Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2017
06
24
40
56
68
78
94
108
123
SEIS
CIDADE DE NOVA IORQUE,
NOVA IORQUE.
—
completamente diferente em mente – Sam disse. — Eu estava
esperando sentar do lado da janela.
— Todos os assentos têm uma janela – Seis observou, en-
quanto ela se sentava em uma das poltronas de couro do Gul-
fstream G650 e a girou. Ela passou as mãos sobre o trabalho em
carpintaria que reluzia. O jato era incrível.
— Vocês viram a TV de tela plana? – perguntou James,
entrando na cabine. — Tem uma biblioteca digital. Você pode
assistir online qualquer filme que desejar.
— Mothra vs. Godzilla? – perguntou Sam, indo imediata-
mente até a televisão e pedindo para ela exibir o que havia gra-
vado em sua coleção.
— Você gosta dos filmes do kaiju? – James perguntou.
— Com certeza – Sam disse. — Eles são ótimos. Gamera.
Rodan. Hedorah.
— Hedorah! – James disse. — O monstro do pântano. Ge-
ralmente ninguém gosta dele, mas ele é um dos meus favoritos.
— Você também não – disse Seis, resmungando.
— Talvez eu pensaria que depois de ter sido atacado pelo
que basicamente era um kaiju no ano passado, esse tipo de
filme deve ser, você sabe, instigante – James disse para Sam.
— Oh – disse Sam, parecendo pensativo. — Certo. O Mo-
gassauro. Sabe, eu nunca havia pensado dessa forma. Mas eu
acho que você tem razão – ele se virou para Seis. — Ei, eu aposto
que eu escreveria um roteiro excelente para Godzilla vs. o Mo-
gassauro. A ficção cientifica amaria.
— Temos uma dispensa totalmente equipada – James
anunciou enquanto Seis balançava a cabeça. — A maioria são
coisas prontas. Atrás dessa cabine há uma menor com uma pol-
trona que vira uma cama. Essas cadeiras também são incliná-
veis então vocês também podem dormir nelas. Há banheiros
tanto aqui quanto lá. O resto vocês podem muito bem descobrir
sozinhos.
— Agora tudo o que precisamos é alguém que possa voá-
lo – disse Seis.
— Eu poderia – Sam sugeriu, parecendo animado. — Eu
só preciso me conectar com o sistema de controle de voo – ele
virou a cabeça, se concentrando para entrar no sistema interno
do avião.
— Tenho certeza que você poderia – James disse. — Mas
eu suponho que a AFA teria alguns problemas com isso. Por
sorte, eu sou piloto.
— Você? – Seis disse.
— Capitão Kirk, a seu dispor – James disse, cumprimen-
tando.
Seis fitou ele com um olhar. — Que conveniente – ela
disse.
— Ninguém duvida que vocês podem cuidar de si mes-
mos – James disse, retrucando a insinuação dela. — Meu papel
primário nessa missão é pilotar o avião. Entretanto, eu posso
ser útil no futuro. Apensar de suas habilidades únicas, vocês
dois ainda são adolescentes, além de famosos. Haverá ocasiões
em que minha presença facilitará a aceitação dos outros com
relação ao envolvimento de vocês para que possam fazer seu
serviço.
— Espere um pouco – Sam disse. — Você é o capitão Kirk.
James Kirk.
James sorriu.
— Por favor me diga que a inicial do seu nome do meio é
T – disse Sam.
— De Thomas – James disse. — Não Tiberius. Embora foi
totalmente acidental. Meus pais não fizeram de propósito. Eles
não têm senso de humor.
— Eu não estou entendo nada dessa conversa.
— Por ser uma alienígena, seu conhecimento de ficção ci-
entífica humana está seriamente zerado – Sam provocou. — Por
quanto tempo você viveu aqui sem saber quem é o capitão Ja-
mes T. Kirk?
— Aparentemente, é ele – Seis disse, apontando para Ja-
mes.
— Se aquela coisa tiver Star Trek na biblioteca, você terá
uma grande aula de história – Sam disse, gesticulando para a
TV.
— Eu preciso preparar a decolagem – James disse. — A
viagem aérea até Darwin dura um pouco mais que vinte e qua-
tro horas. Teremos que fazer paradas em Copenhagen e Singa-
pura, mas vocês não precisam desembarcar. Devemos chegar
em Darwin amanhã na parte da tarde, no horário da Austrália.
James desapareceu dentro da cabine do piloto. Sam se
sentou. Logo depois, a voz de James saiu dos alto-falantes, di-
zendo a eles para se prepararem para a decolagem. Seis e Sam
colocaram os cintos de segurança, e Sam observou pela janela
enquanto o avião se posicionava, ganhando vida pela pista, e
então levantando do chão.
Alguns minutos depois, James falou através dos alto-fa-
lantes novamente: — Atenção, passageiros, vocês agora estão
liberados para andar pela cabine.
Sam sorriu. — Eu gosto dele – ele disse.
— Hmm – Seis disse. Ela pegou uma das pastas que
McKenna lhes entregou com informações sobre a missão deles,
e começou a olhar os papeis que estavam dentro. Sam abriu sua
própria pasta. Ele começou a ler, mas continuava a observar
Seis. Ela estava com aquela expressão que significava que ela
estava processando informações, tentando juntar as peças do
quebra-cabeças para que fizessem sentido. Era uma expressão
que ele já havia visto milhares de vezes. E a deixava mais linda
do que ela já era. Ele sentiu seu coração acelerar um pouco. Seis
olhou para ele como se tivesse percebido.
— O que foi? – ela perguntou.
Sam mexeu a cabeça. — Nada – ele disse. — Eu só estava
admirando você.
— É bem incrível – Seis disse. — Mas ouça. Esse incidente
não faz sentido. Cinquenta pessoas foram massacradas. Uma
vila inteira. Tudo isso para que quem quer que seja pudesse le-
var uma criança. Por quê?
— Para que ninguém pudesse ter uma descrição de quem
a levou?
— Se você estiver preocupado com isso, use máscaras –
Seis disse. — Há outras opções além de matar cinquenta pes-
soas. Você só faz isso porque que quer fazer.
— Você acha que foram os Mogs? – Sam perguntou. —
Isso é algo que eles fariam.
— Pode ser – Seis disse. — Mas duvido. A maioria deles
está contida. Definitivamente alguém com um senso sádico
forte.
Sam se voltou para os arquivos. Havia um sobrevivente
do ataque da vila, uma garotinha de cinco anos chamada Miah.
Eles a encontraram escondida embaixo de uma das casas. Foi
ela quem contou aos socorristas que um menino havia sido le-
vado. Também era ela quem ele e Seis estavam a caminho para
visitar.
— O quanto essa garotinha será capaz de nos dizer? –
Sam perguntou.
— Vamos descobrir – Seis disse. — Mas podemos ser sur-
preendidos. Crianças percebem um monte de coisas que os
adultos deixam passar, ou pelo menos as coisas diferentes. Ela
pode ser uma boa fonte de informação.
Ou ela pode estar tão aterrorizada que não se lembra de
nada, Sam pensou.
—
disse. — Em Manila?
Ela e Sam tinham acabado de voltar ao avião. Agora Ja-
mes estava falando que eles estavam prestes a decolar de novo.
— Meu pai encontrou ela e o pai ano passado – Sam disse.
— Ele tentou ajudar Melanie com o seu Legado. É por isso que
estamos indo?
— Nós estamos indo porque o presidente pediu – expli-
cou James. — Ou, em vez disso, ele pediu para McKenna fazer
isso. Os dois são amigos de longa data.
— Sério? – disse Seis. — O presidente dos Estados Unidos
pediu para falarmos com sua filha, quando, provavelmente o
Serviço Secreto, CIA, FBI, e seja lá qual for o outro tipo de agên-
cia que existe já está envolvido nisso?
— Sem mencionar a Garde Terrestre – acrescentou Sam.
— Como eu disse, McKenna e o Presidente Jackson se co-
nhecem há muito tempo – James explicou. — Ele simplesmente
quer que cada avenida seja verificada, e McKenna disse que ele
faria o que pudesse para ajudar na investigação.
— Isso significa que o presidente sabe do nosso clubinho
secreto? – pressionou Seis.
— Isso significa que ele sabe que McKenna é alguém bom
em conseguir respostas – disse James.
— E o que exatamente aconteceu? – disse Seis.
— Melanie estava nas Filipinas como parte da Garde Ter-
restre, dando assistência a recuperação do desastre que se se-
guiu com o terremoto que aconteceu há três semanas – explicou
James. — E de boa vontade. Semana passada, enquanto volta-
vam ao hotel, eles sofreram uma emboscada. Melanie ficou in-
consciente. Vincent Iabruzzi, outro membro da Garde Terrestre
foi levado. Ele tem o Legado de Cura.
— Então, provavelmente foram as mesmas pessoas que
levaram Bunji – sugeriu Seis.
— Sim, essa seria a conclusão lógica – disse James.
— Isso aconteceu semana passada? – disse Sam. — Por
que nós não ouvimos nada disso?
— A Garde Terrestre colocou o departamento de rela-
ções públicas sob rédeas curtas – explicou James. — Eles não
querem que as pessoas se assustem, então eles abafaram a coisa
toda e mantiveram o desaparecimento de Iabruzzi fora das no-
tícias. Melanie ficou em Manila e está fazendo tudo parecer bem
para que ninguém note. Mas acreditem, ela tinha pessoas a vi-
giando o tempo todo. Agora coloquem o cinto. Nós precisamos
ir. É um voo de cinco horas até Manila.
Ele foi para a cabine do piloto, deixando Seis e Sam dis-
cutindo essa nova revelação.
— O Legado de Melanie é super força, certo? – Seis per-
guntou para Sam.
Ele concordou com a cabeça. — É, não é o mais interes-
sante, mas ela é uma entusiasta com relação a ser parte da
Garde Terrestre. Ela tem milhões de seguidores no Twitter, e o
Instagram dela é cheio de selfies que fazem cada adolescente no
mundo querer frequentar a AGH.
Sam abriu o perfil dela no celular e mostrou para Seis al-
gumas das fotos. Todas elas retratavam uma garota fofa com ca-
belos cacheados e loiros. A maioria delas mostrava ela fazendo
coisas típicas de adolescentes: comendo sorvete, brincando
com um labrador preto, fazendo caretas com as amigas vestidas
de pijama. Mas outras eram claramente encenadas para mos-
trar ela usando seu Legado para o bem. Em uma, ela ajudou a
levantar uma pilha de escombros em Nova Iorque. Na mais re-
cente, ela estava ajudando em uma limpeza nas Filipinas, depois
uma mulher que ela ajudou a desenterrar a casa a abraçou.
— Posso ver porque eles escolheram ela para ser o rosto
da Garde Terrestre – Seis disse. — Ela parece ser bem... ousada.
—
Edwige
Eles estavam de volta na Jackson Square. Enquanto Seis
esperava que Nemo ou Max respondessem sua pergunta, ela
deu uma olhada no lugar, procurando pela garota que ela e Sam
estavam observando mais cedo. Encontrá-la novamente havia
deixado de ser uma prioridade em sua lista, mas Seis não havia
esquecido dela. A leitora de cartas de tarô ainda estava lá. O ho-
mem vendendo quadros ainda estava lá. Mas a garota havia su-
mido.
— Quem você está procurando? – Nemo perguntou, ob-
servando a expressão de Seis.
— Ninguém – ela disse. — Agora, responda a pergunta.
— Quem se importa? – Max disse. Ele estava visivelmente
tremendo. — Ghost pode morrer – ele se voltou para Nemo. —
Não era para isso ter acontecido. Você disse que aquilo seria fá-
cil – entrar, pegar aquela garota, e sair.
— Não é minha culpa – Nemo retrucou. — E se esses dois
não tivessem aparecido, nós teríamos saído de lá.
Sam colocou sua mão no ombro de Max. O garoto a tirou.
Sam tentou novamente, e dessa vez Max se deixou ser confor-
tado. — Eu sei como é ficar preocupado com um amigo – Sam
disse gentilmente. — E eu sei que você está chateado sobre
Ghost. Entretanto, agora, precisamos de um plano.
— Nós tínhamos um plano – Max disse.
Nemo começou a dizer alguma coisa em resposta, mas
Sam levantou sua mão. — Chega – ele disse. Para Seis, ele falou:
— Talvez agora não seja a hora para procurar a garota.
— Garota? – Max disse. — Que garota?
— Ela se auto intitula Garota-Gepeto – Sam respondeu.
— Não sabemos o nome verdadeiro dela.
— A Garota-Gepeto do YouTube? – Max perguntou.
Sam assentiu. — Você a conhece?
— Ela está na nossa lista – Max disse.
— Cale a boca, Max – Nemo resmungou, cutucando as
costelas dele.
— Pare com isso – Max disse, massageando o local.
— Que lista? – Seis perguntou.
Max olhou para Nemo, que franziu a testa. — Nós temos
uma lista de adolescentes que pensamos poder ter Legados –
ele disse enquanto Nemo mexia a cabeça. — Estamos aqui para
conferi-los. É por isso que estávamos tentando conversar com
Edwige.
— Conversar com ela? – disse Sam. — Você quis dizer se-
questrá-la.
Max mexeu a cabeça. — Não é bem assim – ele disse. —
Nós vimos vocês irem até a loja dela mais cedo. Pensamos que
vocês estavam tentando fazê-la ir para a tal da Academia da
Garde Humana.
— Nós sabemos quem vocês são – Nemo complementou.
— E acho que já falamos demais. Vamos embora, Max. Estamos
de saída.
A garota se virou e começou a se distanciar. Quando ela
já estava um pouco adiante e Max não havia saído do lugar, ela
parou e o encarou. — Vamos embora, Max.
Max desviou o olhar.
— Eles quase mataram Ghost – Nemo disse.
— Eles quase não a mataram – Max argumentou. — Nós,
sim.
A expressão de Nemo ficou sombria. — Pare de colocar a
culpa em mim – ela disse, sua voz tremendo de raiva. — Ela é
minha amiga também.
Max mexeu a cabeça. — Acho que deveríamos conversar
com eles.
— Você pode falar – Nemo disse, apontando o dedo acu-
sadoramente para ele. — Estou indo embora.
Ela se afastou. Sam começou a ir atrás dela, mas Seis o
segurou pelo braço, o interrompendo. — Mas— Sam começou.
— Eu fico de olho nela. Ela precisa de um tempo. Tentar
fazê-la ficar vai apenas piorar as coisas.
— E Edwige?
— Não podemos fazer nada sobre isso agora. Não sabe-
mos para onde eles a levaram. Talvez esses adolescentes sai-
bam de alguma coisa que pode ajudar. Você e Max podem con-
versar. Eu cuido da Nemo. Você também poderia contatar James
e ver o que ele pode descobrir sobre o tal do Dennings. E talvez
procurar pela Garota-Gepeto; ela ainda pode estar por perto.
— Mais alguma coisa? – Sam brincou.
— Eu vou estar invisível – disse Seis. — E a caminho – ela
suspirou. — Depois vamos lidar com Ghost e o hospital.
Seis sumiu de vista num piscar de olhos.
— Esse é um Legado maneiro – Max comentou.
— Ela tem outros que também são maneiros – Sam con-
tou a ele.
— Qual é o seu? – Max perguntou. Sua preocupação com
Ghost ainda estava evidente em seus olhos, mas agora havia ou-
tra coisa lá também: curiosidade.
— Eu converso com máquinas – Sam disse. — E você?
Max deu de ombros. — Ghost é a mais interessante de
nós, com a coisa do teleporte. É por isso que a chamamos de
Ghost, porque ela pode atravessar paredes.
— E Nemo?
— Ela pode respirar em baixo d’água – Max disse.
— Estou achando que seu nome verdadeiro não é Max,
então... – Sam disse.
— Na verdade, é sim – ele disse. — Não consegui encon-
trar um apelido maneiro já que meu Legado não é tão interes-
sante.
— Então? – disse Sam. — O que você faz.
— Idiomas – Max contou. — Eu posso entender o que as
pessoas estão dizendo em qualquer idioma. Eu descobri isso
num dia enquanto eu estava no ônibus e havia dois caras con-
versando em russo. Eu não sei se era russo. Eu apenas ouvi a
conversa deles, e entendi. Um dos caras estava falando para o
outro sobre um filme que ele havia assistido, mas ele não con-
seguia lembrar do nome. Eu o disse qual era, e ele disse “— Você
fala russo!” – e eu disse que não falava, e ele me olhou com uma
expressão estranha.
— Então, você pode ouvir um idioma além de falá-lo com
fluência?
Max mexeu a cabeça. — Eu não consigo falar, apenas
compreendê-los. Porém, alguns dos idiomas que eu ouço com
mais frequência – como espanhol e chinês – estou começando a
pegar o jeito.
— Eu aposto que você ficaria muito bom nisso se alguém
lhe ensinasse como usar seu Legado – Sam sugeriu. — Você po-
deria ser um intérprete. Ou um espião.
— Você quer dizer se eu fosse para a AGH – Max disse.
— Ou para algum lugar similar – Sam ofereceu.
Max ficou quieto por um momento. Então ele disse: —
então, se você e Seis não estavam tentando mandar Edwige
para essa tal de AGH, por que vieram vê-la?
— Estávamos com a esperança de protegê-la daqueles
caras que apareceram – Sam contou. — O que vocês estavam
fazendo aqui se não estavam tentando levá-la?
— Como eu disse, estávamos apenas conversando com
ela. Então quando vimos vocês lá, tentamos fazê-la vir conosco.
— Ir com vocês para onde?
— Temos um lugar – Max disse vagamente.
Sam deixou isso para lá. Max estava começando a se abrir
com ele, e ele não queria pressioná-lo por detalhes e fazê-lo se
fechar. — E quem é “nós”? – ele perguntou.
Max parecia desconfortável. — Eu provavelmente não
deveria falar muito sobre isso – ele disse, apreensivo.
Dê um pouco de espaço para ele, Sam disse a si mesmo. —
Já volto – ele disse. — Eu preciso fazer uma ligação.
Ele se distanciou um pouco, mantendo os olhos no garoto
enquanto telefonava para James. Ele rapidamente contou sobre
o incidente e pediu para James que procurasse informações so-
bre os sequestradores, e então voltou até Max. — Vamos nos
sentar – ele sugeriu. Ele apontou para um banco que ficava na
sombra de algumas árvores.
Max assentiu, e então seguiu com Sam para lá.
— Estava conversando com seus pais? – Max perguntou.
Sam sorriu. — Tipo isso – alguém que esperançosamente
poderá nos ajudar a descobrir quem levou Edwige – Sam disse.
— Ela não é a primeira pessoa com o Legado de cura que desa-
pareceu.
— Sério? – Max disse. — Por que alguém faria isso?
— É isso que estamos tentando descobrir – Sam disse a
ele.
Max mexeu a cabeça. — Você tem certeza de que não é
alguém tentando levá-la à força para aquela Academia?
— Eles não sequestram as pessoas – Sam disse. — Ou ati-
ram nelas. Quem quer que fosse aquele pessoal, eles não eram
da AGH.
— Mas eles criaram uma lei que diz que deveríamos ir –
Max respondeu. — E eles nos querem para aquela coisa da
Garde Terrestre. Você viu as propagandas com a filha do presi-
dente? Eles estão querendo fazer parecer ser um acampamento
de verão.
Sam, pensando em Melanie, não disse nada sobre isso.
Em vez disso, ele disse: — A AGH está ensinando as pessoas a
usarem seus Legados. Acredite em mim, eu sei por experiência
própria que você melhora muito mais rápido quando você tem
alguém que sabe o que está fazendo ao ensiná-lo.
— Se você acha que o que eles estão fazendo é tão gran-
dioso, por que você não está trabalhando para eles? – quando
Sam não respondeu de imediato, ele complementou: — é por
conta dela, certo? Seis?
— Ela não é exatamente a favor – Sam disse. — Então nós
chegamos a um consenso. Vamos ajudar de outras formas. Mas
o que faz você suspeitar tanto da AGH?
Max ficou em silêncio por um momento. Então, ele disse:
— meus pais me enviaram para um internato quando tinha
quatorze anos. Na verdade, era uma escola militar. Foi horrível.
— Por que eles fizeram isso?
Max encarou o horizonte. — Vamos dizer que eu me meti
em problemas.
Ele não falou muito, então Sam não o pressionou. Max ob-
viamente tinha uma história, mas não estava preparado para
compartilhá-la. Mas ele continuou falando: — De qualquer
forma, não foi uma época boa para mim. Meus pais não me dei-
xavam sair. Eventualmente, eu trapaceei numa prova para que
eu fosse expulso. Era a única saída. Meu pai não falou comigo
por dois meses depois daquilo. Nenhuma palavra. No jantar ele
se sentava e ficava conversando com minha mãe e minha irmã,
mas nem olhava para mim. Era como se eu não existisse. Como
se eu tivesse morrido. Quando ele finalmente falou comigo, foi
para dizer que estava me enviando para outra escola militar.
Ele havia encontrado uma que me aceitaria mesmo eu tendo
sido expulso da última. Foi muito pior do que a primeira. Então
eu não esperei a expulsão. Eu fugi. Eu não podia ir para casa,
então eu me juntei a um grupo de outros adolescentes fugitivos
e vivi aqui e ali. Então, quando meu Legado apareceu há uns seis
meses, eu comecei a procurar pessoas iguais a mim.
Novamente, ele parou de falar, encarando o nada. Sam
praticamente podia sentir as engrenagens da cabeça do rapaz
trabalhando, e ele se perguntou no que ele estava pensando. Ele
claramente tinha uma vida difícil. Sam se sentiu mal por ele.
Mas ele precisava de informações.
— Como você e Nemo se conheceram? – ele soltou.
Max sorriu um pouquinho. — Onde mais? – ele disse. —
Online. Num grupo para pessoas que estavam desenvolvendo
Legados. Foi desfeito desde então. Sabe, pois o governo estava
monitorando a internet e crianças e adolescentes estavam
sendo tirados de suas casas no meio da noite.
— Eu não acho que isso tenha acontecido – Sam disse.
Max deu de ombros. — Talvez sim, talvez não. De qual-
quer forma, não era mais seguro. Mas naquela época, já nos co-
nhecíamos pessoalmente. Decidimos criar um grupo para pes-
soas que não queriam ir para a AGH. Um tipo de família.
— Realmente há vários de vocês que não acreditam na
AGH? – Sam perguntou.
— O suficiente – Max disse.
Sam pensou sobre McKenna e seu filho. — Eu presumo
que você não conheça um garoto chamado Seamus? – ele disse.
— Que se comunica com insetos.
— Não – Max disse. — Mas não somos o único grupo. Há
muitos outros por aí. Nós mantemos contato com alguns deles,
com outros, não.
— Como você soube sobre Edwige?
— Provavelmente da mesma forma que você – Max disse.
— Prestamos atenção. Procuramos na internet por qualquer
um que pareça se mostrar interessante. Lemos sobre essa ga-
rota que podia curar, então decidimos confirma a história. Ten-
tamos chegar neles antes de vocês – antes de qualquer pessoa.
Algo ainda não fazia sentido para Sam. — Mas vocês es-
tavam tentando levá-la contra a vontade dela – ele disse.
Max desviou o olhar, não dizendo nada.
— Espere um minuto – Sam disse. — Vocês fizeram con-
tato com ela antes de aparecerem.
Max esperou por longos minutos. Então ele assentiu. —
Nós havíamos conversado com ela na internet – ele admitiu. —
Ela começou a suspeitar que tinha um Legado. Mas ela estava
com medo do que a avó dela pensaria sobre isso se ela lhe con-
tasse.
— Evella?
— Sim – Max disse. — Ela é super religiosa. Eu acho que
ela pensa que o que está acontecendo sobre os Legados é, não
sei, maldição ou coisa do tipo. Enfim, Edwige não queria contar
a ela sobre isso. Há alguns dias atrás, Edwige enviou um e-mail
para Nemo dizendo que ela estava pensando em contatar a
AGH. Decidimos que deveríamos vir até aqui e tentar convencer
ela do contrário pessoalmente.
— Mas não saiu como planejado, certo? – Sam disse.
— Não – Max disse. — Quando Edwige nos viu, ela se as-
sustou. A avó dela pensou que estávamos tentando machucá-la.
Então você e Seis apareceram. Você sabe do resto.
— Por que vocês simplesmente não nos disseram o que
estavam fazendo? Pensamos que vocês estavam sequestrando
ela.
— Nós pensamos que vocês estavam sequestrando ela –
Max rebateu.
— No meio disso, alguém de fato estava tentado seques-
trá-la – disse Sam.
Ele hesitou por um momento antes de continuar. Max es-
tava se abrindo para ele, mas sentiu que, a qualquer momento,
o menino poderia se fechar de novo. Ele se lembrou de como se
sentia lutando com seus próprios Legados em desenvolvi-
mento. Num minuto, ele queria falar sobre isso. No seguinte, ele
queria falar sobre qualquer coisa menos o que estava aconte-
cendo. Não era fácil ser adolescente em circunstâncias normais;
ser um em circunstâncias extraordinárias era ainda mais difícil.
Então Max disse: — Ali está ela.
— Edwige? – Sam disse, esperançoso.
— A Garota-Gepeto – disse Max, mexendo a cabeça.
Sam olhou. A garota estava se preparando no outro lado
do quarteirão.
— Vamos – Sam disse, se levantando.
— Me deixe falar com ela – Max sugeriu.
— Você? – Sam disse. — Por que?
— As pessoas sabem quem você é – Max lembrou-o. —
Você esteve na televisão. Se ela tiver um Legado e não se repor-
tou ainda, há um motivo. Se ela pensar que você está atrás dela
por alguma razão, talvez ela fuja.
— Tudo bem – disse Sam. Ele percebeu que essa era a
oportunidade pela qual ele estava procurando, uma chance de
Max confiar nele.
Max caminhou em direção à garota. Sam observou,
atento para qualquer sinal de que Max poderia correr ou fazer
qualquer outra coisa que exigisse interferências. Quando ele a
alcançou, ele disse algo e estendeu a mão. A garota o cumpri-
mentou. Então Max falou por um bom tempo. A expressão da
garota mudou, e ela começou a olhar ao redor. Por um mo-
mento, Sam pensou que ela poderia começar a correr. Mas ela
não correu. Então Max virou-se e apontou para Sam. A menina
olhou, franzindo a testa. Sam a cumprimentou.
Ela se virou e falou um pouco mais com Max. Então ela
começou a colocar as coisas de volta na caixa de papelão que ela
tinha desempacotado não muito antes. Max gesticulou para
Sam com a mão dele.
Quando ele chegou lá, Max disse: — Sam, essa é Rena.
— Olá – Sam disse. — Prazer em conhecê-la. Gosto do seu
trabalho.
— Você esteve aqui antes, com aquela garota.
Sam assentiu. — Vimos seus vídeos no YouTube.
— Você veio até Nova Orleans para me ver? – Rena per-
guntou.
— Bem, não exatamente – Sam admitiu. — Mas ficamos
bem contentes em encontrá-la.
— Por que foram embora?
— Longa história – Sam disse.
— Eu tenho tempo – Rena disse.
— Sabe, nunca consegui comer o meu po’boy. O que
acham de almoçarmos?
Rena pegou a caixa com as coisas dela. — Venham co-
migo – ela disse. Podemos ir até o estabelecimento do meu tio.
Não tem po’boys, mas acho que vão gostar. E podemos conver-
sar.
Eles a seguiram até o fim da rua e viraram a esquina,
saindo do bairro turístico. Do outro lado da rua onde a loja de
Edwige ficava a alguns quarteirões de distância, Sam notou que
ainda havia um carro de polícia estacionado lá, com as luzes pis-
cando. Ele percebeu que Max também olhava naquela direção,
e resistiu ao impulso de colocar as mãos no ombro do garoto.
Dois quarteirões depois, Rena atravessou a porta de um
pequeno restaurante chamado The Crawfish Pot. Lá dentro era
fácil ver por que tinha esse nome. O lugar inteiro estava repleto
de vapor de panelas que estavam em três fogões na cozinha. Um
punhado de mesas de piquenique cobertas com plásticos e toa-
lhas vermelhas e brancas estavam cheias de gente falando alto
e escolhendo lagostins, milho na espiga e batatas de montes que
estavam empilhadas no centro de suas mesas.
Rena conduziu Sam e Max para a cozinha, onde um ho-
mem grande vestindo um avental estava mexendo o conteúdo
de várias panelas num fogão. Rena gesticulou com as mãos al-
gumas vezes para ele. Ele olhou para Sam e Max, então gesticu-
lou de volta para ela. Estavam se comunicando em libras, per-
cebeu Sam. Rena fez mais alguns sinais, e o homem assentiu
com a cabeça. Então, Rena os conduziu a uma pequena sala
onde havia outra mesa de piquenique.
— Aqui é onde o pessoal da equipe come – Rena disse
enquanto ela colocava sua caixa numa das cadeiras. Ela pegou
alguns jornais que estavam empilhados em outra cadeira e os
espalhou sobre a mesa como se fossem uma toalha e se sentou.
Max e Sam também se sentaram, Max ao lado dela e Sam
de frente para ambos. Um momento depois, o homem que eles
haviam visto na cozinha apareceu, carregando uma travessa
com comida. Ele a colocou sobre a mesa.
— Obrigada, tio Smalls – Rena disse. Ela fez um sinal, co-
locando a ponta dos dedos de sua mão aberta contra seus lábios
e os movendo para baixo e longe do rosto.
— Sim, obrigado – Sam repetiu. — Isso parece delicioso
– ele imitou o sinal que Rena havia feito. O tio dela assentiu, e
então os deixou a sós.
— Ele pode ler os lábios, mas ele não fala – Rena contou
a Sam e Max enquanto ela lhes entregava guardanapos de uma
pilha na mesa. — Vocês sabem como comer lagostins da forma
correta, né? Você aperta a cauda e suga pela cabeça.
Ela fez uma demonstração para eles. Dentro de alguns
minutos, os dedos de Sam e Max estavam melados de lagostins
e manteiga.
— Isso é fantástico – Max disse, colocando uma concha
vazia dentro da travessa.
— Você nunca havia comido lagostins? – Rena pergun-
tou.
Max mexeu a cabeça. — Não temos eles de onde eu ve-
nho.
— E onde é? – disse Rena.
Max olhou para Sam. — Algum outro lugar – ele murmu-
rou.
Rena o olhou com desconfiança, mas não o pressionou
por mais detalhes. Em vez disso, perguntou: — De qual grupo
vocês dois pertencem?
— Grupos diferentes, na verdade – Max contou. — Sam e
Seis são meio que oficiais. Eu e Nemo estamos por conta pró-
pria.
Rena bufou. — Deixe-me adivinhar. Vocês são lutadores?
— Lutadores? – Max disse. — O que quer dizer?
Rena olhou dele para Sam. — Vocês não sabem sobre os
lutadores? Eu pensei que era por isso que estavam aqui. Pensei
que talvez Yo-Yo havia enviado vocês. Eu disse a ele que não
estava interessada, mas isso nunca o impediu de tentar.
— Quem é Yo-Yo? – Sam perguntou.
Rena pegou um lagostim, quebrou-o no meio e colocou a
parte aberta da cabeça na boca. Ela o sugou ruidosamente. — É
uma longa história.
Sam sorriu. — Eu tenho tempo.
— Primeiro, me responda uma pergunta – Rena disse. —
Por que todos vocês estão procurando por mim?
Sam limpou seus dedos num guardanapo. — Como eu
disse antes, vimos seus vídeos.
Rena inclinou sua cabeça e franziu a sobrancelha. — En-
tão você pensou em me oferecer um programa na TV ou algo
assim? – ela disse.
Sam riu. Ele gostava da arrogância dela. — Queremos
descobrir se você é legítima ou se faz uma atuação muito boa.
— E o que vocês decidiram?
Sam a olhou nos olhos. — Eu acho que você é legítima –
ele disse.
— E se eu for?
— Você sabe que deve reportar seu Legado – Sam disse.
— É, eu sei – disse Rena, assentindo. — Talvez eu não te-
nha me acostumado com isso ainda. Além disso, qual é a utili-
dade do que eu faço para o exército que eles estão formando?
— A Garde Terrestre não é um exército – Sam disse. — É
como se fosse, tipo, um grupo de escoteiros ou coisa do tipo.
— Certo – Rena disse num tom que sugeriu que ela não
acreditava de fato naquilo nem por um segundo. — E eu aposto
que eles se sentam ao redor de uma fogueira e comem s’mores
– ela olhou para Max. — E por que você está aqui?
— Eu... estava tentando ajudar uma amiga – ele respon-
deu.
— Ela tem Legados também? – Rena perguntou.
— Ela pode curar – Sam disse quando Max não respon-
deu. Minha namorada, Seis, e eu, viemos conversar com ela tam-
bém.
— Mas não estão juntos – disse Rena, indicando Max.
— Não – Sam confirmou. — Entretanto, havia outras pes-
soas interessadas nela também.
O tio de Rena entrou na sala, interrompendo a conversa.
Ele gesticulou rapidamente para Rena, uma expressão preocu-
pante em seu rosto. Rena respondeu, e então olhou para Sam e
Max.
— Estão falando sobre Edwige, certo? – Rena disse.
— Como você sabe disso? – Max perguntou.
— O tio Smalls disse que elas tiveram problemas na loja.
Evella se machucou.
— Evella? – Sam disse. — Não, não foi ela. Foi uma garota.
— Minha amiga Ghost – Max explicou.
Rena conversou mais um pouco com seu tio, que mexeu
a cabeça e repetiu os mesmos sinais que ele usara antes.
— Foi Evella – Rena disse. — Um dos clientes estava lá
quando a ambulância chegou. Disse que havia muito sangue.
— E Ghost? – Max disse, seu tom de voz cheio de preocu-
pação.
— Não havia outra garota lá – Rena insistiu.
Max olhou para Sam. — Onde ela está?
Sam pegou seu telefone para ligar para Seis. — Eu não sei
– ele respondeu. — Mas acho melhor irmos para o hospital.
SEIS
NOVA ORLEANS, LOUISIANA
queria que estar invisível significasse que ela também não pu-
desse ser sentida, para que então não precisasse ficar desvi-
ando dos turistas que estavam descendo a Bourbon Street.
Nemo escolheu a rua mais movimentada em Nova Orleans para
seguir. Seis tinha desviado de meia dúzia de pessoas tentando
se manter no ritmo da garota. Felizmente, para Seis, a maioria
deles estava distraída demais para perceber.
À frente de Seis, Nemo virou uma esquina. Seis, tendo que
esperar por um grupo de adolescentes atravessar na frente
dela, ficou para trás. Quando chegou na esquina e seguiu na di-
reção de Nemo, a garota estava fora de vista. Seis caminhou
mais rápido, olhando para dentro das várias lojas e restauran-
tes pelas quais ela passava, mas não havia nenhum sinal da ga-
rota. Então um brilho azul chamou sua atenção. Nemo estava
um quarteirão à frente, andando rápido.
Seis continuou seguindo-a enquanto a menina zigueza-
gueava pelo quarteirão. Finalmente ela parou em um carro –
um Chevy Tahoe verde, batido – e abriu a porta. Entrou, deu
partida e arrancou. Ela estava dirigindo na direção de Seis, de-
sacelerando. Seis, cansada de seguir a garota e não querendo
tentar seguir o carro, foi até o meio da rua e se materializou.
Nemo pisou nos freios, fazendo o SUV parar bruscamente.
Seis ficou na frente do Tahoe, impedindo Nemo de conti-
nuar. Ela viu a garota olhar para trás, mas elas estavam numa
rua de mão única, e um caminhão de entrega estava se aproxi-
mando atrás do Chevy. Nemo olhou para Seis através do para-
brisa. Seis olhou de volta.
O caminhão atrás de Nemo parou, esperou um minuto,
depois buzinou para que ela seguisse em frente. Nemo, em res-
posta, buzinou de volta e abaixou o vidro da janela, gesticu-
lando para que Seis mostrasse ao motorista de trás que ela não
podia ir a lugar nenhum. Seis ficou invisível. Ela viu os lábios de
Nemo formarem um xingamento e as mãos dela batendo na bu-
zina novamente. Agora, ela parecia estar bloqueando a rua sem
motivo.
O motorista do caminhão buzinou novamente, depois se
inclinou pela janela e gritou: — Anda logo!
Nemo observou a área em frente ao Tahoe. Por um mo-
mento, Seis pensou que ela poderia acelerar e tentar atravessá-
la. Em vez disso, a menina abriu sua própria porta e saiu, dei-
xando o Tahoe funcionando enquanto ela começou a gritar com
o motorista do caminhão.
Seis usou a distração para deslizar para dentro do Tahoe
e fechar a porta. Ouvindo o barulho, Nemo se virou. Seis, se ma-
terializando, inclinou-se pela janela e sorriu. — Precisa de uma
carona? – disse.
Nemo xingou novamente, mais alto.
— Se acalme – disse Seis, e começou a dirigir.
Nemo correu atrás dela, batendo na janela. Seis parou.
Ela inclinou a cabeça, indicando que Nemo deveria ir para o
lado do passageiro. Nemo, franzindo o cenho, foi, abriu a porta
e depois bateu com força quando já estava lá dentro. Seis conti-
nuou dirigindo.
— Isso não foi uma tentativa ruim de me despistar – disse
ela.
Nemo bufou. — Eu não sou estúpida, sabe. Eu escolhi
essa rua de propósito, então você teria mais dificuldade em me
seguir.
— Eu disse que você era estúpida?
Nemo não respondeu de imediato. Seis a encarou.
— Não com tantas palavras.
— Não com nenhuma palavra. Agora que isso está resol-
vido, podemos conversar?
Nemo suspirou. Ela olhou pela janela, ansiosamente tam-
borilando seus dedos no banco. Seis a observou, notando coisas
que ela não tinha percebido antes. Como as unhas de Nemo.
Eles foram mastigadas quase que por inteiro e pintadas na
mesma cor azul que o cabelo dela. E, sob seu moletom vermelho
desbotado, ela estava usando uma camiseta que dizia “Me per-
gunte sobre minhas tendências antissociais”.
— Camisa legal – disse Seis.
— O que posso dizer... – respondeu Nemo, — ... sou ex-
trovertida.
Seis olhou pelo espelho retrovisor. A parte de trás do Ta-
hoe estava repleta de coisas: mochilas, roupas, garrafas de água
e de bebidas energéticas, sacos descartados de batatas fritas e
equipamentos de campismo. Era óbvio que Nemo, Ghost e Max
estavam vivendo longe do SUV por algum tempo. — Então, a
quem essa coisa costumava pertencer? – Seis perguntou.
— Nós não o furtamos, se é isso que você quer saber –
Nemo retrucou. — É meu.
— Seu? – Seis disse em tom de dúvida. — Você mal tem
idade suficiente para ter a permissão.
— Tudo bem, então é dos meus pais – Nemo admitiu. —
Eu peguei emprestado.
— Sua família mora na Flórida? – Seis perguntou. — Ou
em Virginia? Eu acho que é em Virginia.
Nemo olhou para ela.
— O carro está com placas da Flórida, mas o adesivo de
inspeção é da Virginia – Seis disse. — Placas são mais fáceis de
serem trocadas.
Nemo olhou para o para-brisas. — Merda – ela disse. —
Talvez eu tenha trocado as placas – ela completou depois de um
momento.
— Espero que com as de outro Tahoe verde.
Nemo bufou. — Como eu disse, não sou idiota.
— Por quanto tempo vocês três têm vivido fora daqui? –
Seis perguntou.
— Já faz um tempo – disse Nemo. — Alguns meses. Nós
ficamos nos acampamentos, na maioria das vezes, e também
nesses hotéis de segunda mão onde podemos pagar em di-
nheiro.
Seis não perguntou onde eles conseguiam dinheiro. Em
vez disso, ela disse, — Como você conseguiu ficar à frente da
polícia? Seus pais devem ter relatado que você e o SUV estavam
desaparecidos. A troca de placas só funciona por algum tempo.
Nemo não respondeu imediatamente. Ela olhou pela ja-
nela. Seis se perguntou se a menina tinha chegado ao limite do
que estava disposta a compartilhar. Ela já havia dito mais do
que Seis esperava. Então, novamente, havia algo sobre ela que
sugeria que ela realmente quisesse conversar. Parecia cansada.
Talvez cansada de fugir.
— Não são todos os pais que se importam – disse Nemo
calmamente. — E ninguém nunca dirigia isso. Provavelmente
nem sequer perceberam que ele desapareceu.
— Eu me mudei muito quando eu estava crescendo –
disse Seis. — Ohio. Califórnia. Nova Escócia. Nova York. México.
Colorado. Provavelmente esqueci alguns lugares. Sempre ten-
tando ficar um passo à frente das pessoas que queriam me ma-
tar.
— Parece que funcionou – disse Nemo.
— Minha Cêpan foi assassinada quando eu tinha treze
anos. Torturada na minha frente, depois, empalada no coração.
Nemo virou a cabeça e olhou para Seis. — Cêpan?
— Ela era como uma guardiã – disse Seis. — Basica-
mente, foi minha mãe. O nome dela era Katarina.
Nemo desviou o olhar novamente. — Isso parece ter sido
difícil.
— Foi – disse Seis. — Eu aprendi a ser difícil. Assim como
você aprendeu – ela fez uma pausa, depois acrescentou: — Mas
eu também aprendi que às vezes é preciso confiar em outras
pessoas.
— Eu não vou para a AGH – declarou Nemo.
— Já te disse, não estamos envolvidos com eles. Quero
dizer, eu conheço pessoas que estão, obviamente. Mas também
não é minha praia.
— Qual é a sua praia? – perguntou Nemo.
— Salvar o mundo – disse Seis. — Você não percebeu?
Nemo a olhou com um olhar minguante. — É sério?
— Sério – disse Seis.
Nemo não disse nada.
— Como você conheceu Max e Ghost? – Seis perguntou.
— Nós nos conhecemos em uma sala de bate papo sobre
pessoas que estavam desenvolvendo Legados – disse. — A mai-
oria eram pessoas tirando sarro, mas havia pessoas sérias por
lá. Eventualmente, nós paramos de usar o site e criamos nossa
própria família.
— Eles também são fugitivos?
— Eles têm suas próprias histórias – disse Nemo. — Eles
podem te contar se quiserem. Pressupondo que Ghost está viva
para contar a dela.
O telefone de Seis vibrou. Ela o tirou bolso do bolso e
olhou para ele. — Merda – ela exclamou.
— Más notícias? – perguntou Nemo.
Seis hesitou. Ela não queria dizer a Nemo o que a mensa-
gem de Sam dizia. Se Nemo soubesse que Ghost estava desapa-
recida, ela provavelmente enlouqueceria. Por outro lado, elas
agora tinham que ir para o hospital, e Nemo perguntaria o mo-
tivo.
— É a Evella – disse ela, contando uma verdade parcial.
— Tem algo errado – ela entregou seu telefone para Nemo. —
Pesquise por Hospital Universitário e me diga como chegar lá.
Nemo fez o que Seis pediu. Quinze minutos depois ela es-
tacionou o Tahoe no estacionamento do hospital. As duas saí-
ram, encontraram a entrada e pararam. ESTAMOS AQUI. ONDE
VOCÊS ESTÃO? Seis enviou para Sam, então esperou a res-
posta. Chegou alguns segundos depois. — Segundo andar – ela
disse para Nemo.
Elas subiram pelo elevador, chegando em um grande sa-
guão de espera. Sam e Max estavam lá, e Seis ficou surpresa ao
ver que a garota do parque estava com eles. Sam caminhou até
Seis, enquanto Nemo aproximou-se para ver Max.
— O que diabos está acontecendo? – Seis perguntou.
— Ainda não sei – disse ele. — Tudo o que sei é que Evella
estava ferida, e Ghost não estava lá quando a polícia e os para-
médicos chegaram.
Seis soltou um palavrão. — Eles devem ter voltado e le-
vado ela também – disse. — Nós deveríamos ter ficado.
— Sabe que não poderíamos – Sam lembrou. — Garde?
Fugitivos com Legados não registrados? Temos problemas su-
ficientes agora.
— Como está Evella? – perguntou Seis.
— Ela está bem ferida, mas acho que vai ficar bem. Está
em cirurgia agora. E temos outro pequeno problema. A polícia
está aqui, e eles têm dúvidas.
— Você não falou com eles, né? – disse Seis.
— Não – respondeu Sam. — Eles nem nos viram. Mas eu
acho que não devemos ficar aqui por muito tempo.
— E quanto a Evella? Eu sei que ela não é nossa principal
preocupação... – Seis desviou o olhar para Rena, Max e Nemo –
— ... ou mesmo nossa segunda ou terceira preocupação, mas ela
pode causar problemas se disser à polícia tudo o que não deve.
— Liguei para o James – disse Sam. — Eu o situei sobre
os acontecimentos. McKenna vai lidar com isso. Enquanto isso,
tenho algumas novidades sobre Edwige.
— Você sabe onde ela está? – disse Seis.
Sam balançou a cabeça. — Não, mas Max me contou algo
interessante. Segundo ele, Edwige estava envolvida com eles.
— O quê? – disse Seis. — Ela não estava sendo seques-
trada?
— Não pelos três, se ele está falando a verdade.
Seis suspirou. — Isso é um grande se... – disse ela.
— Eu acredito nele – Sam respondeu. — Cá entre nós,
acho que ele está procurando ajuda para lidar com seu Legado,
além de outros problemas. Nemo é o verdadeiro obstáculo aqui.
Você conseguiu alguma coisa com ela?
Seis deu uma pequena risada. — Sim – disse ela. — Nós
somos melhores amigas agora.
Como se ela tivesse ouvido, Nemo apareceu. — Onde está
Ghost? – ela exigiu. — Max disse que algo aconteceu com ela.
— Devemos conversar em outro lugar – disse Sam. — Há
uma lanchonete no térreo. Vocês comeram?
— Eu não quero saber de comida! – disse Nemo. — Eu
quero saber onde está Ghost.
— Continue o show, e a polícia terá algumas perguntas
para nós – disse Seis.
Nemo ficou pálida.
— Como Sam disse, vamos falar sobre isso lá embaixo –
disse Seis. — Tudo vai ficar bem – acrescentou. — Lembre-se
do que eu disse sobre confiar nas pessoas?
Nemo não respondeu, mas também não fez outra exigên-
cia. Em vez disso, ela parecia encolher em sua touca. Sam ace-
nou para Max e Rena, e os cinco caminharam até o elevador.
Na cafeteria, eles encontraram uma mesa. Seis e Nemo
foram pegar a comida, depois voltaram e se sentaram. Seis foi
direto em seu sanduíche, mas Nemo apenas ficou na salada.
— Primeiro, Ghost – disse Sam. — Ainda não sabemos
com certeza, mas achamos que as pessoas que levaram Edwige
podem ter voltado e a levado. Isso é o que mais faz sentido, no
fim das contas.
— Ela estava muito machucada – disse Nemo, empur-
rando a bandeja com raiva. — Se eles não a ajudaram, provavel-
mente ela está morta.
— Se eles a levaram, foi pelo Legado dela – Seis disse. —
Eles não vão deixá-la morrer. E eles também pegaram Edwige.
Ela pode curá-la.
— Ou talvez eles não quisessem que ela falasse demais, e
decidiram ter certeza de que ela não falaria – sugeriu Nemo.
— Eu acho que Seis está certa – disse Sam rapidamente.
— Então quanto mais cedo encontrarmos Edwige, mais cedo
encontraremos Ghost. Entretanto, Rena tem uma história que
vocês precisam ouvir.
— É realmente a história de Yo-Yo – disse Rena.
— Você conhece alguém chamado Yo-Yo? - perguntou
Max.
— A mãe dele começou a chamá-lo assim desde quando
ele era um bebê – disse Rena. — Porque num minuto ele estava
chorando e no seguinte estava rindo. Ele é meu melhor amigo
desde os cinco anos depois de ter se tornado nosso vizinho. Ele
também tem um Legado. É meio incomum, eu acho, melhores
amigos os desenvolverem. Porém, foi bom. Nós tínhamos al-
guém para conversar sobre isso.
— Qual é o Legado dele? – Max perguntou.
— Fogo – disse Rena. Ela riu. — O idiota quase incendiou
sua própria casa quando o Legado se manifestou pela primeira
vez. Colocou sua colcha em chamas. No entanto, ele conseguiu
controlá-lo muito rápido. Chegou ao ponto onde ele podia fazer
uma bola de fogo em sua palma e atirá-la na direção que qui-
sesse.
— Isso pode ser útil – disse Seis, lembrando de todas as
vezes que esse Legado ajudou John.
Rena assentiu. — É por isso que os lutadores o queriam.
— Lutadores? – disse Seis.
— Esta é a parte que eu queria que vocês ouvissem –
disse Sam.
— Yo-Yo queria tirar proveito do seu Legado. Há uma to-
nelada de coisas na internet. A maioria é mentira, como todo o
resto na internet, mas há exceções. Entretanto, Yo-Yo acabou
por acaso nesse grupo que era real. Eles levam os adolescentes
com Legados e os treinam para lutar.
— Como um exército? – Max perguntou.
Rena balançou a cabeça. — Entre eles. Ou contra pessoas
sem Legados que pensam que podem vencê-los. Eles organizam
as lutas e pessoas fazem apostas.
— Isso é nojento – disse Nemo, quebrando seu silêncio.
— Parece aquelas coisas que eram feitas há mil anos.
Rena deu de ombros. — É como boxe – disse ela. — As
pessoas gostam de lutar. Eu não estou dizendo que concordo ou
coisa do tipo, mas o que é certo nem sempre acontece por lá.
— Yo-Yo concordou em lutar? – perguntou Sam.
— Eles ofereceram dinheiro para ele. Muito. Disseram
que se estivesse interessado, deveria encontrá-los num lugar
marcado e eles o levariam para o local de treinamento.
— O que os faz pensar que eles sabem mais sobre treina-
mento de pessoas com Legados do que o AGH? – disse Sam.
— Eu não sei – disse Rena. — Não são do tipo que espa-
lham panfletos ou algo assim. Só sei o que Yo-Yo me disse. De
qualquer forma, ele concordou. Eu disse para ele não ir, mas ele
é teimoso.
— Ele foi? – perguntou Seis.
— Cerca de dois meses atrás – disse Rena. — No começo,
ele me enviou mensagens dizendo que estava bem. Disse que o
lugar era bom, e que estavam treinando ele para fazer coisas
com seu fogo de maneiras que ele nunca poderia ter imaginado.
Disse que havia um lugar para mim lá se eu quisesse.
— Então, o que aconteceu? – disse Sam.
— As mensagens começaram a diminuir. Então ele me es-
creveu e disse que estava com um pequeno problema. Precisava
de um pouco de dinheiro. Não disse por quê. Mas eu disse que
o ajudaria.
Seis se lembrou dos artigos que Lexa havia mostrado so-
bre a loja de antiguidades que tinha sido roubada por bonecas.
— Como algumas moedas raras? – perguntou.
— Talvez algo assim – respondeu Rena.
— Para que ele precisava do dinheiro? – perguntou Seis.
— Ele nunca disse. Meu palpite é que ele apostou em si
mesmo e perdeu. Isso seria algo que Yo-Yo faria. De qualquer
forma, ele me pediu para encontrá-lo no Texas, então eu fui. Pe-
guei um ônibus lá, encontrei ele numa parada de caminhões.
— Texas – disse Seis. — É lá onde essas pessoas estão?
— Eu acho que sim – disse Rena. — Yo-Yo nunca chegou
a essa parte. Ele estava mais preocupado com o dinheiro. Eu dei
a ele. Pedi que voltasse para casa comigo, mas ele disse que ti-
nha mais uma luta da qual tinha que participar, e que depois
voltaria para casa.
— Me deixe adivinhar – disse Seis. — Você não ouviu fa-
lar dele desde então.
— Nenhuma palavra – disse Rena. — Seu número de te-
lefone ainda funciona, mas ele não responde às mensagens ou
ligações.
— Por que você achou que trabalhávamos para essas
pessoas? – Sam perguntou.
— Yo-Yo contou a eles sobre mim. Disse que estavam in-
teressados. Disse que nunca ouviram falar de quem faz o que eu
faço,
— Bem, isso provavelmente é verdade – disse Seis. —
Nós também não.
— Não? – disse Rena. — Eu acho que sou especial. Você
acha que as pessoas com quem Yo-Yo está envolvido levaram
Edwige e aquela outra garota?
— Isso é o que precisamos descobrir – disse Seis.
— Muita coisa aconteceu hoje – acrescentou Sam. — Nós
sabemos que um cara chamado Jagger Dennings faz parte do
grupo que veio atrás de Edwige. E ele fugiu.
— Eu conheço esse nome – disse Rena. — Yo-Yo mencio-
nou ele. Lembrei disso por causa do cantor daquele grupo an-
tigo. The Rolling Stones. Minha mãe adorava aquela música de-
les, “Gimme Shelter”.
— Mick Jagger – disse Sam.
— Isso – disse Rena. — Yo-Yo disse que Dennings era um
dos caras que o treinava.
— E Yo-Yo conhecia Edwige? – perguntou Seis.
— Claro – disse Rena. — Como eu disse, todos por aqui a
conhecem.
Seis pensou por um momento. — Se Yo-Yo mencionou
Edwige para essas pessoas, pode ter sido assim que descobri-
ram sobre ela – disse ela. — E se são eles que estão seques-
trando as pessoas que podem curar, eles definitivamente a que-
riam.
— Para curar os lutadores – disse Sam, terminando o
pensamento.
Seis amassou seu guardanapo. — Isso fica cada vez mais
estranho. Temos de voltar para o avião.
— Vocês tem um avião? – perguntou Rena, levantando
uma sobrancelha.
— Quer vê-lo? – disse Seis.
— Talvez – respondeu Rena. — Qual é o plano?
Seis pegou a garrafa de água da mesa. — O plano é que
parece que vamos levá-lo para o Texas e você virá conosco.
— Para procurar Yo-Yo? – disse Rena.
— E os outros – disse Seis.
— Ghost pode estar lá, então também vamos – disse
Nemo.
— Sim – acrescentou Max, embora parecesse menos se-
guro.
Seis olhou para eles. De jeito nenhum ela iria colocar
qualquer um daqueles adolescentes em uma situação perigosa
de forma desnecessária. Especialmente Nemo, cujo tempera-
mento poderia causar problemas. Tinha a sensação de que Rena
poderia lidar consigo mesma sob pressão, e ela e Sam podem
não ter outra opção senão envolvê-la se estivessem querendo
mesmo rastrear esses lutadores. Por enquanto, ela vai se con-
tentar em tê-los todos fora das ruas. Eles poderiam pensar no
resto mais tarde.
— Tudo bem – disse. — Vamos – ela se levantou e tirou
as chaves do Tahoe do bolso. — Nós temos carona– ela disse a
Sam.
Inesperadamente, as chaves saíram levemente saíram da
mão de Seis e voaram até as de Nemo.
— Sim – disse Nemo, balançando-as de forma triunfante.
— Mas desta vez, eu dirijo.
SAM
TEXAS
—
eles corriam na direção da cerca que rodeava o complexo.
— Nós entramos, pegamos Rena, e saímos.
— Eu não tenho certeza se isso pode ser considerado um
plano – Sam disse.
— Nós a infiltramos lá sem plano algum – Seis lembrou-
o.
— E Ghost e Edwige?
— Uma coisa de cada vez – disse Seis.
Eles alcançaram a cerca e rapidamente passaram por ela,
chegando do outro lado do complexo ao mesmo tempo que um
grupo de vinte homens armados se aproximava saindo do pré-
dio mais próximo. Eram muitos para lidar apenas com teleci-
nese.
Seis olhou ao redor. Vários veículos velhos, incluindo um
ônibus escolar, estavam estacionados por perto. Enferrujado,
com buracos nas laterais, pareceu que o ônibus não havia sido
usado para carregar pessoas para ir e voltarem da escola há
anos. A maioria das janelas estavam quebradas, e dois dos
pneus estavam rasgados, pendendo-o para um dos lados.
— Sam! – Seis disse. — O ônibus!
Sam virou na direção dele. Seis ouviu o barulho das en-
grenagens tentando voltar à vida. Metal em atrito com metal. O
ônibus roncou, afogou, desistiu. Ele tentou novamente. Dessa
vez, um pulso irregular soou abaixo do capô. E então o ônibus
começou a se mover, lentamente, como um velho dinossauro
dando seus últimos passos.
— Esqueça de fazê-lo andar sozinho! – Seis disse. — Em-
purre-o!
Ela se concentrou, adicionando seu poder ao de Sam. Jun-
tos, eles levitaram e empurraram o ônibus ao grupo de homens
que se aproximava, que entraram em pânico e começaram a ati-
rar nele. Balas se encontraram com o metal e os vidros. O ôni-
bus chegou aos homens, alguns se dispersaram, e outros se vi-
ram embaixo dele.
Usando a confusão subsequente como cobertura, Sam e
Seis correram dos homens, quem estavam agora gritando uns
com os outros e correndo para todos os lados enquanto tenta-
vam recuperar a mira de seus alvos. Seis sabia que não iria de-
morar muito antes que eles seguissem pela direção certa, seja
por acidente ou depois de terem esgotado as outras opções.
Virando a esquina do hangar, eles ficaram surpresos por
verem Rena parada no meio do terreno aberto. Sozinha. Seis
observou o local, procurando por Dennings ou qualquer outra
pessoa. Ela esperava ser recepcionada por um exército.
— Onde ele está? – Seis perguntou.
Ela viu então que lágrimas escorriam no rosto de Rena. O
peito da garota estava acelerado enquanto ela soluçava.
— O que está acontecendo? – Seis perguntou.
— Ele vai matar o Yo-Yo – Rena disse, sua voz entonando
cada palavra. Ela respirou fundo e se controlou. — Se vocês não
forem embora.
— Ela está certa – a voz de Dennings estalou de caixas de
som instaladas em postes ao redor do complexo.
— Dennings! – Seis gritou. — Por que você não sai e vem
conversar pessoalmente? Me dê uma chance de chutar sua
bunda. De novo.
— Calma – Sam sussurrou. — Ele ainda está com Edwige
e Ghost.
A risada de Dennings ecoou através do ar. — Não pense
que eu negaria uma revanche.
— Então por que enviar seu comitê de boas-vindas? –
Seis disse. — Por que não veio sozinho?
— Para me divertir – disse Dennings. — E talvez para ga-
nhar algum tempo para evacuar meu pessoal da linha de tiro.
Seis riu. — Para mim parece que é você quem está colo-
cando eles na linha de tiro – ela rebateu.
— Eu acho que vamos ter que concordar em discordar
disso.
Um barulho de pés fez Seis se virar. Os homens que ha-
viam escapado ilesos do encontro com o ônibus apareceram
atrás dela. Havia menos que uma dúzia deles. Seis e Sam podiam
facilmente cuidar deles. Eles levantaram as mãos.
— Eu não faria isso – Dennings advertiu. — A menos que
vocês queiram machucar alguém. E não estou falando de vocês.
Seis deu as costas para os homens.
— Garota esperta – Dennings disse, fazendo Seis se arre-
piar. — Agora, de volta ao assunto. Como sua amiga mais nova
lhes disse, estou pensando em deixar ela – e vocês – saírem da-
qui. Agora mesmo.
— Sem chance – Seis rebateu. — Queremos Edwige e
Ghost também – e falando mais baixo, ela disse: — e todos os
outros adolescentes que você tiver aqui.
— Desculpe – Dennings respondeu. — Isso não é uma ne-
gociação. Você leva ela mais as passagens de ida, ou nada.
— Ou poderíamos destroçar esse lugar até encontrarmos
o local onde você está se escondendo – Seis sugeriu.
— Acho que você sabe o que vai acontecer se vocês ten-
tarem fazer isso – Dennings disse. — E acredite em mim, eu
posso fugir antes mesmo de vocês começarem.
Sam colocou a mão nos ombros de Seis. — Temos Rena –
ele sussurrou. — Nós podemos voltar pelos outros depois.
— Ele vai levá-los para outro local – Seis disse, a frustra-
ção fazendo seu tom de voz mais agudo do que o normal. — Ele
não é estúpido o suficiente para ficar aqui. Ele encontrará outro
lugar.
— Então nós iremos encontrá-lo – Sam disse. Ele olhou
dentro dos olhos dela. — Não podemos ganhar esta batalha.
Mesmo se destruirmos o local, vamos apenas machucar os ado-
lescentes que estão aqui.
Seis olhou para Rena. — Por favor – a garota implorou.
Seis fechou os olhos. Ela contou até cinco, se acalmando.
— Tudo bem – ela disse, e abriu os olhos. — Vamos sair daqui –
ela se virou para os outros. — Vamos. Antes que eu mude de
ideia.
Embora os homens de Dennings observavam enquanto
eles saíam, eles não encontraram dificuldades enquanto passa-
vam pelo portão frontal do complexo, que estava aberto. Seis
nem sequer olhou para trás enquanto ela, Sam e Rena começa-
ram a descer a trilha de terra que levava até o matagal.
Rena se adiantou e começou a andar ao lado dela. —
Obrigada – ela disse.
Seis assentiu. — Eu sei como é perder um amigo – ela
disse. — E você se saiu bem.
— Você viu o que eles fizeram com a Freakshow – Rena
disse. — Eu acho que eles fizeram o mesmo com Yo-Yo – ela fez
uma pausa. — Você acha mesmo que os Legados dele se foram?
— Eu não sei – Seis disse a ela. O que ela pensou, mas não
disse, era que Dennings e quem quer que estivesse por trás das
lutas não teriam muitas utilidades para adolescentes sem Lega-
dos. Então por que os manteriam vivos? A menos que eles este-
jam mentindo sobre o que podem fazer, ela pensou.
— Ele fez promessas grandiosas para aqueles adolescen-
tes – Rena continuou. — Dinheiro. Não ter que ir para a AGH e
seguir as regras deles. Os adolescentes que eu conheci mais pa-
reciam com o tipo de pessoa que não se encaixava na sociedade
mesmo antes de se tornarem super-heróis, sabe? Eu acho que
ele os faz se sentirem como estrelas. Toda aquela história de
apelidos. É como ser membro de um clube, ou gangue.
— Porém, ele os machuca quando falham – Seis disse.
— Você nunca foi membro de uma gangue, né? – disse
Rena. — É por isso que fazem isso. Te elevam e depois te derru-
bam. Dizem que você não vale nada a menos que eles achem
isso. Fazem isso para você querer continuar. Eu sei que não faz
sentido, mas é assim que funciona. Eu vi várias pessoas fazerem
isso no meu bairro.
Os pensamentos de Seis se voltaram para Cinco, e em
como ele havia traído o resto deles depois de cair sob a influên-
cia dos Mogadorianos. Ela entendia. Querer pertencer a algo faz
as pessoas fazerem coisas que você nunca pensaria que elas fa-
riam. Eles teriam de encontrar Dennings, acabar com a opera-
ção dele, e dar um sentido real para as crianças que ele enganou.
No meio tempo, ela tinha outros problemas. Isto é, o que
ela e Sam iriam fazer com o pequeno grupo de Gardes que eles
encontraram. Ela pensou sobre isso enquanto eles voltavam
para o SUV que estava estacionado a alguns quilômetros de dis-
tância. E também durante todo o caminho de volta para o aero-
porto onde o jato estava esperando por eles. Quando eles esta-
vam abordo e sentados, ela ainda não havia se decidido.
Foi Nemo que teve a iniciativa. — Então, o que acontece
agora? – ela disse assim que decolaram.
— O que vocês querem que aconteça? – Seis disse, devol-
vendo a pergunta a ela. — Foram vocês que disseram que não
queriam se envolver de jeito nenhum com qualquer grupo or-
ganizado. Vocês podem voltar a fazer exatamente o que faziam
antes do nosso encontro.
— Vocês não nos encontraram – Nemo rebateu. — Entra-
ram no nosso caminho... e na verdade não temos para onde vol-
tar. Somos só nós três.
— Então, vocês não fazem parte de um grupo maior? –
Sam perguntou a ela.
— Oh, há mais pessoas como nós. Muitas. Mas a maioria
estão por conta própria. Isso faz parte de toda a coisa de não
gostar de grupos organizados.
— Mas vocês poderiam ser convencidos – Seis disse.
Nemo deu de ombros.
Seis olhou para Max, que olhou para Nemo. Ele obvia-
mente ainda estava ansioso para saber o que Nemo pensou. Mas
o que ele queria?
Seis considerou as opções. Ela poderia tentar convencê-
los a ir para a AGH. Mas se nem ela apoiava a ideia, então como
ela poderia pedir para Nemo e os outros irem? Especialmente
Nemo. Ela começou a gostar mesmo da garota, e por razões ób-
vias. Elas tinham muito em comum. Seria como dizer para sua
versão mais nova fazer algo para seu próprio bem. Ela já sabia
qual seria a resposta de Nemo para uma pergunta desse tipo.
Mas quais eram as alternativas?
— E você? – ela perguntou a Rena.
— Eu não posso voltar para os negócios do dia-a-dia
agora – a garota disse. — Quero tirar Yo-Yo de lá.
Seis assentiu. — Sam, posso conversar com você no seu
quarto? – ela disse, levantando-se.
Sam a seguiu. — Normalmente, eu ficaria feliz em ouvir
você dizer isso – ele brincou enquanto fechava a porta da ca-
bine. — Mas eu tenho um pressentimento de que sei sobre o
que você está pensando, e também acho que isso vai tornar
nossa vida muito mais complicada.
Seis ligou o monitor que estava fixado à parede do outro
lado da cama. — Diga a essa coisa para ligar para McKenna – ela
disse.
Um minuto depois, eles estavam falando com McKenna,
cujo rosto preenchia a tela toda. — Então, quantos eu devo es-
perar para o jantar? – ele disse.
— Sobre isso – Seis disse. — Quantos quartos existem na
sua base de operações de luxo?
— O suficiente para a empresa – McKenna respondeu. —
Você está pensando no que acho que está?
— Talvez – disse Seis. Ela contou a ele sua ideia. — Até
descobrirmos o que fazer com eles.
— Eu não vou me opor - McKenna disse quando ela aca-
bou. — Mas há algumas complicações. Apesar do que eles po-
dem ter dito a vocês, os três andarilhos têm pessoas procu-
rando por eles. Pessoas que se preocupam com eles.
— Você não os reportou, né? – Seis perguntou.
McKenna mexeu a cabeça. — Ainda não – ele disse. —
Mas eu vou ter que reportar. E isso traz um problema adicional
– assim que eles forem encontrados e salvos, será esperado que
eles se reportem à AGH.
— Eles não vão querer fazer isso – seis Disse. — A maio-
ria deles, pelo menos.
— Como eu disse, isso gera problemas – disse McKenna.
— Vamos conversar com eles – Sam disse. — Veremos o
que podemos fazer.
— Vocês não têm muito tempo – disse McKenna. — Como
eu disse, os familiares estão preocupados.
— Entendi – disse Seis.
— Tudo bem – McKenna disse. — Agora, ao que inte-
ressa. Tivemos outro sequestro de alguém que cura.
— Quem agora? – Seis perguntou.
— O nome dela é Taylor Cook. Uma americana.
— Você quer que procuremos por ela? – Seis disse.
— Não é necessário – McKenna respondeu. — Ela foi de-
volvida. Para a AGH. Ela está lá agora.
— Então não há problemas.
— De fato, há – McKenna respondeu. — Um bem grande.
Taylor tem informações sobre quem esteve raptando os iguais
a ela. É um problema bem maior do que pensávamos. E talvez
requeria que vocês trabalhem mais diretamente com a Acade-
mia da Garde Humana, e possivelmente com a Garde Terrestre.
Eu gostaria que vocês fossem até lá para conversar com Nove.
— Opa! – Seis comentou. — Reunião de família.
— Eu vou avisá-los de que vocês estão indo – McKenna
disse. — O Capitão Kirk pode pousar na Califórnia, e assim que
vocês se encontrarem com Nove, podem prosseguir para a base
de operações.
— O que faremos com nossos convidados enquanto esti-
vermos lá? – Seis perguntou. — Eu não acho que seja uma boa
ideia levá-los junto.
— Na verdade, talvez seja – McKenna disse. — Deixe-os
conhecer o local. Talvez um ou quem sabe mais de um decida
ficar por lá.
Ele desligou. Seis se sentou na cama, e então se jogou
para trás. — Isso está ficando complicado – ela disse.
Sam se deitou ao lado dela. — Você gosta quando com-
plica – ele a lembrou. — Na verdade, você é meio que uma defi-
nição para complicações – ele pegou a mão dela. — É isso que
eu gosto em você. Não se preocupe. Tudo vai ficar bem. E vamos
passar um tempo com meu pai, e com Nove também.
Eles ficaram lá por um tempo, sem dizer nada. Seis fe-
chou seus olhos. Talvez ela pudesse pelo menos tirar um cochilo
antes de pousarem.
Então alguém bateu na porta.
— Vocês já estão acabando aí? – a voz de Nemo soou do
outro lado da porta trancada.
— Por que? – Seis respondeu. — O que está acontecendo?
— Ah, nada demais – Nemo disse. — Só o piloto que des-
pareceu – além do fato de ninguém estar pilotando o avião!