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Em Piaçabuçu potencializamos a convivência social. Entendemos que somos um
coletivo e temos descendência africana, indígena, portuguesa. Ao fazermos essas
informações chegarem às pessoas, fazemos com que haja uma potencialização da
convivência humana e étnico-cultural. Nenhum desenvolvimento se fará com qualidade
se não houver a valorização da cultura popular e o fortalecimento da identidade das
pessoas. No nosso Ponto, mobilizamos a comunidade através de trabalhos com os
temas cultura e meio ambiente e contribuímos para a organização do povo ribeirinho,
através da articulação em rede de comunicação e trocas de experiências, de forma
que cada um se perceba protagonista consciente de sua história. Isso só acontece
quando me conheço e ao outro, valorizo a mim e a minha história, quando respeito e
valorizo a história do meio a que eu pertenço.
Seu Círero Lino, pifeiro, vivia reclamando que não tinha aluno, que ninguém mais
queria aprender esse instrumento, que ele mandava os meninos irem para a casa dele
e nenhum aparecia. Durante o ano de 2008, ele chegava ao Olha o Chico perguntando
que dia poderia utilizar o espaço para dar aula de pífano, porque havia muito menino
indo aprender na casa dele.
Os mestres e griôs da cidade ficavam dentro de suas próprias bolhas. De lá, eles
repassavam o seu saber. Não havia construção. Para o mestre era aquilo e pronto.
Talvez nós também estivéssemos em bolhas, sem perceber.
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“O nosso Brasil cresceu, depois que o homem amostrou,
o grande e pequeno mestre desse projeto griô.
Seja bem vindo todo mestre griô,
afirmar nossa cultura que o ministro pensou.
Governador assinou, senador e deputado.
Com nosso projeto aprovado, nossa cultura mudou”
Letra da Música de Cícero Lino.
A pedagogia do Grãos de Luz e Griô, criada por Líllian Pacheco, foi como um
espeto que furou as bolhas. Juntos, estamos aprendendo a conviver e a interagir.
Aprendemos a respeitar os saberes dos griôs e mestres e eles aprenderam a respeitar
nossos saberes. Percebemos o quão é importante dialogar, expor outro ponto de vista;
ouvir e ser ouvido. Não importa quem e em que “classificação” essa pessoa está. Há
um respeito e uma valorização mútua. Estamos construindo um novo saber. Não era
assim, mas hoje existe respeito e carinho dos educadores para com os mestres e
griôs. Muitas vezes, nem é necessária a mediação do griô aprendiz nas vivências das
escolas. Coordenadores pedagógicos e professores estão assumindo o lugar de griô
aprendiz, o que se faz possível graças aos encontros de estudo sobre a pedagogia
griô, em que estes discutem sobre as atividades nas escolas junto com mestres, griôs
e alunos, não apenas os conveniados pela Ação Griô, mas com todos os mestres e
griôs identificados pelas escolas em sua cidade, bairros e povoados.
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O pedir a bênção antes de todas as atividades, invocar a presença dos espíritos de luz,
dos meus ancestrais... tem me ajudado a ter paz e calma na mediação das vivências.
Minhas vestes, em geral, lembram a etnia africana, com cores fortes e contrastantes,
mas poderia associá-las à indígena, pelos adereços; à cigana, pelos seus enfeites, etc.
Logo no começo da Ação Griô, e mesmo antes dela, o uso do figurino e a construção
de um personagem dava-me a segurança necessária para mobilizar a comunidade e
falar de idéias nas quais eu acreditava, mas que talvez ainda não tivessem sido de
fato incorporadas como crenças e verdades a serem respeitadas por todos. É como se
fosse vergonhoso ser diferente e isso, de certa forma, me incomodava. Hoje percebo
com orgulho que sou diferente – que em verdade todos são, ou deveriam ser se não
se moldassem a um senso comum. Confio em minhas crenças, no que posso fazer
para mudar o mundo para melhor.
Será que todos os griôs devem usar roupas diferenciadas das que
utilizam em seu cotidiano? Gosto de saber que a roupa que estarei
usando vai facilitar que as pessoas olhem para mim e escutem o
que estou falando, mas gosto também quando, em um trabalho
feito em círculo, as pessoas têm dificuldade de perceber quem está
mediando. Com uma vestimenta muito diferente,
isso não acontece.
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Por Dalva Castro
Antes da Ação Griô, a cidade já vinha trabalhando em
sua rede de educação as questões ambientais. E pensar
o ambiente é pensar as pessoas que aí habitam, seus
valores e práticas sócio-culturais. Assim, a Ação chegou
com uma energia forte e contagiante, materializou-se
com facilidade no som do pífano, nos passos e cantos do
guerreiro e reisado, na delicadeza das bonecas de pano, nas
plantas que curam, ocupando as salas de aulas, os pátios
das escolas e ecoando pela cidade. O pai de uma aluna
do Penedinho, que não conhecíamos, nos relatou que nos
conhecia através da filha dele, que era muito tímida e passou a se expressar a partir
da pesquisa em que ela passou a cantar canções de trabalho em sua comunidade.
Vários alunos passaram a participar dos grupos de folguedos:
Guerreiro e Reisado.
Desde quando o projeto foi escrito estava, claro que haveria relação com as escolas,
mas não imaginávamos que essa relação fosse ganhar proporções tão mágicas. É
ainda incalculável a proporção que se firma nesta cidade – e nas outras 10 cidades
ribeirinhas de Alagoas. São Planos de Trabalhos de Escolas planejados sob novas
perspectivas. São mestres, griôs, coordenadores e alunos sentados juntos e pensando
sobre que tipo de escola se quer e de que forma construí-la – nos encontros mensais
sobre a pedagogia griô. É uma cidade se re-encantando com seus saberes, suas
belezas vivas.
As escolas, que já vinham buscando a relação com a comunidade, encontraram
nessa ação simples e forte a possibilidade de trazer os pais para o convívio desse
ambiente. São rodas de conversas em que os pais contam histórias sobre a cidade,
em que mestres, orgulhosos, repassam seus saberes. Buscamos a construção de um
ambiente de respeito, independente de raça, crença, opções sexuais, partido político,
grau de instrução, etc. Em uma escola apenas (estadual) chegou a ser discutida a
questão específica da religião, propondo a retirada da disciplina do horário escolar e
organizando momentos de espiritualização ao início do expediente, e de seminários
com representantes das diversas expressões espirituais presentes na cidade: cristã
(católica e protestante), espírita, umbandista, etc.
O diálogo efetivo entre o currículo e os saberes de tradição oral tem, por sua vez,
provocado transformações bastante significativas, como fica claro no texto de
apresentação inserido em um dos Planos de Trabalho elaborados para 2008, o da
Escola Municipal Deraldo Campos:
Vivo hoje, que eu lembro, tem a Gruinaura e a Socorro, das mais velha.
Os que tem agora nem nunca viram essa brincadeira. Além da Guinaura,
tem outra mulher lá que brincava no Reisado, nesse reisado que existia lá no Retiro.
Tá bem velhinha. O nome dela é Creuza, mas ela não brinca com a gente não. Ela
brincava no tempo dela moça. A gente lá começou porque a Guinaura já sabia brincar.
Aliás, a mestra e a contra-mestra, que é a Guinaura e a Socoro, elas já brincavam
quando eram crianças. Então elas me convidaram pra nós fazer assim... a brincadeira.
Então começemo a chamar as meninas e vamos ver se nós consegue fazer. Mas, com
fé em Deus, nós vamos fazer, nem que fique só 4 num lado e 4 no outro, e a mestra
e a contramestra, mas nós vamos fazer. Eu tô esperando para ver quem fica e quem
não fica. Uma brincadeira dessa, hoje, você sabe, uns começa a ensaiar, aí na outra
semana já não vai, aí entra outra na outra semana. Eu tô preferindo
mais as crianças. É para brincar quem quiser, mas eu tô preferindo
as crianças. É porque a criança que vai ficar com o nosso saber.
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A pedagogia griô, ainda que em construção, foi incorporada pelos educadores do
Olha o Chico e, a partir daí, tem se propagado e vem influenciando todos os projetos
trabalhados por este Ponto de Cultura. Na medida em que os mestres e griôs passam
a discutir sobre a educação local (nos encontros da pedagogia griô), sobre políticas
públicas (nos encontros da REDE NUDAP, Núcleo da Dircussão e Ação Permanente) e
a assumir cargos de diretoria em organizações (a exemplo de Seu Correia,
griô voluntário / contador de histórias, escolhido como diretor de
comunicação do Olha o Chico), acreditamos que estejam ocupando
importantes lugares políticos e sociais em suas comunidades.
Somos sementes na terra. Germinar e crescer é nossa missão. Mas, por algum
motivo, muitas de nós paramos de crescer a certa altura da vida. Onde chegamos,
podemos ver o que nos é necessário para viver. Mas a semente carrega a força de
toda sua ancestralidade. E ainda que tenham se passado muitos e
muitos anos, chegará um dia em que a semente lembrará que já teve
sonhos. Sonhos de ser árvore com muitas flores, de fertilizar com
muitas outras sementes aquela terra, de onde ela não precisava sair
para viver com intensidade, pois sua missão era germinar
e crescer e, para crescer, ela só precisava viver com
intensidade e isso tinha liberdade para fazer.
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