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ISSN 1678-6335

FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS Nº 398 Novembro / 2013

análise de conjuntura
Finanças Públicas p. 3 Vera Martins da Silva analisa as principais tendências acerca do superávit
VERA MARTINS DA SILVA primário de 2014.

Setor Externo p. 7 Vera Martins da Silva coloca em perspectiva os resultados comerciais


VERA MARTINS DA SILVA obtidos pelo País em 2013.

temas de economia
aplicada
Escassez de Mão de Obra: Dimensionamento
e Características em Empresas no Brasil –
Parte 1 p. 10 Angela Christina Lucas e coautores investigam os determinantes da re-
cente situação de competição entre empresas por mão de obra.
ANGELA CHRISTINA LUCAS, TOBIAS COUTINHO
PARENTE, WILSON APARECIDO COSTA DE AMORIM,
ANDRÉ LUIZ FISCHER

“Helping the Good Get Better, But Leaving


the Poor Behind”. Avaliação dos Impactos da
Descentralização das Escolas Estaduais no
Brasil p. 20 Vivian Amorim avalia os impactos sobre a qualidade de ensino, da trans-
ferência da gestão das escolas do âmbito estadual para o municipal.
VIVIAN AMORIM

Avaliando a Resposta dos Gastos Municipais


Fernando Parmagnani investiga evidências acerca da relação entre gas-
em Saúde às Transferências do SUS p. 28
tos dos governos municipais em saúde e recursos transferidos do Fundo
FERNANDO PARMAGNANI Nacional de Saúde para os fundos municipais.

ecorresenhas & cia


Ecorresenha p. 34 Thiago Fonseca Morello resenha estudo da participação do setor inanceiro
THIAGO FONSECA MORELLO no combate ao aquecimento global.

As ideias e opiniões expostas nos artigos são de responsabilidade


exclusiva dos autores, não refletindo a opinião da Fipe
Indicadores Catho-Fipe

Os indicadores Catho-Fipe, desenvolvidos pela Fipe em parceria com a Catho, oferecem uma visão mais apro-
fundada e imediata do mercado de trabalho e da economia brasileira. As informações disponíveis em tempo
real no banco de dados da Catho e em outras fontes públicas da Internet permitem agilidade na extração e
cálculo dos números. Desta forma, é possível acompanhar a situação imediata do mercado de trabalho, sem
a necessidade de se esperar um ou dois meses para a divulgação dos dados oficiais. Todos os indicadores são
divulgados no último dia útil de cada mês, com informações sobre o próprio mês.

O primeiro indicador é uma estimativa para a taxa de desemprego calculada pelo IBGE, a Taxa de Desempre-
go Antecipada. A Fipe calcula também um índice que acompanha a relação entre novas vagas e novos currí-
culos cadastrados na Internet, o Índice Catho-Fipe de Vagas por Candidato (IVC). Este indicador é mais amplo
do que a taxa de desemprego, porque traz informações sobre os dois lados do mercado: a oferta e a deman-
da por trabalho. Além desses dois indicadores, o Índice de Salários Ofertados permite o acompanhamento
dos salários oferecidos pelas empresas que estão em busca de novos profissionais.

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Santos Simão Davi Silber

novembro de 2013
análise de conjuntura 3

Finanças Públicas: Primário Negativo do Governo Central em Se-


tembro e Prenúncio da Corrida para a Obtenção de Resultados
Fiscais “Apresentáveis” até o Fim do Ano
VERA MARTINS DA SILVA (*)

Ao contrário da tendência anterior mento do décimo terceiro de meta de 2,3% do PIB, com várias
do Governo Central obter superá- grande parte de seus beneϐiciá- previsões girando em torno de
vits primários, isto é, a diferença rios, sendo então um resultado 1,8% do PIB.
entre receitas e despesas exclusive pontual e, ainda que negativo,
juros, em setembro de 2013, o não há indicação de que haverá A tendência de compressão do pri-
mudança signiϐicativa do regime mário pode ser vista pelos resul-
resultado primário do Governo
ϐiscal, da busca de superávits tados acumulados até setembro
Central foi deϐicitário em R$
primários para a tolerância com em relação ao mesmo período acu-
10,5 bilhões, com dé icit de R$
déϐicits primários. mulado de 2012: houve diminui-
11,8 bilhões da Previdência Social
ção de R$ 26,9 bilhões (49,0%) no
(Regime Geral da Previdência So-
Entretanto, o dé icit nominal zero, superávit apurado. Esse compor-
cial) e dé icit de R$ 31,0 milhões do aquele que inclui as despesas com tamento re lete a redução de R$
Banco Central, enquanto o Tesouro juros, que chegou a ser cogitado 18,4 bilhões (19,5%) no superávit
Nacional teve superávit de R$ 1,3 em meados do ano pelo ministro da do Tesouro Nacional, aumento de
bilhão (ver Tabela 1). Portanto, o fazenda, já está morto e enterrado R$ 8,4 bilhões (21,5%) no dé icit
maior fator para esse resultado e daqui para o im do ano a expec- da Previdência Social e de R$ 2,6
negativo provém da Previdência tativa é a obtenção de superávit milhões (0,5%) no dé icit do Banco
e tem sua explicação no paga- primário, mesmo que abaixo da Central.

novembro de 2013
4 análise de conjuntura

Tabela 1 – Resultado Primário do Governo Central – Brasil (R$ Milhões)

Acumulado jan-set Acumulado jan-set


Discriminação Ago/13 Set/13 Var. acum set 2013/
2012 2013
set 2012
1. RECEITA TOTAL 773.235,5 89.331,9 86.972,1 834.767,2 61.532
Receitas do Tesouro Nacional 578.959,6 64.110,0 61.581,9 618.106,6 39.147
Receita Bruta 593.651,0 66.274,5 63.425,8 632.770,2 39.119
Impostos 276.316,5 28.293,2 29.065,6 293.015,8 16.699
Contribuições 225.355,3 25.985,0 25.720,7 244.698,1 19.343
Demais 91.979,2 11.996,3 8.639,6 95.056,3 3.077
d/q Cessão Onerosa Exploração Petróleo 0,0 0,0 0,0 0,0 0
(-) Restituições -14.555,0 -2.164,4 -1.843,9 -14.612,1 -57
(-) Incentivos Fiscais -136,4 0,0 0,0 -51,6 85
Receitas da Previdência Social 192.269,2 24.881,3 25.025,1 214.285,9 22.017
Receitas da Previdência Social - Urbano 188.047,9 24.347,4 24.491,5 209.784,8 21.737
Receitas da Previdência Social - Rural 4.221,2 533,8 533,6 4.501,2 280
Receitas do Banco Central 2.006,7 340,7 365,1 2.374,8 368
2. TRANSFERÊNCIAS A ESTADOS E MUNICÍPIOS 130.710,1 16.058,1 14.032,3 139.843,1 9.133
Transferências Constitucionais (IPI, IR e outras) 97.282,3 11.412,9 9.478,3 104.675,1 7.393
Lei Complementar 87/ Lei Complementar 115 1.300,0 162,5 162,5 1.462,5 163
Transferências da Cide - Combustíveis 1.060,9 0,0 0,0 57,3 -1.004
Demais Transferências 31.066,9 4.482,7 4.391,5 33.648,2 2.581
3. RECEITA LÍQUIDA TOTAL (1-2) 642.525,4 73.273,8 72.939,8 694.924,1 52.399
4. DESPESA TOTAL 587.723,4 73.174,3 83.412,9 666.981,1 79.258
Despesas do Tesouro Nacional 353.695,8 42.242,0 46.228,3 402.150,4 48.455
Pessoal e Encargos Sociais 135.874,9 15.617,9 15.348,8 147.510,3 11.635
Custeio e Capital 216.187,1 26.305,6 30.676,9 252.826,5 36.639
Despesa do FAT 29.545,8 4.509,3 5.188,5 34.771,4 5.226
Abono e Seguro Desemprego 29.263,3 4.445,3 5.171,3 34.429,1 5.166
Demais Despesas do FAT 282,5 64,0 17,2 342,3 60
Subsídios e Subvenções Econômicas 8.494,0 405,5 694,2 7.820,1 -674
Operações de Crédito e Reord de Passivos 5.616,2 -21,5 267,5 4.309,7 -1.306
Despesas Subvenções aos Fundos Regionais 2.877,8 427,0 426,7 3.510,4 633
Benefícios Assistenciais (LOAS e RMV) 21.979,9 2.815,0 2.842,0 25.303,9 3.324
Capitalização da Petrobras 0,0 0,0 0,0 0,0 0
Auxílio à CDE 0,0 1.450,0 2.050,0 4.018,0 4.018
Outras Despesas de Custeio e Capital 156.167,4 17.125,7 19.902,1 180.913,2 24.746
Outras Despesas de Custeio 110.953,7 13.797,8 15.497,2 134.396,2 23.442
Outras Despesas de Capital 45.213,7 3.327,9 4.404,9 46.517,1 1.303
Transferência do Tesouro ao Banco Central 1.633,8 318,5 202,6 1.813,6 180
Benefícios Previdenciários 231.466,6 30.614,5 36.788,4 261.899,2 30.433
Benefícios Previdenciários - Urbano 179.213,6 22.729,8 29.383,0 202.563,7 23.350
Benefícios Previdenciários - Rural 52.253,1 7.884,7 7.405,4 59.335,5 7.082
Despesas do Banco Central 2.561,0 317,8 396,2 2.931,6 371
5. FUNDO SOBERANO DO BRASIL - FSB 0,0 0,0 0,0 0,0 0
6. RESULTADO PRIMÁRIO GOVERNO CENTRAL (3 - 4 + 5) 54.802,0 99,5 -10.473,1 27.943,0 -26.859
Tesouro Nacional 94.553,7 5.809,9 1.321,3 76.113,1 -18.441
Previdência Social (RGPS) -39.197,5 -5.733,2 -11.763,4 -47.613,2 -8.416
Previdência Social (RGPS) - Urbano 8.834,4 1.617,7 -4.891,5 7.221,1 -1.613
Previdência Social (RGPS) - Rural -48.031,8 -7.350,9 -6.871,8 -54.834,3 -6.802
Banco Central -554,2 22,8 -31,0 -556,8 -3

Fonte: site da Secretaria do Tesouro Nacional. Acesso em 09/11/2013.

novembro de 2013
análise de conjuntura 5

Segundo a Secretaria do Tesouro combustíveis e de tarifas de trans- transferências a Estados e Muni-


Nacional, a receita teve um bom porte público. cípios apresentaram aumento de
desempenho, superando a in la- R$ 9,1 bilhões (7,0%), ou seja, um
ção, mas houve um aumento muito Em relação a Estados e Municípios, pouco acima da in lação: passou de
mais signi icativo das despesas. a novidade é a mudança do inde- R$ 130,7 bilhões em 2012 para R$
Os números da receita do governo xador das dívidas renegociadas no 139,8 bilhões em 2013. O aumento
central, divulgados em outubro de inal dos anos 90 do século passa- de R$ 7,4 bilhões (7,6%) nas trans-
2013, mostram crescimento de R$ do, com a substituição do índice
ferências constitucionais (IR, IPI e
61,5 bilhões (8,0%) relativamente Geral de Preços mais taxas que iam
outras) pode ser considerado uma
ao acumulado até setembro de de 6% até 9% ao ano, conforme o
estabilidade nos luxos inanceiros
2012, cujo maior aumento foi de contrato, pela Selic ou IPCA mais
entre as unidades da federação. Já
contribuições (R$ 19,3 bilhões), 4% ao ano, o que for menor, o que
a redução de R$ 1,0 bilhão (94,6%)
que não são automaticamente par- vai dar um grande alívio aos gover-
nos subnacionais, especialmente nas transferências relativas à Cide-
tilhadas com Estados e Municípios -Combustíveis, devido à redução
os maiores endividados, como os
e sobre as quais há a retenção da das alíquotas da CIDE da gasolina
Municípios de São Paulo e Rio e os
DRU (Desvinculação das Receitas e do diesel a zero foi compensada
governos de São Paulo e Rio Grande
da União): acréscimo de R$ 12,8 bi-
do Sul. Essa mudança, com efeito pela transferência de R$ 1,5 bilhão
lhões de Co ins (Contribuição para
retroativo, vai permitir a obten- aos Municípios, ocorrida em setem-
o Financiamento da Seguridade), 1
ção de novos inanciamentos para bro. Ainda na questão federativa
de R$ 3,4 bilhões em CSLL (Con-
pagamento de dívidas anteriores e continua pendente o novo arranjo
tribuição Social sobre o Lucro Lí-
novos investimentos, o que certa- institucional que pretende conva-
quido) e de R$ 3,1 bilhões relativos
mente é bom para a infraestrutura, lidar os bene ícios iscais dados
ao PIS/PASEP. Destaca-se, ainda, o
mas deve ter impacto negativo pelos Estados que não seguiram as
crescimento de R$ 16,7 bilhões na
sobre os resultados primários dos regras constitucionais, o que ainda
arrecadação de impostos: de R$ 7,6 Estados e Municípios nos próximos causa incerteza jurídica e eventu-
bilhões na receita de IRPJ (Imposto anos, à medida que novos gastos almente poderá gerar prejuízos às
de Renda sobre a Pessoa Jurídica), forem viabilizados. Entretanto, o empresas já instaladas e que tal-
de R$ 4,4 bilhões no imposto de im- resultado líquido vai depender do vez tenham de devolver recursos
portação e de R$ 2,3 bilhões na ar- próprio gerenciamento das dívidas
recadação de IRRF (Rendimentos obtidos de modo juridicamente
e dos projetos envolvidos. No que
do Trabalho). Outro item de cres- questionável. Atrelado a isso, há
diz respeito ao resultado primário
cimento relevante foi proveniente ainda a questão da modi icação
de 2013, o que os dados estão re-
de concessões, com aumento de R$ das alíquotas interestaduais, de
velando é que a meta do primário
5,9 bilhões. modo a restringir a guerra iscal,
de Estados e Municípios, estimada
inicialmente pela União em 1% do mas que depende da formatação de
Pelo lado das reduções de receita, PIB, deverá fechar o ano em torno fundos compensatórios aos Esta-
houve uma queda de R$ 5,2 bilhões de 0,5% do PIB. dos prejudicados. Ou seja, a ques-
nas receitas de dividendos e de tão federativa continua complexa
R$ 2,7 bilhões na arrecadação da Na comparação do acumulado do e sempre uma agenda de trabalho
CIDE, esta última em função da ano até setembro, em relação ao e de insegurança no ambiente dos
política de contenção de preços de mesmo período do ano de 2012, as negócios.

novembro de 2013
6 análise de conjuntura

As despesas do tesouro tiveram no central estão de fato mais 2 Até setembro de 2013, o acumulado do
um acréscimo de R$ 48 bilhões ou ligadas a gastos sociais, sem investimento público federal, incluindo o

13,7%, com crescimento especial- falar nas mudanças de sistemá- programa Minha Casa, Minha vida, alcan-
çou R$ 46,5 bilhões e é bem possível que
mente forte de despesas do FAT ticas das contribuições sociais
estes gastos aumentem signi icativamente
(17,7%), bene ícios assistenciais e trabalhistas, como nos subsí-
em breve com a proximidade do período
(15,1%) e outras despesas de cus- dios ϐiscais a inúmeros setores
eleitoral.
teio (21%). As despesas da Previ- econômicos, cujos resultados
dência tiveram aumento de 13,1%. econômicos ainda não foram ple-
Já as despesas de pessoal e encar- namente analisados. Do ponto de
gos tiveram um crescimento de R$ vista inanceiro, observou-se que
11 bilhões, 8,6% de crescimento o governo central deixou de arre-
nominal, um pouco acima da in la- cadar R$ 58 bilhões até setembro
ção no período. Então, a expansão com desonerações, sendo, portan-
dos gastos governamentais diz to, a redução do primário também
muito mais respeito a pagamentos fortemente in luenciada por essa
a pessoas de fora da máquina pú- modi icação do sistema tributário.
blica, ou seja, da expansão de be-
ne ícios sociais do que à expansão
do emprego público em si, o que
aliás, apenas re lete as prioridades
a irmadas pelo governo federal em
suas várias peças de planejamen-
to, como Plano Plurianual, Lei de
Diretrizes Orçamentárias – LDO e
Orçamento Anual. 1 Segundo o art. 7º da Lei nº 12.859/2013, a
União vai repassar R$ 3 bilhões para ajudar
As ações relativas ao investimento os Municípios, sendo R$1,5 bilhões em
2 setembro de 2013 e o restante em abril de
público continuam subindo, mas 2014, seguindo os critérios de repasse do (*) Economista e doutora pelo IPE-USP.
o que deϐine as ações do gover- Fundo de Participação dos Municípios. (E-mail: veramartins2702@gmail.com).

novembro de 2013
análise de conjuntura 7

Setor Externo: Petróleo e Derivados Continuam Pressionando o


Saldo Comercial, Mas Financiamento Externo Persiste
VERA MARTINS DA SILVA (*)

O saldo da Balança Comercial brasileira em setembro dessa depreciação desaparece devido ao câmbio lutu-
de 2013 foi de US$ 2,1 bilhões, apesar de de icitária no ante, e, com isto, a moeda continua apreciada em pelo
acumulado entre janeiro e setembro de 2013 em US$ menos 5% em relação à base de junho de 1994.1
1,6 bilhões. Em setembro, as exportações foram de
US$ 21 bilhões e as importações, de US$ 18,8 bilhões. Gráfico 1 - Índice de Taxas Reais de Câmbio (IPCA) –
No acumulado do ano, as exportações atingiram R$ junho de 1994 =100 (Cesta de 15 Moedas)
177,6 bilhões e as importações, US$ 179,3 bilhões.
Com esses valores, houve uma redução de 1,6% nas
exportações acumuladas no ano de 2013 em relação ao
mesmo período de 2012. Com relação às importações,
houve crescimento de 8,7%, segundo a média diária
por dia útil desses valores, o que exclui variações de-
correntes do fator calendário.

Esses resultados mostram que a Balança Comercial


está seguindo uma tendência negativa, apesar da de-
preciação do real ao longo de 2013. Entretanto, o que
já apareceu em outras ocasiões e continua pressionan-
do fortemente as contas externas são as operações
com petróleo e derivados, conforme mostra a Tabela Fonte: Bacen.
1. O impacto da conta Petróleo e derivados re lete a
política de contenção das tarifas e preços dos com- Tabela 1 - Saldo da Balança Comercial Brasileira
bustíveis – que pressiona a demanda pelos derivados
Janeiro a setembro
de petróleo – e alguns problemas operacionais da
2012 2013
Petrobrás.
Saldo 15.702 -1.622
Petróleo e derivados -2.442 -16.509
O Grá ico 1 mostra a evolução do câmbio efetivo, com
Demais itens 18.144 14.887
base em junho de 1994, considerando uma cesta de 15
moedas dos principais parceiros comerciais brasilei- Fonte: Secretaria de Comércio, MDiC.
ros, ponderada pela participação na pauta de exporta-
ção. A partir de janeiro de 2013 e até agosto, há uma Entre os itens das exportações brasileiras, há uma
recuperação da taxa de câmbio efetiva, em função da estabilidade entre 2012 e 2013 por tipos de produtos.
depreciação nominal do real. Em setembro, uma parte Do total exportado, os produtos básicos representam

novembro de 2013
8 análise de conjuntura

48,1% da pauta, e os industriali- nacional. Por outro lado, o fato de acumulado de US$ 46,4 bilhões. Os
zados 49,6% (semimanufaturados haver predominância na importa- investimentos em carteira foram
e industrializados com 12,6% e ção de matérias-primas, produtos superiores em setembro, apresen-
36,9%, respectivamente). As ope- intermediários e bens de capital tando um saldo positivo de US$ 7
rações especiais são 2,3% da pauta indica uma tendência ao uso de bilhões e no acumulado de 2013
de exportações. produtos mais competitivos pela US$ 29 bilhões. Então, apesar de
economia, o que deve bene iciar o toda a especulação com a capa-
No período de janeiro a setem- consumidor inal. Aqui pode vir à cidade da economia se inanciar
bro de 2013, entre os destinos das tona a questão da desindustrializa- externamente e das oscilações do
exportações o destaque é a Ásia ção; porém, apesar de haver indí- real em relação ao dólar, ainda há
(33%). Nesse continente, a China cios dessa tendência, somente aná- luxos consideráveis de recursos
sozinha representa 20%, de modo lises mais aprofundadas poderão externos vindo para o País. Até por
que o Brasil, aliás como o mundo dar um diagnóstico mais preciso. essa razão a apreciação cambial
todo, tem nesse país um parceiro persiste. A continuidade desse
ultraestratégico. A seguir, des- Os resultados globais do Balanço modelo de inanciamento exter-
taca-se como destino a América de Pagamentos podem ser vistos no vai depender das condições
Latina (21%) (Argentina como pela Tabela 2. As Transações Cor- da economia internacional. Em
principal parceira comercial nesta rentes apresentaram um dé icit especial, da mudança da política
região, com 8,4%), a União Euro- de US$ 2,6 bilhões em setembro monetária americana, que afeta os
peia (19,2%) e os Estados Unidos de 2013 e, no acumulado do ano, luxos de recursos externos e das
(10,4%). Estes mercados, anterior- o dé icit atingiu US$ 60 bilhões. O políticas domésticas. Entre essas,
mente muito mais signi icativos no que mais pesou para o resultado destacam-se as referentes ao setor
comércio exterior brasileiro, têm desfavorável foi a conta de Servi- de petróleo e a continuidade ou não
apresentado redução e isto resulta ços, negativa em US$ 34,8 bilhões das políticas de incentivo ao consu-
da diversi icação dos destinos das no acumulado do ano, especial- mo, que têm um impacto negativo
exportações e da própria crise eco- mente pelo impacto de viagens sobre as Transações Correntes.
nômica que ainda persiste na União internacionais (US$ 14 bilhões)
Europeia e nos EUA. Pelo lado das e aluguel de equipamentos (US$ As reservas brasileiras, pelo con-
importações, a China é o maior for- 13,3 bilhões). Em relação ao PIB, ceito de liquidez internacional,
necedor das importações brasilei- o dé icit de Transações Correntes apresent avam uma posição de
ras (15,5%), seguido de perto pelos representou 3,6%, o que acendeu US$ 376,3 bilhões de dólares em
EUA (15,1%) e Argentina (7,1%). uma luz vermelha em relação às 01/11/2013. Considerando a ação
contas externas do Brasil. do Banco Central no mercado de
Entre as importações, predominam câmbio para controlar a deprecia-
as matérias-primas e produtos Felizmente, as Transações Corren- ção cambial e seu impacto sobre a
intermediários (44,5%), bens de tes, como em todos os períodos an- in lação, esta redução é razoável
capital (21,4%) e combustíveis e teriores, puderam ser inanciadas em relação aos US$ 377,8 bilhões
lubri icantes (17,1%). Com relação pelas Contas Capital e Financeira, do começo do ano. Apesar dessas
a este último item, há a pressão da com resultado positivo de US$ 1,5 ações e com a ajuda do resultado
política de não aumentar os preços bilhões em setembro e de US$ 63,9 global do Balanço de Pagamentos,
dos combustíveis para conter a bilhões no acumulado do ano. O houve um aumento das reservas
in lação (o que estimula a deman- Investimento Direto Líquido foi entre janeiro e setembro de R$ 2,3
da) e também problemas na oferta de US$ 2,6 bilhões em setembro e bilhões (ver Tabela 2).

novembro de 2013
análise de conjuntura 9

Tabela 2 – Balanço de pagamentos


Discriminação 2012* 2013*
Set Jan-Set Ano Set Jan-Set
Balança comercial (FOB) 2 551 15 704 19 415 2 146 - 1 608
Exportações 19 998 180 596 242 580 20 996 177 650
Importações 17 447 164 892 223 164 18 849 179 259
Serviços - 3 457 - 29 456 - 41 044 - 4 529 - 34 812
Rendas - 1 823 - 22 506 - 35 448 - 406 - 26 213
Transferências unilaterais correntes (líquido) 130 2 119 2 846 161 2 217
Transações correntes - 2 599 - 34 139 - 54 230 - 2 629 - 60 416
Conta capital e financeira 2 658 56 254 70 154 1 506 63 917
Conta capital 114 - 2 291 - 1 877 62 929
Conta financeira 2 543 58 545 72 030 1 445 62 988
Investimento direto (líquido) 3 307 49 212 68 093 2 660 46 443
No exterior - 1 086 1 614 2 821 - 2 110 2 661
Participação no capital - 760 - 5 444 - 7 555 - 2 521 - 14 034
Empréstimos intercompanhias - 326 7 058 10 377 411 16 695
No país 4 393 47 597 65 272 4 770 43 782
Participação no capital 2 875 37 762 52 838 5 081 30 247
Empréstimos intercompanhias 1 518 9 835 12 434 - 311 13 535
Investimentos em carteira 275 5 703 8 770 7 006 29 152
Ativos - 708 - 6 599 - 7 764 - 1 351 - 7 207
Ações - 37 - 1 536 - 2 275 - 434 - 1 316
Títulos de renda fixa - 671 - 5 062 - 5 489 - 917 - 5 891
Passivos 983 12 301 16 534 8 357 36 359
Ações - 1 227 2 898 5 600 2 228 9 657
Títulos de renda fixa 2 210 9 403 10 934 6 129 26 702
Derivativos 19 131 185 - 35 101
Ativos 11 101 150 6 303
Passivos 7 30 35 - 41 - 202
Outros investimentos1/ - 1 057 3 500 - 5 018 - 8 186 - 12 708
Ativos - 1 396 - 12 301 - 24 547 - 7 542 - 24 309
Passivos 339 15 801 19 529 - 644 11 601
Erros e omissões 25 849 2 976 - 102 - 1 188
Variação de reservas ( - = aumento) - 84 - 22 964 - 18 900 1 224 - 2 313

Memo:
Resultado global do balanço 84 22 964 18 900 - 1 224 2 313
Transações correntes/PIB (%) - - 2,03 - 2,41 - - 3,63
IED/PIB (%) - 2,84 2,90 - 2,63

1 Note-se que a estimativa de apreciação cambial depende fortemente (*) Economista e doutora pelo IPE-USP.
da base de comparação. (E-mail: veramartins2702@gmail.com).

novembro de 2013
10 temas de economia aplicada

Escassez de Mão de Obra: Dimensionamento e Características


em Empresas no Brasil – Parte 1
ANGELA CHRISTINA LUCAS (*)
TOBIAS COUTINHO PARENTE (**)
WILSON APARECIDO COSTA DE AMORIM (***)
ANDRÉ LUIZ FISCHER (****)

1 Introdução luxo contínuo de investimentos Essa situação é nova na economia


estrangeiros, ampliação da renda e brasileira, pois desde o início da
Como encontrar e reter pessoas elevação dos salários, apoiados no década de 1990 até o início dos
com conhecimento, habilidades acesso ao crédito que incentivou o anos 2000 as organizações tiveram
e atitudes para fazer o trabalho consumo no mercado interno, teve oferta de mão de obra su iciente
necessário é uma dúvida constan- re lexos nas relações de trabalho. para escolher entre os trabalhado-
te das organizações. Para os em- Os dados dos últimos dez anos do res os que mais lhes interessassem.
pregados: como essa organização mercado de trabalho brasileiro É plausível que essas organiza-
satisfará minhas necessidades? apontam para a redução do núme- ções, bem como os seus gestores,
(BOLMAN; DEAL, 2003). ro de desempregados, o aumento em especial da área de recursos
de trabalhadores com car teira humanos (RH), não estivessem
As organizações, atrás de respos- assinada e o ganho real de salários preparados para lidar com esse
tas, deveriam se preocupar em (IPEA, 2013). Nesse cenário, as or- cenário. Em uma perspectiva his-
monitorar o mercado de trabalho, ganizações estão competindo por tórica, a gestão de RH no Brasil
no intuito de atrair e reter os em- empregados, sejam eles os mais teve um comportamento reativo
pregados adequados para suas quali icados ou não, no intuito de às forças externas e tende a estar
funções disponíveis. Nos dias de atender a uma aquecida demanda pouco preparada para lidar com
hoje, conforme Amorim (2010), a de bens e ser viços do mercado as mudanças em curso (FLEURY;
expansão econômica, amparada no (CRUZ; SARSUR; AMORIM, 2012). FISCHER, 1992).

novembro de 2013
temas de economia aplicada 11

Wood Jr., Tonelli e Cooke (2011) do com seu mercado de trabalho Nesta primeira parte do artigo,
salientaram que o campo da ges- tanto no âmbito interno quanto são apresentadas as considerações
tão no Brasil se desenvolveu por externo. Para isto, busca atender teóricas sobre as mudanças demo-
in luências estrangeiras, com a im- ao seguinte questionamento: as grá icas e econômicas no contexto
portação do management como ide- empresas passaram por problemas global e brasileiro e a perspectiva
ologia e conjunto de práticas. Para de escassez de mão de obra em organizacional brasileira em re-
Amorim e Fischer (2012), ondas 2011? Se sim, quais as caracterís- lação ao trabalho e as políticas de
denominadas inovadoras têm to- ticas do fenômeno da escassez de gestão de pessoas. Posteriormente,
mado conta do campo da gestão, mão de obra no Brasil? Para tanto, serão detalhados os procedimen-
geralmente com algum atraso em foram estabelecidos os seguintes tos metodológicos, o per il das
relação às matrizes teóricas norte- objetivos: empresas pesquisadas e de seus
-americanas ou europeias: qualida- empregados. Na segunda parte do
de total, terceirização, gestão por • Identi icar e caracterizar empre- artigo (a ser publicada no próximo
competências, gestão estratégica sas que enfrentaram problema de número deste boletim), serão apre-
de recursos humanos, gestão do escassez de mão de obra; sentados os dados a respeito da
clima organizacional. Todas essas escassez de mão de obra entre as
com um ferramental prescritivo e empresas, suas práticas de gestão
• Veri icar em que práticas de
descritivo. Porém, no uso desses de pessoas, resultados do estudo e
gestão de pessoas houve mais
instrumentos, as organizações não as considerações inais.
demonstram ser capazes de reali- di iculdades com a escassez de
zar uma leitura do mercado de tra- mão de obra;
balho e a partir daí indicar os ca- 2 Mudanças Demográficas e Eco-
minhos para enfrentar a escassez • Veri icar para quais níveis de nômicas
de mão de obra. Nessa encruzilha- quali icação dos trabalhadores
da, as organizações, compostas por Mudanças demográ icas e econô-
foram encontradas di iculdades
gestores, em sua maioria, acríticos micas estão ocorrendo ao redor
oriundas da escassez de mão de
e embebidos de ferramental e obje- do mundo e afetando a dinâmica
obra; de diversos países, como: aumento
tividade instrumental (BARBOSA,
2007), precisam aprender a atuar da expectativa de vida, redução
• Apontar algumas das possibilida- da taxa de natalidade, redução do
neste novo cenário.
des de estudo para o fenômeno índice de crescimento da popula-
Isto sugeriria a necessidade de um da escassez de mão de obra no ção economicamente ativa (PEA) e
modelo “à brasileira” de gestão Brasil. crescimento econômico diferencia-
de RH, mais adequado à realida- do entre os países.
de local, diferente dos padrões Para viabilizar o estudo, foram
americanos e europeus tanto pelo utilizados os dados da pesquisa Uma das áreas mais in luenciadas
desenho institucional, estrutural “As Melhores Empresas para Você por tais transformações é o merca-
ou mesmo conjuntural do mercado trabalhar” (MEPT), realizada anu- do de trabalho, principalmente por
de trabalho. Este artigo pretende almente pelo Programa de Estudos conta da escassez de mão de obra.
contribuir com o debate, trazendo em Gestão de Pessoas da Fundação Pesquisadores têm se dedicado
elementos sobre a maneira como as Instituto de Administração (PRO- a estudar o fenômeno. Nos EUA,
organizações estão se relacionan- GEP-FIA) e pela Editora Abril. diversos estudos foram realizados

novembro de 2013
12 temas de economia aplicada

após sete anos de expansão econô- as discussões e pesquisas tendem Na economia, Pereima e Nasci-
mica (SULLIVAN; DUPLAGA, 1997; a ser sazonais, podendo estar mais mento (2012) destacaram que o
VENERI, 1999; CAPPELLI, 2005; evidentes em determinados países PIB no Brasil quase dobrou entre
DYCHTWALD, ERICKSON; MORI- e em determinadas épocas, como 1992 e 2011, com um crescimento
SON, 2004), o que resultou em uma aconteceu nos EUA no im do sécu- de 86,3%. Entretanto, Arbache
redução da taxa de desemprego de lo XX e início do XXI ou, agora, em (2011) salienta que o Brasil ainda
7,5% para 4,5% ( VENERI, 1999). alguns países emergentes. situa-se no “incômodo” grupo de
Além disso, Cappelli (2005) acres- países com baixa taxa de fecundi-
centa que os membros da geração Recentemente, a pesquisa Talent dade e renda relativamente baixa.
baby boomers começaram a se apo- Shortage Sur vey do Manpower- Com esse cenário e o rápido enve-
sentar, a geração futura, baby bust, Group revelou que empresas em lhecimento populacional, o Brasil
é 16% menor do que a anterior e vários países emergentes estão passará no futuro próximo pelo
os baby boomers têm uma expecta- com di iculdade para contratar desa io de alcançar a prosperidade
tiva de vida 15 anos superior a de talentos, incluindo: Brasil (71%), econômica e o progresso social:
quando foi determinada a idade de Índia (48%), Taiwan (47%), Argen- encontrar meios de elevar a renda
aposentadoria de 65 anos nos EUA. tina (45%), México (43%), etc. Para per capita ao mesmo tempo em que
comparação geral, no Brasil, 71% aumentarão a razão de dependên-
Outro fenômeno, típico dos países dos empresários a irmaram que ti- cia e os custos previdenciários. Di-
mais desenvolvidos, apontado por veram di iculdades para contratar ferente dos países desenvolvidos,
Dychtwald, Erickson e Morison talentos, situando-se em segundo que primeiro se tornaram ricos e
(2004), é a baixa taxa de natalida- lugar na lista, perdendo somente depois assistiram à sua população
de combinada com uma elevada ex- para o Japão (81%). envelhecer, o Brasil ruma rapida-
pectativa de vida. Essa combinação mente para um padrão demográ-
faz com que o país tenha um núme- ico de país rico sendo, ainda, um
ro crescente de aposentados e uma 3 As Transformações Brasileiras país de renda média.
taxa decrescente da população
economicamente ativa, gerando A estrutura da população brasilei- Tal cenário interfere de forma di-
problemas de escassez de mão de ra passou por diversas transfor- ferente no mercado de trabalho.
obra e previdência social. Por outro mações nas duas últimas décadas, Alguns autores se dedicaram a
lado, problemas de escassez de incluindo a estrutura etária, que estudar as di iculdades de con-
mão de obra têm origem econômi- est á se transformando rapida- tratação no Brasil, dado o estágio
ca também. Nos EUA e em alguns mente, alcançando per il de países em que alguns discutem até ser de
países da Europa como Espanha, desenvolvidos. Em 1990, 35% da pleno emprego (ARBACHE, 2011;
Portugal e França, a crise econômi- população estava na faixa de até 14 PEREIMA; NASCIMENTO, 2012).
ca iniciada em 2008 provocou uma anos. Essa parcela caiu para 25%
elevação na taxa de desemprego. em 2010, e deverá ser de apenas Pereima e Nascimento (2012) ar-
Dessa forma, a escassez de mão de 17% em 2025. Já a parcela da popu- gumentam que o Brasil se apro-
obra resulta de uma combinação de lação na faixa de 60 anos ou mais xima do pleno emprego devido ao
crescimento econômico com trans- era de 7% em 1990, passou para seu crescimento econômico com-
formações demográ icas que di- 10% em 2010, e deverá superar a binado com a redução da taxa de
minuem a força de trabalho de um parcela da população jovem ainda crescimento da população, da po-
país ou uma região. Sendo assim, antes de 2025 (ARBACHE, 2011). pulação ativa e da informalidade.

novembro de 2013
temas de economia aplicada 13

Assim, os autores acreditam que se ção ativa e o rendimento real dos No que se refere à década de 1990,
o Brasil mantiver sua taxa de cres- empregados durante a década de Amorim e Fischer (2012, p.13) des-
cimento econômico perto de 3% 2000. A queda de 1,0% na taxa de tacaram que:
nos próximos anos, o País alcan- crescimento da população ativa
çará o estágio de pleno emprego. [...] o mercado de trabalho brasilei-
está associada à queda de 0,90% na
Porém, os autores advertem que ro foi marcado pela perda de uma
taxa de desemprego e a um aumen-
o mercado de trabalho brasileiro de suas marcas nas décadas prece-
to de R$ 400 nos salários médios
ainda precisa avançar em termos dentes: o dinamismo na criação de
qualitativos para atingir o pleno reais. Percebe-se que o cenário de
novas vagas. Tal evento teve origem
emprego no aspecto social. Ainda escassez de mão de obra pode ser
primeira no baixo crescimento
há um contingente muito grande ainda mais sério no futuro, o que
econômico do País durante aqueles
da população que não é absorvido vai requerer das empresas práticas
anos. Em dois de seus principais
pela economia formal e/ou vive em de gestão mais so isticadas e ade-
situação de extrema pobreza, além indicadores do lado da oferta de
quadas ao cenário brasileiro.
de não possuir um grau de escola- mão de obra, o mercado de tra-
ridade aceitável. balho registrou expressiva alta do
4 A Perspectiva Organizacional desemprego e também queda na
Nesse sentido, um estudo do Insti- remuneração real dos trabalhado-
tuto de Pesquisa Econômica Apli- Há mais de 20 anos, Fleury e Fis- res. Do lado da demanda por traba-
cada (IPEA) em 2010 mostrou que cher (1992) abordaram historica- lhadores, as empresas tornaram-se
70,9% dos trabalhadores desem- mente as relações de trabalho e a ainda mais exigentes em relação
pregados no Brasil não possuem política de gestão das organiza- ao desempenho e quali icação de
quali icação e experiência pro is- ções. As autoras observaram que seus empregados ou candidatos a
sional condizentes com as vagas os movimentos das organizações um emprego.
disponíveis no mercado; já entre os
brasileiras no período do milagre
novos ingressantes no mercado de
econômico até o inal da década Com o mercado de trabalho de
trabalho, a taxa relativa à quali i-
de 1980 ocorreram mais como bai xa v it alidade, as empresas
cação adequada é menor, 54,9%. O
reação às mudanças do mercado tinham um poder de barganha
estudo aponta para a necessidade
de trabalho do que na intenção de maior, cabendo a elas determi-
de desenvolvimento de políticas
antecipação e planejamento. O RH nar as condições para o emprego.
públicas de combate a esse qua-
dro de exclusão, pois, mesmo com Coube aos trabalhadores a ade-
brasileiro limitou-se basicamente
o crescimento econômico, ainda quação e a busca das quali icações
à atuação mais típica do departa-
haverá um estoque expressivo de necessárias ao alcance da empre-
mento de pessoal, mesmo com a
trabalhadores desempregados. gabilidade, termo que se dissemi-
entrada de empresas estrangeiras.
nou rapidamente. Desta forma, a
As organizações nacionais, em carreira − antes uma referência de
Arbache (2011) encontrou uma
alguns momentos, mostraram-se trajetória pro issional no âmbito
correlação entre a taxa de cresci-
mento da população ativa e a taxa mesmo refratárias a encarar os − do mercado de trabalho interno
de desemprego no Brasil e uma então emergentes − assuntos das das organizações − ica sob maior
forte correlação negativa entre relações trabalhistas dentro da ad- responsabilidade do próprio traba-
taxa de crescimento da popula- ministração de recursos humanos. lhador e não da empresa.

novembro de 2013
14 temas de economia aplicada

Na visão de Cruz, Sarsur e Amo- soas entre 20 e 24 anos, o número de de maior interação com as insti-
rim (2012), a cobrança por novos subiu de 7,9 para 9,8 anos de estu- tuições do mercado de trabalho no
requisitos e quali icações do tra- dos (IBGE 2002, 2011). Cabe notar seu âmbito mais amplo.
balhador é uma das características que, por este aspecto, a mão de
centrais das relações de trabalho, obra brasileira é pouco quali icada, Na academia, esta aproximação é
exercendo pressão sobre o traba- posto que com 7,3 anos de estudo o oportuna para a acumulação de
lhador e responsabilizando-o sobre cidadão não consegue sequer con- um conhecimento teórico mais
seu próprio desenvolvimento e cluir o ensino fundamental. robusto, de maneira que os pes-
inserção no mercado. Dessa forma, quisadores brasileiros tenham a
empresas, governo e outras ins- Para Kaufman (2010), as organiza- oportunidade de desenvolver uma
tâncias estariam isentados de uma ções com padrões de gestão mais abordagem mais tropicalizada e
atuação corresponsável. so isticados possuem um trata- menos importada por meio do ma-
mento diferenciado com o seu mer- nagement, como defendem Wood
Entretanto, a partir da retomada cado de trabalho interno e por isto Jr., Tonelli e Cooke (2011). No que
da economia no início do século tendem a sofrer menos com esse se refere ao campo das relações de
XXI, as condições vêm mudando tipo de problema, pois são menos trabalho, a necessidade de compre-
com o aumento do poder de bar- dependentes do mercado de traba- ensão das cada vez mais so istica-
ganha dos trabalhadores e as em- lho externo. Assim como muitas de das políticas e práticas das organi-
presas começaram a conviver com suas necessidades de mão de obra zações no âmbito do seu mercado
uma nova situação: falta de mão de foram desenvolvidas internamen- de trabalho interno também seria
obra para algumas atividades. Isso te, essas organizações precisam interessante.
re letiu nas relações de trabalho, interagir (negociar coletivamente,
por exemplo, nos seguidos aumen- atrair mão de obra etc.) menos com
tos nos reajustes salariais. Amorim o mercado de trabalho. 5 Metodologia
(2010) observou que, a partir de
2005, pesquisas indicam que quase Carvalho Neto (2012) destaca que, Neste estudo, foram utilizados
90% dos reajustes salariais acor- dentro da academia, as temáticas dados secundários da pesquisa
dados em negociações coletivas no desenvolvidas na área de RH abor- “Melhores Empresas para Você
Brasil foram acima da in lação. dariam mais o trato com o merca- Trabalhar” (MEPT) realizada pelo
do de trabalho interno, enquanto PROGEP-FIA e pela Editora Abril,
Esse cenário pressiona as empre- a área de relações de trabalho dá que publica anualmente o Guia
sas a buscar soluções que não esta- maior atenção às relações da orga- MEPT com uma lista das 150 me-
vam descritas nos referenciais do nização com o mercado de trabalho lhores empresas. A MEPT utiliza a
management, importado pela ges- externo. O autor defende que as metodologia de pesquisa de clima
tão brasileira. Por outro lado, dado duas áreas de conhecimento pre- organizacional combinada com
que o número de anos de estudo cisariam de maior diálogo e apro- avaliação sobre políticas e práticas
da população brasileira vem au- ximação. Em seu desdobramento de gestão de pessoas.
mentando, é possível inferir que de prescritivo, para o mundo empre-
alguma forma o trabalhador vem sarial, essa aproximação deveria A disposição das empresas em par-
se quali icando. Entre 2001 e 2011, ter alguma urgência, pois RH, até ticipar da pesquisa é considerada já
a escolaridade média da população então, sempre operou confortável com alguma preocupação quanto à
aumentou 1,2 ano, totalizando 7,3 em um ambiente com mão de obra diferenciação e reconhecimento de
anos em 2011; observando as pes- abundante, ou seja, sem necessida- sua gestão de pessoas em relação

novembro de 2013
temas de economia aplicada 15

às demais. A participação na pes- cio, excluindo terceiros e estagiá- para os quais esta situação foi ve-
quisa evidentemente não garante rios, e estar operando no mercado ri icada como forma de adequar
que estas empresas tenham uma nacional ou internacional há pelo as respostas às características
gestão de pessoas pautada pela menos cinco anos. Das 505 empre- dos seus respectivos processos e
maior preocupação com o mercado sas inscritas, 436 terminaram o negócios.
de trabalho interno da organiza- processo de pesquisa, alcançando
ção, mas pode servir como indica- uma população de 1.347.356 em- Quanto à análise dos dados, op-
dor de proximidade desta maior pregados. Dessas, as 150 conside- tou-se pela estatística descritiva
preocupação nos moldes propostos radas as melhores empresas para na qual foram apresentadas as
por Kaufman (2010). Da mesma se trabalhar possuíam uma popula- frequências das variáveis.
maneira, como a participação na ção de 588.506 empregados.
pesquisa é voluntária, é certo que Ad ic iona l ment e, a s empr es a s
muitas empresas com gestão de Neste estudo, são analisados os
foram analisadas em quatro cate-
pessoas complexa e so isticada dados correspondentes à avalia-
gorias. A primeira foi quanto à clas-
decidiram não participar da pes- ção sobre políticas e práticas de
si icação no Guia – que de ine dois
quisa. A despeito disto, toma-se gestão de pessoas das empresas
grupos, o das 150 Melhores e o das
como razoável que a identi icação participantes. Os resultados serão
demais empresas que se inscreve-
das empresas segundo sua quali- apresentados para dois grupos de
empresas: as 150 Melhores e as ram. As outras três delimitações
dade de gestão de pessoas pode ser
auxiliada pela sua participação na demais empresas participantes. foram porte (conforme o número
pesquisa, sua classi icação como A pesquisa busca, além de avaliar de empregados), região geográ ica
“melhores para se trabalhar” e as práticas das empresas, também e setor de atuação.
pela formação de um grupo de 150 aplicar questões de sondagem, que
Melhores. não contam pontos para a classi i- 6 O Perfil das Empresas Apresen-
cação da empresa, mas permitem tadas e os Resultados Encon-
De qualquer forma, ao longo dos melhor compreensão do contexto trados
anos o per il de empregados identi- em que as empresas estão atuando.
icado nas edições da MEPT mostra Na edição da pesquisa de 2012, as A apresentação dos resultados foi
consistentemente padrões mais questões de sondagem para as em- dividida em três partes: a primeira
elevados de remuneração, esco- presas foram as seguintes: sua em-
(presente neste artigo) faz o deta-
laridade e tempo de casa – sinais presa enfrentou algum problema
lhamento do per il das empresas
aproximados de uma gestão de RH quanto à escassez de mão de obra
participantes e dos empregados da
de maior cuidado com o mercado em 2011? A empresa criou soluções
amostra; na próxima edição deste
de trabalho interno – comparativa- para contornar o problema de es-
boletim, as duas outras partes
mente ao identi icado nos registros cassez de mão de obra no mercado
disponíveis da RAIS. nacional? apresentarão, respectivamente, o
per il das empresas que declaram
Para a pesquisa de 2012, a 16ª Dentro da pesquisa, a escassez de ter enfrentado a escassez de mão
realizada, 505 empresas se inscre- mão de obra também foi observada de obra e em que termos se dão
veram. As empresas participantes segundo o nível de quali icação essas di iculdades e algumas ob-
deveriam ter, no mínimo, 100 em- (baixa, média e alta) atribuído servações a partir dos dados apre-
pregados com vínculo empregatí- pelas empresas aos funcionários sentados.

novembro de 2013
16 temas de economia aplicada

6.1 Empresas Pesquisadas e Perfil dos Funcionários da declaração das empresas sobre a localização da ma-
triz. As iliais não serão analisadas separadamente ou
Este tópico destina-se a apresentar um per il das em-
contando em outra região. Por haver uma concentra-
presas pesquisadas. A Tabela 1 descreve as empresas
segundo seu porte, localização e setor de atuação. Os ção em São Paulo, esse Estado é apresentado à parte
dados por região de atuação foram elaborados a partir da região Sudeste.

Tabela 1 – Perfil das Empresas Pesquisadas

Porte da Empresa % Região de Atuação % Região de Atuação %


Grande 31,9% São Paulo 45,2% Centro-Oeste 8,9%
Média 25,0% Sul 21,8% Nordeste 6,4%
Pequena 43,1% Sudeste 15,4% Norte 2,3%
Setor de Atuação % Setor de Atuação % Setor de Atuação %
Serviços Diversos 12,8% Ind. de Construção 5,3% Ind. Química e Petroquímica 3,0%
Ind. Farmacêutica, de Higiene e
Serviços de Saúde 12,4% Ind. Alimentos, Bebidas e Fumo 4,8% 3,0%
Cosméticos
Bens de consumo e varejo 8,9% Bancos e Serviços Financeiros 4,6% Serviços Públicos 3,0%
Ind. Diversas 8,7% Serv. Transporte e Logística 3,7% Telecomunicações 2,7%
Tecnologia e Computação 7,1% Comércio Atacadista 3,2% Energia 2,5%
Siderurgia e Metalurgia 5,7% Ind.Automotiva 3,2% Outros 5,3%

Fonte: MEPT (2012).

No grupo das empresas participantes da pesquisa, em também tem participação expressiva com cerca de um
termos de porte as maiores parcelas são as pequenas terço do total das empresas.
(100 a 500 empregados) (43,1%) e grandes (mais de
1.500 empregados) (31,9%). Do ponto de vista da lo- A Tabela 2 apresenta a caracterização dos empregados
calização, o maior grupo é o das empresas localizadas segundo a classi icação da empresa na pesquisa (gru-
no Estado de São Paulo (45,2% do total) seguido das pos “150 Melhores” e “Demais Empresas”) e também
regiões Sul (21,8%) e Sudeste (15,4%). Entre os seto- segundo o porte das empresas, em relação à escolari-
res econômicos, as duas maiores participações são dos dade, tempo de casa e faixa etária. Já a Tabela 3 traz o
serviços diversos e de saúde (12,8% e 12,4%, respec- salário médio segundo a classi icação na pesquisa, a
tivamente). A indústria em seus diversos segmentos região de atuação e o porte da empresa.

novembro de 2013
temas de economia aplicada 17

Tabela 2 – Perfil dos Empregados das Empresas Pesquisadas

Escolaridade 150 Melhores Demais Empresas Total Grandes Médias Pequenas Total
Fundamental 5,6% 8,9% 7,5% 7,0% 10,8% 9,9% 7,5%
Médio 41,0% 54,0% 48,3% 48,3% 49,1% 48,7% 48,3%
Superior 43,1% 29,7% 35,5% 36,0% 31,8% 33,3% 35,5%
Pós-Graduação 10,3% 7,4% 8,6% 8,7% 8,2% 8,0% 8,6%
Tempo de Casa 150 Melhores Demais Empresas Total Grandes Médias Pequenas Total
Menos de 3 anos 42,0% 53,4% 48,4% 48,0% 50,4% 52,9% 48,4%
3 a 6 anos 21,7% 18,1% 19,7% 19,4% 19,6% 24,7% 19,7%
6 a 10 anos 11,8% 10,5% 11,1% 11,0% 12,0% 10,0% 11,1%
10 a 20 anos 13,4% 9,9% 11,4% 11,5% 11,7% 10,2% 11,4%
Mais de 20 anos 11,1% 8,1% 9,4% 10,1% 6,2% 2,3% 9,4%
Faixa Etária 150 Melhores Demais Empresas Total Grandes Médias Pequenas Total
Até 24 anos 18,3% 24,2% 21,6% 21,9% 15,8% 25,4% 21,6%
25 a 39 anos 56,2% 49,7% 52,5% 52,2% 56,2% 53,6% 52,6%
40 a 49 anos 18,5% 17,3% 17,8% 17,9% 18,8% 14,7% 17,8%
Mais de 50 anos 7,0% 8,8% 7,8% 8,0% 9,2% 6,3% 7,8%

Fonte: MEPT (2012).

Tabela 3 – Média Salarial nas Empresas Pesquisadas

Classificação % Região de Atuação % Porte da Empresa %


150 Melhores Empresas R$ 3.579,71 Centro-Oeste R$ 2.146,87 Grande R$ 3.040,56
Demais Empresas R$ 2.685,94 Nordeste R$ 2.307,82 Média R$ 2.966,95
Total Geral R$ 2.995,73 Norte R$ 2.348,88 Pequena R$ 2.978,71
São Paulo R$ 3.719,16 Total Geral R$ 2.995,73
Sudeste R$ 2.779,45
Sul R$ 2.278,53
Total Geral R$ 2.995,73

Fonte: MEPT (2012).

Do ponto de vista da escolaridade, nota-se que as enquanto para as demais empresas esse percentual é
150 Melhores empregavam proporcionalmente mais de 37,1%.
pro issionais com escolaridade mais elevada se com-
paradas com o grupo das demais empresas. Como Em termos de permanência no emprego, as 150 Melho-
destaque, mais da metade dos empregados das 150 res empresas são aquelas em que, proporcionalmente,
Melhores (53,4%) possuem ao menos nível superior, os funcionários icam mais tempo: 42% têm menos de

novembro de 2013
18 temas de economia aplicada

três anos de casa e 24,5% têm 10 2.966,95) e pequenas empresas (R$ 2012 (1ª parte). Informações FIPE, n. 388,
ou mais anos. Nas demais empre- 2.978,71). p. 10-18, 2012.

sas, a parcela de 53,4% dos empre- ARBACHE, Jorge. Transformação demográ-


gados está há menos de três anos Em uma breve síntese, a partir dos ica e competitividade internacional da
economia brasileira. Revista do BNDES, v.
na empresa e apenas 18% há 10 ou dados da Tabela 2 percebe-se que
36, p. 365-392, 2011.
mais anos. o agrupamento das organizações
segundo sua classi icação na pes- BARBOSA, A.C.Q. Recursos humanos e
relações de trabalho: além do senso co-
Observa-se que as 150 Melhores quisa mostra que as organizações
mum. Revista de Administração de Empre-
Empresas empregam sua maior do grupo das 150 Melhores têm sas, v. 47, n. 1, p. 124-125, 2007.
proporção de indivíduos na faixa funcionários com maior nível de
BOLMAN, Lee; DEAL, Terrence. Reframing
entre 25 e 39 anos (56,2%). No escolaridade e maior tempo de organizations: artistry, choice and leader-
outro grupo de empresas, esta casa em relação às demais. Na Ta- ship. San Francisco, CA, Jossey-Bass, 2003.
faixa também é expressiva, mas bela 3, observa-se que a média sa- CAPPELLI, Peter. Will there really be a labor
sua proporção (49,7%) é menor larial das 150 Melhores é também shortage? Human Resource Management,
do que a veri icada entre as 150 superior. Desta maneira, indica-se v. 44, n. 2, p. 143-149, 2005.
Melhores. O salário médio das 150 que dentro do grupo das empresas CARVALHO NETO, Antonio. Relações de tra-
Melhores é 33,3% maior do que o participantes da MEPT a sua classi- balho e gestão de pessoas: entre o macro
salário médio das outras empresas icação no grupo das 150 Melhores e o micro? Provocações epistemológicas.
reforça a possibilidade de que este Revista de Gestão, v. 19, n. 2, p. 297-306,
(R$ 3.579,91 e R$ 2.685,94, respec-
2012.
tivamente). grupo tenha uma gestão de RH com
maior atenção ao mercado de tra- CRUZ, M.V.G.; SARSUR, A.M.; AMORIM, W.A.C.
Gestão de competências nas relações de
No que se refere ao porte das em- balho interno − comparativamente
trabalho: o que pensam os sindicalistas?
presas, os dados obtidos mostram às demais empresas. Isto porque o Revista de Administração Contemporânea,
que o grupo das grandes empresas porte das empresas não chega a ser v. 16, n. 5, p. 705-722, 2012.
emprega uma proporção levemente expressivamente diferenciador em DYCHTWALD, K.; ERICKSON, T.; MORISON,
maior de pro issionais de escola- termos de per il (faixas etárias, es- B. It’s time to retire retirement. Harvard
ridade mais elevada (Tabela 1). colaridade, tempo de casa e salário Business Review, v. 82, n. 3, p. 48-57, 2004.
As grandes empresas apresentam médio) de seus funcionários. FLEURY, M.T.L.; FISCHER, R.M. Relações
também maior porcentagem de de trabalho e políticas de gestão: uma
empregados com 10 ou mais anos A segunda parte deste artigo trará história das questões atuais. Revista de
os dados relativos à escassez de Administração, v. 27, n. 4, p. 5-15, 1992.
de casa (21,6%) relativamente às
médias (17,9%) e pequenas (12,5%) mão de obra entre as empresas GIMPELSON, V.; KAPELIUSHNIKOV, R.;
pesquisadas. LUKIYANOVA, A. Stuck between surplus
(Tabela 1). Já a separação por faixa
and shortage: demand for skills in russian
etária não apresenta diferenças ex- industry. LABOUR, v. 24, n. 3, p. 311-332,
pressivas entre as grandes, médias Referências 2010.
e pequenas empresas. IBGE. Pesquisa nacional por amostra de
domicílios. Rio de Janeiro, 2002.
Em relação às diferenças de mé- AMORIM, W.A.C. Negociações coletivas no
Brasil: a hora dos aumentos reais? Infor- ______. Pesquisa nacional por amostra de
dias salariais, percebe-se que o domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
mações FIPE, n. 361, p. 32-37, 2010.
ganho nas grandes empresas (R$
______.; FISCHER, A.L. Relações de trabalho, IPEA. Emprego e oferta quali icada de mão
3.040,56) não é expressivamente de obra no Brasil: impactos do cresci-
administração de recursos humanos e
superior (menos de 2%) em re- ambiente econômico e social no Brasil: mento econômico pós-crise. Comunicados
lação ao ganho das médias (R$ uma visão geral sobre o período 1990- do IPEA, v. 41, p. 01-17, 2010.

novembro de 2013
temas de economia aplicada 19

______. Um retrato de duas décadas do mercado de trabalho brasileiro WOOD JR., T.; TONELLI, M.J.; COOKE, B. Colonização e neocolonização
utilizando a PNAD. Comunicados do IPEA, n. 160, set. 2013. da gestão de recursos humanos no Brasil (1950-2010). Revista de
Administração de Empresas, v. 51, n. 3, p. 232-243, 2011.
KAUFMAN, Bruce E. The theoretical foundation of industrial rela-
tions and its implications for labor economics and human resource
management. Industrial and Labor Relations Review, v. 64, n. 1, p.
74-107, 2010.
MANPOWERGROUP. Talent shortage survey – research results, 2004.
Disponível em: <http://www.manpowergroup.us/campaigns/
talent-shortage-2012/pdf/2012_Talent_Shortage_Survey_Re-
sults_US_FINALFINAL.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2013.
PEREIMA, J.B.; NASCIMENTO, Ricardo. Crescimento, emprego e
renda no Brasil: rumo ao pleno emprego produtivo. Revista Eco-
nomia & Tecnologia, v. 8, n. 2, p. 61-80, 2012. (*) Doutoranda da FEA-USP.
SULLIVAN, S.E.; DUPLAGA, E.A. Recruiting and retaining older (E-mail: angela.lucas@uol.com.br).
workers for the new millennium. Business Horizons, p. 40, v. 6, (**) Mestrando da FEA-USP.
p. 65-69, 1997. (E-mail: tobiascoutinho@gmail.com).
(***) Professor da FEA-USP.
VENERI, Carolyn M. Can occupational labor shortages be identi- (E-mail: wamorim@usp.br).
ied using available data? Monthly Labor Review, v. 122, n. 3, p. (****) Professor da FEA-USP.
15-21, 1999. (E-mail: a ischer@usp.br).

novembro de 2013
20 temas de economia aplicada

“Helping the Good Get Better, But Leaving the Poor Behind”.
Avaliação dos Impactos da Descentralização das Escolas
Estaduais no Brasil
VIVIAN AMORIM (*)

1 Introdução ocorrida em níveis de governo com No Brasil, o impulso para a descen-


capacitação e habilidade técnica tralização do ensino fundamental
Este artigo avalia os efeitos da semelhantes à gestão centraliza- ocorreu após a implantação do
transferência de gestão de algumas da. Nessas regiões, a existência Fundo de Manutenção e Desenvol-
escolas estaduais para a adminis- de uma população mais instruí- vimento do Ensino Fundamental
tração municipal nos indicadores da educacionalmente e, portanto, (FUNDEF), em 1998. Com o obje-
de rendimento (aprovação, repro- com maior destreza em iscalizar tivo de adequar o inanciamento
vação e abandono) e de distorção e exigir os seus direitos, também da educação ao número de alunos
idade-série auferidos por alunos de corrobora o argumento de que a das redes estadual e municipal, o
1ª a 4ª série. descentralização pode reduzir a Fundo vinculou a disponibilização
corrupção. de recursos ao total de matrículas.
A descentralização da prestação de De tal modo, aumentaram-se os
serviços públicos, e em particular Por outro lado, a descentralização incentivos para que os municípios
da educação, consiste na delega- pode implicar piora na prestação absorvessem um maior número de
ção da responsabilidade de gasto, de serviços públicos se o governo alunos de 1ª a 4ª série.
1

inanciamento e gerenciamento central, com o intuito de reduzir


do governo central aos governos seus problemas iscais, delegar Entre 1996 e 2001, o aumento da
locais. Em princípio, aproximar a suas responsabilidades aos go- proporção de alunos de 1ª a 4ª
gestão da população tem o objetivo vernos locais sem lhes proporcio- série matriculados em escolas mu-
de adequar a prestação de serviços nar recursos para tanto. Ademais, nicipais decorreu majoritariamen-
às preferências de grupos mais ainda que a descentralização ocor- te do aumento do número médio
2
homogêneos, contribuindo para a ra simultaneamente ao aumento de alunos por escola. Também
alocação dos recursos conforme as da capacidade de gasto, o governo contribuiu, embora em menor pro-
necessidades locais. local pode apresentar menor habi- porção, a transferência de gestão
lidade quanto à aplicação e iciente de algumas escolas estaduais para
A literatura teórica pressupõe que dos recursos. Essa ameaça existe a administração municipal. O im-
os efeitos da descentralização va- majoritariamente em regiões mais pacto dessa política pode ser ava-
riam de acordo com o contexto do pobres, nas quais o governo pode liado por meio da metodologia de
local em que ela foi aplicada e com atuar em detrimento da população diferença em diferenças, em que a
os indivíduos a ela sujeitos. Dessa mais pobre, principalmente devido mudança dos indicadores de ren-
forma, é possível inferir impactos à menor instrução política e educa- dimento de escolas estaduais des-
positivos para a descentralização cional da população. centralizadas é comparada com a

novembro de 2013
temas de economia aplicada 21

de escolas que permaneceram sob desenvolvimento do ensino. Devi- taxas de abandono e reprovação e à
5
gestão estadual. do a tais imposições, nota-se que quantidade de insumos escolares.
a expansão da gestão municipal
ocorreu concomitantemente ao Ao utilizar características socio-
2 Contextualização da Descentra-
declínio da autonomia de gasto econômicas da região em que as
lização da Educação no Brasil
dos governos municipais. Nesse escolas estão localizadas e carac-
sentido, embora exista a possibili- terísticas iscais e eleitorais dos
Após a criação do FUNDEF, parte
dade de as imposições terem sido municípios, o autor encontra evi-
dos recursos da educação foram
contrárias às preferências locais, dências de que a descentralização
vinculados ao ensino fundamen-
o repasse de verbas diretamente implicou piora dos indicadores de
tal, com o objetivo de adequar o
aos departamentos de educação, rendimento dos alunos. Quanto
investimento ao número de alunos
os mecanismos fortalecidos de aos aspectos distributivos, os re-
matriculados, garantir a universa-
controle social e a alocação de re- sultados fornecem indícios de que
lização e melhorar a qualidade da o impacto da descentralização foi
cursos com professores em efetivo
educação oferecida. mais perverso em escolas localiza-
exercício constituem externali-
dades positivas associadas a esse das em regiões mais pobres e mais
O Fundo era composto por 15% do
novo mecanismo. rurais.
Fundo de Participação dos Esta-
dos, 15% do Fundo de Participação Ao condicionar as transferências Leme, Paredes e Souza (2009) ava-
dos Municípios, 15% do Imposto de recursos ao número de alunos liam os impactos da descentraliza-
sobre a Circulação de Mercadorias matriculados, o FUNDEF criou uma ção, em todo o Brasil, nos exames
e Serviços e 15% do Imposto sobre gama de incentivos para que os de pro iciência em português e
Produtos Industrializados, propor- municípios absorvessem um maior matemática obtidos por alunos da
3
cional às exportações. número de alunos. Transferir para 4ª série. Por meio dos resultados
6
o governo municipal a gestão das do SAEB e da Prova Brasil , ao con-
Inicialmente, tais recursos eram escolas de ensino fundamental é, trolar as características dos alu-
4
redirecionados a um fundo comum em tese, uma ideia boa. A descen- nos e de suas famílias, os autores
de cada Estado e posteriormente tralização pode adequar a disponi- encontram indicativos de que os
redistribuídos entre o Estado e os bilização de políticas educacionais efeitos da descentralização foram
seus municípios de acordo com o às necessidades peculiares de cada nulos, tanto nos resultados dos
número de alunos matriculados município. Contudo, como já res- exames de português quanto nos
no ensino fundamental regular de saltado, espera-se que os efeitos de matemática.
suas respectivas redes, com base dessa política variem de acordo
nos dados do Censo Escolar do ano com o contexto do local em que ela Era de se esperar que a descen-
anterior. foi aplicada e com os indivíduos a tralização do ensino fundamental
ela sujeitos. estivesse re letida na melhor quali-
Determinou-se que 60% do mon- dade da educação, por permitir que
tante total recebido deveria ser Madeira (2007) estuda o impacto a direção das escolas se aproximas-
direcionado para o pagamento de do programa de descentralização se mais da comunidade, garantindo
professores em efetivo exercício e das escolas estaduais de São Paulo. seu envolvimento na elaboração e
pro issionais de suporte pedagó- O autor avalia, de 1ª a 4ª série, implantação de novos programas.
gico. Os 40% restantes deveriam os resultados dessa política ao Esse resultado seria condizente
ser aplicados na manutenção e no longo dos anos, no que se refere às com a literatura teórica que prevê

novembro de 2013
22 temas de economia aplicada

efeitos bené icos para a descentralização por pressu- 4 Metodologia


por o estabelecimento de políticas que mais se adap-
tem às peculiaridades de cada município. Por meio da metodologia de diferença em diferenças,
os indicadores de rendimento auferidos por alunos de
7
É possível que os resultados contraditórios à literatu- escolas descentralizadas de 1ª a 4ª série, grupo de
ra teórica sejam explicados pela omissão, nos estudos tratamento, são comparados com os indicadores de
apresentados, da menor autonomia de gasto imposta rendimento dos alunos de escolas que permaneceram
sob gestão estadual, grupo de comparação (WOOL-
aos Estados e aos municípios pelo FUNDEF. Se as exter-
DRIDGE, 2007a).
nalidades positivas associadas à alocação de recursos
não tiverem contrabalanceado a perda de autonomia Pelo fato dessa metodologia pressupor que as escolas
local, os efeitos da descentralização podem ser subesti- que permaneceram sob gestão estadual constituem
mados, nos casos em que a correlação entre descentra- a estimativa do verdadeiro contrafactual das esco-
lização e maior dependência iscal for positiva. las descentralizadas, ou seja, o que teria acontecido
com esses estabelecimentos caso não tivessem sido
descentralizados, incluem-se controles na análise, de
3 Dados
modo a considerar características que sejam diferen-
tes entre os dois grupos. A incorporação de variáveis
Para a realização deste artigo foram coletadas infor-
que possam afetar o grupo de tratamento diferente-
mações divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos mente do grupo de comparação visa à obtenção de
e Pesquisas Educacionais (INEP), pela Secretaria do um estimador consistente para a descentralização. A
Tesouro Nacional (STN), pelo Instituto Brasileiro de Equação 1 apresenta o modelo estimado:
Geogra ia e Estatística (IBGE) e pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). 5
yijt  t   s dit  xit   z jt  gi  vit  Equação1
s 1
Com base nos indicadores de rendimento e distorção
idade-série auferidos por alunos de 1ª a 4ª série, em
características das escolas − tanto de infraestrutura yijt constitui os indicadores de rendimento ou distor-
ísica, quanto a respeito do nível de quali icação dos ção idade-série da escola i, localizada no município
professores − e nas características dos municípios em j no ano t. t são os efeitos ixos de tempo. dit são
que os estabelecimentos de ensino estão localizados dummies iguais a 1 se a escola está descentralizada há
avaliam-se os efeitos da descentralização de algumas um ano, dois anos e até cinco anos. xit são variáveis de
escolas estaduais. controle da escola i no ano t. zjt são os controles para o
município j no ano t . gi é o efeito ixo da escola i e vit
Comparativamente aos trabalhos realizados, como é o termo de erro idiossincrático.  é o operador dife-
rença e representa a subtração entre o valor assumido
inovação, este artigo também pondera a maior depen-
pela variável no período t do valor assumido em t – 1.
dência iscal imposta aos Estados e aos municípios,
por meio da relação entre recursos advindos do FUN- O modelo proposto possibilita efeitos não lineares
DEF e as despesas realizadas com educação e cultura. para a descentralização, além de permitir que se
Quanto maior este indicador, mais dependentes das transcorra algum tempo até que a gestão municipal
transferências do FUNDEF eram esses entes federa- implante novas políticas ou, até mesmo, para que as
tivos. alterações realizadas apresentem algum impacto.

novembro de 2013
temas de economia aplicada 23

5 Resultados 1999, observa-se que 29,8% das do lugar, os grupos de tratamento


escolas do Estado e apenas 5,8% e comparação podem apresentar
Os resultados apresentados nas das escolas municipais adotavam o tendências diferentes no tempo; e
10
colunas de número 1 da Tabela 1 regime de ciclos. Para a amostra em terceiro lugar, podem existir
sugerem que, nos primeiros dois estudada, no mesmo ano, 72,6% políticas, no âmbito dos Estados,
anos, a descentralização das esco- das escolas tratadas e 42,7% das que afetem o grupo de comparação
las estaduais apresentou impactos escolas do grupo de comparação diferentemente do grupo de trata-
negativos nos indicadores de ren- adotavam o regime de séries, res- mento.
11
dimento avaliados.8 Comparativa- pectivamente.
mente às escolas que permanece- Sobre o primeiro questionamento,
ram sob gestão estadual, estima-se Por um lado, os result ados in- é importante ressaltar que, além
que as escolas descentralizadas, dicam que os municípios est a- de características dos estabeleci-
após um ano de descentraliza- vam despreparados para absorver mentos de ensino, também estão
ção, tenham apresentado taxas de maior proporção de alunos do incluídas na análise diversas va-
abandono e de distorção idade- ensino fundamental. Contudo, os riáveis de controle no âmbito das
-série 0,048% e 0,038% superiores, resultados também sugerem que escolas e dos municípios. Como
respectivamente, e taxa de aprova- existe um período de acomoda-
a metodologia de diferença em
ção 0,043% inferior. Após dois anos ção para que os novos métodos
diferenças pressupõe que a única
de descentralização, os resultados de ensino e políticas empregadas
diferença entre os grupos de trata-
apresentados sugerem que os efei- pela gestão municipal apresentem
mento e comparação é a exposição
tos negativos persistem nas taxas algum impacto. Após quatro anos
ao tratamento avaliado, também se
de abandono e de aprovação. de descentralização, os resultados
considera, no âmbito dos Estados, a
indicam queda das taxas de re-
menor autonomia de gasto imposta
Os impactos negativos da descen- provação. Em relação ao grupo de 12
com a implantação do FUNDEF.
tralização podem estar relaciona- comparação, estima-se que as es-
dos à expansão do ensino funda- colas descentralizadas apresenta-
Sobre o segundo questionamento,
mental ocorrida no inal da década ram taxas de reprovação 0,042%
as colunas de número 2 da Tabela
de 90. É possível que a piora dos e 0,068% inferiores após quatro
1 apresentam o resultado da esti-
indicadores educacionais avaliados e cinco anos de descentralização,
esteja associada à absorção de alu- respectivamente. mação de um modelo que permite
nos que apresentavam menor pro- tendências não lineares especí icas
babilidade de estar na escola, por Existem três questionamentos para o grupo de comparação. As
exemplo, o aumento da matrícula principais quanto à consistência estimativas encontradas são, em
de crianças com idade superior à dos estimadores apresentados. sua maioria, semelhantes às apre-
recomendada para a série. Primeiramente, é possível que te- sentadas nas colunas de número 1,
nham sido omitidas características sugerindo que tendências não line-
Por outro lado, a piora inicial dos variantes no tempo, dos grupos ares, especí icas para o grupo de
indicadores de rendimento pode de tratamento e comparação, que comparação, não estão associadas
estar relacionada à adoção do re- estejam correlacionadas com a des- com a descentralização observada
gime de ciclos por algumas esco- centralização e com os indicadores e com os indicadores de rendimen-
las do grupo de comparação.9 Em educacionais avaliados; em segun- to avaliados.

novembro de 2013
24 temas de economia aplicada

Tabela 1 – Impactos da Descentralização Das Escolas Estaduais nos Indicadores


de Rendimento e de Distorção Idade-Série

Tx. de abandono Tx. de aprovação Tx. de reprovação Tx. de distorção


idade-série
1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3

1 ano de 0,048*** 0,046*** 0,079** -0,043** -0,041** -0,073 -0,005 -0,005 -0,006 0,038** 0,036** -0,072
descentralização
-0,014 -0,015 -0,039 -0,017 -0,018 -0,051 -0,013 -0,013 -0,036 -0,016 -0,017 -0,073
2 anos de 0,036** 0,029 0,056 -0,038* -0,031 -0,051 0,002 0,001 -0,006 0,03 0,026 -0,061
descentralização
-0,018 -0,02 -0,038 -0,022 -0,024 -0,048 -0,015 -0,016 -0,033 -0,02 -0,024 -0,072
3 anos de 0,028 0,014 0,033 -0,007 0,01 0,005 -0,022 -0,023 -0,038 0,019 0,011 -0,048
descentralização
-0,022 -0,027 -0,038 -0,027 -0,033 -0,048 -0,018 -0,021 -0,031 -0,025 -0,033 -0,073
4 anos de 0,017 -0,005 0,009 0,025 0,05 0,062 -0,042* -0,045* -0,071** -0,001 -0,012 -0,045
descentralização
-0,027 -0,035 -0,043 -0,033 -0,043 -0,054 -0,022 -0,027 -0,033 -0,031 -0,043 -0,079
5 anos de 0,011 -0,018 -0,021 0,057 0,090* 0,142** -0,068*** -0,072** -0,121*** -0,029 -0,043 -0,037
descentralização
-0,032 -0,045 -0,052 -0,04 -0,054 -0,067 -0,026 -0,034 -0,041 -0,037 -0,054 -0,091
Dependência fiscal dos
municípios -0,019 -0,021* -0,014 0,044*** 0,047*** 0,008 -0,025** -0,025* 0,006 -0,037*** -0,038*** -0,001

-0,012 -0,012 -0,014 -0,016 -0,016 -0,018 -0,013 -0,013 -0,014 -0,014 -0,014 -0,016
Dependência fiscal dos 0,046*** 0,050*** - -0,033 -0,037* - -0,013 -0,012 - 0,049*** 0,050*** -
Estados
-0,016 -0,016 - -0,02 -0,02 - -0,015 -0,015 - -0,018 -0,018 -

R quadrado ajustado 0,025 0,025 0,04 0,021 0,021 0,042 0,009 0,009 0,031 0,071 0,071 0,084

Observações 42.808 42.808 42.808 42.808 42.808 42.808 42.808 42.808 42.808 37.806 37.806 37.806

Por im, quanto ao terceiro questionamento, as colu- dono. Além disso, os resultados encontrados fornecem
nas de número 3 da Tabela 1 apresentam os resultados evidências de que a estimação principal apresentada,
de um modelo em que se incluem dummies de intera- colunas de número 1, subestima os impactos positivos
ções entre os Estados e os anos estudados na amostra da descentralização após quatro e cinco anos.
de escolas do grupo de comparação. A inclusão de tais
variáveis especí icas para as escolas que permanece- De tal modo, existem indícios de que para o período
ram sob a gestão do Estado permite controlar políti- em análise, algumas políticas adotadas no âmbito dos
cas ocorridas no âmbito desses governos que tenham governos estaduais afetaram o grupo de comparação
afetado as escolas do grupo de comparação diferente- quanto aos indicadores de rendimento e de distorção
mente das escolas do grupo de tratamento. idade-série por ele auferidos.

As estimativas sugerem efeitos negativos para des- Nesse contexto, após um período de acomodação e
centralização apenas no que se refere à taxa de aban- uma piora inicial dos indicadores, os resultados apre-

novembro de 2013
temas de economia aplicada 25

sentados fornecem evidências de apresentam maior renda per capita descentralizada está associada à
que a descentralização apresentou, (superior a um salário mínimo). capacitação do governo local e à
em média, efeitos positivos no que consciência política da população.
concerne à redução das taxas de Como podem ser observados na
reprovação. Considerando que as Tabela 2, os efeitos positivos da É provável que o estabelecimen-
escolas do grupo de tratamento, descentralização estão restritos to dos Conselhos de Acompanha-
em relação ao grupo de compara- aos municípios com maiores níveis mento e Cont role Social, 14 nos
ção, adotavam majoritariamente de renda per capita. Embora os re- municípios com maior renda per
o regime de séries, as estimativas sultados indiquem que um ano de capita, esteja associado à aplica-
encontradas estão possivelmente gestão descentralizada implicou ção correta dos recursos advindos
subestimadas. De tal modo, exis- piora dos indicadores educacionais do FUNDEF. Ademais, esse grupo
tem indicativos de que os efeitos avaliados nos dois grupos de muni- de municípios já apresent ava,
positivos da descentralização são cípios, após 2 anos de dois grupos antes do aumento da proporção de
superiores aos apresentados. de municípios, após dois anos de matrículas em escolas municipais,
gestão descentralizada, os efeitos os melhores indicadores de ren-
Ademais, os modelos estimados negativos persistem apenas nos dimento, sugerindo que estavam
fornecem evidências de que as ex- municípios com menores níveis de mais bem preparados para absor-
ternalidades positivas, associadas renda. Para esse grupo municípios, ver um maior número de alunos.
à alocação de recursos do FUNDEF, a descentralização está associada
parecem ter contrabalanceado os a maiores taxas de abandono e
distorção idade-série e a menores
6 Conclusões
efeitos negativos da perda de auto-
nomia local quanto à aplicação dos taxas de aprovação nos dois pri-
meiros anos de gestão descentra- Existem evidências de que a des-
recursos. Por outro lado, no âmbito
lizada. centralização de algumas escolas
dos governos estaduais, estima-se
estaduais, após um período de
que a maior rigidez de gasto impli- acomodação e uma piora inicial dos
Se por um lado a descentralização
que piora nos indicadores educa- indicadores, implicou queda nas
implica diminuição das taxas de
cionais avaliados. taxas de reprovação. Existem indi-
reprovação no grupo de municí-
pios com maiores níveis de renda cativos de que os efeitos positivos
5.1 Interação Entre Descentraliza- per capita, e, por outro, parece ter concentram-se em municípios com
ção e Renda Per Capita apresentado efeitos perversos no maiores níveis de renda per capita.
grupo de municípios com menores No entanto, os impactos negativos
Semelhantemente ao t rabalho níveis de renda, existem evidências prevalecem em municípios com
realizado por Galiani, Gertler e de que esse processo implicou au- menores níveis de renda per capita,
Schargrodsky (2008) propõe-se mento da desigualdade dos resul- corroborando a hipótese de que os
a estimação de um modelo com tados educacionais. efeitos da descentralização variam
a interação entre as dummies de de acordo com o contexto do local
descentralização e dois grupos de Dentre os fatores que podem ex- em que a política foi aplicada. De
municípios: os que apresentam plicar os resultados apresentados, tal modo, é possível argumentar
menor renda per capita (inferior como já ressaltado, a alocação e i- que houve aumento da desigualda-
13
a um salário mínimo) e os que ciente dos recursos em uma gestão de dos resultados educacionais.

novembro de 2013
26 temas de economia aplicada

Quanto à maior rigidez de gasto imposta pelo FUNDEF, plo, o estabelecimento de Conselhos de Acompanha-
no âmbito dos governos municipais, as externalidades mento e Controle Social pode estar associado à correta
positivas associadas aos recursos do Fundo parecem aplicação dos recursos advindos do FUNDEF. Já no
ter contrabalanceado a perda de autonomia local.
âmbito dos Estados, a maior dependência iscal está
Destacam-se, por exemplo, a exclusividade dos recur-
sos do Fundo ao pagamento de professores em efetivo relacionada à piora dos indicadores de rendimento,
exercício e o estabelecimento de conselhos para isca- indicando que as regras impostas pelo Fundo parecem
lização do uso das verbas. Nesse contexto, por exem- ter sido contrárias às preferências locais.

Tabela 2 – Interação entre Descentralização e Renda Per Capita (1ª a 4ª Série)

Tx. de abandono Tx. de aprovação Tx. de reprovação Tx. de distorção


idade-série
1 ano de descentralização*Menor renda per capita 0,042*** -0,040** -0,002 0,044***
-0,015 -0,019 -0,014 -0,016
2 anos de descentralização*Menor renda per capita 0,035* -0,056** 0,021 0,048**
-0,021 -0,028 -0,02 -0,023
3 anos de descentralização*Menor renda per capita 0,034 -0,046 0,013 0,033
-0,028 -0,038 -0,026 -0,031
4 anos de descentralização*Menor renda per capita 0,011 -0,014 0,002 0,03
-0,037 -0,049 -0,034 -0,04
5 anos de descentralização*Menor renda per capita -0,003 0,016 -0,014 0,012
-0,046 -0,061 -0,042 -0,05
1 ano de descentralização*Maior renda per capita 0,051*** -0,043** -0,008 0,033*
-0,016 -0,019 -0,014 -0,018
2 anos de descentralização*Maior renda per capita 0,034 -0,019 -0,015 0,017
-0,021 -0,025 -0,017 -0,024
3 anos de descentralização*Maior renda per capita 0,021 0,028 -0,050** 0,007
-0,027 -0,032 -0,021 -0,032
4 anos de descentralização*Maior renda per capita 0,018 0,06 -0,078*** -0,025
-0,033 -0,04 -0,026 -0,04
5 anos de descentralização*Maior renda per capita 0,017 0,095** -0,112*** -0,059
-0,04 -0,048 -0,031 -0,048
R quadrado ajustado 0,026 0,022 0,01 0,072
Observações 42.808 42.808 42.808 37.806

Referências BLUNDELL, R.; DIAS, M. Alternative approaches to evaluation in


empirical microeconomics. Portuguese Economic Journal, Springer,
v. 1, n. 2, p. 91–115, 2002.
BANCO MUNDIAL. Educação municipal no Brasil: recursos, incen-
D’ATRI, F. Municipalização do ensino fundamental da rede pública:
tivos e resultados. Banco Mundial: Estados Unidos da América,
2002. os impactos sobre o desempenho escolar. 2007.

BARDHAN, P.; MOOKHERJEE, D. Decentralizing antipoverty program DRAIBE, S. et al. Brasil, o sistema de proteção social e suas trans-
delivery in developing countries. Journal of Public Economics, formações recentes. Naciones Unidas, Comisión Económica para
Elsevier, v. 89, n. 4, p. 675-704, 2005. América Latina y El Caribe, 1993.

novembro de 2013
temas de economia aplicada 27

GALIANI, S.; GERTLER, P.; SCHARGRODSKY, 4 Como as transferências dentro de cada 12 A redistribuição de recursos, entre deter-
E. School decentralization: helping the Estado deveriam apresentar soma zero, a minado Estado e seus municípios e entre
good get better, but leaving the poor be- não ser que tivessem sido recebidos recur- municípios ricos e pobres de um mesmo
hind. Journal of Public Economics, v. 92, n. sos complementares da União, municípios Estado, é levada em consideração através
mais ricos e com menor proporção de alu- da evolução do gasto por aluno no âmbito
10-11, p. 2106–2120, Oct. 2008.
nos matriculados no ensino fundamental do governo estadual, para as escolas do
HECKMAN, J. J.; HOTZ, V. J. Choosing among contribuíram mais do que arrecadam com o grupo de comparação, e no âmbito do go-
alternative nonexperimental methods for Fundo, ocorrendo o oposto para municípios verno municipal, para as escolas do grupo
estimating the impact of social programs: mais pobres e com maior proporção de alu- de tratamento.
the case of manpower training. Journal nos. Similarmente, a mesma redistribuição 13 Inferior a um salário mínimo de 2000, R$
of the American statistical Association, de recursos também ocorreu entre as es- 151,00.
Taylor & Francis Group, v. 84, n. 408, p. feras estadual e municipal, a depender da
14 Para a iscalização da alocação dos recur-
862–874, 1989. relação de alunos matriculados nas redes
sos advindos do FUNDEF foram estabe-
de ensino.
LEME, M.; PAREDES, R.; SOUZA, A. A mu- lecidos Conselhos de Acompanhamento e
nicipalização do ensino fundamental e seu 5 Número de equipamentos eletrônicos por Controle Social. Os Conselhos deveriam ser
aluno, tamanho da sala de aula, número compostos por, no mínimo, quatro mem-
impacto sobre a pro iciência no Brasil. Rio
médio de horas-aula por dia, porcentagem bros representando a Secretaria Municipal
de Janeiro: Elsevier, 2009.
de docentes com ensino superior e número de Educação; os professores ou diretores
MADEIRA, R. The effects of decentralization de alunos por professor. das escolas públicas de ensino fundamen-
on schooling: evidence from the Sao Paulo tal; os pais dos alunos; e os servidores das
6 Tanto o SAEB, Sistema de Avaliação da Edu- escolas públicas de ensino fundamental.
States education reform. São Paulo, 2007. cação Básica, quanto a Prova Brasil devem
MENEZES-FILHO, N. A. et al. Trade unions ser respondidos por alunos da 4ª e 8ª série,
and the economic performance of brazil- atualmente 5º e 9º ano. O SAEB é realizado
ian establishments. Estudos Econômicos com base em uma amostra aleatória e es-
(São Paulo), Scielo Brasil, v. 38, n. 1, p. trati icada de escolas, representativa aos
níveis de rede e Estados. A Prova Brasil é um
55-72, 2008.
exame aplicado a todas as escolas públicas
ORELLANO, V. et al. Descentralização iscal com mais de 20 alunos na série.
e municipalização do ensino fundamental:
7 Entre os anos de 1997 e 2002.
impacto sobre os indicadores de desem-
penho educacional. 2011. 8 Os erros padrão são robustos e foram
computados com base no cluster aplicado
SOARES, S.; SOUZA, A. A demogra ia das es- no nível das escolas.
colas: decomposição da municipalização do
ensino básico. Rio de Janeiro: Ipea, 2003. 9 Não foi possível acompanhar a evolução da
adoção do regime de ciclos pelas escolas dos
WOOLDRIDGE, J. What’s new in econometrics? grupos de tratamento e de comparação. Para
Imbens/Wooldridge lecture notes; summer o período estudado, o INEP só divulgou essa
institute 2007, lecture 10: Difference-in- variável em 1999. Dessa forma, a tendência
differences estimation. 2007a. no tempo dos indicadores educacionais
avaliados pode diferir entre os grupos de
tratamento e comparação. Por exemplo, é
possível que as taxas de aprovação das esco-
1 A proporção de alunos de 1ª a 4ª série ma- las que permaneceram sob gestão do Estado
triculados em escolas municipais passou de já apresentassem tendência crescente.
47,6% em 1996 para 70,8% em 2002. 10 Em 2003, as porcentagens são de 26,2%
2 Os estabelecimentos que tinham em média e 8,3%, respectivamente.
65 alunos passaram a ter 100 (SOARES; 11 Os números apresentados indicam que a
SOUZA, 2003). adoção do regime de ciclos é mais intensa
3 Se o valor arrecadado não fosse su iciente no âmbito dos governos estaduais. Em
para atingir um nível mínimo de gasto por 2003, 66,0% das escolas tratadas e 45,9%
aluno, uma parcela adicional de recursos das escolas do grupo de comparação ado- (*) Mestranda em Teoria Econômica pelo IPE-
seria recebida da União. tavam o regime de séries. USP. (E-mail: vivian.amorim@usp.br).

novembro de 2013
28 temas de economia aplicada

Avaliando a Resposta dos Gastos Municipais em Saúde às Trans-


ferências do SUS
FERNANDO PARMAGNANI (*)

1 Introdução ços outros que não a saúde a nível isso, entre elas o processo hiperin-
local. Esta questão é de particular lacionário que o País vivia e que
No Brasil, as transferências para interesse, dada a constante per- di icultava o acordo em torno das
a saúde são condicionais e obriga- cepção de que o País gasta pouco transferências de recursos e o pró-
tórias. Esta foi a forma encontrada em saúde. Uma das inovações no prio processo orçamentário.
para garantir os gastos numa área contexto do SUS foi a de inição de
considerada prioritária. Porém, uma estratégia de inanciamento Na verdade, somente com a NOB 96
se a parcela dos gastos inanciada da atenção básica, através da subs- (Norma Operacional Básica 01/96)
com recursos próprios do municí- tituição do pagamento por presta- conseguiu-se de inir com mais cla-
pio é maior do que a transferência ção de serviços pela transferência reza o papel dos gestores dos três
condicional que o município rece- de recursos direta aos municípios níveis de governo na gestão do SUS.
be, a condicionalidade da trans- de acordo com as responsabilida-
ferência pode ter impacto sobre o des assumidas (PAB – Programa Ela aumentou ainda o valor das
comportamento de gasto, mas tam- de Atenção Básica). Diante disso, é transferências de recursos fede-
bém pode não afetá-lo de forma fundamental avaliar se os recursos rais para os Estados e municípios
nenhuma. transferidos foram empregados no e estabeleceu uma programação
destino esperado. integrada dos orçamentos, de inin-
Além disso, existe evidência de do os gastos em saúde a serem fei-
que o gasto na área escolhida au- 2 Transferências Para a Saúde tos pelas três esferas de governo.
menta menos do que a quantidade Concebeu também um mecanismo
da transferência, sendo o restante O Sistema Único de Saúde (SUS) foi automático de repasse de recursos
dos recursos destinados a outros concebido seguindo uma organiza- do governo federal para Estados e
bens e serviços públicos. Este re- ção descentralizada e hierarquiza- municípios para que esses pudes-
sultado icou conhecido como efei- da, em que os municípios são res- sem adotar uma série de ações de
to fungibilidade ( fungibility effect) ponsáveis pela atenção primária saúde básicas. Estas transferências
das transferências. de saúde e os municípios maiores e são feitas de forma automática
os Estados pelos procedimentos de “fundo a fundo” (diretamente do
O objetivo deste artigo é avaliar o maior complexidade. Fundo Nacional de Saúde para os
impacto das transferências do SUS fundos estaduais e municipais) em
sobre os gastos em saúde, procu- Entre a promulgação da Consti- contraposição ao esquema anterior
rando veri icar se a maior parte tuição e o começo dos anos 90 em que prevalecia o inanciamento
dos recursos transferidos pelo pouco se progrediu em direção a por prestação de serviços. Os Esta-
governo está sendo utilizada para esses princípios de organização. dos e municípios também destinam
serviços de saúde ou para servi- Várias razões contribuíram para recursos próprios aos seus fundos

novembro de 2013
temas de economia aplicada 29

de saúde, garantindo o co inanciamento do setor A segunda categoria de transferência fundo a fundo é o


saúde pelas três esferas de governo. Piso de Atenção Básica Variável. Neste caso, os recursos
devem ser usados para desenvolver programas específicos
Na verdade, as transferências feitas pelo governo fede- (Programa Saúde da Família, Programa de Agentes Co-
ral podem ser classi icadas entre convênios e transfe- munitários de Saúde, Combate às Carências Nutricionais,
rências fundo a fundo. entre outros) o que implica que o montante transferido
depende do nível de produção ou de cobertura dos pro-
Os convênios representam os recursos resultantes de gramas aos quais os Estados e municípios resolvem aderir.
acordos entre o governo federal e os governos muni- Existe, no entanto, um limite máximo (teto) por Estado ou
cipais, sendo, portanto, voluntários; têm propósitos município.
especí icos, devendo ser usados nas atividades de i-
nidas; podem ou não exigir contrapartida dos municí- As transferências para vigilância sanitária e controle
pios que os celebram. epidemiológico constituiriam a terceira categoria de
transferência fundo a fundo. O total repassado também
As transferências fundo a fundo, por sua vez, corres- depende da cobertura e/ou da produção dos programas,
pondem a transferências realizadas automaticamente assim como existe um determinado limite estabelecido
do Fundo Nacional de Saúde para os fundos estaduais por Estados ou municípios.
e municipais de saúde. São utilizadas pelo governo
federal para complementar os recursos municipais e Finalmente, existem as transferências fundo a fundo para
estaduais destinados ao inanciamento da saúde uma procedimentos de média e alta complexidade (atendimen-
vez que os governos subnacionais também aportam tos ambulatoriais e hospitalares mais avançados). Estas
recursos próprios aos seus fundos de saúde. também são obrigatórias, condicionais, sujeitas a um li-
mite máximo e dependentes da produção.
A primeira categoria de transferências fundo a fundo é o
Piso de Atenção Básico Fixo Ampliado. Este é obrigatório A ampliação das transferências fundo a fundo conferiu
e condicional, o que significa que os recursos devem ser maior agilidade aos luxos de recursos entre as dife-
usados obrigatoriamente nos programas de saúde estabe- rentes esferas de governo, facilitando o processo de
lecidos. É atribuído um valor fixo per capita a cada gover- gestão dos mesmos. Uma vez que os Estados e municí-
no subnacional. Na Tabela 1 estão os valores per capita pios passaram a receber e administrar mais dinheiro,
do PAB fixo para o período analisado neste trabalho, de foi possível também uma diminuição progressiva dos
acordo com Portarias do Ministério da Saúde. pagamentos diretos. Os pagamentos diretos apresen-
taram uma tendência decrescente ao longo do tempo,
Tabela 1 – Valores PAB Fixo sendo gradativamente substituídos pelas transferên-
cias a Estados e municípios que permitem a contra-
Data Valor Portaria tação e pagamento direto dos prestadores de serviço
de forma descentralizada. Assim, em 1994, as transfe-
jan/02 R$ 10,50 Portaria nº2034/GM de 07 de novembro de 2001
rências a municípios representavam cerca de 5% dos
abr/03 R$ 12,00 Portaria nº398/GM de 04 de abril de 2003 recursos federais do SUS. Em 2001, as transferências a
abr/06 R$ 13,00 Portaria nº650/GM de 28 de março de 2006 Estados e municípios passaram a representar 47% das
ago/06 R$ 15,00 Portaria nº2133/GM de 11 de setembro de 2006 despesas do Ministério da Saúde, enquanto em 2006 já
representam 61% dos recursos transferidos (MENDES
set/08 R$ 16,00 Portaria nº2133/GM de 21 de outubro de 2006
et al., 2008) a partir de dados do SIAFI).

novembro de 2013
30 temas de economia aplicada

O importante a ser observado é que traram evidência de que a resposta marginal de $0,43. O restante das
uma vez que todas as categorias de dos gastos locais a transferências transferências é destinado a gastos
transferências do SUS são condicio- em bloco dos Estados variam entre em bem-estar ($0,09), a outros gas-
nais, ou seja, devem ser destinadas $0,30 e $0,70 por dólar de transfe- tos ($0,09) e à redução de impostos
a ações e programas preestabeleci- rência. Por outro lado, o impacto ($0,39).
dos, elas implicam uma redução na de aumentos na renda privada é
1
autonomia subnacional para esco- de apenas $0,10. Nos Estados Uni- Gordon (2004) encontra evidência
lher e executar os serviços e ações dos, transferências federais para de que as transferências federais
em saúde levando em consideração educação (majoritariamente trans- para educação de alunos de baixa
as especi icidades regionais ou lo- ferências sem contrapartida com renda (Title I) resultam inicial-
cais. Cosio et. al. (2008, p. 64 e 65) propósitos especí icos) correspon- mente num aumento da receita
observam, contudo, que: dem a uma parcela pequena das total do distrito escolar e em am-
3
receitas dos distritos escolares. pliação do gasto em educação.
nas transferências fundo a fundo há No entanto, uma vez que as trans- O coe iciente estimado é igual a
um pouco mais de lexibilidade, vis- ferências federais em educação $1,41. Contudo, no terceiro ano, o
to que cada Estado e município tem têm como objetivo famílias com coe iciente estimado passa a não
liberdade para alocar os recursos, baixa renda, estas transferências ser estatisticamente signi icante,
dentro de cada módulo (atenção são mais relevantes nos distritos re letindo a substituição dos re-
básica, piso variável etc.), em dife- mais pobres. Fisher e Papke (2000) cursos próprios do distrito escolar
rentes tipos de ação. Por exemplo, encontram evidência de que o im- pelas transferências.
na atenção básica, pode-se optar
pacto das transferências federais
para educação sobre o gasto local Fina lmente, L evag g i e Z a nola
por dar mais atenção ao controle
varia entre $0,20 a $0,90. Assim, (2003) estimam a resposta dos
da tuberculose, à saúde da mulher
na média, os efeitos dos impactos gastos regionais em cuidados de
ou ao controle da hanseníase, con-
são pequenos. Isto implica que a saúde na Itália a transferências
forme o per il das necessidades de sem contrapartida para cuidados
maior parte dos recursos recebidos
saúde locais. (p. 64 e 65). de saúde e outras fontes de inan-
através de transferências para edu-
cação está sendo usada na provisão ciamento. Veri icam, ainda, se esta
3 Evidência Empírica Sobre o Im- de outros serviços públicos locais resposta é assimétrica, ou seja, se
pacto de Transferências Condi- que não educação ou para redução a resposta a aumentos e diminui-
cionais de impostos. Em outros termos, ções nestas transferências é igual
o efeito lypaper explica grande e se a restrição orçamentária fraca
4
A evidência internacional sobre o parte do efeito das transferências afeta a resposta dos gastos. Eles
2
impacto de transferências condi- sobre o gasto. estimam dois modelos diferentes,
cionais sobre os gastos não é muito de acordo com diferentes regras de
extensa. Craig e Inman (1982) também con- equilíbrio orçamentário: um com a
cluem que as transferências em presença de regras orçamentárias
Fisher e Papke (2000) realizaram educação “liberam” recursos para fortes e outro no qual as regiões
um resumo de várias questões e serem utilizados em outros servi- podem incorrer em algum dé icit
resultados relacionados ao inan- ços públicos e redução de impostos. (regras orçamentárias fracas). Na
ciamento em educação, incluindo As estimativas obtidas indicam que presença de uma restrição orça-
as respostas dos gastos às trans- transferências federais lump-sum mentária fraca, encontram evi-
ferências para educação, e encon- para os Estados têm um impacto dência de que o efeito marginal é

novembro de 2013
temas de economia aplicada 31

igual a $0,84 para transferências e $0,01 para renda O modelo estimado foi:
privada, o que implica um efeito lypaper substancial.
Na verdade, para ambos os modelos é obtida evidên- gsaudeit  ci  t   0 PIBit  1 PABit   2Outras transf susit 
cia de um efeito lypaper padrão e de um superefeito (1)
lypaper. Neste último, quando as transferências caem, 3 FPM it   4 royaltiesit  5Outras transf   6Controles  uit
os gastos do governo recipiente caem mais do que o
decréscimo das transferências. Contudo, quando a
restrição orçamentária fraca é levada em conta, os Observa-se que há evidência de efeito lypaper, ou seja,
autores observam um efeito mais moderado, em que observa-se uma resposta mais expressiva do gasto a
os gastos do governo recipiente caem mais do que no aumentos de transferências lump-sum (FPM e royal-
caso do efeito simétrico, mas menos do que a redução ties) do que a um aumento da renda privada.
nas transferências.
Nota-se que o efeito das transferências condicionais
Assim, baseado na literatura, é possível a irmar que a em saúde é substancialmente maior do que o efeito
despeito de vários países (inclusive o Brasil) tentarem das transferências incondicionais, indicando que a
equalizar e prover recursos especí icos para algumas condicionalidade afeta o comportamento do gasto. En-
áreas, se houver uma substituição dos recursos pró- quanto o aumento de R$ 1/capita de uma transferên-
prios locais pelas transferências, o gasto efetivo nes- cia do PAB leva a um aumento médio de R$ 0,80/capita
tas áreas pode ainda permanecer abaixo do desejável. no gasto em saúde, uma transferência do FPM em R$
Obviamente, o objetivo inal do ente governamental 1/capita se traduz em R$ 0,18 em gasto em saúde.
que concede a transferência é estimular novo gasto na
área inanciada pela transferência, mas este resultado Isto parece fazer sentido prático uma vez que mesmo
somente será alcançado se forem estabelecidas condi- que o montante que os governos recebam como trans-
ções críveis (incentivos corretos ao estímulo do gasto ferência do SUS seja inferior ao montante que já seria
especí ico), assim como cobrança efetiva do cumpri- gasto em saúde sem o recebimento da transferência,
mento destas condições. a obrigatoriedade de aplicar os recursos do SUS em
saúde faz com que os governantes prefiram gastar os re-
cursos destas transferências justamente em saúde, em vez
4 Resultados de direcionar recursos de outras fontes.

Para avaliar a resposta de gastos municipais em De qualquer maneira, observa-se que nem todo o recurso
saúde a transferências federais condicionadas a este do SUS é aplicado em saúde. Os coeficientes obtidos para
setor, foi estimado inicialmente um modelo de painel as transferências condicionais à saúde são estatisticamen-
com efeitos ixos. Como não é possível negligenciar a te diferentes de 1. Com isso, é possível concluir que de
existência de um efeito especí ico (heterogeneidade acordo com as evidências obtidas com o modelo linear de
não observada) e que, além disso, provavelmente, ele efeitos fixos ponderados, para cada R$ 1 de aumento da
seja correlacionado com o erro, esta foi a alternativa transferência do Piso de Atenção Básica, cerca de R$ 0,20/
considerada mais adequada. Além disso, foram inclu- capita é destinado para outros gastos, ou seja, há evidência
ídas dummies de tempo (i) com o objetivo de captar de efeito fungibilidade para as transferências em saúde.
efeitos macroeconômicos, mudanças de unidades de
medida ou outras mudanças que afetem a todos os Dada a heterogeneidade da amostra, foram estimadas
5
municípios. ainda regressões quantílicas (Tabela 1). Para os modelos

novembro de 2013
32 temas de economia aplicada

lineares observa-se tanto um efeito mais pronunciado tendência de aumento do efeito flypaper, e consequente di-
para as transferências condicionais, como também o efeito minuição do efeito fungibilidade, quanto maior o nível de
fungibilidade, que é menos acentuado em municípios que gastos em saúde nos municípios para os todos os modelos
apresentam gastos per capita em saúde mais elevados (nos lineares de regressões quantílicas empregados, indicando
quartis mais elevados). Na verdade, parece haver uma que os resultados são robustos (Tabela 2).

Tabela 2 – Determinantes dos Gastos em Saúde: Regressões Quantílicas

25% 50% 75%

Coef. Erro Padrão Coef. Erro Padrão Coef. Erro Padrão

PIB 0.001*** 0.000 0.001*** 0.000 0.001*** 0.000


PAB 0.879*** 0.057 0.887*** 0.048 0.906*** 0.046

Outras transf. SUS 0.970*** 0.006 0.993*** 0.007 1.001*** 0.008

FPM 0.163*** 0.001 0.176*** 0.001 0.194*** 0.001


Royalties 0.145*** 0.012 0.194*** 0.010 0.265*** 0.020
Outras transf. 0.125*** 0.002 0.142*** 0.002 0.156*** 0.002
Controles Sim Sim Sim
Dummies de ano Sim Sim Sim
Constante 78.430*** 6.447 115.294*** 7.135 168.900*** 10.778
Observações 32,367

Nota: *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1.

Tabela 3 – Efeito Flypaper e Fungibilidade: Regressões Quantílicas

25% 50% 75%


Diferença p-valor Diferença p-valor Diferença p-valor
PAB 0,878 0,00 0,886 0,00 0,905 0,00
Outras transf. SUS 0,969 0,00 0,992 0,00 1,000 0,00
FPM 0,163 0,00 0,175 0,00 0,193 0,00
Royalties 0,144 0,00 0,193 0,00 0,264 0,00
Outras transf. 0,124 0,00 0,141 0,00 0,155 0,00
PAB-FPM 0,715 0,00 0,711 0,00 0,713 0,00
PAB =1 - 0,00 - 0,31 - 0,87

Obs: Diferença = coe iciente da variável de transferência menos coe iciente da variável PIB.

5 Conclusão e é determinada por um valor ixo per capita a cada


governo subnacional.
Desde 2002 o mecanismo de repasse automático de
transferências do Fundo Nacional de Saúde para os Sendo assim, os governos passaram a contar com uma
fundos municipais e estaduais está em pleno funcio- fonte de recursos para saúde previsível e garantida, o
namento. Uma parcela destas transferências, o Piso que deveria facilitar sua gestão. Uma vez que as trans-
de Atenção Básico Fixo Ampliado, deve ser usada obri- ferências do SUS são condicionais (earmarked), seria
gatoriamente nos programas de saúde estabelecidos de se esperar que seus recursos fossem plenamente

novembro de 2013
temas de economia aplicada 33

aplicados em saúde. No entanto, Referências health expenditure in Italy. International


existe evidência na literatura de Tax and Public Finance, v. 10, n.5, p. 535-
que o gasto na área escolhida pode 547, 2003.
COSIO, Fernando; MENDES, Marcos;
aumentar menos do que o montan- MIRANDA, Rogério. Transferências STINE, W.F. Is local government revenue
te da transferência, sendo o restan- intergovernamentais no Brasil: diag- response to federal aid symmetrical? Evi-
te dos recursos destinados a outros nóstico e proposta de reforma. Brasília, dence from Pennsylvania county govern-
bens e serviços públicos, resultado DF: Consultoria Legislativa do Senado
ments in an era of retrenchment. National
Federal, 2008. Texto para Discussão n.
que icou conhecido como efeito 40. Tax Journal, v.47, n.4, p. 799-817, 1994.
fungibilidade das transferências.
CRAIG, S., INMAN, R.P. Federal aid and public
education: an empirical look at the new
Obtém-se, contudo, evidência que iscal federalism. Review of Economic and
nem todo o recurso do SUS é aplica- Statistics, v. 64, n. 4, p. 541-52, 1982.
do em saúde. Encontra-se evidência DUCOMBE, W.; YINGER, J. School inance
de que para cada R$ 1 de aumento reform: aid formulas and equity objec- 1 Esses resultados foram con irmados para os
da transferência do Piso de Atenção tives. National Tax Journal, v. 51, n.2, p. distritos escolares no Oregon em 1971 por
239-262, 1998. Filimon, Romer e Rosenthal (1982) e para os
Básica, cerca de R$ 0,20/capita é des-
FILIMON, R.; ROMER, T.; ROSENTHAL, H. distritos escolares em Nova York em 1991
tinado para outros gastos, ou seja, há
Asymmetric information and agenda por Duncombe e Yinger (1998).
evidência de efeito fungibilidade para
control: the bases of monopoly power and 2 Resultado da evidência empírica que mostra
as transferências em saúde. Ademais, public spending. Journal of Public Econom-
uma resposta maior do gasto a um aumento
nota-se que o efeito das transferên- ics, v.17, n.1, p.51-70, 1982.
das transferências lump-sum para os go-
cias condicionais em saúde é subs- FISCHER, R.C.; PAPKE, L.E. Local government vernos subnacionais do que um aumento
tancialmente maior que o efeito responses to education grants. National da renda privada local (GRAMLICH, 1977).
das transferências incondicionais, Tax Journal, v.53, n.1, p. 155-174, 2000.
3 Para identi icar o impacto do programa Title
indicando que a condicionalidade GORDON, N. Do federal grants boost school
I (separar o efeito do Programa e o efeito da
afeta o comportamento do gasto. spending: evidence from Title I. Journal
of Public Economics, v. 88, n. 9-10, p. 177- pobreza) são utilizadas as mudanças bruscas
Parece ainda haver uma tendência de que ocorrem nas quantidades transferidas
192, 2004.
aumento do efeito flypaper, e conse- por aluno nas datas em torno da divulgação
Gramkhar, S.; Oates, W. Asymmetries in the
quente diminuição do efeito fungibi- dos dados censitários decenais.
response to increases and decreases in
lidade, quanto maior o nível de gastos intergovernmental grants: some empirical 4 A motivação veio da literatura empírica rela-
em saúde nos municípios. indings. National Tax Journal, v. 49, n. 4, cionada a generalizações do efeito lypaper
p. 501-512, 1996.
de forma a incluir assimetria na resposta às
Sendo assim, o resultado encontrado GRAMLICH, E. Intergovernmental grants: transferências intergovernamentais. O gasto
se alinha com a literatura do impacto a review of the empirical literature. In: local responderia amplamente a aumentos
de transferências condicionais, que Oates, W. E. (Ed.). The political economy of
nas transferências, mas seria relativamente
federalism. Lexington, MA: Lexington Books,
relata substituição dos recursos pró- insensível a reduções nas transferências
1977. p. 219-240.
prios locais pelas transferências, (STINE, 1994 e GRAMKHAR; OATES, 1996).
KOENKER, R. Quantile regression for lon-
levando a um nível de gastos nas 5 Aqui são discutidos somente os resultados
gitudinal data. Journal of Multivariate
áreas propostas menor que o de- Analysis, 91, p. 74-89, 2004. para os modelos lineares.
sejado. Não parece estar havendo
______; HALLOCK, K. Quantile regression: an
no Brasil incentivos corretos ao introduction. Journal of Economic Perspec-
estímulo de gastos em saúde, suge- tives, 15, p. 143-156, 2001.
rindo aperfeiçoamentos no sistema LEVAGGI, R.; ZANOLA, R. Flypaper effect (*) IPE/USP. (E-mail: fernando.
de repasse de transferências. and sluggishness: evidence from regional parmagnani@usp.br).

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34 ecorresenhas & cia

Ecorresenha

MONZONI, M. (Coord.). Como avançar no inanciamento da economia de baixo carbono no Brasil


− análise dos entraves e oportunidades na alocação de recursos inanceiros para os setores de
agropecuária e energia. Fundação Getulio Vargas, Centro de Estudos em Sustentabilidade da
Fundação Getulio Vargas (GVces), 2012.
THIAGO FONSECA MORELLO (*)

1 Introdução Tomam-se, como ponto de partida, • Propostas Empresariais de Polí-


três estudos previamente elabora- ticas Públicas para uma Econo-
O presente estudo procura res- dos pelo GVces, sendo eles: mia de Baixo Carbono no Brasil:
ponder à seguinte questão: o que Agricultura, Energia e Transporte
Financiamentos Públicos e Mudan-
impede o setor inanceiro de de- (2010)
ça do Clima: Análise das Estraté-
sempenhar um papel mais impor-
gias e Práticas de Bancos Públicos A principal evidência trazida à
tante no inanciamento de projetos e Fundos Constitucionais Brasilei- tona por estes estudos é a de que
de redução de emissões de gases de ros na Gestão da Mudança do Clima as linhas de inanciamento para
efeito estufa (GEE)? (2010) a redução das emissões oriundas
da agropecuária e de atividades
O objetivo é elaborar um plano • Financiamentos Privados e Mu- de produção e consumo de energia
de ação que permita avançar no dança do Clima: Análise das Es- são subutilizadas.

tema e, além disso, recomendações, tratégias e Práticas de Bancos


As emissões de GEE geradas pelo
agrupadas em “áreas de interven- Privados no Brasil na Gestão da setor agropecuário advêm prin-
ção” por parte do governo. Mudança do Clima (2011) cipalmente da conversão de lo-

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ecorresenhas & cia 35

restas (primárias e secundárias) a realização de duas o icinas em Assinalo que as transformações


em áreas produtivas e da emissão 2012. das categorias 1 e 4 são obriga-
entérica do gado. ções legais do setor, as quais não
são atendidas por porção ainda
2 Agropecuária
Por emissões do “setor energéti- relevante das empresas (espe-
co” (termo utilizado no texto ora cialmente as de pequeno porte e
As principais transformações por
resenhado) se entendem aquelas familiares).
meio das quais é possível reduzir
associadas à geração e consumo de
tanto as emissões do setor agro-
energia. Esta última atividade en- Parece-me esclarecedor pensar
pecuário como sua suscetibilidade
globa o setor de transportes, este o cada transformação como um pro-
que responde pela maior fatia das às mudanças climáticas podem ser
jeto de investimento (em redução
emissões em questão e também enquadradas em nove categorias:
de emissões de GEE, mais especi-
processos industriais. Por este 1. Recuperação de áreas de preser- icamente) e, portanto, como uma
motivo, será usada a expressão vação permanente e reservas demanda potencial por crédito. A
“emissões associadas à geração e legais degradadas; questão central abordada no texto
consumo de energia”. diz respeito à compatibilidade des-
2. Projetos de Ciência, Tecnologia e
tes projetos com as oportunidades
Duas fontes de dados são utiliza- Inovação (CTI);
de inanciamento fornecidas pelo
das no estudo. Em primeiro lugar,
3. Certi icação socioambiental; setor inanceiro (público e privado)
dados primários, levantados a par-
4. Regularização ambiental; ou oferta de crédito.
tir de entrevistas a atores do setor
privado, inanceiro e do governo, 5. Mecanização da colheita da cana Há sete programas governamen-
bem como especialistas. Tais en-
(atualmente feita em proporção tais e 12 instituições inanceiras a
trevistas se orientaram em torno
relevante com o apoio em quei- que se pode recorrer para inanciar
de três objetivos: (i) compreender
madas); a implementação das transforma-
o que os atores entendem por ter-
ções categorizadas. Obviamen-
mos-chave, tais como “agricultura 6. Consórcios agropastoris e agro-
te, cada uma das oportunidades
de baixo carbono” e “energia reno- lorestais; de inanciamento foi desenhada
vável”; (ii) detectar a utilização de
produtos inanceiros e instrumen- 7. Plantio direto (sem queimada) e para atender apenas a algumas das
tos de política pública disponíveis e ixação biológica de nitrogênio transformações, sendo necessário,
(iii) coletar sugestões para melho- (por meio de leguminosas, por pois, recorrer a mais de uma forma
ramentos. de inanciamento quando há múlti-
exemplo);
plas transformações em vista.
Complementarmente, foram uti- 8. Tratamento de dejetos animais
lizados dados secundários (rela- (evitando a decomposição elimi- A tomada de crédito necessária
tórios de gestão divulgados pelas nadora de CH4); para inanciar o programa Agri-
empresas entrevistadas, por exem- cultura de Baixo Carbono (ABC),
9. Recuperação de áreas degra-
plo). do governo federal, é estimada em
dadas, incorporação de áreas R$197 bilhões entre 2011 e 2020;
Outras duas oportunidades de in- subutilizadas e abandonadas, desse total, é previsto que 80%
teração com os atores dos setores evitando-se a abertura de novas seja concedido como crédito rural
investigados foram criadas com áreas (desmatamento). pelo BNDES e outros bancos.

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36 ecorresenhas & cia

Os autores estimam que o recurso Outro entrave relevante está no 2. Certi icação e normatização da
alocado pelo BNDES para o ABC foi prazo extenso requerido de alguns e iciência energética (como é o
de R$3,15 bilhões em 2012. Este re- projetos de redução de emissões, caso dos selos encontrados em
curso é repassado ao tomador inal de até oito anos, em alguns casos,
geladeiras);
por bancos privados. A irmam signi icativamente acima do prazo
que este montante é insu iciente, médio dos contratos de crédito 3. Investimento em P&D de energias
o que está claro pelo fato de que operados pelo sistema inanceiro renováveis incipientes no País
representa 34% do valor anual privado.
(p.ex., geotérmica, energia dos
médio que teria de ser liberado por
No que tange especialmente aos oceanos);
ano para atingir a meta de R$197
bilhões no período de 2011 a 2020 pequenos produtores, um entrave 4. “Geradores renováveis” para em-
(10 anos). está nos documentos e garantias presas (p.ex., turbinas eólicas);
exigidas. Além disso, para os ban-
cos, o custo operacional de realizar 5. Expansão da oferta de energia
Diversos entraves em termos de
compatibilização entre demanda e operações de pequeno porte é alto, renovável a partir de fontes “ma-
oferta − tal como o revelado pelo o que poderia ser superado com duras” no País (p.ex., pequenas
dado que se acaba de apresentar − integração vertical. centrais hidrelétricas, biomassa,
de inanciamento foram encontra- eólica e solar).
dos. Destaco aqueles que me pare- A falta de assistência técnica para
cem mais importantes nos quatro elaboração e acompanhamento
Também para estas atividades, há
próximos parágrafos. dos projetos é um problema bem
di iculdades de ordem conceitual
conhecido que o setor enfrenta na
prática, especialmente na vertente ou semântica, no que tange a ter-
Há di iculdades em determinar
composta por produtores de pe- mos como energia renovável e e i-
se os projetos de investimento
queno porte. ciência energética, o que contribui
estão de acordo com o previsto
para di icultar a identi icação dos
nos programas governamentais,
itens inanciáveis e as vantagens
atendendo aos requisitos de redu- 3 Energia
dos projetos.
ção de impacto climático. Muitas
vezes, as di iculdades são de ordem As transformações redutoras do
Há falta de linhas de inanciamen-
conceitual ou até mesmo semân- conteúdo-carbono das atividades
to para projetos de (aumento da)
tica e resultam da inexistência de relacionadas à geração e ao consu-
de inições claras para conceitos- e iciência energética e energias
mo de energia são enquadradas nas
-chave tais como o de agricultura seguintes categorias: renováveis, especialmente para os
de baixo carbono. Outras vezes, as painéis solares cujo custo é alto.
1. E iciência energética (razão uni- Esta última, assim como no caso de
di iculdades dizem respeito ao pre-
dades produzidas / energia con- outras fontes renováveis, padece
paro insu iciente dos funcionários
bancários operadores das linhas sumida) em cinco atividades: com a falta de demanda. A escassez
de crédito no que tange à identi- indústria, construção civil, trans- de recursos providos de maneira
icação dos itens inanciáveis dos missão, distribuição e consumo estável também foi detectada para
projetos e de suas vantagens. de energia; P&D.

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ecorresenhas & cia 37

Da mesma forma é observada a necessidade de criar 2. Setor público:


incentivos para o aumento da e iciência energética.
a. Fortalecer políticas públicas, estabelecer subsídios
diretos e incentivos iscais e inanceiros;
Assim como também é o caso para a agropecuária, as
linhas de inanciamento são estruturadas de maneira b. Aumentar a articulação entre esferas governamen-
a favorecer a tomada por empresas de grande porte. tais;
c. Dar apoio à criação de novos mercados (como o
4 Conclusão de energia renovável ou de produção agropecuária
certi icada);
Por conta dos entraves levantados, há subutilização
dos recursos disponíveis para o inanciamento da d. Dar apoio à capacitação de empresas para elabo-
transição para a economia de baixo carbono. Isto ração de projetos de redução de emissões de GEE.
pode ser resolvido apenas com base em uma integra-
ção maior das decisões das empresas interessadas na
execução dos projetos de investimento, dos bancos
concessores de crédito e do governo, este último agin-
do tanto para de inir o marco regulatório como para
alinhar incentivos e coordenar empresas (demanda
por crédito) e bancos (oferta). Em termos gerais, as
recomendações dos autores podem ser sintetizadas
tal como segue:
1. Setor inanceiro: capacitar os operadores de linhas
de crédito a analisar projetos de redução de emissões
de GEE e as instituições a monitorar a execução de
(*) Doutor em Economia do Desenvolvimento pelo IPE/FEA-USP.
tais projetos; (E-mail: tfmrs@yahoo.com.br).

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