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Você sabe educar seus filhos?

*@janice_mansur
Essa é uma pergunta atravessada por muitos questionamentos que hoje, aos meus 56 anos, faço a
mim mesma. Aos poucos, fui chegando a conclusões que podem parecer a princípio estranhas, mas
explico. Raciocine comigo. Nós pais falhamos de qualquer jeito: minha mãe falhou comigo, meu pai
falhou. A mãe de minha mãe e o pai dela também falharam. Não só porque não sabemos como ser
melhor do que já somos, já que não somos perfeitos − e nem sempre sabemos como educar,
embora possamos aprender isso −, mas também porque não sabemos como essa educação vai
reverberar no outro e vai ser introjetada por ele.
Pensamos que estamos no controle de nossas vidas, mas não estamos! Pode acontecer, para os
mais religiosos, acreditar que Deus está no controle, e até pode estar. Mas não é necessário
raciocinar nesses termos para saber que temos um inconsciente e somente ele já é o suficiente
para indicar esse descontrole.
Você sabe mesmo o que está pensando todo o tempo? Será que não há algo em você que te
escapa?
Será que sua memória é tão boa e cristalina que você não possa ter registrado, gravado, mais
sobre suas impressões de um fato do que o fato em si?
Para pensarmos, ilustro com uma historinha.
A mãe conversava com o filho já adulto a respeito de negócios e trabalho. Então, o rapaz fez uma
queixa e reclamou de algo que haveria ocorrido entre seus 7 e 9 anos (mais ou menos). Disse à mãe
que ela não o ajudava a ser empreendedor desde a infância. Como assim? Ela ficou um tanto
surpresa, pois sempre estimulara os filhos ao trabalho, independência e autonomia.
O filho começou a contar a ela sua compreensão da experiência, a que supunha ter vivido.
Argumentou que numa dada época ele quisera vender balas e docinhos na porta de casa e ela não
havia deixado. A mãe retrucou que isso não fazia qualquer sentido, haja vista que havia comprado
“coisas” de festa junina (estalinhos, chuveirinhos, dessas mais “inocentes” para crianças brincarem)
e ficado com ele ao portão para que as vendessem. Ele retrucou que não lembrava desse episódio
muito bem, mas por certo se lembrava dos docinhos e coisas do tipo que queria vender e ela “não
permitiu”.
No alto do bate-boca sobre “quem fez o quê, quem não fez o quê”, a mãe perguntou sobre quais
foram os produtos, guloseimas, que haviam sido compradas, e ela “não queria” que ele vendesse.
Ele foi relacionando a lista, e ela se lembrou de UM dos itens que comprara. Daí, em diante uma
cascata de lembranças da situação aflorou em sua mente.
E ela contou a ele: “eu já havia comprado ‘os brinquedinhos’ de festa junina para você vender, mas
você deve se lembrar que era pequeno, e fiquei lá no portão com você para vendê-los, certo?
Entretanto sua avó argumentou sobre o perigo de estarmos ambos no portão de maneira tão
exposta. Sempre ouvi opinião dos mais velhos, além disso na época, estava estudando e
trabalhando, não tinha todo o tempo do mundo para ficar no portão com você. Claro, que a
intenção era (se comprei os docinhos, como agora lembro), era sim, de que você pudesse vendê-
los. Mas a insistência de sua avó, no que diz respeito aos perigos a serem enfrentados, aliada à
necessidade de ter de estudar para entrar na faculdade, me obrigou a decidir a não vendermos
mais. Ainda me lembro que autorizei você e seu irmão de comê-los. E percebi que você ficou meio
chateadinho, mas não podia imaginar que isso teria repercutido tão profundamente em você, a
ponto de inferir que não lhe dei força, ou ainda não dou.”
Nesse momento, parece que a experiência se iluminou e houve então outra forma de
compreensão. Fez-se um grande momento de silêncio, seguido de uma reflexão dela: “te peço
perdão, hoje, se você não compreendeu minha atitude naquele momento”.
O silêncio instaurado entre ambos conseguiu trazer à tona outra significação.
Dessa forma, creio que vamos reparando a vida na conciliação de alguns entendimentos truncados.
Mas, então, estamos fadados à falha?
Sim, estamos “assujeitados” a falhar, e é natural que as coisas não aconteçam como esperamos, até
porque muitas vezes os outros nem sempre entendem da forma como gostaríamos que eles
entendessem, ou como realmente havíamos exposto não intencionalmente uma informação ou
demonstrado uma emoção. Como podemos garantir a recepção de nossas intenções, se e quando
elas existem? Como podemos ter certeza de que o outro vai memorizar o ocorrido do modo que
nós entendemos como aconteceu?
Nunca teremos! A falha decorrer exatamente daí, das incertezas.
Existem muitos estudos sobre memória para entender os processos mentais e psíquicos que
ocorrem no decorrer da vida. Pesquisando um pouco mais, descobri que, hoje, as neurociências
têm feito uma retomada desses estudos no intuito de compreender que um fenômeno cognitivo
também pode ser estudado sob o ponto de vista das emoções e dos afetos. A psicanálise oriunda
de Freud (1986) adota também uma visão psicodinâmica relacionada à uma natureza criativa da
memória, na qual a fantasia inconsciente e o desejo são capazes de ressignificar vivências e de
instaurar novos sentidos a partir da experiência passada, reelaborando-os.
Assim, podemos perceber que as falhas passadas podem ser reparadas muitas vezes no agora e,
ainda, perceber que por mais que criemos nossos filhos de um modo, fazendo nosso melhor,
existem milhares de outros fatores que podem influenciar sua compreensão e visão de mundo.
E nós não temos controle sobre isso.
Ou temos?
* A autora é poeta, professora, revisora de tradução e produtora de conteúdo
para o Instagram e o canal do Youtube: BETTER & Happier.
Visite a autora também na Academia Niteroiense de Letras.
(Digite no google ANL+ Janice Mansur).

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