era tímido e custava-lhe fazer amigos. Desde que nascera que vivia no mesmo bairro e, por fim, conseguira fazer um amigo. Mas agora os pais tinham-se mudado para um bairro novo com um grande parque diante da casa. Jorge andava zangado, porque no novo bairro não conhecia absolutamente ninguém. Ia ao parque com a mãe ou com o pai e ninguém brincava com ele. Todos os rapazes brincavam entre si e ele tinha que se contentar a ver como eles se divertiam. Assim passaram várias semanas. No colégio, acontecia o mesmo. Havia um grupo de amigos que o deixavam de lado e ele aborrecia-se. Tanto na escola como no parque, não tinha outro remédio senão brincar sozinho. Uma vez, a mãe levou-o ao parque e ele pôs-se a brincar com barro. Ao fim de tanto tempo a brincar sozinho, tornara-se muito habilidoso e fazia construções fantásticas com os tacos de madeira e os mecanos, mas preferia o barro, porque com ele podia moldar o que quisesse. Naquele dia tinha chovido um pouco durante a noite anterior e a terra estava mole, como ele gostava. Pôs-se a construir uma cidade que tinha imaginado já há algum tempo. Essa cidade teria as suas ruas, casas, jardins e até depósitos de água para que os seus habitantes pudessem beber, lavar e regar os jardins. Quando já tinha erguido algumas casas, aproximou-se dele um menino que andava a jogar à bola, agachou-se e perguntou-lhe: - Posso brincar contigo? Jorge fez um gesto com a cabeça que queria dizer que sim, e o outro menino começou a ajudá-lo. Quando Jorge estava a acabar de construir um pequeno canal para as águas daquela cidade, outro menino, que brincava no baloiço, aproximou-se e perguntou: - Posso trazer água da fonte para encher o canal? E Jorge repetiu o gesto de assentimento, sem pronunciar qualquer palavra, como se fosse um chefe de engenheiros. Os outros meninos que antes brincavam em grupo começaram a ficar sós e a aborrecer-se, de modo que se aproximaram do grupo que fazia construções em barro, agacharam-se e puseram-se também a ajudar. Jorge mandou-lhes trazer raminhos que parecessem árvores e plantaram-nos entre as casas, e construíram também uma horta com bolinhas das plantas, que pareciam cabaças e tomates em miniatura. Quando terminaram a construção da cidade, outros meninos que acabavam de chegar com os seus bonecos de plástico pediram licença para os colocar. Dessa forma, a cidade passou a ter os seus habitantes. E as pessoas grandes, que já começavam a regressar a casa com os filhos, aproximavam-se para contemplar a obra. - Nunca tinha visto uma coisa tão bem feita – disse uma velhinha. – É uma cidade completa. - E é tão bonita, até tem uma horta – disse outra. - E água corrente – comentou um senhor que andava a passear o cão. - Parece uma cidade árabe, com aquelas casas cor de barro vermelho-escuro e aquelas árvores que parecem palmeiras – disse um velho que apanhava sol. - Quem construiu esta cidade? – perguntou, curiosa, uma professora da escola, que passava por ali nesse momento. - Fomos todos!!! – gritaram em coro os meninos. - Então, este ano, podiam encarregar-se de montar o presépio da escola. Todos os anos calha a um grupo. - Quem começou foi este rapaz – disse o primeiro menino que se tinha aproximado do Jorge. - E como se chama este rapaz? – quis saber a professora. - Não sabemos – responderam os meninos. Jorge ficou um pouco nervoso e não soube o que dizer, mas sabia que tinha feito amigos e estava contente. Jorge continuou a ser envergonhado, mas bem depressa fez muitos amigos, pois estava sempre a ter ideias fantásticas. Ele começava, e pouco a pouco, iam-se-lhe juntando meninos e mais meninos com vontade de colaborar e de acrescentar ideias àquilo que Jorge tinha começado. Às vezes, eram travessuras a que eles chamavam “aventuras” e a professora zangava-se. Como daquela vez em que se meteram num grande matagal que havia ao fundo do pátio do recreio e pretenderam construir uma cabana para efetuar reuniões secretas. Tinham levado comida e um cantil cheio de água e até livros pequenos, pois Jorge dizia que um clube secreto devia ter uma biblioteca. Mas a professora descobriu o buraco que tinham feito nas plantas e bradou aos céus ao ver o estrago. No entanto, outras vezes, Jorge e os seus amigos, na escola, faziam presépios e umas decorações para representações de teatro realmente lindíssimas. Desta forma, Jorge já não se lembrava do bairro em que tinha vivido antes porque agora tinha muitos mais amigos. “Terra do Nunca” Rosa-Dos-Ventos, junho, 2019, Ano 51, Nº 559, Santa Casa da Misericórdia do Porto, CPAC, Edições Braille.