Você está na página 1de 4

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/21628/como-trabalhar-a-cultura-
dos-povos-indigenas-na-educacao-infantil
Publicado em NOVA ESCOLA 28 de Março | 2023

Diversidade

Como trabalhar a cultura


dos povos indígenas na
Educação Infantil
BNCC dá a possibilidade de expandir a pesquisa e imersão
nos saberes dos povos originários para levar experiências
significativas aos pequenos
Paula Sestari

É preciso apresentar as pessoas de origem indígena como elas de fato são e


convivem em sociedade. Foto: Getty Images
Olá, professoras e professores! Já tive a oportunidade de compartilhar aqui
algumas reflexões e sugestões práticas que contribuem para a ampliação das
aprendizagens dos bebês e crianças pequenas em relação à valorização
da diversidade histórico-cultural do nosso país.
Mais recentemente, abordei possibilidades de promover o acolhimento dos
variados grupos étnicos para integrar diferentes culturas, de modo a
estabelecer vínculos de confiança e respeito diante de questões da língua e dos
costumes e reconhecendo hábitos que podem tornar o espaço da escola mais
aconchegante para todos.
Hoje quero dar continuidade a essa discussão a partir de um questionamento
que me foi feito por uma professora dias atrás. Ela me trouxe a seguinte
questão: “Agora que não se trabalha mais com datas comemorativas, eu não
posso trazer o Dia do Índio de modo algum? Se eu fizer menção a qualquer
questão nesse período, fico com receio, tanto que prefiro trazer essa temática
em outros momentos depois do mês de abril”.
Leia mais: Abril Indígena: já pensou em dar o primeiro passo e mudar sua
prática?
Trouxe esse relato percebendo que é uma questão que gera dúvidas e traz
inseguranças para a prática de muitos professores no país. A partir disso,
gostaria de apresentar algumas reflexões.
Datas comemorativas na Educação Infantil
Primeiro, sobre nossa prática na Educação Infantil, não podemos mais
trabalhar com um currículo estruturado em “dias de”, apenas olhando para as
datas comemorativas. Temos hoje uma Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) com objetivos de aprendizagem e desenvolvimento a serem alcançados
com cada faixa etária. Isso deve se dar a partir de interações e brincadeiras da
cultura infantil e dos temas que se revelam pertinentes para as crianças por
meio do olhar atento do professor, que irá propor situações de maneira
intencional.
A segunda questão tem a ver com a condição de professor-pesquisador, pois
precisamos conhecer a nossa própria história e o modo como alguns povos
foram invadidos em suas riquezas imateriais, como lhes foram negados todos
os direitos por gerações, e, para isso, é fundamental realizar de fato uma
pesquisa sobre a origem de algumas datas e sob quais contextos elas foram
marcadas oficialmente.
Nesse caso, o “Dia do Índio” foi instituído por um governo autoritário que
acompanhou um movimento de outros países da América Latina, mas se
manteve sem qualquer política que garantisse de fato zelo pelo patrimônio
cultural ou que desse autonomia para que os povos originários vivessem da
terra de modo livre e seguro.
As práticas escolares que se seguiram à instituição dessa data apenas
contribuíram para a construção de um personagem estereotipado, inanimado e
sem voz. Tais abordagens se mantiveram por décadas, e ainda hoje não são
raras nas escolas atividades ao longo do mês de abril que trazem um ser
descaracterizado e irreal.
Faça diferente: sugestões para abordar a cultura dos
povos indígenas
No entanto, é possível trabalhar de uma maneira diferente, ressignificando a
data e durante todo o ano. Na sua região há alguma aldeia indígena? Promova
uma interação das crianças com a comunidade. Precisamos apresentar as
pessoas de origem indígena como elas de fato são e convivem em sociedade,
com respeito às suas tradições e ao modo como se organizam.
Troca de vivências
Outra sugestão é o contato remoto com uma comunidade indígena, no qual é
possível trocar correspondências, fazer chamadas de vídeo (há comunidades
que têm rede de internet e escolas com comunicação digital) ou ainda
organizar uma caixa dos tesouros, para que cada grupo possa compartilhar
objetos interessantes do dia a dia em sua localidade e então trocá-los entre si
enviando-os pelo correio. Já pensou na alegria das crianças ao receber uma
encomenda para elas, fruto de vínculos que foram estabelecidos com crianças
de lugares distantes?
Brincadeiras e valorização da diversidade
Quando o professor propõe brincadeiras para promover a valorização da
diversidade do nosso país, torna-se imprescindível adentrar a cultura dos povos
indígenas e, assim, tem-se a possibilidade de reconhecer o quanto deles está
em nós, nas brincadeiras de infância de gerações.
Elementos da natureza
Ao organizar um espaço dentro da sala de referência com elementos que
remetem aos ensinamentos da cultura indígena, como tintas produzidas a
partir de sementes e raízes e o reconhecimento de diferentes plantas
aromáticas como chás e temperos, torna-se possível oportunizar experiências
sensoriais e estéticas com os elementos da natureza.
Sons, palavras e contos indígenas
Outra possibilidade está nos sons, em vivências que oportunizem aos bebês e
crianças pequenas o conhecimento de instrumentos, ritmos e marcações de
tempo únicos nas culturas indígenas. Para isso, trago como sugestão alguns
planos de aula disponíveis no site da NOVA ESCOLA sobre a cultura sonora
indígena.
Nosso vocabulário é vasto em palavras e expressões dos povos originários.
Temos também as histórias e lendas que têm o potencial de inspirar as crianças
a se relacionar com a natureza e seus fenômenos com disponibilidade para
imaginar o que quiserem.
Enfim, a BNCC nos dá essa possibilidade de expandir a pesquisa e a imersão no
patrimônio cultural de nosso país em diferentes momentos, pois todo o tempo
com as crianças é educativo. O professor está ensinando com o olhar, com o
tom de voz, com a forma como o corpo se expressa.
Nesse sentido, na medida em que se olha para os bebês e crianças pequenas, é
preciso voltar a reflexão para si mesmo de modo muito profundo; então, já não
é mais sobre as crianças, mas sobre o papel do professor diante da maneira
como são apresentadas nossas origens, nossos antepassados e as inspirações
para a construção de um legado de respeito verdadeiro com os povos
indígenas.
Um abraço e até breve,
Paula Sestari é professora da Educação Infantil da rede municipal de ensino de
Joinville (SC), com dez anos de experiência nessa etapa, e mestre em Ensino de
Ciências, Matemática e Tecnologias. Em 2014, recebeu o Prêmio Educador Nota
10, da Fundação Victor Civita, e foi eleita Educadora do Ano com um projeto
com crianças pequenas na área de Educação Ambiental.

Você também pode gostar