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PONTO MORTO

*@janice_mansur

O ser humano é muito complexo. O pior é saber como e ter de lidar com
essas complexidades. Uma delas se manifesta nas relações de poder que
ocorrem entre indivíduos. Muito interessante é perceber como nos comportamos,
quando se está numa situação que eu chamaria de “ponto morto”.
É do conhecimento de todos que este é o ponto em que a marcha se
posiciona no sentido de ficar “neutralizada”, ou seja, quando se coloca em “ponto
morto”, o carro não se move pelo esforço do motor, nem para frente nem para
trás. Assim é uma pessoa em ponto morto no que diz respeito a intermediar dois
pontos de vista. Para essa pessoa, analisar uma situação, que chegou a um termo
de rigidez tão grande na qual não se consegue vislumbrar uma solução ao menos,
é muito mais simples. Ela está ali vendo e ouvindo aquilo que o movimento total,
para um lado ou para o outro, não permite que aconteça.
Recentemente, tive a oportunidade de vivenciar uma interessante
experiência. Dois conhecidos debatiam a respeito de quem tinha razão sobre
determinado assunto. Ambos estavam corretos dentro de seus pontos de vista,
porém nenhum deles se rendia à compreensão das ideias do outro. E disseram
(somente para mim, claro!), categoricamente, que se aceitassem a opinião do
outro, ou fizessem o que o outro queria no momento, estariam acatando a vontade
alheia de forma que seu oponente iria se tornar supostamente o “vencedor”.
Essa experiência foi muito enriquecedora para mim, tornou tudo mais
simples, pois me fez ver quantas vezes já não devo ter feito esse tipo de coisa, ter
“fincado o pé” só para não “dar o braço a torcer” para o outro. Ou praticar a
famosa expressão “puxar a brasa para sua sardinha”, puxar a corda para seu lado,
forçar o outro a ver razão somente no seu lado da história, ver por seu ponto de
vista. Não se tratava ali de resolver um impasse que deveria chegar a um acordo e
bom termo para ambos, mas sim de saber quem daria a última palavra e venceria,
finalmente, a “batalha verbal” em que digladiavam, o que me fez lembrar da teoria
de Lakoff e Jonhson sobre a metáfora conceitual: se “viver é guerrear” todos são
considerados meus oponentes. Mas isso é outra história, enfim.
Estando eu, como já disse, na posição de ponto morto, tive a “neutralidade”
necessária, a pausa, a calma – se é que se pode dizer isso – para ouvir os dois
lados, observar no que ambos estavam corretos e/ou errados e, principalmente,
perceber o quanto o ser humano é pequeno em suas questões pessoais nas quais
habitam o egoísmo, o desprezo pelo próximo e a apatia por nem se tentar
compreender mutuamente, passar para o outro lado, sentir na pele do outro. As
pessoas estão tão emaranhadas, enredadas em suas próprias histórias de vida,
tão habituadas a se sentirem vítimas ou a disputarem um espaço que chamem de
seu, tão obcecadas pelo poder, que, às vezes, não conseguem vislumbrar que o
alheio é o próprio.
Quisera eu poder estar sempre em “ponto morto” para não mais me render
a essa doença chamada ego, a personalidade que acredita que seja algo, quando
somente nos é dado estar sendo.
E você, já esteve em ponto morto um dia?

* A autora é poeta, professora, revisora de tradução e criadora de conteúdo


para o Instagram e o canal do Youtube: BETTER & Happier.
Visite a autora também na Academia Niteroiense de Letras.
(Digite no google ANL+ Janice Mansur).

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