Você está na página 1de 3

oli vic u ltura

O ciclo anual da oliveira,


a fenologia e as práticas
culturais no olival
A integração do conhecimento gerado pelas várias disciplinas é imprescindível numa agricultura
sustentável para minimizar os gastos e otimizar a produção no olival e no lagar. A realização
das práticas culturais deve estar determinada pelas etapas do ciclo anual da oliveira
e não apenas pelo calendário. Em cada ano (crescimento vegetativo, floração e maturação),
a descrição da fenologia facilita a identificação das etapas críticas.

Ciclo vegetativo até que a temperatura máxima não ultrapas- Nos olivais em sequeiro, esta segunda fase
Ao final do inverno / princípio da primavera, se os 35 °C, o que provoca, mesmo em oli- do crescimento pode ser bastante modesta,
o reinício da atividade vegetativa, que se en- vais com rega, o fecho dos estomas. No ve- por estar também condicionada pela distri-
contrava inibida pelas baixas temperaturas, rão, em olivais regados, também ocorre uma buição e pela quantidade de precipitação
marca o início do ciclo anual da oliveira (Fi- redução no crescimento vegetativo devido outonal. Independentemente do tipo de oli-
gura 1). O crescimento vegetativo mantém- à menor atividade fotossintética durante as val, o crescimento vegetativo na primavera
-se ativo, não existindo fatores de stresse e horas de calor mais intenso. Esta redução do é normalmente mais intenso e vigoroso do
com as temperaturas entre os 10 e os 35 °C. crescimento é maior ou menor, de acordo que o crescimento no outono. Com a dimi-
O crescimento em olivais de sequeiro pro- com a variedade e a temperatura máxima. nuição das temperaturas no final do outono
longa-se até que as reservas hídricas do solo A partir do mês de setembro, a diminuição diminui também a taxa de crescimento e a
permitam à planta as trocas gasosas ineren- da temperatura máxima permite às plantas oliveira entra progressivamente em repouso
tes aos processos de evapotranspiração ou iniciarem o crescimento outonal (Figura 1). até à primavera seguinte.

Fenologia do crescimento
vegetativo
A fenologia estuda a sequência dos eventos
do ciclo anual de uma cultura que estão con-
dicionados pelo ambiente. Cada fenofase
está associada com uma determinada etapa
de desenvolvimento da planta, o que forne-
ce uma medida das condições ambientais
prevalecentes em cada ano. A classificação
dos estados fenológicos recomendada é a
escala BBCH adaptada à oliveira por permi-
tir um acompanhamento detalhado de todo
o ciclo anual.
Figura 1 – Representação esquemática do crescimento vegetativo e do ciclo repro- A oliveira reinicia o crescimento vegetati-
dutivo da oliveira em olivais com rega e em sequeiro (adaptado de Inês, 2016). vo pelos gomos terminais localizados nos

10 janeiro/fevereiro/março 2017
o li v i cul t u r a

(Figura 1). Em anos de floração muito in-


tensa pode verificar-se um comportamento
misto nos gomos terminais: diferenciação
de inflorescências e crescimento vegetativo;
ou apenas diferenciação de inflorescências
(Figura 4).

Fenologia do
desenvolvimento floral
A temperatura condiciona o ritmo de desen-
Figura 2 – Gomos vegetativos terminais (à esquerda) e gomos axilares (à direita) de
volvimento floral. Temperaturas mais ele-
oliveira (fotos de Carla Inês).
vadas aceleram estes processos, reduzindo
ápices dos ramos formados no ano anterior. passam por um processo químico/fisiológi- a duração das fenofases da diferenciação
Estes apresentam uma forma pontiaguda se- co denominado indução floral. O frio do in- floral e antecipando os estados fenológicos.
melhante a uma lança (Figura 2). Na fase ini- verno tem um importante papel para a que- Pela importância destas etapas no ciclo pro-
cial, estas estruturas começam por aumentar bra da endodormência dos gomos induzidos. dutivo, é essencial assegurar que os olivais
de volume, separam-se da base mediante um As folhas são os órgãos da oliveira que têm a não passem por stresse hídrico, principal-
pedúnculo e progressivamente novas folhas capacidade de percecionar o frio e, como tal, mente após invernos ou primaveras secas.
vão surgindo. Ao longo do ciclo anual, a es- condições culturais ou ambientais que indu- A floração da oliveira, em Portugal, ocor-
trutura meristemática terminal mantém-se zem à desfoliação da copa interferem com a re entre abril a junho, consoante a região,
em atividade, porém alguns gomos axilares satisfação das necessidades de frio e com a sendo mais tardia em Trás-os-Montes. O
nos ramos desse ano podem também iniciar capacidade dos gomos para expressar o seu período de floração das variedades é uma
o crescimento, provocando a ramificação potencial reprodutivo. característica varietal, mas está condiciona-
dos lançamentos. Estes gomos axilares que Num segundo ano, e nos lançamentos do da em cada ano pelas condições climáticas.
não experimentaram endodormência e onde ano anterior, ocorre a floração, o vingamen- Por exemplo, anos que a temperatura má-
também ocorre crescimento vegetativo são to, o crescimento e a maturação dos frutos xima aumenta gradualmente neste período
denominados de gomos prontos. permitem uma maior diferenciação entre
variedades comparativamente a anos com
Ciclo reprodutivo uma subida brusca da temperatura. Entre as
O ciclo reprodutivo da oliveira é bienal, po- variedades com floração mais temporã es-
rém, existe a produção de frutos todos os tão ‘Azeitoneira’, ‘Negrinha’ e ‘Arbequina’;
anos, o que implica que num mesmo ano e entre as mais tardias estão ‘Verdeal de Ser-
ocorram dois ciclos reprodutivos (Figuras 1 pa’, ‘Verdeal de Trás-os-Montes’ e ‘Galego
e 3). A simultaneidade, no mesmo ano, dos Grado de Serpa’.
processos vegetativos e reprodutivos origina Os tratamentos fitossanitários a aplicar na
fenómenos de competição pelos produtos Figura 3 – Ramo de oliveira. Ano n e ano primavera deverão ser realizados antes da
n+1 (foto de Carla Inês).
elaborados na fotossíntese. De forma seme- floração ou após a frutificação, para assim
lhante, uma poda excessiva realizada duran- não comprometer a dispersão do pólen e o
te o período de paragem invernal pode com- vingamento do fruto.
prometer a produção de frutos na próxima O início da rega do olival em cada ano está
campanha, em consequência do excessivo condicionado pela distribuição da precipi-
vigor vegetativo dos novos rebentos. tação, sendo desejável o conhecimento da
Num primeiro ano, em resultado do cresci- evolução da humidade do solo. Os olivais
mento vegetativo, ocorre a formação de lan- que apresentem stresse hídrico na primavera
çamentos constituídos por entrenós, folhas apresentarão maior proporção de flores im-
e, nas suas axilas, gomos. Durante o verão, Figura 4 – Oliveira em plena floração perfeitas, menor quantidade de frutos vinga-
e até ao repouso invernal, os gomos axilares (foto de A.M. Cordeiro). dos e maior competição entre os frutos.

janeiro/fevereiro/março 2017 11
oli vic u ltura

Crescimento dos frutos ápice, na região de inserção do pedúnculo, gar’). Importante é a obtenção de frutos com
O fruto da oliveira, a azeitona, botanica- ou aleatoriamente. Ao longo da maturação, a qualidade sanitária, isentos de mosca. Para
mente é uma drupa constituída por epicarpo, acumulação de antocianinas aumenta e pro- além disso, os frutos devem apresentar rigidez
mesocarpo ou polpa e endocarpo ou caro- gride a coloração violácea na epiderme até fi- de polpa, o que favorece a conservação.
ço que no seu interior contém uma ou duas car totalmente negra em algumas variedades. Na colheita da azeitona para azeite, a data
sementes. Na etapa inicial de formação do Cada variedade apresenta um padrão ge- condiciona as características físico-quími-
fruto ocorre a formação da semente e uma neticamente determinado de coloração dos cas e organoléticas do azeite, obtendo-se os
divisão celular intensa no mesocarpo onde frutos, mas que está condicionado pelas con- azeites mais frutados, aromáticos e verdes
posteriormente se irá acumular o azeite. Tra- dições climáticas observadas em cada ano, no início da maturação e azeites mais doces
dicionalmente, considera-se que esta fase pela produção de frutos em cada oliveira e e amarelados no final da maturação. A qua-
finaliza com a lenhificação do endocarpo. pelo estado sanitário. lidade do azeite é determinada na oliveira,
Após a abertura das flores e a libertação do A época de maturação é uma característi- mas está condicionada, ainda no campo,
pólen ocorre a queda das flores imperfeitas ca varietal, existindo variedades temporãs: pelo método de colheita e pelo transporte até
e perfeitas não fecundadas e dos frutos com ‘Azeitoneira’, ‘Blanqueta’ e ‘Lentrisca’; e va- ao lagar. Aqui, a qualidade está condiciona-
o crescimento mais atrasado (Figura 5). riedades tardias: ‘Verdeal de Serpa’, ‘Verdeal da pelo armazenamento da azeitona até à la-
A curva de crescimento do fruto apresenta de Elvas’ e ‘Verdeal de Trás-os-Montes’. boração, o método de extração do azeite, os
a forma sigmoidal. A primeira fase, de cres- cuidados na sua conservação no lagar e por
cimento rápido, coincide com a formação da toda a cadeia de comercialização.
semente e a divisão celular no mesocarpo e
finaliza com a lenhificação do caroço; a se- António Manuel Cordeiro,
gunda fase, de crescimento rápido, coincide Carla Sofia França Inês
com a biossíntese e a acumulação de azeite INIAV, I.P.
na polpa da azeitona e finaliza com o início
da maturação (manchas violáceas no epicar-
po dos frutos) pois os acréscimos vão pro- Bibliografia
gressivamente diminuindo na maturação. Figura 5 – Competição entre frutos ao Inês, C. 2016. Variedades de Olivo: Caracteriza-
endurecimento do endocarpo (foto de
A acumulação de gordura tem início em ju- A.M. Cordeiro).
ción de los Primeros Estadios del Desarrollo
lho, após o endurecimento do endocarpo, e Vegetativo y Reproductivo y Caracterización
prolonga-se até ao final da maturação dos A oportunidade de realização de tratamen- Agronómica. Tese de Doutoramento. Uni-
frutos. O período de crescimento e desenvol- tos fitossanitários no olival, na fase final versidade de Extremadura, Espanha.
vimento do fruto da oliveira é, comparativa- do crescimento e maturação do fruto, deve Cordeiro, A.M.; Inês, C.; Morais, N. 2014. Prin-
mente ao de outras fruteiras de caroço, muito ter em consideração a data prevista para a cipais Cultivares de Oliveira Existentes
prolongado (de 6 a 7 meses), existindo dife- colheita. As formulações comercializadas em Portugal, pp. 44-54. In: Boas Práticas no
renças devidas às variedades, as condições apresentam diferentes intervalos de segu- Olival e no Lagar. Coordenador Científico P.
culturais e a quantidade de frutos nas árvores. rança que têm de ser respeitados para a se- Jordão. Editor: INIAV, I.P. (ISBN: 978-972-
Durante as etapas do crescimento do fru- gurança dos consumidores. 579-041-0).
to, a epiderme da azeitona pode apresentar A data da colheita deve ser determinada em Cordeiro, A.M.; Calado, M.L.; Morais, N. 2013.
até quatro tonalidades. A cor verde intensa, função do destino da azeitona (azeitona de As variedades de oliveira. In: O Grande Livro
característica dos frutos durante o verão; a mesa ou azeite), da queda natural (elevada da Oliveira e do Azeite. Portugal Oleícola, p.
cor verde amarelada ao final de setembro/ em ‘Azeitoneira’ e ‘Blanqueta de Elvas’), 174-187. Coordenador: J. Böhm. Ed. Dina-
/outubro, mais evidente em variedades como do teor de gordura acumulada e dos riscos livro editora, Lisboa (ISBN: 978-972-576-
‘Azeitoneira’, ‘Maçanilha de Tavira’, ‘Ver- climáticos e fitossanitários decorrentes de 620-0).
deal de Elvas’ e ‘Planalto’ e menos evidente, manter os frutos na árvore. Cordeiro A.M.; Ramos, A.; Martins, P.; Matias,
por exemplo, em ‘Conserva de Elvas’, ‘Quin- A colheita da azeitona de mesa, tradicional- H.; Rogado, B.; Silva, M. e Calado, L.- 2002.
ta do Portado’ e ‘Santulhana’. O aparecimen- mente, realiza-se com a azeitona no estado Épocas de floração de variedades de olivei-
to de manchas violáceas nos frutos marca o verde. Na atualidade, tem boa aceitação a ra em diferentes regiões olivícolas. Melho-
início da maturação e pode começar junto ao azeitona mista e a azeitona negra (‘Galega vul- ramento, 38:215-222.

12 janeiro/fevereiro/março 2017

Você também pode gostar