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memórias, histórias
e brincadeiras
APRESENTAÇÃO
O
Serviço Social do Comércio - SESC desenvolve o Projeto Era Uma Vez...
fância das pessoas idosas contadas através de áudios pelo whatsapp, sendo
essas histórias enviadas para as crianças que ouviam e as materializavam
por meio de reuniões virtuais semanais pela plataforma Google Meet, sendo
Nesse sentido, o produto desse trabalho foi materializado através deste Ebook
Elizabeth da Silva
Apoio:
APDMCE
Luciana Marinho
MÓDULO 2
DESFILE DE MARACATU
FANTASIAS DE CARNAVAL
O CANÁRIO
PASSEIO DE TREM
CELEBRAÇÃO
FARINHADA
A PETECA
MÁQUINA DE COSTURAR
MEDO DE TROVÃO
O ANIVERSÁRIO
BRINCADEIRAS NO PARQUE
LIZINHA
FESTAS JUNINAS
INFÂNCIA MULTICULTURAL
A VÓZINHA ESPANHOLA
CACHOS DE UVAS
DIREITOS E DEVERES
INFÂNCIA NO IGUATU
DESFILE DE MARACATU
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ou contar mais uma lembrança da minha infância, que era o carnaval de rua. No bairro
em que eu morava havia o Maracatu Leão Coroado e antes de chegar o dia do desfile
Eu assistia todos os ensaios e quando chegava o dia do desfile que acontecia na Avenida
uma premiação para cada segmento. Eu ia assistir o desfile para torcer pelo maracatu do
Era um espetáculo belíssimo, com os figurantes com roupas brancas, muitas pedras, lante-
joulas, bicos, rendas e os rostos pintados de preto dançavam e cantavam. Era um show que
davam na passarela. O maracatu foi trazido da África pelos negros e até hoje eles mantêm
V
ou contar mais uma história da minha infância, falando ain-
E
u tinha dez, quase onze anos e morava na rua Gustavo Sampaio, próximo à Avenida
Bezerra de Menezes. Foi quando chegou em Fortaleza um ônibus elétrico que desper-
tou a minha curiosidade, a diferença dele para os outros tipos de ônibus que já existiam. Ele
era grande, espaçoso e andava sobre o calçamento da Avenida, mas tinha uma diferença
muito grande, com cabos de fio elétrico que ligavam a energia que vinha dos postes.
Chegou o dia de matar a minha curiosidade, fui andar de ônibus elétrico, fazia o percurso
da minha casa até o centro da cidade, várias vezes eu fiz esse trajeto, era um passeio mui-
to agradável, andar naquele ônibus diferente. E como criança não pagava passagem, eu só
queria andar nesse ônibus, tive uma infância privilegiada por conhecer esse meio de trans-
Mas não demorou muito com esse ônibus, pois tiraram de circulação, acho que foi por sair
tão caro para mantê-lo circulando na cidade. Mas foi uma das lembranças da minha infância
que não vou esquecer, sempre vou lembrar, um abraço forte a todos, beijos
O CANÁRIO
M
eu nome é Eleonora Veras, mas sou conhecida aí no Sesc como Vera, então vou con-
tar uma das histórias da minha infância. Eu tinha um canário na gaiola e minha amiga
Altair tinha muita inveja e soltou meu canário. Chorei muito. Depois de muitos dias eu pre-
guei uma peça na amiga, convidei-a para ir à minha casa prestar um favor. Ela foi e eu dis-
se: “Ganhei outro canário. Está aí debaixo dessa caixa. Fique aí reparando enquanto eu vou
à casa da minha tia pegar uma gaiola.”. Aí eu lhe recomendei: “Não levante a caixa para o
canário não voar”. E fiquei observando se ela levantava. Não deu 5 minutos e ela levantou a
caixa, mas, para a surpresa dela, não tinha um canário e, sim, umas baratas e um rato que
se jogaram todos para cima dela. Eu falei: “Ainda vai soltar o canário?”. Nós crescemos jun-
tas, fui testemunha do casamento dela e seu primeiro filho foi meu afilhado, que hoje é um
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asci em Nova Russas, uma cidade do interior do Ceará, tinha 10 irmãos e eu era a mais
velha de todas. Certo dia, minha mãe nos levou para conhecer uma cidade vizinha e
o transporte era o trem. O nome da cidade era Charito. Nós saímos às 5 horas da manhã,
todos com aquela alegria. Ao entrar no trem, era aquela algazarra, todos querendo ficar na
Ao sair o trem, fomos vendo gados pastando, árvores com frutas, outras com flores, lagos
Ao chegar na cidade, fomos assistir a novena, pois era dia de Santa Luzia, 30 de dezembro.
Após a novena houve a procissão, uma coisa que jamais esqueci. Botaram uma imagem de
Santa Luzia no andor carregado por quatro crianças, todas vestidas de branco andando pe-
À noite teve o leilão, barraquinhas coloridas...tudo muito lindo! Fomos dormir para acordar
5 horas da manhã e retornamos para casa de trem novamente. Foi uma maravilha! Essa é
Na minha terra, Nova Russas, todos os anos no mês de agosto, celebravam a novena
de Nossa Senhora das Graças que era a padroeira. Começa no dia 7 e termina no dia 15.
Todos os dias, após as novenas, tinha o partido vermelho, o azul, as barracas com comi-
das típicas da nossa região. Leilões e rifas até de animais dados pelos fazendeiros mais
abastados. Era muito animado! No último dia da novena acontece também o baile dançan-
te, onde as pessoas se apresentam com suas toalhetes cada qual a mais chik. Em um dos
dias da novena, fui convidada pelo padre Morais, o pároco da cidade, para me trajar de ci-
gana e ler as mãos das pessoas para arrecadar dinheiro para a igreja. Na minha cidade
apareciam muitas ciganas e eu apreciava o que elas faziam: ler mão. Aí eu passava a brin-
car com as minhas colegas. Após a novena, a primeira pessoa que li a mão foi de uma se-
nhora que fazia bonecas. Peguei a mão dela e disse: “Senhora, tem que fazer uma bone-
ca bem linda e dar para esta cigana que está lendo a sua mão, senão você nunca mais vai
vender as suas bonecas”. Com três dias eu ganhei a boneca. Que maravilha!
V
ou contar aqui a minha historinha, “São João na minha infância”. Sempre gostei de fes-
ta junina. A casa da minha avó era bem grande, toda rodeada de alpendres e tinha um
belo jardim com muitas roseiras. Era nesse jardim que a minha avó fazia todos os anos as
Eram as crianças que enfeitavam com bandeirinhas coloridas, balões feitos de papel de em-
brulho, tudo feito por nós crianças, menos o grude para colocar as bandeirinhas nos cor-
dões. Minha avó fazia o grude, porque a gente poderia se queimar, pois o fogão era de le-
nha. Tinha todo tipo de comida junina, como aluá, que era feito em um pote de barro, pé de
valheiro, pois os meninos eram menos que as meninas. Uma vez fui ser
a noiva e o noivo era um lindo menino. Veja o que o destino nos prega!
Quando eu era adolescente, fui a uma festa de São João no Clube dos
Pois sabe quem era o jovem? O meu noivo da quadrilha quando criança.
E
u tinha um tio, irmão de meu pai, chamado José. Ele morava em um povoado fora da ci-
dade chamado Gázea. Todos os anos ele fazia uma farinhada e eu tinha muita vontade
Então, a convite de meu tio José, fomos eu e meu pai para a farinhada. Fomos à cavalo,
meu pai na cela e eu na garupa. Ao chegar na casa do meu tio, fomos logo ver o início da
outras ralando para ser transformada em farinha. Até eu ajudei a descascar macaxeira, pois
No quintal tinha um forno muito grande feito de barro e eu fiz a seguinte pergunta: “Esse
forno não é a casa dos índios? ” Pois parecia uma oca. Dentro deste forno era feito o fogo,
a farinha, a goma. Da goma fazia beiju, tapioca, tudo bem quentinho e que era levado para
uma mesa bem grande lá no alpendre, onde o café já estava feito dentro de um bule e as
Zé Miguel no Catitu
Eu e ela na peneira
Deu de pé lá no caminho
Eu e ela na peneira
Tava na peneira
Eu tava peneirando
Eu tava no namoro
Eu tava namorando”
N
a minha terra, que é Nova Russas, tinha Relâmpago, porque ele era muito ligeiro. Nós
um senhor chamado Zacarias, que tinha tínhamos até torcida, os primos, irmãos, pais e
uma criação de carneiros e esses carneiros até algumas pessoas ilustres da cidade como
eram treinados para participar de corridas o prefeito, o padre e alguns professores. Cada
com crianças de 10 ou mais anos. um levava a sua cadeira para ficarem senta-
apito marcava a saída dos carneiros. Eram Eu fiz aqui essa quadrinha do carneiro: “O
3 carneiros que iam até o fim do campo, vol- meu carneiro Relâmpago era branquinho e
tavam e ganhava o que primeiro chegasse. ligeiro Eu tinha muito amor por ele, pois sem-
Eu sempre participava, tive que ganhar umas pre foi o meu companheiro”.
três vezes.
competir com as nossas corridas. Se eles ga- Desenho produzido por Carlos Henrique
Alves de Souza representando a história
nhassem nós iríamos competir com eles no
“ Corridas no campo de futebol”
V
ou contar mais uma vez a historinha da lembro-me do que pratiquei, pois não devemos
minha infância, essa historinha chama-se maltratar os animais, muitos deles são nossos
a peteca. Eu gostava muito de jogar a peteca, amigos, como o gato, o cachorro e outros ser-
eu mesma confeccionava, umas com palhas vem para a nossa alimentação, como certos ti-
de milho, outras com penas de galinha. pos de aves e animais. Até hoje me arrependo
e nem penas, fiquei pesando “minha mãe tem Agora gente, eu vou ler uma quadrinha que eu
muitas galinhas” fui no puleiro, peguei uma gali- fiz sobre a peteca. Eu tinha dez anos de idade,
nha e arranquei algumas penas, quando minha adorava jogar a peteca, pois era uma boa brin-
mãe viu disse “você acharia bom se alguém ar- cadeira para as crianças daquela época. Boa
rancasse todos os seus cabelos? Pois é, os ani- tarde e Deus abençoe a todos.
Até hoje quando vejo uma peteca, ou uma galinha Desenho produzido por Viviane Silva Alencar de
Moura representando a história “peteca”
H
oje eu vou contar mais uma historinha da minha infância, certo? No meu interior, tinha
um rio que se chamava Rio Curtume, todos os anos no interior tinha uma grande en-
chente, o povo da cidade ia todos para a beira do rio apreciar a beleza que nos mostrava,
como? aquela água barrenta, peixe de todo tamanho nadando, e sobre a correnteza muitas
Os mais velhos, com suas experiências diziam que estava chovendo nas cabeceiras do rio,
e estava tomando água, eu perguntei “ e o rio tem boca? E tem cama? ” O meu pai explicou
“cabeceira é o lugar de onde o rio nasce, e tomar água é porque estava enchendo cada vez
mais”. Quando baixava as águas, nós íamos tomar banho, pescar uns peixinhos. Sabe como
era que nós pescávamos? A gente pegava uma garrafa e colocava farinha dentro, aí botava
Quando terminava a pescaria, nós pegávamos as piabas, torrávamos, fazíamos uma farofa
e comia, era aquela festa, depois a gente voltava para o rio, para pular das ribanceiras ou de
algumas árvores que ficavam nas margens do rio. Mas um detalhe, nós estávamos sempre
As nossas bóias eram duas cabaças, amarradas na cintura para ninguém se afogar porque
ninguém sabia nadar. É essa mais uma historinha da minha infância. Está aqui uma quadri-
nha, como sempre. “Sempre gostei do inverno, principalmente no interior, dos rios com mui-
E
u tinha vontade de aprender costurar em máquina, minha avó tinha uma máquina de
costurar da marca Singer, ela tinha muito ciúmes dessa máquina, eu dizia assim “ mãe-
zinha, deixa eu só dar uma costurinha na sua máquina” ela respondia “Deus me livre, só
quem pega nesta máquina sou eu” aí eu ficava muito triste só com a vontade de costurar.
Um belo dia, minha avó estava dormindo. O que eu fiz? Peguei uma saia da moça que mo-
rava conosco, coloquei na máquina e passei a costura, só que eu costurei a saia dos dois
lados, ficou toda fechada. Ela ficou doida de raiva e disse “agora você vai ter que me dar ou-
tra saia” e eu disse “vou consertar sua saia” cortei a saia em baixo e em cima, aí a saia não
Para o meu azar quebrei a agulha da máquina, quando a minha avó acordou, foi logo pergun-
tando “alguém mexeu na minha máquina? ” Eu disse “ foi a Antônia que quebrou a agulha” a
pobre levou um belo de um carão, e a Antônia falou “ não fui eu, foi sua neta, que aliás me
deu um belo de um prejuízo, a senhora ou ela, vai ter que me pagar” faltava dois dias para o
meu aniversário, então a minha avó falou “ seu castigo, é que no dia do seu aniversário, não
vai ter sequer um bolinho” aí eu me ajoelhei nos pés dela e disse “ vozinha do meu coração,
não faça isso comigo não, me perdoe! ” Ela disse “ está perdoada, mas nada de aniversá-
rio”, na época fiquei muito triste, mas agora eu sei que mereci ter esse castigo, pois não de-
Agora, uma quadrinha como sempre. Minha avó era costureira, minha mãe era bordadeira,
E
ntrei na escola aos sete anos, minha primeira escola foi a
Meu primeiro livro foi uma carta do ABC para aprender o alfabeto,
seu jeito muito amável disse “fiquem todos em seus lugares que
mãe disse que é para a senhora me soltar hoje mais cedo porque
você pode sair” sabe onde estava o lápis? Dentro das coisas dela.
céu, não vai te querer lá no céu, porque você vai esconder o lápis
para ela, a professora disse “muito bem Eleonora, o que você fez
foi muito bonito, você merece uma salva de palmas” aí todos ba-
MEDO DE TROVÃO
M
eu nome é Elizabeth, eu tenho 64 anos, mas pode me
puxava os móveis pra lá, puxava os móveis pra cá, e móvel ba-
disse: “Calma aí, gente! Olha, é São Pedro que tá lavando a casa dele e esse barulho do tro-
vão são os móveis.” Aí todo mundo começou a pensar, a olhar para cima, as crianças foram
se acalmando. E a Dona Belinha, que era minha professora querida, começou a cantar. A
gente cantava muito, sabe? Eu coloquei aí até uma musiquinha do Bat Masterson, a gente
E o que ficou dessa história, meus amores? Olha, não devemos ter medo de nada, porque
o medo paralisa, sabe? A gente tem que enfrentar as coisas com otimismo, com alegria e
de frente.
Hoje eu vou contar para vocês o meu aniversário de 7 anos. Nossa, foi um aniversário ines-
amigos. Tanto fazia se de criança ou de adulto, era tudo igual. Era muita alegria, muita fes-
ta. Não tinha tema e nem buffet como tem hoje, era bem diferente. Por exemplo, o tema do
meu neto foi Fortaleza e antigamente não tinha isso. Mas era muito divertido.
Tudo era feito em casa, o bolo, salgados, docinhos. Os refrigerantes chegavam e a gente
colocava em balde com gelo para conservar até a hora da festa. Como era muita coisa e
tudo sempre feito em casa, a casa já começava a se movimentar assim dois ou três dias an-
tes pra dar tempo, claro, né? Era muito bacana. Ficava aquele cheirinho de festa pela casa
toda, sabe?
Bom, no dia do meu aniversário, então, como a aniversariante era eu, cada vez que toca-
um pulo e corria pra abrir a porta da casa. Eu abria a porta da casa, ganhava um presente,
beijos, felicidade e cada um que chegava fazia isso pra mim. Eu ficava toda cheia de mim.
Toca a campainha e eu vou abrir a porta e era o meu tio Santini, que a gente chamava de
tio Santo, com a sua namorada Angelina. Ele a tinha trazido para apresentar à nossa famí-
lia, meus pais, minha avó, os outros irmãos dele que eram meus tios também. E ela não ti-
nha trazido presente nenhum e era para eles um momento muito marcante. Eles estavam
ansiosos, né?
Quando eu abri a porta, não pensei nada e disse: “Se não trouxe presente, não entra. Pode
ir embora. Cadê o presente? Eu quero o meu presente.” Bom, a minha tia começou a chorar
chateado também. Pra minha sorte, a minha mãe apareceu e remediou a situação.
Depois da festa, a minha mãe conversou comigo e me ensinou uma lição que eu deixo aqui
agora para vocês. Não se deve falar sem pensar. O mais importante não são os presentes
que o dinheiro compra, pois os melhores presentes são aqueles que o dinheiro não compra.
Por exemplo, saúde, amizade, carinho, abraços. E aí eu aprendi isso. A valorizar coisas que
Hoje já com a minha idade, meu tio Santo e minha tia Angelina já morreram e estão moran-
do no céu. Eu fui no casamento deles e eles foram no meu casamento. Eu levei as alianças
deles até o altar e eles foram meus padrinhos de casamento. Foi uma amizade linda a vida
toda! A minha tia Angelina dizia que eu era a sobrinha predileta. Ainda bem, né, porque eu
fui muito grosseira e mal criada e por isso o meu aniversário foi inesquecível.
Q
uando eu era criança como vocês, o mundo era muito diferente. E as coisas também
tinham nomes diferentes, por exemplo, hoje, quando tem bastante natureza, animais,
pássaros variados a gente chama de parque. Por exemplo, Parque do Ibirapuera em São
Paulo, Parque das Andréas lá no Maranguape, Parque do Cocó em Fortaleza. Mas quando
eu era criança a gente não chamava de parque não, a gente chamava de jardim. Tudo era
O mundo era muito diferente. Tinha poucos carros, tinha muitas árvores, tinha muita terra,
muitos animais, muito passarinho, muita borboleta. Às vezes, quando era domingo, a minha
família ia fazer piquenique no Jardim da Luz, então a gente levava uma cesta cheia de me-
rendas gostosas. Bolo, suco, frutas, chocolates, copos, pratos, talheres e uma toalha bem
grossa. Geralmente era xadrez essa toalha. A gente sentava na grama e comia. Era uma
festa com alegria. As crianças corriam, rolavam na grama. Era muito legal! Puxa, como era
As crianças eram muito felizes, sabe? A gente brincava muito de esconde-esconde, de pe-
ga-pega, de rolar na grama, de cadeirinha. Gente, era muito legal! Lá tinha um fotógrafo
chamado lambe-lambe. Ele tinha uma máquina fotográfica enorme, porque naquele tempo
também não tinha celular, então quando a gente ia tirar fotografia tinha que ir a um fotógra-
fo. Eram uns estúdios de fotografia bem diferentes ou então a gente encontrava esse lam-
be-lambe lá no jardim.
Tinha também o realejo e esse eu adorava. Era uma caixa de música enorme que o homem
nho que abria uma gaveta e pegava um papelzinho. Esse passarinho dava um bilhetinho pra
gente e nesse bilhetinho sempre tinha uma frase muito bacana. Eram bilhetinhos coloridos,
Um dia eu recebi um bilhetinho e nesse bilhetinho estava escrito que eu era uma menina
estudiosa. Gente, eu fiquei tão feliz! Eu levava sempre comigo uma boneca, a Pierina. Teve
um dia que eu tirei uma foto com ela no meio do jardim. Puxa, como era bom! Eu adoro até
hoje o contato com a natureza. Vou ver se eu mando para vocês as fotos para vocês verem
o que é realejo, o que é fotógrafo lambe-lambe. E assim que eu puder vou mandar a minha
E
ra uma vez uma menininha que se chamava Elizabeth, mas na sua casa todo mundo a
chamava de Lizinha. Acho que como começaram a chamar de Lizinha e foi diminuindo,
diminuindo, e ficou Lizinha. Essa menina era muito tagarela. Ela falava com as suas bone-
cas, falava com os seus gatos e, quando ela cismava, todos iam para o seu salão de cabelei-
reiro. Claro, a cabeleireira era ela mesma. Cortava os pêlos e até os bigodes dos gatos. Ela
pegava o esmalte da mamãe e pintava as unhas dos bichinhos. Crianças, não façam isso!
Os bichos precisam ser bichos. Para quê tentar fazer os animais virarem gente? Nunca se
Lizinha ficava muito feliz quando sua mãe dizia: “Hoje, depois da escola, você vai ficar com
a mamãe lá na oficina”. A mamãe de Lizinha tinha uma oficina de costura que costurava fi-
tas de cabelo. Era a última moda e todo mundo usava fitas. Essas fitas eram como o gigo-
Quando Lizinha chegava lá, sentava no chão ou embaixo da mesa de corte de tecido e fi-
cava brincando com suas bonecas. Fazia roupinhas, falava com as bonecas, fazia roupinha
para elas, calça comprida, blusinha, vestido. Ela inventava mil e uma, né? Com os retalhi-
nhos que sempre sobravam, tinha sempre um paninho para ela fazer as roupinhas das bone-
cas. O que sobrava, ela levava tirar para enfeitar os seus gatos. Os gatos dela eram cheios
de fitinhas no pescoço, nas orelhas e, coitadinhos dos bichinhos, eles eram muito mansos.
Um dia, Lizinha resolveu ir sozinha para a oficina, mas quando ela já estava prestes a atra-
vessar uma avenida bem grande, uma rua de movimento, uma pista, sentiu uma pessoa
- “Lizinha, você não pode atravessar a rua sozinha. Você não é adulta”.
- “Ah, titia, eu queria tanto ser adulta, queria tanto ser grande”.
É verdade, crianças. É muito bom ser criança. Aproveitem. Bom, eu já sei que vocês já sabem
quem é a Lizinha. Sou eu. Essa é mais uma historinha da minha vida. Beijos da Elizabeth,
da vovó Beth.
E
u adorava o mês de junho, porque ficava mim. Eu lembro que eu era uma princesinha, fi-
tudo enfeitado, tudo colorido, eu achava quei muito linda com aquele chapeuzinho. Mas
até que as pessoas ficavam mais alegres. Na nesse ano desse lindo vestido e desse lindo
rua a alegria era grande, tinha muita fogueira, chapéu que minha mãe fez, eu fiquei com um
bandeirinhas, muita bombinha, adivinhação e menino que eu não gostava dele. Eu achava ele
simpatias. Eu gostava muito daquele colori- chato, sabe? Ele fazia tudo errado, ele brincava
do todo, mas o que eu mais gostava era das muito, ele não prestava atenção, então, na hora
fogueiras. As labaredas do fogo me encan- dos comandos da quadrilha, ele fazia tudo ao
tavam, os coloridos do fogo. Mas eu sempre contrário. Ele dava risada e brincava e, não sei
tomei muito cuidado para não me queimar. porque, eu achava ele chato.
O colorido da festa, o cheiro de doce no ar, dia da apresentação mesmo ficou muito bom.
eu gosto da outra, tudo bem. Isso não vai me impedir de ser amigo dela e dela ser minha amiga.
Entenderam? Eu fui muito errada com esse Elias, mas já passou. Acho que se eu me encontras-
se com ele, nós dois íamos dar muita risada das brincadeiras e das palhaçadas que ele fazia no
meio da quadrilha.
Mas, gente, para mim, o mais importante era o dia de São Pedro. O dia de São Pedro era
muito comemorado na minha família. Eu tinha um tio que era muito legal, ele chamava Pedro.
E ele chamava Pedro, porque tinha nascido no dia 29 de junho, dia de São Pedro. Eu lembro
até hoje que ele era muito alto de olhos azuis, casado com a minha tia Nina que era muito
baixinha, gordinha e sorridente. Quando era dia 29 de junho a família todinha se reunia na
casa desse meu tio. A gente comemorava o aniversário dele e o dia de São Pedro e fazía-
mos o encerramento de todas as festas juninas. Eu nunca consegui esquecer de tanta ale-
gria. Os meus primos todos juntos, os meus tios, minha mãe, meu pai, mais amigos que vi-
Para mim era muito importante, porque os meus primos até hoje são meus irmãos, porque
eu não tive irmãos. Então os meus primos eram meus irmãos, os meus melhores amigos.
No final, a festa junina, como é chamada, para mim teve um grande valor afetivo. Uma gran-
Q
uando eu era bem pequena eu tive oportunidade de ter contato com várias culturas di-
ferentes e isso foi muito legal. Hoje eu sou uma pessoa que não tem preconceito com
nada. Vocês sabem que é muito feio ter preconceito com as pessoas.
Meu pai era português e quando ele chegava em casa ele cantava: “Lá em cima tem um ti-
ro-liro-liro, cá embaixo tem um tiro-liro-lá”. Eu saía correndo, cantando, gritando, pulava. Ele
dizia: “Lá em cima tem um tiro-liro-liro, cá embaixo tem um tiro-liro-lá”. Eu pulava no colo do
Quando ele separou da mamãe eu fiquei tão triste. Toda criança não quer a separação dos
pais, mas se isso acontecer devemos amar papai e mamãe. Eles são adultos e pensam di-
Já a minha avó era espanhola e ela cantava: “España, tierra de flores donde pus en su trono
Na minha escola eu conhecia muita gente, acho que conheci pessoas do mundo todo. Mas
o dia mais feliz da minha vida foi quando comecei a ler. Eu queria ler tudo. Nome de rua, das
lojas, das padarias, nomes e nomes. O mundo ficou mais colorido. Na minha escola tinha
uma festa para os que aprendiam a ler. Era um dia muito especial, porque quem aprendia a
ler recebia o livro. Foi tão emocionante, uma festa tão linda, com muitos salgados, refrige-
ler um pedacinho de um livro bem legal todo dia. E por hoje é só.
E
u tive a grande oportunidade de conhecer a minha bisavó,
ela, eu acho que eu pensava que ela era uma bebê igual a mim,
colorido, não tirava esse lenço e nem esse avental. A saia dela
Bom, um certo dia, meu pai comprou nossa primeira TV e aí que foi engraçado. Vózinha não
conseguiu entender o que era aquilo. Todo mundo explicou, mas pela surdez ela não enten-
deu nada. Ela achava que a TV era uma caixa mágica e que as pessoas estavam vivas lá
dentro. Naquele tempo, mais ou menos 1960, a TV não funcionava como hoje. haviam pou-
cos canais, dois ou três canais no máximo, não existia e nem se pensava em TV aberta, ti-
Na hora de assistir a TV, minha vózinha tomava banho, me banhava, me perfumava, trocá-
vamos de roupa e ela sentava em frente à TV toda comportada, com a certeza de que os
artistas e todos que estavam lá dentro da TV estavam nos vendo. Quando começava o jor-
nal, naquela época chamava Repórter Esso. O apresentador dizia “boa noite” e ela respon-
Um dia, eu muito traquina, comecei a levantar a saia e mostrar a minha calcinha para a tele-
visão. Gente, minha vózinha ficou tão nervosa, teve que tomar água com açúcar, porque eu
era muito sem vergonha. Onde já se viu uma menina levantar e mostrar a calcinha? Gente,
eu sabia que ninguém estava me vendo, mas, é claro, ela não entendia isso. E foi uma con-
fusão muito grande, a bichinha teve que tomar água com açúcar e eu fiquei de castigo, claro.
O tempo passou, e quando eu já tinha 12 anos, a minha bisavó, a vózinha, morreu. Ela mor-
reu em casa, dormindo, acho que com mais de 100 anos. Ela era lúcida e saudável o tem-
po todo, só era surda. Gente, eu fiquei com tanto medo, porque eu achava que o fantasma
da minha vózinha ia aparecer para mim. E o remorso de tantas traquinagens que eu fiz com
Mamãe conversou muito comigo e eu fui superando o medo do fantasma da vózinha. Hoje eu
sei que fantasma não existe e toda pessoa que morre deixa o corpo e seu espírito vai morar
lá no céu. Infelizmente, as pandemias sempre existiram, a gripe espanhola, agora tem o co-
ronavírus; mas tenhamos fé em Deus, porque a vida é um grande aprendizado, uma gran-
de escola e tudo passa. Beijos, crianças. Até a próxima. Vai dar certo. Nós vamos superar
essa juntos!
Quero compartilhar com vocês algumas das minhas lembranças, hoje eu tava pensando,
quando eu fui ao supermercado, que antigamente não existia supermercado e nem mercan-
til, vocês acreditam? Não tinha não, o supermercado apareceu lá pra 1970 a 1973, há uns
quarenta anos atrás, nem a mamãe de vocês não tinha nascido, mas como era que a gen-
te comprava as coisas então? Ora, era muito simples, a gente tinha feira, muitas feiras, nas
praças, na rua, eu adorava ir pra feira, gente, o cheiro da fruta e das verduras frescas.
Com isso, o que acontecia? A gente só comia fruta da época, e fruta regional, né?! Então
por exemplo, aqui no Nordeste a gente com muito caju, manga, acerola, né?! E lá no Sul, as
pessoas comem morango, uva, coisas diferentes que não nascem aqui. Aí vocês vão per-
guntar, “mas vovó o supermercado tem todas as frutas? ” Tem, tem essas frutas agora, por-
que nós evoluímos, então os transportes estão melhores e as estradas melhores e vem pra
cá, tá?! Mas no meu tempo que eu era criança, não tinha.
Bom, ai um dia, meu tio Luiz, que a gente chamava de tio Icô, chegou em casa e disse que
os Japoneses de Suzano, gente, Suzano era uma cidade perto de onde eu morava. Pois é,
os Japoneses de lá, tinham conseguido plantar uva italiana, aquela uva verde, aquela uva
que não era plantada aqui no Brasil, era uva que era da Europa. Minha vozinha Maria, não
sei como, escutou e entendeu e quis ir até Suzano, meu tio dizia “vovó, a senhora fica, nós
iremos e trazemos uva pra senhora” “ não eu vou! ” Gente, no dia seguinte a vozinha levan-
tou antes que todo mundo, bem cedinho, e rapidamente tomou banho, tava pronta, trocou o
a vozinha vai morrer no trem” outros diziam “ não, ela vai, seja feito o último desejo dela”.
Enfim, aconteceu o esperado, fui, claro né! A vozinha Maria, a minha avó Beatriz, meu pai,
minha mãe, meu tio e a vozinha ela porque queria ver e comer uva como era na terra dela
na Espanha.
Viajamos de trem até Suzano, foi um dia muito legal, muito verde, muitas árvores, flores.
Quando chegamos em Suzano, andamos muito até o sítio dos Japoneses, a porteira estava
aberta, entramos e de repente fomos cercados por cachorros enormes que latiam sem pa-
rar nos ameaçando, automaticamente ficou todo mundo junto. Eu me lembro que papai me
pegou no colo, fiquei com muito medo, eu quis chorar, mas tio Luiz e todo mundo parado. A
vozinha disse “olhe, vamos rezar pra são Roque, eu vou rezar em voz alta e vocês acompa-
nham” aí minha vozinha fez uma reza em espanhol, e acreditem, os cachorros foram fican-
do calmos, calmos, calmos e nós fomos rezando um pai nosso, em voz média. Gente, todos
Aí apareceu uma Japonesinha bem pequenininha, e meu tio falou pra ela que queria ver e
comprar as uvas, a Japonesa deu um grito Japonês e todos os cachorros foram embora, fi-
nalmente entramos, que coisa linda, muitas parreiras, as uvas eram bem verdes e grandes,
os cachos de uvas ficavam a venda em cima de uma mesa enorme, uma mesa de madei-
ra, bem escura, apesar do grande susto da ameaça dos cachorros, foi um dia maravilhoso,
comi muita uva, muita uva, muita uva, eu corri embaixo das parreiras. Gente, até hoje adoro
G
ostaria de falar para vocês sobre quando eu estudei na primeira, segunda e terceira
série, num colégio de freiras, chamado Santa Maria. A disciplina era muito rigorosa,
nós aprendemos sobre deveres e direitos sabe?! Aprender a respeitar o direito dos outros, e
o meu também; aprendi a olhar os direitos, a gente às vezes só olha os nossos direitos, não
Logo na entrada, a freirinha da porta examinava tudo, unhas cortadas, farda limpa, sapatos
engraxados, cabelo bem penteado e usando fita, minha mãe me ajeitava que parecia uma
princesinha, era tão bom, minha professora era a Madre Emília, me lembro de que fui alfa-
betizada cantando, colorindo, as freiras brincavam muito com a gente, amarelinha, passa
Um dia, alguém esqueceu uma carteira cheia de dinheiro, era uma carteira marrom de couro,
tinha notas de dinheiro, peguei a carteira e dei para a Madre, ela me olhou bem séria e dis-
se “de quem é? ” Eu respondi “eu não sei, eu achei”, “pois, menina, vou chamar a sua mãe”
e me levou para a diretoria, fez um bilhete para a mamãe, claro, fiquei de castigo, levei umas
palmadas, até hoje eu não sei o que tava escrito naquele bilhete.
No dia seguinte, mamãe estava lá comigo, com a cara muito fechada para mim, e eu dizen-
do “eu achei, eu achei” aí a diretora chegou e disse “realmente ela achou, a pessoa que per-
deu veio falar conosco e não havia falta de nenhum dinheiro”, aí eu disse “claro, o que não é
meu, mamãe não deixa pegar” ai mamãe me abraçou, me beijou, as freiras me abraçaram
Gente, o tempo passou, já trabalhei em banco, já trabalhei em loja, já tive contato com muito
dinheiro dos outros, graças a Deus eu nunca peguei um tostão. Isso é tão bom, tão digno, a
gente respeitar o próximo, acho que devo tudo isso a esse aprendizado, esse episódio que
eu apanhei, mas foi muito bom, eu aprendi, tudo na vida é aprendizado. Um beijo pra todos
INFÂNCIA NO IGUATU
M
eu nome é Epifânio de Oliveira Filho, tenho 72 anos e nasci no Iguatu, no interior do
Estado do Ceará, mais precisamente na região Centro-Sul que é uma região vizinha
ao Cariri. Estou nesse projeto do Sesc onde eu vou trabalhar com uma criança de Brejo
Santo e eu espero que a gente possa fazer um trabalho legal, que a gente se dê bem, que
a gente forme uma boa parceria e que o trabalho renda bons frutos, tanto para mim quanto
A cidade de Iguatu nasceu à margem esquerda do rio Jaguaribe, que é considerado o maior
rio seco do mundo. Ele é chamado de rio seco, porque não tem água o ano inteiro, ele só tem
água quando chove nas suas cabeceiras. Então o chamaram de rio seco, o rio Jaguaribe.
Quando eu era criança tomava muito banho no rio Jaguaribe quando ele estava cheio, toma-
va muito banho. Quando o rio secava e ficava um pouco de areia, em uma margem ou na
outra, a gente jogava futebol no rio e pescava. Aquele rio era o nosso parque de diversões,