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Lewis Henry M o r g a n

A SOCIEDADE A N T I G A
Ou investigações sobre as linhas do
progresso humano desde a seivageria,
através da barbárie, até a civilização.

[1877]
PREFÁCIO

A grande antigüidade da h u m a n i d a d e sobre a terra já foi


conclusivamente determinada. Parece singular que as
provas t e n h a m sido descobertas tão recentemente, apenas nos
últimos 30 anos, e que a atual geração seja a primeira c h a m a d a
a reconhecer fato tão importante.
Sabe-se agora que a h u m a n i d a d e existiu na E u r o p a d u r a n -
te o período glacial, e até m e s m o antes de seu começo, h a v e n d o
toda probabilidade de ter sido originada n u m a era geológica
anterior. Sobreviveu a muitas raças de animais das quais foi
c o n t e m p o r â n e a e, nos diversos ramos da família h u m a n a , pas-
sou por um processo de desenvolvimento tão notável nos cami-
nhos seguidos q u a n t o em seu progresso.
C o m o a provável extensão da carreira da h u m a n i d a d e está
ligada a períodos geológicos, exclui-se, de a n t e m ã o , q u a l q u e r
medida limitada de tempo. Cem ou d u z e n t o s mil anos n ã o
seria u m a estimativa excessiva do t e m p o transcorrido desde o
desaparecimento das geleiras no hemisfério norte até o presen-
te. I n d e p e n d e n t e m e n t e de quaisquer dúvidas que p o s s a m cer-
car os cálculos aproximados sobre um período cuja d u r a ç ã o
real não se conhece, a existência da h u m a n i d a d e estende-se
pelo passado imensurável e se perde n u m a vasta e p r o f u n d a
antigüidade.
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Evolucionismo Cultural

Esse c o n h e c i m e n t o m u d a substancialmente as idéias que


prevaleceram a respeito das relações dos selvagens com os bár-
baros e dos bárbaros com os h o m e n s civilizados. Pode-se afir-
m a r agora, com base em convincente evidência, que a selvagena
precedeu a barbárie em todas as tribos da h u m a n i d a d e , assim
c o m o se sabe que a barbárie precedeu a civilização. A história
da raça h u m a n a é u m a só - na fonte, na experiência, no pro-
gresso.
É tão natural q u a n t o apropriado desejar saber, se possível,
como todas essas eras após eras de tempos passados foram utili-
zadas pela humanidade; c o m o os selvagens, avançando através
de passos lentos, quase imperceptíveis, alcançaram a condição
mais elevada de bárbaros; como os bárbaros, por um avanço pro-
gressivo semelhante, finalmente alcançaram a civilização; e por
que outras tribos e nações foram deixadas para trás na corrida
para o progresso - algumas na civilização, algumas na barbárie e
outras na selvageria. Não é demais esperar que, em algum mo-
m e n t o , essas diversas questões sejam respondidas.

Invenções e descobertas m a n t ê m relações seqüenciais ao


longo das linhas do progresso h u m a n o e registram seus suces-
sivos estágios; por o u t r o lado, as instituições sociais e civis, em
virtude de sua conexão c o m perpétuos desejos h u m a n o s , de-
senvolveram-se a partir de u n s poucos germes primários de
p e n s a m e n t o . Elas exibem registros de progresso semelhantes.
Essas instituições, invenções e descobertas incorporaram e pre-
servaram os principais fatos que agora permanecem como ilus-
trativos dessa experiência. Q u a n d o organizadas e comparadas,
t e n d e m a m o s t t a r a origem única da h u m a n i d a d e , a semelhan-
Apresentação 45

uniformidade das operações da m e n t e h u m a n a em condições


similares de sociedade.
Ao longo da ú l t i m a parte do período de selvageria e por
t o d o o período de barbárie, a h u m a n i d a d e estava o r g a n i z a d a ,
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em geral, em gentes, fratrias e tribos. Essas organizações preva-
leceram, em todos os continentes, por t o d o o m u n d o a n t i g o , e
c o n s t i t u í a m os meios através dos quais a sociedade a n t i g a era
organizada e m a n t i d a coesa. Sua e s t r u t u r a e suas relações
como m e m b r o s de u m a série orgânica, bem c o m o os direitos,
privilégios e obrigações dos m e m b r o s das gentes, das fratrias e
das tribos, ilustram o crescimento da idéia de g o v e r n o na m e n -
te h u m a n a . As principais instituições da h u m a n i d a d e tiveram
origem na selvageria, foram desenvolvidas na barbárie e estão
a m a d u r e c e n d o na civilização.
Do m e s m o m o d o , a família passou por formas sucessivas,
e criou grandes sistemas de c o n s a n g ü i n i d a d e e afinidade que
d u r a m até os dias de hoje. Esses sistemas registram as relações
existentes na família no período em que cada u m , respectiva-
mente, foi formado, e c o n t ê m um registro instrutivo da expe-
riência da h u m a n i d a d e e n q u a n t o a família estava a v a n ç a n d o
da c o n s a n g ü i n i d a d e para a m o n o g a m i a , p a s s a n d o p o r formas
intermediárias.

•A idéia de propriedade passou por um crescimento e um


desenvolvimento semelhantes. C o m e ç a n d o do zero, na selva-
geria, a paixão pela propriedade, c o m o r e p r e s e n t a n d o a sub-
sistência acumulada, tornou-se agora d o m i n a n t e na m e n t e
h u m a n a nas raças civilizadas.
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As q u a t r o classes de fatos indicadas acima se e s t e n d e m em
linhas naralelas ao longo dos c a m i n h o s percorridos pelo pro-
46 Evolucionismo Cultural

gresso h u m a n o , da selvageria à civilização, e c o n s t i t u e m os


principais temas de discussão deste volume.
Há um c a m p o de t r a b a l h o no qual, c o m o americanos, te-
m o s um interesse - b e m c o m o u m a obrigação - especial. Sendo
r e c o n h e c i d a m e n t e a b u n d a n t e em riqueza material, o conti-
nente americano é t a m b é m o mais rico de todos em materiais
etnológicos, filológicos e arqueológicos que ilustram o grande
período da barbárie. C o m o a h u m a n i d a d e foi u m a só na ori-
gem, sua trajetória tem sido essencialmente u m a , seguindo por
canais diferentes, mas uniformes, em todos os continentes, e
m u i t o semelhantes em todas as tribos e nações da h u m a n i d a d e
que se e n c o n t r a m no m e s m o s t a t u s de desenvolvimento. Se-
gue-se daí que a história e a experiência das tribos indígenas
americanas representam, mais ou m e n o s a p r o x i m a d a m e n t e , a
história e experiência de nossos próprios ancestrais remotos,
q u a n d o em condições correspondentes. Sendo u m a parte do
registro h u m a n o , suas instituições, artes, invenções e experiên-
cias práticas p o s s u e m um grande e especial valor que alcança
m u i t o mais do que apenas a raça indígena.

Q u a n d o descobertas, as tribos indígenas americanas re-


presentavam três períodos étnicos distintos, e mais completa-
m e n t e do que eram então representados em qualquer o u t r a
parte da terra. Materiais para a etnologia, filologia e arqueolo-
gia estavam disponíveis em a b u n d â n c i a sem paralelo; mas,
c o m o essas ciências p r a t i c a m e n t e só passaram a existir no pre-
sente século, e são incipientemente exercidas entre nós ainda
hoje, o trabalho a ser feito superava os trabalhadores. Além dis-
so, e n q u a n t o os restos de fósseis enterrados serão m a n t i d o s na
terra para o futuro estudante, o m e s m o não acontecerá com o
Apresentação 47

que sobra das artes, linguagens e instituições indígenas. Elas


estão perecendo a cada dia, e tem sido assim por mais de três sé-
culos. A vida étnica das tribos indígenas está d e c l i n a n d o sob a
influência da civilização americana; suas artes e linguagens es-
tão desaparecendo e suas instituições estão se dissolvendo.
Dentro de mais uns poucos anos, fatos que p o d e m ser agora
facilmente coletados serão impossíveis de descobrir. Tais
circunstâncias apelam fortemente aos americanos para q u e en-
trem nesse amplo c a m p o e colham sua a b u n d a n t e seara.

Rochester, Nova York, março de 1877


PARTE I - D e s e n v o l v i m e n t o da i n t e l i g ê n c i a
a t r a v é s das i n v e n ç õ e s e d e s c o b e r t a s

CAPÍTULO I - Períodos Étnicos

s mais recentes investigações a respeito das condições pri-


A mitivas da raça h u m a n a estão t e n d e n d o à

que a h u m a n i d a d e começou sua carreira na base da escala e


c o n c l u s ã o de

seguiu um caminho ascendente, desde a selvageria até a civili-


zação, através de lentas acumulações de c o n h e c i m e n t o experi-
mental.
C o m o é inegável que partes da família h u m a n a t e n h a m
existido n u m estado de selvageria, outras partes n u m estado de
barbárie e outras ainda n u m estado de civilização, parece t a m -
bém q u e essas três distintas condições estão conectadas u m a s
às o u t r a s n u m a seqüência de progresso q u e é t a n t o n a t u r a l
como necessária. Além disso, é possível s u p o r que essa seqüên- ,.•
cia t e n h a sido historicamente verdadeira p a r a t o d a a família
h u m a n a , até o status respectivo atingido por cada r a m o .
Essa suposição baseia-se no c o n h e c i m e n t o das condições em
que ocorre todo progresso, e t a m b é m no avanço conhecido
de diversos ramos da família através de d u a s ou mais dessas
50 A Sociedade Antiga

N a s páginas seguintes, será feira u m a tentativa de apresen-


tar evidência adicional da rudeza da condição primitiva da hu-
m a n i d a d e , da evolução gradual de seus poderes m e n t a i s e
morais através da experiência, e de si ia p r o l o n g a d a luta com os
o b s t á c u l o s que encontrava em sua m a r c h a a c a m i n h o da civili-
zação. Essas evidências estarão baseadas, em parte, na grande
seqüência de invenções e descobertas que se estende ao longo
de t o d o o c a m i n h o do progresso h u m a n o , mas levam em con-
ta, p r i n c i p a l m e n t e , as instituições domésticas que expressam o
crescimento de certas idéias e paixões.

À m e d i d a que avançamos na direção das idades primitivas


da h u m a n i d a d e , seguindo as diversas linhas de progresso, e eli-
m i n a m o s , u m a após outra, na o r d e m em que aparecerem, in-
venções e descobertas, de um lado. e instituições, de o u t r o ,
t o r n a m o - n o s capazes de perceber que asrjumcrras tem umaTe-
lação progressiva entre si, e n q u a n t o as ultimas foram se desdo-
b r a n d o . Ou seja: e n q u a n t o invenções e descobertas tiveram
u m a conexão mais ou menos direta, as instituições se desenvol-
veram a partir de uns poucos germes primários de pensamen-
to. As instituições modernas têm suas raízes p l a n t a d a s no
período da barbárie, ao qual suas origens foram t r a n s m i t i d a s a
partir do período anterior de selvageria. Tiveram u m a descen-
dência linear através das idades, com as linhas de sangue, e
t a m b é m a p r e s e n t a r a m um desenvolvimento lógico.

Duas linhas de investigação independentes convidam, as-


sim, nossa atenção. Uma passa por invenções e descobertas; a
outra, por instituições primárias. Com o conhecimento propi-
ciado por essas linhas, podemos esperar indicar os principais
estágios do desenvolvimento h u m a n o . As provas a serem apre-
sentadas derivarão, principalmente, cie instituições domésticas;

i
Lewis Henry Morgan 5J

as referências a realizações de natureza estritamente intelectual


serão de caráter geral e receberão atenção secundária aqui.
Os fatos indicam a formação gradual e o desenvolvimento
s u b s e q ü e n t e de certas idéias, paixões e aspirações. Aquelas que
o c u p a m as posições mais p r o e m i n e n t e s p o d e m ser generaliza-
das c o m o sendo ampliações das idéias particulares com as
quais estão respectivamente conectadas. Além das invenções e
descobertas, essas idéias são as seguintes:

I. Subsistência
II. Governo
III. Linguagem
IV. Família
V. Religião
VI. Vida doméstica e arquitetura
VII. Propriedade

Primeira. A subsistência foi a u m e n t a d a e aperfeiçoada p o r


u m a série de artes sucessivas, i n t r o d u z i d a s no decorrer de lon-
gos intervalos de tempo e conectadas mais ou m e n o s direta-
mente com invenções e descobertas.
Segunda. O germe do governo deve ser b u s c a d o na organi-
zação por gentes no status de selvageria, e seguido, através de
formas cada vez mais avançadas, até o estabelecimento da socie-
dade política.
Terceira. A fala h u m a n a parece ter se desenvolvido a p a r t i r
das formas mais rudes e simples de expressão. A linguagem de
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gestos ou sinais, como sugerido por Lucrécio, tem que ter prece-
dido a linguagem articulada, assim c o m o o p e n s a m e n t o precede
a fala. O monossilábico precedeu o silábico, tal como esse prece-
deu as palavras concretas. A inteligência h u m a n a , inconsciente
5* A Sociedade Antiga

de propósito, desenvolveu a linguagem articulada utilizando os


sons vocais. Esse grande tema, em si mesmo u m a área específica
de estudo, está fora do escopo da presente investigação.
Quarta. C o m respeito à família, seus estágios de crescimen-
to estão incorporados em sistemas de consangüinidade e afini-
dade e nos costumes relacionados ao casamento, por meio do
qual, coletivamente, a história da família pode ser seguramente
traçada através de diversas formas sucessivamente assumidas.
Quinta. O crescimento de idéias religiosas está cercado de
t a n t a s dificuldades intrínsecas que talvez n u n c a receba u m a
explicação perfeitamente satisfatória. A religião trata, em tão
g r a n d e medida, da natureza imaginativa e emocional e, conse-
q ü e n t e m e n t e , de tão incertos elementos do conhecimento, que
todas as religiões primitivas são grotescas e, n u m a certa medi-
da, ininteligíveis. Esse t e m a t a m b é m está fora do plano deste
trabalho, exceto q u a n d o p u d e r trazer sugestões incidentais.
Sexta. A arquitetura da habitação, que está ligada à forma
da família e ao plano de vida doméstica, permite u m a ilustra-
ção razoavelmente completa do progresso desde a selvageria
até a civilização. Seu crescimento pode ser traçado da cabana
do selvagem, através das habitações c o m u n a i s dos bárbaros,
até a casa da família nuclear das nações civilizadas, com todos
os vínculos sucessivos através dos quais um extremo está co-
n e c t a d o ao o u t r o . Esse tema será observado incidentalmente.
Ultima. A idéia de propriedade foi lentamente formada na
m e n t e h u m a n a , p e r m a n e c e n d o em estado nascente e precário
por imensos períodos de t e m p o . Surgindo d u r a n t e a selvageria,
requereu toda a experiência daquele período e da subseqüente
barbárie para desenvolver-se e preparar o cérebro h u m a n o para
a arpirarãn HP sua influência controladora. Sua dominância,
Lewis Henry Morgan 53

c o m o u m a paixão acima de todas as o u t r a s , m a r c a o c o m e ç o da


civilização. Ela não a p e n a s levou a h u m a n i d a d e a s u p e r a r os
obstáculos que atrasavam a civilização, m a s t a m b é m a estabe-
lecer a sociedade política baseada no território e na proprieda-
de. Um c o n h e c i m e n t o crítico sobre a evolução da idéia de
propriedade incorporaria, em alguns aspectos, a parte mais n o -
tável da história m e n t a l da h u m a n i d a d e . /
Tratarei de apresentar a l g u m a evidência do progresso h u -
m a n o ao longo dessas diversas linhas e através de sucessivos pe-
ríodos étnicos, tal como revelado por invenções e descobertas e
pelo crescimento das idéias de governo, família e p r o p r i e d a d e .
Pode ser explicitada aqui a premissa de que t o d a s as for-
mas de governo são redutíveis a dois planos gerais, u s a n d o a
palavra plano em seu sentido científico. Em suas bases, os d o i s
são f u n d a m e n t a l m e n t e distintos. O primeiro a surgir está ba-
seado em pessoas e em relações p u r a m e n t e pessoais, e p o d e ser
distinguido como u m a sociedade (societas). Agens é a u n i d a d e
dessa organização. No período arcaico, ocorreram estágios su-
cessivos de integração: agens, a fratria, a tribo e a confederação
de tribos, que c o n s t i t u í a m um povo ou nação {populus). N u m
período posterior, u m a coalescência de tribos na m e s m a área,
f o r m a n d o u m a nação, t o m o u o lugar da confederação de tri-
bos o c u p a n d o áreas independentes. Assim ocorreu, através de
prolongadas eras, após o aparecimento dagens, a o r g a n i z a ç ã o
quase universal da sociedade antiga; e p e r d u r o u entre os gregos
e r o m a n o s após o s u r g i m e n t o da civilização.

O segundo plano é baseado no território e na p r o p r i e d a d e ,


e pode ser distinguido c o m o um estado (civitas). A vila ou distri -
to, circunscrita por limites e cercas, com a propriedade q u e
contém, é a. base ou unidade do estado, e a sociedade nolítica.é
54 A Sociedade Antiga

Sjejoj^sukado. Essa está o r g a n i z a d a sobre áreasjL^ritoriais e


t r a t a da propriedade e das pessoas, através de relações-territo.-
riais. Os sucessivos estágios de integração são a vila ou distrito,
q u e é a. u n i d a d e de organização; o c o n d a d o ou província., que é
u m a agregação de vilas ou distritos; e o d o m í n i o ou território
nacional, que é u m a agregação de c o n d a d o s ou províncias; e o
povo de cada u m a delas está o r g a n i z a d o em um corpo político.
Após terem alcançado a civilização, coube aos gregos e roma-
nos, u s a n d o suas capacidades até o limite, inventar a vila e o
distrito e, assim, inaugurar o s e g u n d o grande plano de. gover-
no, que permanece até o presente entre as nações civilizadas.
Na sociedade antiga, esse p l a n o territorial era desconhecido.
Q u a n d o ele apareceu, fixou as linhas de fronteira entre a socie-
d a d e antiga e a moderna, n o m e s c o m os quais a distinção será
reconhecida nestas páginas.

Pode-se observar t a m b é m que as instituições domésticas


dos bárbaros, e m e s m o dos ancestrais selvagens da h u m a n i d a -
de, a i n d a estão exemplificadas em partes da família h u m a n a , e
c o m t a m a n h a completude que, exceto pelo período estrita-
m e n t e primitivo, os diversos estágios desse progresso esrão ra-
zoavelmente preservados. Eles são vistos na organização da
sociedade com base no sexo, depois com base no parentesco e,
finalmente, com base no território; através das sucessivas for-
m a s de c a s a m e n t o e de família, com os sistemas de consan-
g ü i n i d a d e assim criados; através da vida familiar e de sua
a r q u i t e t u r a , e através do progresso nos usos relativos à proprie-
d a d e e à transmissão da m e s m a por herança.
A teoria da degradação h u m a n a para explicar a existência
dos selvagens e dos bárbaros já n ã o é mais sustentável. Ela apa-
receu c o m o um corolário da c o s m o g o n i a mosaica" e foi aceita a
Lewis Henry Morgan 55

partir de u m a s u p o s t a necessidade que já n ã o existe. C o m o teo-


ria, é n ã o apenas incapaz de explicar a existência de selvagens
corno t a m b é m não e n c o n t r a s u p o r t e nos fatos da experiência
humana.
Os remotos ancestrais das nações arianas presumivelmen-
te passaram por u m a experiência similar à das tribos bárbaras e
selvagens existentes. Embora a experiência dessas nações con-
tenha t o d a a informação necessária para ilustrar os períodos de
civilização t a n t o antigos q u a n t o m o d e r n o s , e t a m b é m u m a
parte do último período de barbárie, sua experiência a n t e r i o r
tem que ser deduzida, em sua maior parte, da conexão q u e
pode ser traçada entre os elementos de suas instituições e in-
ventos existentes e os elementos similares ainda preservados
nas instituições e inventos das tribos selvagens e bárbaras.
Pode ser observado, finalmente, que a experiência da_h_u :

manidade tem seguido por canais quase uniformes; que as


necessidades h u m a n a s , em condições similares, têm sido subs-
tancialmente as mesmas; e que as operações de princípio m e n -
tal têm sido uniformes em virtude da identidade específica do
cérebro em todas as raças da h u m a n i d a d e . Isso, no e n t a n t o , é
apenas u m a parte da explicação da uniformidade dos resulta-
dos. Os germes das principais instituições e artes da vida foram
desenvolvidos e n q u a n t o o h o m e m ainda era um selvagem. Em
larga medida, a experiência dos períodos subseqüentes de bar-
bárie e de civilização foi p l e n a m e n t e utilizada no desenvolvi-
m e n t o que se seguiu a essas concepções originais. O n d e quer
que se possa traçar u m a conexão, em diferentes c o n t i n e n t e s ,
entre u m a instituição hoje existente e u m a origem c o m u m , es-
tará implícito que os próprios povos derivam de um estoque
original c o m u m .
56 A Sociedade Antiga

A discussão dessas diversas classes de fatos será facilitada


pelo estabelecimento de um certo n ú m e r o de períodos étnicos,
cada um representando u m a condição distinta de sociedade e
p o d e n d o ser distinguido dos "outros por seu m o d o de vida
peculiar. Os termos "Idade da Pedra", "do Bronze" e "do Ferro",
i n t r o d u z i d o s por arqueólogos dinamarqueses, têm sido extre-
m a m e n t e úteis para certos propósitos, e c o n t i n u a r ã o a sê-lo
para a classificação de objetos de arte antiga; mas o progresso
do c o n h e c i m e n t o t o r n o u necessárias outras e diferentes subdi-
visões. I m p l e m e n t o s de pedra não foram t o t a l m e n t e deixados
de lado com a i n t r o d u ç ã o das ferramentas de ferro n e m das de
bronze. A invenção do processo de fundição do minério de fer-
ro criou u m a época étnica, mas dificilmente p o d e m o s datar
u m a o u t r a que se t e n h a iniciado com a p r o d u ç ã o do bronze.
Além disso, c o m o a época dos implementos de pedra se sobre-
põe aos períodos dos i n s t r u m e n t o s de bronze e ferro, e como a
do bronze t a m b é m se sobrepõe à do ferro, n ã o é possível cir-
cunscrever cada um desses períodos e tratá-los c o m o indepen-
dentes e distintos.
D a d a a grande influência que devem ter exercido sobre a
condição da h u m a n i d a d e , as sucessivas artes de subsistência,
surgidas a longos intervalos, provavelmente virão a possibili-
tar, ao final, bases mais satisfatórias para essas divisões. Mas a
pesquisa não foi levada suficientemente longe nessa direção
para p r o d u z i r a informação necessária. C o m nosso conheci-
m e n t o atual, o principal resultado pode ser o b t i d o selecionan-
do o u t r a s invenções ou descobertas que p e r m i t a m suficientes
testes de progresso para caracterizar o começo de sucessivos pe-
ríodos étnicos. M e s m o que sejam aceitos como provisórios, es-
J- - ' — - ~ i-ac o úroíc Vprfmos romo
Lewis Henry Morgan 57
-
cada um dos que serão p r o p o s t o s em seguida cobrirá u m a cul-
t u r a d i s t i n t a e representará um m o d o de vida particular.
O período de selvageria, de cuja parte mais a n t i g a sabe-se
m u i t o p o u c o , pode ser dividido, provisoriamente, em três sub-
períodos. Esses p o d e m ser c h a m a d o s de p e r í o d o inicial, interme-
diário ou final de selvageria; e a condição da sociedade em cada
u m , respectivamente, pode ser distinguida c o m o s t a t u s inferior,
intermediário ou superior de selvageria.
Da m e s m a forma, o período de barbárie se divide n a t u r a l -
m e n t e em três subperíodos, que serão c h a m a d o s de p e r í o d o ini-
cial, intermediário ou final de barbárie; e a condição da sociedade
em cada, respectivamente, será distinguida c o m o s t a t u s infe-
rior, intermediário ou superior de barbárie.
Para marcar o começo desses diversos períodos, é difícil, se
não impossível, encontrar testes de progresso que se revelem
absolutos em sua aplicação e sem exceções em t o d o s os conti-
nentes. Mas t a m b é m não é necessário, para o p r o p ó s i t o em
mãos, que não existam exceções. Será suficiente que as princi-
pais tribos da h u m a n i d a d e possam ser classificadas, de a c o r d o
com o grau de seu progresso relativo, em condições que p o s -
sam ser reconhecidas como distintas.

I, Status inferior de selvageria. Esse período c o m e ç o u c o m a infân-


cia da raça h u m a n a , e pode-se dizer que t e r m i n o u c o m a aquisi-
ção de u m a dieta de subsistência à base de peixes e com um
c o n h e c i m e n t o do uso do fogo. A h u m a n i d a d e estava e n t ã o vi-
vendo em seu h a b i t a t original restrito, s u b s i s t i n d o c o m frutas
e castanhas. O começo da fala articulada ocorre nesse p e r í o d o .
N ã o restou, no período histórico, n e n h u m exemplo de t r i b o s
da h u m a n i d a d e nessa condição.
5« A Sociedade Antiga

II. Status intermediário de selvageria. C o m e ç o u com a aquisi-


ção de u m a dieta de subsistência baseada em peixes e c o m um
c o n h e c i m e n t o do uso do fogo, e t e r m i n o u com a invenção do
arco-e-flecha. A h u m a n i d a d e , e n q u a n t o nessa condição, espa-
lhou-se, a partir de seu habitat original, por grande parte da su-
perfície da terra. Entre tribos ainda existentes, encaixam-se no
s t a t u s intermediário de selvageria, por exemplo, os australia-
nos e a maior parte dos poünésios, q u a n d o descobertos. Será
suficiente dar um ou mais exemplos de cada status.
III. Status superior de selvageria. Começou com a invenção do
arco-e-flecha e terminou com a invenção da arte da cerâmica. No
t e m p o de sua descoberta, encontravam-se no status superior de
selvageria as tribos dos atapascos, no território da baía de Hud-
son, as tribos do vale do Columbia e certas tribos costeiras da
América do Norte e do Sul. Isso encerra o período de Selvageria.
IV. Status inferior d_e_barbárie. Q u a n d o se levam em c o n t a to-
dos os aspectos, a invenção ou prática da arte da cerâmica é,
provavelmente, o teste mais efetivo e conclusivo que se pode
escolher para fixar u m a linha dernarcatória, necessariamente
arbitrária, entre a selvageria e a barbárie. Há m u i t o foram reco-
nhecidas as especificidades de cada u m a das duas condições,
mas não se p r o d u z i u , desde então, n e n h u m critério para defi-
nir etapas de progresso de u m a condição para a outra. Assim,
todas as tribos
1 que n u n c a alcançaram a arte da cerâmica serão
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classificadas c o m o selvagens, e aquelas que possuem essa arte,
mas n u n c a chegaram a um alfabeto fonético e_ao uso da escrita,
serão classificadas c o m o bárbaras.
O primeiro s u b p e r í o d o da barbárie começou com a m a n u -
fatura de objetos de cerâmica, seja por invenção original ou por
adoção. Para d e t e r m i n a r seu t é r m i n o e o começo do s t a t u s in-
Lewis Henry Morgan 59 ,
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termediário, e n c o n t r a m o s a dificuldade de os dois hemisférios


terem características naturais distintas, o que c o m e ç o u a ter
influência sobre os negócios h u m a n o s depois de passado o pe-
ríodo da selvageria. No e n t a n t o , pode-se resolver isso com a
adoção de equivalentes. A domesticação de animais no hemis-
fério oriental e, no ocidental, o cultivo irrigado de m i l h o e
plantas, j u n t o com o uso de tijolos de adobe e pedras na cons-
trução de casas, foram selecionados como evidência suficiente
de avanços para possibilitar a transição do status inferior para
o status intermediário da barbárie. No status inferior estão,
por exemplo, as tribos indígenas a leste do rio Missouri, nos
Estados Unidos, e aquelas tribos da E u r o p a e da Ásia que prati-
cavam a arte da cerâmica, mas não t i n h a m animais domésticos.

V. Status intermediário de barbárie. Começou com a domesti-


cação de animais no hemisfério oriental e, no ocidental, com a
agricultura de irrigação e com o uso de tijolos de adobe e pedras
na arquitetura, como mostrado. Seu término pode ser fixado
pela invenção do processo de forjar o minério de ferro. Isso situa
no status intermediário, por exemplo, os índios pueblos do Novo
México, do México, da América Central e do Peru, e aquelas tri-
bos do hemisfério oriental que possuíam animais domésticos,
mas não tinham um conhecimento do ferro. N u m a certa medi-
da, os antigos bretões, embora familiarizados com o uso do fer-
ro, t a m b é m pertencem a essa subdivisão. A vizinhança c o m
tribos continentais mais adiantadas havia avançado as artes de
subsistência entre eles muito além do que correspondia ao esta-
do de desenvolvimento de suas instituições domésticas.
VI. Status superior de barbárie. Começou c o m a m a n u f a t u r a
de ferro e terminou com a invenção do alfabeto fonéticQ e o u s o
(da_escrita em composição literária. Aqui começa a civilização.
6o A Sociedade Antiga

Isso p õ e no s t a t u s superior, por exemplo, as tribos gregas da


idade de H o m e r o , as tribos italianas logo antes da fundação de
R o m a e as tribos germânicas do t e m p o de César.
VII. Statusde civilização. C o m e ç o u , c o m o dito, c o m o uso do
alfabeto fonético e a p r o d u ç ã o de registros literários, e se divide
em Antigo e Moderno. C o m o um equivalente, pode-se admitir a
escrita hieroglífica em pedra.

RECAPITULAÇÃO

Períodos Condições

I. Período inicial S t a t u s inferior Da infância da raça h u m a n a


de selvageria de selvageria até o c o m e ç o do p r ó x i m o
período.

II. P e r í o d o Status Da aquisição de u m a dieta de


i n t e r m e d i á r i o de intermediário subsistência à base de peixes e
selvageria de selvageria de um conhecimento do uso
do fogo até etc.

III. P e r í o d o final Status superior Da invenção do arco-e-flecha


de selvageria de selvageria até etc.

IV. P e r í o d o S t a t u s inferior Da invenção da arte da


inicial de de barbárie cerâmica até etc.
barbárie

V. P e r í o d o Status Da d o m e s t i c a ç ã o de a n i m a i s
. i n t e r m e d i á r i o de intermediário no hemisfério oriental e, no
barbárie de barbárie ocidental, do cultivo irrigado
de m i l h o e p l a n t a s , com o u s o
de tijolos de a d o b e e pedras,
até etc.

VI. P e r í o d o final Status superior Da invenção do processo de


de barbárie de barbárie fundir minério de ferro, c o m o
uso de ferramentas de ferro,
até etc.

VII. S t a t u s de S t a t u s de Da invenção do alfabeto


civilização civilização fonético, c o m o uso da escrita,
até o-tempo presente.
Lewis Henry Morgan 61

C a d a um desses períodos t e m u m a c u l t u r a d i s t i n t a e exibe


seu m o d o de vida mais ou m e n o s especial e peculiar. Essa espe-
cialização de períodos étnicos possibilita t r a t a r u m a sociedade
específica de acordo com suas condições de avanço relativo, e
tomá-la c o m o um t e m a i n d e p e n d e n t e para e s t u d o e discussão.
N ã o afeta o resultado principal o fato de que, n u m m e s m o tem-
po, diferentes tribos e nações do m e s m o c o n t i n e n t e , e até da
m e s m a família lingüística, estejam em diferentes condições,
pois, para nosso propósito, a condição de cada u m a é o fato ma-
terial, o tempo sendo imaterial.

O u t r a vantagem de fixar períodos étnicos definidos é que


isso possibilita orientar u m a investigação especial para aquelas
tribos e nações que oferecem a m e l h o r exemphficação de cada
status, a fim de tornar cada caso t a n t o um p a d r ã o q u a n t o um
elemento ilustrativo. Algumas tribos e famílias foram deixadas
em isolamento geográfico para resolver os p r o b l e m a s do pro-
gresso através de esforço m e n t a l original e, c o n s e q ü e n t e m e n t e ,
mantiveram suas artes e instituições p u r a s e h o m o g ê n e a s , en-
q u a n t o aquelas de outras tribos e nações foram a d u l t e r a d a s
pela influência externa. Assim, e n q u a n t o a África era e é um
caos étnico de selvageria e barbárie, a Austrália e a Polinésia es-
tavam na selvagena p u r a e simples, com as artes e instituições
próprias daquela condição. Da m e s m a forma, a família indíge-
na da América, diferente de qualquer o u t r a existente, exempli-
ficava a condição da h u m a n i d a d e em três períodos étnicos
sucessivos. Na posse não p e r t u r b a d a de um grande c o n t i n e n t e ,
com u m a linhagem c o m u m e com instituições h o m o g ê n e a s ,
aqueles indígenas ilustravam, q u a n d o descobertos, cada u m a
A^^n^t- ^^r>A,/-/AOO o- ocnornlmpnrp ac rnnrhrnpç d n s çrptllS infe-
62 A Sociedade Antiga

rior e intermediário de barbárie; e isso se dava de u m a forma


m a i s elaborada e mais c o m p l e t a que entre qualquer o u t r a par-
cela da h u m a n i d a d e . Os índios do extremo norte e algumas das
tribos costeiras da América do N o r t e e do Sul estavam no sta-
tus superior de selvageria; os índios parcialmente aldeados, a
leste do Mississipi, estavam no status inferior de barbárie, e os
pueblos da América do N o r t e e do Sul estavam no status inter-
mediário. D e n t r o do período histórico, ainda não houvera
u m a o p o r t u n i d a d e c o m o essa para se recuperar u m a informa-
ção c o m p l e t a e minuciosa sobre o curso da experiência e do
progresso h u m a n o s no desenvolvimento de suas artes e insti-
tuições através desses períodos sucessivos. Deve-se acrescentar
que a o p o r t u n i d a d e tem sido aproveitada de maneiras desi-
guais. Nossas maiores deficiências estão relacionadas ao últi-
m o período n o m e a d o .
Sem dúvida, existiam diferenças entre culturas do mesmo
período nos hemisférios oriental e ocidental, em conseqüência
das características desiguais de cada continente; mas a condi-
ção da sociedade no status correspondente tem que ter sido,
em sua maior parte, substancialmente semelhante.
Os ancestrais das tribos gregas, romanas e germânicas pas-
s a r a m pelos estágios que indicamos, e, na metade do último, a
luz da história caiu sobre eles. Sua diferenciação da massa in-
distinguível de bárbaros não ocorreu, provavelmente, antes do
começo do período intermediário de barbárie. A experiência
dessas tribos foi perdida, com exceção de t u d o que é represen-
t a d o pelas instituições, invenções e descobertas que trouxeram
c o m eles e que possuíam q u a n d o pela primeira vez se encontra-
ram sob observação histórica. As tribos gregas e latinas dos
períodos de H o m e r o e R ô m u l o permitem a melhor exemplifi-
Lewis Henry Morgan 63

cação do status superior de barbárie. Suas instituições eram,


igualmente, puras e h o m o g ê n e a s , e sua experiência está direta-
m e n t e conectada com a chegada, p o r fim, à civilização.
Começando, então, com os australianos e polinésios, se-
g u i n d o c o m as tribos de índios americanos e c o n c l u i n d o c o m
os r o m a n o s e gregos, que p e r m i t e m as mais elevadas exemplifi-
cações, respectivamente, dos seis grandes estágios do progresso
h u m a n o , é bastante razoável s u p o r que a s o m a de suas expe-
riências unidas representa a experiência da família h u m a n a
desde o status intermediário de selvageria até o final da civiliza-
ção antiga. Conseqüentemente, as nações arianas e n c o n t r a r ã o
o tipo correspondente à condição de seus ancestrais r e m o t o s ,
q u a n d o na selvageria, nas condições dos australianos e poli-
nésios; q u a n d o no status inferior de barbárie, nos índios se-
mi-aldeados da América; e, q u a n d o no status intermediário,
nas condições dos índios pueblos, c o m as quais se conecta dire-
tamente sua própria experiência no status superior. Tão essen-
cialmente idênticos em todos os continentes são as artes,
instituições e o m o d o de vida no m e s m o status, que a forma ar-
caica das principais instituições domésticas dos gregos e roma-
nos pode ser vista, ainda hoje, nas instituições correspondentes
dos aborígines americanos, c o m o será m o s t r a d o no curso deste
volume. Esse fato constitui u m a parte da evidência a c u m u l a d a
tendente a m o s t t a r que as principais instituições da h u m a -
nidade foram desenvolvidas a partir de uns poucos germes
primários de pensamento; e que o curso e o m o d o de seu desen-
volvimento foram predeterminados, bem c o m o m a n t i d o s den-
tro de estreitos limites de divergência, pela lógica natural da
mente h u m a n a e pelas necessárias limitações de seus poderes.
Descobriu-se que, n u m mesmo status, o tipo de progresso foi
64 A Sociedade Antiga

substancialmente o m e s m o em tribos e nações h a b i t a n d o con-


tinentes diferentes e até m e s m o não conectados,. c o m d e s v i o s
da uniformidade o c o r r e n d o em casos particulares e sendo p r o -
d u z i d o s por causas especiais. O a r g u m e n t o , q u a n d o desenvol-
vido, tende a estabelecer a u n i d a d e de origem da h u m a n i d a d e .
Ao estudar as condições de tribos e nações nesses diversos
períodos étnicos, estamos lidando, substancialmente, com a
história antiga e com as antigas condições de nossos próprios
r e m o t o s ancestrais.

NOTAS

' O p t o u - s e por m a n t e r no original a palavra latina gens (plural,gentes), por n ã o


possuir c o r r e s p o n d e n t e em p o r t u g u ê s . Seu uso disseminou-se principalmen-
te a p ó s a publicação, em 1864, de A cidade antiga, de Fustel de Coulanges. Esse
a u t o r b u s c o u a p r e s e n t a r as características arcaicas da organização social gre-
ga e r o m a n a , e s t e n d e n d o - a s t a m b é m para os povos i n d o - e u r o p e u s . Na gens
"Lar, t ú m u l o , p a t r i m ô n i o , na origem t u d o isso era indivisível. E a família
t a m b é m , c o n s e q ü e n t e m e n t e . O t e m p o não a desmembrava. Essa família in-
divisível, que se desenvolvia através das eras p e r p e t u a n d o o seu culto e o seu
n o m e pelos séculos afora, foi a verdadeira gens. A gens era a família, p o r é m a fa-
mília que conservara a u n i d a d e o r d e n a d a pela sua religião e alcançara t o d o o
desenvolvimento que o a n t i g o direito privado lhe permitia atingir." (Rio de
Janeiro: E d i o u r o , 2 0 0 3 , p. 143) A evolução da sociedade teria levado à associa-
ção de gentes em fratrias ou cúrias, nas quais cada gens m a n t i n h a s u a religião e
governo domésticos, m a s s u r g i a m u m a divindade e a u t o r i d a d e s c o m u n s . Se-
g u n d o C o u l a n g e s , "a associação c o n t i n u o u crescendo n a t u r a l m e n t e , segun-
do o m e s m o sistema. M u i t a s cúrias ou fratrias agruparam-se e f o r m a r a m
u m a tribo. Esse novo círculo t a m b é m teve a sua religião; em cada tribo houve
um altar e u m a divindade p r o t e t o r a . " (p.157) (N. Org.)
2
Isto é: invenções e descobertas, governo, família e p r o p r i e d a d e , cada qual
c o r r e s p o n d e n d o a u m a parte do livro Ancient Society. (N.T.)
3
T i t o Lucrecio Caro (96-55 a . C ) , filósofo e poeta r o m a n o , a u t o r de De rerum
natura. (N.T.)
Lewis Henry Morgan 65

5
F o r a m aqui s u p r i m i d a s crês p á g i n a s do texro original nas q u a i s se d i s c u t e m ,
com detalhes técnicos que n ã o são f u n d a m e n t a i s p a r a o objetivo d e s t a coletâ-
nea, as razões para a a d o ç ã o do u s o da cerâmica c o m o m a r c o de s e p a r a ç ã o de
períodos étnicos. A idéia central de M o r g a n é que "A m a n u f a t u r a de c e r â m i c a
pressupõe u m a vida aldeã e considerável progresso nas artes s i m p l e s . " (N. Org.)

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