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Claudia Vaccaro
Queridos,
Vocês me permitem conversar com vocês por esta carta? Preciso de algo que me
ajude, vocês sabem como eu gosto de escrever. Se não for assim, não vou conseguir.
Como começar? Já fiz tantas tentativas, tantas que nem tenho coragem de contar.
Se fizer isso vou desanimar, e não posso, nem devo.
Acho que devo começar me desculpando. Um pouco por ter sumido e preocupado
vocês, um pouco pelas ideias insensatas que atravessaram minha mente. Mas não
vou me desculpar pelas decisões que tomei, e por isso conto com todo seu amor
para que tentem me entender, mesmo não aceitando.
Eu sou a pessoa a quem todos recorrem quando precisam entender os fatos, que
sabe encadeá-los em uma ordem lógica, desvendar os intrincados fios que os ligam
e aos quais se subordinam, chegando a resultados exatos e irrefutáveis.
Mas por melhor que eu seja, não consigo usar essa qualidade para explicar o que
aconteceu com a minha vida. Talvez porque não tenha muita explicação lógica, por
mais que eu resista a admitir isso. É algo que precisa ser sentido.
Eu optei por abrir o meu coração para vocês e me mostrar em um nível em que não
tive coragem de fazer nem para mim mesma até hoje. É um gesto desesperado, mas
é o único que consigo pensar. Me desculpem se os magoo, ou se não atendo às suas
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expectativas. Essa sou eu, peço que compreendam. Não posso fazer diferente. Não
mais.
Como reagir diante disso? Não sei, não consigo explicar, queria apenas que
entendessem como me sinto. Será que conseguem se colocar no meu lugar? Eu,
Hermione Granger, que fiz uma planilha para definir quando iria me casar,
concluir meu doutorado, engravidar, me tornar Ministra da Magia? Eu fui
vencida, e estou resignada a viver submissa a experiência da derrota. Estou
abatida aos pés do vencedor, e nada me resta a não ser aceitar o destino.
Eu fui vencida por algo contra o que sempre lutei: contra o ambíguo, a confusão, o
descontrole, a fraqueza, a submissão à paixão. Lutei com tudo que tinha ao meu
alcance, como uma autêntica gifinória. Lutei, mesmo avaliando que as minhas
chances eram mínimas, como a criança que está no mar e sente que não consegue
encostar mais o pé no chão, ao mesmo tempo que vê a onda se avolumando lenta e
inexorável na sua direção, e ainda assim se debate, luta para não ser tragada e
submersa. Ela sabe que é uma questão de tempo até ser engolida, mesmo assim não
quer admitir, e esses pensamentos a fazem demorar o suficiente para não conseguir
mais sair e voltar para um lugar mais raso, conhecido, em que possa respirar.
Quando a onda chegou foi pior do que tudo o que eu previ, do que eu achava que
sabia.
Eu fui tragada e submersa. Pensei que não fosse mais voltar. Eu desejei, me
perdoem, nunca mais voltar. Sei também que nunca mais vou voltar
completamente, como a pequena sereia que fez um pacto para poder andar na
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terra - só que no meu caso é o contrário, mergulhei no mar mais profundo, fiz um
pacto de renascimento e adquiri uma natureza marinha. Agora, não sou mais
capaz de andar em terra firme, preciso do oceano para continuar respirando.
Mas foi pela amizade que percebi que ainda tenho uma pequena chance de
conservar um pouco do que eu possuía, se a Deusa permitir, pois aprendi que devo
me submeter a ela. Se não, é mais umas das dores que terei que suportar, já que em
minha vida não há margem segura em que possa aportar, nem escolha possível
sem perdas e sofrimento.
Enfim, ouso, com o desespero dos desenganados, me mostrar a vocês. Não espero
seu perdão, mas não há outra saída para mim a não ser buscar a sua compaixão.
*****
Sendo bem honesta, não posso dizer que senti algo especial quando conheci
Draco Malfoy. Revendo os dados e revisitando as minhas lembranças, não encontrei
nenhum indício inicial de que esse seria um encontro diferente de qualquer outro.
Não senti nada além de uma certa antipatia, nem muito sutil, nem muito intensa.
Descreveria como uma primeira impressão desagradável, nada mais.
À medida em que fui convivendo com ele nas aulas e presenciando sua forma
arrogante de tratar as pessoas, essa antipatia foi aumentando. Draco Malfoy andava
pela escola como um senhor feudal supervisionando sua propriedade, ora dando
alguma ordem sobre as cavalariças, ora esbofeteando algum serviçal.
Possuía a postura ereta, caminhando com uma elegância inesperada para seus
onze anos de idade, o queixo sempre acima da linha do horizonte e o olhar de
desdém dos bem nascidos. Sua marca era o risinho cínico, sempre com uma piada
maldosa sobre tudo, seguida da aprovação do seu cortejo - não se pode chamar
Crabbe e Goyle de amigos, mais pareciam guarda-costas, como um pano de cena
insosso, cinzento e bruto, colocado ali para destacar a prima-donna sob a luz
principal do palco que era Draco Malfoy.
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Era óbvio que Malfoy invejava toda a atenção que Harry naturalmente recebia,
com seu jeito displicente de encarar isso, afinal ele era Harry Potter, a única pessoa
que havia sobrevivido a uma maldição de morte. Já Rony parecia odiá-lo, pura e
simplesmente, e era difícil impedir que ele partisse para cima de Malfoy, que sabia
disso e sentia um prazer especial em provocá-lo.
Assim, minha antipatia cresceu muito mais motivada por solidariedade aos
meus amigos do que por algo dirigido a mim de forma mais específica, pelo menos
no princípio. A bem da verdade, eu duvidava que Malfoy tivesse notado a minha
existência, o que não me causava incômodo algum, muito pelo contrário.
Minha vida em Hogwarts estava bem definida: frequentar as aulas, ler todos
os livros indicados e ir além, aprofundando minha aprendizagem, com uma
voracidade diante da qual a estupenda biblioteca da escola poderia tremer.
Essa sempre foi a minha verdadeira natureza: a aluna aplicada e sedenta por
conhecimento, querendo melhorar meu desempenho cada vez mais. Caso eu tivesse
que me apresentar a alguém, diria: "Olá, Sou Hermione Granger, aluna de
Hogwarts”. Essa descrição breve resumia o que eu era e me satisfazia de forma
completa. Ser a melhor aluna não era um papel que eu interpretava, era o que eu era,
minha identidade.
Não demorou para que eu chamasse a atenção dos professores, que notavam
minha inteligência e dedicação aos estudos. Nunca fui aquela aluna passiva, cujo
espírito estava em algum lugar distante do corpo sentado na carteira. Eu encarava as
aulas como um trabalho, como se eu e o professor fossemos co-responsáveis pelo
sucesso da aprendizagem.
marcada, uma espécie de pas de deux, em que eu executava meus passos com
precisão enquanto era conduzida pelo professor.
Eu não percebia nenhuma inconveniência disso. Para mim, era evidente que
esta deveria ser a postura de todos os alunos. Se eu tivesse que fazer uma pergunta
complexa a um professor um minuto antes de terminar a aula não hesitava, mesmo
sob o olhar de fúria dos demais alunos e até de Harry e Rony.
Eu não tinha dúvidas sobre quem eu era: uma aluna, stricto sensu. Estava ali
para estudar e aprender, e não ia ficar apreciando os anos escolares se desenrolarem
da arquibancada, como se fosse um jogo monótono. Eu estava imersa por inteiro,
estava dentro. E os professores, no geral, reconheciam e aprovavam a minha postura.
Snape era uma figura indevassável, mítica, uma verdadeira esfinge. Suas aulas
eram motivo de pavor para muitos alunos - uma fama não desmerecida, pois era
exigente até a fronteira do sadismo, equilíbrio que parecia manter sob controle de
forma disciplinada. Ele costumava rechaçar as contribuições que eu fazia para a aula,
ignorando intencionalmente minha mão levantada na tentativa de responder suas
perguntas à classe.
Eu atribuía essa antipatia ao fato de que eu, a melhor aluna dessa e das outras
disciplinas, pertencia à Grifinória. Mas isso não me intimidava. Eu não teria uma
reação emotiva à Snape como Neville, que alimentava um verdadeiro pavor, com
direito a pesadelos e suores frios.
Aquela primeira detenção que cumprimos juntos na Floresta Proibida foi bem
elucidativa em relação a isso. Nessas pequenas cenas do cotidiano, Draco Malfoy ia
sendo revelado para mim. Minha observação sobre ele ia se tornando mais
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meticulosa, e os dados confirmavam que suas histórias eram muito mais uma
expressão do menino corajoso que ele desejava ser do que do menino medroso que
ele realmente era.
Quando fomos ao encontro de Hagrid, observei que sua barba estava suja de
mel. Ele lambia os dedos e tentava se limpar de forma desajeitada, passando as mãos
pela lateral do casaco e na barba uma e outra vez. Eu já gostava muito de Hagrid e
perdoava essas idiossincrasias tão características da sua personalidade.
O que mais ficou impregnado em mim foi o cheiro: um mel intenso, que
conseguia provocar um gosto doce já no aroma, produzindo uma coceira um pouco
irritante na garganta, provavelmente de alguma espécie selvagem e mágica, daquelas
a que Hagrid costumava ter acesso. Mas não perguntei nada, só fui dar importância a
esse detalhe muito tempo depois.
Foi na floresta que tive meu primeiro contato com Firenze. Assim como o mel,
não poderia imaginar o papel que ele teria na minha vida no futuro. Foi uma noite
fantástica, marcada pelo destino em um nível profundo da minha alma, e não apenas
pelo nosso primeiro encontro com Voldemort.
O Fatum está acima das divindades e dos humanos, quer fossem bruxos ou
não. É uma força com a qual não se podia negociar, e contra a qual os feitiços, por
mais poderosos que fossem, nada podem fazer a não ser mitigar alguns dos seus
efeitos. A Magia Antiga estuda o Fatum e o caminho para conhecê-lo, que é o oráculo.
Naquele momento, tudo isso era ignorado por mim.
Nas minhas observações sobre o Fatum, uma coisa que eu pude notar é sua
ironia, seu ar de troça, e talvez esse seja um dos seus aspectos mais difíceis de
suportar, como se Grope estivesse se entretendo em arrancar as pernas de uma
aranha do tamanho de um pomo de ouro e achando isso a coisa mais divertida do
mundo.
Snape não era muito discreto em aumentar as dificuldades para mim, mas
também não posso dizer que, nesse tipo de tarefa tão facilmente monitorável numa
observação de dados, ele tivesse muita oportunidade de favorecer Sonserina, o que
era mais provável de acontecer em episódios envolvendo punições pela indisciplina
dos alunos. Provas são provas, têm critérios de avaliação mais exatos, e uma poção
bem preparada é uma evidência irrefutável.
Eu não tinha ideia do sofrimento que isso lhe causava - para mim, era a
oportunidade de uma pequena vitória, no meu campo e com as minhas armas, contra
suas atitudes esnobes - quem sabe assim ele não aprendia a ser um pouco mais
humilde?
Mas Draco era mais afetado por não tirar a maior nota do que deixava
transparecer, principalmente porque isso era motivo de comentários negativos de
seu pai, que esperava que ele fosse o melhor aluno. Quando o pai perguntou se ele
não se envergonhava de ser ultrapassado por “alguém como eu”, ele se sentiu
profundamente humilhado. Mas essa não seria a primeira nem a última vez que ele
vivenciou o impacto do que é não estar à altura dos parâmetros de excelência
exigidos de um Malfoy.
Apesar de muitas vezes ele ter conseguido tirar notas iguais às minhas, isso
não servia de consolo e, devido aos meus resultados acadêmicos, Draco Malfoy
passou a nutrir uma antipatia por mim quase tão grande à que nutria por Harry pelos
resultados no quadribol. Pelo menos, era assim que ele explicava, na época, o
estranho efeito que eu lhe causava.
O “fator Potter”, como ele costumava chamar para si mesmo, foi algo que o
marcou nessa construção de identidade, e com o qual teve que lidar sozinho, já que
não tinha amigos para poder dividir esse tipo de sentimento, que mal conseguia
definir para si mesmo. Acostumado desde sempre a receber todas as atenções, Draco
viu esse lugar ser usurpado pelo Menino Que Sobreviveu e por sua fama.
Logo de início, também, ficou claro que ele e Harry não seriam amigos e nem
ao menos próximos - amizade, para Draco Malfoy, tinha um sentido muito mais
utilitário. Amigos eram pessoas com as quais se compartilhava um status semelhante
e que poderiam ser mais ou menos proveitosas em algum momento. Além disso, ele
não admitia se envolver em um relacionamento em que não pudesse liderar.
Mas nos meus primeiros tempos de Hogwarts esse destino ainda não havia se
anunciado, e eu usufruía as delícias da vida acadêmica, e até mesmo as aventuras
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iniciais com Harry e Rony, sem maiores sobressaltos. A cada dia aprendia mais sobre
magia, história e feitiços, e queria aprender cada vez mais.
Era mais um bate-boca entre crianças - mas quem pode ser tão cruel quanto
as crianças? Na hora, não entendi do que Draco Malfoy havia me xingado. Foi só
depois, na cabana de Hagrid, enquanto estávamos esperando que Rony parasse de
cuspir lesmas, que ele me explicou o que significava.
Hagrid se sentiu ultrajado, e me disse para não ligar para isso, tentando
disfarçar que estava tremendo de indignação. Percebi que ele e Rony ficaram muito
incomodados, como se uma criança falasse algo na mesa de jantar e não entendesse
porque os adultos ficaram nervosos, mas percebesse que havia dito algo proibido. O
sentido da expressão escapava tanto a mim quanto a Harry, já que fomos criados
como trouxas, e não conhecíamos até então o significado de sangue ruim.
Com doze anos, por mais madura que eu fosse, não conseguiria entender a
profundidade daquele xingamento, e tenho certeza de que Draco também não o
compreendia. Só estava repetindo uma expressão habitual com a qual havia sido
criado, algo que herdou junto com os preconceitos da sua família, uma expressão
que tinha um efeito imediato, como um palavrão.
Ele não sabia direito como me ferir, era um aprendiz nessa estranha arte, e na
hora eu não sangrei. A expressão sangue ruim ficou alojada dentro de mim como um
feitiço irreversível, e foi destilando seu veneno à medida que o tempo passou.
Não era o tipo de palavra que eu encontrava nos livros didáticos ou nos de
referência que costumava consultar. Na biblioteca, encontrei-a nos livros de História
Bruxa que buscavam explicar as lutas pela supremacia no mundo bruxo, com o
discurso de submissão dos trouxas avançando e regredindo através das épocas, como
ondas em uma praia.
Mas essa reflexão viria apenas mais tarde. No momento, tinha problemas
mais práticos com que lidar, pois estava tentando junto com Harry e Rony descobrir
sobre os ataques que estavam acontecendo em Hogwarts pelo autoproclamado
herdeiro de Slytherin.
Aprendi logo que a questão do herdeiro estava ligada com os sangues ruins.
Draco Malfoy não se furtava a anunciar isso com certa satisfação, dizendo que o
herdeiro de Slytherin voltou para acabar com os sangues ruins. Harry tinha certeza
que Draco, se não estava envolvido, ao menos sabia de algo - por isso, eu tive a ideia
de usar a poção Polissuco para tentar extrair informações dele.
Paguei um preço alto para eliminar essa hipótese, tendo que passar algumas
semanas na enfermaria fazendo uma lenta transição da forma felina (que eu tinha
assumido involuntariamente ao misturar pelos de gato na poção Polissuco), e
precisando usar todas as minhas habilidades de persuasão para convencer Madame
Pomfrey de que tudo não passava de uma série de coincidências terríveis e não
premeditadas.
Suas atitudes só faziam consolidar essa percepção dia a dia, como se ele
soubesse e estivesse se esforçando para manter o posto de pessoa mais desprezível
possível. Ele parecia fazer de forma intencional, sendo cada vez mais ousado na
tentativa de me atingir, como quando declarou em alto e bom som para o professor
Snape que ele deveria ser o diretor da escola, e que todos sangues ruins deveriam
continuar a morrer, começando por mim.
Se eu soubesse o que sei hoje, ou se nós não fossemos pouco mais que duas
crianças, talvez tivesse percebido que isso era uma intensificação dos sentimentos
que haviam entre nós, sentimentos que foram se tornando mais envolventes e
profundos, mesmo que não tivéssemos consciência deles. Entre o amor e o ódio há
uma linha tênue, não é o que se costuma dizer?
Mas eu não tive muito chance de refletir sobre isso, pois fui tirada de combate
de maneira literal quando fui petrificada ao ver o reflexo dos olhos do basilisco. É um
período do qual não tenho nenhuma lembrança, nenhum sonho. Algo parecido com
uma quase morte, ou com a Poção do Sono sem Sonhos mais potente do mundo.
Quando acordei, tudo havia se resolvido, e Harry mais uma vez havia se
provado um autêntico grifinório, vencendo um desafio muito além da capacidade de
um bruxo de doze anos ao matar o basilisco e atrapalhar os planos de ressurreição de
Voldemort pela segunda vez.
- Como assim?
- Eu percebi que ele não se alegrou como os outros quando Dumbledore nos
falou sobre as mandrágoras…
Respondi com a minha clássica revirada de olhos, que era o gesto equivalente
ao lema “ignore-o”.
Fui me deitar mais cedo, estava me sentindo um pouco cansada e ainda estava
me recuperando dos efeitos da petrificação. A professora McGonagall conversou
muito séria comigo, dizendo que eu não deveria tentar recuperar de uma vez o tempo
que fiquei na enfermaria, afinal eu estava adiantada em relação ao andamento das
disciplinas. Ela tinha razão, e também foi bem enfática. Resolvi respeitar esse tempo
de restabelecimento. De qualquer forma, em alguns dias iríamos para casa, e eu
poderia descansar o suficiente para repor as energias gastas em mais um ano em
Hogwarts.
Era isso, então? Draco Malfoy queria mesmo que eu morresse? Eu, que não
era mais que uma colega de classe que nunca havia feito nada contra ele, com quem
ele mal tinha trocado algumas poucas palavras em dois anos (apesar de algumas
bastante duras)?
Isso era tão injusto! O mais provável era que ele não me enxergasse de fato, eu
era só um rótulo no qual ele lia “sangue ruim”, e assim pouco importava se eu
estivesse viva ou morta - morta, aliás, significaria um pontinho a mais na sua
contabilidade preconceituosa, e isso devia ser uma ideia agradável para ele.
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“É a ideologia do sangue ruim”, minha mente racional dizia, “não é você. Ele
mal te conhece!”. Mas esse tipo de pensamento só piorava as coisas e não me
consolava. Ele mal me conhece, portanto, poderia me tratar como uma formiga em
que se pisa sem remorsos?
Comecei a ficar muito nervosa, a tremer e suar, algo que eu hoje identifico
como um ataque de pânico, e estava incapaz de pensar de forma racional. Corri para
a enfermaria e pedi ajuda para Madame Pomfrey, chorando. Ela ficou preocupada
quando eu disse a ela que tinha sonhado com o basilisco e havia ficado com muito
medo.
Passei aquela noite na enfermaria, e isso é algo que poucas pessoas souberam.
Dumbledore e a professora McGonagall vieram me ver. Segundo Madame Pomfrey,
eu estava com sintomas residuais do feitiço, que podem envolver sentimentos
aterradores, como uma espécie de estresse pós-traumático. Eles entenderam que eu
deveria ir mais cedo para casa, pois mesmo faltando apenas três dias para as aulas
terminarem eu estava precisando de descanso, havia sido um ano difícil.
ficaram preocupadíssimos. Eu dizia que não era nada, para não se preocuparem,
chorando cada vez mais. Foi uma cena terrível.
Pela primeira vez, passou pela minha cabeça como seria a minha vida sem
Hogwarts, e o que aconteceria se eu não voltasse nunca mais para a escola.
Felizmente, as poções curativas de Madame Pomfrey atuaram logo, ainda que eu não
tenha sido completamente honesta sobre o que causara a minha crise. A poção de
própolis regenerativa universal, especialmente formulada para as dores emocionais e
que Madame Pomfrey sempre incluía em suas prescrições (conhecedora da alma
humana como era), fez seus efeitos e em uma semana eu me sentia mais fortalecida,
reconhecendo em mim a velha Hermione de sempre, racional e corajosa.
Quem era ele de verdade e o que sentia não eram perguntas que eu iria fazer
mais. Ele poderia continuar a me tratar como um rótulo o quanto quisesse, não
importava. Eu não permitiria mais que ele me atingisse.
Harry havia acabado de saber que a fuga de Sirius Black de Azkaban tinha
alguma relação com ele, de quem poderia vir atrás, o que era aflitivo - ainda que
soubéssemos que Hogwarts era o local mais seguro para Harry se proteger de um
eventual ataque. Por aqueles estranhos mecanismos que só quem já foi adolescente
pode entender, no entanto, Harry parecia mais preocupado com o fato de não ter
autorização para ir ao povoado de Hogsmead nas visitas a que os alunos do terceiro
ano em diante tinham direito.
Na mesma hora, nossa atenção foi desviada para os risos no corredor. Draco
Malfoy, acompanhado dos seus habituais colegas brutamontes Goyle e Crabbe,
apareceu na porta da cabine provocando os garotos. Ainda bem que ele percebeu
logo que não estávamos sozinhos e se afastou, levando seus trasgos com ele.
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Ele não me notou nem me dirigiu nenhuma palavra, o que me deixou aliviada.
Reparei que ele estava mais crescido e meio diferente, mais charmoso, não sei definir
bem, mas procurei não ficar prestando muita atenção nisso. Fiquei orgulhosa por
manter minhas emoções equilibradas na presença dele, e pensei que as férias tinham
me feito bastante bem.
O ano, no entanto, já havia começado mostrando que não seria nada calmo,
muito menos equilibrado. Harry estava ainda sob o impacto da notícia sobre Sirius, e
a entrada dos dementadores no nosso vagão o abalou bastante: ele desmaiou. Foi
muita sorte o professor Lupin estar conosco e ter conjurado um Patrono para nos
proteger daqueles seres nefastos. Tudo que eu não precisava era cair em depressão
de novo, e foi assustador como a mera presença dos dementadores na cabine
começou a me tragar para uma tristeza profunda.
Lendo um artigo sobre a professora McGonagall nas férias, soube que ela
usara um Vira-Tempo em seus tempos de estudante para conciliar a frequência às
disciplinas e treinos de quadribol - ela havia sido jogadora em sua época de escola.
Fui conversar com ela e a convenci a me emprestar seu Vira-Tempo para eu poder
assistir as aulas simultaneamente.
Ela concordou, desde que fosse autorizado pelo Ministério da Magia e que eu
mantivesse absoluto segredo. Ela confiou que eu teria responsabilidade para utilizar
o artefato, e não se enganou. Além disso, meus motivos eram os melhores possíveis -
estudar de forma disciplinada e dedicada.
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Para piorar, minha antipatia pela professora Trelawney foi imediata. Minha
impressão é que ela dizia qualquer coisa para passar a imagem de uma grande
vidente, o que certamente não era, tentando nos intimidar com aquele ar de charlatã.
- Ahn… pode ser um tipo de trevo… significa que você terá sorte no jogo - falei
para Neville, sem muita confiança
- Ou pode ser também que seja uma estrela. Ou um sapo. Ah, desisto…
- Deixa eu ver a sua. Tem alguma coisa com asas, eu acho que parece uma
abelha.
- Não parece? O desenho está bem legível, o que, segundo o livro, indica que é
um presságio muito forte… Bem, diferente do meu… Vamos ver o que significa.
- Quem sabe você não vai se tornar uma política no futuro? Ou Ministra da
Magia? - Neville disse, bem humorado.
- Eu duvido muito.
O livro dizia que a abelha era um símbolo da deusa grega Deméter, uma antiga
deusa feiticeira assimilada pela cultura trouxa também, e que, para aqueles a quem a
abelha aparecia nas folhas de chá, o amor equivaleria a uma descida aos infernos,
com muitas provações.
Ainda bem que a próxima aula foi com a professora McGonagall, cuja opinião
sobre Adivinhação era parecida com a minha. Ela tranquilizou Harry, dizendo que a
professora Trelawney previa a morte de um novo aluno a cada ano, e que até hoje
todos estavam vivos - não sem antes completar que, caso Harry morresse, ela
perdoaria que ele não entregasse o dever de casa. Todos rimos e nos sentimos mais
aliviados.
Esta primeira aula de Hagrid seria marcante em muitos sentidos. Foi aquela
em que nos apresentou aos hipogrifos, que são criaturas bastante apavorantes, pelo
menos na primeira vez que encontramos uma.
A aula era junto com a turma de Sonserina e sim, Draco Malfoy estava lá, se
comportando como um típico adolescente de treze anos, rindo com seus amigos e
provocando as garotas da sua turma, que davam gritinhos e risadas, escondiam o
rosto e voltavam a olhá-lo meio fascinadas, recomeçando o jogo. Ele agia de forma
especialmente desdenhosa e desrespeitosa com Hagrid, de quem não gostava e
entendia que não merecia o status de professor.
Na sua vez de lidar com o hipogrifo Bicuço Malfoy foi arrogante e displicente,
desconsiderando as orientações de segurança dadas por Hagrid, e acabou sendo
arranhado pela criatura - um corte feio no braço, que sangrou bastante. Fiquei
preocupada com ele e também com Hagrid, pois isso poderia significar sua demissão.
Harry e Rony tinham certeza de que Malfoy iria se aproveitar do fato de ter
sido ferido, exagerando na gravidade. Isso parecia bem típico dele, e estava claro
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para todos nós, que assistimos a cena, que Malfoy foi o culpado. Segundo Hagrid nos
contou mais tarde (quando fomos visitá-lo em sua cabana para ver como ele estava
após essa história toda), Malfoy estava bem, apesar de ainda estar se queixando.
Eu me senti mais tranquila, mas pensei que só ficaria aliviada de fato quando
o visse novamente no salão ou nas aulas, ainda que fosse para presenciar suas
habituais atitudes esnobes e grosseiras. Como eu jamais teria a coragem de visitá-lo
na enfermaria, nem nenhuma justificativa convincente para isso, restava-me prestar
atenção aos comentários e tentar filtrá-los, dependendo do interlocutor, para obter
notícias de Draco.
Acho que este foi um dos dias mais longos que vivenciei em Hogwarts, cheio
de acontecimentos e reviravoltas - sem contar que, para mim, a jornada era dupla,
com todas as aulas que eu assistia com o Vira-Tempo. Foi um dia extenuante, e
quando cheguei ao dormitório só pensava em me atirar na cama e apagar. Joguei a
mochila sobre a escrivaninha e ouvi um tilintar de louça. Lembrei na hora da xícara
de chá.
Fiquei planejando como iria fazer. Eu precisava ser discreta, todas as meninas
já estavam no dormitório, e a última coisa do mundo que eu queria é que elas vissem
que eu havia retirado a xícara da aula. Tive um pensamento apavorante de Parvati
pegando a xícara da minha mão, e enquanto eu me atirasse para pegá-la ela a jogasse
para Lilá, entre risadas excitadas, com as meninas pulando sobre as camas e fugindo
de mim. Sacudi a cabeça para espantar essa terrível visão. Não, eu teria que procurar
um lugar mais seguro para fazer as minhas pesquisas. Poderia ser na biblioteca, mas
como eu levaria a xícara até lá? A resposta não veio - no lugar dela, o sono me
venceu, e eu dormi profundamente, como se faz após os dias cheios.
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Pela manhã, eu tinha apenas a aula de Feitiços para assistir, e achei que seria
o momento ideal para programar o Vira-Tempo de forma que eu pudesse dedicar
esse período a estudar. Isso me daria três horas na biblioteca, o que parecia ser o
suficiente.
Esclarecendo o futuro não era um mau livro, mas era muito superficial, por
ser introdutório. Nos apontamentos que eu estava listando para pesquisar na
biblioteca, anotei que deveria procurar algum trabalho mais denso de Amelia Honey,
a autora, e pesquisar também suas referências. Duvidava que Prevendo o
imprevisível: proteja-se contra choques e Bolas rachadas: quando a sorte se
transforma em azar pudessem ajudar. Eram livros populares e mais superficiais
ainda, e eu estava buscando algo mais consistente e acadêmico.
A solução que encontrei foi reproduzir o desenho o melhor possível com uma
pena pictográfica em um pergaminho, assim poderia levá-lo dentro de um livro. O
resultado ficou bastante bom, parecendo uma espécie de planeta - se alguém
encontrasse, jamais saberia que era uma xícara de chá vista de cima.
O desenho da abelha era bem nítido, mas quando copiei a xícara fui
percebendo outras formas, como um tipo de banqueta ou cadeira sem encosto, e uma
espécie de círculo com uma cruz interna. Escondi a xícara no meu malão, aplicando
pelo menos três feitiços de desilusão para que ela não fosse descoberta, e ela ficou
bem protegida, quase como uma Horcrux.
Tudo isso é muito interessante mas - Hermione Granger, seja sincera: o que
despertou seu interesse foi a questão amorosa. Vamos a ela.
A questão do amor no simbolismo dessa deusa tem a ver com sua filha,
Perséfone, raptada por Hades, o senhor do submundo, e obrigada a viver com ele no
inferno. A história do rapto era controversa - uma interpretação era que Perséfone
cedeu ao seu desejo não admitido por Hades. Tinha a ver com iniciação sexual, o que
já estava me dando calafrios - hora de voltar a ser mais objetiva.
Aquilo que eu tinha achado que parecia um banquinho agora estava mais para
um símbolo gráfico. Parecia uma runa, a runa Perth - seria possível? Parece que não
há muitas regras exatas em adivinhação (o que me irritava profundamente), e dois
símbolos de diferentes tradições poderiam ser associados em uma única
interpretação. Segundo Trimegistus, isso é admissível porque os símbolos têm raízes
culturais comuns que foram sendo interpretadas por diferentes povos durante
milhares de anos. Tudo bem, abelhas e runas.
Depois de horas olhando para as cortinas da cama, pensei que eu estava como
um siri dentro da lata, dando voltas e voltas sem chegar a lado algum. Eu precisava
falar com alguém que pudesse colocar um pouco de racionalidade nisso tudo.
Resolvi que eu teria que ser a minha própria conselheira. Comecei a dialogar
com uma professora McGonagall interna, que falava exatamente o que a minha
mente racional já sabia: tudo isso é muito controverso, não há método científico em
Magia Antiga. Tudo pode ser, e também não ser. Então, tranquilize-se, viva a sua
vida, um dia de cada vez. Não tenha medo de amar. As frases da professora interna
funcionaram como uma canção suave, e quando as primeiras luzes do dia já
apareciam no céu finalmente adormeci.
Preferi guardar para mim meus recém adquiridos interesses, queria evitar
perguntas e gozações dos garotos. Eu continuava animada no estudo das runas, e
havia boas bibliografias sobre o assunto escritas em runas antigas, o que acabava
funcionando como um disfarce - estava estudando runas antigas, e não o sagrado
feminino ou o Fatum, para todos os efeitos.
Para completar, Rony brigava o tempo todo comigo por causa de Bichento e
Perebas (o tempo mostrou que meu gato estava certo). E quando contei à professora
McGonagall sobre a Firebolt que Harry ganhou de um remetente anônimo e ela a
confiscou para investigar se havia feitiços na vassoura, Harry também ficou chateado
comigo, e eu me sentia mais sozinha que nunca.
Nesse meio tempo, Sirius Black havia invadido Hogwarts, e eu estava com
receio por Harry. Tudo piorou quando ele descobriu que Sirius era seu padrinho e
havia traído seus pais - pelo menos, é o que ele pensava. Foram tempos assustadores,
e os dementadores cercando a escola não contribuíam para melhorar o clima.
Como se tudo já não estivesse tão ruim, chegou a notícia de que Hagrid estava
sendo investigado pelo ataque de Bicuço a Malfoy. Ele deveria depor no Ministério, e
um resultado provável era que o hipogrifo poderia ser sacrificado. Hagrid estava
arrasado, e eu me prontifiquei a ajudá-lo com a sua defesa, ao que me dediquei
muito, sem me importar de acumular mais essa tarefa.
a Hagrid. O que mais me enfurecia nessa história toda era a injustiça, o que eu não
conseguia suportar, e fiquei com muita raiva de Malfoy.
Foi nessa hora que ouvi Malfoy zombando de Hagrid. Tamanha falta de
sensibilidade terminou de me enfurecer, e é difícil explicar como me senti: o fracasso
da defesa, a preocupação com Hagrid e Bicuço, toda a situação com Sirius… e
também meus sentimentos confusos em relação a Draco e ao oráculo. Só sei que
avancei na direção de Draco e dei o melhor tapa da minha vida na sua cara, cuspindo
os maiores desaforos em que pude pensar. Fui tomada por uma fúria: eu espumava, e
Rony teve que me segurar.
Draco teve uma reação estranha - simplesmente foi embora. Não me ameaçou
nem me xingou de sangue ruim. Eu estava tão agitada que não pensei sobre o
assunto, mas depois achei que ele ia tentar se vingar de alguma forma. Precisei ficar
um pouco sozinha, tentando colocar os pensamentos no lugar. Será que eu tinha sido
impulsiva demais?
Mais uma vez, senti o pavor de ser descoberta, caso Rony e Harry
desconfiassem que eu estava reagindo de forma mais intensa do que deveria em
relação a Draco. Ou (a hipótese mais terrível) que Draco notasse alguma coisa
diferente em mim.
Fiquei tão envolvida por esses pensamentos que esqueci da aula de Feitiços!
Era imperdoável: por causa de Malfoy eu estava começando a falhar, deixando
brechas na minha couraça. Onde isso iria parar? Corri para me desculpar com o
professor Flitwick, que compreendeu e me aconselhou a ir mais devagar, me
passando prontamente o conteúdo tratado na aula.
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Meu humor continuava péssimo, mesmo assim. É claro que eu não reconhecia
todo o esgotamento que estudar demais estava me causando, e só conseguia achar
um culpado: Draco Malfoy e os malditos oráculos.
O último lugar em que eu deveria estar nesse estado de espírito seria a aula de
Adivinhação, e era justamente para onde eu tinha que ir. Acabei sendo impertinente
com a professora Trelawney, um comportamento inesperado para mim, uma aluna
exemplar em todas as disciplinas, que suportava até as piores humilhações nas aulas
do professor Snape, em que ele se comprazia em me deixar com a mão suspensa no
ar, aguardando autorização para falar.
Pensando na minha reação, depois, fiquei com muita vergonha - o que estava
acontecendo comigo? Eu estava desabando. Fiquei me censurando e ruminando o
que sucedeu, pois não tinha com quem compartilhar esses sentimentos. Eu estava
terrivelmente só, e a minha conselheira interna, na forma de professora McGonagall,
só conseguia me olhar com comiseração, balançando a cabeça com gentileza e
compreensão.
Foi quando já haviam passado dois dias após o tapa que eu me dei conta de
duas possibilidades. A primeira, de que Draco Malfoy iria construir uma vingança
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Capítulo 5 - Sincronicidade
Os exames estavam chegando, e essa era a pior época do ano para mim. Para
quem não me conhece, essa afirmação pode sugerir que eu não estivesse bem
preparada para as provas, mas era justamente o contrário. Mesmo com tantos
compromissos e estudos simultâneos, eu estava pronta para os exames e excederia
todas as expectativas, como de costume. Mas essa era minha natureza de aluna
perfeita. De forma justificada ou não, na época dos exames meus nervos ficavam à
flor da pele.
Foi numa dessas pesquisas que achei um livro falando sobre o Synchro. Não
havia quase nada sobre o assunto, e ponderei que deveria se tratar de algo incomum
e raro. O Synchro é uma marca mágica, uma espécie de condição, algo com que a
pessoa nasce, como a cor dos olhos. É uma marca de ligação, e quem tem o Synchro
tem sua vida ligada a uma outra pessoa, cujo destino fica entrelaçado com o seu.
Essas duas pessoas têm algo a aprender juntas, e por isso se encontram por ação do
destino, mesmo sem se procurarem de forma intencional. É um laço mágico.
A sincronicidade pode ser definida como uma relação de significado entre dois
eventos que acontecem ao mesmo tempo, mas que não têm uma relação causal. Ele
os chamava de coincidências significativas. É o que acontece quando entramos numa
biblioteca e encontramos exatamente o livro sobre o assunto que procuramos sem
pesquisar.
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Outro exemplo são as visões de cachorros que Harry teve quando Sirius
apareceu na sua vida - a capa do livro sobre presságios, a história do Sinistro, a visão
de Sirius na sua forma animal no ponto de ônibus e no jardim com Bichento. O ponto
é que não é por acaso, é um sinal de um acontecimento significativo, como se o
mundo real respondesse a uma disposição interna que precisa da nossa atenção.
Minha intuição, por mais que eu achasse absurdo e não quisesse aceitar, me
fazia pensar em Draco. Será que a minha relação com Draco era marcada pelo
Synchro? Isso me atemorizava, eu não sabia direito o que pensar ou o que fazer com
essa informação.
O que não contei foi que, na visão, ela me mostrava um pergaminho com um
olhar de decepção e balançava a cabeça negativamente - o pergaminho em que eu
havia desenhado a xícara de chá que eu havia tirado da aula de Trelawney. Foi
apavorante.
Finalmente, chegou o dia do último exame, Estudos dos Trouxas. Mas não foi
um dia de alívio: a execução de Bicuço foi marcada para o pôr do sol. Procuramos
Hagrid, mas ele nos mandou embora, não queria que estivéssemos por perto na hora.
Chorei por Bicuço, por Hagrid, por toda a injustiça. E odiei Malfoy, por ser um garoto
insensível e cruel.
Mas a história não acabou aí, e numa noite cheia de reviravoltas, eu e Harry
conseguimos salvar Bicuço e libertar Sirius. Não vou detalhar os acontecimentos,
apenas direi que foi uma das aventuras mais empolgantes que vivi - e olha que não
foram poucas.
No dia seguinte, soube que Malfoy ficou enfurecido com a fuga de Bicuço, e
que atribuiu a Hagrid ter enganado a ele e seu pai. Minha raiva por ele continuava,
mesmo após a fuga de Bicuço. Garoto mimado. Para ele, o principal era atingir
Hagrid, pouco se importando com Bicuço. Por que ele tinha que ser tão cruel?
Por eternos dois ou três segundos não dissemos nada, só ficamos nos olhando,
impassíveis. O silêncio era quebrado apenas pelos risos distantes dos alunos lá fora.
Estávamos sozinhos, desatentos à regra social de falar algo, por mais aleatório que
fosse, em uma situação dessas. Draco reagiu primeiro:
- Você é uma sangue ruim bem atrevida, Granger. Não pense que eu esqueci o
tapa que você me deu.
Draco não falou nada. Olhou para Lupin com um misto de raiva e desprezo, e
foi embora pisando duro.
- Sim, foi apenas uma troca de gentilezas com Malfoy, para não perder o
costume.
Consegui encontrar forças para sair dali sem demonstrar o quanto estava
abalada. A descoberta de que a abelha era um símbolo do Synchro entre mim e Draco
já teria me desequilibrado o suficiente sem precisar ficar a centímetros dele. Eu só
queria sair de Hogwarts o mais rápido possível e não pensar mais em Draco, no
Synchro e em mais nada. Quase desejei poder sair de ambulância novamente como
no ano passado, só queria ficar longe de tudo… principalmente dele.
Esse tipo de hipótese não resistiria a uma revisão mínima, e nem valeria a
pena ser testada diante do que eu sabia sobre o Synchro. É claro que o meu raciocínio
científico falhava quando o assunto era Draco Malfoy, e resolvi fazer o teste.
Coloquei a xícara sob a capa e fui até o salão, depois dei uma volta curta no
pátio. Cheguei a passar perto da entrada das masmorras. Se eu pudesse me ver de
fora, raciocinando em estado normal, iria perguntar: você está verificando uma
hipótese ou está procurando Draco Malfoy?
Conclusão do estudo: o Synchro não age de forma causal, como reação a uma
atitude intencional, e sim como um acontecimento significativo e inesperado.
Portanto, não se pode controlá-lo (como se eu já não soubesse disso).
Mas chega de experimentos científicos - pelo menos por este ano letivo. Eu
precisava de férias, mais merecidas do que nunca. Não apenas para descansar, mas
para planejar e colocar em prática um novo projeto.