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Ginga e Malícia
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Ponto de Cultura de Capoeira Ginga e Malícia, por Edmeia Nascimento
“Eu considero um privilégio ter nascido aqui e ter vivido minha infância e juventude num
tempo em que muitos dos valores de comunidades africanas ainda existiam aqui. Quem
vem morar no Engenho Velho hoje, as crianças, os jovens de hoje, não têm a mínima idéia
de como era essa comunidade antes. Antes era mesmo uma comunidade, com seu jeito
próprio de viver, de educar crianças e jovens, de realizar coisas
coletivamente, de se entre ajudar.”
Macota Valdina, griô de tradição oral, descrevendo a
vida no Engenho Velho da Federação há 50 anos atrás.
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Então qual é o lugar do griô aprendiz no Engenho Velho ?
A bênção a todos os presentes e ausentes, aos mais novos e aos mais velhos, a todos
os mestres griôs e griôs aprendizes dos Pontos de Cultura do Brasil.
A princípio devo considerar que o trabalho do griô aprendiz perpassa por três eixos:
O primeiro é o ser mediador, essa mediação que se encontra na conquista, na
resistência, e na persistência.
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Caminhando na escola, com Ginga e Malícia
“Ação Griô é um negócio importante, ensina muitas coisas importantes.
Tem música, dança, brincadeira, teatro...
Lá no mar tem uma pedra, nessa pedra mora uma índia.
Eu sou negra. Eu gosto de ser negra.
Mas tem gente que não gosta. Mas eu gosto de ser negra e dos índios”
Emília, 10 anos
A princípio, conquistar a escola não foi lá muito fácil. O corpo, docente se manteve
muito resistente ao Projeto, ao contrário das crianças. No início, houve alguma
estranheza, resistência, que a cada dia está acabando. A educadora é uma
aposentada e ela retornou para a escola por encantamento em relação ao projeto.
Utilizamos os contos africanos e outros contos. Chamamos de aula espetáculo e
caminhada. O material didático são as pessoas. Fizemos algumas reuniões e encontros
temáticos sobre a importância do Projeto para a escola e para a comunidade. A
primeira capacitação aconteceu com a presença de todos os professores, direção da
escola, coordenação pedagógica, mestres griôs e a griô aprendiz do Ponto de Cultura
Pierre Verger, com as contribuições ilustres de Dona Cici e Jucélia Teixeira. Contamos
também com os mestres griôs do Ponto de Cultura Ginga e Malícia.
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Como se dá esse aprendizado ?
“A Ação Griô ensina a ser griôzinho aqui. Griôzinho é ser griô pequeno.
Eu sou uma griôzinho. Meu nome é Michele, uma aluna do Griô.”
A Pedagogia Griô é a pedagogia que o Ponto de Cultura Ginga e Malícia abraçou.
Resgata os costumes, os saberes, através da capoeira, teatro, música e folguedos.
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Referências da construção de uma pedagogia
“A Ação Griô ensina coisas interessantes: histórias do bairro, coisas da vida, a cultura
africana, a literatura de cordel. Fiz uma caminhada pelo bairro. Fomos na rádio. Pretendo
fazer mais passeata com os professores griôs, e quero me esforçar para ser
uma menina griô.”
Adriana, 11 anos
Esse espaço que criamos valoriza a ancestralidade, o saber ouvir e falar, a capacidade
de esperar, escutar o silêncio, sentir a nossa espiritualidade, e quebrar tabus e
ressentimentos; um lugar de seres humanos, feito com humanos e para humanos.
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Trata-se de uma pedagogia que transcende o tempo, que inova e compartilha
saberes, que nos faz descobrir o nosso lugar de origem, descortinar os mitos,
refazendo a estética da sala de aula. Educação de tradição oral, dialógica, política,
em que o ensinamento é compartilhado a partir de coisas concretas – ensinamento
dos princípios e valores. Uma educação que protagoniza. O real é o aqui e o agora,
passado, ancestralidade presente que constrói o futuro. Educação das relações étnico-
raciais e inserção das culturas afro e indígena. Educar vivenciando as manifestações
culturais, identificando a sua história como história da comunidade.
São contadores e cantadores das tradições orais. São caminhantes que não
desistem, nem com as tempestades, nem com o sol escaldante. Estão sempre
atentos. Seu canto de viola, o cordel, os repentes, as quadras, os mitos africanos,
as lendas indígenas, as cantigas de ninar, as rodas, cirandas, maracatus e sambas
vão repassando, cuidando para que aqueles que aprendem não esqueçam jamais
quem são: sua origem, sua história, seus antepassados, seus ancestrais africanos e
indígenas.
“A aula da Ação Griô é boa. Tem bumba-meu-boi. Tem caminhada, o teatro, a dança
indígena, a aula de história africana, a capoeira.
Nas aulas, tem o professor Nelito, Marinheiro, Braço de Ferro, Lia Vera, Macota,
Mel. Tem tudo isso e tem aula de percussão e de várias coisas.”
Alessandro, 12 anos
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