Você está na página 1de 7

V

________________________

Raiva
________________________

Quando alguns sentimentos dominam, é quase difícil controlá-los de forma racional, ainda mais
quando se trata de certas pessoas. Natasha não sabia o que era raiva até conhecer Gabriella
Diamond. Ela podia não saber, mas Natasha a conhecia bem antes da Cyberlife. Se a mesma
entendesse a razão pela qual ela guardava aquele sentimento caótico, entenderia e talvez até
aceitasse.
Tudo começou há alguns anos na faculdade Colbridge, a maior faculdade de cursos de inteligência
artificial. Natasha veio de uma família que mal conseguia se manter viva, a jovem trabalhava em
dois empregos ao mesmo tempo que também frequentava e pagava por seu curso, seu desejo
sempre foi ser a aluna mais aplicada da turma, porém sempre que Elijah Kamsky e Gabriella
Diamond estavam com ela em uma turma, Natasha acabava sendo a última do rank com as piores
notas. Com o tempo, ela notou o quanto aqueles dois conseguiam atrair o pior dela, isso incluía
principalmente sua vida acadêmica e social. Os professores amavam os dois e não importa o que
fosse, seus nomes estavam sempre na boca dos clubes como se fossem heróis.
No dia da formatura, Elijah se tornou o orador da turma. Naquele dia, ele finalmente revelou sua
ambição, o que deixou todos perplexos, mas também empolgados. Natasha sabia que era
impossível aquilo acontecer, mas no final ela soube do pior jeito que nada era impossível para
Elijah Kamsky, pois se ele queria, ele teria.
Quanto para Gabe, Natasha tentou ter simpatia por ela, mas durante o período acadêmica, teve
toda a certeza de que a morena queria lhe tirar do sério. Tudo que a jovem conquistou, a Diamond
simplesmente chegava e tomava para si, ela era tóxica e tirava-a do sério. Durante anos e anos
Natasha prendeu-se aquele fato, o fato de que aquelas pessoas queriam tomar tudo que era dela por
direito e isso a fez recorrer a psicólogos que chegaram à conclusão de que a mesma estava quebrada
por dentro, mas ela não estava! Natasha sentia raiva 24h, raiva era o seu sentimento e ainda era até
os dias atuais, porém ela mascarava seus sentimentos, ainda mais quando deu cara a cara com Gabe
na Cyberlife. Era o seu primeiro dia lá quando a encontrou e como imaginou, a morena não
lembrava-se dela, o que facilitaria em seus planos.
Kamsky havia realmente feito aquilo que prometeu no dia da formatura, ele se tornou um Deus e
criou os tão amados andróides, idolatrados pela humanidade que se tornou preguiçosa a ponto de
usá-los para suas tarefas do dia a dia. Novamente um de seus inimigos havia subido na vida. Porém
ele não permaneceu no cargo por muito tempo como imaginaria, Elijah ficou tão abalado pela
morte da antiga professora Amanda Stern que acabou desaparecendo do mundo, deixando Gabe
igualmente abalada. Natasha teria o caminho aberto, mas ainda havia Gabe no meio, o único jeito
seria se aproximar o bastante para conseguir a confiança dela.

Presente

Natasha engoliu em seco quando viu a cabeça do andróide quase amassada pelos chutes e pisadas
fortes de Adam. Gabe se pronunciou para retirá-lo da sala e Natasha deu graças a deus por aquilo.
Assim que ambos saiam, via Adam voltar para sua cadeira.
— O senhor me chamou? — A jovem apertou os arquivos que tinha em mãos observando a figura
esguia de Adam na cadeira. Ele tinha um globo em mãos enquanto seus olhos estavam afastados —
Se é sobre os relatórios, eu estou com eles em mãos.
— Você e a Diamond se conhecem bem, não é ?
— Sim..somos amigas — Natasha fingiu um belo sorriso gentil, Adam estalou a língua enquanto se
ergueu. Ele era observador e ele sabia quando havia algo de errado.
— Você é boa no que faz, Sterling — ele falou enquanto suas mãos brincavam com o globo em
suas mãos, Natasha o observava com cuidado enquanto Adam andava pela sala, especificamente ao
redor da jovem — até mesmo enganar a senhorita Diamond você consegue, sejamos honestos, ela é
inteligente, ela é brilhante no que faz, os relatórios são sempre perfeitos e ela até mesmo adiciona
boas ideias que podem tornar a Cyberlife mil vezes melhor. Quem sabe, ela deve estar sentada
naquela cadeira ao invés de mim.. — Ele admitiu e aquilo fez com que a jovem diante dele sentisse
o estômago revirar — Mas isso não é algo que gostaria de ouvir principalmente de mim.
— Como o senhor..
— Você é uma observadora assim como eu, Sterling — Adam se aproximou da mesa e apoiou-se
sobre ela — Então notou que a Diamond anda diferente?
— Sim, senhor — Natasha assentiu. Adam gostava de um bom desafio e gostava ainda mais
quando tinha as pessoas aos seus pés — mas não posso garantir que seja o que estou pensando.
— E o que está pensando?
— Que talvez a Diamond esteja roubando bio-componentes do armazém.. — Natasha falava com
um grande "Q" de afirmação que deixou Adam curioso
— Quero que fique de olho nela..Não quero que a mídia tenha a Cyberlife na boca do povo — Ele
sabia que Natasha faria um bom trabalho, pois afinal ele podia ver nos olhos daquela jovem que ela
guardava algum tipo de ressentimento pela Diamond, algo que ele não sabia muito bem o que era,
mas que seria útil para descobrir o que Gabe escondia — se fizer um bom trabalho, o cargo dela será
seu.
— Não irei decepcioná-lo, senhor — Natasha se dirigia à porta com um olhar determinado e um
coração que batia e que era movido ao seu único sentimento.

(...)

North o amava.

Ela conhecia a si mesma o bastante para saber que aquilo era amor. Desde o momento que Markus
surgiu em Jericho, trazendo esperança para todos, ela soube naquele momento que ele deveria ser
dela e que ela deveria pertencer a ele. Com o tempo que começaram a colocar a revolução em
prática e com os momentos e conversas que tinham, ela apenas se apaixonava por Markus mais e
mais. Quando o momento fosse certo, North finalmente diria a ele seus sentimentos, diria o quanto
o amava e quanto esperava ter uma vida com ele quando finalmente os andróides tivessem seus
direitos atendidos, ela podia imaginar aquele dia em sua memória digital.
Porém, durante um ataque, a polícia feriu as pernas de Simon e Markus não sabia o que fazia para
recuperá-las até que um dos andróides revelou que havia algo que poderia ajudá-los. North sentiu
que aquilo não daria certo, mas Markus quis levar aquilo até o final. Junto com Josh, North e
Markus levaram Simon até uma rua coberta pela neve e lá eles acharam quem eles queriam
conversar: uma humana jovem. North sentiu que aquilo seria problema e insistiu que devessem
achar ajuda em outro lugar, mas Markus pela primeira vez não lhe deu ouvidos, aquilo a deixou tão
magoada que durante o resto daquela "visita", ela se manteve quieta e longe da visão da humana.
Não escutou a conversa, mas sentia -se incomodada em deixar Markus ali.
— Você está bem, North? — Josh perguntou cruzando os braços olhando de forma fixa para o céu
escuro da noite, North soltou um resmungo.
— Não deveríamos estar aqui.
— Eu sei, também não acho uma ideia, mas era isso ou abandonar o Simon — Josh odiava
abandonar alguém do seu povo para trás, era doloroso — Markus jamais abandonaria o Simon
então essa era a única opção.
— Eu não gosto dela — North comentou baixinho e desviando o olhar.
— Dá para ver pelo seu olhar de raiva.
Sim, raiva. Ela tinha raiva de uma humana que mal conhecia e aquilo apenas piorou. Os outros
andróides começaram a comentar sobre ela e o que ela fazia pelo povo de Jericho, ouvir o nome de
Gabriella Diamond era como um karma que perseguia North até mesmo no seu abismo. Todos a
olhavam como uma médica inabalável e isso apenas atraía Markus para ela novamente, North quis
acompanhá-lo para encontrar a humana, mas ele recusou-a e isso foi outra decepção para o seu
coração apaixonado.
Durante o ataque policial, North foi a única que foi atrás de Markus para protegê -lo, mas não o
encontrou. Foram horas de desespero e dor que a fizeram achar que talvez o líder estava morto, mas
quando ele retornou a noite foi apenas para dizer que havia sido salvo por nada mais nada menos
que Gabriella. Ela estava cansada e estava na hora pôr juízo na cabeça do divergente

12h45 AM

— Markus, precisamos conversar — North se aproximou ao vê-lo anotar coisas em um mapa, ele
provavelmente estava planejando algo, porém aquela não era a hora, ao menos não para ela — Não
acho que seja uma boa ideia manter a humana aquilo.
— …. — Markus mal a ouviu, pois estava concentrado, mas North insistiu.
— Markus, ela é uma humana.. Não são confiáveis e podem nos trair a qualquer momento!
— North já conversamos.. Isso é algo que eu irei resolver caso aconteça — ele soltou um suspiro. A
mesma fechou as mãos e então se aproximou novamente, chamando a atenção de Markus —
Simon confia nela e… Eu também — Ele então guardou o mapa de Detroit enquanto se
aproximava da cabine onde ele podia ter uma boa visão de Gabe se socializando com os outros. Os
olhos de Markus estavam bem atentos a ela e aos seus gestos — ela é amável, eu sinto isso.
— Markus.. — North tentou ver algo que indicasse que ele não falava sério.
— Se pretendemos ser bem sucedidos nisso, vamos confiar nela — Ela deu seu último veredicto
antes de sair de sua sala para se juntar aos outros.
North se apoiou sobre o painel da cabine enquanto o via se afastar, seu coração se despedaçando de
uma forma dolorosa e a vontade de chorar era imensa, ao mesmo tempo que o sentimento de raiva
e ódio também se construía em seu ser.
Enquanto que Gabe checava ferimentos, sem ter noção do que acontecia com North. Sua reação
com cada ferimento que foi causada por humanos era de horror, os modelos YK500 que era um
modelo infantil deveria simular uma criança real e as duas andróides tinham feridas no rosto e uma
delas precisava de um braço. A morena tentava não sentir raiva, pois as duas andróides eram
crianças, elas tinham sentimentos infantis então qualquer reação de raiva de Gabe poderia assustá-
las. Muitos andróides precisavam ser tratados ali e ela precisaria fazer uma bela e longa lista de bio-
componentes e peças. Markus ficava observando encostado em um pilar enquanto a mesma tratava
dos seus seguidores, ao menos tentando estender a vida deles.
Markus não conseguia manter seus olhos longe dela, ele queria saber e principalmente
compreender o que acontecia com seu sistema sempre que olhava para ela. Ele acreditava que era
apenas uma instabilidade no sistema e que talvez a mesma fosse capaz de consertar, durante
bastante tempo ele tem lutado com a polícia durante os ataques, algo em seu corpo deve ter sido
danificado.
— Algo errado? — a morena perguntou quando o viu ali em silêncio e decidiu se aproximar.
Markus se apoiou no pilar quando ela se aproximou.
— Não — falou evitando falar sobre suas dúvidas quanto a si mesmo — Você terá bastante
trabalho pela frente..
— Sim, quer dizer, não é nada que eu não possa resolver eu acho..algumas peças vão ser
encomendadas, apenas espero que a polícia não fique desconfiada com tantas encomendas assim..
— ela sorriu um tanto sem graça em conversar sobre aquilo, já que eles estavam com grandes
esperanças nela em relação aquilo. Markus cruzou os braços novamente.
— Há algumas peças que podemos encontrar para você caso precise — olhou para o lado — Não
será problema..
— Isso ajudaria, mas não quero por vocês em problemas — A mesma logo dava uma olhada em seu
relógio, estava tarde e amanhã com certeza precisaria chegar cedo ao trabalho, seria bom não gerar
suspeitas principalmente em Adam — Eu preciso ir.
Markus assentiu e então tomou a frente e Gabe o seguiu para fora do cargueiro no qual já havia
memorizado todo o caminho. A jovem já não sentiu aquela insegurança que sentia quando pensou
o que faria quando chegasse até ali, todos os divergentes estavam ali em busca de uma forma de
serem livres, era o que Markus tentava fazer mesmo que ele achasse que a revolução fosse seu único
caminho, mas não era o único caminho.
— Sua causa é nobre.. — Ela finalmente falou durante o caminho atraindo a atenção do
divergente. Ela apressou os passos até alcançá-lo, se mantendo ao lado dele enquanto andavam —
Mas ainda acho que deve haver um jeito menos agressivo de resolver as coisas.
— .. Você é como uma de nós agora — Falou ele voltando seu olhar para ela — me fale.
— Protestos — disse ela pensando — Passeatas, placas.. Coisas que um protestante em busca de
mudança faria! — os olhos dela chegavam a brilhar enquanto lhe sugeria aquelas ideias.
— Não sei se eles nos escutarão.
— Provavelmente não, mas é preciso insistir.. Se tiver a atenção do público, talvez ainda tenham
uma chance — Quando ambos chegavam à saída, Gabe se virou para ele com um sorriso — Uma
chance de que humanos e andróides possam finalmente conversar sobre o futuro.
— Você tem tanta fé nessas ideias.. Por quê?
— A esperança é a última que morre, Markus.
Markus ficou observando e mal conseguia falar o que queria naquele momento. Cada vez que ela
falava sobre fé e esperança, a mesma parecia brilhar de uma forma resplandecente, assim como o
nascer do sol, espalhando luz em todos os cantos. Levou sua mão até o seu peito, pois sentia seu
coração acelerar de uma forma descontrolada.
— Ei — ela se aproximou quando notou que estava agindo de uma forma estranha — você está
bem? — perguntou estando um pouco preocupada com as ações de Markus.
— Estou bem, você deveria ir.
— Tem certeza? Eu poderia checar se seus bio-componentes estão funcionando — a mesma
tentava ser prestativa ainda mais naquele momento, mas ele recusava sua ajuda. Talvez estivesse
exagerando — Tudo bem então.. Se precisar de mim, sabe onde me encontrar.
— Eu sei — O divergente assentiu e Gabe sorriu enquanto dava meia volta e então ia saindo do
campo de visão de Markus.
Os eventos que aconteceram até aquele momento seriam importantes, pois Markus sentia que uma
hora precisaria analisar cada um deles. Seus sentimentos e pensamentos se tornaram confusos desde
o momento que conheceu Gabe, antes dela, ele tinha total certeza do que queria, declarar uma
guerra aos humanos por tudo que eles haviam causado aos andróides e a eles mesmos, era o seu
objetivo. Abrir os olhos deles e fazê-los aceitar os divergentes como uma nova raça, mas aí ela
apareceu e deixou sua cabeça uma bagunça, o fazendo questionar o por quê de fazer aquilo e o pior
de tudo é que sempre que ela o questionava ele simplesmente não sabia com o que respondê-la.
Sempre soube o que fazer, mas ali estava ele se perguntando qual seria a melhor abordagem. Se
houvesse humanos bons como Gabe lá fora.. então valeria a pena salvá-los? Torná-los amigos ao
invés de inimigos?

A Detroit de certa forma tinha mudado tanto para Gabe, Markus, North, Natasha ou até mesmo
Adam. Em cada uma dessas quatro figuras algo iria mudar junto com o destino de Detroit, mas a
pergunta era: quem iria estar de pé no final desse embate?
Quando Elijah recebeu o telefone sobre o acidente fatal de Carl Manfred, descobrindo sobre sua
invalidez, ele não só sentiu que deveria dar um presente a altura para seu amigo, porém também
sentia que o que faria por ele, seria o início de um novo capítulo. Carl precisava de ajuda e de
companhia e o andróide precisava de um mentor, alguém que o fizesse abrir seus olhos.
A princípio Carl recusou seu presente, mas Elijah insistiu até que ele desistisse e o aceitasse de uma
vez. "Como irá chamá-lo?", Elijah perguntou.

"Markus"

Elijah sorriu em retribuição pela sábia escolha. Mal sabia o pintor que recebia em sua casa aquele
que iria desencadear um novo caminho para humanidade e também para os andróides. Assim
como Elijah havia previsto.
Detroit havia mudado da forma como ele havia imaginado, seu plano começou no momento que
ele imaginou Chloe fisicamente. Andróides seriam grandes em todos os aspectos, por que não torná
-los mais humanos ainda?
Por que não torná-los.. incríveis?

Fim do capítulo V.

Você também pode gostar