quer na comunicação social lução de sistemas e tecnologias de informação nas instituições de saúde, visando a racionalização, a
quer ainda na Internet. modernização e a prestação de melhores serviços de saúde, sendo exemplos os esforços de integração
de sistemas informáticos departamentais, a adopção de sistemas de processo clínico electrónico, a pos-
Consequentemente, enfrentamos o aumento de problemas de saúde crónicos motivado pelo enve- sibilidade de agendamento de consultas on-line e a implementação do registo de saúde electrónico à
lhecimento da população, o aumento de pandemias e o aumento da exigência de disponibilidade de escala nacional prevista para finais de 2012.
informação de saúde sobre os cidadãos, independentemente do local onde se encontrem, e ainda o
aumento da procura de profissionais de saúde pelos cidadãos para confirmação e esclarecimento de Neste livro reunimos um conjunto relevante de contributos recentes de vários investigadores e espe-
dúvidas de saúde derivadas de informação e conhecimento a que têm acesso livremente. cialistas lusófonos, que abordam diversos temas e aplicações no domínio dos sistemas e tecnologias de
informação na saúde, nas suas perspectivas social, organizacional e tecnológica, quer individualmente
Existe, portanto, a necessidade de antecipar respostas a riscos de saúde, motivados, por exemplo, por quer transversalmente. Estes contributos reflectem investigações, acções e experiências em contextos
pandemias, sendo necessário disponibilizar acesso seguro, atempado e usável a informação de saúde diversificados, proporcionando uma maior aproximação entre todos e a consolidação das bases científi-
útil, de vária índole, para cidadãos, pacientes e profissionais de saúde, cada vez mais exigentes. cas e tecnológicas que suportam esta área de conhecimento e de intervenção na saúde.

Concomitantemente, assistimos a uma grande pressão para racionalização e optimização de recursos, O livro está estruturado em quatro partes. A primeira parte dispõe de cinco capítulos relacionados com
dado que o orçamento com a saúde vem aumentando ano-após-ano, consumindo actualmente uns a gestão de sistemas e tecnologias de informação. A segunda parte dispõe de cinco capítulos relaciona-
11% do PIB português2, sem vislumbrarmos melhorias significativas na qualidade dos serviços de saúde dos com sistemas de apoio à decisão e gestão de conhecimento. A terceira parte dispõe de quatro capí-
prestados. Obviamente que o orçamento com a saúde não poderá continuar a aumentar, mas a qua- tulos relacionados com monitorização remota e telemedicina. Por último, a quarta parte dispõe de qua-
lidade dos serviços de saúde pode e deve melhorar, tendo em consideração a qualidade de vida e o tro capítulos relacionados com qualidade de dados, desenvolvimento de software e gestão energética.
bem-estar dos seus utentes.
Boa leitura!
É aqui que os sistemas e tecnologias de informação desempenham um papel fulcral, sendo consensual o
reconhecimento do seu contributo para a racionalização de recursos, modernização e melhoria da qua- Álvaro Rocha
lidade dos serviços de saúde, quando devidamente planeados, desenvolvidos e explorados, em suma, Universidade Fernando Pessoa
quando bem geridos.

1 EC (2010), A Healthy approach – Technology for personalized, preventive healthcare, European Comission – Information
Society and Media.
2 Manuel Antunes (2009), Cuidados de Saúde para Todos, Fórum Portugal de Verdade. 3 EC (2007), eHealth Priorities and Strategies in European Countries, eHealth Era Report, March 2007, European Commission..
parte 1
Gestão de Sistemas
e Tecnologias de Informação
15
capítulo 1
Evolução da Maturidade dos Sistemas e
Tecnologias de Informação na Saúde

Álvaro Rocha1
Professor Associado
amrocha@ufp.edu.pt

Resumo

Os Sistemas e Tecnologias de Informação (STI) na saúde têm evoluído gradualmente e teorias sobre
adopção e maturidade de sistemas e tecnologias de informação estão suficientemente estabelecidas
na literatura de gestão das organizações. Neste capítulo abordamos a evolução dos STI na saúde, intro-
duzimos os conceitos associados aos modelos de maturidade, abordamos os modelos de maturidade
genéricos para a gestão de STI e apresentamos os principais modelos de maturidade orientados especifi-
camente à gestão de STI na saúde. Concluímos, relativamente a estes últimos, que ainda há um caminho
significativo a percorrer para termos disponíveis modelos de maturidade abrangentes e detalhados.

1. Introdução
O domínio dos Sistemas e Tecnologias de Informação (STI) na saúde tem evoluído gradualmente. É um
domínio muito amplo, incluindo avanços como, por exemplo, diagnósticos computadorizados, sistemas
de apoio à decisão médica baseada na evidência, Registo de Saúde Electrónico (EHR) inter-unidades
regionais, nacionais e internacionais prestadores de cuidados de saúde, tecnologia de imagem médica,
por exemplo Sistemas de Comunicação e Arquivamento de Imagem (PACS), e imagens para orientação
de cirurgias e terapias [Mullner & Chung 2006, Wetering & Batenberg 2009].

Teorias sobre adopção e maturidade de sistemas e tecnologias de informação estão suficientemente


estabelecidas na literatura de gestão, desde os anos setenta do século passado. O conceito da hipótese
de estádios de maturidade/crescimento no domínio dos sistemas e tecnologias de informação foi intro-
duzido por Nolan [Nolan 1973].

1 Universidade Fernando Pessoa (UFP), Grupo de I&D em Informática Médica (GIMED). Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto,
Portugal.
16 | Álvaro Rocha Capítulo 1 Evolução da Maturidade dos Sistemas e Tecnologias de Informação na Saúde | 17

Os modelos de maturidade de Nolan (1973, 1979) para a gestão dos sistemas e tecnologias de informação Linhas de desenvolvimentos similares podem ser encontradas em trabalhos de outros autores. Por exem-
originaram ampla discussão, com muitos investigadores a realizarem estudos para a sua validação, o que plo, Voguel (2003) apresenta vários estádios de investimentos em sistemas tecnologias de informação na
originou várias extensões ao modelo e até novos modelos [e.g., King & Kramer 1984, Earl 1989, Galliers & saúde. Em cada estádio subsequente aumentam as expectativas, sendo produzidos ambientes de sis-
Sutherland 1991, Mutsaers et al. 1997, Khandelwal & Ferguson 1999]. No domínio dos STI na saúde, apesar temas mais complexos. Consequentemente é expectável que os sistemas e tecnologias de informação
de mais recentes, existem igualmente alguns modelos de maturidade, desde modelos de focagem espe- proporcionem um melhor desempenho às organizações de saúde.
cífica [e.g., Wetering & Batenburg 2009] até modelos de focagem genérica [e.g., Sharma 2008].

Um modelo de maturidade mostra a transformação e melhoria de uma organização ao longo do tempo. 3. Modelos de Maturidade
Os modelos de maturidade são usados em metodologias contemporâneas para estabelecer metas para
obtenção e medição dos progressos. No geral, os modelos de maturidade focados nos sistemas e tec- Os modelos de maturidade baseiam-se na premissa de que as entidades (pessoas, organizações, áreas
nologias de informação fornecem uma visão da estrutura dos elementos que representam a eficácia dos funcionais, processos, etc.) evoluem através de um processo de desenvolvimento ou crescimento em
processos de gestão dos sistemas e tecnologias de informação nas organizações. direcção a uma maturidade mais avançada, atravessando um determinado número de estádios distin-
tos. Estes modelos têm vindo a ser usados em várias áreas e têm sido usados para descrever uma larga
Com este capítulo pretendemos fazer o ponto da situação relativamente aos modelos de maturidade variedade de fenómenos [King e Teo 1997].
orientados à gestão de STI na saúde, procurando igualmente verificar a oportunidade e/ou as estratégias
para o desenvolvimento de modelos melhores. Os modelos de maturidade assumem que padrões predicáveis, conceptualizados em termos de estádios,
existem no desenvolvimento das entidades [Rocha 2000]. Normalmente, os estádios são: (1) sequenciais
Assim, abordamos a evolução dos STI na saúde, introduzimos os conceitos associados aos modelos de e cumulativos por natureza; (2) ocorrem como uma progressão hierárquica que não é facilmente reversí-
maturidade, abordamos os modelos de maturidade genéricos para a gestão de STI e apresentamos os vel; e (3) envolvem um largo leque de estruturas e actividades humanas e organizacionais.
principais modelos de maturidade orientados à gestão dos STI na saúde. Finalizamos, identificando as
suas principais lacunas e apontando trabalho futuro com o objectivo de colmatá-las. Vários modelos de maturidade têm sido propostos ao longo do tempo. Estes modelos diferem sobretudo
no número de estádios, variáveis/factores de evolução e domínios de focagem. Cada um destes modelos
identifica certas características que tipificam o alvo em diferentes estádios de maturidade (Quadro 1).
2. Evolução dos Sistemas e Tecnologias de Informação na Saúde
Os sistemas e tecnologias de informação na saúde são relativamente recentes. Provavelmente não che- Quadro 1 – Estrutura de um modelo de maturidade.
gam ainda às cinco décadas, no entanto foram, desde o início, enormes os progressos na saúde e na
Estádios
informática. Haux (2006) identificou várias linhas de progresso:
Factores Estádio 1 Estádio 2 Estádio … Estádio N

- Mudança para um tratamento e armazenamento generalizado baseado em computador, assim como Característica 1 Característica 1 Característica 1 Característica 1
Factor 1 Característica … Característica … Característica … Característica …
um aumento do processamento de dados; Característica N Característica N Característica N Característica N
- Mudança de uma arquitectura local de sistemas de informação para uma arquitectura global; Característica 1 Característica 1 Característica 1 Característica 1
- Uso de dados não só para fins administrativos e de prestação de cuidados de saúde mas também para Factor 2 Característica … Característica … Característica … Característica …
planeamento da saúde e investigação clínica; Característica N Característica N Característica N Característica N

- Mudança de foco desde problemas principalmente técnicos para problemas de gestão da mudança Característica 1 Característica 1 Característica 1 Característica 1
Factor 3 Característica … Característica … Característica … Característica …
bem como de gestão estratégica da informação; Característica N Característica N Característica N Característica N
- Mudança desde dados predominantemente alfa-numéricos para imagens clínicas e também dados de
Característica 1 Característica 1 Característica 1 Característica 1
nível molecular; Factor … Característica … Característica … Característica … Característica …
- E aumento constante de novas tecnologias a serem incluídas com a finalidade de permitirem um Característica N Característica N Característica N Característica N
acompanhamento permanente do estado de saúde dos pacientes. Característica 1 Característica 1 Característica 1 Característica 1
Factor N Característica … Característica … Característica … Característica …
Característica N Característica N Característica N Característica N
18 | Álvaro Rocha Capítulo 1 Evolução da Maturidade dos Sistemas e Tecnologias de Informação na Saúde | 19

4. Modelos de Maturidade para Sistemas e Tecnologias de Informação Quadro 2 – Modelo Revisto de Estádios de Maturidade dos STI de Galliers e Sutherland (1991).

Factores Estádio I Estádio II Estádio III Estádio IV Estádio V Estádio VI


O conceito de maturidade de sistemas e tecnologias de informação é bem conhecido na literatura de “Ad hocracy” Iniciando alicerces Ditadura Cooperação e Oportunidade Relações
gestão, remontando, como referido anteriormente, aos anos setenta do século passado. Richard Nolan é centralizada diálogo democrático estratégica harmoniosas e
considerado o principal mentor da perspectiva da maturidade de STI. A partir de uma investigação sobre integradas
Estratégia Aquisição de hardware, Auditar TI; Planeamento top- Integração, Análise do ambiente Manter vantagens
a utilização de STI em grandes organizações dos Estados Unidos, propôs um modelo evolucionário con- software, etc. Procurar e encontrar down. coordenação e controlo e procura de estratégicas; Monitorar
tendo inicialmente quatro estádios de maturidade [Nolan 1973]. Mais tarde, adicionou mais dois estádios as necessidades dos oportunidades. o futuro; Planeamento
ao modelo inicial [Nolan 1979]. utilizadores (reagir). interactivo.

Estrutura Inexistente Secção de SI muitas Departamento de Centros de informática, Coligações estratégicas Coordenação
Os modelos de maturidade de STI de Nolan (1973, 1979) geraram grande discussão no seio da comuni- vezes subordinada à Processamento Automação de de unidades do negócio centralizada das
dade científica, com vários investigadores a desenvolverem posteriormente investigações visando a sua contabilidade ou às de Dados (DPD); escritórios, etc. (muitas mas separadas) coligações
validação, o que originou algumas extensões ao modelo e até novos modelos [e.g., King & Kramer 1984, finanças. Centralizada.

Earl 1989, Galliers & Sutherland 1991].


Sistemas Ad-hoc não Muitas aplicações; Maioria centralizados; Descentralizados, Sistemas Sistemas inter-
interligados; Muitas falhas; Computação pelo com algum controlo descentralizados organizacionais
O Modelo Revisto de Estádios de Maturidade de Galliers e Sutherland (1991) é o mais abrangente, deta- Operacionais; Sistemas Sistemas sobrepostos; utilizador final sem mas com pouca mas com controlo (ligações a
lhado e consensual, porque apresenta sete factores de influência da maturidade com igual importância, manuais automáticos; Centralizados; controle; Cobertura coordenação; Alguns e coordenação fornecedores, clientes,
Descoordenados; Operacionais; de grande parte das DSS ad-hoc; Sistemas central; Sistemas de governo, etc.); Produtos
assume que uma organização poderá encontrar-se em diferentes estádios de maturidade para factores Sistemas financeiros; Principalmente actividades do negócio; integrados de escritório valor acrescentado novos baseados em SI;
de influência diferentes, apresenta características de estádios alinhadas com o funcionamento em rede Pouca manutenção. sistemas financeiros; Sistemas de bases de electrónico. (mais orientados ao Integração de dados
Muitas áreas não dados. mercado); Sistemas DSS internos e externos.
das organizações modernas e possui um instrumento de recolha de dados para aferir a maturidade [Ro- satisfeitas; Muito internos, menos ad-
cha 2000]. Este modelo é composto por seis estádios de maturidade (Quadro 2) backlog; Manutenção hoc; Alguns sistemas
penosa. estratégicos (usando
dados externos);
Mais recentemente, outros modelos foram propostos, incluindo um novo modelo de Nolan com nove Falta de integração
estádios de maturidade [Nolan e Koot 1992, Mutsaers et al.1997], justificado pelos progressos que en- de dados internos e
externos; Integração
tretanto ocorreram na área dos STI e nos métodos de gestão. Neste último caso é exemplo um modelo de tecnologias de
de maturidade com nove estádios, que combina a teoria de estádios com factores críticos de sucesso comunicação com
computação.
[Khandelwal e Ferguson 1999].

Pessoal Programadores Analistas de sistemas; Gestores e especialistas Analista de negócio; Organização/negócio/ Director de SI (membro
O conceito de definir estádios de desenvolvimento e crescimento continua a ser completamente esten- Director do DPD. de planeamento de SI; Gestores do recurso PSI - um só papel. da direcção de topo)
dido e aplicado nas organizações. São vários os exemplos de modelos de maturidade focados em dife- Administradores de informação.
rentes domínios organizacionais e de STI. Por exemplo: o modelo de maturidade para a implementação dados e de bases de
dados.
de Intranets de Damsgaard & Scheepers (2000); o modelo de maturidade para sistemas ERP de Holland
Estilo Desconhecedor Não incomodar Revogação ou Diálogo democrático. Individualista (produto Equipa de negócio
& Light (2001); o CMMI, modelo de maturidade para o processo de desenvolvimento de software, do SEI Delegação campeão)
(2006); e o modelo de maturidade para sistemas PACS de Wetering & Batenburg (2009).
Aptidões Tecnólogos (de muito Metodologias de SI acredita que conhece Integração Gestor de SI - membro Todos os gestores
baixo nível); desenvolvimento de o que o negócio precisa; organizacional; SI da equipa executiva séniores entendem
Postura individual. sistemas. Gestão de projecto. sabe como o negócio sénior; Conhecimento os SI e as suas
funciona; Utilizadores dos utilizadores em potencialidades.
sabem como o SI algumas áreas de SI;
funciona Gestão de Oportunismo
negócio (pelo pessoal
de SI).

Cultura Ofuscação Confusão Preocupação da gestão Cooperação Oportunismo Planeamento


sénior; Defesa do DPD. estratégico. interactivo.
20 | Álvaro Rocha Capítulo 1 Evolução da Maturidade dos Sistemas e Tecnologias de Informação na Saúde | 21

5. Modelos de Maturidade para STI na Saúde Quadro 3 – Modelo de Maturidade da Quintegra para Cuidados de Saúde Electrónicos.

Factores de Influência
O aumento exponencial das capacidades dos computadores, a ampliação do alcance da Internet e a
Estádios Entidades Departamentos Infraestrutura
crescente capacidade para capturarem e disponibilizarem o conhecimento numa forma digital são os
1. Administração Hospitalar Hospital Administração Hospitalar LAN
principais responsáveis pela condução electrónica dos cuidados de saúde actuais. Os STI vêm disponibi- Facturação
lizando importantes oportunidades aos prestadores de cuidados de saúde, proporcionando serviços de Gestão de enfermarias
saúde assim como formas de acesso a informação que os consumidores necessitam. Gestão de diagnósticos
Sistemas de informação de gestão (MIS)
2. Empresa Hospitalar Conjunto de hospitais em empresa Estádio 1 + Acesso baseado em Internet
As instituições de saúde e as organizações governamentais começam a perceber que o seu problema Finanças
fundamental é a falta de infra-estrutura tecnológica e incapacidade de gerir adequadamente os proces- Gestão de materiais
sos de cuidados de saúde. Uma análise ao contexto actual da saúde evidencia claramente o alcance e a Gestão de recursos humanos
Pedidos e pagamentos processados
importância do problema de transição de tecnologia na saúde [Sharma 2008]. electronicamente

3. Registo Médico Electrónico (EMR) Básico Hospital + Laboratório + Farmácia Estádio 2 + Comunicação baseada em HL7
Os benefícios da moderna tecnologia, de melhores métodos e de melhores ferramentas de cuidados de Sistema de Informação de Laboratório
saúde não podem ser conseguidos no turbilhão de processos indisciplinados e muitas vezes caóticos. Sistema de Informação de Radiologia
PACS
Farmácia
Estas são boas razões para gerirmos os STI nas organizações de saúde com base em modelos de maturida-
4. Suporte à Decisão Clínica Hospitais + Laboratórios + Farmácias Estádio 3 + Totalmente ligado e sem papel –
de. Assim, nas secções seguintes apresentamos os modelos de maturidade que consideramos possuírem + Faculdades de Medicina Registo clínico computadorizado Modelo SaaS (Sofware as a Service)
abrangência e transversalidade significativa na gestão dos STI na saúde, sabendo que existe mais um núme- Codificação internacional de doenças
ro reduzido de outros modelos, mas que focam sub-domínios muito específicos, como por exemplo, PACS. Alertas/contra-indicações
Utilizados para fins educativos
5. Investigação Clínica Estádio 4 + Ensaios Clínicos Modelo OaaS (Operations as a Service)
Para a identificação dos actuais modelos de maturidade orientados à gestão dos STI na saúde recorre- Empresas Farmacêuticas Dados clínicos de investigação com + Modelo RaaS (Research as a Service)
mos ao nosso conhecimento e às principais bibliotecas digitais da área dos STI, assim como ao motor de base na prescrição de medicamentos
pesquisa Google. e reacções
6. Regional Centros de Cuidados de Saúde Primários Telemedicina Rede Regional ligando todos os
+ Centros Epidemiológicos + Governo Agregação de dados de vários hospitais Hospitais com Centros de Cuidados
Regional a nível regional de Saúde Primários e Centros
5.1. Modelo de Maturidade da Quintegra para Cuidados de Saúde Electrónicos Epidemiológicos
7. Nacional Governo Federal Dados agregados de todas as regiões Rede Nacional ligando todos os
Planeamento dos cuidados de saúde e provedores associados a serviços de
Os modelos de maturidade geralmente focam-se em organizações individuais, no entanto, a Quintegra das iniciativas governamentais na área cuidados de saúde
[Sharma 2008] desenvolveu um modelo de maturidade que incorpora todos os prestadores de serviços da saúde

associados ao processo de saúde, adaptável a qualquer provedor, em qualquer nível de maturidade.

O Modelo de Maturidade para os Cuidados de Saúde Electrónicos proposto pela Quintegra ilustra uma 5.2. Modelo de Maturidade da HIMMS para o Registo Médico Electrónico
transformação do processo electrónico de saúde, desde um estádio imaturo até um estádio nacional.
Isto é explicado através de entidades, serviços e infra-estrutura num ponto definido no tempo. Cada Entender o nível de capacidades do Registo Médico Electrónico (RME) nos hospitais é um desafio no
estádio tem características próprias que o diferenciam dos outros estádios. O Quadro 3 mostra como a contexto dos cuidados de saúde dos tempos modernos. A HIMMS (Healthcare Information and Mana-
progressão nos níveis de maturidade melhora a capacidade/maturidade de um prestador de serviços. O gement Systems Society) criou um modelo de adopção que permite identificar os diferentes estádios
estádio de base “0” é considerado como um estádio onde não existe tecnologia da informação e todos de maturidade do RME, desde sistemas departamentais auxiliares limitados até ambientes de RME sem
os processos são baseados em papel. papel (Quadro 4). Os estádios deste modelo de maturidade são oito [Garets & Davis 2006, HIMSS 2009].

Os estádios de maturidade deste modelo fornecem um roteiro para as organizações da saúde embarca-
rem na melhoria contínua do processo de saúde.
22 | Álvaro Rocha Capítulo 1 Evolução da Maturidade dos Sistemas e Tecnologias de Informação na Saúde | 23

Quadro 4 – Modelo de Maturidade da HIMMS para o Registo Médico Electrónico. Quadro 5 – Modelo de Maturidade da IDC para os STI nos Hospitais.

Estádios Capacidades acumuladas Estádio I Estádio II Estádio III Estádio IV Estádio V


Estádio 0 A organização não tem todos os sistemas departamentais auxiliares (i.e., laboratório, farmácia e radiologia) instalados. SIH Básicos SIH Avançados SIH Clínicos Hospital Digital Hospital Virtual

Estádio 1 Os principais sistemas clínicos auxiliares estão instalados (i.e., farmácia, laboratório e radiologia). - Registo, Admissão, Alta e - Registo Electrónico de altas, - Sistema de Informação de - Agendamento de Consultas - E-mail seguro
Transferência de Pacientes programação e resumos de Laboratório (LIS) pelos Pacientes - Repositório de Dados Clínicos/
Estádio 2 Os principais sistemas auxiliares alimentam de dados clínicos um repositório de dados clínicos (CDR) que fornece acesso médico para recuperar e analisar - Facturação e Contas a Receber tratamentos - Sistema de Informação de - Prescrição Computadorizada Data Warehouse
resultados. O CDR contém um vocabulário controlado, e um mecanismo de apoio à decisão clínica / mecanismo de regras (CDS) para verificar conflitos - Recursos Humanos e Salários - Processamento Electrónico de Radiologia (RIS) - Registo Electrónico de - Participação em Repositório
rudimentares. Informações provenientes de sistemas de imagens de documentos podem ser ligadas ao CDR neste estádio. O hospital é capaz de troca de - Registo Geral e Relatórios Pagamentos - Sistema de comunicação e Enfermagem Regional de Dados Clínicos dos
informações de saúde (HIE) neste estádio, podendo compartilhar as informações de que dispõe no CDR com outros agentes de cuidados de saúde ao paciente. Financeiros - Inventário, Requisição de arquivamento de imagens (PACS) - Gestão do Departamento de Pacientes
- Compras e Contas a Pagar Fornecimento e Distribuição - Farmácia/medicamentos Urgência - Gestão de Problemas de Saúde
Estádio 3 Documentação clínica/de enfermagem (por exemplo, sinais vitais, folhas de fluxo) é necessária; notas de enfermagem, mapa do plano de cuidados e/ - Comunicação de Ordens Básicas - Agendamento e Gestão do - Portal dos Profissionais de Saúde em Casa
ou o sistema de registo electrónico de administração de medicamentos (EMAR) são valorizados com pontos extra, sendo implementados e integrados - E-mail Bloco Operatório - Portal dos Pacientes - Monitorização Remota de
com o CDR para pelo menos um serviço no hospital. O primeiro nível de suporte à decisão clínica é implementado para conduzir a verificação de erros em - Acesso à Internet - Infraestrutura de Rede Sem Fios Pacientes / Telemedicina
requisições (i.e., verificação de conflitos medicamentos/medicamentos, medicamentos/comida, medicamentos/laboratório, normalmente encontrados na - Intranet (Wireless)
farmácia). Algum nível de acesso a imagens médicas a partir de sistemas de comunicação e arquivamento de imagens (PACS) está disponível para acesso - Registo Médico Electrónico
pelos médicos fora do departamento de radiologia através da intranet da organização ou de outras redes seguras. (EMR)
- Registo Médico Electrónico
Estádio 4 O sistema de prescrição electrónica (CPOE) para uso por qualquer clínico é adicionado ao ambiente de enfermagem e CDR, juntamente com o segundo (EMR) de Ambulatório
nível das capacidades de apoio à decisão clínica relacionadas com protocolos de medicina baseada na evidência. Se uma área de atendimento ao paciente - Indexador Mestre de Pacientes
tem implementada a CPOE e completou os estádios anteriores, então este estádio é atingido. da Instituição (EMPI)
- Serviços Baseados em
Localização
Estádio 5 O ambiente de circuito fechado de administração de medicamentos está plenamente implementado pelo menos numa área de cuidados de saúde
ao paciente. O EMAR e código de barras ou outra tecnologia de identificação automática, tais como a identificação por radiofrequência (RFID), estão
implementados e integradas com a CPOE e a farmácia para maximizar processos seguros de administração de medicamentos nos locais de prestação dos
cuidados ao paciente.

Estádio 6 A documentação/mapas completos do médico (modelos estruturados) está implementada pelo menos numa área de prestação de cuidados ao paciente. 5.4. Modelo de Maturidade do NHS para o Registo Electrónico do Paciente
O nível três de apoio à decisão clínica proporciona orientação para todas as actividades relacionadas com protocolos e resultados, sob a forma de alertas de
variância e conformidade. Um conjunto completo de sistemas PACS proporciona imagens médicas aos médicos através de uma intranet, e substitui todas
as imagens baseadas em filmes. De acordo com o NHS (Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido), existem seis estádios diferentes
de funcionalidades, implementados uns em cima dos outros, até se atingir um abrangente e completo
Estádio 7 O hospital já não usa documentos/mapas de papel para prestar e gerir cuidados de saúde ao paciente e tem uma mistura de dados discretos, imagens de Registo Electrónico do Paciente (EPR) [Priestman 2007]. Esses seis estádios resumem-se no Quadro 6.
documentos e imagens médicas no seu ambiente de EMR. Armazéns de dados clínicos (DataWarehouses) são utilizados para analisar os padrões de dados
clínicos para melhorar a qualidade e a segurança dos cuidados prestados ao paciente. As informações clínicas podem ser facilmente compartilhadas via
transacções electrónicas padronizadas com todas as entidades que estão autorizadas a tratar o paciente ou com o qual se relacionam por questões de saúde
(empregadores, seguradoras, etc.). O hospital demonstra um resumo continuado dos dados para todos os serviços do hospital.
Quadro 6 – Modelo de Maturidade do NHS para o Registo Electrónico do Paciente.

Estádio I Estádio II Estádio III Estádio IV Estádio V Estádio VI


Dados Administrativos Dados integrados de Dados de suporte à Dados de suporte ao Dados de suporte Dados multimédia
5.3. Modelo de Maturidade da IDC para os STI nos Hospitais diagnóstico de apoio actividade clínica conhecimento e à a especialidades avançados e telemática
ao tratamento decisão clínica específicas
Sistemas de Estádio 1 + Estádio 2 + Estádio 3 + Estádio 4 + Estádio 5 +
A IDC (Health Industry Insights) desenvolveu um modelo de maturidade de cinco estádios para descre- administração de Sistema Indexador Mestre Requisições clínicas; Bases de conhecimento; Módulos clínicos especiais; Telemedicina;
ver a evolução dos STI nos hospitais. Cada estádio assenta no estádio anterior em termos de capacidades pacientes departamentais de Pacientes; Prescrições; Guidelines integradas; Gestão de imagem Outras aplicações
(Quadro 5). independentes Sistemas departamentais Relatórios de resultados; Alertas (angiografia, multimédia (e.g., PACS -
Cuidados multi- ecocardiografia, etc.) sistema de comunicação e
profissionais arquivamento de imagens)
Este modelo de maturidade tem sido usado pela IDC à escala mundial, quer para aferir a maturidade
dos STI nos hospitais quer para comparar as diferenças de maturidade médias entre regiões e países de
vários continentes [e.g., Holland et al. 2008].
Seguindo em direcção ao último estádio, mais e mais informação estará disponível ao toque de um
botão, usando os tradicionais PCs, terminais móveis, computadores e dispositivos portáteis. O sistema
24 | Álvaro Rocha Capítulo 1 Evolução da Maturidade dos Sistemas e Tecnologias de Informação na Saúde | 25

EPR será a fonte primária de todas as informações do paciente. Irá permitir o registo médico completo e Holland, C. & Light, B. (2001), A stage maturity model for enterprise resource planning systems, Data
estará disponível on-line e no ponto de contacto com o paciente. Base for Advances in Information Systems, 32, 2, 34–45.

Holland, M., Piai, S. & Dunbrack, LA (2008), Healthcare IT Maturity Model: Western European Hospitals -
6. Considerações Finais The Leading Countries, February 2008, Health Industry Insights #HI210231, IDC.

No âmbito da escrita deste capítulo fizemos um levantamento de modelos de maturidade orientados Khandelwal, V. & Ferguson, J. (1999), Critical Success Factors (CSFs) and the Growth of IT in Selected Geo-
à gestão de STI na saúde. Para o efeito recorremos ao nosso conhecimento e às principais bibliotecas graphic Regions, Proceedings of 32nd Hawaii International Conference on Systems Sciences (HICSS-32), USA.
digitais da área dos STI assim como ao motor de pesquisa Google, o que resultou na identificação dos
modelos de maturidade mencionados e/ou apresentados. King, JL & Kraemer, KL (1984), Evolution and organizational information systems: an assessment of
Nolan’s stage model, Communications of the Association for Computing Machinery, 27, 5, 466–475.
Consequentemente, podemos concluir que a investigação sobre modelos de maturidade orientados à
gestão de STI na saúde ainda se encontra numa fase embrionária. Do levantamento realizado constata- King, W. & Teo, T. (1997), Integration between Business Planning and Information Systems Planning: Vali-
mos que existem poucos modelos, são pouco detalhados, não disponibilizam instrumentos para deter- dating a Stage Hypothesis. Decision Sciences, 28, 2, 279-307.
minação da maturidade nem apresentam as características dos estádios de maturidade estruturadas por
factores de influência. Mullner, RM & Chung, K. (2006), Current issues in health care informatics, Journal of Medical Systems,
30, 1, 1–2.
Esta constatação sinaliza a oportunidade do desenvolvimento de novos modelos de maturidade orien-
tados à gestão dos STI na saúde, que colmatem as lacunas identificadas acima. Considerando o universo Mutsaers, E., Zee, H. & Giertz, H. (1997), The Evolution of Information Technology, BIK-Blad (Nolan Norton
dos modelos de maturidade que conhecemos, cremos que o Modelo Revisto de Estádios de Maturidade & Co., Utrecht), 2, 2, pp. 15-23.
de Galliers e Sutherland (1991) poderá servir como inspiração, sobretudo para a definição dos factores
de influência e para a elaboração de um instrumento de aferição da maturidade. Nolan, R. & Koot, W. (1992), Nolan Stages Theory Today: A framework for senior and IT management to
manage information technology, Holland Management Review, 31, 1-24.

Referências Bibliográficas Nolan, R. (1973), Managing de computer resource: a stage hypothesis, Communications of de ACM, 16,
7, 399-405.
Damsgaard, J. & Scheepers, R. (2000), Managing the crises in intranet implementation: a stage model,
Information Systems Journal, 10, 2, 131–149. Priestman, W. (2007), ICT Strategy 2007-2011 for the Royal Liverpool & Broadgreen University Hospitals
Trust, Trust Board.
Earl, MJ (1989), Management Strategies for Information Technologies, Prentice Hall, New Jersey.
Rocha, Á. (2000), Influência da Maturidade da Função Sistema de Informação na Abordagem à Engenha-
Galliers, RD & Sutherland, AR (1991), Information systems management and strategy formulation: the ria de Requisitos, Tese de Doutoramento, Universidade do Minho.
‘stages of growth’ model revisited, Journal of Information Systems, 1, 2, 89–114.
SEI (2006), CMMI for Development - V1.2, CMU/SEI-2006-TR-008, Software Engineering Institute.
Garets, D. & Davis, M. (2006), Electronic Medical Records versus Electronic Health Records: Yes, there is a
difference, HIMMS Analytics White Paper. Sharma, B. (2008), Electronic Healthcare Maturity Model (eHMM), Quintegra.

Haux, R. (2006), Health Information Systems – Past, Present, Future, International Journal of Medical In- Vogel, LH (2003), Finding value from IT investments: exploring the elusive ROI in healthcare, Journal of
formatics, 75, 268-281. Healthcare Information Management, 17, 4, 20–28.

HIMSS (2009), EMR Adoption Model, HIMMS Analytics. Wetering, R. & Batemberg, R. (2009), A PACS maturity model: A systematic meta-analytic review on maturation
and evolvability of PACS in the hospital enterprise, International Journal of Medical Informatics, 78, 127-140.
27
capítulo 2
Estrutura e Governo das TI para a Saúde

Rui Gomes1
Direcção de Gestão das Tecnologias e da Informação
rui.gomes@hff.min-saude.pt

Resumo

Num mercado em crescimento e sempre competitivo, só mesmo as organizações que tiram partido do
melhor da informação que utilizam, como base para a decisão, podem beneficiar de lucros e crescer. As
instituições que recolhem, manipulam e gerem dados de saúde são responsáveis pela informação sensí-
vel que utilizam de tal modo que a devem reconhecer como um recurso valioso que deve ser protegido
e utilizado com conveniência. A utilização de um governo para as TI, com base nas melhores práticas da
indústria para a gestão e protecção da informação de saúde, são o melhor critério para a preservação da
informação contra extravios, exposição ou destruição, mas também para garantir a gestão de continui-
dade de negócio, minimizando em simultâneo o impacto de incidentes de segurança, e a garantia de
consistência nas melhores características de confidencialidade e integridade da informação.

1. Introdução
Durante mais de uma década da era da informação que cada vez mais se tem acentua a necessidade de
utilização da informação para a extracção de conhecimento que permita acções de decisão de negócio. A
informação é reconhecida, para algumas organizações, como um dos mais importantes bens mais impor-
tantes utilizados na gestão estratégica. Os Sistemas de Informação e os serviços que lhe estão associados
desempenham um papel indispensável para a persecução do negócio pelo que são recursos que neces-
sitam de ser favorecidos de uma gestão apropriada. O conceito de governo relaciona-se geralmente com
elementos originais da relação social, designadamente as regras, processos e os comportamentos através
dos quais os interesses se articulam, os recursos são geridos e o poder é exercido no seio da sociedade.

2. Governo empresarial (Corporate Governance)


A generalidade das pessoas prefere trabalhar em organizações estáveis e produtivas e no qual o controlo
dos processos seja rigoroso mas estável. O governo ou governança empresarial é o sistema pelo qual as

1 Director Gestão das Tecnologias e da Informação, Hospital Fernando Fonseca, E.P.E (Amadora/Sintra)– Amadora – Lisboa, Portugal.
28 | Rui Gomes Capítulo 2 Estrutura e Governo das TI para a Saúde | 29

organizações são dirigidas e controladas e está directamente relacionado com a capacidade de tomada
de decisões e no qual assume um grande potencial de realização associado a uma constante verificação
da performance das medidas correntes. Tipicamente estará relacionado com uma gestão consistente,
com políticas organizadas. O facto de algumas organizações apostarem no governo é porque preferem
projectos de governação com processos sempre controlados e alinhados com os objectivos de negócio.
E essa é uma das características que se lhes permite dar forma e terem personalidade suficiente para se
protegerem do caos. A dependência dos negócios nas tecnologias de informação resulta no facto de que
as matérias do governo empresarial já não podem ser resolvidas sem termos em consideração as tecno-
logias da informação e isso significa que o Corporate Governance deve conduzir e estabelecer um governo
de Tecnologias e da Informação (IT-Governance).

3. Governo das TI (IT-Governance)


De acordo com o dicionário de Oxford, o termo Governance é o acto de controlar, dirigir ou regular as
acções de uma entidade, como uma empresa ou o estado, e portanto o IT-Governance, será o acto de
regular os processos das TI dessa entidade. Implementar um modelo de Governo de TI significa utilizar
um conjunto de práticas e normas, delineados pela gestão, técnicos e utilizadores de uma organização, Figura 1 - Framework IT-Governance
com o propósito de garantir controlo efectivo de processos, melhorando a segurança, minimizando
riscos, aumentando o desempenho, optimizando recursos, reduzindo custos, sustentando as melhores
decisões e em consequência esperar o melhor alinhamento entre as TI com os negócios. Os 10 princípios do Governo das TI

A 26 de Maio de 2008 foi lançada a norma internacional dedicada à gestão das TI (a ISO 38500) [1] - que A partir de uma compilação da Harvard Business School [3], segue uma versão adaptada dos 10 princípios
é baseada na norma australiana AS8015 2005 [2]. Esta norma é composta por três grandes áreas: Avaliar, para a boa governação da Tecnologias da Informação, no qual podemos retirar orientações para a cria-
Gerir e Monitorizar no qual se estabelece um guia baseado em seis princípios: 1) estabelecer responsa- ção de valor para as organizações.
bilidades, 2) planear as TI de suporte às organizações, 3) adquirir valor das TI, 4) assegurar desempenhos
adequados das TI sempre e onde é necessário, 5) assegurar a conformidade formal das TI com as regras 1 – Desenhe activamente um modelo de governo: O departamento das Tecnologias e dos Siste-
internas e externas e como 6) assegurar que o uso das TI respeitam o factor humano. Esta é a chave para mas de Informação deve estar envolvido directamente com a estratégia da organização e os seus
as linhas de convergência que garantem que os nossos sistemas estão a trabalhar de forma conveniente, objectivos de desempenho. A estratégia de “tapar buracos” e resolver problemas pontuais limita o
e no qual temos a capacidade de investir e aplicar sobre eles novas capacidades. Como podemos dar impacto estratégico das TI.
prioridade e gerir o desenvolvimento de aplicações, alocar capital para novas aquisições e saber quando
está na altura de descartar dos sistemas legados. Estas são as questões que devem ser respondidas em 2 – Procurar saber quando se deve reformular a estratégia: Um modelo desenhado só é válido
qualquer programa de IT-Governance. Um projecto de Governança efectiva pode ajudar uma organi- enquanto for eficiente. Não se exige definir tempos de duração, mas uma atenção particular à ne-
zação a assegurar que os seus recursos de TI permanecem focados nas prioridades de modo que os cessidade de um dia ter de remodelar a estratégia.
compromissos com o nível de serviço são preenchidos e as decisões são tomadas com a informação
necessária. Em resumo o IT-Governance para além de garantir ferramentas de suporte à gestão das TI 3 – Envolva gestores séniores: OS CIOs devem estar activamente envolvidos na gestão das TI para
também procura obter o alinhamento das TI com os objectivos estratégicos e financeiros da instituição. que a governação tenha sucesso, mas é necessário envolver gestores de topo de outras áreas nos
As TI por seu lado podem influenciar oportunidades estratégicas definidas pela empresa fornecendo comités e processos de aprovação.
informação vital para planos estratégicos. É assim que o IT-Governance garante às empresas capacidade
em tirar o máximo partido da informação. 4 – Faça escolhas: Não é possível cumprir todos os objectivos e por isso devem ser identificados os
que geram conflitos de execução e começar por aqueles que são mais simples de concluir e que ao
mesmo tempo sejam estratégicos para o negócio da empresa.
30 | Rui Gomes Capítulo 2 Estrutura e Governo das TI para a Saúde | 31

5 – Clarifique o processo de gestão de excepções: Para acompanhar mudanças numa unidade de


negócio é preciso saber abrir excepções em relação à arquitectura de TI e à infra-estrutura. Avalie se
estas fazem sentido e defina critérios para a sua aceitação.

6 – Forneça os incentivos certos: Muitas vezes os sistemas de incentivos e recompensas não estão
alinhados. É um problema que ultrapassa a governação de TI mas que também a afecta.

7 – Defina responsabilidades na governação das TI: Em última análise a administração é respon-


sável por toda a governação, mas a delegação da responsabilidade individual ou de grupo normal-
mente recai no CIO, que assume o desenho, implementação e desempenho desta área. É preciso
encontrar a pessoa certa mas não a separar do resto dos objectivos do negócio e garantir que esta
crie uma equipa sustentável que apoie a implementação do projecto de governação.

8 – Implemente a governação aos vários níveis organizacionais: Em grandes empresas, com vários
níveis funcionais, é preciso considerar a governança de TI a vários níveis. O ponto de partida são
sempre os objectivos e estratégias globais, comuns às múltiplas empresas do mesmo grupo e dife-
rentes geografias.

9 – Assegure transparência e formação: Quanto mais transparente e mais conhecido for o processo Figura 2 - IT-Governance e Negócio, Adaptado a partir de modelo da ISACA [4]
de governação mais fácil é a sua implementação e o cumprimento das directivas por parte de toda
a organização.
4. Gestão das TI (IT Management)
10 – Implemente mecanismos comuns para as áreas fundamentais: Vale a pena pensar de forma
estruturada os recursos humanos, as relações com clientes e fornecedores, produtos, vendas, finan- O conceito de Governance está subjacente na capacidade de se criarem mecanismos no qual outros pos-
ças e informação e TI. A coordenação destes bens fundamentais da empresa parece óbvia mas nem sam vir a gerir eficazmente algum recurso, enquanto o Management é a actividade para se conseguir
sempre é implementada operacionalizar esses mecanismos. Para que o IT-Governance seja situado numa perspectiva prática é im-
portante saber qual a orientação deste para o negócio e qual é o universo de relacionamento que este
A dependência que no momento os negócios têm das TI está implícito que não é possível assegurar a im- tem de ter com a componente de tecnologias. Segundo a figura 2 [adaptada a partir da ISACA], é possível
plementação e controlo de medidas de Corporate Governance sem ter em linha de conta o IT-Governance. ver que na relação entre o IT-Governance e o IT Management, o IT-Governance é muito mais abrangente e
concentra-se na performance e na transformação das TI para irem ao encontro no presente e no futuro
As empresas mais despertas já estarão a mover-se pela consciência de que isto reforça a sua credibilida- das necessidades do negócio. Por outro lado o IT Management está focado na eficiência do fornecimento
de, segurança e solidez. Ao cumprirem os requisitos de conformidades, as organizações podem tomar interno efectivo de serviços e produtos e na gestão das operações de TI para responder num curto prazo.
melhores decisões, pois partem de informação com melhor qualidade, que permite melhorar os proces-
sos de negócio.
5. Governo nas Organizações em Geral
Segundo um inquérito da DTI [4] (Departamento de Comércio e Indústria Britânico), 30% das organiza-
ções a nível mundial, não reconhecem que a informação relativa ao seu negócio pode conter caracterís-
ticas sensíveis ou críticas que lhes confiram o estatuto de serem um bem de negócio. Segundo a norma
ISO 38500 existem ciclos distintos de controlo que podem ser aplicados a qualquer infra-estrutura de
tecnologias de informação de uma organização, baseado em IT-Governance para acções de definir e
implementar processos, políticas e regras para o governo das actividades.
32 | Rui Gomes Capítulo 2 Estrutura e Governo das TI para a Saúde | 33

• Projectos de desenvolvimento de aplicações: Adicionam estrutura e disciplina à prática no desen-


volvimento de aplicações. Controlo do código fonte, repositórios de dados, monitorização de tarefas, e
planeamento de projectos e a gestão de software e a análise e as ferramentas de testes podem ser muito
úteis para a implementação de projectos de IT-Governance.

• Operação de sistemas em tempo real: As aplicações de software para a monitorização das actividades
de negócio podem ter neste cenário o papel de sensores. As aplicações de gestão das regras de negócio
podem ter um papel importante para o gestor enquanto o software de segurança pode ser considerado
como um actuador que protege os acessos de utilizadores não autorizados.

• Gestão de portfólio: Nesta componente é onde se decide fazer versus comprar; substituir versus up-
grade, in-house versus outsourcing, etc. São algumas das decisões consideradas como parte das gestão
do portfólio das TI, e estas decisões podem ser consideradas utilizando uma aplicação de gestão do por-
tfólio de assets que providenciam informação sobre as dependências do suporte necessário e o impacto
de custos. Um programa efectivo de IT-Governance pode ajudar uma organização a manter os seus
recursos de TI focados nas prioridades, mantendo os compromissos com o nível de serviço assegurados
e decidir com base em informação precisa. É de crucial importância que as direcções das organizações Figura 3 - IT-Governance como habilitador negócio.
conheçam na integra a arquitectura global do seu portfólio de aplicações de TI, conheçam os recursos
de informação que se encontram disponíveis e em que condições e qual o papel que devem desempe- 6. Governo nas Organizações de Saúde
nhar para produzirem valor.
Nos organismos de saúde, nomeadamente nos hospitais onde se encontre alguma maturidade que
O principal objectivo da aplicação do IT-Governance numa organização é: diga respeito à necessidade de gestão dos acessos aos recursos de informação, aguarda-se com ansie-
dade por orientações objectivas, provenientes de uma entidade de regulação, de como pode e deve
1 - Assegurar que os investimentos em TI geram valor de negócio e ser gerido o seu conjunto de peças de informação em matéria de política que siga padrões de gestão
2 - Atenuar os riscos associados à introdução e investimentos das TI (figura 3). do risco e da segurança de informação. A indefinição de regras e orientações e a falta de um repositório
legal de documentação com as normas e conceitos mínimos que possam ser adoptados, na área das
Pelo que estes objectivos podem ser alcançados se for implementada uma estrutura organizacional tecnologias informáticas e nas infra-estruturas de comunicação, redes e energia para que do ponto de
onde estejam bem definidas os papéis e as responsabilidades pela informação, os processos de negócio, vista funcional seja possível e acessível a pesquisa de informação que permita uma gestão operacional
aplicações, infra-estrutura, etc. adequada (ex. implementação de directórios LDAP, servidores de comunicações, tecnologias thin client,
service desk com qualidade, centros de dados energicamente eficientes, medidas a ter na implementação
de equipamento informático nos blocos operatórios, etc... Não esquecer porém o enfoque nas arqui-
tecturas de sistemas de informação, interoperabilidade, desenvolvimento, comunicação, arquivo, e até
mapeamentos da informação de negócio. No âmbito do Serviço de Saúde seria valioso a promoção de:

- Um repositório central e actualizado com todas as regulações nacionais e internacionais com rele-
vo para a Saúde;
- Um directório com vários actores ligados à gestão das TI onde pudessem ser acompanhados com a
divulgação de trabalhos relacionados que estejam a decorrer nas instituições de saúde;
- A divulgação de trabalhos relacionados que estejam a decorrer na academia;
- A criação de um espaço em que sejam propostos à academia novos estudos de avaliação, sistemas
avançados, etc.;
- Formação relacionada com a interoperabilidade (ITIL, HL7, DICOM, openEHR, ...).
34 | Rui Gomes Capítulo 2 Estrutura e Governo das TI para a Saúde | 35

7. A Segurança das TI como Habilitador de Negócio 4. Automatizar a gestão das vulnerabilidades de modo que os sistemas possam ser actualizados mais
facilmente com patches para as últimas vulnerabilidades;
Segundo Eugene Spafford [5] a segurança não é um problema mas uma ferramenta que protege o 5. Permitir aos utilizadores que possam criar e gerir alguma da informação do seu perfil (por exemplo
nosso emprego e ajuda a impulsionar o negócio. Uma aposta numa plataforma ágil e integrada para a passwords) e evitar assim que isso tenha de ser realizado pelos administradores de sistemas ou pela
segurança da informação pode garantir uma serie de oportunidades. Configure-se o exemplo na ima- equipa de helpdesk;
gem (da CA) onde podemos constatar como quatro oportunidades se podem estender no seguinte 6. Automatização e filtro de eventos na análise da gestão da segurança da informação. Permitir que os
posicionamento (figura 4). A oportunidade mais abrangente e a longo prazo é aquela que terá mais logs sejam agrupados e correlacionados de modo a ficarem mais visíveis os eventos mais importantes
impacto para além do seu âmbito. Por exemplo as actividades de conformidades podem ter benefícios permitindo redução de tempo no esforço necessário pelos gestores da segurança, tal como a redução
significativos para além de meramente ajustar conformidades com os requisitos de cada uma regulação. da probabilidade de ignorar as quebras de segurança.

Mitigação do Risco

Uma das oportunidades que a segurança da informação nos oferece é a capacidade de delimitar os ris-
cos operacionais tal como as ameaças de hackers, malware, acesso não autorizados a recursos, tempo de
latência até a desactivação de perfis de utilizadores que deixaram a organização, contas abandonadas,
etc. São necessários planos para a delimitação dos riscos de modo a garantir que estes se encontram a
um nível baixo aceitável. Estas ameaças não só têm impacto na criticidade da segurança dos bens da
organização, como também tornam qualquer iniciativa de regulamentar e garantir a conformidade mais
difícil. Existem duas áreas principais no qual uma efectiva gestão da segurança pode fazer beneficiar
uma significante delimitação do risco: a protecção de bens de forma a assegurar que os recursos valio-
sos da organização se mantêm seguros e acessíveis só a quem de direito; e a garantia da continuidade
de Serviço de forma a garantirmos que os serviços disponibilizados a empregados, parceiros e clientes
estão disponíveis quando necessários, sem degradação de qualidade ou nível de serviço. Uma solução
integrada para a gestão das ameaças pode ajudar a assegurar a continuidade de serviços críticos de TI.

Figura 4 - A adopção do IT-Governance como habilitador negócio [7].


Conformidades & Auditoria

Eficiência Operacional A gestão da segurança é o coração de muitas regulações das indústrias e dos governos, especialmente
aqueles que lidam com requisitos relativos à privacidade de informação. Sem um infra-estrutura robusta
O desafio para os gestores da segurança das TI é reduzir o custo total das operações em TI e em infra-es- de segurança que proteja sistemas, aplicações, dados e processos de acessos ou uso não autorizado,
truturas e melhorar a produtividade de quem as utiliza. Do ponto de vista operacional uma plataforma obter a conformidade das regulations é muito difícil. A chave para a compliance com estas regulações é
integrada de segurança pode criar eficiência se: garantir a implementação de um robusto conjunto de controlos de segurança. Esses controlos devem
não só assegurar a validação e eficácia dos processos críticos de informação, mas também permitir que
1. Centralizar a gestão das identidades dos utilizadores de modo que IDs e perfis dos utilizadores não sejam facilmente auditáveis de modo a provar a compliance a auditores internos e externos.
tenham de ser criados e geridos em múltiplos sistemas;
2. Centralizar toda a gestão de acessos de forma que a segurança não necessite de ser gerida em cada
aplicação ou cada sistema operativo; Habilitador de Negócio
3. Automatizar o acesso ou a inibição de todos os direitos de acesso das aplicações de cada utilizador de
forma a eliminar que os administradores de sistemas tenham de dar acesso manualmente a cada sistema; Existe um grande oportunidade - normalmente desprezada - relacionada com um sistema de segurança
integrado no qual a aposta é em deixar entrar com segurança quem pretende fazer o bem permitindo
36 | Rui Gomes Capítulo 2 Estrutura e Governo das TI para a Saúde | 37

o estabelecimento de iniciativas de negócio. Uma gestão efectiva da segurança permite que a infra- Bibliografia
-estrutura seja gerida de uma forma que mais facilmente faça crescer o negócio. Fortalece também a
relação entre clientes e parceiros de uma forma que cria oportunidade de vendas de produtos e serviços ISO/IEC 38500:2008, JTC 1 Information technology, Corporate governance of information technology.
adicionais seja com uma diversificação de serviços, melhoria do relacionamento com os clientes, me-
lhorar a reputação (pode ser muito prejudicial para o negócio o conhecimento público de uma simples Australian Standard for Corporate Governance of Information and Communication Technology).
quebra de segurança), criação de um ecossistema robusto para partilha de aplicações e capacidade de
reagir rapidamente à mudança das condições de mercado. Weill, Ross. (2004) In Governance - How Top Performers Manage It Decision Rights For Superior Results, Har-
vard Business Press.

8. Conclusões The Information Systems Audit and Control Association (ISACA), http://www.isaca.org/

As equipas de gestão nos boards das instituições de saúde deverão estar sensíveis às questões da segu- DTI (Departamento de Comércio e Indústria Britânico)
rança das TI, mesmo que não estejam confiantes que um investimento nesse sector possa ser habilitador
de negócio. Isto porque, investir nessa área tecnológica vai no mínimo assegurar um ambiente seguro Eugene Spafford, (perito internacional da segurança - the executive director of Purdue University’s Cen-
e proteger os bens da organização tal como a reputação desta na indústria da saúde. Normalmente é ter for Education and Research in Information Assurance and Security (Cerias)
obrigatório que estas actividades sejam implementadas a um custo mais baixo do que no passado. O
IT-Governance é visto como um aliado nesta preocupação estratégica pois ajuda a potenciar a introdu- Whitman, Mattord. (2009). Risk Management: Controlling Risk. Chap 9. Management of Information Secu-
ção de nova tecnologia com método e investimento controlado e identifica os principais riscos que as rity. 3th edition. USA, Course Technology.
infra-estruturas críticas podem estar sujeitas. É importante considerar que qualquer mudança pode ter
riscos reais associados e infinitos, pelo que a estabelecer um caminho para um programa de segurança da
informação deve considerar-se que o ambiente da informação é altamente dinâmico e os seus recursos
são finitos. A implementação de uma solução terá sempre de incluir de base as pessoas, os processos e
as tecnologias e assumir que o maior problema serão sempre as pessoas. A grande parte dos ataques
surge devido a erro ou iniciativa humana, falha de sistemas e software malicioso. Quer sejam as pessoas
que desenham o software, as que instalam, as que abusam dos sistemas e muitas vezes as que é suposto
estarem a guardar o sistema, a verdade é que o elemento humano é sempre considerado o elo mais fraco.
39
capítulo 3
A Privacidade do Doente e as Necessidades dos
Profissionais em Acederem aos Seus Dados

Henrique Ferreira1.
Especialista de Informática.
henrique@hstviseu.min-saude.pt.

Resumo

Os sistemas de informação vieram trazer inúmeras vantagens à prestação de cuidados de saúde. Sendo
esta uma área que trata de dados sensíveis, as questões associadas à segurança da informação assumem
uma grande relevância. Este capítulo aborda a questão da protecção dos dados dos doentes ao nível
interno das instituições, garantindo contudo, o acesso a todos os dados que os profissionais de saúde
necessitam na prestação de cuidados. Inicia com o enquadramento do tema, refere as leis existentes e
conclui com uma proposta de metodologia a aplicar internamente, com vista à criação de uma filosofia
própria da instituição, que respeite os interesses dos doentes e dos profissionais.

1. Introdução
Os sistemas de informação permitem, nas instituições de saúde, aceder de forma relativamente simples
e rápida a um grande número de informações agregadas dos doentes.

Este facto deve obrigar as instituições a tomar medidas exigentes no modo de recolha, tratamento e
disponibilização dessas mesmas informações aos profissionais de saúde.

As preocupações devem ser divididas em duas vertentes: a defesa dos direitos dos doentes e a evolução
dos sistemas de informação, visto serem instrumentos de progresso social que trazem grandes benefí-
cios a todos os cidadãos.

Uma ideia que se tem vulgarizado nos últimos anos é a de que a violação da privacidade só poderá ser
efectivamente combatida, se os dados dos doentes forem informatizados; esta ideia deriva do facto dos

1 Responsável pela Informática, Hospital de São Teotónio – Viseu. Av. Rei D. Duarte, 3504-509 Viseu, Portugal.
40 | Henrique Ferreira Capítulo 3 A Privacidade do Doente e as Necessidades dos Profissionais em Acederem aos Seus Dados | 41

processos clínicos em papel, terem obrigatoriamente de passar por várias mãos, aumentando o risco de Os profissionais estão obrigados, singular e colectivamente, a guardar segredo profissional quanto às
violação do segredo das informações lá registadas. informações clínicas que têm o dever de registar e às quais possam ter acesso, porque a finalidade dos
registos é a de poder prestar os serviços necessários à prestação dos cuidados de saúde.
Embora os sistemas de informação tenham trazido, comparativamente aos métodos tradicionais, um
maior e melhor controlo do acesso às informações clínicas dos doentes, devem-se procurar implementar A Lei 67/98 de 26 de Outubro desenvolveu e regulamentou a nova formulação do artigo 35º da Cons-
medidas de melhoria contínua que verifiquem e auditem os sistemas, circuitos e utilizadores. tituição da República Portuguesa e transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva nº 95/94/CE,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas
Mesmo com as normas legais existentes, que balizam os direitos de privacidade e confidencialidade dos singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais.
doentes, o uso dos sistemas de informação em saúde é feito muitas vezes sem a verdadeira consciência
de todos estes pressupostos. Esta Lei aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem
como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou
Compete aos profissionais de saúde disponibilizar, com qualidade, os cuidados de saúde que os doen- a estes destinados (artigo 4º, nº1).
tes necessitam, respeitando as leges artis e todo o conhecimento necessário para os informar, antes de
iniciar um exame, um tratamento ou qualquer outra intervenção, de forma a obter o seu consentimento A Lei 12/2005 de 26 de Janeiro, veio definir o conceito de informação de saúde e de informação genética, a
livre e esclarecido. circulação de informação e a intervenção sobre o genoma humano no sistema de saúde, bem como as regras
para a colheita e conservação de produtos biológicos para efeitos de testes genéticos ou de investigação.
Têm ainda o dever de guardar sigilo e salvaguardar a protecção dos dados pessoais, assim como de fazer uma
boa documentação clínica, de forma a diminuir o erro e criar uma base sólida de suporte à decisão clínica. Destaca-se o artigo 4º (tratamento da informação em saúde):

Os doentes, por seu lado, ao recorrerem aos serviços de saúde e mediante o seu consentimento em se- 1 - Os responsáveis pelo tratamento da informação de saúde devem tomar as providências adequadas à pro-
rem tratados, consentem também o tratamento dos seus dados pessoais, necessários para a elaboração tecção da sua confidencialidade, garantindo a segurança das instalações e equipamentos, o controlo no aces-
do processo clínico hospitalar. so à informação, bem como o reforço do dever de sigilo e da educação deontológica de todos os profissionais.

Mas poder-se-á perguntar: 2 - As unidades do sistema de saúde devem impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos e
- Qual a melhor forma de garantir a privacidade e confidencialidade dos dados? aos sistemas informáticos que contenham informação de saúde, incluindo as respectivas cópias de seguran-
- Que orientações devem ser seguidas, capazes de atender aos interesses dos doentes e dos profissionais? ça, assegurando os níveis de segurança apropriados e cumprindo as exigências estabelecidas pela legislação
que regula a protecção de dados pessoais, nomeadamente para evitar a sua destruição, acidental ou ilícita,
Os Sistemas de Informação trazem consigo uma série de posturas que se confrontam com os princípios a alteração, difusão ou acesso não autorizado ou qualquer outra forma de tratamento ilícito da informação.
mais tradicionais da ética clínica, principalmente no aspecto da relação “profissional de saúde/doente”,
pois eles podem suprimir nomeadamente o momento mais eloquente do acto clínico, que é a interac- 3 - A informação de saúde só pode ser utilizada pelo sistema de saúde nas condições expressas em autoriza-
ção entre o profissional de saúde e o doente. ção escrita do seu titular ou de quem o represente.

Já se perspectiva que a consulta normal do doente, pelo seu médico, seja realizada através de meios 4 - O acesso a informação de saúde pode, desde que anonimizada, ser facultado para fins de investigação.
como a Internet, onde não existe o contacto presencial com o examinado, começando aqui uma série
de riscos que passam pela incerteza, pela insegurança e pela desconfiança das informações trocadas. 5 - A gestão dos sistemas que organizam a informação de saúde deve garantir a separação entre a informa-
ção de saúde e genética e a restante informação pessoal, designadamente através da definição de diversos
níveis de acesso.
2. Instrumentos Jurídicos
6 - A gestão dos sistemas de informação deve garantir o processamento regular e frequente de cópias de
O sustentáculo do relacionamento dos profissionais de saúde com os doentes, é o segredo profissional, segurança da informação de saúde, salvaguardadas as garantias de confidencialidade estabelecidas por lei.
que consiste na proibição da revelação de factos ou acontecimentos, de que se teve conhecimento por
via de relação de confiança estabelecida no exercício de respectiva actividade profissional.
42 | Henrique Ferreira Capítulo 3 A Privacidade do Doente e as Necessidades dos Profissionais em Acederem aos Seus Dados | 43

Mais recentemente a Lei 46/2007 de 24 de Agosto, veio regular o acesso aos documentos administrati- Por um lado têm de se dar todas as condições aos profissionais de saúde para que não se obstaculize o
vos e a sua reutilização, onde se individualizam também aspectos específicos relativos a dados de saúde. seu trabalho, por outro, tem de se proteger os dados pessoais dos doentes.

Esta lei veio trazer uma ideia menos paternalista do legislador, permitindo ao doente a consulta directa Por exemplo, no dia-a-dia das instituições de saúde, acontecem frequentemente, a entrada, mudança e
dos seus dados clínicos, em vez de o fazer através de médico com habilitação própria. saída de profissionais dos serviços.

Para além destas leis, existem outros instrumentos jurídicos que directa ou indirectamente demarcam Muitas vezes, também dentro dos próprios serviços, há alteração das funções que os profissionais de-
e enquadram a problemática da protecção dos dados clínicos: Constituição da República Portuguesa sempenham.
– artigo 26º (e 35º), Código Civil, Código Penal, Lei de Bases da Saúde, Estatuto do Serviço Nacional de
Saúde, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – artigo 8º, Declaração Universal dos Direitos Este conjunto de situações, que são frequentes, pode fazer com que se mantenham as permissões dos
do Homem – artigo 12º, Convenção Europeia dos Direitos do Homem – artigo 8º e Convenção 108 do utilizadores, consentindo o seu acesso a sistemas e a informações que não deveriam, ou conservando
Conselho da Europa. níveis superiores de acesso aos que deveriam ter.

Existem também, claro está, os códigos deontológicos dos Médicos e dos Enfermeiros. Para as evitar, devem ser definidas e seguidas regras claras para conceder, alterar e retirar acessos aos
profissionais.
A divulgação destes documentos (ou das principais partes, relacionadas com a protecção de dados pes-
soais dos doentes) a todos os profissionais é de extrema importância, para que seja criada uma consci- Com o cumprimento deste princípio básico, resolve-se um conjunto considerável de situações que
ência, que nem sempre existe, de que há regras e orientações que têm de ser rigorosamente cumpridas. põem em causa o acesso indevido aos dados dos doentes.

3. Implementação de Regras Práticas 4. Acesso aos Sistemas


A prestação de cuidados de saúde aos doentes é feita por norma através de uma equipa multidisciplinar As instituições têm de definir um conjunto de políticas, procedimentos e normas de acesso aos sistemas
de profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, etc.) e todos estes profissionais que interagem recorrendo a uma estrutura piramidal, distinguindo cada especialidade, categoria profissional e mesmo
com o doente, produzem informação que deve ser registada e partilhada. cada profissional (porque ele pode em muitos casos, ter competências e atribuições distintas dos restan-
tes colegas do mesmo serviço):
Mas são as regras desta partilha de informações, que devem ser bem especificadas e enquadradas, por-
que nem todos os profissionais necessitam de ter acesso a todos os dados dos doentes, e deve haver
diferenças, limitações e níveis de acesso.

A título de exemplo pode-se referir a deliberação n.º 86/98 da Comissão Nacional de Protecção de Dados
(CNPD), que considerou que o acesso aos dados sobre a vida sexual, a toxicodependência, VIH e outros dados
com o mesmo grau de sensibilidade, deve ser extremamente limitado, normalmente ao médico assistente.

Apesar de já haver processos a decorrer na CADA – Comissão de Acesso aos Documentos Administra-
tivos e na CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados, como cada instituição se diferencia das
restantes, deve internamente desenvolver todos os esforços para definir regras próprias, obviamente de
acordo com a lei, mas que reflictam a sua realidade e modo de funcionamento.

Com a adopção de sistemas de informação, as organizações de saúde têm de se reorganizar e definir


novos circuitos e regras que esclareçam a política de gestão da informação a implementar, porque são Figura 1
vários os profissionais que interagem com os doentes, assim como diferentes são as suas necessidades.
44 | Henrique Ferreira Capítulo 3 A Privacidade do Doente e as Necessidades dos Profissionais em Acederem aos Seus Dados | 45

Para tal, tem de ser criada uma entidade, pluridisciplinar (incluindo clínicos e não clínicos) que tenha Depois de elaborado e aprovado, o regulamento deve ser aplicado na prática, adoptando as etapas
competências e responsabilidades, para definir quem tem acesso a quê. apresentadas no esquema que se segue:

Caberá a esta entidade:

1) Definir guidelines sobre o processo clínico electrónico, de forma a auxiliar e guiar a instituição na
adopção das tecnologias de informação com uma estratégia integrada e coerente;

a) Definir normas de qualidade e boas práticas para os registos clínicos;


b) Definir que dados devem ser trocados entre as aplicações, de forma a garantir que os profis-
sionais tenham acesso de forma simples e rápida, a todos os dados que tenham sido definidos
como de acesso necessário;
c) Definir a forma e regras de como os vários profissionais poderão registar dados que só eles
próprios podem visualizar (dados que não sejam clinicamente relevantes e que não sejam para
divulgar em qualquer circunstância, porque são de reserva do próprio, tal como observações
subjectivas, opiniões, comentários, etc.); Figura 2

2) Tipificar os vários tipos de profissionais existentes na instituição e as suas necessidades relaciona-


das com as tarefas que desempenham, descrevendo as suas principais funções Todos os acessos deverão ser atribuídos de forma a serem facilmente controlados, auditados e monitorizados.

3) Identificar as aplicações e sistemas, aos quais cada profissional de saúde necessita de ter acesso; Os pedidos e alterações de acesso, devem ser feitos de forma simples, garantindo rapidez e confidencia-
lidade no processo.
4) Identificar o conjunto de dados a que cada tipo de profissional deve ter acesso dentro de cada
aplicação (que passa por definir quais as informações clinicamente relevantes); As questões técnicas, relativas à forma como cada aplicação deve implementar estas regras, ou quem admi-
nistrativamente operacionaliza estes acessos, deverá também ser abordado caso a caso em cada instituição.
5) Enquadrar cada profissional de acordo com as regras estabelecidas;

6) Identificar dentro do possível, necessidades atípicas de acesso aos sistemas de informação, como 5. Conclusão
sejam auditorias e revisões de processos e quais os profissionais a quem pode ser dado esse acesso,
devendo ser criado um procedimento que inclua um intervalo temporal e quais os dados a que é A mentalidade dos profissionais de saúde deverá evoluir no sentido do “reforço do dever de sigilo e da
permitido aceder; educação deontológica”, como é referido no artigo 4º da Lei 12/2005.

7) Definir procedimentos e normas para requerer e autorizar acessos especiais e/ou temporários a Mas para tal, têm de se definir regras, políticas e procedimentos institucionais, no respeito da lei, que
dados clínicos, tendo em conta a justificação, os dados necessários e o intervalo de tempo essencial reflictam a realidade do funcionamento de cada instituição.
para fazer o acesso;
Ao contrário do que se tem assistido, não podem ser as instituições e os profissionais a adaptarem-se aos
8) Definir normas para que os acessos sejam suspensos ou retirados. Neste ponto devem ser considera- sistemas de informação e às decisões tomadas pelos fabricantes das aplicações, mas o inverso.
dos não só os casos normais, mas também os casos que por natureza diversa, impliquem urgência na sua
alteração. Devendo dar-se a conhecer em qualquer caso aos utilizadores que o seu acesso foi alterado; As instituições de saúde, por regra, quando implementam os seus sistemas de informação, aceitam sem
grandes exigências, as políticas de segurança e a filosofia de funcionamento das aplicações que o res-
9) Definir um regulamento para todos estes pontos que deve ser dado a conhecer a todos os utilizadores; pectivo fornecedor concebe e disponibiliza.
46 | Henrique Ferreira Capítulo 3 A Privacidade do Doente e as Necessidades dos Profissionais em Acederem aos Seus Dados | 47

O que resulta em fases de adaptação complicadas e por exigências feitas aquando da implementação Directiva 95/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de Outubro de 1995.
no terreno, que nem sempre são adequadamente solucionadas.
Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro
As instituições têm a obrigação de ter uma intervenção mais efectiva e exigente na escolha e definição
dos requisitos que os sistemas de informação devem obedecer, não se podendo alhear desta fase essen- Grogan, J., (2006). EHRs and Information Availability: Are You at Risk?, Health Management Technology.
cial na implementação destas ferramentas.
Grzybowski, D. M., (2005). Patient Privacy: The Right to Know Versus the Need to Access, Health Manage-
Só desta forma se pode implementar uma filosofia própria da instituição, criando condições aos profis- ment Technology.
sionais e respeitando os interesses dos doentes.
He, D. D., Yang, J. (2009). Authorization Control in Collaborative Healthcare Systems, Journal of Theoretical
and Applied Electronic Commerce Research.
Bibliografia
Lattanzi, R. (2009). Protecting Health Care Data: From Medical Secrecy to Personal Data Protection, Solution
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Lei 12/2005 de 26 de Janeiro.
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ance control, Int. J. Inf. Secur – Springer Verlag. Lei 67/98 de 26 de Outubro.

Código Civil, actualizado até à Lei 61/2008, de 31 de Outubro. Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas
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49
capítulo 4
As Instituições de Solidariedade Social,
os Sistemas de Informação e os Desafios da
Prestação de Cuidados Integrados a Idosos

Alexandra Queirós1
Professora Coordenadora
alexandra@ua.pt

Nelson Pacheco da Rocha2


Professor Catedrático.
npr@ua.pt

Resumo

Os cuidados integrados a idosos pretendem ultrapassar os problemas resultantes de uma oferta frag-
mentada e descontínua dos serviços de saúde e de âmbito social. A evolução para os cuidados integra-
dos exige que os serviços de informação em saúde ultrapassem as fronteiras dos hospitais e outras uni-
dades de saúde e cheguem às instituições de âmbito social que desempenham um papel importante na
prestação de cuidados a idosos. No presente artigo é proposto um modelo de referência que identifica
os processos, procedimentos e conceitos inerentes ao funcionamento de instituições de âmbito social.
A este modelo está associada uma arquitectura genérica cuja flexibilidade e modularidade permite um
desenvolvimento gradual de serviços de informação e uma reutilização de componentes. Tal possibilita
a introdução e adaptação de novos serviços de informação através do envolvimento dos utilizadores
finais num sector que, tradicionalmente, tem tido dificuldades em termos de evolução tecnológica.

1. Contextualização
As implicações socio-económicas resultantes do aumento da proporção de idosos na população global
são preocupantes: o decréscimo da oferta da força de trabalho, a diminuição da produtividade e a menor

1 Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal.
2 Secção Autónoma de Ciências da Saúde, Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal.
50 | Alexandra Queirós e Nelson Pacheco da Rocha Capítulo 4 As Instituições de Solidariedade Social, os Sistemas de Informação e os Desafios da Prestação [...] | 51

mobilidade e flexibilidade dos trabalhadores conduzirão ao aumento do peso das contribuições que re- particulares de solidariedade social, preenchem lacunas dos serviços públicos uma vez que são elas que
caem sobre os empregadores e, consequentemente, um decréscimo da poupança das famílias (menos estão mais próximas da sociedade civil. As ISS são relevantes não só na prestação de cuidados de âmbito
pessoas a usufruírem rendimentos) e do Estado (em consequência dos gastos com as políticas sociais). social mas também na prestação de cuidados de saúde porquanto contam entre os seus colaboradores
Por outro lado, a frequência, severidade e complexidade dos tratamentos de doenças de natureza cró- pessoal clínico, possuem convenções com o Serviço Nacional de Saúde, têm uma importância crescente
nica, que aparecem ou se agravam em paralelo com o processo natural de envelhecimento, tenderão nos cuidados continuados e serão fundamentais para o desenvolvimento de cuidados integrados.
a aumentar o custo per capita dos cuidados de saúde. Adicionalmente, é esperado que o crescimento
extraordinário da proporção das pessoas com mais de 80 anos contribua significativamente para o cres- O objectivo principal do presente trabalho de investigação foi o de verificar se a implementação de um
cimento da procura de serviços de longa duração prestados a pessoas com limitações na actividade ou processo de engenharia flexível, interactivo e participativo podia facilitar o desenvolvimento de servi-
restrições na participação. Assim, o incremento dos gastos em cuidados de saúde e cuidados sociais de ços de informação adequados às necessidades das ISS. A questão subjacente foi a de averiguar se um
longo termo poderá não ser compensado pelos ganhos de produtividade. Tal poderá afectar dramatica- modelo de referência (uma visão detalhada dos processos, procedimentos e conceitos inerentes ao fun-
mente a sustentação dos sistemas de saúde e de segurança social: por um lado, o envelhecimento de- cionamento de uma ISS), em conjunto com uma arquitectura de implementação distribuída, permitia a
mográfico terá um efeito negativo no desenvolvimento económico e, por outro, uma parte considerável instanciação das funções de um sistema de informação genérico e, consequentemente, o seu desenvol-
dos recursos económicos disponíveis pode ter que ser dedicada para financiar os sistemas de saúde e de vimento e adaptação de uma forma incremental.
segurança social (Alvarenga, 2000).
Nas secções seguintes, referiremos o papel das TIC no âmbito da prestação de cuidados a idosos,
Enquanto que as previsões para as evoluções demográficas têm um grau de certeza elevado, há ainda apresentaremos um modelo de referência e uma arquitectura de implementação para as ISS, e co-
uma grande incerteza relativamente à evolução que se fará sentir a nível dos prestadores informais de mentaremos a validação, num cenário real, dos conceitos, metodologias, serviços e sistemas de in-
cuidados, em particular os familiares. Nas últimas décadas assistiu-se a uma alteração profunda da es- formação propostos.
trutura dos agregados familiares. O tipo e tamanho da estrutura familiar mudou significativamente no
passado recente, o que, associado a uma mudança gradual de valores (as gerações mais novas estarão
menos disponíveis para a prestação informal de cuidados do que as gerações dos seus pais e avós), im- 3. O Papel das Tecnologias da Informação e da Comunicação
plicará que a um aumento da necessidade de prestação de cuidados poderá corresponder uma diminui-
ção do número de prestadores informais de cuidados não pagos, pelo que os sectores público e privado A nível europeu, os sistemas informáticos têm uma taxa de penetração elevada no seio das instituições
terão, provavelmente, que assumir uma quota crescente das responsabilidades que, actualmente, estão prestadoras de cuidados a idosos (Seniorwatch, 2002). Já em 2001 cerca de 80% das instituições euro-
a cargo das famílias. peias a prestarem cuidados domiciliários providenciavam para que os seus profissionais utilizassem tec-
nologias de comunicação móveis e consideravam seriamente a possibilidade de utilizarem dispositivos
O conceito de cuidados integrados (Raak, Mur-Veeman, Hardy, Steenbergen e Paulus, 2003) pretende como os Personal Digital Assistants (PDA). A tendência para a utilização de dispositivos móveis tem a ver
ultrapassar os problemas associados a uma oferta fragmentada e descontínua dos serviços de saúde e menos com questões económicas e mais com aspectos relacionados com a qualidade de serviço como,
de âmbito social, o que é particularmente grave para as pessoas idosas. Trata-se de um problema iden- por exemplo, optimizar o tempo de resposta a situações de emergência. Neste particular, é consensual
tificado em muitos sistemas actuais, nomeadamente em Portugal (Santana, 2007), e que contribui para que os serviços de tele-alarme atingiram um elevado grau de amadurecimento em muitos países euro-
a insatisfação dos utentes. Ao conceito de cuidados integrados estão associadas as perspectivas dos peus (Kubitschke, Gareis, Lull e Müller, 2008).
utentes e as implicações em termos de gestão de recursos humanos e materiais dos serviços para que
seja possível uma optimização em termos de qualidade, acesso, eficácia e satisfação dos utentes. As Tec- As TIC para além de facilitarem o registo e partilha de informação e conhecimento oferecem inúmeras
nologias da Informação e da Comunicação (TIC) têm sido consideradas relevantes não só para fomentar possibilidades no desenvolvimento de soluções que reforçam a autonomia dos indivíduos idosos e fa-
a integração e continuidade de cuidados, mas também para promover uma eficiência que é essencial cilitam o trabalho dos prestadores formais e informais de cuidados, nomeadamente: sistemas de alar-
para sustentar as políticas sociais e de saúde. mes activos integrados em serviços de resposta a emergências; sistemas de alarmes passivos que não
requerem a interacção do utente mas que reagem a indicadores predefinidos de situações de perigo
(Ligtvoet, 2003); serviços avançados com recurso à videotelefonia; apoio remoto a prestadores formais
2. Objectivos e informais de cuidados (por exemplo, através de comunidades virtuais ou serviços de aconselhamento
e de informação para a capacitação dos prestadores e utentes); ou ainda o reforço da qualidade dos
Em Portugal, os serviços públicos representam apenas uma pequena parte do apoio que é prestado aos cuidados, em consequência da existência de canais optimizados entre diferentes serviços, em particular,
idosos. As Instituições de Solidariedade Social (ISS), nomeadamente as misericórdias e as instituições a nível regional (Harkin e Huber, 2004).
52 | Alexandra Queirós e Nelson Pacheco da Rocha Capítulo 4 As Instituições de Solidariedade Social, os Sistemas de Informação e os Desafios da Prestação [...] | 53

Embora diversas iniciativas políticas tenham promovido a introdução das TIC nas instituições prestadoras Steenbergen e Paulus, 2003). O objectivo último de tal estrutura é o de construir uma rede de centros
de cuidados de saúde e de âmbito social, o estado de evolução tecnológica das ISS é ainda precário e complementares, distribuídos numa determinada área geográfica e individualmente autónomos, mas
apresenta um conjunto de barreiras (Santana, 2007): falta de formulação estratégica que conduza a uma capazes de se interligarem para responderem eficazmente às necessidades dos utentes e de providen-
maior consciência do valor e do potencial das TIC; dificuldade em avaliar os benefícios maioritariamente ciarem cuidados integrados.
qualitativos produzidos pelas TIC, como a melhoria da imagem, dos serviços prestados ou das comuni-
cações; insuficiência de mecanismos de formação orientada para áreas que influenciam os processos de Uma arquitectura de serviços de informação distribuídos permite subdividir as infra-estruturas tecno-
inovação; reduzida experiência tecnológica, o que condiciona a decisão de adopção e utilização de novas lógicas necessárias às diferentes valências que compõem uma ISS. No entanto, a realidade associada à
tecnologias; desfasamento entre as competências existentes e as competências necessárias para operar prestação de cuidados pode conduzir a um grande número de serviços diferentes, heterogéneos, con-
os novos serviços e existência de rotinas que pelo conhecimento que veiculam são de difícil estruturação cebidos para satisfazerem os requisitos de grupos particulares de utilizadores e dificilmente compatí-
e não facilitam a criação de mecanismos para a sua apropriação; um ritmo de evolução tecnológica muito veis entre si. Assim, é importante garantir a evolução, integração e interoperabilidade consistente entre
rápido que não consegue ser acompanhado pelo desenvolvimento de legislação adequada o que, em serviços autónomos, mesmo que sejam desenvolvidas em diferentes momentos e estejam fisicamente
conjunto com as dificuldade no fluxo de conhecimentos técnicos entre as ISS e os distribuidores de so- suportadas em vários sistemas. Só havendo uma grande consistência entre os diferentes serviços é que
luções tecnológicas, conduz a um desajuste do software disponível relativamente às especificidades das é possível construir de uma forma incremental os sistemas de informação para as ISS.
ISS; oposição à mudança resultante da resistência à incerteza e da ansiedade inerente à própria transição;
dificuldade em harmonizar os conteúdos de diferentes repositórios de informação e incapacidade de No trabalho efectuado os autores propuseram um modelo de referência (Queirós, 2006) para uma pla-
garantir que esses repositórios contenham toda a informação relevante e de uma forma fiável. taforma lógica, cujo significado vai além do significado associado a uma plataforma tecnológica, por-
quanto garante uma visão detalhada dos processos, procedimentos e conceitos envolvidos. Para além
Apesar destas dificuldades é preciso considerar que existe um capital acumulado em termos de experi- de uma perspectiva geral do funcionamento de uma ISS, o modelo de referência possui mecanismos de
ências de introdução tecnológica, que há uma grande disponibilidade para aceitar novas soluções e que adaptação, configuração e refinamento para instanciar a plataforma lógica (Figura 1) de acordo com os
as competências relativas à utilização das TIC têm vindo a aumentar. Adicionalmente, o aparecimento de requisitos particulares de uma ISS específica.
interfaces cada vez mais simples vêm favorecer o processo de aprendizagem inerente à utilização das
TIC. Estes facilitadores têm que ser considerados para a introdução de sistemas de informação nas ISS.

4. Modelo de Referência para as ISS


Na concepção de sistemas informação adequados às necessidades das ISS é preciso considerar, para
além do respeito das questões éticas e de confidencialidade, a diversidade e complexidade da informa-
ção que se quer gerir (dados pessoais e contextuais como, por exemplo, registos clínicos, hábitos sociais,
condições de vida ou redes de suporte), bem como o seu carácter evolutivo. Por outro lado, é preciso ter
em conta que há diferentes necessidades de informação (necessidades que variam consoante o pres-
tador de cuidados, a valência ou a instituição) e que é imprescindível a estruturação de conhecimento.
Tal implica a obrigatoriedade de conceber sistemas flexíveis que se adaptem a futuras mudanças e que,
fundamentalmente, permitam o registo e utilização da informação de uma forma contextualizada e mui-
to próxima da realidade percebida pelos seus utilizadores.

Uma ISS integra, normalmente, um conjunto de valências autónomas que têm que comunicar e estabe-
lecer parcerias com os seus pares. Por outro lado, pela sua natureza, as ISS são unidades geograficamente
distribuídas com diferentes níveis de complexidade: desde centros de grande dimensão até prestadores
individuais. Deve-se, adicionalmente, realçar que a própria estrutura de prestação de cuidados a idosos,
está a evoluir de uma organização vertical e agregada para uma estrutura composta por várias unida-
des especializadas, caracterizadas por lógicas diversas e requisitos específicos (Raak, Mur-Veeman, Hardy, Figura 1 – Instanciação da Plataforma Lógica.
54 | Alexandra Queirós e Nelson Pacheco da Rocha Capítulo 4 As Instituições de Solidariedade Social, os Sistemas de Informação e os Desafios da Prestação [...] | 55

Para a documentação do modelo de referência foi utilizada a Unified Modelling Language (UML) (Booch, 5. Arquitectura de Implementação
Rumbaugh e Jacobson, 1998). Adicionalmente, para a construção do referido modelo foi utilizada uma
metodologia (Fogelberg, 2003) baseada na norma ISO/IEC 10746 Information Technology - Open Distri- Um objectivo subjacente ao presente trabalho era o de contribuir para a facilitar a introdução de so-
buted Processing (ODP) - Reference Model (ISO, 1998) da International Standard Organization (ISO) que luções tecnológicas através do envolvimento dos utilizadores finais. Tal implicou a concepção de um
preconiza cinco níveis de abstracção: perspectivas organizacional (incluindo os pontos de vista regional, processo de engenharia flexível, interactivo e participativo para se conseguir o desenvolvimento de ser-
essencial e operacional), de informação, computacional, de engenharia e tecnológica. viços de informação adequados e aceites pelos prestadores de cuidados. A justificação desta aproxima-
ção baseia-se no pressuposto que o processo de reorganização necessário à introdução tecnológica é
Enquanto as duas últimas perspectivas (engenharia e tecnológica) são importantes no contexto de uma altamente imprevisível, pelo que os requisitos dos sistemas de informação necessariamente evoluirão
dada implementação específica, as três primeiras perspectivas (organizacional, modelo de informação durante o decorrer do próprio desenvolvimento (Lenz e Kuhn, 2004). Consequentemente, os sistemas
e computacional) constituem uma boa base metodológica que tem sido utilizada para a concepção de de informação necessitam de reagir rápida e adequadamente a novas necessidades, o que significa que
sistemas distribuídos em diversos domínios e consistem em descrições dos diferentes processos, desde deve ser possível adicionar novas funcionalidades com um risco mínimo, como uma forma de introduzir
o alto nível, até a um nível de profundo detalhe. Tendo em conta a heterogeneidade das ISS, os proces- soluções orientadas ao domínio de aplicação e não soluções orientadas à tecnologia. Adicionalmente,
sos são semelhantes até um determinado nível (embora os seus conteúdos possam ser diferentes), mas são os conhecedores do domínio de aplicação que gerem o seu próprio processo de reorganização.
quando se incorpora maior detalhe os processos necessariamente serão diferentes entre si, parcialmente
devido às regras ou costumes locais o que implica funcionalidades que sejam adaptáveis. A especificação detalhada do modelo de referência para as ISS com uma visão geral dos processos,
procedimentos e conceitos inerentes ao funcionamento de uma qualquer ISS permite a implementação
As actividades, eventos e objectos relacionados com processos, procedimentos e conceitos identifica- de um conjunto robusto de serviços comuns com funcionalidades estáveis. De acordo com a aproxima-
dos podem ser agrupados em diferentes níveis que interagem entre si: utente, gestão e informação. ção seguida, a instanciação do modelo para uma ISS particular pressupõe não o desenvolvimento de
um novo sistema, ou de novas funcionalidades, mas sim a adaptação, configuração e refinamento das
O nível principal está relacionado com o utente. Nele estão incluídas as actividades que têm por objec- funcionalidades existentes. Assim, a arquitectura de implementação baseia-se, sob o ponto de vista de
tivo a melhoria ou a manutenção da condição do utente. A condição do utente representa uma circuns- abstracção, num modelo de três camadas, cada uma das quais com funcionalidades distintas: a camada
tância na sua vida que pode ser avaliada, investigada, tratada e observada. A condição sofre alterações de serviços comuns que providencia uma base comum para as aplicações de suporte a serviços de
passando, por exemplo, de não avaliada a avaliada ou de não cuidada a cuidada. informação específicos; a camada de adaptação que facilita a reutilização e readaptação da camada de
serviços comuns; a camada de aplicação que contempla o desenvolvimento de novas aplicações ou
Quando uma ISS aceita prestar cuidados a um utente estabelece-se um contrato entre essa ISS e o adaptação de aplicações existentes configuradas pelas funcionalidades da camada de adaptação.
utente. As diferentes decisões têm que estar baseadas neste contrato pelo que ele deve considerar os
requisitos necessários para a correcta prestação de cuidados. O nível gestão contempla os elementos A instanciação pode ser efectuada a dois níveis: aquando do desenvolvimento, a partir da análise do do-
necessários para o delinear de um plano de cuidados, garantir o seu cumprimento e avaliar os seus resul- mínio específico de uma dada ISS, e durante o funcionamento, através do envolvimento dos utilizadores
tados. Também é neste nível que se decide terminar ou continuar com o processo de cuidar. Os objectos finais, que se encarregarão de realizar os seus próprios ajustes de modo a melhor adaptar os sistemas de
do nível utente e do nível informação são os recursos que afectam a forma como as actividades do nível informação desenvolvidos às suas instituições e às suas gestões particulares.
gestão serão realizadas. Por sua vez, os objectos das actividades do nível gestão irão desencadear activi-
dades no nível utente e no nível informação. De acordo com esta arquitectura de implementação construiu-se uma plataforma tecnológica baseada
em Web Services que contém um conjunto de componentes que, de acordo com o modelo de referên-
O nível informação controla os dados essenciais para as actividades dos outros níveis. O objecto inicial cia, suportam os serviços de informação necessários a uma ISS genérica e que podem ser instanciadas
é a informação obtida no pedido da prestação de cuidados. A este objecto serão adicionados objectos à realidade do domínio de aplicação. Assim, foram implementados serviços de informação genéricos,
resultantes das diversas actividades. Por exemplo, quando uma decisão é tomada no nível gestão para especificados através dos processos habituais de análise do domínio. Estes servem como pontos de
pedir ou utilizar recursos externos, a informação sobre esses recursos é mantida no nível informação. As- partida para a definição de componentes específicos, adaptados a uma ISS em particular, através da
sim, dado que o nível informação tem por objectivo gerir a informação essencial da ISS, os dados sobre adaptação, configuração e refinamento das componentes existentes.
avaliações, planificações e decisões traduzem-se em objectos deste nível.
A implementação das interfaces direccionadas para um determinado domínio particular é feita recor-
rendo à eXtensible Markup Language (XML) e aos seus esquemas de validação. Com a construção dos
novos componentes existe a capacidade de o sistema gerar de um modo automático as respectivas
56 | Alexandra Queirós e Nelson Pacheco da Rocha Capítulo 4 As Instituições de Solidariedade Social, os Sistemas de Informação e os Desafios da Prestação [...] | 57

interfaces de manipulação de informação. Deste modo a adaptação do sistema à instituição dá-se de Uma maneira possível de estruturar a informação essencial de uma ISS é considerar como grupo nuclear
facto no contexto semântico e no contexto de estrutura, pelo que as instanciações são feitas garantindo os dados relativos aos utentes. Este grupo nuclear engloba não só as características e necessidades do
a consistência do sistema de informação, uma vez que a camada de serviços comuns, pela sua genera- utente, mas também os resultados das diferentes actividades e os recursos que são utilizados. Nesta
lidade e robustez, combinada com a camada de adaptação e as ferramentas da camada de aplicação medida, o PEU congrega a informação associada aos utentes de uma ISS e considera a sua diversida-
salvaguardam essa segurança. Consegue-se assim ir ao encontro da robustez e estabilidade ao nível do de e complexidade (dados pessoais e contextuais como, por exemplo, registos clínicos, hábitos sociais,
sistema e flexibilidade e adaptabilidade ao nível das aplicações e das interfaces (Lenz e Kuhn, 2004). condições de vida ou redes de suporte), bem como o seu carácter evolutivo. Assim, o utente deve ser
descrito por vários conceitos, na medida em que ao longo do ciclo de vida assume vários papéis. A sua
A orientação seguida para a implementação teve como requisito a necessidade de a informação estar visibilidade perante o sistema de informação começa com a inscrição (não significando necessariamente
claramente separada das aplicações. O nível de flexibilidade e abertura providenciados são completa- que se torne um utente) e pode continuar com a definição de um plano de cuidados até ao registo do
mente diferentes daqueles que são conseguidos pela implementação de base de dados imbuídas nas fim da interacção com a ISS.
aplicações. A separação dos dados das aplicações através do desenvolvimento de serviços de informa-
ção comuns incrementa o nível de flexibilidade do sistema. A prestação de cuidados requer vários contactos de diferentes tipos entre o utente e os prestadores de
cuidados, eventualmente envolvendo prestadores de mais do que uma entidade. Assim, o PEU, por um
Dado que as aplicações não interagem directamente com o armazenamento dos dados, mas acedem lado, suporta a gestão e acompanhamento desses contactos e, por outro, tem mecanismos capazes de
e manipulam os dados através de serviços de informação comuns, a configuração física do sistema de armazenarem a informação resultante da prestação de cuidados. Deve ser realçado que a explicitação
informação pode ser aperfeiçoada e evoluir ao longo do tempo sem a necessidade de introduzir modi- das relações entre dados e actividades é um requisito fundamental, dado que os prestadores de cuida-
ficações nas aplicações. Por outro lado, aplicações existentes e desintegradas podem ser usadas como dos podem ter um entendimento mais conclusivo, completo e coerente do contexto onde a informação
componentes acessíveis por outras aplicações, desde que devidamente encapsuladas. Finalmente, esta foi gerada e coleccionada.
aproximação permite o desenvolvimento de novas aplicações sem a necessidade do projecto e imple-
mentação de bases de dados fragmentadas e, adicionalmente, reduzir os custos de desenvolvimento Não pode ser menosprezado que nem todos os dados são definidos directamente por uma qualquer
e manutenção, porquanto o desenvolvimento pode ser reduzido ao necessário a extensões marginais actividade explicitamente executada e monitorizada dentro de uma ISS. De facto, alguns dados podem
daquilo que é comum para permitir a gestão dos tipos de dados ainda não suportados. ser provenientes de entidades externas como resultados de processos externos. Do ponto de vista do
PEU, tais dados representam informação autónoma e auto-consistente, apenas relacionada com o uten-
A presença da camada de serviços comuns exigiu que a camada de adaptação providenciasse primitivas te. Esta informação tanto pode ser informação elementar ou dados múltiplos agregados de acordo com
normalizadas, não só com as funções necessárias ao acesso à informação essencial de uma ISS, mas tam- diferentes critérios. Tal depende das características intrínsecas da informação e também de necessidades
bém com outras funções de suporte às aplicações como, por exemplo, serviços de auditoria, serviços de específicas dos utentes.
autenticação ou ainda serviços de conceitos ou terminologia.
A interface desenvolvida para o PEU (Figura 2) permite a inserção, consulta e alteração de dados sobre os
utentes e contempla várias funcionalidades: definição de perfis; registo faseado da informação; consulta
6. Processo Electrónico do Utente parcial dos dados do utente; substituição de informação; registo de informação não sistematizada; defi-
nição de instruções; apoio na troca de informação com entidades exteriores como, por exemplo, outras
Aos investimentos em sistemas de informação na rede de instituições de prestação de cuidados de ISS, unidades de saúde ou serviços da Segurança Social.
saúde, em particular os investimentos na vertente hospitalar, devem estar associados investimentos
adequados para as ISS. O desafio introduzido pelos cuidados integrados exige a existência de fluxos de
informação optimizados entre as diferentes unidades capazes de cooperar em rede com o objectivo de
potenciarem e optimizarem ao máximo as suas actividades. Nessa medida, são essenciais serviços que
permitam o registo e a partilha da informação dos utentes. Tal justifica que, sob o ponto de vista da vali-
dação, tenha sido desenvolvida o serviço Processo Electrónico do Utente (PEU). O PEU acede, através da
camada de adaptação, às componentes estruturais da camada de serviços comuns. Com a implementa-
ção do PEU pretendia-se verificar o grau de adaptação e evolução (consoante os requisitos dos utilizado-
res) conseguido através da instanciação do modelo de referência e verificar se o modelo conceptual dos
serviços comuns permitia a comunicação de informação e o suporte a um conjunto lato de aplicações.
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de validação. O levantamento inicial de requisitos foi efectuado através da verificação do nível de imple-
mentação dos diferentes processos, procedimentos e conceitos do modelo de referência nas práticas
correntes das ISS. Os resultados desta análise foram consolidados sob diversos pontos de vista, de modo
a considerar as relações complexas entre processos, a identificação de processos críticos e a definição
de possíveis acções para melhorar tais processos. Refira-se que foi conseguida uma elevada participação
dos diferentes colaboradores das ISS, o que foi essencial para garantir a aceitação e verificação dos con-
ceitos, metodologias, serviços e sistemas de informação desenvolvidos.

Concluída a instalação dos sistemas de informação nas instituições envolvidas, verificou-se que o PEU
começou por ser utilizado quase exclusivamente para o registo de dados demográficos (primeiro no-
vos utentes e gradualmente passagem dos processos existentes em papel para o formato electrónico).
Houve extrema dificuldade de ir além dos dados demográficos, estando as razões impeditivas invaria-
velmente relacionadas com o garantir da confidencialidade dos dados. Na realidade, a razão subjacente
tinha mais a ver com a grande dependência a procedimentos estabelecidos, pelo que, após um período
de desconfiança inicial, a informação sobre os utentes foi progressivamente completada.

Uma das vantagens identificadas para a utilização do PEU é a discussão de casos, em particular de uten-
tes de apoio domiciliário, o que se justifica devido à menor proximidade dos prestadores de cuidados.
No entanto, apesar de ter sido identificada esta vantagem, verificou-se também, de uma forma mais ou
menos generalizada, uma certa relutância em inserir alterações nos planos de intervenção, dado que tal
exige um assumir de responsabilidade.

Os intervenientes no cenário de validação consideraram, de uma maneira geral, que o acesso fácil à
informação sobre o utente facilita a prestação de cuidados seja no apoio à decisão, seja no planeamento
de actividades inerentes ao plano de cuidados. Devemos, no entanto, salientar que a utilização que se faz
da informação do utente ainda está muito condicionada às limitações que a prática actual da prestação
de cuidados impõe, nomeadamente ao nível da consulta de informação do utente.
Figura 2 – Interface do Processo Electrónico do Utente.

8. Conclusão
7. Validação
O envolvimento dos colaboradores das ISS foi facilitado pela existência de um modelo de referência e
Para a validação foram estabelecidos protocolos com duas ISS do distrito de Aveiro que prestam cuida- respectivas ferramentas e metodologias. Sob o ponto de vista de implementação, a instanciação das
dos a idosos. Em conjunto, as duas instituições têm mais do que oitocentos utentes (mais do que trezen- funcionalidades de um sistema de informação e o seu incremento sucessivo, levou à sua aceitação por
tos são utentes permanentes, distribuídos por lares, centros de dia ou apoio domiciliário). Em termos de parte dos prestadores de cuidados envolvidos no cenário de validação em contexto real. A aproximação
prestadores, as duas instituições tem perto de duzentos e cinquenta colaboradores, a maioria deles com gradual e um ambiente flexível, interactivo e participativo para o desenvolvimento de novos serviços
reduzidas qualificações académicas. Pouco mais de setenta prestadores de cuidados têm qualificações podem ser elementos facilitadores para a introdução tecnológica em sectores ainda pouco estruturados.
académicas de nível superior. Destes, cerca de 25% são profissionais de saúde e os restantes maioritaria-
mente assistentes sociais. Desta forma, consideramos que o modelo de referência definido, a plataforma tecnológica implementa-
da e os conceitos, metodologias, serviços e sistemas de informação desenvolvidos podem ser conside-
Os diferentes níveis hierárquicos das ISS participantes estavam familiarizados com os objectivos preten- rados como elementos de mudança, na medida em que estimularão uma utilização mais completa da
didos bem como quais as actividades requeridas para as diversas fases de implementação do cenário informação dos utentes com vista à optimização da prestação de cuidados.
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No decorrer das actividades do cenário de validação foi evidente a utilização de diferentes conceitos e Queirós, A. (2006). As Tecnologias de Informação e Comunicação e os Novos Paradigmas de Apoio Domicili-
terminologias entre diferentes instituições e mesmo entre os prestadores de cuidados de uma mesma ário a Idosos. Aveiro: Universidade de Aveiro.
instituição. Tal exige a sistematização de informação e a definição de um conjunto de conceitos essen-
ciais para que os diferentes utilizadores entendam os registos da mesma forma, o que abre as portas Raak, A., Mur-Veeman, I., Hardy, B., Steenbergen, M. e Paulus, A. (2003). Integrated Care in Europe: De-
ao desenvolvimento de ontologias que permitam a interoperabilidade semântica entre os diferentes scription and Comparison of Integrated Care in Six EU Countries. Gezondheidszorg Maarssen: Elsevier.
actores envolvidos.
Santana, S., Dias, A., Souza, E. e Rocha, N. (2007). The Domiciliary Support Services in Portugal and the
Por último, mas não menos importante, é preciso realçar a necessidade de uma forte vontade política Change of Paradigm in Care Provision. International Journal of Integrated Care, 7.
para que factores como a sujeição a diferentes regras e jurisdições, regulamentações por vezes contradi-
tórias e a existência de culturas institucionais e profissionais diversas, bem como diferentes linguagem, Seniorwatch (2002). A Comparative Analysis of the Current Situation in European Union and the Future
papéis e abordagens na prestação de cuidados possam ser ultrapassados para que as instituições de Trends, Relatório 5.1 do Projecto Seniorwatch (IST-1999-29086). Bona.
saúde e instituições sociais (que estão entre os organismos mais complexos e interdependentes da so-
ciedade) possam cooperar de uma forma integrada e continua. São problemas de difícil supressão, mas
que urge resolver, sob pena de as estruturas prestadoras de cuidados serem ultrapassadas pela alteração
da realidade envolvente, nomeadamente devido ao envelhecimento demográfico, e tornarem-se inca-
pazes de suprir as necessidades dessa mesma realidade.

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63
capítulo 5
Diagnóstico do SI do INEM:
fragilidades e mudanças em curso

Sílvia Fernandes1
Professora Auxiliar
sfernan@ualg.pt

Resumo

Os sistemas de informação constituem uma mais-valia na capacidade das instituições melhorarem sua
actividade. Sendo o potencial dos sistemas móveis crescente, em especial na área da saúde, é diagnosti-
cado o sistema de informação do INEM em algumas das suas fragilidades. Tratando-se de vidas humanas,
que requerem rapidez e qualidade de atendimento em contexto e local específicos, é fundamental que
as instituições de saúde implementem sistemas móveis e sensíveis ao contexto no sentido de suprimir
falhas na prestação de cuidados desde o primeiro contacto ao atendimento do paciente. O capítulo
mostra uma arquitectura, facultada pelo técnico de desenvolvimento funcional da empresa Algardata
em entrevista, orientada a serviços para ambientes dinâmicos. O objectivo é permitir que, sempre que
o utente mude de local, sejam imediatamente descobertos os serviços que mais se ajustam às suas ne-
cessidades e determinar os recursos a afectar, incluindo a localização dos profissionais que se encontrem
nas instalações.

1. Introdução
Uma forma de gestão de processos e informação em que certas organizações devem apostar consiste
na criação de uma estrutura de suporte com recurso a ferramentas tecnológicas integradas, móveis e
fáceis de usar. Algumas destas são os ERP (sistemas integrados de gestão de processos), CRM (sistemas
de gestão da relação com o cliente), CMS (sistemas de gestão de conteúdos) e SOA (plataformas orienta-
das a serviços) que já operam em infra-estruturas móveis e sensíveis ao contexto. Estas têm contribuído
para a concepção de novos serviços, melhoria dos processos existentes e criação de novos processos em
tempo real. Dado o seu enorme potencial, que pode ir desde a mudança de procedimentos até à total

1 Universidade do Algarve, Faculdade de Economia, Edifício 9. Campus de Gambelas. 8005-139 Faro, Portugal.
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reconfiguração do modelo de actuação, profissionais e utilizadores devem conhecer bem este tipo de -se oportunidades aproveitando certos pontos fortes), não exploram como é que os seus SI podem ser
ferramentas e ficarem envolvidos na sua implementação desde o início. reestruturados ou como podem incorporar outros SI emergentes a fim de concretizar mais plenamente
as suas estratégias. Nas organizações que fazem isso, nomeadamente as dos sectores tecnológicos e das
Em particular, os serviços de saúde requerem uma grande transformação no sentido de se obter uma cadeias comerciais, verifica-se um maior alinhamento entre os SI e as suas actividades tendo resultado
maior interoperabilidade, eficiência e qualidade dos mesmos. A maior parte dos sistemas de informação melhorias na rapidez, eficiência e imagem. Isto está sobretudo relacionado com o facto dos sectores
(SI) no sector da saúde carece de mecanismos rápidos de prestação dos serviços pretendidos no local e tecnológicos dominarem a área dos SI e, no caso das cadeias comerciais, com a sua considerável capaci-
contexto adequados. O modo de gestão do acesso e atendimento ao paciente nem sempre é personali- dade organizacional e financeira.
zado e ágil. Sobretudo quando há interacção de várias entidades (hospital, centros de saúde, bombeiros,
seguros, etc.) e variedade de contextos (nos quais variam os factores fisiológicos, psicológicos, compor-
tamentais, etc.). Os profissionais de saúde tomam decisões com base numa série de dados para saber Tabela 1 – Comparação de empresas de diferentes sectores da região do Algarve, no âmbito da adopção e implementação
que serviços prestar em tempo real, como por exemplo: que quantidade, de qual produto, qual a melhor de SI [Fonte: elaboração própria].
forma de ministrá-lo, como organizar o tratamento, qual o melhor local, etc. Isto requer o uso de ferra-
mentas especialmente assentes na integração de processos, tanto móveis como flexíveis ao contexto. Empresas Sector Tipo de Sistemas Aspectos diferenciadores
Euroaço; Construção As bases de dados e os sistemas estão mais Falta de integração leva a lentidão, erros e redundâncias.
Metalofarense; departamentalizados (separados). Recorrem mais ao Tarefas repetidas levam a mais pessoal do que é necessário
Utilizando plataformas móveis, é possível consolidar informação de diferentes fontes ou canais de comu- Joaquim&Fernandes outsourcing de SI
nicação (telefone, email, web, pontos wireless) e responder aos mais diversos requisitos e questões. Daí
Visualforma; Sistemas e Tecnologias Têm especialistas em SI; desenvolvem os sistemas que usam: Vantagens em dominarem o software; alguma limitação em
as organizações poderem usar a informação obtida para melhorar seus serviços, agilizar o atendimento, Algardata ERP (Sap, Primavera) assistirem sistemas diferentes
acelerar procedimentos, etc. Combinando ferramentas de CRM, é possível conjugar essa informação
CTT (correios); Serviços Vislumbram o potencial dos sistemas ubíquos/móveis e Melhor gestão de rotas, serviços localmente mais adequados
no sentido de ajudar a organização a criar serviços únicos ou entender situações críticas. Uma vez que Algar (resíduos); ainda dos sistemas de informação geográfica (SIG). e atempados. Maior variedade de novos serviços.
estas ferramentas resultam de técnicas analíticas avançadas, conseguem captar características, atitudes INEM (emergência).
e comportamentos que passavam despercebidos, tornando os SI eficazes em definir perfis mais comple- Sistemas cada vez mais integrados. Aproveitam a sazo- Maior traceabilidade de tarefas e novos serviços: uns mais
Aquashow; nalidade para reestruturarem os seus SI. personalizados e outros que vieram resolver problemas.
tos de estado clínico. Há no entanto uma dificuldade decorrente destas ferramentas que é o facto dos Zoomarine (diversão); Sistemas cada vez mais integrados Contemplam as diferenças de legislação entre os países
utilizadores delas nas organizações não estarem muitas vezes familiarizados com o seu funcionamento e AutoJardim (rent-a-car).
critérios analíticos inerentes, o que requer que lhes seja ministrada a formação adequada. Santander;
Deutsche Bank (banca)

2. Tendências nos Sistemas de Informação PingoDoce;


AKI(cadeias comerciais).
Comércio As cadeias adoptaram ERP (Sap/Primavera); algum recurso
a consultoria de SI.
Maior flexibilidade de operações; funcionamento mais
eficiente do negócio.

As organizações devem considerar a implementação dos SI de um ponto de vista estratégico, tal como Nova Cortiça; Outsourcing de SI (mas sistemas pouco integrados) Problemas logísticos e custos de transporte elevados
Chaveca&Janeira(pneus)
qualquer outro investimento. A fim de avaliar os benefícios e custos envolvidos, directos e indirectos, é
fundamental definir atempadamente um plano de actividades e ir avaliando os resultados da activida-
de do SI no contexto dos requisitos desse plano. Antes de analisar o sistema de informação do INEM,
procedeu-se a um levantamento das tendências dos SI em diferentes sectores de actividade, incluindo Por outro lado, é interessante constatar que os sectores com actividades ‘móveis’ tais como o INEM-
o sector da saúde. A tabela 1 sistematiza essa comparação, nomeadamente feita entre organizações dos -emergência médica, os CTT-correios e a Algar-resíduos/ecopontos, e também a banca (que cada vez
sectores do comércio e serviços, localizadas na região do Algarve. Constatam-se alguns aspectos dife- mais depende do conhecimento dos mercados financeiros em tempo real), reconhecem o crescente
renciadores e críticos nas actividades comparadas, no âmbito do suporte conferido pelos SI, pelo que potencial dos SI em plataformas móveis. Destacam a mobilidade que se consegue através dos PDA
devem ser considerados no contexto de um plano de implementação do SI. (personal digital assistant) e dos telemóveis, bem como a facilidade destes dispositivos em aceder, inde-
pendentemente da sua localização, ao sistema central da organização (ou em receber informação desse
A maioria das organizações inquiridas, ao falarem de ameaças e oportunidades (no âmbito da análise sistema no dispositivo móvel).
SWOT- forças/fraquezas/oportunidades/ameaças), não tem uma visão integrada das problemáticas de
suas actividades com o potencial dos SI para as ultrapassar. Ou seja, uma vez analisada a forma como as
oportunidades podem resolver fraquezas da organização (ou como certas ameaças podem vir a tornar-
66 | Sílvia Fernandes Capítulo 5 Diagnóstico do SI do INEM: fragilidades e mudanças em curso | 67

3. Breve Diagnóstico do SI do INEM Nesta mesma análise não podemos descurar as eventuais ameaças. Uma delas é que todo o sistema in-
formático do INEM enfrenta actualmente uma avalanche de chamadas falsas. Também a negligência em
O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) é o organismo do Ministério da Saúde responsável ceder informações ao telefone representa uma séria ameaça a todo o sistema, impossibilitando um tra-
por coordenar o funcionamento, no território de Portugal Continental, de um Sistema Integrado de balho eficaz. Daí que se torna indispensável o empenho dos utentes, bem como de todos os serviços do
Emergência Médica (SIEM) de forma a garantir a sinistrados ou vítimas de doença súbita uma pronta e instituto, no desenvolvimento de um bom trabalho integrado de assistência a urgências. Actualmente,
correcta prestação de cuidados de saúde. O INEM inclui os seguintes serviços centrais: o INEM subdivide o seu SI em duas partes: a operacional e a logística. A parte logística procura abranger
o direccionamento das viaturas de socorro até ao destino e inclui também os sectores de armazém e
1. Gabinetes de apoio (jurídico, qualidade, auditoria, planeamento, controlo de gestão, comunicação e imagem); contabilístico da instituição. Tomando como exemplo o sector financeiro, para uma rápida explanação
2. Departamento de emergência médica; de suas funcionalidades, em alguns casos de emergência é preciso utilizar meios de socorro como as
3. Departamento de formação em emergência médica; viaturas do corpo de bombeiros. Nesse caso, o INEM tem que efectuar o pagamento de encargos, tais
4. Departamento de telecomunicações e informática; como o combustível gasto pelas viaturas de socorro disponibilizadas para o local. Quando é registada
5. Departamento de transportes; a necessidade de intervenção do corpo de bombeiros, o SI envia automaticamente essa informação ao
6. Departamento administrativo e financeiro; sector financeiro da instituição, calculando todos os encargos e emitindo a folha de pagamento.
7. Departamento de recursos humanos.
É de notar porém que a principal actividade deste instituto reside no salvamento de vidas. Assim, na
Para exercer a sua actividade, o INEM dispõe de meios de emergência médica operados directamente ou parte operacional, cada ligação de emergência atendida pelo serviço 112 (socorro de vítimas) é direccio-
através de protocolos, acordos e contratos com outras entidades tais como bombeiros, Cruz Vermelha Portu- nada para o centro de orientação de doentes urgentes (CODU) onde é gerada uma ficha de intervenção
guesa e hospitais. Esses meios incluem: ambulâncias SBV (suporte básico de vida); ambulâncias SIV (suporte para recolha dos dados fornecidos. Após o preenchimento da mesma, é enviado um email para o siste-
imediato de vida); ambulâncias para recém-nascidos, destinadas à prestação de socorro a recém-nascidos ma. Automaticamente o SI envia um sms para o telemóvel das equipas que estão de prontidão. No seu
em risco e prematuros; VMER (viaturas médicas de emergência e reanimação); helicópteros de emergência recebimento, encaminham-se para suas respectivas viaturas já pré-estabelecidas após uma triagem da
médica, entre outros. O INEM tem por missão organizar, coordenar e avaliar as actividades e o funcionamen- urgência do ocorrido, encontrando já na ambulância todo o itinerário e gravidade do sinistro. É neste
to do SIEM de modo a garantir aos sinistrados uma adequada prestação dos cuidados de saúde. ponto que decorre uma situação que poderá constituir um impasse: quando a equipa de socorro chega
ao local deve averiguar se as informações fornecidas coincidem efectivamente com a realidade. O que
A Análise SWOT é uma abordagem utilizada para fazer análise de cenário (ou de ambiente). Assim, pode muitas vezes suceder é um fornecimento ‘acrescentado’ de uma ocorrência, fazendo com que se
procedeu-se primeiramente a esta análise com o objectivo de identificar forças, fraquezas, ameaças e dirijam para o local várias viaturas quando na verdade uma única seria suficiente.
oportunidades e ver até que ponto estão relacionadas com fragilidades e/ou potencial do SI a fim de
dar suporte às actividades resultantes das estratégias delineadas. Mediante uma entrevista feita a um É importante ressaltar que o CODU, ao receber as informações mediante o que se passou, faz uma triagem
dos responsáveis, uma das forças é a existência de meios eficientes para o funcionamento adequado do do ponto de vista clínico e determina o tipo de resposta a dar à situação. O CODU não pretende efectuar
SI, como por exemplo software moderno que permite visualizar numa tela a localidade de origem da diagnósticos, mas sim analisar os sinais de gravidade. Por isso conta com pessoas competentes nos servi-
chamada de emergência e simultaneamente noutra tela o mapeamento já traçado do melhor trajecto ços de atendimento telefónico pelo que, em resultado disso, constata-se uma crescente consciencializa-
para a ambulância. ção das pessoas que recorrem aos serviços de emergência médica. Os serviços de atendimento requerem
que seus utentes mantenham a calma e que forneçam informações precisas quanto à localidade, número
Quanto a fraquezas, existem diversos depoimentos de utentes a respeito da prestação de serviços de de pessoas envolvidas e gravidade do ocorrido, pois procedendo assim estarão evitando impasses no
socorro urgente, que muitas vezes se torna ineficiente. Por exemplo, embora possuam meios aéreos para processo de salvamento de vidas. Após os primeiros socorros, as equipas completam a ficha respeitante
salvamento em locais de difícil acesso, frequentemente não possuem a autorização para usá-lo. Outro ao incidente junto com um relatório de todo o serviço prestado. Actualmente essa ficha é preenchida na
caso é o processo de atendimento da vítima, que inclui o preenchimento de uma ficha com os dados unidade de base completando os dados já fornecidos no primeiro contacto por telefone. Visando melho-
pessoais e de atendimento prestado. Após o atendimento, a equipa médica procede ao preenchimento rar o fluxo de dados, será implementada a possibilidade desses relatórios serem enviados directamente
manual da ficha do serviço prestado. Daqui têm resultado erros devido a discrepâncias entre aquelas das unidades móveis de socorro, através do serviço conhecido como GPR. Ou seja, por meio de um com-
fichas, ou devido a confusão de termos por não se perceber a letra manual. Por isso, tem sido projectado putador as equipas poderão enviar para a base o relatório de toda a ocorrência tal como um sms.
um novo SI que permitirá que as equipas preencham aquelas fichas em suporte informático. Também
está projectada uma funcionalidade de call-back que permitirá o retorno de uma chamada recebida que, Em resumo, o SIEM gere três processos principais: atendimento normal, por parte dos meios telefónicos; tria-
devido a problemas técnicos, é interrompida ou perdida. gem médica que faz uma referenciação dos meios a disponibilizar e georeferenciação do local do incidente
68 | Sílvia Fernandes Capítulo 5 Diagnóstico do SI do INEM: fragilidades e mudanças em curso | 69

que efectiva o atendimento por parte da equipa no local. Neste momento, notícias recentes mostram que a 4. Potencial dos Sistemas Móveis na Prestação de Cuidados de Saúde
opinião pública não está suficientemente satisfeita com a prestação do INEM. Referem erros, atrasos, informa-
ção trocada, incompleta e insensível ao contexto. É de notar que são várias as melhorias conseguidas, através A relevância económica dos SI continua a intensificar-se, o que faz com que normalmente seja o núcleo dos
de novos procedimentos mencionados atrás, os quais resolveram problemas como: insuficiência de informa- debates sobre crescimento e performance, especialmente as tendências no uso de sistemas e plataformas
ção, chamadas perdidas (pelo reencaminhamento das mesmas), traceabilidade de fichas de atendimento en- móveis. O uso generalizado do sistema global de navegação por satélite (SGNS), em que os equipamentos
tre equipas (pela sua informatização generalizada), quebras no sistema (em que rapidamente é encaminhada permitem um posicionamento espacial autónomo, tem tornado a informação local um elemento ubíquo
a chamada para outro terminal que esteja disponível no momento, possibilitando assim que por exemplo das aplicações tecnológicas, ao ponto do tempo e do posicionamento fazerem parte de um dado serviço.
uma chamada do Algarve seja atendida pelo CODU do Porto). É de referir ainda que o SIEM está integrado A informação localizada é muito valiosa quando combinada em modelos e ferramentas de diagnóstico,
com o sistema de comunicação da instituição, que se compõe de móveis (ambulâncias), telemóveis e tele- as quais permitem personalizar ou filtrar informação de acordo com a posição do receptor num dado mo-
fones funcionando de modo integrado, o que viabiliza maior rapidez no atendimento. Contudo, é na ligação mento. Por sua vez, funções de transporte inteligentes podem fornecer dados sobre o tráfico numa dada
do SIEM com as várias entidades que cooperam com o INEM na assistência a vítimas de acidente ou doença área aos profissionais existentes na vizinhança dessa área. O SGNS está sendo actualmente usado para
súbita (tais como PSP, GNR, Cruz Vermelha Portuguesa, Unidades Médicas de Saúde), que têm origem alguns coordenar múltiplas plataformas móveis, o que é especialmente útil e significativo na gestão de tráfego
dos problemas que persistem. A arquitectura e funcionamento integrado do SIEM (resumida na figura 1) care- aéreo, frotas de taxis, INem, etc. A combinação do potencial do SGNS com as tecnologias de informação e
ce de mecanismos ubíquos, isto é, simultaneamente móveis e pervasivos, para que se insiram e disseminem comunicação está a transformar-se num elemento-chave das infra-estruturas emergentes de SI.
em cada contexto onde decorre a prática médica, ágil e dinamicamente nas diferentes entidades.
O que mais ressalta das plataformas móveis é o facto de serem ubíquas, atributo esse que tem a ver com
o papel crítico que o tempo desempenha na comunicação à escala geográfica e nos serviços sensíveis
ao tempo, tais como os cuidados de saúde. No âmbito da prestação destes cuidados, um dos poten-
ciais dos sistemas móveis é o controlo e execução eficiente de actividades no terreno pela criação de
processos que vêm resolver vários problemas relacionados com a prestação atempada de cuidados no
local. A fim de assegurar que os pacotes de informação (voz, texto, vídeo, imagem) sejam entregues na
sequência correcta, é importante que os receptores de comunicação fisicamente distantes estejam de-
vidamente sincronizados. Também é essencial que os sistemas ubíquos proporcionem mecanismos de
selecção e descoberta de serviços que atendam aos aspectos de contexto e reflictam correctamente as
constantes mudanças ocorridas.

A natureza pervasiva das tecnologias móveis e a sua difusão crescente têm alterado o modo de realizar
as actividades e de interagir com os agentes envolvidos posicionados em diferentes locais e usando
sistemas diferentes. À medida que vão penetrando em actividades e instituições, muitos aspectos orga-
nizacionais e de gestão mudarão radicalmente. A rapidez e extensão de conectividade que permitem,
possibilita a criação de novos processos e melhoria dos existentes, alguns dos quais envolvendo novos
riscos e desafios. Um desses desafios está relacionado com a confiança e aceitação por parte das pes-
soas (profissionais e utentes) dos novos equipamentos e modos de interagir, por vezes não presenciais.
Outro desafio está em assegurar o sincronismo e protecção dos dados devido à interoperabilidade das
plataformas móveis. Há ainda a necessidade de garantir total privacidade neste tipo de ambientes de
manipulação e disseminação de informação crítica.

Existem vários projectos em curso sobre sistemas móveis aplicados aos serviços de saúde, procurando
integrar cada vez mais a computação ubíqua, pervasiva e móvel na prestação de cuidados (Lupu et al.,
2008; Kim et al., 2007; Lee et al., 2006). Outros projectos usam a tecnologia RFID, que permite integrar ser-
Figura 1 – Diagrama de Fluxos de Dados e Processos Característicos do Funcionamento do Sistema de Informação do INEM viços de localização num sistema de cuidados de saúde pelo reconhecimento inteligente das entidades
[fonte: entrevista com um dos responsáveis]. físicas no contexto real e sua ligação com os objectos virtuais no sistema digital onde a aplicação está,
70 | Sílvia Fernandes Capítulo 5 Diagnóstico do SI do INEM: fragilidades e mudanças em curso | 71

o que permite reacções rápidas desta ao mundo real (Santos e Rossetti, 2009). Por exemplo, no projecto
de Lee et al. (2006) a informação RFID de um paciente, pessoal e fluxo logístico é usada para identificar
engarrafamentos no fluxo de pacientes, o que permite que as aplicações de análise e gestão destes
aspectos melhorem. Outras aplicações permitem um melhor controlo e qualidade hospitalar através da
sua ligação com monitores colocados nas camas dos pacientes, possibilitando detectar os profissionais
de saúde que se encontram mais próximos, obter uma maior exactidão na distribuição de medicamen-
tos e um melhor acesso e navegação nas fichas dos pacientes.

As arquitecturas SOA (Service Oriented Arquitectures) permitem construir ambientes pervasivos, combi-
nando diversos serviços oferecidos por diferentes fabricantes e possibilitando a construção complexa e
eficiente de novos serviços. A inteligência destes ambientes requer um funcionamento contínuo, através
de tecnologia e interfaces específicas que sejam sensíveis às características e necessidades do com-
portamento humano. E preferencialmente, activadas por simples interacção humana e adaptáveis às
constantes mudanças de contexto. As aplicações devem poder mover-se de um dispositivo para outro,
suportando a heterogeneidade e variabilidade dos recursos. Em suma, devem ser acessíveis a qualquer
utilizador, em qualquer lado, a qualquer hora e por qualquer dispositivo. Aqui colocam-se questões de
segurança e de confidencialidade, pelo que a intrusão deve estar devidamente controlada.

A figura 2 mostra um modelo, facultado pelo técnico de desenvolvimento funcional e logístico da em-
presa Algardata em entrevista, que ilustra uma arquitectura de middleware orientada a serviços em am-
bientes dinâmicos como os ubíquos. O objectivo desta arquitectura, quando aplicada à prestação de
cuidados de saúde, é permitir que, sempre que um determinado utente mude de local, sejam apresen-
tados os serviços que mais se ajustam às suas necessidades e contexto nesse local. E também auxiliar na
gestão dos recursos a afectar e na localização e monitorização dos profissionais que se encontram nas
imediações. O uso acrescido da tecnologia de serviços Web, executada sobre uma rede móvel GPRS ou
3G (figura 2), junto com aquele suporte middleware, vem acrescentar novas opções à orientação móvel
e sensível ao contexto destes ambientes.

Figura 2 – Modelo de Integração entre um Sistema de Informação e Dispositivos Móveis para Plataformas Móveis de Actuação
[fonte: técnico de desenvolvimento funcional e logístico da empresa Algardata].
72 | Sílvia Fernandes Capítulo 5 Diagnóstico do SI do INEM: fragilidades e mudanças em curso | 73

5. Conclusões Bibliografia
Perante as oportunidades aqui descritas de sistemas de informação funcionando em plataformas ubí- Kim, N., Jeong, Y., Ryu, S. e Shin, D. (2007). Mobile Healthcare System based on Collaboration between
quas e móveis, é fundamental que se defina atempadamente um plano de actividades e, no caso da JADE and OSGi for Scalability. In: Multimedia and Ubiquitous Engineering, pp. 126-129.
necessidade de suporte por sistema móvel, se avaliem os resultados obtidos no seio desse plano numa
base de adequação da actividade do sistema móvel às actividades em questão. Pois a implementação Lee, S., Cheng, S., Hsu, J., Huang, P. e You, C. (2006). Emergency Care Management with Location-Aware
dos sistemas de informação envolve: planear e atribuir pessoal, competências, avaliação de oportuni- Services. Pervasive Health Conference and Workshops, pp. 1-6.
dades e adequação aos objectivos pretendidos (pois nem todas as actividades necessitam de suporte
móvel para uma adequada operacionalização e funcionamento). Lupu, E., Dulay, N., Sloman, M., Sventek, J., Heeps, S., Strowes, S., Twidle, K., Keoh, S. e Schaeffer Filho,
A. (2008). AMUSE: autonomic management of ubiquitous e-Health systems. In: Concurrency and Com-
O uso destas plataformas móveis, pela experiência de vários projectos em curso e de outros já concreti- putation: Practice and Experience, Vol. 20, nº 3, pp. 277-295.
zados, tende a aumentar na área dos cuidados de saúde por estarem auxiliando entidades, profissionais
da área e pacientes a usufruir de serviços melhores e mais rápidos. Estes novos paradigmas da com- Santos, F. e Rossetti, R. (2009). Computação Ubíqua para Aplicações em Saúde. Actas da 4ª Conferência
putação, inicialmente abordados na forma teórica, para os quais contribuem muito as ontologias2 e a Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação, AISTI/FEUP/UFP, Porto.
engenharia de software, estão a ser crescentemente usados pois diferenciam-se por acompanharem
dinamicamente as entidades, recursos e pessoas no espaço e por serem sensíveis à mudança de con- Wikipedia. [Em linha]. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/INEM [Consultado 12/10/2009].
texto. Assim, vêm acrescentar mais-valias aos sistemas de saúde actuais através de novos serviços mais
completos, selectivos e eficazes. INEM. [Em linha]. Disponível em http://www.inem.pt/pagegen.asp?SYS_PAGE_ID=468559 [Consul-
tado 18/10/2009].
O INEM é uma instituição onde o sistema de informação tem muita importância na organização eficiente
dos processos e actividades. É através dele que se dá o início de todo o processo de socorro. O seu bom INEM. [Em linha]. Disponível em http://www.inem.pt/pagegen.asp?SYS_PAGE_ID=488759 [Consul-
funcionamento é de enorme importância pelo facto de se tratar de vidas humanas. Embora envolva tado 18/10/2009].
todo o mecanismo directo e indirecto de uma empresa comum (cujo alvo principal é o lucro), o carácter
do INEM envolve o respeito pela vida e o empenho de equipas responsáveis no seu salvamento. A arqui-
tectura de middleware apresentada pode servir de base ao desenvolvimento dos módulos funcionais
ubíquos necessários.

2 Ontologias são modelos de dados que representam um conjunto de conceitos dentro de um domínio e os relacionamentos
entre estes, para realizar inferência sobre os objectos desse domínio. São utilizadas em inteligência artificial, web semântica,
engenharia de software e arquitectura da informação, como forma de representação de conhecimento sobre algo. As onto-
logias geralmente descrevem: indivíduos, classes, atributos e relacionamentos.
parte 2
Sistemas de Apoio à Decisão
e Gestão de Conhecimento
77
capítulo 6
Sistemas de Business Intelli-
gence aplicados à Saúde

Manuel Barrento1, Miguel Neto2, Maria do Rosário Martins3, Sara Dias4


Aluno de Mestrado, Professor Auxiliar Convidado, Professora Associada, Investigadora na área da saúde.
mbarrento@isegi.unl.pt, mneto@isegi.unl.pt, mrfom@isegi.unl.pt, sara.dias@fcm.unl.pt.

Resumo

Para acompanharem as crescentes exigências dos dias de hoje as respostas às necessidades analíticas na
área da Saúde passam cada vez mais pelos sistemas de Business Intelligence (BI), no sentido de melhora-
rem a tomada de decisões num ambiente de informação sensível e exigente. O presente artigo pretende
efectuar um enquadramento da aplicação da Business Intelligence na Saúde, a modelação de Data Wa-
rehouses (DW) aplicados a esta área e o desenvolvimento de raiz de um sistema de BI aplicado aos Grupos
de Diagnóstico Homogéneos (GDH). Os DW aplicados à saúde unificam a informação e disponibilizam-na
para análise com base num modelo especificamente desenhado de acordo com as necessidades concre-
tas do sector, assegurando assim uma maior capacidade do sistema de BI responder adequadamente aos
utilizadores que pretendem analisar dados, e melhorar o suporte à decisão que prestará.

1. Introdução
Quando falamos de BI, estamos a falar de inteligência de negócio, ou seja, dos meios informacionais que
permitem dotar qualquer organização de inteligência, flexibilidade e adaptabilidade face às mudanças
que ocorram permanentemente no mercado onde actuam. Embora a BI seja nos dias de hoje alvo de
algum mediatismo, o seu conceito foi definido em 1958 e o seu objectivo consiste em ajudar a melhorar

1 Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação, Universidade Nova de Lisboa, Campus de Campolide, 1070-312
Lisboa, Portugal.
2 Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação, Universidade Nova de Lisboa, Campus de Campolide, 1070-312
Lisboa, Portugal.
3 Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação, Universidade Nova de Lisboa, Campus de Campolide, 1070-312
Lisboa, Portugal.
4 Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Departamento Universitário de Saúde Pública, 1169-056
Lisboa, Portugal.
78 | Manuel Barrento, Miguel Neto, Maria do Rosário Martins e Sara Dias Capítulo 6 Sistemas de Business Intelligence aplicados à Saúde | 79

os processos de tomada de decisão (Hans, 1958), ou seja, um sistema de BI pode ser apelidado como um truções analíticas como a previsão (“forecasting”), algoritmos de optimização, simulações, árvores de de-
sistema de suporte à decisão (Daniel, 2007). cisão e motores de regras. Os sistemas baseados em dados lidam com DW, bases de dados e tecnologia
OLAP (On-Line Analytical Processing) que permite processamento analítico, assim como, manipulação
Os sistemas de BI actuais são interactivos e baseados em estruturas de sistemas e sub-sistemas de infor- e análise de grandes volumes de dados sob múltiplas perspectivas, ou seja, análises multidimensionais
mação que auxiliam os decisores a usarem tecnologia, dados, documentos, conhecimento e modelos da informação.
analíticos para identificarem, monitorizarem e resolverem problemas. A nova geração de sistemas BI,
que inclui como principal componente tecnológica o Data Warehouse (grande repositório central de Um DW é uma base de dados construída de forma a suportar o processo de tomada de decisão numa
informação) apresenta um grande potencial em termos de análise da informação. organização. Os DW podem ser alimentados por diversas fontes de dados (bases de dados ou outras) ou
Data Mart’s (Owen, 2006). Uma das principais componentes de um sistema de BI é o DW e toda a sua
Durante a década de 90, a maioria das grandes organizações envolveram-se em projectos de Data Wa- envolvente. Assim sendo, é necessário começar a analisar de uma forma mais detalhada todo o processo
rehousing. O foco desses esforços centrou-se desde a combinação e unificação de múltiplos sistemas de BI desde a extracção de dados dos sistemas fonte e sua manipulação, até à produção de relatórios
fonte (transaccionais) até ao desenvolvimento de ferramentas, mais propriamente interfaces, que permi- por parte dos utilizadores. A figura 2 ilustra a arquitectura típica de um DW que se encontra em diversas
tissem aos utilizadores efectuarem análises e relatórios. áreas de negócio como a Saúde.

Transversal a qualquer área de análise, a implementação de um sistema de BI (neste caso aplicado à


Saúde) deve seguir as seguintes etapas (figura 1):

Figura 2 – Arquitectura de um DW. Adaptado de: www.datawarehouse4u.info/

A informação é extraída dos sistemas de fonte, transformada e carregada no DW através de processos


Figura 1 – Etapas de Implementação de um sistema de BI. ETL (Extracção, Transformação e Carregamento) ficando posteriormente disponível para análise.
[Adaptado de: http://www.12manage.com/methods_business_intelligence_pt.html]
É com base na arquitectura base de um DW que se pretende aprofundar a modelização do mesmo
aplicado à Saúde, quais as técnicas usadas (modelo em estrela) e que dimensões e factos são importantes
Tipicamente, os sistemas de BI podem ser classificados em dois grandes tipos: baseados em modelos para a sua construção no sentido de permitir analisar dados clínicos de diversas perspectivas. A grande
(“model-driven”) e baseados em dados (“data-driven”). Os sistemas baseados em modelos utilizam cons- vantagem dos sistemas de BI é a unificação da informação que se encontra dispersa por diversos
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sistemas fonte, aos quais é impossível aceder para efectuar consultas/análises multidimensionais aos Os sistemas de BI aplicados aos hospitais podem ter diversas finalidades, como a facturação e a gestão
dados. A partir deste ponto de partida, desenvolveu-se de raiz um sistema de BI, que inclui o modelo de dos cuidados de saúde dos pacientes. Permitem a gestão da facturação dos pacientes e estão vocacio-
DW aplicado GDH visto que o sistema operacional que armazena este tipo de informação não permite nados para proporcionarem informação de optimização financeira, gestão de custos e coordenação dos
consultas/análises simples do ponto de vista de utilizador. Assim sendo, o modelo de DW desenvolvido, fornecedores de seguros de saúde. Tipicamente, os sistemas de BI aplicados à saúde (não só os sistemas
permite dar legibilidade ao modelo de dados e coloca-los num formato que seja possível efectuar um de BI aplicado aos hospitais) contêm informação demográfica sobre o paciente, o tempo de internamen-
grande número de consultas/análises, sem grande dificuldade, de forma a melhorar o suporte à decisão. to, taxas, custos e o detalhe por cada serviço facturado como cirurgia, tratamentos, etc. Outra vantagem
destes sistemas de BI consiste na optimização de esforços administrativos relacionados com a gestão de
informação individual de cada paciente, tais como a sua localização, a medicação prescrita, entre outras.
2. Business Intelligence na Saúde
Visto que em cada hospital a informação clínica e financeira se encontra dispersa em diversos sistemas
Na área da saúde, o processamento de dados clínicos ainda se apresenta de uma forma antiquada (Hu- transaccionais, que têm como função registar as ocorrências e que não têm capacidade de traduzir a
ghes, 2004). Posteriormente, surgiram os CDW (Clinical Data Warehouse) e os sistemas de BI aplicados quantidade de dados armazenada em qualidade, surgem os sistemas de BI que permitem tratar esses
aos hospitais. Os CDW estão mais direccionados para as organizações de biomédica/farmacêutica, em dados de forma a proporcionar conhecimento (qualidade de informação), criando um repositório cen-
que o seu objectivo consiste em reduzir custos e o ROI (Return of Investment). tral que suporta uma visão unificada dos dados clínicos e uma disponibilidade dos mesmos para análise,
que vão de encontro às necessidades de informação dos utilizadores clínicos.
As equipas de investigação e desenvolvimento pretendem com os CDW analisar informação clínica,
como por exemplo, o historial patológico dos pacientes a quem administram determinados tipos de Existem diversas finalidades com que os sistemas de BI, neste caso aplicados à saúde, podem ser imple-
medicamentos de forma a compreenderem quais os mais eficientes, bem como que substâncias é que mentados, como por exemplo, a gestão de camas em hospitais que consiste num sistema de BI cujo ob-
foram usadas, e se podem ser combinadas com outros medicamentos. Uma possível estrutura do CDW, jectivo se baseia em optimizar ao máximo a utilização de camas. Neste caso, a monitorização da disponi-
para responder a estas questões, encontra-se na figura 3. bilidade das camas é efectuada através de indicadores e dashboards que permitem identificar o número
de camas disponíveis em tempo real, o que resulta na redução dos tempos de espera nas urgências, na
previsão dos prazos de disponibilidade de camas, numa melhor gestão do período de indisponibilidade
das camas, assim como numa melhor eficiência das transferências de pacientes para outras unidades de
internamento ou mesmo para outro hospital. A título de exemplo podemos referir a StatCom, uma em-
presa que presta serviços informáticos na área da saúde e possui na sua carteira de produtos e serviços
este tipo de sistema. A figura 4 ilustra o tipo de análises e monitorização que é efectuada.

Figura 3 - Arquitectura de um CDW. [Adaptado de: http://www.information-management.com/issues/20041101/1012400-1.html].

Como se pode observar, para além dos objectivos referidos, este CDW permite ainda auxiliar o marketing Figura 4 - Interface do sistema de gestão de camas.
na promoção de novos medicamentos. [Fonte: http://www.statcom.com/healthcare-software-solutions/business-activity-monitoring.aspx]
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Existem muitos casos de sucesso de sistemas de BI aplicados à saúde e aos hospitais. Como exemplo, em todo abrange uma rede de clínicas, hospitais, farmácias, laboratórios, companhias de seguros e o Gover-
Portugal, o Hospital Militar Principal implementou um sistema de BI para suprimir a falta de uniformiza- no, mais propriamente o ministério da saúde (Governo).
ção da informação em relação à sua inconsistência e flexibilidade, às dificuldades de responder as soli-
citações externas, à inexistência de um ambiente dedicado e a uma inadequada informação de gestão
(Cunha, 2008). O sistema implementado teve como objectivo armazenar o histórico de consultas exter-
nas, movimento de internamentos, intervenções cirúrgicas, meios complementares diagnóstico e tera-
pêutica e facturação. O acesso aos dados é efectuado através de relatórios elaborados pelos utilizadores.

Outro caso de sucesso na implementação de um sistema de BI encontra-se no Hospital Samaritano no


Brasil. Esta instituição necessitava de uma solução que integrasse dados e fornecesse informações con-
cretas sobre os primeiros socorros, pacientes internados e externos, assim como permitisse analisar, em
termos de histórico, os diversos procedimentos cirúrgicos (custos das cirurgias). Nenhum software que
o hospital possui permitia fornecer esta informação, logo os resultados obtidos com a implementação
deste projecto de BI foram um enorme sucesso. A possibilidade de efectuar o cruzamento de dados e
observar/visualizar o resultado desse cruzamento de informação trouxe benefícios para área financeira e
para outros departamentos do hospital.

Segundo Sérgio Lopez Bento, director do hospital, antes da implementação do sistema de BI a área de
controlo não conseguia analisar os resultados por serviços, especialidade médica ou procedimento. Ac-
tualmente, estas informações são disponibilizadas pelo sistema de BI e têm como origem a compilação
de diversos relatórios (Meta Análise, 2008).

Existem outros exemplos de sucesso na implementação de sistemas de BI na Saúde, como o caso dos Figura 5 - Círculo de valor da saúde. Adaptado de: (Kimball & Ross, 2002)
hospitais de Vancouver no Canadá e o de BayCare na Florida – Estados Unidos (Himmelsbach, 2005).

Os benefícios destas implementações traduzem-se na unificação da informação (visão única da realida- O que se pode observar e concluir do círculo de valor da saúde é que qualquer tipo de organização de
de), flexibilidade de análise, sofisticação e abrangência das análises e relatórios. Por outro lado, a nível saúde tem como factor crítico a organização e uniformização dos registos de tratamentos dos pacientes.
de custos e em termos hospitalares, oferece a vantagem de reduções dos custos e melhor gestão de Existem dois tipos principais de registos para o tratamento de pacientes: os registos de facturação de
internamentos, cirurgias e transferências de pacientes para outras unidades de saúde. tratamentos (que correspondem ao número de linhas na factura que o hospital apresenta ao paciente
para liquidar); os registos médicos representam testes de laboratórios, descobertas e informações sobre
o percurso de tratamento.
3. Modelação de Data Warehouses
Neste artigo, iremos abordar, duas aplicações possíveis de BI na saúde: no tratamento de dados relacio-
A área da saúde apresenta características próprias que a tornam um caso interessante de desenho de nado com a facturação de despesas de saúde e seguidamente iremos focar-nos nos GDH’s.
DW. No trabalho de um dos principais autores na área do DW (Kimball & Ross, 2002), é apresentado uma
revisão técnica da literatura que reflecte as melhores práticas de modelação de DW aplicados à saúde, e
com base nesta revisão, apresenta-se uma proposta de revisão de um modelo utilizado como base de 3.1. Modelo de Dados aplicado à Gestão de Despesas
construção de outros modelos mais detalhados, segundo as especificações próprias de cada área de
negócio. Um outro modelo que será analisado mais à frente, será dos GDH. As principais dimensões (tabelas que descrevem os factos) que podem estar incluídas num modelo do
DW aplicado à saúde são as seguintes:
Importa salientar que antes de elaborar qualquer modelo de dados é necessário compreender toda a
envolvente da área em análise, que neste caso é a saúde. O círculo de valor da saúde (Figura 5) no seu - Data (Ano, Mês, Dia).
84 | Manuel Barrento, Miguel Neto, Maria do Rosário Martins e Sara Dias Capítulo 6 Sistemas de Business Intelligence aplicados à Saúde | 85

- Paciente (ID, data de nascimento, entre outras características relevantes para análise).
- Responsável pelo Paciente (Família, Tutor, Colaborador).
- Colaborador Clínico (Médico, Enfermeiro).
- Entidade Pagadora (Paciente ou terceiros).
- Fornecedor de Tratamentos (Hospitais ou Clínicas).
- Tipos de Tratamento.
- Tipos de Medicamentos.
- Diagnóstico.
- Localização (do Hospital ou Clínica).

Após definidas as dimensões, é importante não esquecer os objectivos em termos de negócio do DW


aplicado à saúde, ou seja, pretende-se analisar o número de facturas por cada dimensão já descrita (por
paciente, diagnóstico, tratamento, data e outras combinações). Pretende-se também analisar a percen-
tagem de facturas pagas e não pagas, quanto tempo é que demoram a ser pagas, qual o status corrente
das facturas que ainda não foram pagas, etc. Toda esta informação necessita de ser actualizada em inter-
valos de 24 horas (Kimball & Ross, 2002).

Uma das vantagens do DW é a disponibilização de grandes volumes de informação consolidada numa


janela de tempo bastante reduzida e que tem vindo a ser cada vez mais próxima do tempo-real).

Colocado este objectivo e após identificadas as dimensões do DW, é necessário construir uma tabela de
factos que irá conter as métricas de facturação que serão cruzadas com as dimensões.

A tabela de factos irá representar o histórico de cada linha de factura, logo necessita da seguinte estru-
tura (Figura 6): Figura 6 - Tabela de factos para a facturação de cuidados de saúde. Adaptado de: (Kimball & Ross, 2002)

O conjunto das dimensões e das tabelas de factos forma o modelo de dados que permite análises multi-
dimensionais de acordo com os objectivos pretendidos, ou seja, este tipo de modelo permite responder O projecto de implementação do sistema operacional (fonte de dados que alimenta o DW) para os
a todas as análises propostas. GDHs foi iniciado em 1982. Em 1987 é integrado no Sistema para a Informação e Gestão dos Serviços de
Saúde (SIGSS). Em 1988 iniciam-se as acções de formação para os médicos, mão de obra disponível na al-
tura. São distribuídos equipamentos informáticos aos hospitais do SNS. O então Secretário de Estado da
3.2. Modelo de Dados aplicado aos Grupos de Diagnóstico Homogéneos Saúde, Eng. Costa Freire, assina uma circular que apresenta os objectivos da implementação dos GDHs
em Portugal aos conselhos de administração hospitalares.
No vasto mundo da saúde, a área na qual se está a conceptualizar um modelo de DW consiste nos Gru-
pos de Diagnóstico Homogéneos (GDH). Os GDH são um sistema de classificação de doentes internados, A codificação de todos os episódios de internamento inicia-se com as altas a partir de 1989. Ou seja, des-
em grupos clinicamente coerentes e similares do ponto de vista do consumo de recursos. O agrupamen- de a década de 80 que foi desenvolvido um sistema operacional específico para os GDH e até aos dias
to tem por base as características dos doentes que recebem conjuntos similares de cuidados. de hoje, os dados foram armazenados de uma forma que não permitem de um modo acessível aceder
e analisar os dados, assim sendo, surge de uma forma natural a necessidade de colocar os dados num
formato que permita diversos tipos de análise (sobretudo multidimensional).

Identificada esta necessidade, iniciou-se um desenho de um modelo de DW aplicado aos GDH que tem
como fonte, os dados que se encontram no sistema operacional desenvolvido em 1982. O fluxo dos
86 | Manuel Barrento, Miguel Neto, Maria do Rosário Martins e Sara Dias Capítulo 6 Sistemas de Business Intelligence aplicados à Saúde | 87

dados será no sentido do sistema fonte para a Staging Area (base de dados intermédia na qual os dados Para responder aos requisitos referidos, desenvolveu-se um modelo em estrela constituído pelas seguin-
fonte serão transformados) e depois serão carregados no DW. tes dimensões:

Os processos de controlo do fluxo de dados, extracção, transformação e carregamento são assegurados - Tempo (data com granularidade até ao dia).
por procedimentos de ETL desenvolvidos à medida. Após os dados se encontrarem carregados no DW, - Paciente (informação diversa sobre as suas características como o sexo como e a idade).
surge uma camada de abstracção entre a parte técnica (bases de dados e todos os seus processos as- - Diagnóstico.
sociados) e a parte funcional (análise de dados). Essa camada consiste numa ferramenta de visualização - Causa Externa.
de dados que permite aos utilizadores efectuarem análises diversificadas (segundo um modelo multi- - Destino Após Alta (que assume os valores “Não Definido”, “Desconhecido”, “Para o Domicílio”, “Para Outra
dimensional que corresponde ao modelo do DW e que o seu conteúdo será detalhado mais à frente). Instituição com Internamento”, “Serviço Domiciliário”, “Saída Contra Parecer Médico”, “Falecido”).
- Morfologia Tumoral.
A figura 7 ilustra a arquitectura (que foi desenvolvida) do sistema de BI aplicado aos GDH que, por sua - Motivo Transferência.
vez, engloba o DW. - Procedimento.
- Tipo Admissão.
- Serviço.
- Hospital.
- Concelho (do paciente).
- Distrito (do paciente).
- Freguesia (do paciente).
- Estações do ano (que assume os valores “Primavera”, “Verão”, “Outono” e “Inverno”).
- GDH (após o diagnóstico, a que GDH o paciente pertence).
- Grande Categoria de Diagnóstico (a GCD agrupa os GDH, ou seja, relação 1 para n).

Estas dimensões (que contextualizam os factos) podem ser combinadas com as métricas existentes (e
consoante as necessidades de análise, podem ser criadas mais métricas) na tabela de factos:

- Número de dias de internamento.


Figura 7 - Arquitectura de BI aplicada aos GDH. - Número de dias de pré-operatório.
- Número de Pacientes.

Contudo, o objectivo principal de análise, neste caso, não são custos, mas sim determinar a periodicida- Sexo, idade, naturalidade, bem como a duração do internamento, em que hospital se encontra, quais os
de/sazonalidade dos episódios de internamento, quais os diagnósticos atribuídos aos pacientes e a que diagnósticos, serviços e procedimentos aplicados e em que datas ocorreram. Graficamente o modelo
GDH pertencem, etc. A partir desta base, será possível identificar as periodicidades do internamento por apresenta-se da seguinte forma (Figura 8):
faixa etária, por diagnóstico, por localização geográfica, quais os procedimentos mais utilizados nos pa-
cientes, qual o número de internamentos por estação do ano, quais os serviços mais aplicados por sexo, Com este modelo em formato de estrela (em que obedece à regra 1 para n) é possível, através de uma
faixa etária ou região, a duração do internamento por paciente, o número e o detalhe dos diagnósticos ferramenta de visualização de dados (que será explicada no capítulo seguinte de Reporting), efectuar
atribuídos durante o internamento, quais as cirurgias efectuadas, quais os principais tipos de diagnóstico análises multidimensionais que anteriormente não eram possíveis realizar visto que a base de dados do
por sexo, faixa etária ou região, qual o hospital com maior número internamentos entre outras caracte- sistema fonte dos GDH tinha como foco o armazenamento de dados não estruturados e a produção
rísticas (dimensões). de listagens.

Existem diversos tipos de análises que necessitam de repostas, assim como comparações de dados entre Por outro lado, com este sistema de BI aplicado aos GDH, os dados são armazenados de modo a facilitar,
diversos anos. aos utilizadores finais, as consultas aos dados sob múltiplas perspectivas (dimensões).
88 | Manuel Barrento, Miguel Neto, Maria do Rosário Martins e Sara Dias Capítulo 6 Sistemas de Business Intelligence aplicados à Saúde | 89

senvolvido. Entre os exemplos de análise podemos referir a possibilidade de determinar, através de um


dashboard, saber o total de dias de internamento por sexo num determinado distrito (figura 9):

Figura 8 - Modelo do DW para os GDH. Figura 9 - Esquema de dashboard que permite ao utilizador final seleccionar o distrito para obter o total de dias de interna-
mento por sexo.

Um dos pontos fortes desta arquitectura é a legibilidade do modelo do DW que permite aos analistas
do negócio ter uma percepção clara de quais as dimensões de análise. Outra vantagem que consiste na Ou como saber qual o GCD com mais dias de internamento (figura 10):
independência entre o sistema fonte que se encontra diariamente a registar transacções (episódios de
internamento) e o DW, ou seja, os dados são carregados para a base de dados da Staging Area e partir
deste ponto, o sistema de BI funciona independentemente da fonte, o que permite aos utilizadores efec-
tuarem consultas ao DW com performance devido à ausência de concorrência.

Por último, a vantagem do modelo do DW desnormalizado permite que a qualquer momento seja pos-
sível adicionar-lhe mais dimensões para análise, sem grande impacto na solução de BI.

4. Reporting
A última camada do sistema de BI consiste na interface com o utilizador final, ou seja, a componente
de reporting (que é alimentada pelo DW) e que foi desenvolvida na plataforma de reporting da MicroS-
trategy (MicroStrategy, 2009). Esta camada permite efectuar diversos tipos de análises de forma fácil e
intuitiva, bastando apenas arrastar as dimensões pelas quais se querem obter as métricas. É nesta fase
que é mais visível o potencial das análises multidimensionais, visto que podem ser combinadas mais
que uma dimensão no mesmo report. Visto que este desenvolvimento enquadra-se no âmbito de uma
tese de mestrado não se encontra disponível, por enquanto, aos utilizadores. No entanto foi efectuada
uma apresentação (no dia 18 de Março de 2010) na sede da ACSS no sentido de mostrar o trabalho de- Figura 10 - Esquema de report para comparar (entre 2007 e 2008) o total de dias de internamento por GCD.
90 | Manuel Barrento, Miguel Neto, Maria do Rosário Martins e Sara Dias Capítulo 6 Sistemas de Business Intelligence aplicados à Saúde | 91

Através dos reports, é possível analisar o estado do negócio, nomeadamente dos GDH. Desta forma é Daniel, P. (10 de Março de 2007). A Brief History of Decision Support Systems. Obtido em 22 de Março de
possível ter uma visão global da informação, o que permite uma melhores tomada de decisão. 2009, de DSSResources.COM: http://dssresources.com/history/dsshistory.html

Hans, L. (1958). A Business Intelligence System. IBM Journal, 314-319.


5. Conclusões
Himmelsbach, V. (10 de Maio de 2005). How business intelligence is making healthcare smarter. Obtido em
O sucesso dos sistemas de BI está bastante dependente do modelo desenhado para o DW. Nesse senti- 23 de Março de 2009, de Signs of Intelligent Life: http://www.connectingforhealth.nhs.uk/newsroom/
do e para garantir um modelo de DW fiável, é necessário envolver desde o inicio neste tipo de projectos worldview/protti10/
os profissionais, não apenas de IT, mas principalmente os de Saúde no sentido de compreender quais
as necessidades de análise e de que forma um sistema de BI os pode ajudar no suporte à decisão. Os Hughes, R. (1 de Novembro de 2004). Optimal Data Architecture for Clinical Data Warehouses. Obtido
modelos em estrela dos DW propostos permitem um fácil entendimento à priori de quais as análises em 18 de Março de 2009, de Information Management: http://www.information-management.com/is-
(multidimensionais) que podem ser efectuadas através do sistemas de BI. O modelo em estrela é sufi- sues/20041101/1012400-1.html
cientemente versátil para acrescentar/remover dimensões e factos sem perder a legibilidade, o que se
revela bastante vantajoso. Kimball, R., & Ross, M. (2002). The Data Warehouse Toolkit (2nd ed.). New York: John Wiley & Sons.

Com o modelo de DW desenvolvido para os GDH, será possível efectuar análises multidimensionais de Meta Análise. (20 de Junho de 2008). BI ajuda Hospital Samaritano a melhorar remuneração. Obtido em
uma forma simples visto que o sistema fonte (base de dados actual dos GDH) quando foi desenhada, 23 de Março de 2009, de Meta Análise - Inteligência de Mercado: http://www.metaanalise.com.br/inteli-
não contemplou este tipo de consultas/análises aos dados. Outro factor importante prende-se com a genciademercado/palavra-aberta/melhores-praticas/bi-ajuda-hospital-samaritano-a-melhora-remune-
legibilidade dos modelos, no qual o sistema fonte um modelo complexo e pouco versátil para os utiliza- rac-o.html
dores. Por outro lado, o modelo de DW para os GDH veio trazer um modelo legível e totalmente versátil
em que o utilizador ao visualiza-lo compreende quais as hipóteses de análises é que pode ou não pode Owen, H. (6 de Abril de 2006). Using Dashboard-Based Business Intelligence Systems. Obtido em 22 de
efectuar. Um exemplo de versatilidade do DW, consiste em contemplar a dimensão das estações do ano, Março de 2009, de Graziadio Business Report: http://gbr.pepperdine.edu/034/bis.html
que não existe no sistema fonte, de forma a possibilitar análises à sazonalidade dos GDH.
Wang, J. (15 de Setembro de 2006). Develop SOA solutions for healthcare organizations using business-
Em termos de BI na saúde, o progresso é constante e os resultados falam por si, ou seja, a optimização/ driven development. Obtido em 23 de Maio de 2009, de IBM: http://www.ibm.com/developerworks/we-
gestão de facturação, de recursos médicos, entre outras é melhorada de forma bastante significativa, o bservices/library/ws-soa-bddhealth/
que leva a uma redução de erros nas decisões humanas. Do lado da tecnologia BI, permite um avanço
constante na forma célere e estruturada como os dados são apresentados, de forma a responder às MicroStrategy. (2009). MicroStrategy Free Reporting Suite. Obtido em 10 de Fevereiro de 2010, de http://
exigências deste negócio. www.microstrategy.co.uk/freereportingsoftware/

6. bibliografia
ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde. (2006). Sistema de classificação de doentes em gru-
pos de diagnóstico homogéneos (GDH). Lisboa: ACSS.

Cincinnati Children’s Hospital Medical Center. (03 de Janeiro de 2009). Research Data Warehouse. Obti-
do em 24 de Maio de 2009, de http://i2b2.cchmc.org/faq

Cunha, J. R. (10 de Maio de 2008). Solução de Business Intelligence no Hospital Militar Principal. Obtido em 8
de Abril de 2009, de http://www.sisaude.oninet.pt/apresenta08/14-BusinessIntelligenceHospitalMilitar-
-Entrega.pdf
93
capítulo 7
Implementação de um Sistema de Business
Intelligence para a Análise da Qualidade
de Vida Pré e Pós-Operatória

Diana Gonçalves1, Maribel Yasmina Santos1, Jorge Cruz2


Mestre, Professor Auxiliar, Professor Auxiliar.
pg13247@uminho.pt, maribel@dsi.uminho.pt, costacruzjorge@gmail.com

Resumo

A hiperhidrose primária é provocada por uma disfunção do sistema nervoso simpático e é caracterizada
por uma sudorese excessiva, a qual condiciona a qualidade de vida dos pacientes que possuem esta do-
ença. A simpaticectomia é uma técnica cirúrgica que pode ser utilizada no tratamento da hiperhidrose
primária. Este capítulo apresenta a análise da qualidade de vida de 227 pacientes que foram submetidos
a uma simpaticectomia torácica endoscópica. As análises efectuadas recorreram a um sistema de Busi-
ness Intelligence (BI), o qual permitiu o armazenamento, a manipulação e a análise dos dados recolhidos.
Para o armazenamento dos dados foi concebido um Data Mart e para a sua análise foram utilizadas as
tecnologias On-line Analytical Processing (OLAP) e Data Mining. A análise dos dados recolhidos permitiu
verificar a evolução da qualidade de vida dos pacientes e, ainda, a incidência de complicações ou efeitos
secundários como consequência da cirurgia.

1. Introdução
Dada a constante necessidade de sistemas informáticos que suportem a análise de grandes quantidades
de dados sob diversas perspectivas, contendo dados históricos e actuais, e a integração dos dados dos
diversos sistemas operacionais, surgiu na década de 80 o conceito de Business Intelligence (BI).

Os sistemas de BI são sistemas computorizados que têm como objectivo auxiliar os decisores no pro-
cesso de tomada de decisão, transformando os dados existentes nas organizações em informação útil, a

1 Universidade do Minho, Campus de Azurém, 4800-058 Guimarães, Portugal.


2 Universidade de Lisboa, Portugal.
94 | Diana Gonçalves, Maribel Yasmina Santos e Jorge Cruz Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida [...] | 95

qual pode, posteriormente, ser transformada em conhecimento pelos seus utilizadores. Para tal, é neces- A secção 4 apresenta a arquitectura do sistema de BI proposto neste trabalho para avaliar a qualidade de
sário que estes sistemas sejam suportados por um conjunto de tecnologias, nomeadamente: vida pré e pós-operatória. A secção 5 sistematiza os resultados obtidos utilizando as tecnologias OLAP e
Data Mining, e a secção 6 culmina com uma breve síntese do trabalho realizado.
- Os sistemas de Data Warehousing, repositórios onde ficam armazenados os dados históricos de cariz
operacional e transaccional extraídos dos sistemas operacionais ou sistemas fonte;
- Os processos de Extraction, Transformation and Loading (ETL), para a selecção, transformação, limpeza, e 2. Business Intelligence
carregamento dos dados para o Data Warehouse;
- As aplicações de análise que integram as tecnologias On-line Analytical Processing (OLAP) e Data Mining. BI é um termo que foi introduzido por Howard Dresner do Gartner Group em 1989 (Power, 2007). Estes
Os sistemas OLAP permitem efectuar a análise de informação sob diversas perspectivas (baseadas no sistemas combinam dados com ferramentas analíticas de forma a disponibilizar a informação relevante
modelo de dados multidimensional definido para o Data Warehouse/Data Mart que armazena os dados) para o processo de tomada de decisão, sendo um dos seus objectivos melhorar a disponibilidade e a
e, a tecnologia de Data Mining, cujos algoritmos de análise exploratória de dados permitem identificar qualidade da mesma (Cody et al., 2002; Negash e Gray, 2003).
padrões ou tendências nos dados analisados.
Os sistemas de BI alimentam-se dos dados existentes nos sistemas transaccionais das organizações. Di-
Um sistema de BI pode dar suporte a diversos domínios de aplicação, de entre os quais se destaca, neste versas tecnologias são integradas com a finalidade de suportar duas componentes essenciais destes
capítulo, a área da saúde. O trabalho aqui apresentado descreve um vasto conjunto de análises efectua- sistemas: o armazenamento e a análise dos dados (Gonçalves et al., 2010).
das para a avaliação da qualidade de vida pré e pós-operatória de indivíduos com hiperhidrose primária
submetidos a simpaticectomia torácica vídeo-assistida (Leséche et al., 2003). A simpaticectomia é uma Para o armazenamento dos dados são utilizados Data Warehouses ou Data Marts, os quais permitem a
técnica cirúrgica que pode ser utilizada no tratamento de diversas doenças, de entre as quais a hiperhi- definição de um modelo de dados de suporte à decisão. Estes sistemas são mantidos de forma autó-
drose primária, condição física que surge como consequência de uma disfunção do sistema nervoso noma em relação às bases de dados dos sistemas operacionais das organizações (Han e Kamber, 2001).
simpático e que afecta cerca de 1% da população global (Young et al., 2003). A hiperhidrose primária é
caracterizada por uma transpiração excessiva que pode ocorrer a nível facial, palmar, axilar e/ou plantar, De acordo com Kimball e Ross (Kimball e Ross, 2002), os objectivos de um Data Warehouse passam por:
e que provoca vários problemas aos indivíduos, os quais têm a sua vida completamente influenciada por
esta disfunção (Gonçalves et al., 2010). - Tornar a informação da organização facilmente acessível;
- Apresentar a informação de forma consistente;
Os dados analisados neste estudo foram recolhidos utilizando uma variante do SF-36 Health Survey Ques- - Ser uma fonte segura de informação na empresa;
tionnaire, o questionário SF-6D. Este é um instrumento amplamente utilizado para medir a percepção da - Ser a base para a tomada de decisão.
saúde numa determinada população, uma vez que é fácil de usar, aceitável para os pacientes, e cumpre
os critérios de fiabilidade e de validade necessários (Brazier et al., 1992). Este inquérito tem sido utilizado Os Data Warehouses são geralmente implementados para armazenar grandes quantidades de dados,
e testado na avaliação da qualidade de vida de pacientes submetidos a diversas cirurgias (Sayeed et al., o que não acontece neste estudo. Neste trabalho é proposto um modelo de dados de apoio à decisão
1998; Myrdal et al., 2003). para um domínio de aplicação específico. Os dados recolhidos foram armazenados num Data Mart. Um
Data Mart possui todas as características de um Data Warehouse, mas armazena dados sobre uma ver-
O questionário utilizado foi disponibilizado via Web de forma a facilitar o acesso ao mesmo. O contacto tente ou área da organização (Berson e Smith, 1997).
com os pacientes foi realizado através do envio de 504 cartas de pedido de resposta aos pacientes,
contendo estas uma descrição dos objectivos do estudo, um conjunto de instruções, um login e uma A partir do Data Mart desenvolvido, é possível analisar os dados alvo deste estudo recorrendo a tecnolo-
password. Destas 504 cartas, 30 foram devolvidas por endereço desconhecido ou alteração da morada, gias como o OLAP e o Data Mining. As ferramentas OLAP permitem aos utilizadores realizar análises aos
tendo-se obtido uma taxa de resposta de 48%. dados através de vistas multidimensionais dos mesmos (Berson e Smith, 1997). As ferramentas de Data
Mining integram princípios provenientes de áreas como a estatística e a inteligência artificial, permitindo
Os indivíduos que fazem parte da amostra utilizada para avaliar a qualidade de vida pré e pós-operatória a exploração e a análise de grandes quantidades de dados, com o objectivo de identificar padrões e
foram operados no Hospital de Santa Maria em Lisboa ou no Instituto Cardio-Vascular de Lisboa. tendências nos dados (Berry e Linoff, 2004).

Este capítulo encontra-se organizado da seguinte forma. A secção 2 apresenta o enquadramento con-
ceptual e tecnológico dos sistemas de BI. A secção 3 descreve o domínio da aplicação alvo deste estudo.
96 | Diana Gonçalves, Maribel Yasmina Santos e Jorge Cruz Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida [...] | 97

3. Domínio de Aplicação Gonçalves et al., 2010). A arquitectura deste sistema é apresentada na Figura 1, baseando-se esta numa
estrutura que possibilita a organização dos dados que foram analisados.
O sistema de BI implementado destina-se a avaliar a qualidade de vida pré e pós-operatória de indivídu-
os submetidos a simpaticectomias torácicas vídeo-assistidas (Gonçalves et al., 2010).

A simpaticectomia torácica vídeo-assistida é, actualmente, a terapêutica indicada no tratamento da hi-


perhidrose primária. A hiperhidrose define-se clinicamente como uma transpiração excessiva, que pode
ser primária ou secundária (Cruz et al., 2002; Cruz, 2005). No que concerne à hiperhidrose primária, esta
pode ser palmar, axilar, plantar ou craniofacial, mas a apresentação clínica mais frequente é a palmar, axilar
e plantar. A hiperhidrose axilar ou a craniofacial, de forma isolada, são raras (Cruz et al., 2002; Cruz, 2005). Os
doentes referem hipersudorese quase constante, frequentemente sem factores desencadeantes, embora
os estímulos emocionais, nomeadamente em eventos sociais ou profissionais, sejam referidos como fac-
tores importantes e determinantes no início dos episódios de hipersudorese. No caso dos doentes com
hiperhidrose craniofacial, estes episódios são acompanhados de ruborização da face, o que vem agravar
ainda mais o desconforto desta situação tornando-se num sofrimento muitas vezes com consequências
graves para a vida dos doentes, tanto a nível social como profissional (Cruz et al., 2002; Cruz, 2005).

Transpirar é uma função normal do organismo, que tem como principal objectivo regular a temperatura
corporal, mas na hiperhidrose primária, a transpiração aparentemente não tem qualquer função a nível
fisiológico (Cruz et al., 2009a; Cruz et al., 2009b). O início dos sintomas pode ocorrer na infância, na ado-
lescência ou somente na idade adulta, por razões que continuam desconhecidas. No entanto, na expe-
riência pessoal destes autores, os sintomas aparecem maioritariamente na infância, podendo agravar-se
na adolescência ou na idade adulta. A hiperhidrose afecta ambos os sexos, embora seja mais frequente
no sexo feminino.
Figura 1 - Arquitectura do Sistema de BI.
Apesar do sucesso no tratamento da hiperhidrose primária, a cirurgia não está isenta de riscos ou efeitos
secundários. Entre os efeitos secundários destaca-se a sudorese compensatória (Moran et al., 1991) em
(Leséche et al., 2003). De acordo com estes autores, a sudorese compensatória parece ser o sintoma mais Todos os pacientes que foram contactados tinham disponível uma plataforma on-line, onde foram dis-
comum de insatisfação de pacientes no pós-operatório, apesar da cirurgia ter sido bem sucedida no que ponibilizados os questionários (pré e pós-operatório) e nos quais as respostas foram limitadas a um
concerne à hiperhidrose primária. número fixo de opções válidas. Os dados recolhidos foram organizados e armazenados numa base de
dados relacional, passando posteriormente pelo processo de extracção, transformação, limpeza e poste-
Podem ainda ocorrer outras complicações operatórias, nomeadamente o Pneumotórax, que significa a rior carregamento dos dados para o Data Mart construído.
presença de ar no espaço pleural, ou seja, ar entre o pulmão e a parede do tórax; Hemotórax, que se ca-
racteriza pelo acumular de sangue no espaço existente entre a parede torácica e o pulmão; e o síndrome Na fase de ETL, os dados em falta foram tratados de forma a melhorar a qualidade dos dados disponíveis
de Horner (pálpebra descaída) que é causada pela lesão do sistema nervoso simpático ao nível do gân- para análise. Aos valores omissos associados a atributos nominais foi atribuída uma constante global
glio estrelado (Gonçalves, 2009). No entanto, estas complicações pós simpaticectomia torácica são raras. designada de “Desconhecido”. Para os valores contínuos foi calculada a média de cada atributo.

O modelo do Data Mart foi definido de forma a dar resposta a diversas análises, nomeadamente co-
4. Sistema de BI Implementado nhecer as características dos pacientes, verificar os efeitos secundários e as complicações ocorridas, e
verificar a evolução da qualidade de vida dos pacientes. O modelo de dados integra seis linhas de análise,
Para a avaliação da qualidade de vida pré e pós-operatória de indivíduos submetidos a uma simpati- cada uma delas representada por uma das tabelas de factos presentes no modelo. A estrutura de dados,
cectomia torácica vídeo-assistida foi desenhado e implementado um sistema de BI (Gonçalves, 2009; num modelo em constelação, é evidenciada Figura 2. O modelo integra as seguintes tabelas de factos:
98 | Diana Gonçalves, Maribel Yasmina Santos e Jorge Cruz Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida [...] | 99

Hiperhidrose, Distúrbios Hiperhidrose, Estado Emocional, Efeitos Secundários, Hiperhidrose Compensa- 5. Avaliação da Qualidade de Vida Pré e Pós-Operatória
tória e Qualidade de Vida. Cada uma destas tabelas de factos está ligada a um conjunto de tabelas de
dimensão, permitindo a análise dos dados disponíveis em diferentes perspectivas. Esta secção apresenta uma síntese dos resultados obtidos, após ter sido realizada a recolha dos dados e
o processo de ETL para o carregamento do Data Mart. A análise dos dados foi realizada utilizando tecno-
A tabela de factos Hiperhidrose permite o armazenamento da informação associada à incidência da logia OLAP e de Data Mining. A tecnologia OLAP facilita a análise dos dados sob diferentes perspectivas
hiperhidrose, antes e depois da cirurgia. A tabela Distúrbios Hiperhidrose é usada para caracterizar o iní- e a tecnologia de Data Mining permite a identificação de padrões e tendências nos dados.
cio da disfunção no paciente e quando o mesmo começou a sentir-se desconfortável com a doença. A
tabela Hiperhidrose Compensatória armazena a incidência de hiperhidrose compensatória nos pacien- Uma visão global dos dados recolhidos é evidenciada na Figura 3 e na Figura 4, nas quais é possível
tes um mês e seis meses após a cirurgia. A tabela Estado Emocional caracteriza o estado emocional dos visualizar a distribuição dos pacientes atendendo ao género e à idade na data da cirurgia. Estes dados
pacientes, evidenciando como os mesmos são afectados por esta doença. A tabela Efeitos Secundários dizem respeito a 227 pacientes. Destes, 199 responderam a ambos os questionários, 14 responderam
armazena os efeitos colaterais permanentes e/ou temporários verificados nos pacientes como conse- unicamente ao questionário pré-operatório e outros 14 pacientes responderam somente ao questioná-
quência da cirurgia. A tabela Qualidade de Vida recebe as respostas às questões que estão relacionadas rio pós-operatório.
com o questionário SF-6D, acerca da qualidade de vida. Além das questões parciais analisadas, dor físi-
ca, saúde mental, etc., esta tabela armazena ainda uma métrica que é calculada a partir das questões
parciais. O cálculo desta medida foi baseado na consulta da tabela disponibilizada pelo Professor John
Brazier (Brazier et al., 1992).

Figura 3 - Distribuição dos pacientes por faixa etária à data da cirurgia.

Conforme ilustrado na Figura 3, a idade dos indivíduos à data da cirurgia varia entre os 10 e os 52 anos
(este último incluído na classe [+40]), verificando-se que a faixa etária entre os 20 a 24 anos registou um
maior número de casos, com 61 pacientes (27%), seguida dos 25 aos 29 anos com 48 pacientes (21%). A
faixa etária entre os 15 a 19 anos registou 23 pacientes (10%) e muito próxima desta última, a faixa etária
entre os 30 a 34 anos com 21 pacientes (9%). A faixa etária dos 10 aos 14 anos é a que apresenta a taxa de
incidência menor, constatando-se apenas 3 casos (1%), seguida da dos pacientes com mais de 40 anos,
que registou 10 casos (5%), e por último a faixa etária dos 35 aos 39 com 15 pacientes (7%).

A Figura 4 evidencia a distribuição dos dados de acordo com o género. Na mesma é possível verificar que
Figura 2 - Modelo em Constelação para o Data Mart. os casos femininos predominaram com 159 mulheres (70%) e o sexo masculino registou 66 casos (29%),
existindo 2 registos com valores omissos.
100 | Diana Gonçalves, Maribel Yasmina Santos e Jorge Cruz Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida [...] | 101

Outra caracterização da hiperhidrose é apresentada na Figura 6 através de uma tabela dinâmica. Nesta
tabela é possível analisar a manifestação clínica com maior e menor incidência, diferenciando o pré-
-operatório do pós-operatório.

Contagem de Respostas Hiperhidrose Hiperhidrose


Questionário Grau_Hiperhidrose Facial Axilar Palmar Plantar Total Geral
Pré-Operatório Inexistente 93 13 7 5 118
Irrelevante 48 29 9 12 98
Moderada 26 52 14 36 128
Excessiva 5 99 179 150 433
Desconhecido 41 20 4 10 75
Pré-Operatório Total 213 213 213 213 852

Figura 4 - Distribuição dos pacientes por género. Pós-Operatório Inexistente 136 79 151 24 390
Temporário 39 91 32 87 249
Definitivo 9 24 21 83 137

A análise com os cubos OLAP é iniciada com a verificação da fase da vida dos pacientes em que ocorreu Desconhecido 29 19 9 19 76

o início da hiperhidrose e quando esta disfunção começou a perturbar a vida dos mesmos. Pós-Operatório Total 213 213 213 213 852
Total Geral 426 426 426 426 1704

A Figura 5 mostra um gráfico dinâmico com os resultados obtidos, diferenciando os pacientes através Figura 6 - Tipo de hiperhidrose associado ao grau de hiperhidrose, pré e pós-operatório.
do sexo. Para os indivíduos do sexo feminino, o início da doença é verificada maioritariamente na fase da
infância. Para o sexo masculino, é na fase da adolescência. Em relação aos distúrbios associados à doen-
ça, ambos os sexos referem que é na adolescência que se sentem mais desconfortáveis com a mesma. No que diz respeito às respostas antes da cirurgia, verifica-se que quase todo o tipo de hiperhidrose se
manifesta como excessivo, principalmente no que concerne à hiperhidrose palmar e plantar, enquanto
que a hiperhidrose facial é maioritariamente inexistente.

Após a cirurgia, o número de casos com hiperhidrose palmar diminui consideravelmente, não suceden-
do o mesmo com a hiperhidrose plantar, embora se verifiquem melhorias significativas. Para o tratamen-
to da hiperhidrose plantar é necessária a realização de uma simpaticectomia na zona lombar. Apesar da
especificidade da simpaticectomia torácica, diversos pacientes ficam curados da hiperhidrose plantar ao
tratar a hiperhidrose palmar.

O estado emocional é gravemente afectado por esta disfunção, pelo que os pacientes que a possuem
vêm a sua vida condicionada pela mesma. Um estudo do estado emocional torna-se, portanto, de ele-
vado valor, na medida em que permite verificar a evolução do estado emocional do pré para o pós-
-operatório. A Figura 7 e a Figura 8 evidenciam gráficos dinâmicos com estas análises.

Figura 5 - Fase da Hiperhidrose associado ao Período de Perturbação e ao Sexo.


102 | Diana Gonçalves, Maribel Yasmina Santos e Jorge Cruz Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida [...] | 103

A hiperhidrose compensatória tem sido o efeito secundário mais apontado como motivo de insatisfação dos
pacientes, após a realização de uma simpaticectomia torácica vídeo-assistida, apesar da cirurgia ser bem suce-
dida. Os resultados da análise realizada à incidência de hiperhidrose compensatória, seis meses após a cirurgia,
são apresentados de seguida. Esta análise é realizada separando as cirurgias realizadas até Dezembro de 2006 e a
partir de Janeiro de 2007, momento em que o procedimento cirúrgico foi alterado. Analisado a Figura 9 e a Figu-
ra 10 constata-se que os graus de incidência da hiperhidrose compensatória Excessiva e Moderada diminuem
consideravelmente para todos os locais (Abdominal, Dorsal e Pernas), após a mudança do procedimento cirúrgi-
co, contribuindo para o sucesso do tratamento e também para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos.

Figura 7 - Estado Emocional no pré-operatório.

Figura 9 - Hiperhidrose Compensatória 6 meses após a cirurgia (até Dezembro de 2006).

Figura 8 - Estado Emocional no pós-operatório.

Num cenário pré-operatório, o receio de cumprimentos e a necessidade de esconder a doença estão


presentes na maioria dos pacientes de forma excessiva, seguidos pelo sentimento de incompreensão
face à doença, a insegurança, as dificuldades de socialização e a vergonha de falar sobre a doença que
se manifestam de forma acentuada. O isolamento é o estado emocional que se apresenta menos mar-
cante. No pós-operatório todos estes sentimentos são maioritariamente inexistentes ou irrelevantes para
todos os pacientes, sendo notória a significativa evolução do estado emocional nos pacientes depois da
realização da cirurgia.
Figura 10 - Hiperhidrose Compensatória 6 meses após a cirurgia (a partir de Janeiro de 2007).
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Para confirmar os resultados obtidos até ao momento, é evidenciada na Figura 11 uma outra perspectiva A fim de testar a confiança dos modelos identificados, os dados da amostra são divididos em dois con-
desta realidade, através da média dos resultados do total da qualidade de vida obtida pela utilização do juntos, o conjunto de dados de treino, que é utilizado para identificar o modelo, e o conjunto de dados
questionário SF-6D. As várias respostas dadas nesta componente do questionário são convertidas num de teste, que é utilizado para determinar a precisão do modelo. Em todas as tarefas de Data Mining,
valor de utilidade global que varia entre 0 e 1, no qual 0 corresponde a uma qualidade de vida menos apresentadas de seguida, a partição usada foi de 60% para o conjunto de treino e 40% para o conjunto
favorável e 1 à melhor condição de saúde possível (Kharroubi et al., 2007). de teste. Esta partição foi a que maximizou o desempenho dos modelos obtidos. A ferramenta usada no
processo de Data Mining foi o SAS Enterprise Miner v9.1.

A análise do estado emocional dos indivíduos foi a primeira tarefa realizada com Data Mining. A mesma
tenta prever se os indivíduos já realizaram a cirurgia, ou não, de acordo com o estado emocional e o grau
de estado emocional sentido pelos pacientes.

O resultado desta análise pode ser visualizado na Figura 12, onde se encontra representada graficamente
a árvore de decisão gerada. Analisando a Figura 12 verifica-se que se o grau do estado emocional for
Inexistente, prevê-se que o paciente esteja num cenário pós cirurgia em 83,7% dos casos. Se o grau
de estado emocional sentido pelos pacientes for Excessivo ou Acentuado, então prevê-se que estes
estejam num cenário pré cirúrgico em 91,6% dos casos. Para o grau de estado emocional Irrelevante ou
Desconhecido, torna-se necessário analisar o tipo de estado emocional para obter uma decisão a partir
da árvore. Para estes graus, se o tipo de estado emocional sentido pelo paciente for de Receio de cumpri-
mentos, Insegurança ou Sentimento de incompreensão face à doença, prevê-se que o paciente já tenha
Figura 11 - Média do total da qualidade de vida realizado a cirurgia em 52,2% dos casos. Se o tipo de estado emocional estiver associado à Necessidade
de esconder a doença, Dificuldades de socialização, Isolamento ou Vergonha de falar sobre a doença,
então prevê-se que estes pacientes estejam num cenário pré cirúrgico em 71,2% dos casos.
Após a análise dos dados com a tecnologia OLAP, os resultados obtidos com Data Mining são agora apresentados.

As principais tarefas associadas ao Data Mining podem ser classificadas em previsão e descrição. A pre-
visão envolve a utilização de algumas variáveis ou campos na Base de Dados para prever valores desco-
nhecidos ou futuros de outras variáveis de interesse. A descrição concentra-se em identificar interpreta-
ções dos dados, aumentado deste modo o conhecimento do utilizador sobre os mesmos (Fayyad et al.,
1996). No contexto deste trabalho, o objectivo da análise dos dados com a tecnologia de Data Mining
passa pela identificação de modelos que apresentem capacidades preditivas, uma vez que a compreen-
são e a descrição dos dados foi realizada recorrendo à tecnologia OLAP.

Para a identificação de modelos preditivos são, neste trabalho, utilizadas árvores de decisão (Quinlan,
1986). A utilização de um algoritmo de indução de árvores de decisão exige a identificação dos parâme-
tros de entrada e do parâmetro de saída. Os atributos de entrada são usados no processo de aprendiza-
gem para prever o parâmetro de saída.

Para cada um dos modelos gerados é verificada a acuidade do modelo, a qual é derivada da Matriz de
Confusão do respectivo modelo. A Matriz de Confusão é uma das técnicas mais utilizadas para a avalia-
ção do modelo em tarefas de previsão. A precisão de um modelo é medida em termos de taxas de erro e
percentagens de registos classificados incorrectamente. A partir destes é possível realizar estimativas da
margem de erro prevista, para a classificação de novos registos (Berry e Linoff, 2004). Figura 12 - Árvore de decisão para o Estado Emocional.
106 | Diana Gonçalves, Maribel Yasmina Santos e Jorge Cruz Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida [...] | 107

O modelo apresentado foi testado de modo a verificar se o mesmo tem capacidade preditiva, ou não. A Esta análise revela-se extremamente relevante uma vez que a hiperhidrose compensatória é o factor
análise do modelo no conjunto de dados de teste permitiu verificar que o mesmo apresenta uma acui- que mais influencia a satisfação dos pacientes perante a cirurgia. O resultado desta análise é evidencia-
dade de 82,6% e uma taxa de erro total de 17,4%. do na Figura 14. Na mesma constata-se que se o grau de hiperhidrose compensatória é Excessivo ou
Insuportável, e a idade está compreendida entre os 15 e os 29 anos, o sexo do indivíduo é masculino em
A análise seguinte prevê a ocorrência de efeitos secundários como consequência da cirurgia. Os resul- 62,1% dos casos. Caso a idade seja inferior a 15 ou maior que 29 anos, os indivíduos são sexo feminino
tados desta análise podem ser visualizados na Figura 13, a qual representa a árvore de decisão obtida. em 84,7% dos casos. Se o grau de hiperhidrose compensatória for Inexistente, Moderada ou Irrelevante,
Analisando a árvore verifica-se que a incidência de efeitos secundários é baixa, existindo, no entanto, o sexo dos indivíduos é feminino em 73,3% dos casos.
comportamentos distintos comparando os três tipos de efeitos secundários. Para os efeitos secundários
Síndrome de Horner e Hemotórax, prevê-se que os mesmos sejam inexistentes em 94,7% dos casos.
No caso do efeito secundário Pneumotórax, é necessário analisar os dias de permanência no hospital
para verificar a taxa de incidência. Se a permanência for de 3 a 7 dias, o Pneumotórax é inexistente em
76,0% dos casos e existente em 16,0% dos casos. Se os dias de internamento variarem entre 1 e 2, então
verifica-se que o Pneumotórax é inexistente em 86,9% dos casos.

Figura 14 - Árvore de decisão para a Hiperhidrose Compensatória.

Nesta árvore de decisão (Figura 14) existe uma relação explícita entre a idade e a incidência de hiperhi-
drose compensatória (no que diz respeito ao sexo dos pacientes). No entanto, uma análise mais detalha-
da é necessária para confirmar ou rejeitar esta relação. O resultado obtido poderá ajudar a aumentar a
Figura 13 - Árvore de decisão para os Efeitos Secundários. satisfação dos pacientes em relação à cirurgia.

A precisão do modelo foi mais uma vez testada. O modelo apresentou uma acuidade de 72,9% e uma
A análise da precisão da árvore de decisão, quando verificada no conjunto de dados de teste, resultou taxa de erro total de 27,1%. Este modelo apresenta níveis de confiança mais baixos, comparando com
numa acuidade de 91% e uma taxa de erro total de 9%. os modelos apresentados anteriormente. A recolha de mais dados, o que se espera vir a fazer no futuro,
permitirá melhorar a capacidade preditiva do modelo e confirmar se existe, ou não, alguma relação entre
A última análise apresentada neste capítulo permite prever o sexo dos pacientes de acordo com o tipo e estas variáveis.
o grau de hiperhidrose compensatória apresentados pelos pacientes, assim como a idade dos mesmos.
108 | Diana Gonçalves, Maribel Yasmina Santos e Jorge Cruz Capítulo 7 Implementação de um Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida [...] | 109

6. Conclusão Cruz, J.; Caldeira, J.; Cavino, J. (2002). Simpaticectomia Torácica Video-assistida no tratamento da hi-
perhidrose palmar e axilar. In: Revista Portuguesa de Cirurgia Cardio-Torácica e Vascular, 9(3), 149-152.
O objectivo principal deste estudo foi a concepção e a implementação de um sistema de BI para a aná-
lise da qualidade de vida pré e pós-operatória de indivíduos submetidos a simpaticectomias torácicas Cruz, J.; Fonseca, M.; Pinto, F.; Oliveira, A.; Silva, C. (2009a). Cardiopulmonary effects following endoscopic
vídeo‑assistidas. A utilização deste sistema permitiu verificar as alterações ocorridas ao nível do estado thoracic sympathectomy for primary hyperhidrosis. In: European Journal of Cardio-thoracic Surgery, 36, 491-496.
emocional, efeitos secundários e incidência de hiperhidrose compensatória nos indivíduos.
Cruz, J.; Sousa, J.; Oliveira, A.; Carvalho, L. (2009b). Effects of endoscopic thoracic sympathectomy for
O sistema de BI implementado integrou um Data Mart para o armazenamento multidimensional dos da- primary hyperhidrosis on cardiac autonomic nervous activity. In: Journal of thoracic and cardiovascular
dos e as tecnologias OLAP e Data Mining para a análise destes dados. O Data Mart permitiu a integração surgery, 137(3), 664-669.
de dados de 227 pacientes, dados estes provenientes dos dois questionários que foram disponibilizados
via Web, um para a avaliação da qualidade de vida pré-operatória e outro para a avaliação da qualidade Fayyad, U. M.; Shapiro, G.; Smyth, P.; Uthurusamy, R. (1996). Advances in Knowledge Discovery and Data
de vida pós-operatória. Mining. The MIT Press.

Foi possível, através da tecnologia OLAP, perceber qual a fase da vida dos pacientes em que surge a hi- Gonçalves, D. (2009). Sistema de Business Intelligence para a Análise da Qualidade de Vida Pré e Pós-operató-
perhidrose, qual a manifestação clínica com maior e menor incidência antes e após a realização da cirur- ria. Dissertação de Mestrado, Departamento de Sistemas de Informação, Universidade do Minho.
gia, a evolução do estado emocional, e quais as zonas do corpo humano onde se verifica mais incidência
de hiperhidrose compensatória como consequência da cirurgia. Gonçalves, D.; Santos, M.Y.; Cruz, J. (2010). Analysis of the quality of life after an endoscopic thoracic sym-
pathectomy: a business intelligence approach. Proceedings of the Second International Conference on
Através da tecnologia de Data Mining identificaram-se modelos de previsão para o estado emocional Advances in Databases, Knowledge, and Data Applications (DBKDA’2010), April, IEEE Computer Society.
dos pacientes, para a ocorrência de efeitos secundários e para o grau de hiperhidrose compensatória.
Han, J.; Kamber, M. (2001). Data Mining: Concepts and Techniques. Morgan Kaufman Publishers.
Em termos de trabalho futuro destaca-se a recolha e a integração de mais dados, quer das instituições que
participaram neste estudo, quer dados oriundos de outras instituições hospitalares. Também será perti- Kimball, R.; Ross, M. (2002). The Data Warehouse Toolkit: The Complete Guide to Dimensional Modeling.
nente comparar os resultados obtidos neste trabalho com estudos similares realizados fora de Portugal. John Wiley & Sons.

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113
capítulo 8
Um Sistema de Gestão de Conhecimento
para estudo da Qualidade de Vida de
doentes oncológicos de cabeça e pescoço

Joaquim Gonçalves1, Augusta Silveira2, Álvaro Rocha3


Professor Adjunto, Assistente, Professor Associado
jgoncalves@ipca.pt, augusta@ufp.edu.pt, amrocha@ufp.edu.pt

Resumo

A percepção que um indivíduo tem sobre o seu lugar na vida, dependente da sua cultura e valores, defi-
ne a Qualidade de Vida (QdV) individual. Quando aplicada num contexto de Saúde define-se como: Qua-
lidade de Vida Relacionada Com a Saúde (QdVRS). A avaliação da QdVRS é um objectivo em Medicina,
usada em investigação clínica, na prática médica, em estudos económicos de saúde e no planeamento
de medidas e estratégias de gestão de saúde.

A obtenção de auto-resposta do doente aos instrumentos de medida da QdV, efectuada através de


software amigável, de adaptação fácil ao utilizador, auxilia a investigação, promove a criação de bases de
dados e acelera o seu tratamento estatístico. A possibilidade de traduzir em gráfico, imediatamente após
a obtenção das respostas, os resultados a analisar pelo clínico, transforma esta avaliação num instrumen-
to de diagnóstico a usar na prática clínica por rotina.

Os Sistemas de Gestão de Conhecimento (SGC) aplicados neste contexto, permitem criar e armazenar
conhecimento e orientar a decisão terapêutica. Este capítulo relaciona a avaliação da QdVRS por rotina
e os SGC. Descreve a importância de uma análise detalhada da problemática para identificar requisitos
conducentes ao desenvolvimento de um modelo de implementação que permita converter o conhe-
cimento tácito em conhecimento explícito, que não condicione o normal funcionamento das unidades
de saúde e que promova a optimização da QdVRS do doente oncológico.

1 Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA). Lugar do Aldão, 4750-810 Vila Frescainha S. Martinho BCL, Portugal.
2 Universidade Fernando Pessoa (UFP). Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto, Portugal.
3 Universidade Fernando Pessoa (UFP), Grupo de I&D em Informática Médica (GIMED). Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto, Portugal.
114 | Joaquim Gonçalves, Augusta Silveira e Álvaro Rocha Capítulo 8 Um Sistema de Gestão de Conhecimento para estudo da Qualidade de Vida de doentes oncológicos [...] | 115

1. Introdução Os métodos de investigação utilizados em oncologia permitem analisar o processo oncológico nas suas
vertentes fisiopatológica e clínica, entrando também em domínios tão vastos como os psicológicos,
O conceito de “Qualidade de Vida - QdV” usa-se em diferentes contextos e situações, estendendo-se a sociais, económicos e organizacionais [1]. A epidemiologia e a estatística são pontos importantes desta
quase todos os sectores da sociedade. A percepção que um indivíduo tem sobre o seu lugar na vida, análise, pois só com base em dados seguros, se pode programar os cuidados oncológicos [7]. A avaliação
dependente da sua cultura e valores define a Qualidade de Vida (QdV) individual. Quando aplicada num da implantação destas doenças na comunidade, permite reconhecer o impacto global dos tumores, e,
contexto de Saúde define-se como: Qualidade de Vida Relacionada Com a Saúde (QdVRS) [1]. Actualmen- avaliar a efectividade das medidas adoptadas para o seu controlo [2].
te os indicadores de QdVRS são usados em estratégias de gestão da saúde, por gestores, economistas e
analistas políticos e empresas farmacêuticas utilizando a Organização Mundial de Saúde (OMS) medidas Longe vão os tempos, em que as decisões terapêuticas do clínico não eram discutidas com o doente e
da QdV em alguns dos seus departamentos [2]. A QdVRS é hoje um objectivo em Medicina, usada em seus familiares e, por vezes, não se colocavam sequer opções de tratamento. Frequentemente encon-
estudos epidemiológicos, ensaios clínicos, na prática médica, em estudos económicos de saúde, plane- travam-se doentes oncológicos que não haviam sido informados do seu diagnóstico, quando os seus
amento de medidas e estratégias e comparação das mesmas [3]. familiares o haviam sido. Este cenário tem-se modificado e hoje o doente participa ou deverá participar
nas diversas fases do seu tratamento [1].
Estudos preliminares, indicam que a implementação da avaliação da QdVRS dos doentes em Portugal
é contestada e colocada em dúvida por diferentes factores que envolvem instituições de saúde, profis- De facto, os pacientes motivados para participarem no seu plano de tratamento e reabilitação geral-
sionais de saúde e doentes [4]. As razões incluem: falta de familiaridade com os estudos relevantes na mente manifestam melhor QdV, pelo que deverão ser envolvidos nas estratégias de luta contra a sua
área; ausência de sensibilidade; falta de tempo; relutância em aceitar que a percepção do doente sobre doença. Há ainda evidências de que a optimização da QdV global do doente pode resultar numa maior
os seus resultados é tão importante como a do médico [5], dificuldade em quantificar parâmetros sub- sobrevivência, com maior qualidade [1].
jectivos, dificuldade em converter o conhecimento tácito em conhecimento explícito [4]; inexistência de
aplicações informáticas amigáveis; inexistência de infra-estruturas nos serviços das instituições de saúde Promover a integração na prática clínica da avaliação da QdV poderá resultar numa optimização de
que permitam avaliação da QdVRS por rotina. infra-estruturas e métodos capazes de aumentar a QdV dos doentes [8]. Um instrumento de medida va-
lidado, seguro e com bases científicas deverá ser disponibilizado num formato simples e compreensível,
O objectivo deste projecto é permitir que o clínico possa usar a medida de QdV do doente como um pelo doente e pelo clínico, e deverá completar-se em menos de 10 minutos [9].
elemento de apoio à decisão clínica. O conhecimento em tempo real de elementos relacionados com
a QdV do doente naquele momento é mais um elemento que pode, em determinadas circunstâncias, Sendo um conceito subjectivo, a QdVRS é quantificável objectivamente e não representa meramente a
contribuir para uma melhor tomada de decisão. Por outro lado a recolha sistemática da informação so- inexistência de doença [10]. A concepção multidimensional de QdVRS, que compreende um espectro
bre a QdV dos doentes permitirá tipificar os mesmos e permitir inferir sobre a estratégia terapêutica para de variáveis físicas, psicológicas, funcionais, emocionais e sociais, que no seu conjunto definem o bem-
um doente em particular, isto é, quando existem alternativas terapêuticas pode auxiliar o clínico dando -estar [11]. Estes domínios variam individualmente em função da religião e crenças, culturas, expectati-
pistas sobre a QdV futura do doente em função dos actos médicos aplicados. vas, percepções, educação e conhecimento, entre outros [11].

Neste capítulo pretendemos mostrar a importância da avaliação da QdVRS em doentes oncológicos e a A figura 1 representa de forma esquemática algumas das dimensões e itens de QdV propostos pela OMS [12].
relevância dos Sistemas de Gestão de Conhecimento (SGC) no auxílio à tomada de decisão. Fazemos a
análise do problema e mostramos, ainda, os resultados obtidos com a plataforma desenvolvida no âm-
Domínios da QdV
bito deste projecto para o questionário de auto-avaliação que mede a QdV do doente.
Saúde Física Psicológico Relações Sociais Relações com o Meio
Actividades Auto-Estima Actividade sexual Economia
Dor Espiritualidade Apoio social Informação
2. Avaliação da QdVRS em Doentes Oncológicos Dispneia Imagem corporal Família Meio de Transporte
Mobilidade Pensamento Relações pessoais Segurança
Medicação Sentimentos negativos Serviços
Os tumores malignos são a segunda causa de morte em Portugal. A sua importância como causa de Insónia Sentimentos positivos Tempos livres
morbilidade e mortalidade está em crescimento e é reconhecido o seu impacto social [1]. O peso global
das doenças oncológicas, pelos custos económicos e sociais envolvidos na sua prevenção, tratamento e Figura 1 – Dimensões e itens para avaliação da QdVRS.
reabilitação tem vindo a aumentar [6].
116 | Joaquim Gonçalves, Augusta Silveira e Álvaro Rocha Capítulo 8 Um Sistema de Gestão de Conhecimento para estudo da Qualidade de Vida de doentes oncológicos [...] | 117

3. SGC na Avaliação da QdVRS por Rotina O requisito principal que conduziu a criação deste software foi obter um interface o mais próximo pos-
sível daquilo que é o tradicional papel. Tendo como palavras-chave a usabilidade, acessibilidade e confi-
Estudos preliminares em doentes oncológicos, concluem que a utilização de software adequado à ava- dencialidade, pretendeu-se desenvolver um interface simples de manusear, intuitivo e onde a correcção
liação da QdVRS, à recolha e processamento dos dados, permite a obtenção de auto-resposta aos ques- de uma resposta dada seja efectuada de forma clara e objectiva, que fosse claro para o doente a confi-
tionários, independente do entrevistador, a cotação automática dos questionários, a criação da base de dencialidade das suas respostas e permitisse o acesso a todo o tipo de doentes. Invisuais, iletrados ou
dados e a análise estatística dos resultados, favorecendo a avaliação clínica por rotina da QdVRS [13]. com dificuldades motoras são exemplos recorrentes de doentes que frequentam o serviço de oncologia
do IPO (Instituto Português de Oncologia) do Porto. A utilização do som ou de ecrãs tácteis como inter-
Adicionalmente, a tradução gráfica de resultados, favorece uma análise rápida da QdVRS do doente pelo clínico, face são, neste momento, as duas soluções utilizadas, contudo estamos a estudar a utilização de outros
transformando-se esta avaliação, num instrumento de diagnóstico a utilizar por rotina na prática clínica [13]. dispositivos de comunicação.

A avaliação da QdVRS, é dinâmica e requer reavaliações periódicas [14], deverá fazer-se por rotina, de A seguir mostram-se duas figuras. A figura 2 representa uma vista do monitor de QdV e a figura 3 repre-
forma objectiva e quantitativa. Para tal é importante a selecção de um instrumento de medida com senta uma vista do monitor do doente quando está a responder ao questionário:
boas características psicométricas, prático de administrar e de quantificar, que não aumente o tempo de
consulta e que possua carácter multidimensional. Deve ser respondido e cotado antes da consulta. Os
resultados, que devem permanecer confidenciais e anónimos, se puderem ser traduzidos graficamente,
permitem uma leitura fácil da auto-percepção do doente. Desta forma, a avaliação da QdVRS converte-
-se num instrumento de diagnóstico, que identifica os problemas do doente, alerta para sinais e sinto-
mas que possam não ser percebidos, facilita a comunicação entre o clínico e o doente e apoia a decisão
terapêutica, em suma, facilita a consulta. Em analogia, o clínico poderá avaliar a evolução do estado do
seu doente comparando duas ou mais avaliações em tempos diferentes [15].

Contudo, uma avaliação por rotina implica o desenho de um novo protocolo para a consulta. A análise
e especificação de requisitos do sistema de informação bem como a especificação das actividades ne-
cessárias ao processo definem o Sistema de Gestão de Conhecimento que suporta o sistema de apoio à Figura 2 – Vista do monitor de QdV.
decisão clínica baseado na avaliação da QdVRS.

4. Concepção de Software Amigável


É inegável que a área da saúde é extremamente sensível, fazendo com que qualquer aspecto que
interfira com os processos tradicionais seja potenciado em termos de impacto. Assim, este projecto
iniciou-se precisamente na avaliação da influência que um ambiente tecnológico teria no comporta-
mento dos doentes.

Os sistemas de gestão de conhecimento podem e devem ser utilizados para optimizar alguns procedi-
mentos, mas temos que ter atenção ao tipo de organização em que se insere. A figura 1descreve um
modelo de gestão de conhecimento. Figura 3 – Vista do doente na resposta ao questionário.

O objectivo deste projecto passou pelo desenvolvimento de uma plataforma cuja utilização não interfe-
risse com as respostas dos doentes, possibilitando a sua aplicação e utilização por parte dos profissionais
de saúde. O software deveria correr a partir de um browser a funcionar na intranet da unidade de saúde
ou mesmo a partir da internet.
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5. Metodologia e Resultados a amostra ou analisarmos parcialmente, dividindo entre os que responderam primeiro em papel e os que
responderam primeiro na plataforma, obtivemos sempre um elevado nível de significância no sentido
Para avaliar o impacto criado pela aplicação nas respostas dadas foram seleccionados aleatoriamente de aceitarmos a hipótese de não existir diferença significativa nas respostas. Assim, podemos afirmar que
doentes do serviço de otorrinolaringologia do IPO-Porto. Entre Maio e Julho de 2009 foram seleccionados a utilização do software não enviesa as respostas dos doentes.
15 dias e os doentes que apareciam na consulta, nesses dias, eram convidados a participar no estudo.
Obtivemos uma amostra com 54 indivíduos. Estes responderam duas vezes ao mesmo inquérito, uma em Os gráficos seguintes (Fig 4 e Fig 5) mostram, em cada pergunta, a percentagem de respostas iguais e dife-
papel – modelo tradicional, outra no computador recorrendo ao software criado para o efeito. Metade rentes dadas pelos doentes quando respondem no computador, comparadas com as respostas em papel.
dos doentes respondeu primeiro em papel e a outra metade respondeu primeiro na plataforma informá-
tica, o intervalo entre respostas mínimo foi de 40 minutos. Em ambos os casos foram medidos os tempos Assim, concluímos que as respostas dadas pelos doentes no papel e na plataforma são iguais a maior
de resposta e foi registada a opinião dos doentes sobre a preferência entre o papel e o computador. Sobre parte das vezes. As perguntas q1, q2 e q22 do QLQC30 e a pergunta h41 do H&N35 são aquelas em que o
os doentes foi registada informação sobre o seu grau de facilidade de manuseamento do computador. número de respostas diferentes é mais próximo atingido um pouco mais de 40 % de respostas diferentes
no caso de h41 e não chegando aos 40 % nos outros casos.
Para perceber se existia ou não influência do ambiente informático nas respostas fomos analisar os va-
lores obtidos em cada resposta dada, nos dois momentos de avaliação, utilizando uma colecção de Também deve ser salientado o facto de ser o questionário específico (H&N35) aquele em que a propor-
modelos e testes estatísticos. ção de respostas iguais é maior.

As respostas ao inquérito obtidas no formato de papel foram emparelhadas com as obtidas através da O que seria desejável era que as respostas fossem sempre as mesmas, mas experiências anteriores (com
utilização da plataforma informática. respostas no papel) mostram que as respostas dadas pelos doentes em dois momentos separados por
poucos minutos são, por vezes, diferentes., sendo a percentagem de respostas diferentes semelhante à
Para perceber se a plataforma informática não tinha influência nas respostas dos doentes, formulamos a que se verifica entre a resposta em papel e na plataforma.
hipótese de que as distribuições, em cada variável em estudo, eram idênticas.

Testámos primeiro todo o conjunto de respostas e depois os subconjuntos divididos entre os doentes
que responderam primeiro no papel e os que responderam primeiro no computador.

No processo de validação utilizamos dois questionários, ambos da EORTC4; o QLQ-C305 e o H&N 356

Assim, escrevemos as duas hipóteses estatísticas para um teste bilateral em cada situação:

Hipótese H0 F(X0)=F(X1);
Hipótese H1: F(X0)<>F(X1);

Foi utilizado o teste de Wilcoxon que é o mais apropriado quando a variável dependente é medida numa
escala ordinal [16]. Nos dois questionários (QLQ-C30 e H&N35) adoptados para avaliar a QdV, os resulta-
dos do teste não permitiram concluir que existiam diferenças significativas entre as distribuições prove-
nientes das duas amostras nas três situações referidas. Independentemente de analisarmos globalmente

4 European Organisation for Research and Treatment of Cancer.


5 Questionário genérico para avaliação de Qualidade de Vida desenvolvido pela EORTC.
6 Questionário específico para cancro de cabeça e pescoço para avaliação de Qualidade de Vida desenvolvido pela EORTC. Figura 4 – Comparação de respostas no QLQ-C30.
120 | Joaquim Gonçalves, Augusta Silveira e Álvaro Rocha Capítulo 8 Um Sistema de Gestão de Conhecimento para estudo da Qualidade de Vida de doentes oncológicos [...] | 121

agora a trabalhar, contudo, por estarmos ainda no início, temos ainda poucos resultados. Não obstante,
apresentamos a seguir uma primeira versão do output que receberá o clínico.

A figura 6 mostra as respostas de um doente assinalando a amarelo as respostas que estão abaixo do que
é expectável para um doente deste tipo e a azul as que estão acima.

Figura 6 – Gráfico com as respostas do doente.

Figura 5 – Comparação de respostas no QLQ-C35.


7. Conclusões
Esta situação confirma o resultado do teste referido, levando à conclusão que a diferença nos resultados Neste capítulo foi definido o conceito de QdV em diferentes contextos e situações, estendendo-se a
será devida a outros factores. quase todos os sectores da sociedade. Contudo, o principal enfoque foi dado no contexto da Saúde.

Levaremos a cabo um estudo, também com duas respostas, mas no mesmo suporte, ao mesmo questio- Alguns estudos sugerem que a implementação da avaliação da QdVRS dos doentes em Portugal é con-
nário, mas com outra escala, para perceber se é esse o factor que provoca a diferença. testada e colocada em dúvida por diferentes factores que envolvem instituições de saúde, profissionais
de saúde e doentes [4]. As razões incluem: falta de familiaridade com os estudos relevantes na área; au-
sência de sensibilidade; falta de tempo; relutância em aceitar que a percepção do doente sobre os seus
6. Análise de Dados resultados é tão importante como a do médico [5], dificuldade em quantificar parâmetros subjectivos,
dificuldade em converter o conhecimento tácito em conhecimento explícito [4]; inexistência de aplica-
Depois de passada a fase do registo da informação sobre a QdV do doente, é necessário fornecer ao ções informáticas amigáveis; inexistência de infra-estruturas nos serviços das instituições de saúde que
clínico informação sobre a mesma de forma clara e objectiva para proporcionar uma melhor tomada de permitam avaliação da QdVRS por rotina.
decisão. É nesta fase que se encontra este projecto, onde a participação dos clínicos tem sido fundamen-
tal não apenas na definição das varáveis a estudar mas também no desenho do output da informação. O objectivo deste projecto foi permitir que o clínico pudesse usar a medida de QdV do doente como um
elemento de apoio à decisão clínica. Concluímos que a aquisição de informação em tempo real relacio-
As medidas verificadas na análise clínica distinguem os doentes entre si, contudo, entendemos que a nada com a QdV do doente pode ser um elemento que pode, em determinadas circunstâncias, contri-
medida da QdV também deve ser considerada na padronização dos doentes. É nesta área que estamos buir para uma melhor tomada de decisão por parte do clínico e que a recolha sistemática da informação
122 | Joaquim Gonçalves, Augusta Silveira e Álvaro Rocha Capítulo 8 Um Sistema de Gestão de Conhecimento para estudo da Qualidade de Vida de doentes oncológicos [...] | 123

sobre a QdV dos doentes permitirá tipificar os mesmos e permitir inferir sobre a estratégia terapêutica Roreno, (1996) Registo Oncológico do Norte, Instituto português de Oncologia - Centro do Porto.
para um doente. Além disso, as alternativas terapêuticas podem auxiliar o médico ao fornecer dados
importantes para inferir sobre a QdV futura do doente. Schottenfeld D., Fraumeni J.F., (1996) Cancer epidemiology and Prevention. New York: Oxford University Press.

Mostramos que a plataforma desenvolvida é válida para a aquisição dos dados requeridos para a avalia- Silveira, A., (2007) Qualidade de vida do Doente Oncológico da Cabeça e Pescoço do Instituto Português
ção da QdV, permitindo efectuar esta avaliação, por rotina, como parte integrante da consulta. e Oncologia do Porto Francisco Gentil, Tese de Mestrado (disponível na Biblioteca do ICBAS).

O que está agora em desenvolvimento é a plataforma para recolher informação clínica com o objectivo Sobrinho, E. A., Carvalho, M. B. e Franzi, S.A., (2001) Aspectos e tendências da avaliação da qualidade de
de tipificar doentes e terapias em função da QdV de um doente em particular e de uma classe de doen- vida de pacientes com câncer da cabeça e pescoço, Revista da Sociedade Brasileira de Cancerologia, 15.
tes. A necessidade de desenvolver esta plataforma demonstra o interesse dos SGC no auxílio à tomada
de decisão. Stewart, B.W. and Kleihues, P., (2003) World Cancer Report, IARC Press.

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125
capítulo 9
Descoberta de Padrões
de Prescrições de Medicamentos

Joana Fernandes1, Orlando Belo2.


Mestranda, Professor Associado.
joanapfernandes@gmail.com, obelo@di.uminho.pt

Resumo

Actualmente, a prescrição electrónica na prática clínica é muitas vezes utilizada em acções de apoio à
tomada de decisão e à monitorização dos serviços prestados por organismos ligados à saúde pública.
O sucessivo armazenamento de dados relativos à prescrição de medicamentos fez com que, já hoje, se
possa aplicar algumas técnicas de mineração de dados com sucesso na procura de padrões de prescri-
ção de medicamentos que possam ser interessantes para a optimização dos serviços dos organismos
em causa. As regras de associação, usualmente utilizadas em processos de análise sobre dados referentes
a transacções, podem ser aplicadas nesta área com alguma pertinência e utilidade. Na realidade, a ideia
de descobrir padrões de prescrição de medicamentos é, só por si, muito atractiva pelo leque de novas
opções de gestão e de rentabilização de serviços que abre. Neste trabalho apresentamos os resultados
de um estudo realizado sobre a prescrição de medicamentos na região norte de Portugal, cujo objectivo
principal foi o de descobrir padrões de prescrições entre os medicamentos prescritos, os médicos pres-
critores e os laboratórios prescritos.

1. Introdução
Numa sociedade em constante crescimento e numa era considerada como sendo a da informação, a
vantagem competitiva de uma qualquer organização hoje em dia é alcançada de acordo com a sua
habilidade de adquirir e manusear a maior quantidade de informação pertinente para as suas activida-
des. Essa crescente disponibilidade de dados fez com que as organizações começassem a adoptar um
novo processo de trabalho no seu variadíssimo rol de actividades: o da exploração selectiva de dados.
Este processo desenvolve-se em torno da descoberta de tendências, padrões ou possíveis anomalias

1 Departamento de Informática, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal.


2 Departamento de Informática, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal.
126 | Joana Fernandes e Orlando Belo Capítulo 9 Descoberta de Padrões de Prescrições de Medicamentos | 127

existentes nos dados armazenados que usualmente não estão visíveis através de técnicas convencio- menos c % das transacções em T que satisfaçam X também satisfaçam I j . Dada uma transacção T , o
nais de análise (Lloyd-Williams et al., 1995), o que impossibilita , como é sabido, o desenvolvimento de objectivo é gerar todas as regras que satisfaçam duas formas de restrições: sintácticas, que se referem às
análises pormenorizadas sobre os dados disponíveis. A necessidade de exploração dessas tendências restrições em elementos que poderão aparecer em regras, ou de suporte, que correspondem ao número
e padrões pode ser feita através de mecanismos de mineração de dados que permitam fazer a extrac- € de transacções em T €que suportam uma € regra (Agrawal, Imielinski e Swami, 1993).
ção de informação relevante (possivelmente desconhecida) para as actividades dos organismos a que � �
dizem respeito. Com apelo a algoritmos sofisticados de análise e processamento intensivo de dados O processo de criação de regras de associação pode-se dividir em duas fases principais, que representam,
esses mecanismos costumam ser eficazes na descoberta de padrões de actividade relevantes quando respectivamente, os dois problemas principais da sua criação. Numa primeira fase, é necessário gerar todas
aplicados sobre um volume de dados significativo (Sumathi e Sivanandam, 2006). A introdução do re- �
as combinações de elementos que apresentem um suporte superior ao suporte mínimo especificado. Es-
gisto electrónico na prática clínica, abrangendo todos os passos existentes de uma consulta médica, sas combinações são denotadas como sendo combinações largas, enquanto que as que não apresentem
pode servir de apoio à tomada de decisão e à monitorização dos serviços prestados pelos organismos, suporte mínimo são consideradas como sendo pequenos conjuntos de elementos. Todas as combina-
quer do ponto de vista do utente, quer do ponto de vista dos clínicos (Tomé, Broeiro e Faria-Vaz, 2008). ção são geradas tendo em conta as restrições sintácticas de maneira a restringir as combinações geradas
Apesar de existirem poucos estudos sobre a avaliação da eficácia desses processos, os resultados que se (Agrawal, Imielinski e Swami, 1993). A segunda fase, consiste na construção, propriamente dita, das regras.
conhecem sobre a utilização de registos electrónicos em organismos de saúde sugerem um aumento Para um dado conjunto de elementos largos, Y = I1 I 2 ...I k ,k ≥ 2, são geradas todas as regras que usem os
da segurança dos próprios utentes, bem como uma redução de gastos em hospitais e em centros de elementos existentes no conjunto I1 ,I 2 ,...,I n . O antecedente de cada uma destas regras será um subcon-
saúde. O Sistema de Apoio ao Médico (SAM) foi desenvolvido através de um projecto piloto instalado em junto X de Y , tal que X tem k - 1 elementos, e o consequente será o elemento Y − X . Para gerar a regra
Portugal no ano de 2000. Através dele é hoje possível obter informação relativa ao registo completo de X = I j | c (na qual c representa o factor
€ de confiança da regra), em que X = I1 I 2 ...I j−1 I j+1 ...I k , é necessário
uma consulta médica, o que inclui dados sobre o motivo da consulta, o diagnóstico do utente em cau- calcular a confiança da regra,
€ através da divisão do suporte de Y pelo suporte de X . Se o resultado for
sa, o registo dos medicamentos prescritos e os meios complementares utilizados na análise clínica do € que c , então a regra é satisfeita com o factor de confiança c , caso
€ maior € contrário a regra é descartada.
utente (Carvalho, 2008). A descoberta de associações entre a prescrição de medicamentos e outros fac-

É preciso€ter em atenção que, se o conjunto de elementos Y€é largo, então todos os subconjuntos de Y

tores existentes com ela relacionados pode ser realizada através da aplicação de técnicas de mineração também são considerados largos e, como tal, é necessário € conhecer todos
€ os seus suportes na primeira
de dados conhecidas com alguma garantia de sucesso, desde que os dados base tenham os requisitos fase. Outra condição essencial é que todas as regras derivadas de Y têm que satisfazer as restrições de
essenciais para isso. Em suma, que existam e que tenham qualidade. Com essa garantia é possível de-
� de elementos provenientes, do consequente e
�suporte, pois Y satisfaz as restrições de suporte e€é a união
senvolver os modelos e aplicar as técnicas de mineração mais convenientes na procura de padrões de

do antecedente, de todas as regras existentes (Agrawal, Imielinski e Swami, 1993). Depois de encontrados
prescrição de medicamentos. O objectivo principal era descobrir possíveis associações entre a prescrição todos os conjuntos de elementos considerados largos, a€segunda fase é processada de maneira trivial.
de medicamentos que nos revelassem eventuais relações entre os médicos prescritores e os laboratórios Logo,
€ como se constata, o problema encontra-se na resolução da primeira fase. Nesta fase, é necessário ter
associados aos medicamentos prescritos. Em Portugal, a realização deste tipo de estudos é ainda bas- atenção às medidas de interesse e ao algoritmo utilizado para descobrir o conjunto de elementos largos.
tante reduzida (Tomé, Broeiro e Faria-Vaz, 2008) (Carvalho, 2008), o que faz com que os resultados deste
trabalho sejam bastante úteis para qualquer processo de tomada de decisão que envolva a prescrição Resumindo, a aplicação de uma técnica de associação produz um conjunto de regras que descreve
electrónica de medicamentos. os padrões descobertos nos dados, como por exemplo, tostas ⇒manteiga [suporte=20% e confian-
ça=75%], em que o suporte representa a frequência da existência dessa regra nos dados. Consequente-
mente, quanto maior for o suporte mais prevalente é a regra nos dados. Por sua vez, a confiança mede a
2. Técnicas e Métodos segurança de afirmação da regra. €

2.1. Regras de Associação: Uma Visão


2.2. Regras de Associação aplicadas à Prescrição de Medicamentos
O tópico das regras de associação foi introduzido em 1993 (Agrawal, Imielinski e Swami, 1993). Tipicamen-
te, uma regra de associação representa uma implicação na forma X ⇒ I j , em que X é um conjunto de Comparativamente a outros estudos realizados com dados relativos a transacções, um medicamento
alguns elementos de I , e I j um elemento em I que não está presente em X . I é um conjunto de atribu- pode ser considerado como sendo um elemento de uma transacção, enquanto que a prescrição de
tos binários I1 ,I 2 ,...,I n , designados por elementos, e T um conjunto de transacções de elementos. Cada uma receita pode ser considerada como sendo a transacção. Como tal, o objectivo final na aplicação de
transacção t é representada como sendo um vector binário € (tuplo), em€que t[ k] = 1 se na transacção t regras de associação à prescrição de medicamentos é praticamente igual ao estudo nas transacções, isto
existir o elemento
€ € k I , caso contrário t[
€ k] = 0 . Existe apenas um tuplo na base de dados para cada transac- é, descobrir se existe alguma associação entre a prescrição de um medicamento relativamente a outro
ção. A regra X ⇒ I j verifica-se num conjunto
€ €
€ de transacções T com uma confiança de 0 ≤ c ≤ 1, se pelo medicamento prescrito. Com este estudo é possível descobrir quais os medicamentos que são normal-




€ € €
€ €
128 | Joana Fernandes e Orlando Belo Capítulo 9 Descoberta de Padrões de Prescrições de Medicamentos | 129

mente prescritos em conjunto e descobrir a sua força de relação. Através dos dados relativos à prescrição cação de algoritmos específicos com vista à descoberta de informação pertinente para um organismo
de medicamentos é também possível descobrir possíveis relações entre os médicos prescritores e os (Fayyad, e tal., 1996) (Fayyad, Piatetsky-Shapiro e Smyth, 1996b) . Apesar da mineração de dados ser con-
laboratórios associados aos medicamentos prescritos. Este estudo é um pouco pertinente, no sentido siderada um passo específico do todo o processo de KDD, é aquele que tem recebido mais atenção e
em que permite descobrir se existe alguma tendência dos médicos, relativamente aos laboratórios asso- assumido particular importância quando comparada com o processo global em si. No entanto, deve-se
ciados aos medicamentos que usualmente prescrevem. referir que nunca se deve esquecer o processo global, pois só através da execução de todos os passos
se consegue obter um resultado credível, com algum impacto prático e fornecendo conhecimento re-
conhecidamente útil (Fayyad, Piatetsky-Shapiro e Smyth, 1996). Consequentemente, para uma maior
3. A Descoberta dos Padrões de Prescrição qualidade e impacto na aplicação das técnicas de mineração de dados, todos os passos do processo
KDD foram cuidadosamente e meticulosamente seguidos neste trabalho, desde a selecção, limpeza,
3.1. As Fontes de Dados pré-processamento e transformação dos dados, passando pela aplicação da mineração de dados até à
consequente interpretação e avaliação dos resultados. Assim, numa primeira fase foi feita uma análise
Todos os dados utilizados neste trabalho foram disponibilizados pela Administração Regional de Saúde exploratória dos dados, com o intuito de analisar a qualidade dos dados em questão. De seguida, tendo
do Norte (ARSN) e são relativos à prescrições de medicamentos da Região Norte realizadas entre os dias em conta a análise realizada e o objectivo final deste trabalho, foram aplicados alguns processos de
1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2008, correspondendo a cerca de 21 milhões de registos de limpeza e selecção dos dados, nos quais foram eliminados alguns registos, por incongruências ou por
dados. No entanto, este estudo foi limitado a uma amostra de menor dimensão, tendo em consideração estarem associados a “medicamentos” irrelevantes para os estudos que se pretendia realizar.
os centros de saúde e extensões de alguns distritos, referenciados como representativos de toda a po-
pulação, no que diz respeito a características de desenvolvimento do concelho em que estão inseridos Após a realização destes processos foi implementado um sistema de dados capaz de responder de forma
- por exemplo, habilitações e nível socioeconómico. mais adequada às necessidades impostas pela utilização de técnicas de mineração de dados e às várias
perspectivas de análise apresentadas pelos gestores do organismo em questão. Como tal, foi implemen-
tado um pequeno sistema de data warehousing capaz de acolher tais estruturas e suportar futuros pro-
Tabela 1 – Centros de Saúde Seleccionados. cessos de análise e de tomada de decisão. O povoamento deste sistema foi dividido em três fases. Numa
primeira fase, os dados foram extraídos das fontes operacionais e integrados numa área de retenção de
Distrito Centros de Saúde
dados onde foram sujeitos a diversas transformações, como definições e validações de chaves estrangei-
Aveiro Vale Cambra
ras ou gestão de chaves de substituição. Por fim, procedeu-se à passagem dos dados da área de retenção
Braga Fafe, Vila Verde e Terras de Bouro
para o data warehouse implementado. Na realidade cumpriu-se simplesmente as tarefas mais elemen-
Bragança Macedo de Cavaleiros e Vinhais
tares para a integração de dados num data warehouse. O sistema de data warehousing implementado
Porto Paranhos/Vale Formoso, Castelo da Maia, Barão do Corvo e Lousada
desenvolve-se em torno de um esquema estrela que integra 6 dimensões de análise, nomeadamente:
Viana do Castelo Darque e Paredes de Coura
Vila Real Chaves 1 e Stª Marta de Penaguião
DimTempo: Serve de marca temporal relativamente à prescrição dos medicamentos, sendo composta
por atributos que actuam como marcadores temporais.

Concluindo, a amostra de dados utilizada equivale aproximadamente a 10% da amostra inicial dos da- DimPeriodo: Apesar de estar numa dimensão à parte da dimensão tempo, esta dimensão é também
dos, perfazendo um total de 2.261.955 registos. É possível verificar pela Tabela 1 todos os centros de um eixo de análise temporal, que permite analisar se uma prescrição foi realizada num período diurno
saúde seleccionados, associados ao seu respectivo distrito. Cada registo é referente a cada medicamento (das 8h às 20h) ou nocturno (das 20h às 8h).
prescrito por um médico, associado a um código de receita, referente a um determinado utente e a um
respectivo local e data de prescrição. DimMedico: Dmensão que integra a informação dos médicos prescritores.

DimLaboratorio: Toda a informação dos laboratórios existentes é guardada nesta dimensão.


3.2. O Processo de Descoberta do Conhecimento
DimUtente: É guardado todo o tipo de informação que está directamente relacionada com o utente.
A mineração de dados é encarada como sendo um passo específico da descoberta de conhecimento
em base de dados – Knowledge Discovery in Databases (KDD) –, que, essencialmente, consiste na apli- DimMedicamento: A informação relativa aos medicamentos é guardada nesta dimensão.
130 | Joana Fernandes e Orlando Belo Capítulo 9 Descoberta de Padrões de Prescrições de Medicamentos | 131

Além destas 6 dimensões, a tabela de factos integra mais 9 dimensões degeneradas e por 1 medida, que Devido ao facto, de os elementos estarem distribuídos descendentemente pelo valor de suporte, os
representa o número total de medicamentos receitados por registo. O grão do data mart em questão nodos perto da raiz do prefixo da árvore são os mais comuns nas transacções. Em suma, a escolha deste
corresponde aos medicamentos prescritos por um médico, a um dado utente, num respectivo local e algoritmo provém, essencialmente, de que comparativamente com o Apriori o FP-Growth apresenta cus-
numa dada data, período e hora. tos computacionais mais baixos e por ser um algoritmo confiável na descoberta de padrões frequentes
sejam eles pequenos ou grandes (Hipp, Güntzer, e Nakhaeizaadeh, 2000) (Han e Kamber, 2008) (Zheng,
Kohavi, e Mason, 2001)
3.3. Software Utilizado e Fontes de Dados
Neste trabalho foram realizados dois estudos diferentes na aplicação das regras de associação ao modelo
Por uma questão de estratégia de desenvolvimento e facilidades de instalação e exploração, neste tra- de dados. Um relativo à associação entre os medicamentos prescritos e outro relativo à possível relação
balho foram utilizadas, essencialmente, ferramentas open-source. Os dados foram recolhidos em formato entre as prescrições dos médicos e os laboratórios prescritos. Ambos os estudos serão apresentados
.txt e integrados numa base de dados específica implementada em MySQL v5.1. Este sistema acolheu separadamente, devido ao caso de haverem pequenas diferenças, tanto nas medidas de avaliação de
também o data warehouse que foi construído especialmente para suportar os processos de mineração regras usadas, mas também nos eixos de análise necessários.
projectados. Para a aplicação da mineração de dados ao modelo de dados final foi utilizado o RapidMi-
ner v4.5 por ser uma ferramenta que apresenta uma grande variedade de opções, sejam elas relativas a
algoritmos implementados ou a operações de pré-processamento dos dados. O facto de ser totalmente 4.1. Associação entre os Medicamentos Prescritos
implementada em Java, permite o estabelecimento de ligações directas à base de dados através do
conector JDBC (Java Database Connectivity). O grande inconveniente desta ferramenta é a excessiva ne- O principal objectivo deste estudo era descobrir eventuais associações entre as várias prescrições de
cessidade de memória que requer, característica esta que se torna bastante notória ao trabalhar com um medicamentos, ou seja, sabe quando o medicamento X é prescrito em conjunto com o medicamento
conjunto de dados com uma dimensão considerável. Y . Como referido, para fazer esse trabalho de descoberta utilizámos o algoritmo FP-Growth que para
trabalhar correctamente precisa de um formato de dados especial: os dados têm de estar agrupados
pela transacção e no formato binomial. Consequentemente, foi necessário fazer algum trabalho de pré-
4. Resultados Obtidos �
-processamento de dados, em especial fazer o seu agrupamento com base nas transacções realizadas
� - neste caso, isso corresponde ao código da receita em questão. Como é especificado inicialmente, cada
O algoritmo de associação utilizado foi o FP-Growth (Frequent Patttern Growth) (Han, Jian e Yin, 2000). A registo corresponde a um medicamento receitado apenas, independentemente de na receita associada
escolha deste algoritmo recaiu no facto de apresentar algumas vantagens em termos de implementa- for receitado mais do que um medicamento. A resolução deste problema foi feita através de uma função
ção e de funcionamento quando comparado com o Apriori (Wu et al., 2008). A eficiência deste algoritmo já existente na biblioteca do MySQL, a função GROUP_CONCAT(). Através desta função os medicamentos
é conseguida através da aplicação de três métodos (Han, Jian e Yin, 2000): foram agrupados, por receita, optando-se por fazer a sua separação através de uma vírgula. De seguida
foi necessário transformar os dados agrupados para o formato binomial através do RapidMiner - nesta
Uma base de dados de grande dimensão é compactada numa estrutura bastante menor e mais conden- ferramenta existe um operador designado “Split”, capaz de transformar os dados agrupados nominais
sada, que evita custos adicionais nos vários varrimentos a executar sobre a base de dados. em formato binomial, apenas é necessário informar qual o atributo em causa (medicamentos) e qual o
separador (vírgula). É preciso ter também atenção ao parâmetro split_mode que deverá estar a unorde-
A estrutura FP-Tree adopta um método de padrão de crescimento fragmentado que previne custos adi- red_split, uma vez que este é o principal parâmetro responsável pela transformação dos dados para o
cionais na criação de elevados conjuntos de candidatos. formato desejado.

O método de partição com base no algoritmo divide-and-conquer reduz drasticamente o espaço de procura.

Uma grande vantagem do FP-Growth consiste no facto de só ser necessário duas passagens pela base
de dados. Na primeira passagem, todos os conjuntos frequentes e o seu respectivo suporte são calcu-
lados e guardados pela ordem descendente de suporte em cada transacção. Na segunda passagem, os
conjuntos de cada transacção são juntos num prefixo da árvore e são contados os conjuntos (nodos)
comuns em diferentes transacções. Cada novo nodo é associado a um elemento e, depois, é realizada
a contagem para esse nodo. Os nodos comuns são ligados por um apontador designado node-link.
132 | Joana Fernandes e Orlando Belo Capítulo 9 Descoberta de Padrões de Prescrições de Medicamentos | 133

Tabela 2 – Uma Amostras das Regras de Associação Obtidas (Distritos/Medicamentos). a esta característica é que foi utilizada esta medida, pois a associação de dois ou mais medicamentos não de-
pende em nada da ordem de prescrição de cada um deles. Concluindo, a medida lift é uma medida simétrica,
Distritos Regras de Associação
que mede a co-ocorrência de dois ou mais medicamentos (Han e Kamber, 2008) - o objectivo neste estudo.
Regras Suporte Lift
Aveiro Adalgur N ⇒ Arthtotec 0.001 67.92
Os resultados obtidos podem ser vistos na Tabela 2. Estes encontra-se separados por distritos, devido às limitações
Vigantol ⇒ Cebiolon 0.002 444.1
de memória RAM da máquina. Como foi mencionado em cima, a ferramenta RapidMiner necessita de uma grande
Braga Ben-U-Ron ⇒ Brufen Suspensão 0.001 55.15
quantidade de memoria na execução de alguns operadores. E neste caso, devido ao excesso de registos, a utiliza-
Atrovent Unidose ⇒ Ventilan 0.002 94.22
ção do operador “Split” só pôde ser possível realizando estudos individuais para cada um dos diferentes distritos.
Vigantol Cebiolon 0.001 248.5
Bragança Vigantol Cebiolon 0.001 436.5
Porto Ben-U-Ron ⇒ Brufen Suspensão 0.002 54.26
4.2. Relação entre as Prescrições dos Médicos e os Laboratórios
Atrovent Unidose ⇒ Ventilan 0.002 73.99
Relmus Voltaren 0.003 113.0
No estudo da relação entre as prescrições dos médicos e os laboratórios prescritos associados aos res-
Vigantol Cebiolon 0.003 169.6
pectivos medicamentos foi necessário, também, transformar os dados para o formato transaccional.
Profenid Relmus 0.001 69.72
Consequentemente também aqui foi utilizada a função GROUP_CONCAT(), mas desta vez foram agru-
Viana do Castelo Atrovent Unidose ⇒ Ventilan 0.001 104.2
pados os médicos e os laboratórios associados pelos respectivos códigos de receita associados. Conclu-
Relmus ⇒ Voltaren 0.002 172.7
são, no final da aplicação desta função aos dados, foi obtido uma tabela com três campos, um relativo
Profenid Relmus 0.001 188.5
ao código de receita, outro relativo ao médico associado a essa receita e um último campo com o(s)
Vila Real Atrovent Unidose Ventilan 0.002 105.8
respectivo(s) laboratório(s) associados ao(s) medicamento(s) receitado(s). Devido à existência deste dois
Vigantol ⇒ Cebiolon 0.002 302.7
eixos de análise (médicos e laboratórios) foi necessário utilizar dois operadores “Split” em vez de apenas
um como se viu no primeiro estudo, em que cada um foi responsável por transformar os dados, corres-
pondente a cada eixo, do formato nominal para binomial. A definição dos parâmetros para ambos os
Depois dos dados já se encontrarem no formato transaccional desejado, foi necessário aplicar os ope- operadores “Split” é análogo à definição dos parâmetros para o primeiro estudo.
radores responsáveis para a descoberta de regras de associação: primeiro o operador “FPGrowth”, que é
responsável por descobrir os conjuntos frequentes, tendo sempre em consideração o suporte mínimo im- Tabela 3 – Uma Amostras das Regras de Associação Obtidas (Médicos/Farmacêuticas).
posto; e de seguida o “AssociationRuleGenerator”, que transforma os conjuntos frequentes em regras, com
Regras de Associação
base na medida de avaliação escolhida. De seguida foi necessário transformar os dados agrupados para
Regras Suporte Confiança
o formato binomial através do RapidMiner - nesta ferramenta existe um operador designado “Split”, capaz
Med_819674 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.200
de transformar os dados agrupados nominais em formato binomial, apenas é necessário informar qual o
Med_219975 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.200
atributo em causa (medicamentos) e qual o separador (vírgula). É preciso ter também atenção ao parâme-
Med_458534 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.203
tro split_mode que deverá estar a unordered_split, uma vez que este é o principal parâmetro responsável
Med_13734 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.203
pela transformação dos dados para o formato desejado. Depois dos dados já se encontrarem no formato
Med_989878 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.207
transaccional desejado, foi necessário aplicar os operadores responsáveis para a descoberta de regras de
Med_366277 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.207
associação: primeiro o operador “FPGrowth”, que é responsável por descobrir os conjuntos frequentes, ten-
Med_6370 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.208
do sempre em consideração o suporte mínimo imposto; e de seguida o “AssociationRuleGenerator”, que
Med_162131 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.208
transforma os conjuntos frequentes em regras, com base na medida de avaliação escolhida.
Med_77941 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.209
Med_812629 ⇒ Sanofi Aventis 0.001 0.211
Para este estudo, o suporte mínimo definido foi de 0.001, devido ao elevado número de registos e da cardi-
Med_576377 ⇒ Sanofi Aventis 0.002 0.212
nalidade de medicamentos existentes. A medida de avaliação escolhida na criação de regras foi a medida lift,
Med_989879 ⇒ Lab. Pfizer 0.002 0.212
tendo sido imposto que apenas as regras com um lift superior a 50 seriam apresentadas. Isto indica que na
regra A ⇒ B , o aparecimento do elemento A , encontra-se associado ao aparecimento do elemento B. De Med_140121 ⇒ Sanofi Aventis 0.002 0.214
(...) (...) (...)
notar, que esta medida é uma medida simétrica (Hashler e Hornik, 2007), ao contrário da confiança, e devido

€ € €
134 | Joana Fernandes e Orlando Belo Capítulo 9 Descoberta de Padrões de Prescrições de Medicamentos | 135

Após estes passos de pré-processamento aplicámos o algoritmo FP-Growth ao modelo de dados final da saúde tem apresentado resultados bastante interessantes e fornecedores de bastante informação per-
e seguidamente o operador mencionado em cima para a geração de regras, através dos conjuntos fre- tinente. Assim, o estudo em dados relativos à prescrição de medicamentos, não só vem colmatar uma
quentes encontrados. Devido à cardinalidade do número de laboratórios e médicos ser bastante inferior grande falta de estudos nesta área, mas também pode ser responsável por um conjunto de informação
à cardinalidade dos medicamentos, foi possível apresentar os resultados em conjunto, ou seja, não foi de grande utilidade para o mundo real e para a rentabilização dos serviços dos organismos de saúde.
necessário dividir o estudo em estudos mais pequenos divididos pelos distritos. Os resultados obtidos
(Tabela 3) têm como suporte mínimo 0.001 e, para este estudo em particular, foi utilizada como medida
de criação de regras a confiança. Neste caso a confiança apresenta uma medida com muito mais sig- Agradecimentos
nificância, devido ao facto do nosso objectivo ser descobrir se existe alguma relação entre a prescrição
dos médicos e os laboratórios prescritos. Isto é, uma regra do tipo A ⇒ B significa que o médico A Queríamos deixar expressos os nossos agradecimentos à ARSN pela disponibilização dos dados utiliza-
prescreve o laboratório B com c % de confiança, independentemente do laboratório B ser prescrito dos neste trabalho e pela ajuda fornecida ao longo da sua realização.
por outros médicos diferentes (Agrawal, Imielinski e Swami, 1993). Logo, o antecedente da regra não
tem praticamente efeito na ocorrência do consequente da € regra. A confiança mínima imposta foi de
0.20, pois o facto
€ de 20%€ das prescrições de um determinado médico serem relativas


a um determinado Bibliografia
laboratório, é já considerado algo razoavelmente interessante.
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5. Conclusões e Trabalho Futuro of Data, vol. 12, pp. 207–216.

Neste trabalho apresentámos um estudos sobre a descoberta de padrões de prescrição de medica- Carvalho, C. M. (2008). Prescrição de Antibióticos nos Centros de Saúde da Região de Saúde do Norte:
mentos na região Norte de Portugal, apelando a técnicas de mineração de dados, mais propriamente às Padrão e Variabilidade Geográfica. Dissertação de Mestrado pela Faculdade de Medicina – Universidade
relacionadas com a descoberta de regras de associação em sistemas de dados. Do conjunto de dados do Porto, 2008.
disponibilizado inicialmente pela ARSN apenas se utilizaram cerca de 10% dos registos desse volume,
uma vez que o estudo a desenvolver envolvia apenas um conjunto seleccionado de centros de saúde. Han, J. e Kamber, M. (2006). Data Mining: Concepts and Tecnhiques. 2nd Edition. Morgan Kaufmann.
Todavia, os dados considerados nos estudos realizados foram claramente suficientes para a aplicação
efectiva dos modelos e das técnicas de mineração desejadas para o nosso organismo alvo. Os resultados Han, J., Jian, P. e Yin, Y. (2000). Mining Frequent Patterns without Candidate Generation. In: SIGMOD ’00:
foram já apresentados à entidade responsável pela disponibilização dos dados, a ARSN, que interessan- Proceedings of the 2000 ACM SIGMOD International Conference on Management of Data, pp. 1–12.
temente, concluiu a veracidade prática de alguns dos resultados apresentados neste capítulo. Apesar de
ser ainda um primeiro trabalho de análise – um pouco superficial em alguns aspectos – permitiu fazer Hashler, M. e Hornik, K. (2007). New Probabilistic Interest Measures for Association Rules. In: Intelligent
a descoberta de alguns padrões muito interessantes e revelar alguns casos interessantes que merecem, Data Analysis, vol. 11, pp. 437–455.
com certeza, maior reflexão que a que foi dada por este trabalho. Assim, refira-se que no primeiro estudo
seria bastante interessante no futuro alargar o seu âmbito a mais distritos. Apesar de inicialmente termos Hipp, J., Güntzer, U. e Nakhaeizaadeh, G. (2000). Algorithms for Association Rule Mining – A General
pretendido todo o conjunto de dados em geral, isso não foi possível devido às limitações das platafor- Survey and Comparison. In: ACM SIGKDD Explorations Newsletter, vol. 2, pp. 58–64.
mas computacionais utilizadas. Relativamente ao segundo estudo, os resultados são um pouco influen-
ciados por um dos problemas da base de dados: a descrição dos laboratórios. Isto é, o laboratório Sanofi Fayyad, U., Piatetsky-Shapiro, G. e Smyth, P. (1996). From Data Mining to Knowledge Discovery in Data-
Aventis, por exemplo, é um laboratório que produz medicamentos em quase todas as áreas de saúde, bases. In: AI Magazine, vol. 13, pp. 37–54.
e nesse caso, a diferenciação do nome na descrição do laboratório na base de dados, iria, com certeza,
permitir uma maior informação e menor ambiguidade na interpretação dos resultados por laboratório – Fayyad, U., Piatetsky-Shapiro, G. e Smyth, P. (1996b). The KDD Process for Extracting Useful Knowledge
ex.: apesar de na Tabela 3 os laboratórios relativos à descrição Sanofi Aventis terem o mesmo nome, isso from Volumes of Data. In: Communications of the ACM, vol. 39, pp. 27–34.
não significa que sejam o “mesmo” laboratório.
Lloyd-Williams, M., Jenkins, J., Howden-Leach, H., Mathur, R., Cook, I. e Morris, C. (1995) Knowledge
Facilmente se verifica que, este trabalho ainda tem uma grande margem de progressão e isso seria algo Discovery in an Infertility Database Using Artificial Neural Networks. In: IEE Colloquium on Knowledge Dis-
realmente a ter em conta num futuro próximo. A aplicação de técnicas de mineração de dados na área covery in Databases , vol. 21, Fevereiro, pp. 1–3.
136

Sumathi, S. e Sivanandam, S. N. (2006). Introduction to Data Mining and its Applications (Studies in Com-
putational Intelligence). New York, Springer-Verlag.

Tomé, A., Broeiro, P. e Faria-Vaz, A. (2008) .Os Sistemas de Prescrição Electrónica. In: Associação Portugue-
sa dos Médicos de Clínica Geral, vol. 24, pp. 632–640.

Wu et al. (2008). Top 10 Algorithms in Data Mining. In: Knowledge and Information Systems, vol. 14, pp. 1–37.

Zheng, Z., Kohavi, R., e L. Mason. (2001). Real World Performance of Association Rule Algorithms. In:
KDD ’01: Proceedings of the seventh ACM SIGKDD International Conference on Knowledge Discovery and Data
Mining. pp. 401–406.
139
capítulo 10
Sistema Médico para a Avaliação
Estética da Mama

Jaime S. Cardoso1, Maria J. Cardoso2


Professor Auxiliar, Professora Auxiliar
jaime.cardoso@inescporto.pt, mjcard@med.up.pt

Resumo

O cancro da mama continua a ser uma das formas mais mediatizadas de doença oncológica, devido não
só à sua elevada incidência e prevalência, como também às implicações que a mama tem na imagem
maternal e sexual da mulher. A introdução do tratamento conservador do cancro da mama (BCCT), em
que o tumor é excisado com uma margem de tecido mamário macroscopicamente livre de doença, veio
permitir o controlo local da doença com sobrevivência semelhante à obtida com a mastectomia mas com
um melhor resultado estético. O resultado estético e a qualidade de vida das doentes passaram assim a
ser um objectivo fundamental deste tipo de tratamento. Contudo, e ao contrário do resultado oncológico,
o resultado estético depende de vários factores, muitos deles de difícil avaliação o que contribui para uma
heterogeneidade marcante na medida deste resultado. Para ultrapassar as limitações de reprodutibilidade
e objectividade dos métodos de avaliação do resultado estético existentes, propomos um sistema para
avaliar esteticamente a mama após intervenção médica recorrendo a imagens digitais, comparando a
mama tratada com a mama contralateral. O sistema introduz a medição automática de diversos índices
relacionados com o resultado estético da intervenção cirúrgica, tornando a avaliação rápida, fácil e re-
produtível. O conjunto de medidas é automaticamente convertido numa avaliação global e objectiva
do resultado estético, baseada num algoritmo de aprendizagem automática, especialmente adaptado
a prever classes ordinais. Este algoritmo foi treinado e optimizado para prever o resultado estético glo-
bal numa escala de quatro classes (excelente, bom, razoável, mau). A avaliação objectiva fornecida pelo
sistema desenvolvido é um resumo do resultado estético global, permitindo uma avaliação dos factores
que influenciam de forma significativa este resultado estético e contribuindo para o aperfeiçoamento das
técnicas de tratamento actuais pela comparação efectiva entre diferentes equipas de trabalho.

1 INESC Porto, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto. Campus da FEUP, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal.
2 Faculdade Medicina da Universidade do Porto, Alameda do Prof. Hernani Monteiro, 4200-319 Porto, Portugal.
140 | Jaime S. Cardoso e Maria J. Cardoso Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama | 141

1. Introdução produtibilidade não é habitualmente elevada e a concordância, quando medida entre observadores, é
apenas baixa ou moderada. O carácter pouco prático e invasivo da privacidade da doente inerente a este
O cancro da mama é actualmente considerado um problema de saúde pública, sendo o tumor mais tipo de avaliação também não é desprezável: se a avaliação for efectuada por um ou mais observadores
frequente na mulher. De acordo com dados recentes, em Portugal, onze a treze novos casos são diagnos- não envolvidos no tratamento e em fases diferentes do acompanhamento, os incómodos causados à
ticados e quatro mulheres morrem por dia desta patologia. Além de muito frequente, continua a ser uma privacidade das doentes acabam por ser numerosos, sobretudo quando a avaliação é feita de forma
das doenças oncológicas mais mediatizadas devido não só à sua elevada incidência e prevalência como directa e não através de registos fotográficos.
também ao impacto que a mama tem na imagem corporal, sexual e maternal da mulher.
A primeira medida objectiva proposta para a avaliação do resultado estético do tratamento conserva-
No que se refere ao tratamento, muito se tem progredido até ao estabelecimento do tratamento con- dor do cancro da mama foi o BRA (Breast Retraction Assessment) (Pezner, Patterson et al., 1985) para
servador do cancro da mama (BCCT) como alternativa terapêutica à clássica e mutilante mastectomia. calcular a retracção da mama operada relativamente à mama não tratada. Esta e as medidas que foram
Em contraste com a mastectomia em que toda a mama é removida, na cirurgia conservadora o tumor é sendo sugeridas na literatura visavam capturar apenas o aspecto da assimetria mamária e eram quase
excisado com uma margem de tecido mamário macroscopicamente livre de doença seguida de radiote- sempre acompanhadas de uma avaliação subjectiva feita por observadores. Mais do que tentar avaliar
rapia da mama restante . Esta abordagem conservadora, nas suas várias formas, veio permitir o controlo o resultado estético a partir das medidas efectuadas, tentava-se apenas correlacionar as medidas com a
local da doença com sobrevivência semelhante à obtida com a mastectomia, mas à partida com um avaliação subjectiva. As opções metodológicas actuais nos estudos que avaliam o resultado estético do
melhor resultado estético (Fisher, Anderson et al., 2002) (Veronesi, Cascinelli et al., 2002). tratamento conservador do cancro da mama continuam a revelar uma significativa ausência de unifor-
mização, quer no tipo de avaliação utilizada, quer nos factores a considerar nessa avaliação, quer ainda
O resultado estético e, de forma indirecta, a qualidade de vida das doentes, passaram a ser um objectivo nos instrumentos utilizados para essa análise (EORTC, 2004).
fundamental deste tipo de tratamento. Contudo, este resultado depende da complexa interligação de
vários factores (doente, tumor, técnica cirúrgica e factores relacionados com o tratamento, especialmen- O sistema aqui sintetizado, denominado BCCT.core (Breast Cancer Conservative Treatment. cosmetic
te a radioterapia), de diferentes opções na sua execução, bem como técnicas de trabalho inapropriadas, results), introduz a medição automática de diversos índices relacionados com o resultado estético da
contribuindo para desfechos muito díspares (Christie, O’Brien et al., 1996) (Christiaens, van der Schueren intervenção cirúrgica, tornando a avaliação rápida, fácil e reprodutível. As medições são precedidas pela
e Vantongelen, 1996). localização automática de alguns pontos de referência (mamilo, contorno mamários, incisura esternal)
na fotografia digital. As medidas de assimetria, diferença de cor entre mama tratada e não tratada, e
A avaliação do resultado estético tornou-se por isso essencial em qualquer instituição que pratique o visibilidade da cicatriz cirúrgica são posteriormente baseadas nestes pontos de referência. Todas estas
tratamento do cancro da mama. Esta avaliação permite aperfeiçoar as técnicas correntes e identificar as medidas ficam imediatamente visíveis para o utilizador (Ilustração 1) e são gravadas numa base de da-
variáveis com um efeito significativo no resultado estético final que sejam susceptíveis de serem melho- dos. Simultaneamente, o conjunto de medidas é automaticamente convertido numa avaliação global e
radas (Christie, O’Brien et al., 1996). objectiva do resultado estético, baseada num algoritmo de aprendizagem automática. Este algoritmo foi
treinado e optimizado para avaliar o resultado estético global na escala de Harris. A avaliação objectiva
fornecida pelo BCCT.core é um resumo do resultado estético global, que permite a comparação efectiva
1.1. A evolução da avaliação estética da mama entre diferentes equipas de trabalho de quaisquer centros.

Até hoje, a forma mais divulgada de avaliação do resultado estético é a apreciação subjectiva feita por Nas secções seguintes detalhamos alguns dos aspectos fundamentais no BCCT.core.
um ou mais observadores, incidindo directamente sobre as doentes ou sobre as representações fotográ-
ficas das mesmas. A opinião sobre o resultado estético final é graduada utilizando uma das várias escalas
existentes que classificam o resultado comparando habitualmente a mama operada com a mama não 2. Geração de características
tratada. A escala de avaliação mais utilizada nestes trabalhos é a que Harris introduziu em 1979 (Harris,
Levene et al., 1979). É uma escala de quatro classes dividida em excelente (mama tratada igual à mama O desenvolvimento de um método objectivo de avaliação do resultado estético do tratamento conser-
não tratada), bom (mama tratada ligeiramente diferente da mama não tratada), razoável (mama tratada vador do cancro da mama a partir de imagens digitais carece de outro padrão para comparação dos seus
obviamente diferente da mama não tratada, mas sem deformação importante), mau (mama tratada resultados (gold standard). Como solução para este problema utilizou-se a comparação com o consenso
com distorção severa). Colocam-se alguns problemas na interpretação dos resultados dos estudos que da avaliação de um painel de observadores.
utilizaram este tipo de avaliação por observadores: por exemplo, a sua isenção nem sempre é garantida
já que muitas vezes é realizada por profissionais envolvidos no tratamento. Por isso, também, a sua re-
142 | Jaime S. Cardoso e Maria J. Cardoso Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama | 143

que o resultado estético é essencialmente determinado por alterações cutâneas visíveis, sequelas da
radioterapia como a hiperpigmentação e as telangiectasias ou as provocadas pela cirurgia como uma ci-
catriz evidente, e por alterações no volume ou forma mamária (Limbergen, Schueren e Tongelen, 1989).

Tendo conhecimento dos tipos de características a medir na imagem, debatemo-nos com a questão de
como medir de facto esse tipo de factores.

2.2. Medidas de assimetria


Começámos por utilizar as medidas de assimetria que são, sem dúvida, a forma mais divulgada de avalia-
ção objectiva do resultado estético. Existindo diferentes índices de assimetria, optámos por medir todos
os índices introduzidos na literatura, não limitando desta forma o desempenho das tarefas subsequentes.
Introduzimos também algumas medidas de assimetria que nos pareceram complementares às medidas
existentes (Cardoso e Cardoso, 2007). As medidas capturam aspectos tais como assimetria na posição
do mamilo, diferença vertical na posição do contorno mamário inferior, diferença da área das mamas,
Ilustração 1 - A interface do sistema BCCT.core. diferença do comprimento do contorno mamário, etc. Todas estas medidas precisam de uma correcção
de escala para centímetros, possível com marcas feitas na pele da doente a uma distância conhecida.

A selecção da população do estudo e construção de uma base de dados de imagens, a escolha das Como esta necessidade de efectuar e detectar marcas adicionais condiciona a automatização do proces-
características dos observadores que avaliariam de forma mais reprodutível o resultado estético do tra- so, estudamos a suficiência de medidas relativas de assimetria, introduzidas neste estudo pela primeira
tamento conservador do cancro da mama (Cardoso, Santos et al., 2005), a realização de um painel in- vez. Estas medidas resultam como a razão de uma diferença de valores entre a mama tratada e não
ternacional alargado para obtenção de um consenso na avaliação do resultado estético do tratamento tratada pelo valor médio medido nas duas mamas:
conservador do cancro da mama (Cardoso, Cardoso et al., 2006), embora de importância inquestionável
neste projecto, saem fora do âmbito deste capítulo. Para a descrição que se segue é suficiente saber que
dispomos de uma base de dados de imagens digitais de doentes submetidas ao BCCT e de uma avalia- V − Vr

0.5(V + Vr )
ção do resultado estético para cada imagem resultante do consenso do painel. O método a desenvolver
tentará reproduzir esta avaliação de referência.

onde V e Vr são os valores medidos na mama tratada e não tratada. A suficiência destes valores relati-

2.1. Factores a capturar vos para o processo de decisão dispensa a colocação das marcas de escala.

Quando um observador avalia o resultado estético do BCCT, ele identifica e avalia aspectos como a forma,
cor, geometria, irregularidade e rugosidade da aparência visual da mama tratada, quando comparada 2.3. Medidas de diferença de cor
com a mama não tratada. Todos estes factores são subjectivamente combinados numa avaliação global.
Introduzimos também pela primeira vez nesta área a medida objectiva da alteração da cor na mama
No processo para desenhar um sistema computacional que imite a avaliação humana, uma das etapas pri- tratada em relação à mama não tratada, aspecto que é muito valorizado nas classificações subjectivas. A
meiras é a da geração de características. Estas características devem capturar todos os factores com impac- hiperpigmentação é uma sequela típica da radioterapia, muito dependente da dose de radiação usada.
to no resultado estético global e devem ser mensuráveis na fotografia digital da doente após o tratamento.
A tarefa de medir as diferenças de cor entre imagens ou entre partes da mesma imagem assume um
Como possíveis grupos de características discriminativas consideramos aqueles já identificados pelos papel central em diversas áreas da engenharia e decompõe-se genericamente a) no cálculo da distribui-
especialistas como relevantes na avaliação humana do procedimento cirúrgico. É unanimemente aceite ção da cor nas partes da imagem em comparação (aqui é utilizado o histograma como uma estimativa
144 | Jaime S. Cardoso e Maria J. Cardoso Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama | 145

da distribuição); b) na escolha de uma medida de comparação entre histogramas, que traduza de forma 3. Automatização
adequada a diferença entre distribuições.
O desenvolvimento do sistema BCCT.core compreendeu a extracção de diversas características da fo-
A selecção das duas regiões a comparar implica apenas a selecção dos dois contornos mamários. A au- tografia digital da doente, como descrito anteriormente. A automatização desta operação – para tornar
tomatização deste processo é descrita posteriormente. Mais uma vez, optamos por efectuar diferentes o sistema completamente objectivo e de mais simples utilização – carece da identificação automática
medidas, para não limitar as operações subsequentes: calculamos a diferença de cor em cada um dos prévia de diversos pontos de referência, a saber: a posição dos mamilos, do contorno mamário e da
canais de cor e nos três canais em simultâneo, e efectuamos cada uma dessas comparações utilizando incisura esternal.
duas métricas diferentes: o índice χ2 e o ‘earth movers distance’. As várias experiências realizadas com
vários espaços de cor não revelaram diferenças assinaláveis, pelo que mantivemos apenas o espaço Iremos aqui restringir a descrição à automatização da detecção do contorno mamário, pelos aspectos
L*a*b*, por ser perceptualmente mais uniforme. No total recolhemos oito medidas de alteração de cor inovadores que foram introduzidos no processo. A descrição da detecção automática dos restantes pon-
(Cardoso e Cardoso, 2007). tos pode ser encontrada em publicações associadas ao projecto (Sousa, Cardoso et al., 2008) (Cardoso,
Sousa et al., 2009).

2.4. Medidas de visibilidade de cicatriz


3.1. Detecção automática do contorno mamário
O contributo da cicatriz operatória é dos aspectos mais difíceis de quantificar, devido à sua enorme
variabilidade. Aspectos como o tamanho, posição, contraste com a zona envolvente contribuem para a O trabalho a ser descrito faz uso do conceito de grafo, onde a própria imagem da doente é considerada
percepção da mesma. Neste trabalho, a visibilidade da cicatriz foi traduzida como uma diferença de cor como um grafo, com os pixéis como nós do grafo e arestas a ligar pixéis vizinhos. O peso de cada aresta
local. Para calcular esta diferença, procedemos à divisão da mama em sectores angulares com vértice é uma função dos valores dos pixéis e da posição relativa dos pixéis incidentes na aresta. Adopta-se uma
no mamilo (ver Ilustração 2) e ao cálculo posterior da diferença de cor entre sectores correspondentes, função monótona de pesos que atribua pesos baixos a posições de gradiente elevado e pesos elevados
seguindo um procedimento idêntico ao descrito na secção anterior; a visibilidade da cicatriz é traduzida a posições de gradiente baixo (Sousa, Cardoso et al., 2008). O custo total de um caminho é a soma do
como o máximo destas várias diferenças. Faça-se notar que a extracção automática destas medidas con- peso de cada aresta no caminho. A função de custos adoptada permite favorecer caminhos ao longo de
tinua a implicar a selecção dos dois contornos mamários e dos dois mamilos. pixéis de gradiente elevado.

Um caminho de um nó v para um nó u diz-se um caminho mínimo se o seu custo é mínimo entre todos
os caminhos de v para u. A distância entre dois nós v e u, d(v,u), é o custo do caminho mínimo entre v e
u. De salientar que existem algoritmos eficientes para encontrar o caminho mínimo num grafo, como o
bem conhecido algoritmo de Dijkstra.

3.2. Detecção automática dos pontos extremos

A detecção do contorno mamário foi abordada em duas grandes fases: a detecção dos pontos extremos
e a detecção do contorno mamário entre os pontos extremos agora conhecidos. Para abordar o primeiro
destes problemas, assumimos que no nosso cenário de aplicação a fotografia contém apenas o torso da
doente e definimos o ponto extremo externo do contorno mamário como o ponto superior do contor-
no do tronco. Transformamos assim o problema na detecção do contorno do tronco na imagem. Estes
podem ser procurados entre as linhas de gradiente mais forte com direcção aproximadamente vertical.

Um caminho vertical forte corresponde a um caminho entre duas linhas da imagem, quase sempre atra-
vés de pixéis com um gradiente elevado. Estes caminhos são por isso bem modelados como caminhos
Ilustração 2 - Divisão da mama em sectores para o cálculo da visibilidade da cicatriz. de ‘custo reduzido’ entre duas regiões, i.e., duas linhas horizontais da imagem. Podemos ainda assumir
146 | Jaime S. Cardoso e Maria J. Cardoso Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama | 147

que os caminhos não ziguezagueiam para cima e para baixo, restringindo dessa forma a pesquisa a cami- 3.3. Detecção automática do contorno com pontos extremos conhecidos
nhos que contenham um e apenas um pixel em cada linha entre duas linhas extremas da imagem. Desta
forma, o caminho vertical mínimo pode ser encontrado recorrendo a programação dinâmica (Cardoso, A detecção do contorno mamário com pontos extremos conhecidos foi resolvida procurando-se o ca-
Sousa et al., 2009). minho mínimo entre os pontos extremos. A função peso nas arestas do grafo foi definida para que os
caminhos mais curtos correspondam aos que maximizam o valor do gradiente ao longo do caminho.
O cálculo do caminho mínimo conduz à descoberta de um único caminho entre duas regiões. Contudo,
por vezes estamos interessados em mais que um caminho forte, ainda que não sejam exactamente o A localização dos contornos mamários pode beneficiar do nosso conhecimento a priori sobre a forma
caminho mínimo (na nossa aplicação a silhueta da doente pode constituir um caminho mais curto que da mama, orientando a procura para caminhos com formas semelhantes. Consideramos diferentes alter-
o contorno do tronco). O conceito de caminho estável, uma das contribuições científicas deste projecto, nativas para modificar a função custo no grafo, para reflectir o nosso conhecimento da forma da mama.
permite calcular em simultâneo vários caminhos mínimos locais (Cardoso, Sousa et al., 2009). Um cami- Nesta estratégia o custo é modificado por um termo que reflecte a probabilidade da forma; o caminho
nho Ps,t entre dois sub-grafos G1 e G2 de um grafo é estável se Ps,t for simultaneamente o caminho mínimo mínimo é depois procurado no grafo com a nova função custo. A operação de cálculo do caminho míni-
entre S Є G1 e todo o sub-grafo G2 e o caminho mínimo entre T Є G2 e todo o sub-grafo G1. mo permanece inalterada, sendo por isso eficiente e devolvendo o caminho óptimo. A dificuldade está
em como incorporar uma boa descrição da forma da mama no modelo do grafo.
Partindo do cálculo dos caminhos estáveis na metade inferir da imagem é possível obter o contorno do
tronco e dele os pontos extremos externos do contorno mamário. O procedimento encontra-se esque- Desenvolvemos e comparamos várias técnicas, paramétricas e não paramétricas, para incorporar a in-
matizado na Ilustração 3 e detalhado em (Cardoso, Sousa et al., 2009). Os pontos extremos internos do formação sobre a forma da mama feminina (Sousa, Cardoso et al., 2008) (Cardoso, Sousa et al., 2009).
contorno mamários foram estimados como a simples média dos pontos externos. Apresentamos de seguida apenas o modelo unimodal, pela simplicidade e robustez demonstrada.

Intuitivamente, o contorno mamário é monotonamente decrescente de um ponto extremo até a um


mínimo, localizado aproximadamente a meio da posição horizontal da mama, e daí é monotonamente
crescente até ao outro extremo.

Esta simples percepção da forma da mama pode ser incorporada no processo de detecção, correndo o
algoritmo do caminho mínimo em duas fases, em vez de procurar directamente o caminho entre os dois
pontos extremos. Para favorecer um primeiro caminho descendente, procuramos o caminho mínimo
entre o ponto extremo externo e um ponto localizado na mesma coluna que o ponto extremo interno,
mas yGap linhas abaixo. Fixamos yGap no dobro da largura da mama (e como tal robusto relativamente
ao tamanho da doente na imagem). No segundo passo do processo, calculamos um segundo caminho
mínimo entre o ponto do caminho anterior na posição-x média e o ponto extremo interno. A Ilustração
4 apresenta a técnica; a Ilustração 3f apresenta o resultado para a Ilustração 3a.

Note-se que, apesar do nome, o modelo unimodal captura quaisquer flutuações ou irregularidades na
evolução do contorno, pois retém a flexibilidade do processo do caminho mínimo. Acresce ainda que,
apesar do ponto auxiliar ser colocado yGap abaixo do ponto extremo, o contorno pode naturalmente
descer abaixo desse ponto – a forma real é novamente capturada pelo caminho mínimo.

Ilustração 3 - Detecção dos pontos extremos e do contorno mamário.


148 | Jaime S. Cardoso e Maria J. Cardoso Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama | 149

No decorrer deste trabalho introduzimos o método da replicação dos dados, um método não-paramé-
trico para a classificação de dados ordinais baseado na extensão do conjunto de dados original com
variáveis adicionais, reduzindo o problema ao familiar problema de classificação binária (Cardoso e Pinto
da Costa, 2007).

Suponhamos que um classificador de K classes é forçado, na fase de desenho, a ter (K-1) fronteiras sem
intersecção, com a fronteira i treinada para discriminar as classes C1, ..., Ci das classes Ci+1, ..., CK. Atendendo
a que ao ponto de intersecção de duas fronteiras corresponde um exemplo com três ou mais classes
igualmente prováveis – inverosímil com classes ordinais –, esta estratégia impõe uma restrição intuitiva.
Com esta restrição emerge um modelo monótono, onde melhorar um dos atributos não conduz a de-
cidir por uma classe ‘inferior’.

Para o caso linear, este modelo sem intersecção de fronteiras traduz-se na escolha da mesma média
pesada para todas as decisões – o classificador é apenas um conjunto de pesos, um por cada atributo, e
um conjunto de escalares, a escala na média pesada. Ao evitar a intersecção de duas quaisquer fronteiras,
este modelo simplificado procura capturar a essência do problema de classificação de dados ordinais.
Outra mais-valia desta abordagem é o número reduzido de parâmetros a estimar, o que pode conduzir
a um classificador mais robusto, com melhor capacidade de generalização.
Ilustração 4 - Passos do modelo unimodal, quando aplicado à mama esquerda.
O método da replicação dos dados permite acomodar esta formulação sob o problema clássico de clas-
sificação binário, com a consequente vantagem de utilização de algoritmos maduros e optimizados,
4. Classificação de dados ordinais desenvolvidos especificamente para o problema binário.

O desenho de um sistema de avaliação do resultado estético do tratamento conservador na escala de


Harris, pressupõe a classificação de cada uma das fotografias das doentes numa das quatro categorias. 5. A aplicação BCCT.core
Tendo identificado as quantidades mensuráveis que permitem distinguir as quatro classes e automatiza- A metodologia e os algoritmos apresentados nas secções anteriores foram concretizados num sistema
do a sua extracção, a tarefa seguinte é delinear uma regra de decisão (classificador) que permita deter- computacional, denominado BCCT.core. A avaliação do sistema integrado foi precedida pela avaliação
minar o resultado estético a partir apenas das quantidades medidas na fotografia. Neste caso a variável objectiva dos diversos algoritmos em condições controladas, comparando os resultados com os de ou-
a prever toma valores finitos e ordenados. Deparamo-nos por isso com um problema de classificação de tros algoritmos existentes.
dados ordinais.

Embora os problemas da classificação de dados binários e multiclasse nominal tenham sido dissecados 5.1. Avaliação da automatização
na literatura, o problema-irmão de dados ordinais apenas recentemente começou a receber o mesmo
grau de atenção (Chu e Ghahramani, 2005). Do reduzido número de algoritmos específicos para dados Para avaliar o desempenho dos métodos de detecção automática dos pontos de referência, reunimos
ordinais, a grande maioria sofre de diversas limitações: não incorporam totalmente ou de forma ade- um conjunto de imagens nas quais foram manualmente identificados os pontos de interesse (incluindo
quada a informação adicional da ordem na construção do classificador (Frank e Hall, 1999); têm uma a localização de todo o contorno mamário). Atendendo a que a localização de alguns pontos não é total-
complexidade demasiado elevada para serem úteis em problemas reais (Herbrich, Graepel e Obermayer, mente objectiva, pediu-se a oito utilizadores para colocarem manualmente os pontos em 120 imagens
1999); ao necessitarem de algoritmos de optimização específicos durante a construção do classificador de doentes, tendo-se comparado o resultado do sistema computacional com a média dos utilizadores.
inviabilizam a utilização de algoritmos entretanto já desenvolvidos, optimizados para problemas binários
(Crammer e Singer, 2001). Os resultados obtidos para a detecção automática dos pontos extremos do contorno mamário são bas-
tante interessantes, com um erro inferior a 1 cm. O método dos caminhos estáveis consegue encontrar
150 | Jaime S. Cardoso e Maria J. Cardoso Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama | 151

com sucesso o contorno do tronco, o que permite a determinação posterior do ponto extremo do con- 6. Conclusão
torno mamário. Os erros mais evidentes verificaram-se na determinação do ponto extremo dentro do
caminho estável, em situações de má qualidade de imagem ou quando o cabelo longo da mulher in- Constituiu o principal objectivo deste projecto o desenvolvimento de um método objectivo de avalia-
terfere com a detecção. Os erros médios obtidos para a detecção do contorno mamário foram bastante ção do resultado estético do tratamento conservador do cancro da mama a partir de imagens digitais,
baixos, ilustrando a robustez do método; a principal fonte de erro na detecção dos contornos mamários de forma a permitir a avaliação automática dos parâmetros mais importantes para a obtenção de uma
verificou-se ser a detecção dos pontos extremos. classificação global deste resultado estético. Este método possibilita uma avaliação totalmente reprodu-
tível, de fácil utilização e disponibilidade alargada.

5.2. Avaliação do algoritmo de classificação de dados ordinais Numa primeira fase do trabalho, não havendo até à data nenhum método consensual de classificação
do resultado estético deste tipo de tratamento, e sendo a avaliação subjectiva a forma mais divulgada
O algoritmo da replicação de dados, também proposto pela primeira vez neste projecto, foi comparado de avaliação, tentamos obter uma classificação subjectiva que servisse de padrão (gold standard) para
com outros algoritmos para a classificação de dados ordinais, quando aplicados a diversos conjuntos comparação com a metodologia objectiva a desenvolver.
de dados, e utilizando diversas métricas de desempenho. O estudo comparativo exaustivo encontra-se
documentado em (Cardoso e Pinto da Costa, 2007). Convidámos para fazerem parte de um painel de avaliação subjectiva do resultado estético do tratamen-
to conservador vários especialistas nacionais e internacionais na área do tratamento do cancro da mama.
Vinte e três peritos foram convidados a avaliar fotografias correspondentes a 150 casos de tratamento
5.3. Avaliação do sistema BCCT.core conservador, tendo sido obtida uma classificação final consensual através de um método de consenso
de Delphi.
Tendo sido o sistema desenhado para imitar a referência obtida a partir de um painel de especialistas, foi
natural comparar o desempenho do sistema com os especialistas individualmente. Verificou-se que o re- Utilizando a classificação subjectiva do resultado estético obtida pelo consenso alargado de peritos, par-
sultado da classificação do sistema BCCT.core era superior à classificação de qualquer um dos peritos do timos então para o desenvolvimento de uma metodologia objectiva de avaliação do resultado estético
painel internacional, aproximando-se mais da classificação de consenso do que a classificação individual do tratamento conservador do cancro da mama. A capacidade de obter medidas objectivas dos factores
de qualquer dos peritos (Cardoso e Cardoso, 2007) (Cardoso, Cardoso et al., 2007). O melhor desempe- com impacto no resultado estético é extremamente interessante, permitindo sistematizar a criação de
nho foi obtido com a utilização conjunta de duas medidas de assimetria relativas (confirmando assim a base de dados para ensino, investigação e melhoria dos cuidados de saúde.
dispensa de marcas adicionais de correcção de escala), conjugadas com duas medidas de diferença de
cor e uma capturando a visibilidade da cicatriz. Utilizando técnicas de análise de imagem e visão computacional, começamos por extrair da fotografia da
doente diversas medidas que traduzissem os factores de assimetria, alterações de cor e visibilidade da ci-
Um dos grandes desafios no desenvolvimento de qualquer sistema computacional é desenhar interfa- catriz. Na investigação para automatizar este processo, introduzimos na comunidade científica o conceito
ces de utilizador eficazes – fáceis de aprender, efectivas, conduzindo à aceitação do sistema do utiliza- de caminho estável num grafo, o qual já encontrou aplicação nas áreas de reconhecimento óptico mu-
dor-alvo. Colocámos por isso especial ênfase no desenvolvimento da interface do sistema, envolvendo sical (Cardoso, Capela et al., 2009) e de redimensionamento de imagens com preservação do conteúdo.
desde o início os utilizadores durante todo o processo, centrando nestes o desenho do sistema e ava-
liando a funcionalidade e usabilidade do mesmo (Afonso, Cardoso et al., 2009). Posteriormente, foi necessário traduzir as medidas individuais e parcelares do resultado estético numa
avaliação global do mesmo. Nesta fase do projecto introduzimos o algoritmo da replicação dos dados
A divulgação do BCCT.core, durante o Workshop “Turning subjective into objective” em 2006, permitiu para classes ordinais (Cardoso e Pinto da Costa, 2007). Também este foi aplicado com sucesso a outras
obter, através do preenchimento de um questionário pelos participantes, alguma informação acerca áreas e generalizado para o problema de classificação com opção de rejeição. O método da replicação
da aceitabilidade do software (Cardoso, Cardoso et al., 2007). Após a aquisição e experimentação do dos dados, instanciado com máquinas de vectores de suporte, atingiu o melhor desempenho, compa-
software por equipas médicas nacionais e internacionais, foi construído um novo questionário, dirigido rando favoravelmente com o desempenho do melhor especialista no painel.
especificamente a questões de usabilidade do sistema. O desenvolvimento da interface e funcionalida-
des actuais foi apoiado na informação recolhida. Estes resultados permitiram-nos avançar para a criação de um sistema informático, BCCT.core, para ser-
vir de referência na comparação de resultados entre centros. Essa comparação é agora reprodutível,
permitindo uma avaliação dos factores que influenciam de forma significativa este resultado estético e
possibilitando o aperfeiçoamento das técnicas de tratamento.
152 | Jaime S. Cardoso e Maria J. Cardoso Capítulo 10 Sistema Médico para a Avaliação Estética da Mama | 153

Esta aplicação, pioneira na área, é já utilizada nacional e internacionalmente, em diversos estudos pros- Christiaens M. R., van der Schueren, E. e Vantongelen, K. (1996). More detailed documentation of op-
pectivos. Estamos agora a proceder às necessárias adaptações do algoritmo a outras formas de trata- erative procedures in breast conserving treatment: what good will it do us? In: European Journal of Surgi-
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parte 3
Monitorização Remota
e Telemedicina
157
capítulo 11
Sistema de Monitorização Vital e Ambiental
recorrendo a Redes de Sensores Sem Fios

Pedro Sobral1, David Ferraz1, José Torres1, Paulo Pires2, Rui Silva Moreira1
Professor Auxiliar, Assistente, Professor Associado, Assistente, Professor Associado.
pmsobral@ufp.edu.pt, dferraz@ufp.edu.pt, jtorres@ufp.edu.pt, rmoreira@ufp.edu.pt,
paulogoncalves@esmae-ipp.pt

Resumo

A crescente integração dos sistemas embebidos e das tecnologias de informação e comunicação tem pos-
sibilitado o aparecimento de espaços inteligentes baseados em dispositivos electrónicos de baixo custo
e com apreciável poder de processamento. Estes dispositivos (cf. motes), equipados com sensores, actua-
dores, capacidade de processamento e de comunicação sem fios, ao serem distribuídos de forma ubíqua,
permitem obter instantaneamente informação de contexto físico e desencadear acções pré-programadas
em resposta a eventos ou acções dos utilizadores. Os sistemas de apoio à saúde em casa e a domótica de
edifícios são exemplos de áreas onde os espaços inteligentes podem dar um contributo valioso. Neste ca-
pítulo é apresentado um sistema de monitorização vital e ambiental de baixo custo que permite a criação
de espaços inteligentes mesmo em locais sem infra-estruturas tecnológicas pré-instaladas. Cada utilizador
do espaço usa um módulo sensorial corporal e existem módulos ambientais distribuídos estrategicamente
no espaço. Estes módulos comunicam entre si usando tecnologia sem fios através de uma topologia de
rede em malha. Um módulo gateway bidireccional recolhe alertas e dados vitais ou de contexto da rede
de sensores e transmite-os para um servidor. Este servidor monitoriza os dados em tempo real podendo
interagir com os motes ou desencadear alertas em situações de perigo; armazena ainda os dados para
posterior tratamento estatístico e consulta por parte dos cuidadores de saúde.

1. Introdução
As redes de sensores sem fios representam a infra-estrutura de hardware que juntamente com a com-
ponente da inteligência e a computação ubíqua, permitem a implementação de espaços inteligentes.

1 Universidade Fernando Pessoa (UFP), Intelligent Sensing and Ubiquitous Systems (ISUS). Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto, Portugal.
2 Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE), Instituto Politécnico do Porto, Rua da Alegria, 503, 4000-046 Porto, Portugal
158 | Pedro Sobral, David Ferraz, José Torres, Paulo Pires e Rui Silva Moreira Capítulo 11 Sistema de Monitorização Vital e Ambiental recorrendo a Redes de Sensores Sem Fios | 159

Determinadas características como a flexibilidade, a tolerância a falhas, a fiabilidade, o baixo custo e a 2. Estado da Arte
rapidez de implementação das redes de sensores sem fios, fazem com que se abra um vasto leque de
áreas de aplicação para este tipo de redes como, por exemplo, a monitorização ambiental e corporal, o 2.1. Redes de sensores sem fios
controlo industrial, as aplicações militares, e a domótica, entre outras (Tang et al. 2007).
Actualmente assiste-se a uma progressiva proliferação de sistemas inteligentes sensíveis ao contexto, com o
Em particular na área da saúde, há uma necessidade crescente de optimização dos recursos humanos intuito de simplificar e melhorar o dia-a-dia das pessoas (Giannakouris 2008). Uma componente importante
e materiais devido à pressão da procura sobre os sistemas de saúde em função da evolução da curva desses sistemas consiste em monitorizar os mais variados parâmetros do ambiente em que vivemos e in-
demográfica. De facto, com o tempo médio de vida a aumentar sustentadamente, o grupo populacio- terpretar essa informação de forma clara e precisa. As redes de sensores sem fios desempenham um papel
nal acima dos 65 anos é cada vez maior a nível mundial. De acordo com as projecções do EUROSTAT de importância crescente neste tipo de cenários. Estas redes consistem, tipicamente, num elevado número
(Giannakouris 2008) a idade média da população europeia deverá passar de 40.4 anos em 2008 para 47.9 de nós sensores com capacidade de comunicação sem fios, espalhados no local a monitorizar (Akyildiz et al.
anos em 2060 com a percentagem da população com 65 anos ou mais a aumentar de 17.1% para 30%. 2002). A área de monitorização pode, eventualmente, ser de difícil acesso, de risco vital ou mesmo constituir
um ambiente sem infra-estruturas no qual se pretendem embeber capacidades de monitorização.
Neste contexto, a criação de espaços inteligentes ajustados à monitorização remota de parâmetros de
saúde pode ajudar a manter um elevado nível de cuidados de saúde com custos controlados. Isto por- A localização dos nós sensores é flexível no sentido em que não precisa de ser rigidamente predetermi-
que a utilização de sistemas de monitorização remota evita a presença de equipas especializadas e per- nada. Este facto permite uma instalação deste tipo de redes em zonas de mais difícil acesso. Por outro
manentes nos locais supervisionados. Permite ainda a recolha e transmissão automática do contexto lado, os protocolos e algoritmos das redes de sensores sem fios apresentam, obrigatoriamente, capa-
ambiental e corporal de vários indivíduos para um servidor central, onde os dados podem ser armaze- cidades de auto organização, sendo que os nós sensores agem de forma cooperativa. Como cada nó
nados, comparados, correlacionados e analisados por diferentes especialistas. Desta forma será possível sensor possui localmente alguma capacidade de processamento, em vez de enviar os dados em bruto
optimizar o trabalho dos profissionais de saúde e melhorar a eficiência das equipas de assistência e para o servidor, efectua algum processamento simples e transmite apenas uma parte da informação já
adoptar programas de promoção da saúde, baseados nos dados recolhidos, que de outra forma dificil- processada (Akyildiz et al. 2002).
mente chegariam a uma larga faixa da população.
Em suma, uma rede de sensores sem fios permite agilizar a criação de espaços inteligentes onde, cada
Este capítulo propõe um sistema de monitorização vital e ambiental recorrendo a redes de sensores sem nó sensor, possui capacidades para percepcionar o seu meio envolvente, processar e comunicar a infor-
fios. Trata-se de um sistema de baixo custo, com uma instalação e manutenção bastante simples. Não mação recolhida.
requer a existência qualquer infra-estrutura de rede pré-instalada no local de utilização. É um sistema es-
calável tanto do ponto de vista do número de indivíduos como do âmbito geográfico coberto. Devido às Numa topologia de rede de sensores sem fios em malha, do tipo ZigBee, estão definidos três tipos de
características da topologia de rede em malha utilizada, o sistema possui também elevada fiabilidade e dispositivos: nó sensor (end node), nó encaminhador (router node) e nó coordenador (coordinator) (Yick et
redundância. O protótipo desenvolvido baseia-se em motes assentes em microcontroladores e sensores al. 2008). Tipicamente, o nó coordenador é responsável pela interligação (gateway) com outras redes ou
que permitem monitorizar vários parâmetros fisiológicos (e.g., temperatura, batimento cardíaco, etc.) e sistemas. Os nós sensores recolhem dados de monitorização, periodicamente ou em contínuo. Os nós
ambientais (e.g., luminosidade, temperatura, etc.). Todos os dados recolhidos são transmitidos (usando encaminhadores conduzem a informação recebida para o respectivo coordenador.
tecnologia ZigBee) para uma gateway que faz a ponte, neste caso via GPRS (General Packet Radio Service),
para um servidor central. Este sistema facilita a instalação dos motes ambientais e a mobilidade dos O protocolo proprietário de rede de sensores sem fios em malha DigiMesh (Young 2008), distingue-se
utilizadores, oferecendo uma arquitectura dinâmica e adaptável a várias condições, espaços e cenários do protocolo ZigBee pelo facto de prever mecanismos de organização automática da rede, visto que
de aplicação. todos os nós sensores podem funcionar também como encaminhadores e de dispensar a existência
obrigatória de um nó coordenador como no protocolo ZigBee.
O capítulo encontra-se estruturado em 5 secções: na introdução contextualiza-se o trabalho e é eviden-
ciada a sua pertinência; no estado da arte descrevem-se as principais tecnologias utilizadas no desenvol-
vimento deste projecto e a sua relação com sistemas afins; na arquitectura do sistema, são apresentados 2.2. Trabalho relacionado
os módulos do sistema e as principais funcionalidades do protótipo construído; na avaliação, descre-
vem-se alguns dos testes efectuados; na conclusão evidencia-se a importância do trabalho efectuado. Em (Hong-jiang et al. 2009) os autores apresentam uma abordagem similar ao trabalho aqui propos-
to, sugerindo igualmente uma gateway ZigBee/GPRS cuja arquitectura se baseia no microprocessador
S3C2410. Este trabalho faz a ponte entre as comunicações de curto alcance (ZigBee) e as comunicações
160 | Pedro Sobral, David Ferraz, José Torres, Paulo Pires e Rui Silva Moreira Capítulo 11 Sistema de Monitorização Vital e Ambiental recorrendo a Redes de Sensores Sem Fios | 161

de longa distância (GPRS) permitindo, através da Internet, visualizar os dados da rede de sensores. Os Toda a comunicação no sistema é feita sem fios. Esta característica é fundamental para a usabilidade e
autores enfatizam a aplicação desta arquitectura a muitos domínios de aplicação. conveniência do dispositivo corporal mas é também muito vantajosa para a colocação dos restantes
dispositivos, por não exigir infra-estruturas especiais nos locais de instalação.
Noutro projecto são descritas várias aplicações de redes sem fios e equipamentos electrónicos domés-
ticos com foco na monitorização remota aplicada à área da saúde (Baker et al. 2007). Por exemplo, os A comunicação de dados entre os dispositivos do sistema é efectuada usando tecnologia ZigBee. Esta
autores descrevem uma rede de sensores sem fios para monitorização de parâmetros através da roupa, tecnologia está direccionada para aplicações, que requerem pouca largura de banda e exigem baixo
i.e., de peças de vestuário que integram sensores que recolhem todo o tipo de parâmetros corporais, consumo energético. Actualmente é utilizado em dispositivos de controlo industrial, dispositivos mé-
podendo assim detectar em tempo real alguma anomalia vital. dicos, alarmes de detecção de movimento e domótica. O ZigBee usa a norma IEEE 802.15.4 Low-Rate
Wireless Personal Area Network (WPAN). O protocolo de acesso utilizado é o Carrier Sense Multiple Access/
A monitorização ambulatória de parâmetros vitais é uma área de importância crescente de aplicação de Collision Avoidance (CSMA/CA), que reduz significativamente o número de colisões no acesso ao meio
redes sem fios (Milenković et al. 2006). Neste projecto os autores referem que o aparecimento de novas de transmissão. Neste sistema foram usados módulos XBee (XBee-PRO® ZNet 2.5 OEM RF Module) de-
tecnologias e a redução de preços, torna cada vez mais apetecível a aplicação de redes de sensores em senvolvidos pela DIGI.
casa, reduzindo desta forma o número idas ao hospital. Neste capítulo, são apresentados diversos protó-
tipos como, por exemplo, a monitorização de crianças e/ou do sistema cardíaco humano. Para o acesso à Internet usa-se uma ligação GPRS, um serviço de comunicações sem fios baseado em
pacotes, que funciona com taxas de transferência entre 56 Kbps e 114 Kbps. Mais uma vez, a ubiquidade
Um denominador comum a todos estes projectos consiste na utilização de redes de sensores sem fios desta tecnologia facilita a implantação do sistema em instalações sem nenhum meio de ligação à Inter-
para monitorização de parâmetros de saúde, oferecendo melhorias na interacção entre os pacientes e net. Para este efeito foi usado um módulo GSM/GPRS, compatível com as placas de desenvolvimento
os médicos, e permitindo uma redução de custos nos cuidados de saúde. Arduíno, que foi desenvolvido pela LIBELIUM e que contém um rádio SAGEM. A recolha de dados é feita
através de vários sensores, e.g., de temperatura, luminosidade e aceleração 3D.

3. Arquitectura do Sistema de Monitorização


3.2. Módulos do Sistema
No desenho do sistema foi privilegiado o uso de hardware de baixo custo e de ferramentas de software
livre e/ou aberto (open source). O sistema aqui apresentado estende o trabalho desenvolvido em (Gon- A arquitectura do sistema está patente na figura 1 que apresenta um diagrama de referência dos vários
çalves et al. 2009) de forma a criar uma ferramenta descentralizada, ágil e não invasiva de acompanha- módulos que compõem o sistema.
mento dos sinais vitais de múltiplos pacientes.

3.1. Hardware Utilizado

Os módulos de recolha e processamento de dados utilizam sistemas Arduíno. No módulo ambiental


utiliza-se a Arduíno Diecimila que possui: um microcontrolador ATmega168 com 16 KB de memória
flash, para armazenamento de código; 1 KB de SRAM e 512 bytes de EEPROM; diversas entradas/saídas
analógicas e digitais que possibilitam a aquisição de dados de diferentes tipos de sensores, bem como
o comando de diversos tipos de actuadores. A Diecimila possui ainda uma ligação USB pela qual é efec-
tuada a ligação série ao ambiente de programação, muito conveniente na fase de desenvolvimento do
protótipo inicial. Este sistema será posteriormente substituído pelo Arduíno Nano que possui potencia-
lidades equivalentes mas com uma fracção do tamanho. A sua miniaturização possibilitou o seu uso no
módulo corporal descrito em (Gonçalves et al. 2009). Por fim, no módulo de interligação com a Internet
(gateway), foi usado o Arduíno Mega cujo microcontrolador possui maior capacidade de processamento
(ATmega1280) mais memória (128KB flash, 8KB de SRAM e 4KB EEPROM) e quatro portas série, necessá-
rias para as tarefas de encaminhamento. Figura 1- Arquitectura modular do sistema.
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Figura 2 - Dispositivo corporal: a) Rádio XBee Pro 2; b) Acelerómetro 3D; c) Arduíno WEE; d) Sensor de temperatura. Figura 3 - Módulo Ambiental: a) Arduino Diecimila + XBee shield; b) Rádio XBee Pro 2; c) Sensor analógico de temperatura.

O módulo corporal (ver figura 2) é transportado por cada indivíduo em acompanhamento e tem a ca-
pacidade de monitorizar a actividade física desenvolvida (cf. deitado, sentado, a caminhar e a correr) e
ainda, detectar quedas que possam ocorrer (Gonçalves et al. 2009). Um sensor de temperatura é usado
para reportar periodicamente a temperatura corporal do indivíduo. Actualmente a aquisição do ritmo
cardíaco é efectuada por um mecanismo básico adaptado em laboratório mas que será futuramente
substituído por um sistema mais fidedigno da Polar.

O módulo ambiental (ver figura 3) tem uma dupla função: ser usado como repetidor para aumentar
o alcance da rede de comunicações sem fios onde essa função é imposta pela topologia do espaço a
cobrir pelo sistema (essa necessidade é verificada durante o processo de teste do alcance dos sinais de
rádio no local de instalação – site survey); ser também usado para reportar parâmetros ambientais do
local monitorizado (e.g., temperatura, humidade, luminosidade, pressão barométrica, etc.) que podem
ser correlacionados com a informação obtida dos módulos corporais, nas tomadas de decisão dos pro-
fissionais de saúde.

Figura 4 - Gateway XBee-GPRS: a) Módulo GPRS Hilo SAGEM; b) Arduíno Mega; c) Rádio XBee Pro 2.
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A gateway XBee/GPRS (ver figura 4) tem como função fazer a ponte entre a rede de sensores e a Inter-
net usando para tal o módulo GPRS. Este módulo é responsável por iniciar a rede ZigBee, da qual é o
coordenador, e por manter aberta uma ligação TCP/IP com o servidor através da qual são reportados
periodicamente os dados obtidos pelos módulos corporais e ambientais presentes na topologia. Esta
ligação TCP/IP é bidireccional e permite a interrogação das unidades corporais e ambientais, através da
interface Web do servidor por parte dos profissionais de saúde ou familiares.
Figura 5 - Exemplo de uma trama API [8].
O servidor é um computador com o sistema operativo LINUX e com uma aplicação Web escrita em
PHP que lança um processo dedicado a cada gateway do sistema (o servidor pode acompanhar N ga-
teways em paralelo). As mensagens recebidas são processadas e a informação é posteriormente guar- Para envio de mensagens em modo API, nos módulos corporal e ambiental, é usada a biblioteca xbee-
dada numa base de dados MySQL. Os dados obtidos poderão ser tratados estatisticamente de forma a -arduino (Rapp 2009) que oferece funções de envio e recepção de mensagens. Por exemplo, para o envio
garantir uma visão integrada ao profissional de saúde ou familiar e permitindo desencadear alarmes, de de uma mensagem usa-se a função xbee.send() que recebe três parâmetros (cf. um vector com os dados
forma automática, quando a informação obtida o justificar. a enviar, o endereço físico do rádio receptor e o tamanho da trama).

As mensagens trocadas são constituídas por nove bytes. O primeiro byte representa o tipo de nó; os dois
3.3. Funcionamento do Sistema bytes seguintes representam a identificação desse nó; o quarto byte representa o tipo de sensor; o quin-
to e sexto bytes representam a identificação desse sensor; os três bytes seguintes representam o valor
De forma a garantir a melhor cobertura possível da rede no local de instalação é usada uma topologia lido pelo sensor (este valor é tratado posteriormente no servidor); por fim, o último byte representa o fim
de rede em malha (mesh network). Nesta topologia de rede não é necessário que todos os dispositivos se da mensagem. Por exemplo, na mensagem “N01T01100F”, N identifica o tipo de dispositivo (N – Nó, R –
encontrem no alcance do coordenador da rede para poderem comunicar com este. Podem ser usados Router); os dois bytes seguintes (01) identificam o módulo; o byte subsequente (T) corresponde ao tipo
nós intermédios (a funcionar como encaminhadores) que repetirão a informação de modo a que esta de sensor ligado ao dispositivo (neste caso sensor de temperatura); os dois bytes seguintes (01) contêm
possa alcançar o seu destino. Cada nó da rede, para além de efectuar o seu trabalho específico de aqui- a identificação do sensor; os bytes correspondentes a 100 informam o valor inteiro lido pelo sensor e o
sição e processamento de dados dos seus próprios sensores, é também um potencial repetidor para as último byte (F) marca o fim da mensagem.
mensagens com origem e destino noutros nós da rede.
Do lado da gateway, após recebido um pacote XBee (função xbee.readpacket()) é necessário enviar essa
Os módulos XBee possuem três modos de funcionamento: modo transparente (os rádios simulam sim- informação para o servidor. Para tal é usada a ligação TCP previamente estabelecida no arranque do
plesmente uma ponte série sem fios, usando difusão como mecanismo de transmissão); modo comando módulo. Este processo é efectuado enviando comandos AT para o módulo GPRS.
(comunicação com recurso a comandos AT para configuração e Tx/Rx) e modo API (comunicação baseada
na troca de tramas com um formato específico - ver figura 5 - para o envio e recepção de mensagens da Toda a informação recolhida pela malha e enviada para o servidor é finalmente disponibilizada numa pá-
aplicação, usando a porta de série). Em concreto, na implementação do mecanismo de comunicação fo- gina Web que servirá para a consulta dos dados de cada paciente. Estes dados ficam apenas disponíveis
ram configurados os módulos XBee em modo API. Este modo permite, por exemplo: alterar parâmetros do a utilizadores com permissão apropriada. A figura 6 mostra a página Web onde o valor da temperatura
rádio sem entrar no modo de comando; ver o RSSI (Received Signal Strength Indication) e o endereço do nó de um determinado módulo é exibido.
de origem no pacote recebido, efectuar entregas confirmadas, entre outras (Digi International Inc. 2008).

A programação nos módulos está estruturada em três camadas sobrepostas: no nível inferior temos o
módulo de comunicações; no nível central existe o módulo de processamento de mensagens; o nível
superior tem o módulo de gestão de sensores. Na camada de comunicações está programado o proces-
so de envio e recepção de informação dos nós da rede em malha, via ZigBee. No nó gateway esta ca-
mada trata também da configuração, estabelecimento e manutenção da ligação TCP/IP com o servidor
via GPRS. Na camada de processamento de mensagens está programada a construção das mensagens,
onde são reportados os dados dos sensores e a verificação sintáctica das mensagens recebidas. Na ca-
mada de gestão dos sensores, é efectuada a recolha periódica dos dados de cada sensor.
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emissão de amostras dos sensores não necessita de ser muito elevada. Um período entre 1 a 5 minutos
é perfeitamente aceitável para situações de normalidade. Situações de alarme como quedas ou valores
anómalos de ritmo cardíaco podem ser imediatamente reportadas (estas situações são, naturalmente,
pontuais). Nestas circunstâncias a rede em malha pode suportar centenas de dispositivos (Digi Inter-
national Inc. 2008). O ponto de agregação dos dados, portanto a gateway, pode também suportar um
grande número de dispositivos mesmo com uma taxa de 56kbps. Considerando 100 dispositivos na
malha com 3 sensores cada e uma frequência de envio de 1 minuto, temos 2700bytes por minuto no
nível da aplicação (um pouco mais no nível físico considerando os sobrecustos protocolares) o que é
perfeitamente compatível com a taxa de transferência mínima do módulo GPRS.

Um outro ponto importante da avaliação do sistema é a sua usabilidade e aceitação por parte dos pa-
cientes e pessoal de saúde. Este é um ponto que será avaliado a curto prazo assim que o desenho final
do módulo corporal estiver estabilizado e estiver disponível um maior número de dispositivos para teste.

5. Conclusão
Figura 6 - Página Web Para visualização dos dados recolhidos. Existem actualmente fortes pressões sobre os sistemas de saúde potenciadas pelo crescente envelhe-
cimento da população. A viabilidade destes sistemas passa necessariamente pela adopção de soluções
de assistência em ambulatório que permitam reduzir os internamentos e contribuam não só para a
4. Avaliação contenção de custos mas também para um acompanhamento próximo do conforto e comodidade
do lar. As habitações ou instituições de acolhimento actuais possuem contudo infra-estruturas e con-
Com o objectivo de aferir a fiabilidade do sistema aqui proposto foram realizados alguns testes preli- dições técnicas muito rudimentares e insuficientes para suportar a assistência na vida e saúde em casa.
minares às funcionalidades dos diferentes módulos. Os dados recolhidos pelo módulo corporal apre- Consequentemente, existe uma enorme pertinência e necessidade na investigação e desenvolvimento
sentam boa fiabilidade como foi demonstrado em (Gonçalves et al. 2009). Os testes efectuados visaram de sistemas económicos, contudo fiáveis e flexíveis que possam ser facilmente instalados e escaláveis a
essencialmente assegurar a fiabilidade e escalabilidade das comunicações dentro da rede de sensores e várias situações de monitorização vital e ambiental em casa.
entre esta e a Internet usando a gateway ZigBee/GPRS.
O sistema descrito neste capítulo propõe uma solução ágil, de fácil configuração, instalação e manu-
Uma das conclusões dos testes efectuados foi que a comunicação fiável dentro da rede em malha é forte- tenção, que poderá contribuir para a solução deste problema social. Trata-se de um sistema escalável
mente dependente do local de instalação do sistema. Apesar do alcance anunciado dos rádios ser apreciável baseado em comunicações sem fios suportado por hardware de baixo custo e ferramentas de software
(1500m a 60mW nos 2.4GHz) na prática, a topologia dos edifícios, os materiais usados na sua construção e a es- de código aberto. Este sistema permite acompanhar à distância e em tempo real os dados vitais de um
pessura das paredes, por exemplo, influenciam consideravelmente a capacidade de propagação dos sinais de grande número de pacientes e dos ambientes onde estes se inserem, podendo desencadear alertas em
rádio na banda usada pelo ZigBee (ISM - Industrial, Scientific and Medical). Por este motivo, e para garantir que situações de emergência. Esta ferramenta poderá contribuir para uma gestão mais racional das equipas
os dados de todos os pacientes chegam à gateway independentemente das suas localizações nos edifícios, foi de saúde sem comprometer a qualidade dos cuidados prestados.
necessário colocar repetidores (routers) em sítios chave previamente determinados. Nestes locais foram insta-
lados módulos ambientais que efectuam a repetição das tramas e, em simultâneo, disponibilizam dados sobre No futuro, pretende-se complementar este sistema, integrando mecanismos de interacção simples que
os parâmetros ambientais dos locais de instalação. No caso das comunicações entre a gateway e o servidor, permitam aos utilizadores, não só visualizar os dados recolhidos (dando-lhes confiança na utilização do
via GPRS, não foram detectados problemas. Este módulo esteve em funcionamento durante períodos longos sistema) mas também dar o seu feedback (e.g., confirmação de actividades ou eventos de alerta) e rece-
de tempo sem perder o contacto com o servidor e reportando periodicamente os dados recolhidos pela rede. ber acções directas de acompanhamento (e.g., incentivos para actividade física, estimulação cognitiva,
etc.). Pretende-se ainda melhorar o sistema de armazenamento e manipulação de informação, integran-
Dada a sua natureza, o sistema oferece boas capacidades de escalabilidade, tanto na extensão das áreas do, por exemplo, mecanismos inteligentes de análise de dados para extracção de conhecimento (e.g.,
cobertas como também no número de utilizadores monitorizados. Isto porque a frequência periódica de detecção de interferências, actuação por antecipação em situações de perigo, acompanhamento dos
168

estados de saúde). Neste momento estuda-se ainda a melhor forma deste sistema beneficiar da interac-
ção com sistemas de registo e gestão de informação de saúde, como o Google Health, por exemplo, para
melhor auxiliar na gestão e aferição da saúde e bem-estar das pessoas.

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171
capítulo 12
SmartVest: Integrando vestuário
com domótica, tecnologias da
informação e cuidados médicos

Pedro Araújo1, Rita Salvado2


Professor Auxiliar, Professora Auxiliar
paraujo@ubi.pt, rita.salvado@ubi.pt

Resumo

Neste capítulo apresenta-se o projecto SmartVest {smart(inglês)=inteligente, vestis(latim)=vestuário},


um projecto em desenvolvimento na Universidade da Beira Interior que integra tecnologias do vestuá-
rio, da electrónica e da informação para aplicação em automação residencial (domótica) e em cuidados
de saúde (eHealth). Para além dos aspectos tecnológicos é também dada atenção aos factores moda e
usabilidade das peças de vestuário.

1. Introdução
As alíneas seguintes resumem as tecnologias e conceitos utilizados no desenvolvimento do projecto
SmartVest.

1.1. Computação Ubíqua

Em 1991, Mark Weiser, cientista da Xerox Parc, preconizou que os computadores pessoais como tal ten-
derão a desaparecer, passando a fazer parte de todos os objectos, de forma integrada e omnipresente
(Weiser, 1991). Segundo o autor, os computadores aparecerão integrados nos mais diversos objectos

1 Departamento de Informática / IT - Instituto de Telecomunicações, Universidade da Beira Interior, Av. Marquês D’Ávila e
Bolama 1, 6200-001, Covilhã, Portugal.
2 Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis / Unidade de Materiais Têxteis e Papeleiros, Universidade da Beira Interior,
Av. Marquês D’Ávila e Bolama 1, 6200-001, Covilhã, Portugal.
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usados no dia-dia: peças de vestuário, cartões de crédito, chaves de ignição, electrodomésticos, etc. lado são peças fabricadas com materiais têxteis que exibem propriedades para além das tradicionais,
Além de omnipresentes serão também invisíveis para os utilizadores, no sentido de estarem completa- por exemplo a condução eléctrica, sensibilidade à temperatura corporal, à humidade ou outras. Estas
mente integrados no ambiente que os rodeia. Deste modo os utilizadores terão de aprender a conviver propriedades, permitem a integração de dispositivos electrónicos, como um telemóvel ou leitor de MP3,
com os computadores e não apenas a interagir com eles. além de monitores de funções biológicas como o ritmo cardíaco, a tensão arterial, a respiração, etc.

Nascia assim a «Ubiquitous Computing» (Computação Ubíqua ou Omnipresente), que se refere a am-
bientes com objectos operados por computador e interligados por redes sem fio. Ou seja, mobilidade, 1.3. Moda, conforto, usabilidade e comunicação
comunicação e poder de processamento integrados em objectos de uso corrente.
A produção de peças de vestuário com as características e funcionalidades apresentadas atrás, coloca
novos desafios em termos da sua confecção e utilização.
1.2. Wearable Technologies: Vestuário Tecnológico, Interactivo ou Inteligente
Por um lado representam novas oportunidades em termos de moda, pois não são apenas peças de
Uma das áreas de pesquisa que faz parte da computação ubíqua é a do computador que se pode ves- roupa com tecnologia incorporada, mas sim roupas com novas funções de comunicação, que apre-
tir - wearable computer. A invenção do conceito deve-se a Steve Mann (Mann, 1996), um dos pioneiros sentam novas formas de interacção com o utilizador (Panisson, 2009). De facto, num futuro próximo
desta área que esteve na origem do projecto Wearable Computing Project, do Massachusetts Institute será frequente assistirmos a situações em que as pessoas primem botões ou observam écrans flexíveis
of Technology (MIT, 2010). colocados nas mangas dos seus casacos, ao mesmo tempo que falam para microfones dissimulados nos
botões ou ouvem os interlocutores de chamadas telefónicas a partir de altifalantes colocados nas golas
Um wearable computer é um computador que interage com o utilizador, envolvendo-se e misturando-se do vestuário. Até aqui, a moda e o vestuário eram reconhecidos como meios de comunicação não verbal
no seu espaço pessoal. É um tipo de computador que pode estar muito perto do utilizador, nomeada- uma vez que não usam palavras faladas ou escritas, servindo por exemplo para marcar a posição social
mente na roupa que veste, controlado por ele e permanentemente acessível e ligado sem fios ao mundo de quem a enverga (Barnard, 2002). No entanto a transformação da roupa em veículo de suporte a tec-
exterior. É um dispositivo que está sempre presente e sempre em funcionamento, com o qual o utiliza- nologias da electrónica e das comunicações confere-lhe um novo estatuto, transformando-a numa nova
dor pode interagir de forma não intrusiva enquanto realiza as suas actividades normais, como caminhar interface entre o utilizador e as tecnologias da informação, sendo o exemplo ideal para aplicação de no-
ou trabalhar. A ideia subjacente é que a computação não é a tarefa principal do utilizador (Mann, 1998). vos processos de comunicação homem-máquina, como o reconhecimento gestual e o processamento
de voz. É bem possível que daqui venha a resultar uma nova forma de caracterização dos indivíduos
As tecnologias wearable apresentam-se também menos intrusivas que as tecnologias portáteis (telemó- em termos sociais, em que os de maiores posses poderão exibir peças de roupa com mais capacidades
veis, PDA’s, portáteis), pois mesmo estando mais junto ao corpo do utilizador não obrigam a uma tão técnicas que outros.
grande atenção por parte deste para as utilizar (Pentland, 2001). As tecnologias de vestir são hoje uma
das maiores promessas da computação móvel. Por outro lado, em termos tecnológicos, o vestuário tem de continuar a dar resposta às funções tradi-
cionais como a protecção contra o pudor e os factores ambientais (frio, chuva), ao mesmo tempo que
Um wearable computer deve apresentar também as seguintes propriedades (Henriques, 2003): tem de dar suporte e protecção aos artefactos tecnológicos que lhe serão embutidos. Além disso, os
Móvel: uma vez embebido no vestuário, acompanhará o utilizador para onde quer que este vá; interfaces a incluir devem permitir o acesso à informação de uma forma clara e objectiva de forma a
Persistente: deve estar sempre em funcionamento, não exigindo o acto de ligar/desligar por parte do garantir a sua aceitação, através do desenvolvimento de novos algoritmos de processamento de sinais e
utilizador; de visualização da informação (Lymberis e Ross, 2004). Finalmente, tem de assegurar-se a usabilidade do
Facilitador/Acessível: deve ajudar o utilizador nas tarefas do dia-a-dia mas sem lhe exigir muita atenção vestuário, dissimulando a tecnologia de modo a não criar um aspecto estranho a quem o usa. As peças
de modo a não o distrair nem lhe ocupar muito tempo; de roupa têm de continuar a poder ser tratadas e lavadas, apresentando um preço acessível.
Pró-activo: devendo ser capaz de chamar a atenção do utilizador para certos acontecimentos relevan-
tes, como por exemplo uma chamada de telemóvel;
Ciente do contexto: capacidade de adaptar-se ao ambiente em que o utilizador se encontra, recor- 2. Projecto SmartVest
rendo para tal ao uso de sensores (ex: poder regular a temperatura da divisão em que o utilizador está).
A ideia por detrás do SmartVest é integrar numa mesma peça de vestuário as funcionalidades de contro-
O vestuário tecnológico ou interactivo é um conceito um pouco mais abrangente. Por um lado, este lo de funções de uma habitação a par da monitorização de parâmetros fisiológicos, segundo os princí-
tipo de vestuário incorpora as capacidades de computação próprias dos wearable computer. Por outro pios das wearable technologies apresentados atrás.
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A figura 1 apresenta a arquitectura do projecto. Pode observar-se que é essencialmente constituído A energia necessária ao funcionamento dos diversos módulos é fornecida por pilhas ou baterias recar-
pelos módulos MedVest, relativo aos aspectos médicos e o módulo DomoVest, relativo à automação regáveis, estando prevista a utilização de outras técnicas como as fontes de colheita (energy harvesting)
residencial. O projecto inclui também dispositivos de comunicações sem fios para ligação a um sistema (Park et al., 2007).
remoto de cuidados de saúde, bem como ao sistema de domótica pré-existente numa habitação. As
comunicações são baseadas em Zigbee, uma tecnologia de rádio muito usada em redes sem fio para Nas alíneas seguintes estes módulos são descritos com maior detalhe.
aplicações ao corpo humano, WBAN - Wireless Body Área Network (Cao et al., 2009), e também nas tec-
nologias da Internet para envio e acesso de dados em um servidor remoto.
2.1. MedVest : Vestuário Tecnológico + Cuidados Médicos

Um dos aspectos a que tem sido dada mais atenção em termos de tecnologias wearable é a sua utiliza-
ção em cuidados de saúde, havendo inúmeros exemplos de projectos mais ou menos bem sucedidos.
Entre outros podem citar-se exemplos como o SmartShirt da Sensatex destinado a captar e registar
parâmetros fisiológicos e de movimento do corpo humano através de sensores de fibras condutoras
(SmartShirt, 2010), ou o projecto VitalJacket, da empresa portuguesa Biodevices, destinado a captar o
sinal de ECG(electrocardiograma) e de frequência cardíaca, com posterior transmissão e processamento
por um PC/PDA usando software também produzido pela empresa (VitalJacket, 2010). Outro exemplo é
o projecto SmartClothing da Universidade da Beira Interior, cujo principal objectivo é produzir um siste-
ma wearable para monitorização da saúde fetal (SmartClothing, 2010).

O vestuário constitui um meio excelente para utilização em sistemas médicos por diversos motivos. Um
deles é que as peças de roupa estão em contacto com cerca de 90% da pele a qual é a principal interface
com o corpo humano. Além disso, o vestuário ajusta-se perfeitamente ao corpo, é barato e está sempre
disponível. Devido ao desenvolvimento de novos sensores e aos avanços da miniaturização, é também
cada vez mais fácil incorporar-lhe novas funcionalidades (Dittmar et al, 2004).

Pode definir-se um dispositivo médico wearable como sendo um sistema autónomo e nãoinvasivo que
executa uma determinada função médica como, por exemplo, monitorização de parâmetros fisiológi-
Figura 1 - Arquitectura do SmartVest. cos. Entre estes, os mais comuns são o electrocardiograma (ECG) e frequência cardíaca (HR), a tensão ar-
terial, a temperatura e a saturação do oxigénio, para os quais existe uma grande diversidade de sensores,
surgindo constantemente novas propostas tecnológicas. Estes dispositivos estão na linha de orientação
O módulo MedVest tem como principal função monitorizar parâmetros fisiológicos do corpo humano, dos modernos sistemas de saúde, uma vez que são alternativas válidas para a resolução de numerosos
transferindo-os para uma central remota aonde são inicialmente armazenados. O processamento desses requisitos médicos e sociais. Não só representam uma importante ajuda nos cuidados de saúde e na
dados e a sua consulta pelos técnicos de saúde permitirá identificar situações que requerem atenção por qualidade de vida de pessoas com doenças crónicas ou incapacitados, como também se mostram capa-
parte do utilizador, por exemplo, em resultado da detecção de anomalias. Nestes casos o utilizador pode zes de reduzir os custos dos cuidados de saúde, seja através da redução das hospitalizações, seja através
ser contactado para se dirigir ao hospital ou centro de saúde de modo a realizar exames mais detalhados. da prevenção e da capacidade de proporcionarem aos seus utilizadores uma vida mais independente
(Glaros e Fotiadis, 2005).
O módulo DomoVest tem a função de servir como interface entre o utilizador e um sistema de auto-
mação residencial (domótica) que já esteja instalado na habitação (ou venha a ser instalado). Permitirá Nesta fase do projecto, o único parâmetro fisiológico tratado pelo MedVest é o ECG. Para tal recorre-se à
facilmente aceder às funcionalidades proporcionadas por este tipo de sistemas de forma fácil e cómoda, utilização de uma faixa sensora, fig. 2, destinada a captar os sinais que são depois enviados para a elec-
principalmente para pessoas idosas ou com deficiência. trónica contida no SmartVest. Trata-se de uma faixa de tecido contendo áreas condutoras (a negro na
figura), constituídas por fios de carbono de elevada condutividade eléctrica que estabelecem o contacto
com a pele permitindo obter os sinais eléctricos correspondentes aos batimentos cardíacos. Estes sinais
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são depois enviados para o software de processamento que se encontra a correr num PC associado ao Estes aspectos são especialmente importantes pois simplificam a utilização dos sistemas de domótica,
sistema (fig 1). A partir do sinal de ECG obtido, fig. 3, podem retirar-se informações importantes, como contribuindo para a sua aceitação e uso. Efectivamente, é reconhecido por diversos autores que a não
frequência cardíaca, arritmias, etc. utilização destes sistemas se deve frequentemente à complexidade na sua utilização. “Embora os benefí-
cios associados à domótica sejam vários e genericamente reconhecidos, a sua penetração em termos de
mercado tem sido pequena. As razões para este facto são múltiplas, podendo ser de ordem tecnológica,
de ordem económica e de factores humanos ligados à apetência por este tipo de tecnologias, facilidade
de utilização e percepção do grau de utilidade.” (Nunes, 2002, p.1).

Simultaneamente, é cada vez maior o uso de aparelhos electrónicos como telemóveis, leitores de MP3,
Figura 2 - Faixa sensora de fios de carbono. telecomandos, etc. A utilização do vestuário interactivo torna possível agrupar as funcionalidades da
generalidade destes dispositivos numa peça de roupa comum, que as pessoas já usam normalmente e
que assim adquire novas funcionalidades. De facto, o vestuário, nas suas várias formas, usa-se permanen-
temente e portanto apresenta-se como o meio ideal para auxiliar as pessoas em termos de simplificar a
utilização de vários aparelhos diferentes, além de garantir que estes ficam sempre acessíveis.

A observação desta situação conduziu à ideia de integrar as duas tecnologias. A intenção é que a utili-
zação do vestuário interactivo leve a uma maior aceitação e uso dos sistemas de domótica. O módulo a
Figura 3 - Sinal de ECG captado pelo MedVest. que deu origem recebeu a designação DomoVest.

O DomoVest (“Domus” (casa) + Vestuário) pretende ser a ligação entre os sistemas de domótica (edifícios
A continuação do projecto envolverá a inclusão de outros sensores, nomeadamente de tensão arterial e de inteligentes) e o vestuário inteligente. Se já existem habitações equipadas com sistemas que as tornam
temperatura. Além destes serão incluídos sensores para detecção de impactos violentos, resultantes por exem- “inteligentes” e se é possível colocar “inteligência” no vestuário, então porque não ligar os dois? A ideia é
plo de quedas ou agressões. Os sinais obtidos destes sensores servirão para a geração de alertas automáticos. fazer com que a roupa que trazemos vestida, dialogue com a casa que nos acolhe.

O projecto tratou de integrar numa peça de vestuário (um casaco) as funções normalmente encontradas
2.2. DomoVest : Vestuário Tecnológico + Domótica em diferentes telecomandos de infravermelhos, tais como, ligar/desligar a iluminação, o ar condiciona-
do, electrodomésticos e aparelhos de entretenimento (rádio, TV). Assim, uma só peça de vestuário pode
O termo Domótica, resultante da junção da palavra latina “Domus” (casa) com “Automática” (ou também vantajosamente substituir vários daqueles telecomandos. De facto, uma das situações que as pessoas
“Robótica”, controlo automatizado), refere-se à automação residencial, ou seja, trata da utilização de um enfrentam nas suas casas, estejam ou não equipadas com sistemas de domótica, é a profusão de coman-
conjunto de tecnologias e sistemas que deverão funcionar de uma forma integrada, permitindo o con- dos que precisam de utilizar e que nem sempre estão aonde se espera que estejam. Pessoas idosas e/ou
trolo das diferentes funções e dispositivos de uma habitação (Nunes, 2006). Entre eles incluem-se a ilumi- com mobilidade reduzida constituem o público-alvo para o projecto.
nação, o ar condicionado, entretenimentos como a rádio e a TV, alarmes de intrusão e electrodomésticos.
A realização do protótipo envolveu:
O controlo pode ser feito localmente nos próprios equipamentos (através dos seus botões), ou estar 1) o desenvolvimento de um teclado têxtil (matriz de interruptores têxteis), que possa ser aplicado dissi-
centralizado num computador instalado na casa, o qual envia sinais de controlo usando a própria linha muladamente numa peça de roupa;
de energia eléctrica ou outros meios. Os dispositivos a controlar estarão equipados com pequenos mi- 2) a interligação com o sistema domótico, utilizando a tecnologia X10;
croprocessadores que interpretarão estes comandos e executarão as respectivas funções.
A figura 4 apresenta o protótipo desenvolvido, do qual fazem parte:
Controlar as funções da habitação pode ainda ser feito remotamente, através da Internet, via mensagens
de SMS (short message service) ou através dos usuais telecomandos de infravermelhos. Estes podem - uma peça de vestuário comum, neste caso um casaco de Inverno, que servirá para suporte dos vários
estar embebidos em peças de vestuário comuns, fazendo com que a roupa adquira funcionalidades para componentes;
além das tradicionais, ou seja, convertendo-se em exemplos de wearable technologies.
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- na manga esquerda junto ao punho está colocado um teclado, totalmente construído com materiais
têxteis condutores, de modo a manter as características de uma peça de vestuário: maleável e confortá-
vel, notando-se ao mínimo a sua presença;

- ainda na manga esquerda, junto ao ombro e dentro de um pequeno bolso, está colocado um emissor
de radiofrequência que estabelece a ligação com o sistema de domótica (já existente ou a instalar);

- a interligação entre o teclado têxtil e o emissor é efectuada por um bus de fios condutores têxteis (co-
locados no interior da manga e portanto invisíveis na figura).

ventoinhas, etc.

Figura 5 - Interruptor têxtil (on – off ).

De momento o Domovest é um protótipo com propósitos de investigação e testes, apresentado fun-


cionalidades algo limitadas. Uma dessas funcionalidades, já em funcionamento, é a integração na rede
domótica já existente numa habitação, tal como representado na figura 6. A partir daí tornase possível,
através do teclado do casaco, enviar sinais à rede X10 que servem para controlar os vários dispositivos.

Figura 4 - Protótipo do casaco Domovest.

O teclado da manga é construído usando apenas materiais têxteis, de acordo com a figura 5. Aí pode
ver-se que o interruptor é constituído por uma sandwich de duas tiras de tecido bom condutor (mais es-
curo) entre as quais é colocada uma outra tira de tecido fracamente condutor (mais clara). Sem qualquer
pressão, o conjunto comporta-se como um circuito aberto (led apagado); exercendo-se alguma pressão,
estabelece-se o contacto entre as duas tiras de tecido condutor, fechando-se assim o circuito (led aceso).

De entre as várias tecnologias utilizadas em sistemas de domótica, a seleccionada para este projecto
foi a X10, devido principalmente à sua já razoável difusão (Nunes, 2002). O X10 é uma tecnologia rela-
tivamente simples que usa a rede eléctrica já existente numa habitação para controlar um máximo de
256 dispositivos. Estes distinguem-se entre si através de um código constituído por uma letra de A a P
(House Code) e de um número de 1 a 16 (Unit Code). Estes dispositivos por sua vez permitem controlar
os mais diversos equipamentos encontrados vulgarmente numa habitação: lâmpadas, aquecedores,
Figura 6 - Integração do Domovest numa rede X10.
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A continuação do desenvolvimento do projecto passará por incluir outras funções e também por fazer Em termos das peças de vestuário, representa uma oportunidade para ajudar a manter e mesmo a re-
uso de outras peças de vestuário para além de um casaco. Uma dessas funcionalidades é permitir que lançar a indústria têxtil e da confecção. Será necessária investigação em desenvolvimento de fibras com
o casaco possa receber informações enviadas pelo sistema domótico da habitação. Ao invés de actuar propriedades especiais, como a condução de energia eléctrica, ou a capacidade de funcionarem como
apenas como um elemento controlador, o casaco assume também o papel de avisar o utilizador sobre sensores e actuadores. Em termos de moda, os criativos têm uma oportunidade de desenhar peças com
acontecimentos ocorridos em casa. Como exemplos, pode considerar-se a indicação do estado de fun- novas formas, aplicando os dispositivos electrónicos em diferentes partes das peças e criando assim
cionamento de uma máquina de lavar, se o assado no forno já está pronto, se está alguém a tocar à porta, novos efeitos visuais. Uma preocupação a ter será a de integrar os componentes electrónicos nas peças
se um programa de TV já começou, etc. Estas indicações podem ser dadas através de leds, dispositivos de vestuário de modo a ficarem dissimulados e imperceptíveis, mantendo a estética das peças e não
vibratórios como os dos telemóveis, por materiais que mudam de forma criando uma sensação de aper- causando desconforto ou alergias.
to, etc. Quando completo, o funcionamento do sistema será o representado pelo diagrama da figura 7.
No estádio actual de desenvolvimento do projecto SmartVest, o módulo DomoVest é o que se encontra Em termos tecnológicos, o SmartVest representa também um meio para investigação. Neste âmbito
em fase mais adiantada. pode referir-se a melhoria da interactividade com o utilizador, nomeadamente através da utilização da
síntese e reconhecimento de voz. O sistema pode também tornar-se ciente do contexto, por exemplo
quando o utilizador se encontra numa sala os comandos do Domovest actuam nas lâmpadas dessa sala,
quando o utilizador se deslocar para um quarto, os comandos de luz passam a actuar sobre as lâmpadas
desse quarto. Um outro aspecto refere-se à melhoria da próactividade do sistema, fazendo com que, por
exemplo, detecte automaticamente a queda do utilizador e emita um sinal de socorro. A nível de cuida-
dos médicos serão incluídos novos sensores para outros parâmetros fisiológicos, além de melhorias na
interacção entre o módulo MedVest e o sistema de cuidados de saúde, nomeadamente com o desen-
volvimento de algoritmos para processamento dos dados recebidos e geração automática de respostas.

Uma questão de grande importância é a do fornecimento de energia. Deverão ser exploradas todas as
formas de utilização de corrente eléctrica que não impliquem o seu fornecimento a partir do exterior
mas que sejam geradas pelo próprio sistema, por exemplo, através de células fotovoltaicas ou a partir
dos movimentos realizados pelo utilizador quando se movimenta (caminhar, levantar/sentar, etc.).

Já existem parceiros empresariais interessados em participar no processo de desenvolvimento do Smar-


tVest, quer do ponto de vista da confecção da peça de vestuário, quer do ponto de vista da tecnologia
electrónica e das interfaces com o sistema médico e de domótica.

Figura 7 - Módulo Domovest. Agradecimentos


Os autores agradecem à Andreia Rente, bolseira do projecto Smart Clothing – projecto iCentro - CCDR-C,
3. Conclusões e trabalho futuro pela ajuda prestada na realização e integração do teclado têxtil do DomoVest.

O projecto SmartVest apresenta-se sob a forma de um casaco interactivo, sendo um protótipo de um siste-
ma que integra peças de vestuário com automação residencial (domótica) e monitorização médica (eHeal- Bibliografia
th), de modo a criar um sistema de vestuário inteligente. Está para além da simples colocação de comandos
e de sensores num casaco, pois pretende estabelecer um diálogo entre a roupa que vestimos, a casa que Barnard, M. (2002). Fashion as Communication. 2ª edição. Nova Iorque, Routledge.
habitamos e um sistema de cuidados de saúde e de segurança pelo qual estamos abrangidos. Sendo um
projecto com características multidisciplinares, coloca uma série de desafios para investigação em diversos Cao, H. e Leung, V. e Chow, C. e Chan, H. (2009) Enabling Technologies for Wireless Body Area Networks:
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185
capítulo 13
Magalhães Clínico e Tele-saúde

António Brás-Gomes1
CEO da Tecbra Telehealth Solutions, Engenheiro Electrotécmico (I.S.T.)
antonio.brasgomes@tecbra.com

Resumo

Apresentamos a iniciativa Magalhães Clínico para a telemonitorização de pacientes com doenças cró-
nicas, em suas casas. Esta iniciativa teve o apoio institucional do Plano Tecnológico e a parceria de em-
presas como a Flowlab-Barcelona e a Intel. Apresentamos soluções cujo ”coração” é o Magalhães Clínico
para a telemonitorização de sinais vitais e biológicos. Estas soluções são uma alternativa aos processos
tradicionais de hospitalização e de cuidados médicos aos doentes crónicos. São soluções que permitem
dotar os serviços de saúde de alternativas, como a telemedicina, a tele-saúde e o telehomecare, optimi-
zando recursos humanos e financeiros. Permitem que os serviços de saúde cheguem aos locais mais
distantes dos centros hospitalares e nas melhores condições para os doentes crónicos, que pertencem
na sua maioria a uma população envelhecida. São soluções para a telemonitorização em suas casas de
doentes com DPOC-Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, com ligações aos centros de saúde e unida-
des hospitares, integrando sistemas de teleradiologia e as aplicações hospitalares do Serviço Nacional
de Saúde de Portugal.

Baseado em sistemas com funcionalidades semelhantes descrevemos uma solução, com centros de
competência de Tele-saúde em unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde de Angola. São
utilizados nos cerca de 2.000 postos de saúde sistemas MDC-Mobile Diagnostic Center. Esta solução e
projecto, ao contrário da solução em Portugal, utiliza a Tele-saúde num País como Angola, cuja popula-
ção é na maioria jovem ao contrário da população europeia e de Portugal.

1. Contexto e oportunidades
Os desenvolvimentos nos últimos anos das comunicações móveis e da internet de banda larga, assim
como a utilização da fibra óptica e a evolução de soluções como o processo clínico electrónico e a

1 Tecbra Telehealth Solutions, Soluções de PACS, Gestão de Imagens Medicas DICOM e TeleHomecare, Lisboa e Rio de Janeiro.
186 | António Brás-Gomes Capítulo 13 Magalhães Clínico e Tele-saúde | 187

digitalização e arquivo dos exames complementares de diagnóstico PACS, criaram as condições para a idosos vivendo sós, verifica-se um peso muito significativo de Mulheres (78% Mulheres, 28% Homens),
webização da informação médica, centrada no doente. traduzindo uma esperança de vida mais elevada e um mundo idoso predominantemente feminino.
Actualmente, a taxa da população em Portugal com 65 ou mais anos ronda os 16,5%, o que corresponde
A globalização exige que zonas mais remotas do planeta tenham acesso aos meios médicos mais dife- a cerca de 1.600.000 pessoas. Um terço dos nossos distritos regista já uma taxa de envelhecimento que
renciados. Estes poderão ser disponibilizados à distância pelos melhores especialistas, relatando exames se aproxima dos 25%, particularmente nos do interior do País. Algumas freguesias rurais do interior têm
e dando conselhos clínicos, como se estivessem em presença física. Nos países desenvolvidos, quer a taxas de envelhecimento que ultrapassam mesmo os 40%. Com o contínuo envelhecimento da popula-
pressão financeira, quer o envelhecimento da população com dificuldades de mobilidade, tem neces- ção portuguesa, existem hoje já cerca de 2,5 idosos por cada jovem.
sidade de um maior número de exames complementares de diagnóstico, obrigando à criação dum
processo único centrado no doente, com ganhos de eficácia e ainda à telemonitorização no domicílio A agravar este quadro, as previsões demográficas indicam que Portugal será em 2050 um dos países da
de sinais vitais. É também possível efectuar o controlo remoto da medicação, sem que isso seja sinónimo UE com maior percentagem de idosos (32%), o que significa perto de 2,7 milhões de pessoas com 65
dum afastamento entre o médico e o doente, mas sim um maior contacto e disponibilidade médica dos ou mais anos.
serviços de saúde.

A Tele-saúde dirigida à prevenção e rastreio duma população não doente tem potencialidades inima- 3. Magalhães Clínico
gináveis. A utilização da internet e das comunicações móveis, na acessibilidade aos registos médicos,
será uma rotina na relação entre centros de saúde, unidades hospitalares e entre doentes e centros de O Magalhães Clínico, cuja arquitectura é apresentada na Figura 1 tem como base o computador Intel
cuidados médicos. classmate PC, a nova geração do computador Magalhães, com windows, écran táctil, conexão a equipa-
mentos médicos via bluetooth e vídeo-conferência.
Com estas soluções, profissionais altamente diferenciados como radiologistas, neuroradiologistas, car-
diologistas, cardiologistas de intervenção, cujo rácio por habitante é baixo, podem sem estarem pre-
sentes, auxiliar e ser parte nas decisões médicas a tomar. Alguns factores são decisivos para a utilização
da Tele-saúde e telemonitorização em Portugal, como a necessidade de reduzir os custos com a saúde,
melhorando os níveis de serviço, a falta de médicos, a necessidade de reduzir a pressão nas urgências
dos hospitais, o contínuo envelhecimento da população, a necessidade de reduzir o tempo de hospi-
talização dos doentes. Com doenças crónicas é importância também a diminuição dos custos com o
transporte dos doentes e a melhoria da qualidade de vida.

Outros aspectos da importância da Tele-saúde é a da sua utilização em Países com necessidades impor-
tantes no acesso à saúde em zonas remotas e rurais como Angola e os Países da América Latina.

2. O envelhecimento da população portuguesa


A população europeia está a envelhecer e requer mais cuidados de saúde, estimando-se que em 2015
cerca de 15% da população tenha mais de 65 anos. Uma pessoa cuja idade se situe entre os 65 e os 74 anos
gasta quase o dobro em serviços de saúde que outra com idade entre os 45 e os 64 anos. A relação aumen-
ta para três vezes se a idade se situar no intervalo de 75 a 84 anos. Em mais de 30% dos agregados familiares
portugueses vive pelo menos um idoso com mais de 65 anos. O número de pessoas com mais de 65 anos Figura 1 - Arquitectura da solução Magalhães Clínico.
atinge 1.548.000 pelo censo de 2001, prevendo-se que ultrapasse em 2020 os 2.000.000 de pessoas.

No concelho de Lisboa, a população com mais de 65 anos representa cerca de 24% da população total, A Tecbra Telehealth Solutions vai comercializar internacionalmente a solução com o nome Amatus Lusi-
rondando os 134.000 idosos. Destes, 39% vivem sós, num total de cerca de 52.780 pessoas. De entre os tanus, em homenagem ao célebre médico Português do século XVI.
188 | António Brás-Gomes Capítulo 13 Magalhães Clínico e Tele-saúde | 189

Nas Figura 2 e Figura 3 apresentamos as principais funcionalidades do Magalhães Clínico, assim como Esta solução optimizada sobre dispositivos móveis tácteis da última geração, permite ter um interface
alguns ecrãs da solução. familiar para o utilizador, com funcionalidades completas de recolha e envio de eventos e sinais vitais.
O Magalhães Clínico é orientado para a telemonitorização e seguimento dos doentes, através de uma
agenda de actividades que permite telemonitorizar o doente em qualquer local. Algumas das suas funcio-
nalidades estão adaptadas a diferentes projectos de telemonitorização, na área dos idosos e de doentes
crónicos com DPOC, CHF, Diabetes e utilizando vídeo-conferência entre o médico e o doente. Conectado
por comunicações móveis de dados GPRS ou 3G, mas também comunicações fixas, tem uma agenda
de eventos com interacção de questionários adequados, alertas de medicação com componente visual,
alertas para a medição de sinais vitais e biológicos e alertas do call center e dos técnicos de saúde.

A solução Magalhães Clínico permite também a recepção de informações de alteração de medicação,


pedido de deslocação à unidade de saúde e total interacção com o call center técnico de saúde, para
apoio médico e diálogo com o doente com voz e imagem, assim como todas as acções de emergência
médica. A ligação à TV é outra funcionalidade muito importante para os idosos.

Ao Magalhães Clínico podem ser conectados via bluetooth, diferentes tipos de equipamentos médicos
para a telemonitorização de sinais vitais e biológicos como os medidores de glicémia, pressão arterial,
coagulação, espirómetro, peak flow, ECG, EMG, temperatura, peso, assim como outros equipamentos
médicos que dependem das condições do doente.

Figura 2- Funcionalidades da solução Magalhães Clínico. 4. Soluções Magalhães Clínico-Amatus Lusitanus


4.1. Solução de Telemonitorização de doentes com DPOC nos seus domicílios

A solução de Tele-saúde na área da pneumologia que apresentamos, permite aos doentes com DPOC
serem seguidos no centro de saúde evitando a deslocação à unidade hospitalar especializada, assim
como serem telemonitorizados a partir dos seus domicílios.

A solução vai permitir seguir o doente com DPOC no centro de saúde, onde passam a ser efectuados e
transmitidos os exames que habitualmente são realizados nas unidades hospitalares. O doente, depois
de deixar a unidade hospitalar, é seguido periodicamente no centro de saúde ou telemonitorizado a
partir do seu domicílio. Os exames como a espirometria-medição da capacidade pulmonar, a oxímetria
ou a radiografia do tórax, são efectuados nos centros de saúde. No domicílio do doente, utilizam a es-
pirometria ou o peak flow e podem ser seguidos pela unidade hospitalar especializada com o apoio do
Magalhães Clínico e vídeo-conferência, ver Figura 4.

Esta solução é uma alternativa aos processos tradicionais de hospitalização e cuidados médicos aos
doentes crónicos como os de DPOC, CHF ou diabetes. Os serviços de saúde, como os centros de saúde
utilizam a Tele-saúde, para optimização dos recursos humanos e financeiros, permitindo que os serviços
de saúde cheguem aos locais mais distantes dos centros hospitalares especializados e nas melhores
Figura 3 – Exemplos de ecrãs do Magalhães Clínico. condições para os doentes.
190 | António Brás-Gomes Capítulo 13 Magalhães Clínico e Tele-saúde | 191

A solução Eclipse de teleradiologia está integrada na solução global de telemonitorização, permitindo


diagnosticar e distribuir todos os Rx e outros exames de imagiologia da unidade hospitalar e dos centros
de saúde, USF e UBUs.

Os Rx dos doentes realizados na unidade hospitalar, ou em qualquer das unidades de saúde, podem ser
diagnosticados em qualquer local pelos médicos radiologistas, assim como serem acedidos através da
internet com a garantia de segurança e privacidade. Existe também a possibilidade de aceder aos histó-
ricos dos exames de imagiologia para um correcto diagnóstico.

Nos centros de saúde, Figura 6, os doentes com DPOC terão acesso a realizar exames de Rx, de espi-
rómetria, ECG e aquisição de outros sinais vitais. Os médicos terão acesso também ao processo clínico
electrónico acessível através de conexão segura e a todo o histórico do doente, assim como acesso
Figura 4 – Telemonitorização de doentes com o Magalhães Clínico. aos especialistas de pneumologia da unidade hospitalar, por vídeo-conferência. O doente será portador
também de todos os seus exames de imagiologia, análises clínicas, medicação e histórico no ePCI by
Mobilwave, uma pen que contém o processo clínico individual.
Esta solução inclui o desenvolvimento de uma plataforma para a gestão, telemonitorização e seguimen-
to de doentes com DPOC, dependentes e com necessidades de cuidados continuados e domiciliários. A
plataforma referida está baseada num interface do utilizador final, de baixo custo e facilidade de utiliza-
ção como o Magalhães Clínico, com capacidade de registo de sinais vitais, com comunicações de voz e
vídeo e com comunicação em tempo real com a unidade hospitalar especializada. Na Figura 5 estão indi-
cados os diferentes componentes do centro coordenador da unidade hospitalar, que inclui o call center,
para o seguimento e apoio dos processos de assistência aos doentes com DPOC, assim como os servi-
dores de telemonitorização e de back office que permite a integração com as aplicações hospitalares.

Figura 6 - Componentes da solução de telemonitorização nos centros de saúde

Como factores importantes para a utilização da solução de Tele-saúde no SNS, nomeadamente com os
doentes com DPOC, salientamos a redução dos custos com a saúde e a melhoria dos níveis de serviço.

A falta de médicos especialistas em Portugal e a necessidade de reduzir a “pressão” nas urgências e na


ocupação das camas das unidades hospitalares, são outros factores decisivos para a utilização da Tele-
-saúde no Serviço Nacional de Saúde.

Figura 5 – Componentes do Centro Coordenador no Hospital.


192 | António Brás-Gomes Capítulo 13 Magalhães Clínico e Tele-saúde | 193

4.2. Solução de Tele-saúde para o SNS de Angola lidade de serviço de apoio aos actos clínicos; dotar Angola de especialistas angolanos-médicos, clínicos
e técnicos, de modo a suportar e satisfazer as necessidades de apoio ao diagnóstico clínico, para toda a
Esta solução é baseada nos objectivos e funcionalidades do Magalhães Clínico, mas neste caso adap- população Angolana; proporcionar uma melhoria, contínua e continuada, da prestação do Serviço Nacio-
tado às condições de operacionalidade num ambiente totalmente diferente. Esta solução MDC-Mobile nal de Saúde Pública de Angola; rentabilizar os investimentos feitos no sector da saúde, principalmente
Diagnostic Center é um equipamento autónomo, rugged laptop com ligações a unidades médicas de nos últimos anos, em infra-estruturas clínicas e hospitalares; garantir a operacionalidade efectiva do Ser-
recolha de sinais vitais, integrada com sistema de tratamento e de comunicação dos dados recolhidos. viço Nacional de Saúde pela optimização do uso e da gestão dos recursos humanos e infra-estruturas
Para além do registo do acto clínico, em si mesmo, com a identificação do paciente, permite guardar tais existentes. Estes objectivos só poderão ser atingidos através das novas tecnologias que permitam um
informações assim como permite o diálogo do agente clínico do posto de saúde com os especialistas suporte efectivo, eficaz, e de forma remota aos agentes clínicos envolvidos directamente no diálogo de
dos centros de Tele-saúde. diagnóstico com o paciente em causa, independentemente da localidade onde se efectua o acto clínico.

Face à experiência internacional da Tecbra Telehealth Solutions, e considerando as condições específicas Para a realização e concretização desses objectivos, a solução Tele-saúde Angola, desenvolverá as seguin-
de Angola, quer nos aspectos climatéricos quer nos de infra-estrutura, principalmente associados às te principais acções: formação dos agentes clínicos de todos os postos de saúde de Angola na área de
redes de distribuição de energia eléctrica e de comunicações, o equipamento MDC-Mobile Diagnostic Tele-Saúde e no uso da unidade MDC Mobile Diagnostic Center; dotar todos os postos de saúde de An-
Center a ser utilizado em todos os cerca de 2.000 postos de saúde, na maioria locais remotos, é autóno- gola com uma MDC autónoma e com capacidade de conexão remota aos centros de Tele-Saúde; formar
mo quer no referente a energia eléctrica, pois incorpora um sistema de energia solar, quer no referente na área de Tele-saúde os agentes clínicos-médicos, enfermeiros e auxiliares de diagnóstico directamente
a comunicações via satélite. envolvidos no projecto global; criar cinco centros de Tele-Saúde em Angola, para suporte remoto aos
actos clínicos praticados nos postos de saúde; criar um centro de coordenação de Tele-Saúde em Angola.
O MDC-Mobile Diagnostic Center vem equipado de modo a permitir a recolha dos sinais vitais do pa-
ciente, o seu arquivo e sua partilha possibilitando não só ao agente clínico local a obtenção de valores O desenvolvimento de todas as estruturas envolvidas e o suporte às operações terá uma duração esti-
clínicos necessários a qualquer diagnóstico, como permite aos especialistas dos centros de Tele-Saúde mada em 52 meses, com a parceria de empresas Angolanas em áreas como a logística e a manutenção.
suportarem a sua acção de 2ª opinião. O MDC-Mobile Diagnostic Center está desenvolvido para permitir Cerca de 2.000 postos de saúde vão operar com o MDC-Mobile Diagnostic Center. O projecto global
a recolha imediata dos sinais vitais associados com pressão sanguínea, glicémia, SPO2, temperatura, de Tele-saúde Angola terá o suporte internacional de 2ª linha através de um centro de Tele-Saúde em
saturação, espirometria, ECG com 3 e 12 derivações, assim como a possibilidade de conexão de ou- Lisboa, dotado de capacidades e com médicos experientes neste tipo de acções.
tros equipamentos médicos, adaptados às necessidades do Serviço Nacional de Saúde de Angola. Está
igualmente dotado de capacidade de armazenamento de dados referentes aos pacientes dos postos de As experiências nos EUA e no Canadá e recentemente em Espanha e na Europa com a Tele-Saúde, per-
saúde em causa, permitindo em fase posterior a centralização de tais dados a nível regional e nacional. mitiram o desenvolvimento de soluções como o Magalhães Clínico-Amatus Lusitanus e o MDC-Mobile
Deste modo o SNS de Angola terá um conhecimento da distribuição geográfica das doenças mais co- Diagnostic Center.
muns e poderá responder às necessidades de saúde dos Angolanos, distribuindo os recursos de uma
forma eficaz. Durante os 52 meses de operação do projecto o SNS de Angola investirá por cada um dos 18 milhões
de Angolanos cerca de 2,78 Euros por ano para garantir uma melhor saúde a todos os Angolanos, de
Esta solução tecnológica, vai garantir aos agentes clínicos locais, a capacidade de praticarem os actos Cabinda ao Cunene.
clínicos exigidos para uma boa saúde de toda a população Angolana e em todo o território. Estas tec-
nologias e soluções permitem o suporte remoto aos agentes clínicos envolvidos e a concentração dos
escassos recursos qualificados, podendo assim criar pólos de competência a todos acessíveis, quando 5. Notas finais
necessário. Deste modo, com recurso às novas tecnologias, é possível dotar Angola com meios humanos
e suporte infra-estruturais devidamente coordenados e integrados de forma a garantir a mesma qualida- O Projecto Magalhães Clínico em Portugal responderá potencialmente a uma população que tende a
de, a todos os actos clínicos que se realizem em todos os postos de saúde do SNS de Angola. aumentar de cerca de 1,5 milhões de pessoas com mais de 65 anos de idade, permitindo o acesso de
todos aos cuidados de saúde, mesmo no domícílio, conduzindo a uma redução drástica dos custos com
Esta solução global de Tele-saúde para o SNS de Angola, inclui as soluções que temos vindo a descrever a Saúde e a uma melhoria dos seus serviços.
neste capítulo, como a utilização de sistemas Eclipse PACS para teleradiologia e as soluções de Tele-saúde
baseadas no Magalhães Clínico-Amatus Lusitanus. Esta solução global de Tele-saúde tem como objecti- A Tele-saúde possibilita prestar cuidados de saúde à distância, nomeadamente a telemonitorização de si-
vos principais: garantir a todos os Angolanos e em todo o território Angolano, a mesma e melhor qua- nais vitais, em locais como as casas dos doentes, um lar da 3ª idade ou locais onde o SNS tem acordos para
194 | António Brás-Gomes Capítulo 13 Magalhães Clínico e Tele-saúde | 195

cuidados de saúde continuados. Para além da telemonitorização, a solução Magalhães Clínico tem a capa- Bibliografia
cidade de fornecer informações aos doentes, favorecendo acções preventivas e criando alertas a enfermei-
ros e médicos que podem por contacto directo com o doente, mudar terapêuticas e hábitos, sem que seja Bos , Lodewijk. (2008). Handbook Of Digital Homecare.
necessário recorrer a novas consultas e obviando futuros internamentos nas unidades hospitalares.
Nauer, Rick. (2009). Telehealth Consumer-Provider Interaction: A Chronic Disease Intervention in an Undersed
Melhores e atempados cuidados médicos com os doentes crónicos, através da Tele-saúde resulta em re- Population. Auerbach Publications.
duções muito importantes dos custos, pois são evitadas muitas complicações e a taxa de hospitalização
é reduzida drasticamente. Estatísticas revelam que cerca de 30 por cento dos 60 biliões de euros gastos Kvedar, Joseph C. (2009). Home Telehealth: Connecting Care Within the community.
anualmente na Alemanha com doenças cardiovasculares são poupados com a utilização da Tele-saúde,
o que representam 18 biliões de euros anuais. Wootton, Richard. (2009). Telehealth in the Developing World.

A mesma arquitectura e conceitos tecnológicos possibilitam o desenvolvimento de uma solução de Xiao, Yang. (2008). Mobile Telemedicine: A Computing and Networking Perspective.
Tele-saúde para Angola, com objectivos diferentes. Angola tem uma população muito jovem e um índi-
ce de mortalidade infantil muito elevado, assim como um vasto território onde se pretende dar acesso
aos cuidados básicos de saúde, a uma população rural muito dispersa e concentrada em poucas cidades.

A mobilidade do MDC-Mobile Diagnostic Center e a sua adaptação às condições de clima e de infra-


-estrutura de Angola, vai possibilitar a sua operacionalidade em cerca de 2.000 postos de saúde que
cobrem o território Angolano.

A Tecbra Telehealth Solutions tem também colaborado com a América Latina, nomeadamente com o
Brasil, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com o Prof. Dr. Chao Lung Wen, Professor
Associado e Chefe da Disciplina de Telemedicina da FMUSP. Presidente do Conselho Brasileiro de Tele-
medicina e Tele-saúde, Membro do Comité Executivo de Tele-saúde do Ministério da Saúde, Director
Executivo do CIPS-Telemed Centro de Inovação e Pesquisa em Soluções de Tele-saúde.

Não quero deixar de salientar que a visão e o desenvolvimento destas soluções foram possíveis, em pri-
meiro lugar pelo apoio institucional do Plano Tecnológico durante o ano de 2009, na pessoa do Dr. João
Carlos Mateus, actual Chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Energia e da Inovação e pelo co-
nhecimento e dedicação de uma equipa onde quero salientar, o Eng. Francisco Javier Sancho-Partner da
Flowlab R&D de Barcelona, o Eng. Tiago Terrível da Intel Portugal, o Dr. André Batista, médico neuradio-
logista, Director de Imagiologia do Hospital da Força Aérea e Director do ITM-Instituto de Telemedicina,
o Dr. Lino Patrício, médico cardiologista de intervenção do Hospital de Santa Marta e Director Clínico da
Clínica Coração de Jesus, o Eng. Raúl Pereira da Costa, Director da Tecbra Telehealth Solutions em Angola
e o Eng. Hélder Pereira, CTO da Tecbra Telehealth Solutions.
197
capítulo 14
Telemedicina e Telessaúde:
A Experiência da Universidade de São Paulo

Chao Lung Wen1


Professor Associado, Chefe da Disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP
chao@usp.br (http://www.chaowen.med.br)

Resumo

A rápida evolução das duas últimas décadas nas áreas da eletrônica, das telecomunicações e da com-
putação viabilizou o acesso a diversas tecnologias que outrora eram inimagináveis ou tinham custos
proibitivos para grande parte da população. Esta popularização tem alterado significativamente as for-
mas de interação na sociedade humana, principalmente na população mais jovem. São exemplos desta
revolução tecnológica a Internet, a rede de telefonia móvel, representada pelos aparelhos de telefone
celular e os smartphones integrados a diversos dispositivos, inclusive às televisões digitais, os modernos
notebooks/netbooks e as mais recentes pranchetas eletrônicas com recursos de conectividade por ce-
lular 3G. De toda essa tecnologia derivam as redes sociais baseadas em Internet, a computação gráfica e
a realidade virtual, entre outros.

Através da telefonia fixa, dos celulares, da TV a cabo, dos sistemas baseados em transmissão por satélite
e por ondas de rádio e, futuramente, do acesso à Internet pela rede de cabos elétricos, entre outros, as
redes de telecomunicação têm aumentado de forma substancial a integração e a comunicação entre as
diversas comunidades brasileiras, mesmo nas regiões mais distantes e isoladas. Esta perspectiva permite
inferir que, num curto espaço de tempo, uma grande parte das localidades terão alguma forma de aces-
so a dados por sistema eletrônico, o que garantirá que este sistema será uma das formas mais amplas e
fáceis para a difusão de informações e conhecimentos.

Embora o uso da tecnologia na Educação a Distância (EaD) seja crescente, é importante destacar que o
processo educacional não deve ser dividido entre o convencional e a EaD. No lugar desta divisão, deve-
-se incentivar uma ação integrada que reúna todos os recursos que as duas modalidades oferecem para
potencializar o processo educacional, aplicando de forma eficiente estratégias de comunicação para

1 Universidade de São Paulo, Av. Dr. Arnaldo, 455, Sala 2105, Cerqueira César, São Paulo, Capital – 01246-903, Tel: 011 – 3062-
8784 / 3061-7495 - Fax: 3898-1595.
198 | Chao Lung Wen Capítulo 14 Telemedicina e Telessaúde: A Experiência da Universidade de São Paulo | 199

fins de educação e de modernização de recursos interativos (objetos de aprendizagem, unidades de de regulação da teleassistência e de implementação de métodos para proporcionar pesquisas multi-
conhecimento, mapas mentais, infográficos interativos, entre outros) para auxiliar na formação de redes cêntricas, baseadas em estratégias de gestão de sustentabilidade e na aplicação de novos modelos (es-
colaborativas e na integração entre programas formativos e as necessidades regionais (contextualização quema 1). Este aspecto tem sido fortemente difundido pela gestão 2006-2009 do Conselho Brasileiro de
da educação). Este processo será designado neste projeto como “Tecnologias Educacionais Interativas Telemedicina e Telessaúde (CBTms), entidade representativo da telemedicina e telessaúde brasileira e
ou Teleducação Interativa” e ganha importância nas qualificações profissionais, quando estão associados constituída em 2002.
com rede de 2ª opinião especializada formativa.

A criação de uma Biblioteca Digital Interativa em Saúde, com materiais educacionais digitais interativos,
o desenvolvimento de mapas mentais e sua integração com livros, cadernos de saúde e outros materiais
educacionais disponibilizados pelos órgãos governamentais de cada país, será uma forma ágil de mo-
dernizar e ampliar os recursos educacionais dos sistemas e estratégias de saúde dos países.

O desenvolvimento e validação de modelos de cursos apoiados em recursos de Teleducação Interativa e


associados com sistemas de avaliação de competências (baseados em tecnologia) e redes sociais educa-
cionais, poderão ampliar a disponibilização de programas de educação permanente em nível nacional.

1. Panorama da Telemedicina
A Telemedicina é atualmente (2010) um poderoso instrumento que oferece ampla quantidade de re-
cursos para fins de educação, assistência e pesquisa a distância. É uma área de pesquisa que emprega
modernas tecnologias de informática e telecomunicações para criar ferramentas e soluções que podem
ser usadas em nível nacional. Ela vem tendo uma importante evolução e consolidação no Brasil nesta
última década, decorrente da modernização da infra-estrutura de telecomunicação e progressos das
tecnologias de informática, e a partir de 2005, decorrente de incentivos realizados pelas agências de Esquema 1 – Nova abordagem para Telemedicina / Telessaúde.
fomento à pesquisa e ações governamentais, que possibilitaram formação de novas equipes e núcleos
de pesquisa em diversas instituições universitárias brasileiras.

A evolução das tecnologias computacionais e o barateamento dos meios de comunicação têm facilita- 2. Áreas de atuação da Telemedicina e Telessaúde
do o acesso a diversos recursos interativos que outrora tinham custos proibitivos. Um exemplo deste tipo
de facilidade é o serviço de telefonia celular 3G, que inclui acesso à Internet por banda larga, recurso de Podemos agrupar as atividades da Telemedicina e Telessaúde em 3 grandes conjuntos (esquema 2):
videoconferência e fotografia digital de alta definição.
1. Teleducação Interativa e Rede de Aprendizagem Colaborativa: são termos que designam o uso de
A popularização das tecnologias interativas tem facilitado a ampliação das aplicações da Telemedicina tecnologias interativas para ampliar as possibilidades de construção de conhecimentos, seja aumentan-
para outras áreas, principalmente nas 14 profissões da saúde, reconhecidas pelo Ministério da Educação do as facilidades de acesso a materiais educacionais de qualidade, seja permitindo acesso a centros de
e pelo Ministério da Saúde. A consolidação do uso da Telemedicina nestas profissões abre as perspecti- referência ou a estruturação de novas sistemáticas educacionais (através de educação a distância ou por
vas de se estruturar uma boa estratégia de Telessaúde. meio de tecnologias de apoio à educação presencial).

A estruturação de atividades usando a tecnologia de telemedicina nos diversos centros universitários 2. Teleassistência/Regulação e Vigilância Epidemiológica: desenvolvimento de atividades com fins assis-
vem gerando paralelamente também a noção de que a Telemedicina ultrapassa os aspectos tecno- tenciais a distância, tais como a segunda opinião especializada. Podem ser desenvolvidos sistemas para
lógicos. Ela na verdade é uma “convergência” (integração) de soluções tecnológicas com serviços de permitir a integração de atividades assistenciais com educação, vigilância epidemiológica e gestão de
qualidade, que possibilita melhorar as atividades de educação, de planejamento da logística de saúde, processos em saúde.
200 | Chao Lung Wen Capítulo 14 Telemedicina e Telessaúde: A Experiência da Universidade de São Paulo | 201

3. Pesquisa Multicêntrica/Colaboração de Centros de Excelência e da Rede de “Teleciência”: integração


de diversos centros de pesquisa, permitindo a otimização de tempo e de custos, por meio do comparti-
lhamento de dados, da capacitação e da padronização de métodos.

Esquema 3 – Teleducação Interativa e Tecnologias Educacionais.

O modelo da Teleducação Interativa ganha força quando o ambiente educacional é integrado a infra-
-estruturas para avaliação de conhecimento. Além das formas clássicas de avaliação de conhecimento,
Esquema 2 – Actividades de Telemedicina e Telessaúde. em formato de provas de múltiplas escolhas, podem-se utilizar outros métodos modernos, tais como
simuladores virtuais de casos clínicos e jogos interativos em conjunto com certificações de habilidades
práticas. As avaliações práticas podem ser feita em Ambientes de Simulação Realista. São na prática áreas
3. Teleducação Interativa (Educação Mediada por Tecnologia) que permitem ao professor e tutor acompanharem todas as etapas práticas, facilitando as discussões de
atitudes comportamentais e de técnicas práticas até laboratórios de habilidades. Estes centros práticos
A educação é um processo complexo e, atualmente, com a facilidade de acesso às tecnologias, ela pode permitiriam a consolidação de estruturas destinadas à certificação de competência e ao desenvolvi-
ganhar reforços para potencializar os métodos clássicos. Quando a educação envolve aspectos relacio- mento de habilidades prático-comportamentais. Outros recursos de diferentes níveis de sofisticação
nados com qualificação profissional, ela deve também ser analisada e planejada sob vários aspectos, tecnológica podem também complementar a Teleducação Interativa, entre eles podemos citar como
entre eles a motivação, a disponibilização de acesso a materiais educacionais de qualidade, a interação exemplos os simuladores cirúrgicos, laboratório de habilidades com manequins e manequins robóticos,
com centros de excelência e a avaliação de competências profissionais. Mais do que a disponibilização computação gráfica 3D (Projeto Homem Virtual) entre outros. Na Teleducação Interativa, a definição da
de cursos, a construção de ambientes para avaliar competências (conhecimento cognitivo, raciocínio, proporção de carga de atividades presenciais e a distância deve ser uma estratégia do educador.
capacidade de decisão, comportamento, etc.) deve receber atenção especial.
A teleducação interativa pode aumentar sua eficiência quando agrega os conteúdos educacionais de
Embora a expressão Educação a Distância esteja amplamente difundida, a Disciplina de Telemedicina da excelência com técnicas de comunicação, planejadas de forma estratégica. A adequação dos materiais
FMUSP tem-se voltado mais para os aspectos da Educação Mediada por Tecnologia, sendo utilizada o modelo educacionais com um estilo de comunicação compatível com o público-alvo, assim como o uso de
da Teleducação Interativa (esquema 3) quando há necessidade de prover educação para localidades fisica- termos regionais pode ajudar no processo de compreensão de informações, aumentando, desta forma,
mente distantes. Este modelo foca no processo de aprendizagem colaborativa, onde se usa as tecnologias a eficiência do processo de aprendizagem. A aplicação de métodos de roteirização, técnica comumente
interativas para proporcionar a formação de um ambiente para desenvolvimento de aspectos relacionados utilizada na indústria cinematográfica e na televisão, pode ser utilizada para organizar a forma como será
com trabalho em equipe, liderança, capacidade de pesquisa, síntese, comportamental (atitude adequada em feita a transmissão de conhecimentos, tornando-os mais “fluídos”, uma vez que se podem selecionar
situações críticas), aprendizado das diferentes realidades de saúde e trabalho multiprofissional, entre outros. as informações mais relevantes para desenvolver a estratégia de reforço. Assim sendo, o envolvimento
202 | Chao Lung Wen Capítulo 14 Telemedicina e Telessaúde: A Experiência da Universidade de São Paulo | 203

de profissionais de comunicação no desenvolvimento e na adequação de materiais educacionais pode A criação de vídeos educacionais baseadas em dramaturgias pode ser útil quando a questão é preven-
agregar eficiência (Design de Comunicação Educacional). ção de doenças e promoção de qualidade vida. Nesta área de trabalho, busca-se a criação de situações
que promovam a identificação do público-alvo com uma estória de ficção. Com isso, é possível facilitar
Em decorrência da conectividade proporcionada pelas modernas tecnologias de telecomunicação, a a compreensão da informação e promover uma mudança de atitude. Esta foi a linha desenvolvida pelo
Teleducação Interativa pode se transformar numa importante forma para a distribuição nacional de Design de Comunicação Educacional, juntamente com a TV-Escola/SEED/MEC, na 1ª fase da Série Gera-
materiais educacionais de qualidade. A formação de um centro tecnológico especializado no desen- ção Saúde do MEC (2005/2006). Esta adequação dos conhecimentos científicos para um contexto dra-
volvimento de Teleducação Interativa e de conteúdo é fundamental para a criação de uma “Fábrica de matúrgico possibilita desenvolver diversos trabalhos com uso das seqüencias do Homem Virtual. Suas
Conhecimento Interativo”. potencialidades são muito grandes, pois podem ser desenvolvidos materiais vídeos educacionais de
qualidade para as escolas, centros de saúde, hospitais e ambulatórios, entre outros.

4. Design de Comunicação Educacional e Educação


A formação da equipe de Design de Comunicação Educacional iniciou-se em 2005, na Disciplina de
Telemedicina da FMUSP, e é constituída por profissionais de comunicação (jornalistas, especialistas em
recursos audiovisuais, em marketing institucional e em relações públicas, entre outros) com objetivo
de planejar estratégias para fortalecer a transmissão de conhecimentos de saúde de acordo com as
particularidades do público-alvo, aplicando recursos de mutimeios de comunicação e utilizando téc-
nicas de roteirização para aprimorar as formas de transmissão de conhecimento (fluidez). Além de de-
senvolvimento de materiais interativos de apoio às aulas presenciais, e/ou para teleducação interativa,
este grupo desenvolve módulos educacionais dedicados a difusão cultural (os ambientes interativos de
aprendizagem para utilização em bibliotecas de escolas e Centros Culturais), e aprimoramento de pro-
gramas educacionais de prevenção de doenças.

A aplicação das estratégias de comunicação pode tornar a educação mais atraente para os estudantes e
público geral. Para isto, podem-se utilizar os diferentes meios de comunicação, com as suas característi- Esquema 4 – Série sobre saúde produzido em parceria com Ministério da Educação do Brasil, usando Homem Virtual e a
cas inerentes. Entre eles podemos destacar: dramaturgia para discutir sobre problemas de saúde.

A mídia escrita (impressa ou internet) desenvolve a cognição, a interpretação e a abstração e é potencia-


lizada quando se aplica a diagramação adequada (distribuição da informação) e quando se faz uso de
mensagens significativas para o reforço das informações relevantes. 5. Sobre Projeto Homem Virtual e a Comunicação de Motivação
Os vídeos permitem explorar os aspectos dinâmicos da comunicação e viabilizam a transmissão de co- O Projeto “Homem Virtual” é um método de Comunicação Dinâmica e Dirigida (CDD). Consiste na re-
nhecimentos de forma contextualizada e/ou com aspectos práticos (unidades de conhecimento). Sua presentação gráfica de grande quantidade de informações especializadas, de modo agradável, intera-
eficiência é alcançada quando há bom planejamento e boa roteirização. tivo, dinâmico e objetivo. Ele teve início em 2003, com o desenvolvimento de seqüências para explicar
sobre os aspectos relacionados com o andar de uma pessoa portadora de deficiência física, resultante
O áudio pode ser um meio útil para o reforço do conhecimento (áudio-livro). Uma grande possibilidade de amputação de membro inferior, e que estejam utilizando próteses. As seqüências computacionais
para sua aplicação é em locais que não tenham infra-estrutura tecnológica (zona rural), onde o recurso dos membros inferiores demonstravam como é o caminhar de uma pessoa normal e quais seriam os
em áudio pode servir como meio para disponibilizar programas educacionais no formato MP3. Os áu- músculos que precisariam ser fortalecidas com o uso de próteses. Desde então, o desenvolvimento des-
dios-livros podem ser usados de forma flexíveis e por aqueles que não possuem conectividade à internet tes modelos iconográficos dinâmicos e tridimensionais tornou-se contínuo e estendeu-se para os mais
ou acesso a um computador. Com o barateamento dos MP3 players e com a disponibilidade de recursos diversos assuntos relacionados com a saúde. Atualmente, os módulos do Projeto Homem Virtual são
em MP3 nos telefones celulares, este meio de transferência de conhecimento merece ser analisado e conhecidos no Brasil pelo seu detalhamento científico, diversidade de temática abordada e qualidade
utilizado como recurso para qualificação de profissionais de saúde. gráfica. Até abril de 2010, a Disciplina de Telemedicina desenvolveu mais de 95 seqüências-temas, que
204 | Chao Lung Wen Capítulo 14 Telemedicina e Telessaúde: A Experiência da Universidade de São Paulo | 205

quando reunidos, representaram um patrimônio intelectual equivalente a 75.000 horas técnicas (setenta 6. Centro de Simulação Realista
mil homens horas) de trabalho. Trata-se de um grande acervo em computação gráfica 3D sobre saúde, o
qual é continuadamente atualizado pela equipe de Digital Designers da DTM-FMUSP. A qualificação de profissionais envolve diversos aspectos, pois, além de fornecer atualização de conhe-
cimentos científicos, é preciso desenvolver vários aspectos práticos, entre eles, o comportamental. É
preciso saber como lidar com situações ou como interagir com pacientes (humanização do processo
assistencial). Este é um dos propósitos para um Centro de Simulação Realista. A implantação de recursos
de interação numa área específica com meios para transmissão de procedimentos práticos, em tempo
real, são alguns dos componentes importantes para o desenvolvimento de programas educacionais de
qualidade, pois servem como infra-estrutura para a realização de avaliação de competências práticas,
uma vez que permite ao avaliador acompanhar cada uma das etapas dos procedimentos em avaliados.

7. Ambiente de compartilhamento de materiais didáticos interativos


Frente ao cenário atual, onde existem inúmeras instituições de ensino superior com baixo índice de
qualidade e com falta de infra-estrutura, é importante procurar meios complementares para melhorar
a qualidade educacional no país. Uma das alternativas é o desenvolvimento e a modernização de ferra-
mentas educacionais (objetos de aprendizagem e unidades de conhecimento) para modernizar os re-
cursos educacionais. A formação de um repositório para armazenamento, indexação e disponibilização
de materiais educacionais interativos pode ajudar a melhorar a qualidade educacional no Brasil.

Para garantir a qualidade dos materiais e estimular a contínua inserção de materiais, é necessário estru-
Esquema 5 – Módulos do Homem Virtual e utilização em realidade aumentada (projeção do objeto anatômico – bebe virtu- turar sistemáticas de incentivo. Entre elas podemos citar a formação de um conselho de avaliação peda-
al) a partir de uma figura geométrica captada a partir do webcam. gógico educacional para análise de materiais encaminhados, a disponibilização de uma equipe de apoio
(Design de Comunicação Educacional e equipe de computação gráfica 3D do projeto Homem Virtual)
para os professores e de uma equipe para a indexação dos conteúdos, definição de critérios para men-
A necessidade de novas estratégias para explicar sobre a saúde favoreceu o surgimento e a continuidade suração de acesso (fator de impacto educacional) e definição de critérios de garantia direitos autorais.
do Projeto Homem Virtual. A complexidade do corpo humano torna difícil explicar suas estruturas e fun-
cionamento. Embora as ilustrações e fotos estáticas possam ajudar, mas a inexistências de movimento
e tridimensionalidade muitas vezes dificultam a compreensão. A computação gráfica 3D surgiu como 8. Ambiente de compartilhamento de materiais didáticos interativos
aliada da medicina na construção de imagens precisas e dinâmicas que retratam moléculas, células,
órgãos, músculos, ossos, tecidos e todos os demais componentes do organismo. E vai além. O desenho Dentro do processo educacional, seja presencial ou à distância, a avaliação do estudante constitui etapa
digital, somado ao conhecimento científico, permite a visualização detalhada de processos fisiológicos, de enorme relevância em todo o processo, uma vez que a forma e o conteúdo das avaliações podem
bem como das causas e efeitos das doenças, da ação de medicamentos e dos procedimentos cirúrgicos. determinar como os alunos estudam e aprendem. O aprimoramento das formas de avaliação devem ser
É um poderoso recurso iconográfico que auxilia o aprendizado, uma vez que facilita o entendimento em constantemente revistas, e cada vez mais se torna importante desenvolver recursos que façam parte do
relação a um assunto específico. O Homem Virtual é uma ferramenta de democratização do conheci- dia a dia dos estudantes.
mento, uma vez que, através dos recursos gráficos, facilita a compreensão das informações mesmo para
analfabetos e/ou analfabetos funcionais. Representa a efetiva modernização da iconografia educacional Hoje, dentro dos modelos educacionais é cada vez mais necessária a elaboração de métodos capazes de
e pode ser utilizado para os mais diversos propósitos. avaliar habilidades complexas que compreendem inter-relações variadas entre os domínios cognitivos,
psicomotor e afetivo-comportamental e, ao mesmo tempo, que sejam válidos, fidedignos e viáveis.  Os
jogos possuem dinâmica própria com objetivos e metas, estimulando o jogador a superar erros, além
de ensinar a identificar informações relevantes de várias fontes a partir de observações. Também levam
206 | Chao Lung Wen Capítulo 14 Telemedicina e Telessaúde: A Experiência da Universidade de São Paulo | 207

a tomada de decisões rapidamente e, dedução de regras por meio da própria experiência e vivência, do
jogador, ao invés de recebê-las passivamente. Criações de estratégias para vencer obstáculos e entender
sistemas complexos, através da experimentação, integram o mecanismo gerando atitudes altamente
desejadas por educadores no que se refere ao processo de aprendizagem e conhecimento.

A formação de grupos para desenvolvimento de simuladores de casos clínicos e jogos interativos em


saúde possibilitará a criação de ferramentas para avaliação de diversas áreas de domínio de conhecimen-
to de profissionais, tais como raciocínio, decisão, comportamental, observação, pesquisa, entre outros.

9. Educação Contextualizada e Segunda Opinião Formativa


A Segunda Opinião Especializada Formativa é uma atividade interativa que diferentemente do simples
esclarecimento de dúvidas, foca na transmissão de um conhecimento, de forma dirigida, para a constru-
ção do raciocínio (esquema 4). Está centrada na formação do profissional que está fazendo a consulta,
baseando-se no problema encaminhado a um profissional especializado. Desta forma, pode ser aplicada
em todas as situações em que exista um profissional a distância que necessite do apoio de outro profis-
sional, transformando a experiência especializada em conhecimento aplicável para a resolução de um Esquema 6 – Mostrando da integração entre o a Teleassistência com a Teleducação Interativa para contextualizar o apren-
problema. Trata-se, em síntese, da integração dos conceitos educacionais, como o aprendizado baseado dizado dos profissionais de acordo com os seus problemas locais. Neste esquema também se destaca a importância da dis-
em problema, a saúde baseada em evidência, a tutoração prática a distância e o suporte assistencial ponibilização das Bibliotecas Digitais Interativas de apoio para os profissionais que utilizam a Telemedicina/ Telessaúde. Este
prático. Os resultados da discussão, quando trabalhados por um design de comunicação educacional, esquema representa o modelo funcional implantado pela Disciplina de Telemedicina da FMUSP no Programa de Telessaúde
permitem gerar sínteses denominadas de unidades de conhecimento (áudios ou vídeos), que ajudam para Atenção Primária do Ministério da Saúde, no Estado de São Paulo.
na orientação contextualizada para a tomada de decisão.

Este modelo permite que o educador identifique as necessidades de um profissional distante, transfor- 10. Educação Contextualizada e Segunda Opinião Formativa
mando-se em uma dinâmica, que contextualiza a educação de acordo com as necessidades regionais.
Ele é aplicável nas profissões de saúde (medicina, odontologia, enfermagem, fonoaudiologia, fisiotera- Em decorrência da rápida expansão dos conhecimentos científicos, é importante promover educação
pia, saúde mental e assistência social, entre outras) e também nas profissões relacionadas, como comu- permanente para todos os profissionais de saúde, visando a qualificação profissional. As Tecnologias
nicação, administração/gestão, telemedicina e informática, pedagogia e tecnologia. Educacionais Interativas podem ser importantes recursos para disponibilizar materiais e unidades edu-
cacionais a esses profissionais. Para obter a efetiva qualificação profissional, é importante estruturar pro-
gramas educacionais que estejam de acordo com as realidades e necessidades sociais da região em que
o público-alvo está inserido e desenvolver cuidadosamente um conjunto de ferramentas de avaliação
de conhecimentos e capacidades profissionais. Mais do que a disponibilização de cursos, a construção
de ambientes para avaliar competências (conhecimento cognitivo, raciocínio, capacidade de decisão,
comportamento, capacidade de observação etc.) deve ser um enfoque importante em um processo
educacional. A vantagem do uso das tecnologias educacionais é que uma parte destas avaliações pode
ser feita através da construção de simuladores de casos clínicos e/ ou jogos interativos, que podem ser
disponibilizados remotamente.

Uma das áreas de destaque das tecnologias educacionais é a possibilidade de construir componentes
interativos para ajudar os professores no processo educativo, e os alunos, no aprendizado. Podemos ci-
tar como exemplo o Projeto Homem Virtual (www.projetohomemvirtual.org.br), que usa os recursos da
208 | Chao Lung Wen Capítulo 14 Telemedicina e Telessaúde: A Experiência da Universidade de São Paulo | 209

comunicação visual-através da computação gráfica 3D - para transmitir conhecimentos de forma visual Chao LW, Silveira PSP (2000), Azevedo Neto RS, Böhm GM. Internet discussion lists as an educational
e dinâmica. tool. Journal of Telemedicine and Telecare; 6:302-304.

A avaliação de competências profissionais é um requisito importante na qualificação profissional. Várias Chao LW (2006). Telemedicina na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Telessaúde – um
competências podem ser avaliadas de forma mais global, por meio de simuladores de casos clínicos e instrumento de Suporte Assistencial e Educação Permanente. Editora UFMG, 247-256.
de jogos interativos em saúde (laboratório de desenvolvimento de jogos). Porém, é preciso criar também
unidades para avaliar competências práticas. Assim, a estruturação de uma rede de Centros de Simulação Chao RS,Skelton-Macedo MC, Sequeira E, Oliveira LB, Roulet PC, Zardetto CGC, Chao LW (2008). Mu-
Realística permitirá a capacitação prática de alunos. Sua infra-estrutura nas instituições de ensino pode seu Digital – Projeto Boca Túnel. Na 25ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica;
servir de base para avaliar as habilidades práticas e os aspectos humanos da relação médico-paciente. 22 (Suppl. 1) 26-33 pág. 29.

A Segunda Opinião Especializada Formativa é um processo interativo que foca a transmissão de um Ferrari DV, Blasca WQ, Bevilacqua MC, Costa OA, Chao LW, Böhm GM (2005). Teleaudiology in Brazil.
conhecimento de forma dirigida para a construção do raciocínio. Está centrada na formação do pro- Hearing Aid Fitting, 21st Danavox Symposium, 545-555, August 31 – September 2.
fissional consultante, baseando-se no problema encaminhado a um profissional especializado. Desta
forma, pode ser aplicada em todas as situações em que exista um profissional a distância que necessite Festa Neto C, Chao LW, Oliveira MR, Böhm GM, Rivitti EA (2000). Teledermatology as a helping tool in
do apoio de outro profissional, transformando a experiência especializada em conhecimento aplicável the early diagnosis of skin cancer and the paramedical evaluation. Journal of the European Academy of
para a resolução de um problema. Trata-se, em síntese, da integração dos conceitos educacionais, como Dermatology and Venereology (JEADV) 14:223.
o aprendizado baseado em problema, a saúde baseada em evidência, a tutoração prática a distância e o
suporte assistencial prático. Os resultados da discussão, quando trabalhados por um design de comuni- Kavamoto CA, Chao LW, Battistella LR, Böhm GM (2005). A Brazilian model of distance education in
cação educacional, permitem gerar sínteses denominadas de unidades de conhecimento, que facilitam physical medicine and rehabilitation based on videoconferencing and internet learning. Journal of Tele-
a orientação contextualizada para a tomada de decisão. medicine and Telecare; 11:S1:80-82.

Frente à velocidade das renovações tecnológica, é cada vez mais importante a a estruturação do Centro Malmström MFV, Marta SN, Böhm GM, Wen LW (2004). Homem Virtual: modelo anatômico 3D dinâmi-
de Inovação e Pesquisa em Telemedicina para buscar a renovação contínua das tecnologias e métodos co aplicado para educação em odontologia. Revista da ABENO (Associação Brasileira de Ensino Odonto-
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instrumento de Suporte Assistencial e Educação Permanente. Editora UFMG, 247-256.
parte 4
Qualidade de Dados,
Desenvolvimento de Software
e Gestão Energética
215
capítulo 15
Problemas de qualidade de dados
em internamentos hospitalares
e possíveis implicações

Tiago Silva-Costa1,2, Bernardo Marques1,2, Paulo Oliveira3, Alberto Freitas1,2


1
SBIM – Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
2
CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde.
3
ISEP – Instituto Superior de Engenharia do Porto.
tcosta@med.up.pt, bmarques@med.up.pt, pjorgge@dei.isep.ipp.pt, alberto@med.up.pt

Resumo

Nos dias de hoje, com a informatização dos sistemas de informação, as organizações, a nível mundial,
são capazes de armazenar todo o tipo de informação por elas gerada. Esta informação é cada vez mais
complexa, podendo conter dados de produção, de consumo, de facturação, etc. Sem desprezar o resto
da informação produzida, pode dizer-se que os dados administrativos assumem uma relevância especial
na gestão dessas organizações. É sobre estes dados que as organizações baseiam todas as tomadas de
decisão que definem o seu futuro num ambiente competitivo. Associados a toda a complexidade da
informação gerada, estão os problemas de qualidade de dados, muitas vezes desprezados, mas que
podem influenciar negativamente as medidas adoptadas e os objectivos traçados. Este capítulo procura,
acima de tudo, chamar a atenção para este tipo de problemas, referenciando algumas das suas implica-
ções no âmbito hospitalar. Como resultado, este capítulo apresenta uma sistematização dos vários erros
possíveis de constar neste tipo de bases de dados administrativas, contribuindo com alguns exemplos
encontrados durante um estudo de qualidade de dados.

1. Introdução
Um segundo perdido, a nível organizacional, pode significar elevados prejuízos. A cada dia que passa,
são colocados novos desafios às empresas, obrigando-as a responder, em curtos espaços de tempo, para
poderem ganhar alguma vantagem competitiva, face à sua mais directa concorrência. A informação as-
sume, cada vez mais, um papel de “arma” numa “guerra”, cada vez mais intensa. Esta nova faceta obriga as
organizações a planearem as suas intervenções, de forma sustentada, sendo, para isso, necessário utilizar
todos os recursos que os seus sistemas de informação lhes podem fornecer.
216 | Tiago Silva-Costa, Bernardo Marques, Paulo Oliveira e Alberto Freitas Capítulo 15 Problemas de Qualidade de Dados em Internamentos Hospitalares e Possíveis Implicações | 217

Nos últimos anos, com o desenvolvimento exponencial da informatização nos hospitais, o volume de mesmo incentivada junto dos gestores, investigadores e clínicos. O acesso a este manancial de informa-
registos clínicos electrónicos aumentou significativamente. Paralelamente a este aumento, surgiram no- ção tem vindo a ser limitado, tornando muito dificultada ou mesmo impossível a análise dos dados para
vos interesses na análise desta informação, passando a ser utilizada, não só como fonte para a tomada a maioria dos profissionais de saúde.
de decisões clínicas e investigação em estudos epidemiológicos, mas também para apoio ao nível da
gestão hospitalar. Os DA podem assumir um papel importante tanto a nível clínico como socioeconómico, permitindo, por
exemplo, o acesso ao historial clínico dos doentes, medir a produção de um hospital e ainda gerar indica-
O valor atribuído a estes dados está directamente relacionado com a sua qualidade. Assim, quanto maior dores de qualidade. Por estas razões, os DA são de grande importância para uma correcta e equilibrada
for a qualidade dos dados maior a sua utilidade (Arts et al., 2002). Para as organizações de saúde, este tipo gestão hospitalar mas, por outro lado, os DA podem conter erros e inconsistências, limitando em parte a
de informação é essencial na prestação de cuidados de saúde (Uslu and Stausberg, 2008), bem como sua utilização (Peabody et al., 2004; Szeto et al., 2002; Kashner, 1998).
para uma coerente e cuidada gestão financeira.

Na maioria dos sistemas, a qualidade dos dados é totalmente negligenciada, podendo tornar-se num 3. Qualidade dos Dados
pesadelo, quando os utilizadores da informação produzida não têm conhecimento sobre a sua veraci-
dade/qualidade. A qualidade de dados (QD) é um conceito relativo a cada objectivo, podendo ser definido como “fitness
for use”, ou seja, os dados podem ser qualitativamente apropriados para um determinado propósito,
Na área da saúde, esta qualidade assume ainda maior importância, uma vez que uma decisão errada por mas podem não o ser noutro domínio (Tayi and Ballou, 1998). Isto é especialmente verdade em bases
parte de um clínico, pode mesmo levar à morte do seu paciente ou, num caso mais extremo, pode ainda de dados médicas, pois estas podem ter suficiente qualidade para análises económicas, mas não para
ter uma abrangência mais global, quando esta fraca qualidade está associada à troca de documentos. determinados estudos clínicos ou epidemiológicos (Iezzoni, 1997a).
Um profissional toma a sua decisão com base em exames que, algumas vezes, e sem que ele tome
consciência disso, não são do mesmo doente que ele está a tratar. Por exemplo, num estudo relativo à Para garantir a qualidade de dados devem ser respeitadas quatro regras básicas: (1) coerência, (2) inte-
integração de sistemas de informação hospitalar (Cruz-Correia et al., 2006), é referido que, cerca de 0,1% gridade, (3) consistência, e (4) actualidade (Wyatt and Liu, 2002; Tayi and Ballou, 1998; Wang, 1998; Gertz
(423 em 391.258) dos documentos associados aos processos clínicos de doentes num hospital central, et al., 2004).
contêm informação identificativa errada.
Pode falar-se de três etapas para a produção de dados directamente relacionadas com os seus interve-
Da nada serve termos ao nosso dispor um grande volume de dados se, desses dados, apenas alguns nientes: produtores, armazenistas e consumidores. Os produtores são aqueles que produzem os dados
forem credíveis e fiáveis. É cada vez mais importante encontrar um equilíbrio entre a quantidade de (todos os profissionais envolvidos nos cuidados de saúde), tendo a seu cargo a importante tarefa de pre-
informação produzida e a sua qualidade. enchimento dos dados, bem como a sua actualização. Os armazenistas são os responsáveis pela gestão e
manutenção dos dados (administradores de base de dados, técnicos), tendo a seu cargo a manutenção
da consistência e fiabilidade dos dados. Por fim, os consumidores são aqueles que utilizam os dados
2. Dados Administrativos (médicos, investigadores, gestores), onde o seu carácter crítico, sobre a veracidade dos dados, assume
também grande importância nas correcções efectuadas (Strong et al., 1997; Orr, 1998).
Dados Administrativos (DA) são normalmente definidos como um grande conjunto de dados compu-
torizados, com uma influência significativa na melhoria dos cuidados de saúde (Price et al., 2003). A sua A qualidade de dados em Saúde, assume grande relevância em muitas áreas de impacto. Para um clínico,
obtenção não é muito dispendiosa; incluem, tipicamente, milhões de casos (Iezzoni, 1997b) e estão muitas vezes, o mais importante não é ter acesso a todos os dados dos pacientes, mas sim que eles sejam
presentes em muitos países. coerentes, consistentes e ausentes de erros, permitindo, assim, tomadas de decisão clínicas e administra-
tivas mais correctas e eficazes.
Em Portugal, existe uma base de dados (Abdelhak et al., 2007), chamada “SONHO”, presente na maio-
ria dos hospitais públicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que contém grande parte das variáveis
existentes em outros países (Poss et al., 2008). Esta BD está a ser usada desde 1990 (Bentes et al., 1993), 4. Problemas da Qualidade dos Dados
com um impacto bastante positivo na produtividade e na melhoria de algumas técnicas de diagnóstico
(Dismuke and Sena, 1997). Estes dados são recolhidos sistematicamente, constituindo já uma fonte de Problemas de qualidade dos dados (PQD) podem custar milhões às organizações, enquanto desperdi-
conhecimento de valor inestimável. A sua exploração, ainda bastante incipiente, deveria ser facilitada e çam tempo a analisar dados, que acabam por levar a decisões incorrectas.
218 | Tiago Silva-Costa, Bernardo Marques, Paulo Oliveira e Alberto Freitas Capítulo 15 Problemas de Qualidade de Dados em Internamentos Hospitalares e Possíveis Implicações | 219

Os PQD são normalmente chamados de erros, de anomalias ou mesmo de “lixo” e incluem, entre outros,
valores em falta e representações diferentes para o mesmo facto. É frequente, em bases de dados em
produção, encontrarmos entre 60-90% de dados com fraca qualidade, sendo que este problema é um
obstáculo enorme para a utilização destes dados em determinadas análises (Dasu et al., 2003).

É possível estudar os PQD em três diferentes contextos: (1) quando se pretende corrigir uma anomalia,
num único registo de uma determinada BD; (2) quando dados, em BD não relacionais, são migrados para
BD relacionais; (3) quando se pretende integrar vários registos, provenientes de múltiplas fontes, num
único registo (Galhardas et al., 2001).

5. Taxonomia para detecção de PQD


Depois de uma breve revisão bibliográfica sobre que taxonomia deveria ser usada na área da saúde,
foi escolhida a taxonomia proposta por Oliveira (Oliveira et al., 2005), em detrimento das propostas por
Rahm (Rahm and Do, 2000), Kim (Kim et al., 2003) e Muller (Muller and Freytag, 2003), já que esta taxono-
mia identifica um maior número de PQD, como se constata na tabela seguinte.

Tabela 1 - Números de PQD nas diferentes taxonomias.

Oliveira Rahm Kim Muller


Figura 1 - Estrutura/Organização do modelo relacional.
Número de PQD 33 21 19 9

[ES] Existence of synonyms (existência de sinónimos) – utilização de expressões diferentes para indi-
Assim, com base na taxonomia proposta por Oliveira e com base na organização dos PQD por nível de car o mesmo significado (ex., utilização das designações “gástrico” e “estômago”).
granularidade, foi construída a figura seguinte que retrata os PQD existentes na taxonomia, classificando- [VFD] Violation of functional dependency (violação de dependência funcional) – o valor do atribu-
-os por nível de granularidade no modelo relacional: to viola uma dependência funcional com outros atributos (ex., no mesmo hospital utilizar, (cod_servico
= 40; nome_servico = ‘Ortopedia’) e (cod_servico = 40; nome_servico = ‘Psiquiatria’)).
[MV] Missing values (valores omissos) – falta de preenchimento de atributos obrigatórios (valores omissos). [ADT] Approximate duplicate tuples (tuplos duplicados aproximados) – o mesmo valor do mundo
[SV] Syntax violation (violação de sintaxe) – o atributo viola as regras de sintaxe (ex., data de nasci- real está representado, com pequenas diferenças, em mais do que um tuplo (ex., tuplo departamento
mento num formato errado). (“Pneum”, “8º andar”, “Hospital de S. João”) e departamento (“Pneumologia”, “oitavo andar” , “HSJ”)).
[DV] Domain violation (violação de domínio) – o valor do atributo está fora dos valores possíveis para [IDT] Inconsistent duplicate tuples (tuplos duplicados inconsistentes) – representação do mesmo
o atributo (ex., tempo de internamento negativo). valor do mundo real em mais do que um tuplo, mas com inconsistências entre eles, (ex., os tuplo de-
[IV] Incorrect value (valor incorrecto) – o atributo contém um valor que não é o correcto, embora esse partamento (“Pneumologia”, “8º andar”, “Hospital de S. João”) e departamento (“Pneumologia”, “6º andar”,
valor esteja dentro dos valores aceitáveis (ex., idade é 56 em vez de 59). “Hospital de S. João”) são inconsistentes).
[VBR] Violation of business rule (violação de regra de negócio) – este problema surge quando uma [DT] Duplicate tuples (tuplos duplicados) – representação da mesma entidade do mundo real em
ou mais regras de negócio, previamente definidas, não são respeitadas (ex., o nome do paciente tem mais do que um tuplo, sem nenhuma alteração entre eles, (ex.: na mesma tabela, ocorrência repetida do
de ser constituído por pelo menos duas palavras, mas podem existir casos em que isso não aconteça). tuplo departamento (``Pneumologia’’, ``8º andar’’, ``Hospital de S. João’’)).
[UV] Uniqueness violation (violação de unicidade) – dois ou mais tuplos têm o mesmo valor num [RIV] Referential integrity violation (violação de integridade referencial) – o valor de uma refe-
atributo de valor único (ex., o mesmo número de processo para diferentes doentes). rência externa não existe como chave primária na tabela externa (ex., código do diagnóstico principal
“434.91” não existe na tabela ICD-9-CM de códigos dos diagnósticos).
220 | Tiago Silva-Costa, Bernardo Marques, Paulo Oliveira e Alberto Freitas Capítulo 15 Problemas de Qualidade de Dados em Internamentos Hospitalares e Possíveis Implicações | 221

[IR] Incorrect reference (referência incorrecta) – a integridade referencial está correcta, mas o valor de
referência está errado (ex., código do diagnóstico principal é “434.10” em vez do código “434.11”; ambos
os códigos existem na tabela de códigos dos diagnósticos).
[HS] Heterogeneity of syntaxes (heterogeneidade de sintaxes) – existência de diferentes represen-
tações sintácticas em atributos relacionados (ex., o atributo data_admissao tem a sintaxe dd/mm/yyyy,
mas o atributo data_alta tem a sintaxe yyyy/mm/dd).
[HMU] Heterogeneity of measure units (hererogeneidade de unidades de medida) – utilização de
diferentes unidades de medida para guardar o mesmo valor (ex., a temperatura corporal gravada numa
tabela em graus Celcius e noutra em graus Fahrenheit).
[HR] Heterogeneity of representation (heterogeneidade de representação) – utilização de códigos
diferentes para a representação do mesmo valor real em diferentes BDs (ex., numa BD o sexo está repre-
sentado com os valores (“1”, “2”) mas, noutra está representado com os valores (“M”, “F”)).
[EH] Existence of homonyms (existência de homónimos) – utilização de valores sintacticamente
iguais mas com significados diferentes entre os atributos relacionados a partir de múltiplas fontes de
dados (ex.: a palavra apêndice tanto pode significar o órgão apêndice, como, por outro lado, pode sig-
nificar anexo). Figura 2 - Valores omissos ao longo dos anos para a variável “tipo de episódio”.

6. Resultados Possíveis implicações

A BD utilizada é composta por episódios hospitalares (de internamento e ambulatório) de 96 hospitais O não preenchimento deste campo assume um impacto negativo, uma vez que é fundamental para o
portugueses, entre os anos de 2000 e 2007, contendo 9 098 628 episódios. O acesso a esta informação cálculo de vários indicadores, como o índice de Case-Mix (Goldfield, 2010; Sicras-Mainar et al., 2009). Este
foi possível com a colaboração da ACSS. índice é usado como factor de ajuste do preço de cada episódio à complexidade do hospital.

Os resultados foram obtidos utilizando interrogações (querys) em Structured Query Language (SQL)
executadas directamente sobre a fonte de dados. Seguidamente, serão apresentados exemplos dos Incorrect value
PQD que foram passíveis de serem encontrados e a sua respectiva classificação segundo a taxonomia
apresentada anteriormente, bem como algumas implicações dos mesmos no bom funcionamento Durante este estudo, foram detectadas algumas anomalias no campo “idade”. Perante estas evidências,
de um hospital. recalculou-se este valor com base na data de nascimento e na data de admissão. Comparando o resul-
tado deste cálculo, foram encontradas pequenas diferenças, que conferiam à idade, diferenças de 1 ano.
Estes resultados levantam suspeitas de que alguns hospitais calcularam a idade apenas com base no ano
Missing values (YYYY) de nascimento e não da forma correcta que seria tomar em consideração a data completa (DD-
-MM-YYYY). Num hospital, em particular, este problema foi reportado ao responsável pela codificação
Este é um dos tipos de erros mais comuns nos DA, ocorrendo em múltiplas variáveis. Exemplo disso é dos registos, tendo-se notado, após esse alerta, uma diminuição de cerca de dois terços no número de
a variável “tipo de internamento”, que indica se um episódio foi efectuado em regime de ambulatório erros encontrados na coerência entre a variável “idade” e a variável “data de nascimento”.
médico, ambulatório cirúrgico ou internamento (Fig. 2).

Possíveis implicações

A diferença de um ano na variável idade pode originar alterações quanto à codificação do episódio em
Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH). Na versão 21 dos GDH, esta diferença pode, por exemplo,
ser observada nos GDH 185 (Perturbações dentárias e/ou orais, excepto extracções e restaurações, idade > 17
222 | Tiago Silva-Costa, Bernardo Marques, Paulo Oliveira e Alberto Freitas Capítulo 15 Problemas de Qualidade de Dados em Internamentos Hospitalares e Possíveis Implicações | 223

anos) e 186 (Perturbações dentárias e/ou orais excepto extracções e restaurações, idade < 18 anos). Segundo Uniqueness violation
a Portaria n.º 132/2009 de 30 de Janeiro o preço do GDH 185 é de 1 056,51 €, enquanto o do GDH 186
é de 659,69 €. Durante o estudo, foram detectados 336 casos onde o número de episódio é o mesmo, mas o número
de identificação do doente é diferente. Suspeita-se que este problema possa ter ocorrido durante uma
importação ou exportação de dados, ou mesmo durante uma deficiente manipulação de dados. Este
Violation of business rule problema não pode ter ocorrido durante a inserção dos dados, uma vez que a aplicação utilizada não
permite esse tipo de violação.
Analisando as transferências hospitalares, foram encontrados alguns problemas a nível nacional. Em ge-
ral, o número de doentes transferidos do hospital A para o hospital B, tendo por base os dados do hos-
pital A, não corresponde aos dados obtidos junto do hospital B, relativamente aos doentes transferidos Possíveis implicações
do hospital A. Na totalidade dos dados, são registados 263.639 doentes referenciados como transferidos,
enquanto o total de doentes recebidos de transferências é de 556.710. Se não forem tidos em consideração estes episódios podem adulterar qualquer cálculo de indicadores
ou outro tipo de análise estatística.

Duplicate tuples

Analisando todos os tuplos da BD nacional, foram encontrados 19.451 casos de tuplos duplicados, ou
seja, duas linhas numa tabela da BD totalmente iguais. Se este problema não tivesse sido detectado, o
mesmo episódio seria contabilizado duas vezes.

Possíveis implicações

Se este problema não tivesse sido detectado (e esses casos removidos), o mesmo episódio seria contabi-
lizado duas vezes, podendo assim enviesar, por exemplo, o cálculo do índice de Case-Mix.

Referencial integrity violation

Figura 3 - Transferências hospitalares ao longo dos anos. Estudando a variável “diagnóstico principal”, classificado segunda a International Classification of Diseases,
Clinical Modification (ICD-9-CM), detectaram-se 565 casos em que o código do diagnóstico não tem a
respectiva correspondência na tabela de códigos da ICD-9-CM.
Possíveis implicações

Este problema tem implicações evidentes a nível do reembolso dos hospitais. Um hospital que transfira Possíveis implicações
um doente para outro hospital, por falta de recursos só pode receber até 50% do valor do GDH corres-
pondente a esse episódio. Por outro lado, o hospital que recebe um doente transferido está limitado, na Quando um episódio contém um erro de codificação no diagnóstico principal, este é classificado com o
sua classificação, a uma gama restrita de GDH. Este problema também dificulta qualquer tipo de análise GDH 470 (“Não agrupável”). O hospital não será ressarcido do custo do episódio uma vez que os episó-
feita com estes dados sobre o normal movimento dos doentes entre hospitais. dios agrupados no GDH 470 não recebem qualquer tipo de pagamento.
224 | Tiago Silva-Costa, Bernardo Marques, Paulo Oliveira e Alberto Freitas Capítulo 15 Problemas de Qualidade de Dados em Internamentos Hospitalares e Possíveis Implicações | 225

Heterogenety of representations Os esforços na melhoria da qualidade de dados das BD premeiam as instituições, possibilitando-lhes
suporte para tomadas de decisão mais precisas e coerentes, podendo, assim, melhorar a qualidade da
Durante o estudo, foram detectados diferentes representações da variável “serv1”. Nesta variável é guardado prestação de serviços e reduzir os custos associados a esses actos.
o código do primeiro serviço de um episódio de internamento. Esta variável, nos diferentes hospitais, surge
com diferentes tipos de representação: numérica, textual e alfanumérica, como se pode observar no gráfico
da figura 3. Este é um exemplo concreto relativos aos serviços de “Peneumologia”, aparecendo designado 8. Agradecimentos
em 2550 casos como “Pneum”, em 531 casos como “Pneumo” e, ainda, em 210 casos com o código “210”.
Os autores desejam agradecer à ACSS pela disponibilização dos dados utilizados nesta investigação. Os
autores gostariam de agradecer também todo o apoio disponibilizado pelo projecto “HR-QoD – Qualidade
dos dados (casos desviantes, inconsistências e erros) em bases de dados de internamentos hospitalares: mé-
todos e implicações para a modelação, limpeza e análise de dados” (projecto PTDC/SAU-ESA/75660/2006).

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diariamente (Torchiana and Meyer, 2005; Iezzoni, 1997b). Em inúmeras situações, continuam a ser o úni-
co meio disponível para obtenção de valores de produção hospitalar, ou mesmo no auxílio à tomada de Dasu, T., Vesonder, G. T. & Wright, J. R. (2003). Data Quality through Knowledge Engineering. SIGKDD’ 03,
decisão clínica por parte dos profissionais de saúde. Washington. dasu2003_53, 705-710.

Identificados e resolvidos alguns dos problemas existentes (Powell et al., 2003; Williams and Mann, 2002; Dismuke, C. & Sena, V. (1997). Has DRG Payment Influenced The Technical Efficiency and Productivity Of
Calle et al., 2000; Sutherland and Botz, 2006), os DA podem ser usados na produção de indicadores hos- Diagnostic Technologies In Portuguese Public Hospitals? An Empirical Analysis. The V European Workshop
pitalares ou na produção de benchmarks representativos/comparativos da actividade de um hospital on Efficiency and Productivity Analysis. Copenhagen, Denmark.
(Powell et al., 2003; Jarman et al., 1999; Scott et al., 2004). As organizações de saúde, bem como todas as
entidades intervenientes neste processo, estão cada vez mais preocupadas com a redução dos custos Galhardas, H., Florescu, D. & Shasha, D. (2001). Declarative Data Cleaning Language, Model, and Algori-
associados à prática de cuidados de saúde, sem diminuir a qualidade dos mesmos. thms. 27th Very Large Databases Conference (VLDB), Roma, Italy. galhardas2001_54.
226 | Tiago Silva-Costa, Bernardo Marques, Paulo Oliveira e Alberto Freitas Capítulo 15 Problemas de Qualidade de Dados em Internamentos Hospitalares e Possíveis Implicações | 227

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229
capítulo 16
Software para Apoio a Serviço
de Medicina Física e Reabilitação

Helder Anselmo1, José Carlos Metrôlho2, David Luna3, Bruno Silva4, Pedro Rodolfo5
Associate Developer, Professor Adjunto, Assistente, Especialista de Informática, Responsável pelo Serviço
de Sistemas e Tecnologias da Informação
helder.m.anselmo@gmail.com, metrolho@ipcb.pt, luna@ipcb.pt, Bruno.Silva@ulsna.min-saude.pt,
Joao.Rodolfo@ulsna.min-saude.pt.

Resumo

Quando se fala em informática na Saúde, é inevitável falar em tecnologias de suporte à prática das diver-
sas actividades clínicas, tendo sempre como objectivo melhorar aspectos como a segurança, eficácia e
acessibilidade à informação por parte dos profissionais de saúde. No caso do Serviço de Medicina Física
e Reabilitação da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (ULSNA-EPE), sentiu-se a necessidade de
criar um Sistema de Informação que servisse de suporte à sua actividade. Este capítulo descreve resumi-
damente um software projectado e desenvolvido para o Serviço de Medicina Física e Reabilitação, o qual
permite informatizar todo o percurso do utente desde a sua entrada no serviço até à alta médica. Esta apli-
cação baseia-se no modelo de três camadas e as soluções escolhidas para a sua estruturação assentam
em linguagens como: HTML, CSS, Javascript e Crystal Reports na camada interface gráfica, ASP.NET e Visual
Basic.net para a lógica de negócio e na camada de dados, para a gestão e armazenamento Oracle 10G.

1 Pessoas e Processos, Lda., Unidade Orgânica OutSystems, Largo Carlos Selvagem, 1500-453 Lisboa, Portugal.
2 Instituto Politécnico de Castelo Branco, Departamento de Informática. ESTCB - Av. do Empresário, 6000-767 Castelo Branco, Portugal.
3 Instituto Politécnico de Castelo Branco, Departamento de Informática. ESTCB - Av. do Empresário, 6000-767 Castelo Branco, Portugal.
4 Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano - EPE, Serviço de Sistemas e Tecnologias da Informação, Avenida de Santo
António, 7300 Portalegre, Portugal
5 Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano - EPE, Serviço de Sistemas e Tecnologias da Informação, Avenida de Santo
António, 7300 Portalegre, Portugal.
230 | Hélder Anselmo, José Carlos Metrôlho, David Luna, Bruno Silva e Pedro Rodolfo Capítulo 16 Software para Apoio a Serviço de Medicina Física e Reabilitação | 231

1. Introdução Este sistema de informação foi projectado e desenvolvido centrando-se nos utilizadores, fornecendo-
-lhes ferramentas que os ajudem a gerir da melhor forma possível os recursos existentes. O mesmo
Este capítulo apresenta o projecto e implementação de uma plataforma especializada para o serviço permitirá optimizar o funcionamento de um serviço de importância fulcral para a organização em que
de Medicina Física e Reabilitação de uma unidade hospitalar para o qual apenas existia um software de está inserido - Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano - EPE.
apoio ao médico, o qual é genérico para várias especialidades clínicas. Através da infra-estrutura de sof-
tware desenvolvida é mantido o mesmo fluxo de trabalho existente antes da instalação da mesma, mas
auxiliado agora nas tarefas preponderantes do serviço. Tarefas como registo de diagnóstico, e principal- 3. O Antes do Software de Apoio ao Serviço de Medicina Física
mente agendamento de sessões de reabilitação e sua ligação a equipamentos, salas e administração de e Reabilitação
agendas profissionais podem ser agora realizadas com a comodidade e facilidade que a aplicação ofe-
rece. O Serviço de Medicina Física e Reabilitação da Unidade Local de Saúde, para o qual foi projectado, Antes da criação deste Sistema de Informação, existia já um fluxo de dados entre vários sectores do Ser-
atende utentes de todo o distrito, muitas vezes encaminhados pelos Centros de Saúde daquela unidade. viço de Medicina Física e Reabilitação. Estes fluxos além de complexos também envolvem vários actores.
O ambiente, design e tratamento do fluxo de informação do software de apoio ao Serviço de Medicina Secretária, médicos, técnicos e utentes são alguns deles. No que diz respeito aos utentes, os mesmos
Física e Reabilitação foi projectado a pensar nos utilizadores e na diversidade da origem dos utentes. podem ser classificados em três tipos: utentes internados, utentes de consulta externa ou utentes prove-
nientes de Centros de Saúde. Esta complexidade de processo e a dispersão geográfica entre as unidades
Neste capítulo faz-se uma breve introdução à plataforma desenvolvida, enumeram-se também as tec- de saúde que compõem este caso de estudo, exigiram numa primeira fase do projecto um levantamen-
nologias utilizadas e a arquitectura lógica, a forma como a aplicação interage com o utilizador e outros to de todo o fluxo de informação. As Fig. 1, 2 e 3 mostram o fluxo de dados entre vários sectores/actores
aspectos considerados relevantes. Por fim, são apresentadas notas de conclusão e proposta para melho- para o caso dos três tipos de utentes anteriormente mencionados.
ria do mesmo.

2. Estado da Arte
A crescente utilização das novas tecnologias em todas as áreas de conhecimento implica que a área da
saúde seja também foco dessa utilização, factor pelo qual a informática médica, ou informática para a
saúde, têm vindo a ganhar notoriedade.

O principal problema deste sector passou a ser o tempo de resposta e a forma como a interacção utiliza-
dor-máquina é feita bem como a forma de organização da informação. O acesso rápido a informações é
por isso um factor determinante para a eficácia dos serviços.

Outro dos problemas vulgarmente encontrados é o facto do volume de informação médica disponível
ser tão elevado que por vezes pode tornar-se difícil a sua melhor utilização. No entanto, o acesso simples Figura 1 - Diagrama de Fluxo - Pedido de Consulta para Utentes Internados.
à informação não substitui o senso crítico, a visão humana, a experiência e a capacidade de integração
dos profissionais de saúde.

Desta forma os sistemas de informação na saúde ajudam a produzir estruturas de representação de


dados e conhecimento, permitindo um melhor entendimento de processos e relacionamentos comple-
xos. Foi por isso necessário desenvolver métodos de aquisição e apresentação de dados para se evitar a
sobrecarga frequente de informações.

O software de apoio ao Serviço de Medicina Física e Reabilitação insere-se nesta área, destinando-se a
conseguir uma melhoria dos cuidados prestados aos utentes daquele serviço.
232 | Hélder Anselmo, José Carlos Metrôlho, David Luna, Bruno Silva e Pedro Rodolfo Capítulo 16 Software para Apoio a Serviço de Medicina Física e Reabilitação | 233

Figura 2 - Diagrama de Fluxo - Pedido de Consulta para Utentes da Consulta Externa.

Figura 4.b - Diagrama de Use Cases - Utentes da Consulta Externa.

Figura 3 - Diagrama de Fluxo - Pedido de Consulta para Utentes do Centro de Saúde.

Apresentamos de seguida os diagramas, Fig. 4 e 5, onde estão representados os actores e a forma como
estes interagem com o sistema, para cada tipo de utente anteriormente referenciado.

Figura 5 - Diagrama de Use Cases - Utentes do Centro de Saúde.

Figura 4.a - Diagrama de Use Cases - Utentes Internados.


234 | Hélder Anselmo, José Carlos Metrôlho, David Luna, Bruno Silva e Pedro Rodolfo Capítulo 16 Software para Apoio a Serviço de Medicina Física e Reabilitação | 235

4. O Depois do Software de Apoio ao Serviço de Medicina Física do possa ser vantajosa, face ao que existia anteriormente. Assim, de seguida apresentamos os use cases
e Reabilitação para o caso do administrador, médico, administrativo e técnico de fisioterapia, Fig. 6 e 7.

Actualmente a aplicação está preparada para funcionar da seguinte forma:

- O Administrativo insere o Pedido de Consulta, solicitada pelo médico, fazendo escolhas ao nível
da Proveniência, Origem, Tipo de Marcação e Tipo de Consulta. Existe também a possibilidade de se
redigir o Relatório que acompanha o Pedido e anexar ficheiros PDF.

- O Médico Fisiatra tendo acesso aos dados introduzidos no passo anterior, procede de seguida à
Triagem do Pedido.

- Para os casos prioritários:


· O Médico Fisiatra faz a triagem, dando-lhe o grau de prioridade correspondente (que comunicará com
a aplicação aqui descrita).

- Quando o Utente chega ao serviço de Fisioterapia avisa o Administrativo, que confirma a sua
presença.
Figura 6 - a) Administrador, b) Médico Fisiatra.
- O Médico Fisiatra realiza a Consulta, prescreve a(s) Terapêutica(s) adequada(s), atribui-lhe(s) um
nível de prioridade e, quando necessário, escolhe diagnósticos.

- Nestas consultas o médico pode ainda prescrever:


· Fármacos;
· Meios Complementares de Diagnóstico.

- O Técnico Coordenador tem acesso à listagem de Terapêuticas prescritas e procede ao Agenda-


mento destas.

- Quando o Utente chega ao serviço de Fisioterapia avisa o Administrativo, confirmando desta forma
a sua presença.

- Aquando de uma Terapêutica, o Técnico assinala o seu início, se necessário insere Diagnósticos,
muda o acto médico (ou no caso de ser terapêuticas por objectivos adiciona actos médicos e equi-
pamentos usados) e assinala o seu fim.

- Se o Utente não comparecer:


· O Técnico assinala a falta do Utente, dizendo se este a justificou ou não.
· Se o utente faltar aos tratamentos três vezes consecutivas sem justificação é-lhe dada alta por abandono. Figura 7 - a) Administrativo, b) Técnico.

Até agora focamos a nossa atenção no fluxo dos utentes neste sistema. No entanto há outros actores
que também assumem um papel fundamental para que toda a dinâmica do sistema de informação cria-
236 | Hélder Anselmo, José Carlos Metrôlho, David Luna, Bruno Silva e Pedro Rodolfo Capítulo 16 Software para Apoio a Serviço de Medicina Física e Reabilitação | 237

4.1. Diagrama de Estados 4.3. Arquitectura de Software

Como já foi referido, este processo é complexo e obedece a um conjunto de estados que puderam ser A escolha da arquitectura lógica da aplicação recaiu sobre um modelo multi-camada. O diagrama da Fig.
modelados. Assim, apresentamos na figura 8 os respectivos diagramas, nos quais se vê a sequência e 9, representa os módulos do sistema, mostrando a relação que existe entre os mesmos.
possibilidades de fluxo de dados que circulam pelos vários sectores no âmbito do serviço de fisioterapia.

Figura 9 - Arquitectura três camadas da aplicação desenvolvida.

4.3.1. Interface Gráfico

Esta é a camada de mais alto nível na aplicação e representa a interface gráfica do sistema perante o utili-
Figura 8 - a) Consulta, b)Terapêutica. zador. Nesta camada poderá fazer-se a distinção entre utilizadores, dependendo das permissões atribuídas
a cada grupo, os menus e submenus presentes serão diferentes, mantendo sempre coerência de interface.
Esta camada foi desenvolvida em HTML com recurso a CSS de modo a representar uma interface agradável.
4.2. Tecnologias

Foram diversas as tecnologias utilizadas para implementar este Sistema de Informação. Do conjunto das 4.3.2. Lógica de Negócio
tecnologias utilizadas destacamos: HTML (Castro, 2006), CSS (Castro, 2006), Javascript (Goodman, 2007),
DHTML(Goodman, 2007), Crystal Reports (Peck, 2008), Visual Studio 2008.NET(Asp.NET e Visual Basic .net) Esta é a camada intermédia da aplicação. É aqui que todo o processamento de dados e de acções se rea-
(Randolph e Gardner, 2008), AJAX (Holdener , 2008 ), Oracle 10G (Loney, 2004). lizará. Esta camada gera assim o conteúdo a ser apresentado em HTML, através de ASP.NET e vai recorrer
ainda uma DLL que contém métodos de tratamento de dados e métodos para comunicação à base de
Como em qualquer sistema que exista uma constante interacção com o utilizador, houve a necessidade dados. Esta camada foi desenvolvida então em ASP.NET, VB.NET.
de ter um especial cuidado no interface gráfico. Desta forma tecnologias como AJAX e CSS foram uti-
lizadas. Em relação à base de dados, a escolha esteve relacionada com a integração necessária com o Os relatórios para impressão foram desenvolvidos em Crystal Report (Peck, 2008), visto a ferramenta para
sistema já existente na entidade (SONHO - Sistema de Gestão de Doentes Hospitalares). a sua criação já vir embutida no Visual Studio 2008.Net.
238 | Hélder Anselmo, José Carlos Metrôlho, David Luna, Bruno Silva e Pedro Rodolfo Capítulo 16 Software para Apoio a Serviço de Medicina Física e Reabilitação | 239

4.3.3. Base de Dados

Camada onde se guardam todos os dados para a utilização correcta da aplicação.

5. A Aplicação
Esta aplicação tem as suas diversas funcionalidades organizadas em menus que por sua vez se subdi-
videm em vários submenus. Consoante o grupo ao qual o utilizador pertença, após a autenticação no
sistema, serão disponibilizados apenas os menus ao qual o grupo a que pertence tem privilégios de uti-
lização. A atribuição dos menus ao grupo de utilizadores é feita pelo administrador de sistema e é com-
pletamente dinâmica, o administrador atribuí e remove os menus aos grupos. O administrador também
cria os grupos e os utilizadores livremente. Os utilizadores podem ser atribuídos e retirados de qualquer
grupo conforme a sua actividade dentro do serviço. Opta-se por apresentar neste capítulo apenas uma
delas a título de exemplo, mas o aspecto gráfico é semelhante. Figura 10 - Exemplo: Listagem de Pedidos de Consulta.

5.1. Menu Consultas 5.2. Permissões

O menu Consultas contém todos os submenus relacionados com a consulta em si. Vai desde os pedidos Este é um sistema implementado com o principal propósito de facilitar a tarefa ao administrador. O sis-
de consulta até à agenda das mesmas, passando pela sua marcação. Assim, o submenu Pedido de Con- tema de permissões reflecte uma partilha de páginas que poderá não estar bem definida na entidade,
sulta permite ao utilizador anexar um relatório, escolher a proveniência, a origem, o tipo de consulta e o podendo essas páginas serem partilhadas por diferentes grupos, sendo essa partilha não trivial. O admi-
tipo de marcação que pretende e desta forma inserir um pedido de consulta no sistema que posterior- nistrador pode configurar os menus e submenus disponíveis para cada grupo, Fig. 11 a).
mente será triado e marcado. É possível encontrar os dados do utente para o qual se pretende a consulta.
Existe também o submenu Dados do Utente que permite visualizar e alterar os dados de qualquer utente
desde que constem no sistema. No submenu Triagem e Marcação, é possível observar todos os pedidos 5.3. Relatórios
de consulta que se encontram pendentes e atribuir-lhes um nível de prioridade para mais tarde serem
marcadas as consultas correspondentes. Há também um submenu Agenda de Consultas que contém Através de relatórios desenvolvidos com o Crystal Reports, os utilizadores do sistema podem obter em
todas as consultas que se encontram marcadas e oferece a possibilidade de alterar a sua marcação (data, formato digital listagens de utilizadores, ou listagens de consultas marcadas ou ainda listagens de te-
hora, médico, etc.). A Fig. 10 mostra o GUI deste menu. rapêuticas marcadas. Deste modo qualquer utilizador poderá obter essas listagens, podendo no final
imprimir ou exportar para os formatos disponibilizados pelo Crystal Report Viewer Fig. 11 b).
240 | Hélder Anselmo, José Carlos Metrôlho, David Luna, Bruno Silva e Pedro Rodolfo Capítulo 16 Software para Apoio a Serviço de Medicina Física e Reabilitação | 241

6. Interoperabilidade com outros Sistemas


de Informação Hospitalares
Uma das grandes problemáticas existentes nos Sistemas de Informação para a Saúde é a pouca interac-
ção que existe entre os mesmos. Esta problemática acaba por criar ilhas de informação, dificultando o
acesso à mesma por parte de todos os profissionais de saúde. Esta falta de interoperabilidade também
acaba por se reflectir em duplicação de trabalho. A título de exemplo, se existe um HIS (Hospital Infor-
mation System) numa instituição de saúde, porque motivo deverão os outros Sistemas de Informação
preocupar-se pela identificação dos utentes? O Sistema de Informação apresentado neste caso de estu-
do não foge a esta problemática, motivo pelo qual se teve a maior das preocupações em tentar que o
mesmo interagisse com o HIS existente na ULSNA: o SONHO. Para tal foi criado um schema, o qual con-
tém diversos objectos responsáveis por efectuar a integração entre os dois sistemas. Existem tabelas para
cada tipo de informação que seja necessária trocar (identificação, agendas, actos médicos) entre os dois
sistemas, sobre as quais existem triggers desenhados para desencadear um conjunto de procedimentos
capazes de efectuar todas as operações necessárias com os mesmos, quer num quer noutro Sistema de
Figura 11.a - Menu de Administração de menus. Informação. Actualmente já se encontra em fase de projecto a melhoria deste interface, ponderando o
desenvolvimento e aplicação de webservices adequados as necessidades específicas deste sistema.

7. Conclusão
Esta aplicação tornará o trabalho do serviço para o qual foi desenvolvida mais fácil e rápido, já que os
utilizadores ao interagirem com a aplicação registam as suas acções de maneira activa e de certa forma
intuitiva, sendo uma mais-valia para eles. Também foi conseguido neste sistema que o mesmo fosse a
mais dinâmico e objectivo possível. Para tal o Administrador detém poder para gerir todos os dados
apresentados como “escolhas” na aplicação.

Considera-se no entanto que ainda há possibilidade de trabalho futuro e que esta aplicação pode evoluir
tendo em conta as seguintes possibilidades: Adaptação da actual aplicação a outras formas de recepção
de Pedidos de Consultas e respectivos Relatórios; Introdução da possibilidade de impressão de mais
documentos, por exemplo: Listagens das Consultas e Terapêuticas agendadas, Listagem de utentes por
diagnóstico atribuído; Inserção de aviso da proximidade do final das sessões marcadas, para a marcação
de uma consulta de reavaliação.

Figura 11.b - Exemplo: botões para exportar para formatos Word ou PDF.
242

bibliografia
Castro E. (2006) HTML, XHTML, and CSS, Sixth Edition. 6 edition. Peachpit Pres.

Goodman D. (2007). JavaScript & DHTML Cookbook. 2nd edition. O’Reilly Media.

Holdener A. (2008). Ajax: The Definitive Guide. 1 edition, O’Reilly Media

Loney K. (2004). Oracle Database 10g: The Complete Reference. 1st edition, McGraw-Hill Osborne Media.

Peck G. (2008). Crystal Reports 2008: The Complete Reference. 1st edition. McGraw-Hill Osborne Media.

Randolph N., Gardner D. (2008). Professional Visual Studio 2008, Wrox.


245
capítulo 17
A Utilização Profissional das
Comunidades Web 2.0 – Um Caso
Prático na Indústria Farmacêutica

Henrique São Mamede1


Professor Auxiliar
hsmamede@univ-ab.pt

Resumo

Uma das formas mais visíveis da Web 2.0 é constituída pelas comunidades virtuais. As empresas come-
çam a compreender o poder destas plataformas para a criação de comunidades onde podem desen-
volver evangelização dos seus produtos e/ou serviços. Neste capítulo apresenta-se um caso prático de
criação de uma comunidade web, por uma empresa da indústria farmacêutica, centrada no tema do
estudo e tratamento da dor.

1. Introdução
Uma das formas mais visíveis da Web 2.0 é constituída pelas comunidades web ou virtuais. As suas pos-
sibilidades síncronas de comunicação e a presença quase omnipresente da Internet mudaram, drastica-
mente, o modo de trabalhar e de vida das pessoas, com a interacção social a poder ocorrer independen-
temente do tempo e de espaço.

Esta evolução natural está também ser aproveitada pelas organizações dada a sua capacidade potencial
de apoiar a criação de oportunidades de negócio. Há alguns anos, as comunidades web foram conside-
radas como uma das inovações mais prometedoras, resultando numa revolução da Internet. Em con-
sequência, tentaram-se construir e promover as mesmas em formatos diferenciados – como parte das
lojas on-line, dos portais ou das plataformas (B2B) inter-empresariais, ou, ainda, como as comunidades
de projecto, de relacionamento ou de jogo, entre muitas outras (Lechner et al., 2005).

1 Universidade Aberta, Departamento de Ciências e Tecnologias. Palácio de Seia, Rua da Escola Politécnica, nº 141-147, 1269-
001 Lisboa.
246 | Henrique São Mamede Capítulo 17 A Utilização Profissional das Comunidades Web 2.0 – Um Caso Prático na Indústria Farmacêutica | 247

Contudo, para as poucas empresas que conseguiram atingir o sucesso, este só foi alcançado após muitos Na figura 1 representa-se a definição de comunidade web de Leimeister e Krcmar (2004). Na mesma
esforços empreendidos. Mais ainda, somos facilmente confundidos e limitados no pensamento com podemos observar que nas situações em que não existe interacção entre os indivíduos que partilham a
estas situações atípicas, ao esquecer que apenas algumas das comunidades virtuais são financeiramente plataforma, então não se trata realmente de uma comunidade web.
sustentáveis. Muitas destas tentativas desapareceram em pouco tempo e, em muitos casos, as empresas
não obtiveram os resultados esperados, como o site da consola N-Gage2, o que levanta a questão de Identificada que está a nossa definição de comunidade web ou comunidade virtual, tratemos agora de
entender porque é que umas comunidades funcionam enquanto outras falham (Lechner et al., 2005). tipificar os tipos de comunidades que possam existir. Markus (2002) propõe uma tipologia que enquadra
na finalidade desta pesquisa, sugerindo três tipos principais de comunidades web baseadas na sua orien-
Será que as comunidades web podem ser utilizadas com valor estratégico? Em caso afirmativo, como é tação - social, profissional e orientação comercial - e divide-as como se representa na figura 2.
esse valor percebido pelas organizações? E poderemos mesmo ir mais longe, utilizando estas comunida-
des para, a partir do objecto da sua criação, conseguir transformá-las em ferramentas de evangelização de
produtos ou serviços, permitindo criar, expandir ou, até, garantir a sobrevivência dos mesmos no mercado?

Existem várias definições de comunidade web, com diferentes perspectivas, nomeadamente: multidisci-
plinares, sociais, tecnológicas, de gestão, económicas, até aos pontos de vista do comércio electrónico
(Wang, Yu & Fesenmaier 2002).

Para o espaço deste trabalho, comunidade web é melhor descrita pela definição de Leimeister e Krcmar
(2004), que afirmam que consiste nas pessoas que interagem socialmente numa plataforma técnica. A
comunidade é construída em interesses comuns, num problema comum ou numa tarefa comum dos
seus membros, que seja levada a cabo com base em códigos de comportamento implícitos e explícitos.
A plataforma técnica permite e suporta a interacção da comunidade e ajuda-a a construir a confiança e
sentimentos comuns partilhados entre os seus membros.

Figura 2 – Tipificação das comunidades web (Adaptado de Markus, 2002).

A divisão de primeiro nível é baseada no tipo de orientação, tal como a orientação comercial, em vez
de ser, por exemplo apenas estritamente comercial. Assim, deixa margem para a interpretação para as
comunidades que estão no limite, não categorizando absolutamente uma comunidade a uma área da
divisão. O foco deste estudo está nas Comunidades Virtuais de orientação social, no domínio da cons-
trução de relações.

2. O Problema
Figura 1 – Interacções numa comunidade web (Adaptado de Leimeister and Krcmar 2004). A empresa Grünenthal, para a qual surgiu a necessidade do estudo, é uma empresa farmacêutica, inde-
pendente e de investigação a nível mundial.

Como estratégia empresarial, decidiu-se aproveitar as funcionalidades da Web 2.0 no sentido de criar
2 http://www.n-gage.com/home.html novos canais de interacção com profissionais e agentes de saúde, servindo simultaneamente para uma
248 | Henrique São Mamede Capítulo 17 A Utilização Profissional das Comunidades Web 2.0 – Um Caso Prático na Indústria Farmacêutica | 249

presença mais activa na Internet, e também para criar uma plataforma de esclarecimentos e de melhores • Metodologia geral de abordagem ao tratamento da dor
práticas para melhor satisfação do cliente final, sempre com uma perspectiva de criação de valor estraté- • Métodos específicos para as diversas síndromes
gico. Esta decisão surge enquadrada num projecto de comunicação mais vasto, embora não tenha sido • Farmacologia do tratamento da dor
inicialmente planeada. Com a implementação do referido projecto, baseado essencialmente em comuni- • Léxico / Glossário
cação em meios tradicionais, workshops presenciais e reuniões individuais, rapidamente se constatou que
havia a necessidade de criar um meio de interligar os profissionais-alvo do projecto, permitindo a partilha - Área de actualizações e de novidades sobre o tratamento da dor
de informação e de conhecimento e a possibilidade de interacção em tempo real. A forma encontrada
foi o recurso às funcionalidades da Web 2.0 para responder a esta constatação. Tomou-se, então a decisão - Área de intercâmbio de experiências e colocação de comentários sobre dificuldades no tratamento
de se criar uma comunidade web de orientação profissional, para criação de uma rede de profissionais. de síndromes dolorosas mais complexas ou outros temas

A comunidade é baseada na definição estratégica que pretende criar a sensibilidade de todos os agen- - Área de ligação a sítios nacionais e internacionais para consulta e busca de informação bibliográfica
tes ligados à saúde para as questões da dor, nas suas diferentes formas. Os objectivos que se pretendem
alcançar com semelhante plataforma são: - Área de divulgação de eventos científicos relacionados com a dor

• Criar uma rede de profissionais de saúde com interesse comum na área da dor - Área de divulgação dos locais especializados de tratamento da dor, de acordo com as respectivas
• Disponibilizar informação on-line especificidades e eventuais sub-especializações, tanto nacionais como internacionais
• Disponibilizar plataforma de comunicação
• Criar e fornecer conteúdos, quer próprios quer com a participação da própria comunidade - Área de publicação dos trabalhos concorrentes e vencedores do Prémio Grünenthal – Dor
• Divulgar novos produtos e terapias
• Criar uma base de dados de conhecimento sobre tratamentos possíveis - Área “meet the expert”, onde se possam colocar apresentações sobre os nossos novos produtos
• Serviço de aconselhamento / fonte de ajuda
- Futura evolução para uma área tipo “Unidade de Dor Virtual”, onde se discutam etiologias, pa-
Estes objectivos foram definidos com base na experiência acumulada pelos profissionais da Grünenthal, tologias, diagnósticos, anamnese específica das síndromas dolorosas, protocolos de tratamento,
quer a nível de marketing, quer comercial, quer ainda médico. técnicas terapêuticas, etc

A finalidade desta comunidade é criar uma comunidade web, disponibilizando a maior quantidade de - Área de acesso ao boletim “Informador”
informação possível sobre todos os aspectos relacionados com a dor, em Portugal, criando-se não ape-
nas uma rede de contactos, mas também um local onde se possam colocar dúvidas e partilhar experiên- Para cada uma das áreas acima indicadas, foi necessário criar uma grelha de responsabilidades pelo
cias, de forma a prestar um melhor serviço sobre terapias, práticas, especialidades farmacêuticas, recolha fornecimento inicial de conteúdos, tendo-se definido também a responsabilidade pela supervisão e
de opiniões e sugestões para melhorar as terapias e/ou serviços. aprovação prévia dos mesmos. Para isso utilizaram-se pessoas da área de marketing da Grünenthal, sob
a supervisão do director médico, que ficou também com a responsabilidade pela aprovação prévia dos
O desafio inicial foi o de cativar as pessoas a juntarem-se à comunidade. Houve então que criar uma conteúdos. Para agilizar todo este processo determinou-se desde logo como requisito para a plataforma
motivação para que tal pudesse acontecer, o que passou por apresentar um design e tópicos de eleva- a seleccionar mais tarde, a possibilidade de especificar workflows que suportem também documentos.
do interesse para a potencial comunidade. Estes tópicos foram determinados realizando-se entrevistas
informais com um grande número de profissionais actualmente envolvidos na área e com recurso à Criou-se também um programa de recompensa para os membros que mais participarem e mais aju-
equipa comercial da Grünenthal. Assim, como resultado, foram definidas as seguintes áreas iniciais: darem o desenvolvimento da comunidade, de forma a criar níveis de status para manter os membros
mais activos na comunidade. Esse programa de recompensa vai basear-se no nível de permissões que o
- Área de definições e informação básica membro terá no seio da comunidade, que irá variar desde a possibilidade de apenas realizar comentários
• Anatomia e Fisiologia a informação aí colocada até ao ponto de poder criar e gerir o seu próprio blog, interno à comunidade.
• Avaliação do doente com dor
. Dor aguda Estabeleceu-se, ainda, que a comunidade não terá acesso livre. O acesso terá de ser condicionado a
. Dor crónica convite e à oferta individualizada de uma palavra-de-passe, o que será feito através da nossa força de
250 | Henrique São Mamede Capítulo 17 A Utilização Profissional das Comunidades Web 2.0 – Um Caso Prático na Indústria Farmacêutica | 251

vendas, da participação em cursos organizados pela Grünenthal e através de pedido de registo na pró- Na figura 3 apresenta-se uma imagem relativa à página principal da comunidade.
pria plataforma da comunidade. Estas restrições prendem-se com questões legais que regulamentam
a forma e o conteúdo da divulgação de informação pelas empresas farmacêuticas (DL 176/2006, 2006).

Por fim, estabeleceu-se que o domínio a registar seria comunidadedor.org, uma vez que o mesmo se
encontrava disponível.

3. A Plataforma
Definidos que estavam os objectivos e a forma como se pretendia operacionalizar a comunidade, houve
então que decidir qual seria a ferramenta que melhor se poderia adequar para a construção e suporte à
comunidade a desenvolver.

Os factores de avaliação das potenciais soluções foram: simplicidade da interface, funcionalidade de Figura 3 – Página de entrada da Comunidade Dor.
backoffice, funcionalidades extra que possam diferenciar a plataforma, existência de comunidade de
técnicos especialistas no desenvolvimento em língua portuguesa e modelos traduzidos e, por fim, faci-
lidade de instalação da solução. Foram definidos vários processos de backoffice necessários ao suporte da plataforma e de criação/vali-
dação de conteúdos, nomeadamente:

Tabela 1 – Comparação entre plataformas. • Disponibilização de artigos/textos/eventos/novidades


• Moderação de fóruns
Factor Drupal Joomla Xaraya
• Controlo de registo de utilizadores
Interface √ √ √
• Actualização de referências bibliográficas (publicações)
Backoffice √ √
Funcionalidades Extra √ √ √
Estes workflows foram estabelecidos de acordo com a equipa seleccionada para a iniciativa, sob a super-
Comunidade Portuguesa √
visão do director médico da empresa.
Facilidade Instalação √ √
Facilidade Gestão √
Plugins √ √ √
4. A Comunidade On-Line
Facilidade Desenvolvimento √ √
Maturidade √ √
A comunidade foi colocada online no dia 13 de Julho de 2009, tendo-se verificado o registo de cerca de 50
Estabilidade √ √ √
utilizadores na primeira semana. As formas utilizadas para a divulgação da plataforma foram as seguintes:
Desenvolvimento Constante √

• Através da actividade dos Delegados de Informação Médica da Grünenthal e de outras formas de


intervenção e de contacto da empresa junto dos profissionais a envolver
Para a avaliação das diferentes soluções, procedeu-se à respectiva instalação em ambiente de testes. • Estabelecendo parcerias com revistas médicas, faculdades e instituições que promovam mestra-
Depois, foram executadas várias acções com cada uma das plataformas, no sentido de se conseguir dos, cursos de dor e de cuidados paliativos
preencher a grelha apresentada na tabela 1. • Produzindo brochuras de divulgação
• Produzindo uma lauda para divulgação em congressos médicos
Como resultado, a plataforma Joomla correspondeu de melhor forma a todos os factores de selecção,
pelo que foi sobre essa plataforma que recaiu a escolha final.
252 | Henrique São Mamede Capítulo 17 A Utilização Profissional das Comunidades Web 2.0 – Um Caso Prático na Indústria Farmacêutica | 253

A fim de se poderem ter estatísticas de análise à adesão ao site, foi utilizado o Google Analytics. Os ele-
mentos que apresentamos de seguida dizem respeito ao período compreendido entre Março e Dezem-
bro de 2009. Não obstante a plataforma ter sido colocada oficialmente online a 13 de Julho, na realidade
a mesma estava já acessível desde Março do mesmo ano.

Na figura 4 mostram-se os acessos feitos à plataforma no período referido, salientando-se a existência de


alguns acessos anteriores a Julho, mas que devem ser atribuídos a colaboradores da própria Grünenthal.
No entanto, a partir da data de disponibilização da plataforma a adesão foi grande, tendo em considera-
ção que foram atingidos pela divulgação atrás referida cerca de 1.200 profissionais.

Figura 5 – Cobertura regional dos acessos à plataforma da Comunidade Dor.

Estes acessos, tendo em consideração a divulgação feita exclusivamente em Portugal, só podem ser
explicados por pesquisas feitas utilizando motores de busca. Na figura 6 mostramse as percentagens de
visitas feitas à comunidade para cada um dos países com maior número de acessos realizados.

Figura 4 – Registo de acessos à plataforma da Comunidade Dor.

Há que notar ainda que a cobertura regional dos visitantes não se limitou ao território nacional, tendo
existido também uma percentagem significativa de acessos provenientes de outros países, nomeada-
mente do Brasil, como se mostra na figura 5.

Figura 6 – Percentagens de acessos por país à plataforma da Comunidade Dor.


254 | Henrique São Mamede Capítulo 17 A Utilização Profissional das Comunidades Web 2.0 – Um Caso Prático na Indústria Farmacêutica | 255

Saliente-se também que apenas os utilizadores registados têm acesso a todo o conteúdo, o que significa Para a criação de uma comunidade web existem factores chave de sucesso, conforme refere Leimeis-
que apenas profissionais em Portugal acedem aos mesmos. Os restantes acessos são feitos apenas à área ter (Leimeister, Sidiras & Krcmar, 2004) que se tentaram endereçar no planeamento desta comunida-
pública da comunidade. de em particular.

Na última fase analisada, correspondente ao último trimestre de 2009, o ritmo de divulgação por este As comunidades virtuais são uma agregação de pessoas, num espaço na internet, no qual interagem
meio conheceu um abrandamento, contando-se cerca de 500 utilizadores registados, mantendo-se um socialmente entre si, em volta de um objectivo partilhado.
número médio de visitas diárias de 150.
Mas que interesse estratégico pode uma comunidade web ter para as organizações? Pode-se ver que
uma das principais razões será o fortalecimento da imagem da organização, e consequentemente um
5. Conclusão maior rendimento, se possível, com um custo muito menor que outras estratégias possam apresentar

A globalização do mercado tem progressivamente trazido cada vez mais desafios às organizações na sua Embora muitos desses factores não careçam de uma intervenção directa da parte das tecnologias da
forma de gerir o negócio e de vencer no mercado. Uma das formas possíveis de crescer neste mercado informação, alguns como ofertas personalizadas ou a identificação de grupos alvo, pode ser automa-
global é através dos serviços que a Internet pode prestar, e nomeadamente as comunidades virtuais, um tizada através do uso de cálculo de similaridade, o qual, sendo muito versátil, é facilmente adaptável a
dos grandes fenómenos de hoje. qualquer realidade.

As constantes trocas de opiniões numa comunidade web, os pedidos de ajuda e esclarecimento, a par- Estes mesmos factores e ferramentas de análise, acabam também por facilitar a uma comunidade já
tilha de experiências vividas com bons ou maus resultados, as discussões geradas em torno de um as- existente, que se auto analise, que se consigam identificar as necessidades, as mensagens transmitidas
sunto, tornam uma comunidade web uma boa oportunidade de negócio como meio de chegar mais pelos membros para evoluir e tornar-se num meio estratégico para a organização.
perto do consumidor, de uma forma quase pessoal, melhorando a imagem dos produtos e consequen-
temente das vendas. No caso particular, o facto de existir um grande número de pessoas com interesse na partilha de infor-
mação e conhecimento, possibilitou a criação da comunidade que teve desde a sua génese uma grande
Mas como é que as comunidades podem prestar uma ajuda às organizações? Isto leva-nos às questões adesão. De tal forma que neste momento se decidiu pela redefinição do projecto inicial, redesenhan-
inicialmente enunciadas, que podemos agora responder. do-se a plataforma para suportar novos requisitos, mantendo toda a informação gerada até à altura.
Constata-se que existe também um espaço de interesse para esta comunidade no grupo dos países de
Questão: Qual é o interesse estratégico que as comunidades virtuais representam para as organizações? língua oficial portuguesa, com grande destaque para o Brasil, pelo que deverão ser encontradas formas
de incorporar a possibilidade de se aceitarem membros provenientes destas regiões.
As comunidades virtuais podem representar, quando bem geridas, um factor fulcral em qualquer em-
presa, pois, através de um contacto que se pode chamar directo com o público alvo, permite observar as Para uma organização que pretenda agora envidar esforços de marketing associados a produto ou ser-
suas necessidades e carências, ou seja, é um estudo de mercado em tempo real ao qual se pode respon- viço, desde que este seja concebido para o mercado da dor, poderá agora utilizar uma tal comunidade
der inicialmente de uma forma experimental somente a esse mesmo grupo mais ou menos restrito da para o fazer, permitindo acções muito focadas e direccionadas exclusivamente para o público-alvo do
comunidade, e, se resultar, disponibilizar depois para o público em geral. Permite assim reduzir os custos referido produto. Tal permite não apenas a redução de custos de marketing mas também a possibilidade
não só em estudos de mercado em empresas da especialidade, mas também testar um produto com de realizar testes de aceitação quer do produto ou serviço, quer da estratégia de apresentação do mes-
custos mais reduzidos e ainda com a vantagem de se estar a dar o privilégio à comunidade de serem os mo ao mercado, no geral.
primeiros a usufruir do mesmo e de terem contribuído para o seu crescimento, o que cria uma sensação
de pertença altamente estimulante, fazendo com que este tenha também estímulo próprio para ajudar
o produto vencer no mercado.

É também um meio de troca de informações, de acesso a informações disponibilizadas por peritos em


bases de dados, e a de criação de sinergias entre outras partes do negócio.
256

bibliografia
DL 176/2006 (2006). Regime Jurídico da Publicidade dos Medicamentos para Uso Humano. Ministério
da Saúde, Diário da República, 30 de Agosto.

Lechner, U., Nonnecke, B., & Schubert, P. (2005). Online communities in the digital economy. [Em linha].
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http://www.sapdesignguild.org/editions/edition5/communities.asp. [Consultado em 09/02/2008]

Wang, Y., Yu, Q., & Fesenmaier, D. R. (2002). Defining the virtual tourist community: implications for tour-
ism marketing. Tourism Management, 23(4), 407-417.
259
capítulo 18
Eficiência Energética dos Hospitais

Alexandre Sousa1, 2, 3
Gestor de Projectos (Alteração Climática), Investigador (Eficiência Energética)
alex.sousa@cidemco.es, alex.sousa@ua.pt

Resumo

No ambiente complexo de um hospital, cerca de 80% do consumo energético corresponde a aqueci-


mento, ventilação, ar condicionado e iluminação. Com investimentos amortizáveis em menos de sete
anos poderia conseguir-se uma poupança de 40%, principalmente nas áreas mencionadas. Metade des-
tes 40% pode atribuir-se ao impacto das TIC (Tecnologia de Informação e Comunicação). É expectável
que a curto prazo, sejam instalados serviços hospitalares com base em TIC que reduzirá substancialmen-
te o consumo de energia do complexo hospitalar. O interesse da sociedade europeia pelo bem-estar do
cidadão e pela sustentabilidade ambiental faz com que o aforro energético se considere um dos temas
prioritários da agenda política. Equipadas com sistemas inteligentes, as TIC serão cruciais para reduzir de
forma significativa o consumo de energia nos complexos hospitalares.

1. Introdução
Duas das principais preocupações da sociedade Europeia e que, de algum modo se reflectem no plano
estratégico da Comissão Europeia para os próximos dez anos, estão directamente relacionadas com a
melhoria do bem estar das populações, mostrando a importância a que chegou a dimensão dos cuida-
dos de saúde, fazendo sobressair a atenção que merecem as infra-estruturas que suportam este sector.
Faz todo o sentido, pensar, projectar e agir nas várias linhas que constituem o tema da eficiência ener-
gética, colocando este tópico no patamar elevado da agenda política e não só. Este documento mostra
em termos prospectivos, uma visão sobre a situação actual dos hospitais na Europa, em termos gestão
e consumo de energia, com base nas principais áreas tecnológicas: iluminação, aquecimento, ventilação
e ar condicionado (HVAC). Estes são os dispositivos que consomem mais energia. Obviamente, é preciso
analisar os dados actuais de diferentes hospitais de toda a Europa a fim de chegar a uma classificação

1 Cidemco, Centro de Investigacion Tecnológica. Área Anardi nº 5. 20730 Azpeitia, Gipuzkoa, España.
2 Tecnalia, Corporación Tecnológica. Parque Tecnológico de Bizkaia. C/ Geldo, Edificio 700-48160 Derio, España.
3 Universidade de Aveiro, Degei. Campus Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal.
260 | Alexandre Sousa Capítulo 18 Eficiência Energética dos Hospitais | 261

comum para os tipos de edifício, centro, serviço, processo, etapa esta muito importante para enunciar ta- um sentido de comportamento como consumidor cada vez mais eficiente, reduzindo os gastos energé-
refas de projectos futuros, uma vez que, um dos nossos objectivos é conhecer e usar o valor de referência ticos excessivos e mesmo supérfluos.
e consumo de energia em iluminação e climatização em diferentes hospitais. Além disso, são incluídos
neste trabalho, dados factuais sobre o consumo actual de energia por tipo de uso em hospitais, tendo O sector hospitalar é escolhido como bom exemplo de grande consumidor de energia devido à sua ne-
como base o nosso envolvimento em três projectos-piloto actualmente (2010) em curso: Groningen, cessidade constante de fornecimento de energia: 24 horas/dia, 365 dias/ano. Pode ser enunciado como
Logroño, e Seinäjoki. princípio básico, que os hospitais devem administrar o gasto de energia de tal modo que os serviços
prestados sejam optimizados, garantindo o conforto e a segurança dos doentes e respectivo pessoal, do
Entretanto, verifica-se um crescente interesse pelo estudo deste problema, no âmbito do domínio da tec- modo mais eficiente possível.
nologia hospitalar. No enunciado dos fluxos energéticos sensíveis em toda esta área, percebe-se que há
uns onde é mais fácil actuar do que noutros, assumindo particular relevo numa perspectiva técnica, tam-
bém pela contribuição maioritária para os consumos energéticos efectivos: climatização & iluminação. 2.2. Procura energética

Das diferentes propostas que têm vindo a ser discutidas, tem sido possível desenhar metodologias apli- Em termos comparativos, com outro tipo de edifícios públicos, os hospitais apresentam particularidades
cáveis, em termos de estratégia, a este tipo de problemas, propondo linhas de optimização dos níveis de específicas. Por outro lado, o controlo das necessidades energéticas de um hospital conduz à obtenção
conforto para os utentes em simultâneo com redução dos consumos energéticos. Este objectivo pode de resultados financeiros importantes, partindo da observação do tipo de consumos mais importantes:
ser conseguido, percorrendo algumas etapas, desde a identificação dos requisitos numa perspectiva da
construção, até à conjugação da envolvente com o respectivo uso. - Sistemas de ventilação que usam filtros de ar de elevada eficiência; Aplicando medidas simples e
sem realizar investimentos podemos obter poupanças interessantes. Por exemplo, com um forneci-
mento de ar de 3800 m3/h o aforro pode ser de 1190 €/ano.
2. Contexto da Evolução - Renovação do clima interior com exigências de manutenção de rigoroso nível de qualidade do ar;
- Requisitos de pressurização especial em determinadas zonas hospitalares. Vejamos um caso com
A Comissão Europeia tem produzido regularmente, documentação de índole estratégica com vista a faci- um consumo anual de 820000 m3/ano aplicando diversas medidas. Baixando a pressão do ar técnico
litar a transição para uma economia de baixo carbono, ou seja, eficiente sob o ponto de vista da energia. de 11 para 6 bares, poupamos 42 MWh/ano. Instalando compressores com regulação de frequência
Estão devidamente identificadas, áreas consideradas como de elevado potencial, desde os transportes à o aforro é de 27 MWh/ano.
logística, passando pelas redes de distribuição, destacando-se pela proximidade da situação os edifícios e - Ar interior com níveis de temperatura, humidade e qualidade adequada. Exigências de climatiza-
construções. As construções contam para, aproximadamente, 40% da energia consumida na U.E. O sector ção e ventilação em conformidade com os requisitos. Numa instalação com um fornecimento de ar
tem um potencial para poupanças com custo efectivo de energia, que tem vindo a ser percebido à me- de ventilação de 10500 m3/h podemos poupar 2230 €/ano.
dida que vão avançando alguns projectos-piloto: está prevista uma redução de 11% no consumo total de - Ar condicionado com tratamento a altas temperaturas para prevenção da legionela.
energia para a U.E. até 2020. Há um consenso bastante alargado sobre a consideração de que as TIC po- - Serviços de cozinha/lavandaria com picos de consumo elevado (10% a 15% do total); a forma mais
dem apoiar melhor esta abordagem, se for empregada uma visão sistémica da eficiência energética para eficiente de produzir água quente é através de uma caldeira, já que a caldeira é mais eficiente do que
a integração e para impulsionar a mudança de comportamento. Existem inúmeros desafios que precisam o circuito de vapor. O consumo médio de água quente num hospital pode ser de 100 m3/semana. Se
de uma base de medida a fim de construirmos um esquema de normalização. Os ganhos de eficiência fizermos a sua produção numa caldeira a redução de gasto será de 2340 €/ano.
energética e respectivo desempenho precisam de ser quantificados, uma vez que actualmente não há - A iluminação consome cerca de 20% da energia do hospital. Um hospital pode ter facilmente 4000
nenhuma metodologia comum. Ao nível dos sistemas, deve ter lugar de destaque, quer o planeamento lâmpadas fluorescentes. Alterando a tecnologia conseguimos poupar 37000 €/ano.
quer a implementação, com a finalidade de definir os participantes, os fluxos de energia e integração dos - Segurança para o fornecimento de energia. Abastecimento eléctrico contínuo;
recursos energéticos renováveis. Em suma, podem ver-se muitas árvores, mas falta a imagem da floresta. - Utilização de tecnologias sensíveis a todo o tipo de flutuação/perturbação da rede.

2.1. Eficiência energética 2.3. Controlo da energia

O dilema energético suscitado por um consumo de energia cada vez maior e um aumento significativo Sabe-se, desde o ponto de vista experimental, que não basta implementar um sistema básico de contro-
dos custos associados, tornam necessário que os edifícios públicos (em especial), devem providenciar lo dos equipamentos de climatização e/ou iluminação. Impõe-se que esteja disponível uma via efectiva
262 | Alexandre Sousa Capítulo 18 Eficiência Energética dos Hospitais | 263

para administrar o consumo da instalação e assim, proceder a redução de custos. Um sistema de gestão hospital se as oportunidades estiverem correctamente identificadas e administradas. Os aforros poten-
que englobe elementos necessários e suficientes para esta finalidade deve estar apoiado por uma rede ciais podem ser mais elevados tendo em conta os custos a evitar por estar disponível uma infra-estrutura
de controlo capaz de detectar entradas/saídas de energia eléctrica permitindo o exercício da actividade energética fiável e eficiente.
de supervisão do rendimento em toda a instalação disseminada pelos edifícios.
As características mais relevantes que um sistema de gestão energética deve apresentar são as seguintes:
Um sistema integrado possibilita a conjugação de funções diversas como o controlo da climatização e
a distribuição de energia ao longo dos diversos compartimentos que constituem a construção. O facto - Capacidade para administrar dados relativos a consumos, custos e poupanças de energia.
de se dispor na construção, de um sistema de controlo que é projectado com a finalidade de administrar - Permitir actividades de benchmarking entre serviços e edifícios situados em diferentes zonas geo-
distintos subsistemas, permite realizar aforros até cerca de 20% nos custos da energia. gráficas. Trata-se de poder estabelecer comparações de rendimento e eficiência para revelar oportu-
nidades, estabelecer uma linha de base de rendimentos e comprovar aforros obtidos. Isto dá ocasião
O conceito de controlo integrado pode considerar-se uma extensão do controlo fundamental com ligações para isolar subsistemas, comportamentos eficientes, detectar práticas ineficientes, consumos fora
a diversos componentes da instalação hospitalar. São conhecidas diversas técnicas que podem ser aplicadas do horário previsto, etc.
na actividade de conseguir poupanças energéticas em edifícios do sector hospitalar. É importante destacar - Confrontar diferentes hospitais ou edifícios, por centro de custo, por processo, etc. Examinar indi-
a necessidade de garantir a manutenção regular e constante do sistema de gestão do edifício para corrigir cadores chave (MWh, custo, CO2/NOx, KPIs…) e normalizar os dados em função de variáveis indepen-
ineficiências energéticas. Os edifícios tendem a ficar descontrolados ao longo do tempo devido a reconfigu- dentes como sejam temperatura, superfície, taxa de ocupação, etc.
rações de equipamentos, alterações de uso, incorporação de novos dispositivos, formação inadequada de - Sustentabilidade ambiental: um sistema de gestão permite realizar o seguimento e administrar
profissionais e exploração deficiente do potencial disponível. Dado o ambiente generalizado do aumento dos as emissões dos gases efeitos estufa (GHG), calcular valores do CO2 equivalentes a combustíveis e
custos energéticos é preciso avaliar uma série de soluções que assegurem bom funcionamento das instala- outros fornecimentos, comparar desempenhos face a um programa estabelecido com objectivos
ções hospitalares a que abranjam tanto a produção dos serviços como uma óptima exploração dos edifícios. mensais/anuais e aplicar facturas de CO2 aos fornecedores.
- Um sistema de gestão da energia não fica concentrado apenas nos consumos de electricidade,
uma vez que se trata de um sistema que pode/deve abranger água, ar, gás, electricidade, vapor, etc.
2.4. Administrar a energia - Afectação do custo energético a diferentes centros e/ou processos. Obtemos amostragens de custos
relacionados com energia para facilitar a contabilização das poupanças por centro de custo ou processo.
O primeiro passo para o objectivo fulcral que é o de conseguir melhores resultados com menor con- - Previsão de necessidades futuras, percepção de tendências e realização de análises posteriores das
sumo de energia consiste em criar uma política energética adequada, que comprometa e assegure o mesmas, detecção de padrões visíveis ou ocultos e relações não lineares (p.ex. energia versus emissões).
empenhamento dos diferentes níveis de tomada de decisão do hospital, desde a administração central - Disponibilidade e fiabilidade do fornecimento de energia.
até ao pessoal da manutenção, passando pelo departamento financeiro e equipas de engenharia. - Comprovação do funcionamento fiável dos equipamentos. Correlacionar parâmetros de operação
e eficiência para que se possa detectar comportamentos anómalos dos equipamentos.
Outras e não menos importantes etapas terão de sustentar esse compromisso com instrumentos ne-
cessários para conseguir os objectivos assinalados. Estas ferramentas, devem constituir no seu todo, um
sistema de informação energética (SIE) a nível hospitalar, com elevado número de componentes, confi- 3. Arquitectura para modelagem, virtualização
gurável ao longo do tempo, possibilitando uma avaliação e distribuição do uso da energia e respectivo e gestão do consumo de energia
custo, levando a compreender o porquê dos mesmos e facilitar a gestão energética de diferentes áreas.
Procedendo à modelação e análise do comportamento energético, conseguimos assumir decisões mais No âmbito dos projectos em que temos vindo a trabalhar, nomeadamente o Hospilot4, Bey Watch5 e
correctas para a gestão energética do hospital. Reeb6, existe a preocupação em promover uma harmonização da tecnologia para criação de perfis e
de gestão do consumo de energia nos hospitais. Faz parte do nosso plano de trabalho a introdução

2.4.1. Características e vantagens do SIE

Estudos realizados por investigadores norte-americanos, canadianos, australianos e europeus, apontam 4 HOSPILOT [http://www.hospilot.eu].
para um mínimo de 15% como objectivo de poupança de energia, a levar a cabo em edifícios hospi- 5 BEY WATCH [http://www.beywatch.eu].
talares, actuando nos processos de funcionamento, conseguindo 10% de redução nos custos totais do 6 REEB [http://www.ict-reeb.eu].
264 | Alexandre Sousa Capítulo 18 Eficiência Energética dos Hospitais | 265

de mecanismos de controlo e gestão de energia na rede dos edifícios hospitalares com a finalidade de Existem várias fontes sobre a distribuição do uso da energia por em edifícios, exemplo da convecção
proporcionar um ambiente de criação de serviços adequado para servir de virtualização do consumo através da envolvente, janelas, fugas de ar, ventilação, iluminação, produção de água quente, águas
de energia, com o objectivo final de oferecer aos operadores uma série de serviços autónomos. Por trás quentes residuais, micro-geração, armazenamento térmico, etc.
deste objectivo, a ideia principal é forjar um método generalizado para a gestão do consumo de energia
dos dispositivos que são ou ligados ou permanecem em estado de «stand-by». Especialmente para a
segunda categoria de dispositivos, o projecto define mecanismos inteligentes para detecção do estado
«stand-by», utilizando interfaces de controlo para ajustamento em todos os dispositivos.

incentivos programação informação


O sector das TIC oferece, para além dos dispositivos físicos, actividades de simulação, modelagem, aná-
lise, acompanhamento e ferramentas de visualização que são extremamente necessárias para facilitar projecto modelação
uma abordagem de toda a concepção e operação dos edifícios que constituem o hospital, levando em
conta os muitos factores que influenciam a procura de energia. Contudo, os investimentos são dificul- sistemas passivos
tados pela inexistência meios sectoriais confiáveis e transparentes de quantificação e monitorização de
energia e respectivo custo, dados estes que estão na base da quantificação das poupanças ao longo do sistemas activos
tempo, e que, idealmente, deverá formar a base das ferramentas e estratégias de projecto.

edifício
construção industrialização
produção rede
Os contadores inteligentes podem fornecer os fluxos de informação em tempo real, possibilitando o energética energética
operação manutenção
estabelecimento de novos ciclos de controlo, permitindo assim uma melhor gestão e controlo de ener-
gia, influenciando o consumo final por parte dos centros consumidores, em especial quando a medição monitorização
é acompanhado de gastos discriminados. Entretanto, alguns Estados-Membros introduziram ou estão fornecedor gestão
a considerar a definição de especificações funcionais mínimas para os contadores inteligentes, o que de energia hospitalar sistema de gestão
virá a ajudar a evitar obstáculos técnicos, garantindo a interoperabilidade e permitindo a introdução de produção
aplicações inovadoras baseadas nas TIC para gestão da utilização final de energia. de energia
políticas reconversão
Aplicar novas soluções de TIC para o controlo dos sistemas e automação das construções promete ter
um impacto na procura de electricidade ao nível das famílias e muito mais ao nível dos edifícios públicos
que são geridos profissionalmente. Construindo sistemas de controlo isso permite a interacção integra-
da de um número de elementos tecnológicos, tais como o aquecimento, ventilação, ar condicionado, Figura 1 - Modelo para aplicação de TICs em gestão de energia em hospitais.
iluminação, equipamentos de segurança etc.

A incorporação da inteligência ambiental na construção civil, graças aos avanços na área das nanotec- Os vários grupos de projecto exploram as relações (indirectas) de todos estes itens com TICs, por exem-
nologias, sensores, comunicações «wireless» e processamento de dados, contribui para, por exemplo, plo, ferramentas para análise, concepção, simulação etc., mas também propõem novos «embedded sys-
melhorar a gestão da temperatura, levando a reduzir o consumo da energia. tems» que são criados com base nas técnicas para actuação e controlo.

Na secção bibliográfica, podem ser consultados diversos locais na Internet, com ligações disponíveis
3.1. Projectos europeus relevantes nesta área para os projectos mais relevantes na área da eficiência energética em edifícios públicos.

Tem vindo a ser obtido um conjunto “preliminar” de referências sobre dados actuais à volta do potencial
e análise de tendência do impacto das TIC na Eficiência Energética verificada em edifícios públicos, ten- 3.1.1. Projecto HosPilot
do em conta as boas práticas aplicadas em todo o mundo. No entanto, hoje parece ainda difícil obter
de modo exaustivo, referências úteis com dados comprovados, mas os diferentes grupos procuram, no Hospitais são centros produtores de serviços utilizadores de grandes quantidades de energia. Portanto,
mínimo, fornecer algumas ligações e demonstrar que esta é uma actividade contínua na comunidade. este projecto aborda especificamente o domínio do hospital. HosPilot dedica-se a duas principais áreas
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de tecnologia: Iluminação e climatização, cobrindo assim a maior parte das áreas de consumo de ener- «wireless» podem ser de grande utilidade. Combinando as informações provenientes dos medidores
gia. Proporcionando actividades e tarefas do tipo «intelligence», as TIC passam a desempenhar papel eléctricos com os dados ambientais recebidos de sensores como temperatura, humidade e iluminação,
vital na estratégia que pretende alcançar significativa redução de energia no complexo ambiente de um bem como sensores de presença que podem dar informações sobre ocupação dos compartimentos,
hospital. A metodologia proposta será interligada com o conhecimento de especialistas das diversas pode ser estabelecida uma estimativa precisa do uso de energia do hospital.
tecnologias, numa economia global do serviço de energia.

A Metodologia HosPilot passa por identificar as mais eficientes soluções técnicas para renovação dos 4. Conclusão
hospitais. Está organizada por tipo de quarto existente num hospital. Como base para fazer a meto-
dologia, estão identificados para cada tipo de quarto, os requisitos técnicos relativos à iluminação e Embora existam diversos métodos e técnicas para melhoria da eficiência energética, tem sido recomenda-
ventilação. Esses requisitos por sua vez assentam em requisitos formais (legislação), bem como práticas do o recurso às medidas mais simples. Frequentemente, algum investimento moderado, boa manutenção
solicitadas que têm surgido no uso diário dos edifícios hospitalares. e melhoria dos procedimentos de operação dão de imediato, redução de custos do consumo de energia.

Este conjunto de requisitos é montado nos três hospitais parceiros no projecto, que tentam cobrir todos Investigação actual, conduzida no âmbito dos sistemas de gestão orientados para funções de controlo
os aspectos de um hospital moderno. Como tal, pode ser considerada como uma lista geral de tipos de no interior de edifícios hospitalares, entre outras aplicações de TICs, tem mostrado que a poupança
quartos e correspondentes requisitos, que é aplicável a qualquer hospital dentro da Europa A metodolo- energética pode ser importante à medida que vem sendo incrementado o uso dessas tecnologias. O
gia será composta de casos de uso e cenários de uso; será capaz de fornecer uma descrição de hardware uso dos sistemas ditos «inteligentes» no interior de grandes superfícies edificadas pode e deve melhorar
para um sistema eficiente de energia para todo o hospital, baseado em exigências específicas desse o controlo e gestão de aquecimento, ventilação, ar condicionado, iluminação, e outros dispositivos com
hospital, ou seja, a construção e o seu uso. Esta será uma metodologia única, que considera instalações elevado gasto de energia.
de energia eficiente em todos os domínios (iluminação, aquecimento, arrefecimento...) e isso será feito
pela combinação de conhecimento especializado de construção (construtores), fornecedores de siste-
mas e requisitos dos utilizadores finais. Também irá ser definido o melhor método para auditoria de um Bibliografia
hospital, a fim de obter o máximo dos dados relevantes para a metodologia a ser aplicada a este hospital
em particular. No final do projecto, a metodologia será uma ferramenta que a utilizar pelo cliente em Caddet Iea/Oecd (1998) Centre for the Analysis and Dissemination of Demonstrated Energy Technolo-
potencial (um hospital). Em resposta a um questionário, a ferramenta será capaz de analisar a situação gies; “Saving energy with Energy Efficiency in Hospitals”, Maxi Brochure 05.
actual no hospital em termos de climatização e iluminação (uso de energia), e proporcionar melhorias
possíveis para cada caso. Commission Recommendation (2009) “on mobilising Information and Communications Technologies
to facilitate the transition to an energy-efficient, low-carbon economy” http://ec.europa.eu/information_
A monitorização é provavelmente o pilar mais importante de todo o projecto HosPilot. A ideia é quanti- society/activities/sustainable_growth/docs/recommendation_d_vista.pdf [consultado em 06/12/2009].
ficar a poupança de energia conseguida pelas melhorias aplicadas, e para isso, tem de ser aprovada uma
estratégia de medição em cada um dos projectos-piloto. Os conceitos de monitorização são baseados European Commision (2008) “Responder ao desafio da eficiência energética através das tecnolo-
na medição de energia térmica e exigências de iluminação, antes e após a instanciação da metodologia gias da informação e das comunicações”; http://www.ipex.eu/ipex/cms/home/Documents/dossier_
HosPilot. Energia térmica refere-se à energia utilizada para garantir os padrões finais de conforto rela- COD20080241 [consultado em 02/09/2009].
cionadas com a temperatura. A procura de energia não é obtida com uma medição directa, mas tem
que ser feita através da comparação de duas medidas, isto devido à forma dos circuitos de instalações European Commission DG INFSO (2008) “Impacts of ICT on Energy Efficiency” « Final Report» ftp://
de HVAC (aquecimento, ventilação, ar condicionado). Por outro lado, a necessidade de iluminação é ftp.cordis.europa.eu/pub/fp7/ict/docs/sustainable-growth/ict4ee-final-report_en.pdf [consultado em
directamente mensurável a partir do consumo de energia eléctrica ligada aos sistemas de iluminação. 03/09/2009].
Medidores de potência existentes podem ser utilizados para obter essas informações.
Fernández, M. [Acciona]; Decorme, R. [CSTB], et all; (2010) “Hospilot, intelligent energy efficiency control
Em geral, em cada caso concreto, a solução técnica mais adequada para monitorizar o consumo de in hospitals”. IEECB’10 conference (Improving Energy Efficiency in Commercial Buildings).
energia tem que ser identificado. Dependendo do hospital, a tecnologia que usa cablagens pode estar
disponível, e por exemplo, se existir um barramento industrial instalado torna o processo mais fácil. No ICT for a Low Carbon Economy -Smart Buildings (2009) http://ec.europa.eu/information_society/ac-
entanto, isso não é necessariamente o caso, pelo que, há situações em que as soluções de medição tivities/sustainable_growth/docs/sb_publications/smartbuildings-ld.pdf [consultado em 11/12/2009].
268

ICT4EE: The Key Event on ICT for Energy Efficiency (2010) http://ec.europa.eu/information_society/
events/ict4ee/2010/index_en.htm [consultado em 17/03/2010].

Jakelius, S. (1996); “Learning from experiences with Energy Savings in Hospitals”; CADDET - Energy, Ef-
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Lennart Jagemar, Daniel Olsson; European Commision –DG TREN (2008) “EPLabel, a Programme to deliv-
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Leyun, Oskia; Erice, Santiago (2009); Hospilot Project “State of the art document” http://www.hospilot.
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