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Fundações Superficiais em
Aerogeradores: Requisitos
de Projeto e Parâmetros
Dinâmicos dos Solos
A figura 1 ilustra o mapa de potenciali- deste do Brasil, com destaque para o
Alfran Sampaio Moura dades de energia eólica no Brasil, onde Ceará, que apresenta valores para a
Universidade Federal do Ceará – UFC observa-se as elevadas velocidades velocidade média anual, nas áreas mais
alfransampaio@ufc.br
médias do vento de estados do Nor- favoráveis do litoral, de cerca de 8 m/s.
Renato Pinto da Cunha
Universidade de Brasília (UnB)
rpcunha@unb.br

A energia eólica é uma fonte inesgo-


tável de energia, que utiliza o vento
como fonte de energia elétrica e, de-
vido ao acelerado desenvolvimento
tecnológico dos últimos anos, vem
se tornando cada vez mais competi-
tiva. Outro fator que está altamente
associado à crescente utilização de
energia eólica no mundo é o fato de
sua exploração ser ecologicamente
favorável, não causando problemas
ambientais e utilizando uma fonte
inesgotável, o vento. Isso proporcio-
na economias importantes no con-
sumo de combustíveis fósseis, princi-
palmente de petróleo, que pode ser
destinado a outros fins.
No Brasil, o interesse pela exploração
de energia eólica para produção de
eletricidade é recente. A partir de 1974,
com a crise do petróleo, universidades
e instituições de pesquisa iniciaram
trabalhos isolados de desenvolvimen-
to de aerogeradores em diferentes
regiões do País. Os resultados de algu-
mas dessas pesquisas indicaram esta-
dos da região Nordeste, como o Ceará,
Rio Grande do Norte e Pernambuco
(Fernando de Noronha) como favorá-
veis para esse tipo de exploração. Figura 1 – Mapa de potencialidades de energia eólica no Brasil

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Os aerogeradores das amplitudes de vibração, provocando grandes forças
inerciais e, em alguns casos, instabilidades.
Existem vários tipos de aerogeradores que, em geral, são
classificados pela posição do eixo do rotor em relação à di- A obtenção das cargas de projeto é uma questão crucial
reção do vento: aerogeradores de eixo vertical e aerogera- nos projetos estruturais de aerogeradores. A característica
dores de eixo horizontal. turbulenta do vento provoca importantes esforços dinâmi-
cos que, segundo Pereira (1993), quase sempre são supe-
Os aerogeradores de eixo vertical possuem, logicamente, um
riores aos estimados.
eixo vertical, e aproveitam o vento atuante em qualquer di-
reção. A principal vantagem desse tipo de turbina é não ne- A figura 3 ilustra os aerogeradores de eixo vertical, do tipo
cessitar de mecanismos de direcionamento. Por outro lado, Savonius, e de eixo horizontal fixo.
apresentam a desvantagem de suas pás terem constante-
mente alterados os ângulos de ataque e de deslocamento,
gerando forças resultantes alternadas que, além de limitar
seu rendimento, causam elevadas vibrações na estrutura.
A
Aerogeradores que possuem eixo horizontal fixo são tam-
bém chamados de turbinas eólicas de eixo horizontal (TEEH).
Estruturalmente são muito semelhantes aos helicópteros,
sendo constituídos de alguns componentes estruturais que
possuem rotação relativa entre si e que os distinguem da
maioria das estruturas encontradas na engenharia. Na figura
2 são mostrados esquematicamente os componentes bási-
cos de um aerogerador de eixo horizontal.

Figura 2 – Componentes básicos de um aerogerador de eixo horizon-


tal

O padrão de aerogeradores utilizados para geração de ener-


gia elétrica na atualidade é o seguinte: eixo horizontal fixo,
três pás, alinhamento ativo, gerador de indução e estrutura
Figura 3 – Tipos de Aerogeradores
não-flexível. Mais recentemente, observa-se a utilização de a. De eixo vertical, do tipo Savonius (site Fontes Renováveis, 2006)
componentes bastante flexíveis que proporcionam eleva- b. De eixo horizontal fixo (Moura, 2007)

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Os requisitos de
projeto
Os requisitos de projeto convencio-
nais das fundações de uma edificação A
são os seguintes: deve-se garantir a
segurança quanto a ruptura do ele-
mento estrutural, o solo de fundação
deverá apresentar segurança quanto
à ruptura e os recalques apresentados
pelas fundações devem ser compatí-
veis com os movimentos permitidos
pela estrutura.
Pela atual Norma Brasileira de Funda-
ções (ABNT, 2010), o dimensionamen-
to geotécnico de fundações super-
ficiais solicitadas por carregamento B
excêntrico deve ser feito consideran-
do-se que o solo é um elemento não
resistente à tração. Por outro lado, a
mesma Norma tolera a presença de
tensões negativas em uma porção da
área da base desde que não ultrapas-
se 1/3 da área total. Devendo-se as-
segurar, ainda, que a tensão máxima
de borda seja menor ou igual à ten-
são admissível do solo. De qualquer
forma, as tensões de borda máxima
(smax) e mínima (smin) podem ser
determinadas por:

(1)
Figura 4 – Exemplos de casos de insucessos de obras pela inadequada verificação dos requisi-
tos de projeto
a. Prédio tombado na China (Site Gizmodo, 2011)
Onde V é a força vertical, B o lado b. Tombamento de um aerogerador (Milititsky et al., 2008)
da base da fundação e ec a excen-
tricidade. uma escavação indevida e a ocor- de de oscilação máxima e que ocorre
rência de chuvas intensas (veja figu- quando a frequência de excitação se
Nos aerogeradores, o esforço hori- ra 4a). No segundo caso (veja figura iguala a frequência natural.
zontal pela ação do vento, em geral 4 b) é mostrado o tombamento de Os valores limites das amplitudes de
é elevado e tem-se a ocorrência de um aerogerador. deslocamento estão associados à fre-
tensões negativas indesejadas que Para fundações de máquinas, que é o quência do movimento e são forneci-
podem ser limitadas pelo aumento caso das fundações dos aerogerado- dos pelos próprios fabricantes das má-
de suas dimensões em planta. Devido res, deve-se acrescentar a estes ou- quinas. A figura 5 mostra a relação entre
a isso, observa-se a redução das ten- tras duas verificações: a amplitude de a amplitude e a frequência de vibração
sões máximas aplicadas que eleva o oscilação não deverá ultrapassar cer- sugeridos por Richart et al. (1970).
fator de segurança quanto à ruptura tos limites e a frequência de oscilação Já a frequência de vibração das funda-
do solo por compressão. do conjunto máquina-fundação-solo ções pode ser estimada por métodos
A figura 4 ilustra dois casos cujos re- deverá estar distanciada da frequên- empíricos, métodos que consideram
quisitos mencionados não foram ade- cia de operação da máquina, em ge- o solo como um semiespaço elásti-
quadamente verificados. O primeiro ral da ordem de 20 a 50%, para evitar co, métodos que consideram o solo
deles é um prédio de 13 andares, na ressonância, que é um fenômeno ca- como um conjunto de molas lineares
China, que tombou por inteiro, após racterizado pela presença da amplitu- sem peso e os métodos numéricos.
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é analítico e admite a hipótese de pe-
quenas deformações necessária para
se considerar a elasticidade linear dos
solos, e considera a perda de energia
no maciço de solo por efeito de amor-
tecimento, baseando-se na teoria da
propagação de ondas em um meio
elástico, admitindo diversas hipóte-
ses simplificadoras para facilitar a re-
solução matemática do problema.
A representação mais simples de uma
estrutura é feita a partir de modelos
matemáticos de um grau de liberda-
de (veja figura 7 na página seguinte).
Nele permite-se o movimento apenas
numa direção. Dessa forma, apenas
uma coordenada é necessária para
definir totalmente a posição de uma
determinada massa considerada con-
centrada. Essa massa é submetida a
um carregamento externo, F(t), que
varia no tempo e que produz a res-
posta do sistema.
Os componentes de um sistema de
um grau de liberdade são: uma mas-
sa, as propriedades elásticas, os me-
Figura 5 – Limites de amplitude de deslocamento (Richart et al., 1970) canismos de amortecimento e a fonte
externa de carregamento. A mola, de
As fundações superficiais de máqui- Estimativa da rigidez k, sem peso, fornece a resis-
nas podem ser agrupadas nos se- frequência e tência elástica ao deslocamento, e o
guintes tipos: maciças, tipo caixão, amplitude de amortecedor, c, representa a dissipa-
tipo parede, em que duas paredes vibração ção de energia.
suportam a máquina, e as aportica- Dentre os principais métodos que
A teoria do semiespaço elástico es-
das, que são pórticos transversais consideram o solo como um semies-
tuda as vibrações de uma fundação
travados por vigas longitudinais (veja paço elástico pode-se citar os propos-
rígida vibrante na superfície de um
figura 6). A utilização das alternativas semiespaço de dimensões infinitas, tos por: Hsieh (1962), Lysmer e Richart
citadas permite alterar a inércia dos homogêneo e isótropo, cujas relações (1966) e Nagendra e Sridharan (1981).
elementos, modificando também a tensão-deformação são definidas por Cada um desses métodos apresenta
frequência de oscilação do sistema duas constantes: o módulo cisalhante expressões análogas às expressões
máquina-fundação-solo. e o coeficiente de Poisson. O método dos movimentos livres e forçados,

A B C D

Figura 6 – Tipos de fundações superficiais de máquinas: A. Maciça; B. Caixão; C. Parede; D. Aporticada

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laboratório, pela medida da inclinação
da reta que une os pontos extremos
da laçada de histerese, de forma que:


(5)

Figura 7 – Representação esquemática de um sistema com um grau de liberdade As laçadas obtidas dos ensaios cícli-
cos apresentam o aspecto ilustrado
cujas soluções permitem obter fre- Deve-se observar que as estimativas na figura 8. Nela, o G é dado pela in-
quências, natural e amortecida, e as das frequências e das amplitudes de- clinação da reta que une os extremos
amplitudes de vibração. pendem diretamente dos parâmetros da laçada e observa-se que o valor de
G e u que são denominados de parâ- G é diferente de acordo com o nível
Por exemplo, a proposta de Lysmer
metros dinâmicos dos solos. de deformação cisalhante (G1,G2).
e Richart (1966) relaciona os méto-
dos que consideram o solo como um As dificuldades na amostragem de so-
semiespaço elástico com o sistema los indeformados em profundidade
Parâmetros são bastante conhecidas (Murthy et al.,
oscilante amortecido, propondo a se-
dinâmicos dos solos 1991) e apontam para a utilização de
guinte equação para o movimento de
uma fundação de máquina circular rí- Devido à pequena sensibilidade do ensaios de campo. Em campo, o módu-
gida de raio (ro) apoiada na superfície coeficiente de Poisson em problemas lo de deformação cisalhante (G) dos so-
de um semiespaço elástico: geotécnicos, é prática comum a ado- los pode ser determinado por ensaios
ção de um valor de u com base no tipo que aplicam ao solo grandes defor-
de solo e uma atenção especial é dada mações, como sondagens a percussão
(2) apenas na caracterização de G (Mor- (SPT), ensaios de cone (CPT) e ensaio
gan e Moore, 1968; Kramer, 1996). pressiométrico (PMT), ou ensaios de
pequeníssimas deformações, que são
O módulo de deformação cisalhante
Onde m é a massa da fundação mais a os ensaios sísmicos (Cross-hole, Up-
(G) pode ser determinado diretamen-
máquina e Q é a força de excitação. hole, Down-hole e CPT sísmico).
te em gráficos tensão cisalhante (t)
versus deformação cisalhante (g), em Vários fatores afetam o módulo
A equação (2) é análoga a de um mo- geral obtidos de ensaios cíclicos de de deformação cisalhante (G) dos
vimento forçado. Dessa forma, pelo
método, as constantes elásticas (k) de
amortecimento (c) são as seguintes:


(3)

(4)

Onde G é o módulo de deformação


cisalhante, u é o coeficiente de pois-
son e r é a massa específica do solo.

Substituindo as equações de kz e c
nas soluções das equações dos mo-
vimentos livres e forçados, pode-se
determinar as frequências, natural (fn)
e amortecida (fn’), e as amplitudes de Figura 8 – Laçadas de histerese para diferentes amplitudes de deformação (Fahey, 1992, com
vibração da fundação (Az). modificações)

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Figura 10 – Curva de redução do módulo
(Barros, 1997)

solos, dentre eles destaca-se o ní-


vel de deformação cisalhante im-
posto. Dessa forma, a avaliação do
módulo de deformação cisalhante
deve ser compatível com o nível de
deformação de cada problema es-
pecífico. A figura 9 mostra a escala
Figura 9 – Deformações cisalhantes em solos para diversos problemas dinâmicos (Barros, 1997,
adaptado de Woods em 1978, Massarsch, em 1983, e Carruba e Maugeri, em 1988) de amplitudes da deformação cisa-
lhante de uma série de problemas
de engenharia.
O módulo de deformação cisalhante
(G) dos solos reduz com o aumento
do nível de deformação. E para valo-
res muito baixos de g, que é caso dos
aerogeradores, o módulo secante, G,
torna-se igual ao módulo máximo,
Gmax. Essa afirmação é claramente
verificada a partir da utilização da
“curva de redução do módulo”, como
pode ser observado na figura 10.
Os ensaios de campo induzem no ter-
reno deformações cisalhantes cujos
módulos podem não ser compatíveis
com o nível de deformação do pro-
blema dinâmico em estudo. A Tabe-
la 1 mostra os principais ensaios de
campo e laboratório utilizados para a
determinação do módulo de cisalha-
mento dos solos e suas respectivas
faixas de deformação na qual cada
um pode ser utilizado.

Considerações finais
Projetos de fundações de máquinas,
que é caso das fundações de aero-
geradores, devem incluir nos seus
requisitos, além da verificação dos
Tabela 1 – Faixas de deformação dos ensaios de campo e laboratório mais utilizados para a
requisitos convencionais, a verifica-
determinação do módulo de cisalhamento (Barros, 1997 com modificações) ção da amplitude de oscilação e a

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de solo em profundidade apontam MURTHY, R.; NAZARIAN, S. e PICORNEIL,
161.
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KRAMER, S. L. (1996). Dynamic Soil Proper-
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