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CAPA

AS CRÔNICAS DO LEGADO #6:


DERROTANDO GIGANTES
(PITTACUS LORE)

Título original: The Legacy Chronicles: Killing Giants


Tradução: John DC e David Souza
PDF original: Lucas Fernandes

2019
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SEIS
LOCALIZAÇÃO DESCONHECIDA

quinze minutos que ela está fazendo isso – desde que Eleni ar-
rastou Sam para fora da cela – tentando forçar sua telecinese
para abri-la.
Não está funcionando.
Furiosa, ela senta na cama que está instalada numa das
paredes. A cabeça dela lateja por conta do esforço que fez ao
tentar usar seus Legados. Ou talvez aquela coisa que Magdalena
colocou em você está rastejando aí dentro, cumprindo o seu pa-
pel, ela pensa.
A ideia de que um parasita pode estar dentro da cabeça
dela fazendo não se sabe o que a deixa com mais raiva. Ela es-
pera que essa história dos Mogadorianos sobre terem implan-
tado algum tipo de parasita nela, em Max e Sam seja algum tipo
de mentira, algo que Magdalena inventou para desestabilizá-la.
Mas levando em conta como os Legados dela e de Sam não estão
cooperando, a fraqueza aparente dele e o fato de Eleni ter con-
sigo derrubá-la com tanta facilidade mais cedo e evitado que ela
ajudasse Sam – já que normalmente ela teria sido capaz de der-
rotar a Mogadoriana com apenas alguns socos – agora ela pre-
cisa presumir que seja verdade. E isso a irrita ainda mais.
Falando no Max, ela se pergunta como ele deve estar. Ela
e Sam foram teletransportados do bunker em Utah para um
novo local. Mas e os outros? Onde Max, Lava e Bats estão agora?
E o que aconteceu com os outros adolescentes que atacaram
eles no bunker? Ela queria poder colocar suas mãos naqueles
delinquentes. Especialmente naquela garota – Freakshow – que
usou o Legado dela em Seis para fazê-la reviver um dos piores
momentos da vida dela. O que ela não daria por uma chance
para poder dar o troco por ter sido torturada daquela forma.
A dor ricocheteia na cabeça de Seis. Ela imagina um rato
roendo fios, interrompendo a energia elétrica e fazendo as luzes
oscilarem.
— Eu juro, se eu tivesse uma faca eu tentaria tirar essa
coisa da minha cabeça sozinha – ela murmura, batendo na late-
ral da cabeça com o punho.
Ela estremece na hora em que outra pontada de dor
atinge o corpo dela, como se a coisa lá dentro tivesse entendido
o comentário e estivesse dizendo que ela não teria chance al-
guma de tirá-lo de lá. Ela deita, fechando os olhos e tentando se
acalmar. Por mais quanto tempo o parasita continuaria a fazer
aquilo? Dias? Ou só lhe restavam horas? Será que Magdalena
iria removê-lo ou o plano dela era deixar a coisa matá-la?
Isso não vai acontecer. Ela não vai se deixar ser uma co-
baia de um experimento Mogadoriano. Se chegar a esse ponto,
ela realmente vai tentar remover o parasita sozinha. E se não
funcionar, bem, ela estará morta antes que os Mogadorianos
possam pegar os Legados dela.
Ela abre os olhos e encara o teto, tentando canalizar a
raiva que sente de uma forma útil para tentar descobrir como
escapar dali. A porta trancada não é uma opção, e não há jane-
las. Não há sequer um duto de ar para ela tentar se esgueirar
até outro lugar. E ela suspeita que a qualquer segundo Eleni vol-
tará para buscá-la.
Seis não pretende estar ali quando isso acontecer.
O olhar dela se fixa na lâmpada no meio de teto. É a outra
única coisa dentro da cela além da cama que ela estava deitada.
Seis se concentrou no disjuntor respectivo que estava em uma
das paredes, tentando apagar e acender a luz com sua teleci-
nese. Novamente, nada aconteceu. Ela vai ter que encontrar al-
guma forma de sair dali sem precisar usar seus Legados.
A imagem do rato roendo fios apareceu na mente dela
novamente, e uma ideia começou a tomar forma. Ela se levan-
tou e arrastou a cama para que ele ficasse exatamente debaixo
da luz. De pé em cima da cama, ela conseguiu alcançá-la e remo-
veu o globo de vidro que protegia as duas lâmpadas. Ela colocou
o globo no chão, subiu novamente na cama e examinou o dispo-
sitivo elétrico. Era básico, nada chique, facilitando o giro da
base e a remoção dos parafusos, revelando a fiação elétrica que
saia de dentro do teto. Havia um fio preto e um branco.
Seis retirou o fio branco do dispositivo elétrico. As lâm-
padas no apagaram depois que o circuito foi desligado. Agora a
cela estava escura, com exceção de um fraco raio de luz do cor-
redor que adentrava por debaixo da porta. Mas Seis não preci-
sava de luz para fazer o que planejou. Ela segurou o fio preto e
o puxou, tendo cuidado para que ele não tocasse a parte descas-
cada do fio branco.
Descendo da cama, ela pegou o globo de vidro e o cobriu
com o fino lençol que havia ali para então esmagá-lo contra o
chão. O vidro estilhaçou. Ela retirou o lençol e examinou com
cuidado os pedaços de vidro com os dedos. Alguns eram bem
grandes. Esses ela separou e deixou de lado. Os outros ela colo-
cou no chão, e então cortou o lençol em várias tiras compridas.
Segurando algumas dos pedaços grandes, ela amarrou uma das
tiras em volta deles. Ela fez o mesmo com uma segunda tira
para que então ela tivesse uma maçaneta que pudesse pegar
sem se cortar.
De pé na cama novamente, ela olhou para os fios preto e
branco.
— Aqui vai alguma coisa – ela disse enquanto tocava as
partes descascadas dos fios ao mesmo tempo. Ouviu-se um alto
som e viu-se algumas faíscas. Olhando para a porta, ela confir-
mou que a fraca luz que emanava do corredor havia apagado.
Seis soltou os fios e desceu da cama. Pegando a faca im-
provisada e o que restou do lençol, ela se posicionou num canto
onde ela poderia se esconder caso alguém abrisse a porta.
Então ela esperou.
Alguns segundos depois, ela ouviu vozes no corredor.
— O apagão atingiu todo o complexo? – uma mulher per-
guntou.
— Eu acho que sim – alguém respondeu.
— Eu tenho certeza que a energia vai voltar já já – a ter-
ceira voz, masculina, respondeu. — Vamos aguardar.
As vozes recuaram. Seis ouviu portas sendo abertas e de-
pois fechadas. Ela se moveu e tentou abrir a porta da cela em
que estava, mas ainda permanecia trancada. Ela começou a te-
mer que talvez nada acontecesse, apesar da tentativa. Mas en-
tão ela ouviu alguém mexendo na maçaneta pelo lado de fora.
— O painel principal mostra que essa cela é a fonte do
curto-circuito – a voz de um homem disse.
A maçaneta mexeu novamente. Então Seis ouviu o baru-
lho de uma chave sendo colocada dentro da fechadura. Ela se
preparou. Ela não fazia ideia de quem iria entrar ali – se eram
Mogadorianos ou humanos. Entretanto, quem quer que fossem,
ela não iria esperar que fizessem perguntas. Um momento de-
pois, a porta se abriu. Uma raio de luz atravessou a cela escura.
Os pedaços de vidro no chão reluziram.
— Nossa – uma segunda voz masculina disse. — Que di-
abos aconteceu aqui?
— Me parece que o dispositivo elétrico caiu no chão de
algum jeito – o primeiro homem disse. — Bom, é fácil de con-
sertar. Vamos.
Os homens entraram na cela, deixando a porta aberta.
Assim que eles saíram do caminho, Seis se espreitou e saiu cor-
rendo pela porta.
— O que—, um dos homens exclamou, dando um pulo.
Seis não parou para dar uma explicação. Ela viu o raio de
luz ser apontado no corredor à procura dela enquanto ela cor-
ria, mas ninguém a seguiu. Quem quer que fossem aqueles ho-
mens, eles não pareceram interessados em descobrir quem era
ela, o que a deixou confusa. Será que Magdalena a deixou ali sem
nenhum guarda? Se eles estavam em outro complexo Mogado-
riano, por que os homens entraram na cela de forma tão casual,
como se esperassem que ela estivesse vazia?
Ela chegou no final do corredor, que acabava numa bifur-
cação. Enquanto ela estava para ali no escuro tentando decidir
para qual lado ir, a energia voltou. De repente, Seis estava enca-
rando um pôster gigante retratando uma mulher que parecia
estranhamente familiar. Então ela percebeu o motivo – a mu-
lher se parecia com ela. Não o suficiente para ela ser confundida
com a imagem do pôster, mas o suficiente para causar questio-
namento.
A mulher estava em pé junto com um grupo de outras
pessoas, todas vestidas no que parecia uniformes pretos de
couro. Vários deles estavam com as mãos levantadas, e parecia
que eles estavam segurando pedras azuis brilhantes. Na parte
debaixo do pôster lia-se: CIRQUE DES ÉTOILES PRESENTS: BAT-
TLE FOR EARTH.
Ela não fazia ideia do que aquilo significava. Ela observou
melhor o pôster, procurando por mais pistas, mas não encon-
trou nada. Agora ela estava ainda mais confusa. Se ela não es-
tava em algum tipo de complexo Mogadoriano, onde diabos ela
estava?
— Você está aqui para provar o figurino de substituta?
Seis se virou, deixando a arma que segura oculta pela la-
teral do corpo, pelo menos por ora. Olhando para ela estava
uma mulher jovem com cabelos loiros amarrados num rabo de
cavalo. Ela estava segurando uma prancheta. Ela não parecia es-
tar preocupada ou algo do tipo por ver Seis perdida no meio do
corredor.
— Peço desculpas pela falta de energia – a mulher disse.
— Alguma coisa aconteceu com os geradores. Mas já conserta-
mos – ela riu. — É óbvio. Enfim, você provavelmente está pro-
curando a sala de figurinos, certo? – o olhar da garota se moveu
de Seis para o pôster, e ela riu novamente. — Você se parece
muito com a Camilla – ela disse. — Você é a suplente dela? Eles
disseram que uma nova garota ia chegar. Eu não consigo acre-
ditar que Lara nos abandonou bem perto da inauguração, mas
um papel principal na Broadway não aparece todos os dias, né?
Enfim, ela provavelmente ia ficar no banco. A Camilla nunca
precisa ser substituída – ela coloca a mão na boca. — Me des-
culpe. Eu não deveria ter dito isso. Quero dizer, talvez ela deixe
você atuar depois que o público diminuir. O que provavelmente
nunca vai acontecer porque as pessoas amam essa apresenta-
ção. Quero dizer, espere até você ver as criaturas.
— Criaturas? – Seis disse. Ela estava ficando cada vez
mais confusa. Ela esperava encontrar Eleni, alguns outros Mo-
gadorianos ou até os humanos que estão trabalhando para eles.
Mas ninguém parecia achar a presença dela aqui um alarme.
A garota mexeu a cabeça. — Eles são fantásticos. Algo
maior do que qualquer coisa que já tivemos. As pessoas vão fi-
car loucas.
Nada que a garota dizia fazia algum sentido para Seis. —
Quem é você? – ela perguntou.
— Oh, me desculpe. Sou Allison, a assistente da assistente
da assistente do figurinista.
— Entendi – Seis disse, embora ela ainda não fizesse
ideia do que a mulher estava falando. — Bem, Allison, eu pre-
ciso fazer uma ligação. Você tem algum celular ou telefone que
eu poderia usar?
Allison mexeu a cabeça. — Não temos nada aqui embaixo.
Mas tem um telefone no lobby.
— Lobby – Seis repetiu. — Agora estamos no caminho
certo. Se você puder me mostrar como chegar lá, eu ficaria
muito agradecida.
— Hum... você deve ter vindo pelo caminho que leva até
lá para chegar aqui... é só subir de novo pelo elevador.
— Obrigada – Seis disse, começando a andar.
— E sobre a prova do figurino? – Allison perguntou.
Seis queria ignorar a pergunta. Mas então ela pensou um
pouco. Ela ainda não fazia ideia de onde, exatamente, ela estava.
Obviamente não era uma base Mogadoriana, mas deveria ter al-
gum motivo pelo qual ela e Sam foram trazidos para cá em vez
de outro complexo mais seguro. Ela precisava ligar para Nove e
encontrar Sam, mas ela não tinha ideia de onde Sam poderia es-
tar e ela não tinha nenhuma informação concreta para contar a
Nove naquele momento. Embora ela estivesse ansiosa para
agir, seria útil se ela esperasse alguns minutos para ver o que
poderia descobrir. Relutantemente, ela se virou.
— Certo – ela disse. — A prova de figurino.
Allison sorriu. — Me siga, vou vesti-la.
Seis seguiu Allison pelo corredor.
— De quais outros Cirque de Étoiles você já participou? –
Allison perguntou.
— De nenhum – Seis respondeu.
Allison pareceu chocada. — Nossa. Você deve ser muito
boa mesmo. Eles normalmente contratam substitutos para os
papeis principais apenas se a pessoa tiver alguma experiência.
Qual é a sua principal habilidade no set? Não. Espera. Deixe-me
adivinhar. Se você está substituindo a Camilla, provavelmente é
aérea.
Seis não sabia que o aquilo significava, mas assentiu.
— Aê! – Allison disse. — Estou ficando muito boa em de-
cifrar as pessoas apenas por observá-las. Quero dizer, algumas
são óbvias. Tipo, se você é menor que dois metros, a chances de
você ser um acrobata é muito grande. E os palhaços são sempre
fáceis de identificar, principalmente porque eles normalmente
parecem tristes. Você é uma graça e obviamente fitness, então
aérea faz sentido.
Elas chegaram numa porta, que Allison abriu. — Seja
bem-vinda ao País das Maravilhas – ela disse enquanto elas en-
traram num cômodo que explodia em cores.
Havia fantasias espalhadas por todo o cômodo. E não
eram comuns. Estas estavam cobertas com penas e lantejoulas,
joias e lacinhos. Várias pessoas estavam experimentando várias
fantasias, fazendo ajustes e alterações. As coisas estavam fi-
cando cada vez mais estranhas, e faziam cada vez menos sen-
tido.
Allison levou Seis para onde um grupo de três pessoas
estavam examinando as escalas azuis e roxas de uma fantasia
vestida por um homem musculoso.
— Ele ainda parece demais com um dragão – um dos ho-
mens disse com um suspiro. — Precisamos de menos dragão e
mais lagarto assustador. Ou o algo assim. Apenas façam aconte-
cer.
— Devin – Allison disse. — Essa é... – ela olhou para Seis.
— Jess – Seis disse, falando o primeiro nome que lem-
brou.
— Jess é a substituta de Camilla – Allison disse.
Devin se virou, olhou para Seis da cabeça aos pés e disse:
— Você acabou de sair de um pântano?
Seis olhou para si mesma. Ela passou por muita coisa nos
últimos dias, e parecia bem acabada. Mas essa era última preo-
cupação na mente dela naquele momento.
— Eu... hum... tomei um banho de chuva a caminho – ela
inventou.
Devin ergue uma sobrancelha. — Em Vegas? – ele disse.
— Não chove aqui há mais ou menos três meses. Está pare-
cendo que você não só caiu na fonte do Bellagio, mas que deci-
diu rolar nas ruas depois.
— Os últimos dias foram longos – Seis disse abrupta-
mente.
— Eu vou deixar vocês dois se conhecerem melhor – Al-
lison disse. — Boa sorte – ela sussurrou ao passar por Seis.
Devin deu uma volta ao redor de Seis, fazendo sons va-
gos. Quando ele voltou e ficou de frente para ela, ele disse: —
Você se parece muito mais com ela do que a própria Camilla. Ela
não vai gostar disso. E você tem um corpo mais apropriado. Ela
realmente não vai gostar nada disso.
— Parecida com quem? – Seis perguntou.
— Número Seis – Devin disse. — Você sabe, a pessoa a
quem você veio substituir a atriz principal? Sei que não a cha-
mamos assim, mas todo mundo sabe quem é ela.
— Seis – disse Seis. O que diabos está acontecendo? En-
tão ela se lembrou do pôster no corredor. — Sim. A batalha pela
Terra e tudo mais.
— Hmmm – Devin murmurou enquanto ele seguia para
uma arara de roupas. Ele pegou algumas e voltou. — Aqui – ele
disse, jogando elas para Seis. — Experimente essas. Já volto.
Seis olhou ao redor. — Aqui? – ela disse.
Devin revirou os olhos. — Os camarins são para estrelas
– ele disse enquanto se afastava.
Seis foi até um dos cantos do cômodo onde havia menos
pessoas, e se despiu o mais rápido que pôde. Ela colocou a
roupa que Devin havia entregado para ela, que consistia num
par de calças e jaqueta de couro. Elas serviram quase que per-
feitamente em Seis. As calças tinham um bolso conveniente
para esconder a arma caseira que ela fez. Ela olhou para si
mesma num espelho e ficou surpresa por ver que ela parecia
maravilhosa apesar de tudo o que ela passou nos últimos dias.
— Ah sim – Devin disse, aparecendo atrás dela. — Ca-
milla vai te odiar. Aqui. Coloque isso – ele deu a ela um par de
botas de couro.
Seis vestiu as botas. O cano delas quase chegou ao joelho,
por cima da calça. Com a fantasia nela, ela se sentiu estranha-
mente poderosa. Quase como a antiga versão dela. Talvez tenha
valido a pena esse pequeno tour, ela pensou.
— Só precisamos fazer alguma coisa com o seu cabelo –
Devin disse. — A cor é meio entediante. Por que você não tira a
fantasia e procura o departamento de maquiagem e cabelo?
Diga para a Selena que eu disse para ela fazer seu cabelo Fire-
fox.
— Firefox – disse Seis. — Entendi.
— Você pode pendurar a fantasia naquela arara – Devin
disse, deixando-a sozinha.
— Ou eu poderia ficar com ela – Seis disse baixinho, as-
segurando que ele estava fora de vista antes dela sair dali ainda
vestindo a fantasia.
Ela andou rápido pelo corredor com mais confiança do
que estava há quinze minutos. Claro, os Legados dela ainda não
estavam funcionando e havia um parasita na cabeça dela que
queria comê-la viva, mas ela conseguiu algumas informações.
Agora ela precisava apenas descobrir exatamente onde ela es-
tava, encontrar Sam, dar um jeito nos Mogadorianos e sair dali.
— Prioridades – ela disse enquanto ela foi até o elevador
e apertou o botão.
Enquanto ela esperava, ela meio que achou que Eleni ou
Magdalena fosse dar as caras. Mas não havia sinal das Mogado-
rianas em lugar algum, nem de qualquer pessoa que estava com
elas no bunker. Onde quer que eles estejam agora, obviamente
não estavam num complexo Mogadoriano como último. Deve
haver alguma conexão, mas qual? Seis adicionou isso para a
lista de perguntas que ela tinha.
Quando o elevador chegou, Seis entrou. Dentro dele ha-
via outro pôster como aquele que ela viu no corredor. Esse ti-
nha uma informação adicional na parte debaixo, que lia: EXCLU-
SIVO NO HOTEL SATURN. Seis notou esse mesmo nome gravado
no painel de metal acima dos botões do elevador. Bom, pelo me-
nos agora eu sei onde estou, ela pensou enquanto ela apertou o
botão que marcava “L” e viu as portas se fecharem.
Quando elas abriram, ela entrou no lobby. Ela parou por
um momento e olhou ao redor. O lugar era maravilhoso. O teto
estava a uns dez metros do chão e foi pintado para se parecer
com o espaço-sideral. Estrelas literalmente piscavam graças as
pequenas luzes instaladas, formando as constelações conheci-
das. Modelos de planetas estavam suspensos em fios invisíveis,
dando a impressão de que flutuavam no ar. Pisos pretos foram
colocados no chão do lobby com pequenas tiras em branco, e
Seis teve a impressão de que estava andando no céu noturno.
— Seja bem-vinda ao Saturn – um sorridente rapaz disse
quando ela chegou na recepção. — Me chamo Mike. Como posso
ajudá-la?
— Eu preciso de um telefone – Seis respondeu.
— Certo – Mike disse. — Há um telefone bem ali – ele in-
dicou uma porta à direita da recepção.
Seis agradeceu o rapaz e seguiu para a direção indicada,
onde um havia um telefone anexado à parede. Seis o pegou e
discou um número. Lexa atendeu depois do segundo toque.
— Ei, você nunca vai adivinhar onde estou.
MAX
POINT REYES, CALIFÓRNIA


Max está encarando Nove. Eles estão na enfermaria da
AGH. Eles chegaram na noite anterior depois de escaparem de
um bunker em Utah usando a batisfera1 que Nove havia encon-
trado. Desde que voltaram, Max esteve focado em testes para
descobrir o que havia sido implantado dentro da cabeça dele.
Os cientistas da escola também estavam estudando a criatura
que Nemo trouxe dentro do pote de vidro. Max não pregou os
olhos, e estava exausto. Agora, descobrindo que eles não iriam
remover o parasita que estava dentro dele, ele ficou ainda mais
assustado.

1
Veículo subaquático.
— Eu vou morrer?
— Não! – Nove disse, se aproximando e se sentando na
ponta da cama de Max. — Na verdade, é por isso que eles quere
deixá-lo aí dentro. Pelo menos por enquanto.
— Eu não entendo.
— Seu corpo parece estar criando anticorpos contra o
parasita – Nove explicou. — Está se livrando dele sozinho.
— É por isso que eu estou me sentindo melhor? – Max
respondeu.
— Faça uma coisa para mim – Nove disse. — Tente mo-
ver aquele copo de vidro usando sua telecinese.
Max olhou para a bandeja que estava em cima do criado-
mudo ao lado da cama. Havia pratos e copos ali, do café da ma-
nhã. Ele focou sua atenção no copo que há pouco tempo estava
cheio de suco de laranja. Ele imaginou o copo flutuando através
quarto. Nada aconteceu. Ele esticou as mãos, se sentindo um
pouco idiota por isso, tentando fingir que estava empurrando o
copo fisicamente e ao mesmo tempo com a mente. O copo me-
xeu alguns centímetros, e então caiu.
— Bem, que fracasso – Max disse.
— Na verdade não – Nove disse. — Na noite passada você
não conseguia fazer nada.
Max sorriu. — É verdade – ele disse. — Então, eles acham
que eu estou melhorando?
Nove assentiu. — Eles acreditam que você vai ficar bem.
Melhor do que isso: eles acreditam que podem usar seu sangue
para fazer um antídoto que vai ajudar Seis e Sam.
— Sério? – Max disse. — Eu acho que isso faz de mim um
super-herói, hein?
— Você já é, cara – Nove disse.
— Já sabemos onde Seis e Sam estão? – Max perguntou.
— Ainda não – Nove disse. — Mas estamos trabalhando
nisso.
— Na verdade, sabemos – Lexa disse, entrando no
quarto.
Nove e Max olharam para ela.
— Seis me ligou – Lexa esclareceu. — Há alguns minutos.
— Onde ela está? – Nove perguntou.
— Las Vegas – Lexa respondeu. — Num lugar chamado
Saturn Hotel.
— Ela está bem? – Max perguntou, ansioso.
Lexa assentiu. — Ela está bem. Por enquanto, pelo me-
nos. Mas os Mogadorianos levaram Sam para outro lugar e ela
ainda não descobriu aonde. Está trabalhando nisso.
— O Saturn Hotel – disse Nove. — Por que esse nome soa
familiar? Espere aí. Não é aquele lugar onde eles estão fazendo
aquela coisa circense baseada em nós?
— Cirque de Étoiles – Lexa disse. — Battle of Earth.
— Isso mesmo – disse Nove. — Eles me contataram há
um tempo e perguntaram se eu queria ser um convidado espe-
cial na noite de estreia. Até me ofereceram uma suíte grátis. Eu
recusei.
— Com medo de que eles vão fazer tudo errado? – disse
Lexa.
— Aguardando pela cobertura – disse Nove.
— Podemos voltar a falar de Seis e Sam? – Max disse im-
pacientemente. — Vamos ajudá-los, certo?
— Claro que vamos – disse Nove.
Max começou a descer da cama.
— Onde você pensa que está indo? – disse Nove, inter-
rompendo-o.
— Você acabou de dizer que vamos ajudá-los – disse Max.
— Não tão rápido – disse Nove. — Primeiro porque Seis
está bem por enquanto. Segundo, eu te disse, precisamos de
você parar criar um antídoto para aquela coisa. Isso vai deman-
dar tempo.
— Quanto tempo?
— Eu não sei – disse Nove. — Mas nesse momento você
precisa ficar aqui. Lexa e eu temos alguns planos.
— Mas...
— Eu vou voltar logo – Nove prometeu. — Enquanto isso,
continue praticando sua telecinese. Quando eu voltar, quero ver
você atirando aquela coisa para o outro lado da sala.
Nove e Lexa saíram, e Max se jogou contra os travessei-
ros. Ele encarou o copo de vidro. Ele moveu um quarto de cen-
tímetro. Ele levantou uma das mãos e bateu nela com a outra.
— Você acabou de cumprimentar você mesmo? – Nemo
perguntou do vão da porta.
— Não – disse Max, envergonhado. — Tudo bem, sim.
Nemo riu. — Você é demais – ela disse, andando até a
cama e se sentando onde Nove estava há um minuto. — Como
se sente?
— Bem – Max disse. — E você?
— Melhor – Nemo disse. — Eu consegui dormir por algu-
mas horas. Foi bom estar numa cama de verdade. Mas quando
eu acordei eu comecei a pensar em todo mundo.
— Seis e Sam?
— Neles – Nemo disse. — Mas também em Ghost e Lava
e Bats. Não sabemos o que aconteceu com eles. Ou com Seamus.
— Esqueça aquele cara – Max disse com raiva. — Depois
de tudo o que ele fez?
— É, eu sei – Nemo disse. — Mesmo depois do que ele fez.
Eu vi o pai dele hoje de manhã. Ele parecia chateado.
Max grunhiu. Ele não iria perder tempo se preocupando
com Seamus. Mas ele estava preocupado com os outros e estava
aliviado por estar fora do bunker, mas se perguntou se alguns
dos outros ainda estavam presos lá.
— Eles sabem onde Seis está – disse a Nemo.
— Eu fiquei sabendo – disse ela. — Eu fui falar com Nove
e Lexa antes de vir para cá. Isso é ótimo. Eu também fiquei sa-
bendo que o seu sangue é mágico.
— Eu sou um milagre da ciência – Max disse.
— Eu estou muito feliz por não estar mais carregando
aquela coisa comigo – Nemo disse. — Eu nem posso imaginar
ter uma daquelas coisas se arrastando dentro da minha cabeça,
comendo fatias do meu cérebro ou sugando meus Legados ou o
que quer que ele faça – ela parou de falar e olhou para Max, com
os olhos arregalados. — Me desculpe, eu esqueci que você tem
um...
— Tudo bem – Max disse. — Enfim, eu acho que está
morto, ou pelo menos não está mais fazendo o que deveria fa-
zer. Minha telecinese está voltando. Olhe.
Ele tentou mais uma vez mover o copo de vidro. Desta
vez ele conseguiu empurrá-lo até a borda. Ele estava se ten-
tando jogá-lo no chão quando um enfermeiro entrou no quarto.
— Posso interrompê-lo para colher um pouco de sangue?
– ele perguntou.
— Mais? – Max disse. — De quanto vocês precisam?
— Só mais uma bolsa – ele disse. — Talvez duas.
Max gemeu e esticou o braço. — Me seque então, san-
guessuga.
Enquanto o enfermeiro amarrava a borracha em volta do
braço de Max e procurava por uma veia, ele disse: — Deixa eu
te falar. Depois disso, o que acha de descer e ver o que estamos
fazendo com todo o seu sangue?
Max fechou os olhos e fez uma careta enquanto o enfer-
meiro colocava a agulha na veia. — Eu topo – ele disse.
Assim que a bolsa de sangue encheu, Max se levantou e
seguiu o enfermeiro, Nemo junto com ele, na direção do eleva-
dor. Desceram até o nível em que os laboratórios foram cons-
truídos. Quando chegaram, foram para um escritório que estava
cheio de equipamentos. Uma mulher estava sentada em uma
das mesas, olhando para algo através de um microscópio.
— Dra. Fenris – o enfermeiro disse. — Esse é o Max e sua
amiga, Nemo.
A mulher olhou para eles. — Que prazer – ela disse, se
levantando e estendendo a mão para Max. — Eu estava estu-
dando o seu sangue extraordinário – ela também cumprimen-
tou Nemo. — E graças a você, temos um espécime do parasita
com o qual estamos lidando.
— O sangue de Max realmente mata o parasita? – Nemo
perguntou.
— Então, os anticorpos que o corpo dele produziu em
resposta ao parasita neutralizaram os efeitos dele – explicou a
Dra. Fenris. — Isso, por sua vez, impede que ele se alimente de
forma eficaz do hospedeiro. Então, sim, ele vai morrer. O impor-
tante, no que nos diz respeito agora, é que acreditamos que o
antídoto que estamos tentando criar fará o mesmo com o para-
sita que estiver em outra pessoa – ela olhou para Max. — E eu
fiquei sabendo que sua telecinese está voltando.
Max assentiu. — Está ficando cada vez mais forte – ele
disse.
— São novidades excelentes – a médica disse.
— Então... se levarmos sua antídoto até Seis e Sam, eles
vão voltar ao normal? – Nemo perguntou.
— Esperamos que sim – disse a Dra. Fenris. — Pressu-
pondo que o parasita não evoluiu além do que conhecemos.
— O que quer dizer? – Max perguntou.
— O espécime que Nemo trouxe é um maduro – a médica
disse. — Está no estágio final. O que foi injetado em você estava
no estágio inicial, microscópico. Você nem sabia que ele estava
aí. Mas depois que ele cresce e fica do tamanho do que você
trouxe do bunker, é tarde demais para reverter os efeitos.
— Quanto tempo demora para ele ficar daquele tama-
nho? – perguntou Nemo.
— Não sabemos – a médica admitiu. — Meu palpite é que
demora um pouco. Seis e Sam foram infectados a menos de uma
semana, então estou torcendo para os danos serem reversíveis.
Isso se levarmos o antídoto até eles logo.
— Quanto é “logo”?
— O mais rápido possível – ela disse sem rodeios. Mas a
expressão no rosto dela preocupou Max.
— De onde essa coisa veio, afinal de contas? – Nemo per-
guntou. — Tipo, está por aí, solto no mundo? Qualquer um com
Legados pode ser infectado?
— Eu acho que não – disse a Dra. Fenris. — Meu palpite
é que esse parasita foi criado pelos Mogadorianos que vocês co-
nheceram. É diferente de qualquer outro parasita que eu vi an-
tes. Aqui. Deem uma olhada.
Ela gesticulou para eles irem até o microscópio. Max se
inclinou, olhando através das lentes. Ele viu algo parecido com
três gotas roxas e grandes. — O que é isso?
— São as toxinas criadas pelo parasita – Dra. Fenris res-
pondeu. — Agora observe o que acontece em seguida.
Ela colocou a ponta de uma pipeta fina na superfície da
lâmina de vidro do microscópio. Max viu um fluxo de minúscu-
las bolhas vermelhas saindo.
— E o que é isso? – Max perguntou.
— São os anticorpos que retiramos do seu sangue – a mé-
dica explicou.
Como se sentissem a presença dos anticorpos, as toxinas
se moveram em direção a eles, como monstros caçando suas
presas. Max sentiu seu coração acelerar. Por alguma razão, ob-
servar as toxinas atacando seus anticorpos o aterrorizava. Mas
então algo interessante aconteceu. Os anticorpos atacaram, ati-
rando-se contra as paredes das toxinas até que eles consegui-
rem atravessá-las. Então eles correram para dentro, enchendo
as gotas roxas com vermelho e consumindo-as.
— Isso é incrível – Max disse, dando um passo ao lado
para que Nemo pudesse ver também.
— Isso é ciência – Dra. Fenris disse.
— Então, se o anticorpos do Max podem fazer isso, por
que os de Sam e Seis não podem? – Nemo perguntou.
— Todo corpo é diferente – disse a Dra. Fenris. — Na me-
dicina, gostamos de dizer que o sistema imunológico é constru-
ído, não nascido. Isso significa que seu corpo desenvolve defe-
sas com base no que é exposto ao longo de sua vida. Por alguma
razão, o corpo de Max desenvolveu uma maneira de combater
o parasita. Pode ser porque ele foi exposto a algo semelhante
no passado. Ou o Legado específico dele pode ter algo a ver com
isso, já que a habilidade muda a função cerebral. Ou o corpo
dele pode simplesmente ser melhor em combater invasores.
— Em outras palavras, você não sabe dizer com certeza
– Nemo respondeu.
A Dra. Fenris sorriu. — O que importa é que parece estar
funcionando.
Ouvindo a explicação dela, Max pensou em algo: — Mas
talvez não funcione em Sam ou em Seis, certo? Quero dizer, se
o corpo deles for diferente do meu.
— Estamos esperançosos de que vai funcionar – a médica
disse, colocando uma das mãos no ombro dele.
Max assentiu, mas ainda estava preocupado.
— Quando vocês vão tirar o parasita da cabeça do Max?
– Nemo perguntou.
— Logo – a Dra. Fenris disse. — Se tirarmos agora, o
corpo dele pode parar de produzir anticorpos, e precisamos
que ele continue produzindo, por enquanto.
Um som invadiu o laboratório, e a Dra. Fenris pegou o ce-
lular no bolso do jaleco. — Nove está pedindo para que vocês
vão ao escritório dele.
Max olhou para Nemo. Algo deve ter acontecido. — Va-
mos – ele disse.
Quando chegaram lá, eles encontraram Nove e Lexa, o Dr.
Malcolm e Peter McKenna. Havia também um visitante sur-
presa.
— Bats! – Max exclamou quando viu a garota de Utah
sentada numa cadeira. Ela se levantou, sorrindo, e Max a abra-
çou. — Como você veio parar aqui?
— Nove enviou uma equipe para o bunker – Bats disse.
— Eles me resgataram. Cheguei aqui há alguns minutos.
A felicidade de Max evaporou. — Me desculpe termos
deixado você para trás – ele disse. — Tudo aconteceu tão rápido
e eu não sabia onde você estava.
— Sem problemas – Bats disse, abraçando-o novamente.
— Eu sei. Quando tudo deu errado, eu achei um lugar para me
esconder e esperei por lá até eu achar que fosse seguro sair.
Claro, eu não tinha pensado nas criaturinhas de Magdalena.
Max se arrepiou, se lembrando da criatura que parecia
um dragão e que caçou ele e Nemo pelos corredores do bunker.
— O que importa é que ela está aqui agora – Nove disse.
— E Lava? – Max perguntou.
Bats mexeu a cabeça. — Eu fui a única que ficou para trás
– ela disse. — Até onde eu sei, pelo menos.
— Não havia mais ninguém no bunker – Nove confirmou.
— Mas sabemos que Seis e Sam estão em Vegas.
— Não sabemos se Sam ainda está lá – o Dr. Goode disse,
parecendo preocupado com seu filho. — Os Mogadorianos po-
dem ter levado ele para outro lugar, separando-o de Seis.
— Até termos essa informação, vamos presumir que ele
está lá – Nove disse. — E é por isso que estamos indo para lá.
— Nós? – Max disse. — Todos nós?
— Não todos nós – Nove disse. — Mas eu e você e Nemo
vamos.
— Eu pensei que eu precisava ficar aqui – Max disse.
— Você quer ficar aqui? – Nove perguntou.
— Não – Max disse rapidamente. — É que eu achei que
você precisasse do meu sangue aqui.
— E talvez vamos precisar dele lá também – Nove disse.
— Eu ainda não gosto disso – McKenna disse.
— Sei que não – Nove respondeu, olhando para ele de
forma estranha. — Mas você não está no comando aqui, eu es-
tou.
— Por que não ligar para a Garde Terrestre e pedir uma
mãozinha? – McKenna sugeriu.
Nove suspirou, como se essa fosse uma sugestão ridícula.
— Seis está bem – ele lembrou McKenna. — E só sobraram pou-
cos Mogadorianos lá.
— Mogadorianos perigosos – McKenna disse. — E eles
estão com Sam.
— Não estarão por muito tempo – Nove disse. — Eu não
acho que ligar para a Garde Terrestre e transformar isso num
grande problema vai ajudar alguém. Podemos lidar com isso.
Max olhou para McKenna. Ele parecia exausto. Max sus-
peitou que o homem estava pensando em seu filho e no que ele
fez. Seamus havia traído todos eles, e provavelmente não estava
se dando bem com o pai, particularmente porque ele tinha sido
o chefe de Sam e Seis e foi quem os envolveu em tudo isso, para
começo de conversa.
Nove assentiu para Max e Nemo. — Se preparem – ele
disse. — Vamos sair em vinte minutos.
Max e Nemo se apressaram. Já no corredor, Max sussur-
rou: — É impressão minha ou o clima estava tenso lá dentro?
— Completamente tenso – Nemo disse. — Algo está
acontecendo entre o Nove e o pai de Seamus.
Max mexeu a cabeça. — Eu não ia querer estar na pele de
Seamus agora.
Nemo grunhiu em resposta. Max sabia que ela estava tão
zangada com o antigo amigo quanto ele. Ele se perguntou o que
ela faria se ela ficasse cara a cara com Seamus em Vegas. Ele se
perguntou o que ele faria.
Ele tinha a sensação de que eles iam descobrir.
SAM
LAS VEGAS, NEVADA

Sam, sentado com os pulsos amarrados na parte de trás


de uma cadeira, observava enquanto Eleni andava furiosa pela
sala para a qual ela o havia arrastado. Do lado de fora da janela,
ele conseguia ver pontos de luz cintilantes que percebeu ser de
Las Vegas. O cômodo que ele estava era bem alto, e ele tinha
uma vista ampla dali de cima. Ele reconheceu vários nomes de
hotéis que brilhavam em cores neon contra o céu noturno, além
de uma série de rostos que apareciam em outdoors anunciando
peças de teatro e shows.
Ele também sabia que estava dentro do Saturn Hotel. O
logotipo do hotel estava por todo lado: num papel de carta que
estava em cima da mesa de cabeceira próxima, no bolso dos
roupões de banho que foram colocados nos pés da cama, no ta-
pete e nos papéis de parede. Ele se lembra de ter lido sobre o
lugar numa revista de viagens que ele tinha visto durante um
voo que ele e Seis haviam tomado de Paris para Venice. Era o
maior hotel do oeste, além de também ser o mais novo e mais
opulento. Pelo o que ele se lembrava, o hotel havia sido inaugu-
rado recentemente.
A pergunta era: por que ele estava ali e qual a conexão
dos Mogadorianos com aquele lugar? Obviamente tinha uma
conexão, já que Eleni mostrou saber andar por ali e usou um
elevador claramente destinado para os funcionários para levá-
lo para o local em que estavam para não serem notados. Mas
por que um hotel, afinal de contas? Por que não um lugar mais
seguro e secreto? Isso não fazia nenhum sentido para ele.
Não que isso fosse a principal preocupação dele no mo-
mento. A coisa que estava dentro da cabeça dele era. O que quer
que ela estivesse fazendo, estava ficando pior. Todo o corpo
dele doía e ele sabia que estava ficando mais fraco. Ele obvia-
mente tentou usar seus Legados para ajudar de alguma forma –
de qualquer forma – mas nada estava funcionando. Nada de te-
lecinese. Muito menos sua tecnopatia. Ele não conseguia nem
mudar o canal da enorme televisão que estava instalada na pa-
rede.
— Por que você ainda não chegou aqui? – Eleni gritou no
telefone. Ela estava andando para lá e para cá na frente de uma
janela, com uma das mãos na cintura. Já era a terceira vez que
ela estava ligando para essa pessoa, e a impaciência no tom de
voz dela havia crescido exponencialmente a cada ligação.
A porta do quarto se abriu de repente e Magdalena en-
trou, também no telefone: — Estou aqui agora – ela disse.
Eleni praticamente jogou o telefone dela na cama. — Por
que você demorou tanto?
— Havia muitas coisas para preparar... – Magdalena co-
meçou, mas então olhou para Sam: ... — para hoje à noite.
Eleni grunhiu em impaciência. — Bem, agora você pode
brincar de babá com esse humano. Eu preciso ver a outra.
— Você a deixou sozinha? – Magdalena disse.
— E eu tinha escolha? – Eleni retrucou. — Além disso, ela
está fraca graças àquela coisa que você implantou nela. Ela não
pode fazer nada. Eu vou buscá-la e volto em dez minutos – ela
deixou a sala, batendo a porta após passar por ela.
— Ela é tão dramática – Magdalena disse, se sentando na
cama e olhando para Sam. — Ela poderia ter deixado você sozi-
nho aqui por alguns minutinhos. Não que você pudesse usar
seus Legados ou coisa do tipo para tentar escapar, estou certa?
Sam não respondeu. Magdalena fez um biquinho. — Não
fique bravo comigo – ela disse. — Eu prometo que vou tirar mi-
nha criaturinha de você logo, logo.
Ouvindo isso, Sam sentiu o medo aumentar dentro dele.
Se ele estivesse certo de como o parasita funcionava, tirá-lo sig-
nificava que ele provavelmente iria morrer. Mas se Magdalena
estivesse tentando provocá-lo para que ele falasse, ele não iria
dar esse gostinho para ela. Em vez disso, ele encarou a janela.
Magdalena deu uns tapinhas numa bolsa que estava car-
regando. — Enfim, a Eleni deveria estar feliz. Eu trouxe uma
surpresa para ela. Se você jurar não contar pra ela, eu te digo o
que é. Você promete?
Sam não disse nada mais uma vez. A Mogadoriana estava
irritando ele. O que ele queria fazer era lançar uma onda explo-
siva de telecinese contra ela. Em vez disso, a única coisa que ele
conseguia fazer era dar seu melhor para ignorá-la. Mas ela não
estava ajudando. Ela se levantou e entrou no campo de visão
dele, acenando para ele como se tivesse acabado de percebê-lo
ali e estivesse feliz em vê-lo.
— Vou te contar mesmo assim – ela disse enquanto ele
desviou o olhar dela para a parede. — É um novo lote do soro.
Eu removi uma das criaturas.
Sam não conseguiu evitar: — Removeu de quem? – ele
perguntou.
Magdalena bateu palmas. — Oh, você está interessado! –
ela disse. — Não se preocupe. Você não conhecia. Pelo menos
eu acho que não. Era um garoto humano com um Legado piro-
cinético. Temos vários destes, então não foi nada de especial.
— Ele era uma pessoa – Sam rosnou.
Magdalena revirou os olhos. — É, e bem, um hambúrguer
é uma vaca antes de virar sua refeição. Eu não vejo você ficar
todo irritado com isso.
— Você matou alguém – Sam disse. — Para os seus expe-
rimentos.
Magdalena suspirou. — Sabe, eu não falei nada isso antes
porque eu pensei que poderíamos ser amigos. Mas seu povo
matou vários do meu há pouco tempo. Você deve ter matado
alguns do meu povo, estou certa?
Sam mexeu a cabeça. — Vocês invadiram nosso planeta
– ele disse. — Estávamos em guerra.
— É por isso que eu odeio falar sobre política – Magda-
lena respondeu. — Ninguém nunca considera o outro lado. Eles
dizem que consideram, mas é mentira.
— Você é louca – Sam disse.
— Ou talvez eu seja um gênio – Magdalena disse. — Veja,
você está fazendo de novo, vendo as coisas somente pelo seu
ponto de vista.
Antes que Sam pudesse responder qualquer coisa, a
porta se abriu novamente e Eleni entrou rapidamente, pare-
cendo mais enfurecida do que quando saiu. — Ela fugiu – ela
disse.
— Quem fugiu? – Magdalena disse.
Eleni não respondeu, Mas Sam sabia exatamente o que
ele quis dizer. Seis havia escapado. Magdalena deve ter perce-
bido isso também. — Bem, ela deve estar aqui em algum lugar.
— É claro que ela está aqui em algum lugar! – Eleni tro-
vejou. — E ela provavelmente já fez ligações pedindo ajuda.
Magdalena olhou para o relógio. — A apresentação co-
meça em menos de uma hora – ela disse. — E ela não faz ideia
do que estamos planejando.
— Esse tempo é mais do que o suficiente para causar pro-
blemas – disse Eleni.
— Você se preocupa demais – Magdalena disse para ela.
— Como você disse, ela está fraca. Os Legados dela não estão
funcionando.
— E mesmo assim ela conseguiu escapar – disse Eleni.
Sam riu, apesar de estar preso. Eleni se movimentou e
disferiu um tapa no rosto dele. Sam riu novamente, sabendo
que enfureceria ela ainda mais. E enfureceu. Mais uma vez o
rosto dele recebeu um tapa dela com uma força impressionante.
A cabeça dele virou para o lado, e ele sentiu o gosto de sangue.
Ele olhou para Eleni. O rosto dela estava uma confusão de emo-
ções, e nenhuma delas era prazer.
— Ela vai encontrar vocês – Sam disse, de forma bem
clara. — Ela vai encontrar vocês e depois vai matá-las.
Eleni fez menção de tapeá-lo novamente, mas Magdalena
impediu. — Tenho algo para você – ela disse. Ela levantou um
frasco pequeno.
— O que é isso? – Eleni perguntou.
— O soro – ela disse. — Um novo lote.
Um quase sorriso se formou no rosto de Eleni. — E está
pronto?
Magdalena assentiu.
— Me dê – Eleni disse. — Agora.
— Antes da apresentação começar? – Magdalena pergun-
tou.
— E há hora certa para isso? – disse Eleni.
Enquanto Eleni enrolava uma das manga, Magdalena pe-
gou uma seringa da bolsa que estava na cama. Ela destampou,
inseriu a agulha no frasco e retirou um pouco do soro. Eleni es-
ticou o braço e Magdalena enfiou a agulha numa veia. Enquanto
ela apertava o êmbolo da seringa, Eleni fechou os olhos.
— Queima – ela disse, sonhadora. — Eu posso sentir.
Sam observou com interesse para ver o que aconteceria.
Ele pensou na última vez que viu alguém tentar criar Legados
artificialmente, o traficante Bray. Terminou com a morte dele
de uma forma horrível. Será que Eleni estava prestes a sofrer o
mesmo destino?
Ele procurou por sinais de possíveis efeitos colaterais ao
soro. Mas não vieram. Em vez disso, ela respirou fundo várias
vezes e abriu os olhos. — Algo mudou – disse ela. — Qual era o
Legado da pessoa de quem veio isso?
— Manipulação de fogo – disse Magdalena. — Mas isso
não significa necessariamente...
Eleni levantou as mãos e Magdalena parou de falar. Ela
se concentrou no espaço entre as palmas das mãos. Um mo-
mento depois, uma faísca crepitou e desapareceu. Eleni tentou
novamente, e desta vez uma pequena bola de fogo se formou.
Permaneceu intacta, não maior do que uma feita por chiclete.
Eleni sorriu e a apagou.
— Funciona – disse Magdalena, quase sem fôlego.
Eleni conjurou o fogo novamente. Desta vez, a bola cres-
ceu em tamanho e força.
A Mogadoriana a movia para frente e para trás entre as
palmas das mãos, como uma criança brincando com uma bola.
— Não queima minha pele – disse ela. — Eu sinto seu calor, mas
não estou ferida.
— Cuidado! – disse Magdalena. — Você não quer ativar
os aspersores de água ou começar um incêndio!
— Ainda não, mas vou querer – disse Eleni, fazendo a
bola de fogo desparecer, ambas rindo. Então Eleni olhou para
Sam e sorriu. — Agora eu sou como você – ela disse. — Ou como
você já foi.
— Vamos ver – disse Sam.
— Sim – disse Eleni. — Vamos. Falando nisso, acho que
está quase na hora – ela pegou um controle remoto que estava
em cima de uma mesa próxima e ligou a televisão. Na tela, o re-
pórter estava parado do lado de fora da entrada do Saturn Ho-
tel, onde algumas pessoas desciam de uma limusine, um trio de
lindas mulheres jovens, todas vestidas com trajes glamurosos.
Sam reconheceu as três imediatamente. Eram irmãs de uma sé-
rie de televisão famosa.
As garotas, vendo uma câmera, imediatamente foram
atraídas por ela, exibindo sorrisos deslumbrantes e fazendo po-
ses. O repórter, bajulador, disse: — Estamos aqui no deslum-
brante Saturn Hotel para a inauguração da mais recente extra-
vagância do Cirque des Étoiles. Senhoritas, vocês estão ansiosas
para a apresentação?
Elas assentiram e sorriram. Uma delas disse: — Eu adoro
o circo.
— Tirando os palhaços – acrescentou outra. — Não tem
palhaços neste aqui, ou tem?
O repórter riu como se ela tivesse dito a coisa mais en-
graçada do mundo. — Eu acho que não – disse ele. — Mas eu
ouvi que a apresentação está repleta de surpresas. E vai come-
çar daqui a pouco, então é melhor vocês entrarem logo.
As irmãs seguiram para o Hotel e o repórter se virou para
os telespectadores.
— Não podemos levá-los para a estreia de hoje à noite –
disse ele, franzindo a testa tristemente. — Não podemos filmar.
A única maneira de você conhecer a apresentação da arena do
Saturn Hotel é se você tiver um desses – ele ergueu um ingresso
prateado metálico e acenou. — Que por acaso eu tenho! Então
eu vou lá para dentro e volto com relatos mais tarde. Trek Mas-
ters para o KVAS, até mais tarde.
— Ele está errado sobre uma coisa – disse Eleni. — Nin-
guém precisa de ingressos para ver a apresentação. Pelo menos
não se você estiver em uma das suítes VIP daqui. Ela mudou de
canal e a imagem na TV mudou para o cenário de uma arena,
presumivelmente aquela ligada ao Saturn Hotel. Um palco foi
montado no centro, com cadeiras ao redor. Uma cortina azul es-
cura com estrelas e planetas rodeava o palco, escondendo-o da
vista.
— Está tudo pronto? – Eleni perguntou a Magdalena.
Magdalena pegou o celular e deu uma olhada na tela. —
Sim – ela confirmou. — Os caminhões estão em posição.
— E a carga?
Magdalena sorriu. — Com fome – disse ela.
— Eu estou indo para lá agora – disse Eleni. Ela enfiou a
mão no bolso e tirou um ingresso igual ao que o repórter mos-
trou. — Eu quero estar lá pessoalmente quando aquelas garotas
estúpidas verem o que vai acontecer com elas.
Ela saiu do quarto, deixando a televisão ligada. Magda-
lena se sentou na cama e continuou a digitar no celular en-
quanto Sam observava o a movimentação dentro da arena do
hotel. Perguntas giravam dentro da cabeça dele, e, quando ele
não aguentou mais ouvi-las zumbindo em seu cérebro, ele
disse: — O que você está fazendo?
— Finalmente – disse Magdalena, colocando o celular na
cama. — Eu não acredito que você esperou tanto tempo para
perguntar – ela foi até a mesa e pegou alguma coisa. Voltou até
ele, segurando um folheto para que ele pudesse ver.
— “O Cirque des Étoiles apresenta ‘Battle for Earth’” – ele
leu. — “Uma celebração sobre o triunfo da humanidade”. Essa é
a apresentação que vai acontecer hoje. Entendi. Mas o que isso
tem a ver com você?
— Tudo – disse Magdalena. — Como você acha que é ver
que o pior momento da história do seu povo se tornou um es-
petáculo para entreter o público? Especialmente logo depois
que aconteceu.
Sam olhou para a arena cheia de pessoas. — Não é dife-
rente de ter um desfile – disse ele. — Como o quatro de julho.
— É muito diferente – disse Magdalena. — Mas como
você está no tão chamado “lado vencedor”, eu não imagino que
possa realmente entender.
— É demais para querer nossa amizade – disse Sam.
— Eu não disse que eu te culpo – Magdalena disse a ele.
— Eu entendo que era uma guerra. E em toda guerra há um ven-
cedor e um perdedor. Eu também sei o papel que você e seus
amigos tiveram nessa guerra. Todo mundo sabe, é claro – ela
fez uma pausa e olhou para a TV. — Mas talvez a guerra ainda
não tenha acabado.
— O que você quer dizer? – Sam perguntou. — Isso é so-
bre o quê?
— Você não se perguntou por que você está aqui? – Mag-
dalena disse, indicando o quarto do hotel. — E não em algum
outro lugar... que não seja aqui?
Sam, é claro, estava se perguntando exatamente aquilo,
então não se incomodou em responder.
— É o objetivo final de tudo – disse Magdalena.
Isso Sam não entendeu. — Tudo o que?
— Tudo – disse Magdalena. — Das drogas. Das experiên-
cias. Dos acampamentos para as crianças fugitivas. Tudo – ela
esperou por uma reação, então disse: — Você ainda não en-
tende, não é?
— Talvez o seu parasita comeu a parte do meu cérebro
que desvenda enigmas – Sam disse.
Magdalena revirou os olhos como uma adolescente ente-
diada. — Tudo faz parte do plano – disse ela, gesticulando “as-
pas” enquanto falou as últimas duas palavras. — Primeiro, nós
temos humanos viciados nessa droga que os faz pensar que têm
Legados. Honestamente, isso foi principalmente por diversão,
mas tinha a vantagem adicional de fazer as pessoas suspeita-
rem do benefício dos Legados em si, e particularmente das pes-
soas que os possuem. Sabe, porque as pessoas começaram a se
machucar tentando ser como você. Isso é algo péssimo para as
Relações Públicas. Então nós descobrimos como fazer um soro
para realmente nos dar Legados. Eu acho que é óbvio o motivo
de fazermos isso. E, hoje à noite, bem, esta noite vamos lembrar
aos humanos por que eles deveriam nos temer.
— Como? – disse Sam.
Na arena, as luzes se apagaram. A multidão murmurou
animadamente.
— Shh – disse Magdalena. — Está começando.
Tudo o que Sam pôde fazer foi assistir e ouvir. Depois de
um momento, a cortina em torno do palco da arena caiu. O pú-
blico ofegou quando uma nave espacial gigante foi revelada,
suspensa no ar e toda iluminada por luzes azuis e roxas. Um ne-
voeiro surgiu em torno dela, e projeções de cometas brilharam,
fazendo parecer que a nave estava viajando no espaço.
— Eles vieram dos confins mais escuros do universo – a voz
de uma mulher entoou. — Procurando por vingança.
Uma música sinistra encheu o ar, pulsando com o baixo
que soava como motores vivos. A nave se moveu, virando de um
lado para o outro graças aos sistemas hidráulicos ocultos.
— Nosso planeta não tinha ideia do que estava para acon-
tecer por aqui – a voz continuou. — Eles chegaram na escuridão.
Magdalena suspirou. — Isso é dramatização demais –
disse ela. — O espaço é uma escuridão, no fim das contas.
A nave espacial desceu até o palco. De repente, ela se
abriu, as duas metades se separando. Uma dezena de persona-
gens fantasiados surgiram, seus rostos pintados de vermelho e
amarelo, seus corpos cobertos com o que pareciam escamas iri-
descentes.
— Bem, isso é apenas um insulto – disse Magdalena. —
Eles nos fizeram parecer demônios.
Sam observou enquanto os artistas se moviam através de
uma complicada coreografia que envolvia cambalear e pular. Os
movimentos eram bruscos, violentos e primitivos. Eles foram
acompanhados por flashes de luzes vermelhas e amarelas e o
som de tambores batendo.
— Eles não vieram sozinhos – disse a voz da narradora.
— Tudo bem – disse Magdalena. — Preste atenção. Essa
é a parte boa.
— Eles trouxeram monstros com eles – disse a voz. — Cri-
aturas feitas para caçar e matar.
A nave se transformou novamente, desta vez se que-
brando em pedaços enquanto alguma outra coisa surgia por de-
baixo do palco. Era algo oval – maciço e pulsante com luz ama-
relo-esverdeada. Os artistas representando os Mogadorianos
giravam em torno dele, quase como se estivessem o adorando.
Eles estenderam as mãos para o ovo. De repente, rachaduras
apareceram na superfície do objeto e uma luz vinda de dentro
disparou em feixes finos.
Sam olhou para Magdalena. O rosto dela estava banhado
pelo brilho da televisão. Os olhos estavam arregalados e um
sorriso se formava nos cantos de sua boca. Ela estava com as
mãos entrelaçadas na frente dela enquanto olhava assistia. Por
alguma razão, Sam se viu assustado.
O ovo se abriu, revelando uma enorme criatura dentro
dele. Tinha facilmente mais de seis metros de altura, asseme-
lhava-se a um lagarto pré-histórico, com uma cauda cheia de es-
pinhos. Os olhos da coisa brilhavam com luz amarela. Quando
abriu a boca, revelou dentes pontiagudos.
— É como um píken – disse Sam, um arrepio involuntário
atingindo o corpo dele.
— Só que maior – disse Magdalena. — Bem mais rápido.
E mais malvado.
A criatura abriu a boca e soltou um rugido feroz. Foi
quando Sam percebeu algo peculiar. Os atores estavam todos
olhando um para o outro e recuando. Alguns apontaram para a
fera em pé no palco, depois se viraram e fugiram.
— O que está acontecendo? – perguntou Sam. — Por que
eles estariam com medo? Eles estão agindo como se fosse—.
Magdalena se virou para ele, sorrindo. — Real – ela disse.
SEIS
LAS VEGAS, NEVADA


Seis estava embaixo do palco enorme, olhando através da
abertura que os atores usavam para entrar e sair. Mas a maioria
deles estavam se espremendo para entrar. Era possível ouvir os
gritos da multidão que estava na arena.
Depois de ligar para Lexa, ela procurou por Sam, mas não
encontrou pistas do paradeiro dele, e como os Legados dela
ainda não estavam funcionando e ela estava se sentindo cada
vez pior, Seis decidiu esperar a chegada de Nove com o reforço.
Enquanto isso, ela usou sua semelhança com a atriz principal
para entender o que estava acontecendo. Ela sabia que os Mo-
gadorianos tinham algum motivo para trazer ela e Sam para
esse hotel em vez de levá-los para outro complexo seguro, e ela
tinha a sensação de que isso tinha a ver com a apresentação que
estava sendo exibida. Uma vez dentro do palco em que se apre-
sentavam os artistas do Cirque des Étoiles, foi fácil ficar fora de
vista por algumas horas. Quase todo mundo estava vestido com
trajes estranhos, e ela era uma das pessoas menos interessan-
tes andando por aí. Várias vezes o pessoal acreditou que ela ha-
via sido contratada como substituta de Camilla, mas ela sempre
arrumou uma desculpa de que precisava estar em outro lugar e
assim conseguiu evitar participar da apresentação.
— Saia do meio do caminho! – uma mulher gritou en-
quanto empurrava Seis, quase a derrubando com violência.
Seis olhou para os monitores que mostravam o que es-
tava acontecendo no palco e na arena. Ela viu o ovo gigante se
abrir e revelar um monstro. Quase que imediatamente, um aju-
dante de palco ao lado dela disse: — Aquilo não é o que deveria
estar lá dentro.
A mente de Seis acelerou enquanto ela avaliava a situa-
ção. Ela sabia que a coisa aterrorizando a arena tinha dedo dos
Mogadorianos. O que era, exatamente, ela não tinha a menor
ideia. Isso não importava, no entanto. Tinha que ser parado.
Mas como? Ela não tinha como usar seus Legados contra
aquilo. Não tinha nenhuma arma, a não ser a faca caseira que
ela fez na cela.
Sem falar no fato de que ela era provavelmente a única
pessoa apta para tentar alguma coisa.
— Você!
Seis se virou. Aquela assistente, Allison, estava parada
atrás dela com uma prancheta na mão.
— Você não é a substituta da Camilla – ela disse com fir-
meza.
— Eu não tenho certeza se isso importa no momento –
Seis disse enquanto algum tipo de motor fez um barulho
enorme.
— Esse traje é propriedade do Cirque.
— Novamente, talvez eu não seja o maior problema aqui
– ela disse. — O que vocês vão fazer com aquilo? – ela apontou
para o palco.
— Não é meu problema – Allison disse. — Os seguranças
que resolvam o problema.
Seis a encarou. A presença de espírito da mulher era im-
pressionante, mas ela não parecia entender que o que estava
acontecendo acima deles era mais do que uma falha técnica.
Mas então ela percebeu que Allison tinha se desligado comple-
tamente. Ela estava olhando para o monitor com uma expressão
vazia. A prancheta na mão dela começou a tremer.
— Fique aqui – Seis disse. — Não se mexa. Eu já volto.
Ela subiu os degraus até o palco. Era uma desastre total.
O cenário maciço havia sido esmagado em pedaços. Os poucos
atores restantes estavam vagando pelo palco, atordoados e en-
sanguentados. Seis viu dois corpos jazendo imóveis em meio à
confusão.
O monstro voltou sua atenção para a arena cheia de es-
pectadores. Ele havia saído do palco e estava indo furioso para
as filas de assentos, rasgando-as com suas garras. Como a pla-
teia inicialmente acreditou que a criatura fazia parte do show,
a maioria não se levantou até a criatura pular do palco e come-
çar o ataque. A essa altura, já era tarde demais para alguns de-
les.
Agora eles empurravam e agarravam uns aos outros em
na tentativa de conseguir fugir pelas saídas. Seis viu quando o
monstro derrubou meia dúzia deles com um único movimento
da garra. Uma mulher – pequena e loira – bateu nele com a bolsa
de grife, e a fera revidou com o rabo. Duas outras mulheres cor-
reram em para ajudá-la. A criatura rugiu para elas, fazendo com
que elas fugissem aterrorizadas.
Seis sabia que ela tinha que fazer alguma coisa. Ela estava
exausta e ficando cada vez mais fraca, mas ela ainda era uma
Garde, e ela ainda tinha muita vontade de lutar dentro dela. Ela
correu até a lateral do palco e pulou, indo na direção da criatura.
Ela estava indo para uma das saídas.
Quando Seis alcançou a coisa, ela pulou em cima da cauda
dela e subiu pelas costas. Sentindo sua presença, a criatura pa-
rou e tentou se livrar dela. Mas Seis enterrou suas unhas entre
as escamas que cobriam aquele corpo gigante, permanecendo
deitada contra as grossas camadas e se segurando firme en-
quanto a criatura tentava derrubá-la.
Quando não conseguiu o que queria, a criatura decidiu
continuar. Ela se dirigiu para uma das portas. Nesse momento,
vários seguranças apareceram, apontando suas armas para a
criatura. Seis ouviu o som de tiros. Mas as balas não causaram
danos, ficando presas nas grossas camadas de escamas. A cria-
tura se arrastou para a frente, esmagando um guarda sob seus
pés e jogando os outros dois para limpar seu caminho. Empur-
rou sua cabeça contra a porta; depois, com os ombros maciços,
abriu um buraco na parede grande o suficiente para conseguir
passar. Seis sentiu pedaços de madeira e de gesso caírem ao re-
dor dela enquanto ela permanecia parada nas costas da cria-
tura.
A criatura entrou no longo túnel que ligava a arena ao ho-
tel. Movia-se rapidamente de quatro, suas costas quase roçando
o teto. De vez em quando, soltava um rugido agudo, como se es-
tivesse chamando alguém. Então Seis ouviu um outro rugido em
resposta e seu coração congelou. Havia mais de um.
Ela continuou a se mover pela costa da criatura, subindo
até a cabeça, na direção do que ela esperava ser a parte mais
vulnerável daquela coisa: os olhos. A criatura parecia ter esque-
cido que ela estava ali, e Seis esperava que ainda pudesse pegá-
la de surpresa e pará-la – ou pelo menos atrasá-la – antes que
se lembrasse dela.
Ela chegou na cabeça e, agarrando-se às escamas com a
mão esquerda na parte de trás do pescoço da criatura, usou a
direita para pegar a faca que havia feito a partir dos fragmentos
de vidro quebrado pouco tempo atrás. Ela estava se movimen-
tando devagar, procurando um bom ângulo para atacar, quando
ouviu o rugido da outra criatura. Estava mais perto. A criatura
em que ela estava parou de repente, ouvindo e respondendo.
Então, começou a rasgar a parede do túnel, fazendo um buraco.
Estava querendo ir para fora.
Seis não podia mais esperar. Então ela levantou a faca e a
desceu direito no olho da criatura. Ela sentiu a faca atingir al-
guma coisa, e, depois de alguns segundos, a encravou por com-
pleto. Um fluido quente cobriu sua mão. A criatura gritou de dor
e sacudiu a cabeça. Seis percebeu que começou a escorregar e
precisou soltar a faca para cravar ambas as mãos nas escamas
para tentar se segurar.
A besta se levantou, batendo a cabeça no teto do túnel.
Continuou a se debater para frente e para trás. Seis estava peri-
gosamente perto de ser esmagada contra o teto. Ela se agarrou
à criatura da melhor forma que pôde, mas sentiu sua força di-
minuir com o esforço. Ela fez uma tentativa de abrir caminho
até a cabeça e recuperar sua faca, mas seria impossível se mo-
ver sem cair das costas da criatura.
Então ela ouviu o som de algo rasgando a parede ao lado
dela. Uma seção do túnel se rompeu, e ela viu uma segunda cri-
atura olhando para ela. Sentada nas costas daquela criatura, es-
tava Eleni. Quando a Mogadoriana a viu, ela rosnou. Então ela
levantou a mão. Seis viu uma bola de fogo aparecer e que, de
repente, voou na direção dela como um pequeno cometa, uma
cauda de fogo se formando na parte de trás.
Seis rolou para longe e a bola de fogo atingiu o lado da
criatura em que ela estava. As escamas pareciam protegê-la do
calor, mas foi protegido do fogo e, ainda assim, soltou um ru-
gido irritado. Então veio uma segunda e uma terceira bola de
fogo. A última atingiu Seis no ombro. Uma dor lancinante a atin-
giu quando o fogo rasgou o couro de seu traje e lambeu a pele
dela, e ela gritou. Seu aperto vacilou e ela se viu caindo das cos-
tas da criatura. Ela procurou pelas escamas novamente, ten-
tando se segurar.
A criatura em que Eleni estava entrou, fazendo o pri-
meiro sair do meio do caminho. De sua posição nas costas, Eleni
olhou para Seis, agarrada à criatura, e sorriu com crueldade.
— Magdalena se superou, não acha? – ela disse, levan-
tando a mão e mostrando outra bola de fogo.
Então, Seis pensou, ela conseguiu dar um Legado para
Eleni, no final das contas. Enquanto isso, ela não tinha nenhum
para reagir. O estômago de Seis queimava em fúria e dor en-
quanto ela lentamente se levantou nas costas da criatura em
que estava. Eleni observou, obviamente se divertindo.
— Parece injusto matar você enquanto não tem como se
defender – disse a Mogadoriana. — Além disso, Magdalena pre-
cisa de você viva para remover o seu parasita para que ela possa
dar seus Legados para mim – ela inclinou a cabeça. — Mas isso
não significa que eu não possa te machucar um pouco.
Ela atirou outra bola de fogo na direção de Seis. Buscando
suas últimas forças, Seis cravou as pontas dos dedos nas esca-
mas da criatura e se arrastou até o ombro. Seu braço queimado
estava gritando em agonia, e, enquanto isso, ela conseguiu agar-
rar o cabo da faca, ainda presa no olho da criatura, e a empurrou
para o lado.
A criatura girou na direção de Eleni enquanto tentava se
livrar da faca. Seis puxou a criatura de volta pelo cabo da faca,
usando-o como um mecanismo para fazer a criatura ir na dire-
ção que ela queria, através da dor causada. Ela deu outro puxão
e a criatura se virou novamente, e então começou a se mover
rapidamente de volta para a arena.
Eleni fez o mesmo, seguindo Seis enquanto a criatura em
que ela estava reentrou na arena e se dirigiu para o palco. Seis
ainda não sabia o que faria, mas se sentia melhor em não estar
presa no túnel. Ali havia mais espaço, mais opções.
Eleni estava tentando acertar Seis com bolas de fogo, mas
conseguiu acertar somente a criatura, aborrecendo-a e fazendo
com que ela corresse mais rápido. Vários bolas de fogo atingi-
ram os destroços espalhados pelo chão, iniciando pequenos in-
cêndios que imediatamente começaram a se espalhar. Isso pa-
receu confundir e assustar as criaturas, que se afastaram das
chamas.
Quando a criatura em que ela estava se aproximou do
palco, Seis pulou. Ela caiu de pé, rolando para sair do caminho
enquanto a criatura, agora enfurecida pela dor e pelo medo do
fogo, virava a cabeça e tentava mordê-la com a boca cheia de
dentes afiados. Seis desejou ter conseguido puxar a faca dos
olhos dela, pois ela ficou sem armas.
Então ela espiou algo no chão. Era um bastão que fizera
parte da apresentação. Com cerca de um metro e oitenta de
comprimento, era feito de metal e tinha sido planejado para ser
usado durante um dos atos em que seis artistas realizariam
acrobacias usando os bastões para se lançarem ao ar. Seis o pe-
gou.
Seu ombro machucado queimava, mas ela lutou contra a
dor enquanto se agachava, medindo a distância existente entre
ela e Eleni. A Mogadoriana estava incitando sua criatura para
seguir em frente, gritando com ela em seu idioma. Bolas de fogo
disparavam da mão dela o mais rápido que ela conseguia. Seis
as golpeava com o bastão, quebrando-as em explosões de faís-
cas.
Ela cambaleou, de repente se sentindo exausta demais
para se mover. Como se sentisse a fraqueza, o parasita na ca-
beça dela parecia ficar cada vez mais forte. Ela sentiu seus pen-
samentos começarem a devanear, e ela teve dificuldade em se
concentrar no que precisava fazer. Desistir pareceu ser a me-
lhor ideia do mundo, jogar o bastão no chão e deixar Eleni atro-
pelá-la.
Então ela pensou em Sam. Ela não iria desistir da chance
de vê-lo novamente. Não para uma Mogadoriana. Para nin-
guém. E ela tinha certeza que iria acabar com Eleni primeiro.
Seis se concentrou profundamente, se esforçando apesar
da dor em sua cabeça, no ombro e no resto do corpo. Ela se aga-
chou, olhando Eleni diretamente nos olhos. Então ela correu. As
pernas dela foram bombeadas com as últimas forças que lhe
restaram. Ela segurou o bastão de aço. Quando ela estava a al-
guns metros de Eleni e da criatura que a carregava, ela plantou
o bastão e se ergueu no ar.
A criatura abriu as mandíbulas para tentar pegá-la, mas
ela passou por cima e alcançou a Mogadoriana. Os pés de Seis
atingiram Eleni no peito, derrubando-a para trás. Eleni caiu,
aterrissando no chão da arena. Seis caiu ao lado dela, sem fô-
lego.
Nenhuma das duas se moveu por um momento. Então, de
repente, Eleni estava de pé. Ela chamou a criatura, que se virou
e veio na direção delas. Então ela voltou sua atenção para Seis
e fez um movimento para chutá-la na lateral do corpo. Seis agar-
rou a perna do Mogadoriana e puxou, fazendo-a perder o equi-
líbrio. Eleni cambaleou e caiu novamente. Seis rolou para cima
dela, prendendo-a. Ela agarrou os pulsos de Eleni e segurou
seus braços para baixo.
— Tente criar uma bola de fogo agora – ela disse.
Eleni forçou os quadris para cima, tentando tirar Seis de
cima dela. Seis cravou os joelhos em cima da Mogadoriana o
mais forte que pôde. Ela se inclinou para frente, usando seu
peso para pressionar Eleni no chão.
— Você vai ter que se esforçar além disso – Seis disse.
Eleni virou a cabeça e gritou alguma coisa para a criatura
que se aproximava, que abriu a boca em resposta.
— Se ela vier para cima de mim, matará você também –
Seis disse.
— Então vamos morrer juntas – disse Eleni.
A enorme criatura estava indo na direção delas. Seis en-
carou o rosto de Eleni, decidindo o que fazer. Ela sabia que es-
tava fraca demais para aguentar por muito tempo, especial-
mente agora que a Mogadoriana tinha um Legado. Se ela fosse
morrer de qualquer jeito, talvez seria melhor levar Eleni com
ela. Pelo menos Nove e os outros teriam menos problemas para
se preocuparem quando aparecessem.
Ela podia sentir Eleni lutando para se livrar dela. A Mo-
gadoriana estava com medo. Isso deixou Seis ainda mais deter-
minada a não deixá-la escapar. Deixe-a sentir o que é olhar para
a morte a poucos metros de distância, ela pensou.
A criatura estava quase perto delas. Seis podia sentir
cada passo estrondoso que ela dava. A fumaça dos incêndios
crescentes incomodava os olhos, e o calor ao redor aumentava.
Quando faltavam apenas alguns segundos para a criatura
chegar nelas, Eleni gritou e tentou uma última vez sair de baixo
de Seis e se salvar. Seis quase cedeu. Então ela sentiu um im-
pulso poderoso, como uma grande rajada de vento. Fumaça e
chamas tomaram conta do lugar em volta dela. A criatura foi jo-
gada para o lado, rolando sobre si mesma com um rugido de
surpresa, seus membros se debatendo. Pega na explosão de ar,
Seis foi puxada de cima da Mogadoriana e empurrada pelo chão.
Quando ela parou, estava de costas. Ela se sentou, procu-
rando a fonte da força. A criatura ainda estava deitada de lado,
imóvel, mas berrando de dor. Seis percebeu então que um dos
bastões de metal estava saindo do peito da coisa. Ela procurou
pela segunda criatura, mas não conseguiu ver nada por conta
da fumaça e das chamas. Ela também não conseguia ver onde
Eleni estava. Ela havia desaparecido.
Então uma figura emergiu do inferno.
— Então você arrumou novos bichinhos de estimação –
Nove disse.
— Eles me seguiram até em casa – Seis disse. — Podemos
ficar com eles?
— Podemos – Nove disse, se ajoelhando ao lado dela. —
Mas vai ser sua responsabilidade limpar as caixinhas de areia
deles.
Seis riu. Doía. Ela tossiu.
— Eu pensei que você tinha dito para Lexa que estava
bem – disse Nove.
— Eu não queria preocupá-los – Seis disse. Ela tentou vi-
rar a cabeça. — Onde está a Mogadoriana?
Nove olhou em volta. — Sumiu – ele disse. — Provavel-
mente fugiu enquanto me viu chegar.
— Não se ache tanto – Seis disse, tossindo de novo.
— Precisamos tirar você daqui – Nove disse, passando os
braços por debaixo dos braços dela para levantá-la.
— Você não precisa me carregar – Seis disse. — Eu con-
sigo andar.
Mas ela não conseguiu. Agora que ela não estava mais so-
zinha, o corpo dela finalmente se permitiu descansar. Ela cedeu,
fechando os olhos e deixando a exaustão tomar conta do pró-
prio corpo. Todas as preocupações dela – Eleni, as criaturas,
Sam, o parasita – se afastaram enquanto ela relaxou. Parecia
que ela estava caindo no meio de uma escuridão sem fim. Ela se
rendeu, a cabeça apoiada no peito de Nove, e de repente tudo
se tornou uma escuridão completa.
NEMO
LAS VEGAS, NEVADA

Ela e Max estavam parados no saguão do Saturn Hotel,


onde Nove lhes dissera para esperar enquanto ele investigava
o que estava acontecendo no túnel que ligava o hotel à arena
adjacente. A julgar pela multidão de pessoas em pânico que cor-
riam pelo saguão daquela direção, Nemo imaginou que o que
quer que fosse, era ruim. Várias pessoas apareceram cobertas
de sangue, e ela ouviu a palavra "criatura" ser usada mais do
que algumas vezes.
A equipe do hotel não parecia saber o que fazer. Uma du-
pla de guardas apareceram, indo na direção dos gritos, mas não
retornaram. Os recepcionistas estavam amontoados atrás do
balcão, olhando uns para os outros com expressões confusas
enquanto os convidados frenéticos exigiam respostas.
— Parece que chegamos aqui na hora certa – comentou
Nemo.
— Ou na hora errada – disse Max. — Você está ouvindo
aqueles rugidos?
É claro que Nemo estava ouvindo os rugidos. Eles pare-
ciam muito com aqueles do monstros que Magdalena soltara no
bunker. Nemo não tinha dúvida de que esses sons vinham de
algo ainda pior. Parte dela queria ir ver por si mesma, mas a
outra – ela gostava de pensar que era a parte mais cautelosa e
não a mais assustadora – lhe dizia para ficar onde estava e es-
perar que Nove voltasse.
Foi quando o zumbido se tornou impossível de ignorar.
No começo, ela pensou que o som tinha algo a ver com toda a
comoção no túnel. Agora ela percebeu que estava vindo de den-
tro do hotel. E estava ficando mais alto.
— O que é isso? – ela perguntou, olhando em volta.
As portas do elevador em uma das extremidades do sa-
guão se abriram e o enxame explodiu na sala, formando uma
enorme nuvem negra, enchendo o ar com o zumbido incessante
das asas. Saindo do elevador atrás das moscas estava Seamus.
Ele entrou no saguão com as mãos erguidas, como um
mago, uma expressão de alegria sádica em seu rosto enquanto
observava pessoas tentando afastar os insetos que ele convo-
cara para formar seu exército.
Quando ele viu Nemo e Max ali, sua expressão mudou. Ele
franziu o cenho. Então ele moveu as mãos, apontando-as para
seus antigos amigos. As moscas se juntaram em uma bola me-
nor e se lançaram na direção de Nemo e Max como uma bala de
canhão. Instintivamente, Max e Nemo levantaram as mãos e for-
maram uma barreira telecinética. As moscas atacaram, muitas
delas caindo no chão. O restante se separou, voltando a se rea-
grupar sob as ordens de Seamus.
— Estou melhorando nisso – disse Max, sorrindo.
Seamus atacou novamente, desta vez forçando as moscas
a fazer várias grupos diferentes. Nemo e Max se viraram em cír-
culos, tentando desviar todas elas, mas havia muitas para lutar
simultaneamente. Dentro de segundos, Nemo se viu no centro
de um ciclone movimentado, com moscas rastejando sobre o
rosto. Suas pequenas asas e pernas arranharam seus lábios e
olhos. Ela bateu nelas, sentindo-as sendo esmagadas sob seus
dedos. A sensação era quase pior do que o ataque em si, e ainda
assim era o suficiente para fazê-la querer fugir do hotel.
Que era exatamente o que Seamus queria. Somente
quando Nemo conseguiu se aproximar das portas do saguão
pôde ver que algo pior a esperava se ela saísse, como muitos
dos convidados haviam descoberto. Lá fora, os verdadeiros
monstros estavam esperando. Três enormes criaturas pareci-
das com dinossauros estavam na rua em frente ao hotel. As pes-
soas que tinham corrido para lá tentando escapar de um horror
e agora estavam sendo confrontadas com um pior, já que as cri-
aturas estavam bloqueando a fuga. Dezenas de pessoas se agru-
param enquanto os monstros os circulavam.
Nemo não sabia o que fazer. Limpando mais moscas de
seus olhos, ela se virou para ver o que Max estava fazendo. Se-
gundos depois, as moscas se afastaram do rosto dela e desapa-
receram. Nemo estremeceu, limpando as que restavam nela. Ela
não sabia por que as moscas tinham retraído, mas ficou aliviada
por isso. Ela examinou o saguão à procura de Max.
Ela o viu no chão, em cima de Seamus. Eles estavam lu-
tando. Max parecia ter a vantagem, já que ele estava sobre o
peito de Seamus e socando-o no rosto. Seamus estava bloque-
ando os golpes com as mãos e tentando se livrar de Max. No co-
meço, Nemo se perguntou por que Max recorrera a lutar com
Seamus fisicamente. Então ela percebeu que a surpresa e a dis-
tração eram os prováveis motivos que impediram Seamus de
continuar usando sua insectopatia, pelo menos temporaria-
mente.
Ela correu para onde os meninos estavam lutando, deter-
minada a ajudar Max a dominar Seamus. Mas antes que ela pu-
desse chegar lá, algo atingiu o chão e explodiu, assustando-a.
Ela parou e olhou em volta. Do outro lado do saguão, perto do
balcão de check-in, estava um dos meninos que ela encontrou
em Utah. Boomer. Ele estava vestido com as mesmas roupas
pretas e a observava com a mesma expressão peculiar de desin-
teresse que ele demonstrara antes.
Boomer pegou alguma coisa no balcão – um peso de pa-
pel de vidro na forma do planeta Saturno. Segurando-o na mão,
ele o estendeu para frente e a coisa começou a brilhar, primeiro
num amarelo pálido e depois num laranja flamejante. Ele havia
transformado o peso num dispositivo explosivo.
Ele atirou. Mas desta vez Nemo estava preparada. Ela es-
tendeu a mão e agarrou a orbe com sua telecinese, atirando-a
de volta na direção de Boomer. A expressão dele mudou de in-
diferença entediada para medo quando viu seu próprio explo-
sivo indo na direção dele. Bem a tempo, ele se abaixou e a orbe
atingiu a parede atrás dele, explodindo numa chuva de faíscas
que fizeram Boomer se agachar, com os braços sobre a cabeça.
Nemo usou a distração para cobrir a distância entre ela e
os meninos. Entretanto, a situação havia mudado. Seamus,
maior que Max, havia conseguido sair de debaixo dele. Agora
eles estavam lutando como boxeadores, os braços de Seamus ao
redor da cintura de Max. Então Max jogou a cabeça para trás,
batendo-a no nariz de Seamus. O sangue jorrou e Seamus o sol-
tou, levando as mãos ao rosto e xingando com raiva.
Max se estabilizou e chutou Seamus no estômago, em-
purrando-o para trás, para que ele caísse novamente. Ele avan-
çou em Seamus, punhos cerrados. Nemo nunca tinha visto
aquela expressão dura no rosto dele antes. Ele estava de fato
irritado e não ia recuar.
A camisa de Seamus estava encharcada de sangue en-
quanto ele se preparava para continuar a luta contra Max.
Nemo o viu cerrar os punhos, e, quando o som do zumbido au-
mentou, ela sabia que ele iria tentar mais uma vez usar seu Le-
gado contra eles.
Ao mesmo tempo, outro objeto brilhante atingiu o chão
perto dos pés de Max. Ele gritou enquanto o que quer que tenha
sido o objeto explodiu, pulando para tentar se livrar das chamas
que lambiam seus jeans. Nemo correu até ele, agarrando-o pe-
las mãos.
— Vamos – disse ela, seguindo na direção dos elevadores.
— Mas... – Max objetou.
— Você vai poder chutar a bunda dele depois – disse
Nemo. — Eu prometo.
As portas de um dos elevadores estavam abertas. Nemo
puxou Max para dentro e apertou um botão aleatório, objeti-
vando ir para um dos andares mais altos. Quando as portas se
fecharam, algo se chocou contra elas. Uma das pequenas bombas
de Boomer, Nemo pensou enquanto o elevador começou a subir.
— Para onde estamos indo? – Max perguntou. — E por
que? Eu quase acabei com o Seamus.
— Sim – concordou Nemo. — Você quase acabou com ele.
Mas o que você ia fazer depois?
Max olhou para ela. — Iria fazê-lo pagar por ser um trai-
dor – disse ele, como se essa fosse a pergunta mais estúpida que
ela poderia ter perguntado.
— E depois disso?
Max encolheu os ombros. — Eu nunca cheguei nessa
parte – disse ele.
— Exatamente – disse Nemo. — Pense nisso. Nós não te-
mos nenhum lugar para levá-lo. Nós não temos ninguém para
nos ajudar. Todo mundo que trabalha aqui está pirando.
— Tem razão – disse Max.
— Tenho mesmo – concordou Nemo. — O que quero di-
zer é que estamos sozinhos, pelo menos até Nove aparecer no-
vamente. E nós temos coisas mais importantes para fazer do
que bater no Seamus e no Boomer. Além disso, se esses dois es-
tão aqui, provavelmente os outros também estão. Como a
Freakshow.
Max fez uma careta. — Essa menina é problema – disse
ele.
— Concordo – disse Nemo. — Então vamos tentar ficar
longe dela e fazer algo útil, tipo tentar encontrar o Sam.
— Nós não fazemos ideia de onde ele possa estar – Max
lembrou a ela. — Ele pode nem estar aqui.
— Eu acho que ele está – disse Nemo. — Tudo isso está
acontecendo por um motivo. Eu acho que Sam também está
aqui.
— Tudo bem – disse Max. — Mas deve ter uns dois mil
quartos neste lugar. Ele poderia estar em qualquer um deles. E
duvido que ele esteja sozinho.
— Provavelmente não está – admitiu Nemo.
— E agora Seamus e Boomer provavelmente estão aler-
tando quem quer que esteja com ele—
— Já entendi – Nemo interrompeu. — Vamos procurá-lo
mesmo assim – ela deu um tapinha no bolso, onde havia guar-
dado duas seringas contendo o antissoro do parasita. Nove tam-
bém tinha dois, e qualquer um deles que encontrasse Sam ou
Seis primeiro deveria usá-los.
— Não estou dizendo que seu plano seja ruim – disse
Max. — Mas como eu disse, deve ter mais de dois mil quartos
aqui e só estamos em dois.
— Camareiros – disse Nemo.
— Você quer dizer tipo os empregados domésticos? –
disse Max.
— Eu odeio essas palavras – disse Nemo. — Parece que
eles são servos ou coisa do tipo. Mas sim, são eles.
— Como eles vão nos ajudar a encontrar o Sam?
— A equipe de camareiros sabe de tudo – respondeu
Nemo. — Eles entram e saem destes quartos várias vezes todos
os dias. E acredite em mim, se eles verem algo estranho, eles
vão lembrar disso. Minha prima Ha já trabalhou em um hotel no
verão passado e contou algumas histórias malucas sobre o que
aconteceu lá.
O elevador parou e as portas se abriram. Nemo saiu. Eles
estavam no sexagésimo terceiro andar. Estava deserto. Mas
numa das extremidades ela conseguiu ver uma porta aberta
com um carrinho de limpeza do lado de fora.
— Estou surpreso que alguém ainda esteja trabalhando
– comentou Max enquanto andavam na direção do quarto.
— As notícias provavelmente ainda não chegaram até
aqui – disse Nemo. — Este lugar é enorme, e não é como se o
hotel estivesse pegando fogo – ainda – qualquer pessoa que não
estivesse lá embaixo pode não fazer ideia sobre o que está acon-
tecendo.
Eles chegaram ao quarto. De dentro, o som de água cor-
rente chegava no corredor. Nemo entrou e olhou para o ba-
nheiro. Uma jovem estava ajoelhada ao lado da banheira, esfre-
gando-a e cantarolando junto a uma canção popular que era
apenas audível. Ela estava com fones de ouvido. Max, olhando
ao redor de Nemo, disse: — Está explicado por que ela não faz
ideia de que o local está sob ataque.
Nemo não tinha certeza de como conseguir a atenção da
garota sem assustá-la, então ela bateu na porta do banheiro. A
garota se virou e franziu a testa.
— Oi – disse Nemo, tentando soar o mais amigável possí-
vel. — Eu gostaria de saber se você pode nos ajudar a encontrar
nosso amigo. Ele—
— O quê? – a garota disse, removendo os fones de ouvido.
— Estamos procurando alguém – disse Max, impaciente.
— Nosso amigo Sam.
— Se ele é um convidado daqui, vocês podem perguntar
na recepção. – disse a menina. — Eles vão informá-los direiti-
nho.
— Sim, isso pode ser um problema – disse Max. — Veja
bem, existem essas coisas atacando—
— O problema é que não temos certeza se ele está aqui –
disse Nemo. — Achamos que talvez você possa ter visto ele.
A garota riu. — Você sabe quantas pessoas estão hospe-
dadas neste hotel? – ela disse. — Milhares – ela suspirou e olhou
para a banheira que estava esfregando. — E eu acho que tirei o
cabelo de todos eles dos ralos desse lugar.
— Que grosseira – disse Max.
Nemo olhou para o nome da garota, que estava afixado
na frente da blusa dela. — Basia – disse ela. — Hum, isso é um
pouco embaraçoso. Mas Sam é na verdade meu namorado.
Max bufou e Nemo olhou para ele com uma expressão
nada feliz. — Era meu namorado – disse ela. — Assim, ele meio
que fugiu com essa garota. E acho que ele a trouxe para cá.
Basia estava sacudindo a cabeça, obviamente prestes a
dizer que não havia nada que ela pudesse fazer para ajudar. An-
tes que ela falasse alguma coisa, Nemo começou a chorar. — E
hoje é meu aniversário e ele deveria estar aqui comigo – ela cho-
ramingou.
O rosto de Basia se suavizou. — Sinto muito – disse ela.
— Eu sei o que é isso. É terrível.
— Pois é – disse Nemo, forçando as lágrimas escorrerem
de seus olhos. — E tudo que eu quero fazer é dizer a ele que eu
não preciso dele porque estou alguém muito melhor.
— Eu? – Max disse esperançoso.
— Chad – disse Nemo. — Meu ex-melhor amigo.
Basia riu. — Você vai, garota – disse ela. — Mas eu não
sei os nomes das pessoas nesses quartos. Talvez se você tiver
uma foto desse cara. Sam, certo?
Nemo assentiu. — Eu não tenho – disse ela. — Eu poderia
descrevê-lo, mas ele se parece com muitos outros caras.
— Mas talvez você tenha visto a garota – disse Max. —
Ela é meio difícil de não se ver. Magra. Cabelo rosa. Um pouco
estanha.
— Quarto 7192 – disse Basia instantaneamente. — Eu
não sei se o cara que vocês estão procurando está com ela. Ela
não me deixou limpar, então eu não sei quem está lá. Mas ela
pediu uma tonelada de serviços de quarto, e eu tive que levar
todos os pratos de volta – ela franziu a testa. — Você não se es-
quece das pessoas quando elas fazem coisas assim.
— 7192 – repetiu Nemo. — Obrigada. Ah, talvez você
queira ir embora mais cedo. Só tenha cuidado quando você des-
cer, tudo bem? Não vá para fora até ter certeza de que está tudo
bem.
— O que está acontecendo? – Basia perguntou, de re-
pente parecendo preocupada. Os olhos dela se arregalaram. —
É um ataque terrorista?
— Não – disse Nemo rapidamente. — Há apenas um pe-
queno... tumulto... na frente do hotel. Algum tipo de acidente, eu
acho. É mais seguro evitar, se você puder. Existe outra saída?
— Há uma no porão – disse Basia.
— Use ela – disse Nemo. — Pensando bem, talvez seja
melhor você ficar aqui até saber que é seguro sair. Okay?
Basia assentiu. Ela já estava pegando o celular para ligar
para alguém.
— Vamos – disse Nemo para Max enquanto ela saia do
quarto.
— Não é melhor contarmos para ela exatamente o que
está acontecendo? – Max disse. — Você provavelmente deixou
ela assustada demais.
— Ela deve ficar assustada – disse Nemo. — E nós a avi-
samos.
Já fora do quarto, ela pegou o carrinho de limpeza e colo-
cou-o frente deles.
— Para que precisamos disso? – perguntou Max.
— Você já ouviu falar do Cavalo de Tróia? – Nemo disse.
— Claro – disse Max. — Supostamente, há um milhão de
anos, os gregos enganaram outro povo para conseguir entrar na
cidade deles, e o fizeram construindo um gigantesco cavalo de
madeira e escondendo soldados dentro dele. Esse povo pensou
que se tratava de um presente, permitindo a entrada na cidade
e, bam, soldados por toda parte.
— Não foi há um milhão de anos, e a cidade era Tróia,
mas sim, basicamente é isso – disse Nemo.
— O que um cavalo de madeira tem a ver com esse carri-
nho? – Max perguntou.
— Este carrinho é muito parecido com um cavalo de ma-
deira – disse Nemo quando ela parou nos elevadores e apertou
um botão.
— Só que não é de madeira e não é um cavalo – Max ob-
servou.
Nemo levantou a tampa do carrinho, que continha coisas
como pequenos frascos de xampu e minúsculos sabonetes en-
rolados. Embaixo havia uma área parcialmente cheia de lençóis
e toalhas dobradas. Havia espaço mais do que suficiente para
duas pessoas se esconderem lá dentro. O elevador chegou e eles
entraram.
— Tudo bem, mas como vamos conseguir que Magda-
lena, ou quem quer que esteja lá, deixe o carrinho entrar?
Assim que as portas se abriram no 71º andar, Nemo teve
uma ideia. Ela só precisava de um pouco de sorte para fazê-la
funcionar. Ela teve essa ideia quando viu alguns pratos do lado
de fora de um dos quartos. Ela empurrou o carrinho e jogou os
produtos de higiene pessoal do topo para o chão.
— Entre – ela disse para Max.
— E você? – Max disse.
— Alguém tem que empurrar essa coisa – explicou Nemo.
— Vou levá-lo para a porta do 7192 e dizer que o serviço de
quarto está lá.
— E se eles não disseram que não pediram serviço de
quarto? – Max argumentou. — Quero dizer, é meio estranho es-
tar fazendo isso nesse momento, com aqueles monstros cor-
rendo à solta por aí. Eu acho que eles têm coisas mais impor-
tantes para se preocupar do que engolir alguns hambúrgueres
e batatas fritas.
— Você tem uma ideia melhor? – perguntou Nemo.
Max pensou por um instante. — Não.
— Então entre.
Max entrou. Nemo fechou a tampa e colocou alguns pra-
tos sobre ela. Eles tinham cloches de metal cobrindo-os, então
não seria imediatamente perceptível que não havia comida al-
guma ali. E os ocupantes do quarto anterior haviam deixado
restos suficiente nos pratos para que pelo menos cheirassem
como uma refeição.
— Se eles abrirem a porta, eu vou empurrar o carrinho
contra para dentro – Nemo disse a Max enquanto ela o levava
pelo corredor. — E se eles me disserem para deixá-lo ali, espere
até que eles o levem para dentro. Então pule e...
— E o que? – Max disse.
Nemo pensou. — E mantenha-os ocupados até que eu
possa entrar lá e te ajudar – terminou Nemo.
— Este é o pior plano que você já teve – disse Max quando
Nemo virou uma corredor e se dirigiu para a parte onde ficava
o quarto 7192. — Você vai nos matar.
Nemo o ignorou, principalmente porque temia que ele
estivesse certo. Mas ela também estava certa – era a única
chance que tinham de entrar naquela quarto e ver se Sam es-
tava lá.
Ela chegou à porta do 7192 e hesitou por um momento.
Então ela bateu.
Um instante depois, a voz de uma garota disse: — Quem
é? – e não era Magdalena.
— Serviço de quarto – disse Nemo, mantendo a voz firme.
Houve uma pausa. — Um de vocês idiotas pediu serviço
de quarto?
Nemo ouviu várias vozes masculinas responderem, to-
das negando. Nemo pensou rapidamente. — É pizza, cortesia da
casa – disse ela.
Era uma estratégia ridícula, e ela se sentiu tentada a virar
o carrinho e sair de lá antes que um estranho abrisse a porta e
ela tivesse que inventar alguma desculpa sobre ter batido no
quarto errado ou um dos inimigos deles atendê-los e ela e Max
iniciariam a luta da vida deles.
Houve mais um pouco de conversa por trás da porta. En-
tão se abriu. Freakshow olhou para Nemo. Atrás dela, Nemo vis-
lumbrou Ghost e Spike.
Demorou alguns segundos para Freakshow reconhecer
Nemo. — O que—
Nemo empurrou o carrinho na direção da garota, usando
sua telecinese para dar mais impulso. Freakshow voou para
trás, atingindo Spike. Eles caíram no chão, e Nemo empurrou o
carrinho para dentro quarto e fechou a porta atrás dela.
Ela arremessou o topo do carrinho, arremessando os
pratos no ar.
— Agora! – ela gritou.
SEIS
LAS VEGAS, NEVADA

seus tentáculos e que estava espremendo a essência da vida


dela, mas ela lutou contra a coisa com tudo o que ela pôde. Ela
estava em algum lugar escuro e frio, e cada célula no corpo dela
gritava em tormento. Era como se ela estivesse em chamas –
mas por dentro – como se algum tipo de veneno estivesse sido
injetado diretamente nas veias dela e estivesse sendo espa-
lhado pelo corpo a cada batida do coração.
— Resista!
Ela ouviu essa voz gritando para ela através da escuridão.
Era familiar, mas a dor que estava latejando na cabeça dela tor-
nava o ato de pensar impossível. Ela apenas conseguia sentir.
— Resista, Seis!
Qualquer que fosse o monstro que estava tentando matá-
la, dobrou os esforços. Apenas agora ela percebeu que a coisa
não estava do lado de fora do corpo dela. Estava do lado de den-
tro, e estava tentando criar uma saída. Queria se ver livre dela.
Mas também queria levá-la junto, transformando-a num ser va-
zio.
Ela não iria deixar isso acontecer. O que quer que esti-
vesse tentando matá-la, teria que se esforçar mais. Mesmo que
ela pudesse vê-lo ou tocá-lo, mesmo ela não fazendo ideia do
que era, ela seria vitoriosa.
— Vamos! – a voz familiar soou de novo. Ela sentiu algo
tocá-la no braço. Uma picada de metal. Alguma coisa pastosa e
xaroposa inundou as veias delas.
De repente foi como se uma conexão elétrica tivesse sido
feita. Em algum lugar no cérebro dela, faíscas dispararam. Ela
sentiu a coisa que estava tentando controlá-la se afastar. Estava
com medo. Fugindo. Mas não havia para onde ir. Mais conexões
foram formadas. Mais faíscas disparadas. Era como se um inter-
ruptor tivesse sido ligado e o mecanismo de sua mente voltasse
à vida.
Luzes cintilavam do outro lado dos olhos dela. Os tentá-
culos que a envolviam deslizaram para longe. Ela podia respi-
rar. Então ela sentiu a sensação familiar de seu Legado retor-
nando, inundando-a com poder como calor se espalhando por
todo seu corpo. Ela concentrou sua energia, imaginando-a como
se fosse uma bola de luz rodopiante da cor das chamas. Então
ela a enviou por todo o corpo, perseguindo a escuridão e en-
chendo-a de um brilho deslumbrante.
Ela abriu os olhos.
Ela estava deitada no chão. Nove estava de joelhos ao
lado dela. Ele segurava uma seringa nas mãos, e estava olhando
para ela com uma expressão de preocupação que rapidamente
se transformou em triunfo.
— Tudo bem, então – ele disse. — Eu acho que podemos
dizer para os médicos que o antidoto funciona.
— O que você fez? – Seis perguntou. Ela sentiu o corpo
todo formigar, além de estar se sentindo muito melhor em com-
paração com os últimos dias.
— Acho que matamos a coisa que estava dentro da sua
cabeça – Nove respondeu. — Ou pelo menos o atrasamos por
tempo suficiente para seu corpo se recuperar sozinho. Como se
sente?
— Estranha – Seis disse, se sentando. — Mas muito bem,
na verdade.
— Faça algo – Nove disse. — Quero dizer, use seus Lega-
dos.
Seis olhou em volta. Incialmente, ela não fazia ideia de
onde estavam. Então ela se lembrou – a apresentação. Eles es-
tavam nos bastidores, cercados de adereços e equipamentos.
Ela se concentrou em uma delas, uma caixa de madeira com
quase um metro de altura e igualmente larga. Ela a levantou fa-
cilmente com sua telecinese, e depois a colocou no lugar. Então
ela tentou ficar invisível. Ela mal teve que pensar nisso antes de
desaparecer. Quando ela reapareceu novamente, estava sor-
rindo. — Parece que estou de volta – disse ela.
Então ela se lembrou das outras coisas. — O que aconte-
ceu com Eleni? – ela perguntou. — E com aquilo... o que quer
que fosse.
— Em algum lugar por aí – Nove disse. — Podemos lidar
com elas depois. Eu estava mais preocupado com você.
— Awn – Seis disse. — Você se importa.
Nove bufou. — Nem sonhando.
Seis colocou a mão na cabeça. — Ainda está aqui – ela
disse.
— Eles vão removê-lo na AGH – Nove disse. — O que está
no Sam, também.
— Você está com ele? – Seis perguntou, esperançosa.
Nove mexeu a cabeça. — Nemo e Max estão procurando
– ele disse. — Mas nem tenho certeza se ele está aqui. Ele pode
estar em qualquer lugar.
A emoção de Seis por ter seus Legados de volta começou
a desaparecer.
— Não se preocupe – Nove disse. — Vamos encontrá-lo.
Seis assentiu. — O que está acontecendo aqui, afinal de
contas? O que os Mogadorianos estão fazendo? E como eles con-
seguiram? Aquelas coisas não eram exatamente pequenas. Al-
guém deve ter ajudado eles a tramar tudo isso.
— Lexa fez algumas pesquisas depois que você nos ligou
– Nove respondeu. — Descobriu que o Saturn Hotel foi com-
prado pela empresa da Helena Armbruster.
— Por que não estou surpresa?
— Meu chute é que eles estiveram planejando isso há al-
gum tempo – Nove continuou. — Talvez com a ajuda de alguém
de dentro do Cirque de Étoiles.
— Mas aquelas coisas são enormes – Seis disse. — Onde
será que eles estavam escondidos?
Nove mexeu a cabeça novamente. — Que tal perguntar-
mos para eles depois que os capturarmos? – ele disse. — Fa-
lando nisso, você consegue nos ajudar nisso?
Ele se levantou e ofereceu uma mão para Seis. Ela aceitou
a ajuda para se levantar.
— Como se sente?
— Você vai me perguntar isso a cada cinco minutos, pa-
pai? – Seis disse.
— Se você continuar com essa atitude não vai ganhar sor-
vete, garotinha – Nove disse, gesticulando os dedos para ela.
— Me sinto bem – ela disse. — Para onde vamos agora?
— Provavelmente na direção dos gritos e do fogo – Nove
disse.
Eles voltaram para a arena. Durante o tempo em que eles
ficaram nos bastidores, os bombeiros haviam chegado e esta-
vam apagando os focos de incêndio. Vendo Seis e Nove, os bom-
beiros foram até eles.
— Vocês não podem ficar aqui! – ela disse. Então ela
olhou com mais atenção. — Ei... vocês são da Garde! O que estão
fazendo aqui?
— O mesmo que vocês – Nove disse. — Tentando manter
isso aqui sob controle.
— Que diabos está acontecendo? – a mulher perguntou.
— As pessoas estão dizendo que haviam criaturas correndo à
solta.
— Animatrônicos – Nove disse. — Construídos para a
apresentação. Alguma coisa deu errado.
A mulher pareceu duvidar. Ela gesticulou com a cabeça
para a criatura morta nas ruínas do palco. O bastão de metal
ainda se projetava do corpo. Sangue preto e pegajoso escorria
pela ferida. — Aquilo parece muito real – disse ela.
— Fluído hidráulico – Nove disse. — E não toque naquilo.
Pode ser corrosivo.
A mulher ignorou o comentário. — Há corpos – ela disse,
indicando vários sacos pretos do IML espalhados ao redor.
Nove e Seis olharam um para o outro.
— Ouçam – Seis disse. — Nós vamos cuidar disso. Por
ora, tudo o que vocês precisam saber é que aquelas coisas são
robôs que foram construídos para a apresentação. Alguma
coisa deu errado e pessoas acabaram se machucando. Tudo
bem?
A mulher não acreditou em nada. Estava prestes a argu-
mentar novamente.
— Vamos cuidar disso – Seis disse rapidamente. — Pro-
meto.
Os bombeiros assentiram. — Criaturas espaciais anima-
trônicas – ela disse. — Entendi.
— Obrigada – Seis respondeu.
— A propósito, alguma das pessoas que se machucaram
eram bem famosas – a mulher disse. — Não vai demorar muito
até alguém tuitar ou postar alguma coisa para os milhões de se-
guidores. Então é melhor vocês terem um plano.
— Sempre tenho – Nove disse, expressando seu sorriso
mais charmoso.
A mulher olhou para Seis, obviamente nem ligando para
a personalidade de Nove.
— Vamos cuidar disso – Seis disse novamente.
A mulher e os outros voltaram ao trabalho, ordenando os
demais grupos ao redor da arena. Seis e Nove a deixaram fazer
o trabalho, entrando no túnel que ligava a arena ao hotel. Tam-
bém estava em ruínas.
Nove pegou um celular e começou a digitar.
— O que você está fazendo? – Seis perguntou.
— Olhando o Instagram – ele disse. — Brincadeira. Estou
atualizando a Lexa e recomendando que ela comece a controlar
os danos. Não podemos deixar ninguém ficar sabendo que ha-
viam várias criaturas atacando e tentando destruir Las Vegas. E
não queremos criar um pânico sobre os Mogadorianos.
— Vai ser um pouco difícil esconder isso – Seis disse en-
quanto eles seguiam para o lobby. Ela apontou para fora. —
Aquelas coisas não são exatamente pequenas.
Nove observou. Três criaturas estavam do lado de fora.
Uma multidão havia feito um círculo ao redor delas, e as luzes
azuis e vermelhas dos carros de polícia tomavam conta do lu-
gar.
— Merda – Seis disse. — Há uma van da imprensa.
Eles caminharam em direção às portas e foram para fora.
Seis esperava encontrar pessoas em pânico, mas ficaram sur-
presos ao descobrir que muitos deles estavam fazendo coisas
como filmar as três criaturas com seus celulares e tirando fotos
de si mesmos ou de seus amigos em pé com os monstros nos
fundos. As próprias feras estavam estranhamente paradas. Elas
olhavam ao redor, ocasionalmente rugindo e empinando suas
patas traseiras para agarrar o céu, mas não estavam atacando.
— Isso é estranho – Seis disse.
— Elas estão esperando – Nove disse.
— Pelo que?
— Eu acho que por algum tipo de sinal – Nove disse. — É
como se eles estivessem tentando atrair o maior número de
pessoas o possível antes de começar um novo ataque.
Seis entendeu. — Eles querem testemunhas – ela disse.
— Uma audiência.
— Cara, aquelas coisas são incríveis – um jovem rapaz
perto deles disse para o amigo. — Parecem real.
— Ouvi dizer que é parte da divulgação do novo filme dos
Vingadores – o outro disse.
— Vocês precisam dar o fora daqui, falando sério – Seis
disse.
Os rapazes olharam para ela. As expressões deles se ilu-
minaram. — Você é a Seis! – um deles disse. O olhar dele mudou
para o Nove. — E você é... aquele outro cara.
— Nove – o amigo disse. — São Seis e Nove! Ei, vocês fa-
zem parte do novo filme dos Vingadores?
— Sim – Nove disse, enquanto Seis respondeu: — Não.
— Já saquei – o rapaz disse. — Vocês não podem falar
nada sobre o filme. Não se preocupem. Vamos fingir que não
perguntamos – ele levantou o celular. — Cara, fique ali do lado
deles, vou tirar uma foto.
O segundo garoto se espremeu entre Seis e Nove e fez
uma joinha, enquanto o outro rapaz começou a tirar a foto antes
que Seis ou Nove pudessem detê-lo. Eles começaram a trocar de
lugar para tirar uma outra foto, mas Seis disse: — Nós real-
mente precisamos ir – e saiu andando.
Nove correu e a alcançou. — Isso foi rude – ele disse. —
Você sempre deve ser legal com os fãs.
— Um deles nem sabia quem você era, Outro Cara.
— Nem todo mundo é bom com números – Nove disse.
Seis olhou ao redor. — Você não disse que deixou Max e
Nemo lá? – ela disse.
Nove olhou novamente para o celular. — Eles foram pro-
curar o Sam – ele disse. — Ah, e eles tiveram que enfrentar Se-
amus e Boomer.
— Eles te mandaram mensagem?
— Eu meio que estava ocupado salvando você e tudo
mais – Nove disse. — Além disso, é assim que os jovens se co-
municam hoje em dia. Quando você ficou tão velha?
Seis o ignorou. Ela caminhou até um grupo de policiais.
— Vocês precisam tirar essas pessoas daqui – disse ela. —
Aquelas coisas vão atacar.
Os policiais riram. Seis ficou olhando para eles. — Eu não
estou de brincadeira. Aquelas coisas são reais.
— Claro que são – disse um dos policiais.
— Espere um minuto – disse outro. — Você é a garota
que apareceu na filmagem de segurança. Você estava montada
numa daquelas coisas no hotel.
— Sim – disse Seis. — Eu estava. E você viu o estrago que
eles fizeram lá. O fogo. As pessoas feridas. Os malditos corpos.
Os oficiais a encararam, sem dizer nada.
— Vocês estão ouvindo alguma coisa do que eu estou di-
zendo? – Seis disse, aumentando o tom de voz.
— Eu acho que é melhor você vir comigo.
Seis se virou. Outro oficial estava de pé atrás dela.
— Finalmente", disse Seis. — Veja. Essas coisas vão...
O oficial pegou um par de algemas no cinto. — Talvez
você não tenha me entendido – disse ele.
Seis percebeu o que estava acontecendo. — Você quer me
prender?
— De acordo com o pessoal do Cirque des Étoiles, você
fingiu ser um dos membros do elenco, roubou uma de suas cri-
aturas animatrônicas e causou muitos problemas – disse o po-
licial. — E como o policial Herren disse, temos um vídeo como
prova.
— Eu estava tentando pará-los – Seis objetou. — Nove?
Digam à eles—
Ela olhou em volta, mas Nove não estava em lugar ne-
nhum.
— Onde diabos ele foi? – Seis disse para si mesma.
— Tudo bem – disse um dos policiais, pegando o braço
dela. — Vamos descer até a delegacia e...
Seis o empurrou. Ele voou para trás. Atrás dela, ela ouviu
o som de armas sendo disparadas, seguido por três vozes di-
zendo: — Mãos ao alto!
Ela ficou invisível. Os policiais gritaram. Uma deles esten-
deu a mão para tocar onde ela tinha visto Seis pela última vez.
Seis saiu de perto dela. Ela não tinha tempo para lidar com esse
último problema. Quem quer que estivesse ajudando os Moga-
dorianos estava, obviamente, orquestrando algum tipo de
plano de fundo, para distrair qualquer um que realmente pu-
desse ajudar.
Bem, Seis queria fazer alguma coisa. Mas antes ela preci-
sava descobrir para onde diabos Nove tinha ido. Ela estava exa-
minando a multidão quando ouviu um rugido no ar. Ela se vi-
rou.
Eleni apareceu, flutuando sobre a multidão em algum
tipo de plataforma. Ela parecia ter saído de um filme de ficção
científica, vestida toda de preto com seu cabelo loiro platinado
voando ao redor dela. Numa das mãos, ela segurava um cajado
com uma esfera azul brilhante. Na outra, uma bola de fogo flu-
tuava.
Ela manobrou a plataforma de modo que ficasse logo
acima das cabeças das três criaturas, que estavam embaixo
dela, balançando de um lado para outro, como se estivessem em
transe. Ao redor da praça, câmeras piscavam. A equipe de re-
portagem voltou a atenção para ela, um repórter conversando
animadamente enquanto o operador da câmera filmava o pro-
cesso.
— Isso não é bom – disse Seis para si mesma. — Qual é,
Nove. Cadê você?
Eleni levantou seu cajado. A orbe mudou de azul para
uma verde-amarelado muito feia. Ao mesmo tempo, os olhos
das três criaturas também começaram a brilhar. Eles abriram a
boca e rugiram. Um deles deu um passo à frente, seu enorme pé
esmagando o capô de um carro da polícia. A multidão aplaudiu.
Seis viu os policiais que estavam tão ansiosos para
prendê-la se aproximarem dos monstros. Um deles gritou al-
guma coisa para Eleni. Eleni respondeu jogando a bola de fogo
na direção deles, que acertou um dos policiais, que começou a
girar tentando apagar as chamas. A multidão ofegou.
Um outro policial apontou a arma para Eleni. Ela formou
outra bola de fogo e a lançou. O oficial disparou, mas errou.
Eleni apontou seu cajado. A criatura mais próxima se abaixou,
as mandíbulas se abriram e ela pegou um homem com a boca.
Um momento depois, a metade inferior do corpo dele caiu na
calçada.
— Oh meu Deus – alguém disse. — Ela não estava brin-
cando. Aquelas coisas são reais.
Seis virou a cabeça e viu os dois rapazes com quem ela e
Nove haviam interagido antes. Eles olhavam horrorizados para
Eleni e seu trio de criaturas.
— Cara – disse um deles. — Nós temos que dar o fora da-
qui.
Como se tivessem ouvido ele, a multidão começou a se
dispersar. Tiros soaram. E as três criaturas começaram o ata-
que.
SAM
LAS VEGAS, NEVADA

cendo-se entre o mundo real e o subconsciente. Ele não sabia


quanto tempo fazia desde que Magdalena saíra do quarto, dei-
xando-o com os outros. Eles deveriam estar vigiando ele, mas
levaram a cadeira com ele para um dos quartos e o deixaram lá
enquanto ficavam se divertindo na sala de estar. A porta entre
eles estava fechada, e vozes da televisão se misturavam com as
deles, então conseguindo distingui-las. Eles estavam assistindo
a algum tipo de filme de ficção científica, e o barulho somado
aos pensamentos energéticos na cabeça dele não o deixavam se
lembrar onde estava ou o que estava acontecendo. Ele tinha
certeza de que ele conhecia as pessoas que estavam conver-
sando – pelo menos algumas delas – mas ele não conseguia lem-
brar os nomes. A memória dele estava piorando. Ele estava tão
cansado. Tudo o que queria fazer era fechar os olhos e que tudo
desaparecesse.
Ele estava prestes a desmaiar quando ouviu gritos. Algo
estava acontecendo na sala de estar. Ele ouviu uma série de ba-
rulhos. Mais gritaria. Então alguém invadiu o quarto do hotel e
a porta se fechou.
— Mantenha eles fora daqui! – disse uma voz feminina.
— Como? – um menino respondeu. — Eles são três.
— Apenas tente – disse a garota.
Então alguém estava tocando o rosto dele. — Sam? – era
a garota.
Sam abriu os olhos e olhou para ela. Algo nela era fami-
liar, mas ele não conseguia lembrar por quê.
— É a Nemo – ela disse para ele enquanto tirava algo do
bolso. — Eu trouxe algo que irá ajudá-lo. Pelo menos, espero
que ajude.
Ela deu alguns passos para trás. Sam sentiu algo como
uma picada de abelha, então uma sensação de queimadura.
— Está funcionando? – gritou o menino quando alguém
batia no lado de fora da porta do quarto.
— Eu não sei – disse a menina.
Ela se afastou de Sam, se juntando ao garoto perto da
porta. Sam não sabia o que estavam fazendo, e agora ele estava
distraído pela dor intensa que estava rasgando a cabeça dele.
Ele gritou.
— O que há de errado com ele? – o menino disse.
— Eu não sei – disse a garota. — Eu não sei como isso
deveria funcionar.
A sala ficou subitamente fria. Sam estremeceu e gemeu
enquanto uma nova onda de dor atravessava ele.
— É o Spike – disse a voz da garota. — Ele está tentando
nos congelar.
O corpo de Sam estremeceu. Os dentes dele batiam uns
nos outros. Parecia que uma mão gigante estava apertando a
cabeça dele. Então alguém estava ao lado dele, colocando a mão
no rosto. A visão de Sam ficou turva, mas quando ele olhou para
cima, viu uma garota em pé na frente dele. Não a primeira ga-
rota, mas uma nova. Ela o olhou com uma expressão triste.
— Afaste-se dele, Ghost! – gritou o menino.
— Sinto muito – a menina sussurrou para Sam.
Ele sentiu o mundo se dissolver ao redor dele. Por um
momento ele não tinha corpo. Seus átomos haviam sido sepa-
rados e ele existia apenas como pensamento puro. Era maravi-
lhoso estar livre de seu corpo atormentado, e ele experimentou
vários segundos de alegria antes de ser jogado de volta na pri-
são de carne e osso.
Ele estava do lado de fora. Era noite. A lua parecia pairar
acima da cabeça, grande e branca. Quando Sam abriu os olhos,
parecia que ele estava flutuando em um mar de estrelas. Então
ele percebeu que eram luzes elétricas. Ele estava em algum lu-
gar alto.
— Estamos no telhado do hotel – disse uma voz. — Mag-
dalena me disse para tirá-lo de lá, se alguém viesse te pegar.
Sam viu a garota se afastar um pouco. Sua mente estava
rapidamente voltando ao normal. Ele estava começando a lem-
brar.
— Ghost – disse ele.
A garota assentiu, sorrindo um pouco.
— E Nemo – disse Sam, lembrando o nome da outra ga-
rota. — Nemo estava lá.
O sorriso de Ghost desapareceu. — Eu gostaria que eles
não tivessem vindo – disse ela. — Eu gostaria que ela e Max ti-
vessem ficado longe. Não há nada que eles possam fazer.
Mas eles fizeram alguma coisa. Sam se sentia diferente.
Melhor. Mais e mais lembranças inundaram a cabeça dele: os
Mogadorianos, o parasita, o bunker, Seis. Então ele se lembrou
da picada em seu braço. Nemo lhe havia injetado alguma coisa?
É por isso que ele estava se lembrando?
Ghost se aproximou. Ela se virou e olhou para a cidade,
empurrando o cabelo atrás da orelha com um pequeno gesto
que a fez parecer mais jovem do que ela, como uma menininha.
— Eu quero ir para casa – ela disse suavemente. — Mas eu não
sei mais onde é minha casa.
Sam se lembrou da primeira vez que viu a garota, os de-
talhes chegando até ele com uma facilidade surpreendente.
Nova Orleans. Apenas alguns meses antes. Ela parecia fraca, in-
segura de si mesma e de seu Legado. Ele lembrou de tê-la visto
deitada na rua em uma poça de sangue depois de ter sido bale-
ada por Dennings. Dennings, que estava morto agora. Tanta
coisa aconteceu com essa garota. Tantas coisas terríveis. Ela se
tornou alguém diferente.
E ainda, de pé ao luar, o rosto dela era mais uma vez o da
menina assustada que Sam havia visto pela primeira vez. Ela
ainda estava lá em algum lugar.
A cada minuto que passava, Sam sentia-se mais ele
mesmo. Ele ainda estava muito, muito cansado. Mas sua cabeça
estava clara e ele podia pensar novamente.
O que quer que Nemo o tenha injetado, estava funcio-
nando. Ele decidiu que seria um erro mostrar a Ghost que o con-
trole do parasita havia sido quebrado, então ele continuou sen-
tado com a cabeça baixa enquanto testava seus Legados. Ele pri-
meiro tentou ver se conseguia levitar a cadeira. Ele conseguiu
erguê-lo um quarto de uma polegada, depois colocou de volta.
O esforço o esgotou, mas pelo menos ele sabia que poderia fazê-
lo.
— Eu sei como você se sente – disse ele, mantendo suas
palavras murmuradas.
Ghost virou o rosto para ele. As bochechas dela estavam
molhadas de lágrimas. — O que você quer dizer?
— Eu sei como é sentir não pertencer a lugar nenhum –
disse Sam lentamente. — Lembre-se, eu fui um dos primeiros
humanos a desenvolver um Legado. Eu não tinha ideia do que
era aquilo, ou o que isso significava.
— Mas você tinha Seis, Nove e os outros – disse Ghost.
— E você também tem – disse Sam. — Nemo e Max. Eles
te entendem melhor do que ninguém.
Ghost não respondeu. Ela desviou o olhar. Sam se per-
guntou o que os Mogadorianos tinham feito para torná-la tão
leal a eles, para fazê-la sentir que eles se importavam mais com
ela do que seus amigos verdadeiros. Ele se perguntou se ela es-
tava além de ser salva, se a garota que ele teve um vislumbre de
antes estava longe demais para voltar.
Ele tentou usar sua telecinese para ativar o mecanismo
de trava nas algemas. Ele empurrou os pinos com sua mente,
deslizando-os em diferentes direções até que ele os sentiu
abrir. Cuidadosamente, para não alertar Ghost sobre o que ele
estava fazendo, ele deslizou a mão, então a usou para puxar a
algema do outro pulso. Os braços dele doíam por estarem na
mesma posição por tanto tempo, mas ele se obrigou a mantê-
los assim, de modo que parecesse que ele ainda estava preso à
cadeira.
— Você sabe que sempre será bem-vinda na Academia –
disse ele, tentando manter Ghost distraída.
Ghost fez um som entre uma risada e um grito. — Eles
não me querem – ela disse. — É tarde demais.
Ela andou alguns passos, até ficar de pé na beira do te-
lhado, as pontas das botas penduradas na borda. Ao vê-la, o co-
ração de Sam bateu mais rápido e as palmas das mãos dele co-
meçaram a soar. Ele queria chamá-la, mas resistiu ao impulso.
— Eu me pergunto o que aconteceria se eu caísse – disse
Ghost, parecendo falar com si mesma e com ele. — Eu seria ca-
paz de me deixar cair por todo o caminho? Ou o meu Legado se
ativaria no último segundo e me teletransportaria para algum
lugar seguro?
— Não vamos descobrir – disse uma voz atrás de Sam.
Ele virou a cabeça e pela primeira vez notou algo enorme
empoleirado no topo do hotel. Era uma enorme estátua de me-
tal do planeta Saturno com anéis circulando-a. Ela estava presa
no topo de um poste, parecendo flutuar acima do prédio. Luzes
dentro do globo central eram visíveis através de pequenos ori-
fícios na superfície do planeta, fazendo com que irradiassem a
luz.
Magdalena saiu das sombras que se agrupavam sob a es-
tátua.
Sam manteve as mãos atrás dele, esperando que ela não
olhasse muito de perto e visse que as algemas estavam soltas.
Mas ela parecia estar mais interessada em girar os braços esti-
cados.
— Não é uma noite linda? – ela disse.
Nem Ghost nem Sam respondeu. Sam manteve a cabeça
baixa, lembrando-se de que ele deveria estar incapacitado pelo
parasita. Ghost se afastou da beira do telhado e cruzou os bra-
ços sobre o peito.
Magdalena pulou para a beirada do prédio e olhou para
baixo. — Você deveria ver o que está acontecendo lá embaixo –
ela disse. — Meus bebês estão se divertindo muito – ela suspi-
rou. — É claro que Eleni está se tornando a estrela do show. Eu
provavelmente não deveria ter dado a ela aquele Legado.
Sam olhou para ela, esquecendo que ele deveria estar in-
capacitado. O que ela disse? Ela deu um Legado para a Eleni?
Magdalena deu uma risadinha. — Imagine o que eu posso
fazer com o que meu pequeno amigo está coletando na sua ca-
beça – ela disse, caminhando até Sam. — Eu mal posso esperar
para tirá-lo – ela franziu a testa. — Isso significa que você vai
morrer, o que não é bom... para você. Mas você provavelmente
nem sabe o que está acontecendo a esta altura do campeonato.
— O que está acontecendo no quarto? – perguntou Ghost.
Magdalena encolheu os ombros. — Eu não sei – disse ela.
— Eu ouvi muito barulho e percebi que você tinha saído. Eu es-
tava certa
— Você nem conferiu se outros estavam bem? – disse
Ghost.
— Por que eu deveria? – disse Magdalena. — O único que
eu preciso está bem aqui.
Ela colocou a mão na cabeça de Sam, como se estivesse
acariciando-o. Sam, observando Ghost, viu a expressão dela en-
durecer. Se Magdalena notou, não disse nada. Em vez disso, ela
disse: — Podemos muito bem teletransportá-lo daqui. De volta
para o laboratório. Já está na hora de remover o parasita.
— E quanto a Eleni e aquelas... coisas? – disse Ghost.
Magdalena acenou com a mão. — Esse é o problema dela.
– disse. — Ela é a única que quis produzir algo grande. E ela
conseguiu. Ela não precisa de mim para ajudá-la a controlar os
Grindles. Ela tem o pessoal dela.
Grindles. É assim que ela os chama? Sam pensou. Ele não
tinha visto um ainda, então só podia imaginar como eram. Ele
imaginou bocas cheias de dentes e se perguntou como seria o
resto do corpo. E quem fazia parte desse “pessoa” mencionado
por Magdalena?
— Tudo bem – disse Magdalena. — Vamos logo. Venha
aqui e nos leve de volta ao laboratório.
Ghost hesitou por um momento, como se ela quisesse di-
zer alguma coisa. Então ela andou até onde Sam e Magdalena
estavam. Ela estendeu a mão para tocar o ombro de Sam.
Sam pulou para ficar de pé. A cadeira tombou para trás.
Magdalena, espantada, deu alguns passos de distância. Sam pe-
gou Ghost e, levantando-a, correu para a beira do telhado. Ele
hesitou por um momento, mas decidiu pular com Ghost em seus
braços.
A noite correu por eles enquanto caíam. Sam passou os
braços ao redor de Ghost, segurando firme e pensando na con-
versa que tiveram. O que ela escolheria? Ele achava que sabia –
esperava estar certo. Mas e se ele não estivesse? E se ela deci-
disse deixar os dois caírem? Ele rezou para que ela não fizesse
isso, mas mesmo se fizesse, pelo menos os Mogadorianos não
teriam seus Legados.
O chão estava se aproximando. Sam viu luzes piscando
em azul e vermelho. Ele viu pequenas manchas se movendo, de-
pois percebeu que eram pessoas correndo. E ele viu, finalmente,
os Grindles. Eles eram monstruosos, arrastando-se pelas ruas,
quebrando tudo o que viam com suas garras.
Então eles foram desapareceram. Tudo se foi, e ele mais
uma vez sentiu como se tivesse saído do corpo dele. Ghost havia
escolhido usar o Legado.
Quando ele reapareceu, a primeira coisa que ouviu foi al-
guém gritando: — Prêmio! – que foi seguido pelo toque de um
sino e o som de moedas caindo em uma bandeja de metal. Então
ele percebeu que estava deitado no chão, ainda abraçado com
Ghost, e que várias pessoas estavam curvadas olhando para eles
de seus assentos que estavam na frente de máquinas caça-ní-
queis.
— Deve ser parte de alguma apresentação de mágica –
disse uma mulher, tomando um gole da bebida e voltando sua
atenção para a máquina caça-níquel.
Sam soltou Ghost, que se sentou. — Foi o primeiro lugar
em que pensei – Ghost disse.
Sam também se sentou, então se levantou e ofereceu uma
das mãos para ajudar Ghost. — Estou feliz por você ter esco-
lhido usar o Legado – disse ele.
Ghost estava encarando ele com atenção. — Há quanto
tempo você voltou normal?
— Não muito – disse Sam. — Nemo injetou algo em mim.
Eu não sei o que era, mas parece ter funcionado.
Ghost suspirou. — Eu tenho que voltar para ela – disse
ela. — Quero dizer, pra Magdalena. Não Nemo.
— Por quê? – Sam perguntou.
Ghost deu de ombros. — Eu não sei... apenas volto – disse
ela. — Isso é tudo. Mas é melhor você ir ajudar Nemo e Max. Eles
estão no fim da rua. Eu te teletransportaria para lá, mas terei
problemas o suficiente por você ter escapado.
— Você não precisa ir – disse Sam.
Mas Ghost já tinha ido embora.
— Como ela faz isso? – perguntou a mulher que jogava
no caça-níquel. — Existe algum tipo de alçapão ou algo lá em-
baixo?
Sam a ignorou, virando-se e começando a se mover pelo
cassino. O lugar estava lotado, e ele se perguntou por que todo
mundo não estava nas ruas, dada a comoção do lado de fora do
Saturn Hotel. Quando ele se aproximou das portas do lugar, no
entanto, viu que havia policiais ali, impedindo as pessoas de
sair. Além disso, vários funcionários do cassino estavam distri-
buindo cupons gratuitos para as máquinas e para o buffet.
— Patas de caranguejo! – uma mulher sorridente disse,
acenando um pedaço de papel para Sam. — E que tal uma fonte
de chocolate?
Sam desviou dela e tentou sair, mas um policial o deteve.
— Você precisa ficar dentro, senhor – disse ele. — Um poste de
energia caiu e ainda não é seguro sair. Mas já estão trabalhando
nisso, e logo poderemos abrir as portas.
— Isso não é verdade, cara – disse um jovem próximo a
ele. — Existem monstros horríveis lá fora. Nós vimos. Aqui. Veja.
Ele arrastou Sam para longe das portas e mostrou o celu-
lar. Sam olhou para a foto. Era de Seis. Atrás dela estava um dos
Grindles.
— Nós estávamos bem ali, cara. Certo. Ali. Não acredite
no que a polícia está dizendo. Eles simplesmente não querem
que ninguém saiba.
Sam não estava escutando. Ele estava olhando para Seis.
Ela estava bem. Ele tinha que chegar até ela.
Ele se virou e correu de volta pelo cassino, procurando
outra saída. Ele encontrou várias, mas todos foram bloqueadas
e contavam com policiais e uma falange funcionários do cassino
nervosos armados com passe livre para o buffet. Olhando para
eles, Sam teve uma ideia.
Ele fechou os olhos, focando sua concentração na sala
cheia de máquinas. O maquinário interno delas zumbiu e fez um
clique enquanto as alavancas foram puxadas e os botões pres-
sionados. Ele estendeu a mão para a mais próxima, dizendo
para as engrenagens se estabelecerem numa posição vence-
dora. Um momento depois, o som de um alarme de pagamento
estremeceu e alguém gritou de alegria enquanto as fichas sa-
íam.
Sam continuou. Ao redor da sala, as máquinas começa-
ram a fazer sons enquanto todos os que jogavam se tornavam
vencedores. Sam abriu os olhos e sorriu ao ver as pessoas agar-
rando as fichas em suas mãos e depositando-as nos grandes co-
pos de plástico projetados para conter os pagamentos. Mas sua
excitação rapidamente se transformou em caos já que as má-
quinas não pararam de cuspir fichas e elas começaram a cair no
chão, onde outros jogadores se ajoelhavam para pegá-las.
— Ei! – gritou alguém, empurrando para o lado um ho-
mem que estava enfiando fichas nos bolsos. — Essas são mi-
nhas!
Os homens começaram a brigar. Discussões semelhantes
irromperam por todo o cassino enquanto mais e mais fichas de
metal eram cuspidas para fora das máquinas. Os policiais que
guardavam as portas abandonaram seus postos para separar os
briguentos.
Sam aproveitou o momento para correr até uma das por-
tas, agora desprotegidas. Ele a empurrou e olhou em volta. Ele
estava na parte de trás do cassino, em um beco construído para
os caminhões de entrega e para as caçambas de lixo, onde os
turistas não colocavam os pés. Não havia policiais para impedi-
lo de sair.
Ele andou até a rua. Olhando para a direita, viu a forma
imponente do Saturn Hotel. Luzes piscando. Helicópteros zum-
biam nas proximidades.
E no meio das luzes ele viu as silhuetas dos Grindles.
Ele começou a correr.
MAX E NEMO
LAS VEGAS, NEVADA

A temperatura no quarto havia caído consideravelmente


graças a Spike, e a respiração de Max embaçava o ar. Ao lado
dele, Nemo continuou a usar sua telecinese para manter a porta
fechada, e, enquanto isso, do outro lado da porta, Freakshow se
esforçava para abri-la.
— Max! – Nemo disse, tentando chamar a atenção dele.
— Ela o levou – disse Max. — Ele se foi.
Nemo olhou por cima do ombro. No momento em que
desviou sua atenção, a telecinese falhou. A porta se abriu e
Freakshow entrou, com um sorriso triunfante no rosto. Spike,
ao lado dela, balançava as mãos, como se estivessem doendo
por ele ter usado o Legado por muito tempo.
— Você poderia ter simplesmente ter aberto a porta –
disse Freakshow.
Max a encarou, com os punhos cerrados ao lado do corpo.
— Para onde ela levou Sam? – ele disse, a voz tensa de raiva.
— Não sei e não me importo – disse Freakshow. — Ele
não é meu problema agora. Você é.
Max levantou as mãos.
— Olhe para você, ficando todo forte – disse Freakshow,
rindo. — Qual é o seu Legado mesmo? Oh, certo. Tradução. Não
é exatamente ofensivo – ela olhou para Nemo — E eu não vejo
água aqui.
— Eu não preciso de água para acabar com você – disse
Nemo, segurando as palmas das mãos para frente e enviando
uma explosão telecinética na direção da outra menina.
Freakshow esticou as próprias mãos para frente, bloque-
ando o ataque. As garotas estavam usando o mesmo nível de
força, de modo que nenhuma iria conseguir machucar a outra.
Spike e Max também estavam cancelando um ao outro. A única
diferença era que Max e Nemo estavam presos dentro da sala, e
a única saída estava atrás de Freakshow e de Spike.
Max olhou para Nemo. Por mais que doesse admitir, ela
era mais forte que ele telecineticamente. Além disso, ela tam-
bém era mais rápida. Se um deles fosse ter a chance de escapar
e conseguir pedir ajuda, seria Nemo. Ele tinha como ajudá-la,
mas isso significava fazer algo que ele estava com medo de fa-
zer.
Ele respirou fundo e atacou Freakshow. Pensando que
nenhum deles ousaria ficar a uma curta distância dela, isso a
pegou de surpresa. Max a agarrou, empurrando-a contra Spike.
Os três caíram no chão.
— Corra! – Max gritou enquanto Freakshow agarrava o
pulso dele.
Imediatamente, Max se viu naquela rua, em Nova Orle-
ans. Ghost estava deitada no chão em algum lugar perto, san-
grando. Um pouco longe dela, um homem estava com um dos
braços em volta do pescoço de Nemo. Ele estava segurando uma
arma com a outra mão.
— Ajude a Ghost! – Nemo gritou.
Max se aproximou da amiga.
— Faça isso e eu vou matá-la! – o homem que estava se-
gurando Nemo disse.
Max olhou para Ghost. O peito dele subia e descia rapida-
mente. Ele sabia que ela estava morrendo.
— Ajude-a, Max! – Nemo disse.
Max olhou de uma amiga para a outra. Se ele ajudasse
Ghost, Nemo morreria. Se ele não fizesse nada, Ghost morreria
e o homem poderia matar Nemo de qualquer maneira. Ele se
sentia impotente, sem esperança, inútil. Ele nem sabia como
usar seus Legados para ajudar.
Ghost virou a cabeça, olhando para ele com um olhar que
já estava se entregando para a escuridão.
— Max – ela sussurrou. — Me ajude – ela levantou a mão,
esticando-a para ele.
Max gritou de frustração e raiva. Ele deu um passo à
frente. Ele ouviu um tiro. Ele começou a virar a cabeça, mas, de
repente, a visão desapareceu. Ele estava deitado de volta no
chão do quarto do, olhando para o teto. Ao lado dele, Freakshow
estava de pé.
— Pare com isso – ela disse para ele.
Atrás dela, Spike estava esfregando o rosto.
— Por que você não a impediu? – Freakshow disse, acu-
sando ele.
— Ela me pegou de surpresa – Spike respondeu. Ele
olhou para os seus dedos. Havia sangue cobrindo as pontas e
mais pingando do lábio dele. — E ela me chutou na boca pu-
lando enquanto nos atacava. Devemos ir atrás dela?
Freakshow pegou um celular no bolso. — Não – ela disse.
— Vou enviar um SMS para Seamus e Boomer. Vamos deixar
que eles cuidem dela. Ela não é uma grande ameaça. O Legado
dela é inútil aqui. Vamos esperar Magdalena. Esse era o plano.
Então Ghost poderá nos teletransportar para fora deste lugar.
— Eu gostaria que pudéssemos ver o que está aconte-
cendo lá fora – disse Spike. — Quando e como nos tornamos ba-
bás, afinal de contas?
— Apenas amarre ele – disse Freakshow. Ela olhou para
Max. — E nem pense em tentar ser um grande herói novamente.
Seja lá o que você viu, vou fazer você ver novamente, várias ve-
zes, até que sua mente não aguente mais e você enlouqueça.
Spike se abaixou e pegou os pés de Max, de uma forma
nada gentil. Empurrando-o até uma cadeira, ele o forçou a se
sentar. — Fique aí – ele avisou, e então pegou o cinto de um
roupão que estava pendurado na parte de trás da porta do
quarto. Ele o usou para amarrar as mãos de Max por trás da ca-
deira.
— Eu não entendo – disse Max. — O que vocês acham que
os Mogadorianos vão dar para vocês por serem capangas?
— Eu não sou capanga de ninguém – disse Freakshow.
Max bufou. — Você que pensa, capanga.
Freakshow deu alguns passos na direção dele, esten-
dendo as mãos. — Parece que você está a fim de voltar à terra
dos pesadelos – ela disse. — Qual é o seu pior medo, afinal? Apa-
recer pelado na frente da escola inteira?
— E o seu? – Max rebateu. — Todo mundo descobrindo
que sem o seu Legado você é apenas uma valentona assustada
que tem medo de tudo?
O rosto de Freakshow ficou vermelho e ela começou a se
aproximar de Max. Spike agarrou o braço dela. — Ignore – disse
ele.
Freakshow se livrou da mão de Spike. Ela apontou um
dedo para Max. — Assim que eles me disserem que não preci-
sam mais de você, se considere morto. Quero dizer, se o proce-
dimento para remover essa coisa rastejante que está dentro da
sua cabeça não te matar primeiro – ela riu maldosamente.
Max não disse nada. Ele não queria demonstrar que o pa-
rasita já estava morto e não podia mais machucá-lo. Mas Spike
estava olhando para ele com uma expressão peculiar. Max
olhou para ele por um momento, mas desviou o olhar rapida-
mente.
— Por que você não está doente? – perguntou Spike. —
Como Sam. Se você tem um parasita rastejando aí dentro, deve-
ria estar num estado péssimo, mas não está.
Max encolheu os ombros. — Eu não sei – disse ele. — Tal-
vez eu não tenha um dentro de mim. Talvez Magdalena tenha
mentido, me fazendo acreditar que eu tinha um também.
Spike sacudiu a cabeça. — Uh-uh – disse ele. — Ela tra-
balhou muito nisso. Você tem um, acredite.
— Então talvez não esteja dando certo – disse Max. — Eu
não sei.
Ele esperava que Spike mudasse de assunto. Mas ele con-
tinuou.
— Ou talvez alguém tenha descoberto uma maneira de
reverter a situação – disse Spike.
Ele estava olhando ao redor. Ele se abaixou e pegou al-
guma coisa no chão. Era uma agulha hipodérmica.
— O que é isso? – Freakshow perguntou.
— Parece que injetaram algo em alguém – disse Spike.
Ele gesticulou com a seringa de um lado para o outro na frente
de Max. — Alguma ideia do que havia aqui dentro? – ele per-
guntou a Max.
Max pensou em negar até o fim. Mas ele sabia que eles
não acreditariam nele, então ele tomou outro rumo. — É algo
que supostamente pode reverter a situação, ou atrasar o pro-
cesso – disse ele. — Até voltarmos par a AGH.
— Eles injetaram em você também? – Spike perguntou.
Max assentiu.
— Bem, parece estar funcionando – disse Spike. — Então
provavelmente funcionará em Sam também – ele olhou para
Freakshow. — Precisamos avisar Magdalena. Se Sam voltar ao
normal, ele pode ser perigoso.
— E se eles conseguirem injetar em Seis, ela é ainda mais
perigosa – acrescentou Freakshow, pegando seu celular e digi-
tando mensagens furiosamente.
Max olhou para o chão. Ele tentou ajudar, mas as coisas
só pioraram. Ele estava torcendo para que Nemo tenha tido
mais sorte.

Nemo correu pelo corredor do hotel. Ela estava quase nos ele-
vadores, quando percebeu que não tinha ideia para onde ir. Ela
parou e olhou para trás. Spike e Freakshow não a seguiram. Isso
era mais uma preocupação do que um alívio. Isso significa que
eles não acharam necessário.
Ela quase voltou. Deixar Max sozinho com os dois não pa-
recia ser o certo. Mas ela precisava buscar ajuda. Por mais que
odiasse admitir, ela e os Legados de Max não eram páreo para
Spike. E mesmo que o Legado de Freakshow não fosse algo que
pudesse machucá-los, era ainda mais aterrorizante. Ela sabia
que a garota havia usado o Legado em Max, e ela se sentiu pés-
sima em pensar no que ele poderia ter visto ou que talvez ainda
estivesse vendo. Ele se colocou em grande risco criando uma
oportunidade para Nemo fugir. Ela estava determinada em não
desperdiçá-la.
Ela pegou o celular. Agora ela se sentiu arrependida por
não ter enviado uma mensagem para Nove, deixando-o atuali-
zado sobre o que estavam fazendo. Ela decidiu fazer isso agora.
Quando ela viu que tinha uma mensagem dele, o coração dela
pulou.
ESTOU COM A 6, INDO ATÉ VOCÊS. ONDE ESTÃO?
Mesmo estando preocupada, ela riu pela jeito que ele es-
crevia. Ela começou a responder quando as portas do elevador
se abriram. Ela levantou a cabeça a tempo de ver Seamus e Bo-
omer saindo.
— Indo para algum lugar? – Seamus perguntou.
Nemo se virou e começou a correr. O celular dela escor-
regou da mão e caiu no chão e ela acidentalmente o chutou, des-
lizando ele para fora do alcance. Não havia tempo para pegá-lo,
então ela o deixou para trás, xingando seu jeito desastroso en-
quanto tentava fugir dos dois garotos, que estavam correndo
atrás dela. Ela xingou ao ver Seamus fazer uma pausa para pe-
gar o celular e guardá-lo no bolso.
Ela não tinha ideia para onde ir, então apenas continuou
correndo, virando-se quando o corredor acabava e continuando
por outro. Quando ela viu uma placa vermelha no final do cor-
redor com os dizeres SAÍDA DE EMERGÊNCIA, ela dobrou seus
esforços. Chegando à porta, ela olhou para um aviso que dizia
ACIONAR O ALARME, ela empurrou a barra de metal com
força. Fiel à ao aviso, um zumbido alto começou a soar.
Atrás da porta havia um conjunto de escadas que levava
para cima ou para baixo. Nemo considerou pegar o caminho
que levava para baixo, mas então decidiu que Seamus e Boomer
provavelmente iriam presumir que ela descesse, e por isso ela
optou por subir. Ela esperava conseguir abrir a porta no andar
seguinte e refazer seus passos de volta para os elevadores.
Quando terminou de subir as escadas, no entanto, desco-
briu que era um beco sem saída. A porta na frente dela dizia
ACESSO AO TELHADO. Ela estava prestes a se virar, quando
ouviu passos atrás dela.
Ela abriu a porta. Uma brisa fresca a atingiu no rosto após
ela pisar no telhado do Saturn Hotel. Ela parou, tentando desco-
brir para onde ela poderia ir, mas o som das vozes dos garotos
atrás dela a obrigou seguir em frente. Ela correu às cegas, indo
para o centro do telhado, onde viu uma enorme estrutura do
planeta Saturno em contraste com o céu noturno. Ela esperava
encontrar algum lugar para se esconder.
Seamus e Boomer estavam perto.
— Lá está ela! – Boomer gritou.
Nemo chegou à base da estrutura, percebendo que havia
uma escada na lateral. Ela começou a subi-la. Ao fazê-lo, Mag-
dalena apareceu pelo outro lado. Quando ela viu Nemo, bateu
palmas.
— Oh! Eu amo surpresas! – ela disse.
Nemo a ignorou e continuou subindo. Magdalena não ti-
nha Legados, e agora ela era a menor das preocupações de
Nemo. Ela alcançou o topo da estrutura, onde parou numa pla-
taforma e olhou para baixo. Seamus e Boomer estavam de pé ao
lado de Magdalena, olhando para ela.
— Não tem nada para eu transformar numa bomba –
disse Boomer, parecendo irritado.
— Não precisamos de uma de suas bombas – disse Sea-
mus. — Vou chamar alguns dos meus amigos.
Nemo não esperou para descobrir que tipo de insetos ele
iria invocar. Ela foi até o grande poste em que a estrutura de
Saturno estava apoiada. Também tinha uma escada afixada a
ele. Ela começou a subir. Ela não tinha ideia de como subir mais
a ajudaria, mas achou que era melhor do que estar no telhado
em uma batalha de três contra um.
Quando chegou ao fundo perto do planeta, descobriu que
era oco e que podia se arrastar para dentro. Ela o fez, encon-
trando-se dentro de um globo de cerca de seis metros de lar-
gura. Estava cheio de luzes que piscavam. A escada continuava,
terminando em uma plataforma que tinha uma pequena porta
nela. Nemo a ignorou por enquanto, tentando recuperar o fô-
lego e pensar.
Ela não teve muito tempo. Um momento depois, ela ouviu
zumbidos.
Espero que não sejam moscas, ela pensou.
E não eram. Eram abelhas. Elas começaram a adentrar na
estrutura através das rachaduras na superfície do planeta. Elas
imediatamente cercaram Nemo, picando-a. Nemo batia nelas
com as mãos, mas não estava adiantando nada. Para cada uma
que ela matou, outra aparecia para substituí-la. Logo elas esta-
vam picando Nemo por toda parte.
Desesperada, ela decidiu subir novamente, até a pequena
plataforma. Ela empurrou a porta que tinha ali e se arrastou por
uma plataforma estreita que se estendia por cerca de três me-
tros antes de se conectar com uma borda mais larga, fazendo
uma curva. Deve ser o anel ao redor de Saturno, ela pensou.
As abelhas a seguiram e continuaram a picá-la. O corpo
dela queimava enquanto o veneno delas se espalhava pelo
corpo. Ela tentou usar sua telecinese para afastá-las, mas não
funcionou. A dor constante tornava impossível manter um
campo telecinético por muito tempo, e sempre que ela perdia o
controle, as abelhas retomavam o ataque.
Atormentada, ela se arrastou pela plataforma e entrou no
anel de metal. Olhando para baixo, ela viu que agora estava re-
almente estendida para fora da borda do telhado. O chão pare-
cia estar a quilômetros de distância, e ela sentiu seu coração
congelar em seu peito ao mesmo tempo que a vertigem tomou
conta dela. Ela se achatou contra o metal e fechou os olhos.
— Não tem medo de altura, né? – a voz de Boomer veio
de trás dela.
Os olhos dela, inchados por conta das picadas de abelha,
se recusaram a abrir. Ela os forçou, piscando através de lágri-
mas, e viu Boomer parado na porta. Ele segurava algo na mão.
Algo brilhante.
— Você deveria ter descido – disse ele.
Nemo começou a engatinhar. Ela mal podia ver, mas po-
dia sentir o metal sob suas mãos. As abelhas zumbindo manti-
nham uma cacofonia desorientadora que enchia sua cabeça. Ela
quase não sentia mais as picadas, havia muitas delas.
Ela sentiu uma dor estridente na perna. Boomer jogou o
que quer que estivesse segurando. Ela gritou, instintivamente
rolando para o lado. Então percebeu que seu ombro e sua ca-
beça não estavam tocando em nada sólido. Ela quase caíra do
anel.
— Magdalena disse que ela não tem nenhum uso para
você – Boomer gritou. — Ela disse que eu posso fazer o que eu
quero com você.
Nemo, de costas, forçou os olhos a se abrirem. Boomer
estava de pé no anel, olhando para ela a uma dúzia de metros
de distância. Ele tinha outro objeto brilhante na mão.
— Acho que não tenho medo de altura – disse ele.
Nemo antecipou o golpe, mas ainda parecia estar sendo
baleada quando a coisa a atingiu no estômago. Ela gritou e ro-
lou. Ela se sentiu deslizando pela borda e agarrou a superfície
do anel. Ela conseguiu aguentar, mas sabia que estava prestes a
cair.
Boomer riu. — Isso é muito fácil – disse ele.
As abelhas zumbiram nos ouvidos de Nemo, provocando-
a.
— EI! – Boomer gritou. — Chame seus insetos de volta!
Um momento depois, as abelhas se dissiparam, afas-
tando-se de Nemo e desaparecendo na noite. O corpo dela ainda
queimava por conta das picadas, e ela ofegava para respirar en-
quanto o veneno fazia o seu trabalho. Ela podia sentir sua gar-
ganta se fechando.
— Vamos lá – disse Boomer. — Pelo menos tente.
Nemo olhou para ele com os olhos estreitos, mal conse-
guindo vê-lo. Ele ergueu a mão, mostrando-lhe outro objeto bri-
lhante.
— Última chance – disse ele.
A raiva tomou conta de Nemo, afastando a dor o sufici-
ente para ela ficar de joelhos. Ela respirou, ofegante, enquanto
se forçou a ficar de pé para encarar Boomer. Ela balançou ins-
tável e pensou que poderia cair se tentasse dar um passo se-
quer. Mas ela se manteve firme. Ela ergueu as mãos, torcendo
para que seu Legado funcionasse.
Boomer riu depois jogou sua bomba na direção dela.
Nemo viu o ar entre eles brilhar. De repente, Ghost apa-
receu entre eles. Ela estava de frente para Nemo e não viu Boo-
mer atrás dela. Quando a bomba de Boomer atingiu as costas
dela, ela tropeçou para frente, com a boca aberta, soltando um
grito. Nemo abriu os braços e a pegou. A força quase derrubou
as duas do anel, mas Nemo lutou para se manter estável.
Ghost estava mole contra ela. Nemo caiu de joelhos e co-
locou a amiga no anel. Quando afastou suas mãos, viu que esta-
vam cobertas de sangue. Nemo olhou para Boomer. Ele não es-
tava segurado mais nada. Nemo viu que ele estava sem muni-
ção.
Ela convocou o último fio de sua força, já enfraquecida.
Segurando as mãos para frente, ela concentrou sua telecinese e
a lançou o mais forte que pôde. Ela viu quando Boomer voou
para trás, saiu de dentro da estrutura e caiu para fora do te-
lhado do hotel. Ele nem gritou enquanto caía.
Nemo olhou para Ghost. Os olhos dela estavam abertos e
ela sorria com um sorriso triste.
— Você vai ficar bem – disse Nemo. — Você consegue nos
tirar daqui?
Ghost fechou os olhos. Ela estremeceu de dor enquanto
tentava. — Não – disse ela. — Eu não consigo.
Nemo a pegou em seus braços. — Tudo bem – disse ela.
— Me perdoe – disse Ghost.
— Me perdoe também – disse Nemo.
Ghost tentou dizer mais alguma coisa, mas tossiu.
— Shh – disse Nemo, acariciando o cabelo de Ghost. —
Está tudo bem.
Ghost não disse mais nada. Nemo sentiu lágrimas desli-
zarem dos olhos dela. — Tudo bem – ela sussurrou novamente.
— Tudo bem.
SEIS
LAS VEGAS, NEVADA

voar mais do naquele momento, parada ali no chão, olhando en-


quanto Eleni flutuava acima, controlando as três criaturas como
se ela fosse algum tipo de líder de orquestra.
As criaturas imensas rugiam e arranhavam o ar. Onde
elas pisavam, carros eram amassados e placas de rua caíam
como se fossem gravetos. As pessoas se espalharam, gritando e
fugindo da destruição, agora que perceberam que o que estava
acontecendo era real. Observando-os, Eleni ria.
— Ei! Por que você não pega alguém do seu tamanho ?! –
Seis gritou. — Metaforicamente falando – ela acrescentou em
voz baixa. Ela olhou para Nove. — O que é essa coisa que ela
está controlando, afinal?
— Eu não sei – disse Nove, olhando para a plataforma flu-
tuante. — Mas eu quero uma.
Eleni voltou sua atenção para Seis e Nove, notando-os
pela primeira vez. Ela franziu o cenho. Então ela gesticulou seu
cajado. As três criaturas viraram a cabeça, cada uma numa di-
reção diferente. Duas começaram a correr em direções opostas,
seus corpos volumosos enchendo a rua enquanto adentravam
na cidade.
— Ela está tentando dividir nossa atenção – disse Seis
com raiva.
— Bem, está funcionando – disse Nove. — Você quer ir
atrás daqueles dois ou lidar com ela e o terceiro?
— Deixa ela pra mim – disse Seis. – É uma treta de longa
data.
Nove sorriu. — Divirta-se – disse ele, e, em seguida, saiu
em disparada atrás das criaturas.
Seis focou sua atenção em Eleni e na criatura restante.
Ela pairava sobre ela, o fedor de seu mau hálito enchendo o ar
enquanto rugia.
— Tudo ou nada – disse Seis, e correu em direção a elas.
Ela saltou, agarrando a pele escamosa e subindo pela
perna até chegar no ombro. Eleni ainda pairava sobre a cria-
tura, utilizando a plataforma, fora de alcance. Seis tentou acer-
tar a plataforma com uma onda de telecinese, mas Eleni havia
antecipado o golpe e o desviou.
Seis considerou conjurar uma tempestade. Algo para
derrubar Eleni. Mas como seus Legados haviam voltado há
pouco tempo, Seis sabia que tinha que ter cuidado com os danos
colaterais que poderia causar na multidão abaixo. A polícia es-
tava tentando afastar as pessoas dali, mas elas estavam muito
interessadas no que estava acontecendo para fugirem.
Ela decidiu arriscar.
Concentrando-se no espaço acima de Eleni, ela convocou
um raio. O ar crepitou com eletricidade. Eleni, ouvindo o baru-
lho, olhou para cima no momento em que o raio caia na direção
dela. Ela conseguiu sair do caminho no último segundo, e o raio
atingiu um dos carros da polícia.
— Ela está nos atacando! – gritou um dos policiais, apon-
tando sua arma para Seis enquanto mais dois raios caíam.
— Estou tentando parar a psicopata! – Seis gritou em res-
posta.
Ele a ignorou, mantendo a arma apontada para ela en-
quanto vários outros policiais faziam a mesma coisa. Metade es-
tava apontando para Seis, enquanto a outra metade apontava
para Eleni. Seis se preparou para desviar as balas caso eles ati-
rassem, e rapidamente reprimiu a tempestade, não querendo
antagonizar mais a polícia.
Antes que ela pudesse descobrir outra maneira de derru-
bar Eleni, o cajado da Mogadoriana começou a brilhar. Então ela
o levantou, e a criatura em que Seis estava tentou derrubá-la.
Seis se agachou, se mantendo firme, igual fez com a outra. Ela
havia acostumado com os movimentos da coisa e sabia onde co-
locar os dedos entre as escamas para não cair. As criaturas
eram enormes, mas também eram lentas, então ela conseguiu
se ajustar às tentativas da coisa de derrubá-la.
Eleni invocou uma bola de fogo e a lançou em Seis. Seis a
desviou facilmente com sua telecinese, tornando-a inofensiva.
Então ela ficou invisível.
Eleni gritou de raiva e frustração, enviando uma sarai-
vada de bolas de fogo menores para os lugares onde pensou que
Seis poderia estar. Mas Seis se moveu, subindo na cabeça da cri-
atura. Eleni estava logo acima dela, procurando por sinais de
Seis.
Seis se agachou e saltou, impulsionando-se no ar. Ela al-
cançou a borda da plataforma flutuante, conseguindo segurá-la
com a ponta dos dedos de uma das mãos. Mas era o braço ma-
chucado dela, e o ombro dela ardia ferozmente enquanto ten-
tava se manter firme. A plataforma balançou por conta do peso
adicional, inclinando-se para o lado. Seis balançou seu corpo,
tentando tirar o equilíbrio de Eleni.
Eleni contra-atacou ao derrubar com força o final de seu
cajado onde ela achava que os dedos de Seis deviam estar base-
ados na inclinação da plataforma. Infelizmente, ela acertou. Seis
sentiu seus dedos quebrarem. A dor intensa fez com que seu
foco vacilasse. Seu Legado falhou. Eleni a chutou no rosto com
força, fazendo Seis voar para trás, caindo nas costas da criatura
e rolando sobre ela. Ela cravou com os dedos nas escamas, gri-
tando, mas conseguindo se aguentar. Ela ficou invisível nova-
mente, e desta vez se manteve assim.
Ela precisava de um novo plano de ataque. Eleni poderia
facilmente ficar fora do alcance dela, e sem nenhuma arma ime-
diata à sua disposição, e nada ao seu redor para transformar em
uma, Seis não tinha como derrubá-la da plataforma. Eu preciso
trazê-la até mim, ela pensou. Mas como? O que ela poderia fazer
para Eleni se aproximar?
Ela decidiu atacar a criatura. Talvez se Eleni pensasse
que a coisa estiva em perigo, ela arriscaria descer da plataforma
para ajudá-la. Primeiro, Seis tentou colocar os dedos quebrados
no lugar, segurando-os com a mão boa e puxando-os com força.
A sensação foi horrível, e só funcionou em parte, mas pelo me-
nos ela podia mover alguns deles agora. Ela ficou de barriga
para baixo e começou a subir pelo pescoço da coisa, indo na di-
reção da cabeça. Esfaquear a coisa no olho havia funcionado
uma vez. Talvez algo parecido funcionasse novamente. O único
problema era que ela não tinha nenhuma arma agora.
Ela chegou a um ponto logo atrás da cabeça da criatura,
mas ainda não tinha ideia do que fazer. Então ela teve uma. Ela
se materializou, permitindo que Eleni a visse. Ao mesmo tempo,
ela fingiu colapsar nas costas da criatura, deixando seu corpo
cair para o lado. Levou toda sua força de vontade para aguentar
enquanto a dor rasgava em sua mão e ombro, mas ela conse-
guiu. Sua cabeça pendia como se tivesse desmaiado de dor, as
pernas balançando ao longo do lado da criatura enquanto ela ia
para frente e para trás.
Eleni mordeu a isca. Pensando que Seis estava inconsci-
ente, ela formou uma enorme bola de fogo na mão. Quando es-
tava pronta, ela atirou em Seis. Seis, observando o ataque entre
as pálpebras, esperou até a bola de fogo estar quase em cima
dela, e, em seguida, se mexeu e deslizou para baixo alguns me-
tros, colocando ambas as mãos entre uma fileira de escamas
para parar a descida.
A bola de fogo atingiu a fera. Apesar das escamas, a coisa
sentiu a dor lancinante da explosão resultante e se moveu. Seis
se pendurou, seu corpo voando para o lado enquanto a criatura
se virava para Eleni e a tentava golpear com suas garras. A coisa
atingiu a plataforma, inclinando-a, causando a queda de Eleni.
Ela tentou se segurar, mas com o cajado ainda em uma das
mãos, ela não conseguiu se agarrar e caiu.
Ela bateu na lateral da criatura e caiu no chão. Seis estava
prestes a se soltar da criatura e ir atrás dela, quando Eleni a sur-
preendeu, começando a escalar a própria criatura. Ela manu-
seou o cajado entre as escamas, deixando-a ainda mais enfure-
cida. Então o orbe na ponta começou a brilhar novamente.
Seis teve apenas um instante para se perguntar o que a
Mogadoriana estava fazendo antes do monstro se virar e come-
çar a escalar a lateral do hotel. Suas garras perfuravam facil-
mente o vidro e o aço, rangendo ruidosamente enquanto se mo-
via muito mais depressa do que Seis imaginava ser possível
para um animal tão grande. Foram quatro andares antes que ela
pudesse pensar em se soltar. Agora era tarde demais.
A coisa subiu. Seis segurou o melhor que pôde, de olho
em Eleni, que estava lentamente subindo até Seis. Os prédios ao
redor rapidamente se afastavam quando o monstro subia pela
lateral do Saturn Hotel, as luzes piscando, deixando Seis tonta.
A única vantagem de Seis era que, como Eleni ainda es-
tava segurando o cajado, ela só tinha uma mão para se mano-
brar nas costas da criatura. Quanto mais alto e mais rápido ela
subia, mais Eleni se esforçava, até que finalmente foi forçada a
ficar parada, encarando Seis com uma expressão de puro ódio,
esperando por sua chance. Seis também mal estava aguen-
tando.
A cada baque das garras da criatura, ela era chacoalhada
novamente. Seu ombro tinha passado do ponto de doer e se tor-
nado um nó latejante de pura dor. Os ossos quebrados em sua
mão se juntaram com cada impulso do corpo da criatura, e ela
esperava simplesmente cair dali a qualquer momento. Se isso
acontecesse, ela planejava levar a Mogadoriana consigo.
Mas isso não aconteceu. Em vez disso, as duas se agarra-
ram à criatura enquanto ela subia na direção do telhado do ho-
tel, a centenas de metros acima da chão. Seis decidiu esperar a
criatura chegar no telhado e parar. Porém, quando estava a
poucos andares do telhado, ela parou, agarrando-se à lateral.
Seis podia senti-la respirando, o ar entrando e saindo. Ela espe-
rou que ela começasse a se mover novamente, mas ela perma-
neceu no lugar.
Ela olhou para Eleni. O cabelo loiro da Mogadoriana fluía
graças ao vento que chicoteava o hotel, escondendo o rosto
dela. Seis se perguntou se ela, de alguma forma, comandara a
criatura a parar ou se ela parara por vontade própria. O orbe do
cajado de Eleni não estava brilhando, então Seis não sabia dizer.
Ela voltou sua atenção para a criatura. Acima dela, uma
substância preta e pegajosa escorria do ferimento causado pela
bola de fogo atirada por Eleni. Seis também notou algo saindo
das escamas. De início, ela pensou que era um osso, mas a luz
da lua fazia a coisa brilhar como se fosse metal.
Ela firmou a ponta da bota entre algumas das escamas e
impulsionou-se em alguns centímetros. Seus dedos machuca-
dos latejavam, mas ela ignorou a dor, utilizando-se dos dedos
para se firmar entre as escamas e fixando-se no corpo da cria-
tura enquanto subia um pouco de cada vez. Ela esperava que a
coisa não retomasse a subida, e isso não aconteceu. Ainda as-
sim, o vento tentava derrubá-la das costas da coisa, então ela
agiu com cautela.
Quando ela chegou ao local do ferimento, ela pegou a
coisa que estava saindo das costas do monstro. Era gelado e me-
tálico. Ela passou a mão pelo cumprimento, sentindo que as
pontas eram compostas por fios. Eles estavam expostos, e,
quando as pontas dos dedos dela os tocaram, ela sentiu um leve
choque. A criatura berrou. Seis mergulhou os dedos no que ela
achava ser o sangue, depois os levou ao nariz. Tinha o cheiro de
ferro do sangue, mas também algo a mais. Algo oleoso, com um
odor químico.
É meio máquina, ela pensou. Algum tipo de criatura bio-
mecânica.
Agora ela entendia o papel que o orbe desempenhava.
Era algum tipo de transmissor. E como Eleni havia machucado
a coisa, ela não estava funcionando exatamente como deveria.
Isso pode ou não ser uma coisa boa. Elas estavam presas
na lateral do hotel e a criatura não estava se mexendo. Se per-
manecesse onde estava, Seis não sabia como elas sairiam dali. E
ela não tinha certeza de quanto tempo poderia aguentar.
Ela ouviu um barulho e olhou para baixo. Eleni estava su-
bindo. Ela estava grunhindo a cada passo que dava, resmun-
gando em seu próprio idioma de uma forma que Seis entendia
claramente ser um xingamento. Ela provavelmente percebeu o
que estava acontecendo com a criatura e decidiu agir.
Seis voltou sua atenção para a ferida da criatura. Colo-
cando a mão lá dentro mais uma vez, ela reencontrou os fios de
antes. Havia vários deles, todos rasgados e expostos. Ela pegou
as pontas e tentou tocá-las umas às outras. O monstro gritou e
levantou uma das perna dianteiras. O peso da criatura mudou
para o outro braço e ela girou para a esquerda. Seis mal conse-
guiu se segurar na haste de metal.
Ela soltou os frios e o monstro se firmou, embora o braço
direito agora batesse contra a lateral do prédio, como se não ti-
vesse controle do corpo. O vidro das janelas quebrou, os esti-
lhaços chovendo sobre Seis e Eleni. Seis não queria correr o
risco de se soltar completamente, então ela abandonou as en-
tranhas mecânicas. Eleni estava a poucos metros dela e se mo-
via rápido. Seis decidiu subir.
Ela passou pelo ferimento e seguiu para o pescoço da cri-
atura. O único lugar que ela tinha para ir era a cabeça, então ela
foi. As escamas do pescoço davam lugar à placas maiores e mais
lisas, que eram mais escorregadias, com menos lugares firmes
para se segurar. Além disso, o animal estava movendo a cabeça
para frente e para trás, gritando.
Seis chegou no topo da cabeça da coisa. Dos dois lados, os
enormes olhos brilhavam como luas, as íris bem negras. Ela pis-
cou, tentando olhar para Seis. Então jogou a cabeça para trás,
tentando derrubá-la. Ela agarrou as cristas ósseas ao redor das
órbitas dos olhos e continuou, avançando lentamente pela
ponte do focinho. Atrás dela, Eleni empoleirou-se entre os om-
bros da coisa, usando as pernas para se apoiar. Ela levantou a
mão, uma bola de fogo se formando ali.
— Faça isso e essa coisa vai se soltar! – Seis chamou aten-
ção dela. — Nós duas vamos morrer.
Eleni vacilou. Seis sabia que a Mogadoriana estava pe-
sando tanto na probabilidade de a criatura se soltar quanto no
valor de sua própria morte, desde que Seis morresse também.
Seis contava que a vaidade de Eleni iria vencer o desejo de vin-
gança dela.
Eleni lançou a bola de fogo para o céu, que voou como um
meteoro no escuro, se chocando contra a parede de um prédio
do outro lado da rua.
Seis respirou com um pouco mais de tranquilidade, mas
só por um instante. Ela ainda tinha que descobrir o que fazer a
seguir.
Ela olhou para cima, além da boca aberta da coisa, para a
lateral do hotel. Cada andar tinha uma borda em volta. Entre os
andares, as paredes do hotel tinham uma textura de tijolos. Po-
deria ser possível escalá-los, se ela aguentasse. E se ela conse-
guisse passar pela boca da criatura.
Ela não tinha escolha. Ela seguiu em frente. A criatura co-
meçou a mover a cabeça, virando o pescoço quando sentiu a
presença de Seis rastejando por ali. Seis se afastou do prédio e
depois voltou. Ela não olhou para baixo.
Quando a criatura moveu a cabeça de volta para perto do
prédio, ela pulou. Ela pousou em uma das bordas. Seus calca-
nhares grudaram na estreita tira de metal, e não havia nada
para ela segurar, então ela pressionou as mãos contra o vidro.
A cabeça da criatura oscilou a centímetros de suas costas, a res-
piração quente da criatura se chocando contra a pele dela. Ela
ouviu o ranger dos dentes.
Lentamente, ela avançou para a esquerda, até o vidro
acabar e a parede começar. As garras da fera estavam cravadas
na parede acima dela, e ela as contornou enquanto começou a
se subir. Ela não se atreveu a ver o que Eleni estava fazendo,
concentrando-se em subir a parede, dando um passo doloroso
de cada vez.
Parecia que horas haviam se passado enquanto ela ainda
estava subindo até o telhado do hotel, embora o subconsciente
dela soubesse que haviam se passado apenas alguns minutos.
Várias vezes ela teve que parar quando a cabeça do monstro
chegou a centímetros de derrubá-la, mas ela continuou. Ela não
pensou em quão alto ela estava, ou o que aconteceria se a mão
quebrada se recusasse a aguentar apenas mais um passo. Ela só
pensava em dar o próximo, mantendo os olhos na beira do te-
lhado enquanto se aproximava cada vez mais.
Finalmente, ela chegou. Ela jogou uma mão sobre a borda
e começou a puxar-se para cima do telhado. Então alguém agar-
rou o pulso dela. Seis olhou para cima.
— Já tá na hora – disse Magdalena. — Eu pensei que você
nunca chegaria aqui.
SAM
LAS VEGAS, NEVADA

óleo.
— Não é meu – ele assegurou a Sam, que estava olhando
para ele com preocupação. — Bem, a grande parte. Acontece
que aquelas coisas são meio máquina. Mas apenas metade. A
outra é real.
Sam havia encontrado ele enquanto corria na direção do
Saturn Hotel. Na verdade, ele teve que parar repentinamente
porque um Grindle morto estava bloqueando a rua. Então Nove
apareceu, escalando a lateral da coisa, parecendo a vítima de
um atropelamento em fuga.
— Os Mogadorianos os chamam de Grindles – disse Sam.
Nove se virou e olhou para a criatura escamosa deitada
atrás dele. — Grindles? Que fofo. Pena que eles têm essa atitude
de merda – ele voltou sua atenção para Sam. — A propósito,
como você sabe disso?
— Magdalena me disse – respondeu Sam.
— Ah, é? – disse Nove. — Vocês dois viraram amigos?
— É uma longa história.
— Bem, parece que você está melhor – disse Nove. — O
que me faz presumir que Nemo e Max te encontraram.
Sam assentiu. — E Ghost apareceu e me teletransportou
para longe. Como eu disse, longa história.
— Bem, funcionou em Seis também – disse Nove. — En-
tão... viva à ciência!
— Onde ela está? – Sam perguntou.
Nove olhou para o Saturn Hotel, onde um Grindle estava
escalando o prédio. Ele apontou. — Eu presumo que no sexagé-
simo oitavo andar, mais ou menos.
Sam seguiu seu olhar. — Temos que ir até lá – disse ele.
— Magdalena está no telhado. E Eleni tem um Legado agora.
— Fiquei sabendo disso – disse Nove. — E isso é ótimo
para todos. Mas você vai ter que lidar com isso sozinho, pelo
menos por enquanto. Há mais uma dessas coisas a algumas ruas
daqui. É melhor eu encontrá-la para matá-la. Pará-la? O que
você achar que acontece com uma criatura biomecânica após
ser destruída.
Sam assentiu. — Vá.
— Eu vou para lá assim que eu cuidar do Sr. Grindle –
disse Nove.
Ele saiu correndo, deixando Sam sozinho para escalar o
Grindle morto para conseguir chegar ao outro lado. Depois que
escalou, ele viu uma ferida aberta na lateral da criatura e as en-
tranhas mecânicas dela cheias de sangue. Ele hesitou por um
instante, depois se concentrou no maquinário. Ele disse para a
criatura se mexer. Quando uma das garras do Grindle se con-
traiu, ele saltou para trás, surpreso. Mas isso lhe deu uma ideia,
e quando ele se virou e começou a correr pelo resto do caminho
até o Saturn Hotel, um plano se formou na cabeça dele.
Já no hotel, ele passou pela multidão de policiais e correu
pelo saguão até os elevadores. Enquanto subia para o telhado,
preparou-se para o que pudesse encontrar. Ele estava se sen-
tindo como o seu eu antigo, mas parte dele temia que isso não
durasse e que seus Legados voltariam a falhar no pior momento
possível.
Quando chegou ao último andar, correu pelo corredor
até a saída, cercado pelo som de um alarme de emergência so-
ando. A porta do telhado estava aberta e, quando ele saiu para
fora, encontrou-se no meio de uma batalha.
De um lado estavam Eleni, Seamus e Spike, que haviam
formado um círculo em torno de Seis, que estava para no meio
usando sua telecinese para afastar os ataques. Magdalena es-
tava ajoelhada no telhado, não muito longe dali, segurando uma
das mãos com a outra. Sam presumiu que Seis foi, de alguma
forma, responsável por ferimento, embora não houvesse tempo
para pensar muito sobre isso. Algo estava obviamente errado
com um dos braços de Seis também. Ele pendia frouxamente ao
lado dela, e ela estava usando o outro para se proteger.
Sam continuou nas sombras, tentando permanecer des-
percebido por certo tempo e manter o elemento surpresa. Ele
foi até Spike primeiro, usando sua telecinese para empurrar o
garoto para o lado. Spike, despreparado para o ataque, deslizou
pelo telhado, gritando. Antes que ele pudesse se recuperar o
equilíbrio, Sam o atingiu novamente, levantando-o no ar.
Então ele parou. O que ele ia fazer com Spike agora? Ele
não podia matá-lo. Mas o que mais ele poderia fazer para tirá-
lo do jogo?
Ele levantou Spike e o jogou na lateral da estrutura do
planeta Saturno. — Desculpa, cara! – ele disse quando o corpo
flácido de Spike caiu no chão, inconsciente.
Em seguida, ele procurou por Seamus. Mas Seamus havia
desaparecido. Sam sabia que isso era uma má notícia, e sua pre-
ocupação foi confirmada um momento depois, quando ele se
viu cercado por uma nuvem de moscas e abelhas. Incapaz de
ver, ele instintivamente começou a tentar afastar os insetos. Ele
estava andando desnorteado pelo telhado, tentando sem su-
cesso afastá-las, e, de repente, foi atingido por uma explosão de
telecinese, e caiu. Ele esticou as mãos e as palmas rasparam
contra a superfície áspera do telhado, machucando-as e acres-
centando uma nova dor ao tormento das picadas.
— Estou ficando tão bom nisso – disse Seamus, sua voz
cortando o zumbido dos insetos.
Sam o atacou cegamente com sua telecinese. Os insetos
se dispersaram e ele viu Seamus claramente por um momento.
Ele o empurrou telecineticamente, e Seamus vacilou. Mas ele se
endireitou novamente e retomou seu próprio ataque, de modo
que Sam se viu novamente cercado por abelhas e moscas.
A raiva inundou-o como o veneno dos ferrões das abe-
lhas, dando-lhe força para ficar de pé. Ele ainda não conseguia
ver Seamus, mas ele atacou com tudo o que tinha. Ele ouviu um
grito de dor e, mais uma vez, os insetos o deixaram em paz. Se-
amus já estava se levantando novamente, e, dessa vez, ele aban-
donando os insetos e usando somente a telecinese.
Sam o encarou frontalmente, e, por um momento, eles
permaneceram paralisados, cada um empurrando com igual
força. Mas Sam era mais experiente, e a frustração de Seamus
se tornou sua própria ruína quando ele tentou convocar as abe-
lhas e não conseguiu manter seu ataque telecinético. Sam usou
a brecha para acertar Seamus com uma explosão de poder que
o fez girar. Então Sam correu até ele, atacando-o fisicamente e
derrubando-o no telhado.
Seamus resistiu, tentando se desvencilhar. Mais uma vez,
Sam teve que decidir o que fazer com ele. Parte dele sentiu von-
tade de jogá-lo pela borda do telhado por todos os problemas
que ele havia causado. Mas ele sabia que não conseguiria fazer
isso. Apesar de tudo, Seamus era apenas um garoto tentando
descobrir quem ele era. Além disso, Sam sabia que Peter
McKenna conseguiria reverter a situação com tempo e ajuda su-
ficiente. Ou pelo menos ele acreditava que sim.
Entretanto, ele precisava fazer algo para tirar Seamus do
caminho. Enquanto tentava descobrir o que fazer, algo o atingiu
na parte de trás da cabeça. Não foi forte o suficiente para der-
rubá-lo, mas ele ficou um pouco desnorteado enquanto se afas-
tava para longe de Seamus.
Magdalena surgiu de pé ao lado dele, ainda segurando
um dos braços com a mão. Ela o chutou.
— Sua namorada quebrou meu pulso – disse ela. — E eu
estava apenas tentando ajudá-la.
— De alguma forma, duvido que você só estava tentando
ajudá-la – disse Sam.
Magdalena bateu o pé com firmeza no chão. Com seu ca-
belo rosa e uma roupa de criança, ela parecia alguém brincando
de se fantasiar. Sam precisou lembrar a si mesmo que ela era
insanamente perigosa. Ela de alguma forma criou os parasitas
e os Grindles; quem sabia o que mais ela tinha debaixo da
manga.
— Levante-se! – gritou Magdalena, não para Sam, mas
para Seamus, que já estava tendo dificuldades para se levantar.
A criatura na lateral do hotel rugiu novamente. Sam esti-
cou a mão para o Grindle morto na rua. Porque o que estava no
telhado ainda estava vivo, e não seria a mesma coisa que inte-
ragir apenas com as partes mecânicas. Desta vez, o cérebro vivo
da criatura fazia parte da equação. Ele esperava que o centro de
controle que operasse as partes não biológicas pudesse se so-
brecarregar.
Ele mandou a criatura se mexer. Tendo em vista ele não
poder vê-la, ele não tinha certeza se estava funcionando. Então
ele ouviu o som de garras perfurando metal e de vidro que-
brando. O Grindle estava respondendo.
Se apresse, ele insistiu enquanto Seamus já estava de pé
e se preparava para atacá-lo, o som de insetos zumbindo en-
chendo o ar da noite. Então houve outro som e Magdalena virou
a cabeça. A expressão dela mudou para uma de deleite e ela ba-
teu palmas.
Não fique muito empolgada, pensou Sam ao enviar mais
instruções para a criatura. O Grindle levantou-se sobre a borda
do telhado, impulsionando-se lentamente para a superfície do
telhado. Sam viu que ela estava ferida e que se movia desajeita-
damente. Mas estava se movendo e isso era tudo de que ele pre-
cisava.
— Diga para atacar! – gritou Eleni para Magdalena, pa-
rando sua luta com Seis por tempo suficiente para se afastar das
mandíbulas do Grindle.
Magdalena soltou o braço machucado e puxou algo do
bolso de seu vestido. Era um celular comum. Sam a observou
digitar alguma coisa. Não me diga que ela desenvolveu um apli-
cativo para isso, ele pensou incrédulo enquanto se concentrava
novamente na criatura, que estava parada, inclinando-se para o
lado e rugindo.
Ele olhou novamente para o celular de Magdalena. Den-
tro de segundos, ele se conectou com o celular, assumindo o
aplicativo. Ele ordenou que o Grindle se movesse. A criatura
deu um passo na direção deles, parecendo tão confusa quanto
podia, já que seu corpo estava fazendo algo que seu cérebro não
tinha controle. A criatura abriu a boca e gritou em aflição, mas
continuou se movendo.
— Isso não é o que eu te disse para fazer! – Magdalena
gritou.
O Grindle a ignorou. Eleni, que já estava lutando com Seis
novamente, se esquivou das garras da criatura. Seamus, obser-
vando a aproximação da coisa, pareceu esquecer que estava
controlando as moscas e as abelhas, já que Sam agora conseguia
espantá-las com facilidade.
O Grindle estava ficando cada vez mais irritado enquanto
seu corpo machucado fora forçado a se mexer. Ele cambaleou
para o lado, caindo sobre um dos ombros quando seus múscu-
los orgânicos falharam. Mas Sam disse às peças hidráulicas para
assumir o controle, e elas obedeceram. A criatura se levantou
novamente. Virou os olhos amarelos para Magdalena.
Para a surpresa de Sam, ela foi na direção dele, sacudindo
a mão boa com raiva enquanto repetidamente pressionava algo
no celular. Ela estava agindo como se a coisa fosse um cachorro
desobedecendo ordens, e não uma criatura gigante capaz de
rasgá-la em pedaços com um golpe de suas garras.
Agora ela estava bem embaixo da coisa, gritando para ela
fazer o que ela mandava. Ela se virou e apontou para Sam.
Sam disse ao Grindle o que fazer. A coisa se abaixou e pe-
gou Magdalena com a boca. Ela o chutou e deu um soco nas es-
camas enquanto se levantava, erguendo-se pelas pernas trasei-
ras até ficar de pé enquanto todo mundo observava. Então ela
continuou, indo de costas na direção da borda do telhado. Sam
fechou os olhos enquanto a coisa desaparecia, odiando o que ele
teve que fazer. Mas tanto Magdalena quanto suas criações eram
muito perigosas. Ele fez a escolha certa.
Quando ele abriu os olhos novamente, Seamus estava en-
carando ele. Mas, por alguma razão, o olhar desafiador havia
desaparecido do rosto e ele parecia assustado. — Você fez isso
– disse ele. — Você fez ele a levar.
Sam assentiu. — Fiz – disse ele.
Seamus se virou e correu para a porta aberta que levava
para as escadas. Sam começou a ir atrás dele, mas parou quando
Seis o chamou. Ele se virou.
— Esqueça ele! – ela gritou. — Nemo e Ghost estão na
estátua, elas estão machucadas. Ajude-as.
Sam não entendeu o que ela quis dizer a princípio. Então
ele percebeu que ela se referiu à estrutura do planeta Saturno.
Mas ele não conseguia ver onde Nemo e Ghost estavam. Seus
olhos examinaram a enorme estrutura, não encontrando nada.
— O anel! – Seis gritou.
Agora ele entendeu. Ele correu para a base da estátua e
começou a subir a escada afixada na lateral. Eleni jogou bolas
de fogo na direção dele, que Seis rebateu. Depois de alguns se-
gundos, ele estava dentro da esfera gigante, e tudo o que ele po-
dia ouvir eram os sons de Seis e Eleni continuando a lutar. As
luzes dentro do planeta eram deslumbrantes, quase cegando
ele enquanto brilhavam alegremente, alheias à batalha que se
desenrolava do lado de fora.
Ele encontrou uma pequena porta que se abria para o
anel. Então ele avançou, de joelhos, enquanto circulava Saturno,
procurando pelas garotas. Ele as encontrou, encolhidas uma ao
lado da outra.
— Nemo! – ele chamou.
Não houve resposta. Sam se apressou. Quando ele chegou
até elas, viu que Ghost estava gravemente ferida. O rosto de
Nemo estava inchado pelo que pareciam ser centenas de pica-
das de abelha, e ela parecia inconsciente. Ele a sacudiu gentil-
mente. Para seu alívio, ela abriu os olhos.
— Ei – disse Sam.
— Eu matei o Boomer – disse Nemo, com o tom de voz
rouco. — Ele estava nos atacando e... – a voz dela desapareceu
quando ela engasgou, tentando respirar.
— Não fale – disse Sam.
— Ghost – disse Nemo, ignorando-o. — Ela está...
— Ela está viva – Sam a tranquilizou. Mas não por muito
tempo, ele pensou. Ele tinha que tirá-las dali.
De repente, a estrutura estremeceu, duas ou três vezes.
Sam se virou e rastejou pelo anel, tentando ver o que estava
acontecendo. Quando ele viu o que era, seu coração acelerou.
Eleni havia lançado uma bola de fogo na base da estrutura. Es-
tava derretendo a base na qual o modelo de Saturno estava
apoiado. Nesse momento, Seis e Eleni estavam trocando socos.
Sam voltou para onde Nemo e Ghost estavam sentadas.
Enquanto engatinhava, ele sentiu a estátua tremer novamente.
Então ela se inclinou na direção da beirada do telhado do hotel.
Sam viu Nemo e Ghost começarem a deslizar.
— Nemo! – ele gritou.
Nemo se mexeu. Quando ela viu o que estava aconte-
cendo, ficou alerta repentinamente. Ela agarrou Ghost, segu-
rando-a com firmeza com uma das mãos enquanto segurava a
borda do anel de Saturno com a outra, tentando evitar que ela
e Ghost caíssem.
O planeta continuou a estremecer e Sam percebeu que
não havia como chegar às garotas a tempo. Mesmo se chegasse,
ele não tinha como tirá-las da estrutura e levá-las para o te-
lhado. Ele poderia se salvar, mas teria que abandoná-las. E ele
não ia fazer isso.
Ele pensou rápido. — Nemo, tente usar sua telecinese
para empurrar a estátua de volta para o prédio – disse ele.
Ele fez o mesmo, tentando criar uma força forte o sufici-
ente para neutralizar o peso da estátua. Ele sentiu a esfera gi-
gante resistir, e por um momento pensou que poderia funcio-
nar.
— Continue empurrando! – ele encorajou Nemo.
Mas o peso era alto demais. O planeta continuou a cair.
Sam viu Nemo perder o controle. Ela e Ghost deslizaram para a
borda do anel, depois sobre ele. Sam queria fechar os olhos, mas
não conseguiu.
Ele só podia observar enquanto as garotas, ainda segu-
rando uma a outra, estavam prestes a cair.
Mas elas não caíram. Eles estavam pairando no ar. Algo
os mantinha suspensos no lugar. Sam, agarrado ao anel, olhou
para ver o que poderia estar acontecendo.
— Uma ajudinha seria bom – disse a voz de Nove. — Essa
coisa é pesada.
Sam não podia vê-lo, mas a voz vinha de algum lugar
abaixo dele. Sem tempo para fazer perguntas, ele mais uma vez
usou sua telecinese para tentar mover a estrutura. E, desta vez,
funcionou. Lentamente, Saturno voltou a uma posição ereta. As-
sim que eles não estavam mais em perigo, Sam foi até Nemo e
Ghost. Então Nove finalmente apareceu, parado em cima de
uma plataforma flutuante.
— Essa coisa é incrível – disse Nove. — Agora eu sei por-
que Eleni gostou.
— Temos que ajudar Seis – disse Sam. — Mas pegue es-
sas duas. E depois me ajude a empurrar essa coisa.
Nemo conseguiu subir na plataforma com Nove, segu-
rando Ghost ainda inconsciente. Sam permaneceu de pé no
anel. — Hora do show – disse ele para Nove. — Dê tudo o que
você tem.
Nove sorriu. Ele afastou a plataforma flutuante para
longe do prédio e levantou as mãos. Sam sentiu o planeta come-
çar a ser inclinado para o outro lado. Ele se virou e encarou o
hotel, e quando Saturno começou a cair, ele correu pela super-
fície, olhando para o telhado abaixo dele. Eleni e Seis ainda es-
tavam brigando e não notaram o que estava acontecendo.
— Seis! – Sam chamou.
Seis olhou para cima. Ela parecia exausta. Mas ela assen-
tiu.
Ela enviou uma explosão telecinética que derrubou Eleni,
que caiu de joelhos. A Mogadoriana olhou para cima, viu a es-
trutura descendo e tentou sair do caminho.
Ela não conseguiu. Saturno caiu no telhado do hotel, atra-
vessando-o e ficando meio dentro e meio fora da laje. Sam pu-
lou, pousando no telhado ao lado de Seis.
— Aparece aí – Seis disse enquanto Sam a ajudou a ficar
de pé e passou os braços em volta dela. Seis o abraçou de volta.
— Eu dar conta dela, você sabe.
— Eu sei – disse Sam. — Mas eu estava ficando cansado
de ficar sentado em Saturno sem você.
Nove pousou no telhado ao lado deles. — Precisamos le-
var elas para um hospital – disse ele.
— Não vamos embora sem o Max. Não vamos mais nos
separar – disse Nemo.
— Estou bem aqui – disse Max, emergindo da escuridão.
— Embora você tenha quase me matado com aquilo – acrescen-
tou ele, apontando para a estátua desmoronada.
— Como você escapou da Freakshow? – Nemo perguntou
a ele.
— Eu gostaria de dizer que chutei a bunda dela e fugi –
disse Max. — Mas a verdade é que Seamus apareceu no quarto
e os dois foram embora. Eu não sei para onde.
— Nós vamos encontrá-los – disse Nove. — Com Magda-
lena e Eleni fora de cena, eles provavelmente estarão com medo
e desnorteados – ele olhou para Sam. — A propósito, há uma
grande bagunça na rua lá embaixo.
Sam sorriu. — Vou assegurar de avisar a equipe da lim-
peza quando eu fizer o check-out.
GHOST E NEMO
POINT REYES, CALIFÓRNIA

— Como você se sente?


Ghost olhou para a garota que estava de pé ao lado da
cama dela. — Edwige?
Edwige sorriu e assentiu.
— Me sinto bem – Ghost disse. — Você me curou?
— Dr. Fenris fez a cirurgia – Edwige disse. — Eu te curei
depois.
Ghost olhou em volta. — Onde estou?
— Academia da Garde Humana – uma voz disse do vão
da porta.
Ghost olhou para lá e viu Nemo. Por um momento, ela
sentiu o pânico invadir seu peito.
— Está tudo bem – Nemo disse. — Você está segura.
— Acho melhor eu ir – Edwige disse. Ela apertou a mão
de Ghost. — Fico feliz que você está bem.
Edwige saiu, e Nemo se aproximou e se sentou na ponta
da cama de Ghost. Um silêncio desconfortável pairou o ar e ne-
nhuma das duas se olharam.
— Então – Nemo disse.
— O que aconteceu? – Ghost perguntou. — No telhado do
hotel, quero dizer. Tudo o que eu me lembro é estar olhando
para você... e depois só senti dor.
Nemo hesitou, como se ela não quisesse contar o que
aconteceu. — Você foi atingida por uma das bombas de Boomer
– ela disse. — Ele estava tentando me acertar, mas você se tele-
transportou no meio.
— Ah – Ghost disse, incerta do que dizer. — Ele está...
— Sim – Nemo disse, assentindo. Ela estava prestes a cair
no choro. E chorou. — É tudo minha culpa.
Instintivamente, Ghost esticou o braço e segurou a mão
da amiga. Nemo estremeceu, mas depois relaxou. — Sinto
muito – ela disse, quase rindo enquanto ela limpava as lágrimas
com a outra mão. — Eu pensei que você fosse nos teletranspor-
tar para outro lugar qualquer.
— Não dessa vez – Ghost disse. — A menos que você
queira ir para a Disney ou algo assim.
Nemo riu. — Talvez mais tarde – ela disse. Então ela ficou
séria. — Passamos por situações complicadas.
— Sim... passamos – Ghost concordou. — Alguém está...
bravo comigo?
— Bem, eu não – Nemo a assegurou. — E acho que Max
também não. Você sabe que ele não fica chateado com ninguém
por muito tempo. Especialmente se tratando de você.
— E quanto aos outros?
— Com certeza Nove vai querer conversar com você –
Nemo disse. — E provavelmente eles vão querer que você conte
sobre o que aconteceu. Sabe, para ter certeza que você está
mesmo bem.
— Mentalmente, você quer dizer – Ghost disse.
— Sim.
— Eu meio que cheguei no fundo do poço – admitiu
Ghost. Ela esperou que Nemo a consolasse, dizendo novamente
que tudo ficaria bem. Quando sua amiga não respondeu, Ghost
disse: — Estamos bem?
— Nós estaremos – disse Nemo. Ela acrescentou: — Você
não vai desaparecer de novo, vai? Esse Legado seu pode ser
muito chato, sabe.
Ghost sacudiu a cabeça. — Não vou mais desaparecer –
disse ela. — Eu prometo.
Outro silêncio estranho se instalou sobre elas. Ghost sa-
bia que levaria tempo antes que as coisas voltassem a ser como
antes. Não havia nada que ela pudesse fazer sobre isso. E estava
tudo bem. Nem ela entendia completamente por que ela fez as
coisas que ela fez, então como Nemo poderia entender?
— Você deveria descansar um pouco – disse Nemo.
— Sim – Ghost concordou. — Obrigado por ter vindo.
— Eu voltarei mais tarde – prometeu Nemo, soltando a
mão dela e se levantando. — Quero dizer, você salvou minha
vida. O mínimo que posso fazer é te trazer um pouco de choco-
late quente, certo? E eu vou trazer o Max comigo.
Nemo saiu, dando-lhe um aceno na porta. Depois que ela
se foi, Ghost começou a sentir medo novamente. Ela fez algumas
coisas que pareciam ser imperdoáveis. Ela estava nervosa, es-
pecialmente sobre reencontrar com Max. Ela sabia que ele de-
veria estar desapontado com ela. Por um momento, ela consi-
derou quebrar sua promessa e se teletransportar para longe.
Então ela se forçou a se acalmar. Talvez Nemo estivesse certa e
tudo ficaria bem. Não será fácil, mas tudo ficará bem.
Ela olhou pela janela e viu um céu azul. Pela primeira vez
em muito tempo, ela se sentiu esperançosa. Por enquanto, isso
era o suficiente.

SEAMUS
LOCALIZAÇÃO DESCONHECIDA


Seamus olhou para o pai, tentando invocar alguma coisa
– qualquer coisa – para atacá-lo. Não era a primeira vez que ele
havia tentado usar seu Legado desde que acordou e se viu preso
em uma cela.
— Nós implantamos um Inibidor em você – disse Peter
McKenna. — Isso nos ajudará a manter suas habilidades sob
controle.
Seamus bufou. — Então, se eu não fizer o que você quer,
você vai me controlar como um robô?
A expressão do pai permaneceu impassível. — Você sabe
por que isso foi necessário. Você é perigoso.
— Uau – disse Seamus, batendo palmas. — Parabéns.
Você finalmente conseguiu o que sempre desejou – controle to-
tal.
— Eu nunca quis controlar você, filho – disse o pai.
Seamus o ignorou. Ele pensou na noite anterior. Ele se
lembrou de fugir da luta no telhado, voltando para o quarto. Ele
se lembrou de ter dito a Freakshow e a Spike que precisavam ir
embora, e que deveriam se misturar na multidão em frente ao
hotel.
Então as coisas ficaram um pouco nebulosas. Ele discutiu
com Freakshow e com Spike sobre aonde ir. Com Eleni e Mag-
dalena fora de cena, ele sabia que as coisas iriam desmoronar.
Seria melhor eles ficarem juntos. Mas Freakshow e Spike que-
riam voltar ao novo esconderijo e esperar por ordens, então ele
saiu sozinho.
Ele se lembrava de roubar um carro, mas havia uma bar-
reira na estrada. Em seguida, uma voz ordenou que ele saísse
do veículo.
— Você teve sorte que a Watchtower se envolveu e evitou
que você levasse um tiro quanto você tentou atacá-los.
— Eu gostaria que eles tivessem atirado – disse Seamus.
— Pelo menos eu teria voltado com Catriona.
À menção do nome de sua irmã, ele finalmente viu al-
guma emoção no rosto de seu pai. Apareceu ali apenas por um
segundo, mas ele percebeu que ele ficou nervoso. Ele conti-
nuou. — Então você teria matado seus dois filhos. Não existe
um tipo de condecoração por isso?
Seu pai parecia prestes a falar. Então ele se virou e saiu
abruptamente. Seamus deitou-se no chão e se perguntou se de-
veria ter ficado com Freakshow e Spike. Certamente eles não
estavam pior do que ele, preso e sem saída.
Exceto que sempre havia uma saída. Ele só tinha que en-
contrar. E quando ele encontrasse, muitas pessoas iriam se ar-
repender. Especialmente o pai dele.

MAX
POINT REYES, CALIFÓRNIA


— Tudo bem – Kalea disse. — Espere aí.
O chão sob os pés dele tremeu. Max caiu, rindo. Rena, se-
gurando um tronco de árvore para se equilibrar, balançou a ca-
beça. — Esse é um Legado perigoso.
— Não é tanto quanto o de Kona – disse Kalea, apontando
para o irmão. — Pelo menos eu não transformo as coisas em
lava.
— Não sei não, viu – disse Bats, sentado em uma mesa de
piquenique nas proximidades, observando seus amigos se exi-
birem. — Eu acho que o Legado de Rena é o mais legal.
Rena se aproximou e se sentou em frente a ela. — Todos
nós temos grandes Legados – ela disse enquanto os outros se
juntavam a ela e a Bats.
Max percebeu pela expressão no rosto de Kalea que ela
ainda não estava totalmente confortável com eles. Ele não podia
culpá-la. Afinal, até recentemente ela meio que estava lutando
com o inimigo.
— Vocês todos vão amar aqui – disse ele com entusiasmo.
— Eu já amo – disse Bats.
Kona colocou o braço em volta da irmã. — Estou feliz por
ter minha irmã de volta comigo.
Olhando para Kona e Kalea, Max não pôde deixar de pen-
sar em Ghost. Nemo o convidou para ir com ela visita-la, mas
ele disse não. O estranho era que ele quisesse vê-la mais do que
qualquer coisa no mundo. Mas ele não estava pronto.
Ele sabia que toda vez que ele olhasse para ela, ele pen-
saria sobre o que ela havia feito, e ele não tinha certeza se po-
deria confiar nela de novo, não completamente.
Mas se Kona conseguiu perdoar a irmã, talvez Max pu-
desse perdoar sua amiga. Afinal, ele se importava com ela.
Muito. Eles passaram por tantas coisas juntos antes mesmo de
conhecerem Seis e Sam. E ele mesmo cometeu erros, e ninguém
mencionou isso. Será que Ghost não merecia ter uma segunda
chance?
— Você está bem? – Rena sussurrou no ouvido dele, tra-
zendo-o de volta ao mundo real.
— Sim – disse Max. — Eu estava pensando que amanhã
as aulas vão começar novamente. É como se estivéssemos saído
para o feriado de Natal e agora tivesse acabado.
— Eu não sei quanto a você – disse Bats, — mas nas mi-
nhas férias de Natal eu nunca teria lutado com dinobots gigantes
em cima de um hotel na Cidade do Pecado.
Todos, incluindo Kalea, riram quando Max assentiu. —
Ok, bem, talvez não fosse como o Natal – disse ele. — E talvez
essa escola não seja exatamente como a minha antiga. Mas
ainda teremos aulas amanhã.
Ele tentou imaginar a vida voltando ao normal.
— Eu não vou para a escola há muito tempo – comentou
Bats. — Não para uma de verdade, no final das contas.
— Não se preocupe – disse Max. — Pelo menos aqui você
sempre vai se sentar com os mais legais no almoço.
Bats olhou para ele. — Sério? – ela disse. — Você vai me
apresentar a eles?
A mesa explodiu em gargalhadas novamente enquanto
Bats passava o braço em volta de Max, abraçando-o.
Sim, ele pensou. Tudo ficará bem.

SEIS E SAM
NOVA IORQUE, NOVA IORQUE

roupas dentro de uma mala, e então a fechou.


— Isso deve ser o suficiente para duas semanas, né?
Seis segurou um maiô. — Isso é tudo que eu preciso –
disse ela. — Eu não planejo sair da praia.
— Então eu digo que a operação Tchau-Tchau Parasitas
está oficialmente encerrada – disse Sam.
O Dr. Fenris havia dado alta para eles algumas horas an-
tes. E graças a Edwige, todos os demais ferimentos foram cura-
dos. Era como se Vegas nunca tivesse acontecido.
— E Nove disse que cuidaria da limpeza, certo? – disse
Seis.
Sam assentiu. — McKenna usou seus contatos com a po-
lícia de Vegas para acabar com qualquer investigação, e eles fi-
zeram o controle com a imprensa. Tudo o que aconteceu foi
simplesmente uma jogada de publicidade que deu errado.
— Uma jogada de publicidade – disse Seis. — As pessoas
não vão cair nessa.
Sam deu de ombros. — Você sabe o que dizem, o que
acontece em Vegas fica em Vegas. De qualquer forma, eles pe-
garam Freakshow e Spike, e eles estão sob custódia. Agora eles
só precisam prender o que sobrou dos Mogadorianos.
Seis pegou sua mala. — Bom, vamos dar o fora daqui an-
tes que alguém encontre outra criatura para nós lutarmos.
— Infelizmente Bali vai ter que esperar – disse uma voz
com um sotaque que Seis não conseguiu identificar.
Um homem mais velho, com cabelos castanhos e um
terno bem justo, entrou no quarto. Seis não o reconheceu, mas
ele parecia ser alguém que não queria ser notado ou lembrado.
— Quem é você? – ela perguntou.
Mais dois homens entraram no quarto. Eles estavam
usando uma armadura leve e Seis percebeu as armas no coldre
na cintura deles. Esta aparentemente não seria uma visita ca-
sual. O homem, ignorando a pergunta de Seis, enfiou a mão no
bolso e pegou um tablet, que ele segurou para que Sam e Seis
pudessem ver a tela. Um vídeo começou a passar. Mostrou Seis
montando o Grindle ao lado do Saturn Hotel.
— E? – Seis disse.
— Esse vídeo chegou ao YouTube – disse o homem. —
Brevemente, mas por tempo suficiente para certas pessoas ve-
rem e se tornarem muito interessadas no que um membro da
Garde estava envolvido, digamos, uma interação não autori-
zada com os rebeldes Mogadorianos.
— Caso você não saiba, eu a impedi – Seis retrucou.
O homem tocou a tela do tablet e outro vídeo começou a
passar. Este mostrava Sam de pé no meio do cassino enquanto
as máquinas ao redor dele cuspiam rios de moedas.
— Este veio de uma câmera de segurança – disse o ho-
mem. — O dono do cassino não está nada feliz em ter que pagar
todos os vencedores.
— Como Seis disse, nós estávamos lutando contra os Mo-
gadorianos – Sam argumentou. — Certamente você pode expli-
car para—
— Você está mudando de assunto – disse o homem. — O
fato de vocês dois terem se desonrado depois que você deixou
a Watchtower e não permitiu que eles ou a Garde Terrestre li-
dassem com isso, não foi nada legal para algumas pessoas.
— Que pessoas? – Sam perguntou.
— Pessoas que tomam decisões sobre o futuro da Garde
– disse o homem. — Pessoas cujo trabalho é impor o acordo e
garantir que o público acredite que está funcionando. E vocês
estão começando a dar uma impressão errada.
— Que impressão errada? – perguntou Seis.
— Que talvez a Garde não seja tão inofensiva quanto fo-
mos levados a acreditar.
Sam riu. — Isso é ridículo – disse ele. — Nós estávamos
ajudando. No mínimo nós impedimos que um desastre ainda
maior ocorresse.
O homem colocou o tablet de volta no bolso. — Não são
todas as pessoas que veem dessa forma. Suas ações acabaram
por levantar muita preocupação.
— Então nos diga com quem precisamos conversar –
disse Seis. — Quem precisa entender o que realmente aconte-
ceu.
O homem a encarou com uma expressão dura. — Temo
que vocês dois não entenderam – disse ele enquanto os homens
com as armaduras avançaram com as armas erguidas. — Vocês
estão presos.
OS LEGADOS DE LORIEN

Livros

01. Eu sou o Número Quatro


02. O Poder dos Seis
03. A Ascensão dos Nove
04. A queda dos Cinco
05. A vingança dos Sete
06. O destino da Número Dez
07. Unidos somos Um

Livros complementares

Os arquivos perdidos #01: Os legados da Número Seis


Os arquivos perdidos #02: Os legados do Número Nove
Os arquivos perdidos #03: Os Legados dos Mortos
Os arquivos perdidos #04: A busca por Sam
Os arquivos perdidos #05: Os últimos dias de Lorien
Os arquivos perdidos #06: Os esquecidos
Os arquivos perdidos #07 Os legados do Número Cinco
Os arquivos perdidos #08: De volta a Paradise
Os arquivos perdidos #09: A traição do Número Cinco
Os arquivos perdidos #10: A fuga
Os arquivos perdidos #11: A navegadora
Os arquivos perdidos #12: Guarda
Os arquivos perdidos #13: O despertar dos Legados
Os arquivos perdidos #14: A última defesa
Os arquivos perdidos #15: A caça
O DESPERTAR DOS LEGADOS DE LORIEN

Livros

01. Primeira Geração


02. Os Seis fugitivos
03. De volta às origens

Livros complementares:

As crônicas do Legado #01: Cinzas


As crônicas do Legado #02: Fogo
As crônicas do Legado #03: Fumaça
As crônicas do Legado #04: Caçando fantasmas
As crônicas do Legado #05: Criando monstros
As crônicas do Legado #06: Derrotando gigantes

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