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CAPmJl01

RAÇA, ~ NAÇÃO

l Os debates do século XIX

Abordar uma retlocão sobre a Cblid dadc por uma aprescnmç&>


das ideias do século panado nAo amiém, aqui, de um ccierddo ~
mioo ou de uma revertncia obripória :aos P:ais F,,..,ladorcs. Tm-se
anies de ver o modo romo. desde wacriação no inicio do século XIX,
a noçAo de cmia se encontra mecdada 11 ouaus noções conms, as
de poYO, de raça ou de naçjo, com as quais mantém relações ambf.
guas cujo rastro cnrontr.amos noa deba1rs oon1rrnportneos.
De um modo ou Jc oucro, oa aurores do século XIX 1rncun
rapondc:r à mesma quc.srio: como abranger princlpios sobre o,
quais se fundam a amaçlo e a separação dns populações! Ê para
responder a esca questão que Vacher de l..apouge incroduz nas
dlndaa sociais a noçk> de etnia, sem atribuir-lhe, por sua vc,
uma grande impordnda. Para este defensor inflamado da •esco1a
selecionim•, a raça. definida como o conjunto dos Individuo,
que possuem cm comum um deu:nnlnado ripo hereditário, é o fa.
ror fundamental da história. Zoologista antes de mais nada, como
PHILIPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART

de p róprio se definiu, Vacher de Lipougc considera o homem


não como um ser à pane mas co mo um primatl ruja caractrrisri•
et Jc espécie é a J e csc1r submetido mais à sdcç\o social que à se-
lcçlo narural. Ê, cnc1o , o modo pelo qual. sob o efeitu das
sd cções sociais, os elemen tos an tropol~aicos superiores e infe-
riores se combinam em uma população que determina as \licwíru-
dt.~ da história, istu é, ·a vida e a morte, Q crescimento e o declínio
das nações". Se Vachcr de upougc in\1Cnc1 o \IOclbulo cm.ia, é,
afirma ele, para prt.-venir um "erro" que consiste cm confun dir a
raça - que de idcn rifict pela associação de ctracrrristiCIS morfolugi-
cts (alrura, índice cef:ilico etc.) e qualidades psicológicts - . com
um mo<lu dé a1,ifllpam.:flto form:ndo a partir de laços, intêl«ru.1is,
como a culn.ra ou a lín gua. Tais grupos sociais (que de defi n e si•
mult1ancamen tc como -narurais e fuctiáos") não podem, segundo
de, confundir-se com a raça, e até mesmo lhe são "mais ou me-
nos opostos", dado que se trata de a(,,rupamcntos que resultam da
reunião de elementos de mças distintas que se encontram submis-
sos, sob o efeito de acontecimentos histü ricos, a instirui~i'ks, a
uma or1,,an izaç\o poliri,:a, a cosrumes ou idéias comuns. Também
n.,o se pode confundi-los com as nações, vístu que a solidariedade
assim constiruida subsiste para além da fr.11,.'lllcntaç."io do grupo
que a pnxluziu. Uma vez que este dcsapar,-ce como entida..lc so-
ciopulirica, permanece s-.:mprc " uma cena arraç;\o entre as panes
disjunc,s e uma antipari;, particu lar para com os grupos sociais de
outras orij?\!ns" (Vachcr de upouge, 1896. p. l O). Ê, cnc\o, para
dar conci de uma solidariedade de grupo particular, simult:anca-
mentc diferente daquela p roduzida pela urga nizaçãu politiL1l e <la-
queia produzida pela semelhança anrrupolóJ.,rio1, ~,uc u ~rmo
etnia foi introduz.ido na lingua francesa. 1

E.ta pmncln Jctinl~ • n c ~• J.c cmia pcnn>:\C'Ccr.l Junnn, mu11u rcmpo


lnftucmc na conccpç!iu Jus ~'tUpos ê!mlCOs; rttncon1nmo,la cspcdal1nen1e na
J«lin,ç!iu que lhe J:i FnnCI): " Um L'NJ)O t1n1ro n Ao • uma nçn te Jctinirmos •
raça no >ccntiJo aniru!')f....._,co romu ,u m L""l'O ,lc p,,uo:u icnJo c:iracteri>IIC:U
fl11õi rumuni. Ele n~ íunsnnu 11,1\J:ilmtnre um3 MÇ\u ~ tnrcn.lennos por
n~ uma socicJ:i.k un1fic:iJa por um L'O\Tmu comum tiu uma lll.'fr~~ J c
inJivlJuos unidos por l:s(Os poliriros, uma linL'U:I comum. um n,rrili>rio
comum ..." (Fnnds., 194 7).
TIORIAS DA ETNIOOAOE )5

A oposição entre laços biológicos e laços intdeauais é o que


reencontramos cm Rcnan, mas sua impordncia respectiva é cx:ata-
mcntc inversa à que lhes atribula Vacher de lapouge. Toda a argu•
mcntação de 1CU famoso ensaio •ou' cst-a: qu' une nation?" 1•0 que
é uma nação?"!, apoiado sobre uma enorme erudição, consiste cm
desqualificar os primeiros cm prol dos segundos como fatores da
formação das nações. A cmprcittda, manifcsttmentc inspirada pela
qucsdo cfcrvcscc.ntc da Alsáda•l.orcna, visa substiruir os funda.
mcntt>S attibuidos ou herdados de pertença, impondo-se ao homem
como uma f,ualidade, por uma busca voluntarista de ad~ que faz
da cxist!nàa da nação •um plebiscito de todos os dias" (Rman,
1887, p.307). Rcnan procede a uma rcfu1:1ç1o minuciosa dos cri~
rios objcriyos de pertença nacional (tais como se poderia procurá•
los nos fatores cmográfico, gcogrifico ou língOlstico) cm prol de cri•
térios subjetivos: o desejo, a vont1dc e o consentimento. Para além
de seu objetivo normativo, o toe10 apresenta, com relação à nação,
uma qucst.lo tEórica fundamental que Vacher de lapougc teria po-
dido se colocar cm relação à cmi.a (mas que pouco intcressavi aos
tEóricos do darwinismo soàal): qual é a força que inspira nos indivf.
duos esse desejo de viver cm conjunto e essa vontade de permanecer
unidos no quadro nacional? Ccrttmcnn:, não é pelo inn:ressc indi·
vidual cm aderir (como o encontramos no dito popular voltaireano:
wbi btnt ibi pcuria), mas ao conttário um scntimcnro (o amor pela pá-
tría) no qual 1e incluem cm grande~ o sacrificio, o tum e o sofri.
mcnto compartilhado no passado, e cuja memória se transmite pelo
cuho aos ancestrais, pela lembrança dos grandes homens e suas
1
ações hcróicas. Mas. e nisso ruidc a idéia central do ta10 de

2 FttqOrn11:mm1r daaamos no wao de Rman uma contradiçlo m~ a uzu-


mcnciç:lo de1mvolvida por ck sollfC I conccpçio da naçio<ontnU> e u ülti-
nw p;lgiml do ir,ao que atribuem a:> panado comum coda aua impordnda t
lRYOCam o • rico lepdo de lembnnçu e I herança 1JKe.t1al". PaRoe-not a>da-
Yia que seria mmcntt mpno10 lnirrpra:ar a c:xabação rJo cuho doa 1ncu-
tra1s axno uma concenào l concq,ção "é!nia" da nação. Nada indica (ou
an11e1, iwo indica o conairio) que os ancaaau dt que aqui te tnt. dilleiam lir>
dos m>t cidadãos da naçào illlUal por 1ma fillaçào bfolócia. A rdaçio que., C!lla·
bckn = os vivos e os monos. moe o passaclo "' o J)ftlffl~, , de ocdmt espiri-
tual. Ela rdo proibc Jr moJo aleum, nw ao contririo funda a poYibilmde de
PHILIPPE l'OtmGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART

Rcnan, esse passado romum que ronstirui a história de um povo


não deve ser confundido rom uma história real das popvlaçõcs Pas-
sado histó ria> de uma rução não é uma realidade que se impõe.por
si mesma, mas uma consr:rução continua que repousa no olvido e
no erro histórico: •a ~ncia de uma nação reside no &m de rodos
os indivíduos trrcm muitas coisas cm romum, e igualmcna: q111C to
dos renham esquecido bem as coisas" (p.286). A memória fundado-
ra da unidade nacional ê, ao mesmo tcftlpo e ncccssariamcna:,
esquecimento das condições de produção desta unidade: a viol~ncia
e o arbimirio o rib,inais e a multiplicidade das o rigens étnicas.
A arualidade do texto de Renan está cm seu antiesscncialismo:
na base de formaç;lo das na\Õ(S, enrontra·sc uma stric de fatos ron•
tingentts, de divisões artificiais, de acasos de con.q uisw, e de modo
algum um principio necessário o u narural. Uma nação não pode
mais valer-se de frontrirns geográficas narurais, mas reivindicar po-
pulações que lhe pcrn:nccriam pela comunidade lingüística ou pa-
rentesco racial. Rcnan nao discute a existência das raças, mas a
fia;.ao da pureza racial. Não existem grupos racialmente puros. mas
populações que esqueceram o furo de serem originárias de uma fu.
sao, ,e, como vimos, tal csquccimcnro é essencial para fundar o senti•
mento de pertença comum. Para Rcnan, a nação enquanto entidade
polirica constrói-se, enclo. não a partir do grupo racial ou étnico mas
frcqOena:mena: contra de: é porque não podem mais du.cr qu,c são
burgondcs, alains, taifules ou visigodos que os habitantes da França
podem ser cidadãos franceses. lx.-vc-sc notar que no a:xro de Renan
(publicado alguns anos antes do de Vacher de uipouge) os elemen-
tos raciais e êtnicos não estão claramente distintos e são t."VOC3dos in-
difcrcntrmentc para desvalo rizar o • critério emogr.ífico•, que
remete, nos termos da época, à identificação das populações segun-
do os dados da antropologia ffsica.'

que rKr.lngciros "narunliudos" 1Drnnn ~ o passado hm)ia), ru gra.ndcs


~ ns, e a glória da naç.\o à qual opanm sxx aderir. l..oni:e de w,r uma con-
rr.adíç;lio. cuas duas áacs do pmutncn1X> Jc R.en:m s:lo pt~k:al'loentc oon-
(INCI\ICS ('Qffl 1W díalérica •la memória e do CiqU(dmcmo e pmnitrm fner da
ldléia da l\açlo<Dntrall> ourra coisa i!.km de um pnndpio metafisico.
3 A confusão dos lff1nOS raça e, cmia ou raça e ttibo é po112n10 roí~ corttntc e
conónuari auím dunnit mdo o pcriodo colonial. Rttnconinmola, ixx
TEORIAS DA IITNICJDADE )7

Weber, no capfrulo que con.sagra, cm Econom~ t Soc~ti. às re-


lações comuniairiiu étnicas, distingue mais clara mente as ires enti-
dades que s.Io a raça, a etnia e a naÇ20. O que d istingue a pertença
racial da pe,te11ça émia é que a p rimeira é •realmente• fundada na
comunidade de o rigem, ao passo q ue o q ue fu nda o 1,rrupo émioo é
a crença su bjetiva na comunidade de o rigem. Quanto à nação, ela
ê, como o grupo étnico, baseada na crmçn da vida cm comum, mas
se distingue deste último pcla paixilo (pa1ho.1) ligada à reivi ndicação
de um poderio politil."O.
O q ue s.Io, portanto, para W eber os grupos émiros? São •esses
grupos q ue alimentam uma crença subjetiva cm uma comunidade
de ori1,,cm fundada nas scmdhança.s de aparência externa ou dos
cosrumcs, ou dos dois, ou nas lembranças da colonizaÇ20 ou da mi•
gração, de modo q ue csm crença rorna-sc importante para a propa•
gaçlo J a comunalizaçilo, pouco importando q ue uma comunidade
de san1,'llc exista ou não o bjcmiamente• (Weber, (1 92 11 197 1,
p.41 6).
A raça, enquanto determina uma · apar~ncia merior" herdada
e transmissível pela hcredimriedadc, não interessa por si mesma ao
sociól~ . Ela só adq uire uma importlncia sociológica quando en-
tra na explicação do romponame nto significativo dos ho mens uns
cm relação aos outros , ou seja, q lll3ndo ela é sentida subjetivamente
romo uma caractcristica comum e constitui por isso uma fonre da
atividade co munimria. E, mesmo nesse caso, n:lci s.'lo apenas o sim-
ples parentesco o u a simples d iferença antropológicos (sempre no
sentido da antropologia flsica) q ue fundam a atração ou a repulsa
mútuas, mas a tomada em consideração deles como socialmente
condicionada pelo estabelecimento de relações de dominação.• Do

Cllltfflplo, 10b • ixna de lonl l.ui:ard. admlnbtnidor rolonlal ru África, citado


por Mm:iff: "Uma J MIAo de.se tipo conoc:a uma dlímença nual1 profuncb e
mal1 mil que aqud:a J as a /lnlJoila ,uciais, pois os casamcneot ml110s e os ron•
rublru11» com CKn\'US e Clldvos cscnn~roa irnJcm a oblltrrar u ca = cnú•i-
cw 1n bau" (M~r. 1961, 1,orib nosso).
◄ Em seu comcnlirio 10b" a conftr-Enc:b do Dr. l'loct: sobff • Al noçõci de
~ e dt IOdcdadt• ( 191 O}, Weber ,uiiu ina:numcnre às rcntad\'al •los so-
dod,uwinisas de rc:du:lr os fatos sociolót:lcos a qu.aliJ:iJcs inacu ou hrtt\.litl-
rias. AJ, de dcmorutr:1 dpccialmcntc como o mítico ºcheiro de nq,,ro" , que ali·
PHILIPPE POUTIONAT E )OCEl YNE STllEIFl'-FENART

ponto de visca da sociologia romprccnsiva não exiStt portanto dis-


tinção fundamental a operar entrc as disposições raciais (heredita•
riamente mansmissivcis) e as disposições adquiridas pelos hábitos
de vida (mansmitidas pela tradiç:lo), já que tanto umas romo as OU·
ttas dão lugar a uma romunidade de relações sociais. A raça (o pa·
trimônio hereditário) não d~ entlo ser siruada, cm Weber, no
mesmo n fvd que o grupo étnico, mas no mesmo nivd que o oosru•
me (o patrimônio culrural), como uma d u forças posslvcis da for•
mação das romunidadcs: "Grandes dikrrnçu nos 'cosrumcs'
desempenham um papel equivalente ao da aparàlcia cxrcrior he-
reditária na formação dos sentimentos de comunidade étnica"
(p.-419).
Assim romo não p~upõcm uma real éomunidade de ori•
gcm, os grupos étnicos também não pressupõem uma real ativida-
de comunitária. Eles existem apenas pela crença subjetiva que ~m
seus membros de formar uma comunidade e pelo sentimento de
honra social compartilhado por todos os que alimentam tal ~nça.
A pertrnça ttnica dcrtrmina, assim, um lipo pãnk ular de grau so
dai que se alimenta de caracttristicas distintivas e de o posições de
estilos de vida, utilizadas para avaliar a h onra e o prestigio squndo
um sistema de divisões sociais verticais. Mas essas caractcristicas
distintivas só ~m eficácia na formação dos grupos êmicos quando
induzem a crer que existe, entre os grupos que as exibem, um pa·
rcntcsco ou uma estranheza de o rigem. Sobre o que se fundamenm
esta ~ ça! Com o R.cn.,n o faz cm relação à nação, Weber faz uma
rcvis:lo dos fatores que aruam na formação das romunidadcs étni•
cas. A lingua e a rdigüo desempenham um papel importante, mi-
vez porque elas autorizam a comunidade de compreensão entre
aqueles que compartilham um código lingOfstiro comum ou um
mesmo sistema de rcgulament1ção rirual da vida. Mas, assim como
R.cnan, Weber observa que grandes diferenças dialctais ou religio-
sas podem ororrcr entre pessoas que, conrudo, pcrJ:Cbcm•sc subjc-

mcna os ~ndmcn101 dr rq,ulu dos brancos do, ERailot Unidos par. mm 01


l'ICCl'Ol, t na ~nladr •uma lnvmçio dos Eltldo,, do none, drwnada a e,q,licar
1CU Rttnllr 'd1Dnd amcn10' dos nccros• (àL ln Gulllaumin & Poliakov,
1974).
TEORIAS DA ETNICIDADE 39

tivamcntr como membros de um mesmo grupo. As d iferen ças


culrurais, assim como as diferenças antropológicas (o crittrio etn<>-
gr.ífico cm Rcnan), inrervtm igualmente cm inúmeros casos, mas
Weber acenrua que a crença no parcnresco clãnico pode existir ape-
sar de grandes diverg~ndas nos ti pos antropológicos ou nos costu•
mes. É o q ue acon tcee especialmente quando esta crença é bas«:3da
na lemb rança de um passad o comum en tre gru pos que divergiram
do fato da colo nização ou da migração. O interesse comum ao qual
Rcnan dedica apenas algumas linhas (" un Zolhierein 11 'est r,as une
pa,,-ie•) adquire, pelo contrário, em Weber toda a sua importãnàa.
As relações comeràais ~ntre a pátria de origem e a colônia são as-
sim, se1,l\.lndo el.e, um dos furores decisivos da subsisdncia de u m
scntimcnro comunicirio entre os colonos e seus compatriotas de
origem, apesar da divergência dos pa_trimônios culturais e dos tipos
hereditários. Conrudo , para Weber, o fator decisivo continua sen-
do a comunidade politica. Ela co rresponde ao que de designa
como a forma "mais artificial" de origem da crença no parentesco
étnico, aquela pela qual urna associação racional (ral como uma ati•
vidad e comum de defesa do terri tório ou de conquisra, ou mesmo
uma simples subdivis.i o administrativa) transforma-se em co muna·
lização étnica, atraindo um simbolismo da co munidade de sangue
e favo recendo a emergência de urna conscif nda tribal ou a eclosão
de um sen timenro de dever moral ligad o à defesa da pátria.
Ao final d esse exame, impõe-se a condus.io: "o conteúdo da
~tividadc de comunidade possivel sobre uma base émica co ntinua
indeterminado• (p.420) a tal ponto q ue o conceito de emia surge
como um pano de chão inutilizável, pró prio para " S< jogar fora"
(p.4 23). A irritação de Weber diante d esse ronceiro de comunida·
d e émica que "se volaó liza assim que se tenta limitá-lo com preci-
são" não deve, contudo, mascarar os dados essenciais de sua
contribuição, estranhamente pouco comentada na bibliografia so•
bre a etnicidad e. s Vamos resumir-lhes os aspectos essenciais:

• Ao definir o grupo étnico a partir da crença subjetiva na o rigem


comum, Weber sublinha que não é na posse de traços, quais-

5 mmJando-tc Hcch~ (1 976). Ncuwinh (1969) e Jackion (1 983).


40 PHILIPPE POUTIONAT E J()Can,ie STREIFf.FENART

quer que sejam, que ê ronvmientr pnxur.ar a íontr da etnicida-


de, mas na ativida~e de produçio, de manutrnção e de
aprofundamento de diferenças wjo peso objetivo não pode ser
avaliado indcpcndenlffllcntr da aignificaçito que lhes atribuem
os indivíduos no dcc.orrcr de suas relações sociais. Como o
accnrua rorrctamcntr 'Hcchtrr (1976), o grupo m\iro par.a
Weber ê daramentr uma ronmuçio social wja ocistfncia ê
sempre problemática.
• A identidade mica (a acnça na vida cm romum mica) cons-
trói-se a partir da diferença. A atração entre aqueles que se scn-
trm como de uma mesma csl)«ie ê indwociávcl da repulsa
diante daqueles que do percebidos como csttangciro1. E5t2
ic!êia implica que não ê o i.solamcnm que cria a ronscimcia de
pemnça., mas, ao contrário, a a>municaÇllo das diferenças das
qunis os indivfduos se apropria m para ambclccxr frontriras
micas.
• O contrildo da wmunídade mica ea cl'C!nça em uma honra es-
pecifica: a honr.a mica pela qual os estilos de vida particulares
se encarrcpm de valores sobre os quais se fundam u prcttn·
sões à dignidade daqueles que os pr.aticam, e o dcsprcro por
aqueles que praticam rosrumcs estrangeiros.' Como R.cnan,
Weber acmrua o papel do olvido nestr processo de convmde>
nalizaÇllo, no decorrer do qual o furruito e o aleatório tomam-se
o essencial.

2 Raça e etnia: confusões persistentes


Entre os tcóriros modernos, os trrmos "cmia" ou "cmico•
abr.angem, auim, de uma só vez, sentidos diversos e se encontram
artirulados de maneir.a di~rcntr oom as noçôcs de raça e de nação.
Par.a Renan, o demento êmico está do lado do objetivo e da f.atali-

6 A noç:lo de honra tmla cm Wcbu Cid muno prOxlma do que Sumncr (1906)
definiu como •o anocmtrismo", ou ICja. a convlcçto da cxcrlmcia de ww
próprios aMtUma e da lnfmoridadc doa ounos.
TEORlAS DA ETNICIDADE 41

Jade e se situa cm oposição à subjctivid:1de e à vontade, fatores dc-


àsivos para a formação das na~. Jádo ponto de vista de Weber.
a cmia, como a nação, Aca do lado da crença do sentimento e da re-
prcscntaç:ão coletiva, c.o ntrariamenre à raça, que Aca do lado do pa-
rentesco biológíco efetivo.
Não se n:m cena., de que as confusões incrcno:s à noção de
etnia, e cspcdalmcnrc aquelas referentes à relação ambígua que
da mantém com a noç\o de raça, estejam re:ilmcnrc dissipadas.
Contrariamente aos teóricos do s«ulo XIX, os pesquisadores
contemporãncos n.io to mam a raça como um furor explicativo do
social, como o f.uia Vacher de l.apou1,oe, e a antropologia Rsica
n:lu mais desfruta do crédito que lhe atribuíam os pesquisadores
da époai anterior (como foi o caso de Renan. ao pedir polidamcn•
te a esta Mcifncia de raro interesse:" que não se misturasse a ques-
tões pollticas!). Nem por isso o termo raç,1 dcsaparccc:u do
vocabulário das ci~nd as sociais. A British Llbmry e a Biblioccca
do Con1,rresso Americano utilizam-no como lndice de cL,ssiAca•
Çllo, e múltiplas revistas Je llnguíl inglê!.'I fa:em•no Agumr em
seus títulos (Ract, transformada cm Ract and Class, E1hnic and
Racial S11'dits etc.). Ê verdade que, cm sua acepção contrm por., .
nea, o irrmo •raça" (ou o qualiAcati,'O "racial") não mais denota a
hcrc:dimricdadc biossonútica, mas a percepção das diferenças fisi•
cas, no &10 de das terem uma incidtnda sobre os estatutos dos
grupos e dos índividuos e as rdaçõcs sociais. Na sociologia angl<>
saxónica, admite-se, de modo explicito o u implicito, que os gru•
pos raàaís diferem dos grupos émicos pelo fato de serem defini•
dos n:lo cm rermos de diferenças socioculrurnis, mas a panir de
diferenças percebidas no fenótipo. Se a raça possui uma validade
como noção sociológica ê porque ê, sq,,undo os termos de Ban•
ton (197 l), um • signo de papel". Nao ê , enclo, a raça enquanto
tal, mas as relações radals que constituem um o bjeto para a socio-
logia. Mas isto nllo redunda, n.o final das contas, na Mnaruralim-
ç\o" das caraca:risticas Rsicas sob forma de atributos que tenha,
por naturc:za, a propriedade de fundar um dpo panicular de rela•
çõcs sociais? Colcttc Guillaumin havia, n:lo sem penintncia, dcs-
t2cado cst:l ambigQidadc das citnàas sociais que, recusando-se a
atribuir à raça da antropologia fisiai uma incidtncia causal sobre
42 PHILIPPE FOUTICNAT E JQCELYNE STRElfF.FENART

os componamcruos, c:onrudo m nkriam aru aracttrcS Íisloos


uma realidade enquanto fontes de percepção das diferenças.
•Tudo se passa como se os pesquisadores, por sua vc, não acrc-
dicando na raça, supusessem que ela é concn:Gmcntr ~l para ru
grupos que produzem as c:onduClS racistas• (Guillaumin, 1972,
p.62). No mesmo sentido, Wadc (1993) estima que as cxncw so-
ciais não conduzcm a um bom rmno a critica da noção de raça.
Fazendo da •raça• uma ronsauç:lo inteiramente rulrural, elas são
levadas a abordar a variaç\o fenoopica como demento •simples-
mente na rural", neutro e não cstrururado cm si próprio, e cuja
utilização permite distinguir as classificações raciais de outras clas-
sificações (micas), despmando o f.aro de que as variações fenoo.
picas são, elas próprias, socialmente construidas. Para Wadc. não
são, sejam quais forem, as variações knodpicas que se tomaram
racializadas, mas sim aquelas que se salientaram na histôrla da ex•
pansão colonial européia na África, na Ásia, no Orientr Médio é
na Austrália. Não levar i5SO cm consideração é acei1ar como M ·
dentt que os aaiburos fcnodpicos :dcsignad0& como ªraciais•
constirucm-se. naruralmcntr, bons indicadores para a cairgoriza.
ção social (cm oposição à alrura. à cor dos olhos cu:.). Precisar
que as pessoas não percebem as diferenças raciais, mas somcnb:
diferenças knodpicas de cor, de cabelos, de ossarura etc., e que
estas foram escolhidas simplesmente de maneira continptr,
como o f.u Banron, subestima, segundo Wade, a construçã.o so-
cial e histórica da própria idéia de que cxiso:rn diferenças fisicas
significativas e daquilo que é tipicamente pensado como variação
fcnodpica. Disto resulta que o domínio das pesquisas sobre as re-
lações sociais é inseparável da história de um discurso cspcci6ca-
menrc ocidental e de suas tnnsformaçõcs.
Para Ncuwinh (1969), a distinção entre relações raciais e rela-
ções cmicas, tndidonal nas dmcias sociais anglo-saxõnicas, indi-
ca apenas que os sociólogos aceitam de modo acrítico a t1:nni:noio-
gia c:orrena:, segundo a qual o trrm0 ªracial" possui conol3ÇOcs
emotivas mais poderosas do que o termo •mico•. Segundo
Guillaumin, a fununa da palavra ~calia• nas cimcw sodais fum.
ccsa.s liga-se precisamente ao &ro de permitir que se evite o mal-
estar suscitado pela conotação biológica da palavra raça, o que
TIORIAS DA ETNIODADE 4)

absoluramenre não a impede de acarrct1r implicitamente as mes-


mas significações (p.58). 7 O n:nno "cmin• não seria senão Umll vã
tentativa de fugir a uma forma de pensamento biologizantc que se
acha. de fato, rcsrabdccida nas utilizações cotidianas, amwés de
expressões como "problemas émicos" ou "minorias émicas". Tal
renno euf-emístico chegou por isso, como sempre nesses casos, a
ser rccobcno pela conotação pejo rativa que procurava C\'Ítar. O
renno "<.mia• possui má fama atualmente na França. precisamen-
te por não poder ma is ser pensado de outro modo a não ser
como substituto da palavra "raça". Pode-se ver um exemplo recen-
te desta continuidade de sentido entre as d uas noções nesta passa-
gem do relatório da Comissão da Nacio nalidade: "A rcoria do
direito do sangue 'puro' confunde a pertença à nação co m a per·
rença a Umll emia. Ela esquece que a incidência da filiação sobre a
nacionalidade se justifica mais pela educação parental que pela
procriação" (cit in Schnappcr, 1991, p.349).
Esta superposição da raça e da emia impõe-se tanto mllis facil-
mente aqui, já que se faz cm referência ao ocrcciro termo que é a na·
ção. A cmia de que se trata neste contcXIo é o referente que desde
os debates do século XIX denota a concepção "naturalista", "deter-
minista" ou "organicista" da nação, aquela de Hcrdcr e de BurL:e,
contra a qual se lcvanmram Rcnan, Michclet ou Fusrel de Coulan-
gcs. Nesta acepção, a etnia combina os aspectos biológicos e cultu-
rais. Ela é simuhancamentr comunidade de sangue, de cultura e de
língua. A oposição aqui pertinente não está, como para os sociólo-
gos das minorias, entre traços biológicos (raciais) e ttaços sociocul-

7 Ê v,,rdadc que :a c:al'llCICrimção de um tipo de rcl:ações como in1er-r:acfab ou


intcrimic:as (:m mesmo Je modo ainda m:als eufrmlstico como ln1rrculrur:ais)
dq:,cnJc. antrs de rudo, do conccm, definidu pelas tr:ad,çôcs n:acíon:ús: n~
Gri-Brctanha, os iennos colo,,..,,J e l,Lu:k ttm J1rc1ro Jc cid:.Janl~. e as rdaçxks
entre os imiÍ:rados definidos como tal e os aulliaunes mo pcns:adas romo rcb·
ções racl:ais, justificando a cxintnda de uma Combsao para• l~'Ua ldadc Ra-
cfal. Na França. f:abr•SC•3 f.icilmcntr de r:aclsmo, mas de rel3çoo intcrculrurals
e n~ lnter-r:ad:ais. De modo ainJ:a mais cufcnústico. os ffiejfflOS aconll:dmc:n•
ws que ~ o Jucritos pc_los meios de comuníooç:\o como "rumulros raciais" na
1n~~atcrr:a serão tratados como • m'Olcas das pcrifcn:a1 • n:a França (BoJy-Gcn•
J ro1, 199 3).
PHILIPPE POlJTlGNAT E JOCELYNE STRElfF.FENART

rurais (étnicos), mas entre a nação como comunidade polltícã e a


nação como comunidade ctnoculrural.

3 Nação e etnicidade:
novas questões e novas pe■ plexidades

Ao Esmdo-nação como ópo parócular de lnstirulção polftica


que foi difundido a ponto de aplicar-se ao conjunto dos csmdos ttr·
ritoriais soberanos (constiruindo • A 5c:>ácdade das Nações" ou as
~Nãçõcs Unidás") aplica~ a afirmaçSo voluncariammll! caurológi-
ca de Hobsbawm (1992a): • A cancttrl.stica fundamcncal da naç.lo
moderna e de rudo que a ela se liga é justamentr sua modernidade~
(p.25). Segundo cstr autor, as bentativas de dcnnír a nação por
meio de critérios objetivos estão destinadas ao fracasso. Em primei-
ro lugar, porque, qualquer que seja o critério ou a combinação de
cri.térios (llngua, cmia, cultura, histõria comum, território, religião
e,c.),, csu::s são do fluruantcS quanto ao que procuram definir. Em
segundo lugar, porque é sc.mpn: ponlvcl encontrar cxccçõcs: ou
porque os candidatos cleia>s pela ddiníção mio manífesu:m aspira-
ções nacionais, ou porque •naç0cs" cfcóvas não correspondam aos
critérios: kComo poderia ser diícrentr, na medida cm que trn·
cunos fazer entrar em um quadro pcnnanentr e universal enti-
dades hisroricamente novas, que csdo apenas emergindo, que mu-
dam•..!" (p.15). As tentativas de definições subjetivas pelo critério
da consci~ncia de pcncnça são, por sua vc, tautológicas e a po~
,i. Dependentes dos discursos de afirmação nacional, elas corrc.m o
risco de tomá-los por descrições da realidade. Para Gellner (1989),
a idéia de que a naÇão seja essencialmente um grupo que quer per·
sistir como comunidade, deveria conduiir à inclusão de rodas as es-
pécies de comunidades que ~ pouco a ver com as nações; esta
definição voluntarism parece sedutora porque, na época moderna,
k

nacionalista, as unidades nacionais são· os objeros de identificação


e de adesão voluntária que capcam o lavor e a preferência. É tão fá.
cil, atualmente, esquecer os ouoos tipos de grupos" (p.84). A me-
nos que se íaça do sentimento nacional o correlato de uma
TEORIAS DA ET'.NICIDADE 4S

disposição psicológica ligada a um único tipo de grupo que, ao


mesmo trmpo que ela s e i ~ na história, é contudo por si mcs•
ma submida à história.
Assim, para Connor (l 978, 1993), o fator-chave da odsttnoia
das nações é exatamente a conscitncia de si do grupo, que o separa
de todos os outros, mas ele liga esta afirmação a uma definição pré-
via do tipo de grupo em que.seio: a nação é o grupo mais amplo ao
qual as pessoa.s atem est2r ligadas por uma filiação ancestral Tal
crença subjetiva cm um parentesco fictício não tem nenhuma
nec;c$Sidade de rorresponder à realidade para rontribuir para a
dcliniç;io da realidade, dcrcrminando os sentimentos podcrosos e
a-racionais que consriruem o centro essencial da identidade nacio-
nal. A cmicidade, então, refere-se aos grupos, ou mais cxa1amcntc
aos po,vos, que são nações potcnciais, situadas cm um cscigio
preliminar da formação da consciàlcia nacional. Neste estágio, a
solidariedade étnica manifesta-se no confronro com elementos es•
ttangeiros e origina-se na xenofobia, sem por isso constituir uma
~rrença consciente de si própria e dotada de uma significação po-
sitiva. Um grupo émico é cnt:lo •simplesmente" uma categoria des-
critiva e objetiva, discemivd pelo obscTvador cxtrmo (e, portanro,
o antropólogo). A nação prusupõc. por sua vc, uma corudtnda
subjctiVil específica de povo. O engano comum a muitas pesquisas
sobre a nação e o nacionalismo seria, então, segundo Connor,
aettditu que a nãção seja uma "fflllidad.e tanglvd" e de, assim, ~la
associada ao Estado. Para esse autor, a grande maioria dos Estados--
nações nem vc.rdadciramcnte o são.
Só se compreende tal afirmação porque Connor definiu pn:-
viamcntc a cmncia da nação - a convi~o que ttm seus membros
de formar um mesmo povo, tendo uma origem comum e um "mes-
mo sangue" -, segundo a qual de pode avaliar •naçoo aurlnricas".
Se a critica de Hobsbawm, visando as definições subjetivas, não
pode atingir a argumcnt1ção primo rdialista 1 de Connor cm sua
cocr~ncia interna, uma \'C? que da subtrai a natureza do liame na-
cional à história, também o trabalho de Connor fornece uma boa

8 Qu.,n ru ao sentido dcs.sa p:alavn e à ducussào J:u concrp;oo • primonlialb-


cu· <Ll cm1cxbdc. ,,.,r 1nfru, p.87 ss.
46 PHI LIPPE POUTIGNAT E JQCELYNE STRElfF.FENART

ilu~traçilo de 1CU alcance. Este aun>r parca, com efeito, mergulha-


do cm um trabalho murológioo e a posltrioti, uma vc que, para fun-
damentar seus argumentos, de se apóia nos discursos dos ljdcn:s
nacionalistas alçados à ca1q0m de sábios da nação: •Jenorando
ou negando a conocaçAo de parentaeo que penetra a naçio, os pct-
quisadorcs Acaram crgos ao que foi CDCalmcnte claro para os eh~
nacionalisw• (1993, p.377).
Complccamcntc ao contrário, para Gdlnu, o discurso nado
nalista nwcara sua realidade sociológica: "O nacionalismo nAo é o
que parece ser e sobrcrudo nio é o que parece ser para si mesmo•.
A idéia de um dcspcn:ar das nacionalidades, de uma mmada de
coruci~ncia pdos poYOS de sua própm rulrura ancr.saal encontra
apoio na realidade inconmmávcl que a naçio é uma entidade si-
mulmncamcncc culrural e política. Aulm, Todorov (l 989), que ca-
racttriza a naçlo nesses IUmOI, conaidcra que "por um lado
pertencemos todos a comunidades que praticam a mesma lingua,
habitam o mesmo território, possuem uma cena mcmóm comum,
ltm os mesmos cosrumcs (é nesse sentido que os anttopólogos cm-
prcpm a palavra 'culrura', fazendo-a assim, sinônima de 'etnia'); e
por outro lado há comunidades que nos garantem direitos e nos
impõem deveres..: (p.237). A inovação da nação rcsidim cm sua
conjunção. Para Gdlner, é ,11na.á de um efeito de ocultação, que
reforça o próprio nacionalismo, que se é levado a crer que no Esm-
do nacional haveria a fusão de dois tipos de pertenças. existindo
indcpendcntm1mtr da evolução histórica que leva a ázcr do prin•
dpio de sua fusão a norma. Pneuamente a norma, que, no db-
curso nacionalista, ~ para fu!.lu surgir respectivamente
destinadas uma à outra. Esaa ocultação nio pode ser idcntifkada
ou revelada a l\lo ser que se dikrende culrura e cstrurura social
(como o f.az Raddiffc.Brown) e que se as oponha como as apartndas
à realidade (Gdlncr, 1991). O que t ooabado, na verdade, é uma
propriedade da cstrurura e das condições da ordem social, corres-
pondcntr a um estádio da divisão do trabalho que conkrc à culrura
um papel inédim na intrgra,ção das sociedades. Um moddo teórico
das seq~ncias históricas, conrr.ascando dois tipos de estrutura, a
da sociedade tradicional agnim e a da sociedade industrial, permite
que se diferenciem -as funções divttsas arribuldas aos slmmas de
TEORIAS DA ETNIODADE ◄7

comunicações e de emblemas que consriruem as culturas: "A cultu-


ra reflete a cstrurura - mas nem sempre da mesma forma" (1991,
p.240).
No primeiro tipo encontrarc-mos sociedades complexas e cstra•
dfkadas (e não as sociedades tradicionais scgmcntárias com a soli•
daricdade medlnica de Durlcheim), composras, cm sua base, de
comunidades rurais conccntrada:S sobre elas mesmas e, no topo, de
uma elite govcmanrc político-clerical claramente apartada delas.
T ais sociedades conhecem uma divisão social do trabalho já esgom•
da. na qual o recrutamento se efetua aml\'és do nascimento e o cn•
sino das com perencias, localmcnle e sobre a massa; o con trole
político csmbclccc·sc com mais frcqO~n~ia por meio da co nquism;
u territó rio da unidaJc política abrange necessariamente um 1,rran•
de n úmero de comunidades dcsconrtnuas que se diferenciam cm
meio a uma rede intrincada de nuanças culrurais e li ngüis·ticas.
Alia-se à diversidade das co munidades rurais a das classes e do s CS·
mruros hereditários. Nenh um furor rende para a homo1,?Cncidaqe
culrural, muito ao conmirio, a d iversidade culrural e lingüiscica é
usada para significa r e garantir as disc\ncias sociais. A escrita é mo-
no polizada pela hicra rqu:a d cri01l, e a lin~a escrita, prnticamcn1c
mi noriciria, é diferen te dos dialetos fulados na vida cotidiana pelos
grupos constiruintes desta sociedade. As altas culturas eruditas que
se desenvolvem nessas condições, qualquer que seja a influlncia
que possam ter SC1brc as populações, separam estas dos letrados e
só se im põem mantendo sua aura de mistério. Enfim, elas não defi.
nem os limites de uma unidade política.
O ripo de cstrurura social próprio da era industrial condu~ ao
conr:rnrio, grandes mMsas de populaç'io, pertencentes a culturas in•
fcrio res descontinuas, cm direção às alms culturas normalizadas,
homog~ncas, secularizadas. transmitidas não somente pelas elites,
mas por instiruiçõcs educativas especializadas sustcnmdas pelo po-
d er central. Com efeito , o processo de industrializaç'io implica a
mobilidade profissional. a articulaç.'io de empregos e de co m~n•
cias diversas, que por si pró prias presumem a possibilidade de uma
comu niC:lç:'IO elaborada e não estritamente dependente d o con tl!X•
ro entre os diferentes setores da e strutura social. Esms caracterisri•
cas, que estão associadas a uma igualdade furmal se1,•1.mdo a qual h,i
PHILIPPE l'OtmONAT E )OCELYNE snElfF.FENMT

apenas hierarquia relativa e ligada a tare&s, presumem, e tomam


neces~rio, que sejam realindas uma alfabetização~ uma eduaçlo
universal e. uám, a homorcnodade e a continuidade: culnnaL
Os homens das tociedadn ttadicionais veneravam 01 deusa e
sua cultura, mu nlo aua própria cultura, acentua Gdlna, e nln-
pm YCn:ladciramerue 1e preocupava com •sua• culrura, j4 que da
•aparentaYa-se outron ao ar que se respirava•. Com o advento da
industrialiiaçlo. aconta% exatamente o conmirio: por melo da ex-
peritncia da migração e da impordncia assumida pelos empteg<>,i
que exigem uma funnaçto simub3ncamenre genérica e cspecwiia-
da, o camponb, pan quem nlo tinha sentido perguntar-se se ama-
va sua cultura, nlo demora a descobri-la com seus limites, que slo
01 de suu •poaibilidadca de OOf\lC8UÍr emprego, de seu mundo e
de sua cidadania mon1•. Enllo, ele descobre de uma só vez que ela
~ 5CU bem mala precioso, •aua senha para participação social".
Contudo, a cultura que csal cm quelc:lo não ~ aquela cm que de vi-
via •ootrora•, nem a dos devaneios romlnticos. Trata-se de uma
alCI culrun que requer para sua difualo e sua gcncralizaçto "um
tetD político• e, sob este teto, cm primcirissímo lugu, a escola e a
universidade. A partir disso, não do todas as culturas que csdo
destinadas a ser o fundamcnro de um projcro político de Estado na-
cional, mas tanro alw cultura& modernizadas e sco•latizadas quan-
ro culturas inferiores conseguem sua tnnsformaçlo cm altas
culruras. A teoria de Gcllncr fornece um quadro ieórico do •nacio-
nalismo cm geral• que explica "por que o nacionalismo enquanto
tal dominanl incvit11VClmcntc mas nlo um nadonalismo cm parti-
cular. Nós sabemos que u culturas bastante homogencu, po11Uin-
do cada uma seu tm> politico e seu serviço de es.ne1toimcnro, irlo
romar-sc a norma ... mas ê-nos i m ~ prcYn quaia acrlo u cul-
lWU vimriosu" (1989, p.73). Contudo, da ok.reoc uma tipolosia
doa nacionalismos que pcnnire a c:araaerizaçlo dos conSilDI mii-
a» e nacionaliSCIS.
Gcllner concebe a cmiddadc de forma instrumental.' Sua fun-
çlo muda totalmente squndo o tipo cmurural agririo-oo indu.

9 Para uma tlboeedo du mnaepçõa "INUUmcnmliacu" cb ffl'kidede, wr 1,,.


(f'4. p.9S u .
TEORIAS DA ETNICI DADE 49

triai de sociedade. No C350 da sociedade tradicional, ela serve de


suporte para a disrinçlo dos est:1rutos e das classes, permite que se
rcduz."\m as ambigOidades e fundamcn1:1 a legitimidade dos grupos
dominantes ou, ao conttário, scnic para garantir a csrigmatizaç:lo e
a ncumliiação de grupos sociais cncarrq.'lldos de tarefas que os tor•
nam poo:ndalmcnte perigosos paira a ordem polfrici. No pcriodo
moderno, embora o nacionalismo não seja o dcspcrmr de uma
força latente de grupos étni.c os e cuhurais mlticos, não é menos ver•
dade que de se utiliza das heranças domadas das culturas prccxis•
tentes, e isso ocorre numa siruaç.'lo em que as desigualdades no
riano da industrialização à medida que as comunidades "criam
disparidades tanto mais sensíveis (se apóiam) em difermçns rulru-
rais, ~ néticas ou de ti po semelhante deixadas pelo mundo agr.l•
rio". A este primeiro tipo de con.flito vêm juntar-se aqueles que,
nos cstldios mais tardios do processo de industrialização, tomam•
se obstáculos para a homo1,oeneizaç.lo e a íl,,uald.u.le (a enm>pia) pró
prias das sociedades modernas. Tais conflitos, qualificados por
Gellner como conflitos de identificação, ori1,rinam-se da divis:lo dc-
sigualitlria (conrra-ennópica) de uma categoria da população e de
sua f.'icil identificação como minoria (o c:xcmplo de Gdlner refere-
se a uma populaç:lo "azur). Além do caso dos caracteres transmiti-
dos 1,oencricamente, Gellner propõe como candidatos ao conflito de
identific:tç:lo • os hábitos religíosos e l'\llturais profundamente
enraíi:ados (que ~m) um vigor e u·ma tenacidade susa'tivds de
i1,,u:tlá-los àqueles que são ancorados cm nossa consrituíçilo gcné•
tia ". A. D. Smith (1984) parece ter razão ao acentuar que o ins•
mamcntalismo de Gellncr identinci-se com a prcexisttncia de
gru pos étnicos e que, conscqOcnte·mcntc. sua teorio do "nacionalis•
mo enquanto tal" dcixn a ponn abcnn para uma trorl.1 d.1 cmicid.idc
enqunnto tal.
Os problemas que os conflitos de identificação (ou de assimila-
ç:lo) colocam para o Esmdo-na,;:lo e para o desenvolvimento da so-
ciedade baseada na mobilidade, no anonimaro, na educação e na
igualdade que se supõe corresponder-lhe podem, parece-nos, ser
igualmente encarados de um ponm de vist1 mais C5pedfico que o
adoc,.do por Gdlner. É o caso das teorias que procuram lcv.tr cm
cont:ll, por um lado, prOCe$50S de instirucionalimção da idenrid.,dc
SO MilUPPE FOUTIONAT E ,ocELYNE snEJFf.FENAJlT

nacional e, por outro, proceuot de idend6caçto propriarncn~


dito: aqueles que do pres1upolllOS pela criaçlo de uma oomunida-
dc nacional que o Estado-naçio como ~rma histórica de i.nstitui-
ção politica rcprescn12 e na qual apóia sua legitimidade. Como o
destaca Oriol, o Estado nio pode fundar•ac tioaomen~ cm um
contralD, mas supõe igualmen~ um quadro annopolOlkamcn~
dcfintvd de idend6caçõcs1 "A naçio é prcssuposca pelo Estado
como conjunto de conu:údo, geog1áfioos, históricos, lingUlstia>s,
'culrurais' no sentido cstri10 da palavra, que 10mam poutvd a defl.
nição da expressão da vontade ~ra1• (Oriol, 1984, p.46).
Balibar ( 1988) dcstaea que a naçio deve oonstirulr-ac cm comu-
nidade ou cm poYO que se reconh~ prcvlamen~ na instituição cs-
12tal. A fabricação - Incluindo-se o caso daa "antigas nações" - dos
milDS de origem e de um aentimento de oondnuidadc histórica pro
plcia que se veja no Esmdo a exprado de uma Identidade pl'ttXi•
~~ que constirul uma forma ideolópca ekdva sem a qual o apelo
do patriod1mo IC:ria "diripdo a ninRUém", "Nenhuma naçio mo-
dcma possui uma base •étnica' dada ... o problema íundamtnral ~
pon:anto o de produzir o povo: ou, mdhor diZlcndo, ê que o poYO,
ck mesmo, se p,odKta cm pcnnan~nda oomo oomunidadc nade>
nal" (p.127). Mas o modelo de 1ua unidade deve anmpar csca
constiruição. 10 Os indivlduoa de origens multiplaa que chegarem a
pt1cd>er-sc como membros de uma mc:1111.a nação dacm ,er insó-
ruidos como hc,mQ nationa.lís por mdo de uma rede de instituições e
de pniticas que os socialize, fucando • os acntimenlDS de amor e
ódio e de rcprcamtaçjo de •,1•• para que a dikrmciaçlo in~ma
doa grupos soc.iais lcja relativizada cm relaçln à diferença almbóllca
entre "nós e os estrangeiros"." Para Balibar cstr é um "proc:aso de

10 Sobtt aa q•oado, fflCllnda a penlr de Pffmlua, dlícauib, Andrnon


(1991) ío. •.ca: "lcrncneo, penkulannmlt pctllnaun. Ekaamina octdlod:a
imap~ nadonalbai pera ldmliflcar 11 ~ ou oe aqucnw da
forma ldtolósia da unidade nadonaL M011n1 apedalmenae oomo a uniYef•
11linçio de, Clpa\1) C do llmlpo CU pndca. I.N,-iaa J)OlâV'âl pdo apil»
bmoda lmpmua, tal como a leia.na doe jomau. propidaram a llncronbaçlo
da lltfflpoolidadc doe manbroa da ftlÇlo.
11 Schnappet' formula aob o modo da comcmçlo de um pro neo aabado o
que ~ probk,nl!!rado <:DmO prc : 1 no c,ondnuo cm Beliber. Ela ck ncx• que
TEORIAS DA ETNICI DAUE 51

cmiza,-:lo fktfcio• no qual o tictlcto desii,rna o furo de ela rcsulmr de


uma fobricaç:lo, mas n:,o que ela não tenha intl~ncia nu n.-al. Ha-
vcrin Juns maneiras Je fobricir a emicidaJe. Primeiramente a lln•
gua: :i e~'Ola primária e a familia s.i o as principais instituições que
produzem a cmiciJaJc ~"l.1mu cumunidaJc ling(llstk";I. Conrudo, a
"comunidade de língua n:\u basrn para a produç:lu da emicid:ide".
Ela não tem cm si mesma um prindpio de clausura: "ela assimila
seja quem for ou qualquer um e não prende ninJ.'Uêm". Dai o
segundo procedimento de fubric u,-:lo: a raça, principio de fecha-
mento e de cxclus.iu, cujo c._,;quema é a gçncalogia voltada ima1,.-ina-
riamentc para o limiar J a sociedade.
M.111 o pro blema kv.lnradu por S mi rh cm rda,~lu a Gdlncr
persiste. As visões "mstrumcnmlisms" da emiciJadc e ."moJemis•
cu" do nacionalismo deveriam levar cm cont:i o recurso em que se
constiruem a cmiciJaJc e sua disponibilidade. e nada K'{'rcsenm o
futo de ela n~o ser um recurso permanente e antigo. N:ll1 arriscarfa·
m05, enolo, a dar como rcalimda a miss.io, chc,,,;indu a ponto de
aflrmar, com a perenidade da ctnicidnJc, seu çar.\rcr primordial!
Ess.1 qucsclo, que scni dcmlhada mais nJianre sob seus :t$pcctoS
teóricos, merece ser aqui evo<..,da porque autores que rrnl.xilham so-
bre a nação e o nacionalismo rcnmm resolver a quadr.1rurn deste
circulo.
E, csrcci:ilm,·nrc. u c:1so de Annstro ng (1982), cm um livro so-
bre cujo titulo (As naçõcJ antcJ do nacionnlumo) A. D. Smith (1984)
questiona-se se é hem :iJl-quaJu a ~1.1 obJl.'tU. AJ urandu um !TllOO·
lho histuricoc sin1c1ku, Armstruni: tent:i analisar a emeri,~nda das
idcnriJ aJcs nm:iunais, trat:indu vcrJadcirnmcnn: Ja~ 1dcnridadl-s
tmicas pre-modcmas nn cris1:1ndadc du ()ricntc e do Ocidente e a
cíviliz.1ç;\o isl:\mlci. Seu prujen, n:\o vis., abran1,.'Cr :i pcrsisr~ncia de

cXbk, no c.uo J as 3nu,:;u n r,çôn n.irup,:ia>, r-,lu menu,. um3 ,luncn>.l\o pn>
pn3mcn11: romunn:lna que, se JC\'C a seu cnr:m a mcmu cm um rau :>Ju J1s•
mntc e cm okulus J c m-:iliJ:iJcs que a cuni.t~ naclun."11 n:fu~ou alnJa
ma,s no J«Ulo XIX. Au tcnn1nu Jcuc tinx<>"-' o b (u nac,onol .; o c:qui,-:i•
lente Jo bço ttniru, n:lu pur\juc ck K" apuk cm l.,çu• ,•m ,cw rn.-...,.u1cn10,
rnas rurqor na Eu rup:1·:11 n:,çoo uclJcn1.,1, '·'" a ml"'m rumuni..laJc• hn1
01, (Schmpr-,r, 1991. p. }20).
S2 PHILIPPE POLTTlGNAT E JOCELYNE STII.ElFF,FENAtrr

grupos émicos tmirorializados particulares. Ele trabalha cucnáal-


mentc a cmicidade como um sentimento ou uma atitude, tendo
um efeito diícrmciado r, ligado à pcrcepçAo de fronteiras por si
mesmas mutantes. A etnicidade pode cntlo conespondcr a identi-
dades coletivas de todos os tipos: religiosas, a5$0dadas a estilos de
vida ou a classes cconômias, unidades políticas etc., susccdvcis de
se sobrepor e de se fundir umas nas outras. O ponto importante
está cm que mis atitudes se exprimam por meio dos slmbolos e dos
mitos que constituem espécies de •guarda de alfãndega" e que !\Ao
são, cm nenhum caso, perdidos por todos. Assim, o mito mcsopo,
dmico que transforma uma unidade polltica no rdlcxo da ordem
cdcstc foi reutilizado com o con.smtimenro das igrejas crisds. Ea
história fluruantc deSSt's símbolos e miros émicos e os furores de
sua pcrsis~ncia que interessam a Armstrong - dos mais gerais,
aqueles ligados aos modos de vida conma,ados que o põem a Euro-
pa ao Oriente M~io, aos mais particulares, os associados às dda·
des, e especialmente aos Impérios. O ponto que Armstrong busca
estabelecer ê, cvidcntcmcntr., que as nações modernas, se são •f.i.
bricadas", não surgem do nada, mas inscrevem-se cm uma história
de longa duração.
A. D. Smith (1986, 1992) procura demo nsrrar a mcama coisa,
mas, diferentemente de Armsuong, centra sua pesquisa na conti·
nu idade de c:mias panicularcs. Determinadas c:mias, apesar de suas
mudanças e dos acontcdm.enros rraumáticos que as afaam, como a
conquista, a escravidão, a dispersão, a conversão religiosa, man~m
um senso de sua própria continuidade. Etnia e naç:'lo são duas no-
ções distintas, e Smith reconhece a modernidade da naç:'lo; conru•
do, das possuem um clemcnro comum, a capacidade de sustentar
o senso de uma história e de uma culrura comuns.
Em Smith, portanto, o foco ê posto nas particularidades que as
cmias tiram do fato de serem comunidades dotadas de 10lidaricda-
dc, mais que na pcTCc.'pçAo de frontciras e na oposição aos outros
grupos. Dai, as nações ru\o o são sem prcccdentr., porque as etnias
desenvolveram antcS delas o senso de uma herança culrural e o de
um destino histórico compartilhado. Elas desenvolveram um sim•
bolísmo e mitoS que gaDntcm a seus membros a convicção de ser,
através da sucessão das gerações, um só e mesmo povo. As nações
TI:OIUAS DA ETNICIDADE Sl

usim utilizam as mesmas ferramentas e, frcqOcnllCmcnte, recupe-


ram u antips que propiciaram a s o ~ das oomunidadcs
ptt-nadonaiJ durante longos pcriodos; é, especialmente. o caso
dos mitos de deição (os mitos do •povo ddro•) reutilizados pclaa
nações a flm de garantir o acnso de sua própria continuidade.
No fin,o,I dessa ~nálíse de Vii rias 1e0rias sobre na.ção e nacionalis-
mo, que consun11emcnte aproximaram estes dois cona:ilos dos de
cmia e c:middad.. para diferenciá-los, é preciso que voltemos às ob-
servações facas cm relação a Connor, amcemcnta ao perigo, para
a pesquisa, de se rckrir ao discurso nacionalista. Elas d~m ser,
com cídco, matizadas Se a nação não pode ser definida de modo ob-
jeáYo, não é cnr1o ~bsurdo pensar que da existe apenas, cm ccrto
sentido, como rcprcscntição e objcco de discurso. O perigo cm rela-
ção ao discurso nacionalista reside ancrJ no risco que se corre de se
envolver com de ou se fazer cnvolv.:r por ele, acreditando atingir
uma-dcfiniçlo que c:aptiria a própria es5tncia da nação e que pode-
ria absia--sc das condições históricas e dos lances ideológicos nos
quais qualquer lffllllàva de definição da nação continua amda.
Pode-se cndo avaliar, paumndo-sc por Hobsbawm, que o estudo da
naçlo dcw: nccasariamente incluir o da M>lução e o da transforma-
ção de um ooncdco •historicamente muito jovem•. Este concdco é
polttico e o sentido que se lhe atribui é sempre uma forma de rcsol•
~ a equação ESlado •nação• povo (Hobsbawm, p.3 1,35). En-
quanto na concepção dcmocratica-rcvolucionária o povo era dado e
identificado ao Estido para consdruir a Nação, um modo que se im•
pO$ a partir de 1830, soba denominação de •principio das naciona•
11
lidadcs•, separa simultincamcnte a nacionalidade - traiada como
um dado, a>mo uma comunidade preexistente-, e o Eacado, para li-
gá-los de novo cm tmnos de aspiração e de programa politico. A
qucsdo da definição e dos. cri1trios da nação tomou-se cn!Ao um
lan~ de impor!Ancia e foi de modo crescente lntcrprdlldo cm ter·
1
mos• cmoculrurais• .' oom uma pmlilcção pelo ailério lingOlsàco.

12 •Pancada naçto um Emdo e um IÓ Eaatdo panada Naçioº (Mamníl.


1J 8Nbabr (1993) aulnala que bl 10mmlE na r,qvnda mdadc do a«ulo XIX
que na françll ec começou a falar de nxlonals e de nacionalidade ínncaa. A
nacionalidade~ dadc: o Inicio um "haloº de ,cnddo CUIOCuitural, e RUI udh-
PHILIPPE l'OUTIGNAT E JQCE..YNE snEJFf.fENMT

O nac.íonalismo como uma das elaborações ideológicas da


"i~ia de nação• é, desta forma. indí1CUàvdmen1r o promotor da
cmlddade Mas, pergunta-se Hobsbawm, por que, enlio, haver
duas palavras? Porque o nacionalismo é juswnentr um programa
politico e porque a cmicidadc, seja da o que for, não é por aua va
um oonc:dto polidco e não ttm oonmado programálico. Para Hobs-
bawm da não ~ pane da tearia politica, mas da antropologia ou
da sociologia. Ccn:améntr ela pode IC1' utilizada politicamcn~ mas
a política da etnicidade não tan ligação necessária oom o naciona-
lismo e pode ser complcramentr indilícrcntr aos ob;ctivos dos
programas n.acionalisau. Nio é menos verdade que o nacionalis-
mo, para realizar seu programa, procura idrnri6car-sc oom a etnici-
dade, jã que ela lhe pcnnitr que funde a naçlo em uma
continuidade histórica e lhe forneça um sentido do "nós•, de uma
identidade que lhe &ha na exala medida cm que da l uma criaçAo
recmi:e: "A etnicidade é uma das formas de preencher os espaços
vazios do nacionalismo• (l 992b, p.4). Assim, acmicidade f.u par1r
daquilo que Hobsbawm chama de •prott>n.acionalismo popular.
Esta noção não implica que se possa invocar uma continuidade
fflll cnrrc da e o scntimcnlD nacional ou o ªpatriodsmo nacionalª,
e nem que se possa invocar sua identidade na narurcza un~l
do sentimento que leva a dikrcnciar os membros de seu grupo dos
estrangeiros. A nação é jusmnentr um grupo incompar.iy,cl; não
tem prcccdcnl'C: • A nação moderna oomo Fsod-, ou como a>njun•
to de pessoas que aspiram à forrnaçlo de um dctt:nuh\ado Euado
difere cm número, cm cxttnsão e cm natureza. das comunídades às
quais as pessoas se identificaram no decorrer do trmpo história>•
(1992a, p.63).

DÇlo pan desipar a putmça fonnal a um Emdo • - uma propcrulo a


mvindiar para o fedo um íundamclWI, Okt!N>, i.Jal. de onlcm C'lnOCUlnuü'
(p.lS). Contudo. tt1D-11r, pua- IIIIDr, de urm. c,w,ilw;tn maàva cuja em-
P'"m p-MlU I pralomJnlnda de Ul1ü QJl.a:p;à> ualmÜacionilQ pela qual
ICf francb ºjop1e cm 11a ,..- 10Cai1 ~ ~h:iclOI e nlo miall'.

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