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ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY
ÍNDICE
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
1
CAPÍTULO UM
C
erta vez, quando eu tinha seis anos de idade, eu vi uma bela
ilustração num livro sobre a floresta primária chamado
Histórias verdadeiras. Ele mostrava uma jiboia engolindo um
animal. Esta é uma cópia do desenho.
CAPÍTULO DOIS
E
assim, eu vivi sozinho, sem ninguém com quem realmente
pudesse conversar, até o dia em que sofri um acidente no
Deserto do Saara, seis anos atrás. O meu moto sofreu
alguma pane. E como não havia mecânico ou passageiro
comigo, eu entendi que teria de realizar um reparo difícil, mas
esperava obter sucesso. Era uma questão de vida ou morte para
mim. A minha água potável mal dava para uma semana.
Na primeira noite, eu caí no sono sobre a areia, a quilômetros de
qualquer morada humana. Eu estava bem mais isolado do que um
marinheiro náufrago numa jangada no meio do oceano. Então vocês
podem imaginar a minha surpresa quando, ao nascer do sol, uma
vozinha curiosa me acordou. Ela disse:
— Por favor… desenhe um carneiro para mim
— O quê?
— Desenhe um carneiro para mim.
Eu me pus de pé de uma vez, completamente atônito. Eu
esfreguei meus olhos, pisquei várias vezes e olhei atentamente ao
meu redor. Eu descobri um garotinho incomum me observando
solenemente. Este é o melhor retrato que eu conseguir fazer dele
posteriormente. Mas é claro, o meu desenho não tem a metade do
charme de seu modelo. Não é minha culpa. Eu fui desencorajado
pelos adultos a seguir a minha carreira de pintor quando eu tinha
seis anos, e eu não aprendi a desenhar nada exceto jiboias por fora
e jiboias por dentro.
Então eu desenhei.
Ele olhou para o desenho cuidadosamente e disse:
— Não. Esse está muito doente. Desenhe outro para mim.
E eu desenhei.
Meu amiguinho disse de modo gentil e indulgente:
— Não está vendo que isso não é um carneiro? Isso é um bode.
Ele tem chifres...
Mais uma vez, eu fiz outro desenho. Mas ele foi rejeitado
também, assim como o anterior.
— Esse é velho demais. Eu quero um carneiro que possa viver
por muito tempo.
À essa altura, a minha paciência havia se esgotado, pois eu
tinha pressa para começar a desmontar o meu motor o mais rápido
possível, então eu rabisquei este desenho:
E lhe expliquei:
— Essa é só a caixa. O carneiro que você pediu está aí dentro.
Mas eu fiquei surpreso ao ver o rosto do meu jovem juiz se
iluminar:
— É exatamente isso que eu queria. Você acha que o carneiro
vai precisar de bastante capim?
— Por quê?
— Por que onde eu vivo, tudo é muito pequeno...
— Deve ter capim o suficiente para ele. Eu lhe dei um carneiro
bem pequeno.
Ele curvou a cabeça sobre o desenho:
— Não é tão pequeno assim... Olha! Ele caiu no sono.
E foi assim que eu conheci o pequeno príncipe.
3
CPÍTULO TRÊS
L
evou um bom tempo até que eu descobrisse de onde ele veio.
O pequeno príncipe que me fazia tantas perguntas, mas
parecia nunca ouvir as minhas. Foi graças a palavras
estranhas, aqui e acolá, que tudo se revelou para mim.
Por exemplo, quando ele viu o meu avião pela primeira vez (eu
não vou desenhar o meu avião; isso seria complicado demais para
mim), ele me perguntou:
— Que objeto é esse?
— Isso não é um objeto. Ele voa. É um avião. É o meu avião.
E eu senti orgulho em poder dizer a ele que eu sabia voar.
Ele exclamou então:
— O quê! Você caiu do céu?
— Sim — eu respondi, modestamente.
— Ah! Que engraçado — e o pequeno príncipe teve um acesso
de riso que me irritou imensamente. Eu gosto que meus infortúnios
sejam levados a sério. — Então você também veio do céu. De que
planeta?
Um raio de luz imediatamente se lançou sobre o mistério de sua
presença, e imediatamente eu lhe questionei:
— Então você veio de outro planeta?
Mas ele não respondeu. Ele assentiu gentilmente enquanto
observava meu avião.
— Realmente, você não pode ter vindo de muito longe nessa
coisa...
Ele mergulhou num longo devaneio. Depois, tirando meu
carneiro de seu bolso, ele contemplou seu tesouro.
Vocês podem imaginar o quanto a minha curiosidade foi
instigada por essa crença em “outros planetas”. Então eu tentei
descobrir um pouco mais.
— De onde você vem, meu amiguinho? Onde fica esse “onde eu
vivo” do qual você fala? Para onde você quer levar o meu carneiro?
Após um silêncio reflexivo, ele respondeu:
— O que eu mais gostei na caixa que você me deu é que ele
pode usá-la como casa à noite.
— É claro. E se você for bonzinho, eu lhe dou uma corda
também para amarrá-lo durante o dia. E um poste ao qual amarrá-
lo.
Mas o pequeno príncipe pareceu chocado com a minha
proposta.
— Amarrá-lo? Que ideia engraçada.
— Mas se você não amarrá-lo, ele vai escapar e vai se perder.
Meu amigo começou a rir de novo:
— Mas para onde ele iria?
— Para qualquer lugar. Ele simplesmente iria em frente.
Ao que o pequeno príncipe observou solenemente:
— Não importaria. Tudo é muito pequeno onde eu vivo — e,
talvez um tanto melancolicamente, ele acrescentou: — Se você
segue em frente, não pode ir muito longe...
4
CAPÍTULO QUATRO
E
assim, eu aprendi mais uma coisa muito importante. Que seu
planeta de origem era pouco maior do que uma casa.
Mas isso não me surpreendeu tanto assim. Eu sabia
muito bem que, além de planetas grandes, como a Terra,
Júpiter, Marte e Vênus, que recebiam nomes, havia centenas de
outros planetas que às vezes eram tão pequenos que era difícil de
enxergá-los por um telescópio. Quando um astrônomo descobre um
desses, ele não lhe dá um nome, mas sim um número. Ele pode
chamá-lo, por exemplo, de “Asteroide 325”.
Eu tinha sérias razões para acreditar que o planeta de origem do
pequeno príncipe era o asteroide conhecido como B-612. Esse
asteroide só foi observado uma vez por telescópio, por um
astrônomo turco em 1909.
Na época, ele organizou uma grande demonstração de sua
descoberta no Congresso Internacional de Astronomia. Mas por
causa de suas vestimentas turcas, ninguém acreditou nele. Adultos
são assim.
Felizmente para a reputação do Asteroide B-612, contudo, um
ditador turco impôs que seus súditos usassem trajes europeus, sob
pena de morte. Então, o astrônomo repetiu sua demonstração em
1920, vestindo um terno elegante. E dessa vez, todos foram
convencidos.
Se eu conto esses detalhes sobre o Asteroide B-612 e revelo
seus números a vocês, é por conta dos adultos. Adultos amam
números. Quando você lhes conta sobre um novo amigo, eles nunca
fazem perguntas sobre questões essenciais. Eles nunca lhe dizem:
“Como é a voz dele? Quais jogos ele prefere? Ele coleciona
borboletas? ”
Eles perguntam:
“Quantos anos ele tem? Quantos irmãos ele tem? Quanto ele
pesa? Quanto dinheiro o pai dele ganha? ” Só assim eles sentem
que o conhecem. Se você mencionasse para os adultos: “Eu vi uma
linda casa construída com tijolos cor-de-rosa, com gerânios no
peitoril da janela e pombos no telhado...”, eles não conseguiriam
imaginar uma casa dessas. Você teria que lhes dizer: “Eu vi uma
casa que vale cem mil”. Ao que eles exclamariam: “Nossa! Que
maravilha”.
Sendo assim, se você lhes dissesse: “A prova de que o pequeno
príncipe existiu é que ele era encantador, que ele ria e que ele tinha
um carneiro. Quando você quer um carneiro, isso prova que você
existe”, eles dariam de ombros e lhe tratariam como se você fosse
criança. Mas se você lhes dissesse: “O planeta de onde ele veio é o
Asteroide B- 612”, eles ficariam convencidos e não lhe fariam mais
perguntas. É assim que eles são. Não se deve chatear-se com eles.
As crianças devem mostrar grande compreensão para com os
adultos.
Mas é claro, para aqueles de nós que entendem a vida, números
não têm a menor importância. Eu gostaria de ter começado esta
história como um conto de fadas. Eu deveria ter dito algo como: “Era
uma vez um pequeno príncipe que vivia num planeta pouco maior
do que ele mesmo e que precisava de um amigo”. Para aqueles que
entendem do que se trata a vida, isso teria soado mais próximo da
verdade.
Pois eu não quero que meu livro seja lido negligentemente. Eu
passei por muita tristeza para registrar essas memórias. Seis anos
já se passaram desde que o meu pequeno amigo me deixou, com
seu carneiro. Se eu tento descrevê-lo, é para não esquecê-lo. É
triste esquecer um amigo. Nem todo mundo teve um amigo. E eu
poderia acabar como os adultos, que só ligam para números.
Foi por isso que eu comprei uma caixa de tintas e alguns lápis. É
difícil voltar a desenhar na minha idade, tendo jamais tentado
desenhar nada além de uma jiboia por fora e uma jiboia por dentro
aos seis anos. Eu certamente me esforçarei para que meus retratos
sejam os mais féis possíveis à realidade. Mas eu não tenho muita
certeza se terei sucesso. Um desenho fica aceitável, o outro não
mostra qualquer semelhança com a realidade. A altura também não
está certa. Aqui, o pequeno príncipe está muito alto. Ali, ele está
muito pequeno. E eu não tenho certeza sobre a cor de seu traje.
Eu também cometo erros com relação a alguns detalhes mais
importantes. Mas eu devo ser perdoado por isso. O meu amigo
nunca me explicou nada. Talvez ele tenha pensado que eu fosse
como ele. Mas, infelizmente, eu não consigo ver carneiros dentro de
caixas. Talvez eu seja um pouquinho parecido com os adultos. Eu
estou envelhecendo.
5
CAPÍTULO CINCO
A
cada dia, eu aprendia alguma coisa sobre o planeta do
pequeno príncipe, sobre sua partida desse planeta, sobre sua
jornada. As informações vinham bem lentamente,
acompanhando o curso dos pensamentos do pequeno
príncipe. Foi então que, no terceiro dia, eu ouvi sobre a catástrofe
dos baobás.
Mais uma vez, foi graças ao carneiro, pois de repente, o
pequeno príncipe me questionou, como se tivesse sido acometido
por uma dúvida séria:
— É verdade, não é? Que carneiros comem arbustos?
— Sim, é verdade.
— Ah! Que bom.
Eu não entendi por que o fato de carneiros comerem arbustos
seria tão importante. Mas o pequeno príncipe acrescentou:
— Sendo assim, eles também comem baobás?
A
h, pequeno príncipe! Pouco a pouco, eu comecei a
compreender a sua triste vidinha... Por muito tempo, a sua
única diversão fora o prazer de observar os pores do sol. Eu
aprendi esse novo detalhe na manhã do quarto dia, quando
você me disse:
— Eu gosto muito do pôr do sol. Vamos assistir a um pôr do sol?
— Mas nós temos que esperar...
— Esperar o quê?
— Esperar que o sol se ponha.
Você mostrou um olhar de grande surpresa a princípio, e depois
você riu consigo mesmo e me disse:
— Eu continuo pensando que estou em casa.
Sim, de fato. Quando é meio-dia nos Estados Unidos, o sol,
como todos sabem, está se ponto na França. Seria preciso viajar em
um minuto para a França para poder ver o sol se pondo lá.
Infelizmente, a França está longe demais para isso. Mas no seu
planeta pequenininho, tudo o que você precisava fazer era mover a
sua cadeira alguns passos. E você poderia assistir ao crepúsculo
caindo de novo sempre que quisesse...
— Um dia, eu vi o sol se pôr quarenta e quatro vezes — você me
disse. E pouco depois, acrescentou: — Sabe… quando se está
terrivelmente triste, é muito bom ver o pôr do sol...
— No dia em que viu esses quarenta e quatro pores do sol, você
estava tão triste assim? — Eu perguntei.
Mas o pequeno príncipe não deu resposta.
7
CAPÍTULO SETE
N
o quinto dia, e mais uma vez graças ao carneiro, esse
segredo da vida do pequeno príncipe me foi revelado. Sem
qualquer preâmbulo e como se fosse o resultado de um
problema analisado silenciosamente, ele me perguntou de
repente:
— Um carneiro, se ele come arbustos, ele come flores também?
— Um carneiro come qualquer coisa que aparecer.
— Mesmo que seja flores com espinhos?
— Sim, mesmo flores com espinhos.
— E os espinhos… que utilidade eles têm?
Eu não sabia. Eu estava muito ocupado tentando desatarraxar
um parafuso que estava preso no meu motor. Eu estava
profundamente preocupado, porque o defeito do meu avião
começava a parecer extremamente sério para mim, a minha água
potável estava acabando rápido e eu só conseguia temer pelo pior.
— E os espinhos… para que eles servem?
O pequeno príncipe nunca deixava uma pergunta para lá uma
vez que a tivesse feito. Eu estava irritado por conta do meu parafuso
e respondi a primeira coisa que me veio à cabeça:
— Espinhos são bem inúteis. As flores os têm por pura maldade.
— Ah!
Mas após um momento de silêncio, ele disse com uma espécie
de ressentimento:
— Eu não acredito em você. As flores são frágeis. Elas são
ingênuas. Elas se protegem da melhor maneira que podem. Elas
acreditam que seus espinhos às tornam terríveis...
Eu não respondi. Naquele instante, eu estava dizendo para mim
mesmo: Se esse parafuso continuar resistindo, eu arranco ele a
marteladas.
Mais uma vez, o pequeno príncipe invadiu os meus
pensamentos:
— E você acredita mesmo que as flores...
— Não! Não! Eu não acredito em nada. Eu só respondi de
qualquer jeito, eu estou ocupado com uma questão séria.
Ele me encarou com total perplexidade.
— Questão séria?
Ele olhou para mim ali, com um martelo na mão e meus dedos
pretos com graxa de motor, curvado sobre um objeto que lhe
parecia extremamente feio.
— Você fala como os adultos.
Isso me fez sentir um pouco envergonhado.
Implacavelmente, ele acrescentou:
— Você está confundido tudo… está confundindo tudo!
Ele realmente parecia bravo. Ele balançou as suas madeixas
douradas ao vento:
— Eu conheço um planeta onde tem um cavalheiro de rosto
vermelho. Ele nunca cheirou uma flor. Ele nunca olhou para uma
estrela. Ele nunca amou ninguém. Ele passou toda a sua vida
somando números. E o dia todo, ele fica repetindo: “Eu estou
ocupado com uma questão séria. Eu estou ocupado com uma
questão séria”, de novo e de novo. E ele se infla de orgulho. Mas ele
não é um homem, ele é um cogumelo!
— Um o quê?
— Um cogumelo!
O pequeno príncipe agora estava pálido de raiva.
— Por milhões de anos, as flores têm produzido espinhos. E por
milhões de anos, os carneiros comem as flores. E não vale a pena
tentar entender por que elas se dão ao trabalho de produzir
espinhos que não têm utilidade para elas? A guerra entre carneiros
e flores não é importante? Não é mais séria e mais importante do
que as contas de um cavalheiro de rosto vermelho? E se eu
conhecesse uma flor que é única no mundo e que não cresce em
nenhum outro planeta além do meu e que um carneiro pode destruí-
la com uma simples mordida, de repente, numa bela manhã, sem
nem perceber o que está fazendo, isso não seria importante?!
Ele corou e continuou:
— Se alguém ama uma flor da qual só existe uma nas milhões e
milhões de estrelas, isso é o bastante para deixá-lo feliz quando ele
olha para ela, pois ele pode dizer para si mesmo: “A minha flor está
em algum lugar lá fora...” Mas se uma ovelha comesse essa flor,
para ele seria como se, do nada, todas as estrelas se apagassem! E
você acha que isso não é importante!
Ele não conseguia dizer mais nada, pois ele fora dominado pelas
lágrimas. A noite caíra. Eu larguei as minhas ferramentas. Eu não
conseguia dar a mínima para o meu martelo, meu parafuso, para a
sede ou a morte. Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra,
um pequeno príncipe que precisava ser consolado! Eu o segurei em
meus braços e o embalei suavemente. Eu disse a ele:
E
u logo passei a conhecer melhor essa flor. Sempre houve
flores bem simples no planeta do pequeno príncipe, com um
único anel de pétalas, ocupando muito pouco espaço e sem
incomodar ninguém. Elas apareciam pela manhã, na grama,
e desapareciam à noite. Mas um dia, de uma semente soprada
sabe-se lá de onde, uma nova flor surgira; e o pequeno príncipe
vigiara de perto o pequeno broto, que não era nada parecido com os
outros brotos em seu planeta. Ele poderia ser uma nova espécie de
baobá. Mas a planta logo parou de crescer e começou a
desenvolver uma flor. O pequeno príncipe, acompanhando o
crescimento de um enorme botão, sentiu que aquilo poderia muito
bem levar a uma aparição miraculosa, mas a flor seguiu com seus
preparativos, cuidando de sua beleza, dentro de sua câmara verde.
E
u suspeito que, para a sua fuga, ele tenha se aproveitado da
migração das aves silvestres. Na manhã de sua partida, ele
colocou seu planeta em ordem. Começou por varrer
cuidadosamente seus vulcões ativos. Ele possuía duas
vulcões ativos e eles eram bastante convenientes para aquecer seu
desjejum pela manhã. Ele também tinha um vulcão extinto. Mas
como ele apontou: Nunca se sabe! Então, ele também limpou o
vulcão extinto. Se forem varridos apropriadamente, vulcões
queimam gradativa e regularmente, sem nenhuma erupção.
Erupções vulcânicas são como chaminés de fogo. Na Terra, é claro,
nós somos pequenos demais para varrer nossos vulcões. É por isso
que eles nos causam tantos problemas.
O pequeno príncipe arrancou, não sem uma certa tristeza, os
últimos brotos de baobás. Ele acreditava que ele jamais teria que
retornar. Mas todas aquelas atividades familiares lhe pareceram
muito preciosas naquela última manhã.
E
le se encontrava nas redondezas dos asteroides 325, 326,
327, 328, 329 e 330. Então, ele começou a visitá-los para
procurar uma ocupação e para ganhar conhecimento.
O primeiro era habitado por um rei. Vestido de púrpura e
arminho, ele sentava-se num trono que era ao mesmo tempo
simples e majestoso.
— Ah, eis um súdito — exclamou o rei quando este espiou o
pequeno príncipe.
E o pequeno príncipe pensou consigo mesmo: Como ele pode
me reconhecer, sendo que nunca nos vimos antes?
Ele não sabia que para os reis, o mundo é amplamente
simplificado. Para eles, todos os homens são súditos.
— Aproxime-se para que eu possa vê-lo melhor — disse o rei,
demasiadamente orgulhoso em ter alguém de quem ser rei.
O pequeno príncipe olhou ao redor em busca de um lugar para
se sentar; mas o planeta inteiro estava coberto pela magnífica túnica
de arminho. Então ele continuou de pé e, como estava cansado,
bocejou.
— É avesso à etiqueta bocejar na presença de um rei — disse o
monarca. — Eu o proíbo.
— Eu não posso evitar — respondeu o pequeno príncipe,
confuso. — Eu enfrentei uma longa jornada e não dormi nada...
— Neste caso, — disse o rei, — eu ordeno que bocejes. Eu não
vejo ninguém bocejar há anos. Bocejos são raridade para mim.
Vamos! Boceja de novo. É uma ordem!
— Você está me assustando… eu não consigo mais bocejar… —
disse o pequeno príncipe, corando.
— Hum! Hum! — respondeu o rei. Então eu ordeno que às vezes
boceje e às vezes...
Ele gaguejou um pouco e pareceu exasperado.
Pois o rei achava de considerável importância que sua
autoridade fosse respeitada. Ele não tolerava desobediência. Ele
era um monarca absoluto. Mas como era muito gentil, ele dava
ordens razoáveis.
— Se eu ordeno que um general, — ele diria, — se transforme
numa gaivota, e o general não obedece, não seria culpa do general.
A culpa seria minha por lhe ordenar que fizesse o impossível.
— Posso me sentar? — perguntou o pequeno príncipe,
timidamente.
— Eu ordeno que te sentes — respondeu o rei, reunindo
majestosamente uma dobra de sua túnica de arminho ao seu redor.
Mas o pequeno príncipe estava confuso. O planeta era
minúsculo. Sobre o que esse rei poderia governar?
— Majestade... — ele começou, — peço licença para lhe fazer
uma pergunta...
— Eu ordeno que apresentes a tua pergunta — o rei foi rápido
em responder.
— Majestade… sobre o que o senhor governa?
— Sobre tudo — respondeu o rei, de maneira bem simples.
— Sobre tudo?
O rei fez um gesto abrangente, indicando seu próprio planeta, os
outros planetas e as estrelas.
— Sobre tudo isso? — Quis saber o pequeno príncipe.
— Sobre tudo isso — respondeu o rei.
Pois ele não era só um monarca absoluto, ele também era
universal.
— E as estrelas obedecem?
— É claro — disse o rei. — Elas obedecem imediatamente. Eu
não tolero insubordinação.
O pequeno príncipe ficou maravilhado com tamanho poder. Se
ele o possuísse, ele poderia ter assistido não a quarenta e quatro,
mas a setenta e dois ou quem sabe cem ou duzentos pores do sol
no mesmo dia, sem nem mesmo ter que mover sua cadeira! E como
ele estava se sentindo um tanto triste, lembrando-se de seu
pequeno planeta abandonado, ele reuniu sua coragem para pedir
um favor ao rei.
— Eu gostaria de ver um pôr do sol… Por favor, conceda-me
essa gentileza… ordene que o sol se ponha...
— Se eu ordenasse a um general que voe de uma flor para outra
como uma borboleta, ou que escreva uma tragédia, ou que se
transforme numa gaivota, e o general não executasse a minha
ordem, de quem seria a culpa?
— Seria de vossa majestade — disse o pequeno príncipe,
firmemente.
— Exatamente. Deve-se exigir de cada um aquilo que ele ou ela
é capaz de fazer. A autoridade é baseada, primeiramente e acima
de tudo, na razão. Se ordenares que seu povo se atire no mar, tu
terás uma revolução em mãos. Eu tenho o direito de exigir
obediência porque minhas ordens são razoáveis.
— E quanto ao meu pôr do sol? — O pequeno príncipe o
lembrou, pois ele jamais se esquecia de uma pergunta depois de tê-
la feito.
— Tu terás o teu pôr do sol. Eu exigirei. Mas, de acordo com o
governo científico, eu esperarei até que as condições sejam
favoráveis.
— E quando será isso? — perguntou o pequeno príncipe.
— Hum! Hum! — respondeu o rei, consultando seu grande
calendário — Hum! Hum! Será por volta de… por volta de… será
esta noite, por volta de vinte minutos para as oito. E tu verás o quão
bem eu sou obedecido.
O pequeno príncipe bocejou. Ele lamentava por ter que perder o
pôr do sol, mas ele estava ficando um pouco entediado.
— Eu não tenho mais nada para fazer aqui, — ele disse ao rei,
— então, vou seguir meu caminho!
— Não vá! — disse o rei, que estava orgulhoso por ter um súdito.
— Eu farei de ti um ministro!
— Um ministro de quê?
— Da... da justiça!
— Mas não tem ninguém aqui para julgar!
— Isso não é certeza — disse o rei. — Eu ainda não inspecionei
por completo o meu reino. Eu estou muito velho e caminhar me
deixa muito cansado, mas não há espaço para uma carruagem aqui.
— Ah! Mas eu já dei uma olhada — disse o pequeno príncipe,
curvando-se para dar mais uma olhada no outro lado do planeta, só
para ter certeza.
— Então, julgarás a si mesmo — respondeu o rei. — Essa é a
coisa mais difícil de todas. É bem mais difícil julgar a si mesmo do
que julgar os outros. Se obtiveres sucesso em julgar a si mesmo
justamente, és, deveras, um homem muito sábio.
— Na minha opinião, — disse o pequeno príncipe, — eu posso
julgar a mim mesmo em qualquer lugar. Eu não preciso viver aqui.
— Hum! Hum! — disse o rei. — Eu acredito que há um rato velho
em algum lugar do meu planeta. Eu posso ouvi-lo à noite. Podes
julgar esse rato velho. Tu o condenarás à morte de tempos em
tempos. Assim, a vida dele dependerá da tua justiça. Mas em cada
ocasião, tu o pouparás a fim de mantê-lo vivo. Ele é o único que
temos.
— Eu, — respondeu o pequeno príncipe, — não gosto de
condenar nada à morte e eu acho que vou seguir meu caminho.
— Não! — disse o rei.
Tendo completado seus preparativos, o pequeno príncipe não
tinha o desejo de ferir os sentimentos do velho monarca.
— Se vossa majestade deseja ser obedecido imediatamente, o
senhor deveria me dar uma ordem razoável. O senhor poderia, por
exemplo, ordenar que eu me vá em menos de um minuto. Parece-
me que as condições são favoráveis...
Como o rei não disse nada, o pequeno príncipe hesitou por um
momento e então, com um suspiro, se retirou.
— Eu farei de ti meu embaixador! — O rei se apressou em gritar
atrás dele. Ele tinha um ar magnífico de autoridade.
— Adultos são muito esquisitos — disse o pequeno príncipe para
si mesmo, continuando sua jornada.
11
CAPÍTULO ONZE
O
segundo planeta era habitado por um indivíduo vaidoso.
— Arrá! Aí vem um admirador! — Ele exclamou quando,
de longe, ele identificou o pequeno príncipe. Pois homens
vaidosos veem todos os outros homens como admiradores.
— Bom dia — disse o pequeno príncipe. — Você está usando
um chapéu engraçado.
— É um chapéu para saudações — o homem vaidoso
respondeu. — Para levantar quando me aclamam. Infelizmente,
ninguém nunca passa por aqui.
— Verdade? — disse o pequeno príncipe, que não sabia do que
o homem vaidoso estava falando.
— Bata palmas — o homem vaidoso aconselhou.
O pequeno príncipe bateu palmas. O homem vaidoso ergueu seu
chapéu numa saudação modesta.
— Isso é mais divertido do que a minha visita ao rei — o
pequeno príncipe disse para si mesmo. E ele experimentou bater
palmas de novo. O homem vaidoso mais uma vez levantou seu
chapéu em saudação.
Depois de cinco minutos desse exercício, o pequeno príncipe se
cansou da monotonia do jogo.
— E para fazer você baixar o seu chapéu, o que se deve fazer?
— Ele perguntou.
Mas o homem vaidoso não o ouviu. Homens vaidosos ouvem
apenas elogios.
— Você realmente me admira tanto assim? — Ele perguntou ao
pequeno príncipe.
— O que “admirar” significa?
— Admirar significa que você me considera o homem mais
atraente, mais bem vestido, mais rico e mais inteligente deste
planeta.
— Mas você está sozinho no seu planeta!
— Faça-me essa gentileza. Admire-me mesmo assim!
— Eu lhe admiro, — disse o pequeno príncipe, dando de ombros
levemente, — mas por que isso significa tanto para você?
E o pequeno príncipe foi embora.
— Adultos são mesmo muito esquisitos — ele disse para si
mesmo, enquanto seguia em sua jornada.
12
CAPÍTULO DOZE
O
planeta seguinte era habitado por um bêbado. Essa visita foi
bem breve, mas ela afetou o pequeno príncipe com uma
tristeza profunda.
— O que você está fazendo aqui? — Ele perguntou ao
bêbado, que ele encontrou sentado em silêncio diante de um
conjunto de garrafas, algumas vazias e algumas cheias.
— Eu estou bebendo — respondeu o bêbado, soturnamente.
— Por que você está bebendo? — O pequeno príncipe
perguntou.
— Para esquecer — respondeu o bêbado.
— Para esquecer o quê? — inquiriu o pequeno príncipe, que já
começava a sentir pena dele.
— Para esquecer que tenho vergonha — o bêbado confessou,
pendendo a cabeça.
— Vergonha de quê? — perguntou o pequeno príncipe, que
desejava ajudá-lo.
— Vergonha de beber! — concluiu o bêbado, retirando-se em
silêncio total.
E o pequeno príncipe foi embora confuso.
— Adultos são mesmo muito, muito esquisitos — ele disse para
si mesmo, enquanto continuava em sua jornada.
13
CAPÍTULO TREZE
O
quarto pertencia a um homem de negócios. Ele estava tão
ocupado que nem mesmo levantou a cabeça quando o
pequeno príncipe chegou.
— Bom dia — o pequeno príncipe lhe disse. — O seu
cigarro se apagou.
— Três mais dois é igual a cinco. Cinco mais sete é igual a doze.
Doze mais três é igual a quinze. Bom dia. Quinze mais sete é igual a
vinte e dois. Vinte e dois mais seis é igual a vinte e oito. Não tenho
tempo de acendê-lo de novo. Vinte e seis mais cinco é igual a trinta
e um. Ufa! E isso dá quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e
dois mil, setecentos e trinta e um.
— Quinhentos milhões de quê?
— Hã? Você ainda está aí? Quinhentos e um milhões de... eu
não me lembro… eu tenho muito trabalho! Eu sou um homem sério,
eu não perco meu tempo com conversa mole! Dois e cinco são
sete...
— Quinhentos e um milhões de quê? — repetiu o pequeno
príncipe, que jamais em sua vida deixava uma pergunta para lá
depois que a tivesse feito.
O homem de negócios levantou a cabeça.
— Durante os cinquenta e quatro anos em que eu estive vivendo
neste planeta, eu só fui incomodado três vezes. A primeira vez foi
há vinte e dois anos atrás, por um besouro que caiu só Deus sabe
de onde. Ele fazia um barulho horrível e eu cometi quatro erros nas
minhas contas. A segunda vez foi há onze anos atrás, por um
ataque de reumatismo. Eu não me exercito o suficiente. Eu não
tenho tempo para vadiar. Eu sou um homem sério. A terceira vez…
bem, é esta! Como eu estava dizendo, quinhentos e um milhões...
— Milhões de quê?
O homem de negócios de repente percebeu que não havia
esperança de ser deixado em paz.
— Daquelas pequenas coisas que às vezes se vê no céu.
— Moscas?
— Ah, não! Coisinhas brilhantes.
— Abelhas?
— Ah, não! Pequenos objetos dourados que fazem homens
preguiçosos sonharem acordados. Mas eu sou um homem sério! Eu
não tenho tempo para sonhar acordado.
— Ah! Você fala das estrelas?
— Sim, é isso. As estrelas.
— E o que você faz com quinhentos milhões de estrelas?
— Quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e duas mil,
setecentos e trinta e uma estrelas. Eu sou um homem sério. Eu sou
preciso.
— E o que você faz com quinhentos e um milhões de estrelas?
— Quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e duas mil,
setecentos e trinta e uma.
— E o que você faz com elas?
— O que eu faço com elas?
— Isso.
— Nada. Eu sou dono delas.
— Você é dono das estrelas?
— Sim.
— Mas eu conheci um rei que...
— Reis não são donos de nada. Eles reinam. É bem diferente.
— E que utilidade tem para você ser dono das estrelas?
— Isso me faz rico.
— E qual é o sentido de ser rico?
— Isso me permite comprar outras estrelas, se alguém puder
encontrar alguma.
“Esse homem”, o pequeno príncipe disse para si mesmo,
“raciocina um pouco como o bêbado”. Contudo, ele fez mais
algumas perguntas.
— Como alguém pode ser dono das estrelas?
— De quem elas são? — O homem de negócios perguntou, de
modo irritadiço.
— Eu não sei. Elas não pertencem a ninguém.
— Neste caso, elas são minhas, porque eu fui a primeira pessoa
a pensar nisso.
— Isso é o suficiente?
— É claro que é. Quando você encontra um diamante que não
pertence a ninguém, ele é seu. Quando você descobre uma ilha que
não pertence a ninguém, ela é sua. Quando você é o primeiro a ter
uma ideia, você registra sua patente: ela é sua. E eu sou o dono das
estrelas porque ninguém antes de mim pensou em ser dono delas.
— Isso é ilógico — disse o pequeno príncipe. — E o que você
faz com elas?
— Eu as gerencio, eu as conto e as reconto — disse o homem
de negócios. — Eu sou um homem que se preocupa com questões
de consequências!
O pequeno príncipe ainda não estava satisfeito.
— Se eu tivesse um cachecol de seda, eu poderia colocá-lo em
volta do meu pescoço e levá-lo embora comigo. Se eu tivesse uma
flor, eu poderia colhê-la e levá-la embora. Mas você não pode pegar
as estrelas!
— Não, mas eu posso colocá-las no banco.
— E o que isso quer dizer?
— Quer dizer que eu escrevo o número das minhas estrelas num
pedaço de papel. E depois, eu coloco o papel numa gaveta e a
tranco à chave.
— E isso é tudo?
— Isso é o bastante!
“Que interessante”, pensou o pequeno príncipe. “Um tanto
poético. Mas um exercício sem importância real”.
As ideias do pequeno príncipe sobre o que era importante eram
bem diferentes das ideias dos adultos.
— Eu mesmo sou dono de uma flor que eu rego todos os dias —
ele disse ao homem de negócios. — Eu sou dono de três vulcões
que eu limpo a cada semana. Eu sempre incluo o que está extinto.
Nunca se sabe. É bom para os meus vulcões e bom para a minha
flor. Mas você não tem utilidade para as estrelas...
O homem de negócio abriu a boca, mas não encontrou nada
para dizer, e o pequeno príncipe seguiu seu caminho.
— Adultos certamente são absolutamente extraordinários — ele
disse para si mesmo ao continuar com sua jornada.
14
CAPÍTULO CATORZE
O
quinto planeta era muito estranho. Ele era o menor de todos.
Só havia espaço para um poste de luz e um acendedor de
lampiões. O pequeno príncipe ficou se perguntando qual
seria a utilidade de um poste de luz e um acendedor de
lampiões no meio do céu, num planeta sem casas ou pessoas.
Contudo, ele disse a si mesmo: “Talvez, o acendedor de
lampiões seja absurdo. No entanto, ele não é tão absurdo quanto o
rei, o homem vaidoso, o homem de negócios ou o bêbado. Pois,
pelo menos, seu trabalho tem algum significado. Quando ele acende
seu poste, é como se ele desse vida a mais uma estrela, ou mais
uma flor. Quando ele apaga o lampião, ele coloca a flor ou a estrela
para dormir. É uma ocupação bonita. E se é bonita, ela é
verdadeiramente útil.
Quando ele chegou ao planeta, ele saudou o acendedor de
lampiões respeitosamente.
— Bom dia, senhor. Por que você apagou a sua lâmpada?
— Essas são as ordens — respondeu o acendedor. — Bom dia.
— Quais são as ordens?
— As ordens são para que eu apague a minha lâmpada. Boa
noite. — E ele acendeu a lâmpada de novo.
— Mas por que você acendeu de novo?
— Essas são as ordens — respondeu o acendedor.
— Eu não entendo — disse o pequeno príncipe.
— Não há nada para entender — disse o acendedor. — Ordens
são ordens. Bom dia.
E ele apagou sua lâmpada.
Então ele enxugou sua testa com um lenço decorado com
quadrados vermelhos.
— A minha vocação é terrível. Nos velhos tempos, ela era
plausível. Eu apagava a lâmpada de manhã e a acendia de novo à
noite. Pelo resto do dia, eu podia relaxar e pelo resto da noite, eu
podia dormir...
— E as ordens mudaram desde aqueles tempos?
— As ordens não mudaram — disse o acendedor. — E essa é a
tragédia! Ano após anos, a velocidade da rotação do planeta
aumentou consideravelmente e as ordens não mudaram!
— E então? — perguntou o pequeno príncipe.
— Bem, agora que a velocidade alcançou uma rotação por
minuto, eu não tenho um segundo de descanso. Eu tenho que
acender e apagar a minha lâmpada uma vez por minuto.
— Isso é muito engraçado! Onde você vive, um dia dura só um
minuto!
— Isso não é nada engraçado — disse o acendedor. — Nós já
estamos aqui conversando há um mês inteiro.
— Um mês?
— Sim. Trinta minutos! Boa noite.
E tornou a acender sua lâmpada.
Enquanto o pequeno príncipe o observava, ele sentiu que tinha
passado a admirar o acendedor de lampiões, tão fiel às suas
ordens. Ele se lembrou dos pores do sol que ele costumava
perseguir simplesmente movendo sua cadeira. Ele queria ajudar seu
amigo.
— Sabe de uma coisa? Eu acredito que haja um jeito de permitir
que você tire uma folga sempre que quiser...
— Eu sempre quero — disse o acendedor.
Pois é possível ser fiel e preguiçoso ao mesmo tempo.
O pequeno príncipe continuou:
— O seu planeta é tão pequeno que você pode dar a volta nele
em três passadas. Você só precisa caminhar lentamente para estar
sempre no sol. Quando você quiser descansar, você anda… e o dia
vai durar o tempo que você quiser.
— Isso não me ajudaria muito — disse o acendedor. — A coisa
que eu mais gosto de fazer na vida é dormir.
— Isso é uma pena — disse o pequeno príncipe.
— Isso realmente é uma pena — disse o acendedor. — Boa
noite. — E ele apagou sua lâmpada.
“Esse homem”, disse o pequeno príncipe para si mesmo ao
continuar sua jornada, “esse homem seria desprezado por todos os
outros, pelo rei, pelo homem vaidoso, pelo bêbado, pelo homem de
negócios. Mas ele é o único que não parece ridículo para mim.
Talvez seja porque ele não está preocupado apenas consigo
mesmo.
Com um suspiro de arrependimento, ele disse para si mesmo
mais uma vez: “Esse homem é o único que poderia ter se tornado
meu amigo. Mas seu planeta é pequeno demais. Não há espaço o
bastante para dois...”
O que o pequeno príncipe não admitiria para si mesmo é que ele
achava uma pena ir embora desse planeta. Abençoado como ele
era com mil quatrocentos e quarenta pores do sol todos os dias.
15
CAPÍTULO QUINZE
O
sexto planeta era um planeta dez vezes maior. Ele era
habitado por um velho cavalheiro que escrevia livros
volumosos.
— Ah, vejam só! Aí vem um explorador! — Ele exclamou
ao ver o pequeno príncipe.
O pequeno príncipe sentou-se à mesa, recuperando o fôlego.
Parecia que ele estava viajando há um bom tempo!
— De onde você vem? — perguntou o velho cavalheiro.
— Que livro grosso é esse? — disse o pequeno príncipe,
ignorando a pergunta. — O que o senhor faz aqui?
E
ntão, o sétimo planeta foi a Terra.
A Terra não é só um planeta comum! Ela tem cento e
onze reis (sem mencionar os reis negros, é claro), sete mil
geógrafos, novecentos mil homens de negócios, sete milhões
e meio de bêbados, trezentos e onze milhões de indivíduos
vaidosos – em outras palavras, aproximadamente duzentos milhões
de adultos.
Para vocês terem uma ideia do tamanho da Terra, eu devo
explicar que antes da invenção da eletricidade, por todos os seis
continentes, um verdadeiro exército contando com 462.511
acendedores de lampiões tinha que ser mantido para cuidar dos
postes de iluminação.
Visto de certa distância, o efeito era magnífico. Os movimentos
desse exército eram coreografados como os de um balé. Primeiro,
era a vez dos acendedores de lampiões da Nova Zelândia e da
Austrália. Depois, tendo acendido suas lâmpadas, eles iam dormir.
Em seguida, os acendedores da China e da Sibéria juntavam-se à
dança. Depois disso, eles também desapareciam nos bastidores.
Depois, chegava a vez dos acendedores da Rússia e da Índia.
Depois, os da África e da Europa. Depois, os da América do Sul.
Depois, os da América do Norte. E eles nunca cometiam erros em
sua ordem de entrada no palco. Era fabuloso.
Apenas o homem encarregado da única lâmpada no Polo Norte
e seu colega responsável pela única lâmpada no Polo Sul podiam
desfrutar de uma vida despreocupada de preguiça: eles só
trabalhavam duas vezes ao ano.
17
CAPÍTULO DEZESSETE
Q
uando se quer ser engraçado, pode ser necessário contar
uma mentirinha de tempos em tempos. Eu não fui muito
honesto com vocês quando contei a respeito dos
acendedores de lampiões. Eu estou correndo o risco de
passar uma ideia errada sobre o nosso planeta para
aqueles que não o conhecem. Homens ocupam muito pouco espaço
na Terra. Se os dois milhões de habitantes que ocupam o planeta
ficassem de pé e amontoados, como numa reunião, eles poderiam
facilmente viver numa praça pública de vinte milhas de comprimento
e vinte milhas de largura. Toda a humanidade poderia ser reunida
numa pequena ilhota no Pacífico.
Os adultos, é claro, nunca acreditariam em vocês. Eles acham
que podem ocupar bastante espaço. Eles se consideram tão
importantes quanto baobás. Vocês deveriam encorajá-los a fazer
seus próprios cálculos. Eles adoram números e ficariam contentes.
Mas não desperdicem tempo com essa empreitada. É
desnecessário. Eu sei que vocês acreditam em mim.
Pois então, quando o pequeno príncipe chegou na Terra, ele
ficou muito surpreso por não ver nenhuma pessoa. Ele estava
começando a temer que ele pudesse ter errado de planeta quando
uma espiral, de um dourado pálido como a lua, se moveu na areia.
— Boa noite — disse o pequeno príncipe, educadamente.
— Boa noite — disse a cobra.
— Em que planeta eu caí? — perguntou o pequeno príncipe.
— No planeta Terra, na África — respondeu a cobra.
— Ah! ...Então não tem pessoas na Terra?
— Este é o deserto. Não há pessoas no deserto. A Terra é
grande — disse a serpente.
O pequeno príncipe sentou-se numa pedra e olhou para o céu.
— Eu estava me perguntando, — ele disse, — será que as
estrelas se acendem para que cada um de nós possa encontrar a
nossa própria estrela de novo? Veja só o meu planeta. Ele está bem
acima de nós… mas veja como está longe!
— Ele é bonito — disse a serpente. — O que você veio fazer
aqui?
— Eu estou tendo dificuldades com uma flor — o pequeno
príncipe respondeu.
— Ah! — disse a serpente.
E eles permaneceram em silêncio.
— Onde estão os homens? — disse o pequeno príncipe, enfim
retomando a conversa. — É um tanto solitário no deserto.
— É igualmente solitário entre os homens — disse a serpente.
O pequeno príncipe a fitou por um longo tempo.
— Você é um animal estranho — ele disse, enfim. — Você é fina
como um dedo...
— Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei — disse a
serpente.
O pequeno príncipe sorriu.
— Você não parece muito poderosa… você sequer tem patas...
você sequer pode viajar.
— Eu posso levá-lo mais longe do que um navio — disse a
serpente.
Ela se enroscou ao redor do tornozelo do pequeno príncipe,
como um bracelete dourado.
— Quando eu toco em alguém, eu o devolvo à terra de onde
ele veio. — Ela acrescentou. — Mas você é puro e inocente e veio
de uma estrela.
O pequeno príncipe nada disse.
— Eu sinto pena de você, tão frágil nesta Terra de granito. Eu
posso ser capaz de ajudá-lo algum dia, se você sentir muita
saudade do seu planeta. Eu posso...
— Ah! Eu lhe entendo perfeitamente — disse o pequeno
príncipe. — Mas por que você fala por enigmas o tempo todo?
— Eu soluciono todos eles — disse a serpente.
E os dois ficaram em silêncio.
18
CAPÍTULO DEZOITO
O
pequeno príncipe cruzou o deserto e encontrou apenas uma
flor. Uma flor com pouquíssimas pétalas, uma flor sem
importância...
— Bom dia — disse o pequeno príncipe.
— Bom dia — disse a flor.
— Onde estão os homens? — O pequeno príncipe inquiriu
educadamente.
A flor vira uma caravana passar certa vez.
— Homens? Eu acredito que haja cerca de seis ou sete deles.
Eu os avistei há vários anos atrás. Mas nunca se sabe onde
encontrá-los. O vento os sopra para todos os lados. Eles não têm
raízes, o que torna suas vidas bem penosas.
— Adeus — disse o pequeno príncipe.
— Adeus — disse a flor.
19
CAPÍTULO DEZENOVE
O
pequeno príncipe escalou uma montanha alta. As únicas
montanhas que ele conhecia eram os três vulcões, e eles só
chegavam aos seus joelhos. E ele usava o vulcão extinto
como um escabelo. “Do topo de uma montanha tão alta
quanto esta”, ele disse para si mesmo, “eu devo conseguir ver o
planeta inteiro num único relance, e todas as pessoas...” Mas as
únicas coisas que ele pôde ver foram picos tão pontudos quanto
agulhas.
— Bom dia — ele disse educadamente.
— Bom dia... bom dia… bom dia — respondeu o eco.
— Quem é você? — perguntou o pequeno príncipe
— Quem é você… quem é você… quem é você... — respondeu
o eco.
— Seja meu amigo, eu estou sozinho — ele disse.
— Eu estou sozinho… estou sozinho… estou sozinho... —
respondeu o eco.
“Que planeta estranho!” Ele pensou consigo mesmo. “É bem
seco, coberto por picos, salgado e inóspito. E as pessoas não têm
imaginação. Elas só repetem o que você diz a elas… No meu
planeta, eu tinha uma flor; ela era sempre a primeira a falar.
20
CAPÍTULO VINTE
E
ntretanto, depois de caminhar por um longo tempo pelo
deserto, pelas rochas e pela neve, o pequeno príncipe enfim
se deparou com uma estrada. E todas as estradas levam aos
homens.
— Bom dia — ele disse ao dar num jardim de cheio de rosas.
— Bom dia — disseram as rosas.
O pequeno príncipe as contemplou. Todas elas lembravam sua
flor.
— Quem são vocês? — Ele perguntou, maravilhado.
— Nós somos rosas — disseram as rosas.
— Ah! —exclamou o pequeno príncipe.
E de repente, ele foi tomado pela tristeza. Sua flor lhe dissera
que ela era a única de sua espécie no universo. E aqui havia cinco
mil delas, todas parecidas, todas num só jardim!
“Ela ficaria bem ressentida”, ele pensou consigo mesmo, “se
pudesse ver isso… ela tossiria e tossiria e fingiria estar morrendo,
tudo para evitar ser ridicularizada. E eu teria que fingir cuidar dela,
pois, do contrário, ela realmente se deixaria morrer… tudo para me
humilhar”.
E ele disse para si mesmo mais uma vez: “Eu pensei que eu fosse
rico, com uma flor única no universo, ao que, na verdade, tudo o que
eu tinha era uma rosa comum. Isso, e meus três vulcões que batiam
em meus joelhos, dos quais um talvez esteja extinto para sempre...
isso não faz de mim um príncipe muito grande”.
E, deitado na grama, ele chorou.
21
CAPÍTULO VINTE E DOIS
F
oi então que a raposa apareceu. — Bom dia — disse a
raposa.
— Bom dia — o pequeno príncipe respondeu
educadamente, embora, quando se virou, ele não tenha visto
nada.
— Eu estou aqui, — disse a voz, — sob a macieira...
— Quem é você? — disse o pequeno príncipe. — Você é muito
bonita...
— Eu sou uma raposa — disse a raposa.
— Venha brincar comigo — sugeriu o pequeno príncipe. — Eu
me sinto terrivelmente triste...
— Eu não posso brincar com você — disse a raposa. — Eu não
fui cativada.
— Ah! Sinto muito — disse o pequeno príncipe. Mas depois de
pensar um pouco, ele perguntou: — O que significa “cativada”?
— Você não vive aqui — disse a raposa. — O que você procura?
— Eu procuro pelos homens — disse o pequeno príncipe. — O
que significa “cativada”?
— Os homens, — disse a raposa, — têm rifles e eles caçam. É
uma verdadeira dor de cabeça. Eles também criam galinhas. Essas
são as únicas atividades pelas quais se interessam. Você procura
por galinhas?
— Não — disse o pequeno príncipe. — Eu procuro por novos
amigos. O que significa “cativada”?
— É algo que é esquecido com demasiada frequência — disse a
raposa. — Significa estabelecer laços...
— “Estabelecer laços”?
F
azia agora oito dias desde que eu caíra no deserto, e eu ouvia
a história do mercador enquanto bebia a última gota do meu
suprimento de água.
— Ah! — Eu disse ao pequeno príncipe. — Essas suas
memórias são mesmo encantadoras, mas eu ainda não tive sucesso
em consertar o meu avião. Não me resta mais água para beber e eu
ficaria por demais feliz se pudesse caminhar lentamente na direção
de uma fonte de água fresca!
— A minha amiga raposa me disse...
— Meu amiguinho, isso não tem nada a ver com uma raposa!
— Por quê?
— Porque nós vamos morrer de sede...
Ele não acompanhou meu raciocínio e respondeu:
— É bom ter tido um amigo, mesmo se vamos morrer. Eu estou
feliz por ter tido uma raposa como amiga...
“Ele não entende o perigo”, eu disse para mim mesmo. “Ele
nunca tem fome ou sede. Tudo o que ele precisa é de um pouco de
sol...”
Mas ele olhou para mim e respondeu aos meus pensamentos.
— Eu também estou com sede… vamos procurar por um poço...
Eu fiz um gesto de desânimo; é absurdo procurar por um poço, a
esmo, na imensidão do deserto. Contudo, nós começamos a
caminhar.
Nós caminhamos por horas em silêncio; a escuridão caiu e as
estrelas começaram a aparecer. Por conta da minha sede, eu me
sentia ligeiramente febril e as enxergava como num sonho. As
últimas palavras do pequeno príncipe voltaram a dançar na minha
mente.
— Então você também tem sede? — Eu perguntei a ele.
Mas ele não respondeu à minha pergunta e simplesmente disse:
— Água também pode ser boa para o coração...
Eu não entendi sua resposta, mas permaneci em silêncio. Eu
sabia muito bem que não fazia sentido questioná-lo.
Ele ficou cansado e se sentou. Eu me sentei ao seu lado. Após
um breve silêncio, ele falou de novo:
— As estrelas são bonitas por causa de uma flor que não se
pode ver...
Eu respondi:
— É claro — e olhei para as dunas de areia sob o luar em
silêncio.
— O deserto é bonito — ele acrescentou...
E era verdade. Eu sempre amei o deserto. Você se senta numa
duna de areia, não vê nada, não ouve nada. E mesmo assim, você
pode sentir uma irradiação silenciosa...
— O que torna o deserto tão bonito, — disse o pequeno príncipe,
— é que ele esconde um poço, em algum lugar...
Eu fui surpreendido por uma súbita compreensão dessa
irradiação misteriosa da areia. Quando eu era um garotinho, eu vivia
numa casa antiga e uma lenda contava de um tesouro enterrado
nela. Por certo, ninguém jamais o encontrou ou sequer procurou por
ele. Mas ele projetava uma aura de encantamento sobre aquela
casa. A minha casa escondia um segredo nas profundezas de seu
coração...
— Sim — eu disse ao pequeno príncipe. — Seja uma casa, as
estrelas ou o deserto, a origem de sua beleza não pode ser vista!
—Fico feliz que concorde comigo — ele disse.
Quando o pequeno príncipe caiu no sono, eu o peguei em meus
braços e comecei a caminhar de novo. Eu estava profundamente
comovido. Parecia-me que eu estava carregando um tesouro muito
frágil. Parecia-me até que não havia nada mais frágil em toda a
Terra. Sob o luar, eu fitei sua testa pálida, seus olhos fechados, as
mechas de cabelo tremendo com o vento e disse a mim mesmo:
— O que é mais importante é invisível...
Quando seus lábios se abriram ligeiramente com a suspeita de
meio sorriso, eu disse a mim mesmo mais uma vez:
— O que me toca tão profundamente sobre este pequeno
príncipe que dorme em meus braços é sua lealdade a uma flor, a
imagem de uma rosa brilhando por todo o seu ser, como a chama
de uma lâmpada, mesmo enquanto dorme...
E ele me pareceu ainda mais frágil. Lâmpadas devem ser
protegidas com grande cuidado: uma rajada de vento pode extingui-
las...
E eu caminhei e, quando chegou a alvorada, eu descobri o poço.
25
CAPÍTULO VINTE E CINCO
A
o lado do poço, havia a ruína de um antigo muro de pedra.
Quando eu voltei do trabalho na noite seguinte, eu pude ver
de longe o meu pequeno príncipe sentado em cima dele,
suas pernas balançando. E eu o ouvi dizer:
— Não se lembra? Não foi exatamente aqui!
Sem dúvidas, outra voz lhe respondeu:
— Sim! Sim! É o dia certo, mas não o lugar certo...
Eu continuei andando na direção do poço, mas ainda não
conseguia ver nem ouvir ninguém. Porém, o pequeno príncipe
respondeu de novo:
— Sim, é claro. Você verá onde as minhas pegadas começam na
areia. Espere por mim lá. Eu estarei lá esta noite.
Eu estava a meros vinte metros do poço e mesmo assim, não
conseguia ver nada. Depois de um breve silêncio, o pequeno
príncipe falou de novo:
— O seu veneno é bom? Tem certeza de que ele não me fará
sofrer muito?
Eu interrompi meus passos, meu coração doía, mas eu ainda
não entendia.
— Agora, vá embora — ele disse. — Eu quero descer!
Ao que eu desci meus olhos até o pé do muro, eu dei um salto!
Lá estava, erguendo a cabeça na direção do pequeno príncipe, uma
daquelas serpentes amarelas que podem matar em questão de
segundos. Revirando meu bolso em busca do meu revólver, eu
comecei a correr, mas por conta do barulho que eu produzia, a
serpente escapuliu suavemente de volta na areia, como os
resquícios do jato de uma fonte e, aparentemente sem pressa,
desapareceu entre as pedras com um leve som metálico.
— Eu não o deixarei.
— Eu parecerei sentir dor, eu parecerei estar morrendo. Será
assim. Não venha ver isso. Simplesmente não vale a pena...
— Eu não o deixarei.
Mas ele estava preocupado.
— Eu estou lhe dizendo isso… parcialmente por causa da
serpente. Ela não deve mordê-lo… serpentes são criaturas cruéis.
Elas podem morder por pura diversão...
— Eu não o deixarei.
Mas um pensamento o tranquilizou.
— É verdade que elas não têm veneno o suficiente para uma
segunda mordida...
Naquela noite, eu não o vi partir. Ele fora embora sem fazer
barulho. Quando eu consegui alcançá-lo, ele caminhava com um
passo rápido e resoluto.
Ele meramente me disse:
— Ah! Você está aqui...
E ele pegou a minha mão. Mas ele ainda estava preocupado.
— Você não deveria ter vindo. Você ficará infeliz. Parecerá como
se eu estivesse morto, e isso não será verdade...
Eu não disse nada.
— Você deve entender. É muito longe. Eu não posso carregar
este corpo comigo. Ele é pesado demais.
Eu não disse nada.
— Ele parecerá uma casca velha e abandonada… nada que
mereça lágrimas...
Eu não disse nada.
Ele se sentia um pouco desencorajado. Mas fez um último
esforço.
E
agora, seis anos já se passaram… eu jamais tinha contado
esta história. Os camaradas que me encontraram quando
retornei ficaram felizes em me ver vivo. Eu estava triste, mas
disse a eles que estava cansado...
Agora eu superei parte da minha tristeza. Em outras palavras, eu
me recuperei, mas não inteiramente. Eu sei que ele voltou para o
planeta dele porque eu não encontrei seu corpo ao amanhecer. Não
era um corpo tão pesado, no fim das contas... E eu amo ouvir as
estrelas à noite. É como ouvir quinhentos milhões de sininhos...
Mas uma coisa me preocupa. Quando eu desenhei a focinheira
para o pequeno príncipe, eu esqueci de acrescentar a correia de
couro. Ele nunca conseguirá prendê-la ao carneiro. Então eu
continuei me perguntando o que acontecera com seu planeta.
Talvez o carneiro tenha comido a flor...
De tempos em tempos, eu digo a mim mesmo: “Certamente que
não! O pequeno príncipe cobre sua flor todas as noites com a
redoma de vidro dela e cuida muito bem de seu carneiro...” então eu
fico feliz. E todas as estrelas riem delicadamente.
Mas depois eu penso: “Todo mundo pode se distrair às vezes e
só é preciso uma vez. Ele pode ter se esquecido da redoma numa
noite ou o carneiro pode ter escapado sem fazer barulho durante a
noite...” e todos os sininhos se transformaram em lágrimas...
De fato, isso é um grande mistério. Para aqueles de vocês que,
assim como eu, amam o pequeno príncipe, nada no universo poderá
ser o mesmo enquanto em algum lugar, ninguém sabe onde, um
carneiro que nós nunca vimos pode ou não ter comido uma flor...
Olhem para o céu. Perguntem a si mesmos: O carneiro comeu a
flor, sim ou não? E vocês versão como tudo muda...
E nenhum adulto jamais entenderá por que isso é tão importante!