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ADÉLCIO PHILIPPI

LU ANA MARIBELE WEDEKIN

«ANS??* MASOWÎECSY SALLES


A CAPELA DE NOSSA SENHORA DAS NECESSIDADES. DE SANTO ANTÔNIO DE

LISBOA - ASPECTOS PLÁSTICOS E SIMBÓLICOS.

EDÉLCIO PHILIPPI
LUAN A MARIBELE WEDEKIN
SANDRA MAKOWIECKY SALLES
Sobre os hábitos dos açorianos:

"Eles viviam isolados, muito isolados, mas também se reuniam. Estas reuniões
eram feitas nas igrejas, quando conseguiam vir à missa, e tinham cavalo, carroça, carro de
boi. A igreja era o ponto de encontro... A igreja mandava em tudo naquela época. Era a

principal autoridade. A igreja falava alto, mais alto do que tudo. Eles estavam por trás de
tudo. E a única saída dos músicos era tocar gaita em lugares onde não tinha padre".

Franklin Cascaes
ÍNDICE REM ISSIVO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 7

PARTE I

O contexto histórico/social/político do sul do país.......................................................... 9


O contexto histórico/social/político de Florianópolis...................................................... 12

PARTE II

A Freguesia de Santo Antônio de Lisboa.........................................................................14


A Capela de Nossa Senhora das Necessidades - Enfoque histórico................................ .17

PARTE III
As fontes de pesquisa...................................................................................................... .19
Influências coloniais brasileiras........................................................................................ 20

Corporações de artistas. O ensino do ofício. Artistas e artífices. Irmandades. O valor das


obras. A falta de assinaturas............................................................................................. 22

Tradição local e influência européia. Diferença temática entre Brasil e Europa............. 24

Iconografia religiosa........................................................................................................ .26

Portugal e as artes plásticas..............................................................................................27


Uma história/estória religiosa da ilha............................................................................... .27

PARTE IV

Levantamento iconográfico e iconológico


Iconografia e iconologia.................................................................................................. .29
Levantamento iconográfico - Descrição formal dos elementos artísticos.........................33

Levantamento iconologico - Símbolos. Os símbolos na doutrina cristã: altar; tabernáculo;


hóstia; coroa, balança; a letra "M"; livro; via-sacra; cordeiro; estandarte/bandeira, batismo
de Jesus; trigo e uvas; cruz; o número "7"; templo; concha, globo, pomba, flores; folha de
acanto; nuvem; anjos; cores............................................................................................. 43

PARTE V

Cores e formas - Possíveis relações................................................................................. 112

CONSIDERAÇÕES GERAIS.........................................................................................119

GLOSSÁRIO...................................................................................................................123

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 130

ANEXOS 136
APRESENTAÇÃO

A capela de Nossa Senhora das Necessidades, localizada em Santo Antônio de

Lisboa, Florianópolis, apesar de já ter sido objeto de estudo de vários ensaios arquitetônicos
e históricos, principalmente por parte de professores e estudantes dos cursos de Arquitetura

e Urbanismo e de História da Universidade Federal de Santa Catarina, bem como do


Instituto do Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), e de ter sofrido várias

intervenções ao longo de sua história, ainda apresenta lacunas a serem preenchidas, na sua
historiografia.

Este trabalho visa fazer um levantamento iconográfico e iconológico das


pinturas e talhas religiosas encontradas na capela, bem como aprofundar questões

pertinentes à esta área de estudo.


O caráter inédito deste trabalho em Santa Catarina virá complementar os

estudos arquitetônicos e fundamentalmente históricos já realizados, priorizando um

aprofundamento no setor das artes plásticas.


O projeto, inicialmente denominado "Levantamento iconográfico das pinturas e

talhas religiosas dos altares da igreja de Nossa Senhora das Necessidades", recebeu nova

denominação, na etapa de redação, pois além do levantamento iconográfico e iconológico


pretendido, outras questões foram analisadas e enfocadas. Desta forma o título do trabalho

passou a ser "A capela de Nossa Senhora das Necessidades, de Santo Antônio de Lisboa -
aspectos plásticos e simbólicos". Esta possibilidade já estava presente no projeto original.

O presente trabalho é o resultado final de um ano de pesquisas (no período de


agosto 1992 a agosto 1993), realizado através de um projeto aprovado pelo programa de

Bolsa de Iniciação Científica do CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnológico, que contemplou os pesquisadores Edélcio Philippi e Luana Maribele


Wedekin, os quais atuaram sob a coordenação de Sandra Makowiecky Salles, professora de

História da Arte, do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina.


INTRODUÇÃO

"A leveza de viver sem o peso de um passado é um fardo muito pesado."

George Will

Parece-nos que um trabalho proveitoso e de alcance pela defesa do que o


passado nos deixou, deve ser analisado, na ilha de Florianopolis, Santa Catarina, ou até
mesmo, no Estado de Santa Catarina, pelo ângulo histórico, artistico e simbólico.
Enquanto assistíamos, em outros estados brasileiros, no período colonial dos

séculos XVTI, XVIÜ e XIX, o surgimento das nossas mais belas grandezas coloniais, nos
Estados do Sul, a situação é diferente. Aqui, nada favorecia o surgimento de uma expressão
característica dominante.

Por mais que nos esforcemos em encontrar detalhes de beleza ou soluções

plásticas de interesse técnico, não podemos apresentar e nem encontramos documentação

alguma que se aproxime da estatuária mineira, da pintura, dos entalhes e interiores


completos da Bahia, de Pernambuco ou do Rio de Janeiro, por exemplo.
O critério que nos motivou foi outro. Foi histórico e poético. Não nos

preocupamos essencialmente pela beleza do monumento - que existe e é irrefutável.

Procuramos reverenciar principalmente o valor destas capelas toscas,


desprotegidas e negligenciadas pelo poder público. Procuramos reverenciar também as

velhices de um tempo que não volta e que o acaso parece que esqueceu de destruir, como
bem diz a este respeito, o poeta Mário de Andrade.

Procuramos reverenciar as pessoas que trabalham, sob as mais diversas


condições, na manutenção deste patrimônio histórico e artístico.

As dificuldades foram muitas. A bibliografia com relação a Florianópolis ou ao

Sul do Brasil, é escassa, ou melhor, quase inexistente. A maior parte das conclusões resulta

de estudos comparativos com situações já analisadas em outras regiões do Brasil.


Vários locais foram visitados, em busca de informações e coleta de material:
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, Instituto Teológico de Florianópolis,
Cúria Metropolitana, Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina,

Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.


Várias pessoas foram entrevistadas ao longo deste ano de buscas.

Percebemos que algumas dúvidas foram amainadas, suavizando nossa


ansiedade. Por outro lado, os encaminhamentos das etapas nos indicaram a complexidade
do assunto, suscitando novas dúvidas.

Pretendemos com este trabalho contribuir para o estudo das artes plásticas na
arquitetura religiosa de Florianópolis, notadamente da capela de Nossa Senhora das

Necessidades, pois surpreende a quem começa a interessar-se pela imaginária brasileira a


quase ausência de trabalhos a respeito.

No levantamento iconográfico e iconológico, contou-se com uma bibliografia


mais vasta, pois se trata de um assunto de domínio universal. Importante destacar como os
elementos simbólicos da iconografia cristã se fizeram presentes nos mais recônditos lugares,

como certamente o era a Freguesia de Santo Antônio de Lisboa, no século XVIII.


Esperamos que, com a leitura deste trabalho, a forma de "olhar" a capela se
modifique.

Como nos diz Merleau-Ponty: "Ao mesmo tempo é verdade que o mundo é o
que vemos e que, contudo, precisamos aprender a vê-lo" (Ponty, 1984, p. 17).

Posto isto, que a capela seja vista na sua simplicidade e na sua complexidade.
9

PARTE I

O Contexto historico/social/político do sul do país

A região sul em meados dos séculos XVII e XVIII, como se sabe, estava

localizada, em grande parte, além da linha de Tordesilhas. Caracterizada por uma economia
basicamente agrícola, e por isso, limitada em seu desenvolvimento. E nas tentativas de

povoamento, esta região era ainda prejudicada pelas constantes invasões, saques e
destruições decorrentes das guerras entre portugueses e espanhóis, os quais almejavam a

posse destas terras. E cuja memória se preserva em fortalezas como as que formam o
triângulo defensivo da Ilha de Santa Catarina - Santa Cruz de Anhatomirim, São José da

Ponta Grossa e Santo Antônio de Ratones.


Contudo, esta parte do território só foi explorada por colonos portugueses a
partir do momento em que Portugal e Espanha passaram a ser governados por um mesmo

soberano. Devido a isso, há uma divergência quanto a origem das vilas sulinas. Algumas,

provenientes de aldeias missioneiras, sendo que outras foram fundadas apenas para garantir

a ocupação do território, ou ainda derivaram da fixação de famílias açorianas. Outras mais


surgiram junto a lavras de ouro, que logo se esgotaram. Vale salientar aqui, que neste
mesmo período Minas Gerais tomara-se um centro conversor de migrantes em busca de
riquezas, o que proporcionou o crescimento e a povoação deste espaço demográfico, além

da evasão das regiões menos favorecidas como São Paulo e o Sul do Brasil. A estes últimos
coube um certo isolamento e uma estagnação frente ao restante do território, e, por

consequência gerou processos de recriação artística ímpares^ Por outro lado, também foi

graças ao apogeu das Minas Gerais que estas terras pobres e perdidas tiveram um contato

com centros mais adiantados da colônia. Isto, em vista do comércio de muares que, do sul,
subiam para a feira de Sorocaba e daí para as regiões auríferas^.

1 BARDI. Pietro Maria. História da arte brasileira. Sâo Paulo: Melhoramentos. 1976.
2 Vídeo "Na trilha das mulas". Um Programa da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Realização
TV 2 Cultura. São Paulo. Videoteca IOCHPE/ Ceart
10

Ainda em vista das guerras, e natural, portanto, que não houvesse um espirito
de tranquilidade, nem sobrassem recursos suficientes para uma significativa realização

artistica. Um aspecto enfatizado também pelo nomadismo e pelas diferentes influências aqui
exercidas. Esta mesma insegurança pode ser comprovada na arquitetura sulista, com sua
escassez de portas e janelas, e, talvez em vista das grossas paredes, muito embora, o motivo
principal da espessura destas seja a fragilidade do material de que eram constituídas.

Com relação à arquitetura sulista, sob uma visão não somente estrutural,
segundo o vídeo "Na trilha das mulas", esta se divide em três soluções: a Paulista
Bandeirante; a dos Tropeiros e, afinal, a Açoriana-5.

A capela de Nossa Senhora das Necessidades, o objeto central de nossa


pesquisa, dentro da divisão proposta anteriormente, enquadra-se na última solução, a
Açoriana.

A colonização açoriana, deu-se a despeito da falta de riquezas minerais ou


qualquer outro atrativo semelhante, através da Ordem Régia de 1723, providência da
metrópole, que incentivou a colonização com a vinda de casais das Ilhas de Cabo Verde e
dos Açores, cujas terras sofriam constantes abalos sísmicos, e cuja economia se desenvolvia
precariamente devido ao excesso populacional^.

Constata-se que a influência açoriana foi realmente relevante neste contexto


artístico, como se verificará no decorrer deste estudo. É de se notar também a importância
ainda que indireta, dos jesuítas como evidencia Martins (1983):

"A escultura barroca açoriana é também, como a do Brasil,


absolutamente dirigida pelos jesuítas e às vezes com a falta de
artifícios, os próprios religiosos se encarregavam de produzí-las,
pois muitos destes tinham-se formado em escolas na Europa,
principalmente em Portugal e Espanha. Podemos afirmar, que
quase toda a produção escultórica, entre os anos de 1640 a 1760,
se deve aos jesuítas" (p. 270)5.

3 Id. Ibid.
4 ETZEL. Eduardo. Arte Sacra - Berco da arte brasileira. São Paulo: Melhoramentos. 1984 (p. 106).
5 MARTINS. Francisco Ernesto de Oliveira. A escultura nos Açores. Região Autônoma dos Açores.
Secretaria Regional da Educação e Cultura. Direção Regional dos Assuntos Culturais. 1983.
A contribuição jesuítica à Ilha de Santa Catarina, conforme o que foi exposto
acima, deu-se através dos açorianos, já que não houve fixação de qualquer ordem jesuítica

na região catarinense, do contrário, haveria registro em Roma, conforme afirmou o Padre


Artulino Besen®.

6 BESEN, Artulino. Jesuítas. Florianópolis. Catedral Metropolitana. 01/04/93. Comunicação Pessoal.


12

O Contexto histórico/social/político de Florianópolis

Baseado em estudos realizados por Souza1 e Piazza2 , era a intenção do rei de


Portugal, D. João V, povoar a costa de Santa Catarina vista como contentora de ótimos
postos e boas terras para o cultivo.

Portugal tencionava, não só defender a região sul das investidas estrangeiras,


mas tambem obter facilidades para trazer prata da região de Buenos Aires. Eis o grande
interesse do Reino Luso acerca de nossas terras.

Desde o século XVI portugueses e espanhóis cobiçam o sul, especificamente a


Bacia do Prata.

O colonizador prefere a fixação junto à faixa litorânea.


Hemandarias de Saavedra, conquistador espanhol, solicita, em 1609, ao rei da
Espanha, a posse da Ilha de Santa Catarina.

Já em 1628, Manoel Brito anunciava sua pretensão de povoar a Ilha de Santa


Catarina.

Em 1657, o português Salvador Correa de Sá e Benevides solicitava ao rei de

Portugal a doação de cem léguas da costa, dentre as quais encontrava-se a Ilha de Santa
Catarina.

Portugal decide conceder suas terras a quem quisesse povoar. Em outubro de


1663, foi promulgada uma Resolução Regia que empossava a Ilha de Santa Catarina a

Agostinho Barbalno Bezerra, que jamais chegou a obtê-las.

Nesta época, ainda, fixa-se na mesma ilha o bandeirante paulista Francisco Dias
Velho (1672), a quem foram concedidas algumas sesmarias. Dias Velho toma-se o fundador

da póvoa, depois vila e cidade de Nossa Senhora do Desterro.

Em 1673 foram emitidos recursos para que a povoação e as plantações fossem


favorecidas.

1 SOUZA, Regina Silveira de. A presença portuguesa na arquitetura da Ilha de Santa Catarina, séculos
XVIII e XIX. Florianópolis. IOESC. 1981.
2 PIAZZA. Walter Fernando. Santa Catarina: história da gente. - 2 ed. - Florianópolis: Ed. Lunardelli.
1987.
13

É ainda Dias Velho que vai erguer a primeira capela da Ilha de Santa Catarina,
em 1689, onde vem a ser, mais tarde, assassinado. Local este onde se ergue, hoie, a
Catedral Metropolitana de Florianópolis.
Com a morte de Dias Velho, a póvoa permaneceu vários anos quase no
abandono.

Em 1715, com a concessão de sesmarias a portugueses como Manoel Manso de


Avelar, sente-se que a ilha deve ser povoada, isto como uma forma de defesa ante navios
estrangeiros.

Em 23 de março de 1726 toma-se, então, vila, desmembrando-se de Laguna. É

quando começam as preocupações no sentido de manter a aparência das construções, como


uma maneira de demonstrar o seu caráter mais desenvolvido, o de vila.

Em 1727, Frei Agostinho da Trindade pleiteia, junto à Corte portuguesa, a


criação da Paróquia de Nossa Senhora do Desterro, assim como a vinda de açorianos para a
ilha e seu continente fronteiro.

Muitos estrangeiros que visitaram a Elha de Santa Catarina no início do séc.


XVni, mencionaram em seus diários de viagem, a pobreza da população e o insignificante
numero de habitantes e construções.

Como já fora comentado o Sargento-Mor Manoel Manso de Avelar estabelece-


se na ilha em inícios do séc. XVIII. Tempos depois o encontramos na região onde surgiu a

Freguesia de Santo Antônio de Lisboa, sobre a qual discorreremos a seguir.


14

PARTE II

A Freguesia de Santo Antônio de Lisboa

No ano de 1711 o governo português teria comprado a Capitania de Santo


Amaro, a "que pertenciam as terras de Sant'Ana, onde ficava o território de Santa Catarina
(...); aos vários habitantes da sua capitania, e entre eles aos ditos Salvador de Souza e

Manoel Manso de Avelar, concedeu o Capitão-General de São Paulo sesmarias na Ilha de


Santa Catarina e na Terra-Firme, para onde eles se mandaram com suas famílias"1 .

Manoel Manso fixou-se em Santo Antônio de Lisboa aproximadamente em


17142 mas o local já era povoado como indica Várzea: "Ocupada, a princípio, pelos colonos

que vieram para a ilha com o Padre Matheus de Leão, com terras de sesmarias de uma légua
em redor, o sítio entrou a cobrir-se de pequenas palhoças e ranchos, erguidos em meio às
primeiras lavouras, desde Praia Comprida à Praia do Sambaqui"3 .

Por orientação da Coroa Portuguesa, veio para Santa Catarina, o Brigadeiro


José da Silva Paes, em 1739, com a incumbência de edificar um sistema defensivo: contudo,
lhe foi recomendado que desse aos colonos imigrantes dos Açores, quer onde se

estabelecessem, uma assistência espiritual e de sacramentos, devendo também providenciar

através da Provedoria do Rio de Janeiro, os provimentos dos vigários, com terreno próprio
para se estabelecerem e as suas igrejas e residências4 .

A fundação da freguesia de Santo Antônio data de 17505 . A paróquia foi criada

por Provisão Episcopal em 26 de outubro de 1751, apesar da povoação anterior.

Manoel Manso deixou suas terras como herança para a filha, Clara Mansa de
Avelar que, em 1756, doou oficialmente 200 braças de terras, os fundos do terreno para

1 FONTES. Henrique da Silva. A Irmandade do Senhor dos Passos e o seu hospital, e aqueles que o
fundaram, p. 20-1.
2 C ABRAL. Oswaldo Rodrigues. Nossa Senhora do Desterro - Memória, p. 540-1.
3 VARZEA. Virgílio. A Ilha, p 153.
4 BOITEUX. Lucas Alexandre. Notas para a história catarinense, p. 221.
5 Florianópolis. IPUF (1975).
15

construção de uma igreja, consagrada a Santo Antônio6 ; muito embora, em registro no


Livro Tombo N° 1 (1895-1935) encontramos referência de que a igreja seria consagrada a
Nossa Senhora das Necessidades. No termo de doação podemos observar que, nesta data,
já existia a referida igreja.

Segundo termo de doação 02/02/1756 (1906):

"... dotavam e doavam cem braças em quadro, cujas cem braças


possuir fábrica daquele lugar enquanto na mesma igreja não
houver Confraria de Santo Antônio, e que havendo-a é sua
vontade do cem braças, e que principiarão a ser da casa que
serve do cal da dita Igreja, e dahi para o sul onde findar as ditas
cem braças, e pelos es mais lados confrontam em terras dos ditos
doadores, cuja propriedade demitam de si a posse que nelas
tinham e transpassavam nas pessoa do dito Reverendo Vigário
domingos Pereira Telles, como administrador das fazendas da
dita Igreja"^.

Ainda com base em pesquisa realizada por Luz Maria Guimarães, sobre a
questão da demanda demográfica, há quanto ao ano de 1810, sendo a população da

paróquia de Santo Antônio composta de 3367 indivíduos, a saber: 1224 homens brancos,
1467 mulheres, 57 libertos, 405 escravos homens e 197 escravas^.

Para o ano de 1840, o quadro demográfico apontou um total de 2509


indivíduos na freguesia de Santo Antônio^. Já em 18531 ^ o numero de batizados nesta

freguesia foi de 121, sendo essa freguesia com o maior número de batizados, depois da
capital.

Num mapa aproximado da população da província, datado de 1855, a freguesia


de Santo Antônio apareceu com o total de 3033 indivíduos^, número que em 1857 subiu
para 3196 indivíduos 1“ .

6 VARZEA. Virgílio. A Ilha, p. 153.


A. A/Pasta sobre a Freguesia de Nossa Senhora das Necessidades de Santo Antônio, reconstituição do
termo de doação 2/2/1756 (1906).
8 B. U. Coleção das Leis da Província de Santa Catarina (1835 a 1841); pp. 20-1; Lei de 13 de maio de
1835.
9 B. U. Coleção das Leis da Província de Santa Catarina (1848 1 1853); Lei de 17 de março de 1853.
10 B. U. Coleção das Leis da Província de Santa Catarina (1874); pp. 141-2.
11 B. U. Coleção das Leis da Província de Santa Catarina, p. 16, Resolução de abril de 1856.
12 B. U. Coleção das Leis da Província de Santa Catarina, p. 22. Lei de 11 de março de 1860.
16

Ainda com relação a demografia, notamos o movimento da população da


referida freguesia no ano de 1859^ que contou com 82 batizados de crianças brancas, 16

escravos, 27 casamentos entre brancos, além de 64 óbitos.

Quanto ao seu desenvolvimento urbano, notamos que a freguesia de Nossa


Senhora das Necessidades, de Santo Antônio, foi uma das primeiras, senão a única, a
possuir calçamento já no séc. XVIII^4 ao que podemos atribuir a importância do Porto de

Sambaqui, cuja movimentação determinava o ritmo desta comunidade.


Já no século XIX, Santo Antônio foi considerada, conforme Várzea: "Uma das

localidades mais apraziveis da costa ocidental da ilha. Situada em solo plano à beira-mar,
entre Calopó-Pequeno e a Ponta da Ilhota, dir-se-ha uma cidadezinha, pela sua pitoresca
praça ornada de prédios construídos como os de certos arrabaldes antigos da capital, e pela
sua disposição em três ou quatro ruas cheias de casas, unidas ou separadas apenas por
pequenas hortas e jardins, que não existem em outros sítios"*5.

13 B. U. Falas e Relatórios Provinciais - Francisco C. de A Brusque/1860.


14 LORENZI. Márcia et alii. Trabalho de graduação em Arquitetura/UFSC
15 VARZEA. Virgílio. A Ilha, p. 153.
17

A Capela de Nossa Senhora das Necessidades - Enfoque histórico

Introduzindo o histórico da Capela de Nossa Senhora das Necessidades, é


preciso situá-la dentro do contexto arquitetônico do litoral de Santa Catarina no séc. XVIII,
que constantemente caracterizava-se, segundo Vieira Filho1 como "tradicional evoluído" ou
"clássico tradicional".

O predomínio desta arquitetura deve-se, ainda segundo o mesmo autor, "à


pobreza da terra, afastada dos grandes ciclos econômicos e habitada por população

frequentemente exaurida pelos confiscos e recrutamentos das guerras do sul" (Vieira Filho,
s/d, p. 66)2 . Além disso, deve-se ao fato de que o povoamento de Santa Catarina "é função
de estratégia militar, e a sua expressão não poderia deixar de ser o racionalismo clássico"3 .

Neste contexto, conforme Bazin, "A igreja foi o único elemento civilizador, o

único que procurou amenizar a crueldade dos costumes vigentes" (Bazin, 1956, p. 36)4 .
Assim, a prioridade da comunidade vai ser voltada para a ereção das Igrejas Matrizes e das

irmandades e confrarias, e a arquitetura religiosa desenvolveu-se melhor que a civil.


Em Santo Antônio de Lisboa, como não poderia deixar de ser, a Igreja vai se
constituir desde o séc. XVTII como o referencial da comunidade.

A data de sua construção é incerta. Diversos historiadores indicam 1750 como


0 marco inicial, e 1753 como o término.

Souza nos informa que "A igreja começou a ser construída em data posterior à
doação do terreno. Desde essa época até 1837, pouco ou quase nada encontramos de
documentação" (Souza, 1981, p. 110)5 .

No entanto, o termo de doação do terreno data de 1756, e no ano de 1755 a


capela de Nossa Senhora das Necessidades já fora elevada a matriz paroquial6 , o que indica
certa contradição nas datas.

1 VIEIRA FILHO. Dalmo. Notas para o estudo da arquitetura religiosa tradicional brasileira. Inédito.
2 Id. Ibid.
3 Id. Ibid.
4 BAZIN. Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1956.
5 SOUZA, Sara Regina Silveira de. A presença Portuguesa na Arquitetura da Ilha de Santa Catarina - séc.
XVIII e XIX. Florianópolis, IOESC, 1981.
18

Especificamente a respeito da capela de Nossa Senhora das Necessidades Vieira


Filho7 afirma que a construção da matriz, cujo risco só seria executado em 1753, a
comunidade de Santo Antônio resolveu edificar uma grande igreja dedicada a Nossa
Senhora das Necessidades (ou mais provavelmente substituir a antiga por uma nova), e
aproveitou-se do mesmo projeto de José da Silva Paes para a matriz do Desterro,
introduzindo-lhe apenas ligeiras alterações simplificadoras.
Assim, temos que a data da construção da Igreja de Nossa Senhora das
Necessidades é posterior a 1750, estando entre esta data e 1756.

6 SOARES. Iaponan. Santo António de Lisboa - Vida e memória. Florianópolis: Fundação Franklin
Cascaes, 1990, p. 101.
7 VIEIRA FILHO, op. cit., p. 68-78.
19

PARTE III

As fontes de pesquisa

Em um estudo desta natureza, a procura das fontes de pesquisa constituem a


parte mais importante e não raro, a mais difícil em um trabalho que pretenda ser mais do
que uma enumeração de fatos.

Nos estudos de história da arte, perguntas e problemas se repetem: os de


cronologia, da falta de organização de um inventário das obras existentes, da biografia dos
artistas, da iconografia, das influências, entre muitos outros.
Mas, todos estes problemas circundam o problema principal da história da arte,

que é o de tentar chegar à essência da intenção artística de uma determinada época - na


totalidade de suas manifestações artísticas.

No entanto, todo dado é significativo. Como já afirmou Walter Benjamin, "...


nada do que jamais aconteceu pode ser dado por perdido para a História. Certamente, só à
humanidade redimida cabe o passado em sua plenitude" (Khowry, 1988, p. 3)1 .

Tanto fontes diretas como indiretas constituem material de pesquisa e muito


pouco foi conseguido - nada de cartas, nada de intenções dos artistas, nada de

autobiografias, nada com relação ao material utilizado. Após a pesquisa, não acreditamos
ser provável que tais documentos existam, ou venham a aparecer, em relação aos trabalhos

realizados na capela de Nossa Senhora das Necessidades, nem em outras capelas e igrejas
da mesma época, da ilha de Florianópolis.

Em Florianópolis, onde o estudo sistemático do património artístico é recente e


incipiente, qualquer dado que possa vir a ter uma comprovação científica adquire em valor
incomensurável.

1 KHOWRY, Yara et alii. A pesquisa em história. São Paulo: Ática, 1988.


20

Com relação aos artesãos que aqui trabalharam, em termos de biografia, nada se
sabe.

Os dados mais significativos da origem destes artesãos encontram-se nos livros


sobre a história de Florianópolis que não os distingue da massa de açorianos, que para cá
vieram.

Assim diz Saint-Hillaire: "A população de Santa Catarina e mesmo de toda a


província é, na sua maioria, originária das ilhas dos Açores"2 .

Eduardo Etzel complementa, acrescentando que acredita que as manifestações


artísticas realizadas nas igrejas e capelas foram de contribuição açoriana, pois entre os
açorianos que para cá vieram havia artesãos, predominando os carpinteiros, habituados a
uma cultura básica milenar comum aos europeus, que é o trabalho com a madeira.
Prossegue dizendo que foram eles que, entregues à própria sorte e pobreza, preenchiam
suas necessidades religiosas, construindo igrejas e capelas, decorando-as com o que sua

competência no domínio da marcenaria (e pintura, acrescentamos), lhes permitia. Para ele,


foi desta forma que surgiu o barroco nos restábulos das igrejas do século XVIII. Eram

artesãos, e não artistas, e por isso não ocuparam os nichos dos restábulos que construíram,
com suas próprias imagens. "Não houve portanto, no sul uma 'indústria' de imagens, como
aconteceu na teocracia missioneira" (Etzel, 1986, p. 129)3 .

Influências coloniais brasileiras

Sobre as possíveis influências sofridas por estes artesãos, estas devem obedecer,
como de resto, ao que aconteceu em grande parte de estudos relativos ao período colonial
brasileiro.

2 SAINT-HILLAIRE, Auguste de. Viagem à Província de Santa Catarina. São Paulo: Ed. Nacional, 1936, p.
34-44 e 161.
3 ETZEL, Eduardo. Arte Sacra. Berço da Arte Brasileira. S. P.: Melhoramentos, 1986.
21

Hannah Levy4 , em "A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas
fontes e alguns de seus aspectos", diz que "Podemos adiantar, aliás, que consideradas no

seu conjunto, as pinturas coloniais fluminenses não se prestam, em regra geral, para serem

utilizadas como fontes de explicação de outras obras coloniais" (Levy, s.d., p. 47). O
mesmo se pode dizer com relação a obras do período colonial realizadas em todo o Brasil.
Estas influências vinham diretamente da Europa, através de gravuras, missais, e outras
fontes, como discorreremos mais adiante.
No caso mais específico de Florianópolis, cabe uma observação contida no livro
de Eduardo Etzel e feita por Saint-Hillaire, em que trata da contribuição açoriana, fazendo

uma apreciação comparativa com as igrejas das aldeias francesas e onde enaltece o trabalho
dos brasileiros, perguntando:

"Não se pode concluir daí que os brasileiros possuem um maior e


mais natural sentimento de arte, e que se conquistarem cultura
ela lhes custará menos esforço? Esta observação do sábio francês
vale por uma definição e por um elogio da obra, justamente de
artesãos, que tinham na sua habilidade e no amor a Deus a força
propulsora de uma arte ainda embrionária" (Etzel, op. cit., p.
130).

Os próprios materiais utilizados na arquitetura da capela de Nossa Senhora das

Necessidades, nos quais não nos detemos, comprovam também a presença do artesão mais
experiente do que de cultura e técnica arquitetônica mais aperfeiçoada. Reforçam este

pensamento, a utilização da pedra e do cal, o que foi favorecido pela localização à beira-

mar, além do uso de argamassa de conchas moídas, do óleo de baleia e das paredes grossas.
"Aqui não houve arquitetos de gabarito como os que na mesma época construíram na costa
norte as esplêndidas e rebuscadas igrejas barrocas "(Etzel, op. cit., p. 130).

4 LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns de seus aspectos. In:
Pintura e Escultura I. Textos escolhidos da Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. MEC/USP, s.d.
22

Corporações de artistas. O ensino do oficio. Artistas e artífices. Irmandades. O


valor das obras. A falta de assinaturas.

E natural que a organização de ofícios na colônia tenha obedecido ao modelo de


organizações semelhantes existentes na metrópole.

Por organização de ofícios e o ensino de ofícios, entende-se o trabalho dos


mestres, dos pedreiros, carpinteiros, pintores, atuando em conjunto, transmitindo seus

conhecimentos e experiências de forma não sistemática, através da troca de informações.


Apenas o trabalho em equipe era sistemático, experimentando, principalmente, materiais do

local e suas aplicações ideais. Não havia o ensino sistemático como nas ordens religiosas.
Não há, no entanto, nenhuma referência a alguma organização deste tipo em

Florianópolis, apesar de elas terem ocorrido no Brasil Colônia, especialmente em Minas


Gerais, que viveu seus dias de ouro, com uma sociedade típica, estruturada de forma
diversa das sociedades patriarcais do litoral. Em Minas, as irmandades religiosas
proliferaram e quase toda a população mineira filiou-se a essas confrarias. As irmandades

eram independentes como organizações civis, e praticamente reduziam os padres a


empregados. A disputa entre elas era grande e sem dúvida este foi um fator impulsionador

da arquitetura mineira, pois estas irmandades buscavam sempre ostentar maior importância
ou prestígio do que as outras.

Em Florianópolis, estabeleceram-se as seguintes irmandades: Nosso Senhor dos


Passos; Ordem Terceira de São Francisco da Penitência; Nossa Senhora do Rosário e São

Benedito e Nossa Senhora do Bom Parto, mas esse caráter de competição não ficou
registrado nem é evidente. Se houve, não há indícios para corroborar tal afirmação.

Não temos também documentos que permitam explicitar a questão da existência

de uma diferenciação de terminologia para designar pintores-artistas, pintores-artífices, o

imaginário, o entalhador, o escultor, o que vêm novamente a comprovar o caráter artesanal


do trabalho executado.

A considerar a falta de documentos, podemos arriscar um julgamento de que

estes artesãos não eram considerados de forma diferenciada de outros trabalhadores e de


23

que estes trabalhos não obedeciam a um programa bem detalhado, imposto aos artesãos
pelas comunidades religiosas que encomendavam o trabalho, como acontecia em outras
regiões do país.

"... é fora de dúvida que os pintores coloniais - da mesma forma


aliás que seus colegas europeus contemporâneos - receberam os
programas para as suas obras religiosas da parte das autoridades
competentes... Como regra geral temos, porém, de supor que
não existiram, no Rio de Janeiro colonial, pelo menos até o
último quartel do século XVIII, artistas 'livres' no sentido
moderno da palavra. Com isto... queremos dizer que os pintores
produziram exclusivamente sob encomenda, tal como era de
praxe durante toda a Idade Média até o advento da Renascença"
(Levy, op. cit., p. 63).

Outro fator a ser considerado é a falta absoluta de assinaturas por parte destes
artesãos, que pode ser interpretado como mais uma prova de que na sociedade da época,
estes artífices não se consideravam e nem eram considerados artistas criadores conscientes
de sua individualidade.

Segundo Hannah Levy, a falta de assinaturas dos artistas que atuaram no Rio de
Janeiro atesta geralmente "... a concepção da importância preponderante do conteúdo sobre
a forma, concepção tanto mais natural quando se recorda que as representações religiosas
constituem a maior parte das pinturas coloniais" (Levy, op. cit., p. 69).

As oficinas de santeiros foram aparecendo, no Brasil, notadamente com a


Companhia de Jesus. Estes santeiros iam realizando, e contribuindo para o fortalecimento

da fé: não santeiros que esculpiam imagens somente para as igrejas, mas também para
capelas particulares, para os oratórios, que de modo geral, existiam em quase todas as

casas. Com o tempo, foi se criando um acervo considerável de escultura religiosa. O


artista/artesão ficou quase sempre no anonimato, mas suas obras existentes nos museus,

igrejas ou capelas, e coleções particulares, atestam sua existência.


24

Tradição local e influência européia. Diferença Temática entre Brasil e Europa.

Não existia, na Florianópolis, da época, nenhuma tradição local artística, como


já foi explicado.

As capelas que iam sendo erigidas, exigiam imagens padroeiras, que chegavam
ao Sul junto com o povoamento. Estas imagens certamente vieram de Portugal e de outros

pontos da colônia. Os povoadores paulistas, segundo Eduardo Etzel também trouxeram


imagens do século XVIII de São Paulo para cá.

Nos livros de Oswaldo Rodrigues Cabral "Nossa Senhora do Désterro", 4


volumes, encontramos registros da importação de imagens vindas de outros locais. É o caso

da imagem do "menino Deus", que hoje se encontra na Capela do menino Deus, no


conjunto do Hospital de Caridade. E o caso também da imagem do Senhor dos Passos,

vindo da Bahia e com destino ao Rio Grande do Sul, de autoria do escultor baiano

Francisco das Chagas, conhecido por "O Cabra". No livro, o autor menciona várias outras
imagens chegadas ao Desterro, o que, segundo, Etzel, não deixa dúvidas quanto à origem

das imagens do Sul, quase todas vindas das oficinas de imaginários, mais provavelmente de
Salvador.

A distribuição de peças feitas em série na Bahia, nos séculos XVHI e XIX

demonstra igualmente que o mercado de peças religiosas povoou também pequenas capelas
e oratórios domésticos, atendendo à devoção dos moradores.

Os "carpinteiros" açorianos, movidos pela religião católica, construíram igrejas,


capelas e retábulos.

Diz-nos Eduardo Etzel: "Estes, com sua perícia, construíram igrejas e retábulos
sem dúvida de uma confecção característica pela relativa rusticidade de uma talha que não

chegou a ser dourada, mas apenas pintada, ainda que com purpurina" (Etzel, op. cit., p.
134).

Ao exemplificar o que cita acima Etzel mostra como exemplo justamente

detalhes dos altares da cruzeiro de capela de Nossa Senhora das Necessidades de Santo
Antônio de Lisboa.
25

Concordamos com o autor no que se refere a relativa rusticidade da talha, mas


a recente restauração demonstrou que a camada pictórica original não foi pintada com
purpurina dourada. Ao se fazer um estudo comparativo dos retábulos das igrejas antigas do

Sul, e especificamente da igreja de Nossa Senhora das Necessidades, com as talhas dos
retábulos do Rio de Janeiro, Bahia ou Minas, fica evidente que estes trabalhos estão longe
da perfeição artística e do acabamento da talha destas regiões. Este fator novamente
evidencia a contribuição modesta dos hábeis artesãos açorianos do século XVTII.

"O que acredito ter registrado com relativa veracidade é que no


Sul a arte sacra foi o fundamento da arte, já que, pelo avanço do
povoamento a partir das praias do Atlântico em direção oeste, foi
fixando com sua igrejas, capelas e imagens os marcos iniciais de
uma arte luso-brasileira que, embora modesta e importada de
outras regiões da Colônia, foi o marco inicial, o berço do que
veio depois a acontecer" (Etzel, op. cit., p. 134).

Importante registrar que estas imagens trazidas para o Sul, de outros pontos da
colônia, eram executadas sob forte influência da metrópole. É de se destacar também, que
grande parte delas foi importada diretamente de metrópole ou de outros países. O mesmo se
pode dizer dos modelos europeus na pintura colonial.

"E fora de dúvida que grande número de pintores se utilizou de


modelos da arte européia. Dai o caráter eclético da pintura
colonial, vista em conjunto, e daí também, o caráter heterogêneo
que se nota freqüentemente nas obras de um mesmo artista,
Como os modelos europeus - principalmente gravuras - eram de
autores e estilos diferentes, só os artistas nacionais de maior
talento conseguiram dar a suas obras um caráter de unidade
estilística e um cunho todo pessoal" (Levy, s.d., p. 99).

Quanto à diferenças temáticas, entre Brasil e Europa, é importante destacar que

no Brasil a Igreja fez obra de catequese, mas não foi forçada a defender-se contra o
protestantismo. Assim, temas largamente utilizados na Europa, como o martírio, não são

aqui, tão frequentemente encontrados. Não encontraremos na pintura colonial brasileira,


nem na da ilha, reflexo destas controvérsias sutis que habitavam ha Igreja, sobre a
26

interpolação de determinados pontos da história sagrada. Os artistas brasileiros seguiram


mais naturalmente a iconografia promovida pela contra-reforma, que visava, sobretudo, a
adesão de novos adeptos para a religião católica.

Assim, o principal interesse das pinturas religiosas, consiste a nosso ver, no seu
valor artístico autônomo, mas, principalmente no seu valor como elemento integrante e
indispensável da decoração total dos interiores das igrejas, em que os traços comuns
predominam sempre sobre as características individuais dos artesãos.

Iconografia religiosa

Os assuntos religiosos utilizados no Brasil podem ser divididos, a grosso modo,


em dois grupos:

1. Temas que fazem parte da iconografia religiosa geral;


2. Temas que fazem parte da iconografia particular das diferentes ordens,

ordens terceiras e irmandades, onde prevaleciam assuntos particularmente ligados à história


das respectivas comunidades religiosas.

É natural, que em Florianópolis, devido ao fato de serem trabalhos executados


sem um planejamento antecipado nem obedecendo a encomendas específicas, que fossem

utilizados assuntos da iconografia religiosa geral, desvinculados também da preocupação de


retratarem assuntos que os protestantes negaram ou atacaram, tais como: representações da

Virgem, do Purgatório, do papado, dos Sacramentos de certos santos, martírio, etc.

Entretanto, nas irmandades, temas específicos também são constatados.

Ao adotarem a iconografia religiosa geral, ou mais especificamente a nova


iconografia promovida pela contra-reforma, é mais comum encontrarmos temas como

Anunciação, Ascenção, Virgem e menino, Virgens imaculadas, Virgem aureolada de

estrelas e cercada por anjos, representação do batismo de cristo, (em que a nudez é proibida

pelo Concílio de Trento), representações de visões celestes, momentos de exaltação, os


acontecimentos milagrosos, cenas de êxtase.
É deste universo iconográfico que tentamos fazer um levantamento das pinturas
e talhas da capela de Nossa Senhora das Necessidades.

Portugal e as artes plásticas

Como sabemos, o Barroco vai do final do século XVI ao início do século XVIII

europeus. Este período coincide com o declínio do Portugal, da época dos descobrimentos,
de quem éramos colônia. Estávamos então no início de nossa colonização e, porque não
dizer, no início de nosso contato com as questões culturais européias. Provavelmente, nesta

época, já nos ressentíamos da pouca afinidade do colonizador com as artes visuais.


Embora, como tem sugerido, o termo barroco derive da palavra homógrafa que

designa a pérola imperfeitamente formada, o fato é que não se conhece pintores


portugueses de vulto, deste período. Podemos citar o holandês Rembrandt, o francês
George La Tour, os italianos Caravaggio e Bemini, o belga Rubens, o espanhol Velasquez,
entre tantos outros.

Na pintura, como em outras atividades artísticas, Portugal ficou à margem dos


países também meridionais, como Espanha e Itália, grandes expressões do Barroco.

Esta falta de "tradição" portuguesa com as artes visuais certamente se fez sentir

no Brasil Colônia, o que explica em grande parte nossa dependência na área; nossas
limitações e poucas condições de alcançar uma expressão autônoma.

Uma história/estória religiosa da ilha

"Nas três frustradas tentativas para entrar a barra do Rio Grande


do Sul feitas pela embarcação que transportava uma imagem do
Senhor Jesus dos Passos e nas três conseqüentes arridadas ao
Porto do Desterro, pareceu visível a Vontade Divina para que a
veneranda encomenda ficasse na cidadezinha sede da Capitania
de Santa Catarina, e a permanência foi acordada entre o capitão
do barco e os moradores da terra, pago àquele o feitio da
imagem, - o feitio, sim porque a imagem, como coisa sagrada,
não podia receber preço.
28

O caso aconteceu no ano de 1764, reinando em Portugal Dom


José I, sendo Vice-rei do Brasil o Conde da Cunha, governando
a capitania o Coronel Francisco Antônio Cardoso de Menezes e
Souza e sendo bispo do Rio de Janeiro, com jurisdição em Santa
Catarina, Dom Frei Antônio do Desterro" (Fontes, 1965, p. 5).

A imagem mencionada do "Senhor Jesus dos Passos" encontra-se hoje na capela


do Menino Deus, no Hospital de Caridade e foi esculpida, provavelmente pelo escultor

baiano Francisco das Chagas, conhecido pela alcunha de "O Cabra".


O que se percebe é que esta descrição da chegada e permanência de imagens é

um fenômeno comum às imagens de padroeiros de várias freguesias da ilha. Esta descrição


se repete em Santo Antônio de Lisboa, com relação à imagem já roubada de Santo Antônio;

à imagem de Nossa Senhora da Lapa, no Ribeirão da ilha; à imagem de Santa Catarina no

Campeche e em outras localidades.


Esta descrição, que já faz parte de uma tradição oral da ilha mostra mais uma
vez a fragilidade de nossos testemunhos históricos. Certamente um destes fatos é real -

talvez mesmo o da imagem do Senhor dos Passos com datas e nomes definidos, e as outras

versões tiveram origem nesta.


Enfim, não se pode provar qual episódio deu início às estórias, mas difícil toma-
se aceitar que todas estas imagens iam para o Rio Grande do Sul e que acabaram ficando

aqui por vontade divina.


A única variação nas estórias contadas é que em algumas a embarcação não
conseguia entrar na barra do Rio Grande do Sul e em outras, a embarcação não conseguia

sair da barra da ilha de Santa Catarina. Mas o fato em si não é alterado: ou seja, as imagens

ficaram aqui por vontade divina, quando, seu destino original seria outro.
Assim, de acordo com a tradição oral, nossa história religiosa foi construída não

pela vontade dos homem, mas pela vontade de Deus.


29

PARTE IV

Levantamento iconográfico e iconológico

Iconografia e Iconologia

Este capítulo visa fornecer informações acerca de iconografia e iconologia,


identificáveis no então motivo de nossa pesquisa, ou seja, a Capela de Nossa Sènhora das

Necessidades.

Contudo, é preciso para isso, que antes se faça uma abordagem analítica, tendo
em vista os próprios termos em questão, bem como seus objetivos e delimitações. Vale

então abordar o assunto através dos estudos de Panofski1; o que será feito a seguir:
"Iconografia é o ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das
obras de arte em contraposição à sua forma" (Panofski, 1979, p. 47).

E importante se se esclareça a questão do tema ou significado, classificando-o


em três tipos, como o fez Panofski2 :

1. Significados primários ou naturais

1.1. Significado fatual: "é apreendido pela simples identificação de certas formas
visíveis com certos objetos que já se conheça por experiência prática e pela identificação da

mudança de suas relações com certas ações ou fatos" (Panofski, 1979, p. 48).

1.2. Significado expressional: é apreendido por empatia e por isso, faz-se


necessário uma certa sensibilidade para identificá-la.

2. Significado secundário ou convencional: É inteligível e conscientemente


conferido à ação pela qual é veiculado.

3. Significado instrínseco ou conteúdo

1 PANOFSKI, Erwin. Significado nas Artes Visuais. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 45-87.
2 ld. Ibid.
30

É essencial; "...um princípio unificador que sublinha e explica os acontecimentos

visíveis e sua significação inteligível e que determina até a forma sob a qual o acontecimento
visível se manifesta. Normalmente (...) está tão acima da esfera da vontade consciente
quanto o significado expressional está abaixo dela" (Panofski, 1979, p. 50).
Transportando para a obra de arte:

I. Tema primário ou natural: subdividido, como se sabe, em fatual e


expressional. "É apreendido pela identificação das formas puras (...) e pela identificação de
suas relações mútuas como acontecimentos; assim como pela percepção de algumas
qualidades expressionais" (Panofski, 1979, p. 50).

U. Tema secundário ou convencional: é entendido através da percepção. Assim


fazendo, ligamos os motivos artísticos (composição) com assuntos e conceitos. Motivos
reconhecidos como portadores de um significado secundário ou convencional podem

chamar-se imagens, sendo que combinações de imagens são o que os antigos teóricos de
arte chamavam de invenzioni; nós costumamos dar-lhes o nome de estórias e alegorias. A
identificação de tais imagens, estórias e alegorias é o domínio daquilo que é normalmente

conhecido por "iconografia". (...). "Análise formal", segundo Wõlfflin, é uma análise de
motivos e combinações de motivos (composições), (,..)3 .

Uma análise que, se correta, pressupõe a exata identificação dos motivos.

III. Significado intrínseco ou conteúdo: é apreendido pela determinação

daqueles princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período,
classe social, crença religiosa ou filosófica - qualificados por uma personalidade e

condensados numa obra. (...). Ao concebermos assim as formas puras, os motivos, imagens,
estórias e alegorias, como manifestações de princípios básicos e gerais, interpretamos todos

esses elementos como sendo o que Emest Cassirer chamou de valores "simbólicos" (...). A
descoberta e interpretação desses valores "simbólicos" (que, muitas vezes, são

desconhecidos pelo próprio artista e podem, até, diferir enfaticamente do que ele

3 Id. Ibid., p. 50-1.


31

conscientemente tentou expressar) é o objeto do que se poderia designar por "iconologia"


em oposição a "iconografia"4 .

Desse modo, Panofski coloca a iconografia como sendo a descrição e


classificação das imagens; "um estudo limitado e, como que ancilar, que nos informa
quando e onde temas específicos foram visualizados por quais motivos específicos"
(Panofski, 1979, p. 53). Esta que "considera apenas uma parte dos elementos que

constituem o conteúdo intrínseco de uma obra de arte e que precisam tomar-se explícitos se
se quiser que a percepção desse conteúdo venha a ser articulada e comunicável" (Panofski,
1979, p. 53-4).

Já a iconologia é "como uma iconografia que se toma interpretativa e, desse


modo, converte-se em parte integral do estudo da arte, (...)" (Panofski, 1979, p. 54). É ela

mais dinâmica; que advém da síntese mais que da análise das imagens (o contrário da

iconografia), estórias e alegorias (exceção às obras nas quais o tema secundário tenha sido
eliminado, como a pintura paisagística européia, natureza-morta, pintura de "gênero" e arte
"não-objetiva").

No caso de uma descrição pré-iconográfica, esta se mantém dentro dos limites

do mundo dos motivos (objetos e eventos representados e identificados segundo nossa


experiência prática). Contudo, não nos devemos levar a crer que "jamais nos seja possível
uma correta descrição pré-iconográfica de uma obra de arte sem adivinharmos, por assim

dizer, qual o seu locus histórico" (Panofski, 1979, p. 58). Na verdade, lemos "o que

vemos", "de conformidade com o mundo pelo qual os objetos e fatos são expressos por
formas que variam segundo as condições históricas" (Panofski, 1979, p. 58). Ao fazermos

isso, submetemos nossa prática a um princípio corretivo que cabe chamar de "história do

estilo" (através da interpretação de obras individuais, relacionando-as com outras de modo


que toda uma série "faça sentido").

A análise iconográfica "pressupõe a familiaridade com temas específicos ou


conceitos, tal como são transmitidos através de fontes literárias, quer obtidos por leitura

deliberada ou tradição oral" (Panofski, 1979, p. 58). Porém, em certos casos, é preciso

4 Id. Ibid., p. 52-3.


32

também que nos familiarizemos com aquilo que os autores das representações liam ou
sabiam. Isso prova também que a análise iconográfíca através de pesquisas em fontes

literárias não garante exatidão. Quanto a esse aspecto, a análise pode ser suplementada e
corrigida, investigando-se o modo pelo qual, sob diferentes condições históricas, temas
específicos ou conceitos eram expressos por objetos e fatos, ou seja, a "história dos tipos",
como coloca Panofski5 .

Já a interpretação iconológica requer algo mais que a pesquisa em fontes


literárias. Precisamos captar esses princípios, segundo Panofski6 , por meio da "intuição
sintética".

Entretanto, quanto mais subjetiva e irracional for esta fonte de interpretação


(...), tanto mais necessária a aplicação desses corretivos e controles (...). Também ou ainda
mais, nossa intuição estética deve ser corrigida por uma compreensão da maneira pela qual,

sob diferentes condições históricas, as tendências gerais e essenciais da mente humana

foram expressas por temas específicos e conceitos. Isso significa o que se pode chamar de
história dos sintomas culturais - ou "símbolos", no sentido de Emest Cassirer - em geral.

(...) O historiador de arte terá de aferir o que julga ser o significado intrínseco da obra ou
grupo de obras, a que devota sua atenção, com base no que pensa ser o significado

intrínseco de tantos outros documentos da civilização historicamente relacionados a esta


obra ou grupo de obras quantos conseguir. (...)7 .

Os estudos de Panofski referentes à iconologia e iconografia, de extrema


erudição são utilizados sempre como referencial. Por outro lado, cabe-nos dizer que não

pretendemos esgotar as possibilidades de sua metodologia. A função aqui é apenas de


situar, já que é o material ao qual temos maior acesso.

5 Id. Ibid., p. 59-61.


6 Id. Ibid., p. 62.
7 Id. Ibid., p. 62-3.
33

Levantamento iconográfico

Descrição formal dos elementos artísticos

É importante salientar aqui que esta descrição iconográfica esteve baseada

acerca dos aspectos formais, pictóricos, arquitetônicos, etc..., existentes atualmente, uma
vez que a morosidade do processo de restauração não nos permite verificar o seu conteúdo
original.

1 - FORRO DA CAPELA-MOR

Apresenta na faixa central uma taija composta de guirlanda de flores, volutas e


rocailles* , envolvendo esta um ostensório.

Predominância das tonalidades ocre, vermelho e azul, não havendo, porém,


padrões formais definidos.
2 - ALTAR-MOR

De autoria desconhecida, concluído em 1759, sofrendo intervenções entre os


anos de 1840 à 1860 aproximadamente.

Retábulo* contendo elementos dos estilos Dom João V ou Joanino e Rococó -


2a e 3a fases do barroco.

Coroamento* do retábulo possui ornamentação simplificada, com modilhão*


sustentado por colunas salomônicas, contendo ornato fitomorfo em branco e dourado

(flores e folhas), com terço inferior estriado diagonalmente e por pilastras, possuindo
ornamentação simplificada entre coluna e quartelão* há ressaltos para imagens compostos
por peanha* e pequeno dossel*. Existência de cartéis* simplificados.

Escudo* centrado no coroamento, ostentando uma pomba branca, encimada


por anjo (atualmente este foi retirado), tendo uma coroa um pouco mais acima. Sobre a
coroa há uma esfera encimada por uma cruz.

* Os termos assinalados com asterisco estão presentes no glossário anexo.


34

No conjunto central, nicho* profundo, apresentando trono escalonado contendo


ornatos em forma de concha estilizada. Onde antes existia o tabernáculo, hoje existe um

pequeno nicho, sem trono, contendo a imagem de Nossa Senhora das Necessidades. O
perfil da tribuna* é delimitado por talha. O fato deste nicho encontrar-se à frente do trono
do nicho profundo fez com que os degraus inferiores do referido trono com seus omatos em

talha ficassem encobertos.


Observa-se que o atual retábulo é produto de reforma anterior, devido ao
deslocamento de algumas talhas, provavelmente do antigo altar não havendo, portanto,

ligação entre o coroamento, nicho e demais partes.


As tábuas do coroamento estão dispostas paralelamente. No escudo, área
compreendida como fundo, apresenta cor carmim, a coroa e a cruz são prateadas com friso

dourado.
Fundo nos tons de azul, com ornamentação branca sendo o friso dourado.
O frontal*, não tão trabalhado quanto os laterais, contém ornamentação

fitomorfa. Com carteia ao centro com elemento estilizado.

3 - NICHO DO ALTAR-MOR
Nicho profundo, possuindo trono escalonado contendo cinco degraus. Tendo
este ornamentação em forma de rocaille, havendo, porém, diferenciação entre os primeiros e

os demais. Este trono possui entre trinta castiçais de madeira distribuídos entre os degraus.
Existência de uma porta lateral à direita dando acesso ao mesmo, e uma outra menor,

localizada ao fundo na parte superior, servindo de passagem à imagem do santo padroeiro.


Pequeno forro encurvado, tendo tábuas um pouco mais estreitas que demais

entomos (laterais). Existência de cimalha nos extremos e de dois rodilhos presos ao forro na

parte da frente.

Policromia azul em todas as laterais, teto e fundo do nicho, tendo, porém, a

ornamentação da tribuna cor branca com frisos dourados.


4 - FUNDO ORIGINAL DO NICHO DO ALTAR-MOR

Encontram-se depositadas, não mais no local de origem, porém, na Capela do

Santíssimo, seis tábuas que constituíam o fundo original do nicho do altar-mor.


35

Apresentam-se já restauradas. Entretanto, apesar de partes do suporte estarem


preenchidas com uma mistura de cera, parafina e breu, a camada pictórica não foi

reintegrada. Bem como, nota-se, a incompletude do conjunto.


Em vista de sua degradação, motivada pelas sucessivas repinturas e pela ação
do tempo e dos térmitas, toma-se difícil identificar com exatidão elementos formais e cores.

Percebe-se a presença de um elemento central, embora não identificável, donde

divergem traços retilíneos pretos e também de outras cores, como que sugerindo uma
espécie de resplendor. Logo abaixo deste elemento central, desenhos em tons azulados e

brancos dão idéia de nuvens, sob as quais encontra-se a representação de anjòs (apenas

cabeças e asas). Estes, por sinal, bem definidos quanto ao desenho e à cor, e, de certa
forma, diferentes dos demais, assim como o espaço, que compreende apenas as duas tábuas
centrais e logo abaixo deles, onde predomina o tom azul (quando no conjunto há
predominância do tom verde) e aparecem duas estrelas brancas, ausentes em qualquer outra

parte.
Vê-se claramente a presença de cinco anjos (apenas cabeças) presentes na parte
esquerda da composição. Um destes, bem pequeno, posiciona-se bem próximo ao elemento

central. Os outros colocam-se, na tábua seguinte, à esquerda deste.


Anjos com semblantes bastante expressivos: olhos amendoados, sobrancelhas

arqueadas, e, na maioria das vezes, ligadas ao nariz; cabelos escuros, testa grande, bocas

pequenas e fechadas; rostos, de certa forma, ovalados. Quanto às cores, há a presença de

tons de vermelho nas maçãs do rosto e nas bocas. A face apresenta o tom ocre, olhos,

sobrancelhas e narizes feitos em tom escuro.


A composição é encimada por algo que, supõe-se, ser um bandó vermelho.

5 - ALTARES LATERAIS
Retábulo do Altar de São Miguel - localizado em chanfro, na intercessão do

cruzeiro*, no lado esquerdo. Provavelmente do século XIX de autoria desconhecida.

Característica de transição dos estilos Joanino e Rococó, apresentando ornamentação com

elementos antropomorfos e elementos fitomorfos (flores e folhas de acanto); presença de


volutas e conchas.
36

Estrutura verticalizada com dossel sustentado por quartelões, tendo colunas*


salomônicas na parte externa. Entre estes, há ressaltos para peanhas, encimadas por

pequenos dosséis.
Tabernáculo tendo ao centro uma cruz, ladeada à direita por duas folhas de
parreira com um cacho de uvas central e à esquerda contendo uma espiga de trigo ao centro

de três folhas. Abaixo há uma representação de sete figuras idênticas em forma de haste
vertical ligada a um círculo.
Nicho delimitado por talha, possuindo pequeno trono para a colocação do santo
padroeiro (São Miguel). Porém, devido ao roubo, hoje coloca-se a imagem de Nossa

Senhora do Rosário.
No quartelão, presença de anjos e flores, encimado por capitel compósito com
folhas de acanto. Os anjos apresentam aspecto rústico, olhos amendoados e não apresentam

semblante sereno, mas feição séria. Estas imagens apresentam um inacabamento formal
vulgarmente denominado "feito à canivete". As flores mostram-se bastante simples, por
vezes assemelhando-se a lírios, orquídeas, margaridas, etc.

Coluna salomônica com terço diferenciado sustentado por volutas, tendo

capitel* compósito.
No coroamento do retábulo encontram-se anjos alados (em postura de vôo)
com rosto pequeno, apresentando roupas contendo poucas pregas, exceto parte inferior.

Observa-se uma barriga saliente nestes mesmos anjos, ao centro do coroamento, presença
de um escudo contendo uma imagem de balança talhada.

Baldaquim* sustentado por colunas e paredes, contendo lambrequins*. Frontal


da mesa com decoração simétrica, possuindo policromia branca, azul e dourada.

Retábulo do Altar de Santo Antônio ou do Sagrado Coração - localizado em


chanfro, à direita, também na intercessão do cruzeiro. Não sabendo-se ao certo, data de

construção e autoria. Característica de transição dos estilos Joanino e Rococó, porém com
uma decoração mais simplificada em relação ao outro lateral.
37

Uso de elementos antropomorfos (anjos) no tabernáculo e dossel. Elementos


fitomorfos (flores, folhas de acanto e ramos), assim como volutas e rocailles no restante do

retábulo.
Estrutura verticalizada com dossel sustentado por quartelões, tendo colunas
salomônicas nos extremos. Entre estes a existência de peanha com pequeno dossel e ao
centro, tabernáculo, contendo símbolo da cruz raiada, com base rodeada de nuvens.
Coluna salomônica com terço diferenciado, possuindo estrias diagonais,
sustentada por volutas tendo capitel compósito. Quartelão simplificado, sem anjo.
Nicho delimitado por talha, contendo pequeno trono para a colocação do santo
padroeiro. Presença de pano de fundo.

Anjos alados localizados na extremidade do coroamento do retábulo, possuindo


rostos grandes e expressivos. Vestes formando ângulos acentuados, tendendo ao

movimento. Estes anjos são maiores do que os do Altar de São Miguel. Os mesmos, como
os pertencentes ao coroamento do Altar de São Miguel, possuem uma ligeira postura

inclinada, asas distendidas, notando-se que uma mão toca o peito e a outra se encontra
levemente estendida, com as mãos abertas.

Escudo central contendo uma cruz sobre um livro-aberto.

Baldaquim sustentado por colunas e paredes, contendo lambrequins.


Policromia azul, dourada e branca.
6 - PÚLPITO

Locado mais ou menos ao centro da parede esquerda da nave, sendo


desconhecida a data de execução e autoria.

Construído em madeira de lei, contendo ornamentação sóbria com consolo

tendo formato piramidal apresentando cinco lados, com vértice voltado para baixo. Caixa
fechada, com madeira lisa possuindo uma portinhola dirigida ao altar-mor, que
provavelmente servia de acesso a uma escada. (A presença de uma passagem interna, do

púlpito à sacristia, cuja existência é afirmada categoricamente pela autora Sara Regina de
38

Souza em sua obra "A presença portuguesa na Arquitetura da Ilha de Santa Catarina -
século XVIII e XIX", 1985, p. 113; não foi confirmada e é discutível)1 .
Abaixa-voz* ornado com madeira em chanfro, possuindo lambrequim.
7 - CANCELO*
Pertencente a nave central, separando o corpo da nave dos altares laterais,

possuindo balaústres* torneados e entre estes diferenciação de cinco peças. Este cancelo
apresenta ainda divisórias talhadas contendo volutas e folhas de acanto* estilizadas.
Barrote* servindo de encaixe para os balaústres.

Sua pintura atual é a original, imitando mármore, verde para os balaústres,


bordô para as divisórias, e ambas as cores para os barrotes. Essa espécie de decoração é
citada por Bazin (1983, p. 284)2 , e, apesar de que o autor coloque este tipo de décor como,
nas outras igrejas em que foi encontrado, originalmente, de aparente caráter provisório, não

sabemos se a mesma intenção ocorre na Capela de Nossa Senhora das Necessidades.


O cancelo contém 48 peças torneadas e 8 peças talhadas, sendo que cinco peças
torneadas foram substituídas por peças sem pintura.
8 - CANCELO DA CAPELA-MOR

Separando capela-mor do corpo da nave, apresenta atualmente grande


diferenciação no que tange aos balaústres. Observa-se que dois destes foram executados
posteriormente. Os referidos balaústres (à direita), possuem diâmetro diferente dos demais e

possuem duas camadas de tinta óleo, não possuindo camada pictórica.

O cancelo está dividido em duas partes, a lateral direita e a lateral esquerda,


sendo separadas por uma escada de acesso ao altar-mor contendo quatro degraus. Ambas as
partes possuem em seu extremo uma peça talhada imitando uma coluna salomônica, tendo

capitel compósito. A base desta coluna é separada do barrote inferior, que serve de encaixe
e sustentação para os balaústres. Na lateral esquerda, próximo à parede, existência de um

balaústre talhado, apresentando diferenciação formal e em seu diâmetro.


Seus barrotes estão ligados à parede.

1 SOUZA, Sara Regina Silveira de. A presença Portuguesa na Arquitetura da Ilha de Santa Catarina - Séc.
XVIII e XIX. Florianópolis, IOESC, 1985.
2 BAZIN, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983.
39

9 - PIA DE ÁGUA BENTA


Pequena pia de mármore presa à parede, localizada à direita da entrada

principal. Possui forma de concha, sendo que parte interna do lado da parede apresenta
ressalto. No lado externo, área central, abaixo, existência de um círculo servindo como

fechamento da ornamentação.
Apresenta algumas irregularidades como pequenas rachaduras ou perda de áreas

de suporte.
10 - PINTURA DO BATISTÉRIO

Pintura sobre reboco localizado à esquerda da entrada principal, não se sabendo


data de execução e autoria. Atualmente a pintura foi restaurada e, por motivos de

conservação, transferida para a parede ao lado, e guarnecida por uma lâmina de vidro.
Representa o batismo de Cristo por São João Batista, sendo Cristo guardado

por dois anjos às suas costas.


Possui tons de verde, azul, marron, vermelho, ocre e preto.
Em setembro de 1989 foi retirada a escada de acesso ao coro e que encobria a

referida pintura. Tal fato fez com que o processo de descoloração se acelerasse, fato

causado pela luz excessiva. Também foi averiguado que o suporte apresentava estufamento,

causado pelo excesso de umidade. Observava-se a tinta escorrida sobre a pintura, devido a
restauro arquitetônico. No ano de 1993 a pintura foi restaurada.

11- BATISTÉRIO
Grande pia batismal em forma circular, atualmente locada ao centro do

batistério, tendo suporte em madeira talhada. Possui ressaltos no lado externo


assemelhando-se a uma concha ou cálice. A pia é dividida internamente em duas partes

através de uma madeira, sendo o lado direito um pouco maior. Presença de orifício para

saída de água no lado esquerdo. A pia apresenta várias intervenções, além de descolamento

total ou parcial da camada pictórica, principalmente no lado direito.


A tampa tem forma circular sobreposta externamente por um relevo em madeira

configurando um octógono, dividido em duas partes. Na face interna da tampa, situado no

lado direito, parte superior, encontra-se um pombo esculpido em madeira. Atualmente o


40

pombo apresenta a asa esquerda e a cabeça desprendidas do corpo; e perda de parte direita
da cauda. Sua coloração atual é branca com exceção do bico e das pernas que possuem

coloração amarela, ainda contendo detalhes em vermelho no bico e nos olhos. Apresenta
perda total ou parcial da camada pictórica nos mais variados pontos.
A tampa da pia é formada por duas tábuas unidas através de encaixe. Apresenta
na face interna presença de cola escorrida, a partir do pombo.

O pedestal da pia também tem suporte em madeira, tendo um lado diferenciado


dos demais por não apresentar talha (reto), forma rígida, contendo ângulos retos,

distinguindo-se da pia. Base de plinto quadrado, sobreposto por frisos.


12 - GRADIL DO BATISTÉRIO
Sem data de execução e autoria, suporte em madeira de lei torneada e vazada.

Sua talha difere totalmente das demais peças existentes na igreja, aproximando-se um pouco

da portada do Santíssimo. Policromia atual nos tons de azul.


Atualmente encontra-se circundando a pia batismal e ligado diretamente à
parede. Até 1990 apresentava apenas lateral esquerda (tomando como orientação a porta

central).
Após esta data, o gradil foi aproximado 1,15m da parede da porta central.

Foram integradas partes anteriormente inexistentes; para o fechamento do batistério e


integração do conjunto. Existência de uma portinhola de duas folhas, cuja abertura é
voltada para a escada de acesso ao coro.

OBS1: Presença de compartimento guardado por portinhola, sem função


definida.
OBS2: Esta descrição do batistério e de seu respectivo gradil foi realizada em

1991, hoje, por motivo de restauro, estes elementos foram extraídos do local em que se
encontravam.

13 - CAPELA DO SANTÍSSIMO

Altar possuindo nicho, no qual se encontra um tabernáculo e sobre este, um

pequeno trono. Preso ao trono encontra-se uma representação de uma Bíblia encimada por
41

um cordeiro branco em madeira, o qual porta uma cruz, que por sua vez contém uma

bandeira.
Por detrás e ligado ao trono há uma espécie de aura dourada, sendo o seu
suporte uma placa de compensado, coberto quase na sua totalidade por um tecido amarelo,

o qual é bordado com motivos de trigo e uvas.


Trono anteriormente citado, possui três faces à mostra, sendo que o lado

esquerdo e o centro possuem anjos e abaixo destes um trabalho em entalhe, assemelhando-

se a um rocaille.
Tabernáculo contendo uma cruz raiada com anjos ao centro embaixo,’ sendo sua
base trabalhada. Um pouco acima da cruz, existência de um anjo.

OBS: Tanto o tabernáculo como o trono não se enquadram, aparentemente ao

conjunto do altar.
Estrutura verticalizada, sustentada por dois quartelões, tendo ornamentação

simplificada, contendo anjos na parte superior.


Coroamento do retábulo também simplificado, contendo anjos, pouco

expressivos e sem talha, nos extremos. Ao centro um escudo, centrado por um ostensório e

este, encimado por uma figura de anjo em papel, colada.


Retábulo de policromia branca e dourada, encimado por um baldaquim em

madeira pouco recomendável (barata) tentando, provavelmente imitar um céu.


Frontal da mesa contendo uma figura, em gesso, de "Jesus morto". Frontal azul.
Portada possuindo duas folhas em madeira talhada e vazada. Sobre as folhas,

existência de uma parte fixa, inteira, e também vazada, a qual é encimada por uma haste
horizontal, contendo um anjo e uma roldana na sua extremidade.

Ainda acima da parte fixa, pelo lado de fora da capela, observa-se a presença de

um ornamento de fechamento em madeira, o qual possui uma representação em pintura, de

um cordeiro com cruz e bandeira, circundado por prováveis nuvens cinzas.

14-CORO

Tendo acesso através de escada tipo caracol, localizada à direita da entrada


principal.
42

Sustentado por duas pilastras de madeira com base reta em cimento, revestida

por compensado. Atualmente possui intervenções com lixa.


Este coro possui, em sua parte superior, balaustrada composta de peças

torneadas e talhadas. Monocromia atual em cor branca.


Ao entrar-se na igreja observa-se uma pintura centrada no forro. Esta pintura é

uma imagem invertida que contém a inscrição em latim "veni sancte spiritus" e a figura de

um pombo.
Policromia amarela e azul.
OBS: O coro interfere na composição da porta central, especificamente na parte

superior.
15-ARCAZ*
Locado na sacristia, sem data de execução e autoria identificados.
Este arcaz é simplificado, possuindo seis gavetões (sendo um deles substituído,
e a maioria faltando os puxadores), é sobreposto por um oratório, formando um falso altar.

Atualmente possui coloração azul com detalhes em branco sendo que parte central superior
apresenta frisos em dourado. Observa-se diferenciação da talha na parte central para

laterais.
16-PIA D A SACRISTIA
Suporte em mármore. Presa à parede possuindo mesa lisa em formato

retangular projetada à frente, sobreposta em parte a esta, uma placa de mármore em tom
ocre presa à parede. Ao centro apresenta ornamento fitomorfo contendo um orifício. Acima

desta placa há uma espécie de entablamento. Acima deste encontra-se uma abertura em arco
aprofundada na parede, a qual contém em sua parte inferior, um orifício, provavelmente

para escoamento da água.


43

Levantamento Iconológico

Símbolos

"Símbolo (uma moeda cortada em duas, cujas metades se encaixam


perfeitamente). Um significado de símbolos é a tessera hospitalitatis, costume dos antigos:

uma moeda era partida em duas metades, cada uma das quais ficava em poder de uma
amigo quando eles se separavam" (Jung, 1992, p. 290)1 .

Os símbolos são criados pelo homem no momento em que toma consciência de


si mesmo, como busca contínua do ser humano por respostas às questões cósmicas, para
conhecer e integrar-se ao universo. O homem atribui valor psicológico a objetos e formas

transformando-os em símbolos.
O homem toma consciência de sua própria humanidade ao ter uma atitude
reflexiva perante o cosmos, e ao buscar uma unidade entre si e o cosmos, que, a partir

deste ato de reflexão, tomam-se irremediavelmente dissociados. Descobre, então, a


transformação do mundo pela razão: "a aparência das coisas é obra do homem" (Schiller,

1990, p. 134)2 . O homem faz-se estético, retira a aparência da essência da realidade que vê,
e compraz-se dela (Schiller, 1990, p. 135)3 . E daí nascem os símbolos.

Henri Corbin, citado em Chevalier (1991, XVI)4 diz:

"O símbolo anuncia um outro plano racional; é a chave de um


mistério, o único meio de se dizer aquilo que não pode ser
apreendido de outra forma; ele jamais é explicado de modo
definitivo e deve sempre ser decifrado de modo definitivo e deve
sempre ser decifrado de novo, do mesmo modo que uma
partitura musical jamais é decifrada definitivamente e exige uma
execução sempre nova".

1 JUNG, Carl Gustav. Memórias. Sonhos. Reflexões. 14 ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1992.
2 SCHILLER. Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras. 1990.
3 Id. Ibid.
4 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.
44

O símbolo possibilita uma apreensão completa da realidade profunda das coisas,


muitas vezes fora da compreensão pela razão, expressando um conteúdo cognitivo, mesmo
apesar da dificuldade de acesso a essa significação, materializa-se uma ponte entre o homem
e o cosmos, e ainda, não menos importante, o homem e si mesmo. Em monografia do curso
de especialização em Arte-educação, Koneski (1993, p. 37)5 , coloca que "símbolos dão
cerne da vida imaginativa do homem, um instrumento de conhecimento, que faz a síntese da

vida material e espiritual do homem". Vivemos em uma civilização que mostra-se


desintegrada de si mesma, apesar da facilidade em que é possível obter-se informações

sobre todos os assuntos possíveis. A linguagem simbólica é como um idioma esquecido, que
é preciso resgatar, mas cujas significações também estão dentro de nós. "Os símbolos fazem
parte da realidade viva do homem tendo função de conhecimento no domínio religioso,

estético e científico" (Koneski, 1993, 37)6 .


Apesar da dificuldade em apreender completamente a significação de um
símbolo, que, segundo Jung, pode apenas ser pressentida, do contrário, resultaria na morte
do símbolo, restando-lhe apenas valor histórico (Jung, apud Chevalier, 1991, XXII)7 , o que

resulta numa imprecisão iconológica, mas que é inerente à natureza simbólica: sugestiva,
inatingível; retomaremos aqui, alguns símbolos presentes na iconografia cristã que estão
presentes na Capela de Nossa Senhora das Necessidades.

5 KONESKI, Anita Prado. Por uma poética de Siqueiros. (Monografia do curso de Especialização em Arte-
Educação) Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina, 1993.
6 Id. Ibid.
7 CHEVALIER, op. cit., XXII.
45

Os símbolos na doutrina cristã

Durante todo o período de história da igreja cristã, o uso de símbolos e figuras e

signos sempre foi frequente. Um dos motivos, segundo alguns estudiosos, talvez tenha sido
a perseguição que os cristãos sempre sofreram. A sua manifestação religiosa não era livre,
autorizada; tanto que a maioria dos seus cultos se realizava às escondidas, como em
catacumbas, por exemplo. Então, o símbolo ou semelhante poderia ser um meio de
identificar o cristão, sem muita suspeita de seus perseguidores. Da mesma forma, estes

símbolos e figuras foram transpostos para as pregações e escritos bíblicos, em parte, talvez,
com essa mesma finalidade; além de, certamente, conferirem um conteúdo aberto, sujeito às
interpretações de seus adeptos, assim como com maior profundidade e possibilidade de

transcendência. Talvez os símbolos também tenham sido utilizados como uma maneira de
explicar o inexplicável, de arrematar a realidade e os mistérios divinos; de significar estes e

conferi-los a uma doutrina religiosa.


Esse sentido figurado, como os católicos assim o denominam hoje, é bastante

constante em toda a escritura bíblica, especialmente nos evangelhos, parte que trata da vida

de Jesus com relevância. Caso este sentido simbólico não existisse e se se interpretasse os
escritos literalmente, por certo haveriam muitas contradições entre si e até com a própria

doutrina. Podemos concluir então que, nesse caso, ou os evangelistas foram muito
descuidados e não refletiam no que escreviam ou então incluíram estas "dificuldades" para

alertar o leitor sobre o sentido mais profundo (a mensagem) que pretendiam transmitir. Vale
citar aqui que os símbolos também fazem parte de todo um processo cultural universal,

coletivo e que podem "vir à tona", muitas vezes, inconscientemente.


"Na realidade, ao usar o sentido figurado ou simbólico, os evangelistas
pretendem precisamente resgatar da estória ou anedota a figura de Jesus" (Mateos &

Camacho, 1991, p. 199).


Segundo Mateos e Camacho (1991, p. 201), se constata nos evangelhos uma

estrutura acabada, de um uso apropriado da metáfora e do símbolo, uma referência


46

constante e criteriosa no Antigo Testamento, o que provaria que os autores eram capazes

de fazê-lo.
Ainda segundo eles: "Supõe-se que os evangelhos não sejam obra de um só
homem (por isso nunca mencionam seu autor); nascem em uma comunidade de crentes que
medita sobre o que Jesus significa para eles e faz com eles e, a esta luz, interpretam sua
história passada"1 .
Os mesmos estudiosos ainda comentam que a expressão simbólica tinha suas
raízes na cultura herdada ou ambiente, a qual era interpretada através de símbolos pelos

evangelistas para expressar uma mensagem.


Já Chevalier e Gheerbrant (1991, Introdução XV) especificam a dependência
do simbolismo cristão à antiguidade greco-romana e ao oriente próximo e médio antigos.

Percebe-se então que a linguagem simbólica na história cristã foi e ainda é

relevante. Jesus mesmo usou de parábolas nas suas diversas pregações (Ex: Matteus
13;25,14ss; Lucas 19,llss;10, 25ss, etc.), assim como de alegorias, de maior dificuldade de
compreensão (Ex: João 10; 10,19; 15,1-6), as quais também aparecem no Antigo

Testamento, como em Juizes 9,7-20; Ezequiel 17 e IReis 22,19-22,...

Uma linguagem repleta de compromissos, espírito e sentimento. A fé cristã


"supera" a história, neste sentido; entretanto sem poder prescindir dela.

1 MATEOS, Juan & CAMACHO, Fernando. Evangelho: figuras & símbolos. São Paulo: Paulinas. 1991, p.
201.
47

ALTAR
"Em todas as religiões, o altar é o centro do culto sacrifical (hebzabah =
sacrificar, raiz de = mizbeah altar). O altar é o sinal da presença divina" (León-Dufour,
1972, c. 40).

Segundo Paulo: "aqueles que comem as vítimas não estão acaso em comunhão
com o altar?" (ICoríntios 10,18). "No sacrifício perfeito, o sinal dá lugar à realidade: o

Cristo é ao mesmo tempo sacerdote, vítima e altar" (Id. Ibid.).


Primeiramente, o altar era como que um memorial do fator divino (cf. Gênesis

12,7s;13,18;26,25), assim como lugar das libações, dos sacrifícios e das ofertas de perfume.

Transforma-se em lugar de culto e de expiação (provavelmente ligado à simbologia do


cordeiro). E o altar simboliza a presença de Javé, que possivelmente os visitaria através do

sacrifício (A.T. Matteus 5,23s). Então os sacerdotes tornam-se ministros exclusivos do


altar.

Com a vinda de Cristo, onde o novo templo que é seu corpo, já não há outro
altar a não ser Ele (Hebreus 13,10), uma vez que Ele se oferece como vítima perfeita.

Santifica-se pelo altar.

O Apocalipse já fala do altar celeste, sob o qual estão os mártires (6,9;8,3), de


ouro e fumaça perfumosa.
O altar é microcosmo e catalisador do sagrado, para onde convergem todos os

gestos litúrgicos, todas as linhas arquitetônicas; reúne em si a simbólica do centro. "O altar
simboliza o recinto e o instante em que um ser se toma sagrado, onde se realiza uma
operação sagrada" (Chevalier & Gheerbrant, 1991, p. 40).

Na igreja católica, o altar é o centro; o lugar do sacrifício e de encontro com a

divindade; símbolo da pureza virginal (por isso, era normalmente de pedra natural); centro
da unidade. O altar do cristão é essencialmente a mesa do sacrifício, realizado em forma de

Ceia eucarística, como a mesa da Última Ceia do Senhor. E pois, o lugar em que se toma

presente o sacrifício da cruz. E mesa onde o povo de Deus é convidado, bem como é centro

de ação de graças.
48

Este mesmo altar, que é beijado pelo sacerdote a cada missa e é motivo de
reverência dos cristãos é, por assim dizer, o próprio Cristo presente no Sacramento da
Eucaristia, por consequência, também símbolo dos mesmos cristãos.

Na Capela de Nossa Senhora das Necessidades notamos a presença de um altar


principal, o altar-mor; onde se encontram várias imagens de santos, inclusive a do padroeiro
da paróquia e um entalhe mais rico em ornatos e detalhes. Situa-se ele na nave central da
Capela. Também vemos a presença de dois altares laterais, nas naves laterais da capela: na

direita, o altar dedicado a Santo Antônio inicialmente; hoje com a imagem do Sagrado
Coração de Jesus; e na esquerda, o outro, dedicado a São Miguel Arcanjo, atualmente com

a imagem de Nossa Senhora do Rosário. As imagens de São Miguel e de Santo Antônio


originais não se encontram mais na Capela em vista de terem sido roubadas.

Essas nomenclaturas dos altares provém de uma iconografia específica.


Contudo, é em frente ao altar-mor, que encontramos o altar-mesa, único, a que nos
referimos nesta parte da descrição iconológica, onde se realizam hoje as consagrações

eucarísticas, embora os demais também contenham uma espécie de mesa.

(Ver anexos - figura 1)


49

TABERNÁCULO

"O tabernáculo é primeiramente mencionado no livro do Êxodo


como uma tenda repleta de israelitas durante o seu perambular
pelo deserto. Isto foi usado como um lugar de sacrifício e
adoração (culto). No costume cristão, denota o receptáculo no
qual está guardado o 'pyx' (receptáculo no qual a hóstia é
carregada ao doente), ou cibório, contendo elementos
consagrados da Eucaristia. Três tabernáculos são símbolo da
Transfiguração"1 .

O tabernáculo, segundo os costumes cristãos, é a morada visível do Deus da


aliança no meio do seu povo e garantia da benção de Javé. Segundo a Epístola aos Hebreus,

o tabernáculo era apenas a sombra das coisas vindouras, uma figura dos tempos novos, nos

quais Cristo iria abrir aos homens o acesso direto ao trono da graça de Deus (Hebreus 9,1-
14).

Na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, vemos a presença de dois


tabernáculos, estando presentes um em cada altar lateral e ambos entalhados com alguns

símbolos (uns eucarísticos) na face exterior da porta e outro terceiro, junto à Capela do
Santíssimo.

Segundo comentários, o tabernáculo também é lugar de cálices com hóstias

consagradas, relicários, ostensórios, etc.


(Ver anexos - figuras 2.a.; 2 .b .; 2.C .; 8; 11; 17)

HÓSTIA

"No cristianismo, é o Cristo, cujo sacrifício na cruz e a partilha


do pão na Ceia são comemorados pela liturgia da Eucaristia. O
corpo sacrificado e ressucitado do Cristo é, então, representado
e simbolizado pelo pão sem lêvedo em forma de disco fino, dito
hóstia, distribuído na comunhão. Sua forma e composição tem
suscitado toda uma floração de símbolos no sermonário: a
pequenez da hóstia significaria humildade; sua forma, a
obediência perfeita; sua finura, a economia virtuosa; sua
brancura, a pureza; a ausência de lêvedo, a benignidade; o

1 FERGUSON, George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, 1961, p.
168-9.
50

cozimento, a paciência e a caridade; a inscrição que leva, a


discrição espiritual; as espécies que não perdem a identidade, sua
permanência; a circunferência, a perfeição consumada. (...)
(Atribuído a Santo Tomás de Aquino)"2 .

Na comunhão dos cristãos católicos, o celebrante lhes oferece a hóstia e diz:


"Corpo de Cristo". Seu sangue e corpo, na verdade, o pão e o vinho, numa unidade,

lembrando a Ressurreição de Cristo.


São Paulo diz: "Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos,
formamos um só corpo, porque todos nós comungamos de um mesmo pão" (lCoríntios

10,17).
(Ver anexos - figuras 2.b.; 2.c.; 8.b.)

2 CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, p. 197.

51

COROA

A figura da coroa aparece, na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, no


centro e no alto do altar-mor; logo acima da representação de uma pomba. É em alto
relevo, atualmente na cor cinza e encimada por um globo com uma cruz.

A coroa, no seu simbolismo, assimila o caráter transcendente de uma realização


qualquer bem sucedida.

"Sua forma circular indica a perfeição e participação da natureza


celeste, de que o círculo é símbolo. Ela une, na pessoa do
coroado, o que está abaixo dele e o que está acima, mas fixando
os limites que, em tudo que não é ele, separam o terrestre do
celestial, o humano do divino. Recompensa de uma prova, a
coroa é uma promessa de vida imortal, a exemplo da vida dos
deuses (...). Concebe-se, desde logo, que a coroa simboliza uma
dignidade, um poder, uma realeza, o acesso a um nível e a forças
superiores. Quando ela termina em forma de domo, afirma uma
soberania absoluta"1 .

Pela palavra, a coroa se aproxima de "corno" e exprime a mesma idéia:

elevação, poder, iluminação. Fora, outrora, feita de pontas, como cornos, raios de luz.
Talvez seja esse o sentido da coroa crística.
A coroa tende a assimilar aqueles que as levam à divindade; símbolo de

identificação.

C. G. Jung verá na coroa irradiante o símbolo por excelência do grau o mais


elevado da evolução espiritual.

Nos escritos judaico-cristãos, a coroa está associada à coroa real ou sacerdotal


(Êxodo 28,36) pois, sendo Deus o soberano supremo, pode coroar os homens e os povos

com suas bênçãos (Ezequiel 16,12; Isaías 62,3). Também à idéia de honra, grandeza, júbilo
e vitória, e desta última, à vitória escatológica. No Apocalipse (14,14), Cristo aparece como

soberano, triunfante, coroado como o próprio Deus.

1 CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, p. 289.
52

Ainda de acordo com os costumes judaico-cristãos, a coroa cabe ao atleta


vitorioso nos jogos e combates do estádio, ou seja, ao cristão fiel e merecedor. A ele, a
"salvação eterna" (Tiago 1,12; 1 Pedro 4,5), a coroa da vida (Apocalipse 2,10), imortal.
A coroa também aproxima-se do sentido da guirlanda que os iniciados recebem
no culto que tem mistérios; o que leva ao questionamento se ela não poderia simbolizar a

iniciação cristã, o batismo. Também há correlação da coroa com os ritos medievais da


consagração das virgens, cerimônias idênticas ao do sacramento do matrimônio.
Há ainda alusões à coroa como símbolo da "presença de Cristo". No Novo

Testamento fala-se da coroa da vitória dos cristãos contra o mal, sobretudo ná coroa do

martírio.
Coroa como sinal de vitória, distinção, homenagem, alegria, poder, recompensa
e glória. Nas muitas representações religiosas a coroa está bastante presente e, por várias

vezes, talvez substituída por halos, auréolas, resplendores, grinaldas, etc. com este sentido.
Normalmente está junto de Santos Mártires, denotando que eles são de sangue "real". É ela

atributo de Santa Elizabete da Hungria, Santa Catarina de Alexandria, Santa Catarina de


Siena, São Luís da França, etc. Também a coroa é constantemente representada junto das

figuras de Cristo glorificado: na sua ressurreição, ascenção ao céu e como rei dos céus e/ou
da terra, por exemplo. "O Senhor reina, vestido de majestade" (Salmos 93,1). Ainda hoje se

prestam festas pelos católicos em honra a Cristo-Rei. Por vezes, este Cristo vem na imagem

da realeza com trono, cetro, manto e coroa. Também nas imagens de Maria, a coroa é
muito comum, principalmente nas passagens de sua assunção, coroação como Rainha do

Céu e nas representações de suas aparições.


Como já foi mencionado, a coroa pode apresentar-se de diversas formas e

materiais. Com muitos santos, ela ainda aparece na forma de uma coroa de espinhos,

evocando a dor e o sofrimento, como em Cristo.


A coroa de espinhos feita pelos soldados de Pilatos (Marcos 15,16-18; Mateus

27,29; João 19,2.5) é uma coroa régia por zombaria, paródia, como o manto de púrpura e o

cetro de cana. Contudo, os evangelistas viram neste gesto uma profecia da verdadeira
53

realeza de Jesus; conforme a inscrição da cruz: "Jesus Nazareno, rei dos judeus" (v. Mateus

27,37;27,29) (v. João 18,34-36).

Entretanto, a coroa que está na Capela de Nossa Senhora das Necessidades está

relacionada com a figura da pomba, ou seja, da terceira pessoa da Santíssima Trindade, o

Espírito Santo. Podemos pressupor que ela traz o mesmo sentido da Santidade, da glória e

principalmente da iluminação, um atributo do Espírito Santo. Vê-se ainda em muitas

representações, a coroa junto da Trindade Santa, não se referindo, normalmente, a nenhuma

das três pessoas em especial. Contudo, são três deuses em um, segundo os cristãos e, então,

onde está um, estão os demais.

Todavia, como já foi comentado que a coroa poderia ter relação com o

Batismo, a explicação do contexto pode aí se encontrar, porque a figura do Espírito Santo é

relevante neste sacramento.

Outra suposição pode ser a da presença da coroa nas festividades do Divino

Espírito Santo (a forma da pomba); onde vemos as figuras do rei e rainha da festa com os

respectivos adereços reais, dentre os quais, a coroa.

Porém, é mais certo que ela ali se encontra para dar à figura da pomba o caráter

de divindade, de Espírito Santo.

(Ver anexos - figuras 3.a.; 2.c.; 12.a.)


----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

54

BALANÇA

O motivo de explanar-se um pouco sobre este símbolo é o de ele estar presente

na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, no escudo do coroamento do altar lateral de

São Miguel.

"A balança é conhecida na qualidade de símbolo da justiça, da


medida, da prudência, do equilíbrio, porque sua função
corresponde precisamente à pesagem dos atos. No plano social,
trata-se de emblemas da função administrativa e da função
militar, (...). A balança como símbolo do Julgamento é apenas
uma extensão da aceitação precedente da justiça divina. (...).
Muitos autores bíblicos fazem a aproximação das noções de bem
e de verdade com a balança, como, por exemplo, em Jó 31,6-7:
'Que Deus me pese sobre balanças justas e ele conhecerá minha
integridade'. (...) No pensamento judeu, os demônios aparecem
sempre privados de poder em relação ao que é equilibrado. (...)
O conhecimento é uma ciência exata e rigorosa: é pesado na
balança. (...) Essa medida rigorosa, nós a encontramos tanto na
ordem do conhecimento quanto na pesagem das almas e dos
metais. O equilíbrio simbolizado pela balança indica um retomo à
unidade. (...). O equilíbrio realizado pelos pratos fixados um
diante do outro, portanto, significa uma posição para além dos
conflitos, que pertencem ao tempo-espaço, à matéria. É a partir
do centro da balança e da fixidez do ponteiro que as oposições
podem ser encaradas como aspectos complementares"1 .

Vê-se, então, que à balança cabem as noções de equilíbrio, principalmente de

opostos; direito, justiça, medida, ordem, desdobramento, destino e ainda equilíbrio de todas

as forças naturais, de todas as coisas feitas para serem unidas, segundo Devoucoux.

Normalmente, São Miguel porta de uma balança; uma vez que é Ele o Arcanjo

do julgamento, o responsável pela pesagem das almas. Isto, segundo a iconografia cristã; o

que explica então a representação feita no altar da capela de nosso estudo.

O São Miguel da doutrina cristã é um dos três anjos a que a Bíblia dá um nome.

Em Daniel 10,13.20-21; 12,1; ocupa alto grau na hierarquia dos anjos e o cuidado do povo

judeu lhe foi entregue. Em geral, colocam-no como um dos sete anjos que estão diante do

1 CHEVALIER. Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, p. 113-4.
55

Senhor (Tobias 12,15; Apocalipse 1,4;5,6;7,2). No N.T., está citado em duas passagens:

Apocalipse 12,7 e Judas 9.

(Ver anexos - figuras 4; 4.a.)


56

A LETRA "M"

Designamos esta nomenclatura por supormos que o emblema trabalhado na

parte da frente do "frontal" do altar-mor, da Capela de Nossa Senhora das Necessidades,

refire-se à letra "M". E como que um M estilizado, ornado, assemelhando-se a um

monograma; só que, de uma só letra. Há quem diga que são duas letras: um "A" e um "M";

relacionando-se com a palavra "Ave-Maria".

Os monogramas são muito freqüentes na história da igreja cristã. Inscrições

como JHS ou IHC, PX e INRI são exemplos disso. Contudo, a nossa letra "M", não

encontramos referências escritas. Pesquisando em representações de imagens sacras,

percebemos uma letra M, normalmente junto de uma cruz, a qual está sempre presente na

figura do escapulário da imagem de Nossa Senhora do Escapulário, bem como no próprio

objeto, quando só. Também o ”M" aparece em figuras de objetos sacros, como altares,

terços, medalhas, etc. e ainda bastante associado à imagem de Nossa Senhora; o "M" ligado

à Virgem Maria.

Logo acima do Frontal do altar mor, na Capela em questão, encontramos um

nicho reservado à imagem de Nossa Senhora das Necessidades, uma das faces da Virgem

Maria. Então, podemos até sugerir que a letra faça relação à dita imagem. Assim como

Nossa Senhora das Necessidades é motivo de veneração de fiéis em aflições, necessidades,

como o próprio nome diz, o escapulário também possui um sentido de apelo. Eis mais uma

inter-relação, com a letra "M" em comum.

(Ver anexos - figuras 5; 5.a.; 5.b.)


57

LIVRO

"O livro, quando usado como um símbolo na pintura


renascentista, tem um número de significados, dependendo da
pessoa a que se refere. O livro nas mãos dos Evangelistas e
Apóstolos representa o Novo Testamento. Nas mãos de Santo
Estevão, ele representa o Antigo Testamento. Nas mãos de
alguns outros santos, ele geralmente significa que o santo foi
famoso por sua aprendizagem ou por seus escritos. Isto é assim
usado nas pinturas de Santa Catarina de Alexandria, os Doutores
da Igreja, São Tomás de Aquino, e Sãó Bernardo de Clairvaux.
Nas pinturas que dizem respeito a ordens monásticas, o livro,
acompanhado de uma caneta ou 'pena' tinteiro, indica que o
indivíduo foi um autor (...). O livro aberto, na mão de um
fundador de uma Ordem, é símbolo das normas desta. (...). Santo
Antônio de Pádua é frequentemente representado com um livro
perfurado por uma espada"1 .

Na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, o livro aparece principalmente

como motivo, no coroamento do altar lateral dedicado a Santo Antônio de Pádua, o que

explica a relação. Embora apareça aberto, abaixo de uma cruz e não perfurado por uma

espada, como já foi mencionado, ele possui relação com o santo. Porém, a espada, segundo

os cruzados, era fragmento da "Cruz de Luz" e também a espada é o Verbo, a Palavra,

segundo a simbologia. E conforme a doutrina cristã, "o Verbo (Cristo) se fez carne e

habitou entre nós" e morreu numa cruz, como contam as Escrituras. Então, percebe-se que

há um pequena relação entre cruz e espada. Além disso, ambos os símbolos podem ter

ligação com a morte, o martírio, a dor; assim como com a iluminação.

Ainda, no Apocalipse, o Livro da Vida está no centro do Paraíso, onde se

identifica com a Árvore da Vida, uma designação que o mesmo Apocalipse conferiu à figura

da cruz. Pode-se então sugerir o porquê da junção dos dois símbolos, assim como o livro

pode referir-se às palavras do crucificado, à Bíblia.

Um livro aberto ainda significa que a matéria está fecundada, onde o conteúdo é

tomado por quem o investiga, comparado a um coração que oferece seus pensamentos e

sentimentos.

1 FERGUSON, George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, 1961,p.
171.
58

E o livro nas representações religioso-cristãs é muito comum; quer com

elementos sacros como cálices, cruzes, estolas, hóstias, velas, onde normalmente faz alusão

à liturgia da Palavra e à Bíblia; quer com outros objetos e figuras como uvas e trigos, faixas,

terços, flores (lírios), pombos e imagens de anjos e santos. Pode vir aberto, fechado, em

diversos tamanhos, formas e cores, com ou sem inscrições e/ou letras e desenhos.

(Ver anexos- figuras 6; 6.a.; 8.b.)


VIA-SACRA

Só para não deixarmos de fazer referência, a via-sacra apresenta-se na Capela

de Nossa Senhora das Necessidades, na forma de catorze telas, pintadas e dispostas sobre

as várias paredes do local. Não há data e autoria definidos.

A via-sacra lembra, nada mais, nada menos, que toda a imagem da paixão e

morte de Jesus Cristo. A igreja católica a apresenta sob a divisão de quatorze estações, que

vão desde a condenação de Jesus até o seu sepultamento. Há hoje a presença de uma

décima quinta estação, que remete à Ressurreição de Cristo, a qual é posterior na história

da igreja e ainda não é comum a todos os católicos.

Como o próprio nome sugere, a via-sacra iniciou com a peregrinação de

cristãos pelas ruas de Jerusalém, que procuravam seguir os passos de Cristo em seu

martírio; logo após a sua morte. A tradição se fez e é muito lembrada ainda hoje pelos

católicos, especialmente durante a semana santa.

Muitos artistas utilizaram da via-sacra como motivo para suas obras, quer

escultóricas ou pictóricas.

(Ver anexos - figura 7)


60

CORDEIRO

Figura esta representada no cimo do portal da Capela do Santíssimo, portado de

uma espécie de estandarte, sendo que o mastro deste se faz em forma de uma cruz. Ainda é

este cordeiro circundado por representações de nuvens e volta a ser visto também no altar

do interior da Capela, com características semelhantes.

OS ANIMAIS CONFORME AS ESCRITURAS

"O mundo animal constitui a parte da criação visível que mais próxima está do

homem" (Léon-Dufour, 1972, c. 56)1 . Um parentesco particularmente sentido pelos

hebreus, que viviam em contato permanente com os animais.

"É por esta razão que muitas vezes a Bíblia utiliza, para ilustrar
as suas descrições, a aptidão dos animais para exprimir certas
atitudes humanas: o inimigo é chamado de cão (Salmos 22,17);
uma tropa de invasores vem a ser uma nuvem de gafanhotos
(Isaías 33,4); (...) muitas vezes o povo é comparado a um
rebanho (Parábola de Natã 2Salmos 12,1-4; Jeremias 23,1-8;
Ezequiel 34; João 10,1-16); o cordeiro serve até para representar
o Cristo (João 1,29; Apocalipse 5,6...), e a pomba o Espírito
Santo (Mateus 3,16p)"2 .

Contudo, como colocam a Lei de Moisés, os profetas e sábios; os hebreus

deveriam afastar-se da idéia de ter os animais como motivos de idolatria (Sábios 15,18s; cf.

Romanos 1,23; Sabedoria 15-16; Ezequiel 39,4.17-20; Apocalipse 19,17s. 21).

Segundo o "Vocabulário de Teologia Bíblica" (Voigt, 1972, p. 58)3 o animal e o

homem são seres de mesma origem, com a comum denominação de "viventes" e unidos por

um liame fraterno, onde a ajuda é mútua (Números 22,22-35; IReis 17,6; Jonas 2; Jó 38,39-

39,30; Gênesis 9,9ss.). No entanto, a superioridade do homem sobre o animal é clara

segundo certas observações bíblicas (Ex: Gênesis 2,20; Gênesis 2,18-23; Gênesis 9,2s;

Gênesis 1,26-30 e Salmos 8,6-9).

1 LÉON-DUFOUR. Xavier et alii. Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes. 1972, c. 56.
2 Id. Ibid.. c. 56.
3 Id. Ibid., c. 58.
61

"Entretanto, a existência dos animais ferozes realiza e representa a revolta da

natureza contra o homem e a desordem que se introduziu no mundo. Tal situação é

resultado do pecado do homem"4. Todavia, segundo as Escrituras, no fim dos tempos,

voltará a idade de ouro, em que o lobo habitará com o cordeiro (Isaías 11,6-9; Oséias 2,18).

"(...) No caso dos animais da Bíblia, e através deles, todo o


drama da salvação se encontra representado e às vezes mesmo
vivido: revolta; idolatria; distinção puro-impuro (Gênesis
7,8;8,20; Levítico 11; Deuteronômio 14); obediência à lei
mosaica; penitência; oferendas e sacrifícios; participação na
salvação na arca de Noé; submissão escatológica. Desfigurada
pela serpente demoníaca, ameaçada pelo dragão satânico, a
criação é salva e será finalmente transformada graças ao
sacrifício daquele que é o Cordeiro de Deus"5 .

A IMPORTÂNCIA DO CORDEIRO NA PALESTINA

A existência de vários termos como gado miúdo (Gênesis 4,2; Êxodo 22,1);

ovelha (Gênesis 31,38); cordeirinho (Deuteronômio 32,14); carneiro (Deuteronômio 14,4);

cordeiro (Esdras 6,9) e ainda um termo específico para o cordeiro de um a três anos,

próprio para o sacrifício (Levítico 3,7) comprova a relevância que o rebanho de ovelhas

tinha nas terras da Palestina; estas nas quais Jesus passou a maior parte de sua vida,

segundo a história. O cuidado com o rebanho era notável, uma vez que os ovinos tinham

considerável lugar nos sacrifícios de ação de graças e pelo pecado. "É por excelência o

animal do sacrifício e nenhuma festa israelita se realiza sem que muitos cordeiros sejam

imolados (Levítico 1,10;3,6;4,32 etc.)" (Vincent, 1969, p. 129)6 .

CORDEIRO PASCAL

O cordeiro pascal é um símbolo cheio de significado conforme as Escrituras. Já

quando Isaac foi poupado de ser sacrificado; seu pai, Abraão, ofereceu no lugar um

cordeiro para exprimir sua atitude diante de Deus. Contudo, o cordeiro adquire um

significado especial na Páscoa dos judeus.

4 Id. Ibid.
5 Id. Ibid.. c. 59.
6 VINCENT. Mons. Albert. Dicionário bíblico. São Paulo: Paulinas. 1969. p. 129.
62

"A Páscoa era para os hebreus uma festa muito antiga e foi
provavelmente por causa dela que Moisés pediu ao faraó
permissão de ir celebrá-la no deserto (Êxodo 5,1-3). Naquela
ocasião era uma festa da primavera que consagrava e resgatava
as primeiras crias do rebanho e os primeiros feixes da recente
colheita. Consistia pois na manducação de um cordeiro macho ou
de um cabrito sem defeito nascido naquele ano (Êxodo 12,3-11;
Números 9,10-12; Deuteronômio 16,2-6), acompanhada de pão
sem fermento"7 .

A Páscoa no Antigo Testamento, a principal festa dos judeus, possui uma

etimologia incerta. É muito provavelmente a fusão de duas festas, antes independentes entre

si: a festa dos pães ázimos; festa agrária de povos nômades e semi-sedentários (israelitas);

mais a festa primitiva, talvez anterior a Moisés, é uma festa de nômades, festa das primícias

do rebanho (Ex 13,11;34,19), conforme a citação anterior. Esta festa invocaria a proteção

de Javé sobre os rebanhos, sendo que um dos seus ritos seria aspergir sangue nas soleiras e

umbrais das portas da casa, como que pedindo proteção da ira divina. Somente mais tarde

veio esta festa a ter o cunho histórico, a libertação do Egito, festa da liberdade.

"Quando Deus decidiu libertar seu povo cativo dos egípcios,


ordenou aos hebreus que cada família imolasse um cordeiro 'sem
defeito, macho, de um ano' (Êxodo 12,5), o comesse à tarde e
com o sangue do mesmo marcasse as vergas da sua porta.
Graças a este sinal, eles iriam ser poupados pelo Anjo
exterminador que viria ferir de morte a todos os primogênitos
dos egípcios. Dando um sentido mais rico a esse tema primitivo,
a tradição judaica atribuiu um valor redentivo ao sangue do
cordeiro: 'Por causa do sangue da Aliança da circuncisão, e por
causa do sangue da Páscoa, eu^vos libertei do Egito' (Pirqe R.
Eliezer, 29; cf. Mekhilta sobre Êxodo 12). Foi graças ao sangue
do cordeiro pascal que os hebreus foram resgatados da
escravidão do Egito e que eles desde então puderam tornar-se
'nação consagrada', 'reino de sacerdotes' (Êxodo 19,6), ligados a
Deus por uma aliança e regidos pela Lei de Moisés"8 .

Percebe-se então que, com a libertação do "povo de Deus" do Egito,

atravessando o Mar Vermelho e entrando no deserto pelas mãos de Moisés, a Páscoa

7 Id. Ibid.
8 LÉON-DUFOUR et alii. op. cít., c. 178.
63

adquire novo significado, novos fatos juntaram-se à festa que já era celebrada antes desta

ocasião (Êxodo 12,1-13,16). A Páscoa então passa a ser a festa da saída do Egito; da

salvação do povo por Deus.

Já no Novo Testamento, temos a vinda de Jesus Cristo que, como pertencente

ao povo de deus, também celebra sua Páscoa. Por isso, reúne seus discípulos para a festa.

Com Ele, renova-se o significado da Páscoa.

"(...) em vez de pão, oferece seu próprio ser, simbolizado pelo


corpo e sangue. É por isso que: 'tomou o pão, deu graças, partiu
e distribuiu-o a eles dizendo: Esse é o meu corpo que é dado por
vós, fazei isto em minha memória. E, depois de comer, fez o
mesmo com o cálice, dizendo: Este é a nova aliança em meu
sangue que é derramado em favor de vós (Lucas 22,19s.)"9 .

Em vista disto, nota-se uma relação entre o cordeiro e o pão; este último

substituindo o primeiro, uma vez que agora o próprio Cristo ("Agnus Dei”) se coloca como

o cordeiro a ser imolado em favor dos homens. - "Cristo, nossa Páscoa, foi imolado"

(lCoríntios 5,7).

"A tradição cristã viu no Cristo 'o verdadeiro cordeiro' pascal


(Prefácio da Missa de Páscoa). (...). Jesus é o cordeiro (IPedro
1,19; João 1,29; Apocalipse 5,6) sem defeito (Êxodo 12,5), quer
dizer, sem pecado (IPedro 1,19; João 8,46; Hebreus 9,14), que
redime os homens a custo de seu sangue (IPedro 1,18s;
Apocalipse 5,9s; Hebreus 9,12-15). Ele assim os libertou da terra
(Apocalipse 14,3), do mundo mau entregue à perversão que
decorre do culto dos ídolos (IPedro l,14-18;4,2s), de modo que
possam daí em diante evitar o pecado (IPedro l,15s; João 1,29;
(...). Tendo, graças ao sangue do Cordeiro (Apocalipse 12,11)
vencido o Satanás, de quem o Faraó era tipo, podem eles entoar
'o cântico de Moisés e do Cordeiro' (...) que exalta a sua
libertação"10.

9 MEISTER. José Antônio. Páscoa, só um passado? Revista Mundo Jovem. São Paulo. 232. 20. Abr. 1992.
10 LÉON-DUFOUR et alii. loc. cit.
64

O apóstolo Paulo, em sua carta, não propõe um ensinamento novo sobre o

Cristo-Cordeiro, mas se refere às tradições litúrgicas da Páscoa cristã, bem anteriores. Já

frente à cronologia joânica, o próprio fato da morte de Cristo teria fornecido o fundamento

dessa tradição.

"Jesus foi levado á morte na véspera da festa dos ázimos (João


18,28; 19,14.31), portanto no dia da Páscoa, à tarde (19,14),
justamente na hora em que, segundo as prescrições da Lei, se
imolavam os cordeiros no Templo. Depois da morte, não lhe
quebraram as pernas, como aos outros condenados (19,33), e o
evangelista vê nesse fato a realização de uma prescrição ritual
referente ao cordeiro pascal (19,36; cf. Êxodo 12,46)"n .

Acerca da Páscoa cristã nota-se então que desde os primórdios os cristãos

celebravam em memória de tudo o que o Senhor realizava para a salvação do mundo: a

instituição eucarística, sua morte na cruz e a ressurreição.

"Mas nem sempre estiveram de acordo sôbre a maneira de proceder. Todavia, a

maior parte da igreja adotou, como festa principal correspondente à Páscoa judaica, o dia-

aniversário da ressurreição, que se fixou, irrevogavelmente, em um domingo" (Vincent, op.

cit., p. 387.).

A Páscoa, sob uma visão escatológica, traz consigo a idéia de que o mistério

pascal terá para o cristão seu arremate com a morte, a ressurreição e o encontro do Senhor.

A Páscoa terrestre prepara para eles essa última "passagem", essa Páscoa do além.

CORDEIRO DE DEUS

Em todas as missas diz-se ou canta-se: "Cordeiro de Deus, que tirais o pecado

do mundo, tende piedade de nós"; e "Eis o cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do

mundo".

"No quarto Evangelho (1,29.36) João Batista chama Jesus duas


vezes o Cristo, a primeira vez com o acréscimo: 'Que tira o
pecado do mundo', conforme a interpretação mais ou menos
tradicional, essas palavras indicam Jesus como 'o cordeiro
enviado por Deus', que há de ser sacrificado pelo mundo, isto é,

11 Id. Ibid.. p. 179.


65

por judeus e gentios, expiando e, por conseguinte, tirando o


pecado do mundo. (...) Não é justificável limitar apriori as idéias
do Batista a um só aspecto do messianismo, ainda mais porque
também a pregação cristã une, na mesma fé, os dois aspectos de
Jesus: cordeiro pascal e juiz celestial"12.

E interessante notar aqui, que São João Batista é tido, muitas vezes, como o

precursor do Messias, o seu anunciador; aquele que preparou os caminhos para a vinda do

Salvador e, muitas vezes, também, ele é representado em imagens portando de um

estandarte, muito semelhante ao que surge junto das representações do cordeiro. O

estandarte, cuja simbologia será melhor explicada mais adiante, talvez simbolizando, nesse

caso, o anúncio da boa-nova, a vitória de Jesus Cristo sobre o pecado e a morte que estaria

por vir. Este João, um pregador, que portava a bandeira como se ela a marcasse como

seguidor de Cristo, foi o mesmo quem batizou Jesus. E o cordeiro já porta do estandarte,

talvez com a conotação de vitória já alcançada; é Cristo, na verdade, que a tem; pois Ele se

fez cordeiro.

"João Batista viu o espírito descer sobre Nossa Senhora e, em nome daquele

que o enviara a batizar na água (1,26), mostra ser Jesus aquele que anunciava (1,30), aquêle

que batiza no Espírito Santo (1,33), o Filho de Deus (1,34). Assim, estas expressões

explicam e completam o título de 'Cordeiro de Deus' (1,29)"13.

A mesma relação cordeiro-Jesus surge ainda em muitas partes da história e sob

a visão de diversas pessoas.

Conforme São João Cris. e Santo Agostinho, o cordeiro seria apenas o símbolo

de pureza e inocência; "tirar o pecado" então significaria que o Messias deveria fazer

desaparecer o pecado do mundo e fazer reinar a justiça e não no sentido de "expiar pela

morte".

Já o profeta Jeremias, perseguido por seus inimigos, se comparava a um

"cordeiro que é levado ao matadouro" (Jr. 11,19). Uma imagem aplicada depois, por Isaías,

ao Servo de Javé (equivalência no aramaico), que, morrendo para expiar os pecados de sua

12 JEREMIAS, J. Cordeiro de Deus. In: Dr. A. Van den Bom (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia.
Petrópolis: Vozes, 1971. c. 297-98.
13 VINCENT. op. cit.. p. 129.
66

povo, aparece como um cordeiro levado ao matadouro, e "como uma ovelha muda diante

de quem a tosquia nem abriu a boca" (Is. 53,7) ou ainda aos cordeiros sacrificais do culto

judaico.

Sobretudo no Apocalipse, o Cordeiro é o magnífico símbolo e o nome do Cristo

sacrificado, mas glorificado (5,6;8,12, etc.), tudo junto 30 vezes. É pela força do cordeiro

sacrificado que os eleitos serão salvos; embora ainda se conservando a idéia de Cristo-

Cordeiro Pascal (Apocalipse 5,9s). Cristo, sendo cordeiro na sua morte redentora, é, ao

mesmo tempo, um leão cuja vitória (lembrar o estandarte) libertou o povo de Deus. Ele

agora governa junto, o Reino Celeste, consagrando-se "Rei dos reis e Senhor dos' senhores"

(Apocalipse 17,14; 19,16...). O Cordeiro se faz então pastor para conduzir os fiéis às fontes

de água viva da bem-aventurança celeste (Apocalipse 7,17; cf. 14,4).

"Do cordeiro (animal) sacrificado ao cordeiro-Cristo até hoje,


seus fiéis, o rebanho. Deus é o pastor por excelência (Ezequiel
34,23). É o pastor de Israel (Gênesis 48,15;49,24). (...) O
Messias, ao chegar, encontrou seu povo como ovelhas sem
pastor (Mateus 9,36; Marcos 6,34). Jesus se apresentou como o
Bom Pastor, conhecedor de suas ovelhas, delas conhecido e
dando sua vida por elas (João 10,11-16.26-29); aumentará seu
rebanho com as ovelhas que ainda estão fora"14 .

"Nosso Senhor compara seus fiéis a ovelhas que devem imitá-lo


em suas virtudes peculiares (João 10,1-27). Pedro recebeu de
Nosso Senhor o poder de apascentar seus cordeiros e suas
ovelhas, quer dizer, o rebanho e seus pastores. Cristo chama seus
discípulos de ovelhas e de cordeiros (Mateus 10,16; Lucas 10,3)
e, no fim do mundo, porá à sua direita as ovelhas que significam
seus servos fiéis (Mateus 25,32-33)".

Após todas as explanações acerca do cordeiro, especialmente dentro da

doutrina cristã, percebemos qual o seu grau de importância como um elemento simbólico.

Em muitas civilizações, a figura do cordeiro surge na sua alvura imaculada e gloriosa,

particularmente dentro do cristianismo. Traz a idéia de triunfo, passagem, renovação, etc. É

justamente essa função arquetípica que faz do cordeiro a vítima perfeita, própria para

14 Id. Ibid.. p. 387.


67

assegurar a salvação. "Foi sem dúvida a fim de evitar qualquer confusão de cultos e crenças

(...) que o Concílio, reunido em Constantinopla em 692, ordenou que a arte cristã passasse

a representar o Cristo na cruz não mais sob a forma de cordeiro, nem rodeado pelo sol e

pela lua, mas com a figura humana"15 .

Entretanto, as representações do cordeiro não foram deixadas de lado, como

pode-se notar na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, por exemplo, o que nos

motivou ao presente texto. O cordeiro é o símbolo favorito para representar Cristo e o mais

usado no período da arte cristã e ainda é bastante freqüente nas imagens religiosas. Quer em

igrejas, cartões, talhas, etc,, encontramos com uma constância relevante, as imagens com a

idéia do Bom Pastor. Jesus e as suas ovelhas, o seu povo escolhido e também pecador.

Olhando para elas, como que cuidando-as ou até ensinando-as; tendo-as nos braços ou

tocando-as serenamente; correndo com elas ou buscando a ovelha perdida (entre os

espinhos) são algumas dessas representações.

O cordeiro ou às vezes um animal que tenha relação (cervo, veado, alce,

cabrito...) também costumam aparecer junto à símbolos eucarísticos, talvez lembrando a

passagem da imolação para a vida na Eucaristia. Também costuma ser representado junto

de uma cruz-estandarte, como já mencionamos, podendo sugerir a idéia de vitória sobre a

morte e o pecado. Na igreja em Santo Antônio de Lisboa, o encontramos conforme a última

descrição, sendo ainda, em uma representação, circundado por nuvens, talvez ligando-se

com a idéia de que ele governa junto à glória celeste.

Cordeiros são ainda encontrados junto à imagens de santos, às vezes; com Santa

Inês e São João Batista, por exemplo. Junto com esse último, foi muito comum na

Renascença; onde se tinha o cordeiro ao lado de São João infante, especialmente. Nesse

caso, a figura do cordeiro, como já descrevemos, alude à missão de São João, como

anunciador de Cristo.

"O cordeiro (Latim, agnus) é dado como um atributo de Santa Inês, que foi

martirizada porque declarou ser a noiva de Cristo e recusou-se a casar. Isto também é

15 CHEVALEER. Jean & GHEERBRANT, Alaín. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio. 1991, p. 288.
68

encontrado como sendo um atributo de São Clemente, que foi guiado por um cordeiro até o

lugar onde encontrou água"16 .

"No dia seguinte João viu Jesus, que vinha ter com ele, e disse: Eis o cordeiro

de Deus, eis o que tira o pecado do mundo" (João 1,29).

(Ver anexos - figuras 8; 8.a.; 8.b.; 8.c.; 9)

16 FERGUSON. George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, 1961. p.
21.
69

ESTANDARTE/BANDEIRA

A bandeira pode ser vista como um pendão ou insígnia, uma espécie de

estandarte, de objeto que serve de sinal distintivo de um povo (Números 1,52;2,2;21,9 em

que se aplica, neste último caso, à serpente de bronze). Também pode ser vista como

motivo de diferenciação de um grupo, corporação, entidade, general, associação, posto

(cargo), etc. Pode também significar um sinal para ajuntamento, comando, reunião; bem

como pode trazer a idéia de alerta; chamar a atenção para algo ou designar um indício de

guerra.

Como no Egito e na Assíria, assim também em Israel a divindade tinha o seu

estandarte (Êxodo 17,15s).

"(...) Na iconografia hindu: a bandeira vitoriosa é signo de guerra


e, por conseguinte, de ação contra as forças maléficas. No
taoísmo, os pendões são chamamentos, convocações (dos
espíritos, das divindades, dos elementos)e, simultaneamente,
proteção mágica. Isso porque, na China antiga, os estandartes
não eram somente as insígnias dos grupos ou dos chefes, mas
continham efetivamente o espírito e a virtude desses grupos e
chefes. O caracter wu designa o estandarte e a 'essência'. E se,
por um lado, os estandartes fincados no alqueire das sociedades
secretas são instrumentos de chamamento à ação, guerreira ou
espiritual, por outro lado, efetivamente são os substitutos dos
Ancestrais das lojas que representam, e não apenas seus
emblemas: são a presença protetora desses ancestrais no recinto
da loja; no simbolismo da Maçonaria, igualmente, faz-se menção
a estandartes"1 .

Símbolo de proteção, concedida ou implorada. O portador de uma bandeira ou

de um estandarte ergue-o acima de sua cabeça. De certo modo, lança um apelo ao céu, cria

um elo entre o alto e o baixo, o celeste e o terreno. Jeová é minha bandeira, diz o texto do

Êxodo (17,15); o que significa: Deus é minha proteção. Entre os semitas, as bandeiras

sempre tiveram um papel importante. No plano cristão, a bandeira simboliza a vitória do

1 CHEVALIER. Jean & GHEERBRANT. Alain. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991. p. 402.
70

Cristo ressuscitado e glorioso. Toda procissão litúrgica, durante o tempo pascal e ascenção,

inclui o emprego de bandeiras2 .

Como já foi mencionado na citação, a bandeira faz uma grande alusão à glória

do Senhor Jesus, quer na sua festa maior, a da Ressurreição (Páscoa); quer na sua ascenção

ao céu. Esta talvez seja a explicação mais cabível para a bandeira que se encontra junto ao

cordeiro representado no interior da Capela de Nossa Senhora das Necessidades - a relação

com a vitória do Cordeiro de Deus, imolado em favor dos homens, mas, que no fim, saiu

glorioso.

"O estandarte, usualmente com a cruz, é o símbolo da vitória.


Isto alude ao Imperador Constantino, o qual, vendo uma cruz
nas nuvens e por isso sendo convertido ao cristianismo, incluiu-a
no desenho de sua bandeira. Na arte cristã, o Cordeiro de Deus
freqüentemente porta de um estandarte com uma cruz,
simbolizando a vitória sobre a morte vencida, pelo martírio de
Cristo. O próprio Cristo carregou um estandarte somente
quando, levantando da sepultura, na descida ao inferno e na
aparição na terra depois da ressurreição e antes da ascenção. São
João, o Batista, é freqüentemente representado com um
estandarte, onde inscreve-se uma cruz ou com as palavras em
latim Ecce Agnus Dei (Eis aqui o Cordeiro de Deus)"3 .

Assim como São João Batista anuncia e guarnece a bandeira de Cristo, da

Ressurreição e Salvação, vários outros santos a tem como atributo, como São Jorge da

Capadócia e Santa Úrsula, dentre outros. Muitas vezes também se apresenta nas mãos de

Cristo, em imagens que denotam sua Ressurreição.

Também dentro da tradição cristã, muitos estandartes e bandeiras simbolizam

santos, congregações e ordens religiosas. No caso da Capela de Nossa Senhora das

Necessidades, vemos que, além de aparecer apegada ao cordeiro, também está, em outro

ponto da Capela, representando o Apostolado (do Sagrado Coração de Jesus), bem como

outra chama a atenção para a irmandade do Divino Espírito Santo, existente no local.

2 Id. Ibid.. p. 118-9.


3 FERGUSON, George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press. 1961. p.
170.
71

Freqüentemente nas festas do Divino Espírito Santo, muitas bandeiras acompanham a

procissão.

"Ao passarem do Cristo à alma, as bandeiras significam (...) a sublevação (...) e

a elevação (...) do espírito. A bandeira é elevada, o homem a estende acima de sua cabeça e

assim o faz com a contemplação voltada para os bens celestes. Estar suspenso acima da

terra é ser iniciado nos segredos divinos"4 .

(Ver anexos - figuras 8.c.; 9; 9.a.; 10)

4 CHEVALEER & GHEERBRANT. op. cit.. p. 119.


72

BATISMO DE JESUS

A passagem bíblica que discorre sobre o Batismo de Jesus também está

representada, em um afresco, agora restaurado, que se encontra nos fundos da Capela de

Nossa Senhora das Necessidades. Devido a isso, é válido que se comente um pouco acerca

do tema.

BATISMO

"Banhar-se, lavar os pés, lavar as mãos, aspergir são ações rituais


simbólicas que fündamentalmente significam purificação
espiritual, condição para o homem se aproximar da divindade. O
rito de ablução encontra-se em numerosos povos. Pela ablução
cultual quer-se, por um lado, tirar o impuro, o pecado e, por
outro, trazer a salvação, possibilitar nova vida. A ablução mais
abrangente é o banho como, por exemplo, no culto de Isis entre
os gregos. A aspersão deve ser considerada com um banho
parcial (...) No Ajitigo Testamento temos numerosos exemplos
onde se lê que só os limpos podem aproximar-se de Deus. O
gesto adquire mesmo uma eficácia sacramental de purificação.
Jesus se opõe às abluções meramente exteriores (cf. Marcos
7,1021) dos judeus1'1 .

"O substantivo 'batismo' deriva do verbo baptein/baptizein, que


significa 'mergulhar, lavar'. O batismo é uma imersão ou uma
ablução. O simbolismo da água como sinal de purificação e de
vida é por demais frequente na história das religiões para que a
sua presença nos mistérios pagãos possa causar surpresa. Mas as
semelhanças com o sacramento cristão são puramente exteriores
e não alcançam as realidades profundas"2 .

A ÁGUA

Tem uma função purificadora marcante, principalmente no Antigo Testamento.

Ali aparece no dilúvio (IP 3,20s) e na passagem do mar vermelho, por exemplo.

A água, elemento essencial nos Batismos, além de indispensável para a vida, é

um dos símbolos arquetípicos. No Antigo Testamento é vista como dom benéfico de Javé,

necessidade vital.

1 BECKHÀUSER, Fr. Alberto. Símbolos Litúrgicos. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 11.


2 LÉON-DUFOUR. Xavier et alii. Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes. 1972, c. 91.
73

No entanto, a água também tem o aspecto destruidor (enchentes, fortes chuvas,

maremotos, etc.), sendo, no mundo judaico, o mar, símbolo do reino da morte.

"Junto com o sangue e o fogo, a água era usada em todo mundo


antigo como meio de purificação. Para o tempo final de Israel, os
profetas esperavam que Deus orvalhasse a terra e o povo com
água purificadora, que eliminaria a idolatria e infundiria espírito
novo em seu interior (Isaías 44,3; Ezequiel 26,25 ss; Zacarias
13,1 s). A água se converte em símbolo do Espírito de Deus, que
limpa e elimina o mal"3 .

Os Evangelhos conservam os dois sentidos simbólicos da água: déstruidor e

vivificante. Quando o objeto é submergido/mergulhado, equivale ao primeiro sentido

(objeto penetra no líquido-contato exterior), o de morte. Porém, quando o objeto é somente

tocado/infiindido/embebido, refere-se ao sentido vivificante (líquido penetra no objeto-

contato interno). O Batismo de João é o de submersão, da água 'destruidora'. O homem

mergulha e sai renovado, limpo de sua vida passada e pecados. Em outro sentido, Jesus fala

de seu batismo referindo-se à sua morte e á de seus seguidores (Marcos 10,38s; Lucas

12,50).

O BATISMO CRISTÃO

"Essencialmente, um rito religioso, mas para o cristão, o sacramento pelo qual

nos tomamos cristãos, filhos de Deus e da Igreja" (Vincent, 1969, p. 78)4 .

Ainda conforme os cristãos, o batismo é o primeiro dos Sacramentos. Junto

com a Crisma e a Eucaristia, forma os chamados "Sacramentos da Iniciação Cristã".

Segundo São Paulo, o Batismo é símbolo do morrer e ressuscitar com Cristo

(Romanos 6,3-4).

Na Igreja primitiva as pessoas eram, normalmente, batizadas por imersão. Hoje,

faz-se por infusão; em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

3 MATEOS, Juan &. CAMACHO. Fernando. Evangelho: figuras & símbolos. Sâo Paulo: Paulinas. 1991. p.
55.
4 VINCENT, Mons. Alben. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulinas. 1969. p. 78.
"João Batista anunciava o batismo no Espírito e no fogo
(Mateus, 3,1 lp). O Espírito é o dom messiânico prometido. O
fogo é o julgamento que começa a realizar-se na vida de Jesus
(João s,18-21;5,22-25;9,39). Ambos se instauram no batismo de
Jesus que preludia o dos seus fiéis. Paulo vê o batismo cristão
anunciado na passagem do mar Vermelho que livra Israel da
servidão (1 Coríntios 10,15). Sua realização afetiva começa em
Pentecostes que é como que o batismo da Igreja no Espírito e no
fogo"5 .

O BATISMO DE JOÃO

Quase todas, senão todas as religiões tem seu batismo ou rito de entrada na

comunidade. João Batista prega o batismo de conversão: Ele está bem na linha dós profetas

quando acrescenta o batismo à sua pregação. Porém, a prova de que existe algo de novo

neste ato simbólico está em que seus discípulos deram-lhe o cognome de Batista unido ao

nome de João (Marcos 1,4-8; Mateus 3,1-12; Lucas 3,2-17; João 1,19-28).

"O batismo de João pode ser comparado ao batismo dos


prosélitos. Este último introduzia no povo de Israel; o batismo de
João realiza uma espécie de agregação à verdadeira posteridade
de Abraão (Mateus 3,9s), ao resto de Israel, já agora subtraído à
ira de Deus (Mateus 3,7.10p) e na espera do Messias que vem. É
proposto ao povo judaico todo e não só aos pecadores e aos
prosélitos. E um batismo único, dado no deserto, visando o
arrependimento e o perdão (Marcos l,4p). Inclui o
reconhecimento dos próprios pecados e um esforço de conversão
definitiva que o rito deve exprimir (Mateus, 3,6ss). João insiste
na pureza moral; não pede aos publicanos nem aos soldados que
abandonem as suas funções (Lucas 3,10-14) o batismo de João
só estabelece uma economia provisória: é um batismo de água,
preparatório ao batismo messiânico no Espírito Santo e no fogo
(Mateus 3,1 lp; Ato dos Apóstolos 1,5;11,16;19,35), purificação
suprema (cf. Salmos 51) que inaugurará o mundo novo e cuja
perspectiva parece aqui confundir-se com a do julgamento. Na
realidade, o dom do Espírito, enviado pelo Messias glorificado,
distinguir-se-á do julgamento (Lucas 3,16sp)"6 .

Hoje, todavia, o batismo para os cristãos, não é mais o de João, que era

destinado a preparar os caminhos do Messias e sim o batismo trazido por Nosso Senhor

Jesus, o qual supõe fé e torna-se o ato oficial da entrada na Igreja (Atos 2,38;8,16; 19,3-5).

5 LÉON-DUFOUR et alii. op. cit., c. 93.


6 LÉON-DUFOUR et alii. op. cit.r c. 92.
75

BATISMO DE JESUS

Jesus não precisava ser batizado. Batizando-se, porém, deu a entender ao povo

sua missão, isto é, mostrou que tomou sobre si os pecados dos homens (Marcos 10,45).

Seu batismo significa o início de um caminho de compromissos que o levou à morte na

cruz. Jesus também mandou batizar. Disse: "Ide por todo o mundo, ensinai todas as

criaturas e batizai. Quem crer e for batizado será salvo; quem não crer será

condenado "(Marcos 16,15-16).

"Apresentado-se para receber o batismo de João, Jesus se


submete à vontade do seu Pai (Mateus 3,14s) e se coloca
humildemente entre os pecadores. Ele é o Cordeiro de Deus que
toma assim sobre si o pecado do mundo (João 1,29.36). O
batismo de Jesus no Jordão anuncia e prepara o seu Batismo 'na
morte' (Lucas 12,50; Marcos 10,38), enquadrando assim a sua
vida pública entre dois batismos. E também o que quer dizer
João evangelista quando refere que a água e o sangue escorreram
do lado de Jesus transpassado (João 19,34s) e quando afirma que
o Espírito, a água e o sangue estão intimamente unidos (lJoão
5,6-8). O batismo de Jesus por João é coroado pela descida do
Espírito Santo sob a forma de pomba e pela proclamação, pelo
Pai Celeste, da sua filiação divina. A vinda do Espírito sobre
Jesus é uma investidura que responde às profecias (Isaías
11,2;42,1;6,1); é ao mesmo tempo o anúncio de Pentecostes, que
inaugurará o batismo no Espírito, para a Igreja (Atos 1,5; 11,16)
e para todos os que nela entrarem (Efésios 5,25-32; Timóteo
3,5ss). O reconhecimento de Jesus como Filho anuncia a filiação
adotiva dos crentes, participação na de Jesus e consequência do
dom do Espirito (Gálatas 4,6). Com efeito, o 'batismo na morte'
deve conduzir Jesus à sua ressurreição, então, recebendo a
plenitude do Espírito, a sua humanidade glorificada será
construída 'Espírito vivificante' (ICoríntios 15,45), comunicando
o Espírito aos que nele crêem"7 .

Leituras bíblicas complementares: Marcos 1, 9-15; Lucas 2, 21-2.

Após a exposição do tema, percebemos a relevância da representação do

Batismo de Jesus na Capela. Uma imagem simples no seu conteúdo formal, mas rica em

conteúdo iconológico. Pintada na parede junto ao Batistério, o que explica a escolha e

7 LÉON-DUFOUR et alii, op. cit.. 92-3.


76

apropriação do motivo. Sem data e autor definidos; lá está, restaurada e contribuindo

enormemente para explicação de algumas atitudes cristãs e engrandecendo o conjunto

artístico da Capela.
(Ver anexos - figuras 8.c.; 10)
77

TRIGO E UVAS

O trigo e as uvas são símbolos frequentemente utilizados na religião católica e

outras; quer em representações pictóricas, ornatos, talha, etc; quer na liturgia (parábolas) e

cerimônias cristãs.

Na Capela de Nossa Senhora das Necessidades encontramos essas figuras

ladeando a imagem de uma cruz entalhada, na portinhola do Tabernáculo do altar lateral de

São Miguel.

Indubitavelmente esses símbolos, de modo geral e conforme a tradição cristã,

estão ligados ao pão e ao vinho da Santa Comunhão, os quais, por sua vez,' designam

respectivamente, o corpo e o sangue de Jesus Cristo.

1. TRIGO
Inicialmente trata-se de uma planta da família das gramíneas, de cujos grãos se

faz a farinha e com esta, o pão. Em hebraico, o trigo possui muitas denominações

(Deuteronômio 8,8; Êxodo 22,6; Juizes 15,5). Ele ainda aparece em muitas parábolas de

Jesus, como na do "semeador" Mateus 13,3-9; Marcos 4,14-20; Lucas 8,12-16), onde

representa a palavra divina. Já na parábola do campo de trigo (Marcos 4,26-29), o grão de

trigo, semeado em campo bem preparado, germina por sua própria força. Dentre outras

passagens bíblicas, ainda há a do "campo do pai de família"(Mateus 13,24-43 e a parábola

"dos dois dispenseiros" (Lucas 12,42;22,31). Jesus também compara-se ao grão de trigo,

que morre para produzir (João 12,24).

" O redentor anuncia sua morte ignominiosa e sua ressurreição que, sob o

símbolo do grão de trigo, desenvolve os germes de vida (João, 12 24-25)" (Vincent, 1969,

p. 489).

O PÃO

O pão, produto do trigo, como dom de Deus, é para o homem uma fonte de

força (Salmos 104,14s), um meio de subsistência imprescindível (Amós 4,6; cf. Gênesis
78

28,20). Por isso, na oração por Jesus, onde encontramos: "(...) o pão nosso de cada dia nos

dai hoje(...)", o pão parece resumir todos os dons que nos são necessários (Lucas 11,3).

Todavia, o pão se destina também a ser partilhado, comungado entre todos,

como gesto de amizade (Salmos 41,10=João 13,18) e caridade (Provérbios 22,9; Ezequiel

18,7.16; Jó 31,17; Isaías 58,7). Paulo lembra que todo dom vem de Deus, a começar pelo

pão.

Na Igreja cristã, a "fração do pão" designa enfim o rito eucarístico do pão que é

partido em favor de todos: o Corpo do Senhor se toma a própria fonte da unidade da

Igreja. (Atos 2,42; 1 Coríntios 10,17)1 .

Conforme o livro do Gênesis, no Antigo Testamento, Deus disse ao homem

pecador: "Comerás o teu pão com o suor da tua fronte" (Gênesis 3,19).

Encontramos ainda referências ao pão no relato da multiplicação dos pães, o

maná do deserto (Mateus 14,20p;15,37p; cf. João 6,12); o milagre operado por Eliseu

(2Reis 4,42ss); Jesus convidando seus discípulos a pedir o "pão cotidiano" (Mateus 6,11).

"O pão é enfim o dom supremo do tempo escatológico, seja para


cada um em particular (Isaías 30,23), seja no festim messiânico
prometido aos eleitos (Jeremias 31,12). As refeições de Jesus
com os seus preludiam assim o festim escatológico (Mateus
11,19p), e sobretudo o banquete eucarístico, onde o pão que
Cristo dá aos seus discípulos é seu Corpo, verdadeiro dom de
Deus (Lucas 22,19)"2 .

Ainda, segundo o Gênesis, o rei-sacerdote Melquisedec oferece pão e vinho ao

seu Deus criador com a intenção de reconhecimento (Gênesis 14,18ss). Por muitas vezes os

pães ázimos (sem fermento) acompanhavam os sacrifícios (Êxodo 23,18;34.25), as festas da

primavera dos israelitas (Êxodo 23,15;34,18) e as festas de Páscoa. Também o pão é

associado à Palavra de Deus. Ter fome de pão é ter fome da Palavra (Amós 8,11; cf.

Deuteronômio 8,3; Isaías 55,lss). Também para Jesus o pão envoca a palavra divina da qual

se deve viver a cada dia (Mateus 4,4).

1 LÉON-DUFOUR. Xavier et alii. Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes. 1972. c. 709.
2 Id. Ibid.. c. 710.
79

0 emprego do pão no culto vem a ter a sua plena realização na Eucaristia; onde

a própria pessoa de Cristo imolado se identifica no pão (a "hóstia" das missas). O pão,

agora corpo de Cristo. O pão da vida e do céu (João 6,32.35.51) a ser tomado para a união

dos fiéis. Jesus se faz corpo no pão, alimento da alma e se diz o pão da vida, descido dos

céus, donde, quem o comer, jamais sentirá fome novamente.

2 . UVAS
Representando geralmente o vinho eucarístico, sempre estão muito ligadas ao

sangue, pelo vinho.

Os vinhedos, comuns na Palestina, são tão somente apreciáveis pelo seu fruto

(Ezequiel 15,2-5; João 15,6; Juizes 9,13). Na vinha um mistério: se alegra o coração do

homem (SI 104,15), há aquela cujo fruto é a alegria de Deus.

A vinha, no Antigo Testamento é símbolo frequente de Israel. Deus a dotou de

fecundidade, mas pode continuar estéril (Isaías 5,1-5; Jeremias 2,21; Ezequiel 19,10-14).

Nas escrituras, vemos que Deus insiste sobre a necessidade de o sarmento estar

unido ao tronco a fim de dar frutos (João 15,1-11). Encontramos a vinha ainda em relação a

Noé (Gênesis 8,21;9,20), que a planta em vista da bênção recebida por Deus. Também Deus

promete e dá ao seu povo uma terra rica em vinhas (Números 13,23s; Deuteronômio

8,8;28,30.39).

Vinha como imagem de sabedoria; imagem da esposa fecunda do justo (Salmos

128,3; Cânticos 7,13;2,13.15).

Jesus se faz a vinha perfeita, podada por Deus, que produz (João 15,1 s; Mateus

15,13), que dá seu fruto e doa seu sangue, o qual será simbolizado no vinho eucarístico, um

meio de comungar do seu amor (Mateus 26,27ssp; cf. João 6,56; 15,4.9s).

Ele é a videira e nós os sarmentos, assim como Ele é o corpo e nós os membros;

para que assim, na sua comunhão, sejamos felizes na sua glória.


80

VINHO

"Tido como um dom de Deus (Gênesis 27,28;49,11;


Deuteronômio 33,28). Segundo o Antigo Testamento, foi dado
para a alegria dos homens e consolá-los da maldição que pêsa
sobre a terra (Gênesis 5,29;9,29-27; Salmos 104[ 103], 15;
Eclesiastes 9,7; Eclesiástico 3,27).
Êle alegra o próprio Deus (Juizes 9,13) e é sinal de aliança
(Êxodo 29,38ss; Números 15,5; Levítico 23,13). O vinho está
intimamente ligado à vida; (...) Em outro lugar, diz-se que o
vinho, que é o sangue da videira (Deuteronômio 32,14), se
substituirá ao sangue de uma vítima (Deuteronômio 32,38)"3 .

Já São Bernardo vê no vinho o temor e a força. E poção de vida ou de

imortalidade. Segundo os semitas, é o símbolo do conhecimento e da iniciação, devido à

embriaguez que provoca. Para os taoístas, sua virtude está também no poder de

embriaguez. Na Grécia antiga, substituía o sangue de Dionísio (Baco) e representava a

bebida da imortalidade. Sem dúvida, é associado ao Cálice Sagrado de Cristo na Eucaristia,

o Graal, que tem o poder de conferir a imortalidade a quem dele beber, segundo a tradição.

Conforme Orígenes e o livro do Cântico dos Cânticos (2,4): "Levai-me à adega"; é a

alegria, o Espírito Santo e a Verdade. Para os místicos muçulmanos: "é a bebida do amor

divino" (Naboulousi).

No sentido religioso, o simbolismo do vinho se coloca em contexto

escatológico. No Antigo Testamento, para anunciar os grandes castigos a seu povo que o

ofende, Deus fala da privação do vinho (Amós 5,11; Deuteronômio 28,39). Em

contrapartida, a felicidade prometida por Deus é muitas vezes expressa numa grande

abundância de vinho (Amós 9,14; Oséias 2,24; Jeremias 31,12; Isaías 25,6).

No Novo Testamento, é o "vinho novo", o da nova Aliança, que faz os odres

velhos se romperem (Marcos 2,22p). O mesmo serve para o milagre das Bodas de Caná (Jo

2,10;cf. 4,23;5,25) onde o vinho das núpcias, o vinho bom esperado "até então" é o dom da

caridade de Cristo, o sinal da alegria que a vinda do Messias realiza, e o símbolo do

Espírito, que será dado na hora da morte de Jesus.

3 VINCENT. Mons. Albcrl. Dicionário bíblico. São Paulo: Paulinas. 1969. p. 499.
81

"(...) é óbvio que o cálice que Jesus partilha continha vinho, como se deduz na

perífrase 'o fruto da vinha' (Marcos 14,25 par.). O cálice, ou seu conteúdo, o vinho, que

simbolizam o derramamento do sangue de Jesus, denotam também seu amor que não se

desdiz nem diante da morte"4 .

Para o cristão, portanto, o vinho é motivo para render graças e lembrar o

sacrifício de Cristo.

O CORPO (CARNE) E SANGUE DE CRISTO

Nas Santas Missas de hoje dos cristãos, relembra-se sempre a passagem da

última ceia de Jesus com seus discípulos, reunidos para que se cumprissem as profecias.

Jesus se entrega como cordeiro, a ser imolado para a salvação dos homens, celebrando a

nova e eterna aliança.

Na noite em que ia ser entregue, abraçando livremente a paixão, Jesus ceou com

seus 12 apóstolos e, tomando o pão, deu graças e o repartiu, dizendo: "Tomai e comei

todos vós; isto é o meu corpo que é dado por vós". Depois, tomou o cálice com vinho e

disse: "Tomai e bebei todos vós; este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna

aliança que é derramado por vós e por todos os homens para o perdão dos pecados. Fazei

isto em minha memória". (Lucas 22,14-20). Fazendo assim, instituiu o sacramento da

Eucaristia.

Vê-se então que o pão toma-se o corpo morto e ressuscitado de Jesus, assim

como o vinho seu sangue. Portanto, pão e vinho tomam-se presença de Cristo. Ele, que se

faz alimento espiritual. Hoje, nas missas cristãs, quando na comunhão, o celebrante entrega

a hóstia aos fiéis dizendo: "Corpo de Cristo". Um Cristo que disse que quem comesse da

sua carne e do seu sangue bebesse, teria vida eterna e com Ele seria um só.

Em vista de toda essa abordagem, percebe-se que o trigo e as uvas tem uma

significação profunda e marcante na doutrina cristã. Constantemente representados, em

imagens sacras ou não, por variados artistas de todos os períodos, permanecem através do

4 MATEOS. Juan & CAMACHO. Fernando. Evangelho: figuras e símbolos. São Paulo: Paulinas. 1991.
63.
82

tempo e hoje costumam estar associados a outros símbolos de cunho cristão, como cruzes,

livros (Bíblias), imagens de santos, etc, e principalmente objetos ligados à aspectos

eucarísticos, como cálices, estolas, breviários, patenas, hóstias, ostensórios, etc. São

comuns ainda as representações de campos e feixes de trigo, bem como parreiras ou folhas

destas. As folhas de parreira, em certo período da história, foram utilizadas como uma

espécie de tapume (coladas) dos órgãos sexuais de figuras nuas que se encontravam

representadas em inúmeras igrejas e locais de culto cristãos.

Na capela de Nossa Senhora das Necessidades, como já mencionado, as uvas e

o trigo ladeiam uma cruz, provavelmente trazendo a idéia da redenção divina; dã "entrega"

do Salvador dos homens através do martírio na cruz, o qual, depois se faz alimento por

meio do pão (corpo) e vinho (sangue) eucarísticos, comungados pelos cristãos.

(Ver anexos - figuras 8; 8.b.; 11)


83

CRUZ

Um símbolo que está muito presente na Capela de Nossa Senhora das

Necessidades, quer em entalhes, pinturas, imagens, etc, quer em objetos sacros; assim como

em toda a história cristã; embora seja muito anterior ao cristianismo.

A cruz é um dos símbolos cuja presença é atestada desde a mais alta

Antiguidade: no Egito, na China, Creta, etc. Junto com o círculo, o centro e o quadrado,

forma o conjunto dos quatro símbolos fundamentais, sendo o terceiro deles e relacionando-

se com os demais.

Com o quadrado, a cruz simboliza a terra e está muito ligada à simbólica do

quatro (totalidade). É ela base de todos os símbolos de orientação, nos diversos níveis de

existência dos homens. Tem, em consequência, uma função de síntese e de medida, onde se

juntam céu e terra e se confundem tempo e espaço.

A cruz tem, ainda, o valor de símbolo ascencional e, em Tau (T) simbolizaria a

serpente fixada em uma estaca, a morte vencida pelo sacrifício.

Por vezes, "adoçada" com outros símbolos, como animais, por exemplo. Em

relevância a esta pesquisa, com a pomba e a ovelha pode-se sugerir que as virtudes brotam

da cruz como os vícios são abatidos por ela. Este, um aspecto alegórico até; que não o de

também poder exprimir uma das representações inumeráveis do Cristo. Cruz também é vida,

eternidade além de morte-humilhação.

Nas tradições judaicas e cristãs, o símbolo crucífero pertence aos ritos

primitivos de iniciação. Ainda recapitula a criação, tem um sentido cósmico.

Também a cruz, em vista de seus eixos direcionais, pode confrontar a atividade

do céu (Vertical) com a superfície das águas, passiva (Horizontal).

No Egito, a cruz ansada, que aparece com muitas divindades, vem como

emblema da vida divina e da eternidade.

Como motivo na arte africana, a cruz significa a totalidade do cosmo, em

primeiro plano. Também esse sentido de totalidade esteve na Idade Média, onde a cruz foi o

símbolo impulsionador da fé e dos ideais cristãos na luta contra os mouros e nas cruzadas;

assim como os muçulmanos relacionam os quatro braços da cruz às quatro palavras de


84

Shahada, que é a sua profissão de fé. Ainda os chineses acreditavam que Deus criou o
mundo sob a forma de uma cruz e Platão achava aue a estrutura do universo era constituída

de dois eixos que se cruzam em forma de X.

Quanto ao homem, seu corpo de braços estendidos reproduz a forma de uma

cruz, uma das representações mais primitivas, encontradas em muitos amuletos pré-

históricos.

TIPOLOGIA DA CRUZ

A palavra cruz vem do latim crux ou cruce, de onde derivam cruzado, cruzeiro,

crucial, crucifixo, encruzilhada, cruzamento, etc. Configuradamente simples: duas retas que

se cruzam perpendicularmente, simbolizando, por assim dizer, a união dos opostos, o que

traz a idéia de totalidade: homem (horizontal) e divindade (vertical) em fusão, interagindo-

se, dentre tantas outras idéias.

A cruz apresenta-se sob uma infinidade de aspectos, variando em forma,

material de que se compõe, cor, contexto onde se insere, bem como objetos ou

complementos que a envolvem.

"A cruz com um braço transversal é a cruz do Evangelho. Seus


quatro braços simbolizam os quatro elementos que foram
viciados na natureza humana, o conjunto da humanidade atraída
para o Cristo dos quatro cantos do mundo, as virtudes da alma
humana. O pé da cruz enterrado no chão significa a fé assentada
em profundas fundações. O ramo superior da cruz indica a
esperança que sobe para o céu; a envergadura da cruz é a
caridade (...); o comprimento da cruz é a perseverança até o
fim"1 .

Já o cravo central que une os dois braços significa a conversão, mudança

interior do homem.

Exemplos deste tipo são as cruzes grega e latina, muito utilizadas na arte cristã.

A cruz latina, talvez a mais comum, com a haste vertical maior que a horizontal, a qual, por

1 CHEVALIER Jean & GHEERBRANT. Alain. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio. 1991. p. 310.
85

sua vez, está acima do centro. Houve quem dissesse que esse deslocamento acontecera à

medida que a humanidade procurara se aproximar mais de Deus. Esta cruz é usada como

símbolo da paixão de Cristo; talvez em vias do que a tradição diz. Normalmente nela

aparecem cinco marcas, por vezes vermelhas, simbolizando as cinco chagas que Cristo

recebeu (marcas dos cravos, coroa de espinhos e lança). Esta cruz é atributo de muitos

santos como São Felipe, Santa Margarete, Santo Antônio de Pádua, Santa Rita de Cássia,

São Luiz Gonzaga, dentre inúmeros outros. Já a cruz grega, a de quatro braços iguais é

mais utilizada para simbolizar a Igreja de Cristo.

"A cruz com dois braços transversais representaria, no braço


superior, a inscrição derrisória de Pilatos, 'Jesus de Nazaré, rei
dos judeus'. O braço inferior seria aquele em que se estenderam
os braços do Cristo. E a cruz dita 'de Borena' mas que provém,
na realidade, da Grécia, onde é comum.
A cruz com três braços transversais tomou-se um símbolo da
hierarquia eclesiástica, correspondendo à tiara papal, ao chapéu
cardinalício e à mitra episcopal"2 .

Difere-se ainda a cruz da paixão, que recorda os sofrimentos e a morte de

Cristo; da cruz da ressurreição, simbolizando a sua vitória sobre a morte, sua glória.

Normalmente, a última é adornada com uma bandeirola ou um galhardete, ou pode aparecer

com uma forma de resplendor ou auréola, etc.

São muito conhecidas ainda: a) a cruz gamada (suástica), que não é o símbolo

do nazismo, como muitos pensam, pois este possui as hastes invertidas. Esta, originária da

Grécia e índia, representa uma mandala, um dos mais poderosos símbolos da totalidade e da

ordem. Na China e Japão, indica abundância e vida longa; b) a cruz de Santo André, que é

em forma de X, em vista da forma da cruz que o próprio santo fora crucificado, como conta

a tradição. Vem ela sendo um símbolo de humildade no sofrimento; c) a cruz egípcia, em

forma de T. Diz-se que é atribuída a São Felipe, por causa de seu martírio numa cruz deste

tipo.

2 Id. Ibid.
86

A CRUZ NA TRADIÇÃO CRISTÃ

Segundo São Paulo: "Pregamos um Cristo crucificado, escândalo para os judeus

e loucura para os pagãos" (ICoríntios 1,23), o que exprime a espontânea reação de todo o

homem em presença da cruz redentora. Por isso, na véspera da sua paixão, anuncia Jesus

que todos se escandalizarão a seu respeito (Mateus 26,31 p.).

São Paulo recebera da tradição primitiva que "Cristo morreu por nossos

pecados segundo as Escrituras" (ICoríntios 15,3), reconhecendo na Cruz a verdadeira

sabedoria e querendo conhecer só Jesus crucificado (ICoríntios 2,2).

A transição do sentido negativo da cruz para o positivo ocorreu com a

conversão do Imperador Constantino ao cristianismo, por volta de 312 d.C., e com a

abolição do uso da cruz como suplício, por influência de sua mãe, Santa Helena.

"E eles o crucificaram" (Marcos 15,24) (Marcos 15,26-27; Mateus 27,37; João

19,19.25-27).

Ainda segundo Paulo; se Jesus foi "suspenso à árvore" como um maldito, foi

para nos remir da maldição da Lei (Gálatas 3,13). Seu cadáver exposto sobre a cruz, "carne

semelhante à do pecado", permitiu a Deus "condenar o pecado na carne (Romanos 8,3).

Assim, "pelo sangue da sua cruz", Deus reconciliou consigo todos os seres (Colossenses

1,20).

No pensamento de João, a cruz é a glória de Deus antecipada, o momento em

que o Filho do homem foi "elevado" (João 8,28;12,32s). A cruz é sinal vivo da salvação. O

Apocalipse vê a cruz como o "lenho da vida", a "árvore da vida" (Apocalipse 22,2.14.19).

Jung considera a cruz, o madeiro e árvore como símbolos da figura materna e,

do ponto de vista psicológico, a crucificação representa o fim das tendências humanas de

ansiedade pela infância e pela mãe. É comum na mitologia heróis nascerem ou morrerem em

árvores3 .

Vê-se, portanto, que a tradição cristã enriqueceu prodigiosamente o simbolismo

da cruz, fazendo dela a imagem da paixão (suplício) e da salvação (presença) de Cristo, o

3 SILVA. Heloisa Maria Cardoso. A cruz que carrega o eixo da evolução. Revista Ano Zero. Rio de Janeiro.
12, 14-21. Abr. 1992.
87

Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Salvador, identificando-a com a sua

história humana. Celebram-se festas da cruz, principalmente na Semana Santa (da Paixão),

segundo o calendário religioso cristão. E a cruz reaparecerá entre os braços de Cristo no

Juízo Final.

Segundo a Bíblia, a cruz é árvore da vida (Gênesis 2,9), sabedoria (Provérbios

3,18), madeira (a da arca de Noé, a das varas de Moisés que fizeram brotar a água da pedra,

o bastão ao qual está suspensa a serpente de bronze).

"A cruz é ainda, na teologia da redenção, o símbolo do resgate devido por

justiça e do anzol que pescou o demônio" (Chevalier & Gheerbrant, 1991, p. 312).

CRUZ: SINAL DO CRISTÃO

Segundo o Antigo Testamento, os judeus marcavam suas casas com sangue de

cordeiro sob o signo da cruz. Entre os cristãos primitivos, a cruz foi logo adotada como

sinal secreto e até hoje é usada pelos cristãos, especialmente os católicos, que se benzem

com o chamado "sinal da cruz".

"Os cristãos dos primeiros séculos começaram a identificar a cruz de Cristo em

toda parte: no martelo, no machado, na charrua, nas iniciais da palavra Cristo em grego

(XP), no X, no Y, na âncora, no báculo, no candelabro, na palma, no T, nas plantas e na

própria figura da pessoa humana"4 .

Primeiramente se usava a cruz sem a imagem do Cristo (do contrário, o

crucifixo).

E a cruz se toma o sinal visível do cristão, de sua salvação; uma marca que o

identifica como "pertencente" a Cristo.

São Paulo diz: "Estou crucificado com Cristo. Já não sou eu quem vivo, é

Cristo que vive em mim" (Gálatas 2,19ss). E o próprio Jesus declarou que quem quisesse

ser seu discípulo teria que renunciar-se a si mesmo e carregar sua cruz (Marcos 8,34),

tomar sua cruz (Mateus 10,38; Lucas 14,27).

4 BECKHÀUSER. Fr. Alberto. Símbolos Litúrgicos. Petrópolis: Vozes. 1991. p. 30.


88

Segundo Jung, a cruz aponta para o Si-mesmo (self), sendo que a expressão

"cada um carrega sua cruz", em sentido mais profundo, significaria que cada homem teria

que carregar a si mesmo, a sua totalidade, Deus e animal a um só tempo. "Se alguém tiver

que suportar o peso de si mesmo, como poderá ele ainda dilacerar os outros?", indaga Jung.

Novamente a cruz como símbolo dos opostos. A crucificação do "eu", unindo a

face luminosa ou crística com a tenebrosa e satânica; a crucificação entre o "bom" e o

"mau" ladrão, como Cristo o foi. A cruz é a figura do intermediário, do mediador dos

opostos.

(Ver anexos - figuras 2; 2.c.; 3; 5.a.; 6; 6.a.; 7; 8; 9; 11; 17)


89

0 NUMERO "7"

O número 7 apresenta-se como sendo místico, misterioso, aritmeticamente

"esquisito" (único número primo sem ser múltiplo nem divisor de um outro número entre 1

e 10). Parece que seu segredo é propriedade dos deuses. Segundo Desmond Varley, está

profundamente enraizado no inconsciente coletivo, todavia não se sabe ao certo o porquê e

o como. Há quem diga que talvez viera de uma civilização perdida. Jung refere-se ao 7

como um dado que lhe escapou e cujo significado não pode ser totalmente apreendido.

Segundo ele: "na linguagem da iniciação, o 7 significa o mais alto estágio de iluminação e

seria, portanto, o cobiçado objetivo de todo o desejo.

Possui o 7 uma infinidade de interpretações e estudos. Contudo, nosso interesse

calca-se sobre a relevância deste número dentro da doutrina cristã, uma vez que é frequente

nesta.

De início, 7 é a soma de 3 e 4. Para Freud, o número 3 é um símbolo do

masculino e o 4, do feminino. Representam também, conforme certas tradições herméticas,

respectivamente: o céu, a trindade que está presente em várias religiões, o divino (3)

somado à terra, aos quatro elementos do mundo físico, ao mundano/humano (4).

Caracteriza-se assim o 7 como o número da totalização e criação; um número da conclusão

cíclica e renovação. Segundo as Escrituras, Deus criou o mundo em 6 dias, e no sétimo

(sabbath) Ele descansou (Gênesis 2,2). Descansou não no sentido exterior à criação, mas no

de coroar, concluir na "perfeição". É o que evoca a semana: 7 dias, um quarto lunar. Daí o

sentido do "sábado" do descanso e das festas que duravam 7 dias (Levítico 23,34).

Portanto, o significado qualitativo dado em toda a história das religiões pode ter sua

explicação nas admiração sentida nas origens pela regularidade da passagem do tempo em

períodos de 7 dias, acompanhando as 4 fases da lua e outras observações astronômicas.

Anteriormente, no Gênesis, vimos que Deus, ao criar o mundo, dedicou os 3

primeiros dias a criação dos "campos" onde as criaturas agiriam nos 4 dias restantes. Uma

divisão sempre reforçada nesta idéia: as 7 virtudes teologais, onde 3 são sobrenaturais (fé,

esperança, caridade) e 4 são cardeais (prudência, justiça, fortaleza e temperança) que

resume a totalidade da vida moral; os 7 pecados capitais, onde 3 pertencem ao espírito


90

(soberba, ira, inveja) e 4 ao corpo (luxúria, gula, avareza e preguiça); os 7 sacramentos da

Igreja católica, onde 3 se referem a vida espiritual (batismo, confirmação, eucaristia) e 4 à

vida mundana (penitência, ordem, matrimônio e unção dos enfermos); as 7 petições do "Pai-

nosso", das quais as 3 primeiras são dirigidas a Deus e as 4 seguintes ao homem; etc.

Na Babilônia, assim como para os hebreus, o 7 era sinônimo de plenitude. "E

teus celeiros se encherão [literalmente: 'tomar-se-ão sete'] de grãos" (Provérbios 3,10). Na

tradição judaico-cristã, são 7 os arcanjos e há 7 céus para as 7 ordens destes. São 7 também

os degraus (estados espirituais da consciência cósmica) na "escada de Jacó", bem como os

níveis de consciência na concepção hermética e os graus da perfeição.

O sete se repete continuamente no Antigo Testamento: a purificação completa

se realizava com aspersão de sangue repetida sete vezes (Levítico 16,19;4,6.17;8,11); a

vingança repetida sete vezes é a vingança completa (Gênesis 4,15); Deus vê tudo com sete

olhos (Zacarias 4,10); na idade da salvação, o sol brilhará sete vezes mais (Isaías 30,26); a

vida plena do homem é de 70 anos (Salmos 90,10; Isaías 23,15); o múltiplo de 7 é um

número redondo que inclui a totalidade (Gênesis 46,27; Juizes 20,16; Provérbios 26,16;

Jeremias 25,11; Daniel 9,24; Números 11,16; Gênesis 10 cf.; Deuteronômio 32,8); Deus

ordena que Noé leve na arca sete pares de animais e pássaros puros; no sonho do faraó fala-

se em 7 vacas gordas e 7 magras, bem como 7 espigas perfeitas e 7 secas; Moisés esperou 7

dias no monte Sinai para receber de Deus os X mandamentos; os hebreus devem semear a

terra e colher frutos durante 6 anos, deixando que ela descanse no sétimo; a cada 7 períodos

de 7 anos (ao todo 49), celebrava-se entre os hebreus um jubileu, um costume que ainda

perdura; os rabinos reconhecem sete nomes principais do Senhor; o verbo "jurar", em

hebreu, significa estar sob a influência do sete; o justo cai 7 vezes por dia (Provérbios

24,16); a imolação de 7 animais (Números 28,11; Ezequiel 45,23; Jó 42,8; 2Crônicas

29,21); os 7 anjos de Tobias 12,15; os 7 olhos sobre a pedra em Zacarias 3,9; como número

de perfeição nas visões proféticas (Isaías 30,26;4,1; Zacarias 4,2.10; Jeremias 15,9:32,9;

Ezequiel 39,9;40,22; Miquéias 5,1); candelabro de 7 braços; 7 espíritos repousando na vara

de Jessé; Salomão construiu o templo em 7 anos (IReis 6,38); a cada 7 anos os servos são

postos em liberdade e os endividados, anistiados; é usado 77 vezes no Antigo Testamento;


91

Eliseu espirra 7 vezes e a criança ressuscita (2Reis 4,35); um leproso mergulha 7 vezes no

Jordão e sai curado (2Reis 5,14); a festa pascal dos pães ázimos dura 7 dias (Êxodo

12, 15; 19).

Já no Novo Testamento: nos evangelhos, as genealogias de Jesus em Mateus

(1,2-16) e em Lucas (3,23-28), apesar de suas diferenças, estão baseadas no número 7 e

ainda segundo os dois evangelistas, Jesus multiplicou 7 pães para uma multidão de pessoas

e as sobras encheram 7 cestos (Marcos 8,5-8); João cita "a hora sétima" (Jo 4,52), as 7

semanas, os 7 milagres, as 7 menções do Cristo: "Eu sou"; uma pessoa possuída por 7

espíritos (Mateus 12,43ss par.) ou demônios (Lucas 8,2) está totalmente possuída; 70

discípulos constituem o segundo grupo missionário paralelo aos "Doze" (Lucas 10,1; Atos

6,3); 7 são os discípulos presentes em João 21,1; Pedro quer perdoar 7 vezes (Mateus

18.21); Jesus expulsa 7 demônios de Madalena (Marcos 16,9); Lamec será vingado 77

vezes (Gênesis 4,24 - A.T.) e Pedro deverá perdoar 77 vezes ou 70 vezes 7 vezes (Mateus

18.22); Cristo fala 7 vezes enquanto está pregado na cruz (Lucas 23,34; Lucas 23,43; João

19,25-27; Mateus 27,46 = Marcos 15,34; Jo 19,28s; Jo 19,30; Lucas 23,46); na pesca

milagrosa Jesus está acompanhado de 7 discípulos. E, segundo João, no Apocalipse: 7 olhos

que são 7 espíritos de Deus (4,5); 7 cartas às 7 igrejas, 7 trombetas, 7 cálices, 7

candelabros, 7 estrelas, 7 chifres, 7 anjos, 7 pragas, 7 selos, 7 trovões, 7 reis, um dragão e

uma besta de 7 cabeças, um carneiro com 7 olhos, 7 visões..., anunciando a execução final

da vontade de Deus no mundo (Apocalipse 1,12.16;3,1 ;4,5;5,1.6;8,2; 10,3; 15,1; 17,9).

Por isso, o número 7 também é o número de Satanás, que se esforça em imitar a

Deus (Apocalipse 13,1).

Também há referências à metade de 7, ou seja, três e meio (Apocalipse

12,6.14; 13,5; Daniel 7,25;8,14;9,27; 12,8.1 ls).

Existem ainda importantes referências às 7 dores e 7 glórias da Virgem Maria; 7

obras de misericórdia e 7 dons do Espírito Santo.

Através do que foi exposto, vemos que o número 7 tem uso constante em toda

a história bíblico-cristã e ainda perdura. Na Capela de Nossa Senhora das Necessidades 7

faixas representadas sob o côro partem de uma figura de uma pomba, certamente indicando
92

o Espírito Santo e seus 7 dons. Também na portinhola do tabernáculo do altar lateral de

São Miguel, encontram-se 7 figuras semelhantes, como que lembrando "gotas", logo abaixo

da imagem de uma cruz. Como se sabe, a simbologia da doutrina cristã é rica e

frequentemente seus símbolos são agrupados de forma diferenciada, o que toma difícil a

interpretação de um contexto ou grupo. Quanto às formas "em gota" abaixo da cruz,

podemos sugerir que signifiquem a paixão e o sangue de Cristo, bem como a própria

numerologia do 7 pode referir-nos à idéia de que a cruz é descanso, final de um ciclo e

início de outro; é renovação e perfeição. Também concordando com a simbologia da cruz, o

7 traz a mensagem de "totalidade".

.Ainda encontra-se em muitas representações, partindo de cálices ou cruzes,

como que espécies de rios, fluições, em número de 7, muitas vezes ligados aos 7

sacramentos.

Quem sabe as 7 figuras das "gotas" lembrem até as 7 palavras de Jesus na cruz

ou o maná do deserto. Contudo, é mais provável que as formas estejam relacionadas ao

sangue e paixão de Jesus. Na cruz, Ele sobe triunfalmente, pois é ali que funda sua Igreja,

"dando o Espírito" (Jo 19,30 - o que nos remete aos 7 dons do Espírito Santo) e deixando

"fluir" do seu lado, o sangue e a água (Jo 19,34); sangue, símbolo da vida e da alma

humana.

(Ver anexos - figuras 11; 12; 12.a.; 14.a.)


TEMPI 0

"O templo é um reflexo do mundo divino. Sua arquitetura existe


à imagem da representação do divino que têm os homens (...).
São como que RÉPLICAS TERRESTRES DOS ARQUÉTIPOS
CELESTES, ao mesmo tempo que imagens cósmicas. (...) A
própria palavra templo está ligada à observação do movimento
dos astros. (...) O templo é a habitação de Deus sobre a terra, o
lugar da PRESENÇA REAL. Todo templo situa-se, também, no
equilíbrio do PALÁCIO CELESTE e portanto no centro do
mundo. (...) O templo é a cristalização da Atividade celeste,
como indicam os ritos e métodos de cònstrução hindus. (...)
Além do resumo do macrocosmo, o templo é também a imagem
* do MICROCOSMO: é, simultaneamente, o mundo e-o homem.
O corpo é o templo do Espírito Santo (ICoríntios 6,19);
inversamente, o templo é o corpo da Pessoa divina: corpo do
Cristo estendido sobre o plano cruciforme da igreja, cuja cúpula
representa o coração. Ele falava do templo do seu corpo (João
2,21). (...) A caminhada do homem em direção ao templo é
sempre um símbolo de REALIZAÇÃO ESPIRITUAL;
participação na Redenção ao aproximar-se do altar cristão"1.

Complementos: IReis 6,3.20.23; Êxodos 27,1; Gênesis 35,9; Ezequiel 40,42.

O templo de Salomão envolve um sentido cósmico . Já Santo Agostinho nos

fala que "a igreja de pedra oferece a imagem da imensa cidade de Deus (civitas Dei) e que é

feita de todos os cristãos, da mesma forma que o edifício é composto de pedras". E este é o
sentido para a maioria dos cristãos de hoje, onde templo e igreja não significam bem a

mesma coisa.

Cristo traz uma nova visão e afirma que existe algo maior que o Templo
(Mateus 12,6). O verdadeiro não consta de pedras materiais, mas se compõe do Corpo de

Cristo. Assim, diz Jesus: "Destruí este templo e em três dias hei de reconstruí-lo" (João
2,19).

1 CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, 874-5.
94

E São Paulo comenta: "Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito

Santo habita em vós?" (ICoríntios 3,16). O conjunto dos cristãos se faz templo, igreja,

sendo Jesus a pedra angular (cf. Efésios 2,20) (v. Apocalipse 21,22).
(Ver anexos - figura 1)
95

CONCHA

Encontrada, de maneira geral, nas pinturas e talhas da Capela.

A concha, notadamente o berbigão, ou a vieira, é geralmente usada na arte

Cristã para significar peregrinação. A vieira é usada especificamente como um atributo de

São Tiago. Isto é geralmente presumido para aludir às inúmeras peregrinações que foram

feitas para o seu celebrado santuário em Compostela, na Espanha. São Roque é

frequentemente pintado vestido de peregrino com uma vieira em seu chapéu (Ferguson,

1961, p. 24)1 .

Em capítulo sobre o simbolismo das conchas, Mircea Eliade (1991)2 tece

considerações sobre o elemento em várias culturas:

"(...) encontramos a presença das ostras e das conchas nos ritos


agrários, nupciais ou fúnebres, na ornamentação de vestimentas
ou em certos motivos decorativos, embora com freqüência seus
significados mágico-religiosos pareçam estar parcialmente
perdidos ou descaracterizados. Entre certos povos, as conchas
continuam a fornecer um motivo decorativo, muito embora o seu
valor mágico nem seja mais lembrado" (Eliade, 1991, p. 124).

"(...) É graças a sua força criadora - enquanto emblema da matriz universal -

que as conchas encontram seu lugar nos ritos fúnebres. Tal simbolismo da regeneração não

se elimina facilmente: as conchas que simbolizam a ressurreição em inúmeros monumentos

fúnebres romanos passaram à arte cristã" (Id. ibid., p. 130).

Mariscos, ostras e pérolas apresentam-se "em inúmeros ritos religiosos, nas

cerimônias agrárias e iniciáticas. As ostras e as pérolas, que favorecem a fecundação e o

parto, exercem também uma influência benéfica sobre a colheita. A força representada por

um símbolo da fertilidade manifesta-se em todos os níveis cósmicos" (p. 131).

Continua Eliade:

"A virtude sagrada das conchas se transmite tanto à sua imagem


como aos motivos decorativos que têm a espiral como elemento
essencial. (...) A imagem da concha ou dos elementos

1 FERGUSON. George. Siens & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, 1961.
2 ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins
Fontes. 1991.
96

geométricos derivados da representação esquematizada da


concha colocam o defunto em comunicação com as forças
cósmicas que comandam a fertilidade, o nascimento e a vida;
pois o valor religioso está no simbolismo da concha: a imagem é
em si eficiente no culto dos mortos, quer seja representada pela
concha, quer atue simplesmente através do motivo ornamental da
espiral ou do 'COWRIE-PATTERN'. (...) Devemos acrescentar,
no entanto, que o simbolismo da espiral é bastante complexo, e
que sua 'origem' é ainda mais incerta. Ao menos, podemos
provisoriamente nos ater à polivalência simbólica da espiral, suas
relações com a lua, o relâmpago, as águas, a fecundidade, o
nascimento, a vida no além. Inclusive, como lembramos, a
concha não se vincula apenas ao culto dos mortos. Ela aparece
em todos os atos essenciais da vida do homem e da coletividade:
nascimento, iniciação, casamento, morte, cerimônias agrícolas,
cerimônias religiosas, etc." (p. 141-2).

"Enfim, é significativo o valor da longevidade que Francis Bacon


atribui à pérola. Esta é justamente uma das virtudes primordiais
dessa pedra preciosa. Sua presença, como aliás da concha, sobre
o corpo do homem, projeta-o às próprias fontes da energia, da
fecundidade e da fertilidade universais. Quando essa imagem
interior deixou de corresponder ao Novo Cosmos descoberto
pelo homem, ou quando sua memória, por outras razões,
corrompeu-se, o objeto outrora sagrado conservou seu valor,
mas este valor em si definiu-se em outro nível" (p. 145).

"(...) O valor sagrado simbólico da concha e da pérola tomou-se, aos poucos,

profano. Mas a natureza preciosa do objeto não foi atingida por este deslocamento de valor.

Nele se concentrou, em todos os momentos, o poder; ele é força e substância; enfim, ele

permanece constantemente ligado à 'realidade', à vida e à fertilidade" (p. 146).

(Ver anexos - figuras 2; 2.b.; 3; 5; 6; 8.c.; 10; 13)


97

GLOBO

Presente no coroamento do altar-mor.

Em Chevalier e Gheerbrant1 :

"Nas evocações do poder, de reis, de imperadores, de pontífices,


de deuses, o globo levado numa das mãos representa o domínio
ou o território sobre o qual se estende a autoridade do soberano
e o caráter totalitário dessa autoridade. Sua forma esférica pode
ter, com efeito, um duplo significado: a, totalidade geográfica do
universo e a totalidade jurídica de um poder absoluto. E nessa
última acepção apenas que convém interpretar o globo quando
ele designa o território limitado sobre o qual se exerce o poder
de um personagem: esse poder é ilimitado; e é o que o globo
significa".

Ferguson2 coloca o globo, em ilustração correspondente, encimado por uma

cruz, como o encontrado na Capela, como símbolo de poder, e frequentemente, como um

atributo de Deus Pai. Nas mãos de Cristo, o globo é um emblema de Sua soberania. Nas

mãos de um homem, o globo é o símbolo da dignidade imperial.

(Ver anexos - figura 3; 3.a.)

! CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, p. 472.
2 FERGUSON, George. Siens & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, p. 175.
98

POMBA

Presente no coroamento do altar-mor, esculpido na pia batismal e em pintura no

forro que corresponde ao coro


A pomba é fundamentalmente um símbolo de pureza, de simplicidade, paz,
harmonia, esperança, felicidade recuperada. Assim como pode designar o amor: "Aos olhos
do amado, a bem-amada é 'minha pomba' (Ct 2,14;5,2...)H1 .
Em Ferguson2 encontramos que:

"Na arte antiga e cristã tem sido símbolo de pureza e paz. Na


história do dilúvio, a pomba, enviada para fora da arca por Noé,
trouxe de volta um ramo de oliveira para mostrar que a água
havia baixado e que Deus tinha feito as pazes com o homem
(Gen 8).
Na lei de Moisés, a pomba era considerada pura e por essa razão
era usada como oferenda para purificação após o nascimento de
uma criança. Frequentemente José carrega duas pombas brancas
em uma cesta em cenas da Apresentação de Cristo no Templo
'E, cumprindo-se os dias da purificação, segundo a lei de Moisés,
o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor... E para
darem a oferta segundo o disposto na lei do Senhor: um par de
rolas ou dois pombinhos' (Lucas 2:22,24).
Como um emblema de pureza a pomba aparece às vezes no topo
da vara de José, para mostrar que foi escolhido para ser o marido
da Virgem Maria. Uma pomba foi vista pelo pai de Santa
Catarina de Sierra sobre sua cabeça enquanto ela estava rezando.
O mais importante uso da pomba na arte cristã, entretanto, é o
símbolo do Espírito Santo. Esse simbolismo apareceu pela
primeira vez na história do batismo de Cristo. 'E João
testemunhou: Eu vi o Espírito descer do céu, como uma pomba,
e pousar sobre Ele' (João 1,32) ['Todo o povo foi batizado.
Jesus, depois de batizado, estava rezando. Então o céu se abriu,
e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea, como
pomba.1(Lucas 3,21,22)]. A pomba, símbolo do Espírito Santo,
está presente em representações da Trindade, do Batismo e da
Anunciação de Maria. Sete pombas são usadas para representar
os sete espíritos de Deus ou o Espírito Santo em seus sete dons
de Graça. Isto se refere a Isaías 11,1,2, 'Do tronco de Jessé sairá
um ramo, um broto nascerá de suas raízes. Sobre ele pousará o
espírito de Javé: espírito de sabedoria e inteligência, espírito de
conselho e fortaleza, espírito de conhecimento e temor de Javé'.
A pomba está conectada também à vida de muitos santos. É o
atributo de São Benedito porque ele viu a alma de sua irmã

1LÉON-DUFOUR, Xavier et alii. Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972, p. 793.
; FERGUSON, George. S im s & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, p. 15-6.
99

morta Escolástica voar para o Paraíso na forma de uma pomba


branca. A pomba é usada como um atributo de São Gregório, o
Grande, porque o Espírito Santo pousou em seu ombro enquanto
ele escrevia".

(Ver anexos - figura 2.c.; 3; 12; 14; 14.a.)

I
100

FLORES

Presentes nas pinturas do forro da Capela-mor, no fundo original do altar-mor e

nas talhas dos altares em geral.

"Embora1 cada flor possua, pelo menos secundariamente, um


símbolo próprio, nem por isso a flor deixa de ser, de maneira
geral, símbolo do 'princípio passivo'. O cálice da flor, tal como a
taça, é o receptáculo da 'atividade celeste', entre cujos símbolos
se devem citar a chuva e o orvalho. Aliás, o desenvolvimento da
flor a partir da terra e da água simboliza o da manifestação a
partir dessa mesma substância passiva.
São João da Cruz fez da flor a imagem das virtudes da alma, e do
ramalhete que as reúne, a imagem da perfeição espiritual. Para
Novalis (Heinrich von Ofterdingen), a flor é o símbolo do amor e
da harmonia que caracterizam a natureza primordial; a flor
identifica-se ao simbolismo da infância e, de certo modo, ao do
estado edênico.
(-)
Com efeito, muitas vezes a flor apresenta-se como figura-
arquétipo da alma, como 'centro espiritual'. Quando isso ocorre,
seu significado se explica conforme suas cores, que revelam a
orientação das tendências psíquicas: o amarelo revela um
simbolismo solar, o vermelho, um simbolismo sanguíneo, o azul,
um simbolismo de sonhadora irrealidade. Entretanto, os matizes
do psiquismo diversificam-se até ao infinito.
Os usos alegóricos das flores são igualmente infinitos: elas
podem estar entre os atributos da primavera, da aurora, da
juventude, da retórica, da virtude, etc.".

Apesar de não ser possível identificar com precisão que espécies de flores

encontram-se nas pinturas e talhas da Capela, vamos discorrer sobre o simbolismo do lírio,

uma vez que é exaustivamente representado em diversas figuras religiosas.

LÍRIO2

O lírio é um símbolo de pureza, e tornou-se a flor da Virgem. Originalmente, no

simbolismo cristão, o lírio era usado como um atributo dos santos virgens. O lírio entre

espinhos tomou-se um símbolo da Imaculada Conceição da Virgem, decorrente da pureza

que ela preserva entre os pecados do mundo. Um incidente na vida da Virgem, a

1 CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, p. 437-8.
2 FERGUSON, George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, p. 33-4.
101

Anunciação, é particularmente associado a lírios. Em várias cenas da Anunciação pintadas


durante a Renascença, o Arcanjo Gabriel porta um lírio, ou um lírio é colocado em um vaso
entre a Virgem e o Anjo Anunciante. Por causa disto, o lírio tomou-se um atributo do

Arcanjo Gabriel.
Ocasionalmente, o Cristo Infante é representado oferecendo um ramo de lírios
para um santo. Aqui, o lírio simboliza a virtude da castidade. Como um símbolo de

castidade, o lírio é o atributo de vários santos, entre eles, São Domingos, São Francisco,

Santo Antônio de Pádua, Santa Clara e São José.


A flor-de-lis, uma variedade de lírio, é o emblema da realeza. A flor-de-lis foi
escolhida pelo Rei Clovis como um emblema de sua purificação pelo batismo, e desde
então, essa flor tomou-se o emblema dos reis da França. Por esta razão, a flor é um atributo
de São Luís da França e São Luís de Toulouse, ambos membros da casa real da França. A
flor-de-lis foi também o emblema da cidade de Florença. Como um atributo de realeza, a
flor-de-lis aparece em coroas e cetros de santos reais, e é dada à Virgem Maria como

Rainha do Paraíso.
O lírio-do-vale, por ser uma das primeiras flores do ano e anunciar o retomo da

primavera, tomou-se o símbolo do advento de Cristo.


Na tradição bíblica3 , o lírio é o símbolo da eleição, da escolha do ser amado.

Como o lírio entre os cardos,


assim minha bem-amada entre as jovens mulheres

(Cântico dos Cânticos 1,2)


Esse foi o privilégio de Israel entre as nações, da Virgem Maria entre as

mulheres de Israel. O lírio simboliza também o abandono à vontade de Deus, isto é, à


Providência, que cuida das necessidades de seus eleitos:
Observai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam

(Mateus 6,28). Assim abandonado entre as mãos de Deus, o lírio está, entretanto, melhor

3 CHEVALIER, Jean & GHEERBRÄNT, Alain. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, p. 553-4.
vestido que Salomão em toda a sua glória. Ele simbolizaria o abandono místico à graça de

Deus.
(Ver anexos - figuras 2.a.; 2,b.; 2.c.; 3; 4; 5.a.; 5.b.; 6; 6,a.; 8; 8.b.; 15; 15.a.;
15.b.)
103

FOLHA DE ACANTO

Encontrada nas talhas dos altares e nas divisórias da balaustrada.

Segundo Chevalier e Gheerbrant1 ,

"O simbolismo da folha de acanto, muito usada nas decorações


antigas e medievais, deriva, essencialmente, dos espinhos dessa
planta.
Conta certa lenda, narrada por Vitrúvio, que o escultor
Calímaco, no final do séc. V a.C. ao ornamentar um dos capitéis
do túmulo de uma menina, se teria inspirado num ramalhete de
folhas de acanto. Retém-se dessa lenda o fato de que, pelo menos
originalmente e sobretudo na arquitetura funerária, o acanto era
usado para indicar que as provações da vida e da morte,
simbolizadas pelos espinhos da planta, haviam sido vencidas.
(...) Como de tudo o que possui espinhos, fez-se igualmente do
acanto o símbolo da terra virgem e da própria virgindade, que
também significam uma outra espécie de triunfo.
Aquele que estiver ornado por essa folha venceu a maldição
bíblica. O solo produzirá para ti espinhos e cardos (Gênesis
3,18), no sentido de que a provação vencida se transformou em
glória".

(Ver anexos - figura 16; 18)

1 CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991, p. 10.
104

NUVEM

Encontrada nas pinturas do forro da capela-mor, no fundo do nicho do altar-

mor, junto ao cordeiro na portada da Capela do Santíssimo, em talha no altar de Santo

Antônio, junto a uma cruz raiada.

Sobre o simbolismo da nuvem, descreve Mateos e Camacho(1991, p. 53-4)1 :

"A conexão da nuvem com o divino mergulha suas raízes no animismo

primitivo, mas consolida-se porque dela depende a vida do homem: da nuvem procede a

chuva, vem o raio, cai o granizo, desprende-se o dilúvio destruidor. Sobretudo as grandes

nuvens, que submergem a terra nas trevas, têm efeito amedrontador".

No A.T., o símbolo da nuvem é amplamente utilizado: já no cântico de Débora,

a aparição de Javé se apresenta como tempestade (Jz 5,4s), o mesmo acontece em SI 18.

Javé aparece nas nuvens (Ez 1,14); a nuvem é a orla de seu manto que enche o templo (lR s

8,10s; Ez 10,3s); a nuvem é seu carro ou sua carruagem (Is 19,1; SI 104,3).

Deus manifesta-se veladamente na nuvem (cf. Gn 9,13ss). Esta classe de

manifestação é um dos traços característicos da história do êxodo: "A coluna de nuvem"

serve para indicar o caminho (Ex 13,21s) e, no momento da passagem do mar, interpõe-se

entre Israel e o inimigo, para proteger o povo e aterrorizar o perseguidor (Ex 14,19ss). Ela

acompanha os israelitas durante toda a viagem pelo deserto (Nm 14,14) e, a cada revelação

particular, desce sobre a tenda da reunião (Ex 33,9s).

No Monte Sinai, a nuvem escura pousada sobre o alto e percorrida por

relâmpagos ou associada ao fogo toma a presença de Javé visível, escondendo-a ao mesmo

tempo2 . Este caráter dúbio da nuvem evidencia-se de variadas formas, "a nuvem pode

significar uma dupla experiência religiosa: a proximidade benfazeja de Deus ou o castigo

d'Aquele que esconde sua face. Mais ainda, a nuvem é um símbolo ímpar em exprimir o

mistério da presença divina: manifesta a Deus, embora velando-o"3 .

Ainda em Mateos e Camacho (1991, p. 54)4 :

1 MATEOS, Juan & CAMACHO, Fernando. Evangelho: figuras & símbolos. São Paulo: Paulinas, 1991.
2 Id. Ibid.
3 LÉON-DUFOUR, Xavier el alii. Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972, c. 661.
4 MATEOS & CAMACHO, loc. cit.
105

"Nos evangelhos aparece a nuvem como símbolo da presença de


Deus na cena da transfiguração, que a nuvem cobre com a sua
sombra (Mc 9,7 par.). O texto não quer dizer que a nuvem
projete sua sombra sobre os que se encontram fora dela, mas que
ela envolve Deus e o que lhe pertence, neste caso Jesus. Os
discípulos se assustam quando Jesus e os que estão com ele
entram na nuvem. Mt 17,5 diz que a nuvem era 'luminosa',
expressando, assim, o aspecto sereno do encontro com Deus,
típico do NT, embora a presença divina assuste os discípulos (Mt
17,6).
'Chegar entre as nuvens' (Mc 13,26 par.), 'entre as nuvens do céu'
(14,62 par.; cf. Dn 7,13), significa manifestação histórica do 'ser
ocultado pela nuvem' significa novamente a entrada de Jesus na
esfera divina. Como a nuvem só oculta a figura, poderá continuar
a relação pessoal de Jesus com os discípulos.
Resumindo, pode-se dizer que o uso no evangelhos dos símbolos
da 'nuvem' não difere muito do que ocorria nas culturas
circunstantes, mas a referência a Jesus lhe dá novo sentido. A
nuvem se converte em símbolo da presença do Pai".

(Ver anexos - figuras 2.b.; 2.c.; 3.a.; 6.a.; 8.a.; 9; 10; 17; 18.d.)

f
106

ANJOS
Encontrados na pintura original do fundo do nicho do altar-mor, nas talhas dos

altares em geral.

A princípio colocaremos uma análise das várias aparições de figuras de anjos na

Bíblia, segundo Dicionário Bíblico organizado por Vincent1 :

"A palavra anjo foi decalcada do grego, que a Vulgata quase


sempre traduziu por ângelus, que corresponde ao termo hebraico
maTak, enviado. O anjo é essencialmente o mensageiro de Deus.
Os anjos à vezes são chamados: Filhos de Deus (Bené Élohim)
(Jó 1,6; SI 88,7) porque formam a corte celeste; santos
(Qedôstóm) (SI 89[88],8; Zac 14,5; Dan 8,13), porque são
puros, consagrados (cf. a visão dos Serafins em Is 6). Na visão
de Jacó em Betei, eles são simplesmente os mensageiros de
Elohim (Gen 28,12); em Jos 2,14, o exército de Javé; em Mt
18,10, os habitantes do céu; em Hebr 1,14, os espíritos. A
origem da crença nos anjos tem sua fonte na experiência religiosa
da Povo de Deus, esclarecida pela revelação. Com efeito, por
mais alto que se remonte, os anjos aparecem como manifestações
de Deus, portadores de mensagens divinas. Em Gen 22,11-18, o
anjo representa Deus, falando ora como Deus mesmo, ora como
um enviado. Tais mensageiros revestem-se às vezes de forma
humana e anunciam aos homens o que lhes foi prometido e que
deve acontecer (Gen 18). Aceitam a hospitalidade (18,3-8), mas
seu poder é grande (19,11). Constituem um mundo invisível e
Jacó os vê em sonho subindo para Deus e descendo para os
homens (28,12ss).
Em Maanaim são tão numerosos que formam um 'acampamento
de Deus'(Gen 32,2). (...).
Os israelitas crêem na existência dos anjos e em sua função no
mundo, contudo sua angelologia não está ainda elaborada. O
monoteísmo javista e, mesmo em muitos casos, a monolatria
relegou os antigos deuses cananeus à categoria de ministros
inferiores (lR s 22,19s; Jz 9,23; ISam 16,14; Jó 1 e 2). Sua
submissão, agora que Javé possui o país de Canaã, é manifesta
(Jos 5,13s). Acima deles, o anjo de Javé ocupa um lugar
eminente (Gen 16,7;22,11-15; Ex 3,2-6). Segue seu povo pelo
deserto (Ex 23,20-23) e a idéia de uma hierarquia começa a
despontar. O exército dos anjos tem um chefe que aparece a
Josué e anuncia a tomada de Jericó (Jos 5,13-15). São espíritos
(lR s 22,21), cheios de sabedoria e de paciência (2Sam 14,17).
Participam de perto da história de Israel. Um deles alimenta Elias
(lR s 19,5), um exército invisível está ao lado de Eliseu (2Rs
6,17). Um outro foi encarregado de punir o povo pela peste

1 VTNCENT. Mons. Albert. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulinas, 1969, c. 36-8.
107

(2Sam 24,16); outro, de ferir os assírios (2Rs 19,35). São-lhes


confiadas as missões graves (lR s 22, 21s). Dir-se-ia que esses
espíritos celestes têm, quase todos, por oficio comum a guarda
de Israel ou de um indivíduo, na medida em que este se insere na
aliança divina (p. ex. Gen 24,7).
Os anjos, neste contexto, aparecem sempre como intermediários
entre Deus e os homens, uma vez que há, historicamente e
circunstancialmente, um distanciamento entre o sagrado, divino e
o que é terrestre e profano. É a própria acepção do termo maTak.
O exílio vai dar aos judeus a ocasião de precisar sua angelologia
sem dúvida alguma, a piedade não pára de purificar-se e de
crescer; nos salmos a figura do anjo que serve a Deus se faz mais
nítida, o contato com o Oriente fará com que os exilados
adquiram das religiões que os cercam idéias e esclarecimentos
que levarão seus sucessores à crenças e à literatura apocalíptica.
O monoteísmo é mais sólido do que nunca, porém as crenças
sobre o além, sóbrias até então, se complicam e, ao contato com
a Pérsia, o papel dos Espíritos ganha relevo e aumenta na
importância. Ezequiel recebe suas revelações em visões, mas
também por intermédio de um anjo (40,2-3). Zacarias precisa de
um anjo que lhe interprete as visões e lhe transmita as respostas
de Deus (1,9 e 12 etc.). Nos apocalipses todas as revelações
divinas se fazem imediatamente por sonhos ou visões, na maioria
explicadas por um anjo (Dan 7,16;10,13-14). Esses anjos,
numerosíssimos em Daniel (7,10), formam diversas classes
hierarquizadas, entre as quais os arcanjos Gabriel, Miguel, Rafael
(Dan 8,16;9,21;10,13 e 21; Tob 5,17s). Deus possui uma corte
de adoradores celestes (SI 103[102],20;148,2). Em princípio,
Deus já não age direta e imediatamente na terra, os anjos o
substituem. Haverá anjos reveladores, médicos, intercessores (Jó
33,23s), vigilantes à noite (Dan 4,14 = 7,10), guardas dos
indivíduos (Tob 5,21), chefes das nações (Dan 10,13). O de
Israel agora tem nome, Miguel (Dan 12,1).
(...) Jesus está em contato direto com o mundo invisível dos
anjos. Depois da tentação, eles o servem (Mt 4,11; Mc 1,13). No
Getsêmani, um dêles vem confortá-lo (Lc 22,43). N. Senhor
declara sua natureza espiritual (Lc 20,34ss). São inúmeros e
capazes de ação (Mt 26,53). Os anjos ágeis, como convém a
espíritos (Jo 1,51), estão unidos por um laço de auxílio e de
simpatia aos fiéis que vivem na terra (Mt 18,10). A salvação das
almas causa-lhes alegria (Lc 15,7 e 10). Na vinda de Cristo, na
sua parusia, os anjos virão para fazer a grande discriminação e
juntar os eleitos (Mt 16,27). No momento em que vai inaugurar-
se na terra o reino de Deus, os anjos aparecem e são mensageiros
(Mt 1,18-21 ;2,13 ;2,19) para José e Maria. Com Lucas, a
intervenção se torna mais precisa (Lc 1,10-20) junto de Zacarias,
depois, da própria Virgem Maria (Lc 1,26-48). Enfim, em Belém,
é ainda um anjo que anuncia aos pastores o nascimento do
Salvador (Lc 2,8-20). Na hora da ressurreição de Cristo, ali
estão os anjos (Mc 16,4-8; Mt 28,1-7; Lc 24,4; Jo 20,11-13).
108

Igualmente nos Atos, a intervenção dos anjos vai marcando os


primeiros passos da Igreja. Tomam parte ativa nos progressos do
Evangelho, manifestando assim a comunidade essencial que liga
o testemunho dos apóstolos ao ministério de Cristo (At
5,19;8,26;10,3;12,7;27,23 etc.).
Os anjos tomaram parte nos grandes acontecimentos da vida de
Cristo. Associar-se-ão também à luta dos últimos tempos e o
Apocalipse lhes atribui função decisiva. São os agentes, os
executores do derradeiro drama mundial, empenhar-se-ão nos
últimos combates celestes que farão parelha com o combate da
Igreja na terra. São essencialmente os executores das sentenças
(Apc 6,2-8;8,2;14,6.8s;16,l;19,14 etc. etc. ).
Todavia os anjos permanecem em seu lugar a serviço de Deus,
como o cristão fica no seu. Êles intervieram no passado,
intervirão no futuro, mas não tomaram parte no acontecimento
capital que é a encarnação. Não tinham necessidade de ser
resgatados; a humilhação, os sofrimentos, a morte e a
ressurreição de Jesus Cristo lhes são estranhos. Não apenas o
N.T. Assinala sua inferioridade em relação a Cristo (Hebr l,4s),
mas até mesmo em relação ao cristão. Êste pelos sacramentos
entra em comunhão direta com o Salvador (ICor ll,26s;6,3;
lPdr 1,12). Em Jesus Cristo, tornamo-nos filhos do Pai,
enquanto os anjos continuam seus servidores (Jo 15,15). À
encarnação de Deus em Jesus Cristo corresponde agora a vinda,
pessoal e imediata de Deus, em nós no Espírito Santo. De agora
em diante, só o Paráclito tem o poder de dar testemunho de J.
C., é êle quem faz a nova criação, que escolhe nossos corpos
para dêles fazer seus templos e é êle que o Pai envia (Jo 14,15-
17; Rom 8,15s; Gál 4,6). Se na antiga aliança os anjos haviam
sido mediadores, na nova seu ministério como intermediários
entre Deus e os homens terminou (Gál 3,19). Agora é o Espírito
Santo que ata, sustém, impele ou conduz o cristão (At 4,8;20,22;
ICor 12,3; Gál 5,18.25 etc.)".

Com relação à hierarquia dos anjos e iconografia mais comum, segundo

Ferguson2 , que adota a mais comumente divisão aceita, estabelecida por Dionísio

Areopagita, segue-se:

- Primeira Hierarquia: Serafins, Querubins, Tronos.

- Segunda Hierarquia: Dominações, Virtudes, Potestades.

- Terceira Hierarquia: Principados, Arcanjos, Anjos.

2 FERGUSON, George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, p. 97.
109

"Na primeira hierarquia, os serafins estão incluídos ao amor


perpétuo e à adoração imediata em volta do trono de Deus.
Como representantes do Amor Divino, são usualmente pintados
em cor vermelha e, às vezes, portam velas acesas. Os querubins
conhecem Deus e O idolatram. Querubins representam a
Sabedoria Divina, são retratados em amarelo-ouro ou azul. São,
às vezes, representados carregando livros. Os tronos sustentam
Seu assento e representam a Justiça Divina. Frequentemente
usavam robes de juizes e carregam o bastão de autoridade em
suas mãos. Acredita-se que recebam sua glória diretamente de
Deus e a concedem entre a Segunda Hierarquia. A Segunda
Hierarquia, composta por Dominações, Virtudes e Potestades, é
formada pelos regentes e governantes das estrelas e dos
elementos. Estes, em troca, iluminam a Terceira Hierarquia com
a glória que receberam. Dominações são coroadas, carregam
cetros, e, às vezes, globos, como emblemas de autoridade.
Representam o Poder de Deus. Virtudes carregam lírios brancos,
ou, às vezes, rosas vermelhas como símbolo da Paixão de Cristo.
Potestades são frequentemente vestidas em armaduras completas
como guerreiros vitoriosos contra as hordas de maus demônios.
É na Terceira Hierarquia, os Principados, Arcanjos e Anjos, que
mantém-se o contato celeste com o universo criado e com o
homem, para isso são os executores do Desejo de Deus. Com
relação ao homem, os Principados são os distribuidores dos
destinos das nações, os Arcanjos são os guerreiros do céu, os
Anjos são os guardiãos dos inocentes e justos. Arcanjos e Anjos
são mensageiros de Deus para o homem.
As hastes angélicas, além das funções já listadas, atuam como
cantores do coro do Paraíso".

Ainda com relação às hierarquias angélicas e mais algumas representações

encontradas, os Serafins podem ser representados com seis asas, rodeados por chamas de

fogo; os Querubins são representados com penas de pavão repletas de olhos, que

representam a onisciência divina; os Tronos são representados por uma roda de fogo; as

Dominações têm como símbolos o cetro e a espada; os Potestades portam espadas

flamejantes; os Principados carregam cetros e cruzes3 .

(Ver anexos- figuras 2; 2.a.; 2.C.; 4; 8; 10; 16; 17; 18; 18.a.; 18.b.; 18.c.; 18.d.;

18.e.; 18.f.)

3 AZEVEDO, Regina. As hierarquias angelicais. Planeta Especial - Anjos. São Paulo, 17-21, Agosto 1992.
110

CORES

Discorreremos sobre o simbolismo das cores até então encontradas nas pinturas

da Capela de Nossa Senhora das Necessidades.

-AMARELO

Conforme Ferguson1

MA cor amarela pode ter dois significados simbólicos opostos,


dependendo do modo como é usada. O amarelo-ouro é o
emblema do sol e da divindade. Os fundos de muitas pinturas da
Renascença ardem com um amarelo-ouro, simbolizando a
santidade daquele que foi retratado. São José e São Pedro são, às
vezes, pintados em vestes amarelas. São Pedro usa um manto
amarelo, porque é um símbolo de verdade revelada. Por outro
lado, amarelo é, às vezes, usado para sugerir luz infernal,
degradação, inveja, traição e desonestidade. Por isso, o traidor
Judas é frequentemente pintado com roupas de amarelo
desbotado. Em períodos de praga, cruzes amarelas eram usadas
para identificar áreas de contágio, e esse uso fez com que se
estabelecesse o costume de a cor amarela indicar o contágio".

-AZUL2 :

"Azul, a cor do céu, simboliza o Paraíso e o amor celeste. É a


cor da verdade, porque o azul sempre aparece no céu após as
nuvens se dissiparem, sugerindo a revelação da verdade. Em
pinturas, Cristo e a Virgem Maria usam mantos azuis; Cristo
durante seu ministério na terra e a Virgem quando segurando o
Cristo criança ou quando aparece com Ele. Na Igreja, o azul
tomou-se a cor tradicional da Virgem e é usada nos dias em que
se comemoram os eventos de sua vida".

- BRANCO3 :

"O branco sempre foi aceito como símbolo da inocência da alma,


da pureza, e da santidade da vida. Há inúmeras referências do
branco como a cor da pureza e inocência, na Bíblia. Por
exemplo, 'Lava-me, e eu ficarei mais branco do que a neve' (Sal
51,9). Cristo na Transfiguração está vestido em roupas 'brancas

1 FERGUSON, George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, p. 153.
2 Id. Ibid., p. 151.
3 Id. Ibid., p. 152.
111

como a luz' (Mat 17,2). Descrevendo o anjo de Deus que retirou


a pedra da porta do sepulcro de Cristo, São Mateus escreveu:
'Sua aparência era como a de um relâmpago, e suas vestes eram
brancas como a neve' (Mat 28,3). Branco é usado por Cristo
após a Sua Ressurreição. É também usado pela Virgem Maria em
pinturas da Imaculada Conceição, na sua Apresentação no
Templo, e, em geral, nas cenas precedentes à Anunciação. As
virgens vestais romanas usavam branco como um símbolo de
inocência e pureza, e esse costume foi perpetuado nos vestidos
de noivas, nas roupas daqueles que recebem a primeira
comunhão, e nas vestes para o batismo. No começo do
Cristianismo o clero usava branco, e esta cor permaneceu no uso
litúrgico no Natal, Páscoa e Ascenção. Branco é a cor da luz, e
às vezes é representada pela prata".

- VERDE4 :

"Verde é a cor da vegetação e da primavera, e por isso simboliza


o triunfo da primavera sobre o inverno, ou da vida sobre a morte.
Sendo uma mistura de amarelo e azul, também sugere caridade e
a regeneração da alma através de boas ações. Nos ritos pagãos
de iniciação, verde era a cor da água; e por ser um símbolo de
iniciação espiritual, que São José Evangelista às vezes usa um
manto verde.
Verde é a cor da Epifania na Igreja, marcando a visitação dos
Reis Magos, e aos ritos de iniciação na vida de Cristo".

- VERMELHO5 :

"Vermelho é a cor do sangue, que é associado com as emoções,


e é, por isso, o símbolo do amor e do ódio. Vermelho, a cor do
poder soberano entre os romanos, tem um significado similar nas
vestes dos cardeais. São João Evangelista é vestido de vermelho
por sugerir seu amor de ação. Vermelho é a cor da Igreja para os
santos martirizados, porque muitos dos primeiros cristãos
sofreram martírios na perseguição empreendida pelos romanos,
ou nas mãos dos bárbaros, por não negarem sua fé em Cristo.
Em sentido diverso, por vermelho ser a cor do fogo, é usado
durante a época de Pentecostes, que comemora a vinda do
Espírito Santo".

(Ver anexos - figuras 1; 2; 2.b.; 8.c.; 10; 18.d.; 18.f.)

4 Id. Ibid., p. 151.


5 Id. Ibid., p. 152.
112

PARTE V

Cores e formas - Possíveis relações.

Antes de iniciar, em junho de 1988, a restauração que ainda está sendo

executado na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, a impressão que se tinha é de que

se tratava de um trabalho que reunia, em termos de retábulo, os elementos característicos de

uma composição rococó. De acordo com um estudo feito por Lúcio Costa, 'e bastante

difundido, teríamos, no Brasil, cinco tipos principais de retábulos: maneirista, romântico,

barroco, rococó e neoclássico.

O tipo rococó viria de fins do século XVIII e princípio do século XIX. Como

características, teríamos:

- Coluna salomônica substituída pela estriada, de capitel coríntio, com o terço

inferior espiralado.

- No pé direito, entre as colunas, continuam as peanhas e os dosséis e acima,

criam-se, novamente, as arquivoltas concêntricas, duas planas e uma intermediária côncava.

- A decoração recebe tratamento minucioso, de curvas e contracurvas,

excluindo a ornamental vegetal, com preferência do dicionário abstrato.

- Reserva-se o ouro às partes em relevo. O fundo está pintado de branco. As

colunas dispõem-se em forma de bastidores e as mais avançadas são encimadas por ângulos

de frontão curvilíneo quebrado; o baldaquim, sustentado por consolos, deixa cair as

cortinas.

- A escultura tem parte importante e valor estatuário monumental, sob a forma

de anjos-consolo ou assentados sobre os fragmentos do frontão quebrado.

Nesse conjunto, nota-se a reação aos excessos, do terceiro tipo barroco e a

volta a uma perfeita definição da estrutura.

Obviamente que sem esta riqueza de detalhes, já que os trabalhos de Nossa

Senhora das Necessidades são bem mais simples, poderíamos dizer, a julgar pelo tratamento
113

das cores, e mesmo pela disposição de alguns elementos do retábulo, que se tratava de um

retábulo rococó, levando basicamente em consideração o ouro (ou dourado), que era

reservado para as partes em relevo e o fundo pintado de branco. Encontramos ainda

também muito uso do azul.

Ao iniciar os trabalhos de restauração, nas etapas de:

1) análise organoléptica (detectar o estado de conservação da peça);

2) limpeza;
3) raspagem das repinturas até atingir a camada pictórica original, observou-se

que a denominação rococó completamente não se adaptava ao tipo de retábulo que se

encontra na Capela, como se supunha até então.

Os trabalhos de restauração evidenciaram, após a raspagem, um universo de

tonalidades inesperadas. Ao invés de apenas branco, azul e dourado, surgiram o vermelho, o

laranja, o amarelo, o verde, o azul, o rosa, o branco.

De onde viriam estas cores? Quais as possíveis relações a serem estabelecidas?

O por que do uso de cores tão vivas, de cores primárias? Estes questionamentos que já

surgiram no início da pesquisa, permearam o trabalho até o final. O que aqui registramos é o

resultado do estudo realizado.

Descartadas as hipóteses de uma influência jesuítica e de um legado missioneiro

na comunidade, bem como da influência direta de mestres europeus e constatada a

inexistência de qualquer tradição artística na região, devido aos fatores sócio-econômico e

históricos já contéxtualizados, restou-nos a relação possível com a arte espontânea,

considerada hoje como "naif".

Não é redundante afirmar que se a situação cultural no Brasil era incipiente, no

sul do Brasil, com lutas incessantes e a ausência de inseminação cultural (que em outros

estados foi realizada pela Companhia de Jesus), a situação se tomou mais flagrante.

Resultou disso, províncias destituídas de bases quanto ao ensino e à afirmação intelectual e

artística. As obras realizadas surgiram portanto, da necessidade e vontade das pessoas que

formaram nossas primeiras freguesias; pessoas estas, sem conhecimentos artísticos, e que

realizaram estes trabalhos movidos certamente por impulsos religiosos.


114

No Brasil, hoje, costuma-se designar uma certa linha de trabalho de artistas

como sendo "ingênuos" - também tratados por "primitivos" ou "naïf. Seja qual for a

designação, trata-se de artistas que não frequentaram escolas de Belas Artes, têm formação

autodidata, além de não manterem ligação com tendências da arte contemporânea. A

maioria dos "primitivos" pinta o mundo que o circunda. De modo geral, são artistas de

poucos recursos, o que limita o uso de materiais. O termo naïf (ingênuo, em francês) surgiu

em 1886, em Paris, para designar também artistas cujos trabalhos, são predominantemente

frutos do instinto, não obedecendo a nenhum tipo de planejamento ou projeto. Entre outras

características, cita-se ainda a festividade das cores, o surrealismo das situações retratadas,

o gosto pela narrativa popular e uma tendência para o idílio naturalístico - o estado de

natureza é sempre visto como ideal, em oposição ao de civilização. Apresentam também

uma busca de reprodução da realidade com maior facilidade possível, porque a amam

poeticamente por si mesma. Há uma fidelidade minuciosa ao real e apesar dos cuidados dos

realistas, deformam visionariamente a realidade, muitas vezes por desconhecimento técnico.

Outra característica é o rudimentarismo do conhecimento técnico. Valorizam muito a figura

humana. A minuciosidade dos detalhes contrasta, muitas vezes, com um vigoroso

sentimento de síntese.

O artista primitivo apresenta soluções de profunda intensidade poética, que na

maior parte dos casos, consistem na personalização da tradição coletiva popular, sem o

alicerce da técnica erudita. Em geral, satisfaz sua necessidade criadora trabalhando com os

recursos que encontra e com os que inventa.

Há também a nova denominação de ínsita - decorrente do latim "in situ", inato -

para alguns estudiosos que não aceitam a designação de ingênuos, primitivos, primitivistas,

de comportamento arcaico, da realidade popular, pintores de domingo e outros rótulos

menos frequentes. Os ínsitos apresentam em comum, o fato de produzirem obras cuja fonte

fundamental continua sendo, pelos mais diferentes caminhos, o instinto, a compulsão

interior indomada, o uso de cores vibrantes, o relacionamento mágico com a realidade, a

permanência das visões e dos modos de infância no indivíduo adulto, mesmo quando sua

expressão se faz em termos de alto refinamento formal.


115

Não nos cabe aqui fazer uma avaliação do valor destes artistas e das obras que

produziram. Sua importância é irrefutável e estudos atuais e numerosos se incumbem de

mostrar isto.
Nossa pretensão é tentar delimitar paralelos entre as características de uma linha

naïf e os trabalhos executados na Capela de Nossa Senhora das Necessidades. A certeza de

que aos açorianos cabe a fixação e propulsão da ilha de Santa Catarina é fato comum à

história.

"Esta população, católica segundo o costume luso, caminhou


atrás da cruz, e onde passou reuniu-se ao redor de uma capela
até chegar á igreja definitiva. Aqui está sem dúvida o berço da
arte, já que a manifestação artística cabível na precariedade de
um desbravamento territorial estava unicamente na igreja.
Enquanto nas Missões a arte se instalou de cima para baixo e
tudo acabou em nada, do lado português, ao contrário, o começo
foi modesto, nas mãos de artesãos que deram tudo de si com
uma contribuição possível mas efetiva, que chegou até nossos
dias" (Etzel, 1986, p. 129)» .

Da natureza do material utilizado para a pintura, não temos meios de chegar a

uma conclusão segura. Nada ficou registrado. As intervenções posteriores, também

prejudicam uma análise mais apurada e análises científicas com técnicas de maior rigor

científico ainda não foram realizadas.

A constância de cores primárias e simples - laranja, amarelo, azul, verde, rosa,

vermelho, branco - tentam ser explicadas.

Vejamos:

1. De acordo com Luis Jardim (S.d., p. 197)2 , "... o uso destas cores

correspondem não somente ao gosto mais acentuadamente popular do português, como do

africano, e, de algum modo, do indígena" (S.d., p. 19).

2. A visão de Luis Jardim é bastante polêmica e contestada por pesquisadores

que discordam que o uso de cores primárias e simples decorram de um gosto

1 ETZEL, Eduardo. Arte sacra. Berço da Arte Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1986.
2 JARDIM, Luiz. A pintura decorativa em algumas igrejas antigas de Minas. In: Pintura e Escultura I.
Textos escolhidos da Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. MEC/USP, s.d., p.
197.
116

acentuadamente popular, tanto do africano como do indígena. Incluímos aqui também o

gosto popular do português.

Na ótica desta linha de pesquisadores, o uso destas cores está mais ligado à

questões técnicas de confecção de instrumento de trabalho e de pigmentos, do que

propriamente de "gosto".

Estas cores eram obtidas mais facilmente do que outras. No caso da cultura

indígena, já é comprovado que as cores primárias e simples são obtidas na natureza, através

de processos artesanais e daí sua larga utilização. O mesmo se pode dizer do africano. A

visão de Luis Jardim parece-nos derivar do "...senso comum ocidental, que é extremamente

preconceituoso frente à produção artística de qualquer outra esfera social dos povos ditos

'primitivos'" (Albuquerque, Cleidi, 1991, p .l)3 .

Na realidade, o que diferencia uma cultura mais civilizada de uma cultura dita

"primitiva" é basicamente a tecnologia e por tecnologia, entendemos o domínio dos

recursos de que o homem dispõe. Desta forma, limitar o uso de determinadas cores a um

padrão de gosto, é duvidoso, pois esbarra justamente na questão tecnológica.

Esta mesmo relação pode ser aplicada aos pintores da linha nalf. A preferência

por eles demonstrada, pelo uso de cores primárias e simples, poderia estar muito mais ligada

a uma questão de recursos materiais e de técnica, já que é mais fácil aplicar a tinta tal como

sai do tubo. Da mesmo forma, a maioria destes artistas com limitações materiais para

adquirir suas tintas, optam pela compra e uso de cores básicas - as primárias e simples.

Nossa linha de raciocínio segue o que foi exposto.

A predominância das cores citadas - azul, verde, laranja, amarelo, rosa,

vermelho, podem ser atribuídas aos poucos recursos técnicos e materiais disponíveis na

época, e não tão somente a um gosto acentuadamente popular, apesar de ser este um

aspecto a ser considerado. Não há como negar que o uso de cores vibrantes - primárias e

simples é uma característica da linha naif. Apenas não aceitamos o fato de reduzir tudo a

uma questão de gosto.

3 ALBUQUERQUE, Cleidi M. C. P. Antropologia e Arte. Trabalho elaborado para o Seminário de


Antropologia. Florianópolis, UFSC, Julho 1991, p. 1.
117

Pode-se perceber também, que a cor foi utilizada em virtude de sua força

unificadora: flores, anjos, folhas, conjugam-se, cruzam-se e interferem-se, buscando

dominar e impressionar plasticamente. Mas é a cor que unifica os elementos que compõe

este mundo de ilusão. A aceitação passiva de todos estes elementos plásticos que quase não

se podem analisar foi realizada pela pintura - através do uso da cor. Para esse efeito, pode-

se dizer que a sua força consistiu em não ter se afastado das leis barrocas que estabelecem a

curva como linha fundamental. A predominância de linha curvas, a tendência pictórica de

todos os elementos ali reunidos demonstram conformidade com as "leis" barrocas. Por

outro lado, o conjunto demonstra uma falta de planejamento, o que confirmaria a tese do

espontaneísmo predominante da elaboração destes trabalhos. Paradoxalmente, é onde

encontramos seu grande mérito e vigor. É onde o poético e religioso de um tempo perdido

se expressam através de uma obra plástica. É no singelo, no imperfeito, no grotesco, no

espontâneo que se revelam a sua grandeza.

O apego à representação real, outra característica naïf, também encontrada na

Capela e se isto se pode explicar pela tendência do artesão ao naturalismo, revela também a

influência que no Brasil a Igreja (ou o catolicismo impregnado no povo) exerceu

frequentemente na orientação da pintura. Suas preocupações representadas por modelos

próximos, acessíveis, conhecidos. Percebe-se também que as fisionomias são sempre

parecidas entre si. Aparecem os elementos vegetais e arabescos.

No fundo, há uma verdade ou realidade artística que não está sujeita a

interpretações históricas, por mais que tentemos, e por quaisquer que sejam os pontos de

vista por que se analisem. O fenômeno que vemos nestas igrejas e capelas só têm aplicação

cabal em si mesmo. Difícil procurar nestas obras outra realidade que não a plástica - motivo

que as trouxe à existência.

Analisando os anjos que são representados na capela em estudo, verificamos a

grande semelhança entre todos eles: cabeças de um oval acentuado, olhos de forma

amendoada, sobrancelhas relativamente afastadas dos olhos ou sobrancelhas unidas à linha

do nariz. O pescoço é quase sempre grosso e forte, e as figuras, em geral, são de estatura

baixa, de aspecto atarracado, barriga saliente.


1

118

Características particulares não aparecem. As expressões fisionômicas não são

variadas; algumas bem estereotipadas e disformes. Esta uniformidade característica, que não

é encontrada somente aqui, mas em outras igrejas coloniais brasileiras pode revelar uma

| fonte comum de motivo, como gravuras européias (registros de santos, gravuras de

canonização, estampas que ilustram missais, os livros de preces), principalmente italianas,

renascentistas e não propriamente barrocas.

Não se quer dizer com isto que as obras coloniais sejam cópias simples de

modelos europeus, mas é possível que os modelos europeus (principalmente gravuras)

tenham servido como ponto de partida - como referencial visual.

A preferência por composições mais estáticas, calmas, e sobretudo mais

simples, podem ser explicadas por questões técnicas - a representação desta forma era mais

fácil de ser realizada. Com isto, queremos reforçar que, para pintores ou artesãos, com uma

formação técnica relativamente fraca, a representação de anjos, flores, figuras humanas

isoladas, imóveis, é mais fácil do que a representação de grandes massas de figuras agitadas,

em atitudes mais complicadas, de acordo com a preferência barroca.

Para finalizar, podemos acrescentar que, estas cores e formas ficam muito bem,

no seu caráter espontâneo e de mistério divino, guardadas e vivas, na velha e deliciosa

capela de Nossa Senhora das Necessidades, em Santo Antônio de Lisboa.

Inquestionavelmente, consistem no testemunho histórico de uma época que reluta em não

morrer, apesar das trágicas condições que garantem sua sobrevivência.


119

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Ao se lidar com o patrimônio histórico e artístico, sempre nos deparamos com

questões complexas. São questões pertinentes ao assunto: o que é patrimônio histórico; o

que é patrimônio cultural por que preservar; o que preservar; como preservar; entre outras.

0 presente trabalho se deteve em patrimônio histórico - arquitetônico; cuja

preservação é importante, não apenas como registro para fins educativos, da evolução

histórica da cidade de Florianópolis e da comunidade de Santo Antônio de Lisboa*

Sua importância está também relacionada a uma ambiência urbana que

mantenha a diversidade de suas edificações, a paisagem da cidade marcada pelo contraponto

das diversas fases se sua história e os bens arquitetônicos que o povo aprendeu a conviver e

a amar.

Ao nos debruçarmos durante um ano, a estudar a Capela de Nossa Senhora das

Necessidades, claro está que estamos imbuídos da certeza do valor deste bem cultural. Por

outro lado, constatamos que, mesmo havendo, por parte dos órgãos ligados ao assunto e

por alguns elementos da comunidade, um certo entendimento neste sentido, a dificuldade

em se lidar com a questão é visível em vários aspectos. Destacamos alguns:

1 - A morosidade dos trabalhos de restauração, ocasionada por falta de recursos

e em alguns momentos, por descaso dos órgãos competentes, que impede que se possa

avaliar os elementos artísticos em sua forma original.

2 - Não há investimento na capacitação de serviços técnicos especializados, o

que implica muitas vezes num empirismo, ultrapassado apenas pela boa vontade das pessoas

que trabalham na área.

3 - Os avanços tecnológicos na área de restauração são acentuados, mas a falta

de recursos e a dificuldade no repasse das informações resulta do fato de que, atualmente

alguns dos processos de restauração realizados na Capela de Nossa Senhora das

Necessidades sejam questionáveis.


120

4 - Percebe-se também que a abordagem dos profissionais em restauração é

excessivamente técnica, perdendo de vista o contexto histórico cultural - as implicações

simbólicas, a iconologia em geral; a dificuldade em explicar para a comunidade a

importância da preservação. O profissional em restauração vive em constante conflito -

quem lhe paga pelo trabalho não fornece as condições necessárias para que o mesmo seja

executado. A comunidade não entende o porquê da restauração. O profissional está sempre

sendo pressionado, e trabalha desmotivado.

5 - A falta de consciência da comunidade se reflete na difícil conservação e falta

de valorização do monumento. Obviamente, isto reflete na falta de segurança e~os roubos

frequentes já dilapidaram a maior parte do acervo religioso destes monumentos, em todo o

Brasil. O mesmo aconteceu na Capela de Nossa Senhora das Necessidades.

6 - A falta de documentos e dados em todos os aspectos obriga muitas vezes ao


trabalho com hipóteses, o que nos remete a frase de Mário de Andrade, inserida no início do

trabalho: "... Procura-se demais e encontra-se quase nada {...). Vem a amargura. Uma

desilusão zangada que, de novo, a gente precisa tomar cuidado para que não crie, como a

fome criara, nova e oposta miragem". Assim, é necessário o cuidado de trabalhar com estas

hipóteses que não sabemos quando ou se realmente se comprovarão.

7 - Os órgão que lidam com o assunto "Patrimônio" são poucos. O pessoal

técnico é reduzido e muito solicitado por estudantes de cursos superiores, principalmente. A

carga de trabalho deles é grande e toma-se difícil atender a todos. Por vezes, este desgaste

resulta em má vontade no atendimento ao público, o que dificulta o trabalho de

pesquisadores. A burocracia é outro fator complicador.

As considerações tecidas até agora dizem respeito principalmente aos trabalhos

de restauração e ao acesso à informações.

Entretanto, outras considerações se fazem necessárias, principalmente no

tocante aos aspectos religiosos, extremamente complexos:

A "Igreja" com I (maiúsculo), constitui-se na instituição religiosa e "igreja" ,

com i (minúsculo) constitui-se na construção material. Esta analogia é necessária para

entendermos o significado da palavra templo, exposto no trabalho. A palavra templo pode


121

ser entendida como a "construção dos fiéis - no sentido espiritual", ou como a própria

"construção material - local de culto".

Este paradoxo explica, em parte, a dificuldade na preservação de seus

monumentos religiosos, por parte da "Igreja-instituição" e da comunidade.

As primeiras igrejas (construção material) , de modo geral eram pequenas. Com

o crescimento das comunidades, tomou-se necessário ampliar o local de culto e desta

forma, muitos monumentos se perderam. Se o pensamento corrente atual propõe que as

restaurações sejam realizadas visando uma utilidade, é difícil convencer a comunidade onde

estas igrejas e capelas estão inseridas, da necessidade de sua preservação, pois' o aspecto

funcional - espaços amplos para atender a um público maior - não é contemplado.

Assim, a "Igreja-instituição" tem optado, na maioria das vezes, pela manutenção

da simbologia, que não se perdeu ao longo dos tempos, mas não tem conseguido preservar

o aspecto histórico. O aspecto simbólico está presente na liturgia, nas imagens,

independente do contexto {construção material) onde estes se manifestam e está é uma

argumentação forte por parte dos que não crêem ser necessário a preservação destes

monumentos históricos.

A grande problemática com a qual se depara é: como fazer ter valor a doutrina,

a simbologia e a história; de maneira interligada? Toma-se necessário insistir na idéia de que

se a doutrina e a simbologia persistem, independentes do aspecto histórico (construção

material), ocorre uma fragmentação. No momento em que o aspecto histórico é deixado de

lado, parte de seu cotidiano religioso se perde. O patrimônio cultural deve ser visto no seu

conjunto. E entrelaçamento da totalidade dos elementos é necessário, Se um deles não é

guardado, o conjunto se desarmoniza e se desequilibra, o que no fundo não é o que se quer,

pois o conjunto seriam um fiel retrato de um estágio cultural.

Se devemos preservar as características de uma sociedade, teremos

forçosamente que manter conservadas as suas condições mínimas de sobrevivência, todas

elas implicitadas no meio ambiente e no seu saber. Assim, deveriam ter prioridade de

atenção os elementos componentes dos recursos materiais (a igreja-construção) e todos os


122

outros não tangíveis (igreja-instituição, doutrina/simbologia) ligados ao conhecimento,

Cremos que desta forma, a identidade cultural seria mantida.

Enfim, o problema está exposto...

Outras considerações pertinentes ao trabalho dizem respeito às questões do

trabalho artístico em si - os artistas, o valor das obras, a tradição local e a influência

européia, as cores e formas, o ensino do ofício, etc...

Estas questões, cujas análises derivaram da pesquisa teórica e do confronto com

situações vivenciadas em outras regiões do Brasil enriquecem este trabalho, contribuindo de

forma especial para estudos posteriores. Muito já foi esclarecido. Fica evidenté, que, um

país tão grande como o Brasil, que, sofreu um processo de colonização diferenciado de

região para região, terá, na sua "história artística/arquitetônica", os registros destas

diferenças.

E assim, não se pode estabelecer que umas manifestações são mais importantes,

mais bem elaboradas ou qualquer outro adjetivo neste sentido, do que outras. Elas são

apenas diferentes... E por isso mesmo, igualmente importantes.


123

GLOSSÁRIO

ABAIXA-VOZ - Dossel que cobre o púlpito, para efeito de acústica durante as prédicas do

sacerdote. Guarda-voz.

ARCAZ - Grande arca ou cômoda com gavetões, que, nas igrejas, é geralmente colocada

nas sacristias para guardar paramentos e outros acessórios religiosos.

ARCO-CRUZEIRO - Arco que separa a nave central e a capela-mor na parte da igreja

denominada cruzeiro. Na chave (eixo) do arco-cruzeiro aparecem, sobrepostas,

composições escultórias com escudos, anjos e outras figurações, quase sempre alusivas ao

patrono ou invocação da igreja. Junto ao arco-cruzeiro, a maioria das igrejas possui dois

altares, no alinhamento ou em viés. São chamados altares ou retábulos do arco-cruzeiro.

BALAÚSTRE - Peça torneada ou trabalhada em talha, pertencente ao cancelo.

BALDAQUIM - ou baldaquino. Peça acessória, sustentada por colunas ou pendente junto

às paredes, que aparece como proteção superior em alguns retábulos. O mesmo que sanefa

ou guarda-pó (figura 1).

BARROTE - Peça horizontal que sustenta os balaústres.

CANCELO - Grade nobre, em balaústres torneados ou trabalhados em talha, que separa a

capela-mor do corpo da nave ou esta dos altares laterais. Costuma-se falar, de modo mais

simples, em "grade de separação" ou "balaustrada de separação".

CAPITEL - Parte superior de uma coluna ou pilastra, que se eleva acima do fuste (parede

ou tronco da coluna, entre a base e o capitel), ligando-o ao entablamento (no retábulo, é a

parte superior das colunas e pilastras, compreendendo a arquitrave, o friso e a cornija).

Pode ser compósito, o qual é resultante da associação de elementos dos capitéis jónico e

coríntio.

CARTEL/CARTELA - Superfície lisa, geralmente à imitação de um pergaminho e colocada

no meio de um friso ou um pedestal, para se gravar uma inscrição ou para ornato.

COLUNA - Pilar cilíndrico, dividido em base, fuste e capitel, que serve de estrutura e

ornato dos retábulos, alternando em geral com pilastras. Os tipos mais comuns de coluna
124

das igrejas mineiras do século XVIII são: Ia fase do barroco em Minas (estilo Nacional-

português) - coluna torsa ou salomônica, espiralada, inteiramente em talha dourada, com

sulcos ou espiras preenchidos com ornatos fitomorfos (cachos de uva, folhas de parreira,

acanto, etc) e zoomorfos (aves, geralmente fênix ou pelicanos); 2a fase do barroco em

Minas (estilo Dom João V) - colunas torsas com terço inferior estriado e motivos

ornamentais mais discretos (folhagens, folhas, etc.), em dourado ou policromia em branco e

dourado, às vezes com a presença de anjos, que aparecem mais comumente nas pilastras ou

nos remates do retábulo; 3a fase do barroco em Minas (Estilo Rococó) - com caneluras ou

estrias verticais, policromia em branco e frisos ligeiramente dourados, ornamentos delicados

em formas rocaille e ausência de anjos.

CONSOLO - Peça saliente e ornada, em pedra ou madeira, para sustentar estátuas, vasos,

etc, ou para servir de apoio às cornijas, sacadas, etc.

COROAMENTO - A parte superior ou remate, geralmente ornado, de uma determinada

construção, de um retábulo, de um chafariz, etc.

DOSSEL - Armação saliente, em trabalho de talha, e com bordas franjadas, que forma

como que um pequeno teto incorporado ao camarim ou tribuna de trono de um retábulo. O

dossel é o elemento mais característico do retábulo estilo Dom João V (2a fase do barroco

em M inas). O dossel é, às vezes, chamado Sobrecéu (figura 1).

ESCUDO - Na ornamentação de igrejas, peça onde se gravam os símbolos religiosos

alusivos a determinado santo ou ordem. O escudo aparece geralmente em portadas

(sobreportas), eixo da volta do arco-cruzeiro ou coroamento de retábulo.

FOLHA DE ACANTO - Motivo decorativo, presente originalmente no capitel coríntio, que

representa folha de acanto espinhoso. O uso do motivo em acanto foi generalizado na

ornamentação em talha do período barroco (figura 2).

FRONTAL - A parte da frente da mesa do altar, quase sempre revestida de trabalho

ornamental.

LAMBREQUINS - Ornatos de recortes de madeira ou de lâmina metálica para beira de

telhados ou que pendem em trabalho de talha recortada de baldaquins, sanefas ou dosséis de

retábulos (figura 1).


125

MODILHÃO - Ornato em forma de S invertido, às vezes com função de suporte ou

consolo, e pendente da cornija.

NICHO - Cavidade ou vão em parede, muro, retábulo, arco-cruzeiro, etc., para colocação

de imagens ou objetos ornamentais.

PÚLPITO - Tribuna destinada nas igrejas às pregações ou sermões do sacerdote.

PEANHA - Espécie de pequena peça saliente de paredes, retábulos, etc., sobre a qual se

colocam imagens, crucifixos, etc.

QUARTELÃO - Pilastra com relevo em talha trabalhada, que em igrejas mineiras aparece,

geralmente, em retábulos estilo Dom João V (2a fase do barroco em Minas) e estilo rococó

(3a fase do barroco em Minas) (figura 3).

RETÁBULO - Estrutura ornamental, em pedra ou talha de madeira, que se eleva na parte

posterior do altar. Às vezes, é chamado genericamente de altar. Nas igrejas mineiras do

século XVIII, os retábulos obedecem a seguinte classificação tipológica ou estilística:

Io. Estilo Nacional Português (até cerca de 1730);

2° Estilo Dom João V (M/M 1730/1760);

3o. Estilo Rococó (a partir de cerca de 1760).

No século XIV, aparecem alguns exemplares do estilo Neoclássico. Esta classificação não

deve ser rígida, servindo antes como distinção básica. A seguir, citaremos as características

dos retábulos do estilo Joanino e Rococó, cujos elementos são identificáveis na Capela de

Nossa Senhora das Necessidades.

Retábulo 2a fase em Minas (estilo Dom João V) (figura 4):

A) coroamento ou remate em dossel;

B) coluna de terço inferior geralmente em estrias diagonais e fuste ou parte superior torsa;

C) uso de pilastras com quartelões de grande ressalto;

D) policromia predominantemente em dourado e branco;

E) menor ocorrência de ornatos fitomorfos ou zoomorfos;

F) presença de anjos, especialmente na pilastra e no coroamento ou remate, junto ao dossel;

G) maior tendência, em geral, para o caráter escultórico da ornamentação.

Retábulo 3a fase em Minas (Estilo Rococó) (figura 5):


126

A) maior dignidade arquitetônica do que escultórica ou simplesmente ornamental;

B) simplificação da estrutura e revalorização, no altar-mor, do arco-pleno, do coroamento

ou remate, encimado, às vezes, por uma grande composição escultórica;

C) abandono da coluna torsa, em favor da coluna direita (reta);

D) em vez do antigo douramento integral, o uso de um policromia com os ornamentos de

ouro em leves cinzeladuras sobre um fundo branco ou azul e vermelho;

E) abandono praticamente geral de toda decoração antropomorfa,. zoomorfa ou fítomorfa

dos retábulos das fases anteriores;

F) concentração no uso do ornamento Rococó, de uma estilização mais abstratâ (rocailles

ou conchas) estilizadas em desenhos esgarçados, laços, flores, folhagens, etc.);

G) composição assimétrica dos desenhos ornamentais.

ROCAILLES - Elemento ornamental, derivado inicialmente do uso de pedrinhas e conchas

na decoração de grutas artificiais, abóbadas, colunas, paredes, etc... que acabou se

introduzindo na ornamentação de portadas, arcos-cruzeiros, retábulos, painéis de pintura,

molduras, etc., de igrejas. O elemento rocaille mais característico é uma estilização da

concha. As rocailles aparecem geralmente em composições assimétricas, dentro do espírito

representativo do estilo Rococó (figura 6).

TRIBUNA (tribuna do trono) - Vão ou abertura ao centro do retábulo, onde fica o trono

para exposição de imagem, crucifixo, etc. O mesmo que camarim.

TRONO - Espécie de pedestal, colocado no vão da tribuna do trono ou camarim do altar,

onde se expõe imagens ou crucifixos. Nas igrejas mineiras do século XVIII, o trono

apresenta, comumente, a forma de cântaro ou de degraus.


ACANTO
aU A R T E L Ã O
OU
P1LAS TRA M IS UL A DA

DOSSEL
R E T Á B U L O - 32 F A S E
ESTILO RO COCÓ

FIG. B
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS
W' -
Figura 1. Vista interna d a C apela de Nossa Senhora das Necessidades
Figura 2.a. Parte do altar lateral d e S. Miguel
Figura 2,b. Pintura d o forro do altar-mor (notar elem ento central:
ostensório com hóstia).

Figura 2.c. referencial provindo d a imaginária


cristã (Santíssima Trindade, Maria e ostensório).


Figura 3. Detalhe d o coroam ento do altar-mor.

Figura 3.a. Referencial provindo d a imaginária cristã (Cristo-rei).


Figura 4. Detalhe do coroam ento do altar lateral de S. Miguel

SÃO M I G U E L A R C A N J O

Figura 4.a. Referencial provindo d a imaginária crisã (S. Miguel


Arcanjo).
Figura 5.a. Referencial provindo da Figura 5,b. Referencial provindo da
imaginária cristã (O escapulário). im aginária cristã (Sta. Rita de Cássia
e Jesus).
Figura ó. Detaihe d o coroam ento d o altar lateral d e Sto. Antônio.

Figura 6.a. Referencial provindo d a im aginária cristã.


Figura 7. Duas das catorze telas à óleo que com p õe m a via-sacra da Capela.

Figura 8. Detalhe do altar da C apela do Santíssimo.


Figura 8.b. Referencial provindo da
imaginária cristã (Jesus na figura do Figura 8.c. Referencial provindo
'Bom Pastor')- da im aginária cristã (S. João Ba
tista).
Figura 9. Parte superior da portada da C apela d o Santíssimo.

Figura 9,a. Referencial provindo d a imaginária cristã (Jesus Cristo


Ressuscitado).
mam ■ ■

Figura 10. Afresco restaurado e co lo ca d o aos fundos d a C apela; perto da porta


principal de entrada.

Figura 11. Detalhe: tabernáculo


d o altar lateral d e S. Miguel.
Figura 12. Pintura à óleo sob o coro.

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D ep
Z/M

Figura 12.a. Referencial provindo d a imaginária cristã (Nossa Se


nhora das Dores: notar as 7 espadas, representando as 7 dores de
Maria).


Figura 13. Detalhe d a talha do altar-mor.


Figura 14. Talha em form a de pom bo, pertencente à pia batismal d a C apela (em
fase d e restauro).

Figura 14.a. Referencial provindo d a imaginária cristã (Cena: Pen


tecostes).
Figura 15. Parte da talha pertencente ao altar lateral d e Sto, Antônio.

15.a. Parte da talha pertencen


te ao altar lateral de S. Miguel

Figura 15.b. Referencial pro


vindo da im aginária cristã
(S. José: notar lírios).
Figura 16. Parte à direita de a-
canto: abaixo e à esquerda da
figura.

Figura 17. Detalhe do altar la te


ral d e Sto. António (Tabernácu
lo).
H H H
— _

Figura 18. Detalhe d o coroam ento d o altar lateral d e Sto. Antônio.

Figura 18.a. Detalhe do coroam ento d o altar lateral d e S. Miguel.


Figura 18.b. Detalhe situado abaixo do tabernáculo do altar lateral de S. Miguel.

Figura 18,c. Parte da pintura que pertencia ao fundo d o nicho principal d o altar-
mor.
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2 ®

Figura 18.d. Parte da pintura que pertencia ao fundo d o nicho principal do altar-
mor.

Figura 18.e. Detalhe do altar la


teral de S. Miguel; próximo ao
tabernáculo.

Figura 18.f. Parte d a pintura que pertencia ao fundo d o nicho principal d o altar-
mor.

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