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A sopa de pedras

Três monges, Hok, Lok e Siew, seguiam por


uma estrada de montanha a conversar sobre temas
variados como a cor do sol, a virtude da
generosidade…
- Siew, o que é que faz as pessoas felizes? –
perguntou Hok, o mais novo dos três.
- Vamos já ver – respondeu o velho Siew, o
mais sábio dos três monges.
O toque de um sino fê-los olhar para os telhados
de uma aldeia situada no sopé da montanha. Aquela
aldeia tinha passado por muitas desgraças. A fome,
as inundações, a guerra tinham flagelado os
habitantes, que passaram a suspeitar de qualquer
estranho que ali aparecesse e até dos próprios
vizinhos.
Aqueles aldeões trabalhavam muito, mas cada
qual para si.
Havia um lavrador.
Um comerciante de chá.
Um letrado.
Uma costureira.
Um médico.
Um marceneiro…
… e muitos mais. Mas quase não comunicavam
entre si.
À chegada dos monges, os habitantes meteram-
se em suas casas e ninguém os quis receber. Todos
fecharam cuidadosamente as persianas. Os monges
bateram à porta da primeira casa mas não obtiveram
resposta e as luzes apagaram-se. Bateram à porta
da seguinte e o resultado não foi melhor. E assim
aconteceu por todo o lado.
- Esta gente não sabe ser feliz – comentaram
então eles entre si.
- Mas hoje – acrescentou Siew, com ar radiante
– vamos ensinar-lhes a fazer a sopa de pedras.
Apanharam paus e ramos, a fim de fazer lume e
pôr a aquecer uma pequena panela com água que
tiraram do poço.
Uma menina, vestida de amarelo, que os estava
a observar, abeirou-se deles corajosamente e
perguntou:
- O que é que estão a fazer?
- A arranjar lenha – respondeu Lok.
- A acender o lume – precisou Hok.
- Vamos fazer uma sopa de pedras e
precisamos de três pedras redondas e polidas –
acrescentou Siew.
A menina ajudou os monges a procurar ali
perto umas boas pedras, que eles de seguida
meteram na pequena panela.
- Estas pedras irão dar uma excelente sopa –
disse Siew – mas receio bem que esta panela tão
pequena não dê para muito…
- A minha mãe tem uma panela grande –
comentou a menina.
E correu logo para casa.
A mãe, ao vê-la pegar na panela, perguntou-lhe
o que é que estava a fazer.
- Os três forasteiros estão a fazer uma sopa de
pedras – respondeu ela. – E precisam da nossa
panela grande.
- Hum – diz a mãe – pedras não faltam por aí.
Até gostava de saber como é que se faz essa
sopa…
Os monges acenderam o lume. Como o fumo se
espalhasse, os vizinhos foram espreitando às
janelas. O lume e aquela grande panela no meio da
praça eram uma verdadeira atração! Um por um, os
aldeões foram saindo de casa para ver o que seria
essa tal sopa de pedras.
- Uma boa sopa de pedras tem de ser
temperada com sal e pimenta – disse Hok.
- Claro, – aprovou Lok, mexendo a grande
panela cheia de água e pedras. – Mas nós não
temos mais nada.
- Tenho eu – disse o letrado, com os olhos a
brilhar de curiosidade.
E lá veio ele com sal, pimenta e outros
condimentos mais.
Siew provou a sopa.
- A última vez que arranjamos pedras para uma
sopa deste tamanho, pusemos-lhe cenouras que
deram um caldo delicioso.
- Cenouras? – disse uma mulher atrás deles. –
Eu devo ter algumas!
E lá foi a correr, voltando com as cenouras que
conseguiu arranjar, e meteu-as na panela.
- E que tal se levasse cebolas? – adiantou Hok.
- Sim, sim. A cebola dá-lhe um bom gosto –
disse um aldeão que, por sua vez, foi a casa e logo
regressou com cinco grandes cebolas que deitou na
sopa que já fervia.
- Que boa sopa! – disse ele e todos os aldeões
concordaram, porque o cheiro era muito agradável.
- Se tivéssemos cogumelos! – disse Siew
coçando o queixo.
Isto fez crescer água na boca a alguns… E logo
foram outros buscar cogumelos frescos, massa,
vagens e couves.
Algo de mágico surgia no espírito dos aldeões:
se um sentia o impulso de dar, o outro dava ainda
mais. E assim a sopa ia ficando cada vez mais rica e
o seu aroma cada vez mais delicioso…
- O Imperador, julgo eu, sugeria que se
acrescentasse almôndegas – disse ainda um aldeão.
- E tofu! – sugeriu outro.
- E porque não cogumelos pretos, feijão mungo
e inhames? – gritaram uns quantos.
- E taros, e melão de inverno, e maçarocas de
milho anão – acrescentaram outros ainda.
- E alho!
- E gengibre!
- E molho de soja!
- E pétalas de rosa!
- Eu tenho! Eu tenho! – gritaram vários, e foram
buscar tudo o que podiam arranjar.
Os monges iam mexendo a sopa que fervia.
Cheirava tão bem! Como devia ser deliciosa! E que
generosos estavam a ser os aldeões!
Finalmente, a sopa ficou pronta.
E todos se reuniram.
Trouxeram arroz, pãezinhos, líchias, bolos, chá
e acenderam luzes. Depois, sentaram-se à mesa.
Por mais que puxassem pela memória, não se
lembravam de algum dia se terem reunido para uma
festa assim. Depois de terem comido, contaram
histórias, cantaram canções e fizeram festa pela
noite dentro.
Por fim, abriram as portas e convidaram os
monges a dormir nos seus melhores quartos.
No dia seguinte, numa linda manhã de
primavera, reuniram-se todos junto do salgueiro para
se despedirem.
- Obrigado por nos terem convidado – disseram
os monges – foram todos muito generosos.
- Nós é que agradecemos – responderam os
aldeões. – Com o que vocês nos deram, nunca mais
nos vai faltar nada. Mostraram-nos que, quando
partilhamos, ficamos mais ricos!
- Pois é – disseram os monges – ser feliz é tão
simples como fazer uma sopa de pedras.

A origem de “A Sopa de pedras” tem as suas


raízes no folclore europeu. Há inúmeras variantes
desta história em França, na Suécia, na Ásia, em
Inglaterra, na Bélgica, em Portugal e em muitos
outros países. Na sua versão mais corrente, a sopa
é feita com pedras. Mas, noutras, é feita com um
prego, um machado e até com botões de osso.
Existem histórias parecidas com esta na Jamaica (o
tema é uma panela que faz a sopa), na Coreia (uma
árvore mágica que dá bolos), e nas Filipinas (onde
um chapéu paga as farturas).
Segui a forma tradicional da “sopa de pedras” e
situei-a na China. Também utilizei a tradição budista
segundo a qual “seres divinos” iluminavam
particularmente os espíritos que não procurassem
benefícios só para si. Hok, Lok e Siew têm uma
grande importância na tradição chinesa. São três
divindades que concedem saúde, riqueza e
prosperidade: Hok simboliza a sorte e a
prosperidade, Lok, a saúde, a felicidade familiar e o
amor mútuo. Siew, a longevidade, uma vida isenta
de agitação e obstáculos. Aqui tomam a forma de
três monges zen.
Na cultura asiática, como noutras, determinados
símbolos têm um significado particular. No passado
longínquo da China, o amarelo, cor do sol, só era
usado pelos reis. Embora a menina vestida de
amarelo da nossa história não seja nenhuma
imperatriz, ela é quem serve de intermediário… O
salgueiro mencionado no final do conto é um
símbolo evidente da partida, da separação. E muitos
outros pormenores.
Monges poetas zen percorreram desde sempre
as montanhas suspensas nas nuvens. Acredito que,
alguns deles, tenham chegado a uma aldeia de
casas e habitantes lúgubres, e tenham feito o
mesmo que Hok, Lok e Siew fizeram neste conto.
Jon J. Muth

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