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CAPA

AS CRÔNICAS DO LEGADO #1:


SOBRE AS CINZAS
(PITTACUS LORE)

Título original: The Legacy Chronicles: Out of the ashes


Tradução: John DC/Matheus Fernandes
Revisão: Renato Sanches

2017
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SEIS
CIDADE DE NOVA IORQUE,
NOVA IORQUE.

Enquanto Seis e Sam subiam a Quinta Avenida no meio


de Manhattan, eles estavam rodeados de equipes que repara-
vam os danos resultantes da invasão Mogadoriana que aconte-
ceu há mais ou menos um ano. Enquanto grandes partes da ci-
dade foram reduzidas à entulho, novos prédios estavam sendo
erguidos sobre as cinzas dos antigos. Ao redor deles, os nova
iorquinos viviam suas vidas: táxis buzinavam, clientes olhavam
para manequins vestindo a última moda nas vitrines das lojas,
um passeador de cães parou para deixar os seis animais cheirar
uma árvore que ainda possuía as cicatrizes feitas pelas garras
de um píken.
Era a primeira vez que Seis ou Sam voltavam para a ci-
dade desde a batalha que quase a destruiu. Durante o tempo
que passaram viajando pelo mundo eles viram outras cidades
que estavam se recuperando da invasão, mas na maioria das ve-
zes eles ficavam em lugares que não os lembrava daqueles ter-
ríveis acontecimentos. O objetivo da viajem era aproveitar a be-
leza do mundo, e para ter um tempo a sós entre eles. Estar em
Nova Iorque os colocou diretamente onde tudo havia aconte-
cido.
Ao passar por um ponto de ônibus, Seis percebeu um
pôster sobre uma exibição no Museu de História Natural Ame-
ricano, comemorando o que havia sido chamado de Batalha pe-
los Bairros. Destacava a imagem de uma criatura gigante, pare-
cida com um dinossauro. O Mogassauro, pensou Seis, lem-
brando do nome dado por Daniela para o monstro que teria ma-
tado seus amigos e milhares de outras pessoas caso não tivesse
sido transformado em pedra por ela e John. Ela não o enfrentou
pessoalmente, pois estava lidando com seus próprios proble-
mas no México naquele momento, mas ela ouviu tudo o que ha-
via acontecido. Ela lançou um olhar para Sam para ver se ele
havia percebido.
— Eu acho que eles a completaram com os pedaços reti-
rados do rio – disse. Olhou para o pôster por um longo mo-
mento antes de completar: — Deveríamos visitá-lo.
— John? – disse Seis, sabendo que ele não se referiu à cri-
atura petrificada. — Nós vamos. Logo.
Ela pensou nos colares de Loralite que o amigo deles ha-
via deixado para ela e Sam naquela praia em Montenegro. Eles
poderiam tê-los usado a qualquer tempo para viajar até o
abrigo de John nos Himalaias. Mas eles não usaram. Eles nem
conversaram sobre essa possibilidade muito além de concordar
que ainda não estavam preparados para ir. Eles não estavam
bravos com John ou qualquer coisa do tipo, mesmo que ele e
Seis discordassem sobre como administrar a relação entre os
Lorienos com a Terra, além do surgimento dos Gardes Huma-
nos. Ela e Sam apenas queriam um pouco de tempo para serem
normais – ou o mais normal que eles pudessem ser, levando em
conta quem e o que eles eram.
Então, uma semana atrás, logo depois de terem retor-
nado para os Estados Unidos, enquanto caminhavam pela pri-
meira parte da Trilha dos Apalaches, no Maine, um e-mail che-
gou em suas caixas de entrada. Era de alguém pedindo para fa-
lar com eles sobre a possibilidade de trabalharem em algum
tipo de força tarefa envolvendo os Gardes Humanos. Seis apa-
gou o e-mail antes de terminar de lê-lo. Sam, entretanto, o leu
por completo, e alguns dias depois comentou sobre o assunto
enquanto eles estavam jantando em um lago particularmente
bonito. Seis imediatamente contestou. Mas Sam insistiu no as-
sunto cada vez mais durante os dias que seguiram enquanto
eles continuavam na estrada, e eventualmente ela concordou
em se encontrar com o remetente, apenas para calar a boca de
Sam.
Agora, depois de terem conseguido uma carona para
Bangor, pegado um ônibus para Boston e então um trem para
Nova Iorque, ela não estava tão segura sobre tudo isso. Ver o
pôster para a exibição apenas reforçou a ideia de que estava
muito cedo para se envolverem em atividades relacionadas à
Garde novamente. Ela parou e reajustou sua mochila. — Sam, o
que é que estamos fazendo aqui?
Sam, alguns passos à frente dela, se virou. Usando sapa-
tos para trilhas e roupas que combinavam mais com a floresta
do que com o mundo de concreto, ele olhou para o mar de pes-
soas vestidas elegantemente que andavam ao redor dele. Ele
também precisava cortar o cabelo e fazer a barba. — Vamos ter
uma conversa – ele disse. — Só isso.
— Eu não vejo o motivo – Seis disse a ele. Sua cabeça es-
tava rapidamente se enchendo de memórias – aquelas que ela
estava trabalhando duro para esquecer – e ela de repente que-
ria estar em qualquer outro lugar. — O que quer que seja, eu
vou dizer não. Eu disse não para o John sobre a Declaração. Eu
disse não sobre ajudar na administração da Academia da Garde
Humana. Por que aqui seria diferente?
Sam olhou para ela por um longo tempo antes de respon-
der, e por um momento ela pensou que ele poderia concordar
em voltar para trás e ir embora. — Talvez não seja diferente –
ele disse, dando de ombros. — Mas o que mais vamos fazer? Es-
tivemos vagando ao redor do mundo por mais de um ano, Seis.
Estivemos em tantos países que perdi a conta. Está sendo exce-
lente ter você só para mim, mas eu estou cansado de viver com
uma mochila nas costas. E eu quero fazer alguma coisa. Alguma
coisa que faça a diferença. É hora de descobrirmos o que acon-
tece a partir de agora.
— Você não pode simplesmente se voluntariar em uma
equipe de reconstrução ou algo do tipo? – Seis perguntou.
Sam andou até ela. Ele pegou as mãos dela com as dele.
— Vamos apenas ouvir o que esse cara tem a dizer – ele disse.
— Por favor?
Seis olhou dentro dos olhos dele. — Isso significa que
você não me quer mais para você? – ela provocou.
— Dez minutos. É tudo o que eu estou pedindo. Dê a ele
dez minutos.
Ela suspirou. — Tudo bem, mas eu apenas estou fazendo
isso por você. E quando o tempo acabar, eu vou sair de lá e ir
para a Estação Penn. Essa trilha não vai caminhar sozinha. En-
tendeu?
— Qual era o apelido que aquele cara havia arrumado
para você no abrigo na outra noite depois de você acordá-lo? –
Sam perguntou, colocando seu indicador no queixo e fingindo
estar pensando. — Corujão?
— Muito engraçado – disse Seis. — Especialmente por-
que era ele quem estava reclamando e mantendo todo mundo
acordado a noite toda.
Eles andaram até alcançar a parte sul do Central Park, e
então caminharam ao lado dele até sua parte oeste, seguindo
depois para o norte. Como o resto da cidade, o parque também
estava sendo recuperado, e aqui a natureza trabalhou mais rá-
pido que os humanos. Já parecia quase como era antes, com ex-
ceção de alguns prédios arruinados que estavam espalhados
através do campo verde e algumas marcas profundas onde as
naves mogadorianas haviam sido destruídas.
Os prédios de pedra imponentes do lado oeste superior
emergiam como castelos em direção ao céu. Seis e Sam passa-
ram pela entrada de um deles, chegando em uma câmara azule-
jada em mármore e ornamentada em ouro. Parecia mais com
um hotel de um tempo antigo do que com o prédio comercial
que Seis esperava. Apesar disso, ela estava intrigada.
No elevador, ela se inclinou contra a parede enquanto
eles subiam para o vigésimo terceiro andar. Quando eles para-
ram e as portas se abriram, ela se encontrou em uma sala pe-
quena que parecia ter pertencido a uma mansão antiga. O chão
de madeira reluzente estava coberto por um elaborado carpete
padronizado vindo direto de um mercado persa, e dois sofás de
couro estavam sobre ele, um de frente para o outro. Um lustre
pendia do teto, preenchendo a sala com uma luz aconchegante
e suave. Do lado oposto ao elevador havia duas portas feitas da
mesma madeira que metade da parede, estando a outra metade
coberta por um papel de parede vermelho, destacando um de-
sign de flores pretas e douradas.
Parado na frente de Seis e Sam, segurando as mãos por
trás das costas, estava um homem. Seis estimou que ele tinha
quase trinta. Ele estava vestindo um terno azul feito sob medida
para um corpo obviamente musculoso. Tinha a pele bronzeada,
seu cabelo castanho claro estava curto, e ele os olhava com
olhos azuis claros.
— McKenna? – Seis perguntou, puxando de sua memória
o nome do homem que havia enviando o e-mail para ela e Sam.
Antes que ele pudesse responder, as portas do outro lado
da sala se abriram e outro homem apareceu e andou na direção
deles. Ele vestia um terno marrom, e Seis rapidamente o obser-
vou: deveria ter quase quarenta, mais baixo do que o normal,
corpo mediano, cabelo e barba ruivo acastanhados, olhos ver-
des. Ele encontrou o olhar dela e ela pôde dizer que ele a estava
observando da mesma forma enquanto estendia sua mão e di-
zia, — Peter McKenna.
Seis o cumprimentou. Seu aperto era firme, mas não
agressivo. — Obrigado por terem vindo – McKenna disse, sol-
tando a mão dela e se virando para cumprimentar Sam. — É um
prazer conhecer vocês dois.
Seu sotaque era irlandês, mas de qual parte do país ela
não conseguiu identificar. Não importava, já que essa seria a
primeira e última vez que eles se encontrariam. Ela ouviria o
que ele tinha a dizer e então, sairia. Ela só estava aqui porque
Sam queria, e ela queria fazê-lo feliz.
McKenna gesticulou para as portas abertas atrás dele. —
Depois de vocês – ele disse, indicando que eles deveriam seguir
para lá. Ele seguiu, fechou as portas, então os levou para um sa-
lão com mais portas fechadas. Ele abriu uma delas e eles entra-
ram em um escritório ou biblioteca. Grande e arejada, destaca-
vam-se estantes de livros embutidas em três das paredes. A
quarta era composta por janelas que iam do chão ao teto, mos-
trando a rua e deixando muita luz entrar. Uma mesa foi colo-
cada de frente para a janela, além de duas poltronas. McKenna
se sentou atrás da mesa. Seis e Sam retiraram suas mochilas e
se sentaram nas poltronas.
— Lugar legal – Seis comentou. — É seu?
— Não só meu, não – McKenna respondeu. — Mas per-
tence a nós, de fato.
— E quem exatamente são “nós”? – Seis perguntou.
McKenna se inclinou para trás na cadeira. — Espero que
seja eu e vocês dois.
— E o cara que nos atendeu? – Seis perguntou. — Ele é
só para decoração?
Um sorriso provocante apareceu no canto da boca de
McKenna. — James também faria parte da equipe.
— Bem, embora essa informação seja maravilhosa, eu
não estou interessada em trabalhar para o governo, - Seis infor-
mou.
— O que faz você pensar que eu trabalho com qualquer
governo? – McKenna perguntou.
— Você não trabalha? – ela perguntou.
— Eu represento os serviços de inteligência de uma ali-
ança de países interessados na manutenção e vigilância das ati-
vidades dos Gardes Humanos.
— Traduzindo: governo – Seis persistiu.
— Apenas na medida em que inteligência faz parte de um
governo – McKenna disse. — O que eu percebo ser contraditó-
rio – ele sorriu com a própria piada.
Seis não retribuiu, mas ela perguntou: — Quais países?
— Os E.U.A – McKenna respondeu. — França. Reino
Unido. Alemanha. Japão. Suíça. Outros.
— China? – disse Seis. — Rússia?
— Não – McKenna disse. — Eles não estão envolvidos.
Seis fez um som desdenhoso e mexeu a cabeça. — Parece
exatamente como um programa do governo para mim. Talvez
ninguém tenha lhe contado, mas eu não assinei a Declaração. E
a Academia da Garde Humana é uma besteira.
— Sim – McKenna disse. — Eu entendo que você deixou
claro o que pensa sobre isso.
Seis já estava ficando com raiva. McKenna estava fazendo
piada deles. Como ela havia previsto, era uma perda de tempo.
— Já estamos indo – ela disse enquanto se levantava e
começava a colocar a mochila nas costas. — Não se levante.
Acharemos a saída sozinhos.
Sam olhou para o seu relógio. — Pensei que nós havíamos
concordado em dez minutos – ele disse. — Faz menos de três.
Esse é um novo recorde para você.
— Meu filho desenvolveu um Legado – McKenna disse
calmamente. — Ele não vai para a Academia da Garde Humana.
Seis parou, mas não se virou. — Isso é contra a regula-
mentação da Declaração.
— De fato – McKenna concordou.
Seis se virou. — Qual é o Legado dele?
— Telepatia animal – ele respondeu. — Ele está particu-
larmente adepto a trazer aranhas para dentro de casa para in-
festarem o quarto da irmã dele e cobri-la com teias.
Um rosto surgiu na memória de Seis: um garoto, cabelos
castanhos escuros e rosto redondo. Bertrand. Ele também era
capaz de se comunicar com insetos. Ela gostava dele. E agora ele
está morto, feito de um Mogadoriano, assim como muitos ou-
tros.
— Qual é o nome dele? – ela perguntou. — Do seu filho.
— Seamus. Ele tem quinze anos – ele pegou um quadro
de cima da mesa e o virou. Ele mostrava quatro membros de
uma família: McKenna, uma bela mulher com cabelos negros es-
curos, e dois adolescentes que se pareciam um pouco com cada
um dos pais.
— Por que ele não está na AGH? – Seis perguntou. — Você
e sua esposa não acham melhor ele ir?
McKenna olhou nos olhos dela. — Minha esposa está
morta – ele disse, colocando o quadro de volta no lugar. — Ela
foi morta durante a invasão.
Seis andou de volta e se sentou na cadeira. — Me conte
mais sobre essa sua operação.
— Como eu estava dizendo, tudo foi pensado pelos bra-
ços inteligentes de vários países – McKenna disse. — Se alguém
perguntar, nosso trabalho é uma parte especial do programa
NATO.
Seis grunhiu. McKenna levantou uma mão. — Mas nin-
guém vai perguntar. As únicas pessoas que saberão exatamente
o que estamos fazendo estão aqui nesse escritório.
Seis mexeu a cabeça. — Isso é impossível – ela disse. —
Você tem mais de meia dúzia de países fundando isso. Todos
eles vão querer puxar o gatilho.
— Pode deixar essa preocupação comigo – McKenna
disse. — Tudo o que você e Sam precisam se preocupar é, bem,
com todo o resto.
Seis olhou para Sam, que deu de ombros. — Todo o resto
– ele disse. — Parece moleza.
Ela se virou para McKenna. — E o que, exatamente, seria
todo o resto?
— Nosso papel inicial é investigar qualquer incidente re-
lacionado à Garde ou atividades que ocorrem fora do parâme-
tro aceitável.
— Isso parece coisa da imprensa – Seis inclinou sua ca-
beça e levantou uma sobrancelha.
McKenna sorriu. — Creio que sim – ele disse. — Eu estive
trabalhando para o governo por muito tempo. Tudo bem, que
tal isso: é importante para o sucesso e segurança dos Gardes
Humanos que o público acredite que eles estejam sob controle
e que não oferecem nenhum perigo para a população em geral
– ele fez uma pausa. — E para aqueles que possuem Legados
acreditarem que também estão fora de perigo. Mas nós sabe-
mos que isso não é totalmente verdade, em ambos os casos. O
que temos é uma população de adolescentes que, de repente,
desenvolveu habilidades extraordinárias. Em alguns casos –
talvez em muitos – eles não têm maturidade emocional para li-
dar com esses poderes recém-descobertos da maneira apropri-
ada. A AGH foi criada para esse propósito. Mas abrir uma escola
não resolve todos os problemas. De fato, alguns vão rejeitá-la
imediatamente.
Ele hesitou novamente, e então olhou na direção da ja-
nela.
— Pelo que sei, eles não têm escolha – Seis disse. Forçar
os Gardes Humanos a se matricular na AGH é uma das coisas
que ela foi contra.
— Esse é o plano, sim – disse McKenna, voltando sua
atenção para ela e Sam. — Mas os adolescentes têm feito rebe-
liões contra as autoridades desde que a primeira criança atingiu
o décimo terceiro aniversário. Parte do nosso trabalho será mo-
nitorar os Gardes Humanos que, por qualquer motivo, não re-
portaram seus Legados.
— E fazer o que com eles? – Seis interrompeu.
— Encorajá-los a se matricular na AGH se isso for apro-
priado – McKenna disse.
— Mas isso é exatamente o que... – Seis começou.
— Ou – McKenna interrompeu, silenciando-a.
— Ou? – disse Seis.
— Ou providenciar outra alternativa para eles.
— Que seria? – perguntou Seis.
— Isso é algo que iremos discutir em maiores detalhes se
decidimos trabalhar juntos – disse McKenna. — Em segundo lu-
gar, nós estaremos monitorando as atividades que possam ser
uma ameaça ou que estejam tentando expô-los. Esses jovens
são um recurso excepcionalmente valioso, e, como todos os ou-
tros recursos, haverá aqueles que irão querer usá-los para a ob-
tenção de lucro próprio. Já temos algumas evidências disso.
Seis se arrepiou ao ouvir a palavra “recurso” sendo usada
para descrever os adolescentes. — Eles não são recursos – ela
disse. — São pessoas.
— Precisamente – McKenna concordou. — Mas existem
aqueles mundo afora que os vêem como ferramentas ou armas.
Nosso trabalho é prevenir que esse tipo de coisa aconteça.
— Então, basicamente, a Garde Terrestre é o rosto pú-
blico e fará parecer que tudo está ocorrendo de forma calma –
Sam disse. — Enquanto isso, estaremos trabalhando para que
isso realmente aconteça.
— Mais ou menos – disse McKenna.
— Ainda parece política, como sempre – disse Seis.
— Teremos vastos recursos a nossa disposição –
McKenna continuou, ignorando o comentário. — Seremos ca-
pazes de colher informações das comunidades de inúmeros pa-
íses. E vocês terão sua sede aqui.
— Em Nova Iorque? – Sam perguntou.
— Especificamente aqui, nesse prédio – disse McKenna.
— Nós ocupamos este andar e o de cima. Eu tenho dúvidas de
que vocês ficarão por aqui, mas sim, podem chamar de lar.
— Novamente aquele “nós” – disse Seis. — Você vive aqui
também?
McKenna gesticulou com a cabeça. — Eu moro no centro,
onde fica a galeria de arte da minha esposa. Ou ficava – nova-
mente, ele pareceu se distrair. Então ele voltou a si. — Quando
James e eu não estivermos aqui, o lugar todo será de vocês.
Sam olhou para Seis. — Parece bom para mim.
— Bom demais – Seis contestou. — Ninguém faz algo
desse tipo sem querer algo em troca. Especialmente o governo.
Com certeza, talvez ajude os novos Gardes Humanos, mas quem
será o beneficiado disso?
McKenna demorou um pouco para responder. — Eu es-
tive envolvido com agências governamentais durante toda mi-
nha carreira – ele disse. — E você está certa. Eles estão, na
maior parte, interessados na manutenção do poder. Entretanto,
dentro de qualquer organização existem pessoas que honesta-
mente querem fazer o bem. Eu gosto de acreditar que eu sou
uma dessas pessoas.
— Isso é ótimo – disse Seis. — Mas você ainda é subordi-
nado a alguém.
— Eu confio nas pessoas envolvidas – McKenna respon-
deu.
Ela riu. — Não é sempre assim que começa? Até a más-
cara de alguém cair e ela deixar de ser confiável?
— Você tem uma ideia melhor?
Seis se virou para Sam, que foi quem fez a pergunta a ela.
Ele deu de ombros. — Bem, você tem? Eu sei que você quer aju-
dar esses novos Gardes a entenderem seus Legados. Como você
vai fazer isso sozinha? Você tem que confiar em alguém, Seis.
— Eu mencionei meu filho mais cedo – McKenna disse,
puxando o foco de Seis de volta para ele antes que ela come-
çasse a discutir com Sam. — Você perguntou o motivo dele não
estar frequentando a AGH.
— Eu percebi que você evitou responder a pergunta –
disse Seis.
— A verdade é que – disse McKenna, — não importa se
eu penso se a AGH é um bom lugar para ele ou não, já que eu
não sei onde Seamus está.
— Ele está desaparecido?
— Faz dois meses agora – McKenna disse. — Ele estava
apreensivo sobre ser obrigado a se matricular. Como você, ele
não confia no governo. Então ele fugiu.
— E você não consegue encontrá-lo? – Seis perguntou. —
Com todos esses recursos disponíveis para você?
McKenna sorriu tristemente. — Meu filho é um jovem
brilhante – ele disse. — Ademais, o movimento anti-AGH está
maior do que as pessoas pensam. Eu acredito que ele sabe disso
e se escondeu.
Seis estudou o rosto de McKenna. Ele não estava men-
tindo. Ele estava profundamente preocupado com seu filho, e
sua preocupação se estendia aos jovens que estavam tendo pro-
blemas com seus Legados recém desenvolvidos. Sam estava
certo, também. Ela queria de fato ajudar. Mas ela ainda não es-
tava convencida de que se envolver com essa operação era a
melhor maneira de fazê-lo.
— Estou com fome – disse Sam de repente, interrom-
pendo os pensamentos dela.
— Eu posso pedir algumas coisas – McKenna sugeriu.
— Não – Sam disse, se levantando. — Acho que vamos lá
fora.
McKenna, observando perplexo, nada disse.
— Seis? – Sam disse. — Você vem?
Seis não fazia ideia do que ele estava tramando, mas ela
disse: — Sim.
— Estaremos de volta em, tipo, meia hora – Sam disse
para McKenna enquanto Seis se levantava.
Eles deixaram o escritório e voltaram para o salão fron-
tal, onde eles esperaram pelo elevador em silêncio. Quando as
portas se abriram, eles entraram e Sam apertou o botão para o
térreo. Seis esperou ele dizer alguma coisa, mas ele apenas ficou
parado. Quando eles já estavam na calçada, ele finalmente falou.
— Eu pensei que deveríamos conversar onde ninguém
mais pudesse estar ouvindo – ele disse.
— Você não desligou magicamente as câmeras quando
entramos, Sr. Technowizard?
— Óbvio que sim – ele disse. — Não há registros que es-
tivemos aqui. Mas nunca é demais ser cuidadoso.
— Quem está paranoico agora? – Seis provocou.
Sam a ignorou, seguindo para a esquina. Seguindo a cal-
çada ao lado da lateral do parque havia carrinhos de comida.
Sam foi até uma de cachorro-quente e pediu dois completos
com cebola, picles e mostarda. Ele entregou um para Seis e eles
entraram no parque onde encontraram um banco e se senta-
ram.
— Eu sei que você quer fazer isso – Sam disse enquanto
eles comiam. — É tudo o que você pensa que deve ser feito para
ter certeza de que os Gardes Humanos vão ser o que eles devem
ser.
— Eu não sou o John ou o Nove – disse Seis. — Eu não
lido bem com outras pessoas.
— Esse é exatamente o motivo que torna você perfeita
para essa tarefa – Sam mastigava pensativamente. — Eu acho
que você receia que se aceitar depois de ter dito não para a
União Europeia e para a AGH, vai parecer que você está concor-
dando com John.
Seis não respondeu. Ele estava certo. Mais ou menos. Ela
armou uma grande discussão sobre não assinar a Declaração. E
ela dispensou o trabalho na AGH. Mas não era a opinião de John,
Nove ou qualquer outra pessoa sobre ela que a preocupava. Era
sobre ela própria. Ela não achava que o governo deveria se en-
volver com a atividade da Garde. Dizer sim para algo que esta-
vam oferecendo para eles parecia ir contra seus próprios ideais.
— Você é uma boa professora, Seis – Sam continuou. —
Eu não estaria aqui agora se não tivesse sido por você.
— Não começa – Seis o alertou. — Você sabe que esse
tipo de coisa não funciona comigo.
— Eu sei que você estava pensando em Bertrand quando
McKenna falou sobre o filho dele. Eu também pensei.
Seis não negou. Não havia motivos. Sam a conhecia muito
bem para ela fingir que ele estava errado. Em vez disso, ela aca-
bou de comer seu cachorro quente e amassou o papel que o en-
volvia. — Droga, Sam. O que você quer que eu diga?
Ele olhou dentro dos olhos dela. — Eu quero que você
diga sim. Você seria boa nisso. Nós seriamos bons nisso.
Seis não disse nada, ficou observando o tráfego entrar e
sair da transversal que cortava o parque e seguia para o lado
oeste. Enquanto um táxi passava, ela viu que ele exibia uma pro-
paganda para a AGH. Uma menina sorridente apontava as mãos
para uma pedra que levitava enquanto Nove, em cada centíme-
tro parecido com um modelo, a observava. Reivindique seu Le-
gado, o logo dizia.
Seis se arrepiou. — Tudo bem – ela disse. — Eu vou ten-
tar. Mas se qualquer coisa me parecer errada, eu caio fora.
Sam deu a última mordida em seu cachorro-quente e o
mastigou. — Combinado – ele disse. Cinco minutos depois, eles
estavam de volta no escritório do McKenna.
— Estamos dentro – Sam contou a ele.
— Ótimo – o homem respondeu. — Então vamos come-
çar. Eu já tenho a primeira tarefa de vocês.
— Não deveríamos ter orientações de principiante? –
Seis perguntou. — Falar sobre o plano de saúde? Aposentado-
ria? Pegar identidades?
— Esse é o tipo de trabalho que se aprende enquanto o
faz – McKenna disse.
Ele pegou duas pastas que estavam em sua mesa, como
se ele estivesse esperando a volta deles. Isso irritou Seis, mas
ela não disse nada.
— Ocorreram muitos incidentes de desaparecimento
com Gardes Humanos que desenvolveram o Legado de cura –
McKenna disse. — Queremos descobrir para onde eles foram
levados, e o motivo. Eu preciso que vocês sigam para a localiza-
ção do incidente mais recente e vejam o que conseguem desco-
brir.
Seis abriu a sua pasta e leu a primeira página, procu-
rando informações. — Austrália? – ela disse.
McKenna assentiu. — O voo de vocês sai em duas horas.
SAM
DARWIN, AUSTRÁLIA


completamente diferente em mente – Sam disse. — Eu estava
esperando sentar do lado da janela.
— Todos os assentos têm uma janela – Seis observou, en-
quanto ela se sentava em uma das poltronas de couro do Gul-
fstream G650 e a girou. Ela passou as mãos sobre o trabalho em
carpintaria que reluzia. O jato era incrível.
— Vocês viram a TV de tela plana? – perguntou James,
entrando na cabine. — Tem uma biblioteca digital. Você pode
assistir online qualquer filme que desejar.
— Mothra vs. Godzilla? – perguntou Sam, indo imediata-
mente até a televisão e pedindo para ela exibir o que havia gra-
vado em sua coleção.
— Você gosta dos filmes do kaiju? – James perguntou.
— Com certeza – Sam disse. — Eles são ótimos. Gamera.
Rodan. Hedorah.
— Hedorah! – James disse. — O monstro do pântano. Ge-
ralmente ninguém gosta dele, mas ele é um dos meus favoritos.
— Você também não – disse Seis, resmungando.
— Talvez eu pensaria que depois de ter sido atacado pelo
que basicamente era um kaiju no ano passado, esse tipo de
filme deve ser, você sabe, instigante – James disse para Sam.
— Oh – disse Sam, parecendo pensativo. — Certo. O Mo-
gassauro. Sabe, eu nunca havia pensado dessa forma. Mas eu
acho que você tem razão – ele se virou para Seis. — Ei, eu aposto
que eu escreveria um roteiro excelente para Godzilla vs. o Mo-
gassauro. A ficção cientifica amaria.
— Temos uma dispensa totalmente equipada – James
anunciou enquanto Seis balançava a cabeça. — A maioria são
coisas prontas. Atrás dessa cabine há uma menor com uma pol-
trona que vira uma cama. Essas cadeiras também são incliná-
veis então vocês também podem dormir nelas. Há banheiros
tanto aqui quanto lá. O resto vocês podem muito bem descobrir
sozinhos.
— Agora tudo o que precisamos é alguém que possa voá-
lo – disse Seis.
— Eu poderia – Sam sugeriu, parecendo animado. — Eu
só preciso me conectar com o sistema de controle de voo – ele
virou a cabeça, se concentrando para entrar no sistema interno
do avião.
— Tenho certeza que você poderia – James disse. — Mas
eu suponho que a AFA teria alguns problemas com isso. Por
sorte, eu sou piloto.
— Você? – Seis disse.
— Capitão Kirk, a seu dispor – James disse, cumprimen-
tando.
Seis fitou ele com um olhar. — Que conveniente – ela
disse.
— Ninguém duvida que vocês podem cuidar de si mes-
mos – James disse, retrucando a insinuação dela. — Meu papel
primário nessa missão é pilotar o avião. Entretanto, eu posso
ser útil no futuro. Apensar de suas habilidades únicas, vocês
dois ainda são adolescentes, além de famosos. Haverá ocasiões
em que minha presença facilitará a aceitação dos outros com
relação ao envolvimento de vocês para que possam fazer seu
serviço.
— Espere um pouco – Sam disse. — Você é o capitão Kirk.
James Kirk.
James sorriu.
— Por favor me diga que a inicial do seu nome do meio é
T – disse Sam.
— De Thomas – James disse. — Não Tiberius. Embora foi
totalmente acidental. Meus pais não fizeram de propósito. Eles
não têm senso de humor.
— Eu não estou entendo nada dessa conversa.
— Por ser uma alienígena, seu conhecimento de ficção ci-
entífica humana está seriamente zerado – Sam provocou. — Por
quanto tempo você viveu aqui sem saber quem é o capitão Ja-
mes T. Kirk?
— Aparentemente, é ele – Seis disse, apontando para Ja-
mes.
— Se aquela coisa tiver Star Trek na biblioteca, você terá
uma grande aula de história – Sam disse, gesticulando para a
TV.
— Eu preciso preparar a decolagem – James disse. — A
viagem aérea até Darwin dura um pouco mais que vinte e qua-
tro horas. Teremos que fazer paradas em Copenhagen e Singa-
pura, mas vocês não precisam desembarcar. Devemos chegar
em Darwin amanhã na parte da tarde, no horário da Austrália.
James desapareceu dentro da cabine do piloto. Sam se
sentou. Logo depois, a voz de James saiu dos alto-falantes, di-
zendo a eles para se prepararem para a decolagem. Seis e Sam
colocaram os cintos de segurança, e Sam observou pela janela
enquanto o avião se posicionava, ganhando vida pela pista, e
então levantando do chão.
Alguns minutos depois, James falou através dos alto-fa-
lantes novamente: — Atenção, passageiros, vocês agora estão
liberados para andar pela cabine.
Sam sorriu. — Eu gosto dele – ele disse.
— Hmm – Seis disse. Ela pegou uma das pastas que
McKenna lhes entregou com informações sobre a missão deles,
e começou a olhar os papeis que estavam dentro. Sam abriu sua
própria pasta. Ele começou a ler, mas continuava a observar
Seis. Ela estava com aquela expressão que significava que ela
estava processando informações, tentando juntar as peças do
quebra-cabeças para que fizessem sentido. Era uma expressão
que ele já havia visto milhares de vezes. E a deixava mais linda
do que ela já era. Ele sentiu seu coração acelerar um pouco. Seis
olhou para ele como se tivesse percebido.
— O que foi? – ela perguntou.
Sam mexeu a cabeça. — Nada – ele disse. — Eu só estava
admirando você.
— É bem incrível – Seis disse. — Mas ouça. Esse incidente
não faz sentido. Cinquenta pessoas foram massacradas. Uma
vila inteira. Tudo isso para que quem quer que seja pudesse le-
var uma criança. Por quê?
— Para que ninguém pudesse ter uma descrição de quem
a levou?
— Se você estiver preocupado com isso, use máscaras –
Seis disse. — Há outras opções além de matar cinquenta pes-
soas. Você só faz isso porque que quer fazer.
— Você acha que foram os Mogs? – Sam perguntou. —
Isso é algo que eles fariam.
— Pode ser – Seis disse. — Mas duvido. A maioria deles
está contida. Definitivamente alguém com um senso sádico
forte.
Sam se voltou para os arquivos. Havia um sobrevivente
do ataque da vila, uma garotinha de cinco anos chamada Miah.
Eles a encontraram escondida embaixo de uma das casas. Foi
ela quem contou aos socorristas que um menino havia sido le-
vado. Também era ela quem ele e Seis estavam a caminho para
visitar.
— O quanto essa garotinha será capaz de nos dizer? –
Sam perguntou.
— Vamos descobrir – Seis disse. — Mas podemos ser sur-
preendidos. Crianças percebem um monte de coisas que os
adultos deixam passar, ou pelo menos as coisas diferentes. Ela
pode ser uma boa fonte de informação.
Ou ela pode estar tão aterrorizada que não se lembra de
nada, Sam pensou.

Muitas horas depois, em algum lugar sobre o Atlântico, eles se


sentaram no sofá, comendo uma pizza que eles esquentaram no
forno do avião enquanto assistiam velhos episódios de Star
Trek.
— Cada episódio é sobre Kirk tentando flertar com uma
alienígena sexy? – Seis perguntou.
— Cada episódio não – Sam disse defensivamente. —
Além disso, o que há de errado em querer flertar com uma alie-
nígena sexy? – ele se inclinou e deu um beijo no rosto dela. —
Quer assistir outro episódio?
Seis mexeu a cabeça. — Cinco é mais do que suficiente,
obrigada – ela disse, colocando seu prato em outro lugar. — De-
veríamos estudar os arquivos.
Sam levantou a lata de refrigerante que ele estava be-
bendo. — O que acha de um brinde primeiro? – ele disse. — Ao
nosso novo trabalho.
Seis tocou sua lata contra a dele, e então bebeu. — Não
fique tão animado. Esse trabalho pode ser temporário – ela
disse. — Eu ainda não me decidi. Vamos ver como essa primeira
missão... – ela foi interrompida por um beijo de Sam.
Ele sentiu o gosto da coca nos lábios dela, a sua boca su-
ave. Mesmo depois de mais de um ano de beijos, sempre parecia
ser o primeiro para ele. Ele se afastou. — Desculpe – ele disse.
— Você estava dizendo alguma coisa?
— Nada importante – Seis disse, e então se inclinou na
direção dele.
Nesse momento, James saiu da cabine. Ele olhou para os
rostos deles. — Como estão as coisas por aqui? – ele perguntou
enquanto abria a geladeira e dava uma olhada dentro.
— Bem – Sam e Seis disseram em uníssono.
— Nós deveríamos voltar a ler os arquivos – Seis disse.
Pelas próximas duas horas, eles reviram cada informação
que eles tinham. Quando as palavras começaram a se misturar
e Sam teve certeza de que seu cérebro não aguentaria receber
mais informações, ele fechou a pasta e disse, — eu acho que está
na hora de outro intervalo. O que acha de assistirmos aquele
filme do Godzilla?
— Nós temos mesmo? – Seis perguntou. — Eu achei que
já tinha feito minha parte assistindo Star Trek com você.
Sam se esticou e pegou a pasta dela. — Qual é... – ele le-
vantou e segurou a mão dela, levando-a para dentro da cabine
menor. O sofá lá estava posicionado na frente de outra televi-
são. Com alguns movimentos, o sofá se abriu e se tornou uma
cama box.
— Eu não sofri o suficiente? – Seis perguntou enquanto
se jogava nela.
Sam se sentou ao lado dela. — Acredite em mim, você vai
amar – ele disse enquanto se concentrava para se comunicar
com a interface do sistema de entretenimento para pedir que
fosse iniciado o filme.
— Exibido – ela disse, se inclinando contra ele.
Sam colocou seus braços ao redor dela. — Admita – ele
disse. — Você sempre quis namorar um controle remoto hu-
mano.
Seis conseguiu assistir menos da metade do filme antes
de pegar no sono. Como estava gostando de estar abraçado com
ela na cama, Sam não a acordou. Então ele também pegou no
sono. Talvez por conta do filme e por conta do pôster do Mogas-
sauro que havia visto em Nova Iorque, ele sonhou estar lutando
contra um monstro gigante. Ele não podia vê-lo, mas sabia que
ele estava a caminho. Ele o ouvia, além de sentir seus passos
contra o chão dos arredores. Então percebeu que o tremor era
o avião pousando. Ele se esforçou para abrir os olhos.
— Devemos estar em Copenhagen – disse Seis, que tam-
bém havia acordado. Ela bocejou. — Ainda estamos no meio da
noite.
— Volte para a cama – Sam provocou, tentando alcançar
a mão dela. Ele a puxou para si, seus braços abraçando-a. Ele
fechou os olhos, esperando ter dificuldades para voltar a dor-
mir. Mas logo depois estava sonhando novamente, e dessa vez
não era sobre monstros.
O resto da viagem foi sem intercorrências. Eles pousaram
em Singapura logo depois do almoço, então subiram no avião
pela última vez, rumo à Austrália. Quando eles finalmente pou-
saram em Darwin, já era à tarde. Lá, eles trocaram o luxuoso
Gulfstream por um jipe decididamente menos confortável.
Ainda assim, era bom estar fora do avião depois de mais de um
dia de voo.
— A garotinha não tem nenhum parente vivo – James
lembrou-os antes de saírem da cidade. — Ela está vivendo com
um dos trabalhadores sociais submetido ao caso dela, então é
para lá que vocês vão. O guardião dela acha que vocês são mem-
bros de um grupo do governo que estão investigando o massa-
cre.
— Governo – Seis disse de forma significativa enquanto
ela se sentava no banco do motorista e colocava um par de ócu-
los de sol.
— Dirija com cuidado – James disse, ignorando-a. — Eu
estarei à disposição caso vocês precisem de qualquer reforço.
— Não precisa nos esperar, papai – Seis disse, e então ar-
rancou com o carro.
A casa em questão ficava num subúrbio quieto, modesto
e chato. Seis estacionou o jipe, e ela e Sam andaram pela trilha
de concreto até a varanda da frente. Quando eles bateram na
porta, esta foi aberta por um jovem rapaz.
— Olá, eu sou Seis, e esse é Sam.
— Oliver – o rapaz disse. Atrás dele, um pequeno terrier
branco e marrom latiu com animação. — Quieto, Graham. São
amigos.
O cachorro o ignorou e continuou latindo. Então uma pe-
quena garota apareceu. Ela tinha a pele escura e o mesmo ca-
belo preto do povo indígena Yolngu do território do norte da
Austrália, e ela os recebeu com grandes olhos castanhos. — Está
tudo bem, Graham – ela disse, de forma calma. Imediatamente,
o cachorro parou de latir, balançando seu rabo de felicidade en-
quanto a garota lhe fazia carinho.
— Você deve ser Miah – Sam disse para a garotinha.
Ela assentiu. Oliver abriu a porta. — Por favor, entrem.
Eles entraram na casa, e Oliver mostrou-lhes uma sala de
estar aconchegante. Miah os seguiu, com Graham trotando ao
seu lado. Ela se sentou num tapete e começou a brincar com
uma pilha de Legos. Sam se sentou com as pernas cruzadas
perto dela, enquanto Oliver e Seis continuaram de pé, obser-
vando-os.
— Eu reconheço vocês dois – Oliver disse. — Vocês esta-
vam envolvidos na luta durante a invasão – ele hesitou por um
momento, olhando para Miah, antes de perguntar. — O que
aconteceu em Arnhem está ligado àquilo?
— Não – assegurou Seis. — Não à invasão. Mas possivel-
mente ao que está acontecendo agora, com os humanos desen-
volvendo Legados. Eu presumo que saiba sobre isso.
Oliver assentiu. — Sim, é claro – ele disse.
Enquanto Seis e Oliver continuaram a conversar, Sam
manteve seu foco em Miah. — O que você está construindo? –
ele perguntou.
— Um castelo – Miah disse. — Para que a princesa possa
se esconder quando o dragão chegar. A última vez que ele veio,
ele queimou todo mundo com o seu sopro de fogo.
Sam sentiu uma onda de compaixão cair sobre ele. A cri-
ança obviamente estava fazendo ligações sobre o que aconteceu
com ela ao jogo, tentando fazer algo que ela pudesse controlar.
Ele odiava ter de perguntar a ela sobre isso. Mas era para isso
que ele estava ali.
— Miah, você pode me contar sobre o que aconteceu no
dia em que Bunji foi levado?
A garotinha não respondeu. Em vez disso, ela pegou uma
peça de Lego com a imagem de um garoto e o colocou no tapete.
Então ela pegou mais algumas figuras e os arrumou ao redor da
primeira. Finalmente, ela pegou a imagem de uma garota – a
que ela tinha dito que era a princesa – e a segurou. — Quando o
dragão veio, a princesa se escondeu – ela disse. — Ela tinha
medo de dragões. Então ela se escondeu embaixo do castelo e
observou. Então o dragão soprou seu fogo em todo mundo e os
queimou.
Com sua mão livre, ela derrubou todas as outras imagens,
deixando apenas a do menino de pé. — Então o dragão pegou o
garoto e voou para longe – ela disse. — A princesa não saiu do
esconderijo por muito tempo. Não saiu até que pessoas da vila
próxima vieram ver o que havia acontecido e disseram para ela
que estava tudo bem.
— Entendi – Sam disse. — Você contou a história direiti-
nho. Posso te perguntar uma coisa?
Ele esperou pela resposta de Miah. Finalmente, ela assen-
tiu.
— Você pode me dizer com o que o dragão parecia?
Miah assentiu. — Ele parecia com você.
— Comigo?
A garota assentiu de novo. — Um garoto com pele branca.
Mas ele não era um garoto. Ele era um dragão fingindo ser um
garoto.
— Um dragão com fantasia de garoto, huh? – Sam disse,
tentando fazer piada.
— Você não acredita em mim – Miah disse. — Ninguém
acredita.
— Ah, não – Sam disse rapidamente. — Eu acredito em
você. Então, esse garoto-dragão tinha pele branca. Você pode
me dizer mais alguma coisa sobre a aparência dele?
Miah deu de ombros. — Eu não me lembro – ela disse ra-
pidamente.
Sam suspeitava que ela sabia mais. Mas agora ela pen-
sava que ele não acreditava nela. Ele tentou algo diferente. — O
que você pode me dizer sobre Bunji?
Miah pegou a peça de Lego que tinha a imagem do garoto
e a segurou na mão, olhando para ela por um longo tempo. —
Ele era legal – ela disse. — Ele podia fazer as pessoas se senti-
rem melhor.
— Se sentirem melhor? – Sam disse. — Você quer dizer
que ele fazia elas se sentirem felizes?
Miah assentiu. — E ele nos consertava – ela disse. —
Quando quebrávamos – ela segurou sua mão aberta, mostrando
a Sam sua palma. — Uma vez eu me cortei – ela disse. — Com
um pedaço de vidro. Bunji fez a dor parar.
Sam passou seus dedos sobre a pele da palma da mão da
garota. — Novinha em folha – ele disse.
Miah sorriu. — Novinha em folha.
— Obrigado por conversar comigo, Miah – Sam disse. —
Eu vou conversar com Oliver por um momento, okay? Então tal-
vez eu volte e a ajude na construção do seu castelo.
Miah olhou para ele, seus grandes olhos suplicando. —
Você vai encontrar Bunji? – ela perguntou.
— Eu espero que sim – Sam disse a ela.
— E matar o dragão?
— Eu não sei dizer – ele disse. — Dragões são bem difí-
ceis de matar. Mas vamos tentar ter certeza de que ele não ma-
chuque mais ninguém. O que acha disso?
— Okay – Miah disse. — Eu vou contar para a princesa.
Sam levantou, e ele e Seis foram para a cozinha com Oli-
ver.
— Ela tem contado essa história sobre a princesa e o dra-
gão desde que a trouxemos para cá – Oliver disse. — Vocês re-
almente acham que podem encontrar Bunji? E por que alguém
iria assinar uma vila inteira para levar apenas um garoto?
— Não sabemos ainda – Seis respondeu.
Oliver olhou para Sam e Seis novamente. — Isso tem algo
a ver com o que todos vocês podem fazer? Com o que Miah diz
que Bunji pode fazer?
— Provavelmente sim – Sam admitiu. Ele não queria as-
sustar o rapaz, mas ele não via razão para contar mentiras. —
O que vai acontecer com Miah? – ele perguntou.
— Ela vai ficar aqui até pensarmos em algo duradouro –
Oliver disse. — Todos a quem ela tinha algum parentesco foram
assassinados, então encontrar um lugar apropriado para ela
não é tarefa fácil. Vocês não acham que ela corre algum perigo
com relação ao monstro que fez isso, né?
— Não – Sam disse. — Está mais para ele não saber que
houve uma sobrevivente ou não ligar para isso. Mas se qualquer
pessoa o contatar perguntando sobre ela, nos avise, tudo bem?
Enquanto Seis e Oliver continuaram a conversar, Sam
voltou para a sala de estar. Miah havia desistido de brincar com
o Lego e agora estava brincando com Graham. Ele estava sen-
tado no tapete na frente dela, sua cabeça inclinada como se es-
tivesse prestando atenção intensivamente.
— O que você está fazendo? – Sam a perguntou.
— Dizendo a ele para pegar a bolinha que está ali – Miah
respondeu. Ela apontou para uma bolinha vermelha de borra-
cha que estava no chão a poucos metros. — Mas eu não acho
que ele me entende.
— Tente dizer novamente para ele – Sam sugeriu.
Miah olhou para Graham. Ela não falou, mas Sam viu sua
testa enrijecer em concentração. Um momento depois, o ca-
chorro se levantou, pegou a bolinha, e a entregou para a garota.
— Bom garoto, Graham – ela disse, roçando as orelhas dele.
— Você ensinou a ele vários truques como esse? – Sam
perguntou.
Miah deu de ombros. — Alguns – ela disse. — Olhe. No-
vamente, ela concentrou sua atenção no cachorro, mas sem di-
zer nada. Alguns segundos depois, Graham se deitou no chão e
começou a rolar, ficando com as patinhas erguidas para cima.
— Que incrível – Sam disse para a garotinha. — Você en-
sinou só o Graham a fazer esses truques, ou você pode conver-
sar com outros animais também?
Miah deu de ombros novamente. — Eu não sei – ela disse,
de repente parecendo tímida.
Sam pegou o Lego que era a princesa. Focando nele, ele
usou sua telecinese para levitá-la, assim fazendo-a flutuar sobre
sua mão. Miah observou, então sorriu. — Bunji e eu brincáva-
mos assim às vezes – ela disse.
— Você pode fazê-la flutuar? – Sam perguntou.
Miah olhou fixamente para a princesa, seu rosto enru-
gado em concentração. Sam parou de flutuá-la. Por um segundo,
pareceu que o objeto permaneceu suspenso no ar antes de cair
em sua palma. Miah pareceu desapontada.
— Está tudo bem – Sam assegurou. — Você quer tentar
de novo?
Miah mexeu a cabeça. Sam, que de repente tinha mais
perguntas sobre a garota do que quando chegou, considerou
pressioná-la. Mas não o fez. Em vez disso, ele ficou observando
ela brincar com Graham por mais alguns minutos, até que Seis
e Oliver apareceram da cozinha. Então Sam se despediu da ga-
rotinha, prometendo ver ela novamente caso encontrasse
Bunji.
Novamente do lado de fora, enquanto caminhavam até o
jipe, Sam disse: —Acho que talvez Bunji não tenha sido o único
naquela vila com Legados – ele contou para Seis a forma como
Miah havia interagido com Graham, e sobre a princesa do Lego.
— Foi por apenas um segundo – ele disse. — Mas eu juro que
pareceu que era ela quem estava fazendo o brinquedo flutuar.
— Ela é muito nova para exibir sinais – Seis disse. — Pro-
vavelmente é boa com animais.
Sam assentiu. — Eu sei – ele disse. — Mas eu senti algo
sobre ela.
Seis parou. — Devemos voltar e ficar mais um pouco para
fazer um teste?
Sam deu uma olhadela para a porta. — Eu acho melhor
não – ele disse. — Ainda não, de qualquer jeito. Ela tem passado
por muita coisa. E ela pareceu desconfortável quando eu a pres-
sionei, mesmo que tenha sido um pouquinho. Mas devemos fi-
car de olho nela.
— Eu ainda acho ela muito jovem – Seis disse ao passo
em que haviam chegado no jipe e estavam entrando nele.
Quando Sam não respondeu, ela disse: — O que foi?
— Eu só estou pensando... – Sam disse. — Humanos não
são Lorienos. Talvez a energia não irá funcionar sempre da
mesma forma com eles – com nós – como funciona com vocês.
— Até agora funcionou – Seis disse.
— Até onde sabemos, sim – Sam retrucou. Ele olhou no-
vamente para a casa. — Mas você sabe o que dizem sobre as
regras – que elas foram feitas para serem quebradas. Talvez
aquela garotinha esteja quebrando uma delas.
— Talvez – Seis disse enquanto ligava o jipe. — Como
você disse, vamos ficar de olho nela.
Enquanto eles seguiam de volta, o celular de Sam tocou.
— É o James – ele disse depois de atender.
— Onde vocês estão pessoal? – James perguntou.
— No caminho de volta – Sam disse.
— Vocês descobriram algo novo?
— Talvez – Sam disse. — Vamos ver.
— Tudo bem – James disse. — Bem, voltem logo. Algo
aconteceu.
— Huh?
— Aconteceu mais um sequestro – James disse
SEIS
MANILA, FILIPINAS


disse. — Em Manila?
Ela e Sam tinham acabado de voltar ao avião. Agora Ja-
mes estava falando que eles estavam prestes a decolar de novo.
— Meu pai encontrou ela e o pai ano passado – Sam disse.
— Ele tentou ajudar Melanie com o seu Legado. É por isso que
estamos indo?
— Nós estamos indo porque o presidente pediu – expli-
cou James. — Ou, em vez disso, ele pediu para McKenna fazer
isso. Os dois são amigos de longa data.
— Sério? – disse Seis. — O presidente dos Estados Unidos
pediu para falarmos com sua filha, quando, provavelmente o
Serviço Secreto, CIA, FBI, e seja lá qual for o outro tipo de agên-
cia que existe já está envolvido nisso?
— Sem mencionar a Garde Terrestre – acrescentou Sam.
— Como eu disse, McKenna e o Presidente Jackson se co-
nhecem há muito tempo – James explicou. — Ele simplesmente
quer que cada avenida seja verificada, e McKenna disse que ele
faria o que pudesse para ajudar na investigação.
— Isso significa que o presidente sabe do nosso clubinho
secreto? – pressionou Seis.
— Isso significa que ele sabe que McKenna é alguém bom
em conseguir respostas – disse James.
— E o que exatamente aconteceu? – disse Seis.
— Melanie estava nas Filipinas como parte da Garde Ter-
restre, dando assistência a recuperação do desastre que se se-
guiu com o terremoto que aconteceu há três semanas – explicou
James. — E de boa vontade. Semana passada, enquanto volta-
vam ao hotel, eles sofreram uma emboscada. Melanie ficou in-
consciente. Vincent Iabruzzi, outro membro da Garde Terrestre
foi levado. Ele tem o Legado de Cura.
— Então, provavelmente foram as mesmas pessoas que
levaram Bunji – sugeriu Seis.
— Sim, essa seria a conclusão lógica – disse James.
— Isso aconteceu semana passada? – disse Sam. — Por
que nós não ouvimos nada disso?
— A Garde Terrestre colocou o departamento de rela-
ções públicas sob rédeas curtas – explicou James. — Eles não
querem que as pessoas se assustem, então eles abafaram a coisa
toda e mantiveram o desaparecimento de Iabruzzi fora das no-
tícias. Melanie ficou em Manila e está fazendo tudo parecer bem
para que ninguém note. Mas acreditem, ela tinha pessoas a vi-
giando o tempo todo. Agora coloquem o cinto. Nós precisamos
ir. É um voo de cinco horas até Manila.
Ele foi para a cabine do piloto, deixando Seis e Sam dis-
cutindo essa nova revelação.
— O Legado de Melanie é super força, certo? – Seis per-
guntou para Sam.
Ele concordou com a cabeça. — É, não é o mais interes-
sante, mas ela é uma entusiasta com relação a ser parte da
Garde Terrestre. Ela tem milhões de seguidores no Twitter, e o
Instagram dela é cheio de selfies que fazem cada adolescente no
mundo querer frequentar a AGH.
Sam abriu o perfil dela no celular e mostrou para Seis al-
gumas das fotos. Todas elas retratavam uma garota fofa com ca-
belos cacheados e loiros. A maioria delas mostrava ela fazendo
coisas típicas de adolescentes: comendo sorvete, brincando
com um labrador preto, fazendo caretas com as amigas vestidas
de pijama. Mas outras eram claramente encenadas para mos-
trar ela usando seu Legado para o bem. Em uma, ela ajudou a
levantar uma pilha de escombros em Nova Iorque. Na mais re-
cente, ela estava ajudando em uma limpeza nas Filipinas, depois
uma mulher que ela ajudou a desenterrar a casa a abraçou.
— Posso ver porque eles escolheram ela para ser o rosto
da Garde Terrestre – Seis disse. — Ela parece ser bem... ousada.

Horas depois, quando eles encontraram Melanie Jackson pesso-


almente em uma sala na Embaixada Americana em Manila, ela
estava bem menos ousada do que nas fotos. Ela parecia exausta.
Seu rosto estava coberto de hematomas desvanecidos e havia
um curativo na sua testa.
— Você é a Seis – ela disse de forma cansada, sentando
no sofá. Ela levantou suas pernas e as abraçou, encarando suas
visitas por cima dos joelhos. Ela lançou seu olhar para Sam. —
E você é Sam. Seu pai foi gentil comigo quando o meu pai pediu
conselhos a ele sobre meu Legado. Como ele está? – seu tom de
voz era indecifrável.
— Ele está bem – disse Sam — E o seu? – ele corou e riu
de modo nervoso, percebendo o quanto a pergunta era engra-
çada, dado o fato de que o pai dela era o presidente dos Estados
Unidos.
Melanie não riu. — Ele enviou você?
— Pode se dizer que sim – disse Sam.
Melanie bufou. — Eu acho que os oito milhões de fuzilei-
ros navais parados ao redor desse lugar não são suficientes.
Como se isso pudesse para-los, seja como for, se eles realmente
quiserem entrar aqui.
— Então – Seis disse — Você pode nos contar o que acon-
teceu?
— Eu já contei essa história umas cem vezes – Melanie
reclamou. — Eu preciso mesmo contar ela de novo?
— Nós não ouvimos diretamente de você – disse Seis. —
Se você não se incomodar.
Melanie empurrou uma mecha de cabelo para trás da
orelha. — Nós estávamos voltando depois de ajudar o dia todo
com os problemas causados pelo terremoto – ela começou. Sua
voz estava levemente monótona, como se ela só quisesse acabar
logo com aquilo. — Eu havia levantado muitas coisas pesadas.
Vincent curou pessoas. Eu acho que curar é mais difícil. De qual-
quer forma, ele estava muito cansado. Nós dois estávamos. Só
queríamos tomar um banho e comer alguma coisa. Mas nós tí-
nhamos que ficar acenando, tirando fotos e tudo mais. Você
sabe, publicidade para a Garde Terrestre – sua voz tomou um
tom amargo. — E foi quando tudo deu errado. Eu não lembro
de muito na verdade. Eu vi Vincent cair e eu tentei chegar até
ele. Então algo espetou o meu pescoço. Me disseram mais tarde
que foi um dardo tranquilizante. Eu não lembro de mais nada
até eu acordar algumas horas depois.
Seis olhou para Sam. Isso era basicamente o mesmo do
que James já havia contado a eles. Eles esperavam alguma in-
formação a mais de Melanie.
— Eles disseram que deve ter havido pessoas com Lega-
dos envolvidas – Melanie disse. — O modo como Vincent desa-
pareceu tão rápido e tudo. Provavelmente alguém que pode se
teleportar.
— Isso é com certeza possível – Seis disse.
Melanie balançou a cabeça. — Isso é patético – ela disse.
— Legados deveriam ser usados para ajudar pessoas, não para
machucá-las. E mais, não é como se algum de nós tivesse pedido
para tê-los – ela olhou para Seis, depois desviou o olhar.
— Legados são bons por natureza – Seis disse, lem-
brando ela mesma que a garota estava passando por muito es-
tresse. — Se as pessoas os usam de um modo negativo, é porque
elas escolheram fazer isso – ela pensou em Cinco, e como sua
mente havia sido retorcida para ele usar seus dons para machu-
car seu próprio povo.
Melanie suspirou. — Eu achava que as decisões mais di-
fíceis que pessoas da minha idade enfrentariam seria sobre be-
ber e fazer sexo. Agora temos todas essas outras coisas para nos
preocupar.
— Não é fácil – Sam concordou.
— Você não lida com isso por mais tempo que o resto de
nós, certo? – Melanie perguntou. — Mas, você parece estar lin-
dando bem.
— É – disse Sam. — Mas eu não tive muita escolha. Acon-
teceu bem no meio da guerra, e eu tive que entender bem rá-
pido o que estava acontecendo – ele olhou para Seis. — Além
disso, eu tive muita ajuda para me acostumar com isso. Acre-
dite, leva um tempo até isso não parecer estranho. Antes de
você não se sentir estranho.
Melanie abaixou os pés, mas colocou os braços em volta
do peito, ainda na defensiva. — Estou chegando lá – ela disse.
— Ou quase. Toda vez que uso meu Legado, eu fico surpresa
que realmente funciona. Ainda sinto um pouco como se fosse
um truque de mágica. A maior parte do tempo eu tenho essa
sensação estranha, que talvez alguém esteja fazendo uma brin-
cadeira muito bem elaborada comigo. Como se de alguma forma
tivesse uma máquina ou algo que eu não posso ver fazendo todo
o trabalho de verdade, e que eu estou sendo filmada por uma
dessas câmeras escondidas. Isso é estúpido, eu sei.
— Não, não é – disse Sam.
— Além disso, tem sempre alguém vendo – Melanie con-
tinuou. — Quer dizer, eu estou acostumada com todo mundo
vendo tudo que eu faço porque sou a filha do presidente. Todos
esperando eu vacilar e fazer algo estúpido. Mas isso não é nada
comparado a isso – ela suspirou. — Às vezes eu só queria ir ao
shopping e olhar brincos sem isso precisar significar algo. – ela
olhou para Seis por um momento. — De qualquer forma, eu não
acho que você tenha ido ao shopping alguma vez para comprar
joias.
— Não, eu não tenho muito tempo para isso – disse Seis.
— Essa é uma das coisas que eu pensei que gostaria na
Garde Terrestre – Melanie disse. — Deveria dar a você uma sa-
ída positiva para tudo isso.
— Mas e agora? – Seis disse.
— Agora, eu não sei – ela admitiu. — Ninguém nos disse
que pessoas poderiam querer nos machucar, ou... – sua voz tra-
vou. Ela balançou a cabeça. — Eu não sei.
— Vincent alguma vez mencionou alguém tentando con-
tatar ele? – Seis perguntou, tentando voltar ao assunto. — Ame-
açando ele?
— Não mais do que o normal – Melanie respondeu.
— Normal? – Seis repetiu.
— Você sabe – Melanie disse. — Os e-mails de pessoas
sem noção dizendo: você está possuído por demônios. Os co-
mentários de pessoas que pensam que você pode dar algum Le-
gado por dormir com elas. Teve um cara que escreveu para mim
um monte de vezes perguntando se eu doaria meu sangue para
ele, porque ele queria injetar o sangue nele e ver o que poderia
acontecer. Vocês também recebem esse tipo de coisa, certo?
— Na verdade, não – disse Seis.
— Mas nós estivemos bem fora das notícias – Sam disse.
— Vocês estão mais famosos do que nós agora.
— Talvez – Melanie disse. — Enfim, não é tão estranho
assim. Às vezes são pessoas que querem te contratar para fazer
coisas para eles, ou querem comprar sua história. Tem uma em-
presa que quer fazer bonecos nossos. Isso seria legal na ver-
dade. Mas é contra os regulamentos da Garde Terrestre ou algo
para proteger nossos Legados. De qualquer forma, qualquer e-
mail ou cartas desse tipo, nós mandamos direto para Lexa na
AGH.
— Lexa? – perguntou Seis.
— Isso – Melanie diz. — Ela é a expert em tecnologia na
academia e ofereceu ajuda à Garde Terrestre. Se alguém real-
mente ameaçou Vincent, ela saberia. Eu posso te dar o contato
dela se você quiser.
— Oh, nós sabemos como entrar em contato com ela –
Sam garantiu a ela. — Tem algo a mais, qualquer coisa, que você
acha que seria útil?
Melanie balançou a cabeça e bocejou. — Não – ela disse.
— E eu estou realmente cansada. Acabamos aqui?
— Por enquanto – Seis disse.
— Obrigado por conversar conosco – Sam adicionou.
Melanie levantou. — Vocês vão encontrar Vincent?
— Nós vamos tentar – Sam disse.
— Tentem muito – Melanie disse e caminhou até a porta.
Após ela ter saído, Sam disse — Parece que vamos falar
com Lexa.
— De todo jeito, Melanie provavelmente vai mencionar à
Garde Terrestre nossa visita a ela – lembrou Sam.
— Vamos voltar ao avião – Seis disse. — Eu estou pronta
para ir para casa.
Sam riu baixinho.
— O que? – Seis disse. — Eu disse algo engraçado?
— Você disse ‘casa’ – Sam respondeu.
— Não fique animado. Eu disse metaforicamente.
Eles voltaram ao Gulfstream. James não estava lá. Porém,
antes que eles pudessem sequer imaginar aonde ele estava, o
celular de Sam tocou.
— Lexa! – Sam disse, respondendo a chamada.
— A primeira e única – Lexa respondeu. — Como vocês
dois estão?
— Estamos bem – Sam disse a ela. — Engraçado, nós ía-
mos ligar para você.
— Imaginei que iriam mesmo – Lexa disse. — Como fo-
ram as coisas com Melanie Jackson?
Sam riu. — Não podemos fazer nada sem você fizer sa-
bendo, ou podemos?
— Bom, você sabe, eu gosto de manter meus olhos nas
coisas.
— Espera aí. Vou colocar você no visor para você conse-
guir falar com Seis também.
Ele redirecionou a chamada para o visor da nave. O rosto
de Lexa preencheu a tela. Sam se conectou os aparelhos e fez
uma forma para que ela pudesse vê-los também.
— Em que tipo de quarto de hotel chique vocês dois es-
tão? – Lexa perguntou.
— Você sabe – disse Seis. — Apenas viajando de jatinho
particular pelo mundo. Como as coisas estão indo por aí?
“Por aí” era a Academia da Garde Humana em Point Re-
yes, Califórnia, onde Lexa estava ajudando Nove a fazer as coi-
sas acontecerem. Em resposta à pergunta, Lexa deu de ombros.
— Eu consegui um escritório com todos os brinquedos que um
hacker poderia querer – ela disse, indicando a sala atrás dela.
Ela digitou em um teclado. — É o jeito de Nove fazer com que
eu fique por um tempo.
— Parece que está funcionando – Seis disse.
— Existem lugares piores para se estar
— Como está Nove? – Seis perguntou.
— Se sentindo o rei do castelo – Lexa disse. — Nós ama-
ríamos ver vocês dois. Você sabe, quando vocês não estiverem
ocupados com seja lá o que estão fazendo.
Sam riu. Ele suspeitou que de alguma forma Lexa sabia
mais sobre as atividades deles do que aparentava, mas ele não
perguntou. — Você tem falado com algum dos outros ultima-
mente?
— Sim, todo mundo está indo bem. John, Marina—.
— Até Cinco? – Seis perguntou.
— Bem, você sabe – Lexa disse. — Quase todo mundo.
— Acho que você não ligou apenas para conversar – Sam
disse. — O que houve?
— Duas coisas – Lexa disse. — Inicialmente, vocês sabem
sobre os desaparecimentos dos Recuperos que vêm ocorrendo.
Foi uma afirmação, não uma pergunta. Sam concordou.
— Sabemos.
— Bem, encontramos um Recupero em potencial. Uma
garota chamada Edwige Pothier. Ela desenvolveu uma reputa-
ção. Existem boatos de que ela pode ajudar em tudo, desde gra-
videz a curar doenças terminais. Só uma coisa, ela esteve fa-
zendo isso antes de Legados começarem a aparecer em huma-
nos.
— Como? – Sam perguntou.
— Supostamente, com hoodoo.
— Tipo, espetando agulhas em bonecos? – disse Sam.
— Isso é voodoo – Lexa disse. – Hoodoo é um tipo de ma-
gia folclórica. Enfim, qualquer que seja o nome, pode ser um Le-
gado. Ou pode não ser nada. O fato é que, quem está seques-
trando os Recuperos pode ficar bem interessado em uma garota
como Edwige. Vocês devem encontra-la antes que alguém mais
a encontre.
— Por que você não faz isso? – Seis perguntou a ela. —
Por que pedir a nós?
— Já tenho o suficiente para fazer aqui – Lexa disse.
— Ou seja, você pensou que isso poderia nos fazer mudar
de ideia sobre trabalhar com a AGH – Seis respondeu. — Bela
tentativa.
— Tudo que eu estou pedindo é para vocês checarem ela
– Lexa disse. — Eu consideraria um favor.
— Faremos isso – Sam disse.
Lexa assentiu. — Fico muito grata. E enquanto vocês es-
tão aí, eu trouxe alguém com quem talvez vocês estejam inte-
ressados em falar.
— Oi? – Seis disse. — Quem é?
— Já viu os vídeos no YouTube de pessoas que suposta-
mente têm Legados? – Lexa perguntou. — Estão em alta agora.
Alguns são tão bons que até eu não sei dizer direito o que é real
e o que não é. Bem, olhem só isso.
Ela digita algo no teclado e um vídeo aparece no canto da
tela. Uma imagem de duas mãos aparece. Uma está em forma de
concha, e na palma está um origami de cavalo feito de papel car-
tão azul com pequenas estrelas pratas.
— Bonitinho – Seis disse.
— Apenas assista – Lexa disse a ela.
A segunda mão se moveu e ficou pairada sobre o cavalo.
Dois dedos pressionaram contra o polegar como se, de quem
quer que aquelas mãos fossem, estivessem apertando algo en-
tre os dedos. Depois os dedos se moveram em pequenos círcu-
los enquanto a mão ia e vinha sobre o cavalo.
— É como se ela estivesse fingindo jogar sal nele – obser-
vou Sam. — Ou pó de fada.
A segunda mão desapareceu, e só a mão segurando o ca-
valo permaneceu na imagem. Por um momento, nada aconte-
ceu. Depois o cavalo levantou a cabeça e a balançou. Esticou
uma pata e bateu o casco de papel contra a palma da mão, dando
patadas nela. Seu rabo de papel se movia freneticamente. Ele
moveu sua cabeça de um lado ao outro como se estivesse
usando os músculos pela primeira vez. Finalmente, ergueu as
patas traseiras de forma estranha, antes de cair de lado, onde
ficou deitado.
— O que foi isso? – Sam perguntou. — Algum tipo de ani-
mação?
— É uma boa sugestão – disse Lexa. — Esse é o primeiro
vídeo que ela postou, há umas seis semanas. Desde então ela
postou vários. Vou mostrar alguns.
Ela mostrou mais dois vídeos. No primeiro, a garota ani-
mou outra figura de papel, um sapo. Depois de fazer aquele
lance de salpicar, o sapo atravessou a palma da mão dela pu-
lando até cair. No segundo, os animais de origami foram substi-
tuídos por um boneco, o qual Sam disse a Seis ser um persona-
gem chamado Luke Skywalker, de algum filme chamado Star
Wars. Quando ganhou vida, ele imediatamente acendeu sua es-
pada de luz, empunhando a espada verde brilhante de um lado
ao outro como se procurasse por algum inimigo invisível.
— Esses foram postados quatro e três semanas atrás –
Lexa disse. — Esse foi postado há dois dias.
O último vídeo era ligeiramente diferente. Não havia ne-
nhuma mão segurando um origami de papel ou um boneco.
Nesse vídeo, uma marionete de uma dançarina de ballet sentou
na grama de um jardim. Ela parecia ser feita de papel machê,
seus membros eram presos com cordas. Usava um tutu rosa de
papel, e era toda pintada. Cordas ligavam as mãos, pés e a ca-
beça a um par de palitos cruzados.
Como no vídeo anterior, uma mão apareceu pegando os
palitos. A bailarina se levantou, tremulando no final das cordas.
Então a música começou a tocar, e ela dançou.
Depois de uns vinte segundos, uma segunda mão apare-
ceu, segurando um par de tesouras. Com movimentos rápidos,
as tesouras cortaram cada corda que estava segurando a mari-
onete. Mas a bailarina não caiu. Ela continuou dançando, levan-
tando seus braços, dando pontapés com as pernas, girando.
— Parece stop-motion para mim – Sam observou. —
Muito bem feito.
— Não é animação – Seis disse. — É real.
Sam riu. — Ok. Lexa, esses são bem legais, mas eu não sei
o que eles realmente...
— Seis está certa – Lexa cortou-o. — Pelo menos, eu acho
que está.
— Você realmente acha que o fantoche ganhou vida? –
Sam perguntou.
— Vida não – disse Seis. — Eles não estavam vivos. Mas
eles poderiam estar fazendo o que eles deveriam fazer.
— Isso não é diferente da sua tecnopatia Sam – Lexa
disse.
— Eu só faço as máquinas fazerem o que elas foram feitas
para fazer – Sam retruca.
— E não é o que ela fez? – diz Seis. — Ela fez um cavalo
de papel agir como um cavalo de verdade, e um sapo de papel
pular como um sapo de verdade. Ela fez a marionete de baila-
rina dançar.
— Pode ser – Sam admitiu. — Mas nunca vimos um Le-
gado assim.
— Existem Legados novos de todo tipo aparecendo –
Lexa disse.
— Quem é a garota? – Seis perguntou.
— Eu ainda não sei. Não exatamente. Enfim, seu nome é
Garota-Gepeto. Eu localizei ela em Nova Orleans, onde ela faz
sua mágica para turistas na Jackson Square, mas é o mais longe
que cheguei. Porém, fica mais interessante. Eu encontrei uma
história no Times-Picayune essa manhã. Coisa pequena, escon-
dida no final. Um cavalheiro chamado Tarvis Mendelson teve
sua loja de antiguidades invadida no bairro. Alguém desapare-
ceu com duas moedas raras.
— Isso é interessante? – Sam disse.
— Não – disse Lexa. — Mas essa parte é. Mendelson disse
à polícia que ele tinha certeza ter visto duas bonecas saindo
com aquelas moedas. Bonecas vestidas de pirata.
— Parece que Tarvis tem bebido um pouco – Sam suge-
riu.
— Eu tenho certeza que foi isso que a polícia pensou tam-
bém – Lexa disse. — E talvez seja verdade. Ou talvez alguém
como Garota-Gepeto usou seu Legado para conseguir fazer es-
ses piratas fazerem seu trabalho sujo.
— Você acha que alguém deveria ir atrás dela – disse Seis.
— Não vai doer. E já que vocês estarão a caminho de lá
mesmo, façam-me o favor... – ela deixou as palavras ecoarem.
Seis resmungou. — Certo – ela disse. — Vamos tentar en-
contrá-la.
Lexa sorriu. — Obrigado – ela disse. — Vou mandar as
informações de Edwige Pothier. Me liguem quando tiverem al-
guma novidade.
A ligação terminou. Seis se encostou na cadeira. — Ela
está tramando algo.
Sam riu. — Parabéns. Você é oficialmente a pessoa mais
paranoica que eu já conheci.
— Ela nem perguntou para quem estamos trabalhando –
Seis continuo. — É como se ela já soubesse.
— Você está preocupada por nada – Sam garantiu a ela.
— Ela é Lexa. Nossa amiga, lembra?
Seis concordou com a cabeça. — Eu sei. Eu sei. Você está
certo – ela suspirou.
James estava entrando. — Desculpem. Tive que arquivar
nosso plano voo de volta para Nova Iorque. Algo aconteceu en-
quanto eu estava fora?
Seis olhou para Sam, que assentiu, depois para James. —
Então, sobre esse plano de voo... – ela disse.
SAM
NOVA ORLEANS, LOUISIANA

muito conhecida, escondida em um beco na fronteira do distrito


de Faubourg Marigny, longe das multidões que preenchiam o
mais popular bairro francês. Seis e Sam passaram direito pela
porta indescritível, com sua tinta azul-claro desbotada, e inici-
almente a confundiram com a porta dos fundos para outro lu-
gar. O que, na verdade, é o que era, ou tinha sido, já que a loja
estava localizada no que costumava ser a cozinha dos emprega-
dos de uma casa que ficava na próxima rua.
Assim que perceberam que eles haviam encontrado o lu-
gar pelo qual estavam procurando, Seis abriu a porta, e ela e
Sam entraram. Eles se encontraram em uma sala pequena e sem
janelas, iluminada por uma única lâmpada enroscada por al-
guma coisa no teto. O piso de madeira, pintado de branco, es-
tava desgastado. Prateleiras se alinhavam às paredes, com vá-
rios jarros de vidro que estavam cheios de ervas secas, flores,
grama e outros botânicos. Dispersos no meio destes havia ou-
tros jarros contendo coisas mais incomuns: dentes, terra de ce-
mitério, pregos de caixão, moedas de prata.
No meio da sala havia uma mesa de madeira retangular.
Sua superfície estava coberta com pequenas pilhas de algumas
das coisas que eles viram nos jarros das prateleiras. Sentada ali
havia uma mulher de idade, cuja pele estava enrugada e bron-
zeada por conta dos anos no sol. Ela vestia um uniforme azul-
claro com as mangas enroladas até os cotovelos. Seu cabelo gri-
salho caia em suas costas numa longa trança fina. Ela estava pe-
gando pitadas disso e daquilo e colocando dentro de uma pe-
quena bolsa vermelha. Quando ela olhou para cima, ela recebeu
Sam e Seis com um olho azul e outro cor de leite.
— Olá – disse Seis. — Gostaríamos de saber se você pode
nos ajudar a encontrar Edwige Pothier.
— O que vocês querem com Edwige? – a mulher pergun-
tou. Ela falou com um sotaque pesado.
— Só queremos conversar com ela – Seis disse.
— Sobre o que?
— Nós sabemos que ela é uma excelente curandeira –
disse Seis.
— Tá doente? – a mulher perguntou. Ela inclinou a ca-
beça. — Não parece doente – ela olhou para Sam. — Ele também
não.
Seis mexeu a cabeça. — Não.
— Outra pessoa está doente?
— Ninguém está doente – Seis disse.
— Então para que precisam de Edwige?
Seis não tinha certeza de como continuar a conversa. A
mulher obviamente estava suspeitando deles. Ela decidiu que a
maneira mais simples seria contar a verdade. — Ela pode estar
em perigo.
— Só isso? – a mulher respondeu. Ela parecia despreocu-
pada.
— Posso perguntar seu nome? – Sam perguntou.
— Evella.
— Evella, me chamo Sam. Essa é Seis. Você sabe quem são
os Gardes? O que é um Legado?
A mulher assentiu. — Ouvi algo sobre isso. Homens do
espaço e coisas assim – ela olhou para Seis de modo signifi-
cante, mas não disse nada.
— Por aí – Sam disse. — Bem, se Edwige pode realmente
curar as pessoas como ouvimos que ela pode, talvez ela tenha
um Legado. Um dom.
— Oh, ela tem um dom, tudo bem – Evella disse. — Mas
não veio do espaço sideral. Ela tem curado desde os sete anos
de idade. Bem antes do início dos últimos acontecimentos.
— E como exatamente ela cura? – Seis perguntou.
— Ela não cura – disse Evella. — Deus que cura. Edwige,
ela apenas sabe como pedir pela ajuda dele.
Seis olhou para Sam.
— O que há de errado? – Evella disse. — Vocês não acre-
ditam em Deus?
Seis mexeu a cabeça. — Não é isso.
— Deixem-me perguntar-lhes algo – Evella disse. — De
onde esses Legados vêm?
— De uma fonte chamada Entidade – Seis disse a ela.
— Uma pessoa?
— Na verdade não – Seis disse. — É mais para um poder.
Uma força. Ele desperta Legados em certas pessoas.
— Que pessoas? Como ele as escolhe?
— Eu realmente não sei – Seis admitiu.
— Parece trabalho de Deus para mim – Evella disse. —
Apenas com um nome diferente – ela olhou de Seis para Sam.
— Vocês têm poderes.
Não foi uma pergunta.
Sam assentiu. — Muitos.
— Tipo o que?
Sam focou numa pequena pilha do que parecia raízes se-
cas que estavam em cima da mesa de Evella. Elas lentamente
começaram a flutuar. Sam os fez girar num círculo, então os co-
locou novamente sobre a mesa. Ele esperou pela resposta de
Evella.
— Suponho que isso torna a limpeza da mesa muito mais
divertida – ela disse. Ela virou seu olho bom na direção de Seis.
— O que cê faz?
Seis ficou invisível. Então ela reapareceu do outro lado
sala. — Isso – ela disse. — Dentre outras coisas.
— Como você fez isso? – uma voz disse.
Atrás de onde Evella estava sentada havia uma porta
para outra sala. Agora uma adolescente estava parada no vão
dela. Ela era baixa, magra, com cabelos longos e castanhos que
caíam quase até a cintura. Seus olhos arregalados eram do
mesmo azul que o de Evella. Ela estava usando um vestido ama-
relo sem mangas, com um padrão de rosas sobre ele, e ela es-
tava com os pés descalços.
— Edwige? – Sam imaginou.
A garota assentiu. — Como ela fez aquilo? – ela pergun-
tou de novo.
— É o Legado dela – Sam explicou.
— É mágica? – Edwige perguntou.
— Algo assim, eu acho – Sam respondeu. — Você também
faz mágicas?
— Algumas pessoas chamam assim – Edwige disse. Ela
olhou para Evella, que bufou degressivamente.
— Você não? – disse Seis.
A garota mexeu a cabeça. — Eu chamo de hoodoo. Conju-
ração. Possui nomes diferentes. Mas é tudo trabalho de Deus.
— Como você aprendeu a fazê-lo? – Sam perguntou.
Edwige apontou para Evella. — Ela me ensinou.
Evella estralou a língua. — Eu lhe ensinei – ela disse. —
Mas você é mais resplandecente do que eu jamais fui. Mais res-
plandecente do que qualquer pessoa que eu já conheci.
— Resplandecente? – disse Sam.
— Ela quer dizer mais forte – Edwige explicou.
— Quando ela está trabalhando, ela brilha com o espírito
– Evella disse.
— O que você acha que a faz ser tão boa nisso? – Seis per-
guntou.
— Algumas pessoas apenas são – Evella respondeu.
Essa conversa sobre brilhar pareceu a Seis muito com a
descrição daqueles que têm o Legado de cura. Ela voltou sua
atenção para Edwige. — Como você faz? A cura.
Edwige deu de ombros. — De várias formas – ela disse.
— Depende do que estiver errado.
— Você pode me mostrar?
— Não há nada para ser mostrado – Edwige lhe disse. —
A menos que você queira me ver pegar algumas raízes e re-
zando algumas orações.
Seis olhou para a mesa. Havia uma faca lá, que Evella es-
tava usando para raspar as ervas. Seis a pegou e rapidamente a
deslizou sobre a palma de sua mão. O corte não foi fundo, mas
sangrou. Ela estendeu sua mão para Edwige. — Você pode curar
isso?
Se ela é possui o Legado de cura, ela vai pegar minha mão,
ela pensou. Por um momento pareceu que era isso que iria
acontecer. Então Evella pegou um lenço e entregou para Seis. —
Ela não é uma atração artística – ela disse, jogando o lenço atra-
vés do ar.
Seis esperou por um momento, então pegou o lenço e co-
meçou a limpar sua mão. — Ela não cura – ela disse para Sam.
— Pelo menos não da forma que estamos procurando.
— Talvez não – ele disse. — Mas se outra pessoa pensar
que ela é, ela ainda pode estar em perigo.
— Eu não tenho medo – Edwige anunciou.
— Deveria ter – Seis disse. — Alguém está caçando ado-
lescentes com o Legado de cura.
— Mas eu não o tenho – Edwige disse. — Não dessa
forma. Você mesmo disse.
— Infelizmente, você tem as características de alguém
que o possui – Sam disse. — Você está na idade certa. E se o que
quer que você faça realmente funciona, existem pessoas que po-
dem querer tirar vantagem disso.
— Ela tem um dom, tudo bem – Evella perguntou. — O
que ela deveria fazer, fingir que não o tem?
— Parar de curar – Seis disse. — Espalhar para o mundo
que você é uma farsa.
— Mas eu não sou – disse Edwige.
— Então comece um rumor de que seus poderes desapa-
receram – Seis disse. — Eu não me importo com o que você dirá.
Mas para que você fique a salvo – se isso ainda é possível nesse
momento – você precisa fazer com que as pessoas acreditem
que você não pode fazer o que supostamente faz. Nós ouvimos
sobre você, e se isso aconteceu, outras pessoas também irão ou-
vir, e talvez eles sejam o tipo de pessoa que você não quer co-
nhecer.
— Sinto muito não termos outra sugestão – Sam disse.
Edwige sorriu. — Eu vou ficar bem – ela disse. — Deus
vai me proteger.
— Espero que isso seja verdade – Sam disse. Ele foi até a
bancada, pegou um pedaço de papel e uma caneta e anotou algo.
— Caso você precise de alguma ajuda, ligue para esse número.
Edwige pegou o papel, olhou para ele, e então o guardou
dentro do bolso de seu vestido. — Obrigado – ela se virou para
Seis. — Foi bom conhecer você – ela disse, estendendo sua mão.
Seis a cumprimentou. Logo depois, ela sentiu um calor
penetrar sua pele. Surpresa, ela encarou o rosto de Edwige. A
garota retribuiu, sem demonstrar qualquer expressão, e mexeu
a cabeça quase que imperceptivelmente. Ela segurou a mão de
Seis por mais alguns momentos e depois a soltou. Seis passou
seus dedos sobre a palma da mão. Não havia corte. — Foi bom
conhecer você também – ela disse. — Talvez nos vejamos nova-
mente.
Seis e Sam saíram da loja e se encontraram numa tarde
ensolarada.
— Ela tem o Legado de cura – Seis disse para Sam, levan-
tando sua mão.
— O que? – Sam disse. — Você acabou de dizer que ela
não o tinha.
— Eu não acho que ela sempre o teve – Seis disse. — Mas
agora o tem.
— Você acha que ela fingia, e então simplesmente acon-
teceu dela ser escolhida para desenvolver o Legado de cura? –
Sam disse. — Isso parece estranhamente conveniente.
— Talvez ela sempre foi o que diz ser – Seis disse. — Tal-
vez ela desenvolveu esse Legado porque ela estava predisposta
a isso.
— Já vimos isso acontecer antes? – Sam perguntou.
— Foi você quem disse que talvez a energia Lórica funci-
one diferente nos humanos – Seis lembrou a Sam. — Quem
sabe? Talvez alguns desses adolescentes escolhidos já possuís-
sem alguma habilidade, e elas foram apenas aprimoradas.
Sam se virou na direção da porta. — Temos que voltar lá
dentro e convencê-la a...
— De quê? – Seis o interrompeu. — A vir conosco? A ir
para a AGH? Percebe-se que ela ainda não está pronta para isso.
Ela precisa de tempo.
— Talvez ela não tenha tempo – Sam lembrou-a.
— Ela tem tempo suficiente para que possamos comer
algo – Seis disse. — Sério, o que pode acontecer a ela na próxima
hora? Vamos almoçar. E então nós podemos voltar e ver se
Edwige quer falar conosco novamente. Concorda?
— Eu acho que é um plano bom – Sam disse. — Ei, você
já experimentou uma ostra po’boy?
— Eu deveria? – Seis perguntou.
— Absolutamente que sim – Sam disse. — Espere um mo-
mento. Ele pegou seu celular e o desbloqueou, dizendo a ele
para encontrar os restaurantes próximos. — Há um não muito
longe daqui – ele disse. — Vamos lá.
Eles começaram a andar. A rota os levou para dentro do
bairro francês e pela Jackson Square, onde havia numerosas
barracas com vendedores de arte. Também havia várias mesas
onde as pessoas podiam ter suas mãos lidas e ouvir conselhos
de tarô. O café que eles estavam procurando não era muito
longe dali, com mesas do lado de fora. Eles se sentaram e fize-
ram os pedidos, e então esperaram a comida chegar.
— Você acha que ela realmente curava as pessoas com
ervas e orações e qualquer outra coisa que ela usa? – Seis per-
guntou para Sam. — Quero dizer, antes do Legado aparecer?
— Eu não sei – Sam disse. — A maioria das coisas em que
eu acredito agora não passavam de ficção científica. Pessoas de
outros planetas? Superpoderes? Eles existiam apenas em histó-
rias em quadrinhos e filmes. Agora, a filha do presidente está
levitando árvores no telejornal da noite. O mundo todo mudou.
Então, quem pode dizer o que é impossível ou não?
Quando Seis não respondeu, Sam olhou para ela. Ela es-
tava olhando fixamente para alguma coisa na praça.
— O que você está olhando? – Sam perguntou a ela.
Seis apontou. — Olhe – ela disse. — Aquela garota.
Sam virou a cabeça. A vinte metros, uma garota afro ame-
ricana estava de pé. Ela estava vestida com jeans e uma cami-
seta branca. Seu cabelo, uma massa de dreadlocks, estava amar-
rado para trás e pendia em suas costas. Havia uma caixa de pa-
pelão no chão ao lado dela, bem como uma tigela em sua frente,
na qual havia um papel manuscrito que dizia “Doações – Obri-
gada!”. A garota estava segurando um pedaço de papel nas
mãos, dobrando-o.
— O que ela está fazendo? – Sam perguntou a Seis.
— Origami. Mas eu não sei do quê.
A garota acabou de dobrar o papel e o segurou na palma
da mão. Nesse momento, muitas pessoas já haviam parado para
observá-la. A garota mexeu os dedos sobre o papel, e ele levitou
de sua mão, um par de asas movendo-se estranhamente. Ela ha-
via feito uma borboleta. A garota repetiu o movimento, e o bater
de asas se tornou mais suave. A borboleta de papel vou ao redor
da cabeça dela várias vezes, então seguiu através da praça, as-
cendendo até desaparecer. As pessoas que estavam ao redor da
garota a aplaudiram.
— Essa pode ser a garota dos vídeos – Seis disse. — Lexa
disse que ela se apresentava aqui, lembra? Vamos – ela se le-
vantou.
— Mas e os nossos po’boys? – Sam reclamou.
Seis o ignorou, andando na direção da garota que estava
se apresentando. Sam chamou a garçonete. — Já estaremos de
volta – e então a seguiu.
A garota agora estava trabalhando num origami de sapo.
Ele estava pulando de uma mão para a outra. As pessoas riam e
aplaudiam, chamando a atenção de mais pessoas que passavam
por ali. Moedas e algumas notas eram depositadas na tigela de
doações.
Seis e Sam pararam atrás de uma plateia crescente, ob-
servando enquanto a garota animava uma série de outras coi-
sas: pequenos animais de plástico, uma boneca de pano, um
souvenir de Nova Orleans que era um saxofonista, que andava
para frente e para trás enquanto apresentava seu número mu-
sical.
— Como ela está fazendo aquilo? – uma garota perguntou
ao seu amigo.
— Cordas invisíveis – o rapaz disse. — Como linha de
pesca. Provavelmente estão amarradas nos dedos dela ou algo
assim.
A garota, ouvindo a conversa deles, disse, “— me dê algo
que lhe pertence, e eu vou dar vida a ele”.
O rapaz procurou em seus bolsos. — Eu não tenho nada.
— Eu tenho – a amiga dele disse, mexendo em sua bolsa
e tirando um chaveiro que tinha a forma de uma Hello Kitty. —
O que acha disso?
— Perfeito – disse a garota, pegando o objeto.
Ela fez os movimentos com os dedos, e a Hello Kitty co-
meçou a fazer uma dancinha esquisita. Ela parecia estar tendo
dificuldades em fazer as chaves se moverem graciosamente,
mas ela deu o seu melhor, puxando-as para trás enquanto ela
girava em pé, com as patinhas erguidas como se fosse uma bai-
larina.
— Isso é incrível – a moça jovem disse. Ela cutucou o
amigo. — O que você diz agora?
— Eu ainda acho que é um truque – ele disse. Ele olhou
para Sam. — Certo?
— Claro – Sam disse. Ele estava distraído com a vibração
repentina de seu celular que estava no bolso de trás da calça.
Quando o pegou, ele leu a mensagem. — Temos que ir – ele
disse a Seis.
— Diga ao James que ele vai ter que esperar – Seis disse.
— Vamos conversar com essa garota.
— Não é o James – Sam disse. — É Edwige.
Ele virou o telefone para que Seis pudesse ler a mensa-
gem.
AJUDEM-ME.
SEIS
NOVA ORLEANS, LUISIANA

rua onde ficava a loja, eles viram Evella mancando em direção


a eles, usando um apoio de madeira para ajudá-la a andar. Um
momento depois, ela estava voando na direção deles. A alguns
metros atrás dela havia um garoto em pé com suas mãos ergui-
das, com um olhar concentrado em seu rosto. Seis teve apenas
um segundo para reagir e usar sua telecinese para diminuir a
velocidade de Evella. A mulher velha ficou suspensa no ar por
um momento, tinha um olhar de surpresa indignado enquanto
ela balançava sua bengala de madeira e chutava o ar. Seis colo-
cou ela lentamente no chão.
O garoto correu para dentro da loja. A porta bateu.
— O que está acontecendo lá? – Seis perguntou para
Evella.
— Eles a pegaram – ela disse com raiva. Ela começou a
andar de volta para a loja. Seis a parou.
— Quantos? – Sam perguntou
— Três – disse Evella. – O garoto e duas garotas.
— Só tem um jeito de descobrir – Seis disse, indo em di-
reção a porta. Evella e Sam a seguiram.
Abrir a porta não foi problema. Estava trancada por den-
tro, mas Seis simplesmente usou telecinese para arrancar as do-
bradiças, jogando-as na rua. — Fique aqui – ela disse a Evella
enquanto ela e Sam entravam.
A sala da frente estava vazia. Um momento depois, os
frascos nas prateleiras começaram a tremer. Então eles levita-
ram. Eles pairavam no ar, balançando, fazendo barulho en-
quanto quem quer que os estivesse controlando sacudia os fras-
cos. Seis aplaudiu uma vez lentamente. — Muito bom – ela
disse. Então ela clareou a mente e imaginou os frascos retor-
nando aos seus lugares. Eles obedeceram. — Mas eu sou me-
lhor.
Os frascos explodiram, espalhando cacos de vidro e o
conteúdo dos recipientes para todas as direções. Instintiva-
mente, Sam e Seis empurraram de volta os objetos, antes que
qualquer um pudesse alcançá-los, parando-os e os deixando le-
vitar em pleno ar. Então, lentamente, os detritos começaram a
virar em sentido anti-horário, criando uma nuvem giratória si-
nistra, que brilhava com os pedaços de vidro.
— Ok – Seis disse. — Isso é mais impressionante.
— Você não está fazendo isso? – Sam perguntou.
— Não – Seis disse. Ela acenou em direção a porta do ou-
tro lado da sala. — Alguém ali está.
A nuvem fez uma espiral em torno de si mesma, girando
vez após vez como se estivesse esperando eles fazerem o pri-
meiro movimento. Moedas, raízes e dentes misturados com os
pedaços de vidro.
— É um truque bem legal – Sam disse. Ele alcançou a es-
piral com sua mente, testando a força da pessoa que estava con-
trolando a nuvem. Ele era mais forte. Ele forçou os pedaços e
cacos de vidro para o chão, limpando o caminho até a porta.
— Você está acabando com a diversão deles – Seis disse,
sorrindo para ele enquanto caminhava através do espaço
limpo. Ela passou pela porta. Um forno de tijolos havia sido
construído em uma parede, a chaminé subindo até o teto. Uma
cadeira de madeira estava no canto, um livro no chão ao lado.
Parado do outro lado da sala estava o garoto que eles ti-
nham visto correndo para dentro da loja. Agora eles tinham
uma visão melhor dele: um pouco cheinho, pele branca com sar-
das nas bochechas e nariz, cabelos ruivos cacheados. Ele estava
usando jeans e uma camiseta preta, ambas as roupas pareciam
precisar de uma limpeza.
Com ele estavam duas garotas. Uma delas, magra, com
pele morena e cabelo preto liso, estava parada com os olhos fe-
chados, como se estivesse se concentrando. A segunda garota
ficou atrás de Edwige, com os braços atrás das costas, olhando
para Seis e Sam. Ela recordou Seis da garota que tinha dado a
ela e Sam um tour em alguns templos no Vietnã alguns meses
atrás. Seu cabelo tinha a cor de turquesa brilhante, cortado bem
curto, tinha um estilo meio espetado que combinava com a ex-
pressão em seu rosto.
— Foi você quem fez aquilo lá fora? – Seis perguntou a
ela.
— E se eu tiver feito? – a garota disse em tom de desafio.
— Quem é você? – Seis perguntou.
A garota a ignorou, olhando para a outra garota ela disse:
— Anda logo Ghost, faça!
— Estou tentando Nemo – disse Ghost.
— Tente mais!
Os quatro adolescentes piscaram. Essa é a única palavra
para descrever o que aconteceu. Seus corpos desapareceram,
então imediatamente voltaram. Depois aconteceu de novo, um
tipo de efeito oscilatório. Dessa vez, eles piscaram de uma vez,
todos juntos. Um momento depois, dois deles – o garoto e Nemo
– reapareceram. Ghost e Edwige se foram.
— Merda! – Nemo disse. — Ela não foi forte o suficiente
para levar todos juntos!
Se eles são sequestradores, eles não são muito bons nisso,
Seis pensou.
— Para onde ela teleportou? – Seis perguntou.
O garoto balançou a cabeça. — Pode ser para qualquer
lugar – ele disse. — Ghost não é muito boa com direções espe-
cíficas.
— Cale a boca, Max – a garota rosnou. Ela levantou as
mãos, e Seis a sentiu tentando usar sua telecinese para em-
purrá-los. Seis cancelou facilmente a tentativa da garota de usar
telecinese. As sobrancelhas da garota franziram.
— Qual é Nemo – o garoto disse. — Você sabe quem eles
são. Nós não temos chance contra eles.
— Ele está certo – Seis disse. — Na verdade, podemos
acabar com isso enquanto conversamos.
Um barulho do lado de fora a distraiu. Havia mais gritos.
— Parece ser a Ghost – o garoto disse.
Barulhos de tiro. — Ela tem uma arma? – Seis perguntou.
Os dois adolescentes balançaram a cabeça.
— Fiquem aqui – Seis disse a eles. — E eu falo sério – ela
virou para Sam. — Vamos.
Eles correram pela sala e saíram da loja. Ignorando as or-
dens de Seis, Max e Nemo os seguiram. Mas Seis estava ocupada
demais com o que estava acontecendo do lado de fora para gri-
tar com eles. A meio caminho do quarteirão, Ghost estava dei-
tada no chão. Uma poça de sangue estava se formando rapida-
mente em baixo dela. Não muito longe dela estava um homem
enorme. Ele estava segurando uma arma com uma mão e com a
outra segurava o braço de Edwige. A garota estava tentando se
soltar e gritando. Evella estava cambaleando em direção aos
dois, chamando pelo nome de Edwige.
O homem levantou sua arma e apontou para Evella. Seis,
focando na mão dele, fez a arma desviar para o outro lado. O
braço do homem foi junto. A arma disparou, a bala penetrou
inofensivamente na parede de uma construção. O homem gri-
tou, e a arma caiu das suas mãos. Seis levantou a arma no ar e a
jogou voando para longe do alcance do homem. Mas ele ainda
tinha as mãos sobre Edwige, e Evella ainda estava indo em di-
reção a eles, seus punhos levantados.
O homem colocou seus braços em volta do pescoço de
Edwige e pressionou. Ela engasgou. — Vou quebrar o pescoço
dela! – ele gritou.
Evella congelou, apenas alguns metros de distância. Ela
levantou as mãos.
O homem começou a andar para trás, descendo a rua. Ao
lado de Seis, Nemo estava tremendo de medo e raiva. — Faça
alguma coisa – ela disse chiando.
— Eu disse para vocês ficarem lá dentro – Seis disse.
— Eu pareço ser alguém que segue ordens?
Nemo fechou os olhos e apertou os punhos. Atrás do ho-
mem, os paralelepípedos da calçada pularam da rua e ficaram
no ar. O homem, que estava segurando Edwige, não viu eles for-
marem um tipo de esfera giratória atrás dele. E ele não os viu
indo em sua direção até que era tarde demais. A esfera o acer-
tou bem na cabeça. Ele saiu voando, e Edwige caiu no chão en-
quanto as pedras caiam perto dela.
Nemo correu em direção a Ghost, seguida por Sam. Seis
foi em direção a Edwige e levantou-lhe. Ela começou a andar de
costas para onde os outros estavam, quando de repente, mais
duas figuras apareceram de um beco. Uma era de um homem, a
outra de um garoto adolescente.
— Sabia que estava fácil demais – Seis murmurou. —
Corra – ela disse a Edwige.
Edwige correu. Seis virou o rosto para encarar os dois.
O homem mais velho – alto, musculoso, e coberto de ta-
tuagens – sorriu. — Isso foi uma cena impressionante – ele
disse, olhando para Nemo. — Talvez nós devêssemos levar ela
também.
Nemo ainda estava no chão, com a cabeça de Ghost no seu
colo. Ela olhou para cima. — Ela está morta – ela disse rosnando
de raiva. — Ele a matou.
— Não, ela não está morta – Sam disse. Ele estava com os
dedos no pescoço da garota, checando seu pulso. — Mas ela está
muito machucada. Ela precisa de ajuda. Agora.
Seis, com raiva crescendo dentro de si, levantou as mãos
e mandou uma explosão de poder em direção as duas figuras na
sua frente.
— Espelho! – o homem gritou, e o garoto ao lado dele le-
vantou as mãos.
Um segundo depois Seis sentiu sua própria força se vol-
tar contra seu peito. Não era tão forte quanto a que ela mandou,
mas era forte o suficiente para empurrá-la para trás. Ela trope-
çou, retomou o equilíbrio e se recuperou. O garoto estava
olhando para ela, um olhar triunfante no rosto. Ela nunca en-
controu nenhum Legado assim, um que refletia seu próprio po-
der contra ela. Ela pensou no que exatamente o garoto podia
fazer, o quão forte ele realmente era. Mas não havia tempo para
pensar nisso agora.
— Ok – Seis disse. — Vamos fazer isso à moda antiga en-
tão.
Ela saltou em direção a eles. O garoto caiu com seu pri-
meiro soco, nocauteado. O homem revidou. Ele não era um
Garde, mas ele era forte, surpreendentemente forte. Um sorriso
embriagado tomava conta do seu rosto enquanto ele trocava
socos com Seis. Seus punhos eram como martelos. Ela se igua-
lava a ele. Vez após vez, quando ele deveria cair, ele não caia.
Seis não teve tempo para pensar no que os outros esta-
vam fazendo. A luta tinha se tornado seu foco principal. Parte
dela estava irritada porque o homem não desistia; a outra es-
tava animada por ter um oponente que realmente a desafiava.
Ela mudou de tática, usando vários movimentos marciais para
pegar o homem com a guarda baixa. Nenhum deles funcionou.
Ele era como um camaleão, trocando de um estilo para o outro
com facilidade, sempre pronto para tudo que ela usava contra
ele.
— Porque você não usa algum dos seus superpoderes? –
o homem provocou.
— Eu os guardo para usar com oponentes de verdade –
Seis revidou.
O homem pegou o braço dela girando-a com força. Seis
atingiu uma parede. A dor era momentânea, revigorante. Ela
respondeu com um soco em seu esterno que o fez cambalear
para trás, mas ele logo se recuperou. Então eles foram um na
direção ao outro, membros se movendo como lampejos, ossos
contra carne. Seis viu uma oportunidade, deu um soco no
queixo dele. O impacto o fez levantar e voar pelo ar. Ele caiu
bruscamente. Dessa vez quando ele se levantou, estava olhando
para algo atrás de Seis.
Sam, Nemo e Max parados alinhados. Suas mãos estavam
levantadas. Em volta deles, objetos de vários tipos estavam gi-
rando no ar: pedras, pedaços quebrados de metal e vidro, cha-
ves de fenda, chaves e pinças. Eles estavam todos apontados na
direção do homem que estava lutando com Seis. Atrás deles
Edwige se ajoelhou perto de Ghost, suas mãos no peito da ga-
rota, enquanto tentava curá-la.
— Quatro contra um não me parece justo – o homem
disse e sorriu enquanto limpava o sangue de um corte no seu
rosto.
— Quem é você? – Seis perguntou ao homem.
— O nome dele é Jagger Dennings – Max disse.
O rosto do homem se iluminou. — Os garotos ouviram
sobre mim.
— Ele é um lutador de MMA – Max continuou.
— Lutador Campeão Mundial de MMA – Dennings adici-
onou.
— Bom para você – Seis disse. — Para quem você está
trabalhando?
Dennings balançou a cabeça. — Receio que não posso
discutir com você a identidade do meu empregador – ele disse.
— Clausula de confidencialidade no contrato.
Evella deu um grito. Seis olhou e viu que Edwige tinha
desaparecido.
Dennings riu.
— Eu adoraria ficar e conversar – ele disse, — mas eu re-
ceio que essa seja minha carona.
Um garoto apareceu perto dele. Antes que Seis pudesse
olhá-lo melhor (alto, cabelo castanho claro amarrado em um
rabo de cavalo), ele colocou a mão nos ombros de Dennings e
os dois desapareceram. Um momento depois o garoto reapare-
ceu, dessa vez tocando o ombro do garoto que Seis tinha nocau-
teado, que estava deitado no chão. Então eles se foram. Gritos e
palavrões saíram de Max e Nemo. Todos os objetos em volta de-
les caíram no chão.
— Onde ela está? – Evella gritou, olhando de um lado
para o outro. — Edwige!?
Sirenes começaram a soar, não muito longe.
— A polícia – Sam disse. — Se eles encontrarem Gardes
aqui, vamos precisar dar algumas explicações.
— E a Ghost? – Nemo disse. — Nós temos que levá-la.
— Ela precisa ir a um hospital – Seis disse a garota. — E
vocês precisam ir. Se estiverem aqui quando eles chegarem, e
descobrirem que vocês têm Legados – sem mencionar que são
fugitivos –, quem sabe o que vai acontecer. E Edwige estava cu-
rando Ghost; ela vai ficar bem.
Nemo olhou para Ghost. Ela concordou. — Tudo bem.
Evella ainda estava olhando em volta como se pudesse
encontrar Edwige se procurasse o suficiente. Seis foi até ela
para tentar fazer ela se acalmar.
— Onde ela está? – Evella perguntou de novo.
— Eu não sei. Mas vamos encontrá-la. Eu prometo. Mas
agora precisamos tirar esses adolescentes daqui, e essa garota
precisa ir ao hospital. Você pode lidar com a polícia? Conte a
eles que aquele homem atacou a garota. Só isso. Você não sabe
de mais nada.
Evella concordou com a cabeça.
O barulho das sirenes estava ficando mais alto.
— Seis, se vamos sair daqui, precisamos ir agora – Sam
disse.
— Eu sei – Seis disse. Para Evella ela disse: — Vamos en-
contrá-la. E vamos fazer contato com você em breve para saber
como Ghost está.
Seis olhou para Nemo e Max. — Vamos – ela disse. — Te-
mos algumas coisas para conversar.
SAM
NOVA ORLEANS, LOUISIANA


Edwige
Eles estavam de volta na Jackson Square. Enquanto Seis
esperava que Nemo ou Max respondessem sua pergunta, ela
deu uma olhada no lugar, procurando pela garota que ela e Sam
estavam observando mais cedo. Encontrá-la novamente havia
deixado de ser uma prioridade em sua lista, mas Seis não havia
esquecido dela. A leitora de cartas de tarô ainda estava lá. O ho-
mem vendendo quadros ainda estava lá. Mas a garota havia su-
mido.
— Quem você está procurando? – Nemo perguntou, ob-
servando a expressão de Seis.
— Ninguém – ela disse. — Agora, responda a pergunta.
— Quem se importa? – Max disse. Ele estava visivelmente
tremendo. — Ghost pode morrer – ele se voltou para Nemo. —
Não era para isso ter acontecido. Você disse que aquilo seria fá-
cil – entrar, pegar aquela garota, e sair.
— Não é minha culpa – Nemo retrucou. — E se esses dois
não tivessem aparecido, nós teríamos saído de lá.
Sam colocou sua mão no ombro de Max. O garoto a tirou.
Sam tentou novamente, e dessa vez Max se deixou ser confor-
tado. — Eu sei como é ficar preocupado com um amigo – Sam
disse gentilmente. — E eu sei que você está chateado sobre
Ghost. Entretanto, agora, precisamos de um plano.
— Nós tínhamos um plano – Max disse.
Nemo começou a dizer alguma coisa em resposta, mas
Sam levantou sua mão. — Chega – ele disse. Para Seis, ele falou:
— Talvez agora não seja a hora para procurar a garota.
— Garota? – Max disse. — Que garota?
— Ela se auto intitula Garota-Gepeto – Sam respondeu.
— Não sabemos o nome verdadeiro dela.
— A Garota-Gepeto do YouTube? – Max perguntou.
Sam assentiu. — Você a conhece?
— Ela está na nossa lista – Max disse.
— Cale a boca, Max – Nemo resmungou, cutucando as
costelas dele.
— Pare com isso – Max disse, massageando o local.
— Que lista? – Seis perguntou.
Max olhou para Nemo, que franziu a testa. — Nós temos
uma lista de adolescentes que pensamos poder ter Legados –
ele disse enquanto Nemo mexia a cabeça. — Estamos aqui para
conferi-los. É por isso que estávamos tentando conversar com
Edwige.
— Conversar com ela? – disse Sam. — Você quis dizer se-
questrá-la.
Max mexeu a cabeça. — Não é bem assim – ele disse. —
Nós vimos vocês irem até a loja dela mais cedo. Pensamos que
vocês estavam tentando fazê-la ir para a tal da Academia da
Garde Humana.
— Nós sabemos quem vocês são – Nemo complementou.
— E acho que já falamos demais. Vamos embora, Max. Estamos
de saída.
A garota se virou e começou a se distanciar. Quando ela
já estava um pouco adiante e Max não havia saído do lugar, ela
parou e o encarou. — Vamos embora, Max.
Max desviou o olhar.
— Eles quase mataram Ghost – Nemo disse.
— Eles quase não a mataram – Max argumentou. — Nós,
sim.
A expressão de Nemo ficou sombria. — Pare de colocar a
culpa em mim – ela disse, sua voz tremendo de raiva. — Ela é
minha amiga também.
Max mexeu a cabeça. — Acho que deveríamos conversar
com eles.
— Você pode falar – Nemo disse, apontando o dedo acu-
sadoramente para ele. — Estou indo embora.
Ela se afastou. Sam começou a ir atrás dela, mas Seis o
segurou pelo braço, o interrompendo. — Mas— Sam começou.
— Eu fico de olho nela. Ela precisa de um tempo. Tentar
fazê-la ficar vai apenas piorar as coisas.
— E Edwige?
— Não podemos fazer nada sobre isso agora. Não sabe-
mos para onde eles a levaram. Talvez esses adolescentes sai-
bam de alguma coisa que pode ajudar. Você e Max podem con-
versar. Eu cuido da Nemo. Você também poderia contatar James
e ver o que ele pode descobrir sobre o tal do Dennings. E talvez
procurar pela Garota-Gepeto; ela ainda pode estar por perto.
— Mais alguma coisa? – Sam brincou.
— Eu vou estar invisível – disse Seis. — E a caminho – ela
suspirou. — Depois vamos lidar com Ghost e o hospital.
Seis sumiu de vista num piscar de olhos.
— Esse é um Legado maneiro – Max comentou.
— Ela tem outros que também são maneiros – Sam con-
tou a ele.
— Qual é o seu? – Max perguntou. Sua preocupação com
Ghost ainda estava evidente em seus olhos, mas agora havia ou-
tra coisa lá também: curiosidade.
— Eu converso com máquinas – Sam disse. — E você?
Max deu de ombros. — Ghost é a mais interessante de
nós, com a coisa do teleporte. É por isso que a chamamos de
Ghost, porque ela pode atravessar paredes.
— E Nemo?
— Ela pode respirar em baixo d’água – Max disse.
— Estou achando que seu nome verdadeiro não é Max,
então... – Sam disse.
— Na verdade, é sim – ele disse. — Não consegui encon-
trar um apelido maneiro já que meu Legado não é tão interes-
sante.
— Então? – disse Sam. — O que você faz.
— Idiomas – Max contou. — Eu posso entender o que as
pessoas estão dizendo em qualquer idioma. Eu descobri isso
num dia enquanto eu estava no ônibus e havia dois caras con-
versando em russo. Eu não sei se era russo. Eu apenas ouvi a
conversa deles, e entendi. Um dos caras estava falando para o
outro sobre um filme que ele havia assistido, mas ele não con-
seguia lembrar do nome. Eu o disse qual era, e ele disse “— Você
fala russo!” – e eu disse que não falava, e ele me olhou com uma
expressão estranha.
— Então, você pode ouvir um idioma além de falá-lo com
fluência?
Max mexeu a cabeça. — Eu não consigo falar, apenas
compreendê-los. Porém, alguns dos idiomas que eu ouço com
mais frequência – como espanhol e chinês – estou começando a
pegar o jeito.
— Eu aposto que você ficaria muito bom nisso se alguém
lhe ensinasse como usar seu Legado – Sam sugeriu. — Você po-
deria ser um intérprete. Ou um espião.
— Você quer dizer se eu fosse para a AGH – Max disse.
— Ou para algum lugar similar – Sam ofereceu.
Max ficou quieto por um momento. Então ele disse: —
então, se você e Seis não estavam tentando mandar Edwige
para essa tal de AGH, por que vieram vê-la?
— Estávamos com a esperança de protegê-la daqueles
caras que apareceram – Sam contou. — O que vocês estavam
fazendo aqui se não estavam tentando levá-la?
— Como eu disse, estávamos apenas conversando com
ela. Então quando vimos vocês lá, tentamos fazê-la vir conosco.
— Ir com vocês para onde?
— Temos um lugar – Max disse vagamente.
Sam deixou isso para lá. Max estava começando a se abrir
com ele, e ele não queria pressioná-lo por detalhes e fazê-lo se
fechar. — E quem é “nós”? – ele perguntou.
Max parecia desconfortável. — Eu provavelmente não
deveria falar muito sobre isso – ele disse, apreensivo.
Dê um pouco de espaço para ele, Sam disse a si mesmo. —
Já volto – ele disse. — Eu preciso fazer uma ligação.
Ele se distanciou um pouco, mantendo os olhos no garoto
enquanto telefonava para James. Ele rapidamente contou sobre
o incidente e pediu para James que procurasse informações so-
bre os sequestradores, e então voltou até Max. — Vamos nos
sentar – ele sugeriu. Ele apontou para um banco que ficava na
sombra de algumas árvores.
Max assentiu, e então seguiu com Sam para lá.
— Estava conversando com seus pais? – Max perguntou.
Sam sorriu. — Tipo isso – alguém que esperançosamente
poderá nos ajudar a descobrir quem levou Edwige – Sam disse.
— Ela não é a primeira pessoa com o Legado de cura que desa-
pareceu.
— Sério? – Max disse. — Por que alguém faria isso?
— É isso que estamos tentando descobrir – Sam disse a
ele.
Max mexeu a cabeça. — Você tem certeza de que não é
alguém tentando levá-la à força para aquela Academia?
— Eles não sequestram as pessoas – Sam disse. — Ou ati-
ram nelas. Quem quer que fosse aquele pessoal, eles não eram
da AGH.
— Mas eles criaram uma lei que diz que deveríamos ir –
Max respondeu. — E eles nos querem para aquela coisa da
Garde Terrestre. Você viu as propagandas com a filha do presi-
dente? Eles estão querendo fazer parecer ser um acampamento
de verão.
Sam, pensando em Melanie, não disse nada sobre isso.
Em vez disso, ele disse: — A AGH está ensinando as pessoas a
usarem seus Legados. Acredite em mim, eu sei por experiência
própria que você melhora muito mais rápido quando você tem
alguém que sabe o que está fazendo ao ensiná-lo.
— Se você acha que o que eles estão fazendo é tão gran-
dioso, por que você não está trabalhando para eles? – quando
Sam não respondeu de imediato, ele complementou: — é por
conta dela, certo? Seis?
— Ela não é exatamente a favor – Sam disse. — Então nós
chegamos a um consenso. Vamos ajudar de outras formas. Mas
o que faz você suspeitar tanto da AGH?
Max ficou em silêncio por um momento. Então, ele disse:
— meus pais me enviaram para um internato quando tinha
quatorze anos. Na verdade, era uma escola militar. Foi horrível.
— Por que eles fizeram isso?
Max encarou o horizonte. — Vamos dizer que eu me meti
em problemas.
Ele não falou muito, então Sam não o pressionou. Max ob-
viamente tinha uma história, mas não estava preparado para
compartilhá-la. Mas ele continuou falando: — De qualquer
forma, não foi uma época boa para mim. Meus pais não me dei-
xavam sair. Eventualmente, eu trapaceei numa prova para que
eu fosse expulso. Era a única saída. Meu pai não falou comigo
por dois meses depois daquilo. Nenhuma palavra. No jantar ele
se sentava e ficava conversando com minha mãe e minha irmã,
mas nem olhava para mim. Era como se eu não existisse. Como
se eu tivesse morrido. Quando ele finalmente falou comigo, foi
para dizer que estava me enviando para outra escola militar.
Ele havia encontrado uma que me aceitaria mesmo eu tendo
sido expulso da última. Foi muito pior do que a primeira. Então
eu não esperei a expulsão. Eu fugi. Eu não podia ir para casa,
então eu me juntei a um grupo de outros adolescentes fugitivos
e vivi aqui e ali. Então, quando meu Legado apareceu há uns seis
meses, eu comecei a procurar pessoas iguais a mim.
Novamente, ele parou de falar, encarando o nada. Sam
praticamente podia sentir as engrenagens da cabeça do rapaz
trabalhando, e ele se perguntou no que ele estava pensando. Ele
claramente tinha uma vida difícil. Sam se sentiu mal por ele.
Mas ele precisava de informações.
— Como você e Nemo se conheceram? – ele soltou.
Max sorriu um pouquinho. — Onde mais? – ele disse. —
Online. Num grupo para pessoas que estavam desenvolvendo
Legados. Foi desfeito desde então. Sabe, pois o governo estava
monitorando a internet e crianças e adolescentes estavam
sendo tirados de suas casas no meio da noite.
— Eu não acho que isso tenha acontecido – Sam disse.
Max deu de ombros. — Talvez sim, talvez não. De qual-
quer forma, não era mais seguro. Mas naquela época, já nos co-
nhecíamos pessoalmente. Decidimos criar um grupo para pes-
soas que não queriam ir para a AGH. Um tipo de família.
— Realmente há vários de vocês que não acreditam na
AGH? – Sam perguntou.
— O suficiente – Max disse.
Sam pensou sobre McKenna e seu filho. — Eu presumo
que você não conheça um garoto chamado Seamus? – ele disse.
— Que se comunica com insetos.
— Não – Max disse. — Mas não somos o único grupo. Há
muitos outros por aí. Nós mantemos contato com alguns deles,
com outros, não.
— Como você soube sobre Edwige?
— Provavelmente da mesma forma que você – Max disse.
— Prestamos atenção. Procuramos na internet por qualquer
um que pareça se mostrar interessante. Lemos sobre essa ga-
rota que podia curar, então decidimos confirma a história. Ten-
tamos chegar neles antes de vocês – antes de qualquer pessoa.
Algo ainda não fazia sentido para Sam. — Mas vocês es-
tavam tentando levá-la contra a vontade dela – ele disse.
Max desviou o olhar, não dizendo nada.
— Espere um minuto – Sam disse. — Vocês fizeram con-
tato com ela antes de aparecerem.
Max esperou por longos minutos. Então ele assentiu. —
Nós havíamos conversado com ela na internet – ele admitiu. —
Ela começou a suspeitar que tinha um Legado. Mas ela estava
com medo do que a avó dela pensaria sobre isso se ela lhe con-
tasse.
— Evella?
— Sim – Max disse. — Ela é super religiosa. Eu acho que
ela pensa que o que está acontecendo sobre os Legados é, não
sei, maldição ou coisa do tipo. Enfim, Edwige não queria contar
a ela sobre isso. Há alguns dias atrás, Edwige enviou um e-mail
para Nemo dizendo que ela estava pensando em contatar a
AGH. Decidimos que deveríamos vir até aqui e tentar convencer
ela do contrário pessoalmente.
— Mas não saiu como planejado, certo? – Sam disse.
— Não – Max disse. — Quando Edwige nos viu, ela se as-
sustou. A avó dela pensou que estávamos tentando machucá-la.
Então você e Seis apareceram. Você sabe do resto.
— Por que vocês simplesmente não nos disseram o que
estavam fazendo? Pensamos que vocês estavam sequestrando
ela.
— Nós pensamos que vocês estavam sequestrando ela –
Max rebateu.
— No meio disso, alguém de fato estava tentado seques-
trá-la – disse Sam.
Ele hesitou por um momento antes de continuar. Max es-
tava se abrindo para ele, mas sentiu que, a qualquer momento,
o menino poderia se fechar de novo. Ele se lembrou de como se
sentia lutando com seus próprios Legados em desenvolvi-
mento. Num minuto, ele queria falar sobre isso. No seguinte, ele
queria falar sobre qualquer coisa menos o que estava aconte-
cendo. Não era fácil ser adolescente em circunstâncias normais;
ser um em circunstâncias extraordinárias era ainda mais difícil.
Então Max disse: — Ali está ela.
— Edwige? – Sam disse, esperançoso.
— A Garota-Gepeto – disse Max, mexendo a cabeça.
Sam olhou. A garota estava se preparando no outro lado
do quarteirão.
— Vamos – Sam disse, se levantando.
— Me deixe falar com ela – Max sugeriu.
— Você? – Sam disse. — Por que?
— As pessoas sabem quem você é – Max lembrou-o. —
Você esteve na televisão. Se ela tiver um Legado e não se repor-
tou ainda, há um motivo. Se ela pensar que você está atrás dela
por alguma razão, talvez ela fuja.
— Tudo bem – disse Sam. Ele percebeu que essa era a
oportunidade pela qual ele estava procurando, uma chance de
Max confiar nele.
Max caminhou em direção à garota. Sam observou,
atento para qualquer sinal de que Max poderia correr ou fazer
qualquer outra coisa que exigisse interferências. Quando ele a
alcançou, ele disse algo e estendeu a mão. A garota o cumpri-
mentou. Então Max falou por um bom tempo. A expressão da
garota mudou, e ela começou a olhar ao redor. Por um mo-
mento, Sam pensou que ela poderia começar a correr. Mas ela
não correu. Então Max virou-se e apontou para Sam. A menina
olhou, franzindo a testa. Sam a cumprimentou.
Ela se virou e falou um pouco mais com Max. Então ela
começou a colocar as coisas de volta na caixa de papelão que ela
tinha desempacotado não muito antes. Max gesticulou para
Sam com a mão dele.
Quando ele chegou lá, Max disse: — Sam, essa é Rena.
— Olá – Sam disse. — Prazer em conhecê-la. Gosto do seu
trabalho.
— Você esteve aqui antes, com aquela garota.
Sam assentiu. — Vimos seus vídeos no YouTube.
— Você veio até Nova Orleans para me ver? – Rena per-
guntou.
— Bem, não exatamente – Sam admitiu. — Mas ficamos
bem contentes em encontrá-la.
— Por que foram embora?
— Longa história – Sam disse.
— Eu tenho tempo – Rena disse.
— Sabe, nunca consegui comer o meu po’boy. O que
acham de almoçarmos?
Rena pegou a caixa com as coisas dela. — Venham co-
migo – ela disse. Podemos ir até o estabelecimento do meu tio.
Não tem po’boys, mas acho que vão gostar. E podemos conver-
sar.
Eles a seguiram até o fim da rua e viraram a esquina,
saindo do bairro turístico. Do outro lado da rua onde a loja de
Edwige ficava a alguns quarteirões de distância, Sam notou que
ainda havia um carro de polícia estacionado lá, com as luzes pis-
cando. Ele percebeu que Max também olhava naquela direção,
e resistiu ao impulso de colocar as mãos no ombro do garoto.
Dois quarteirões depois, Rena atravessou a porta de um
pequeno restaurante chamado The Crawfish Pot. Lá dentro era
fácil ver por que tinha esse nome. O lugar inteiro estava repleto
de vapor de panelas que estavam em três fogões na cozinha. Um
punhado de mesas de piquenique cobertas com plásticos e toa-
lhas vermelhas e brancas estavam cheias de gente falando alto
e escolhendo lagostins, milho na espiga e batatas de montes que
estavam empilhadas no centro de suas mesas.
Rena conduziu Sam e Max para a cozinha, onde um ho-
mem grande vestindo um avental estava mexendo o conteúdo
de várias panelas num fogão. Rena gesticulou com as mãos al-
gumas vezes para ele. Ele olhou para Sam e Max, então gesticu-
lou de volta para ela. Estavam se comunicando em libras, per-
cebeu Sam. Rena fez mais alguns sinais, e o homem assentiu
com a cabeça. Então, Rena os conduziu a uma pequena sala
onde havia outra mesa de piquenique.
— Aqui é onde o pessoal da equipe come – Rena disse
enquanto ela colocava sua caixa numa das cadeiras. Ela pegou
alguns jornais que estavam empilhados em outra cadeira e os
espalhou sobre a mesa como se fossem uma toalha e se sentou.
Max e Sam também se sentaram, Max ao lado dela e Sam
de frente para ambos. Um momento depois, o homem que eles
haviam visto na cozinha apareceu, carregando uma travessa
com comida. Ele a colocou sobre a mesa.
— Obrigada, tio Smalls – Rena disse. Ela fez um sinal, co-
locando a ponta dos dedos de sua mão aberta contra seus lábios
e os movendo para baixo e longe do rosto.
— Sim, obrigado – Sam repetiu. — Isso parece delicioso
– ele imitou o sinal que Rena havia feito. O tio dela assentiu, e
então os deixou a sós.
— Ele pode ler os lábios, mas ele não fala – Rena contou
a Sam e Max enquanto ela lhes entregava guardanapos de uma
pilha na mesa. — Vocês sabem como comer lagostins da forma
correta, né? Você aperta a cauda e suga pela cabeça.
Ela fez uma demonstração para eles. Dentro de alguns
minutos, os dedos de Sam e Max estavam melados de lagostins
e manteiga.
— Isso é fantástico – Max disse, colocando uma concha
vazia dentro da travessa.
— Você nunca havia comido lagostins? – Rena pergun-
tou.
Max mexeu a cabeça. — Não temos eles de onde eu ve-
nho.
— E onde é? – disse Rena.
Max olhou para Sam. — Algum outro lugar – ele murmu-
rou.
Rena o olhou com desconfiança, mas não o pressionou
por mais detalhes. Em vez disso, perguntou: — De qual grupo
vocês dois pertencem?
— Grupos diferentes, na verdade – Max contou. — Sam e
Seis são meio que oficiais. Eu e Nemo estamos por conta pró-
pria.
Rena bufou. — Deixe-me adivinhar. Vocês são lutadores?
— Lutadores? – Max disse. — O que quer dizer?
Rena olhou dele para Sam. — Vocês não sabem sobre os
lutadores? Eu pensei que era por isso que estavam aqui. Pensei
que talvez Yo-Yo havia enviado vocês. Eu disse a ele que não
estava interessada, mas isso nunca o impediu de tentar.
— Quem é Yo-Yo? – Sam perguntou.
Rena pegou um lagostim, quebrou-o no meio e colocou a
parte aberta da cabeça na boca. Ela o sugou ruidosamente. — É
uma longa história.
Sam sorriu. — Eu tenho tempo.
— Primeiro, me responda uma pergunta – Rena disse. —
Por que todos vocês estão procurando por mim?
Sam limpou seus dedos num guardanapo. — Como eu
disse antes, vimos seus vídeos.
Rena inclinou sua cabeça e franziu a sobrancelha. — En-
tão você pensou em me oferecer um programa na TV ou algo
assim? – ela disse.
Sam riu. Ele gostava da arrogância dela. — Queremos
descobrir se você é legítima ou se faz uma atuação muito boa.
— E o que vocês decidiram?
Sam a olhou nos olhos. — Eu acho que você é legítima –
ele disse.
— E se eu for?
— Você sabe que deve reportar seu Legado – Sam disse.
— É, eu sei – disse Rena, assentindo. — Talvez eu não te-
nha me acostumado com isso ainda. Além disso, qual é a utili-
dade do que eu faço para o exército que eles estão formando?
— A Garde Terrestre não é um exército – Sam disse. — É
como se fosse, tipo, um grupo de escoteiros ou coisa do tipo.
— Certo – Rena disse num tom que sugeriu que ela não
acreditava de fato naquilo nem por um segundo. — E eu aposto
que eles se sentam ao redor de uma fogueira e comem s’mores
– ela olhou para Max. — E por que você está aqui?
— Eu... estava tentando ajudar uma amiga – ele respon-
deu.
— Ela tem Legados também? – Rena perguntou.
— Ela pode curar – Sam disse quando Max não respon-
deu. Minha namorada, Seis, e eu, viemos conversar com ela tam-
bém.
— Mas não estão juntos – disse Rena, indicando Max.
— Não – Sam confirmou. — Entretanto, havia outras pes-
soas interessadas nela também.
O tio de Rena entrou na sala, interrompendo a conversa.
Ele gesticulou rapidamente para Rena, uma expressão preocu-
pante em seu rosto. Rena respondeu, e então olhou para Sam e
Max.
— Estão falando sobre Edwige, certo? – Rena disse.
— Como você sabe disso? – Max perguntou.
— O tio Smalls disse que elas tiveram problemas na loja.
Evella se machucou.
— Evella? – Sam disse. — Não, não foi ela. Foi uma garota.
— Minha amiga Ghost – Max explicou.
Rena conversou mais um pouco com seu tio, que mexeu
a cabeça e repetiu os mesmos sinais que ele usara antes.
— Foi Evella – Rena disse. — Um dos clientes estava lá
quando a ambulância chegou. Disse que havia muito sangue.
— E Ghost? – Max disse, seu tom de voz cheio de preocu-
pação.
— Não havia outra garota lá – Rena insistiu.
Max olhou para Sam. — Onde ela está?
Sam pegou seu telefone para ligar para Seis. — Eu não sei
– ele respondeu. — Mas acho melhor irmos para o hospital.
SEIS
NOVA ORLEANS, LOUISIANA

queria que estar invisível significasse que ela também não pu-
desse ser sentida, para que então não precisasse ficar desvi-
ando dos turistas que estavam descendo a Bourbon Street.
Nemo escolheu a rua mais movimentada em Nova Orleans para
seguir. Seis tinha desviado de meia dúzia de pessoas tentando
se manter no ritmo da garota. Felizmente, para Seis, a maioria
deles estava distraída demais para perceber.
À frente de Seis, Nemo virou uma esquina. Seis, tendo que
esperar por um grupo de adolescentes atravessar na frente
dela, ficou para trás. Quando chegou na esquina e seguiu na di-
reção de Nemo, a garota estava fora de vista. Seis caminhou
mais rápido, olhando para dentro das várias lojas e restauran-
tes pelas quais ela passava, mas não havia nenhum sinal da ga-
rota. Então um brilho azul chamou sua atenção. Nemo estava
um quarteirão à frente, andando rápido.
Seis continuou seguindo-a enquanto a menina zigueza-
gueava pelo quarteirão. Finalmente ela parou em um carro –
um Chevy Tahoe verde, batido – e abriu a porta. Entrou, deu
partida e arrancou. Ela estava dirigindo na direção de Seis, de-
sacelerando. Seis, cansada de seguir a garota e não querendo
tentar seguir o carro, foi até o meio da rua e se materializou.
Nemo pisou nos freios, fazendo o SUV parar bruscamente.
Seis ficou na frente do Tahoe, impedindo Nemo de conti-
nuar. Ela viu a garota olhar para trás, mas elas estavam numa
rua de mão única, e um caminhão de entrega estava se aproxi-
mando atrás do Chevy. Nemo olhou para Seis através do para-
brisa. Seis olhou de volta.
O caminhão atrás de Nemo parou, esperou um minuto,
depois buzinou para que ela seguisse em frente. Nemo, em res-
posta, buzinou de volta e abaixou o vidro da janela, gesticu-
lando para que Seis mostrasse ao motorista de trás que ela não
podia ir a lugar nenhum. Seis ficou invisível. Ela viu os lábios de
Nemo formarem um xingamento e as mãos dela batendo na bu-
zina novamente. Agora, ela parecia estar bloqueando a rua sem
motivo.
O motorista do caminhão buzinou novamente, depois se
inclinou pela janela e gritou: — Anda logo!
Nemo observou a área em frente ao Tahoe. Por um mo-
mento, Seis pensou que ela poderia acelerar e tentar atravessá-
la. Em vez disso, a menina abriu sua própria porta e saiu, dei-
xando o Tahoe funcionando enquanto ela começou a gritar com
o motorista do caminhão.
Seis usou a distração para deslizar para dentro do Tahoe
e fechar a porta. Ouvindo o barulho, Nemo se virou. Seis, se ma-
terializando, inclinou-se pela janela e sorriu. — Precisa de uma
carona? – disse.
Nemo xingou novamente, mais alto.
— Se acalme – disse Seis, e começou a dirigir.
Nemo correu atrás dela, batendo na janela. Seis parou.
Ela inclinou a cabeça, indicando que Nemo deveria ir para o
lado do passageiro. Nemo, franzindo o cenho, foi, abriu a porta
e depois bateu com força quando já estava lá dentro. Seis conti-
nuou dirigindo.
— Isso não foi uma tentativa ruim de me despistar – disse
ela.
Nemo bufou. — Eu não sou estúpida, sabe. Eu escolhi
essa rua de propósito, então você teria mais dificuldade em me
seguir.
— Eu disse que você era estúpida?
Nemo não respondeu de imediato. Seis a encarou.
— Não com tantas palavras.
— Não com nenhuma palavra. Agora que isso está resol-
vido, podemos conversar?
Nemo suspirou. Ela olhou pela janela, ansiosamente tam-
borilando seus dedos no banco. Seis a observou, notando coisas
que ela não tinha percebido antes. Como as unhas de Nemo.
Eles foram mastigadas quase que por inteiro e pintadas na
mesma cor azul que o cabelo dela. E, sob seu moletom vermelho
desbotado, ela estava usando uma camiseta que dizia “Me per-
gunte sobre minhas tendências antissociais”.
— Camisa legal – disse Seis.
— O que posso dizer... – respondeu Nemo, — ... sou ex-
trovertida.
Seis olhou pelo espelho retrovisor. A parte de trás do Ta-
hoe estava repleta de coisas: mochilas, roupas, garrafas de água
e de bebidas energéticas, sacos descartados de batatas fritas e
equipamentos de campismo. Era óbvio que Nemo, Ghost e Max
estavam vivendo longe do SUV por algum tempo. — Então, a
quem essa coisa costumava pertencer? – Seis perguntou.
— Nós não o furtamos, se é isso que você quer saber –
Nemo retrucou. — É meu.
— Seu? – Seis disse em tom de dúvida. — Você mal tem
idade suficiente para ter a permissão.
— Tudo bem, então é dos meus pais – Nemo admitiu. —
Eu peguei emprestado.
— Sua família mora na Flórida? – Seis perguntou. — Ou
em Virginia? Eu acho que é em Virginia.
Nemo olhou para ela.
— O carro está com placas da Flórida, mas o adesivo de
inspeção é da Virginia – Seis disse. — Placas são mais fáceis de
serem trocadas.
Nemo olhou para o para-brisas. — Merda – ela disse. —
Talvez eu tenha trocado as placas – ela completou depois de um
momento.
— Espero que com as de outro Tahoe verde.
Nemo bufou. — Como eu disse, não sou idiota.
— Por quanto tempo vocês três têm vivido fora daqui? –
Seis perguntou.
— Já faz um tempo – disse Nemo. — Alguns meses. Nós
ficamos nos acampamentos, na maioria das vezes, e também
nesses hotéis de segunda mão onde podemos pagar em di-
nheiro.
Seis não perguntou onde eles conseguiam dinheiro. Em
vez disso, ela disse, — Como você conseguiu ficar à frente da
polícia? Seus pais devem ter relatado que você e o SUV estavam
desaparecidos. A troca de placas só funciona por algum tempo.
Nemo não respondeu imediatamente. Ela olhou pela ja-
nela. Seis se perguntou se a menina tinha chegado ao limite do
que estava disposta a compartilhar. Ela já havia dito mais do
que Seis esperava. Então, novamente, havia algo sobre ela que
sugeria que ela realmente quisesse conversar. Parecia cansada.
Talvez cansada de fugir.
— Não são todos os pais que se importam – disse Nemo
calmamente. — E ninguém nunca dirigia isso. Provavelmente
nem sequer perceberam que ele desapareceu.
— Eu me mudei muito quando eu estava crescendo –
disse Seis. — Ohio. Califórnia. Nova Escócia. Nova York. México.
Colorado. Provavelmente esqueci alguns lugares. Sempre ten-
tando ficar um passo à frente das pessoas que queriam me ma-
tar.
— Parece que funcionou – disse Nemo.
— Minha Cêpan foi assassinada quando eu tinha treze
anos. Torturada na minha frente, depois, empalada no coração.
Nemo virou a cabeça e olhou para Seis. — Cêpan?
— Ela era como uma guardiã – disse Seis. — Basica-
mente, foi minha mãe. O nome dela era Katarina.
Nemo desviou o olhar novamente. — Isso parece ter sido
difícil.
— Foi – disse Seis. — Eu aprendi a ser difícil. Assim como
você aprendeu – ela fez uma pausa, depois acrescentou: — Mas
eu também aprendi que às vezes é preciso confiar em outras
pessoas.
— Eu não vou para a AGH – declarou Nemo.
— Já te disse, não estamos envolvidos com eles. Quero
dizer, eu conheço pessoas que estão, obviamente. Mas também
não é minha praia.
— Qual é a sua praia? – perguntou Nemo.
— Salvar o mundo – disse Seis. — Você não percebeu?
Nemo a olhou com um olhar minguante. — É sério?
— Sério – disse Seis.
Nemo não disse nada.
— Como você conheceu Max e Ghost? – Seis perguntou.
— Nós nos conhecemos em uma sala de bate papo sobre
pessoas que estavam desenvolvendo Legados – disse. — A mai-
oria eram pessoas tirando sarro, mas havia pessoas sérias por
lá. Eventualmente, nós paramos de usar o site e criamos nossa
própria família.
— Eles também são fugitivos?
— Eles têm suas próprias histórias – disse Nemo. — Eles
podem te contar se quiserem. Pressupondo que Ghost está viva
para contar a dela.
O telefone de Seis vibrou. Ela o tirou bolso do bolso e
olhou para ele. — Merda – ela exclamou.
— Más notícias? – perguntou Nemo.
Seis hesitou. Ela não queria dizer a Nemo o que a mensa-
gem de Sam dizia. Se Nemo soubesse que Ghost estava desapa-
recida, ela provavelmente enlouqueceria. Por outro lado, elas
agora tinham que ir para o hospital, e Nemo perguntaria o mo-
tivo.
— É a Evella – disse ela, contando uma verdade parcial.
— Tem algo errado – ela entregou seu telefone para Nemo. —
Pesquise por Hospital Universitário e me diga como chegar lá.
Nemo fez o que Seis pediu. Quinze minutos depois ela es-
tacionou o Tahoe no estacionamento do hospital. As duas saí-
ram, encontraram a entrada e pararam. ESTAMOS AQUI. ONDE
VOCÊS ESTÃO? Seis enviou para Sam, então esperou a res-
posta. Chegou alguns segundos depois. — Segundo andar – ela
disse para Nemo.
Elas subiram pelo elevador, chegando em um grande sa-
guão de espera. Sam e Max estavam lá, e Seis ficou surpresa ao
ver que a garota do parque estava com eles. Sam caminhou até
Seis, enquanto Nemo aproximou-se para ver Max.
— O que diabos está acontecendo? – Seis perguntou.
— Ainda não sei – disse ele. — Tudo o que sei é que Evella
estava ferida, e Ghost não estava lá quando a polícia e os para-
médicos chegaram.
Seis soltou um palavrão. — Eles devem ter voltado e le-
vado ela também – disse. — Nós deveríamos ter ficado.
— Sabe que não poderíamos – Sam lembrou. — Garde?
Fugitivos com Legados não registrados? Temos problemas su-
ficientes agora.
— Como está Evella? – perguntou Seis.
— Ela está bem ferida, mas acho que vai ficar bem. Está
em cirurgia agora. E temos outro pequeno problema. A polícia
está aqui, e eles têm dúvidas.
— Você não falou com eles, né? – disse Seis.
— Não – respondeu Sam. — Eles nem nos viram. Mas eu
acho que não devemos ficar aqui por muito tempo.
— E quanto a Evella? Eu sei que ela não é nossa principal
preocupação... – Seis desviou o olhar para Rena, Max e Nemo –
— ... ou mesmo nossa segunda ou terceira preocupação, mas ela
pode causar problemas se disser à polícia tudo o que não deve.
— Liguei para o James – disse Sam. — Eu o situei sobre
os acontecimentos. McKenna vai lidar com isso. Enquanto isso,
tenho algumas novidades sobre Edwige.
— Você sabe onde ela está? – disse Seis.
Sam balançou a cabeça. — Não, mas Max me contou algo
interessante. Segundo ele, Edwige estava envolvida com eles.
— O quê? – disse Seis. — Ela não estava sendo seques-
trada?
— Não pelos três, se ele está falando a verdade.
Seis suspirou. — Isso é um grande se... – disse ela.
— Eu acredito nele – Sam respondeu. — Cá entre nós,
acho que ele está procurando ajuda para lidar com seu Legado,
além de outros problemas. Nemo é o verdadeiro obstáculo aqui.
Você conseguiu alguma coisa com ela?
Seis deu uma pequena risada. — Sim – disse ela. — Nós
somos melhores amigas agora.
Como se ela tivesse ouvido, Nemo apareceu. — Onde está
Ghost? – ela exigiu. — Max disse que algo aconteceu com ela.
— Devemos conversar em outro lugar – disse Sam. — Há
uma lanchonete no térreo. Vocês comeram?
— Eu não quero saber de comida! – disse Nemo. — Eu
quero saber onde está Ghost.
— Continue o show, e a polícia terá algumas perguntas
para nós – disse Seis.
Nemo ficou pálida.
— Como Sam disse, vamos falar sobre isso lá embaixo –
disse Seis. — Tudo vai ficar bem – acrescentou. — Lembre-se
do que eu disse sobre confiar nas pessoas?
Nemo não respondeu, mas também não fez outra exigên-
cia. Em vez disso, ela parecia encolher em sua touca. Sam ace-
nou para Max e Rena, e os cinco caminharam até o elevador.
Na cafeteria, eles encontraram uma mesa. Seis e Nemo
foram pegar a comida, depois voltaram e se sentaram. Seis foi
direto em seu sanduíche, mas Nemo apenas ficou na salada.
— Primeiro, Ghost – disse Sam. — Ainda não sabemos
com certeza, mas achamos que as pessoas que levaram Edwige
podem ter voltado e a levado. Isso é o que mais faz sentido, no
fim das contas.
— Ela estava muito machucada – disse Nemo, empur-
rando a bandeja com raiva. — Se eles não a ajudaram, provavel-
mente ela está morta.
— Se eles a levaram, foi pelo Legado dela – Seis disse. —
Eles não vão deixá-la morrer. E eles também pegaram Edwige.
Ela pode curá-la.
— Ou talvez eles não quisessem que ela falasse demais, e
decidiram ter certeza de que ela não falaria – sugeriu Nemo.
— Eu acho que Seis está certa – disse Sam rapidamente.
— Então quanto mais cedo encontrarmos Edwige, mais cedo
encontraremos Ghost. Entretanto, Rena tem uma história que
vocês precisam ouvir.
— É realmente a história de Yo-Yo – disse Rena.
— Você conhece alguém chamado Yo-Yo? - perguntou
Max.
— A mãe dele começou a chamá-lo assim desde quando
ele era um bebê – disse Rena. — Porque num minuto ele estava
chorando e no seguinte estava rindo. Ele é meu melhor amigo
desde os cinco anos depois de ter se tornado nosso vizinho. Ele
também tem um Legado. É meio incomum, eu acho, melhores
amigos os desenvolverem. Porém, foi bom. Nós tínhamos al-
guém para conversar sobre isso.
— Qual é o Legado dele? – Max perguntou.
— Fogo – disse Rena. Ela riu. — O idiota quase incendiou
sua própria casa quando o Legado se manifestou pela primeira
vez. Colocou sua colcha em chamas. No entanto, ele conseguiu
controlá-lo muito rápido. Chegou ao ponto onde ele podia fazer
uma bola de fogo em sua palma e atirá-la na direção que qui-
sesse.
— Isso pode ser útil – disse Seis, lembrando de todas as
vezes que esse Legado ajudou John.
Rena assentiu. — É por isso que os lutadores o queriam.
— Lutadores? – disse Seis.
— Esta é a parte que eu queria que vocês ouvissem –
disse Sam.
— Yo-Yo queria tirar proveito do seu Legado. Há uma to-
nelada de coisas na internet. A maioria é mentira, como todo o
resto na internet, mas há exceções. Entretanto, Yo-Yo acabou
por acaso nesse grupo que era real. Eles levam os adolescentes
com Legados e os treinam para lutar.
— Como um exército? – Max perguntou.
Rena balançou a cabeça. — Entre eles. Ou contra pessoas
sem Legados que pensam que podem vencê-los. Eles organizam
as lutas e pessoas fazem apostas.
— Isso é nojento – disse Nemo, quebrando seu silêncio.
— Parece aquelas coisas que eram feitas há mil anos.
Rena deu de ombros. — É como boxe – disse ela. — As
pessoas gostam de lutar. Eu não estou dizendo que concordo ou
coisa do tipo, mas o que é certo nem sempre acontece por lá.
— Yo-Yo concordou em lutar? – perguntou Sam.
— Eles ofereceram dinheiro para ele. Muito. Disseram
que se estivesse interessado, deveria encontrá-los num lugar
marcado e eles o levariam para o local de treinamento.
— O que os faz pensar que eles sabem mais sobre treina-
mento de pessoas com Legados do que o AGH? – disse Sam.
— Eu não sei – disse Rena. — Não são do tipo que espa-
lham panfletos ou algo assim. Só sei o que Yo-Yo me disse. De
qualquer forma, ele concordou. Eu disse para ele não ir, mas ele
é teimoso.
— Ele foi? – perguntou Seis.
— Cerca de dois meses atrás – disse Rena. — No começo,
ele me enviou mensagens dizendo que estava bem. Disse que o
lugar era bom, e que estavam treinando ele para fazer coisas
com seu fogo de maneiras que ele nunca poderia ter imaginado.
Disse que havia um lugar para mim lá se eu quisesse.
— Então, o que aconteceu? – disse Sam.
— As mensagens começaram a diminuir. Então ele me es-
creveu e disse que estava com um pequeno problema. Precisava
de um pouco de dinheiro. Não disse por quê. Mas eu disse que
o ajudaria.
Seis se lembrou dos artigos que Lexa havia mostrado so-
bre a loja de antiguidades que tinha sido roubada por bonecas.
— Como algumas moedas raras? – perguntou.
— Talvez algo assim – respondeu Rena.
— Para que ele precisava do dinheiro? – perguntou Seis.
— Ele nunca disse. Meu palpite é que ele apostou em si
mesmo e perdeu. Isso seria algo que Yo-Yo faria. De qualquer
forma, ele me pediu para encontrá-lo no Texas, então eu fui. Pe-
guei um ônibus lá, encontrei ele numa parada de caminhões.
— Texas – disse Seis. — É lá onde essas pessoas estão?
— Eu acho que sim – disse Rena. — Yo-Yo nunca chegou
a essa parte. Ele estava mais preocupado com o dinheiro. Eu dei
a ele. Pedi que voltasse para casa comigo, mas ele disse que ti-
nha mais uma luta da qual tinha que participar, e que depois
voltaria para casa.
— Me deixe adivinhar – disse Seis. — Você não ouviu fa-
lar dele desde então.
— Nenhuma palavra – disse Rena. — Seu número de te-
lefone ainda funciona, mas ele não responde às mensagens ou
ligações.
— Por que você achou que trabalhávamos para essas
pessoas? – Sam perguntou.
— Yo-Yo contou a eles sobre mim. Disse que estavam in-
teressados. Disse que nunca ouviram falar de quem faz o que eu
faço,
— Bem, isso provavelmente é verdade – disse Seis. —
Nós também não.
— Não? – disse Rena. — Eu acho que sou especial. Você
acha que as pessoas com quem Yo-Yo está envolvido levaram
Edwige e aquela outra garota?
— Isso é o que precisamos descobrir – disse Seis.
— Muita coisa aconteceu hoje – acrescentou Sam. — Nós
sabemos que um cara chamado Jagger Dennings faz parte do
grupo que veio atrás de Edwige. E ele fugiu.
— Eu conheço esse nome – disse Rena. — Yo-Yo mencio-
nou ele. Lembrei disso por causa do cantor daquele grupo an-
tigo. The Rolling Stones. Minha mãe adorava aquela música de-
les, “Gimme Shelter”.
— Mick Jagger – disse Sam.
— Isso – disse Rena. — Yo-Yo disse que Dennings era um
dos caras que o treinava.
— E Yo-Yo conhecia Edwige? – perguntou Seis.
— Claro – disse Rena. — Como eu disse, todos por aqui a
conhecem.
Seis pensou por um momento. — Se Yo-Yo mencionou
Edwige para essas pessoas, pode ter sido assim que descobri-
ram sobre ela – disse ela. — E se são eles que estão seques-
trando as pessoas que podem curar, eles definitivamente a que-
riam.
— Para curar os lutadores – disse Sam, terminando o
pensamento.
Seis amassou seu guardanapo. — Isso fica cada vez mais
estranho. Temos de voltar para o avião.
— Vocês tem um avião? – perguntou Rena, levantando
uma sobrancelha.
— Quer vê-lo? – disse Seis.
— Talvez – respondeu Rena. — Qual é o plano?
Seis pegou a garrafa de água da mesa. — O plano é que
parece que vamos levá-lo para o Texas e você virá conosco.
— Para procurar Yo-Yo? – disse Rena.
— E os outros – disse Seis.
— Ghost pode estar lá, então também vamos – disse
Nemo.
— Sim – acrescentou Max, embora parecesse menos se-
guro.
Seis olhou para eles. De jeito nenhum ela iria colocar
qualquer um daqueles adolescentes em uma situação perigosa
de forma desnecessária. Especialmente Nemo, cujo tempera-
mento poderia causar problemas. Tinha a sensação de que Rena
poderia lidar consigo mesma sob pressão, e ela e Sam podem
não ter outra opção senão envolvê-la se estivessem querendo
mesmo rastrear esses lutadores. Por enquanto, ela vai se con-
tentar em tê-los todos fora das ruas. Eles poderiam pensar no
resto mais tarde.
— Tudo bem – disse. — Vamos – ela se levantou e tirou
as chaves do Tahoe do bolso. — Nós temos carona– ela disse a
Sam.
Inesperadamente, as chaves saíram levemente saíram da
mão de Seis e voaram até as de Nemo.
— Sim – disse Nemo, balançando-as de forma triunfante.
— Mas desta vez, eu dirijo.
SAM
TEXAS

árvores que pareciam ter sido murchadas em formas torcidas


pelo sol implacável, não proporcionava muitas oportunidades
para que eles permanecessem escondidos, mas o crepúsculo es-
tava chegando. Sam sentiu Seis soltar sua mão, e eles de repente
ficaram visíveis novamente.
— Você sua muito – ela comentou enquanto secava suas
mãos na calça.
— Ei! – Sam disse. — Está calor.
E estava. Perto dos quarenta graus. E a viagem não tinha
sido fácil. Eles tiveram que permanecer bem atrás do carro que
estava carregando Rena para o complexo, confiando nas dire-
ções narradas via rádio por James, que estava rastreando-a
através de um pequeno implante posto em seu antebraço. Ele
também estava de babá de Max e Nemo, que, apesar dos protes-
tos, ficaram no avião.
Providenciar tudo foi mais fácil do que o esperado. Eles
começaram enviando uma mensagem para o celular de Yo-Yo,
dizendo que Rena estava pronta para se juntar a ele e ver o que
os lutadores tinham para oferecer.
Considerando que ela não tinha ouvido falar de sua
amiga há algum tempo, uma resposta chegou surpreendente-
mente rápido. Yo-Yo – ou mais provável alguém que fingia ser
ele – deu instruções a Rena para encontrá-los na mesma parada
de caminhão onde ela conheceu Yo-Yo no passado. A partir daí
ela seria acompanhada até o destino final.
Claro, Rena tinha sido grampeada, e tinha uma câmera
pequena incorporada na armação dos óculos falsos que ela
usava, então eles tinham monitorado tudo. Ela também tinha
um pequeno dispositivo na orelha para que eles pudessem se
comunicar com ela. Ela desempenhou sua parte perfeitamente,
dizendo que ela estava pensando sobre as coisas. Ela perguntou
sobre Yo-Yo, e lhe disseram que estava bem. Nenhum dos dois
homens que a encontraram no restaurante foram identificáveis
através do software de reconhecimento facial. Nem tinham
dado a Rena nenhum nome.
O mais importante é que eles haviam acreditado nela.
Agora, quatro horas depois, Rena estava sendo escoltada para
dentro do complexo cercado por uma cerca feita de arame far-
pado. A câmera em seus óculos estava enviando imagens para
um pequeno monitor portátil cujo Sam e Seis estavam obser-
vando.
— Por que o áudio não está funcionando? – Seis pergun-
tou.
Sam deu um tapa no monitor.
— Você não poderia tentar falar com ele em vez disso? –
Seis pediu.
O monitor estralou, e de repente eles podiam ouvir vozes.
Sam sorriu triunfantemente. — Às vezes é preciso mostrar a
eles quem manda – ele disse.
Uma garota da idade de Rena chamada Sprout estava
apresentando o local para ela. — Nossos dormitórios são aqui
embaixo – Sprout disse, liderando Rena pelo corredor. — Os ga-
rotos ficam no outro lado. O banheiro é aqui. E esse é o nosso
quarto. Você irá dividi-lo comigo e com a Freakshow.
— Freakshow? – disse Rena.
Elas estavam dentro de um pequeno quarto que continha
um par de beliches e quase nada além disso. Uma garota estava
sentada de pernas cruzadas em uma das camas de baixo, lendo
uma HQ da Mulher Maravilha. Ela era baixa e forte. Seu cabelo
loiro estava preso em duas tranças, e ela tinha um piercing em
uma das narinas.
— Todos nós fomos apelidados de acordo com nossos Le-
gados – a garota disse.
— Então, por que te chamam de Freakshow? – Rena per-
guntou. — Você não parece muito assustadora para mim.
Freakshow deixou de lado sua HQ e sorriu gentilmente.
— Me dê sua mão – ela pediu a Rena.
Rena esticou sua mão. Freakshow a tocou levemente com
a ponta dos dedos. Um momento depois, Rena sentiu algo ras-
tejando em seu braço. Ela olhou para baixo e viu que dezenas
de pequenas aranhas estavam subindo pelo seu corpo. Ela gri-
tou e se sacudiu, mas os aracnídeos continuavam a subir. Era
como se estivessem colados em sua pele. Ela se balançou, ten-
tando espantá-las. Então, tão rapidamente quanto elas aparece-
ram, elas se foram, e ela de repente estava arranhando a pele
nua.
— O que você viu? – Freakshow perguntou.
— Você não as viu? – disse Rena. Ela se arrepiou, lem-
brando-se do toque das centenas de perninhas.
Freakshow mexeu a cabeça. — Apenas a pessoa que eu
toco vê o medo – ela explicou. — Os outros apenas veem a rea-
ção. Baseando-se nos seus pulos, eu chutaria que foram insetos
ou fogo.
— Aranhas – Rena disse. — E isso é assustador, credo.
— Eu posso fazer você ver coisas boas também – a garota
disse. — Mas as coisas assustadoras são mais divertidas.
— Talvez para você – Rena disse. Ela se virou para
Sprout. — Por que a chamam de Sprout?
Sprout pegou um pequeno vaso que estava em cima da
mesa. Uma pequena raiz surgiu da terra, um pequeno caule com
duas folhas nascendo. Sprout fechou as mãos ao redor do vaso
e se focou na pequena planta. Ela começou a crescer, novas fo-
lhas surgindo ao passo que o caule se expandia. Então, formou-
se um botão no topo, explodindo em pétalas alaranjadas. Era
uma margarida.
— Que fofo – disse Rena.
— Obrigado – disse Sprout, colocando o vaso na mesa.
— Qual o tamanho que você consegue fazê-las crescer? –
Rena perguntou.
Sprout sorriu. — Grande – ela disse.
— Isso pode ser útil – Seis comentou com Sam.
— Por que vocês os chamam de “poderes” e não “Lega-
dos”? – Rena perguntou a Sprout.
— Não gostamos dessa palavra – Sprout disse. — É muito
formal. Nós preferimos “poderes”. É isso o que eles são, certo?
— Acho que sim – Rena disse. — Então, nós também ga-
nhamos capas e tudo mais?
— Sem capas – Sprout disse. — Facilita a captura em mis-
sões – ela sorriu.
— Qual o seu nome? – Freakshow a perguntou.
— Rena – ela disse.
— Vamos ter que chamá-la de outra coisa – Sprout disse.
— O que você faz?
Rena olhou ao redor do quarto. Sua câmera parou em um
dos beliches. Ela foi até lá e pegou um urso de pelúcia que es-
tava encostado num travesseiro.
— Ei! – Sprout disse. — Não machuque o Sr. Honeyfoot.
— Eu não vou – Rena a prometeu. — Apenas observe.
Ela segurou o urso em suas mãos. Depois de alguns mo-
mentos, ele levantou as patinhas.
— Você está fazendo isso com seus dedos – Sprout disse,
claramente sem se impressionar.
Rena colocou o urso no chão. Ele ficou de pé com suas
próprias pernas. Virou sua cabeça de um lado para o outro. E
então começou a marchar em círculos.
— Tudo bem – Sprout disse. — Agora sim, isso é legal. Por
quanto tempo isso dura?
— Até eu dizer para ele parar – Rena respondeu. Ela pe-
gou o Sr. Honeyfoot e o segurou novamente. Sua cabeça se in-
clinou para um dos lados. Quando ela o entregou para Sprout,
ele era apenas um brinquedo de pelúcia.
— Eu não sei como isso vai ajudá-la a vencer batalhas,
mas é incrível – Freakshow disse.
— Nós deveríamos chamá-la de Annie May – Sprout
anunciou.
— Annie May? – Rena disse. — Se parece com o nome de
alguém que veio da roça.
— Não, Anime – Sprout disse. — Como em “animação”.
Porque você consegue dar vida para as coisas.
— Ah sim, parece legal – Freakshow disse. — Eu gosto.
Voto para Anime.
— São dois votos contra um – Sprout disse. — Será
Anime.
Rena assentiu. — Eu acho que está tudo bem – ela disse.
Fez uma pausa, então prosseguiu: — Então, eu tenho um amigo
que está aqui. O apelido dele é Yo-Yo, mas eu acho que vocês o
chamam de outra coisa. Ele faz fogo.
— Temos alguns com esse poder – Sprout disse. — Como
ele parece?
— É magro. Alto. Gosta de usar brincos de diamante nas
orelhas – Rena disse. — Tem uma tatuagem do Barão Samedi
no braço esquerdo.
— Barão o que?
— Um crânio com um chapéu – disse Rena.
— Ah – Sprout disse. — Ela está falando do Sparky – ha-
via um tom estranho na forma como ela disse. Então ela olhou
para Freakshow, que de repente estava de volta à HQ da Mulher
Maravilha.
— O que? – Rena disse. — É algo ruim?
— Não – Sprout disse, um pouco rápido. — É só que, hum,
ele não está por perto agora.
— Não está por perto? – disse Rena. — O que isso quer
dizer? Ele não está aqui? Ele se foi?
— Ele está aqui – disse Sprout. — É só que... – ela pausou,
e então suspirou. — Ele se machucou. Numa luta. Está na enfer-
maria.
— Mas ele vai ficar bem, certo? – Rena a perguntou.
— Com certeza – Sprout disse, parecendo certa do que
dizia. — Com certeza ele vai ficar bem.
— Falando da enfermaria, você ouviu falar da garota que
eles trouxeram hoje? – Freakshow disse.
— Não – Sprout disse. — Quem é ela?
— Eu não sei. Eu só ouvi dizer que ela está muito mal.
Levou um tiro ou coisa do tipo.
Ouvindo a conversa delas, Sam disse: — Elas devem estar
se referindo a Ghost.
— Eles estão trazendo todo tipo de pessoa para cá –
Sprout comentou. Então, olhou para seu relógio. — Oh, está na
hora dos treinos. Devemos ir. Freak, você vem?
Freakshow se levantou, e as três saíram da sala. Sam e
Seis fizeram outro passeio pelo complexo enquanto as garotas
seguiam. Eles foram para outro edifício, um que parecia um
hangar de aeronaves, com lados de metal e o telhado ondulado.
De onde Rena e as outras estavam, eles podiam ver o lado de
trás também.
— Aqui é onde treinamos – Sprout explicou enquanto ela
abria uma porta para elas entrarem.
A visão da câmera dos óculos de Rena mostrou um es-
paço aberto enorme, com mais ou menos vinte e cinco ou trinta
pessoas ao redor, que estavam em pé conversando. Em três dos
quatro lados do hangar eles haviam instalado arquibancadas. O
centro era apenas um piso arenoso. Então um homem apareceu.
— Dennings – Sam disse.
Jagger Dennings caminhou até o centro do hangar e pa-
rou. Ele pegou um apito que estava pendurado em seu pescoço
e o assoprou. — Todo mundo em silêncio – ele gritou. Eles obe-
deceram, quase que instantaneamente.
— Eles estão com medo dele – Seis disse. — Mas por que?
Ao contrário dele, eles têm Legados.
— Temos alguns novos recrutas – Dennings anunciou. —
Assim como alguns convidados especiais. Então, vamos mos-
trar a eles como as coisas funcionam por aqui e o que alguns de
vocês podem fazer.
— Convidados especiais? – Rena perguntou. — O que ele
quer dizer?
— Grandes apostadores – Sprout sussurrou para ela. —
Pessoas que apostam nas lutas. Eles se sentam em outra sala e
assistem. Nós nunca vimos eles. Algumas vezes, entretanto, se
você ganhar uma luta, você será apresentada. Eu não lutei em
uma luta que valia uma aposta, porém, eu quero.
Dennings olhou ao redor do hangar. — Então, quem vai
ser hoje à noite? – ele disse. Estava sorrindo. — Quem quer
mostrar a nós o que tem?
Vozes encheram o ar, e mãos se levantaram a todo lugar
enquanto os adolescentes clamavam para serem escolhidos.
Dennings colocou uma mão no ouvido enquanto a outra os in-
centivava a gritar mais alto. Ele se virou para um lado e depois
para o outro, como se estivesse procurando o voluntário que
gritava mais alto, enquanto observava os mais entusiasmados.
Então ele gesticulou para todos ficarem em silêncio.
— É isso que eu gosto de ver – ele disse. — Espírito de
luta! – ele bateu as mãos uma vez. — Eu quero ver a Freakshow
aqui embaixo.
Freakshow, que estava sentada ao lado de Rena, se levan-
tou. — Contra quem eu vou lutar? – perguntou num tom de voz
firme.
Dennings colocou os dedos no queixo e pareceu pensar
sobre o assunto. Então ele sorriu e apontou. Por um momento,
pareceu que ele estava apontando para Rena, e Seis e Sam a ou-
viram soltar um gemido. Mas então Dennings disse: — Sprout!
Sprout se levantou. Ela e Freakshow não se olharam en-
quanto seguiam para o piso central onde Dennings estava espe-
rando por elas. Cada uma ficou de um lado dele enquanto ele
colocava os braços ao redor dos ombros delas.
— As duas sabem o que cada uma faz – ele disse. — Então
devem estar preparadas para isso. Prontas?
Freakshow assentiu, enquanto Sprout disse “— Pronta”.
— Então lutem! – Dennings disse, e saiu rapidamente do
centro. Ele seguiu para um dos lados, observando as garotas.
Elas se encararam. Sprout levou sua mão ao bolso, reti-
rando de lá alguma coisa.
— Sementes – disse Sam. — Ela veio preparada.
A garota se abaixou, pressionando as sementes contra o
chão arenoso da arena. Enquanto ela fazia isso, Freakshow
avançou na direção dela, agarrando os pulsos de Sprout. Esta
tentou se livrar, mas falhou. De alguma forma, ela conseguiu
manter sua outra mão contra o chão. Abaixo dele, brotos verdes
surgiram. Eles cresciam rapidamente, se enrolando ao redor do
tornozelo de Freakshow e subindo pela perna dela. Folhas apa-
receram, seguidas de flores roxas e azuis.
— O que são elas? – Seis perguntou a Sam.
— Glórias-da-manhã, eu acho – Sam disse. — Espera. Es-
sas flores se enrolam em qualquer lugar.
Enquanto as glórias-da-manhã se enrolavam em
Freakshow, Sprout fechou seus olhos. — Não é real – ela disse,
num tom de voz trêmulo. — Você não vai cair. Você não vai cair.
Você não vai cair – todo o corpo dela começou a tremer.
— Altura – Sam disse. — Ela parece aterrorizada.
Enquanto isso, Freakshow estava usando sua mão livre
para tentar arrancar as plantas de seu corpo. Mas elas continu-
avam a crescer, se engrossando cada vez mais, parecendo cor-
das ao redor do corpo dela. As flores maiores cobriram o corpo
dela. Então as vinhas começaram a se enrolar na cabeça.
— Vamos lá! – Dennings gritou. — Qual de vocês é a mais
forte? Lutem!
Atrás dele, os observadores nas arquibancadas repeti-
ram o grito de guerra. — Lutem! – eles gritaram. — Lutem! Lu-
tem! Lutem!
À medida que as glórias-da-manhã envolviam a cabeça
de Freakshow, as vinhas se apertavam ao redor dela, e o poder
dela pareceu ter desaparecido. Sprout abriu os olhos. Obvia-
mente, com o que pareceu ser uma enorme dificuldade, levan-
tou a mão que tocava o chão e a apontou para a amiga.
Freakshow foi retirada do chão pela força da telecinética de
Sprout. Então ela foi jogada para trás, pousando forte no chão
com um grito de dor. Sprout cambaleou alguns passos, esgotada
pelo esforço.
— Se levante! – Dennings gritou, e o grito de guerra mu-
dou. — Se levante! Se levante! Se levante!
Freakshow tentou. Mas as vinhas apertavam-na como se
fossem uma mortalha. Dennings e os outros adolescentes con-
tinuaram a cantar o grito de guerra por mais um minuto, e en-
tão Dennings foi até o local onde Freakshow estava. — Você vai
levantar? – ele gritou. — Ou vai desistir?
Freakshow respondeu com um grito ininteligível, suas
palavras impossíveis de serem ouvidas. Dennings moveu a ca-
beça em desgosto. Então ele chamou: — Drac!
Um suspiro surgiu da multidão reunida quando um ho-
mem emergiu da linha lateral. Ele tinha cabelos pretos cortados
e pele pálida. Quando ele caminhou para onde Dennings estava
em pé, o hangar ficou em silêncio. Sprout, que tinha ficado de
pé e parecia estar sobre os efeitos do ataque de sua amiga,
agora a observava.
Drac se ajoelhou no chão. Ele arrancou as vinhas, que co-
meçaram a murchar, se soltando do rosto e do pescoço de
Freakshow. Ao ver ele, ela começou a balbuciar.
— Por favor! – ela disse. — Eu vou me esforçar mais na
próxima vez, eu prometo.
Drac olhou para Dennings.
— Faça – Dennings ordenou.
Drac agora havia colocado suas mãos ao redor da cabeça
de Freakshow, como se fosse curá-la. Mas em vez de um brilho
amarelo emanar de suas mãos, um tom verde nojento se espa-
lhou. Ele envolveu a cabeça dela enquanto ela começou a cho-
rar.
— Ele está matando ela? – Sam disse, chocado.
A luz ao redor da cabeça da garota de repente se tornou
preta. Drac afastou suas mãos. Seu rosto tinha uma expressão
peculiar de satisfação. No chão, Freakshow chorava.
— Seu Legado foi removido – Dennings disse. — Agora,
você não passa de um ser humano normal, como antes.
Sam olhou para Seis. — Dreynen? – ele disse.
Seis mexeu a cabeça. — Eu acho que não – ela disse. —
Isso é diferente.
— Realmente é possível remover um Legado?
— De forma permanente? – disse Seis. — Eu não sei. Eles
parecem acreditar. Provavelmente é assim que ele os controla.
— Tudo bem – Dennings disse animado. — Por hoje é só!
Todos podem ir para o refeitório jantar – ele gesticulou para
dois garotos, apontou para Freakshow e disse: — Tirem ela da-
qui.
Rena se levantou e começou a deixar o hangar. Mas Den-
nings a chamou. Ela se virou e o encarou. — Fique mais um
pouco – Dennings disse. — Quero conversar com você.
Ela foi até ele. — Eu ouvi bastante sobre você, do Sparky
– ele disse. — Estou feliz que tenha decidido nos dar uma
chance.
— Fiquei sabendo que ele se machucou – Rena disse.
— Nada que não possa ser consertado.
— Posso vê-lo?
— Mais tarde – disse Dennings. — Venha comigo – ele
colocou seu braço ao redor dela e a levou até uma porta do lado
de trás do hangar. Ele e Rena foram para fora. Dennings a levou
para um prédio bem pequeno a mais ou menos cem metros de
distância. Ele abriu a porta e eles entraram. O lugar estava cheio
de monitores, a maioria mostrava o hangar de diferentes ângu-
los e perspectivas. Havia muitos outros que mostravam os de-
mais prédios do complexo, e até mesmo a área do lado de fora
da cerca. Muitos homens estavam sentados na frente dos moni-
tores. Nenhum deles desviou o olhar das telas quando Dennings
e Rena entraram.
— É um lugar bem sofisticado – Sam comentou. — Al-
guém gastou muito com equipamentos de segurança.
— O que é tudo isso? – Rena perguntou a Dennings.
— Isso? – ele disse, olhando ao redor como se estivesse
notando todos os equipamentos pela primeira vez. — É apenas
o equipamento de segurança. Não queremos ninguém indese-
jado tentando entrar aqui.
— Ou sair – comentou Seis.
Dennings se voltou para Rena. — Tenho algumas pergun-
tas para você.
— Manda – disse Rena.
— O que finalmente convenceu você a vir até nós? Eu en-
tendo que Sparky – Yo-Yo – tentou trazer você para conhecer
nossas operações algumas vezes, das quais você negou.
Rena se arrepiou. — Acho que mudei de ideia – ela disse.
— Ele fez parecer ser algo bom. Imaginei que você pudesse me
ajudar a aprender a usar melhor meu poder, acho que por isso.
— Você poderia se reportar para a tal da AGH – Dennings
disse.
— Eu não gosto muito que fiquem me dizendo o que fazer
ou quando fazer algo – Rena retrucou.
Dennings gargalhou. — Caso você não tenha percebido o
que aconteceu no hangar, eu vou dizer a você o que fazer e
quando fazer. Você não vai ter um problema com isso?
Rena mexeu a cabeça. — Não enquanto você me pagar o
que Yo-Yo disse que você paga.
— E quanto é isso? – Dennings perguntou.
— Você que deve me fazer a oferta – disse Rena. — Então
eu direi se é suficiente ou não.
Dennings gargalhou novamente. — Uma garota atrás do
meu coração – ele disse. — Tudo bem, já chega. Podemos con-
versar sobre isso assim que decidirmos se você vai ficar.
— Por que eu não poderia ficar? – Rena perguntou a ele.
— Eu sei que acabou de chegar – Dennings disse. — E não
explicamos todas as regras para você ainda. Então eu não posso
ficar muito bravo com você por ter quebrado uma delas.
— Quebrei uma regra? – Rena disse. — Não entendi.
Dennings assentiu. — Dê uma olhada no monitor de nú-
mero cinco – ele disse, indicando uma das telas.
Rena olhou. O homem sentado na frente do monitor
apertou um botão no painel e um vídeo começou a ser reprodu-
zido. Ele mostrou a batalha que havia acabado de acontecer no
hangar, mas de uma perspectiva diferente, de alguém que es-
tava sentado na arquibancada.
— São as imagens da câmera dos óculos dela – Sam disse.
Rena se virou para olhar para Dennings. Ele não estava
mais sorrindo quando suas mãos alcançaram o rosto dela. —
Acho melhor você me dar isso.
De repente, a imagem sumiu.
SEIS
TEXAS


eles corriam na direção da cerca que rodeava o complexo.
— Nós entramos, pegamos Rena, e saímos.
— Eu não tenho certeza se isso pode ser considerado um
plano – Sam disse.
— Nós a infiltramos lá sem plano algum – Seis lembrou-
o.
— E Ghost e Edwige?
— Uma coisa de cada vez – disse Seis.
Eles alcançaram a cerca e rapidamente passaram por ela,
chegando do outro lado do complexo ao mesmo tempo que um
grupo de vinte homens armados se aproximava saindo do pré-
dio mais próximo. Eram muitos para lidar apenas com teleci-
nese.
Seis olhou ao redor. Vários veículos velhos, incluindo um
ônibus escolar, estavam estacionados por perto. Enferrujado,
com buracos nas laterais, pareceu que o ônibus não havia sido
usado para carregar pessoas para ir e voltarem da escola há
anos. A maioria das janelas estavam quebradas, e dois dos
pneus estavam rasgados, pendendo-o para um dos lados.
— Sam! – Seis disse. — O ônibus!
Sam virou na direção dele. Seis ouviu o barulho das en-
grenagens tentando voltar à vida. Metal em atrito com metal. O
ônibus roncou, afogou, desistiu. Ele tentou novamente. Dessa
vez, um pulso irregular soou abaixo do capô. E então o ônibus
começou a se mover, lentamente, como um velho dinossauro
dando seus últimos passos.
— Esqueça de fazê-lo andar sozinho! – Seis disse. — Em-
purre-o!
Ela se concentrou, adicionando seu poder ao de Sam. Jun-
tos, eles levitaram e empurraram o ônibus ao grupo de homens
que se aproximava, que entraram em pânico e começaram a ati-
rar nele. Balas se encontraram com o metal e os vidros. O ôni-
bus chegou aos homens, alguns se dispersaram, e outros se vi-
ram embaixo dele.
Usando a confusão subsequente como cobertura, Sam e
Seis correram dos homens, quem estavam agora gritando uns
com os outros e correndo para todos os lados enquanto tenta-
vam recuperar a mira de seus alvos. Seis sabia que não iria de-
morar muito antes que eles seguissem pela direção certa, seja
por acidente ou depois de terem esgotado as outras opções.
Virando a esquina do hangar, eles ficaram surpresos por
verem Rena parada no meio do terreno aberto. Sozinha. Seis
observou o local, procurando por Dennings ou qualquer outra
pessoa. Ela esperava ser recepcionada por um exército.
— Onde ele está? – Seis perguntou.
Ela viu então que lágrimas escorriam no rosto de Rena. O
peito da garota estava acelerado enquanto ela soluçava.
— O que está acontecendo? – Seis perguntou.
— Ele vai matar o Yo-Yo – Rena disse, sua voz entonando
cada palavra. Ela respirou fundo e se controlou. — Se vocês não
forem embora.
— Ela está certa – a voz de Dennings estalou de caixas de
som instaladas em postes ao redor do complexo.
— Dennings! – Seis gritou. — Por que você não sai e vem
conversar pessoalmente? Me dê uma chance de chutar sua
bunda. De novo.
— Calma – Sam sussurrou. — Ele ainda está com Edwige
e Ghost.
A risada de Dennings ecoou através do ar. — Não pense
que eu negaria uma revanche.
— Então por que enviar seu comitê de boas-vindas? –
Seis disse. — Por que não veio sozinho?
— Para me divertir – disse Dennings. — E talvez para ga-
nhar algum tempo para evacuar meu pessoal da linha de tiro.
Seis riu. — Para mim parece que é você quem está colo-
cando eles na linha de tiro – ela rebateu.
— Eu acho que vamos ter que concordar em discordar
disso.
Um barulho de pés fez Seis se virar. Os homens que ha-
viam escapado ilesos do encontro com o ônibus apareceram
atrás dela. Havia menos que uma dúzia deles. Seis e Sam podiam
facilmente cuidar deles. Eles levantaram as mãos.
— Eu não faria isso – Dennings advertiu. — A menos que
vocês queiram machucar alguém. E não estou falando de vocês.
Seis deu as costas para os homens.
— Garota esperta – Dennings disse, fazendo Seis se arre-
piar. — Agora, de volta ao assunto. Como sua amiga mais nova
lhes disse, estou pensando em deixar ela – e vocês – saírem da-
qui. Agora mesmo.
— Sem chance – Seis rebateu. — Queremos Edwige e
Ghost também – e falando mais baixo, ela disse: — e todos os
outros adolescentes que você tiver aqui.
— Desculpe – Dennings respondeu. — Isso não é uma ne-
gociação. Você leva ela mais as passagens de ida, ou nada.
— Ou poderíamos destroçar esse lugar até encontrarmos
o local onde você está se escondendo – Seis sugeriu.
— Acho que você sabe o que vai acontecer se vocês ten-
tarem fazer isso – Dennings disse. — E acredite em mim, eu
posso fugir antes mesmo de vocês começarem.
Sam colocou a mão nos ombros de Seis. — Temos Rena –
ele sussurrou. — Nós podemos voltar pelos outros depois.
— Ele vai levá-los para outro local – Seis disse, a frustra-
ção fazendo seu tom de voz mais agudo do que o normal. — Ele
não é estúpido o suficiente para ficar aqui. Ele encontrará outro
lugar.
— Então nós iremos encontrá-lo – Sam disse. Ele olhou
dentro dos olhos dela. — Não podemos ganhar esta batalha.
Mesmo se destruirmos o local, vamos apenas machucar os ado-
lescentes que estão aqui.
Seis olhou para Rena. — Por favor – a garota implorou.
Seis fechou os olhos. Ela contou até cinco, se acalmando.
— Tudo bem – ela disse, e abriu os olhos. — Vamos sair daqui –
ela se virou para os outros. — Vamos. Antes que eu mude de
ideia.
Embora os homens de Dennings observavam enquanto
eles saíam, eles não encontraram dificuldades enquanto passa-
vam pelo portão frontal do complexo, que estava aberto. Seis
nem sequer olhou para trás enquanto ela, Sam e Rena começa-
ram a descer a trilha de terra que levava até o matagal.
Rena se adiantou e começou a andar ao lado dela. —
Obrigada – ela disse.
Seis assentiu. — Eu sei como é perder um amigo – ela
disse. — E você se saiu bem.
— Você viu o que eles fizeram com a Freakshow – Rena
disse. — Eu acho que eles fizeram o mesmo com Yo-Yo – ela fez
uma pausa. — Você acha mesmo que os Legados dele se foram?
— Eu não sei – Seis disse a ela. O que ela pensou, mas não
disse, era que Dennings e quem quer que estivesse por trás das
lutas não teriam muitas utilidades para adolescentes sem Lega-
dos. Então por que os manteriam vivos? A menos que eles este-
jam mentindo sobre o que podem fazer, ela pensou.
— Ele fez promessas grandiosas para aqueles adolescen-
tes – Rena continuou. — Dinheiro. Não ter que ir para a AGH e
seguir as regras deles. Os adolescentes que eu conheci mais pa-
reciam com o tipo de pessoa que não se encaixava na sociedade
mesmo antes de se tornarem super-heróis, sabe? Eu acho que
ele os faz se sentirem como estrelas. Toda aquela história de
apelidos. É como ser membro de um clube, ou gangue.
— Porém, ele os machuca quando falham – Seis disse.
— Você nunca foi membro de uma gangue, né? – disse
Rena. — É por isso que fazem isso. Te elevam e depois te derru-
bam. Dizem que você não vale nada a menos que eles achem
isso. Fazem isso para você querer continuar. Eu sei que não faz
sentido, mas é assim que funciona. Eu vi várias pessoas fazerem
isso no meu bairro.
Os pensamentos de Seis se voltaram para Cinco, e em
como ele havia traído o resto deles depois de cair sob a influên-
cia dos Mogadorianos. Ela entendia. Querer pertencer a algo faz
as pessoas fazerem coisas que você nunca pensaria que elas fa-
riam. Eles teriam de encontrar Dennings, acabar com a opera-
ção dele, e dar um sentido real para as crianças que ele enganou.
No meio tempo, ela tinha outros problemas. Isto é, o que
ela e Sam iriam fazer com o pequeno grupo de Gardes que eles
encontraram. Ela pensou sobre isso enquanto eles voltavam
para o SUV que estava estacionado a alguns quilômetros de dis-
tância. E também durante todo o caminho de volta para o aero-
porto onde o jato estava esperando por eles. Quando eles esta-
vam abordo e sentados, ela ainda não havia se decidido.
Foi Nemo que teve a iniciativa. — Então, o que acontece
agora? – ela disse assim que decolaram.
— O que vocês querem que aconteça? – Seis disse, devol-
vendo a pergunta a ela. — Foram vocês que disseram que não
queriam se envolver de jeito nenhum com qualquer grupo or-
ganizado. Vocês podem voltar a fazer exatamente o que faziam
antes do nosso encontro.
— Vocês não nos encontraram – Nemo rebateu. — Entra-
ram no nosso caminho... e na verdade não temos para onde vol-
tar. Somos só nós três.
— Então, vocês não fazem parte de um grupo maior? –
Sam perguntou a ela.
— Oh, há mais pessoas como nós. Muitas. Mas a maioria
estão por conta própria. Isso faz parte de toda a coisa de não
gostar de grupos organizados.
— Mas vocês poderiam ser convencidos – Seis disse.
Nemo deu de ombros.
Seis olhou para Max, que olhou para Nemo. Ele obvia-
mente ainda estava ansioso para saber o que Nemo pensou. Mas
o que ele queria?
Seis considerou as opções. Ela poderia tentar convencê-
los a ir para a AGH. Mas se nem ela apoiava a ideia, então como
ela poderia pedir para Nemo e os outros irem? Especialmente
Nemo. Ela começou a gostar mesmo da garota, e por razões ób-
vias. Elas tinham muito em comum. Seria como dizer para sua
versão mais nova fazer algo para seu próprio bem. Ela já sabia
qual seria a resposta de Nemo para uma pergunta desse tipo.
Mas quais eram as alternativas?
— E você? – ela perguntou a Rena.
— Eu não posso voltar para os negócios do dia-a-dia
agora – a garota disse. — Quero tirar Yo-Yo de lá.
Seis assentiu. — Sam, posso conversar com você no seu
quarto? – ela disse, levantando-se.
Sam a seguiu. — Normalmente, eu ficaria feliz em ouvir
você dizer isso – ele brincou enquanto fechava a porta da ca-
bine. — Mas eu tenho um pressentimento de que sei sobre o
que você está pensando, e também acho que isso vai tornar
nossa vida muito mais complicada.
Seis ligou o monitor que estava fixado à parede do outro
lado da cama. — Diga a essa coisa para ligar para McKenna – ela
disse.
Um minuto depois, eles estavam falando com McKenna,
cujo rosto preenchia a tela toda. — Então, quantos eu devo es-
perar para o jantar? – ele disse.
— Sobre isso – Seis disse. — Quantos quartos existem na
sua base de operações de luxo?
— O suficiente para a empresa – McKenna respondeu. —
Você está pensando no que acho que está?
— Talvez – disse Seis. Ela contou a ele sua ideia. — Até
descobrirmos o que fazer com eles.
— Eu não vou me opor - McKenna disse quando ela aca-
bou. — Mas há algumas complicações. Apesar do que eles po-
dem ter dito a vocês, os três andarilhos têm pessoas procu-
rando por eles. Pessoas que se preocupam com eles.
— Você não os reportou, né? – Seis perguntou.
McKenna mexeu a cabeça. — Ainda não – ele disse. —
Mas eu vou ter que reportar. E isso traz um problema adicional
– assim que eles forem encontrados e salvos, será esperado que
eles se reportem à AGH.
— Eles não vão querer fazer isso – seis Disse. — A maio-
ria deles, pelo menos.
— Como eu disse, isso gera problemas – disse McKenna.
— Vamos conversar com eles – Sam disse. — Veremos o
que podemos fazer.
— Vocês não têm muito tempo – disse McKenna. — Como
eu disse, os familiares estão preocupados.
— Entendi – disse Seis.
— Tudo bem – McKenna disse. — Agora, ao que inte-
ressa. Tivemos outro sequestro de alguém que cura.
— Quem agora? – Seis perguntou.
— O nome dela é Taylor Cook. Uma americana.
— Você quer que procuremos por ela? – Seis disse.
— Não é necessário – McKenna respondeu. — Ela foi de-
volvida. Para a AGH. Ela está lá agora.
— Então não há problemas.
— De fato, há – McKenna respondeu. — Um bem grande.
Taylor tem informações sobre quem esteve raptando os iguais
a ela. É um problema bem maior do que pensávamos. E talvez
requeria que vocês trabalhem mais diretamente com a Acade-
mia da Garde Humana, e possivelmente com a Garde Terrestre.
Eu gostaria que vocês fossem até lá para conversar com Nove.
— Opa! – Seis comentou. — Reunião de família.
— Eu vou avisá-los de que vocês estão indo – McKenna
disse. — O Capitão Kirk pode pousar na Califórnia, e assim que
vocês se encontrarem com Nove, podem prosseguir para a base
de operações.
— O que faremos com nossos convidados enquanto esti-
vermos lá? – Seis perguntou. — Eu não acho que seja uma boa
ideia levá-los junto.
— Na verdade, talvez seja – McKenna disse. — Deixe-os
conhecer o local. Talvez um ou quem sabe mais de um decida
ficar por lá.
Ele desligou. Seis se sentou na cama, e então se jogou
para trás. — Isso está ficando complicado – ela disse.
Sam se deitou ao lado dela. — Você gosta quando com-
plica – ele a lembrou. — Na verdade, você é meio que uma defi-
nição para complicações – ele pegou a mão dela. — É isso que
eu gosto em você. Não se preocupe. Tudo vai ficar bem. E vamos
passar um tempo com meu pai, e com Nove também.
Eles ficaram lá por um tempo, sem dizer nada. Seis fe-
chou seus olhos. Talvez ela pudesse pelo menos tirar um cochilo
antes de pousarem.
Então alguém bateu na porta.
— Vocês já estão acabando aí? – a voz de Nemo soou do
outro lado da porta trancada.
— Por que? – Seis respondeu. — O que está acontecendo?
— Ah, nada demais – Nemo disse. — Só o piloto que des-
pareceu – além do fato de ninguém estar pilotando o avião!

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