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Fı́sica Experimental 1
Resumo
Esta apostila apresenta as ideias e objetivos que determinam como expressar resultados de
medidas. Introduzimos aqui os conceitos de algarismos significativos e de incerteza, em especial
aquela associada ao instrumento de medida. Apresentamos regras de propagação de incertezas.
Sumário
2 Medida e incerteza 3
2.1 Notação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
4 Propagação de incertezas 13
Apêndice A Paquı́metro 22
Apêndice B Micrômetro 24
Fı́sica Experimental 1
Você certamente já sabe de forma intuitiva o que significa medir grandezas fı́sicas. De maneira
formal, uma medição consiste quase sempre em comparar duas quantidades de uma mesma grandeza
(comprimentos, massas, tempos etc), sendo uma delas definida como um padrão.
O padrão é a convenção a definir a quantidade unitária de certa grandeza, recebendo sua unidade
uma nomenclatura especial (e.g. metro, grama, segundo etc). Para comparar algo à convenção aceita
(i.e. medir), utiliza-se um instrumento calibrado pelo padrão de medida.
Por exemplo, quando afirmamos que um objeto possui 2 kg de massa, queremos dizer que, dentro
de certa precisão, sua massa corresponde a duas ‘massas-padrão’, cuja unidade de medida no sistema
adotado é o quilograma, denotada pelo sı́mbolo ‘kg’.
Comprimento Metro m
Massa Quilograma kg
Tempo Segundo s
Temperatura Kelvin K
A maior parte das grandezas envolvidas na descrição dos fenômenos estudados em Fı́sica Geral 1
e 2 pode ser expressa a partir de apenas três grandezas fundamentais: tempo, comprimento e massa.
Para lhe dar uma noção de como são definidas as unidades no SI, explicitamos algumas abaixo:
• Segundo: o tempo que um isótopo especı́fico do átomo de césio leva para realizar 9 192 631 770
oscilações entre duas configurações eletrônicas internas definidas.
• Metro: a distância percorrida pela luz no vácuo na fração de 1 / 299 729 458 de um segundo
(i.e. a velocidade da luz é definida como exatamente 299 729 458 m/s).
Um bom padrão de medida é hoje entendido como algo robusto que pode ser verificado com alta
precisão através de experimentos locais em qualquer parte do mundo.
Daı́ a preferência por padrões definidos por constantes fundamentais da natureza, como a veloci-
dade da luz, ou quantidades adimensionais, como o número de oscilações de um átomo.
2
Apostila 1: Medidas e incertezas
2 Medida e incerteza
Uma medida determina o valor de uma grandeza fı́sica nas unidades convencionadas.
O valor verdadeiro é o ideal do romantismo experimental: possui precisão infinita e, por isso,
jamais pode ser atingido. Afinal, toda valor medido deve possuir um número finito de algarismos (caso
contrário, precisarı́amos de memória infinita para denotá-lo, além de outros problemas), implicando
numa dúvida fundamental sobre onde exatamente está o valor verdadeiro.
Como não podemos evitar essa fonte de dúvida, precisamos ser realistas e inclui-la como algo
intrı́nseco a todo resultado de medida: toda medida deve, então, possuir uma incerteza. Isso
implica que, ao contrário do nosso ideal de valor verdadeiro, uma medida real não é representada por
um valor pontual, mas por um intervalo!
2.1 Notação
O valor mais confiável representa nossa melhor estimativa para o valor verdadeiro, sendo a
primeira informação a aparecer na notação. A incerteza, colocada após o simpático sı́mbolo ‘±’,
denota o quanto esse valor pode variar para mais ou para menos.
Tomemos como exemplo a grandeza m, cujo resultado de medida seria denotado assim:
m=M± M. (1)
Em outras palavras, a Eq. (1) comunica que m vale com alta confiança algo entre M M e
M + M , sendo o número M a estimativa mais razoável da grandeza m na opinião de quem realizou
a medida. O resultado de medida é sempre um intervalo finito com tamanho não-nulo.
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Fı́sica Experimental 1
Mas aqui você já começa a perceber a terminologia que confunde os não-iniciados na arte da
medida: quanto é ‘alta confiança’ ? Ou: o que é ‘razoável’? Tudo isso ficará mais claro na Apostila
2, quando utilizaremos distribuições de probabilidade para dar sentido estatı́stico a essas afirmações.
Por enquanto, basta você usar o ‘bom senso’ (ooops, mais um conceito difı́cil de definir...) tendo
sempre em mente os princı́pios guiadores da tarefa de medir coisas: fornecer resultados claros
e com informação completa tal que outras pessoas possam repetir seu experimento e
obter resultados compatı́veis com o seu.
Pode ocorrer em alguns casos de a incerteza ser assimétrica em torno do valor de maior confiança,
caso em que a expressão acima deve ser escrita como
+ M+
m=M M
. (2)
Isso significa que o valor mais confiável para m continua a ser M , no entanto a incerteza da medida
permite que o valor verdadeiro da grandeza esteja com alta confiabilidade entre M M e M + M+ .
A incerteza na medição implica que não faz sentido representar resultados de medida por valores
numéricos com tantos algarismos quanto se queiram: a precisão numérica só possui significado
se compatı́vel com a precisão da medida.
Os algarismos que de fato guardam sentido são chamados algarismos significativos. É mesmo
um erro muito comum expressar o valor de medidas com mais algarismos do que permitido por sua
incerteza ou pelo contexto: a forma correta de escrita deve indicar até que casa decimal o
valor numérico da grandeza é confiável.
Faz sentido empregar tal precisão nesse caso? Claro que não! Bem, a medida em si certamente
não possui precisão de 0,1 mm (o diâmetro de um fio de cabelo!) em 730 m; além disso (e mais
importante), a própria idéia não faz sentido, pois a altitude de uma cidade inteira varia muito
mais do que isso em seu interior. Para uma placa desse tipo, seria já exagerado denotar a altitude
como 730 m, sendo mais razoável escrevê-la simplesmente como 0,7 km ou 0,73 km.
Quando não explicitada, a incerteza numa medida deve ser entendida como igual a uma unidade
em seu algarismo de menor valor no posicionamento decimal1 . No entanto, iremos expressar
incertezas explicitamente na maior parte das vezes, e você deve tentar fazer isso sempre.
1
Segundo o exemplo acima, a notação empregada na placa nos leva a entender a altitude da cidade como sendo
igual a 729,8756±0,0001 m, claramente um absurdo.
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Apostila 1: Medidas e incertezas
A mesma filosofia do que possui ou não significado deve ser utilizada para escolher o número de
algarismos usados para denotar a própria incerteza. Por exemplo, não faria sentido escrever
tendo em vista o significado dos algarismos representados: se o algarismo ‘0’ já está incerto em até
8 unidades, qual é o sentido de dizer que há 3 unidades de incerteza no algarismo à sua direita, que
possui valor posicional 10 vezes menor? Como o erro no algarismo mais à direita está contido muitas
vezes no erro do algarismo mais à esquerda, não faz sentido denotá-lo.
Como regra geral, convencionamos neste curso utilizar apenas 1 algarismo significa-
tivo na incerteza.
No entanto, apesar de nossa convenção, um caso especial digno de nota ocorre quando a incerteza
possui ‘1’ ou ‘2’ como primeiro algarismo, caso em que é correto denotar a incerteza com dois
algarismos significativos. Por exemplo, apesar de neste curso perferirmos a forma
730 ± 3 m (4)
em lugar de
730,0 ± 2,8 m, (5)
A escolha por dois algarismos significativos visa evitar que a imprecisão da incerteza seja excessiva
nesses casos especiais. Por exemplo, se = 2 m, utilizar apenas 1 algarismo na notação indicaria
implicitamente que a incerteza poderia ser qualquer coisa entre = 1 m e = 3 m, i.e. uma
variação de ⇡ 50%.
O problema está nesse valor de imprecisão ser excessivo quando comparado aos casos em que
o algarismo mais à esquerda é maior do que 3, implicando em falta de uniformidade. De fato,
se tivéssemos = 8 m, a mesma regra implica dizer que algo entre = 7 m e = 9 m seria
aceitável: nesses casos, porém, a imprecisão da incerteza é de apenas ⇡ 10%.
Assim, a convenção de se utilizar apenas 1 algarismo significativo na incerteza torna o erro relativo
na incerteza irrealisticamente grande nos casos em que o primeiro algarismo de é ‘1’ ou ‘2’.
Para evitar ser tão pessimista, denota-se aı́ o segundo algarismo da incerteza.
No exemplo acima, se a incerteza de medida passa a ser enunciada como = 2,1 m, entende-se
agora que esse valor poderia ser facilmente = 2,0 m ou = 2,2 m, algo incerto em ⇡ 5%.
Assim, a inclusão do segundo algarismo torna mais uniforme a imprecisão relativa da incerteza
em todo o intervalo de valores admitidos.
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Fı́sica Experimental 1
Em todos os exemplos acima, o valor mais confiável foi denotado com o mesmo número de
casas decimais da incerteza. O motivo disso é o fato central de que a incerteza fornece a
precisão do valor mais confiável.
Para se convencer disso, analise com cuidado o significado da notação: cada algarismo da incerteza
se refere ao algarismo na posição decimal correspondente do valor mais confiável, e portanto não faz
sentido denotar um sem o outro!
A incerteza determina como o valor confiável deve ser escrito: em outras palavras, a incerteza
fornece o número de algarismos significativos do valor mais confiável.
Como consequência, note que na Eq. (5) fomos obrigados a manter o algarismo ‘0’ (zero) à direita
da vı́rgula na notação do valor mais confiável, pois é também significativo. Em resultados de
medida, zeros colocados ‘depois da vı́rgula’ possuem significado!
Regras de arredondamento são utilizadas para eliminar da notação algarismos sem significado,
tornando-a clara e sucinta: só se enuncia aquilo garantido como significativo – e nada mais.
Vamos adotar as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para os arredon-
damentos numéricos, que são de fato bem intuitivas. A incerteza deve ser arredondada pelas mesmas
regras até atingir 1 algarismo significativo, de acordo com a convenção adotada neste curso.
Regra 1 - Quando o algarismo a ser desprezado for inferior a 5, mantém-se o algarismo à sua
esquerda inalterado. Ou seja, ‘arredonda-se para baixo’. Exemplos:
Regra 2 - Quando o algarismo a ser desprezado for superior a 5 ou igual a 5 seguido por um
algarismo diferente de zero, soma-se a unidade ao algarismo anterior. Ou seja, ‘arredonda-se para
cima’. Exemplos:
6
Apostila 1: Medidas e incertezas
Regra 3 - Quando o algarismo a ser desprezado for igual a 5 seguido de zeros (ainda que implı́citos),
aplica-se a seguinte convenção: se o algarismo anterior for ı́mpar, acrescenta-se uma unidade a ele;
se for par, permanece inalterado.
O arredondamento tem efeito nulo sobre o resultado numérico da medida, uma vez que os alga-
rismos desprezados não são confiáveis.
Esse tipo de notação é usado para acomodar de forma compacta números muito grandes (e.g.
200 000 000 000 = 2 · 1011 ) ou muito pequenos (e.g. 0,000 000 000 03 = 3 · 10 11 ). Sua vantagem com
relação à representação decimal convencional é eliminar ambiguidades ou mesmo equı́vocos de
notação relacionados ao número de algarismos significativos.
Devemos empregar a notação cientı́fica também para tornar correta a notação da incerteza usando
apenas 1 algarismo significativo. Por exemplo, a forma correta seria escrever:
Note que a notação à esquerda está incorreta se o experimento não for capaz de justificar o fato de
a incerteza ser conhecida com 4 algarismos significativos.
Outra forma de notação comumente encontrada explicita a incerteza como um número entre
parênteses referente ao último algarismo do valor medido, tornando a notação mais econômica:
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Fı́sica Experimental 1
Considere um caso extremo como ilustração. Para valores numéricos ideais (infinitamente preci-
sos), provar a igualdade entre eles significar mostrar que são, na verdade, o mesmo número: as duas
sequências infinitas de algarismos a definir cada número devem coincidir perfeitamente.
Já no caso de resultados de medida, os objetos a serem comparados (valores medidos) não são
dados por valores pontuais, mas por intervalos com tamanhos dados pela incerteza de medida.
Falar em infinitésimos matemáticos perde o sentido nesse caso, pois a incerteza nos dá um número
tı́pico de algarismos para o valor da grandeza. Ir além dessa resolução, como vimos, é o mesmo que
adicionar algarismos sem significado ao valor mais confiável: não faz sentido.
É preciso então redefinir o que se entende por valores medidos ‘iguais’ ou ‘diferentes’, e considerar,
no lugar disso, a compatibilidade entre eles.
De maneira oposta, duas medidas são incompatı́veis quando seus valores mais confiáveis
distam entre si de ‘muitas’ unidades de incerteza. O significado de ‘muitas’, conforme veremos
na Apostila 2, será tornado estatı́stico. Podemos dizer, de forma intuitiva, que incompatı́veis são
valores medidos representados por intervalos excludentes.
Outra forma de pensar, útil em alguns contextos, define compatibilidade de forma negativa: se
dois resultados de medida se sobrepõem em suas incertezas, então não é possı́vel convencer alguém
de que são diferentes: logo, são compatı́veis. E vice-versa.
8
Apostila 1: Medidas e incertezas
Esse número é igual ao número de algarismos exatos (lidos diretamente na escala enumerada ou
mostrador do instrumento) mais o número de algarismos duvidosos, se existirem (em geral apenas 1
ou 2 algarismos nos quais recai a incerteza).
• Se o instrumento não permitir a avaliação do algarismo duvidoso, este será considerado como
o último algarismo (mais à direita) da leitura do instrumento; a incerteza será tomada como
igual a 1 na posição desse algarismo.
Exemplo 1
Vemos da figura que o comprimento do bloco vale algo entre 3 e 4 cm, afirmação que podemos
fazer de maneira exata. Poderı́amos escrever como resultado da medida
L = 3,5 ± 0,5 cm, (11)
o que estaria compatı́vel com a observação.
No entanto, nesse caso nos furtamos a estimar o valor mais confiável. Além disso, o valor encon-
trado é pessimista na incerteza, uma vez que o comprimento do bloco é certamente maior que 3,1
cm ou mesmo que 3,2 cm, e aparentemente menor que 3,5 cm.
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Fı́sica Experimental 1
Em toda medida, devemos estimar o valor mais confiável e, se necessário, também a incerteza.
Uma estimativa visual razoável seria nesse caso L = 3,4 cm, podendo estar entre L = 3,3 cm e 3,5 cm.
Portanto, no limite da precisão visual, obterı́amos
Nos resultados acima, o algarismo 3 é igualmente obtido em ambos, pois é o algarismo exato do
instrumento; já o segundo algarismo não precisa necessariamente concordar entre as medidas pois,
sendo estimado visualmente, é o algarismo duvidoso.
Diferentes experimentadores poderiam estimar valores distintos para o algarismo duvidoso. Porém,
todas as medidas devem concordar dentro do intervalo de incerteza.
Isso de fato ocorre entre as duas medidas acima, pois seus intervalos de confiança se sobrepõem.
A diferença fundamental entre elas é a confiança que o experimentador deposita em seu instrumento
de medida2 .
O primeiro resultado é mais conservador, pois dá preferência a permanecer dentro de margem
mais segura de incerteza, enquanto o segundo utiliza o instrumento de medida ao limite, de forma
a dele extrair o valor mais preciso possı́vel. A escolha da margem de incerteza depende muito dos
objetivos da medida, e ambas as formas acima estariam corretas dentro do contexto apropriado.
Neste curso, vamos adotar o critério conservador, tomando como incerteza da medida o valor
igual à metade do intervalo de menor divisão do instrumento.
Devemos ainda assim estimar o algarismo duvidoso, a fim de estabelecer o valor mais confiável
possı́vel da medida. Assim, o resultado dessa medida conforme convencionado neste curso seria
Vemos que a incerteza de medida adotada é conservadora, pois denota ser o comprimento real do
bloco algo entre 2,9 cm e 3,9 cm, sendo que temos certeza do valor com maior precisão do que isso.
Nossa convenção busca simplificar a atribuição de incerteza instrumental que, como dito, sempre
guarda certa subjetividade para medidas tomadas visualmente. Embora ela possa parecer pessimista
para uma régua graduada em centı́metro, a verdade é que para gradações mais finas não seria possı́vel
estimar visualmente o algarismo duvidoso com tanta precisão, e nossa regra seria menos pessimista.
Note que todas as medidas acima foram enunciadas com dois algarismos significativos, uma vez
que esse é o limite do instrumento para objetos com dimensões de centı́metros.
2
Note que o ‘instrumento de medida’ é na verdade formado pelo uso composto da régua e do instrumento humano
de visão! Por isso a incerteza pode variar de pessoa para pessoa.
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Apostila 1: Medidas e incertezas
Exemplo 2
Considere agora outra régua, graduada em milı́metros, conforme ilustra a figura 2, e o mesmo
bloco do exemplo anterior. Como a resolução oferecida pela escala graduada da régua é maior, o
resultado de medida deve possuir incerteza menor, pois o algarismo duvidoso do exemplo 1 passa a
ser um algarismo exato nesse caso.
A melhor leitura do valor medido, como já discutido, deve ser o número de unidades lido direta-
mente no instrumento acrescido de uma estimativa visual para a quantidade extra que se encontra
entre marcações do instrumento.
Inspeção direta do instrumento nos fornece o comprimento L do bloco entre 3,4 cm e 3,5 cm.
Sendo a menor divisão do instrumento igual a 1 mm, convencionamos associar 0,5 mm como incerteza
instrumental. Supondo que o experimentador estime o algarismo duvidoso como sendo 6, sua melhor
resposta para o comprimento do bloco seria
Note que agora a medida fornece três algarismos significativos (sendo dois deles exatos) como
consequência da maior precisão instrumental disponı́vel.
Exemplo 3
Vamos investigar neste exemplo o caso em que o instrumento de medida não permite ao ex-
perimentador a estimativa do algarismo duvidoso. Nessas situações, o algarismo duvidoso é dado
diretamente a partir da resolução do mostrador do instrumento.
Considere uma balança eletrônica a medir o valor de uma massa, conforme mostrado na figura 3.
Seu mostrador indica 71 kg. Neste caso, não há como fazer estimativas de algarismos adicionais além
dos impressos na tela, e a incerteza do instrumento é providenciada em seu manual. Na ausência do
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Fı́sica Experimental 1
manual, cabe ser pessimista e tomar como incerteza da medida a resolução do mostrador que, neste
caso, é de 1 kg. O resultado da medida é
m = 71 ± 1 kg.
Dois algarismos significativos são fornecidos pelo instrumento. O algarismo duvidoso é nesse caso o
último algarismo fornecido, sem a possibilidade de estimativas adicionais.
Suponha que a leitura no painel de uma balança mais precisa fosse 71,0 kg, como indicado na
figura 4. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o zero colocado após a vı́rgula não
é desnecessário, mas possui significado experimental: o instrumento nos indica que, dentro de sua
incerteza de 0,1 kg, aquele algarismo é de fato medido como nulo. Sendo assim, o resultado de medida
passa a ser
m = (71,0 ± 0,1) kg,
com 3 algarismos significativos, sendo 1 duvidoso.
Finalmente, uma balança mecânica, com leitura por ponteiro, possuindo a mesma escala de divisão
da balança digital anterior (0,1 kg), permitiria ainda a estimativa de um algarismo significativo
adicional. O valor convencionado da incerteza é metade da menor divisão da balança, ou seja, 0,05
kg nesse caso. Supondo que o experimentador tenha atribuı́do o valor 0 para o algarismo duvidoso
disponı́vel, o resultado da medida seria
Exemplo 4
Nesse caso, fica a critério do experimentador decidir como interpretar a leitura do instrumento,
sempre tendo em mente que o objetivo da medida é obter o valor mais confiável da grandeza dentro
de uma faixa especificada de incerteza.
Algumas pessoas decidiriam tomar a média dos valores extremos e colocar a incerteza como
metade do intervalo de variação da leitura, como 71,15 ± 0,15 kg, o que poderia se tornar 71,2 ±
0,2 kg (note que o arredondamento da incerteza ficou também a critério do experimentador). Outras
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Apostila 1: Medidas e incertezas
poderiam notar que o mostrador fica mais tempo no valor 71,0 kg do que em 71,3 kg, e por isso
escolheriam ser mais conservadoras deixando de confiar na última casa decimal do instrumento para
escrever simplesmente 71 ± 1 kg.
4 Propagação de incertezas
Em várias situações não é possı́vel medir diretamente a grandeza de interesse. Nesse caso, o
caminho é inferir seu valor a partir de medidas das grandezas de que depende (“medida indireta”).
A incerteza da grandeza inferida é obtida pela propagação das incertezas das grandezas medidas.
Por exemplo: como medir uma componente da força agindo sobre um corpo utilizando apenas
instrumentos capazes de medir massa e aceleração? A resposta óbvia é empregar a 2a lei de
Newton, que relaciona essas três grandezas. A incerteza no valor da força, obtida indiretamente,
dependerá de quão precisas são as medidas de massa e aceleração.
Antes de começar o tratamento mais rigoroso, podemos estabelecer uma regra simples mas po-
derosa para a propagação de incertezas: quando uma grandeza é inferida a partir de outras, ela
não pode ser mais precisa do que a mais imprecisa das grandezas de que depende; caso contrário,
poderı́amos usar esse truque para aumentar ao infinito a precisão de qualquer medida!
Esse raciocı́nio indica que o número de algarismos significativos (precisão da medida) não
pode aumentar, mas apenas se manter ou diminuir, na inferência de novas grandezas.
Atenção: note que o número de casas decimais é irrelevante, pois depende da escolha de
posicionamento da vı́rgula (tornado arbitrário pela notação cientı́fica!). O que importa é mesmo o
número de algarismos significativos.
Portanto, a precisão de uma grandeza composta deve estar limitada pela mais im-
precisa das grandezas de que depende. Seguindo esse princı́pio geral, tratemos alguns casos
particulares de relações comuns entre grandezas.
Multiplicação
Uma forma bastante comum de se determinar uma grandeza de forma indireta é medir outras
grandezas cujo produto fornece a grandeza procurada.
Seguindo o preceito geral descrito acima, podemos estimar a incerteza da grandeza composta
simplesmente mantendo seu valor com o mesmo número aproximado de algarismos significativos da
mais imprecisa das grandezas medidas.
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Fı́sica Experimental 1
Por exemplo, suponhamos que a massa da partı́cula seja medida como m = 0,9 kg, e sua ace-
leração, como a = 1,23 m/s2 . Supõe-se que esses valores possuam a última casa indicada como
incerta em uma unidade, conforme convenção adotada, sendo explicitamente m = 0,9 ± 0,1 kg e
a = 1,23 ± 0,01 m/s2 .
Devemos esperar que o valor calculado da força só tenha 1 ou 2 algarismos significativos, devendo
ser escrito como 1 N ou 1,1 N. Para escolher entre elas, notemos que a primeira forma implica
imprecisão quase total, i.e. 100%, dado que seu valor seria implicitamente entendido como F =
1 ± 1 N (ou seja, entre 0 N e 2 N). A segunda forma deve ser então a mais apropriada nesse caso,
ou seja, F = 1,1 ± 0,1 N. Nesse caso, a imprecisão é de aproximadamente 10%, compatı́vel com
a incerteza relativa inicial na massa.
Um método mais confiável, embora ainda ligeiramente grosseiro, de se calcular a incerteza, cha-
mado aqui coloquialmente de ‘método trabalhoso’, é determinar os valores máximo e mı́nimo
da grandeza compatı́veis com o intervalo de incerteza das quantidades medidas.
No exemplo acima, o valor mı́nimo inferido para a magnitude da força ocorre quando massa e
aceleração são mı́nimas dentro da incerteza, ou seja, para mmin = m m = 0,8 kg e amin =
2
a a = 1,22 m/s , com o que obtemos Fmin = 0,96 N. Repetindo o mesmo procedimento para seu
valor máximo, obtemos Fmax = mmax · amax = 1,24 N. Sendo o valor mais confiável da força dado
por F = m · a = 1,107 N, podemos estimar a incerteza na força como F = (Fmax Fmin )/2 =
0, 14 N (note que também podemos calcular F como F = Fmax F = F Fmin ). O resultado
obtido fica denotado como F = 1,1±0,2 N, em que arredondamos a incerteza de forma pessimista.
Conforme veremos, essa forma de estimativa da incerteza é pessimista, pois supõe estarem ambas
as grandezas maximamente erradas ao mesmo tempo, o que não é provável.
Soma
Um caso mais problemático ocorre nas operações de soma com números possuindo incerteza,
sendo esse um tópico bastante conhecido em computação. Similarmente à situação experimental, a
representação de um número no computador só pode ser realizada dentro de certa precisão.
No caso do computador, esse número é limitado em última instância pela quantidade de memória
alocada na representação do número, enquanto em fı́sica experimental ele é limitado pela incerteza
da medida. Para procedermos com a soma, devemos identificar as posições decimais dos algarismos
duvidosos de cada parcela e somá-las até a posição decimal do algarismo menos confiável entre eles.
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Apostila 1: Medidas e incertezas
Por exemplo, suponhamos que precisemos somar os números 12,8 e 146. Apesar de ambos
possuı́rem três algarismos significativos, o número 146 não possui definido o algarismo na primeira
posição decimal após a vı́rgula, sendo sua incerteza implı́cita de uma unidade já no algarismo 6,
seu algarismo duvidoso. Portanto, o algarismo duvidoso do número 12,8 (no caso, 8), por possuir
posição decimal de maior precisão, perde significado no resultado da soma.
Devemos considerar, na verdade, a soma de 13 e 146, em que ambos os números devem ser arre-
dondados antes de realizada a operação de soma. A resposta confiável seria 159, com incerteza
implı́cita de 1 no último algarismo e herdada essencialmente do número 146. Note como o resul-
tado mudaria bastante de significado caso o número a ser somado fosse 146,0 (quatro algarismos
significativos). Nesse caso, não haveria grande perda de precisão na soma, sendo o resultado
confiável dado por 158,8.
Note que resultados de somas podem ficar indefinidos por conta da incerteza!
Um exemplo de situação patológica ocorre na soma dos números 12,12 e 12,12. Apesar de
cada parcela ser conhecida com quatro algarismos significativos, obtemos algo indefinido como
resultado, pois a soma fica indeterminada dentro da incerteza. A forma correta de representar
o resultado dessa soma é 12,12 + ( 12,12) = 0,00 ± 0,01. Nesse exemplo, passamos de um erro
inicial de 1 parte em 10 mil (ou seja, 4 algarismos significativos) para indefinição total.
O significado da notação do exemplo acima é que podemos afirmar o resultado como compatı́vel
com zero dentro da incerteza. Em outras palavras, não há precisão sequer para apontar a
ordem de grandeza do valor mais confiável, mas apenas para afirmar que está entre 0,01 e 0,01 (a
incerteza).
Nesse caso, toda a informação reside na incerteza, que denota a confiança com que
podemos afirmar o valor zero como resultado.
Resultado similar seria obtido ao se tentar medir o diâmetro de um fio de cabelo com uma régua
milimetrada, por exemplo. O valor medido não possuiria qualquer algarismo significativo, o que pode
ser visto facilmente em notação cientı́fica, na qual seria representado como (0 ± 5) · 10 1 mm. A
precisão da medida só permite visualizar um ‘zero à esquerda’.
A operação de soma sempre resulta em valores relativamente mais imprecisos. Por isso, é mais
preciso medir diretamente grandezas compostas por somas sempre que possı́vel.
Vimos que, na soma de duas grandezas, a incerteza do resultado deve ser maior que a incerteza
absoluta com que cada parcela é conhecida. No caso mais pessimista, a incerteza do resultado será
a soma das incertezas de cada parcela.
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Fı́sica Experimental 1
Conceitualmente, somar as incertezas de todas as parcelas significaria esperar que todos os valores
somados estivessem ao mesmo tempo no limite superior (ou inferior) de seus intervalos de confiança.
É mais plausı́vel esperar que poucos valores se encontrem nos limites superior ou inferior de seus
intervalos de confiança; uma fração maior das medidas deve estar equivocada por e.g. metade da
incerteza, tanto acima quanto abaixo do valor verdadeiro; mas a maior fração delas deve se concentrar
nas proximidades dos valores verdadeiros.
Já sabemos que a incerteza na grandeza inferida deve ser maior que a maior incerteza dentre todas
as parcelas, pois a quantidade final não pode ser conhecida de maneira mais precisa que nenhuma de
suas parcelas. Porém, ela deve ser menor que a soma de todas as incertezas, como vimos.
O valor mais provável da incerteza estará entre esses dois extremos. A forma rigorosa de se
propagar incertezas supõe que se referem num certo sentido a distribuições de probabilidade,
como veremos em maior detalhe na Apostila 2.
De fato, essa expressão limita M inferiormente pela grandeza de maior incerteza, por ser uma
soma de quadrados. Se M1 M2 , então M ⇡ M1 (demonstre!).
Por outro lado, se as duas incertezas são parecidas ( M1 ⇡ M2 ), então a Eq. (15) fornece algo
p
mais otimista do que a soma das incertezas, pois obtemos M ⇡ 2 M1 < M1 + M2 (demonstre!).
Note que a incerteza se calcula da mesma forma para uma soma entre números p
com sinais opostos.
Se, por exemplo, vale que m1 > 0 e m2 < 0, a resposta seria m = |M1 | |M2 | ± ( M1 )2 + ( M2 )2 ,
sem mudança no cálculo da incerteza.
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Apostila 1: Medidas e incertezas
Retornando ao exemplo da última seção, podemos calcular agora a incerteza na soma de 12,8
e 146 de maneira mais sistemática. Tomando m1 = 12,8 ± 0,1 e m2 = 146 ± 1, obtemos M =
p
12,8 + 146 = 158,8 e M = (0,1)2 + (1)2 ⇡ 1,005. Devemos novamente manter apenas 1
algarismo significativo na incerteza e adequar a ela a resposta do valor mais provável, e portanto
M = 1 pelas regras de arredondamento; obtemos como resultado m = 159 ± 1.
Note que no exemplo acima a incerteza do número 12,8, por ser muito menor que aquela do
número 146, não contribui efetivamente para a incerteza do resultado final.
Como regra informal, na propagação das incertezas de uma soma, podemos desprezar
de inı́cio incertezas menores que a metade da maior das incertezas das parcelas.
Para um número qualquer de parcelas, a Eq. (15) se generaliza facilmente. Seja a grandeza
m = M + M composta por N parcelas mk = Mk + Mk , com ı́ndice k = 1, 2, 3, . . . , N . Temos então
X
( M ) 2 = ( M1 ) 2 + ( M2 ) 2 + · · · + ( MN ) 2 = ( Mk ) 2 . (17)
k
A mesma regra de propagação da soma vale para compor fontes independentes de incerteza
a afetar a medida de uma única grandeza.
Pelos mesmos argumentos, supomos nesse caso que cada processo a contribuir para a incerteza
da medida é independente dos demais, obedecendo estatı́stica gaussiana. A incerteza total é obtida
pela aplicação da Eq. (15) utilizando M1 e M2 como as incertezas respectivas de cada processo.
Por exemplo, suponhamos que ao medir o bloco da figura 1 descubramos que rugosidades em sua
superfı́cie fazem com que a medida de comprimento varie de acordo com o local onde se coloca
a régua. Comparando várias medidas em posições diferentes, percebemos que o comprimento
medido varia por até 3 mm. Nesse caso, a incerteza da medida do bloco é composta por duas
fontes de incerteza: a leitura da régua e a rugosidade da superfı́cie do bloco.
Poderı́amos reescrever o valor do comprimento do bloco como L = 3,4 ± 0,5 ± 0,3 cm, dessa forma
especificando cada fonte de incerteza. Poderı́amos também compô-las a fim de obter a incerteza
p
total da medida do bloco. Usando a Eq. (15), obtemos L = 0,52 + 0,32 = 0,6, com o que o
resultado da medida seria modificado para L = 3,4 ± 0,6 cm.
De maneira análoga, N fontes independentes de incerteza resultarão na incerteza total dada pelo
mesmo tipo de soma triangular da Eq. (17).
17
Fı́sica Experimental 1
A forma mais geral de inferir grandezas consiste em atribuir uma função genérica ligando uma
grandeza à outra. A incerteza da grandeza inferida pode ser obtida pelo intervalo de variação de
seu valor mais confiável causada pelas incertezas das grandezas medidas.
Uma forma de determinar esse intervalo é considerar como o valor de uma função responde
a pequenas variações independentes em seus argumentos. Essa aproximação linear é realizada
expandindo a função em primeira ordem no entorno do valor mais confiável da grandeza inferida.
Considere uma função bem comportada f (x) qualquer. Buscamos saber quanto seu valor muda
conforme seu argumento x varia por uma quantidade x .
Com isso queremos determinar o quanto a incerteza x influencia o valor da grandeza composta
f (x). Se a variação x for relativamente pequena, podemos expandir a função em primeira ordem
em torno de x usando a aproximação linear pela derivada,
df (x)
f (x + x) ⇡ f (x) + · x. (18)
dx
Portanto, chegamos à incerteza de f (x), dada pelo intervalo de variação, como
df (x)
f = |f (x + x) f (x)| = · x, (19)
dx
na qual tomamos o módulo para impor o fato de que a incerteza é sempre positiva.
A expressão acima é ilustrada de forma gráfica na figura 5. Note como a derivada no ponto x
fornece a relação de proporcionalidade entre as incertezas x e f no entorno de uma região pequena.
18
Apostila 1: Medidas e incertezas
d 2
A = (l ) · l = 2l l . (20)
dl
Substituindo o valor medido e aplicando as convenções de notação, obtemos a área A = (1,7 ±
0,3) · 103 cm2 (você encontrou esse resultado?).
Vejamos porque isso acontece. Voltando à Eq. (20), notamos que ela pode ser reescrita dividindo
seus dois membros pela expressão da área, de onde obtemos
2l l
A A l
=
=) =2 . (21)
A l2 A l
Portanto, a incerteza relativa dobra por causa da dependência quadrática de A em l.
Para qualquer função f (x) dada por uma potência de x, obterı́amos em geral
f x
f (x) = xn =) =n . (22)
f x
Da mesma forma, se n < 1 a incerteza percentual diminui na grandeza composta.
Qualquer que seja a dependência funcional ‘bem comportada’ de f em x, a Eq. (19) pode ser
empregada para propagação de incerteza, assim como o método gráfico equivalente da figura 5.
Consideremos agora uma grandeza inferida a partir de duas outras grandezas que podem ser
medidas diretamente. Consideramos novamente essas medidas independentes, ou seja, a medida de
uma delas não influencia o resultado de medida da outra.
Representamos a grandeza inferida por uma função de duas variáveis f (x, y). Se x e y são variáveis
independentes, a expansão linear se generaliza para
@f (x, y) @f (x, y)
f = |f (x + x, y + y) f (x, y)| ⇡ · x + · y. (23)
@x @y
Lembre-se de que a derivada parcial de f (x, y) com relação a x, denotada por @f@x
(x,y)
é calculada
@f (x,y)
como a derivada comum com relação a x considerando y constante, e vice-versa para @y .
19
Fı́sica Experimental 1
Voltemos ao exemplo da seção 4, em que se buscava determinar a força agindo sobre um corpo a
partir de medidas diretas de sua massa e aceleração. As derivadas parciais relevantes são nesse
@F
caso @m = a e @F
@a = m. Usando a Eq. (23), obtemos
@F @F
F = · a + · m =m a +a m. (24)
@a @m
Dividindo os dois membros da equação pela expressão da força, encontramos para a incerteza
relativa
F a m
= + . (25)
F a m
Ou seja, a incerteza relativa da grandeza inferida seria dada no caso pessimista pela soma das
incertezas relativas das grandezas medidas diretamente.
Já vimos esse tipo de composição de incertezas na seção. 4.1. Essa é a forma pessimista de
se estimar a incerteza na grandeza inferida, uma vez que é pouco provável que todas as grandezas
independentes das quais depende desviem maximamente ao mesmo tempo de seus valores verdadeiros.
A diferença com relação à discussão anterior é que a expressão acima considera a incerteza relativa
no lugar da incerteza absoluta. Devemos interpretar a Eq. (23) num sentido estatı́stico, tal como
fizemos para a propagação da soma de grandezas.
A forma mais adequada de se calcular a incerteza final é supor que cada argumento da função
contribui com erro relativo independente e, de acordo com argumentos estatı́sticos, somá-los de
maneira triangular.
Assim, para grandezas calculadas através de multiplicações e operações afins, a incerteza rela-
tiva só pode aumentar ou se manter constante conforme mais fontes de incerteza são
incluı́das. Analogamente ao caso da propagação de incerteza da soma, a incerteza relativa final
é maior que a mais incerta das incertezas relativas que a compõem.
Aplicando a Eq. (26) ao exemplo anterior, obtemos a incerteza relativa da força como
⇣ ⌘2 ⇣ ⌘ 2 ⇣ ⌘ r⇣ ⌘ ⇣ ⌘
F a m 2 a 2 m 2
= + ) F = + F. (27)
F a m a m
Usando os valores do exemplo da seção 4, a incerteza relativa da massa seria m /m ⇡ 0,1 (i.e.
10%), enquanto da aceleração seria a /a ⇡ 0,01 (i.e. 1%). Como a /a ⌧ m /m, a incerteza da
força é quase toda devida à incerteza na massa.
Usando a Eq. (19), obtemos F /F = 0,1, i.e. F = 0,12 N. Note que esse valor é ligeiramente
menor do que encontrado na seção 4, embora concordem no algarismo significativo, mostrando
que o cálculo de incerteza conforme realizado naquela seção era de fato conservador.
20
Apostila 1: Medidas e incertezas
A Eq. (26) se generaliza facilmente para uma grandeza inferida a partir de um número qualquer
de grandezas que podem ser medidas diretamente.
Consideremos a função f (x1 , x2 , . . . , xN ) para representar essa grandeza, com argumentos inde-
pendentes. Generalizando a Eq. (23), a incerteza em f é calculada como
✓ ◆2 ✓ ◆2 ✓ ◆2
2 @ @ @
( f) = f · x1 + f · x2 + · · · + f · xN
@x1 @x2 @xN
X N ✓ ◆2
@
= f (x1 , x2 , . . . , xN ) · xk (28)
k=1
@x k
Dividindo a equação acima pela expressão de f (x1 , x2 , . . . , xN ), determinamos o ‘peso’ com que
as incertezas relativas parciais contribuem para a incerteza da grandeza inferida.
@⇢
Note que a derivada parcial @L é negativa, indicando que os sentidos de variação de ⇢ e L são
opostos (e.g. ⇢ é superestimado quando L é subestimado), e que isso não afeta a incerteza total.
Usando a Eq. (26),
✓ ◆2 ✓ ◆2
2 1 3M
( ⇢) = M + L . (30)
L3 L4
A grandeza L contribui com peso três vezes maior na incerteza final. O motivo estatı́stico para
isso é o fato de que sua incerteza aparece três vezes na expressão e de forma correlacionada.
Note que, caso o valor de alguma incerteza relativa seja muito grande, a propagação por expansão
linear não será precisa no cálculo da incerteza final. Nesse caso, podemos expandir a função até ordens
mais altas, ou utilizar o ‘método trabalhoso’ (mais conservador) da seção 4 para estimar a incerteza.
21
Fı́sica Experimental 1
Apêndice A Paquı́metro
Todos esses tipos de medidas podem ser lidos em um sistema formado por duas escalas: a escala
principal, denotada no corpo fixo do instrumento, e a escala auxiliar, gravada na peça móvel a que
chamamos vernier ou nônio.
Figura 6: Paquı́metro.
Para atingir resolução melhor do que 1 mm, o paquı́metro faz uso da escala auxiliar em combinação
com a escala principal, atingindo resolução cerca de dez vezes maior do que disponı́vel fazendo uso
apenas de sua escala principal. Vejamos como funciona o paquı́metro e como utilizar o vernier para
conseguir medidas de maior precisão.
Vemos na figura 7 a escala principal em detalhe. Pela marcação ‘0’ do vernier, a leitura direta da
escala principal nos fornece o valor 87 mm. Portanto, seguindo as convenções das seções anteriores,
poderı́amos estimar o algarismo duvidoso como sendo talvez 7, e dessa forma denotar o resultado de
medida como 87,7 ± 0,5 mm usando o paquı́metro como se fosse uma régua.
Observemos agora o vernier em mais detalhe. Pela figura 7, vemos que ele possui 10 divisões,
cada qual correspondendo a um número de 0 a 10, conforme indicado em sua escala. Pela construção
do paquı́metro, essa escala é calibrada para representar no total 1 mm, de forma que sua menor
divisão deve corresponder a 0,1 mm.
Portanto, a escala do vernier fornece o próximo algarismo significativo. Para identificá-lo, deve-
mos observar qual de suas marcações melhor coincide com uma marcação qualquer da escala principal,
4
Applets em http://www.stefanelli.eng.br/webpage/metrologia/p-paquimetro-nonio-milimetro-05.html.
22
Apostila 1: Medidas e incertezas
e ler seu valor correspondente no vernier. No exemplo da figura, essa marcação se refere ao algarismo
8 no vernier. Assim, o valor medido nesse caso seria
Note que a medida final é bem mais precisa do que o valor anteriormente obtido utilizando o
paquı́metro como se fosse uma régua.
Vejamos um outro exemplo a seguir. Na figura 8, temos um vernier com 20 divisões na escala
auxiliar, diminuindo a incerteza da medida por um fator 2 (já que a escala do vernier continua
representando 1 mm em sua totalidade). Seguindo o mesmo procedimento, obtemos o valor 76 mm
a partir da escala principal, e, identificando a marcação do vernier que melhor coincide com a escala
principal como correspondendo ao algarismo 9, podemos escrever como resposta final o valor
Como não é possı́vel estimar visualmente o último algarismo, mantemos seu valor conforme lido
diretamente da escala do vernier, com incerteza dada por sua menor divisão.
23
Fı́sica Experimental 1
Apêndice B Micrômetro
Apesar de apresentar uma resolução maior que o paquı́metro, o micrômetro mostra-se um instru-
mento bem menos versátil. As dimensões medidas não podem passar de alguns centı́metros e devem
corresponder sempre a diâmetros externos. A figura 9 ilustra um micrômetro com a nomenclatura
de suas parte.
Figura 9: Micrômetro.
Para iniciar a utilização do instrumento, é necessário determinar a correção do zero de sua escala,
lida a partir do tambor. Para tanto, gira-se o parafuso micrométrico até que as superfı́cies de fuso e
batente se encostem. Para medir a dimensão de um objeto, repete-se o procedimento com o mesmo
localizado entre fuso e batente.
Atenção: Caso o zero na escala do tambor não coincida com o zero da escala linear quando fuso
e batente se encostam, o valor lido deve ser usado para corrigir todas as medidas efetuadas com o
micrômetro em questão.
A maioria dos micrômetros possui uma catraca, localizada na extremidade do parafuso, cuja
função é aliviar pressão excessiva que o operador possa exercer, evitando deformar o objeto a ser
medido ou danificar o instrumento por tensões mecânicas excessivas.
A dimensão do objeto é lida a partir de duas escalas, como ilustrado em detalhe na figura 10.
A primeira escala, expressa em milı́metros, se localiza na bainha e é responsável para leitura com
precisão de 0,5 milı́metro; a segunda escala, de maior precisão, se encontra inscrita no tambor.
24
Apostila 1: Medidas e incertezas
1 ou 0,5 mm. As marcações dos milı́metros partem da linha da escala num sentido, enquanto as
marcações de meio milı́metro, quando existentes, partem no outro. Sua leitura é realizada diretamente
pelo número indicado pelo corte que o tambor cria na escala subjacente. Ou seja, a parte visı́vel da
escala da bainha denota o valor da medida.
O tambor, que se encontra fixo ao parafuso, proporciona a leitura dos demais algarismos. O
princı́pio de funcionamento do micrômetro consiste em dividir o deslocamento de um passo do pa-
rafuso por um número N de divisões (normalmente, N = 50 ou 100), no movimento circular do
tambor. Sua menor divisão corresponde a 0,01 mm.
A leitura do número do tambor é realizada de forma similar, pelo ponto em que sua escala
numerada é cortada pela linha horizontal inscrita na bainha. Isso permite ler dois algarismos exatos
no tambor e estimar o algarismo duvidoso.
No exemplo da figura 10, a leitura da escala em milı́metros proporciona o valor 17,5 mm. Já a
escala do tambor provê a leitura do número 32, que deve ser entendido como 0,32 mm. O algarismo
duvidoso pode ser estimado como 0, fornecendo portanto a leitura 0,320 mm na escala mais fina, que
fornece a incerteza. Assim, o resultado da medida é a soma desses números,
em que a incerteza de leitura foi tomada, de acordo com a convenção estabelecida, em metade da
menor divisão de leitura da escala mais fina (tambor).
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