Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: A pesquisa em andamento apresentada nesse texto tem cunho qualitativo e objetiva compreender,
pela perspectiva sociológica de Pierre Bourdieu, como a escola contribui com as desigualdades de gênero,
afastando as meninas da Matemática. O projeto tem como principal objetivo analisar como aspectos presentes
nas trajetórias de professores de Matemática do Ensino Médio - os quais podem estar vinculados a experiências,
positivas ou não, em diferentes espaços de socialização, como a família, a escola, a universidade, o trabalho, a
religião entre outros -, participantes da pesquisa, auxiliam na objetivação das reprodução das desigualdades de
gênero, favorecendo o distanciamento das meninas da matemática. Contaremos com a análise documental e a
realização de entrevistas dos professores como instrumentos para a construção dos dados. Esperamos que ao
final da pesquisa compreendamos melhor quais aspectos das trajetórias desses professores contribuam com a
reprodução das desigualdades de gêneros no âmbito escolar.
Palavras-chave: Educação Matemática. Gênero. Sociologia.
INTRODUÇÃO
Cremos, por meio do senso comum, que a escola é uma instituição de transformação
social e que o seu papel é de auxiliar a transposição das barreiras sociais, possibilitando
maiores e melhores oportunidades aos alunos. Porém, Bourdieu (2019) faz severas críticas
ao sistema educacional, apontando mecanismos aos quais a escola participa perpetuando
essas desigualdades, o que se agrava pelo fato dessa instituição possuir credibilidade,
fazendo com que essas exclusões sejam legitimadas, sendo assim responsável por reforçar
diversos estereótipos sociais.
1
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM; Programa de Pós-Graduação em Educação
em Ciências e Matemática; Mestrado em Educação em Ciências e Matemática; Bolsista de
mestrado FAPEMIG; efzfernandes@gmail.com; Orientador(a): Fernando Luís Pereira Fernandes.
Em particular, ao olharmos o papel das mulheres nas ciências exatas, é possível
observar um arbitrário cultural que, de formas explícitas ou implícitas, favorecem sua
exclusão desse meio. O IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) noticiou
um levantamento apontando que a participação feminina na pesquisa em matemática no
Brasil não chega a 25% e que apenas 11% das bolsas de produtividade na área são concedidas
a mulheres. 2 Para Bourdieu (2019), esse arbitrário cultural, faz com que processos sociais
sejam entendidos como sendo naturais, não sendo necessário qualquer tipo de
questionamento.
2
Disponível em: https://impa.br/noticias/pesquisadora-do-impa-escreve-sobre-matematica-e-genero/
2
Sendo assim, uma vez que essa dominação é tida como comum e natural, muitas
vezes não se reconhece a importância da análise dessas questões. Porém, para que seja
possível confrontar o senso comum, é extremamente necessário que se façam análises de
como a imposição de papéis sociais pode afetar desde cedo o interesse de meninas pela
Matemática e se possa expor essas variáveis para que nós, como professores, não
perpetuemos inconscientemente ações que reforcem essas desigualdades e possamos
proporcionar oportunidades iguais na Matemática, independente do gênero.
REFERENCIAL TEÓRICO
3
que o que é visto como natural, na verdade, é fruto de circunstâncias sociais absorvidas e
enraizadas ao longo de muitos anos e que essa naturalidade tem um fim em si mesma. Em
outras palavras, algo é criado e posto como natural e todas as consequências do mesmo
também são tidos como naturais. Portanto, tornam-se legitimados.
O autor afirma que, desse modo, os aspectos estéticos da anatomia feminina e
masculina são utilizados para justificar essa ordem de dominação e superioridade do homem
sobre a mulher; no entanto, a ideia criada da estética superior ou inferior não é natural, e sim
criada socialmente. Nesse sentido, forma-se um círculo vicioso, no qual as características
são superiores porque são masculinas e masculinas porque são superiores. Cavalari (2007)
mostrou em sua dissertação que, em geral, nos cursos de Matemática das maiores instituições
de Ensino Superior de São Paulo, quanto maior o nível de ensino, menor o número de
mulheres concluintes. A autora apontou também que, na hierarquia acadêmica, as mulheres
tendem a ocupar os cargos de categorias mais baixas em relação aos homens, concluindo
que os motivos para esses fatos perpassam diversos fatores sociais ligados a estereótipos
sexuais na Educação.
Essas respostas podem ser justificadas, segundo Bourdieu (2019), pois a exclusão
sistemática das mulheres de certos ambientes cria uma sensação de naturalidade, fazendo
com que as próprias mulheres não reconheçam esses obstáculos, contribuindo com a sua
própria exclusão. Essa exclusão sistemática pode ser definida como habitus que é como as
crenças se manifestam na prática, através dos esquemas em torno dos quais as sociedades
organizam e classificam seus integrantes. O autor define o termo como:
4
instituições sociais que contribui com a perpetuação de desigualdades sociais, contrariando
o senso comum de que a escola ajudaria a quebrar esse ciclo, e não alimentá-lo, como no
trecho:
Por isso, é importante que nós, professores, nos atentemos a esse tipo de exclusão
velada que, mesmo sem intenção direta e por meio de reproduções de falas que incorporamos
ao longo da vida e da carreira, podem interferir negativamente na trajetória dos alunos,
perpetuando o ciclo de desigualdades e limitando as escolhas das meninas, com base em uma
visão tradicional como é explicitado no trecho:
Quando indagamos de adolescentes a respeito de sua experiência escolar, não
podemos deixar de chocar-nos com o peso das incitações e injunções, positivas ou
negativas, dos pais, dos professores e sobretudo dos orientadores escolares, ou dos
colegas, sempre prontos a lembrar-lhes, de maneira tácita ou implícita, o destino
que lhes é indicado pelo princípio da divisão tradicional (BOURDIEU, 2019, p.
113).
A partir daí, as próprias mulheres passam a aceitar seu papel social como submissa,
dominada e se sentem valorizadas apenas quando ocupam esses espaços, ou seja, não
almejam estar na posição de dominação, buscam na figura do homem dominador sua própria
validação social. Assim, as relações entre dominantes e dominados são realizadas de forma
consentida, facilitando o processo de perpetuação da estrutura, o que o autor define como
habitus.
Romper com essa estrutura que foi perpetuada durante toda a história não depende
apenas do despertar da consciência e da vontade individual de se libertar da opressão, uma
vez que as mesmas estão tão enraizadas que exercem uma pressão coletiva sobre o
individual, formando um sistema impossível de ser transposto individualmente. Portanto, é
necessário uma consciência coletiva e disposição para alterar os mecanismos de dominação
em amplo aspecto, de modo a atacar de forma efetiva a estrutura social que legitima as
violências simbólicas.
5
Por sua vez, a violência simbólica é entendida como o conjunto invisível de ações
que torna legítima e perpétua a relação de dominação do homem sobre a mulher, sendo de
fundamental importância reconhecer esses fatos para entender e ser possível romper com tais
relações. Segundo Bourdieu (2019), a violência simbólica” é:
[...] violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce
essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do
conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento
ou, em última instância, do sentimento. Essa relação social extraordinariamente
ordinária oferece também uma ocasião única de apreender a lógica da dominação,
exercida em nome de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo
dominante quanto pelo dominado [...] (BOURDIEU, 2019, p. 12)
Visando responder a questão acima exposta, tem-se como principal objetivo analisar
como aspectos presentes na trajetória dos professores de matemática - os quais podem estar
vinculados a experiências, positivas ou não, em diferentes espaços de socialização, como a
família, a escola, a universidade, o trabalho, a religião entre outros -, participantes da
pesquisa, auxiliam na objetivação das reprodução das desigualdades de gênero, favorecendo
o distanciamento das meninas da matemática.
6
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa qualitativa é abordada por Bogdan e Biklen (1982), que são citados por
Ludke e André (1986) que a conceitua em cinco características básicas: 1°- A pesquisa
qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu
principal instrumento, ou seja, visa o contato direto e prolongado do pesquisador com seu
objeto de estudo; 2°- Os dados coletados são predominantemente descritivos; 3°- A
preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; 4°- O significado que as
pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador; 5°- A
análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.
7
pois busca dar sentido aos acontecimentos ocorridos na vida do indivíduo para além do
pessoal, envolvendo os fatores de interiorização como suas inserções históricas e sociais, seu
lugar no campo para construção do habitus.
Bourdieu (2018) reafirma que esse tipo de análise auxilia no processo de objetivar as
relações e práticas tidas muitas vezes como mística em torno da construção social do
feminino e masculino.
Ao analisar a trajetória do grupo de professores, pretendemos compreender como os
acontecimentos, desde seu habitus primário, ou seja, a socialização familiar, até o
desenvolvimento pessoal e profissional, a escolha de carreira e as nuances profissionais que
interferem na dinâmica da sala de aula, que reproduz consciente e inconscientemente todos
esses fatores externos.
Utilizando esse método, espera-se construir dados para uma caracterização mais ampla
do cenário escolar, compreendendo como se dá as dinâmicas que permeiam as atitudes desse
grupo quanto ao habitus das meninas na matemática.
Com essas ferramentas será possível aprofundar a análise sobre como as dinâmicas
sociais escolares interferem no indivíduo e como os indivíduos são agentes dessa
8
interferência, colaborando para que se entenda a questão da pesquisa.
De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), para essa análise é preciso criar
categorias para atender a demanda e responder as questões da pesquisa, essas categorias
podem ser construídas e revisadas durante todo o andamento da pesquisa para se adaptar aos
dados encontrados e suprir as demandas que surgirem ao pesquisador.
Sendo assim, a partir dos dados produzidos no estudo documental e nas entrevistas
concedidas pelos professores, serão construídas categorias de acordo com as questões mais
recorrentesidentificadas através da fala dos autores.
REFERÊNCIAS:
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kuhner. 16. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019.
_________. Coisas ditas. Tradução de Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. São
Paulo: Brasiliense, 2004.
9
GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. (Org.). Métodos de Pesquisa.
Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e SEAD/UFRGS.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
10