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MÓDULO 2

memórias, histórias
e brincadeiras
APRESENTAÇÃO

O
Serviço Social do Comércio - SESC desenvolve o Projeto Era Uma Vez...

Atividades Intergeracionais desde 1993 através do setor Assistência com

o Trabalho Social com Pessoas Idosas – TSI.

O projeto é desenvolvido com a participação de crianças e pessoas idosas,

a partir do convívio entre gerações com o objetivo de aproximá-las, oportuni-

zando o aprendizado mútuo e o respeito enquanto elementos fundantes para

a criação de relações de afetos e solidárias, contribuindo para a construção

de uma cultura de paz.

Diante do contexto pandêmico o SESC reinventou-se, desenvolvendo suas ati-

vidades com uma metodologia própria, adaptando-a para a modalidade remo-

ta, sem perder sua essência no desenvolvimento do trabalho intergeracional,

de acordo com as diretrizes do TSI.

Em 2021, o Projeto foi desenvolvido através da parceria entre as instituições

SESC e a Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado do

Ceará – APDMCE. Os/As participantes atendidos/as pelo Projeto Era Uma

Vez, foram crianças do município de Brejo Santo/CE, assistidas pelo Projeto

Eu Sou Cidadão Amigos da Leitura da APDMCE, interagindo com as pessoas

idosas integrantes do TSI no município de Fortaleza.

O tema do ano foi “Memórias, histórias e brincadeiras”, com narrativas da in-

fância das pessoas idosas contadas através de áudios pelo whatsapp, sendo
essas histórias enviadas para as crianças que ouviam e as materializavam

através de desenhos. A partilha das histórias e dos desenhos foi realizada

por meio de reuniões virtuais semanais pela plataforma Google Meet, sendo

esse momento um espaço de interação e convívio entre gerações, mesmo

que de forma remota.

Nesse sentido, o produto desse trabalho foi materializado através deste Ebook

e Audiobook que retratam as narrativas apresentadas pelos participantes.

Desejamos que a leitura e escuta desse material possibilite uma viagem as

suas memórias de infância, revelando que as relações intergeracionais são

estratégias possíveis para a construção de uma sociedade solidária e justa

para todas as idades.


PARTICIPANTES

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS - SESC

Ana Maria Cruz

Cristiane Silveira Souza

Edna Maria da Silva Lopes

Eleonora Veras C. Gomes

Elizabeth da Silva

Epifânio de Oliveira Filho

Espedita Gonçalves de Moraes Camilo

Francisca Maria Cruz Lopes

Lúcia Helena Nobre Oliveira

Maria Dias dos Santos

Marinete Brito Mendonça

Nicácia Maria de Oliveira Lopes

Oneida Pontes Pinheiro

Vânia Maria Gomes Prudêncio

Equipe técnica do Sesc:

Thais Castro – Supervisora Administrativa

Joseane Soares – Assistente Social

Isadora Catunda – Supervisora de Programas II

Marcia Beatriz Rodrigues Gonzaga - Estagiária de Serviço Social


MUNICÍPIO DE BREJO SANTO

Caio Emanuel Santos Inácio

Carlos Henrique Alves de Souza

Debora Soraya de Sousa Pereira

Francislenio Santana dos Santos

João Arthur Bezerra da Silva

José Mikael Alves de Araújo

Júlio César do Nascimento Santos

Lammark Tavares Leite

Lara Maysa Rodrigues da Silva

Laysa Maria Lima Maia

Maria Clara Bandeira Silva

Maria Clara de Lima Medeiros

Maria Estefane Leandro dos Santos

Maria Isabel Carvalho de Sousa

Maria Jaqueline de Moura

Maria Savana Pinheiro do Nascimento

Maria Yohane Inácio Dias

Nicole Martins Rodrigues

Viviane Silva Alencar de Moura


Equipe técnica do município:

Francisca Sandra de Sousa - Professora

Veridiane Rosa da Silva – Professora

Apoio:

APDMCE

Luciana Marinho
MÓDULO 2

DESFILE DE MARACATU

FANTASIAS DE CARNAVAL

PASSEIO DE ÔNIBUS ELÉTRICO

O CANÁRIO

PASSEIO DE TREM

CELEBRAÇÃO  

AS FESTAS DE SÃO JOÃO

FARINHADA

CORRIDAS NO CAMPO DE FUTEBOL

A PETECA

CHOVENDO NAS CABECEIRAS DO RIO

MÁQUINA DE COSTURAR

MINHA PRIMEIRA PROFESSORA

MEDO DE TROVÃO

O ANIVERSÁRIO

BRINCADEIRAS NO PARQUE

LIZINHA

FESTAS JUNINAS

INFÂNCIA MULTICULTURAL

A VÓZINHA ESPANHOLA

CACHOS DE UVAS

DIREITOS E DEVERES

INFÂNCIA NO IGUATU
DESFILE DE MARACATU

V
ou contar mais uma lembrança da minha infância, que era o carnaval de rua. No bairro

em que eu morava havia o Maracatu Leão Coroado e antes de chegar o dia do desfile

na rua, eles já ensaiavam na sede do maracatu, onde todos podiam ver.

Eu assistia todos os ensaios e quando chegava o dia do desfile que acontecia na Avenida

Beira Mar e participavam os blocos de rua, as escolas de samba e os maracatus e havia

uma premiação para cada segmento. Eu ia assistir o desfile para torcer pelo maracatu do

meu bairro, o Leão Coroado.

Era um espetáculo belíssimo, com os figurantes com roupas brancas, muitas pedras, lante-

joulas, bicos, rendas e os rostos pintados de preto dançavam e cantavam. Era um show que

davam na passarela. O maracatu foi trazido da África pelos negros e até hoje eles mantêm

as tradições das suas raízes. Um abraço grande!

Desenho de Débora Soraya representando a história “Desfile de Maracatu”

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


FANTASIAS DE CARNAVAL

V
ou contar mais uma história da minha infância, falando ain-

da sobre o carnaval de Fortaleza, onde tive a alegria de

participar do baile de carnaval para crianças, que acontecia no

clube maguari, que ficava na Avenida Dom Manuel.

Acontecia nos três dias de carnaval, e era a tarde e até a noiti-

nha, as crianças iam fantasiadas de vários temas. Minha fanta-

sia era de bailarina, depois fui de borboleta, e sempre mudando

o tema da fantasia, também tinha o concurso para melhor fan-

tasia, foram momentos muito alegres, felizes e divertidos que

passei na minha infância. Um abraço a todos, um beijo no co-

ração de cada um. Edna Lopes.

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


PASSEIO DE ÔNIBUS ELÉTRICO

E
u tinha dez, quase onze anos e morava na rua Gustavo Sampaio, próximo à Avenida

Bezerra de Menezes. Foi quando chegou em Fortaleza um ônibus elétrico que desper-

tou a minha curiosidade, a diferença dele para os outros tipos de ônibus que já existiam. Ele

era grande, espaçoso e andava sobre o calçamento da Avenida, mas tinha uma diferença

muito grande, com cabos de fio elétrico que ligavam a energia que vinha dos postes.

Chegou o dia de matar a minha curiosidade, fui andar de ônibus elétrico, fazia o percurso

da minha casa até o centro da cidade, várias vezes eu fiz esse trajeto, era um passeio mui-

to agradável, andar naquele ônibus diferente. E como criança não pagava passagem, eu só

queria andar nesse ônibus, tive uma infância privilegiada por conhecer esse meio de trans-

porte tão interessante.

Mas não demorou muito com esse ônibus, pois tiraram de circulação, acho que foi por sair

tão caro para mantê-lo circulando na cidade. Mas foi uma das lembranças da minha infância

que não vou esquecer, sempre vou lembrar, um abraço forte a todos, beijos

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


ELEONORA VERAS C. GOMES

O CANÁRIO

M
eu nome é Eleonora Veras, mas sou conhecida aí no Sesc como Vera, então vou con-

tar uma das histórias da minha infância. Eu tinha um canário na gaiola e minha amiga

Altair tinha muita inveja e soltou meu canário. Chorei muito. Depois de muitos dias eu pre-

guei uma peça na amiga, convidei-a para ir à minha casa prestar um favor. Ela foi e eu dis-

se: “Ganhei outro canário. Está aí debaixo dessa caixa. Fique aí reparando enquanto eu vou

à casa da minha tia pegar uma gaiola.”. Aí eu lhe recomendei: “Não levante a caixa para o

canário não voar”. E fiquei observando se ela levantava. Não deu 5 minutos e ela levantou a

caixa, mas, para a surpresa dela, não tinha um canário e, sim, umas baratas e um rato que

se jogaram todos para cima dela. Eu falei: “Ainda vai soltar o canário?”. Nós crescemos jun-

tas, fui testemunha do casamento dela e seu primeiro filho foi meu afilhado, que hoje é um

grande funcionário do Banco do Brasil. Bom dia!

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


PASSEIO DE TREM

N
asci em Nova Russas, uma cidade do interior do Ceará, tinha 10 irmãos e eu era a mais

velha de todas. Certo dia, minha mãe nos levou para conhecer uma cidade vizinha e

o transporte era o trem. O nome da cidade era Charito. Nós saímos às 5 horas da manhã,

todos com aquela alegria. Ao entrar no trem, era aquela algazarra, todos querendo ficar na

janela para apreciar as lindezas da natureza.

Ao sair o trem, fomos vendo gados pastando, árvores com frutas, outras com flores, lagos

com aves nadando, homens no roçado plantando...era tudo novidade.

Ao chegar na cidade, fomos assistir a novena, pois era dia de Santa Luzia, 30 de dezembro.

Após a novena houve a procissão, uma coisa que jamais esqueci. Botaram uma imagem de

Santa Luzia no andor carregado por quatro crianças, todas vestidas de branco andando pe-

las ruas da cidade.

À noite teve o leilão, barraquinhas coloridas...tudo muito lindo! Fomos dormir para acordar

5 horas da manhã e retornamos para casa de trem novamente. Foi uma maravilha! Essa é

mais uma história da minha infância.

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


Desenho produzidopor Júlio César do Nascimento Santos
representando a história “passeio de trem”

Desenho produzido por Maria Isabel Carvalho de Sousa


representando a história “passeio de trem”

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


CELEBRAÇÃO

Na minha terra, Nova Russas, todos os anos no mês de agosto, celebravam a novena

de Nossa Senhora das Graças que era a padroeira. Começa no dia 7 e termina no dia 15.

Todos os dias, após as novenas, tinha o partido vermelho, o azul, as barracas com comi-

das típicas da nossa região. Leilões e rifas até de animais dados pelos fazendeiros mais

abastados. Era muito animado! No último dia da novena acontece também o baile dançan-

te, onde as pessoas se apresentam com suas toalhetes cada qual a mais chik. Em um dos

dias da novena, fui convidada pelo padre Morais, o pároco da cidade, para me trajar de ci-

gana e ler as mãos das pessoas para arrecadar dinheiro para a igreja. Na minha cidade

apareciam muitas ciganas e eu apreciava o que elas faziam: ler mão. Aí eu passava a brin-

car com as minhas colegas. Após a novena, a primeira pessoa que li a mão foi de uma se-

nhora que fazia bonecas. Peguei a mão dela e disse: “Senhora, tem que fazer uma bone-

ca bem linda e dar para esta cigana que está lendo a sua mão, senão você nunca mais vai

vender as suas bonecas”. Com três dias eu ganhei a boneca. Que maravilha!

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


AS FESTAS DE SÃO JOÃO

V
ou contar aqui a minha historinha, “São João na minha infância”. Sempre gostei de fes-

ta junina. A casa da minha avó era bem grande, toda rodeada de alpendres e tinha um

belo jardim com muitas roseiras. Era nesse jardim que a minha avó fazia todos os anos as

festas de São João para os netos e crianças da cidade.

Eram as crianças que enfeitavam com bandeirinhas coloridas, balões feitos de papel de em-

brulho, tudo feito por nós crianças, menos o grude para colocar as bandeirinhas nos cor-

dões. Minha avó fazia o grude, porque a gente poderia se queimar, pois o fogão era de le-

nha. Tinha todo tipo de comida junina, como aluá, que era feito em um pote de barro, pé de

moleque, batata, jerimum, milho verde... tudo assado na fogueira.

O mais importante era a quadrilha acompanhada por um sanfoneiro que

a minha avó contratava. O que mais guardo na lembrança é que o san-

foneiro era cego e tocava tudo direitinho. Eu sempre me trajava de ca-

valheiro, pois os meninos eram menos que as meninas. Uma vez fui ser

a noiva e o noivo era um lindo menino. Veja o que o destino nos prega!

Quando eu era adolescente, fui a uma festa de São João no Clube dos

Diários, já morando em Fortaleza, um jovem veio me tirar para dançar.

Pois sabe quem era o jovem? O meu noivo da quadrilha quando criança.

Dancei a noite toda com ele. resultado: terminamos namorando.

FOTO DE ACERVO PESSOAL DE VERA – HISTÓRIA DA FESTA DE SÃO JOÃO

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


FARINHADA

E
u tinha um tio, irmão de meu pai, chamado José. Ele morava em um povoado fora da ci-

dade chamado Gázea. Todos os anos ele fazia uma farinhada e eu tinha muita vontade

de ver e saber como se fazia a farinha.

Então, a convite de meu tio José, fomos eu e meu pai para a farinhada. Fomos à cavalo,

meu pai na cela e eu na garupa. Ao chegar na casa do meu tio, fomos logo ver o início da

farinhada. Tinha uma quantidade enorme de macaxeira e muitas pessoas descascando e

outras ralando para ser transformada em farinha. Até eu ajudei a descascar macaxeira, pois

tinha muita criança ajudando.

No quintal tinha um forno muito grande feito de barro e eu fiz a seguinte pergunta: “Esse

forno não é a casa dos índios? ” Pois parecia uma oca. Dentro deste forno era feito o fogo,

a farinha, a goma. Da goma fazia beiju, tapioca, tudo bem quentinho e que era levado para

uma mesa bem grande lá no alpendre, onde o café já estava feito dentro de um bule e as

canequinhas para ser servido.

Eu achava lindo o jeito daquele povo trabalhando com

satisfação e alegria e ainda mais cantando uma músi-

ca o tempo todo. Até hoje ainda sei e vou cantar para

vocês ouvirem. O nome da música é farinhada.

Desenho produzido por Maria Jaqueline


de Moura representando a história “farinhada”

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


“Na farinhada lá na terra do Teixeira

Namorei uma cabocla

Nunca vi tão feiticeira

A meninada descascava macaxeira

Zé Miguel no Catitu

Eu e ela na peneira

De madrugada nós ficamos ali sozinhos

O pai dela soube disso

Deu de pé lá no caminho

Chegando lá até riu da brincadeira

Nós estava namorando

Eu e ela na peneira

Tava na peneira

Eu tava peneirando

Eu tava no namoro

Eu tava namorando”

Essa é mais uma historinha da minha infância.

TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS


CORRIDAS NO CAMPO DE FUTEBOL

N
a minha terra, que é Nova Russas, tinha Relâmpago, porque ele era muito ligeiro. Nós

um senhor chamado Zacarias, que tinha tínhamos até torcida, os primos, irmãos, pais e

uma criação de carneiros e esses carneiros até algumas pessoas ilustres da cidade como

eram treinados para participar de corridas o prefeito, o padre e alguns professores. Cada

com crianças de 10 ou mais anos. um levava a sua cadeira para ficarem senta-

dos e as mulheres levavam a sombrinha para


As corridas eram feitas no campo de futebol
não pegar sol.
aos domingos. O senhor Zacarias, com um

apito marcava a saída dos carneiros. Eram Eu fiz aqui essa quadrinha do carneiro: “O

3 carneiros que iam até o fim do campo, vol- meu carneiro Relâmpago era branquinho e

tavam e ganhava o que primeiro chegasse. ligeiro Eu tinha muito amor por ele, pois sem-

Eu sempre participava, tive que ganhar umas pre foi o meu companheiro”.

três vezes.

Os prêmios eram caixa de lápis de cor, ca-

derno, borracha e umas broas feitas de goma

que era o que nós mais gostávamos. Às vezes

vinham crianças de lugarejos vizinhos para

competir com as nossas corridas. Se eles ga- Desenho produzido por Carlos Henrique
Alves de Souza representando a história
nhassem nós iríamos competir com eles no
“ Corridas no campo de futebol”

lugar onde eles moravam, só que eu nunca

fui, porque minha mãe não deixava. Eu ficava

furiosa, porque o meu carneiro ia fazer parte.

Tinha o meu carneiro predileto que se chamava


TRABALHO SOCIAL COM IDOSOS MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E BRINCADEIRAS
A PETECA

V
ou contar mais uma vez a historinha da lembro-me do que pratiquei, pois não devemos

minha infância, essa historinha chama-se maltratar os animais, muitos deles são nossos

a peteca. Eu gostava muito de jogar a peteca, amigos, como o gato, o cachorro e outros ser-

eu mesma confeccionava, umas com palhas vem para a nossa alimentação, como certos ti-

de milho, outras com penas de galinha. pos de aves e animais. Até hoje me arrependo

do mal que fiz, adoro todos os tipos de animais.


Certa vez fui fazer uma e não tinha nem palha

e nem penas, fiquei pesando “minha mãe tem Agora gente, eu vou ler uma quadrinha que eu

muitas galinhas” fui no puleiro, peguei uma gali- fiz sobre a peteca. Eu tinha dez anos de idade,

nha e arranquei algumas penas, quando minha adorava jogar a peteca, pois era uma boa brin-

mãe viu disse “você acharia bom se alguém ar- cadeira para as crianças daquela época. Boa

rancasse todos os seus cabelos? Pois é, os ani- tarde e Deus abençoe a todos.

mais tem vida e sentem dor igual ao ser huma-

no” Aí eu comecei a chorar, fui buscar a galinha

nos braços e disse “me perdoe amiguinha” mas

como já estava com as penas, fiz a peteca, mas

não conseguia jogar, pois todas as vezes que

eu pegava a peteca, lembrava-me da maldade

que eu tinha feito com a pobrezinha da galinha.

Até hoje quando vejo uma peteca, ou uma galinha Desenho produzido por Viviane Silva Alencar de
Moura representando a história “peteca”

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CHOVENDO NAS CABECEIRAS DO RIO

H
oje eu vou contar mais uma historinha da minha infância, certo? No meu interior, tinha

um rio que se chamava Rio Curtume, todos os anos no interior tinha uma grande en-

chente, o povo da cidade ia todos para a beira do rio apreciar a beleza que nos mostrava,

como? aquela água barrenta, peixe de todo tamanho nadando, e sobre a correnteza muitas

árvores que eram arrancadas pela força do rio.

Os mais velhos, com suas experiências diziam que estava chovendo nas cabeceiras do rio,

e estava tomando água, eu perguntei “ e o rio tem boca? E tem cama? ” O meu pai explicou

“cabeceira é o lugar de onde o rio nasce, e tomar água é porque estava enchendo cada vez

mais”. Quando baixava as águas, nós íamos tomar banho, pescar uns peixinhos. Sabe como

era que nós pescávamos? A gente pegava uma garrafa e colocava farinha dentro, aí botava

sobre a correnteza do rio e alguns peixinhos entravam, eu só pescava piaba.

Quando terminava a pescaria, nós pegávamos as piabas, torrávamos, fazíamos uma farofa

e comia, era aquela festa, depois a gente voltava para o rio, para pular das ribanceiras ou de

algumas árvores que ficavam nas margens do rio. Mas um detalhe, nós estávamos sempre

acompanhados de algum adulto, geralmente era a mãe, ou os irmãos mais velhos.

As nossas bóias eram duas cabaças, amarradas na cintura para ninguém se afogar porque

ninguém sabia nadar. É essa mais uma historinha da minha infância. Está aqui uma quadri-

nha, como sempre. “Sempre gostei do inverno, principalmente no interior, dos rios com mui-

tas águas, eu dava maior valor. ” Boa Tarde e tudo de bom!

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MÁQUINA DE COSTURAR

E
u tinha vontade de aprender costurar em máquina, minha avó tinha uma máquina de

costurar da marca Singer, ela tinha muito ciúmes dessa máquina, eu dizia assim “ mãe-

zinha, deixa eu só dar uma costurinha na sua máquina” ela respondia “Deus me livre, só

quem pega nesta máquina sou eu” aí eu ficava muito triste só com a vontade de costurar.

Um belo dia, minha avó estava dormindo. O que eu fiz? Peguei uma saia da moça que mo-

rava conosco, coloquei na máquina e passei a costura, só que eu costurei a saia dos dois

lados, ficou toda fechada. Ela ficou doida de raiva e disse “agora você vai ter que me dar ou-

tra saia” e eu disse “vou consertar sua saia” cortei a saia em baixo e em cima, aí a saia não

deu mais para ela, ficou muito curta.

Para o meu azar quebrei a agulha da máquina, quando a minha avó acordou, foi logo pergun-

tando “alguém mexeu na minha máquina? ” Eu disse “ foi a Antônia que quebrou a agulha” a

pobre levou um belo de um carão, e a Antônia falou “ não fui eu, foi sua neta, que aliás me

deu um belo de um prejuízo, a senhora ou ela, vai ter que me pagar” faltava dois dias para o

meu aniversário, então a minha avó falou “ seu castigo, é que no dia do seu aniversário, não

vai ter sequer um bolinho” aí eu me ajoelhei nos pés dela e disse “ vozinha do meu coração,

não faça isso comigo não, me perdoe! ” Ela disse “ está perdoada, mas nada de aniversá-

rio”, na época fiquei muito triste, mas agora eu sei que mereci ter esse castigo, pois não de-

vemos mexer nas coisas alheias, sem o consentimento dos donos.

Agora, uma quadrinha como sempre. Minha avó era costureira, minha mãe era bordadeira,

minha tia era rendeira e eu? Só na brincadeira! Boa tarde!

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MINHA PRIMEIRA PROFESSORA

E
ntrei na escola aos sete anos, minha primeira escola foi a

Reunida de Nova Russas que é o nome de minha terra. Minha

primeira professora chamava-se Clarisse, ela era bem alta, usa-

va umas trufas no alto da cabeça, meias compridas e sapato cara

de bebê preto com um pequeno saltinho. Ela era muito educada e

carinhosa com os alunos, eu gostava muito de brincar de ser pro-

fessora, imitava sempre a professora Clarisse, fazia aquelas trufas

nos meus cabelos, calçava o sapato e as meias da minha mãe, eu

achava os trajes dela lindíssimos, estava pronta para dar a minha

aula as minhas coleguinhas, na sala da minha casa tinha uma lou-

sa, um pedaço de papel de embrulho, para os alunos escreverem

só tinha dois lápis com a borracha, ia passando para cada aluno.

Meu primeiro livro foi uma carta do ABC para aprender o alfabeto,

quem aprendesse ganharia uma caixa de lápis de cor, eu ganhei.

Certo dia sumiu um dos meus lápis da cor verde, procuramos na

classe toda, não encontramos, comecei a chorar. A professora com

seu jeito muito amável disse “fiquem todos em seus lugares que

vou procurar o lápis” aí uma coleguinha falou “professora, minha

mãe disse que é para a senhora me soltar hoje mais cedo porque

nós vamos viajar” a professora disse “depois que eu achar o lápis,

você pode sair” sabe onde estava o lápis? Dentro das coisas dela.

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Ela começou a chorar, a professora disse “entrega o lápis a sua

colega e peça desculpa” sabe o que eu disse para ela? “ Papai do

céu, não vai te querer lá no céu, porque você vai esconder o lápis

dos anjos dele” aí eu peguei o lápis, parti ao meio e dei a metade

para ela, a professora disse “muito bem Eleonora, o que você fez

foi muito bonito, você merece uma salva de palmas” aí todos ba-

teram palmas para mim.

Como sempre, eu sempre faço uma quadrinha da minha histori-

nha. É assim, a minha primeira professora, era linda e educada,

e por todos os alunos, ela era muito amada. Bom dia.

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ELIZABETH DA SILVA

MEDO DE TROVÃO

M
eu nome é Elizabeth, eu tenho 64 anos, mas pode me

chamar de vovó Beth como os meus netos me chamam.

Eu gostaria aqui de contar uma história, mas não é uma histó-

ria, é uma coisa verdadeira. Quando eu era criança, tinha o dia

da faxina e era o dia mais feliz da minha vida, porque a gente

puxava os móveis pra lá, puxava os móveis pra cá, e móvel ba-

tia com móvel, era um barulho muito legal.

Era água de sabão no chão e depois era cera, a casa ficava

cheirosa. E eu quando era criança tinha muito medo de trovão,

mas pense num medo de trovão! E aí, naquele tempo a gente

dizia assim: “Lá vem a trovoada!”. Ah, meu Deus! Eu já come-

çava a chorar e chorava muito com medo. Aí um dia minha avó

disse assim: “Olha, Elizabeth, trovão nada mais é do que São

Pedro que mora lá no céu lavando os móveis e lavando a casa,

então os móveis batem um no outro e faz aquele BUUMM que

é o trovão. Não tenha medo”.

Tudo bem, um dia estava na minha escolinha e começou a

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trovoada e as crianças começaram a chorar. Aquela bagunça, todo mundo gritando, e eu

disse: “Calma aí, gente! Olha, é São Pedro que tá lavando a casa dele e esse barulho do tro-

vão são os móveis.” Aí todo mundo começou a pensar, a olhar para cima, as crianças foram

se acalmando. E a Dona Belinha, que era minha professora querida, começou a cantar. A

gente cantava muito, sabe? Eu coloquei aí até uma musiquinha do Bat Masterson, a gente

cantava muito, muito.

E o que ficou dessa história, meus amores? Olha, não devemos ter medo de nada, porque

o medo paralisa, sabe? A gente tem que enfrentar as coisas com otimismo, com alegria e

de frente.

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O ANIVERSÁRIO

Hoje eu vou contar para vocês o meu aniversário de 7 anos. Nossa, foi um aniversário ines-

quecível! Antigamente, os aniversários eram comemorados em casa e vinha toda a família e

amigos. Tanto fazia se de criança ou de adulto, era tudo igual. Era muita alegria, muita fes-

ta. Não tinha tema e nem buffet como tem hoje, era bem diferente. Por exemplo, o tema do

meu neto foi Fortaleza e antigamente não tinha isso. Mas era muito divertido.

Tudo era feito em casa, o bolo, salgados, docinhos. Os refrigerantes chegavam e a gente

colocava em balde com gelo para conservar até a hora da festa. Como era muita coisa e

tudo sempre feito em casa, a casa já começava a se movimentar assim dois ou três dias an-

tes pra dar tempo, claro, né? Era muito bacana. Ficava aquele cheirinho de festa pela casa

toda, sabe?

Bom, no dia do meu aniversário, então, como a aniversariante era eu, cada vez que toca-

va a campainha eu ia abrir a porta. Então eu ficava ansiosa. Tocava a campainha, eu dava

um pulo e corria pra abrir a porta da casa. Eu abria a porta da casa, ganhava um presente,

beijos, felicidade e cada um que chegava fazia isso pra mim. Eu ficava toda cheia de mim.

Toca a campainha e eu vou abrir a porta e era o meu tio Santini, que a gente chamava de

tio Santo, com a sua namorada Angelina. Ele a tinha trazido para apresentar à nossa famí-

lia, meus pais, minha avó, os outros irmãos dele que eram meus tios também. E ela não ti-

nha trazido presente nenhum e era para eles um momento muito marcante. Eles estavam

ansiosos, né?

Quando eu abri a porta, não pensei nada e disse: “Se não trouxe presente, não entra. Pode

ir embora. Cadê o presente? Eu quero o meu presente.” Bom, a minha tia começou a chorar

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na hora, ficou assim emocionada com aquele jeito que eu tratei eles e o meu tio ficou muito

chateado também. Pra minha sorte, a minha mãe apareceu e remediou a situação.

Depois da festa, a minha mãe conversou comigo e me ensinou uma lição que eu deixo aqui

agora para vocês. Não se deve falar sem pensar. O mais importante não são os presentes

que o dinheiro compra, pois os melhores presentes são aqueles que o dinheiro não compra.

Por exemplo, saúde, amizade, carinho, abraços. E aí eu aprendi isso. A valorizar coisas que

o dinheiro não compra.

Hoje já com a minha idade, meu tio Santo e minha tia Angelina já morreram e estão moran-

do no céu. Eu fui no casamento deles e eles foram no meu casamento. Eu levei as alianças

deles até o altar e eles foram meus padrinhos de casamento. Foi uma amizade linda a vida

toda! A minha tia Angelina dizia que eu era a sobrinha predileta. Ainda bem, né, porque eu

fui muito grosseira e mal criada e por isso o meu aniversário foi inesquecível.

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BRINCADEIRAS NO PARQUE

Q
uando eu era criança como vocês, o mundo era muito diferente. E as coisas também

tinham nomes diferentes, por exemplo, hoje, quando tem bastante natureza, animais,

pássaros variados a gente chama de parque. Por exemplo, Parque do Ibirapuera em São

Paulo, Parque das Andréas lá no Maranguape, Parque do Cocó em Fortaleza. Mas quando

eu era criança a gente não chamava de parque não, a gente chamava de jardim. Tudo era

jardim, sabe? Lugares enormes.

O mundo era muito diferente. Tinha poucos carros, tinha muitas árvores, tinha muita terra,

muitos animais, muito passarinho, muita borboleta. Às vezes, quando era domingo, a minha

família ia fazer piquenique no Jardim da Luz, então a gente levava uma cesta cheia de me-

rendas gostosas. Bolo, suco, frutas, chocolates, copos, pratos, talheres e uma toalha bem

grossa. Geralmente era xadrez essa toalha. A gente sentava na grama e comia. Era uma

festa com alegria. As crianças corriam, rolavam na grama. Era muito legal! Puxa, como era

legal! Era tanta brincadeira! E eu sempre junta com a minha boneca.

As crianças eram muito felizes, sabe? A gente brincava muito de esconde-esconde, de pe-

ga-pega, de rolar na grama, de cadeirinha. Gente, era muito legal! Lá tinha um fotógrafo

chamado lambe-lambe. Ele tinha uma máquina fotográfica enorme, porque naquele tempo

também não tinha celular, então quando a gente ia tirar fotografia tinha que ir a um fotógra-

fo. Eram uns estúdios de fotografia bem diferentes ou então a gente encontrava esse lam-

be-lambe lá no jardim.

Tinha também o realejo e esse eu adorava. Era uma caixa de música enorme que o homem

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dava corda e a cada vez tinha uma gaiolinha em cima da caixa de onde saía um passari-

nho que abria uma gaveta e pegava um papelzinho. Esse passarinho dava um bilhetinho pra

gente e nesse bilhetinho sempre tinha uma frase muito bacana. Eram bilhetinhos coloridos,

azuis, verdes, amarelinhos.

Um dia eu recebi um bilhetinho e nesse bilhetinho estava escrito que eu era uma menina

estudiosa. Gente, eu fiquei tão feliz! Eu levava sempre comigo uma boneca, a Pierina. Teve

um dia que eu tirei uma foto com ela no meio do jardim. Puxa, como era bom! Eu adoro até

hoje o contato com a natureza. Vou ver se eu mando para vocês as fotos para vocês verem

o que é realejo, o que é fotógrafo lambe-lambe. E assim que eu puder vou mandar a minha

foto com a Perina. Ela era linda!

Desenho produzido por Carlos Henrique Alves de Souza para Elizabeth

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Desenho produzido por Maria Isabel Carvalho de Sousa para Elizabeth

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LIZINHA

E
ra uma vez uma menininha que se chamava Elizabeth, mas na sua casa todo mundo a

chamava de Lizinha. Acho que como começaram a chamar de Lizinha e foi diminuindo,

diminuindo, e ficou Lizinha. Essa menina era muito tagarela. Ela falava com as suas bone-

cas, falava com os seus gatos e, quando ela cismava, todos iam para o seu salão de cabelei-

reiro. Claro, a cabeleireira era ela mesma. Cortava os pêlos e até os bigodes dos gatos. Ela

pegava o esmalte da mamãe e pintava as unhas dos bichinhos. Crianças, não façam isso!

Os bichos precisam ser bichos. Para quê tentar fazer os animais virarem gente? Nunca se

conseguirá e a graça deles é justamente ser animais.

Lizinha ficava muito feliz quando sua mãe dizia: “Hoje, depois da escola, você vai ficar com

a mamãe lá na oficina”. A mamãe de Lizinha tinha uma oficina de costura que costurava fi-

tas de cabelo. Era a última moda e todo mundo usava fitas. Essas fitas eram como o gigo-

lete, mas feita de pano.

Quando Lizinha chegava lá, sentava no chão ou embaixo da mesa de corte de tecido e fi-

cava brincando com suas bonecas. Fazia roupinhas, falava com as bonecas, fazia roupinha

para elas, calça comprida, blusinha, vestido. Ela inventava mil e uma, né? Com os retalhi-

nhos que sempre sobravam, tinha sempre um paninho para ela fazer as roupinhas das bone-

cas. O que sobrava, ela levava tirar para enfeitar os seus gatos. Os gatos dela eram cheios

de fitinhas no pescoço, nas orelhas e, coitadinhos dos bichinhos, eles eram muito mansos.

Um dia, Lizinha resolveu ir sozinha para a oficina, mas quando ela já estava prestes a atra-

vessar uma avenida bem grande, uma rua de movimento, uma pista, sentiu uma pessoa

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segurando o seu braço.

- “Onde você vai, hein, menina?” Era a tia Zilma.

- “Oi, tia Zilma”.

- “Lizinha, você não pode atravessar a rua sozinha. Você não é adulta”.

- “Ah, titia, eu queria tanto ser adulta, queria tanto ser grande”.

- “Não queira ser adulta. É tão bom ser criança”.

É verdade, crianças. É muito bom ser criança. Aproveitem. Bom, eu já sei que vocês já sabem

quem é a Lizinha. Sou eu. Essa é mais uma historinha da minha vida. Beijos da Elizabeth,

da vovó Beth.

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FESTAS JUNINAS

E
u adorava o mês de junho, porque ficava mim. Eu lembro que eu era uma princesinha, fi-

tudo enfeitado, tudo colorido, eu achava quei muito linda com aquele chapeuzinho. Mas

até que as pessoas ficavam mais alegres. Na nesse ano desse lindo vestido e desse lindo

rua a alegria era grande, tinha muita fogueira, chapéu que minha mãe fez, eu fiquei com um

bandeirinhas, muita bombinha, adivinhação e menino que eu não gostava dele. Eu achava ele

simpatias. Eu gostava muito daquele colori- chato, sabe? Ele fazia tudo errado, ele brincava

do todo, mas o que eu mais gostava era das muito, ele não prestava atenção, então, na hora

fogueiras. As labaredas do fogo me encan- dos comandos da quadrilha, ele fazia tudo ao

tavam, os coloridos do fogo. Mas eu sempre contrário. Ele dava risada e brincava e, não sei

tomei muito cuidado para não me queimar. porque, eu achava ele chato.

Minha avó e minha mãe sempre diziam que


Os comandos da quadrilha são aqueles “olha a
eu tivesse muito cuidado e eu respeitava, mas
chuva! ”, “olha a cobra! ”; e os dançarinos tem
eu ficava horas olhando para aquelas foguei-
que acompanhar o comando. Esse Elias fazia
ras. Os desenhos que o fogo formava, as la-
tudo ao contrário. No final, a nossa quadrilha foi
baredas, isso me chamava atenção.
um sucesso e tudo ficou muito bom, sabe? No

O colorido da festa, o cheiro de doce no ar, dia da apresentação mesmo ficou muito bom.

era muito bacana. Anoitecia e a rua era só ale-


Crianças, hoje eu acho que a minha atitude
gria. Bom, a minha escola preparava sempre
com o Elias foi errada, porque eu deveria ter
uma festa e uma quadrilha no dia da festa. Eu
conversado com ele, eu deveria ter me harmo-
lembro até hoje do vestidinho lilás e branco,
nizado com ele sem ser tão implicante. Eu era
ele era xadrezinho, que minha mãe fez para
muito implicante com ele e ele queria brincar e
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eu queria ir muito sério. Nós temos que aceitar os diferentes. Se a pessoa gosta de uma coisa e

eu gosto da outra, tudo bem. Isso não vai me impedir de ser amigo dela e dela ser minha amiga.

Entenderam? Eu fui muito errada com esse Elias, mas já passou. Acho que se eu me encontras-

se com ele, nós dois íamos dar muita risada das brincadeiras e das palhaçadas que ele fazia no

meio da quadrilha.

Mas, gente, para mim, o mais importante era o dia de São Pedro. O dia de São Pedro era

muito comemorado na minha família. Eu tinha um tio que era muito legal, ele chamava Pedro.

E ele chamava Pedro, porque tinha nascido no dia 29 de junho, dia de São Pedro. Eu lembro

até hoje que ele era muito alto de olhos azuis, casado com a minha tia Nina que era muito

baixinha, gordinha e sorridente. Quando era dia 29 de junho a família todinha se reunia na

casa desse meu tio. A gente comemorava o aniversário dele e o dia de São Pedro e fazía-

mos o encerramento de todas as festas juninas. Eu nunca consegui esquecer de tanta ale-

gria. Os meus primos todos juntos, os meus tios, minha mãe, meu pai, mais amigos que vi-

nham, os vizinhos todos...era muito animado!

Para mim era muito importante, porque os meus primos até hoje são meus irmãos, porque

eu não tive irmãos. Então os meus primos eram meus irmãos, os meus melhores amigos.

No final, a festa junina, como é chamada, para mim teve um grande valor afetivo. Uma gran-

de alegria que marcou demais a minha vida na minha infância.

Desenho produzido por Laysa


Maria Lima Maia representando
a história “Festas juninas”

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INFÂNCIA MULTICULTURAL

Q
uando eu era bem pequena eu tive oportunidade de ter contato com várias culturas di-

ferentes e isso foi muito legal. Hoje eu sou uma pessoa que não tem preconceito com

nada. Vocês sabem que é muito feio ter preconceito com as pessoas.

Meu pai era português e quando ele chegava em casa ele cantava: “Lá em cima tem um ti-

ro-liro-liro, cá embaixo tem um tiro-liro-lá”. Eu saía correndo, cantando, gritando, pulava. Ele

dizia: “Lá em cima tem um tiro-liro-liro, cá embaixo tem um tiro-liro-lá”. Eu pulava no colo do

meu pai, ele era tão cheiroso.

Quando ele separou da mamãe eu fiquei tão triste. Toda criança não quer a separação dos

pais, mas se isso acontecer devemos amar papai e mamãe. Eles são adultos e pensam di-

ferente das crianças.

Já a minha avó era espanhola e ela cantava: “España, tierra de flores donde pus en su trono

el amor”. Espanha terra de flores onde o amor colocou seu trono.

Na minha escola eu conhecia muita gente, acho que conheci pessoas do mundo todo. Mas

o dia mais feliz da minha vida foi quando comecei a ler. Eu queria ler tudo. Nome de rua, das

lojas, das padarias, nomes e nomes. O mundo ficou mais colorido. Na minha escola tinha

uma festa para os que aprendiam a ler. Era um dia muito especial, porque quem aprendia a

ler recebia o livro. Foi tão emocionante, uma festa tão linda, com muitos salgados, refrige-

rante e todos os colegas que também sabiam ler.

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Crianças, quando a gente aprende a ler não pode parar. Tem que

ler um pedacinho de um livro bem legal todo dia. E por hoje é só.

Desenho produzido por Viviane Silva Alencar de Moura


representando a história “Infância multicultural”

Desenho produzido por Maria Yohane Inácio Dias


representando a história “Infância multicultural”

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A VÓZINHA ESPANHOLA

E
u tive a grande oportunidade de conhecer a minha bisavó,

ela se chamava Maria, era espanhola e contraiu a gripe es-

panhola. Essa gripe espanhola foi uma grande pandemia tam-

bém que na época de 1918 a 1920 ela matou mais ou menos,

ninguém sabe ao certo, 100 milhões de pessoas. Quem sobre-

viveu ficou com sequelas, no caso da minha bisavó.

Eu chamava minha bisavó de vózinha e ela era surda, comple-

tamente mouca, mas ela entendia quando a gente falava em

espanhol. Na época, quando eu era criança, em casa se falava

espanhol e português por causa dela, porque ela conseguia fa-

zer a leitura labial se fosse falado em espanhol.

Ela brincava muito comigo de boneca e eu brincava muito com

ela, eu acho que eu pensava que ela era uma bebê igual a mim,

não sei. Gente, ela usava um lenço na cabeça e um avental bem

colorido, não tirava esse lenço e nem esse avental. A saia dela

era bem comprida, a blusa era de manga comprida, ela parecia

uma bonequinha, não tirava o lenço e nem o avental.

Às vezes eu me pendurava no avental dela e ela dizia “para,

para, para, você me derruba”. Eu lá me preocupava, queria era

me pendurar no avental dela, coitadinha. Ela dizia “Ah, que yo

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caigo”, quer dizer “ah, eu vou cair”.

Bom, um certo dia, meu pai comprou nossa primeira TV e aí que foi engraçado. Vózinha não

conseguiu entender o que era aquilo. Todo mundo explicou, mas pela surdez ela não enten-

deu nada. Ela achava que a TV era uma caixa mágica e que as pessoas estavam vivas lá

dentro. Naquele tempo, mais ou menos 1960, a TV não funcionava como hoje. haviam pou-

cos canais, dois ou três canais no máximo, não existia e nem se pensava em TV aberta, ti-

nha horários para funcionar.

Na hora de assistir a TV, minha vózinha tomava banho, me banhava, me perfumava, trocá-

vamos de roupa e ela sentava em frente à TV toda comportada, com a certeza de que os

artistas e todos que estavam lá dentro da TV estavam nos vendo. Quando começava o jor-

nal, naquela época chamava Repórter Esso. O apresentador dizia “boa noite” e ela respon-

dia “buenas noches”, que era boa noite em espanhol.

Eu dizia: “vózinha, ele não te vê.

Ela dizia: “Fica quieta. Cállate menina!”

Um dia, eu muito traquina, comecei a levantar a saia e mostrar a minha calcinha para a tele-

visão. Gente, minha vózinha ficou tão nervosa, teve que tomar água com açúcar, porque eu

era muito sem vergonha. Onde já se viu uma menina levantar e mostrar a calcinha? Gente,

eu sabia que ninguém estava me vendo, mas, é claro, ela não entendia isso. E foi uma con-

fusão muito grande, a bichinha teve que tomar água com açúcar e eu fiquei de castigo, claro.

O tempo passou, e quando eu já tinha 12 anos, a minha bisavó, a vózinha, morreu. Ela mor-

reu em casa, dormindo, acho que com mais de 100 anos. Ela era lúcida e saudável o tem-

po todo, só era surda. Gente, eu fiquei com tanto medo, porque eu achava que o fantasma

da minha vózinha ia aparecer para mim. E o remorso de tantas traquinagens que eu fiz com

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ela? Eu não ficava sozinha um minuto sequer.

Mamãe conversou muito comigo e eu fui superando o medo do fantasma da vózinha. Hoje eu

sei que fantasma não existe e toda pessoa que morre deixa o corpo e seu espírito vai morar

lá no céu. Infelizmente, as pandemias sempre existiram, a gripe espanhola, agora tem o co-

ronavírus; mas tenhamos fé em Deus, porque a vida é um grande aprendizado, uma gran-

de escola e tudo passa. Beijos, crianças. Até a próxima. Vai dar certo. Nós vamos superar

essa juntos!

Desenho produzido por Nicole Martins Rodrigues


representando a história “A vozinha espanhola”

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CACHOS DE UVAS

Quero compartilhar com vocês algumas das minhas lembranças, hoje eu tava pensando,

quando eu fui ao supermercado, que antigamente não existia supermercado e nem mercan-

til, vocês acreditam? Não tinha não, o supermercado apareceu lá pra 1970 a 1973, há uns

quarenta anos atrás, nem a mamãe de vocês não tinha nascido, mas como era que a gen-

te comprava as coisas então? Ora, era muito simples, a gente tinha feira, muitas feiras, nas

praças, na rua, eu adorava ir pra feira, gente, o cheiro da fruta e das verduras frescas.

Com isso, o que acontecia? A gente só comia fruta da época, e fruta regional, né?! Então

por exemplo, aqui no Nordeste a gente com muito caju, manga, acerola, né?! E lá no Sul, as

pessoas comem morango, uva, coisas diferentes que não nascem aqui. Aí vocês vão per-

guntar, “mas vovó o supermercado tem todas as frutas? ” Tem, tem essas frutas agora, por-

que nós evoluímos, então os transportes estão melhores e as estradas melhores e vem pra

cá, tá?! Mas no meu tempo que eu era criança, não tinha.

Bom, ai um dia, meu tio Luiz, que a gente chamava de tio Icô, chegou em casa e disse que

os Japoneses de Suzano, gente, Suzano era uma cidade perto de onde eu morava. Pois é,

os Japoneses de lá, tinham conseguido plantar uva italiana, aquela uva verde, aquela uva

que não era plantada aqui no Brasil, era uva que era da Europa. Minha vozinha Maria, não

sei como, escutou e entendeu e quis ir até Suzano, meu tio dizia “vovó, a senhora fica, nós

iremos e trazemos uva pra senhora” “ não eu vou! ” Gente, no dia seguinte a vozinha levan-

tou antes que todo mundo, bem cedinho, e rapidamente tomou banho, tava pronta, trocou o

lenço, trocou o avental de passeio e queria ir pra Suzano.

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Eu lembro sabe, que teve uma discussão lá em casa porque uns falavam “de jeito nenhum,

a vozinha vai morrer no trem” outros diziam “ não, ela vai, seja feito o último desejo dela”.

Enfim, aconteceu o esperado, fui, claro né! A vozinha Maria, a minha avó Beatriz, meu pai,

minha mãe, meu tio e a vozinha ela porque queria ver e comer uva como era na terra dela

na Espanha.

Viajamos de trem até Suzano, foi um dia muito legal, muito verde, muitas árvores, flores.

Quando chegamos em Suzano, andamos muito até o sítio dos Japoneses, a porteira estava

aberta, entramos e de repente fomos cercados por cachorros enormes que latiam sem pa-

rar nos ameaçando, automaticamente ficou todo mundo junto. Eu me lembro que papai me

pegou no colo, fiquei com muito medo, eu quis chorar, mas tio Luiz e todo mundo parado. A

vozinha disse “olhe, vamos rezar pra são Roque, eu vou rezar em voz alta e vocês acompa-

nham” aí minha vozinha fez uma reza em espanhol, e acreditem, os cachorros foram fican-

do calmos, calmos, calmos e nós fomos rezando um pai nosso, em voz média. Gente, todos

os cachorros foram ficando quietos e deitados à nossa volta.

Aí apareceu uma Japonesinha bem pequenininha, e meu tio falou pra ela que queria ver e

comprar as uvas, a Japonesa deu um grito Japonês e todos os cachorros foram embora, fi-

nalmente entramos, que coisa linda, muitas parreiras, as uvas eram bem verdes e grandes,

os cachos de uvas ficavam a venda em cima de uma mesa enorme, uma mesa de madei-

ra, bem escura, apesar do grande susto da ameaça dos cachorros, foi um dia maravilhoso,

comi muita uva, muita uva, muita uva, eu corri embaixo das parreiras. Gente, até hoje adoro

uva viu, (risos...)

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DIREITOS E DEVERES

G
ostaria de falar para vocês sobre quando eu estudei na primeira, segunda e terceira

série, num colégio de freiras, chamado Santa Maria. A disciplina era muito rigorosa,

nós aprendemos sobre deveres e direitos sabe?! Aprender a respeitar o direito dos outros, e

o meu também; aprendi a olhar os direitos, a gente às vezes só olha os nossos direitos, não

os nossos deveres, nós temos deveres também.

Logo na entrada, a freirinha da porta examinava tudo, unhas cortadas, farda limpa, sapatos

engraxados, cabelo bem penteado e usando fita, minha mãe me ajeitava que parecia uma

princesinha, era tão bom, minha professora era a Madre Emília, me lembro de que fui alfa-

betizada cantando, colorindo, as freiras brincavam muito com a gente, amarelinha, passa

anel, esconde-esconde, era muito legal.

Um dia, alguém esqueceu uma carteira cheia de dinheiro, era uma carteira marrom de couro,

tinha notas de dinheiro, peguei a carteira e dei para a Madre, ela me olhou bem séria e dis-

se “de quem é? ” Eu respondi “eu não sei, eu achei”, “pois, menina, vou chamar a sua mãe”

e me levou para a diretoria, fez um bilhete para a mamãe, claro, fiquei de castigo, levei umas

palmadas, até hoje eu não sei o que tava escrito naquele bilhete.

No dia seguinte, mamãe estava lá comigo, com a cara muito fechada para mim, e eu dizen-

do “eu achei, eu achei” aí a diretora chegou e disse “realmente ela achou, a pessoa que per-

deu veio falar conosco e não havia falta de nenhum dinheiro”, aí eu disse “claro, o que não é

meu, mamãe não deixa pegar” ai mamãe me abraçou, me beijou, as freiras me abraçaram

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também, e eu me senti muito feliz por respeitar o próximo, sabe?!

Gente, o tempo passou, já trabalhei em banco, já trabalhei em loja, já tive contato com muito

dinheiro dos outros, graças a Deus eu nunca peguei um tostão. Isso é tão bom, tão digno, a

gente respeitar o próximo, acho que devo tudo isso a esse aprendizado, esse episódio que

eu apanhei, mas foi muito bom, eu aprendi, tudo na vida é aprendizado. Um beijo pra todos

vocês, até a próxima.

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EPIFÂNIO DE OLIVEIRA FILHO

INFÂNCIA NO IGUATU

M
eu nome é Epifânio de Oliveira Filho, tenho 72 anos e nasci no Iguatu, no interior do

Estado do Ceará, mais precisamente na região Centro-Sul que é uma região vizinha

ao Cariri. Estou nesse projeto do Sesc onde eu vou trabalhar com uma criança de Brejo

Santo e eu espero que a gente possa fazer um trabalho legal, que a gente se dê bem, que

a gente forme uma boa parceria e que o trabalho renda bons frutos, tanto para mim quanto

para essa criança.

A cidade de Iguatu nasceu à margem esquerda do rio Jaguaribe, que é considerado o maior

rio seco do mundo. Ele é chamado de rio seco, porque não tem água o ano inteiro, ele só tem

água quando chove nas suas cabeceiras. Então o chamaram de rio seco, o rio Jaguaribe.

Quando eu era criança tomava muito banho no rio Jaguaribe quando ele estava cheio, toma-

va muito banho. Quando o rio secava e ficava um pouco de areia, em uma margem ou na

outra, a gente jogava futebol no rio e pescava. Aquele rio era o nosso parque de diversões,

era onde a criançada da minha idade se divertia.

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