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MÓDULO 3

memórias, histórias
e brincadeiras
APRESENTAÇÃO

O
Serviço Social do Comércio - SESC desenvolve o Projeto Era Uma Vez...

Atividades Intergeracionais desde 1993 através do setor Assistência com

o Trabalho Social com Pessoas Idosas – TSI.

O projeto é desenvolvido com a participação de crianças e pessoas idosas,

a partir do convívio entre gerações com o objetivo de aproximá-las, oportuni-

zando o aprendizado mútuo e o respeito enquanto elementos fundantes para

a criação de relações de afetos e solidárias, contribuindo para a construção

de uma cultura de paz.

Diante do contexto pandêmico o SESC reinventou-se, desenvolvendo suas ati-

vidades com uma metodologia própria, adaptando-a para a modalidade remo-

ta, sem perder sua essência no desenvolvimento do trabalho intergeracional,

de acordo com as diretrizes do TSI.

Em 2021, o Projeto foi desenvolvido através da parceria entre as instituições

SESC e a Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado do

Ceará – APDMCE. Os/As participantes atendidos/as pelo Projeto Era Uma

Vez, foram crianças do município de Brejo Santo/CE, assistidas pelo Projeto

Eu Sou Cidadão Amigos da Leitura da APDMCE, interagindo com as pessoas

idosas integrantes do TSI no município de Fortaleza.

O tema do ano foi “Memórias, histórias e brincadeiras”, com narrativas da in-

fância das pessoas idosas contadas através de áudios pelo whatsapp, sendo
essas histórias enviadas para as crianças que ouviam e as materializavam

através de desenhos. A partilha das histórias e dos desenhos foi realizada

por meio de reuniões virtuais semanais pela plataforma Google Meet, sendo

esse momento um espaço de interação e convívio entre gerações, mesmo

que de forma remota.

Nesse sentido, o produto desse trabalho foi materializado através deste Ebook

e Audiobook que retratam as narrativas apresentadas pelos participantes.

Desejamos que a leitura e escuta desse material possibilite uma viagem as

suas memórias de infância, revelando que as relações intergeracionais são

estratégias possíveis para a construção de uma sociedade solidária e justa

para todas as idades.


PARTICIPANTES

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS - SESC

Ana Maria Cruz

Cristiane Silveira Souza

Edna Maria da Silva Lopes

Eleonora Veras C. Gomes

Elizabeth da Silva

Epifânio de Oliveira Filho

Espedita Gonçalves de Moraes Camilo

Francisca Maria Cruz Lopes

Lúcia Helena Nobre Oliveira

Maria Dias dos Santos

Marinete Brito Mendonça

Nicácia Maria de Oliveira Lopes

Oneida Pontes Pinheiro

Vânia Maria Gomes Prudêncio

Equipe técnica do Sesc:

Thais Castro – Supervisora Administrativa

Joseane Soares – Assistente Social

Isadora Catunda – Supervisora de Programas II

Marcia Beatriz Rodrigues Gonzaga - Estagiária de Serviço Social


MUNICÍPIO DE BREJO SANTO

Caio Emanuel Santos Inácio

Carlos Henrique Alves de Souza

Debora Soraya de Sousa Pereira

Francislenio Santana dos Santos

João Arthur Bezerra da Silva

José Mikael Alves de Araújo

Júlio César do Nascimento Santos

Lammark Tavares Leite

Lara Maysa Rodrigues da Silva

Laysa Maria Lima Maia

Maria Clara Bandeira Silva

Maria Clara de Lima Medeiros

Maria Estefane Leandro dos Santos

Maria Isabel Carvalho de Sousa

Maria Jaqueline de Moura

Maria Savana Pinheiro do Nascimento

Maria Yohane Inácio Dias

Nicole Martins Rodrigues

Viviane Silva Alencar de Moura


Equipe técnica do município:

Francisca Sandra de Sousa - Professora

Veridiane Rosa da Silva – Professora

Apoio:

APDMCE

Luciana Marinho
MÓDULO 3

O MENINO ESFOMEADO

BRINCANDO NO RIO JAGUARIBE

A FEIRA NO IGUATU

FESTAS JUNINAS

O JOVEM CALOURO

PAIXÃO PELO CIRCO

BRINCADEIRAS NO RIO

A AMIGA DE PATATIVA – PARTE 1

A AMIGA DE PATATIVA – PARTE 2

A AMIGA DE PATATIVA – PARTE 3

A AMIGA DE PATATIVA – PARTE 4

A AMIGA DE PATATIVA – PARTE 5

A BIBLIOTECA

BARQUINHOS NA CORRENTEZA

O CORAL DOS SAPOS

A CALÇADA DA IGREJA

NOSSA SENHORA DAS CANDEIAS

O BANHO DO PERIQUITO

AMARELINHA OU MACACA?

O INTERNATO – PARTE 1

O INTERNATO – PARTE 2

O INTERNATO – PARTE 3

O INTERNATO – PARTE 4

O INTERNATO – PARTE 5
O MENINO ESFOMEADO

Q
uando eu tinha uns 8 anos de idade, o meu pai me falou que ia me levar para Juazeiro

do Norte para pagar uma promessa, porque eu tinha tido uma doença muito séria,

uma doença chamada crupe. Eu consegui escapar dessa doença e o meu pai tinha feito uma

promessa que se eu escapasse ele me levaria pra assistir uma missa em Juazeiro do Norte.

Muito bem, nós fomos a Juazeiro de trem e aquela foi uma viagem que eu jamais vou esque-

cer, muito linda a paisagem. Primeira vez que eu andei de trem, tudo era novidade pra mim,

tudo era surpresa. E aquela paisagem passando às vezes muito rápido, às vezes mais len-

ta, conforme a velocidade do trem. Quando foi chegando no Cariri, a paisagem foi ficando

mais bonita, mais verde, com mais viço, mais vigor, porque a minha região centro sul é muito

seca e o Cariri sempre foi muito bom de chuva, muito bom de água. Aquilo foi uma viagem

maravilhosa e até hoje eu tenho recordações na memória.

Na minha memória visual, tenho recordações fantásticas daquela viagem. Quando chegamos

em Juazeiro era mais ou menos seis horas da noite, eu sei que era logo ao anoitecer, aí meu

pai disse: “Vamos procurar um local pra gente comer e dormir”. Muito bem, nós saímos pro-

curando e ele achou uma pensão de uma senhora. A pensão era o seguinte, era uma casa

grande, comprida e lá dentro era a cozinha. E nessa coisa comprida tinha uns armadores de

um lado e de outro e as pessoas armavam suas redes ali e dormiam. As pessoas se hospe-

davam lá para dormir e para comer, porque tinha a cozinha também. Nós entramos, o meu

pai falou com a mulher dona da pensão dizendo que nós queríamos jantar e perguntando se

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tinha condição de a gente dormir lá. Ela disse: - “Tem sim. O senhor trouxe rede? ”.

- “Trouxe sim”.

- “Então o senhor procura um lugar aí, arma a rede sua e do seu filho e vocês podem dormir. ”

O meu pai perguntou o que tinha para jantar e ela disse que tinha baião de dois com pequi e

ovo. Então meu pai disse que iríamos jantar. Primeiro iríamos jantar e depois dormir. Ela foi

preparar o jantar e aonde a gente estava começou a passar aquele cheiro de baião de dois

feito na gordura de porco. Menino, a coisa mais cheirosa do mundo! E aquele cheiro de pe-

qui que eu amo. Adoro pequi.

Muito bem, eu que já estava com fome, só faltei morrer de fome sentindo aqueles aromas

todos, aquele perfume daquela comida. A mulher trouxe dois pratos fundos e o mesmo tanto

de comida que botou para o meu pai ela botou para mim também. Era igual, mesma coisa.

Trouxe um prato de baião, trouxe quatro ovos separados e nós comemos. Eu comi rapida-

mente com uma fome que eu estava, aquele monte de cheiro despertou um apetite voraz.

Comi aquela comida rapidamente e meu pai disse:

- “Eita, já terminou? Quer mais? ”

- “Quero. ”

- “Ei, minha senhora, dá pra senhora botar mais um pouquinho pra ele? ”. Aí a mulher trou-

xe de novo um pratão do mesmo jeito, aquele prato enorme de baião e mais dois ovos para

mim. Meu pai perguntou se eu iria aguentar comer tudo aquilo de novo e eu disse que sim.

Comi feito um louco desesperado. Já não era mais fome, era só o desespero de comer

aquela coisa gostosa, aquela comida cheirosíssima. Muito bem, comi tudo. Meu pai disse:

“Menino, tu vai passar mal”. Eu não passei mal e realmente dormi muito bem. No dia seguinte

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aguardamos a hora da missa, fomos para a missa e depois voltamos para Iguatu. Quando

chegamos no Iguatu, o meu pai chamou a minha mãe e disse: “Ave Maria, esse menino só

faltou me matar de vergonha lá na pensão que nós ficamos. O “homi” comeu dois pratos que

davam pra duas pessoas. Ele comeu sozinho os dois pratos, uma coisa assim que eu fiquei

impressionado e morto de vergonha. ”

Essa história o meu pai nunca esqueceu e eu também nunca esqueci nem da comida fan-

tástica e nem da viagem maravilhosa que nós fizemos.

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BRINCANDO NO RIO JAGUARIBE

F
alar da minha vida, especialmente da minha vida infantil, é falar do Iguatu e do rio

Jaguaribe. Eu observo hoje que o rio Jaguaribe tem uma importância fundamental na

minha vida. É interessante isso, porque a gente fez os primeiros amigos da nossa infância

no grupo escolar onde a gente estudava até o segundo ou terceiro ano do curso primário; e

no rio Jaguaribe, onde a gente fazia os nossos amigos do futebol, que a gente chamava de

jogar bola. Então nós tivemos os primeiros amigos nesses dois lugares, no rio Jaguaribe e

no grupo escolar Monsenhor Coelho.

Uma coisa que eu me lembro muito bem é das brincadeiras que nós fazíamos no rio. Uma

brincadeira que a gente fazia muito na areia do rio, eu acho que é uma brincadeira indíge-

na. A gente se agarrava um ao outro para ver quem derrubava o outro. Eu sempre fui muito

franzino e, na época, ainda era mais franzino. Eu só derrubava alguém que fosse mais fra-

co do que eu, mas muito mais fraco, porque eu nunca fui bom nesse negócio de força físi-

ca. Jogava bola apenas para participar da brincadeira, mas nunca fui bom de bola também.

Jogar bola na areia do rio Jaguaribe era um exercício e tanto, porque era uma areia pesada

e frouxa, então a gente tinha que ter força na perna. Quem não tivesse tinha que adquiri-la.

Isso me fortaleceu muito. Dentro do rio, nas águas do rio, a gente brincava de tocar ou pe-

gar, não lembro direito o nome. A gente brincava assim, alguém ia ser o cara que ia dar o

toque nas outras crianças e aí todo mundo entrava no rio. O camarada que era o toca era

quem saía procurando os outros e dava um toque no corpo do outro, aí esse passava a ser

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o garoto que ia tocar os outros e assim por diante. Então nós brincávamos disso.

Quando o rio estava cheio, a gente pulava das barreiras, pulava de algumas árvores que da-

vam pro rio. Quando o rio não estava com muita água e nem com muita correnteza, a gen-

te brincava muito de quem ficava mais tempo embaixo da água, de quem tinha mais fôlego.

São brincadeiras que a gente fazia quase que diariamente. Então falar da minha vida sem

falar do rio Jaguaribe e sem falar do grupo escolar Monsenhor Coelho é deixar uma parte

da minha vida de fora.

Quero lembrar também que nesses primeiros anos da minha vida, essa minha primeira fase

de socialização, foi uma fase também em que eu perdi muitos amigos. Naquela época, nós

cearenses, nordestinos, nós íamos muito embora. Quando a gente chegava a uma certa ida-

de, quando ficava de maior ou às vezes até menos, a gente ia embora para São Paulo, para

o Paraná, para o norte do país, para o Amazonas. E assim era nossa vida nos primórdios,

nos primeiros anos.

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A FEIRA NO IGUATU

A
nteriormente eu já falei que nasci no Iguatu, uma cidade às margens do rio Jaguaribe.

Só que o Iguatu ficava do lado esquerdo do rio Jaguaribe, mas hoje o Iguatu fica tan-

to de um lado quanto do outro, porque a cidade cresceu muito e o crescimento da cidade

atravessou o leito do rio. Então, do lado direito, que era onde as pessoas plantavam suas ro-

ças, suas vazantes quando tinha um pouco d’água, hoje está tudo transformado em bairros.

Inclusive, há lugares em que toda vida que o rio enche, ele leva um bocado das casas. São

casas que ficam muito na beira do rio e quando ele enche essas casas vão embora.

Eu estou falando isso apenas para situar vocês em uma época em que eu era criança, eu ti-

nha talvez uns 8 ou 9 anos, e o meu irmão mais velho era relojoeiro, ele tinha uma banca de

conserto de relógios em uma das portas do mercado público de Iguatu. A minha mãe me man-

dava levar a comida dele, a marmita, e entre 11 horas e meio dia eu levava a marmita dele.

O melhor dia que eu achava para levar a marmita do meu irmão era o dia de sábado, por-

que aos sábados o Iguatu tinha a feira livre. Hoje ainda existem essas feiras aos sábados,

só que tem outros dias também, tem sábado e quarta-feira. Me parece que hoje a coisa é

quase permanente. Nessa ocasião da feira, o povo que morava ali no interior do Iguatu vi-

nha todo para a feira, ou para vender seus produtos na feira ou para fazer suas feiras para

sua manutenção e da família durante aquela próxima semana.

Muito bem, eu levava a marmita do meu irmão e depois eu saía por toda aquela feira, aque-

le lugar onde tinham as bancas, onde o povo circulava. Era muita gente. Homem, mulher,

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menino, gente de todo tipo. Eu adorava, porque nesse dia eu encontrava cantadores, repen-

tistas, violeiros, cantadores de ganzá, que são os emboladores que cantavam com ganzá ou

mesmo com pandeiro e tinha sanfoneiros.

Tinha todo tipo de mercadoria nas bancas do meio da rua. Tinha bancas de confecção, tinha

bancas de coisas que eu não sei se ainda existe, porque hoje só vende nas lojas, naquela

época vendia. Tinha uns camaradas que tinham umas bancas de extratos, que era como nós

chamávamos os perfumes. Tinhas as bancas do pessoal que vendia comida, as boleiras e

assim por diante. Eu ficava louco, porque eu achava aquilo fantástico. Eu rodava a feira in-

teira. Esses lugares onde apareciam os cantadores, tocadores, improvisadores, repentistas,

às vezes até malabarista; uma vez ou outra aparecia um mágico de rua, etc.

Vários artistas se apresentavam no mesmo lugar. Um chegava, fazia a roda, atraía as pes-

soas e ficava ali mais ou menos uma hora, cedia o lugar e vinha o outro e assim sucessiva-

mente até o final da tarde. Eles angariavam o dinheiro deles ali mesmo. Eu achava muito in-

teressante os tocadores de viola ou mesmo os emboladores que iam recebendo o dinheiro e

começavam a contar o dinheiro. Eles contavam o dinheiro e diziam: “Deu R$63,00, quando

completar R$70,00 eu paro”. O pessoal dava mais dinheiro e eles iam contar e dava R$72,00.

Eles diziam: “Ah, agora passou, vou ter que esperar completar R$80,00”. Então eles canta-

vam mais e o pessoal dava mais dinheiro até que deu R$85,00. “Agora tem que chegar nos

R$90,00, porque não posso sair daqui com dinheiro quebrado, tem que ser fechado. ” Assim

enrolavam e ficavam naquela brincadeira até quando acabava o horário dele e aí chamavam

o próximo ou os próximos artistas.

Eu achava aquilo fantástico! Eu estou contando essas histórias, porque eu gostaria de saber

como é hoje, se as crianças frequentam feiras. Eu não conheço Brejo Santo, só de passar

uma vez ou outra, mas não sei se tem feira livre, se existe ou já existiu. Não é para compa-

rar quem é melhor e quem é pior, porque cada tempo é um tempo. Cada lugar é um lugar,

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então a gente não pode ficar comparando. “No meu tempo era melhor, no seu tempo era

pior”. Não, não é para comparar, apenas para conhecer. É por isso que eu conto essas his-

tórias da minha vida.

Desenho de Maria Isabel Carvalho de Sousa


representando a história “a feira no Iguatu”

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FESTAS JUNINAS

N
a noite de São João o meu pai fazia uma fogueira enorme, como quase toda a vizi-

nhança tinha uma fogueira na frente da sua casa. A fogueira que o meu pai fazia era

enorme. Se não a maior, uma das maiores de todos os anos da nossa localidade.

A vizinhança vinha com os filhos, os adultos traziam as crianças e a gente ficava brincan-

do. A gente brincava de roda, brincava de contar história, brincava de adivinhação e, em de-

terminado momento, a gente ia para perto da fogueira e lá a gente convidava um ou outro

para ser nosso parente. Por exemplo, convidava o fulano para ser meu primo, então a gente

apertava a mão um do outro e fazia aquele juramento de ser primos que São João mandou.

Era primo, era cumpradre, os adultos chamavam os outros para ser cumpadres, convidavam

as crianças para serem afilhados. Tudo isso a gente fazia. Depois da festa de São João a

gente tinha ganho padrinhos, tinha ganho primos e primas, os adultos tinham ganho cumpa-

dres e cumadres. Era uma verdadeira festa!

O meu pai assava na fogueira. Ele cavava um buraco e enfiava uma abóbora enorme e as-

sava naquele buraco com o calor da fogueira. Aquilo era uma festa! Depois a gente comia

tudo aquilo, aquela abóbora, aquele jerimum. Era uma farra maravilhosa!

Uma outra coisa que eu adorava era que a gente podia ficar o quanto aguentasse, porque

nos outros dias do ano a gente tinha o horário certo de dormir, mas nessa noite era liberado

a gente ficar o quanto aguentasse. Ficava ali junto com os outros brincando, conversando e

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comendo. O meu pai comprava um monte de bombinhas track, tinha uma bombinha que eu

não lembro o nome que a gente acendia e riscava e ela saía correndo atrás das pessoas.

Não sei se o nome era rabo de saia, não lembro. Era engraçada essa bombinha, porque a

gente riscava e soltava ela e ela saía correndo atrás das pessoas.

Tinha uma outra bomba que a gente soltava e saía voando fazendo um barulho igual a esse

que faz quando a gente enche uma bola de ar, quando a gente segura na boca da bola e vai

soltando aos poucos e vai fazendo aquele barulho estridente. Assim era essa bomba que

existia naquela época, não sei se ainda existe. Era uma festa maravilhosa!

Eu não sei como é hoje a festa de São João, mas naquela época tinha a festa de São João

e a de São Pedro. Hoje o pessoal já inventou a festa junina, a festa julhina, a festa agosti-

na...o pessoal hoje inventou um monte de festa, mas a nossa festa tradicional mesmo era a

de São João e a festa de São Pedro.

Desenho produzido por Carlos Henrique Alves de Souza


epresentando a história “Festas juninas”

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O JOVEM CALOURO

H
oje eu vou falar de um período da minha pré-adolescência em que eu fui extremamen-

te feliz. Desde os 7 anos de idade, quando eu entrei na escola, eu cantava na escola,

nos aniversários e nas festividades. Quando eu tinha 13 para 14 anos foi inaugurada uma

rádio lá no Iguatu, chamada Rádio Iracema de Iguatu, e essa rádio tinha um programa de

calouros, acho que era aos sábados ou domingos, e o meu pai me inscreveu nesse progra-

ma de calouros.

Eu ganhei uma vez, ganhei duas vezes, ganhei três vezes, aí a própria rádio elaborou um

programa para mim para eu me apresentar uma vez por semana em um programa de rádio.

Quando eu tinha 15 anos e estava cantando nesse programa, tinha um grupo do Crato, que

naquele tempo se chamava conjunto, não era banda. Eles tinham ido tocar em uma festa no

Iguatu e o cantor estava se despedindo, porque havia passado no vestibular no Recife e ia

estudar medicina.

O Sr. Irineu, que era dono do conjunto, chamado Ases do Ritmo, me ouviu cantar na rádio

e foi até lá falar comigo. Eu disse para ele falar com o meu, porque eu só tinha 15 anos de

idade, era um menino. No dia seguinte ele foi falar com o meu pai e pedir para eu ir morar

no Crato na casa dele e trabalhar no conjunto Ases do Ritmo. Era o conjunto do Sr. Irineu

chefiado pelo Hugo Linard, um dos maiores sanfoneiros que eu conheci e um excelente te-

cladista até hoje, ele ainda toca no Crato e em toda aquela região.

Nós tocávamos em toda a região sul do Ceará, tocávamos em muitas cidades de pernambuco,

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Exú, Bodocó, Serra Talhada.... Esse período foi muito bom para mim. Excelente. A partir daí,

quando eu saí dos Ases do Ritmo eu passei a viver de cantar em bandas. Cantei em várias

bandas do interior, em Senador Pompeu, Quixadá, depois vim para Fortaleza e toquei no

conjunto do Ribamar.

Agora eu vou falar apenas do repertório, porque o nosso repertório era o que tocava no rádio.

A gente cantava desde os boleros, Sabor Ami, Perfidie, etc; até as canções italianas como

Cancione Per Te que o Roberto Carlos ganhou o primeiro lugar no Festival lá em San Remo.

Canções em francês, canções americanas, algumas que já estavam entrando no Brasil e

a gente tinha um enorme leque de músicas, ritmos e influências. A gente tocava tudo isso.

Música brasileira era tudo, a gente tocava desde Luiz Gonzaga até a Bossa Nova. Eu estou

contando essa história para vocês perceberem que eu tive um final de infância muito feliz.

Desenho produzido por Maria Isabel Carvalho de Sousa


representando a história “O jovem calouro”

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PAIXÃO PELO CIRCO

‘V
ai, vai, vai começar a brincadeira. Tem charanga tocando a noite inteira. Vem, vem,

vem ver o circo de verdade. Tem, tem, tem picadeiro e qualidade. ”

Hoje eu vou falar de uma coisa que eu acho que é mágica para os adultos e para as crian-

ças e para todos que têm a oportunidade de ver, que têm ou tiveram oportunidade de ver

o circo. Todo mundo fala que o circo é um ambiente mágico e é verdade, e as crianças tor-

nam mais mágico ainda, porque elas olham e vêem além daquilo que elas estão olhando. A

criançada é assim, eu pelo menos, sonhava vendo coisas no circo.

É engraçado que quando eu tinha meus 7 ou 8 anos, havia um terreno enorme perto da mi-

nha casa e não tinha casas construídas, então os menores circos que iam para o Iguatu se

instalavam nessa área. Para anunciar o circo na cidade, o palhaço saía pela rua chamando

a garotada para acompanhá-lo e cantando músicas de circo e tal, e aquela cambada ia toda

atrás do palhaço. O palhaço dava voltas pelas ruas mais próximas lá do meu bairro e até em

alguns bairros próximos, com aquele monte de menino atrás e qual ele voltava para o circo

ele organizava uma fila das crianças que o tinham acompanhado pelas ruas e marcava no

braço das crianças, acho que com carvão e óleo, fazia uma marcação e quando era à noite

ou à tardinha, na hora do espetáculo, a criança que estivesse com o braço marcado entra-

va de graça.

Lá em casa, quando a minha mãe me deixava ir ver o palhaço e acompanhar, quando eu

chegava em casa era problema, porque a minha mãe queria que eu tomasse banho e eu

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não queria molhar o braço para não tirar a marca e assistir o circo de graça. Eu protegia o

máximo que eu podia naquele braço, tomava meu banho de qualquer jeito, mas o braço fi-

cava salvo e eu consegui entrar de graça no circo.

Eu me esbaldava de rir com os palhaços, achava aquilo a coisa mais fantástica do mundo.

Os trapezistas eu adorava, mas me dava uma angústia de ver aquele povo lá em cima se

balançando. E quando o camarada botava uma venda nos olhos para se balançar e saltar

para o outro trapézio onde outro cara ia segurá-lo, eu só faltava morrer do coração, mas

achava lindo e maravilhoso.

Outra coisa que eu gostava muito era o camarada que equilibrava os pratos em umas has-

tes, eu acho que de ferro ou de alumínio, ele tinha uma mesa enorme e várias hastes enfia-

das nessa mesa. Ele vinha botando os pratos e rodava a haste e o prato ficava rodando e

ele botava o segundo, o terceiro, eram bem 10 ou 15 pratos. Quando ele chegava no último

prato, o primeiro já estava morrendo, já não estava quase rodando, então ele corria e balan-

çava o prato para ele começar a rodar. Então outro prato do outro lado começava a morrer

e ele corria e ficava nessa agonia para lá e para cá e eu ficava morto de agoniado. é claro

que o cara que fazia isso sabia fazer muito bem, mas ele fingia que estava agoniado e eu só

faltava morrer de agonia vendo aquilo.

Nos circos que se instalavam perto da minha casa, como a área era pequena, os circos tam-

bém eram pequenos, então apareceram um ou dois circos que tinham animais domados.

Acho que tinha um leão, um tigre, uma coisa assim, não tinha grandes animais e nem mui-

tos animais, não tinha elefante e nem nada disso.

No circo eu adorava também as pipocas, quando podia comprar uma pipoquinha eu adora-

va. O circo era uma festa! Uma maravilha!

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Desenho produzido por Laysa Maria Lima Maia
representando a história “Paixão pelo circo”

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BRINCADEIRAS NO RIO

E
stava me lembrando ainda do Rio Jaguaribe, e da nossa convivência enquanto crianças

com rio, uma coisa que era interessante é que quando a gente estava com problema nos

olhos, tipo conjuntivite, a gente amanhecia com olho pregado, os nosso pais mandavam a

gente tomar banho no rio bem cedinho, lavar bem os olhos no rio, porque isso era uma coi-

sa sábia, a água do rio corrente, a gente lavava os olhos naquele rio, para a gente ficar bom

daquele problema dos olhos.

Uma outra coisa que eu me lembrei, que era uma brincadeira nossa, a gente pegar pedras

chapadas, pedras achatadas, a gente ficava na beira do rio, aí jogava a pedra bem rente

a água, jogava com a maior força que a gente pudesse exercer, né! A gente jogava aquela

pedra chapadinha, e jogava bem rente a água, a pedra ia tuuuuum.. Aí batia na água e saia

quicando, e a gente ficava um bom tempo brincando com aquilo, jogando pedras, apostando

quem era que jogava a pedra mais longe, quem era que jogava a pedra que quicava mais na

água do rio, era uma delícia, tinha uns amigos meus que conseguiam, que eu nem me lem-

bro como era que eles conseguiam, câmaras de ar de automóveis, eles conseguiam aque-

las câmeras de ar e levavam para o rio. Quando o camarada tinha mais de uma câmara, aí

emprestava uma para o amigo, a gente ia pela margem do rio, subindo, subindo, no sentido

contrário a água do rio, a gente ia longe de onde nós ficávamos normalmente.

A gente atirava aquelas câmaras de ar no rio, pulava e vinha boiando na câmara até chegar-

mos no lugar de onde a gente tinha saído, os que eram maiores, jovens, rapazes, né! Eles

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levavam a câmara de ar até a ponte sobre o rio Jaguaribe, quando o rio tinha bastante água

eles jogavam a câmara de ar e se jogavam lá da ponte do rio. Eu cheguei a pular da pon-

te, mas não pulava dos arcos da ponte que eram mais altos, eu pulava da parte mais baixa.

Mas eu pulei muito pouco, pulava porque eu era muito danado, tudo que os outros faziam,

eu também fazia, era perigoso, todo mundo dizia que era perigoso. Mas o pessoal fazia mui-

to isso, pular da ponte, pular dos arcos da ponte, jogava uma câmara de ar depois pulava e

vinha boiando na câmara de ar até onde queria, geralmente era até onde a gente normal-

mente ficava.

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ESPEDITA GONÇALVES DE MORAES CAMILO

A AMIGA DE PATATIVA

PARTE 1

E
u me chamo Espedita, tenho 70 anos e moro na cidade de Pacatuba, região metropo-

litana de Fortaleza. Eu faço parte da turma do TSG (Trabalho Social com Grupos) da

Unidade Sesc Fortaleza. Vou contar para vocês uma história que aconteceu comigo quando

eu era criança e morava na região do Cariri.

Eu morava em um vilarejo chamado Barreira do Jorge, no município de Farias Brito, uma cidade

que fica no Sul do Ceará. Quando eu tinha 6 anos, conheci um senhor muito inteligente e sábio

que morava no município de Assaré, em um lugar chamado Serra de Santana. O nome dele era

Antônio Gonçalves da Silva, mas ele era conhecido como Patativa do Assaré. Ele gostava de to-

car viola, cantar e fazer poesias. Vivia fazendo cantorias pela comunidade vizinha.

Um dia eu fui para a casa da minha avó e, quando cheguei lá, Patativa estava conversando com

a minha tia, ela era a professora da comunidade. A casa da minha avó ficava distante da minha

casa e o sol estava muito quente e eu fiquei suada, muito corada e com muita sede e fui logo pro-

curando o pote para beber água. Porque naquele tempo as pessoas guardavam a água em po-

tes, não tinha filtros, elas coavam a água em um pano e pronto, a água ficava pronta para beber.

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Então Patativa olhou para mim e fez um verso muito bonito falando dos meus cabelos, da

minha roupa, dizendo que eu era muito bonita e falando de como eu estava suada e corada

por causa do calor do sol. Eu fiquei muito feliz e orgulhosa com os versos e as coisas que ele

falou de mim e fiquei pensando como era que ele olhava para mim e ia logo falando aque-

las palavras tão bonitas. Como era que ele sabia falar daquela maneira? Porque eu nunca

tinha visto alguém olhar para uma pessoa e falar palavras tão bonitas que eu nem sabia o

significado. Então eu fui para perto dele e ele perguntou meu nome e eu respondi: “Eu me

chamo Espedita.”. Ele me disse que Espedita significava pessoa esperta e ativa. Eu fiquei

ainda mais encantada!

PARTE 2

U
m dia eu estava na casa da minha vó quando Patativa chegou com um livro na mão e

deu para minha tia, então eu fui logo para perto dele e pedi para que ele fizesse um

verso para mim. Ele riu e perguntou se eu sabia ler, eu fiquei com vergonha e respondi que

não, mas estava quase aprendendo. Eu tive vontade de dizer que sim, mas não podia por-

que minha tia estava perto e ela era minha professora.

Então ele pegou o livro que estava em cima da escrivaninha de minha tia e disse que eu preci-

sava aprender a ler para poder ler o livro dele e que ele tinha muitas poesias no livro. Quando

eu vi o livro que era um pouco volumoso, fiquei muito admirada. Eu nunca tinha visto uma pes-

soa que tivesse escrito um livro e pensei logo: “Patativa é uma pessoa muito sabida, porque ele

sabe escrever livros”. Então eu olhei para ele e disse: “Eu vou aprender a ler bem rapidinho que

é para eu ler este livro todinho. Eu vou decorar todas estas poesias”. Ele riu, passou a mão nos

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meus cabelos e fez um verso para mim mais bonito ainda. Eu fiquei muito feliz, olhei para ele e

falei que agora ele era o meu maior amigo.

Daquele dia em diante eu dizia para todo mundo que Patativa era meu amigo e que ele tinha feito ver-

sos para mim. Então as outras crianças da comunidade foram procurar o Patativa e pediram para ele

fazer versos também para elas. E a partir daquele dia em diante, todas as crianças do local estavam

sempre perto dele conversando e prometendo que iam aprender a ler para poder ler o livro que ele

tinha escrito. Ele dava o maior incentivo para nós e queria que todos aprendessem a ler.

PARTE 3

E
le incentivava todas as crianças a irem à escola para aprender a ler e a escrever. Todas

as crianças da localidade onde eu morava ficavam muito ansiosas para aprender a ler

e decorar as poesias do livro do Patativa. Foi uma correria.

Todos nós vivíamos com a cartilha de ABC nas mãos, soletrando as palavras, pedindo ajuda

às pessoas que sabiam ler...era uma verdadeira loucura. Depois de alguns meses de luta,

boa parte das crianças já sabiam ler e eu fui uma delas. Desde esse dia em diante, nós que

tínhamos aprendido a ler, vivíamos com o livro do Patativa nas mãos lendo e decorando as

poesias.

O Patativa tinha dado um livro para a minha tia, outra para o Sr. Edmundo que gostava mui-

to de ler, outro para o Sr. Abel Gomes e outro para o Sr. Zé Gonçalves que também cantava

nas cantorias com ele. Nós pedíamos os livros emprestados e copiávamos as poesias em

nossos cadernos. O título do livro era “Inspirações Nordestinas”.

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Neste livro ele escreveu uma poesia chamada “Triste Partida”, uma das mais belas poesias

que ele escreveu. Era uma poesia muito triste. Às vezes as pessoas até choravam quando

Patativa cantava essa poesia nas cantorias. Essa poesia era a preferida das crianças, nós

decoramos e vivíamos cantando. À noite, nós nos reuníamos na calçada da igreja para can-

tá-la. Era um encanto para nós cantar essa poesia.

Quando havia festinha na escola, todo mundo queria recitar as poesias do Patativa. Quando

nós ouvíamos as pessoas dizerem “Patativa chegou e está lá na pensão de Helosa”, nós

corríamos para ele e queríamos recitar as poesias que tínhamos decorado para ele ouvir.

Ele batia palmas e comprava bombons e distribuía para todos. Nós fazíamos uma festa com

tudo aquilo.

PARTE 4

U
ma vez, estava no mês de julho e estava acontecendo a festa de Nossa Senhora do

Carmo na igreja da comunidade. Depois da procissão, foi todo mundo embora e fica-

ram somente as pessoas que moravam lá. Estava tudo tão triste e o Patativa não tinha ido

embora, porque no outro dia era o aniversário do Sr. Manoel Roseno e ele ia fazer uma can-

toria na casa do aniversariante.

Patativa sentou na calçada da igreja que era cheia de degraus e as crianças sentaram to-

das perto dele pedindo para que ele fizesse versos para nós. Ele fazia um verso para cada

criança que estava ali sentada com ele. Então ele disse que ia contar uma história muito bo-

nita para nós e contou a história da Branca de Neve e os sete anões. Eu nunca tinha ouvido

ninguém falar daquela história. Nós ficamos encantados!

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Foi através dele que nós ficamos conhecendo as histórias da Chapeuzinho Vermelho, dos

Três Porquinhos, o Gato de Botas, a história do Pinóquio, do Pequeno Polegar, do Aladin e

muitas outras.

Nós ficávamos encantados com aquelas histórias, porque as histórias que contavam para

nós, a maioria era de lobisomem, de mula sem cabeça e outras coisas bem ruins, era só

história assim difícil.

Um dia ele disse que nós precisávamos ler poesia de outros autores que também escreviam

livros de poesia muito bonitos. Citou os nomes de Castro Alves, Machado de Assis, Gonçalves

Dias, Olavo Bilac e Casimiro de Abreu. Ele contou que Castro Alves escrevia poesias sobre

os escravos e nós precisávamos conhecer a verdadeira história da vida dos escravos no

Brasil. Gonçalves Dias escrevia poesia sobre os índios e nós também precisávamos conhe-

cer a história deles, os primeiros donos do Brasil.

Nós passamos a procurar poesias desses escritores nos livros que tínhamos em casa e na

escola, que quase não tinha, mas assim mesmo encontramos alguns. No próximo encontro

eu continuo essa história.

Desenho produzido por Nicole Martins Rodrigues


representando a história “a amiga de patativa – parte 4”

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PARTE 5

V
ou continuar a minha história de infância quando eu conheci o poeta Patativa do Assaré.

Sua amizade foi muito importante no meu desenvolvimento cultural e de muitas crianças

de onde eu morava. Por incentivo do Patativa, nós começamos a ler as poesias de outros

autores, mas tinha um grande problema que era as palavras difíceis que nós não sabíamos

o significado e isso causava desinteresse das crianças pelas leituras. A nossa professora

também não sabia, porque ela não era formada, tinha só o sexto ano, mas, mesmo assim,

era a pessoa mais sábia do local e por isso era a professora de todos.

Patativa disse que nós precisávamos de um dicionário, que era um livro que continha todas

as palavras que existiam no mundo. Além de mostrar o significado das palavras, o dicionário

também mostrava como escrevê-las. Nós ficamos muito curiosos querendo ver este tal li-

vro. Como era possível existir um livro com tantas palavras assim? Deveria ser muito grande

e caro, ninguém ali podia comprá-lo. Perguntamos a ele se ele tinha visto o livro dicionário,

ele disse que sim e que iria trazer um para a escola para que nós pudéssemos pesquisar os

significados das palavras que não conhecíamos nas leituras das poesias de outros autores.

Passamos muito tempo esperando que ele aparecesse com o tal livro dicionário. Já havia se

passado uns 4 ou 5 meses. Até que um dia ia ter uma cantoria na pensão de Helosa para

comemorar o aniversário do irmão dela, foi quando ele apareceu trazendo o dicionário. Foi o

maior vexame! As crianças querendo procurar o significado das palavras que havíamos co-

piado em nossos cadernos. Não sabíamos nem como procurá-las. Foi então que ele expli-

cou como deveria usá-lo e foi mãos à obra. Quando achávamos uma palavra era uma ale-

gria só. Uma glória. Uma verdadeira apresentada.

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A BIBLIOTECA

V
ou contar uma história que encanta a minha vida até os dias de hoje. Quando eu tinha

8 anos, em 1958, eu fazia o terceiro ano e foi quando eu estudei sobre os substantivos

coletivos. Nos substantivos coletivos eu aprendi que o coletivo de livros era biblioteca, en-

tão eu olhei no dicionário e encontrei que biblioteca era um lugar cheio de livros. Como eu

já sabia que livraria era lugar de vender livros, eu quis saber o que a gente fazia na bibliote-

ca onde tinha muitos livros.

A minha mãe disse que na biblioteca a gente ia fazer pesquisa, ler um pouco e conhecer os

livros escritos pelos escritores. Lá tinha romances, livros de história infantil, livros de histó-

ria, ciências, religião e outros tipos de livro de outros assuntos. Ela disse que na casa da tia

dela, que morava em Farias Brito, tinha uma biblioteca, porque todos os filhos da tia dela es-

tudavam e eram formados, até o esposo dela era formado.

Minhas irmãs mais velhas estudavam na cidade de Farias Brito e moravam na casa dessa tia

de minha mãe, que era irmã do meu avô. Eu fiquei com muita vontade de ir conhecer a casa

de minha tia para eu saber como era uma biblioteca. Neste ano, em 1958, tinha havido uma

seca muito grande no Ceará e estava perto do Natal e os filhos da minha tia eram dois pa-

dres que vinham passear na cidade e queriam que toda a família se reunisse para eles faze-

rem muitas preces para que não houvesse mais seca no ano seguinte e chovesse bastante.

Foi a minha oportunidade de ir à casa da nossa tia e conhecer a biblioteca. Quando eu che-

guei lá e ela abriu a porta, eu dei a benção a ela e fui logo dizendo: “Cadê a biblioteca?” Ela

olhou espantada e perguntou porque eu queria ver a biblioteca. A minha mãe respondeu que

desde o momento que eu descobri o que era uma biblioteca, eu vivia louca para conhecer e

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que era o meu sonho vir à casa dela para conhecer a biblioteca.

Então ela me levou até uma sala bem grande e disse que ali era a biblioteca. Eu fiquei en-

cantada com tantos livros, queria ver e ler todos. Mas como eu poderia fazer se eu morava

tão longe? Foi quando eu pensei em fazer uma biblioteca para mim, se Deus quiser. Quando

nós já íamos embora, ela me chamou e disse que minha havia dito que eu gostava muito de

ler poesia e que ela havia separado um livro de poesia para mim. Ela me pediu que prome-

tesse que eu sempre amaria os livros e a leitura até o fim dos meus dias.

Por isso, crianças, eu tenho na minha casa uma biblioteca com belas obras para todos os

gostos e a maioria são clássicos da literatura cearense, brasileira e mundial.

Desenho produzido por Debora Soraya de Sousa Pereira


representando a história “a biblioteca”

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BARQUINHOS NA CORRENTEZA

V
ou contar para vocês uma história da minha infância que me traz muita saudade. A minha

tia que era irmã do meu avô me deu um livro de poesias e nesse livro tinha duas poesias

muito bonitas. Uma tinha o título de “Barcos de papel”, do poeta paulista Guilherme de Almeida

e a outra o título era “A fonte e a flor” do poeta, também paulista, Vicente de Carvalho.

Na poesia “Barcos de papel”, o poeta dizia que sentia saudades do tempo em que ele era

criança e quando chovia ele fazia barquinhos de papel e colocava nas águas que escorriam

pelas ruas e calçadas e ficava vendo os barquinhos sendo levados pelas correntezas. Eu

achei essa brincadeira muito legal e convidei meus amigos da escola, meus irmãos e vizi-

nhos para fazermos igual ao poeta.

Nós pegávamos as folhas usadas de nossos cadernos e fazíamos os barquinhos e íamos

colocar nas correntezas que passavam no pé das calçadas das nossas casas. Nós ficáva-

mos olhando a correnteza levando os barquinhos até eles dobrarem na esquina da rua. Era

muito divertido! Fazíamos igual ao poeta Guilherme de Almeida.

Hoje eu também sinto saudade e quase todas as vezes que chove e eu olho para a rua e

vejo as correntezas d’água, eu lembro dos barquinhos que lá se foram e não voltaram mais,

como dizia o poeta.

Na poesia “A fonte e a flor”, o poeta contava que a fonte ia levando a flor na correnteza e a

flor chorava bastante pedindo que a fonte não a levasse para o mar, porque ela tinha nasci-

do nos montes e que ela ia sentir saudades do balanço do galho da planta onde ela vivia. Ia

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sentir saudade das sombras das árvores, do orvalho da madrugada e do pôr-do-sol. Ela não

queria ser levada para o mar, então ela chorava, implorava, mas a fonte sonora e fria, zom-

bava rindo da flor e não dava atenção ao seu clamor.

A flor triste e saudosa, se despedia do canto do rouxinol e nós crianças agíamos como po-

eta, nós tirávamos as flores dos galhos das plantas e jogávamos na correnteza e saíamos

correndo, brincando e rindo da pobre flor que ia rolando nas águas até não avistarmos mais.

Desenho produzido por Maria Clara de Lima Medeiros


representando a história “Barquinhos na correnteza”

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O CORAL DOS SAPOS

Q
uando eu era criança, o lugar onde eu morava tinha um açude que ficava bem perto das

casas, esse açude servia para as pessoas tomarem banho, lavar roupa e para os animais

beberem água.

Quando era no inverno que aconteciam as primeiras chuvas, a noite era um barulho muito gran-

de no açude, com a cantiga dos sapos, a gente dormia e acordava com aquela cantilena dos sa-

pos. Tinha pessoas idosas que diziam que não conseguiam dormir quase nada com o barulho

dos sapos cantando na beira do açude.

Os sapos grandes cantavam assim “ôôôôôô”, as gias cantavam “bum bum bum”, os sapos boi

faziam “bééééééé” igual a um carneiro, os caçotes cantavam “oi oi oi”, e as rãs faziam “crock

crock crock crock”, eles cantavam a noite inteira, só paravam quando o dia amanhecia. Quando

um grupo de crianças e algumas pessoas adultas resolveram ir a noite até para fazer uma vis-

toria, olhar como era que esses sapos cantavam. Como nessa época não tinha luz elétrica, nós

fizemos uns fachos de lenha, outros com lamparinas acesas, e fomos para o açude observar os

sapos cantar.

Quando nós chegamos no açude eles estavam todos na beira d’água, porém, ao sentirem nos-

sa presença, os sapos correram para dentro do mato, as gias pularam na água, os caçotes, os

sapos boi e a rãs se esconderam nas locas das pedras, mas mesmo assim deu para nós ver-

mos que quando eles cantam, fazem um grande papo de baixo do queixo, ficamos um pouco

frustrados, principalmente as crianças que queriam que os sapos cantassem para nós. Desde

esse dia passamos a chamar esse episódio de o coral dos sapos. Hoje onde eu moro, tem o Rio

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Maranguapinho que passa bem próximo a nossa açude da minha infância e conto para os meus

casa, e quando chega o inverno, eu ouço alguns netos esse episódio.

sapos cantando, lembro do coral dos sapos do

A CALÇADA DA IGREJA

Lá onde eu morava, nós gostávamos muito de brincar de boneca. Quando chegava o domin-

go, logo pela manhã, nós íamos ao catecismo, depois, nós varríamos a calçada da igreja para

montarmos as casinhas das bonecas.

A calçada da igreja era muito larga e cimentada, à tarde, boa parte dela ficava na sombra, de-

pois do almoço nós começávamos a arrumar as casas das bonecas, nós fazíamos o aniver-

sário das bonecas, e convidávamos as outras bonecas, das outras crianças para irem à fes-

ta, levávamos bolos, biscoito e suco feito de kisuke, porque naquele tempo não existia muitas

marcas de refrigerante como existe hoje, somente o guaraná antártica que existia, era muito

caro, nossas mães não queriam comprar. O kisuke era adoçado com rapadura, era barata e

todos poderiam comprar, nós raspávamos a rapadura para poder adoçar o kisuke.

Alguns meninos tinham caminhões feitos de lata de óleo ou madeira, os pais compravam na

feira do Crato ou do Juazeiro, nós pedíamos a eles para passear com nossas bonecas nos cami-

nhões, também para levarem as festas de aniversário da boneca que estivesse aniversariando.

Quando minhas filhas eram crianças, brinquei muito com elas para que elas não perdessem

esse lado da delicadeza feminina, de cuidar de casa, arrumar e também brincar com suas filhas.

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FRANCISCA MARIA CRUZ LOPES

NOSSA SENHORA DAS CANDEIAS

Q
uando eu era pequenininha, eu morava no Pirambu, era ali no bairro Cristo Redentor.

Hoje é bairro Cristo Redentor junto com Pirambu. Naquele tempo não tinha energia,

nós tínhamos lamparina e quando acabava o gás para a gente era um sufoco.

Quando era dia 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, a gente tinha uma cren-

ça, minha mãe botava uma velinha na janela. Às vezes o vento apagava e a gente acendia

de novo e eu era uma menina muito sapeca e saía andando com a vela pra cima e pra baixo

e a minha mãe gritando: “Francisca Maria, traga essa vela que você vai levar umas palma-

das”. Mas ela nem batia, ela só ameaçava.

Nossa Senhora das Candeias era uma festa linda que a gente no outro dia ia procurar uma

igreja pra gente rezar no dia 2 de Fevereiro. Eu não sei se as pessoas lembram, mas a gen-

te botava uma velinha na janela no dia de Nossa Senhora das Candeias e até hoje eu tenho

essa tradição de botar uma velinha na janela, nem pode mais fazer isso, mas a minha von-

tade é de botar.

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O BANHO DO PERIQUITO

A gente tinha umas tinas no quintal para aparar a água de chuva. Eu acho que eu tinha uns

6, 7 anos, ainda muito boba. Peguei o periquito da minha mãe, porque eu vivia correndo atrás

das galinhas, dos porcos, dos periquitos, dos papagaios, tudo isso tinha lá em casa. Eu pe-

guei o periquito da minha mãe e fui banhar na tina cheia d’água. “Tchibumgo, tchibungo”. O

pobrezinho do periquito morreu afogado. Ai, tadinho do periquito.

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AMARELINHA OU MACACA?

E
u vou contar minha história que quando a gente era meni-

na e estudava, a gente chamava de macaca, mas hoje em

dia chama amarelinha. A gente pegava uma pedrinha e bota-

va na casinha e pulava com a perna para cima. Hoje a gente

não vê mais as crianças brincando dessa brincadeira. Ela é

muito gostosa! E olha que a gente riscava no chão, riscava

a casinha amarelinha e ia pulando, mas era uma brincadeira

muito gostosa. A gente juntava os primos, era maravilhoso.

De vez em quando a gente vai numa pracinha e resgata es-

sas brincadeiras antigas para as minhas netas. Meu filho é

desse tempo, nós somos desse tempo de pular corda, pular

amarelinha, jogar pedra. Olha, mas era uma brincadeira tão

linda, tão gostosa, que eu aposto que muita gente brincou

essa brincadeira.

Essa brincadeira é muito antiga, eu brincava muito de pular

amarelinha. Chamava pular macaca e a gente ficava com a

perna para cima para pegar a pedrinha, então acho que por

isso chamava macaca. Hoje em dia já chama brincadeira de

amarelinha, muito legal que mudaram o nome, mas é uma

brincadeira bem linda.

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Desenho produzido por Carlos Henrique Alves de Souza
representando a história “amarelinha ou macaca? ”

LÚCIA HELENA NOBRE OLIVEIRA

O INTERNATO
PARTE 1

E
u sou Lúcia Helena Nobre, tenho 64 anos de idade e esse meu sotaque assim lindo e

maravilhoso é do Cariri, eu sou de Juazeiro do Norte. Esse é o terceiro ano que estou

no Projeto Era Uma Vez, é ótimo trabalhar e conviver com crianças, a gente aprende muito.

Eu quando era criança na minha infância, eu vivi muitos anos em colégio de freira. Eu tinha

uma tia que era Madre Nobre, diretora de um colégio, e Irmã Conceição, minha prima, era

secretária do colégio que a minha tia trabalhava. Eram 7 freiras que administravam o colé-

gio junto com a minha tia.

Essa aqui (foto) é a minha tia madre nobre, irmã Conceição, minha prima, Irmã Célia, Irmã

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Pereira, uma professora da escola e euzinha de cabelinho lindo. Eu fui com 6 anos quando

completei 7 anos foi a minha primeira comunhão. Olha eu aqui (foto). Linda, tá vendo? Neste

dia o meu pai estava lá e tinha direito até a um anjo da guarda quando ia fazer a primeira

comunhão. Tá aqui meu pai e minha tia madre nobre (foto).

Internato era quando a gente morava no próprio colégio, onde a gente também dormia, fa-

zia refeições e estudava. Mas também lá tinha alunos que só vinham pela manhã, assistiam

aulas assim como vocês assistem na escola de vocês e depois voltavam para suas casas e

eu ficava lá com as internas. Eu achava muito bom, as internas me davam muitos presentes

de bonecas, de coisas de casinha de boneca. Faziam isso porque gostavam de mim, bem

como também para agradar minha tia que era a diretora.

Naquele tempo se brincava era de boneca e de casinha de boneca, hoje é que tem muitas

tecnologias e outras opções para se brincar. Pois é, apresento a vocês o Zuzu (boneco). Este

bonequinho eu tenho desde que eu tinha 2 anos de idade que o meu pai me deu. Olha, ele

já está assim bem idosinho, mas ainda está intacto e eu guardo com muito carinho.

PARTE 2

V
ou falar hoje dessa aluna que também morava lá no colégio, a Francisquinha. Ela tinha

um pai político e era ano político e ele pediu a minha tia que liberasse ela por uma se-

mana para que ela pudesse ajudar no final da semana porque ia ser uma confraternização

ou almoço político. Minha tia pediu e ela me levou.

Lá era uma maravilha! Era curral, açude, tinha bichinhos para a gente brincar, correr e pular. Duas

sobrinhas dela moravam lá e foi uma maravilha. Então, no dia do almoço, estava chegando muita

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gente, lá era uma casa muito grande com muitos quartos, muitas salas. Tinha um ambiente que

sempre tinha uma rede armada e lá era bom, eu me balançava sempre.

Neste dia, por esta ocasião, pedi à menina antes (pois o povo estava começando a chegar) para

armar a rede e me balançar. E fomos lá. Comecei me balançando sozinha e foi chegando mais

criança e se sentando. De forma que já tinha bem umas 8 crianças, 4 de um lado e 4 do outro,

com as costinhas encostadas uma na outra e balançando que o pezinho ia até lá na parede.

A gente empurrava com força e a outra turma do mesmo jeito. Era parede e parede e a gente

botando mais força. Sabe o que aconteceu? O punho saiu do armador. A gente balançando

alto demais, ele foi saindo do lugar até que saiu por completo e nós todos caímos. Olhe, era

uns com a cabeça doendo, cabeça ferida, braço ralado… Chamaram logo o pai dela que disse:

“Isso é coisa de criança mesmo. Vamos resolver logo por aqui. Quem aqui não foi criança? ”

Todo mundo achava que ele ia brigar com a gente e ele nem brigou, fez foi cuidar da gente.

Então, gente, eu passei foi tempo sem me sentar numa rede. Passei muito tempo, mas de-

pois fiz as pazes com a rede e até hoje amo uma redinha.

PARTE 3

A
gora eu vou falar sobre como a gente brincava lá no colégio da minha tia Madre Nobre.

O colégio era imenso e tinha muito com o que a gente brincar. Tinha quadras pra gente

jogar voleibol, brincar de carimbar, que era a brincadeira da época, e tinha diversos outros

jogos que a gente fazia lá. Fazia um círculo e ficava jogando e inventava jogos diferentes.

Havia também um palco que a gente tinha acesso, onde nós fazíamos as apresentações das

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festas do colégio e a gente fazia nossas peças e brincava de apresentação.

Tinha também uma coisa maravilhosa, uma biblioteca com uma imensidão de coleções di-

versas de livros com assuntos maravilhosos. Desde os livros para pesquisa escolar até os

demais assuntos. Entre essas coleções tinha a coleção O Mundo da Criança. Gente, uma

maravilha! 24 livros bem grossos e cada história melhor que a outra. Cada livro continha vá-

rias histórias. Como eu não sabia ler, porque era recém chegada no colégio, a minha tia pe-

dia para uma das internas ler para mim. Só que elas não achavam muito bom, elas iam para

obedecer minha tia. Liam a história para mim, mas eu achava que ela não estava muito agra-

dada da história. Então, eu bem rapidinho aprendi a ler e a escrever.

Ah, fui esperta! Passei a ler essa coleção e, olhe, eu lia todo dia. Já sabia quase decorada

as que eu gostava mais. Uma maravilha o colégio da minha tia!

Desenho produzido por Júlio César do Nascimento Santos


representando a história “o internato – parte 3”

PARTE 4

H
oje vou falar sobre um dos passeios que costumávamos fazer no colégio da minha tia

Madre Nobre. Sempre no período do fim da tarde, uma das freiras ia passear conosco

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em um local bem legal da cidade. Por exemplo, no morro de São Sebastião. Não era, claro,

como o horto aqui do Juazeiro, do padre Cícero, mas era uma parte alta da cidade que tinha

a imagem de São Sebastião, que era o padroeiro da cidade de Santa Luzia.

Lá era um local bonito e dava para ver toda a cidade. Cheio de árvores altas, frondosas e

que dava muita sombra. Tínhamos brinquedos para as crianças brincarem e era bom de-

mais. Aqueles brinquedinhos que eram só girando, outros para escorregar. Uma maravilha!

Tinha uma pracinha com bancos e sempre levávamos bola para jogar e brincar à vontade. Era

muito divertido! Encontrávamos outras pessoas da cidade que também estavam passeando

por lá. Era um local bem legal da cidade. Ah, que saudade me dá da minha infância querida!

PARTE 5

Vou contar mais outro tipo de passeio que costumávamos fazer lá no colégio da minha tia

Madre Nobre. Em Santa Luzia tinha dois açudes grandes vizinho um ao outro, pois eram se-

parados apenas por uma faixa de terra que era uma estrada por onde tínhamos que passar

de um lado para o outro da cidade.

De um lado era o colégio de tia Madre Nobre e outras ruas, casas populares já naquela épo-

ca, e do outro lado era o centro da cidade onde tinha igrejas, praças, cinema, comércio, ca-

sas… Muito bonito! As margens desses rios eram muito bonitas, tinha bancos para a gente

sentar e ótimo para a gente dar uma caminhada boa.

Certo dia, fomos para lá com a irmã Ângela. Tudo na maior alegria, todos nós conversando,

brincando, mas foi um dia inesquecível e de aventura. Estávamos à margem do açude novo

e tínhamos uma colega chamada Sônia que era cheia de marmota, de munganga mesmo.

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Ela nos pregou uma peça. Às margens desse açude tinha um pouco de inclinação até che-

gar à beira da água e era por esse caminho que estávamos a andar. Sônia tropeçou e foi ro-

lando até a água. Muito astuciosa, adentro um pouco mais no açude e lá gritava inventando

que não sabia nadar e dando a entender que estava se afogando.

Ficamos todas aflitas e a irmã Ângela correu e entrou na água para salvar a Sônia que esta-

va supostamente se afogando. Naquele tempo as freiras usavam hábitos e véus, mas o véu

era bem largo, porque não podia ver nem um fio de cabelo das freiras. Hoje em dia elas ain-

da usam véu e hábito, mas é mais leve, não é tanto como era naquele tempo.

A irmã Ângela, tendo em vista que caiu na água, molhou a roupa e ficou pesada, então ela

é quem ia se afogando de verdade. E sabe quem a salvou? A Sônia. Passado esse momen-

to de sufoco, saíram da água, e alguns moradores das proximidades trouxeram toalhas e as

levaram para suas casas para trocarem as roupas molhadas. E lá se vinha irmã Ângela com

uma roupa na altura do meio da canela, quando freira usava o hábito era quase arrastando

no chão, e uma toalha envolvendo seus cabelos.

Voltamos para o colégio e, lá chegando, a Sônia ficou de castigo na capela. A capela era

uma igreja que tinha dentro do colégio de tia Madre Nobre. Tia Madre Nobre botou Sônia

de castigo lá na capela, era o tipo de castigo da época. A partir daí a minha tia proibiu e nós

não pudemos mais ir passear às margens desse açude. Foi uma tristeza!

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Desenho de Caio Emanuel Santos Inácio
representando a história “O internato – parte 5”

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