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2018
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SAM
RENO, NEVADA
—
Nemo observou Sam passar os dedos pelo teclado do
caixa automático, enquanto ele fingia digitar uma sequência de
números, para o caso de alguém estar olhando enquanto ele di-
zia tecnopaticamente o que a máquina deveria fazer. Ou pelo
menos tentava dizer. Seus Legados ainda não estavam funcio-
nando a todo vapor. Ele tinha alguns momentos de êxito, porém
eram curtos e imprevisíveis.
Vamos lá, vamos lá, vamos lá, ele pensou, esperando con-
seguir se concentrar o suficiente para que a máquina fizesse o
que ele precisava.
O caixa automático emitiu um ruído. Logo depois, come-
çou a cuspir notas de vinte dólares direto para a mão de Sam,
enquanto ele suspirava em alívio.
— Não estou retirando da conta de ninguém específico –
disse, respondendo Nemo. — Este é o dinheiro que mantém a
máquina abastecida. Dinheiro do banco.
— Isso foi longe de responder minha pergunta, Robin
Hood – comentou Nemo enquanto Sam dobrava as notas e as
guardava no bolso do jeans.
— Vamos devolver – disse Sam enquanto dava a volta e
saía do banco. — Depois que resolvermos as coisas.
— Hum – disse Nemo.
— Tudo vai ficar bem – Sam completou, enquanto olhava
para os dois lados da rua antes de atravessar, seguindo para o
restaurante que se encontrava do outro lado.
— Eu não disse que estava preocupada – Nemo respon-
deu enquanto Sam abria a porta para eles entrarem. — Se algo
de ruim acontecer, meu plano é dizer a todos que você e Seis me
sequestraram e me obrigaram a fazer parte da vida no crime.
— Deu tudo certo? – Seis perguntou sem olhar para eles.
Sam bateu com as mãos no bolso em que havia guardado
o dinheiro.
— Perfeitamente – disse.
— Você se lembrou de apagar as imagens da câmera, né?
– Seis perguntou.
Sam espalmou a testa.
— Merda – ele disse. — Sabia que tinha esquecido al-
guma coisa.
Seis olhou para ele e já ia começar a responder quando
percebeu que Sam olhava para ela com uma expressão que dizia
“acha que sou idiota?”
— Desculpa – ela disse.
— Uau – disse Nemo. — Um pedido de desculpas. E nem
é Natal.
Sam resmungou enquanto Seis voltou a olhar para seu
celular. Um momento depois, uma garçonete chegou com a co-
mida que eles haviam pedido antes de Sam ir ao banco.
— Panquecas para você – ela disse, colocando um prato
na frente de Nemo. — Hambúrgueres com fatias de pimentão e
queijo derretido para você – disse para Seis, que colocou o ce-
lular em cima da mesa. — E para você, um sanduíche de queijo
derretido e uma tigela de sopa de tomate – disse, se dirigindo
ao Sam. — Logo volto com as bebidas.
— Então – disse Sam enquanto mergulhava o sanduíche
na sopa. — Conseguiu alguma coisa? – perguntou para Seis, que
estava trabalhando em sua própria missão.
— Não muito – disse Seis. — Ninguém comentou minha
postagem no blog.
Havia passado pouco mais de um dia desde que saíram
do escritório de Nove na AGH. Isso aconteceu depois de Seis
anunciar sua decisão de que não iria mais fazer parte do grupo
secreto de Peter McKenna. Ficou enojada quando descobriu
que, sem saber, estavam trabalhando junto com outro grupo
chamado Watchtower comandado pela ex-agente do FBI Karen
Walker. Agora, era Walker que estava com a posse do soro blo-
queador de Legados cujo havia sido injetado nela e em Sam e no
cientista que o criou. Seis e Sam haviam sido excluídos comple-
tamente dessa decisão.
Sam entendeu o motivo de Seis estar com raiva e a
apoiou, mas não estava tão seguro como ela de que haviam to-
mado a decisão correta. Entretanto, havia guardado essa incer-
teza para si, sabendo que não adiantaria nada discutir com ela.
Além disso, não dizia respeito apenas a eles. Precisam se preo-
cupar por Nemo. Levá-la com eles havia sido uma decisão de
última hora, e decidiram assim porque a última ordem do dia
era encontrar Ghost, a amiga de Nemo e uma dos quatro ado-
lescentes dos quais eles haviam conhecido em Nova Orleans.
Ghost havia se voltado contra eles, ou pelo menos ela sofreu
uma lavagem cerebral de seus sequestradores para que pen-
sasse que Sam, Seis ou qualquer pessoa envolvida com a Garde
Terrestre e com a AGH eram seus inimigos.
O plano era descobrir onde Ghost estava e tentar resgatá-
la. Era um bom plano, exceto por uma coisa: eles não tinham
ideia de como localizar a garota. Eles a viram pela última vez se
teleportando da mansão de Bray na Argentina junto com o ga-
roto teletransportador, chamado Scotty. Para onde eles foram,
ninguém sabia.
Foi Nemo quem teve a ideia de fazer uma postagem na
internet direcionada aos adolescentes com Legados que que-
riam ficar clandestinos e não informar as autoridades, con-
forme era exigido por lei. Foi assim que ela conheceu Ghost e
seu amigo Max, que ainda estava na AGH junto com Rena. Em-
bora muitos dos sites – incluindo o que Nemo usara – tivessem
sido fechados ou fortemente monitorados e, portanto, não fos-
sem usados pelos membros mais militantes da comunidade
anti-garde, alguns sites foram mantidos, funcionando na deep
web.
Em seu quarto de hotel na noite anterior, Seis havia na-
vegado na deep web e encontrado algo promissor, um lugar
onde adolescentes com Legados trocavam informações. Alguns
procuravam maneiras de esconder ou até mesmo eliminar seus
poderes, enquanto outros queriam conselhos sobre se deve-
riam se render ou não. Seis havia lido várias mensagens até que
uma delas chamou sua atenção: uma mensagem de alguém que
alegava oferecer ajuda àqueles que queriam desaparecer e não
serem encontrados. Ela havia sido deixado por alguém sob o
pseudônimo BeamUUp. Sam achou que poderia ser uma refe-
rência ao antigo programa de TV – Star Trek – e ao personagem
de Scotty, já que o teletransportador da série era chamado as-
sim. E se assim fosse, talvez fosse o mesmo Scotty que estava
envolvido com a organização de Bray.
Era uma possibilidade remota, mas era a única que eles
tinham neste momento. Como a publicação foi feita seis meses
antes e o BeamUUp não estivera ativo desde então, também po-
deria ser um beco sem saída. Mas Seis fingiu ser um garoto que
havia descoberto recentemente um Legado. Jack, o nome que
ela mesma inventou, escreveu que sua família estava assustada
com seu poder e queria mandá-lo para a AGH. Ele não queria ir,
já que não confiava no governo e havia ouvido que eles estavam
usando os Gardes Humanos para fazer coisas contra a própria
vontade. Seis tinha feito Jack parecer um pouco ingênuo e as-
sustado, já que esse era o tipo de adolescentes com quem Scotty
se envolvia, atraindo-os com promessas de ajuda e então explo-
rando seus Legados para obter lucro.
Mesmo que BeamUUp fosse o Scotty, eles não sabiam se
a organização ainda estava funcionando. Bray estava morto, as-
sim como sua mão direita, Dennings. Vários outros estavam sob
custódia, como Drac, e a maioria dos adolescentes que eles ha-
viam sequestrado agora estavam livres. Pelo que todos sabiam
– e esperavam – toda a operação estava fora de serviço. Mas
Ghost e Scotty estavam por aí, e era possível que eles tivessem
se juntado com o que restou do grupo. Ou não. Talvez eles este-
jam sozinhos. De qualquer maneira, isso foi tudo o que Sam e
Seis tinham por enquanto, então eles postaram a mensagem
com informações de contato e esperaram.
Eles ainda estavam esperando. Sem nenhuma razão para
estar em qualquer lugar em particular, eles tinham ido para o
leste, longe da Califórnia, seguindo até Nevada. Eles pararam
em Reno, se esconderam em um pequeno motel enquanto pla-
nejavam seu próximo passo. Eles passaram a manhã com-
prando roupas mais quentes, gastando seus últimos dólares no
caminho. Como não queriam deixar um rastro de papel sequer
– para o caso de Walker ou alguém estar os seguindo – Sam ha-
via conversado com o caixa eletrônico para conseguir um em-
préstimo.
Se eles não conseguissem descobrir nada sobre Bea-
mUUp o mais rápido possível, o plano B era ficar em Reno mais
uma noite. Depois disso? Eles não sabiam. Antes de se juntar a
McKenna, eles estavam viajando pelo mundo, indo para onde
quisessem. Nenhum lugar era casa. Aceitar o trabalho dele e ter
um local em Nova York parecia uma maneira de acalmar as coi-
sas por um tempo, pelo menos para Sam. Agora, isso não era
uma opção. E voltar para a Califórnia e para a AGH provavel-
mente também estava fora de questão depois do modo como
haviam deixado as coisas.
Tinham que pensar em Nemo também. Pessoalmente,
Sam achava que seria melhor ela voltar para a Academia. Ele
sabia que Nove cuidaria dela, além de que se a busca por Ghost
não desse a lugar algum, seria o melhor para ela. Mas Nemo era
como Seis, teimosa e impossível de impedir até que ela esti-
vesse pronta. E ela não estava pronta. Como se sentisse que es-
tava pensando nela, Nemo fez uma pausa com o garfo a meio
caminho da boca e disse:
— O quê?
— Nada – Sam respondeu, dando uma mordida em seu
sanduíche e mastigando para evitar a conversa.
Nemo voltou sua atenção para Seis.
— O que vai acontecer se tivermos alguma notícia do tal
do BeamUUp?
— Bom, será o primeiro contato – Seis disse. — Se for
Scotty, provavelmente estará assustado. Ele foi baleado e es-
tava ferido quando Ghost o tirou da mansão de Bray. E com to-
dos os seus superiores mortos ou sob custódia – pelo menos os
que conhecemos – ele pode estar sozinho.
— “Se for Scotty” é o clímax dessa frase – Sam lembrou,
— Pode ser qualquer um, incluindo alguém envolvido com a
Garde Terrestre ou a AGH.
Seis deu de ombros.
— Pode ser. Vamos ver o que acontece. Eu disse que a
situação estava ruim, e que precisava sair de casa imediata-
mente – ela disse. — Disse que meus pais queriam me enviar
para a AGH amanhã.
— Que dramático – disse Nemo.
— Tive que fazer parecer estar desesperada – disse Seis.
— Queremos que respondam. Se pensarem que Jack está fi-
cando sem tempo, será mais provável que ajudem.
— É aí que vamos ter um problema – disse Sam.
Nemo e Seis o encararam.
— Porque Jack não existe.
— Ele não sabe disso – disse Seis. — Presumo que ele vai
se teletransportar para o ponto de encontro que mencionar-
mos. Quando ele aparecer, nós... – Seis se deu conta do que es-
tava dizendo e suspirou. — Está bem, precisamos de um Jack.
— Precisamos de um plano – Sam respondeu. — Com ou
sem Jack, o que vamos fazer quando ele aparecer? Temos que
lembrar que ele pode se teletransportar. Assim que nos ver, de-
saparecerá de novo. E mesmo se conseguirmos pegá-lo, como
isso nos ajuda a encontrar Ghost?
— Se Jack – disse Nemo, fazendo o sinal de aspas na al-
tura dos ombros, — for com Scotty, poderíamos rastreá-lo,
como vocês fizeram quando nos enviaram para Dennings.
— Isso não funcionou tão bem – comentou Sam. — Duas
pessoas morreram, lembra? E de qualquer maneira, não temos
um Jack.
— Talvez possamos conseguir um – disse Seis.
— O que vamos fazer, agarrar alguém em um beco? –
disse Sam. — Mesmo que consigamos encontrar alguém, essa
pessoa precisa ter um Legado, como Jack teria.
Houve uma pausa enquanto todos pensavam. Nem se-
quer tocaram na comida. Então Nemo disse: — Que tal Max?
— Max? – Sam perguntou. Ele balançou a cabeça. —Não.
— Por que não? – Nemo pergunto. — Ele tem Legados, e
o Scotty nunca viu ele. Ele não estava conosco no Texas ou em
Montana, lembra?
— Verdade – Seis disse.
— Talvez Scotty nunca o tenha visto, mas Ghost obvia-
mente já – Sam argumentou. — Assim que ela o ver, vai saber
que tem algo de errado.
— Talvez não – Nemo disse. — Quero dizer, óbvio que ela
vai reconhecê-lo. Mas ela é mais chegada nele do que qualquer
um. Até mesmo do que eu. E está claro que Max tem uma caidi-
nha por ela.
— Sério? – Sam disse.
— Óbvio – disse Nemo. — Você nunca percebeu que ele
fica todo nervoso quando ela está por perto?
— Nós não os vimos juntos por muito tempo, lembra? –
Seis disse.
As expressões no rosto de Nemo eram diversas enquanto
ela se recordava dos acontecimentos em Nova Orleans que aca-
baram no sequestro de Ghost. — Certo – disse ela. — Bem, acre-
dite em mim, ele gosta dela. Eu acho que ele faria praticamente
qualquer coisa por ela. Se ele conseguir convencer ela de que
ele mentiu sobre ser Jack porque estava com medo que ela não
falasse com ele, seria realmente a verdade. Ela cairia direitinho.
— Com exceção do fato de que ela está meia doida no mo-
mento – Sam a lembrou. — Além disso, Max está na Academia.
— Que fica a menos de quatro horas daqui – disse Seis.
Ela olhou para o relógio. — Poderíamos dirigir até lá, pegar Max
e estar de volta aqui hoje à noite.
— Por que temos que voltar aqui? – Nemo perguntou. —
Se esse cara realmente é o Scotty, ele pode se encontrar com
Jack em qualquer lugar. A gente pode pegar Max e ir para algum
lugar perto. Jack já a Scotty que seus pais estão tentando forçá-
lo a ir para a AGH. Ele poderia mandar outra mensagem dizendo
que ele fugiu enquanto eles estavam indo para lá.
— Muito melhor – Seis disse.
— Não é não – Sam disse. — Vocês duas esqueceram que
acabamos de sair da Academia? Agora vocês querem voltar,
perguntar se podemos pegar Max emprestado para o mesmo
tipo de missão que acabou com a morte de Kirk e Yo-Yo?
— Eu não iria perguntar nada – Seis disse. — Exceto a
Max. E se ele não quiser, não vamos forçá-lo.
— É claro que ele vai querer – disse Sam — Ghost é amiga
dele. Mais do que isso se Nemo estiver certa. É injusto colocá-lo
nessa posição.
— É nossa melhor opção – disse Seis. — Além disso, ele
não vai estar sozinho. Vamos com ele. Bem, logo atrás dele. As-
sim que soubermos onde ele estiver.
— E torcer para Scotty – ou quem quer que esse cara for
– não o leve para algum lugar no outro lado do planeta – disse
Sam. — Nenhum de nós pode teletransportar, lembra?
— Você está determinado a achar cada falha nesse plano,
né? – Nemo disse enquanto pegava o celular.
— O que você está fazendo?
— Meu celular vibrou. Recebi uma mensagem – ela des-
bloqueou a tela e leu. — Esqueçam o Jack. Não precisamos mais
dele.
— Por que? – Seis perguntou.
— A mensagem é de Max – Nemo disse. — Ghost entrou
em contato. Ela quer conversar com ele sobre ir para a Acade-
mia.
Sam olhou para Seis. — Isso é... estranho. É como se ele
soubesse que estávamos falando dele.
— E estávamos prestes a chegar na parte onde você teria
que admitir que meu plano era brilhante – Seis disse.
— Que seja – disse Nemo. — Ela quer encontrá-lo. Hoje à
noite – seus dedos deslizavam sobre a tela.
— O que está fazendo agora? – Sam disse.
— Respondendo a mensagem de Max – disse Nemo. —
Dizendo a ele que estaremos lá.
— Mas nem conversamos sobre essa opção! – Sam retru-
cou.
— O que temos que conversar? – Nem disse, colocando
seu celular na mesa e pegando seu garfo. Ela o fincou num pe-
daço de panqueca, colocou um pouco de xarope e comeu.
— Ela está certa – Seis disse enquanto ela pegava seu
hambúrguer para comê-lo. Apenas Sam ficou parado encarando
sua comida.
— Sua comida vai esfriar – Seis disse. — Sopa fria é a pior
coisa.
Sam pegou um pouco da sopa com a colher. Ele estava
prestes a colocar a colher na boca quando o celular de Nemo
vibrou em cima da mesa. Ela olhou e sorriu. — Ele disse que vai
escapar para nos encontrar.
— Diga a ele que vamos estar lá por volta das sete.
— Eu acho que esse é o plano, então – Sam murmurou.
Seis e Nemo assentiram juntas, confirmando.
Sam levou a colher até a boca e fez uma careta. — E a sopa
está fria.
SEIS
POINT REYES, CALIFÓRNIA
—
Max encarou o garoto que acabou de teleportá-lo para
longe do shopping. O garoto sorriu. — Relaxa, cara – ele disse.
— Está tudo bem.
Max deu alguns passos para trás, olhando ao redor da
sala em que estavam. Era grande, com tetos altos e uma parede
de janelas – também altas – que estavam cobertas com pesadas
cortinas de veludo vermelho que se amontoavam em cima de-
las. O chão de madeira estava coberto por vários tapetes de apa-
rência antiga, com flores e pássaros. Um candelabro estava pen-
durado no meio da sala, seus cristais pendentes brilhando com
uma luz amarelo-suave que não era forte o suficiente para ilu-
minar os cantos mais distantes da sala, que permaneciam na
sombra. Vários móveis sólidos de madeira escura estavam es-
palhados ao redor: um longo sofá, duas poltronas, uma estante
de livros. O ar era morno e úmido, e cheirava levemente a mofo,
como se a casa estivesse ficado fechada há muito tempo.
— Seja bem-vindo a Rotwood – disse a voz de uma ga-
rota.
Max se virou e viu que atrás de si havia uma mesa pe-
quena e redonda. Uma garota estava sentada lá, brincando com
o que parecia ser um baralho de cartas, que ela estava colo-
cando sobre a mesa em sua frente. Ela tinha cabelo curto, na cor
rosa, além de uma pele pálida, e estava usando um vestido
branco sem mangas que fazia Max se lembrar de uma fotografia
antiga. Ela olhou para Max e algo nos olhos dela não parecia es-
tar certo. Mas antes que Max pudesse estudá-la melhor, ela
olhou para baixo novamente e virou uma carta.
— O Louco – ela disse. — Provavelmente é você. Aquele
que busca grandes aventuras. Eu me pergunto, até onde isso vai
levá-lo? Espero que para nenhum lugar perigoso – ela soltou
uma gargalhada.
— Não dê muita trela para as bobeiras que a Magdalena
fala – disse uma voz masculina em outra parte da sala. E então
alguém começou a tocar um piano, um som ondulante sinistro
que fez Max pensar na hora de dormir e nas coisas por trás
disso. — E estamos em Rothwood – ele complementou. — Em-
bora o nome que Magdalena disse provavelmente seja mais
apropriado.
— O que você está tocando? – a garota perguntou.
— Chopin – disse o jovem rapaz que estava sentado no
piano. Como Magdalena, a pele dele também era pálida. Porém,
ao contrário dela, o cabelo dele era preto e longo, pendurado na
frente de seu rosto enquanto ele se movimentava frente ao te-
clado.
Magdalena suspirou. — Nada mal para um compositor
humano – ela disse.
Max olhou de um para outro, procurando por respostas.
Então ele percebeu o que a garota havia dito. — Por que você
disse isso? – ele perguntou.
— O que? – Magdalena disse.
— Você o chamou de “compositor humano” – Max disse.
— O que mais ele poderia ser?
Magdalena olhou para ele. — Bom, eu não sei – ela disse.
— Ele pode ser um alienígena. Me parece que existem vários
por aí nos dias de hoje – os olhos dela se fixaram nos de Max, e
de repente ele percebeu porque eles pareciam diferentes. O co-
ração dele acelerou em seu peito, e ele rapidamente deu vários
passos para trás.
— Você é Mogadoriana!
A garota arfou. — Eu sou? – ela disse. Ela passou suas
mãos sobre o peito, e então deu uns tapinhas na bochecha. Os
olhos dela se arregalaram, e Max notou o quão escuro eles eram.
— Como isso aconteceu? – ela perguntou, e então gargalhou
mais uma vez, revelando uma boca com dentes afiados.
Max ficou sem fôlego. Ele havia visto fotos e vídeos de
Mogs, é claro. Todo mundo viu. Mas ele nunca viu um pessoal-
mente. E não deveria haver nenhum deles simplesmente an-
dando entre pessoas. Todos tinham sido capturados. Enviado
para aquela prisão. À primeira vista, Magdalena parecia uma
garota comum, mas se prestasse bastante atenção, notaria os
traços distintivos de um Mogadoriano.
Max olhou para o jovem tocando piano. Ele não parou, e
a música ainda ondulava pelo ar. Ele era um Mogadoriano tam-
bém? Max não pôde ver seu rosto com clareza suficiente para
dizer. Em vez disso, ele olhou para o garoto que o transportara
para lá. Ele definitivamente era humano. E estava sorrindo
como se essa tivesse sido a melhor pegadinha que ele já pregara
em alguém.
Max não achou nada engraçado. Ele sentiu seu pulso ace-
lerar ainda mais quando o pânico começou a dominá-lo. Se os
Mogs estavam lá, ele estava com sérios problemas. Ele tinha que
sair. Agora.
— Está tudo bem, Max.
Max se virou ao som de uma voz familiar. — Ghost!
Sua amiga estava ali. Ela parecia muito diferente desde a
última vez que ele a tinha visto. Cansada. E ela tinha uma cica-
triz na bochecha que ele não se lembrava. Mas quando ela sor-
riu, era a mesma Ghost de sempre. Ele nunca ficou tão feliz em
ver alguém. Ele correu até ela e a abraçou.
— Você está bem? Os Mogs estão te machucando? – ele
sussurrou.
— Nós estamos escutando. Você sabe né? – disse Magda-
lena.
— Tudo bem – disse Ghost. — Magdalena e Byron são
meus amigos.
O som do piano parou, e o jovem que o estava tocando
caminhou na direção deles. Ele estava vestindo jeans e uma ca-
miseta preta de Star Wars. A estatura dele e seus músculos
eram de um humano normal, talvez até um pouco magro de-
mais. Ele se aproximou e se jogou em uma das poltronas, colo-
cando as mãos nos braços do móvel. Ele olhou para Max e sor-
riu. Ao contrário de Magdalena, ele tinha dentes normais. E seus
olhos eram azuis. Se Max o tivesse visto na rua, ele teria pen-
sado que o cara era apenas outro adolescente comum. Mas ele
não era. Quantos deles estão por aí vivendo entre nós? Max se
perguntou.
— Esse relógio que você tem aí é muito chique – disse
Byron.
Max sentiu uma pontada de pânico atravessá-lo. Instinti-
vamente, ele estava tocando em seu relógio, desejando poder
chamar Seis e Sam para ajudá-lo. Ele puxou a manga do seu mo-
letom sobre o pulso. — É apenas um relógio – disse ele.
— Posso ver? – Byron perguntou.
Max pensou em dizer não, mas então ficou preocupado
que, se o fizesse, pareceria suspeito. Então, com relutância, o ti-
rou do braço, levantou-se e caminhou até Byron, segurando o
relógio. Estar tão perto de um Mog o deixou mais nervoso do
que jamais esteve em toda a sua vida.
Byron pegou o relógio. Seus dedos tocaram os de Max.
Max recuou. Byron riu. — Não se preocupe – disse ele. — Nós
não vamos mordê-lo.
Max recuou para a segurança relativa do sofá, onde Ghost
se sentou. Ele se sentou perto dela, sentindo qualquer coisa,
menos segurança. Ele ainda não entendia por que ela estava fi-
cando numa casa velha e assustadora com malditos Mogadori-
anos, e ela não explicou nada.
Byron examinou o relógio. — Nenhuma marca – disse ele.
— Onde você comprou?
Max sentiu a preocupação dentro dele ameaçar transbor-
dar. O relógio era sua única ligação com Sam, Seis e Nemo. Se
ele o perdesse, ele ficaria sozinho. Mas ele também não podia
deixar que Byron e os outros percebessem o quanto ele estava
chateado por tê-lo tirado.
— É uma regra padrão na AGH – disse ele, pensando no
tempo que passou na academia militar, para onde seus pais o
haviam enviado, e como todos eles receberam material padrão
por lá. Tarde demais, ele percebeu que isso poderia ser um erro.
— Alguém mencionou o acampamento para humanos
desajustados? – disse uma voz feminina.
Uma nova garota entrou na sala. Mais alta que Byron, ela
tinha cabelos loiros marcantes, que estavam puxados para trás
em um rabo de cavalo que pendia até a cintura. Ela usava calças
de couro preto enfiadas em botas de couro de cano alto. Uma
jaqueta de couro justa cobria seus seios, presa com um sistema
complicado de tiras e fivelas. Ela tinha desenhos negros tatua-
dos em seu rosto, partindo de debaixo do cabelo e se esten-
dendo pelo lado esquerdo do rosto.
A garota parou em frente ao sofá e olhou para Max, com
as mãos nos quadris. — Eu sou Eleni – disse ela. — E você deve
ser o Max. Ghost nos disse muito sobre você.
Max não sabia o que dizer. Ele ainda não tinha se dado
conta do fato de que ele estava em uma sala com Mogs. Era
como acordar e se encontrar na cama cercado por tigres. Seus
instintos lhe disseram para correr, mas não havia saída. Além
disso, Ghost não parecia incomodada com a presença deles. Ela
estava sentada calmamente ao lado dele, e isso o fez se sentir
um pouco menos desconfortável. Mas só um pouco.
— É... hum... prazer em conhecê-la – disse ele.
— Hum – disse Eleni. Ela olhou para ele por mais um
longo momento, depois se virou para Byron. Ela estendeu o
braço e ele colocou o relógio de Max nela. Eleni o examinou de
perto. Ela tocou nos botões. A cada momento que passava, o nó
no estômago de Max ficava cada vez maior.
— A tecnologia humana é tão divertida – disse Eleni.
— Não é nada especial – disse Max.
Eleni não disse nada quando colocou o aparelho no bolso
e sentou-se na outra poltrona. — Byron, por que você não vai
buscar algo para nosso convidado? Tenho certeza que ele gos-
taria de um bom refresco.
Byron se levantou e saiu da sala. Eleni voltou sua atenção
para Max. — Agora, vamos falar sobre por que você está aqui –
disse ela.
O choque de ser teleportado para longe e acabar num
quarto com Mogadorianos fez Max esquecer o motivo pelo qual
ele estava lá. Agora ele se virou para Ghost. — Você disse que
queria minha ajuda.
— Eu preciso – disse Ghost.
— Você disse que estava pensando em ir para a AGH –
disse Max.
— Sim – disse Ghost. — Essa parte não é totalmente ver-
dade. Mas eu não sabia como fazer você vir falar comigo. Eu es-
tava com medo, talvez eles tenham contado coisas sobre mim
que não são verdades.
— Fiquei sabendo sobre o que aconteceu no México –
disse ele. — E na Argentina.
Ghost franziu a testa, mas não disse nada.
— Eu ainda teria falado com você – disse Max. — Você é
minha amiga, Ghost. Você não precisava ter me sequestrado.
— Não tínhamos certeza do que eles poderiam ter feito
com você – disse Eleni, antes que Ghost pudesse falar alguma
coisa. — Como a Ghost disse, provavelmente você ouviu muitas
coisas que não são verdades. Sobre ela. Sobre nós. Sobre a cha-
mada Garde Terrestre.
Max olhou para ela. Seu medo foi lentamente sendo subs-
tituído pela raiva. — Eu sei a mesma coisa que todo mundo sabe
– ele disse hesitante.
— Sobre nós, você quer dizer – disse Eleni.
Max encolheu os ombros. — Sim.
— A Garde que te levou de Nova Orleans – disse Eleni. —
Ela te contou alguma coisa sobre a história entre os nossos po-
vos?
— Seis, você quer dizer? – Max disse. — Não. Ela nunca
disse nada sobre vocês. Por quê?
O rosto de Eleni endureceu. — Eles envolveram vocês em
nossa guerra. Nos fizeram vir até aqui para tentar reivindicar o
que eles nos tiraram. Eles fazem vocês acreditarem que somos
monstros.
Max não disse nada. Ele viu notícias suficientes sobre a
guerra. Histórias ouvidas. Ele sabia que elas não foram inventa-
das.
Só então Byron voltou e entregou a Max um copo cheio
de uma bebida escura.
— Cerveja Root – disse ele. — É a favorita de Ghost, então
achei que você também poderia gostar.
Max aceitou a bebida, evitando tocar na mão de Byron.
Vários cubos de gelo tilintaram quando Max jogou a bebida em
sua boca. Ele a engoliu enquanto Eleni continuava falando.
— É verdade que algumas pessoas do meu povo — a ge-
ração mais velha — lidaram de uma forma ruim com as coisas
– disse ela. — Você tem que entender que eles estavam apenas
reagindo ao que foi feito a eles. A nós. A nossa casa. Mas não
somos todos assim. Nossa geração — ela indicou Byron e Mag-
dalena — é diferente. Nós queremos ajudar. Compartilhar tec-
nologia e descobertas científicas. Trazer a paz, para que todos
possamos viver juntos. Sermos amigos. Os Lorienos não que-
rem que isso aconteça.
— Eles não querem? – Max disse, limpando a boca com
as costas da mão enquanto colocava o copo, agora vazio, sobre
uma superfície.
Eleni sacudiu a cabeça. — Eles querem manter o controle
com eles – disse ela. — Você vê como eles estão forçando o iso-
lamento e impondo controle sobre aqueles de vocês com pode-
res?
Max encolheu os ombros. — É para o nosso próprio bem
– disse ele. — Eles estão nos ajudando a aprender a usar nossos
Legados.
— Por enquanto, talvez – disse Eleni. — Eu lhe garanto
que em breve será diferente. Em breve eles vão querer mais
controle. Eles não querem que você saiba do que você é real-
mente capaz.
Max pensou na AGH. Sim, eles tinham muitas regras. E
Eleni estava certa de que as crianças com Legados tinham que
se reportar, por lei. Isso não parece um grande problema, no
entanto.
Então, novamente, nem tudo foi ótimo. — Eles me deixa-
ram fora de tudo – disse ele. — Eu não acho que eles confiam
em mim, porque eu continuei defendendo Ghost e dizendo que
precisávamos ajudá-la.
Eleni assentiu. — Mas a outra garota – Nemo – ela é
amiga de Ghost também, não é?
— Ela era – disse Ghost, sua voz grossa de raiva. — Não
é mais.
— Nemo é mais parecida com eles – disse Max. — Ela e
Seis se tornaram amigas.
— É claro – disse Eleni.
— Elas são muito parecidas – disse Max. — Ela ajuda
Nemo com os Legados. O mesmo acontece com Nove. Eu acho
que eles acham que o que ela faz é legal ou algo assim.
— Ela respira debaixo d'água, eu soube – disse Eleni.
— Sim – confirmou Max. — O que é ótimo. Mas eles não
sabem explorar isso nela.
— E você? – Eleni perguntou. — Você não tem um Legado
legal?
— Meu legado? – Max disse. — É legal, eu acho.
— Ele pode entender qualquer idioma – disse Ghost, sua
voz praticamente um sussurro.
— Ele pode? – Eleni disse. — ТЬІ ХОЧеШЬ ЧТО-НИбУДЬ
ВЬІПИТЬ, МаКС?
— Talvez outra cerveja? – Max disse.
— Me temo que solo tengo agua – respondeu Eleni.
— Tudo bem – disse Max, sorrindo. — A água eu aceito.
Byron, que esteve observando em silêncio, bateu palmas.
— Isso é um truque legal – disse ele.
— Om inte han redan visste ryska och spanska – disse
Magdalena de seu lugar à mesa.
— Eu não sei muito do russo ou espanhol – disse Max. —
Ou o idioma que você estava falando. Bem, talvez um pouco de
espanhol, mas é porque estudei um ano na escola.
— Magdalena estava falando sueco – disse Eleni. — En-
tão você não sabe qual é o idioma que está ouvindo ou como
falá-lo?
Max sacudiu a cabeça. — Eu só sei o que a pessoa está
dizendo.
— Isso é lamentável para você – disse Eleni. — Embora
talvez possamos aprimorar isso.
— Aprimorar? – Max disse. — Como?
— A Garde não é a única que pode ajudá-lo a aprender a
usar seus dons – Eleni disse.
Max estava prestes a responder quando percebeu que ela
havia falado em outro idioma que ele não conhecia. Ao contrá-
rio dos outros idiomas, no entanto, este não parecia nada com
o que ele já tivesse ouvido antes.
— Isso era mogadoriano? – ele perguntou animada-
mente.
— Você entendeu? – perguntou Eleni.
Max assentiu. — Mas como você pode me ajudar? Mogs...
Mogadorianos não têm Legados – disse Max.
— Bem, isso não é totalmente verdade – disse Eleni. —
Você deve ter ouvido aqueles Gardes com quem você está en-
volvido falarem sobre os experimentos que nossos cientistas
vêm fazendo.
— Eles mencionaram isso – disse Max com cuidado. Ele
pensou em como Seis e Sam perderam seus Legados por causa
do soro que o homem chamado Drac havia injetado neles. E ele
ouviu que Bray, o cara por trás de tudo isso, se transformou em
algum tipo de monstro porque ele tinha injetado em si mesmo
uma droga que deveria ter lhe dado Legados, mas que não acon-
teceu.
— Como eu disse, nem tudo o que você ouviu é verdade,
Max – disse Eleni suavemente. Ela olhou para ele e sorriu. —
Alguns erros foram cometidos – continuou ela. — Mas as pes-
soas que os cometeram não estão mais trabalhando conosco.
Max assentiu. Tudo o que Eleni estava dizendo fazia
muito sentido. Ele olhou para Ghost, que sorriu para ele. Ele
tentou pensar que tudo ficaria bem agora. Por que ele estava
tão preocupado?
— Acho que vamos ser bons amigos, Max – disse Eleni. —
Você não acha, Byron?
Byron assentiu e sorriu. — Muito bons amigos – disse.
— Amigos maravilhosos – disse Magdalena.
Eleni olhou para Ghost. — Por que você não mostra ao
Max o quarto dele? Tenho certeza de que ele está cansado.
Max bocejou, como se o fato de ela dizer que ele estava
cansado o fizesse ficar assim. Mas foi um longo dia. Ghost se le-
vantou, e ele também. — Boa noite – disse ele. — Vejo todos
vocês pela manhã.
— Não se te vermos primeiro – disse Magdalena, sem le-
vantar os olhos.
— Boa noite, Max! – disse Eleni. — Durma bem.
Ghost saiu da sala, e Max a seguiu. Eles andaram por um
longo corredor iluminado por lâmpadas a gás antiquadas. As
paredes estavam cobertas com papel ornamentalmente pin-
tado que estava descascando em alguns lugares, revelando
gesso por baixo.
— Como Byron disse que esse lugar é chamado mesmo?
– disse Max. — Rothwood?
— Sim – disse Ghost. — Eu acho que é o nome da família
que o construiu ou algo assim.
— E onde exatamente estamos? – Max perguntou. —
Tem um cheiro parecido com o de... pântanos.
— É – disse Ghost, mas ela não deu mais informações do
que isso. — A casa é muito antiga.
Eles chegaram a uma escada, um conjunto de largos de-
graus de madeira que levavam ao andar superior. As tábuas es-
tavam bem gastas, como se incontáveis pés tivessem subido e
descido ao logo do tempo. Ghost e Max subiram e se encontra-
ram em outro corredor. Este tinha portas de ambos os lados,
todas fechadas. As mesmas lâmpadas de gás iluminavam o es-
paço com uma luz fraca e bruxuleante.
— Este lugar não tem eletricidade? – ele perguntou.
— Tem sim – respondeu Ghost. — Mas os velhos canos
de gás ainda estão aqui também – ela caminhou quase até o fim
do corredor e abriu uma porta do lado direito. Eles entraram
em um quarto.
— Este é o seu quarto – disse ela enquanto Max olhava
em volta. — O meu está do outro lado do corredor.
Como o resto da casa, a sala estava cheia de móveis pesa-
dos e escuros. A enorme cama tinha algumas cortinas que esta-
vam dobradas sobre ela. Através de uma porta aberta, Max po-
dia ver o banheiro. Ele se sentou na cama e afundou no colchão.
Ele tinha muitas perguntas. Mas de repente ele estava exausto,
e tudo o que ele conseguia pensar era em dormir. Ele vaga-
mente pensou em Seis e Sam, e se perguntou como eles o en-
contrariam agora, mas isso parecia sem importância. Ele pode-
ria se preocupar com isso mais tarde.
— Estou feliz que você esteja aqui, Max – disse Ghost. —
Eu senti muito a sua falta.
— Eu também senti sua falta – disse Max.
— E me desculpe por ter mentido sobre querer ir à Aca-
demia e enviar Scotty quando disse que eu iria. Essa ideia foi da
Eleni. Ele domina o melhor o Legado melhor do que eu, e ela
sabia que ele não teria dificuldade em tirar você de lá caso hou-
vesse algum problema. Ela é um pouco desconfiada.
— Eu que o diga – disse Max. — E está tudo bem. Eu en-
tendi.
— Então você não está bravo?
Max sacudiu a cabeça. — Você sabe que eu nunca poderia
ficar com raiva de você – disse ele. — Eu—
Ghost se inclinou para frente e o beijou. Só por um se-
gundo e depois riu.
—Desculpe – disse ela, desviando o olhar. — Senti sua
falta. Eu não queria...
— Não, tudo bem – disse Max rapidamente.
Ghost olhou para ele. — Mesmo?
Max assentiu. — Sim – ele disse. Apesar de sua felicidade,
ele se viu bocejando de repente, mais uma vez.
— Uau, eu sou tão ruim assim? – perguntou Ghost.
— Não! Você é ótima! Eu que estou exausto.
— Eu estava apenas brincando – disse Ghost. — Você de-
veria ir dormir. Nós podemos conversar amanhã.
Max assentiu. Ghost foi até a porta. — Boa noite! – disse
ela, e saiu, fechando a porta atrás dela.
Max foi ao banheiro, onde encontrou uma escova de den-
tes e outras coisas no balcão da pia. Ele escovou os dentes e vol-
tou para o quarto.
Despindo-se, ele foi para a cama, apagou a lâmpada na
mesa de cabeceira e se aconchegou na maciez dos cobertores.
Ele não podia acreditar que Ghost o havia beijado. Seu estô-
mago ainda parecia engraçado. O melhor de tudo, ele não estava
mais com medo.
Tudo vai ficar bem, ele pensou enquanto fechava os olhos.
Ele estava tão cansado que adormeceu muito rápido, não
ouvindo o clique da porta. Alguém havia a trancado pelo lado
de fora.
SAM
SAN FRANCISCO, CALIFÓRNIA
—
Sam olhou para a leitura na tela do computador mais
uma vez. — É o que diz aqui – ele disse.
Eles ainda estavam no shopping. Max e Scotty desapare-
ceram há apenas alguns minutos. Com sorte, o relógio de Max
também tinha um rastreador. Ele mostrou a localização logo de-
pois.
— Que diabos têm lá? – Seis perguntou.
— Scotty e Max, aparentemente – Sam disse.
— E Ghost – disse Seis. — Fomos enganados.
Sam assentiu. Alguma coisa estava muito errada. — E
agora?
Seis deu de ombros. — Vamos para o Alabama. Qual a lo-
calização exata?
Sam se comunicou com o telefone, pedindo para ele cal-
cular exatamente as coordenadas. Ele teimosamente se recu-
sou. — Não, eu não quero uma receita de frango à parmegiana
– ele suspirou. — Eu acho que vou ter que fazer isso da maneira
difícil – ele disse, digitando.
— Eu vou ficar muito agradecida quando nossos Legados
voltarem a ser totalmente confiáveis – Seis levantou sua mão e
a observou quando ela começou a ficar translúcida, mas parou
antes de se tornar completamente invisível.
— Ele está a mais ou menos uma hora a noroeste de Mo-
bile – disse Sam. Ele fez mais algumas pesquisas. — Que estra-
nho. Parece que é bem no meio de um pantanal.
Seis demonstrou nojo. — Certo – ela disse. — Isso não é
bom, mas eu acho que poderia ser bem pior. Quão longe é?
Sam pesquisou. — Trinta e quatro horas de carro – disse
ele. — Ou podemos pegar um vôo logo depois da meia-noite de
hoje e estar lá um pouco depois das nove da manhã de amanhã.
— Isso é o melhor que vamos conseguir – disse Seis. —
Compre duas passagens.
— Quatro – disse Sam, contando nos dedos.
Seis suspirou. — Eu esqueci sobre aqueles dois. Isso com-
plica as coisas. Eles realmente vão nos atrasar.
— Bem, nós não podemos simplesmente deixá-los por aí
– disse Sam. — E nós não podemos levá-los de volta para a Aca-
demia. Por um lado, eles não vão querer ir. Por outro... – ele dei-
xou o pensamento inacabado.
— Eu sei – disse Seis. — É minha culpa.
— Eu não disse isso – Sam respondeu. — E não é sua
culpa. Bem, é um pouco sua culpa. Mas nenhum deles quer estar
lá, então isso realmente não importa.
Seis olhou para o relógio. — Aquele voo sai em quatro
horas – disse ela. — Nós temos que ir. Compre quatro passa-
gens.
— Se eu usar um cartão de crédito, eles poderão nos ras-
trear – Sam lembrou.
— Droga. Então nós vamos para o aeroporto. Vamos
comprá-los em dinheiro. Nós fizemos isso o tempo todo quando
estávamos viajando.
— Sim, mas éramos apenas dois – disse Sam. — Quatro
adolescentes viajando juntos de última hora? Isso vai parecer
estranho – ele pensou por um momento. — Mas eu tenho uma
ideia – disse ele. — Vamos.
Eles voltaram para o estacionamento, onde Nemo come-
çou a enchê-los com perguntas no instante em que entraram no
SUV.
— Está tudo bem – disse Seis. — Eu explicarei tudo
quando estivermos no aeroporto.
— Aeroporto? – disse Nemo. — Eu pensei que o Ghost
iria voltar para a Academia.
— Houve uma pequena mudança no plano – disse Seis a
ela. — Agora eu preciso saber se vocês têm RG. Com seus ver-
dadeiros nomes – acrescentou ela, olhando para Nemo de ma-
neira significativa.
— Eu tenho um RG com um nome – respondeu Nemo.
— Ótimo – disse Seis. — Seamus?
Seamus assentiu. — Por quê?
— Porque vocês vão precisar para embarcar no avião
que vamos pegar – disse Seis, ligando o carro.
Sam indicou o aeroporto de San Francisco para o sistema
de navegação do SUV e o Seis pegou a estrada. Quando eles che-
garam, pegaram suas mochilas e entraram no terminal.
— Será que você pode me dizer o seu plano brilhante
agora? – Seis perguntou enquanto se aproximavam dos balcões.
Sam foi até uma das máquinas de check-in automático. —
Simples – disse ele. — Vou acessar o sistema de reservas e im-
primir quatro passagens de embarque.
Seis sorriu. — Brilhante – disse ela. — Se funcionar.
— Só há uma maneira de descobrir – disse Sam com um
sorriso. — Preciso do RG de vocês.
Nemo e Seamus entregaram suas identidades. Sam olhou
para os documentos. — Eula-Mae Butterfield? – ele disse,
olhando para Nemo.
— O que você esperaria por vinte dólares? – ela disse.
Sam colocou a mão na tela de interação, fingindo estar
comprando as passagens. Conectou se então ao computador in-
terior, direcionando-o para procurar o voo para Mobile, e de-
pois para reservar quatro assentos. Como tinha acontecido
quando ele interagiu com o caixa eletrônico, seu Legado funci-
onou de forma intermediária.
— Não, não Moline – ele murmurou para a máquina. Ele
se concentrou mais. — Alabama! Não Alasca.
Ele temeu que seu Legado estivesse falhando de novo.
Mas finalmente, a máquina correspondeu ao seu pedido. Sam
deu um suspiro de alívio.
— Você quer na janela ou no corredor? – ele perguntou a
Seis. — Rápido, antes que ele decida me dar ingressos para a
Argentina.
— Corredor – disse ela. — Mais espaço para as pernas.
O computador preencheu as informações como Sam
mandou, a partir dos documentos de identidade que lhe entre-
garam. Um momento depois, a máquina começou a imprimir as
passagens de embarque. Sam os pegou, verificou os nomes e os
entregou aos outros.
— Se eu tivesse o seu Legado, compraria lugares na pri-
meira fila para todos os shows que eu quisesse ir – disse Nemo.
— Você já pensou em ser um cambista?
— Eu só uso meus poderes para o bem, Eula-Mae – disse
Sam. — Todo mundo pronto?
— Espere um minuto – disse Seis. Ela olhou para Seamus.
— Tudo o que você tem nessa mochila vai acionar os scanners
na segurança.
— Sam não pode usar seus truques de mágica como ele
fez aqui? – Seamus perguntou.
— Eu não sei se gosto da ideia de levar explosivo para um
avião – disse Sam.
— É uma droga nunca sabermos quando eles serão úteis
– Seis apontou. — Seria uma pena deixá-los para trás.
— Vou ver o que posso fazer – disse Sam.
A fila que estava passando pelo sistema de segurança era
curta, já que não havia muitos voos saindo tão tarde da noite.
Sam estava nervoso porque a mulher que verificava os docu-
mentos das passagens de embarque suspeitaria do nome im-
provável de Nemo, mas ela mal olhou para ela antes de entregar
os documentos e dizer: — Tenha um bom voo, Srta. Butterfield.
Então eles estavam indo para os scanners, o que deixou ele ner-
voso de novo. Quando Seamus colocou a mochila na esteira,
Sam alcançou a máquina com seu Legado. Isso ia ser mais com-
plicado do que comprar passagens. Ele teve que enganar a pes-
soa que estavam olhando para as imagens do scanner, não ape-
nas bloqueá-las ou fazê-lo ter um mau funcionamento. E com
seu Legado ainda se recusando a cooperar de maneira confiá-
vel, também precisaria de muita sorte.
Como a mochila de Seamus era semelhante a uma que es-
tava à frente na fila, Sam disse à máquina para reverter suas
imagens na tela. Um momento depois, ele viu o funcionário que
trabalhava no scanner olhar para a tela com uma expressão con-
fusa. Ela moveu a esteira para frente, olhou para a mochila que
saiu e depois reverteu o cinto.
— Algo está errado com a minha máquina – disse ela. —
Está mostrando uma bolsa para notebook, não uma mochila.
O funcionário de outra estação perguntou aos outros: —
Algum dos seus scanners mostra uma mochila?
— O meu mostra – a funcionária que supervisionava a fila
de Sam respondeu. — Você tem uma bolsa para notebook?
— Não.
— Eu tenho uma bolsa para notebook aqui – um terceiro
funcionário falou. — Quem está com a imagem da bagagem com
equipamentos de mergulho por aí, porque é isso que está apa-
recendo na minha tela agora.
Sam entrou em pânico. Em vez de apenas uma, ele havia
mudado a imagem de todas as máquinas. Agora os funcionários
seriam mais cautelosos. Eles podem até decidir verificar todas
as malas, e então ele e os outros estariam acabados. Por que ele
pensou que isso seria uma boa ideia com seus Legados falhando?
Enquanto os funcionários se apressavam tentando des-
cobrir o que estava acontecendo, ele rapidamente falou com as
máquinas novamente, tentando consertar a confusão. Mas an-
tes que ele pudesse fazer alguma coisa, Sam viu um guarda de
segurança pegar a mochila que estava parada na esteira.
Sam se preparou. Se o guarda descobrisse que havia uma
bomba na mochila de Seamus, ele usaria sua telecinese para
derrubar todos os funcionários para que ele, Seis e os outros
pudessem fugir. Mas então o guarda acenou para uma garota à
frente de Seamus. — Senhorita, você poderia vir até aqui? – ele
disse.
Milagrosamente, a mochila de Seamus tinha passado di-
reto, despercebida na confusão. Seamus a recolheu e se juntou
a Seis e Nemo, que já estavam prontas e esperando. Sam focou
novamente, dizendo para as máquinas para voltarem a traba-
lhar normalmente. A funcionária de sua fila olhou para a tela,
verificou se a mochila de Sam combinava com o que viu e assen-
tiu. — Elas estão funcionando de novo – disse ela aos outros. —
Deve ter sido uma falha.
— Máquinas – Sam disse, sorrindo para ela. — Elas são
tão temperamentais.
A mulher grunhiu e assentiu. Sam pegou suas coisas e foi
até os outros. Enquanto colocava os sapatos, ele ouviu o segu-
rança dizer para a garota que ele chamou: — O que é isso?
— Uma bomba de banho – disse a menina.
— Sinto em dizer que você terá que vir comigo – disse o
agente severamente.
— Não é uma bomba de verdade – disse a garota frus-
trada. — Ela só faz bolhas na banheira.
— Isso é tudo culpa sua, você sabe né? – disse Nemo para
Sam.
Sam, se sentindo culpado pelo problema que causou à
menina, olhou para ela de forma simpática enquanto o grupo
caminhava até o portão de embarque. Eles tinham um pouco de
tempo livre antes do embarque, então ele e Seis foram comprar
café, enquanto Nemo e Seamus ficaram cuidando das malas.
— Eu costumava amar estar em aeroportos – disse Sam
enquanto se sentavam em uma cafeteria. — Sempre significou
que estávamos indo para algum lugar novo e excitante.
— O Alabama é algo novo – disse Seis.
— Mas não emocionante – disse Sam. Ele hesitou antes
de continuar. Ele estava pensando em quanto tempo demoraria
até resgatarem Max. — Muita coisa pode acontecer nas próxi-
mas doze horas.
— Ele vai ficar bem – Seis assegurou.
— Ele não é Nemo – disse Sam. — Ou Rena. Ele não pas-
sou pelo que elas passaram.
— Nem você tinha passado por coisas assim quando se
envolveu em tudo isso – Seis lembrou. — E você conseguiu. Max
também vai.
Sam suspirou. — Você acha que deveríamos chamar re-
forços?
Seis colocou o café na mesa. — Tipo quem? – ela disse. —
Nove? McKenna? – ela balançou a cabeça. — Não. Ainda não.
— Ainda não? – disse Sam.
— O que eles vão fazer que não faríamos? – Seis pergun-
tou.
— Chegar lá mais rápido – disse Sam. — Ter algum lugar
para manter Nemo e Seamus fora do caminho. Equipamentos e
reforços.
Seis pegou o café e deu um longo gole. — Temos equipa-
mentos – disse ela.
— A bom…bolhas de Seamus? – Sam disse.
— Temos nossos Legados – disse Seis. — Isso geralmente
é tudo que precisamos.
— Exceto que eles ainda não estão funcionando cem por
cento – disse Sam, pensando no fiasco que acabaram de passar.
— Eles estão quase lá – disse Seis.
Sam sabia que era melhor não continuar a discussão.
Além disso, falar sobre isso interminavelmente não mudaria
nada. Ele então ficou sentado, tomando seu café em silêncio e
imaginando o que encontrariam no Alabama no dia seguinte.
Esperançosamente, apenas Scotty se escondendo em algum lu-
gar. Ghost também, se eles tivessem sorte. Se fosse mais do que
isso, ele talvez terá que ressuscitar a ideia de ligar para Nove ou
McKenna.
Eles terminaram suas bebidas e então voltaram para o
portão de embarque assim que os atendentes anunciaram a
partida. Havia menos de duas dúzias de pessoas no voo, então
todo o processo foi rápido, e logo os quatro estavam sentados,
Seis e Sam de um lado do corredor e Nemo e Seamus do outro.
Quinze minutos depois estavam no ar. Nemo, que comprou um
romance do Stephen King no aeroporto, começou a lê-lo. Sea-
mus colocou fones de ouvido e se deitou, fechando os olhos.
Seis, que estava sentada do lado da janela, caiu no sono.
Sam invejava sua capacidade de fazer isso. Ele sabia que deveria
descansar também, mas não conseguia se sentir confortável.
Além disso, ele ainda estava preocupado. Seis parecia estar con-
fiante de que tudo iria ficar bem, mas ele não conseguia afastar
a sensação de estar caminhando para algo mais complicado do
que esperavam.
Eventualmente, a exaustão acabou com a preocupação e
ele também pegou no sono. Mas depois do que pareceu apenas
alguns minutos, o piloto anunciou a descida para o Aeroporto
Intercontinental George Bush em Houston, onde mudariam de
avião. Sam acordou Seis, enquanto do outro lado do corredor
Nemo, que parecia não ter dormido, dobrou a página do livro e
o colocou em sua mochila antes de acordar Seamus de uma
forma não tão gentil.
Já passava das seis da manhã no horário local, embora
para Sam ainda parecesse o meio da noite. Ele se sentou na sala
de espera enquanto os outros saíram em busca de café da ma-
nhã, voltando a se preocupar com os próximos passos. A pri-
meira coisa que ele fez foi verificar se o relógio de Max ainda
estava transmitindo a localização. Ele ficou aliviado ao ver que
estava, e que ele não se moveu. Essa era uma das principais pre-
ocupações da sua lista. Quando Seis voltou com comida e suco
de laranja para ele, ele aceitou com gratidão.
— Você ainda está preocupado – disse Seis.
— É o meu trabalho – respondeu Sam. — Seu trabalho é
me dizer que tudo vai ficar bem.
— Tudo vai ficar bem – disse Seis.
— Obrigado – disse Sam. — Agora me faça acreditar.
Um momento depois, Nemo e Seamus apareceram. E não
muito depois ouviram o anúncio de que o segundo voo deles
estava embarcando. Sam se levantou rapidamente e pegou sua
mochila. Seis o seguiu.
Este voo foi mais curto que o primeiro e, noventa minu-
tos depois, eles pousaram em Mobile. Assim que saíram do
avião, Nemo disse: — Para onde agora?
— Precisamos de um carro – disse Sam. — Vocês aguar-
dam na retirada da bagagem. Com sorte, volto logo.
Ele foi até um local que alugava carros, e foi seguiu até o
espaço onde os carros ficavam estacionados. Mas em vez de en-
trar, ele andou rapidamente pelas fileiras até chegar a um Ford
Explorer branco. Ele abriu a porta e entrou. Como ele esperava,
a chave já estava na ignição.
A parte difícil deveria ser sair com o carro sem o código
de acesso. Mas, felizmente, ao dizer para o computador o que
ele precisava ouvir, o portão se abriu sem qualquer problema.
Sam então estava na rua e dirigindo de volta para o aeroporto,
sem ter perdido muito tempo. Quando chegou aos outros na re-
tirada de bagagens, ele abaixou o vidro e falou para Seis: — Pre-
cisa de uma carona?
Enquanto se afastavam do aeroporto, as cidades por
onde passavam ficavam cada vez menores, e um pouco antes do
meio-dia estavam passando por pequenos conjuntos que só po-
deriam ser chamados generosamente de barracos. Eles esta-
vam longe no meio do país agora, e Sam estava começando a se
perguntar se eles estavam seguindo numa perseguição peri-
gosa.
De acordo com as coordenadas enviadas pelo relógio de
Max, eles estavam a sete quilômetros de onde ele estava. Mas
tudo o que parecia existir ao redor deles era o pantanal. Quando
Sam viu um pequeno posto de gasolina do lado da rodovia, ele
seguiu até lá. Atrás do balcão, um homem velho de macacão
desbotado e camisa azul estava parado como se estivesse espe-
rando alguém entrar há mais ou menos cem anos.
— Precisa abastecer? – ele perguntou a Sam.
— Sim – disse Sam, tirando o dinheiro do bolso. — Mas
também tenho uma pergunta. Existe alguma casa por aqui?
— Casas? – o homem disse. Ele pareceu pensar um
pouco, como se ninguém tivesse perguntado algo do tipo antes.
— Bem, existem algumas casas antigas em algumas pequenas
estradas adjacentes. Mas elas foram abandonados há anos. Na
maioria das vezes.
— Na maioria das vezes? – Sam disse.
O homem assentiu. — Às vezes ouvimos sobre pessoas se
escondendo nelas. Porém, ninguém conseguiria ter uma vida
normal la. Não mais. Elas basicamente estão prestes a sucum-
bir. A única que ainda tem seu telhado e suas paredes no lugar
é a casa Rothwood.
— Oh – disse Sam. — Onde ela fica?
O homem olhou para ele com desconfiança, como se Sam
estivesse pensando em se mudar para lá e viver sem pagar alu-
guel.
— Eu sou fotógrafo – disse Sam. — Gosto de fotografar
lugares antigos.
O homem pareceu achar aquela uma resposta satisfató-
ria. — Você só precisa seguir pela a rodovia por cerca de um
quilômetro e entra na estrada de terra. Siga por ela até o final.
Talvez seja preciso seguir uma parte a pé, caso alguma árvore
tiver caído. Mantenha os olhos abertos para as cobras. Geral-
mente elas não aparecem nessa época do ano, mas hoje está
quente.
— Obrigado – disse Sam. Ele entregou ao homem o di-
nheiro. — Vou abastecer e pegar a estrada.
Ele saiu, começou a abastecer o Explorer e se inclinou na
janela para falar com o Seis. — Acho que talvez eu tenha desco-
berto para onde estamos indo – ele disse. Ele a contou o que o
velho lhe dissera.
— Uma casa? – Seis disse. — No meio de um pântano?
— Provavelmente existem fantasmas lá – comentou Sea-
mus, enquanto ele fazia algo no celular. Quando ele percebeu
que um silêncio estranho havia se instalado, ele ergueu os
olhos. — Oh. Desculpem. Eu não quis dizer—
— Nós sabemos o que você quis dizer – interrompeu
Nemo. — Mas não é esse tipo de fantasma que estamos procu-
rando.
Sam ouviu a bomba de combustível se desligar. Ele remo-
veu o bocal do tanque, fechou a portinha e voltou para dentro.
Pegando a estrada, ele seguiu as instruções do velho. Ele quase
perdeu a entrada da estrada de terra, já que havia muita grama
alta, mas no último minuto ele a viu e virou o Explorer para que
entrasse na estrada de terra esburacada.
— Nós não vamos simplesmente dirigir até lá, né? –
Nemo perguntou do banco de trás.
— Não – disse Sam. — Vamos parar em algum lugar aqui
e seguir a pé. A que distância estamos? – ele perguntou para
Seis, que estava monitorando a posição deles no notebook.
— Cerca de meio quilômetro – disse ela. — Se isso estiver
certo.
Sam parou o carro. Olhando pelo para-brisa, ele não via
nada além do pantanal. A estrada de terra seguia direto para
dentro, desaparecendo sob as sombras de algumas árvores das
quais musgos pendiam como se fossem cortinas.
— Bem – ele disse. — Estamos prestes a descobrir.
MAX
PENSACOLA, FLÓRIDA
—
Max olhou para Byron e sacudiu a cabeça. — Não. Eu não
tenho idade suficiente para isso. Você não tem que ter dezoito
anos para fazer uma?
Byron riu. — Não se você conhece as pessoas certas.
Ghost, mostre a ele a sua tattoo.
Ghost puxou a manga de sua blusa. No antebraço es-
querdo, logo abaixo da dobra do cotovelo, havia um círculo com
cinco pontos dentro desenhados a distâncias iguais ao redor da
circunferência. Uma linha corria de um ponto diagonalmente
através do círculo para se conectar com outro ponto no lado
oposto.
— O que é isso? – Max perguntou.
— Uma estrela – Ghost respondeu. — Bem, a primeira
parte de uma. Eu adicionarei as outras linhas depois, quando
eu—
— Quando ela alcançar certos objetivos – disse Byron.
Ele olhou para Ghost, que olhou para baixo.
— O que significa isso? – Max perguntou.
— É um símbolo – disse Byron. — Do nosso grupo. Nossa
família.
— Oh – disse Max. Ele não tinha certeza do que Byron es-
tava querendo dizer, mas gostou da ideia de que a tatuagem sig-
nificava que Ghost era parte de alguma coisa. — É legal.
— Você quer fazer uma? – Byron perguntou.
— Eu? – Max disse. — Ah... acho que não. Meus pais me
matam.
— Eu não vejo seus pais aqui. Você os vê? – Byron fingiu
olhar em volta.
Max riu. — Certo – disse ele. — Às vezes eu esqueço que
não preciso mais me preocupar com eles.
Pensar em seus pais fez com que Max se sentisse triste.
Ele olhou para o oceano. Byron e Ghost o trouxeram para Pen-
sacola para passar o dia. Byron disse que queria mostrar a praia
para Max. Ele já tinha visto praias antes, então ele realmente
não sabia qual seria a novidade. Mas o pensamento de passar o
dia com Ghost era atraente. Eleni e Magdalena disseram que ti-
nham coisas para fazer em casa, então eles não vieram.
Com Ghost ao seu lado, Max estranhamente se acostu-
mou a estar perto dos Mogadorianos. Ajudou Byron e os outros
para que não parecessem tão diferentes das pessoas que lota-
vam a praia. Estava frio demais para nadar, mas isso não impe-
dia as pessoas de fazer outras coisas. Eles caminharam. Cães
perseguiam bolas e frisbees. Na praia, um jogo de vôlei estava
rolando, enquanto em algumas mesas de piquenique um grupo
barulhento estava rindo e cantando junto com a música que es-
tava tocando num rádio.
— Não pense em seus pais – a voz de Ghost penetrou nos
pensamentos dele quando ela se inclinou contra ele pegou sua
mão. — Você tem a mim agora.
Max olhou para os braços entrelaçados e viu a tatuagem
dela novamente. Ele apertou a mão dela. — Eu acho que eu
quero uma – disse ele. — Uma tatuagem, quero dizer.
— É isso ai! – disse Byron, pulando do banco em que es-
tavam sentados. — Vamos.
— Agora? – Max perguntou.
— Porque esperar? Vamos nos encontrar com meu
amigo – disse Byron, enquanto Ghost se levantou e puxou Max
com ela.
Eles caminharam pela calçada, passando por lojas e res-
taurantes. Os pensamentos de Max se agitaram enquanto ele
pensava no que estava prestes a fazer. Quando chegaram a um
lugar chamado Skwid Ink e Byron abriu a porta, Max hesitou.
— Não se preocupe. Você vai ficar bem – disse Ghost, co-
locando a mão no ombro de Max.
Eles entraram. Enquanto Max olhava todos os desenhos
de tatuagem expostos nas paredes, Byron foi até a mesa, onde
havia um homem enorme com cabelos brancos iguais a neve.
Ele usava uma camiseta preta com o logotipo da Skwid Ink —
um cefalópode segurando agulhas de tatuagem em cada um dos
seus oito braços — e cada centímetro quadrado do corpo dele
parecia estar coberto com obras de arte coloridas. Ele também
tinha olhos azuis e um cavanhaque da mesma cor branca que o
cabelo dele.
— Byron! – o homem estrondou. — Está aqui para a ou-
tra sessão?
— Não para mim – disse Byron. — Para o meu amigo,
Max.
Ele acenou para Max vir. — Este é Hoth.
O homem enorme estendeu a mão e Max viu que os nós
dos dedos estavam tatuados com as letras S-I-N-K. Ele olhou
para a outra mão de Hoth, que estava descansando no balcão, e
viu que os nós dos dedos dela estavam marcados com as letras
S-W-I-M. Ele cumprimentou Hoth. — E aí – disse Max, tentando
parecer casual e não preocupado com a dor.
— Max está aqui para fazer seu círculo – disse Byron a
Hoth.
Hoth sorriu. — Outro irmão para a tribo – ele virou o
braço esquerdo, e Max viu que ele tinha uma tatuagem como a
de Ghost, exceto que todas as linhas da estrela estavam preen-
chidas.
— Suponho que sim – disse Max, incerto, olhando para
Ghost.
— Vamos lá para os fundos – disse Hoth.
Todos entraram na parte de trás da loja, onde havia vá-
rias cadeiras de estilo de barbearia espalhadas ao redor. Hoth
os levou até uma delas, deu um tapinha nela e disse: — Sente ai,
mano.
Max sentou na cadeira enquanto Byron e Ghost puxaram
duas cadeiras dobráveis e se sentaram. Max ficou inquieto en-
quanto observava o artista montar seu equipamento e jogar
tinta preta em vários copinhos de plástico. Então, Hoth pediu
para ele esticar seu braço esquerdo, o qual ele limpou com um
algodão de álcool antes de aplicar um estêncil.
— Como está a aparência? – perguntou Hoth.
— Ótima! – disse Max. — Que tal nós apenas deixarmos
assim? – ele riu de nervoso.
Ghost puxou sua cadeira para o lado de Max, segurando
a outra mão dele, dando-lhe um sorriso encorajador. — Não vai
doer tanto.
Hoth ligou a máquina de tatuagem, que zumbia como um
enxame de abelhas zangadas.
— Tente relaxar – disse ele. — Vai acabar antes que você
perceba.
Max fechou os olhos quando Hoth abaixou a agulha.
Quando tocou sua pele, Max se esforçou para não gritar ou pu-
lar. Ghost estava certa. Não doeu como ele pensava, mas parecia
que mil garras pequenas o arranhavam. Ele manteve os olhos
fechados e se concentrou em sua respiração enquanto Hoth tra-
balhava. E quando o homem finalmente disse: “— Tudo bem.
Nós terminamos”, Max abriu os olhos com alívio.
Havia agora um círculo preto com cinco pequenos pontos
dentro dele em seu braço. A área ao redor estava um pouco ver-
melha e inchada, e parecia uma queimadura de sol. Hoth jogou
água por cima, e também usou uma toalha de papel para enxu-
gar os pedaços de tinta perdidos.
— O que você acha? – ele perguntou.
Max sorriu. — É legal – disse ele.
— Assim como a minha – disse Ghost, que se aproximou
para ficar ao lado de Max.
— Nem tanto – Max lembrou a ela. — Você tem uma es-
trela no braço.
— E você também vai ter em breve – garantiu Byron.
Hoth enfaixou o braço de Max. Depois, todos eles foram
para frente da loja, onde Max de repente entrou em pânico. —
Eu não sei se tenho dinheiro suficiente para pagar por isso.
Hoth riu. — Não se preocupe com isso, irmão – disse ele.
— É por minha conta.
— Você tem certeza? – perguntou Max.
— Absoluta – respondeu Hoth. — Somos uma família
agora, lembra? Família cuida um do outro.
Max estendeu o punho. — Obrigado – disse ele.
Hoth bateu sua mão enorme contra a de Max novamente.
— Você volta quando precisar da próxima parte – ele disse.
Eles saíram da loja para o sol da tarde.
— Algum de vocês está com fome? – perguntou Byron.
— Estou faminto – disse Max.
Eles se dirigiram para um restaurante próximo, onde co-
meram hambúrgueres e beberam milk-shakes. Max continuou
olhando para o antebraço. Ele queria tirar o curativo e olhar
para sua estrela, mas Hoth disse para deixá-lo até que chegas-
sem em casa. Max mal podia esperar para ver sua tatuagem no-
vamente. Isso fez com que ele se sentisse especial. Como se ele
estivesse conectado a Ghost. E também parte de um grupo es-
pecífico. Ele se perguntou o que Nemo diria quando ela visse.
Pensar em Nemo também o fez pensar em Seis e Sam e,
de repente, ele não se sentiu tão feliz. Ele praticamente se es-
queceu deles desde que chegou naquela casa na noite anterior.
Como isso era possível? O verdadeiro motivo de ele ter ido para
lá foi justamente para que eles pudessem localizá-lo e ajudar a
resgatar Ghost. Mas era como se eles fossem uma lembrança de
outro tempo.
Byron empurrou o prato para longe. — Então, o que você
acha de começar a trabalhar para ganhar sua primeira linha na
estrela?
A pergunta trouxe Max de volta ao momento. — Agora?
– ele disse. — Como?
— Tenho alguns negócios para fazer enquanto estiver-
mos aqui na Flórida – disse Byron. — Eu quero que você venha
comigo e seja meus ouvidos.
— O que você quer dizer? – Max perguntou.
— As pessoas com quem eu vou tratar falam uma língua
que eu não conheço – explicou Byron. — Eu preciso que você
ouça o que eles estão dizendo e me diga se eles estão sendo ho-
nestos. Você pode fazer isso?
Max encolheu os ombros. — Eu acho que sim – disse ele.
— Que tipo de negócio é esse?
— Uma transação de vendas – disse Byron. — Isso não é
importante agora. O importante é que você permaneça tran-
quilo. Você não teve nenhum problema em fazer a tatuagem,
então eu acho que você consegue.
— Claro – disse Max. Ele olhou para Ghost. — Você vem?
— Ghost vai esperar por nós na praia. Eu quero ter cer-
teza de que você pode lidar com isso sozinho – disse Byron. —
Mas não vamos demorar muito.
— Ok – disse Max. — Eu acho.
— Ótimo – disse Byron, colocando dinheiro na mesa. —
Vamos então. Preciso pegar algo no carro primeiro.
Eles saíram do restaurante e voltaram para onde haviam
estacionado o carro. Byron abriu o porta-malas e retirou uma
pequena bolsa de couro preta. Então eles se despediram de
Ghost, que caminhou de volta para a praia, enquanto Byron e
Max seguiram na outra direção. Max queria perguntar para
onde eles estavam indo, mas ele achou legal mostrar que não se
importava com o que quer que eles fossem fazer, então ficou
quieto.
Após cerca de dez minutos, eles chegaram a uma pista de
skate. As rampas e vales de concreto estavam repletos de pes-
soas em skates. Max observou enquanto os skatistas voavam pe-
las encostas, às vezes fazendo manobras antes de tocar o solo.
O som das rodas contra o cimento tomava conta do local.
Byron parou na beira da pista. Ele ergueu a mão e, um
momento depois, um jovem veio zunindo pela lateral da cuia
perto de onde estavam e parou bem na frente deles. Ele desafi-
velou e tirou o capacete.
— Tanet – disse Byron. — É bom ver você, como sempre.
O homem — que provavelmente tinha uns dezessete ou
dezoito anos, analisou Max — assentiu. — Digo o mesmo. Você
me trouxe novidades?
Byron assentiu. — Por que não vamos para sua casa para
tratarmos dos negócios por lá?
— Claro – disse Tanet. Ele olhou para Max. — Quem é o
garoto?
— Max – disse Byron. — E ele é mais velho do que parece
– ele piscou para Max, que se endireitou.
Tanet cumprimentou Max, que acenou de volta. Tanet co-
locou o skate debaixo do braço enquanto andavam. Max olhou
para ele. — Esse é um Flip Deck? – ele perguntou.
— É sim – disse Tanet. — Você anda de skate?
— Eu tenho uma prancha Toy Machine – Max disse a ele.
— Mas eu deixei em casa quando eu... bom, ficou em casa.
— Legal – disse Tanet. — Traga ela da próxima vez, e nós
iremos ao parque.
Eles chegaram a um complexo de apartamentos com-
posto de vários prédios de dois andares pintados de rosa claro.
Tanet subiu as escadas de um dos prédios até o segundo andar,
onde bateu na porta. Um momento depois alguém disse: “—
Quem é?”. Foi dito em um idioma diferente do inglês. Max pen-
sou que talvez fosse asiático, mas ele não sabia de onde era.
— É o Tanet – o cara respondeu no mesmo idioma. — Eu
estou com o vampiro.
Max riu, mas transformou a risada em tosse quando Ta-
net olhou para ele com uma expressão intrigada. Max imaginou
que ele estivesse falando de Byron, que meio que lembrava um
vampiro de cinema com a pele pálida, roupas e cabelos pretos e
óculos escuros.
A porta se abriu e Tanet entrou. Ele fez sinal para que
Byron e Max o seguissem. Eles estavam numa sala de estar. To-
das as janelas tinham as persianas fechadas e a sala era ilumi-
nada apenas por uma enorme televisão pendurada em uma das
paredes. Na TV estava passando o que parecia ser um filme de
artes marciais, mas o som tinha sido abaixado para que pare-
cesse um monte de pessoas brigando entre si sem nenhum mo-
tivo. Havia dois sofás na sala com uma mesinha de centro entre
eles. Nela havia uma variedade de pequenos sacos de plástico,
uma tigela cheia de pó branco e várias garrafas de plástico. Um
punhado de comprimidos de várias formas e cores estavam es-
palhados pela superfície do móvel.
— Isso são drogas? – Max perguntou.
Byron colocou a mão no ombro de Max e apertou com
força. Ele se inclinou. — Eu disse para você ficar tranquilo – ele
sussurrou.
Felizmente, Tanet e o outro homem estavam ocupados
discutindo algo em sua própria língua e não ouviram Max falar.
— Você pode entendê-los? – Byron perguntou suave-
mente.
Max assentiu. Os caras estavam discutindo. Aquele cujo
nome Max não sabia estava dizendo que ele não queria mais fa-
zer negócios com Byron. — Mas ele nos faz muito dinheiro– ar-
gumentou Tanet. — Mais do que as outras alternativas.
O homem sacudiu a cabeça, mas Tanet se virou para Max
e Byron. — Por favor, perdoe o humor do meu irmão – disse ele.
— Ele não está se sentindo bem.
— Talvez isso faça com que ele se sinta melhor – disse
Byron. Ele caminhou até o sofá e sentou-se. Arrumado algum
espaço na mesinha de centro, ele colocou a maleta de couro
preta sobre ela e a abriu. De dentro, ele pegou um pequeno pote
cheio do que parecia um pó preto. Ele desatarraxou a tampa do
frasco, despejou uma pequena quantidade do pó sobre a mesa.
Se parecia com uma areia muito fina. Ele pegou uma lâmina de
barbear que estava sobre a mesinha de centro e a usou para se-
parar o pó em duas linhas finas e curtas. Então ele acenou para
Tanet e seu irmão.
O irmão franziu a testa. Em seu idioma, ele disse: — Eu
não quero nada do sangue do vampiro.
Tanet disse: — Não os ofenda. Pegue.
Relutantemente, o homem aproximou-se do sofá, onde se
sentou o mais longe possível de Byron, mesmo estando no
mesmo móvel. Inclinando-se sobre a mesinha de centro, ele co-
locou um dedo no lado do nariz e respirou. O pó preto desapa-
receu dentro de seu nariz. Ele repetiu o processo com a outra
linha. Quando ele terminou, ele se encostou no sofá com os
olhos fechados.
Max nunca tinha visto alguém usar drogas antes, e ele es-
tava quase tremendo de medo. Isso não era o que ele esperava
quando Byron disse que eles fariam uma transação comercial.
Mas Byron parecia tranquilo, e Max queria que o Mogadoriano
gostasse dele, então ele também ficou tranquilo.
O irmão de Tanet abriu os olhos. Mesmo na penumbra da
sala, Max podia ver que as pupilas do homem estavam enormes
e os centros de seus olhos eram como luas negras. Parece que
ele tem olhos Mogadorianos, ele pensou. Foi inquietante.
— Como você se sente? – Byron perguntou.
O homem não respondeu de imediato. Então ele disse: —
Como se eu pudesse fazer qualquer coisa – sua voz estava dife-
rente de alguma forma. Mais confiante. Ele sorriu. — É bom.
Byron olhou para Tanet. — Estamos melhorando com o
passar do tempo. Você não terá problemas para vender isso.
Tanet sorriu. — Vamos ficar com tudo o que você tem –
disse ele. — Espere aqui – ele desapareceu para outra sala, dei-
xando Byron e Max sozinhos com seu irmão, que de repente deu
um pulo e começou a realizar movimentos de artes marciais
como as pessoas nos filmes que passam na televisão.
— O que há de errado com ele? – Max perguntou.
— Nada – disse Byron. — Nada mesmo. Ele ainda não
aprendeu como concentrar o poder da droga.
— Que tipo de droga é?
— Vamos falar sobre isso mais tarde – disse Byron
quando Tanet voltou para a sala.
Ele estava trazendo vários malotes de dinheiro, que en-
tregou a Byron. Byron conferiu as cédulas e guardou o dinheiro
na bolsa de couro. — Como sempre, Tanet, é bom fazer negócios
com você. Te vejo em breve.
Tanet os levou até a porta e, enquanto isso, atrás deles, o
irmão dele chutava e socava o ar. Quando Max e Byron desce-
ram as escadas, Max disse:
— Que idioma eles estavam falando?
— Tailandês – disse Byron. — O que eles disseram?
Max hesitou. Ele não queria ofender Byron. — Eles te
chamaram de vampiro – ele finalmente admitiu. — O irmão
disse que ele não queria nada do seu sangue. O que ele quis di-
zer?
Byron riu. — Suponho que seja uma maneira dele de falar
– disse ele.
Max não entendeu, mas não disse nada. Byron se virou e
olhou para ele. — Você fez um ótimo trabalho – disse ele. —
Mais algumas transações e conversaremos sobre a nova sessão
de tatuagens.
Max assentiu. Ele ainda estava abalado com o que acabou
de fazer, mas também estava animado com a ideia de conseguir
uma estrela como a que Hoth tinha. Então ele e Ghost seriam os
mesmos.
— Mas, agora, – disse Byron com um ar feliz, — que tal
encontrarmos Ghost e tomarmos um sorvete?
SEIS SAM
LIMITES DE MOBILE, ALABAMA
—
disse.
Eles estavam entre as árvores, espiando a antiga casa em
ruínas. Estavam observando há vinte minutos, e até agora nin-
guém tinha saído e nenhum movimento havia sido percebido
do lado de dentro. Sam olhou para o celular, para o qual estava
transmitindo o sinal do relógio de Max. — O sinal ainda diz que
o relógio está lá dentro.
— Talvez um guaxinim tenha encontrado e o pegou – Seis
sugeriu. — Ou um jacaré. Ou o que quer que viva neste pântano.
Eles deixaram Nemo e Seamus no Explorer com instru-
ções estritas para sair de vista e alertá-los se alguém apare-
cesse. Até agora nada.
— Talvez possamos entrar – disse Seis.
— Você está se sentindo bem? – perguntou Sam. —
Quero dizer, sabe, se alguma coisa acontecer?
— Se você está perguntando se meus Legados estão de
volta, não. Não cem por cento, pelo menos – Seis disse. — Mas
estou pronta. Eu estou sempre pronta.
Juntos, eles saíram do meio das árvores e atravessaram a
grama alta que rodeava a casa. O som de insetos os envolvia, e
o sol da tarde banhava a casa com sua luz. Mesmo assim, parecia
abandonada e rústica. A tinta havia descascado, deixando a ma-
deira a mostra. Vinhas se enroscavam ao redor dos pilares que
se alinhavam na frente. Várias das janelas estavam quebradas.
Seis pensou que a casa já fora bonita no passado.
Eles foram até os fundos, onde encontraram um jardim
que havia crescido demais. Também havia um galinheiro, as ga-
linhas que um dia o ocuparam se foram há muito tempo, e a
construção pendia para um dos lados, com o se algo a estivesse
empurrando. Mais adiante, três pequenos chalés afundavam
sob seu próprio peso, e os telhados quase desapareceram por
completo. Mais perto da casa, um conjunto de degraus de apa-
rência atrofiada se erguiam do emaranhado de vinhas que len-
tamente consumia a parte inferior da varanda. Seis tinha espe-
rança de que estes degraus levassem até a cozinha.
Ela estava certa. Seis abriu uma porta cujo a tela havia há
muito tempo apodrecido e ela e Sam entraram na cozinha. Sur-
preendentemente, ela estava limpa. E, quando ela abriu a gela-
deira de aparência antiga, havia comida dentro. Alguém obvia-
mente estava morando aqui. Mas quem? E eles ainda estavam
na casa?
Eles saíram da cozinha e entraram num corredor estreito
que levava a uma sala de jantar. Mais uma vez, o mobiliário era
velho, mas estava limpo. Um prato de porcelana rachado estava
em cima da mesa com um conjunto de talheres em um guarda-
napo de pano ao lado, com um cálice de cristal acima dele. A
taça estava cheia do que parecia ser vinho tinto.
— Isso não é nada estranho – disse Sam em voz baixa.
Eles seguiram até uma grande sala de estar, que estava
ocupada por um sofá, algumas cadeiras, um piano e uma pe-
quena mesa redonda na qual estavam espalhadas uma série de
cartas.
— Tarô? – Seis disse, pegando uma que tinha uma ima-
gem de um demônio nela.
— De novo, nada estranho ou assustador – disse Sam. —
Se alguém estava vivendo aqui, eles saíram com pressa.
Seis estava pensando a mesma coisa, e isso a preocupava.
Se Max estivesse na casa, eles já deveriam ter ouvido alguma
coisa, algum tipo de ruído. Mas o lugar estava tão silencioso
quanto um túmulo.
— Vamos verificar lá em cima – ela sugeriu.
Eles encontraram as escadas, e subiram. No segundo an-
dar, encontraram uma fila de portas fechadas. A maioria estava
trancada, mas nada que um pouco de telecinese de Sam para
facilmente liberar os mecanismos de tranca. Depois de abertas,
as portas revelavam uma série de quartos, cada um limpo e ar-
rumado, mas aparentemente sem vida. A coisa toda era inquie-
tante. Por que alguém se importaria em limpar os quartos e não
morar lá?
A quarta porta que abriram deu numa biblioteca ou es-
critório. Uma das paredes estava coberta de prateleiras com ve-
lhos livros empoeirados, cujo cheiro de mofo enchia a sala e a
deixava abafada. Contra uma outra parede havia uma mesa. Vá-
rios itens estavam espalhados pela superfície: uma caneta, um
abridor de cartas, uma tesoura. Sam foi até a mesa, pegou um
relógio e examinou-o atentamente.
— É dele – disse ele a Seis.
— Que bom, eu acho - disse Seis. — Mas onde ele está?
Um barulho vindo do andar do primeiro andar interrom-
peu a conversa, um estrondo alto e o som de pés correndo. Seis
e Sam se entreolharam, e então saíram do quarto e correram
pelo corredor. Quando chegaram na escada, viram uma silhueta
num vestido desaparecendo na direção da sala de jantar. Ao
mesmo tempo ouviram um barulho alto, e a voz de um menino
gritou: — Socorro!
— Vá atrás da garota – disse Seis. — Eu vou dar uma
olhada. Pode ser Max.
Sam decolou atrás da figura em fuga, enquanto Seis foi
para a sala de estar. — Max? – ela chamou.
Um gemido baixo respondeu, vindo das sombras atrás do
piano. — Me ajude – disse uma voz, mais fraca do que antes.
Seis correu até o piano. Uma silhueta estava deitada no
chão. Ela se ajoelhou. — Max?
Uma mão se moveu rapidamente e segurou seu pulso. A
figura virou a cabeça para olhar para ela. — Acho que não –
disse ele.
— Scotty – disse Seis, tentando se afastar. Mas então ela
sentiu a sensação peculiar que surgia quando se era teletrans-
portado. Sua visão ficou turva e ela sentiu um puxão. Então tudo
voltou ao normal. Ela estava do lado de fora da casa, na neve. O
ar estava frio e o sol brilhante no céu a cegou. A mudança de
atmosfera era desorientadora, mas ela se concentrou em Scotty,
que estava parado a poucos metros de distância, sorrindo.
Ela foi para cima, direcionando seu punho no rosto dele.
Ele riu e se abaixou. A mão dele agarrou a perna dela e então
tudo mudou novamente. Ela sentiu a força de sua investida con-
tinuar a impulsioná-la para frente, mesmo após eles se tele-
transportaram, e quando reapareceram, ela tropeçou. Eles es-
tavam no topo de um prédio alto, e ela se viu oscilando na beira
do terraço. Abaixo dela havia uma rua cheia de pessoas e carros.
Ela tentou manter o equilíbrio, mas era tarde demais. Ela come-
çou a cair.
Ela ouviu risadas, e mais uma vez foi jogada através do
espaço. Ela não conseguia respirar. De repente, ela estava de
volta ao ar livre, mas ainda caindo na direção de sua morte. Mas
Scotty estava segurando no tornozelo dela, e então ela disferiu
um chute nele. Ele a soltou assim que eles mergulharam na
água.
Agora o clima estava quente e salgado. Seis continuou a
descer através do azul claro. Ela balançou os braços e as pernas,
tentando se estabilizar. Ela se virou, procurando por Scotty e
tentando se orientar. Ela sentiu uma corrente pesada a puxando
para o fundo. Ela tentou lutar contra a força, mas a pressão era
mais forte. Já sem fôlego por conta dos teletransportes, seus
pulmões estavam queimando. Ela ia se afogar.
Seis lutou com todas as suas forças que restaram. Ela sen-
tiu que estavas prestes a desmaiar. De repente, ela estava se
movendo de novo, saindo da água enquanto Scotty, mais uma
vez, os teletransportava. Ela ofegou por ar. Ela inspirou agrade-
cida enquanto virava a cabeça procurando o teletransportador.
— Se divertindo?
Ela ouviu a voz de Scotty, mas não conseguia vê-lo. Eles
estavam na completa escuridão. Ela não sabia dizer se eles es-
tavam em algum lugar fechado ou ao ar livre.
Ela investiu com o punho para frente, e sentiu o impacto
na carne. Ela ouviu Scotty xingar.
— Agora estou – disse Seis.
Seus olhos estavam se ajustando. Ela viu Scotty no chão,
com a mão no nariz. Ela saltou sobre ele, se preparando para
acertá-lo novamente. Quando a mão dele a tocou, ela percebeu
que foi um erro.
Outro salto. Outra sala. Ela mal conseguia olhar em volta
antes de ser agarrada com força por vários pares de mãos e uma
sacola ser colocada sobre sua cabeça e presa em torno de seu
pescoço. Ela tentou se soltar, mas a série de teletransportes a
enfraqueceram. Algemas de metal foram colocadas em torno de
seus pulsos e ela ouviu o som de uma corrente chocalhando. Um
momento depois, suas mãos foram levantadas à força acima de
sua cabeça. Em questão de minutos ela parou de pensar que ti-
nha encontrado Max e percebeu que tinha virado uma prisio-
neira. Mas de quem?
— Alguém quer me dizer o que está acontecendo? – ela
rosnou, sua voz abafada pela sacola sobre a cabeça.
— Tudo no tempo certo – disse uma voz feminina.
Seis ouviu o som de uma porta se fechando, seguida pelo
ranger de um metal. Onde quer que ela estivesse, estava tran-
cada. Ela tentou imediatamente usar sua telecinese para tentar
se libertar, mas não adiantou nada. Ela não conseguiu nem tirar
a sacola do rosto, pois o que quer que haviam usado para
prendê-la em seu pescoço não cederia. Por enquanto, ela estava
presa.
Incapaz de fazer qualquer coisa sobre sua própria situa-
ção, ela pensou em Sam. Obviamente, aramaram para eles.
Scotty estava esperando por eles, e o pedido de ajuda foi propo-
sitalmente feito para fazê-los pensar que ele era Max e assim
separá-los. Mas quem era a outra pessoa, aquela que eles viram
fugindo? Era Ghost? Talvez, mas onde estava o Max?
Ela pensou nas várias peças desse novo quebra-cabeça.
Ela não sabia o paradeiro de Max. Ela não sabia se a misteriosa
garota a qual Sam tinha seguido era realmente Ghost. Então ela
se concentrou nos motivos. Por que eles queriam separar Seis e
Sam? Sim, eles eram menos poderosos separados. Mas ela sen-
tia que havia outro motivo. Ela simplesmente não sabia o que
era.
Então ela pensou em Seamus e Nemo. Eles estavam bem?
E se Sam não pudesse voltar até eles? Ou se ele, como ela, ti-
vesse sido teletransportado para outro lugar?
Sam estava certo, ela pensou, miseravelmente. Envolvê-
los tinha sido um erro.
Sam irrompeu na cozinha no momento em que a garota desa-
pareceu pela porta dos fundos. Ele foi atrás dela e a viu cor-
rendo pela grama, indo para o trio de chalés em ruínas nos fun-
dos da propriedade. Era uma garota. Ela era baixa, seu cabelo
era cor-de-rosa.
Ele correu atrás dela. A garota era surpreendentemente
rápida. Ela sorriu, o que era estranhamente desencorajador. Ela
olhou para rapidamente, e Sam viu que não era Ghost. Havia
algo em seu rosto. Então a garota se virou e começou a correr
mais rápido, como se estivessem brincando de pega-pega. Ela
chegou no chalé do meio e partiu para dentro. Sam chegou à
porta pouco depois e fez uma pausa. O telhado do chalé havia
desmoronado no meio e a garota estava parada, de pé, no meio
de uma clareira. Poeira flutuava no ar ao redor dela enquanto
girava em um círculo lento.
— Quem é você? – Sam perguntou.
A garota parou de girar e inclinou a cabeça para o lado,
olhando para ele. Ao vê-la com clareza pela primeira vez, Sam
percebeu o que havia de diferente nela. Ela era mogadoriana.
— Magdalena – disse ela, sorrindo ligeiramente. — E
você é Sam. Eu ouvi muito sobre você – o sorriso dela se trans-
formou em expressão carrancuda. — Você machucou alguns
dos meus amigos.
— Engraçado como isso acontece em uma guerra – disse
Sam.
Magdalena não disse nada, mas continuou a olhar para
ele. Então, de repente, ela fechou os olhos, parecendo aprovei-
tar o banho de luz solar que caía sobre seu corpo. Ela não pare-
cia estar com medo dele, o que deixou Sam nervoso.
— Onde está Max? – ele perguntou. — Encontramos o re-
lógio dele.
— Ele não está aqui – disse Magdalena, começando a se
virar novamente. — Ele saiu. Com os outros.
— Outros? – Sam perguntou. — E o que você quer dizer
com “saiu”?
— Saiu – repetiu Magdalena. — Eu não sei exatamente
para onde. Mas eles estarão de volta.
— Então quem era aquele garoto que estava na casa?
— Scotty – disse Magdalena. — Mas provavelmente ele já
foi embora. Com sua amiga.
Percebendo o que a garota quis dizer, Sam entrou em pâ-
nico. Scotty tinha levado Seis para algum lugar? Esse tinha sido
o plano deles o tempo todo?
— Eleni ficará desapontada – disse Magdalena. — Ela es-
tava esperando testar suas habilidades contra o Seis. Suponho
que você servirá como um aquecimento.
— Eleni? – perguntou Sam.
— Ela estará de volta – disse Magdalena. — Ela só foi dar
um jeito nos dois que você deixou no carro.
Sam entrou em pânico e se virou, seus instintos lhe di-
zendo para esquecer a garota e se certificar de que Seamus e
Nemo estavam bem.
— Você realmente não deveria tê-los deixado sozinhos –
disse Magdalena. — Não aqui fora. Não é seguro.
Sam se voltou para ela. Ele levantou as mãos. — Acho que
terminamos aqui.
Nada aconteceu. Sua telecinese não funcionou.
— Sério? – Sam disse, olhando para as mãos. — Você vai
me abandonar agora?
De repente, alguma coisa o atingiu nas costas. Ele caiu no
chão, batendo o queixo e arranhando os lábios na queda. Ele
sentiu gosto de sangue. A poucos metros de distância, Magda-
lena bateu palmas alegremente, como se tivesse acabado de re-
alizar o melhor truque de mágica do mundo.
Sam se recompôs. Ali, de pé na porta, havia uma figura
imponente vestida de couro preto. Como Magdalena, ela era
mogadoriana. Quem eram eles? Como eles não foram captura-
dos e levados para a prisão Mogadoriana? E o que eles queriam?
Ele teria que se preocupar com essas perguntas depois.
Agora, a mogadoriana estava vindo na direção ele. Sam entrou
em modo de combate corpo-a-corpo, agachando-se e espe-
rando até que ela estivesse mais perto antes de investir contra
ela. A mogadoriana levantou um dos braços, arrastando ele
para o lado e o jogando no chão. Ele se levantou e foi atrás dela,
mais uma vez. Eles trocaram golpes e chutes. Para cada soco
que Sam acertava, ele ganhava um em troca. Depois de todo o
seu tempo com Seis, Sam entrou em forma e estava forte. Mas a
mogadoriana era mais.
Ela esticou a perna, dando uma rasteira nele, e ele caiu.
Então, de repente, ela estava em cima dele, o prendendo no
chão. Sam tentou recuperar o fôlego, mas ela mal parecia can-
sada. Um segundo depois, ele viu Magdalena olhando para ele
por cima do ombro da outra mogadoriana.
— Esta é Eleni – disse ela. — Eu disse a ele que você es-
tava esperando por Seis – ela acrescentou, se dirigindo a outra
mogadoriana.
— Eu acho que a briga com ela teria sido mais eficiente –
disse Eleni. — Mas então, eu não quero te machucar.
— O que você quer? – Sam perguntou. — Onde está Seis?
— Tantas perguntas – disse Eleni. — Onde aquele? Onde
o outro? Por que os Mogadorianos querem invadir a Terra? Os
humanos estão sempre fazendo perguntas. Que tal eu te fazer
uma? O que você está disposto a fazer para manter os dois Gar-
des Humanos vivos que você trouxe com você?
Sam sentiu seu coração gelar. Nemo e Seamus.
— O que você fez com eles?
Eleni suspirou. — Novamente, mais perguntas. Nada
ainda – ela disse. — Mas se você decidir não cooperar, não he-
sitarei em matá-los. Então, você vai cooperar?
Sam não tinha dúvidas de que a Mogadoriana faria o que
estava dizendo. Mas o que ela queria deles? Cada átomo dele
queria lutar contra ela, machucá-la e fazê-la dizer onde todos os
outros estavam, e o que ela estava fazendo aqui. Entretanto, ele
afastou esses instintos. Se ele quisesse vê-los de novo, ele teria
que fazê-la pensar que ela havia ganhado. Pelo menos por en-
quanto.
Ele olhou dentro dos olhos dela. — Sim – ele disse.
NEMO
LIMITES DE MOBILE, ALABAMA
Seis olhou para o monitor com o olho que não estava inchado.
A mogadoriana – Eleni – estava ao lado dela, parecendo estar
furiosa. Ela apenas havia sujeitado Seis a mais meia hora de tor-
tura. Cada golpe vinha mais forte que o anterior. Depois do úl-
timo soco, Seis a olhou nos olhos e disse: — Você poderia esta-
lar minhas costas de novo? Eu tenho um problema de câimbra
que simplesmente não some.
As coisas seriam diferentes se as mãos dela não estives-
sem algemadas acima da cabeça e as pernas não estivessem
contidas por correntes que estavam presas em orifícios no
chão. Caso contrário ela teria alegremente aceitado enfrentar a
mogadoriana em uma luta justa. Imaginando a mulher espa-
marramada no chão, suas expressões se reorganizaram um
pouco, deixando Seis feliz. E ela teria a chance de fazer isso
acontecer. Ela só precisava manter o foco.
O problema era que ela não podia dar à mogadoriana o
que ela queria. Claro, descobrir isso tinha levado algum tempo.
Como a maioria da sua espécie, ela agia de forma sádica, e se
recusou a dizer qualquer coisa, preferindo usar o Seis como seu
saco de pancadas pessoal.
Finalmente, porém, a pergunta foi feita: onde estavam as
amostras e a tecnologia que foram retiradas do navio no México
e do laboratório subterrâneo na Argentina?
Seis respondeu a verdade: ela não sabia.
Esta foi a resposta errada. A mogadoriana havia reto-
mado seus métodos brutais e não refinados de persuasão. O lá-
bio partido de Seis, que ainda estava sangrando, veio de uma
casualidade anterior. O olho, que agora estava inchado, veio de-
pois. Entre esses ferimentos houve dezenas de golpes em todas
as partes expostas de seu corpo. Então a pergunta foi feita no-
vamente. A resposta permaneceu a mesma, assim como a rea-
ção de Eleni. E assim continuou, repetidamente, sem mudanças.
Provavelmente Seis não se ajudou ao perguntar o se-
guinte: — Devo ser mais direta? Ou você é burra demais para
entender o que estou dizendo?
Isso lhe rendera um soco na mandíbula que resultou num
dente quebrado. Agora, ela olhou para a tela. — Vamos assistir
a um vídeo instrutivo? – ela perguntou.
Eleni apertou um botão. De repente, Seis estava olhando
para o rosto de Sam. A câmera estava nos pés dele, aparente-
mente, proporcionando uma visão inclinada do corpo dele. Ele
parecia estar ciente de que estava sendo observado, enquanto
olhava diretamente para a câmera.
— Seis? - ela o ouviu dizer. — Seis? Você consegue me
ver?
— Sam! – ela gritou.
A mogadoriana sorriu. — Ele não pode ouvir você – disse
ela. — Mas, por favor, grite o quanto quiser.
— O que você fez com ele? – Seis rosnou.
— Nada, ainda – Eleni disse.
Então, ela disse algo em Mogadoriano, aparentemente fa-
lando com alguém que estava em outro lugar. Um momento de-
pois, Sam virou a cabeça, e começou a tossir ao passo que al-
guma coisa caia em seu rosto.
— É areia – disse a mogadoriana para Seis. — Responda
a minha pergunta e eu mando parar.
A areia continuou a derramar. Sam virou o rosto, ten-
tando desviar a areia para outras partes da cápsula.
— Eu já te disse, não sei onde estão os materiais apreen-
didos – disse Seis.
A mogadoriana assentiu. — Isso é uma pena. Se você não
sabe, isso significa que seus superiores não confiam em você o
suficiente para lhe informar, o que, por sua vez, significa que a
fé deles em você é mínima, e que me leva a concluir que você
não é mais útil para mim.
Seis não respondeu. Essa era, na verdade, exatamente o
que ela vinha pensando desde que McKenna os informara de
que a agente Walker estava encarregada do soro, da tecnologia
e dos cientistas envolvidos. Entretanto, ela decidiu não contar
isso para Eleni.
— Se você acredita em mim, então por que está fazendo
isso? – disse ela, cuspindo um bocado de sangue na direção de
Eleni.
Eleni a ignorou, observando a tela com um sorriso satis-
feito no rosto. — Deve ser terrível saber que você vai morrer e
que seu destino está completamente fora de suas mãos – disse
ela.
— Você que o diga – disse Seis.
A mogadoriana riu. — Ameaças? – ela disse. — Você não
está em condições de fazer ameaças.
— Só porque estou acorrentada – disse Seis. — Que tal
você me soltar para que possamos resolver isso mão a mão?
Isso é o que um verdadeiro guerreiro mogadoriano faria.
Eleni franziu a testa. Seis havia tocado na ferida. Ela
olhou para a mulher com mais atenção. Embora ela fosse maior
do que um ser humano comum, não era tão imponente quanto
alguns dos mogadorianos artificiais que foram criados para lu-
tar em batalha. Ela havia nascido de forma natural. Esses des-
frutavam de um status social maior do que seus equivalentes
artificiais, mas os nascidos artificialmente eram sempre mais
avantajados fisicamente.
Talvez seja por isso que ela tingiu o cabelo. Ela estava
tentando se destacar de outras maneiras, o que para Seis indi-
cava que ela tinha inseguranças. Ela estava tentando provar al-
guma coisa. Mas para quem?, Seis se perguntou. Ela parecia es-
tar no comando do que estava acontecendo aqui. Mas talvez ela
fosse subordinada a outrem. Talvez houvesse alguém acima
dela, alguém cuja aprovação ela almejava.
Eleni falou mais algumas palavras, e a areia parou de cair
no rosto de Sam. Ele cuspiu, limpando os grãos que haviam en-
trado em sua boca. Seis o observou, sabendo que ele devia estar
com medo e desejando poder ouvi-la. Então a tela ficou escura
e ela voltou a olhar para o nada.
— Vou deixar você pensar por um tempo – Eleni disse a
ela. — Veja se consegue se lembrar de qualquer coisa que tenha
esquecido. Mas se você me disser “não” novamente, a areia con-
tinuará a cair até que ele morra sufocado. – então ela saiu da
sala, apagando a luz e deixando Seis sozinha, no escuro.
— Como vou dizer o que eu não sei?! – Seis gritou.
Ela sacudiu as correntes em frustração, causado mais do-
res nos seus braços já doloridos. Ela havia perdido a sensação
em seus pulsos há muito tempo, mas seus músculos do ombro
queimavam com o estresse de seus braços estarem esticados
acima da cabeça.
Ela precisava de um plano. Ela não podia dar à mogado-
riana o que ela queria. Mas ela poderia mentir? Ela poderia dar-
lhe uma resposta – qualquer resposta. Mandá-la atrás das coi-
sas que ela queria. Inevitavelmente, porém, ela descobriria que
Seis havia mentido. E então ela não teria razão para manter Sam
ou Seis vivos.
A única solução era dar a ela o que ela queria. E como Seis
não podia fazer isso, ela tinha que encontrar alguém que pu-
desse. As únicas pessoas que tinham essa informação era a
agente Walker e talvez McKenna, embora Seis não tivesse cer-
teza. Ela sabia o suficiente sobre Walker para saber que a ex-
agente do FBI nunca revelaria as informações, nem mesmo para
salvar as vidas de Seis e Sam.
Não, ela teria que lidar com isso sozinha. E ela não tinha
ideia de como.
NEMO
ARREDORES DE MOBILE, ALABAMA
do posto de gasolina, ela pensou que seu coração iria sair pela
boca. Ela correu todo o caminho desde a casa antiga, nunca
olhando para trás enquanto seus pés se chocavam contra o
chão. Ela podia sentir as bolhas que se apareceram, algém de
estar pingando suor. Mas ela conseguiu fugir, e ninguém a se-
guiu. Por enquanto.
O velho atrás do balcão olhou para ela enquanto ela ten-
tava recuperar o fôlego.
— Meus amigos – disse ela. — Nós estivemos aqui hoje
cedo... pelo combustível... e informações.
— Eu lembro. O que houve? Um acidente?
Nemo sacudiu a cabeça. — Alguém... na casa.
— Na casa dos Rothwell? Alguém lá está machucado? –
havia um telefone na parede atrás do balcão. Ele o pegou. —
Vou ligar para o resgate.
— Não! – Nemo gritou.
O homem hesitou, o telefone ainda na mão. — Ninguém
está machucado?
Nemo balançou a cabeça novamente. Alguém estava ma-
chucado. O mogadoriano que ela havia esfaqueado com sua
arma improvisada. Mas ela não iria pedir ajuda para ele.
— Eu não entendo – disse o homem.
Uma velha desceu as escadas que levavam ao andar su-
perior. Ela viu Nemo e ofegou. — O que aconteceu?
— Não sei – disse o homem. — Acho que alguém pode
estar machucado.
— Ninguém está ferido – disse Nemo. Ela estava recupe-
rando o fôlego. E agora que ela não estava correndo, ela real-
mente não tinha certeza do que queria que o homem fizesse. Ela
levou a mão até os bolsos procurando seu celular. Sumiu. —
Merda – ela murmurou. — Devo ter deixado cair.
— Não há necessidade desse tipo de linguagem, mocinha
– a velha disse em tom de desaprovação. — Agora, você pode
nos dizer o que está acontecendo?
— Eu preciso ligar para alguém. Posso usar seu telefone?
— Claro que sim – disse a mulher. — Mas por que você
sobe comigo para cima para usar o que está lá? Você pode se
acomodar enquanto eu pego um pouco de água.
Nemo assentiu e foi até as escadas. Quando chegou no se-
gundo andar, ela não viu a mulher se virar para o marido e sus-
surrar: — Ligue para o Alvin.
No andar de cima, ela mostrou para Nemo a uma pe-
quena e confortável sala de estar. Nemo se afundou no sofá, ali-
viada apenas por estar sentada, enquanto a mulher entrava na
cozinha e voltava com um copo de água. — Obrigada – disse
Nemo, aceitando o copo de água e bebendo tudo. Quando ela
terminou, ela disse: — Eu acho que eu não corria tanto desde o
acampamento de verão de futebol quando eu tinha dez anos.
— Do que você estava fugindo, querida?
Nemo não sabia o que dizer a ela. Dizer “Bem, veja, exis-
tem essas máquinas alienígenas assassinas vivendo naquela
casa no final da estrada” parecia um pouco histeria, mesmo que
fosse verdade. Além disso, ela não queria que a mulher sou-
besse de tudo. As coisas já estavam ruins o suficiente, e deixar
o município inteiro em alvoroço não ajudaria.
— Não é nada – disse ela. — Eu não estava fugindo de
ninguém. É só que, meus amigos... eles... posso usar o telefone?
Levará só um minuto.
— Claro – disse a mulher. — Está bem ali – ela indicou
um telefone rotativo bem antigo na mesinha ao lado do sofá.
— Uau – disse Nemo. — Eu apenas vi esse tipo de tele-
fone em filmes.
— Sim, bem, as coisas andam mais devagar por essas
bandas. Ainda nem tem televisão colorida.
Nemo estava prestes a dizer alguma coisa, mas a velha
riu. — Foi uma piada, querida. De qualquer forma, pode usar o
telefone.
Nemo foi até o objeto. Então ela percebeu que não tinha
ideia de como ligar para a AGH. Havia algum número de contato
com a Academia? Ela supôs que sim. Ela simplesmente não ti-
nha memorizado. — Eu suponho que você não tenha um com-
putador – ela disse, pensando que seria mais fácil de descobrir.
— Eu receio que não – respondeu a mulher.
Nemo desistiu. Ela tinha que entrar em contato com Nove
ou Lexa. Eles eram as únicas pessoas que poderiam ser capazes
de ajudar. Mas Nove não tinha lhe dado o seu número pessoal.
E ela nunca havia pensado nisso. Será que o número da Acade-
mia estaria na lista telefônica?
Ela estava prestes a pedir ajuda à mulher, mas ela foi in-
terrompida por vozes que vinham do primeiro andar.
— Do que você está falando, Claude? – disse um homem.
— Molly me ligou da delegacia, disse que você precisava que eu
parasse aqui. Ainda bem que eu estava fazendo minhas rondas
aqui por perto.
— Quem é aquele? – Nemo perguntou.
— É só o Alvin – a velha disse. — Não se preocupe. Ele vai
saber o que fazer.
Passos pesados soaram nas escadas. Um momento de-
pois, um homem grande apareceu. Ele estava vestindo um uni-
forme policial e um chapéu de cowboy desbotado. Ele cumpri-
mentou a velha. — Agnes – disse ele.
— Xerife Radley – ela enfatizou o título, e Nemo enten-
deu. A lei havia chegado e assumiria daqui em diante.
Os olhos do homem se voltaram para Nemo. Ele observou
a aparência desgrenhada que ela apresentava, para seu cabelo
cor turquesa e suas botas sujas. A expressão dele não mudou,
mas Nemo percebeu que ele não estava impressionado.
— O que parece ser o problema, senhorita? – ele pergun-
tou.
— Esta jovem e seus amigas tiveram alguns problemas
na casa dos Rothwell – disse Agnes. — Não é isso, querida? – ela
acrescentou olhando para Nemo.
— Mais ou menos – Nemo disse vagamente. Ela não gos-
tou do policial, e ele estava olhando fixamente para ela. Ela tam-
bém não gostou que ele estivesse entre ela e a única porta da
sala.
— Mais ou menos? – disse o xerife. — Exatamente que
tipo de dificuldade?
Nemo pensou rapidamente. — Nós fomos dar uma
olhada na casa – disse ela. — Sabe, porque é antiga ou algo as-
sim. Acontece que há algumas pessoas vivendo lá.
— Vivendo lá? – Radley repetiu. — Por quê? O lugar está
caindo aos pedaços.
— Provavelmente são aqueles sem-teto – disse Agnes.
Ou... você sabe... – ela baixou o tom de voz até virar um sussurro
— Usuários de drogas.
O xerife bufou. — Tem esse tipo de gente em todo o lugar
agora. Então, o que aconteceu? Seus amigos se envolveram
numa briga com eles?
— Sim – disse Nemo. Não exatamente uma verdade, mas
também não era mentira.
— Tudo bem – disse Radley. — Vamos dar uma volta por
lá, para descobrirmos o que está acontecendo.
Nemo hesitou. — É uma boa ideia? – ela disse. — Quero
dizer, acho que eles estavam armados.
O xerife colocou a mão na sua própria arma, que estava
no coldre. — Eu acho que posso lidar com isso – disse ele. —
Você vem comigo.
— Eu? – Nemo perguntou. — Por quê?
— Caso eu precise que você me mostre o que aconteceu
ou que ajude seus amigos.
Nemo assentiu. — Claro – disse ela. — Certo. Eu posso
ajudar.
Ela odiava a ideia de sair sem ligar para alguém para avi-
sar o que estava acontecendo. Mas agora ela mal poderia insis-
tir em usar o telefone com o policial lá. Então ela agradeceu Ag-
nes pela água e desceu as escadas. Os dois homens se despedi-
ram e o xerife abriu a porta traseira do carro. Nemo entrou e ele
a fechou, indo sentar no banco do motorista.
— De onde vocês são? – Radley perguntou enquanto di-
rigia pela a estrada e de volta para a antiga casa.
— Hum... Nova Orleans – disse ela, falando o primeiro lu-
gar que ela pensou.
— Viagem? Férias escolares?
— Tipo isso.
Ela viu o xerife a observando através do espelho retrovi-
sor. O que será que ele achou que realmente estava aconte-
cendo? Ele não parecia tão preocupado. Ele não estava acen-
dendo as luzes ou a sirene, nem mesmo estava dirigindo rápido.
Parecia que estavam em um passeio de domingo.
— Meus amigos podem estar em apuros – disse ela. —
Talvez devêssemos nos apressar.
— É bem aqui – ele disse.
Quando eles entraram na estrada de terra que levava à
casa antiga, Nemo se sentiu tensa. O que estaria esperando por
eles lá? O xerife tinha uma arma, mas será que isso seria sufici-
ente? De repente, ela desejou ter contado tudo sobre os moga-
dorianos. Mas ele já achava que ela estava inventando histórias.
Ele nunca acreditaria nela.
A viatura policial saltou pela estrada esburacada en-
quanto passou pelo bosque que rodeava a casa. Quando saíram
do meio das árvores, os faróis do carro varreram o gramado na
pare da frente da casa. O Explorer estava lá, mas o outro carro
tinha sumido.
— Havia dois carros aqui – disse Nemo. — O nosso e o
deles. Esse é nosso.
— Então seus amigos provavelmente ainda estão aqui –
o xerife disse enquanto estacionava. Ele saiu e abriu a porta
para Nemo. Juntos, eles andaram nos arredores da casa, o xerife
utilizando uma pequena lanterna para iluminar o gramado da
residência.
— Acho que deveríamos verificar dentro da casa – disse
Nemo.
O xerife riu. — Eu não tinha pensado nisso.
— Isso não foi uma piada – Nemo retrucou, e imediata-
mente se arrependeu.
O xerife riu novamente. — Vamos – disse ele.
Eles foram até a porta da frente. Ela se abriu facilmente.
No interior, ele iluminou a hall de entrada. Então, eles decidi-
ram ir para a sala de estar. Não havia ninguém lá. Nemo andou
pela casa, procurando por qualquer prova de que alguém esteve
no local. Ela chegou até uma mesa redonda e encontrou uma
carta. Ela pegou. Tinha uma foto de uma torre parecida com a
de um castelo sendo atingida por um raio. Duas figuras estavam
caindo da torre, com os braços estendidos.
O xerife se aproximou e iluminou a carta. — Parece um
daqueles cartões Ouija – disse ele.
— Tarô – disse Nemo. — É uma carta de tarô. Olhe. Al-
guém estava aqui.
O xerife suspirou. — Muitas pessoas invadem essas casas
antigas – disse ele. — Eles as usam para se divertir. Se desafiam
a ficar e esperam que os fantasmas apareçam. Provavelmente
alguns adolescentes vieram aqui e tentaram invocar o diabo –
ele riu. — Talvez ele tenha aparecido. E elas saíram assustadas.
Nemo estava ficando frustrada. — Meus amigos estão de-
saparecidos – disse ela. — Você não leva isso a sério?
— Quantos anos você tem? – perguntou o xerife.
— Dezoito – Nemo respondeu automaticamente.
— Parece mais que tem quinze ou dezesseis para mim.
Sabe o que eu acho?
Nemo não respondeu.
— O que eu acho é que você e seus amigos interrompe-
ram uma festa. Se envolveram numa pequena briga. Você fugiu.
Seus amigos e quem quer que tenham se envolvido ficaram com
medo, acharam que iriam ter problemas e foram embora. Tal-
vez eles estejam procurando por você agora.
— Não foram adolescentes que encontramos – Nemo
disse. — Eram Mogs.
— Mogs – disse o xerife. — O que é um Mog?
Nemo hesitou. Ele realmente não sabia o que era um
Mog? Certamente todo humano que viveu a batalha pela Terra
sabia.
De repente, o xerife rugiu de rir. — Você quer dizer uma
daquelas coisas alienígenas? Você espera que eu acredite que
você encontrou alguns deles morando aqui num pântano do
Alabama?
Nemo queria dizer que sim, pois era exatamente o que
ela esperava que ele acreditasse. Mas ele começou a rir de novo
e isso a enfureceu. Além disso, ela desejava que os Mogadoria-
nos nunca tivessem nascido. Claro que ele não iria acreditar
nela.
Todo mundo queria pensar que os mogadorianos tinham
sido pegos, que eles não eram mais uma ameaça. Ninguém liga-
ria se falassem que eles estavam vivendo no seu próprio quin-
tal.
— Vamos – disse o xerife. — Vamos checar o andar de
cima. Fique atrás de mim. Eu não quero nenhum alienígena te
levando em uma de suas naves espaciais.
Ele continuou rindo enquanto subiram para o segundo
andar e olhavam de quarto em quarto. Eles encontraram evi-
dências de que pessoas estavam dormindo nas camas, mas ape-
nas isso. Não havia outras pistas. E não havia pessoas.
Finalmente, eles voltaram para fora e olharam ao redor
na parte de trás da casa. Nemo encontrou o lugar onde a moga-
doriana caiu depois que ela o atacou. Havia manchas escuras na
grama, mas nada além disso. Ela também encontrou a ponta de
cigarro esmagada, mas não se incomodou em mencioná-la ao
xerife Radley. Ele já havia deduzido sobre o que havia aconte-
cido aqui. Para ele, era um caso simples de alguns adolescentes
se envolvendo numa briga, e uma delas — ela — fazendo disso
uma tempestade num copo d’água.
Eles voltaram para o carro. Quando o xerife abriu a porta
traseira, Nemo relutantemente entrou. Só então Nemo perce-
beu que agora ela estava presa.
No banco da frente, o xerife estava fazendo alguma coisa
em uma tela presa ao seu painel. Nemo não sabia dizer o que
era. Um minuto depois, ele se virou e olhou para ela.
— Você tem algum documento com você?
Nemo sacudiu a cabeça. — Eu perdi minha carteira, junto
com o meu telefone – ela mentiu, esperando que ele não verifi-
casse seus bolsos.
O xerife olhou por um longo momento pelo retrovisor e
ligou o motor.
— Para onde estamos indo? – Nemo perguntou.
— Mobile – respondeu o homem.
— Mobile? Por quê?
— Porque eu pesquisei a placa daquele Explorer, e foi re-
latado como um carro de aluguel furtado no aeroporto esta ma-
nhã. Eu não acho que você pode explicar como você e seus ami-
gos acabaram ficando com ele.
O coração de Nemo disparou. Como ela poderia ter es-
quecido esse detalhe?
— Há algo que você gostaria de me dizer? – perguntou o
xerife enquanto se afastavam da casa antiga.
Nemo sacudiu a cabeça. — Não, senhor – disse ela.
— Normalmente, quando as pessoas no banco de trás co-
meçam a me chamar de 'senhor', isso significa que elas estão
tentando ser minhas amigas. Eu vou perguntar de novo, há al-
guma coisa que você queira me dizer?
—Não – disse Nemo.
Ele esperou. — Sem “senhor" desta vez? Acho que não
vamos ser amigos então. Bem, temos um tempinho antes de
chegarmos em Mobile. Vou deixar você pensar sobre o assunto
e ver se de repente você se lembra de algo que você possa estar
esquecendo agora. Eu sei que você teve uma noite cheia de
acontecimentos.
Nemo ficou em silêncio enquanto o carro se movia pela
noite. Ela olhou pela janela, pensando. Se ela entrasse na dele-
gacia de polícia em Mobile, provavelmente não demoraria
muito para que eles descobrissem que ela era uma fugitiva. En-
tão seus pais seriam notificados, e ela ficaria muito mais en-
crencada do que estava agora.
Ela precisava fugir.
A porta só podia ser aberta pelo lado de fora, mas ela po-
dia fazer isso com sua telecinese. O problema era que ela estava
em um veículo em movimento. Ela precisaria que Radley pa-
rasse o carro, mas ele não tinha motivos para fazer isso.
A menos que estar dentro do carro fosse mais perigoso do
que estar do lado de fora, ela pensou.
Ela esperou, deixando o xerife relaxar um pouco e pensar
que ela estava cedendo. Ela até fungou um pouco, para fazê-lo
pensar que ela estava chateada a ponto de chorar, antes de vol-
tar ao silêncio. Lá fora, a estrada começou a beirar um rio.
Eles estavam numa ponte que parecia continuar adiante
por quilômetros. O luar brilhava na superfície da água, que se
estendia por um longo caminho em ambas os lados. Nemo não
fazia ideia de qual tipo de água havia ali, mas isso deu a ela outra
ideia.
Ela começou a gemer.
— O que há de errado? – perguntou Ridley.
— Eu não sei – disse Nemo. — É meu estômago. Eu acho
que vou vomitar – ela gemeu mais alto e começou a soluçar.
— Ah, droga! – disse o xerife. — Não se atreva a sujar o
meu carro, garota. O cheiro vai impregnar o local até chegarmos
em Mobile.
— Encoste o carro – disse Nemo, gemendo um pouco
mais. — Estou falando sério. Estou quase vomitando.
O xerife xingou baixinho. Ela sabia que a última coisa que
ele queria fazer era parar na ponte. Mas havia muito pouco trá-
fego e bastante espaço para encostar o carro. Ela soltou um som
alto e nervoso.
— Tudo bem. Tudo bem – disse Radley. — Aguente aí.
Ele desviou para a direita, levando o carro até o acosta-
mento e acendeu as luzes. Ele saiu e abriu a porta traseira, pra-
ticamente puxando Nemo para fora. Ela correu para o lado e se
inclinou sobre o corrimão da ponte. A água estava a menos de
três metros abaixo dela. Ela poderia fugir facilmente.
O xerife estava de costas para ela, observando o trânsito.
Ele não tinha motivos para pensar que ela tentaria fugir, pois
não havia para onde ir. Ele nunca imaginaria que ela pularia na
água. Ela esperou até que um trator passasse no lado oposto da
ponte, dando cobertura a ela com seu rugido do motor. Ela su-
biu no corrimão e pulou, caindo na água com um forte respingo.
Quando Radley se virou, ele estava sozinho.
MAX
LOCALIZAÇÃO DESCONHECIDA