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Jeron
ISSN 0034-7183
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 281-441, set./dez. 2006.
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VOLUME 87 | set./dez. 2006
Jeron
ISSN 0034-7183
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 281-441, set./dez. 2006.
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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira.
v. 1, n. 1, (jul. 1944 - ). – Brasília : O Instituto, 1944 -.
Quadrimestral. Mensal 1944 a 1946. Bimestral 1946 e 1947. Trimestral 1948 a 1976.
Suspensa de abr. 1980 a abr. 1983.
Publicada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, até o v. 61, n. 140, set. 1976.
Índices de autores e assuntos: 1944-1951, 1944-1958, 1958-1965, 1966-1973, 1944-1984.
ISSN 0034-7183
1. Educação-Brasil. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
REVISTA BRASILEIRA DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEP Sumário/Summary 217
ESTUDOS / STUDIES
Família e escola: uma parceria necessária para o processo de letramento 291
Family and school: a necessary partnership for the literacy process
Eulália H. Maimoni
Ormezinda Maria Ribeiro
286
Apresentação
Romper tal círculo vicioso exige o reconhecimento de que a oferta de educação por
tal tipo de escola seja aquela capaz de promover uma atualização histórico-cultural, via
uma formação sólida, crítica, ética e solidária, articulada com políticas públicas de
inclusão e de resgate social. Portanto, além de políticas públicas e projetos escolares e
extra-escolares que possibilitem enfrentar os déficits inerentes ao cotidiano das popu-
lações menos favorecidas, é urgente introjetar em toda a comunidade escolar (no senti-
do abrangente que inclua também pais e alunos) uma visão da educação como direito e
bem social, capaz de contribuir para promover a emancipação dessas populações.
Em termos da escola ela se materializa por meio de projeto pedagógico que contem-
ple a identificação de conteúdos e conceitos relevantes no processo ensino-aprendiza-
gem, a avaliação que subsidie a correção de problemas que afetam a aprendizagem
efetiva, a utilização adequada dos recursos pedagógicos e uma concepção ampliada de
educação envolvendo cultura, esporte e lazer, ciência e tecnologia. E, sobretudo, além do
financiamento adequado para a educação, na valorização da força de trabalho docente e
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 287-290, set./dez. 2006. 287
Apresentação
Nesse sentido, é digno de nota o fato de essa edição da RBEP trazer vários estudos
abordando diferentes aspectos relacionados com a qualidade da educação e as múlti-
plas formas de ofertá-la.
288 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 287-290, dez. 2006.
Apresentação
Angela Rocha dos Santos, discutem uma pesquisa-ação sobre formação continuada
de coordenadores pedagógicos do Estado do Rio de Janeiro em 2005, desenvolvida
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Secretaria de Estado de Educação do
Rio de Janeiro. Ela focaliza as formas pelas quais a construção e reconstrução identitária
dos sujeitos envolvidos foi buscada na proposta e nos materiais elaborados e apresen-
ta as construções discursivas sobre temas didático-pedagógico-curriculares trabalha-
dos na perspectiva multicultural, no âmbito dos módulos produzidos para o curso,
visando contribuir para reflexões sobre possíveis traduções do multiculturalismo para
propostas didáticas e curriculares concretas em ações de formação inicial e continu-
ada de docentes.
O resultado de outra pesquisa, desta vez sobre “O aluno da escola pública: o que
dizem as professoras”, é apresentado por Alda Judith Mazzotti. A pesquisa investigou
as representações de “aluno da escola pública” construídas por professores da rede
pública de ensino fundamental do Rio de Janeiro. Utilizando a abordagem estrutural de
Abric, concluiu-se que o núcleo da representação é constituído pelos elementos pobre e
aprende a “se virar” sozinho. Cotejando-se estes resultados com os obtidos nas etapas
anteriores da pesquisa, observa-se que, para os professores, o aluno tem que aprender a
“se virar” sozinho porque é pobre e a pobreza implicaria desagregação familiar e luta
pela sobrevivência, impedindo os pais de oferecerem aos filhos a atenção de que neces-
sitam. Dadas todas estas características, esse aluno representaria um desafio para os
professores, desafio este que eles se sentem impotentes para enfrentar.
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dos processos de ensino-aprendizagem. Os resultados apontaram a origem das falhas
desses processos como decorrentes da forma pela qual se estrutura o ensino superior no
Brasil, o que sugere reflexões sobre mudanças no método de seleção de professores,
equilíbrio entre formação didática e pedagógica e formação específica, formas de
ingresso e de atuação docente e incentivo à formação continuada.
Boa leitura!
290 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 287-290, dez. 2006.
ESTUDOS
Resumo
Aborda questões que envolvem as práticas de leitura e escrita na escola e a interfe-
rência da família nesse processo, considerando as concepções de letramento que
subjazem a essa prática e como a família tem contribuído para a mudança ou para a
cristalização das práticas escolares de leitura e escrita que emergem dessas diferentes
concepções. Com base em pesquisas realizadas na Universidade de Uberaba, são apre-
sentadas as implicações da participação de pais para a proficiência em leitura e escrita
de alunos de ensino fundamental.
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Eulália H. Maimoni
Ormezinda Maria Ribeiro
292 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 216, p. 291-301, maio/ago. 2006.
Família e escola: uma parceria necessária para o processo de letramento
nossa questão não é apenas ensinar a ler desse suporte que sejam diferentes daque-
e escrever, mas é muito mais do que isto: las historicamente escolarizadas.
é possibilitar a plena participação social Bortone e Ribeiro (2000, p. 66) desta-
a partir das práticas sociais da leitura e cam que a prática de leitura na escola fra-
da escrita, que deverão ser desenvolvidas cassa justamente pela forma como é
cotidianamente. operacionalizada. A leitura do texto é tra-
De um modo geral, a escola trabalha balhada linearmente, com a decodificação
com diferentes práticas de leitura. Pela sua de conteúdos a serem avaliados. Soma-se
própria função e especificidade, essas prá- a esses fatores o fato de se reduzir a leitura
ticas diferem de outras práticas de leitura apenas a textos literários, tornando o pro-
no campo social, já que não se trata so- cesso irreal e particularizado. Dessa ma-
mente de uma necessidade da vida coleti- neira, as agências de letramento não con-
va, mas têm como objetivo explícito a for- tribuem no sentido de explicar os usos e
mação de leitores. Todavia, essa as funções sociais da leitura e da escrita.
especificidade da leitura escolar não a As diversidades de práticas discursivas que
desvincula do campo social mais amplo, caracterizam as várias modalidades de lei-
pois a leitura só tem sentido como uma tura são, pois, reduzidas às de prestígio na
prática social porque é parte de uma ca- tradição escolar.
deia de significação, conforme postula E quais seriam as condições para que
Bakhtin (1990, p. 58). a escola desenvolvesse essas habilidades?
Se, por um lado, a escola objetiva a Onde entra a família nesse processo? Qual
formação do sujeito, o que implica todo um é efetivamente o seu papel para a constru-
leque de intencionalidades para formar lei- ção de um processo de letramento ideal?
tores em potencial, por outro, é imprescin- Bortone e Ribeiro (2000, p. 66) afir-
dível a busca de resgatar as funções e usos mam, ainda, que a primeira condição é ga-
sociais da leitura, que vão garantir que esse rantir uma escolarização real e efetiva.
leitor alcance seus objetivos e processos no Toda a escola – direção, professores, corpo
uso da leitura. discente – e as famílias dos alunos deveri-
Contudo, no espaço de sala de aula, am engajar-se em um amplo projeto de
onde as experiências de leitura deveriam leiturização que propusesse formas alter-
se aprofundar, a ênfase recai no processo nativas e produtivas para tornar não só os
de sistematização da leitura, quase que alunos, como também os professores (in-
em detrimento das outras possibilidades, dependentemente de sua área de atuação),
e os responsáveis pelo processo de cada vez mais proficientes nos diversos ti-
letramento ou leiturização acabam em- pos de textos. Desse modo, a leitura não se
pregando como pretextos textos e frag- resumiria à decodificação de sons em le-
mentos de textos retirados quase que ex- tras, mas trabalharia as habilidades
clusivamente de livros didáticos e pro- cognitivas e metacognitivas que incluiri-
pondo uma leitura destinada unicamen- am a capacidade de interpretar idéias, de
te a desenvolver ou avaliar conhecimen- fazer analogias, de perceber o aspecto
tos lingüísticos, no sentido restrito. polissêmico da língua, seus diversos sen-
Nesse caso percebemos que a concep- tidos, entre eles a ironia, de construir
ção de linguagem que subjaz a esse traba- inferências, de combinar conhecimentos
lho é, quase sempre, a de linguagem como prévios com a informação textual, de alte-
expressão do pensamento, ou como instru- rar as previsões iniciais, de refletir sobre o
mento de comunicação, em que o sentido que foi lido, sendo capaz de tirar conclu-
está dado pelo signo lingüístico, sões e fazer julgamentos sobre as idéias
desvinculado de suas condições de produ- expostas, entre outros.
ção e de seus usos e funções reais. Não A segunda condição, para Bortone e
importam as estratégias ou os veículos Ribeiro (2000), é que haja um material de
materiais; a revista e o jornal são trabalha- leitura disponível e de qualidade. Como
dos na mesma lógica que os textos didáti- é possível tornar nossos alunos letrados
cos ou os livros de literatura. Dá-se ênfase sem uma boa biblioteca, sem a leitura de
apenas à capacidade de verbalização da revistas e jornais, ou seja, sem um ambi-
leitura. Suas possibilidades sociais não ente real de letramento? É necessário,
são trabalhadas ou discutidas, uma vez portanto, que os alunos tenham acesso
que a professora, apesar de ciente delas, constante a bons livros didáticos e
não encontrou formas de incorporação paradidáticos, obras técnicas e teóricas,
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Eulália H. Maimoni
Ormezinda Maria Ribeiro
294 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 291-301, set./dez. 2006.
Família e escola: uma parceria necessária para o processo de letramento
para a modalidade escrita, de forma que o eles poderão apropriar-se das leituras, com
educando perceba suas correlações e di- a possibilidade de, como leitores, produzir
ferenças, dada a natureza de cada uma, e, sentido a partir do texto, levando em consi-
assim, possa se expressar com proficiên- deração seus conhecimentos lingüísticos e
cia nas diversas situações discursivas que de mundo e contextualizando sua leitura
a sociedade lhe impõe. em função de objetivos pessoais ou de ne-
Para as crianças, por um lado, a preo- cessidades sociais?
cupação com o desempenho escolar res- Levando-se em consideração a diver-
tringe, ao invés de ampliar, suas possibili- sidade cultural, pouco se tem feito, na es-
dades de leitura. Os livros comprados pe- cola, no sentido de desvelar as práticas
los pais, em sua maioria, são livros didáti- socioculturais de relação com a escrita dos
cos, cujos textos se prestam, na maior par- diferentes grupos sociais que compõem
te das vezes, para se avaliar a capacidade essa diversidade.
de oralização da leitura feita pelas crian- Na relação família e escola, a família
ças, o que demonstra a apropriação pelos legitima o discurso escolar, buscando ade-
pais da concepção de leitura veiculada quar as práticas culturais familiares às pra-
pela escola. ticas escolares. Castanheira (1991) consta-
Fica a cargo da escola a seleção dos tou que há toda uma preparação para a al-
livros de leitura que as crianças irão ler. A fabetização escolar, antes mesmo que a cri-
ênfase, nesse caso, também recai na con- ança entre na escola.
cepção de que é preciso aprender a ler para A grande importância que essas famí-
só então fazê-lo. lias atribuem à escola é quase unânime.
Nesse processo, são geralmente as Por isso, na leitura para as crianças predo-
mães que ajudam seus filhos nas ativida- mina a concepção escolar. Os pais com-
des escolares. Algumas mães, pela curta pram livros didáticos e avaliam o desem-
trajetória escolar, mostram-se inseguras penho da criança na oralização da leitura.
nessa tarefa, sentindo-se quase incapazes Embora as crianças tenham acesso a revis-
de ajudar seus filhos. tas em quadrinhos, alguns até a fitas de
Essa posição sobre a leitura, que a es- vídeo, os livros de literatura encontrados
cola adota e a família assume, é de certa na família são aqueles emprestados pela
forma cristalizada pelo próprio fetiche do escola, por meio do Projeto Leia Brasil ou
livro de literatura, que se tornou tanto o pela iniciativa pessoal da professora.
simulacro da escola, por ensinar sempre A importância da escola como media-
uma atitude ou um saber à criança, e con- ção cultural, desse modo, apresenta-se
formou-se em atuar como um instrumento como fundamental na formação desses lei-
do ensino, ao ser introduzido na sala de tores. É preciso, no entanto, por um lado,
aula na forma simulada de livro didático. conhecer as práticas, possibilidades e
Segundo Zilberman (1990, p. 100), o potencialidades de leitura com as quais a
livro infantil, mesmo antes de entrar para criança interage em seu meio familiar e
a seleção da escola, sempre teve uma pos- social e, por outro lado, ampliar as práti-
tura pedagógica para inculcação de valo- cas de leitura da escola. Dessa forma, as
res e normas do mundo adulto e sempre crianças poderão reconhecer algumas prá-
apresentou uma forte ligação com os tex- ticas com as quais têm alguma familiari-
tos educativos. dade e conhecer aquelas que não fazem
Na sala de aula, a ação pedagógica pri- parte de seu meio, incluindo a leitura vir-
vilegia resquícios da concepção teórica da tual, que é uma prática cada vez mais coti-
deficiência cultural em que os alunos são diana nas sociedades letradas.
considerados não-leitores, alegando-se a Partindo de uma concepção de leitura
falta do hábito de leitura em suas famílias como produção de sentidos, tendo como
para justificar a ênfase na sistematização fundamento o conhecimento que o leitor
da leitura e a limitação da leitura como tem da linguagem e do mundo, a sistema-
prática social a outros momentos e espa- tização da leitura passa a ser uma parte
ços. Essa perspectiva é comum em proces- importante de um processo mais amplo, que
sos iniciais de alfabetização na escola, envolve as múltiplas possibilidades de lei-
em que, primeiro, aprende-se a ler para, tura produzidas por diferentes sujeitos, com
só então, efetivamente ler. O inusitado é diferentes objetivos e conhecimentos pré-
que os alunos não estão em um processo vios, diante de diferentes tipos de texto e
inicial de alfabetização. Quando, então, em ambientes socioculturais diversificados.
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Eulália H. Maimoni
Ormezinda Maria Ribeiro
À família, atuando de forma conjunta de seis a 16 anos. Esses pais eram estu-
com a escola, caberá o papel de co-partici- dantes de licenciatura da mesma univer-
pante do processo, mediando aprendiza- sidade, no ano de 2001. O procedimento
gens de seus filhos, de modo a garantir que de mediação de aprendizagens de leitura
as crianças possam receber um suporte pre- foi o mesmo nos dois estudos. Consistia
ventivo, em idade de aquisição da leitura em o pai, mãe ou responsável ouvir o alu-
e da escrita. no ler, por cinco minutos, um texto curto
A experiência da aprendizagem medi- escolhido pelo filho, de acordo com o in-
ada caracteriza-se por uma situação de teresse do ouvinte, sobre temas variados
interação entre um adulto, ou colega mais de jornal, revista ou livro, desde notícias
capaz, e um aprendiz. Nela, o agente me- sobre acontecimentos atuais até receita de
diador, que é o mais capaz nesse momen- bolo ou curiosidades, como a invenção da
to, seleciona e ordena as aprendizagens, escova de dente, por exemplo, ou sobre
dando-lhe significados específicos da cul- esportes. Esse procedimento foi adaptado
tura a que pertence, o que, segundo de Topping (1989), que propôs com bas-
Linhares (1995), pode ampliar o seu po- tante clareza como pais podem colaborar
tencial para a mudança ou para a aprendi- com a escola na aprendizagem dos filhos,
zagem. Os estudos de Beyer (1996), ao fazerem o que o autor chamou de "lei-
Linhares (1995) e Baquero (1998), que, tura conjunta" com seus filhos em casa,
apoiados em Vygotsky, relacionam a expe- de uma forma agradável para ambos. O
riência da aprendizagem mediada ao con- mesmo autor (1990, 1994) também elabo-
ceito de zona de desenvolvimento rou e testou um outro procedimento para
proximal, a pesquisa longitudinal de as aprendizagens de escrita, que os pais
Bradley, Caldwell e Rock (1998), que en- podem utilizar, o qual foi adaptado ape-
controu uma relação entre a estabilidade nas para o segundo estudo, com o objeti-
do envolvimento dos pais e a competência vo de proporcionar aos participantes da
escolar dos alunos, e os resultados da pes- pesquisa a oportunidade de, nesse proces-
quisa Construindo trajetórias para a so de mediação, melhorarem o seu pró-
leiturização, desenvolvida na Universida- prio desempenho em produção escrita, na
de de Uberaba por Bortone, Maimoni e Ri- qualidade de estudantes universitários,
beiro (1999-2000), apontaram para a ne- que eram mediados pelos pesquisadores
cessidade de um estudo acerca das ativi- em tarefa de produção de texto. Esse estu-
dades de leitura e escrita, pelo qual os pais do objetivou ainda contribuir em um ou-
universitários envolvidos na pesquisa se tro aspecto para a formação desse aluno
capacitassem a exercer a mediação de universitário: como futuro professor, pre-
aprendizagens para que seus filhos possam tendeu-se que, através da experiência da
ser leitores proficientes. aprendizagem mediada em leitura e escri-
A seguir, passaremos a descrever es- ta, na relação com seus filhos, ele pudes-
ses estudos sobre a mediação de ativida- se utilizar tal procedimento, depois, com
des de leitura e escrita exercida por pais seus alunos. Esperava-se que, em decor-
em casa, com o objetivo de ilustrar melhor rência da sua participação em uma pes-
essa possibilidade. Foram pesquisas reali- quisa dessa natureza, esse professor tam-
zadas na Universidade de Uberaba: a pri- bém ficasse sensibilizado para atuar com
meira1 coordenada por Márcia E. Bortone os pais dos alunos das escolas onde vies-
e a segunda, por Eulália H. Maimoni, ten- se a trabalhar, criando condições
do ambas colaborado nas duas pesquisas. facilitadoras para a colaboração família-
Do primeiro estudo participaram pais escola, evitando as resistências que
de alunos de 2ª série do ensino fundamen- comumente ocorrem nessa interação.
tal, de nível socioeconômico baixo, con- Segundo Klein (1992), uma boa me-
forme critérios de seleção da própria esco- diação deve ter as seguintes característi-
la, já que se tratava de uma instituição cas: focalização, expansão, afetividade,
mantida pela universidade particular aci- recompensa e regulação. Essa autora de- 1
Pesquisa publicada na ínte-
ma referida. Esse estudo compreendeu um senvolveu um programa para mães e gra na Revista da Abrape,
período de dois anos (1999-2000). Do se- cuidadoras de creche, com o objetivo de tendo sido realizada com a
colaboração do bolsista
gundo estudo2 participaram pais universi- promover a qualidade de sua mediação Tiago Olivieri de Paiva.
tários cujos filhos freqüentavam desde a ao lidar com crianças pequenas. No estu- 2
Colaboraram nessa pesquisa
as bolsistas de IC Mylena de
pré-escola até a oitava série do ensino fun- do em referência, pode-se verificar que Lima e Santos e Leila Ban-
damental, portanto, com idades variando esses critérios também estão presentes na deira Matos.
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Família e escola: uma parceria necessária para o processo de letramento
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Eulália H. Maimoni
Ormezinda Maria Ribeiro
textos que fossem do interesse dos seus entregá-los depois, adiando sempre essa
pais, verificou-se que, inicialmente, as entrega, que acontecia somente após mui-
crianças levavam para casa textos de his- ta insistência. Se, na sua relação com os
tórias infantis e, portanto, do seu próprio filhos, pais apresentam a característica já
interesse, que eram muitas vezes longos descrita de transmitir significados e afetos,
e cansavam os pais, depois de um dia e se produzir texto tornou-se uma prática
exaustivo de trabalho em casa ou no em- aversiva para eles, talvez em função de uma
prego. Assim, alguns alunos relataram que história escolar fundamentada em punição
o pai havia dormido durante a leitura. Foi constante para erros de escrita, é possível
necessária, então, a intervenção dos pes- que esses pais estejam transmitindo para
quisadores, organizando, com o auxílio da seus filhos que escrever não pode ser fácil
bibliotecária da escola, uma coletânea de nem dar prazer. Assim, observou-se que
textos curtos, que ficavam arquivados em aqueles pais que apresentavam tal dificul-
uma pasta, entre os quais os alunos esco- dade também não conseguiam trabalhar a
lhiam o que supunham que o pai gostaria escrita com o filho em casa, ficando sem
de ouvir. Esse procedimento foi depois uti- trazer os textos semanais solicitados. Mes-
lizado no segundo estudo, mas foi dada mo o procedimento de leitura, que parecia
maior liberdade para que as mães e os ter sido melhor aceito, nem sempre era apli-
pais, em casa, orientassem os filhos a bus- cado conforme a proposta, segundo seus
carem outros textos em revistas e jornais, relatos nos encontros.
já que havia maior número de contatos Por outro lado, três mães e dois pais
com esses participantes do que na pesqui- que se mostraram assíduos aos encontros
sa anterior, em que os contatos se davam aplicaram os procedimentos de acordo com
mais com os filhos. o que era discutido a partir da proposta fei-
Outra dificuldade que se apresentou ta, e seus filhos (seis alunos) obtiveram os
e que ficou mais evidente nos relatos dos melhores resultados tanto em leitura como
pais participantes da segunda pesquisa foi em escrita. O restante dos pais, embora
em relação à falta de tempo para ouvir a comparecendo aos encontros e procuran-
leitura de seus filhos, já que eram pessoas do aplicar em casa os procedimentos de
que, além de trabalhar, ainda estudavam à leitura e escrita conjunta, conforme propos-
noite, muitas vezes indo do trabalho para ta, tiveram dificuldades relacionadas à fai-
a escola. Assim, as leituras não eram diá- xa etária do filho, que eram ou muito no-
rias, conforme a proposta original de vos, entre seis e sete anos, e ainda não ti-
Topping, realizando-se em torno de duas nham adquirido as condições mínimas para
vezes na semana. Uma das mães incluídas ler e escrever, mesmo tendo transcorrido
no segundo estudo, aluna do Curso de Le- quase um ano letivo, ou eram mais velhos,
tras, desistiu de participar, ainda que con- entre 14 e 16 anos, e não atendiam às soli-
cordasse com a idéia de que aquelas ativi- citações dos pais alegando não gostar de
dades de leitura e escrita poderiam bene- escrever, embora fizessem a leitura algu-
ficiar seus filhos. mas vezes, segundo registro dos pais. Dos
Mesmo com essas dificuldades, os re- dezoito filhos que participaram do estudo,
sultados da primeira pesquisa foram ani- três meninas e três meninos tiveram me-
madores, pois houve melhora significati- lhora significativa após as dez semanas de
va dos alunos que passaram pelo procedi- uso dos procedimentos.
mento de leitura conjunta, em compreen- O mais interessante nesse segundo es-
são de texto, após seis semanas de uso do tudo foram os ganhos obtidos pelos pais,
procedimento. um dos objetivos do estudo, consideran-
No caso do segundo estudo, pode-se do o quanto o estudante universitário apre-
observar que a maioria dos pais mostrou senta de dificuldade para a redação de um
grande resistência para cumprir as tarefas texto. Verificou-se que esses pais e essas
de produção de texto, nos encontros reali- mães mais assíduos aos encontros e que
zados para isso, quando deveriam passar melhor aplicaram os procedimentos foram
pela experiência de aprendizagem em es- aqueles que apresentaram maior progres-
crita, mediada pelos pesquisadores, para so na produção de texto escrito. Eram dois
depois serem os mediadores dos filhos em alunos do Curso de Letras (um pai e uma
casa. Demonstraram desinteresse em parti- mãe), uma aluna do Curso de Pedagogia e
cipar dos encontros para esse fim, faltando um aluno de História. Uma aluna do Cur-
ou não concluindo os textos e deixando para so de Matemática teve pontuação máxima
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Família e escola: uma parceria necessária para o processo de letramento
desde o início, declarando gostar muito de que a escola também pode ser responsável
escrever, e obteve bons resultados com os por isso), no primeiro estudo, o grande in-
procedimentos em casa com seu filho. teresse despertado nos alunos pela ativida-
Assim, parece que até mesmo adultos po- de de ler para seus pais textos escolhidos
dem ser mediados em seu processo de por eles pode ter influenciado os pais a
aprendizagem, possibilidade que tem sido melhor participarem desse processo; tal fato
bastante explorada por Feuerstein e seus ficou registrado nas respostas dos pais ao
colaboradores (Beyer, 1996), em outros questionário que lhes foi solicitado que res-
países, por meio de programas especiais pondessem. Como foram poucos os conta-
para adolescentes e adultos com grande tos pessoais dos pesquisadores com os pais
defasagem de aprendizagem. em reuniões convocadas pela escola, a que
Esse tipo pesquisa, caracterizada nem todos compareciam, o maior
como um experimento formativo, em que envolvimento desses pais no estudo talvez
é feita uma proposta, uma intervenção e é seja explicado mais pela influência e moti-
avaliado o seu efeito, diferencia-se de um vação dos próprios filhos do que pela ação
estudo experimental tradicional, por uti- dos pesquisadores.
lizar o modelo de avaliação assistida, em Um outro dado que merece ser desta-
que os sujeitos que participam do estudo cado aqui se refere à participação do pai.
são avaliados durante o processo de apren- No início da pesquisa, quando os estudan-
dizagem (e não apenas ao final), e são fei- tes universitários foram convidados a par-
tas interferências pelos pesquisadores, a ticipar do segundo estudo, apenas dois pais
exemplo do que fazia Vygotski em seus se apresentaram, sendo um do Curso de
estudos, por acreditar na importância da Letras e outro do Curso de História. Embo-
intervenção de um indivíduo no desenvol- ra se tenha insistido para que os esposos
vimento de outro (Oliveira, 1993). Assim, das alunas também participassem, isso não
o pesquisador não se presta a ser apenas aconteceu como se esperava. Contudo, os
um observador passivo do sujeito, nem dois pais citados tiveram um envolvimento
este fica tão-somente submetido aos pro- muito grande, não faltando aos encontros e
cedimentos da pesquisa, sem poder ex- dando boas contribuições durante as dis-
pressar suas dúvidas e sugestões para cussões. Cada um mediou as aprendizagens
melhorar o processo. No primeiro estudo de um casal de filhos, com idades entre oito
esse papel ativo era desempenhado pelos e dez anos, e tanto a menina como o meni-
alunos e no segundo, pelos pais. no produziram textos cada vez de melhor
Comparando os resultados das duas qualidade, no decorrer do estudo. Isso vem
pesquisas, talvez se possa concluir que o confirmar a necessidade de que a escola
trabalho de intervenção realizado na es- busque mais a colaboração do pai e não
cola, tal como o fez Topping, parece ter apenas a da mãe, como comumente vem
alcançado melhores resultados não só por- ocorrendo. Isso já fora recomendado por
que um maior número de alunos melho- Topping (1990), ao propor os seus procedi-
rou o seu desempenho, como também foi mentos de leitura e escrita conjunta, visan-
possível ter a colaboração de maior quan- do facilitar a colaboração família-escola. Em
tidade de pais mediante o chamamento um estudo brasileiro (Freitas, Maimoni,
para participar da própria escola. Siqueira, 1994), foi verificado que o horá-
Além desses aspectos quantitativos, rio de trabalho do pai mostrou ter relação
deve-se ressaltar também o aspecto com o seu envolvimento na vida escolar do
motivacional relacionado ao envolvimento filho, ou seja, quanto mais tempo o pai tem
de pais na vida escolar do aluno, anterior- disponível, maior é o seu envolvimento. Os
mente estudado por Grolnick e Slowiaczeck pais do segundo estudo trabalhavam e es-
(1994). Esses autores concluíram, entre tudavam, mas encontraram tempo para as
outras coisas, que, se filhos podem ser in- atividades de leitura e escrita com os filhos,
fluenciados pelo comportamento dos pais talvez porque os procedimentos não exigi-
no que se refere à importância que dão à am muito gasto de seu pouco tempo livre.
escola, filhos que tiram boas notas podem Quanto às mães, ou porque tinham afaze-
levar mães a serem mais envolvidas com a res domésticos, além do estudo e trabalho,
escola. Assim, se no segundo estudo o ou por razões ligadas à autoridade sobre o
desprazer dos pais em relação às tarefas de filho ou às suas poucas condições de
escrita parece ter influenciado seus filhos textualidade, nem sempre conseguiam cum-
a não gostar de escrever (sem esquecer de prir as tarefas propostas.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 291-301, set./dez. 2006. 299
Eulália H. Maimoni
Ormezinda Maria Ribeiro
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R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 291-301, set./dez. 2006. 301
ESTUDOS
Resumo
Analisa a realidade das escolas multisseriadas localizadas na Amazônia paraense,
inserindo as particularidades dessas escolas nos desafios mais abrangentes que enfren-
tam os movimentos sociais populares do campo para afirmar o direito à educação e à
vida com dignidade das populações. Socializa os resultados de uma pesquisa que en-
volveu estudo bibliográfico e documental e entrevistas com estudantes, professores,
gestores, pais e lideranças comunitárias, com o objetivo de motivar uma discussão con-
seqüente com o poder público e a sociedade civil que resulte num compromisso efeti-
vo, por parte desses órgãos e instituições, de incluir em sua agenda política o
enfrentamento do abandono e da precarização que caracteriza o processo de escolarização
no ensino fundamental ofertado nas escolas multisseriadas.
This article analyzes the reality of multi-grade schools in the Pará Amazon. It inserts
the particularities of these schools within the broader challenges that popular social
movements in the countryside face in asserting the right to education and a dignified life
for rural people. It shares the results of a research project that employed secondary sources
and documents, as well as interviews with students, teachers, administrators, parents
and community leaders. The objective is to motivate an important discussion with the
State and the civil society, which results in an effective commitment on the part of these
organizations and institutions to include in their political agenda an offensive against
the abandonment and precarious conditions that characterize the educational process at
the elementary level in multi-grade schools.
302 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 302-312, set./dez. 2006.
Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à educação:
pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense
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Salomão Mufarrej Hage
adultos e da educação básica nas escolas dignidade aos sujeitos do campo, situações
do campo (Secad, 2005). essas que, em geral, são muito pouco
Nos documentos que expressam as investigadas (e sobretudo ocultadas) em
intencionalidades oficiais com relação à face do descumprimento da legislação atu-
definição e implementação de políticas al, que já aponta marcos operacionais da
educacionais, têm-se reconhecida a reivin- qualidade que deveriam ser alcançados na
dicação dos movimentos sociais de conce- educação básica nas escolas do campo.
ber e valorizar o campo em sua diversida- Reconhecendo essa situação
de, "que engloba os espaços da floresta, da estapafúrdia, este artigo foi elaborado com
pecuária, das minas, da agricultura, dos a perspectiva de pautar a discussão sobre
pescadores, dos caiçaras, dos ribeirinhos a problemática que envolve as escolas
e dos extrativistas como espaço de inclu- multisseriadas nesse contexto mais amplo,
são social, a partir de uma nova visão de de mobilização pela garantia do direito à
desenvolvimento" (Secad, 2005). educação que se efetiva a partir da articu-
Não obstante a identificação dos indi- lação nacional Por uma Educação do Cam-
cadores de vitalidade desencadeados atra- po. Ele busca, como intencionalidade,
vés dos processos de mobilização sinali- motivar uma discussão conseqüente com
zados, a situação de penúria vivenciada os órgãos do poder público, com as orga-
pelos sujeitos que estudam nas escolas nizações não-governamentais e, em espe-
existentes no meio rural nos remete a fo- cial, com os movimentos sociais do cam-
calizar e compreender com mais po, que resulte num compromisso mais
radicalidade as contradições que se mate- efetivo, por parte desses órgãos, institui-
rializam entre os discursos inovadores e ções e entidades, de incluir em sua agen-
entusiastas e a realidade existencial que da política o desafio de enfrentar o aban-
revela situações de abandono e dono e a precarização que caracterizam o
descompromisso para com a qualidade da processo de escolarização dos sujeitos do
educação que é ofertada aos sujeitos do campo nas séries iniciais do ensino fun-
campo em nosso país e na Amazônia. damental, ofertado, predominantemente
O descaso com que tem sido tratada a pelo poder público, nas escolas
base do processo de escolarização das po- multisseriadas.
pulações do campo por entidades gover- Para dar consistência à discussão,
namentais e não-governamentais e pelos estamos disponibilizando os resultados de
movimentos sociais do campo se constitui uma pesquisa desenvolvida no biênio 2002-
um exemplo significativo das contradições 2004, que obteve financiamento do CNPq
entre discurso e prática referidos anterior- mediante a chamada de fomento à pesquisa
mente. A pesquisa que referencia a reali- Programa Norte de Pesquisa e Pós-Gradua-
zação deste artigo revelou que, para além ção (PNOPG) (01/2001). A pesquisa envol-
dos indicadores de vitalidade menciona- veu investigação bibliográfica, documental
dos, os sujeitos do campo ainda são obri- e de campo na construção de um Banco de
gados a se submeterem a um processo de Dados que explicita com detalhamento e
escolarização nas séries iniciais do ensino sistematicidade a realidade dramática que
fundamental que se consubstancia como enfrentam educadores e educandos no coti-
uma precarização do modelo seriado ur- diano das atividades educativas vivenciadas
bano de ensino, materializado na experi- nas escolas multisseriadas, situação em que
ência das escolas multisseriadas, que, em se encontram reunidos estudantes de várias
grande medida, se constituem a única al- séries na mesma sala de aula, com apenas
ternativa para que esses sujeitos tenham uma professora.
acesso à escolarização nas comunidades No artigo que ora apresentamos, soci-
em que vivem. alizamos os aspectos mais significativos do
As implicações dessa realidade podem banco de dados mencionado, que, em sua
ser identificadas nos altos índices de anal- íntegra, disponibiliza estatísticas levanta-
fabetismo e exclusão escolar no campo, na das junto aos órgãos oficiais (MEC, Inep,
existência de prédios escolares Saeb e Seduc/PA) relativas às escolas
depauperados, na definição de currículos multisseriadas em cada um dos municípi-
deslocados da realidade, na presença de os do Estado do Pará, tomando como refe-
muitos docentes sem a qualificação neces- rência o ano de 2002, e apresenta informa-
sária e na ausência de um financiamento ções que revelam particularidades do pro-
apropriado que oportunize o estudo com cesso de ensino-aprendizagem realizado
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Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à educação:
pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense
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Salomão Mufarrej Hage
– A escola multisseriada é boa por uma em seriadas, como alternativa para que o
parte e por outra não. É boa porque sucesso na aprendizagem se efetive.
pelo menos as crianças estão apren-
dendo. Todo dia a minha filha pode ir
para a escola. Mas, eu acho que essa 2. Condições existenciais
escola está precisando de ajuda, pre- das escolas multisseriadas
cisando de apoio. O fato negativo que
eu vejo é que não há cada um na sua Os sujeitos entrevistados entendem
série. Cada um na sua sala seria me- ser as condições existenciais das escolas
lhor. Eles estudam todos juntos, eu um dos fatores cruciais que compromete
acho que isso não é certo, mas a pre- a positividade do processo ensino-apren-
cisão está obrigando. (Mãe e partici- dizagem no meio rural e, em especial, nas
pante da comunidade R. F. N.) escolas multisseriadas, que têm sido
marcadas pelo abandono e precarização,
– Deveria ter uma escola onde tivesse sé- conforme podemos identificar nos seguin-
ries separadas e uma professora para tes depoimentos:
cada série. Não é muito boa uma escola
assim, com várias séries juntas, porque – A situação é muito séria. O lugar é
o aluno tem muita precisão de apren- muito pequeno, não é apropriado, ele
der e desse jeito é difícil. (Mãe O. F. A.) é da comunidade. Se chover, molha. É
arriscado para a própria criança pegar
Entre os aspectos positivos, identi- uma doença, porque ela vem direto
ficamos que as escolas multisseriadas para o chão e aqui passa bicho, rato,
oportunizam o acesso à escolarização na lagarto e cachorro. (Prof. J. M.)
própria comunidade, evitando que os es-
tudantes, em sua maioria crianças e ado- – Nós trabalhamos com até 3 ou 4 crian-
lescentes, enfrentem dificuldades de des- ças numa carteira. Isso complica o nos-
locamento envolvendo longas distânci- so trabalho, porque a gente está expli-
as, tranqüilizando os pais nesse aspecto. cando para um, o outro já está "profes-
A escola multisseriada também sora, meu colega está sacudindo a ca-
oportuniza o apoio mútuo e a aprendiza- deira e não deixa eu copiar direito".
gem compartilhada, a partir da convivên- Como é que vamos resolver isso, três
cia mais próxima estabelecida entre es- crianças sentadas numa carteira? A
tudantes de várias séries e idades na questão da lousa melhorou, porque a
mesma sala de aula, o que em determi- gente conseguiu outras. Mas, antiga-
nados aspectos é considerado salutar. mente era só uma lousa para três, qua-
Para além das questões mencionadas, a tro séries, a gente dividia um pedacinho
existência da escola no próprio lugar em para cada uma. (Profª K. A. D.)
que os sujeitos vivem (no campo) tem
sido reivindicada pelos movimentos so- – Eu venho de casco para a escola e às
ciais do campo, com a convicção de que vezes eu tenho que vir contra a maré e
o povo tem direito a uma educação pen- fico muito cansada. Às vezes tem muita
sada desde o seu lugar e com a sua parti- maresia e, quando chove muito, eu não
cipação, vinculada à sua cultura e às suas venho para a escola. (Aluna R. C. S., 13
necessidades humanas e sociais. anos, 4ª série)
(Caldart, 2000).
Por outro lado, há posicionamentos – No momento não tem merenda. Quan-
que expressam insatisfação com relação do tem, a diferença é muito grande na
à existência das escolas multisseriadas, sala de aula e não falta nenhum aluno.
considerando-as um "problema", por cau- No interior, o dia-a-dia é muito traba-
sar prejuízos ao processo de aprendiza- lhoso, há criança que sai de sua casa e
gem. Em muitos casos, os sujeitos se refe- não toma nem café e vem pensando
rem a essas escolas como "um mal neces- chegar na escola e merendar um
sário" e estabelecem muitas comparações pouquinho. (Profª K. A. D.)
entre elas e as turmas seriadas, ao abor-
darem o ensino -aprendizagem que Os depoimentos revelam que a preca-
ofertam, manifestando a expectativa de que riedade da estrutura física das escolas, as
as escolas multisseriadas se transformem dificuldades dos professores e estudantes
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Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à educação:
pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense
em relação ao transporte e às longas dis- enfrenta, porque ele não fica só cui-
tâncias percorridas e a oferta irregular da dando do plano de aula. Ele pensa no
merenda são alguns dos fatores que provo- todo da escola. Ele tem que resolver
cam a infreqüência e a evasão e prejudi- todos os problemas pendentes da clas-
cam a obtenção de bons resultados no pro- se na secretaria de educação. Eu acho
cesso ensino-aprendizagem, sendo, portan- que tudo isso prejudica o ensino.
to, fatores que contribuem para o fracasso (Prof. R. V. A.)
escolar que se evidencia nas escolas do
campo e particularmente na multissérie. – As dificuldades que envolvem os pro-
De fato, estudar nessas condições des- fessores das escolas multisseriadas são
favoráveis não estimula os professores e muitas porque o quadro maior é de con-
os estudantes a permanecer na escola ou tratados e isso é muito influenciado por
sentir orgulho de estudar em sua própria questões políticas. A cada ano troca,
comunidade, fortalecendo ainda mais o aqueles que estão lecionando saem,
estigma da escolarização empobrecida que muda o quadro de professores e há uma
tem sido ofertada no meio rural e incenti- ruptura no processo. (Técnica da Semed
vando as populações do campo a buscar J. C. M.)
alternativas de estudar na cidade como
solução dos problemas enfrentados. – A presença da Secretaria em nossa co-
Buscando enfrentar essa dificuldade, munidade é ausente, pois durante eu
as Diretrizes Operacionais para a Educa- morar nesse local, há mais de 30 anos
ção Básica nas Escolas do Campo indica eu desconheço a presença da Secreta-
o cumprimento da atual LDB, que deter- ria de Educação em nossa comunida-
mina a diferenciação do custo-aluno com de. (Mãe e integrante da comunidade
vista ao financiamento das escolas do A. M. N. S.)
campo considerando o atendimento das
exigências de materiais didáticos, equi- – A Secretaria fornece o barco, óleo, ali-
pamentos, laboratórios e condições de mentação e o motorista, mas ainda as-
deslocamento dos alunos e professores sim tenho grande dificuldade para fa-
apenas quando o atendimento escolar não zer o assessoramento pedagógico por
puder ser assegurado diretamente nas co- causa da distância. A escola mais pró-
munidades rurais (Resolução 1/2002 do xima fica a oito horas de barco da cida-
CNE/CEB, art. 15, II). de, temos que sair às 5h da manhã e
passamos 3, 4 ou 5 dias para lá e nem
conseguimos visitar todas as escolas.
3. Trabalho docente e (Técnica da Semed I. C. S.)
acompanhamento das
Secretarias de Educação às – É um pouco difícil a relação com a Se-
escolas multisseriadas cretaria de Educação porque eles têm
algumas restrições. Professor do inte-
O desenvolvimento do processo ensi- rior fala com a Secretaria só tal dia, e
no-aprendizagem nas escolas multisseriadas isso fica meio difícil, para a gente ir
tem sido muito influenciado pelas parti- daqui e chegar lá, porque perdemos
cularidades que caracterizam o trabalho aula. Nos sentimos em 2º plano na hora
docente e o acompanhamento das Secre- de ser atendido; primeiro as escolas
tarias Estaduais e Municipais de Educa- seriadas da cidade, depois as escolas
ção às escolas do campo, conforme indi- do interior. Eu acho que a escola da
caram os sujeitos entrevistados durante cidade é a vitrine para a sociedade. A
a pesquisa: sociedade organizada está lá, então,
eles procuram colocar o que há de me-
– Na escola multisseriada, normalmen- lhor na vitrine, e depois vem o interi-
te é um professor só e ele tem que ser or, pois aqui não tem ninguém vendo
servente, fazer e servir a merenda, ser e não vai interessar politicamente para
tudo. Além da dificuldade de atuar eles. (Prof. R. V.)
em várias séries ao mesmo tempo,
existe a dificuldade extraclasse que é Identificamos por meio dos depoimen-
de: cuidar da escola, de tudo. Essa é tos explicitados que as condições adver-
a grande dificuldade que o professor sas presentes no cotidiano das escolas
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Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à educação:
pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense
mas não acompanham aquele nível. realizar o trabalho da melhor forma pos-
(Profa. C. M. S.) sível e, ao mesmo tempo, perdidos, care-
cendo de apoio para organizar o tempo
– A gente prefere reprovar porque vemos escolar, numa situação em que atua em
a necessidade do aluno obter a apren- várias séries concomitantemente. Eles
dizagem. A Secretaria cobra da gente também se sentem pressionados pelo fato
passar o aluno, mas não podemos apro- de as secretarias de educação definirem
var se não há aprendizagem. Isso acon- encaminhamentos padronizados de horá-
tece mais na 1ª e 2ª séries. (Prof. J. M.) rio do funcionamento das turmas, de pla-
nejamento e listagem de conteúdos, rea-
– Já reprovei muitas vezes, faz tempo, eu gindo de forma a utilizar sua experiência
estudava junto com a 3ª e 4ª série e fi- docente acumulada e criatividade para or-
cava ruim, a professora passava mais ganizar o trabalho pedagógico adotando
trabalhos para eles. Ela dava uma coi- medidas diferenciadas em face das
sa para a gente e ficávamos esperando especificidades das turmas.
ela passar para os outros. Já desisti de No entanto, o acúmulo de funções e
estudar por causa do trabalho com meu tarefas que assumem nas escolas
pai, ele trabalha no mato e na serraria. multisseriadas dificulta aos professores
(Aluno A. J. F.) realizar o atendimento adequado aos estu-
dantes que não dominam a leitura e a es-
– A evasão e a repetência existem mais crita, implicando a elevação das taxas de
por causa das faltas. Tem o período de reprovação e defasagem idade-série nas
plantar na roça em que eles passam turmas. Por outro lado, essa situação se
uma semana para plantar e faltam na torna problemática, porque os professores
escola. Também, tem muitos pais que são pressionados pelas secretarias de edu-
não tem um lugar fixo, passam um mês cação a aprovar o maior número de estu-
aqui e vão para outro lugar trabalhar, dantes possível no final do ano letivo,
vão e voltam, causando a repetência e como forma de relativizar os índices ele-
a evasão. (Prof. A. L.) vados de fracasso escolar.
Além de todos esses fatores, muitos
Os depoimentos revelam que os pro- estudantes ainda são obrigados a se au-
fessores enfrentam dificuldades em reali- sentar ou abandonar a escola para reali-
zar o planejamento nas escolas zar atividades produtivas ou acompanhar
multisseriadas, porque trabalham com os pais em atividades de trabalho
muitas séries ao mesmo tempo, envolven- itinerantes, de pouca rentabilidade, pre-
do estudantes de diversas faixas etárias, judiciais à saúde e sem condições de se-
interesses e níveis de aprendizagem. A al- gurança, em face das precárias condições
ternativa mais utilizada para solucionar o de vida que enfrentam os sujeitos no cam-
problema e viabilizar o planejamento po, corroborando para dificultar ainda
numa situação dessa natureza tem sido mais a organização do trabalho pedagógi-
seguir as indicações do livro didático, sem, co nas escolas multisseriadas.
contudo, atentar com clareza para as im- Apontando indicadores para
plicações curriculares resultantes dessa referenciar políticas e práticas educacio-
atitude, uma vez que esses materiais di- nais emancipatórias para o campo na Ama-
dáticos impõem a definição de um currí- zônia e no País.
culo deslocado da realidade e da cultura Após a identificação das principais
das populações do campo da região. mazelas referentes à ação educativa que
Identificamos ainda as angústias sen- se desenvolve nas escolas multisseriadas,
tidas pelos professores ao organizar o tra- discutiremos indicadores que possam
balho pedagógico justamente porque as- referenciar práticas e políticas educacio-
sumem a visão da multissérie enquanto nais emancipatórias para o campo na
"junção de várias séries ao mesmo tempo Amazônia e no País, apresentando um
e num mesmo espaço", passando a ela- conjunto de reflexões que estimulem o de-
borar tantos planos de ensino e estratégi- bate sobre a realidade das escolas
as de avaliação da aprendizagem diferen- multisseriadas e seus desafios para garan-
ciados quantas forem as séries presentes tir às populações do campo o direito à edu-
em sua turma. Como resultado, os pro- cação de qualidade na primeira etapa do
fessores se sentem ansiosos ao pretender ensino fundamental.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 302-312, set./dez. 2006. 309
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Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à educação:
pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 302-312, set./dez. 2006. 311
Salomão Mufarrej Hage
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ESTUDOS
Resumo
Analisa a Cooperativa de Ensino da Cidade de Goiás e o Colégio Alternativo, na
cidade de Goiás, fundados em virtude da insatisfação de um grupo de pais de cama-
das sociais médias tanto com a escola pública quanto com a particular. O estudo de
caso coletou dados por meio de observação, análise documental, entrevistas e grupos
focais. Os resultados apresentam um estabelecimento em que todos os atores partici-
pam da gestão. Do ponto de vista pedagógico, alcança eficazmente a apropriação de
conteúdos pelos seus alunos para concursos públicos e o acesso à educação superior,
conforme as aspirações dos pais. As despesas revelam que a remuneração docente é a
mais alta da comunidade, porém a contribuição financeira das famílias é menor que a
mensalidade da escola privada.
This research project focuses on an educational co-operative and its junior and senior
high school in the city of Goiás, Brazil. It was founded as a result of parents’ low level of
satisfaction concerning both public and private schools. The case study analysed data
from observation, documentary analysis, interviews and focus groups. The results reveal
that all school actors participate in its management. From the educational perspective,
the school effectively teaches the contents required by college entrance exams and other
kinds of selection, according to the parents’ aspirations. The teachers’ salaries reach the
highest level in the community, however, the families’ financial contribution is lower
than the private school’s tuition and fees.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 313-326, set./dez. 2006. 313
Gerrá Leite Correia de Araújo
Candido Alberto Gomes
314 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 313-326, set./dez. 2006.
Cooperativismo: alternativa viável para a gestão escolar?
Um estudo de caso
suíço Theodoro Amstadt, que organizou extrair vantagens econômicas. Elas são for-
uma caixa de crédito rural (Pinho, 1982). madas por pessoas que convencem os tra-
Por sua vez, o cooperativismo educaci- balhadores a se associarem a uma coope-
onal teve raízes na primeira metade do sé- rativa de trabalho ou serviço, colocando
culo 20 na Europa, Estados Unidos, Brasil e condições, dados e situações irreais, além
outros países, que criaram cooperativas in- de ocultar as verdadeiras intenções dessas
telectuais e recreativas (Frola, 1937) e esco- pessoas. Entre outras características, este
lares (Luz Filho, 1960). O cooperativismo tipo de cooperativa possui “donos” e se
educacional tem como objetivos oferecer organiza com o interesse de usar os servi-
uma educação de qualidade, diminuir os ços dos cooperados e, ao mesmo tempo,
seus custos, utilizar a gestão cooperativista fraudar e sonegar as obrigações legais em
e atuar de forma coletiva por meio da parti- geral, particularmente trabalhistas e
cipação da comunidade escolar, com base previdenciárias. Os “donos” tendem a se
na democracia e eqüidade. perpetuar na direção da cooperativa, para
Segundo Luz Filho (1960), a primeira que possam manipular e controlar a sua
cooperativa escolar fundada no Brasil gestão, elevando, assim, os seus interesses
data de 1933, na cidade de Cruzeiro, Es- em detrimento daqueles dos cooperados
tado de São Paulo, com berço e modelo (Camacho, 1997).
franceses. Em 1958 o ramo já possuía 883 Mais ainda, o cooperativismo apresen-
cooperativas escolares. Por meio do ta as suas contradições históricas. Respei-
autoplanejamento, da auto-organização e tadas outras posições, ele poderia ser inter-
da autogestão dos educandos se produzia, pretado como uma alternativa pragmática,
comercializava, poupava e comprava o que proposta no bojo do capitalismo, sem negá-
fosse necessário para os alunos e a escola, lo nos fundamentos, porque é inevitável
segundo um processo coletivo, educativo articular-se com o mercado. Propõe-se mo-
e prático, formando os cooperados para a dificar as relações sociais e as relações com
vida prática, como planejadores, o capital, porém não se pode ignorar a com-
organizadores, gestores, produtores, pou- petição no seu entorno, a obtenção de exce-
padores, fiscais, etc. dentes, etc., assim apresentando possibili-
O Estado, ao contrário, deve prosse- dades e limites para a mudança (cf. Ribei-
guir com o seu papel constitucional. Se- ro, 2004). Estas contradições também se
gundo Pasquini (1992), as cooperativas não verificam em escolas cooperativas focaliza-
podem ser vistas apenas como forma de das pela literatura. Duas delas, por exem-
baratear os custos educacionais, isto é, plo, nasceram basicamente da crise da es-
como meras mantenedoras de escolas, mas cola pública, do avanço da organização da
como uma alternativa pedagógica para alu- sociedade civil e da busca de menores cus-
nos, educadores e pais insatisfeitos com tos pelas camadas médias urbanas. Numa
limitações de escolas existentes. A dimi- foram detectadas as tensões entre os pio-
nuição dos custos com o ensino virá como neiros idealistas e os demais cooperados,
conseqüência do processo cooperativista cujos objetivos eram mais “práticos”, obser-
aplicado ao setor. vando-se o choque entre valores cooperati-
A sua gestão é essencialmente demo- vos e competitivos (Gabbi, 2001). Em outra
crática, graças à participação dos seus co- se evidenciou o campo contraditório entre
operados, com igualdade de direito a voz o seu projeto pedagógico e educacional e
e voto, onde a decisão da maioria é de res- o seu projeto político-econômico. Apesar
ponsabilidade. A participação dos seus desse terreno ambíguo, nela se encontra-
membros é simultaneamente um direito e ram espaços que traziam esperança de
um dever, privilegiando a participação aprimoramento de conteúdos de formação
daqueles que trabalham nessas organiza- humana (Mota, 2003).
ções. No caso do Brasil, a filosofia, doutri-
na e princípios do cooperativismo estão
consubstanciados na Lei nº 5.764, de 16 Objetivos e metodologia
de dezembro de 1971 (Brasil, 2006).
Entretanto, deve-se estar alerta a Ao se propor realizar um estudo de
distorções destes ideais e princípios his- caso, esta pesquisa adota uma posição que
tóricos, entre as quais citam-se as coo- há algum tempo seria considerada hete-
perativas organizadas com a intenção de rodoxa, especialmente em face da gene-
simular uma situação pseudolegal, para ralização dos dados. Como é amplamente
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reconhecido, cabe renunciar à repre- levados a efeito com alunos de uma tur-
sentatividade clássica e optar pela “genera- ma do ensino fundamental e outra do
lização naturalística”, isto é, em função do ensino médio, ambas sorteadas. Vários
conhecimento experiencial do sujeito lei- alunos foram também entrevistados in-
tor, este indagará o que pode (ou não) apli- dividualmente. Igualmente, foi realizado
car deste caso na sua situação (Lüdke, um grupo focal com cooperados. Ao todo
André, 1986). Nesse sentido, a pesquisa houve 28 participantes.
supera a chamada ilusão indutiva, segun-
do a qual investigadores crêem que o seu
trabalho consiste em demonstrar a genera- A cooperativa e o colégio
lidade de uma afirmação e se esgotam na
vã e incessante procura da universalidade A Coopecigo foi fundada em 1989,
nos casos concretos. Na verdade, quando o como cooperativa de pais de alunos, con-
verdadeiro trabalho científico constitui um juntamente com o referido Colégio. Pos-
sistema de interpretação pertinente para o suía 350 cooperados; Estatuto Social de
real estudado (Lerbet, 2001). acordo com a Lei anteriormente citada;
A presente pesquisa se propôs iden- Conselho Administrativo composto por
tificar as características e analisar a expe- dez cooperados, assim distribuídos: dire-
riência da Cooperativa de Ensino da Ci- tor presidente, diretor vice-presidente, di-
dade de Goiás Ltda. (Coopecigo), da retor secretário, diretor financeiro, diretor
tipologia educacional “pais de alunos”, de operações e cinco conselheiros, que se
mantenedora do Colégio Alternativo. Em reuniam uma vez por ano em assembléia
coerência com a metodologia do estudo geral ordinária e, sempre que necessário,
de caso, foi adotada a “amostragem inten- em assembléia geral extraordinária.
cional”, como um caso extremo (Quinn, Tanto a entidade mantenedora quanto
2000), rico de informações, por ser consi- a mantida surgiram como alternativa às ele-
derada bem-sucedida, inclusive pelo seu vadas mensalidades escolares cobradas
longo tempo de funcionamento, de 15 pelas escolas particulares e à deficiente
anos, e pela manifesta disposição de ofe- qualidade da escola pública, segundo as
recer os dados necessários, inclusive da expressões consensuais dos entrevistados.
área financeira, estes últimos essenci- Ainda segundo estes, a Cooperativa e o
ais para os propósitos. O trabalho visou Colégio reduziram os custos, na medida em
verificar o conhecimento e a aplicação que diminuíram a burocracia e se valeram
da fi losofia, doutrina e princípios da autonomia e da descentralização finan-
cooperativistas e as perspectivas dos ato- ceira. As decisões eram tomadas pelos co-
res envolvidos. Além disso, buscou ana- operados em assembléias, por maioria, dei-
lisar a estrutura das despesas e a despesa xando de lado os processos decisórios ver-
média por aluno/ano. A coleta de dados ticais, atados à palavra final do proprietá-
em campo levou 20 dias úteis integrais, rio, no caso de estabelecimento particular,
no período de março a abril de 2004, con- ou do diretor e da Secretaria de Educação,
vivendo com os integrantes da Cooperati- com suas intrincadas legislação e normas,
va e do Colégio. A análise documental fo- no caso da escola pública, mais uma vez
calizou a legislação e normas pertinentes, de acordo com as percepções convergentes
os estatutos, regimentos, regulamentos, li- dos entrevistados. A descentralização fi-
vros de atas das diversas assembléias e nanceira ocorria e ocorre através do rateio
conselhos, projeto político-pedagógico do das despesas com os seus cooperados, sem
Colégio, planos de curso, manuais dos es- que nessas despesas estivesse incluído
tudantes e professores e outros. Foram re- qualquer lucro. Neste sentido, o caráter não-
alizadas entrevistas semi-estruturadas, lucrativo tem o sentido da expressão cons-
com roteiros diferenciados, além de gru- titucional (art. 213, I), observando-se a exis-
pos focais.1 Os participantes foram esco- tência de excedentes financeiros, aplicados 1
As entrevistas de grupos fo-
lhidos mediante sorteio, com uso de re- no próprio Colégio. cais, como são conhecidas e
aplicadas também no Brasil,
posições, alcançando 60% do Conselho À época da coleta de dados, o Colégio têm tipicamente seis carac-
Administrativo, 65% do Conselho Co- Alternativo atendia a 130 alunos, a quem terísticas: 1) pessoas, 2) reu-
nidas numa série de grupos,
munitário, 25% dos professores, o dire- oferecia as quatro últimas séries do ensino 3) possuem determinadas
tor do Colégio, o coordenador pedagógi- fundamental e o ensino médio. O quadro características e 4) provêem
dados 5) de natureza quali-
co e o coordenador de turno, totalizando pedagógico era formado por 18 professores tativa 6) numa discussão fo-
26 participantes. Os grupos focais foram e um bibliotecário, além do diretor e dois calizada (Krueger, 1998).
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O colégio visto pelos alunos Por sua vez, esta qualidade, repetindo as
aspirações dos pais, foi vista como a cha-
As declarações dos alunos valoriza- ve para o sucesso na vida futura, marcada
ram a qualidade do processo de ensino- por concursos, processos seletivos de in-
aprendizagem e o rigor da avaliação. Tais gresso na educação superior e transferên-
exigências, porém, davam lugar a per- cia para outras unidades educacionais, na
cepções variadas, como a de uma aluna capital do Estado.
da sétima série, que concordava com a
qualidade do Colégio, mas considerava
as tarefas excessivas: As despesas educacionais
do colégio
– Eu e meus pais achamos que este Co-
légio é o melhor. O que eu não gosto As questões dos custos e da não-
muito daqui é porque passam muitas lucratividade são tratadas desde o
tarefas para casa. [...]. Outra coisa que surgimento do cooperativismo e consti-
eu não gosto é porque nossos pais e tuem parte integrante da sua filosofia,
professores querem que a gente apren- doutrina e princípios. Um estabeleci-
da muito sobre tudo e estejamos sem- mento educacional que não visa ao lu-
pre lendo um livro. (Aluno do ensino cro deve ter custos mais baixos para as
fundamental). famílias dos alunos, um dos objetivos dos
cooperados, que, no caso pesquisado,
Os discentes externaram o consenso eram profissionais liberais, fazendeiros
de que se tratava de um estabelecimento e funcionários públicos, entre outros, e
exigente, atencioso e cuidadoso com os alu- que buscavam diferenças de qualidade
nos, a começar pelos cooperados, seus pais, e de custos em relação às redes escola-
apesar de às vezes se perceberem falhas res do município.
no campo motivacional. A disciplina não Os pesquisados concordaram, em
raro era criticada (“a direção vigia a gente suas declarações, quanto à estimativa da
como crianças, todo mundo aqui manda composição dos cooperados e dos alunos
na gente, pega no pé e qualquer coisa ligam com relação ao nível socioeconômico. Se-
para os nossos pais”), mas também era va- gundo eles, não havia cooperados e alu-
lorizada, considerando-se o Colégio como nos de níveis “alto” e “baixo”. Cerca de
“o mais disciplinado da cidade”. A partici- 30% eram de nível “médio alto”; 50%, de
pação discente, por meio das reuniões do nível “médio médio” e 20%, de nível “mé-
Conselho de Classe e do Conselho Comu- dio baixo”. Portanto, a seleção social eli-
nitário, foi outro aspecto considerado fa- minava da Cooperativa e do Colégio as
vorável e diferenciador de outras escolas, camadas populares, que não podiam pa-
com impacto sobre o interesse nos traba- gar as despesas, mesmo mais baixas que
lhos, que muitas vezes eram organizados as de uma escola particular usual. Situa-
em conjunto. Alguns entrevistados salien- ção semelhante tinham outras escolas co-
taram que em outros colégios nunca havi- operativas focalizadas pela literatura
am participado de reuniões, nem tomado (Gabbi, 2001; Mota, 2003). Desse modo,
decisões coletivamente. Conforme um alu- a escola não precisava fazer face a obstá-
no, “aqui não tem uma só pessoa que re- culos mais significativos quanto ao capi-
solve tudo”. E uma representante de tur- tal cultural e à integração à cultura esco-
ma, sentindo-se protagonista do processo, lar, o que não ocorre na rede pública. Tam-
disse: “eu reúno os elogios, as reclamações, bém havia relativa homogeneidade de as-
os pedidos e levo para o Conselho”. pirações socioeducacionais elevadas, que
Os professores eram considerados as- se expressavam repetidamente e influí-
síduos e capacitados, o que muitas vezes am no processo de ensino-aprendizagem,
não ocorreria na rede pública, segundo al- considerando a escolarização um canal
guns entrevistados. No entanto, refletindo de mobilidade social ascendente.
as contradições já mencionadas entre o De que maneira este grupo, que pas-
projeto político-pedagógico, os planos de sou por certo filtro social, conseguia re-
curso e as práticas de sala de aula, os alu- duzir os custos educacionais? Como os co-
nos destacaram a qualidade do ensino, mas operados têm como objetivo o suprimen-
esta foi definida como a apropriação e o to da necessidade de bens ou serviços, a
acúmulo de conhecimento sistematizado. educação tende a se fazer por custos mais
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os seus colegas das escolas públicas Estes, de modo geral, consideraram que
investigadas em todo o País (Brasil, 2002). a participação na Cooperativa e no Co-
Os processos de participação eram légio era muito maior que nos setores
ativos para os diferentes atores integran- público e particular e que os professo-
tes da comunidade escolar. A reputação res podiam ser cuidadosamente
do Colégio na comunidade era elevada, monitorados. Se os mesmos recursos
tanto pelo aproveitamento dos alunos e financeiros fossem entregues à escola
a sua aprovação em processos seletivos pública, seriam obtidos idênticos re-
em geral como pelo rigor da disciplina. sultados? Certamente não. Mesmo que
Os cooperados se revelavam satisfeitos a gestão fosse revolucionada, as barrei-
porque o objetivo de preparar os alunos ras burocráticas vencidas e o porte da
para a vida, tal como a concebiam, era escola pública alterado, seria ingênuo
atingido, apesar da proclamação de um supor que o modelo pudesse ser tão am-
ideário pedagógico diferente. A prática pliado. Como se frisou, o Colégio em
pedagógica acabava sendo modelada pe- tela não conta com as camadas popula-
las expectativas dos cooperados, tornan- res e os problemas de capital cultural
do as teorias esposadas apenas valores e adequação da escola, de maneira in-
proclamados. Sendo à época o único es- clusiva, a um alunado heterogêneo. A
tabelecimento particular a oferecer o en- Cooperativa é um projeto de camadas
sino médio na cidade, o fato de não es- sociais médias, ao passo que a escola
colher a escola pública levaria parte sig- pública deve ser universal e lidar com
nificativa do seu alunado a estudar em diversidades muito mais amplas, inclu-
Goiânia. Esta mudança significaria ele- sive de aspirações educacionais e
var as despesas indiretas com a educa- ocupacionais. De qualquer forma, pode
ção, com aluguel de habitação, transpor- ser registrado um paradoxo: a Coope-
te, alimentação e outras. Portanto, pelas rativa e o Colégio foram criados como
indicações verificadas, os objetivos eram alternativa às escolas públicas e parti-
alcançados. culares. No Colégio a gestão era mais
A Cooperativa e o Colégio podem ser democrática e o protagonismo de pais e
vistos como meios de maximizar a rela- alunos, maior que na escola pública,
ção custos-benefícios em favor de um pro- que, constitucional e legalmente, deve-
jeto de ascensão social de grupos perten- ria ser gerida assim.
centes às camadas médias da população. Entretanto, o fato de o projeto ser
Os cooperados conseguiam pagar menos de camadas médias e apresentar nível
por uma educação por eles acompanhada relativamente elevado de participação
e, de certo modo, dirigida e supervisiona- (pelo menos mais alto que na escola
da. Esta educação tinha como alvos a con- pública) não deve conduzir a subesti-
servação ou a elevação do status das fa- mar as comunidades de baixa renda. A
mílias na geração seguinte por meio do literatura apresenta evidências de pro-
acesso a cargos públicos por concurso e jetos sociais bem-sucedidos, inclusive
por meio da continuidade dos estudos em ao criar raízes e continuidade, em gran-
nível superior. Neste sentido, a discipli- de parte porque são participativos. O
na era uma das suas tônicas. As contradi- capital social das populações pobres
ções entre ideário pedagógico escrito e a com freqüência é rico e pode contribuir
sua prática, entre os princípios do para este sucesso, ainda que se reconhe-
cooperativismo e a ampla participação dos çam os riscos de cooptação destas po-
cooperados, entre a oferta de educação a pulações, como o clientelismo. As or-
custos mais baixos e a protelação de in- ganizações empresariais – e não só os
vestimentos importantes se apresentam de projetos sociais – também se tornam
modo semelhante às ambigüidades de mais abertas e participativas, com o
outras escolas cooperativas e do próprio compartilhamento do poder organi-
cooperativismo. zacional (Kliksberg, 2003). Será então
Entre as questões que se pode pro- o cooperativismo, nascido no século 19,
por à reflexão está a de que a escola pú- apesar de todas as suas contradições (ou
blica, apesar da determinação constitu- exatamente por elas, caso se considere
cional da gestão democrática, na percep- que a história brota das contradições),
ção de entrevistados, parecia centrada um caminho significativo e promissor
no diretor e na Secretaria de Educação. para o século 21?
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Cooperativismo: alternativa viável para a gestão escolar?
Um estudo de caso
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ESTUDOS
Marta Bellini
Priscila Caroza Frasson
Resumo
Apresenta o exame das figuras de retórica, destacando as metáforas presentes em
nove livros didáticos e numa apostila de ciências de ensino médio. A seleção dos livros e
do tema – HIV/Aids – foi feita a partir de uma entrevista com roteiro com trinta alunos do
ensino médio de uma escola pública de Bandeirantes, Paraná. Esses alunos indicaram o
tema HIV/Aids como um dos assuntos que queriam conhecer mais. Para a análise das
figuras de retórica dos textos didáticos, a pesquisa fundamentou-se nos estudos de Lakoff
e Johnson (2002), Breton (2003) e Reboul (2004). Entre as figuras examinadas destacou-se
a metáfora guerra como condutora do modelo conceitual sobre o HIV/Aids. Esta metáfora,
segundo as autoras, é imprópria para uma educação preventiva, pois subjuga os leitores/
alunos e professores ao medo e à coerção.
The work presents an analysis of rhetorical figures of speech, with special reference
to metaphor, in nine textbooks and a science handout for secondary schools. Choice of
books and the HIV/Aids theme were made from a structured interview with thirty secondary
school students of a government school in Bandeirantes, State of Paraná, Brazil. Students
chose the HIV/Aids theme as a subject matter, ,which they desired to know more about.
Studies by Lakoff and Johnson (2002), Breton (2003) and Reboul (2004) underpinned the
analysis of figures of speech in school textbooks. The war metaphor representing the
conceptual model on HIV/Aids has been conspicuous among the figures of speech analyzed.
From the point of view of the authors of the current research, the above metaphor is
inadequate for preventive education since it subjects readers/students and teachers to
fear and coercion.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 327-338, set./dez. 2006. 327
Marta Bellini
Priscila Caroza Frasson
328 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 327-338, set./dez. 2006.
A metáfora guerra na comunicação das idéias de HIV/Aids em livros didáticos
o tempo” e “pegar uma idéia”, para esta- não substitui o repórter somente, mas
belecer nossas ações cotidianas e para ex- enfatiza a instituição.
pressar o que estamos pensando. Outro estudo da metáfora e de outras
Um dos conceitos metafóricos presen- figuras de retórica é o de Olivier Reboul
tes no dia-a-dia de nossa vida é o conceito (2004). Este autor apresenta-nos um inte-
discussão, e, pela metáfora, discussão é ressante estudo de argumentação e nos con-
guerra. Esta metáfora é presente em nosso duz a uma compreensão bem rigorosa das
cotidiano com uma variedade de expres- figuras que compõem o sistema retórico.
sões, dizem Lakoff e Johnson (2002). Em Destacamos de Reboul (2004), para efeito
uma discussão falamos em “ganhar ou de nosso artigo, a sinédoque e a hipérbole,
perder terreno”, “ele atacou todos os pon- que são figuras correntes nos livros didáti-
tos fracos de minha argumentação”, “suas cos que analisamos. A sinédoque cumpre
críticas foram direto ao alvo”, “destruí sua uma função de proposição universal; desig-
argumentação”, “ele derrubou os argumen- na uma coisa por meio da outra que tem
tos”. Não é possível, para os autores, com ela uma relação de necessidade, como
a parte pelo todo, a matéria pelo objeto,
[...] imaginar uma cultura em que as dis- como o exemplo “cem cabeças por cem pes-
cussões não sejam vistas em termos de soas”, sinédoque da parte, ou “cem mortais”,
guerra, em que não haja ganhadores nem sinédoque da espécie (Reboul, 2004, p. 121).
perdedores [...]. Imagine uma cultura em A hipérbole é a figura que denota exagero,
que uma discussão seja vista como uma amplifica ou condensa um argumento
dança, em que os participantes sejam vis- (Reboul, 2004, p. 120).
tos como dançarinos e em que o objetivo Como destacamos as figuras de retóri-
seja realizar uma dança de um modo equi- ca nos livros didáticos, para avaliá-los, re-
librado e esteticamente agradável. Nessa corremos ao estudo de Paula Contenças
cultura, as pessoas perceberiam as discus- (1999) que trata das funções da metáfora
sões de outra maneira, experienciariam as no processo de elaboração de modelos
discussões diferentemente. Mas nós, pro- conceituais científicos. Contenças (1999)
vavelmente, não consideraríamos essa ati- examinou, nas produções escritas na área
vidade uma discussão: as pessoas estari- de genética de 1953 a 1966, suas constru-
am fazendo algo diferente (Lakoff, ções metafóricas. A autora distinguiu em
Johnson, 2002, p. 47). seu estudo dois tipos de metáforas: as subs-
tantivas ou constitutivas e as exegéticas ou
Em suma, para Lakoff e Johnson pedagógicas. As primeiras aparecem na
(2002), as discussões normalmente se- ciência; são utilizadas pelos cientistas para
guem padrões; a linguagem traduz concei- expressar suas teses teóricas. Estas expres-
tos e o modo como estruturamos os aspec- sões metafóricas permitem aos cientistas
tos do mundo em que vivemos. “realizar a tarefa de acomodação da lingua-
Os conceitos são estruturados pelas gem à estrutura causal do mundo”
metáforas e também por outras figuras (Contenças, 1999, p. 73). As segundas de-
de retórica (ou linguagem) que dão su- sempenham um papel importante na co-
porte às metáforas. Lakoff e Johnson municação e explicação das teorias e es-
(2002, p. 92-93), nesse sentido, descre- tão presentes nos livros didáticos
vem a função referencial da metonímia. (Contenças, 1999, p. 72).
Demonstram que esta figura está presen- Os conceitos metafóricos nas produ-
te quando atribuímos qualidades huma- ções escritas na área da genética são as que
nas a entidades não humanas, como “A conhecemos até hoje: “dupla hélice”, “ca-
inflação roubou minhas economias”, deias polinucleotídicas”, “mapa genético”,
“Ele está na dança” (na profissão dan- molécula “esqueleto” de açúcar, RNA “men-
ça). Está presente, ainda, quando descre- sageiro”, “código”, “cópia” como traslado de
vemos a parte pelo todo, como “O auto- caracteres “escritos”, “informação” genéti-
móvel está entupindo nossas estradas” ca, genes estruturais, genes transcritos, le-
(o conjunto de automóveis). Mas, dizem tras do código genético, mecanismo de lei-
os autores, “metonímia não é meramente tura dos genes, dicionário de código de
referencial”, pois ela tem “pelo menos em palavras (genéticas). Todas são expressões
parte o mesmo uso que a metáfora”, como metafóricas que constituíram as teorias
quando falamos “O Times ainda não che- e os modelos conceituais da área. Essas
gou para a coletiva”. Nesse caso, o Times metáforas proporcionaram uma estrutura
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 327-338, set./dez. 2006. 329
Marta Bellini
Priscila Caroza Frasson
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A metáfora guerra na comunicação das idéias de HIV/Aids em livros didáticos
Como enfatiza Sanches (1999), a Livro 3: Biologia. José Luiz Soares. São
prevenção é, ainda, a melhor opção para Paulo: Scipione, 1999. Volume único.
o controle da epidemia da Aids, e é es- Livro 4: Biologia. Albino Fonseca. São
sencial o entendimento de como a do- Paulo: Cia. Editora Nacional, 1999.
ença é percebida em um contexto cultu-
ral para que se possa definir e desenvol- Livro 5: Biologia. Wilson Roberto Paulino.
ver estratégias preventivas. Para nós, em São Paulo: Ática, 2003.
termos educacionais, os livros didáticos Livro 6: Biologia – De olho no mundo do
podem contribuir para a compreensão da trabalho. Sídio Machado. São Paulo:
epidemia, todavia, pelo que analisamos, Scipione, 2003.
é necessário mudar o contexto de comu-
Livro 7: Fundamentos da Biologia Moder-
nicação destes livros. Estes livros, nove
na. José Mariano Amabis e Gilberto
ao todo e uma apostila do Curso Positi-
Rodrigues Martho. São Paulo: Moderna,
vo, são materiais didáticos usados nas 1998.
escolas da rede pública e da rede priva-
da da cidade de Bandeirantes, PR, por- Livro 8: Biologia integrada. Luiz Eduardo
tanto, são aprovados e indicados pelo Cheida. São Paulo: FTD, 2003.
Ministério da Educação. Estabelecemos Livro 9: Biologia. Sérgio Linhares e
como categoria livro mais usado na es- Fernando Gewandsznajder. São Paulo:
cola sua disponibilidade nas bibliotecas Ática, 1993.
das escolas, na biblioteca pública muni-
Livro 10: Apostila Positivo. Desafios do
cipal, para a consulta e estudo dos pro-
Conhecimento 1. Curitiba: Posigraf, 2004.
fessores e alunos, e livros indicados pe-
los professores, provenientes de suas
coleções particulares. No livro 1, Biologia Essencial de Sônia
Lopes, a Aids é caracterizada como doen-
No caso dos livros didáticos utiliza-
ça e não como síndrome (síndrome, um
dos no ensino dos jovens nas escolas de
conjunto de sintomas). Os vírus são
Bandeirantes, embora não sejam livros
“encapsulados ou envelopados” e “parasi-
para educação preventiva, o tema HIV/
tas intracelulares obrigatórios”. A autora
Aids exige um especial tipo de comuni-
descreve os vírus qualificando-os como
cação, que, para nós, são: a) uma apro-
“envelopes” (metáfora) e “parasitas”
ximação aos conceitos mais recentes da
(metonímia, espécie pela qualidade), “ex-
teoria sobre a interação HIV/Aids elabo-
tremamente simples” (hipérboles). Estes
rada pelos cientistas; b) uma apresenta-
seres extremamente simples injetam seu
ção dos modos de prevenção em uma lin-
material genético na célula hospedeira
guagem que não utilize expressões me-
(metáfora), o RNA do vírus comanda a sín-
tafóricas da guerra, porque elas podem
tese protéica na célula hospedeira e o DNA
provocar a fuga dos leitores e porque
é transcrito em várias moléculas de RNA.
estão distantes dos argumentos dos ci-
A autora não apresenta uma imagem do
entistas, como veremos mais adiante vírus HIV, mas somente do bacteriófago.
neste artigo. Em suma, para a autora, os vírus são seres
extremamente simples que atacam a célu-
la hospedeira, injetam seu material gené-
Procedimentos tico e comandam a síntese de seu RNA por
metodológicos: meio do DNA da célula hospedeira. A me-
o que dizem os livros sobre táfora guerra estrutura o modelo de funci-
HIV/Aids? onamento do HIV.
No livro 2, Biologia de José Arnaldo
Os livros analisados sob o enfoque das Favaretto e Clarinda Mercadante, os vírus
expressões metafóricas e outras figuras de são definidos como os únicos seres vivos
retórica foram: que não apresentam organização celular e
têm apenas RNA e DNA. Estes são descri-
Livro 1: Biologia Essencial. Sonia Lopes.
tos como parasitas intracelulares obrigató-
São Paulo: Saraiva, 2003.
rios (metonímia, espécie pela qualidade).
Livro 2: Biologia. José Arnaldo Favaretto Também são chamados de parasitas (metá-
e Clarinda Mercadante. São Paulo: Moder- fora) em “estado temporário de aparente ina-
na, 2003. Volume único. tividade no interior da célula hospedeira
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A metáfora guerra na comunicação das idéias de HIV/Aids em livros didáticos
minutos, há liberação de 100 novos vírus os lugares onde possam parasitar quaisquer
que irão parasitar outras bactérias”; “O células e causar doenças virais ou viroses”;
DNA do vírus incorpora-se ao DNA “[...] não surjam doenças que se aprovei-
bacteriano e permanece dormente sob a tem do corpo já debilitado”. A hipérbole
forma de provírus”. assegura a noção de estrutura simples para
O livro 7, Fundamentos da Biologia o vírus: “[...] sua estrutura é a mais sim-
Moderna, de Amabis e Martho, expõe o ples que se conhece”.
HIV/Aids como retrovírus que se reprodu- O livro 9, Biologia – Programa Comple-
zem na célula. O livro descreve a ação da to, de Sérgio Linhares e Fernando
transcriptase reversa; a mensagem genéti- Gewandsznajder, destaca os dois tipos de
ca do RNA viral é transcrita para uma HIV: o HIV-1 e o HIV-2. De acordo com os
molécula de DNA. O HIV ataca os autores, os dois tipos de vírus atacam as
linfócitos T, causando a síndrome da células T4. Por isso, os doentes de Aids apre-
imunodeficiência adquirida. Para os auto- sentam uma grande vulnerabilidade a in-
res, a Aids é uma doença letal, ainda sem fecções por germes chamados oportunistas,
cura, que se disseminou rapidamente pelo que não causam problemas a pessoas com
mundo a partir de 1981. Dizem os auto- saúde normal. A metáfora guerra conduz os
res: “Um único vírus, ao invadir uma cé- argumentos utilizados pelos autores: “É cau-
lula, pode assumir o comando das ativi- sada por um vírus que ataca o linfócito T4”;
dades celulares”; “Como [os vírus] não “O sarcoma de Kaposi, que ataca os tecidos
possuem a maquinaria necessária para dos vasos sangüíneos [...]”; “Finalmente, por
realizar nenhum desses processos, desen- atacar também células do sistema nervoso,
volveram, [...] mecanismos para subverter ele pode causar distúrbios neurológicos –
o funcionamento da célula hospedeira e inclusive demência”; “Após penetrar na cé-
se reproduzir à custa do metabolismo ce- lula, o RNA do vírus”; “podendo atacar e
lular”; “[...] eles inibem o funcionamento destruir outras células”; “[...] a partir de ou-
do material genético da célula infectada e tro vírus que parasita os macacos verdes”;
passam a comandar a síntese de proteí- “O principal modo de transmissão se dá pelo
nas”; “A transcriptase penetra no núcleo ato sexual. O vírus pode penetrar através
da célula infectada e incorpora-se a um de lesões, cai na circulação e ataca os
de seus cromossomos”; “O HIV ataca os linfócitos do sangue”; “[...] a mulher conta-
linfócitos T”. Utilizam a hipérbole para minada pode passar o vírus para o bebê”;
designar a velocidade da interação dos “Suspeita-se que o contágio possa se dar
vírus com as células: “No entanto, sua também através da amamentação”.
capacidade reprodutiva é assombrosa [...]”; No livro 10, a Apostila Positivo – Desa-
“[...] capaz de produzir, em poucas horas, fios do Conhecimento 1, da Editora Posigraf/
milhões de novos indivíduos”. Predomi- AS, há a descrição do vírus HIV; apresenta
na no texto a metáfora guerra. as formas de contágio, sintomas, compli-
No livro 8, Biologia Integrada, de Luiz cações, tratamento e profilaxia. A Aids é
Eduardo Cheida, a Aids é apresentada em tratada como doença que destrói parte do
sua composição, estrutura, funções e re- sistema imunológico do corpo. Quando o
produção. O autor faz a descrição da for- vírus HIV é transmitido, ataca principal-
ma de transmissão, causas e sintomas da mente as células chamadas linfócitos T e
Aids. Para o autor, o vírus pode ficar no os macrófagos. As metáforas mais utiliza-
fluido vaginal e no sêmen quando é trans- das são as estruturais; indicando idéia de
mitido pela relação sexual. O vírus HIV guerra: “Atacam todos os seres vivos, es-
pode ser transmitido diretamente para o pecificamente, plantas ou animais e [...]”;
sangue de uma pessoa sadia por transfu- “Quando estão fora das células atacadas e,
sões ou por agulhas e seringas partilha- portanto, não estão se reproduzindo, não
das. O HIV ataca as células de defesa do manifestam nenhuma atividade vital”;
corpo e deixa a pessoa vulnerável a qual- “Esta doença destrói parte do sistema”; “[...]
quer doença. O autor utiliza a metáfora suas vítimas se tornam incapazes de se de-
guerra: “o vírus [...] adere a uma célula, fenderem (sic) de outros agentes etiológicos
parasita-a e se reproduz”; “Na maturação, oportunistas, como certos tipos de [...]”;
os capsídeos formados acoplam-se às no- “[...] o portador do HIV é um transmissor que
vas moléculas de DNA, produzindo novos deve ser orientado para precaver-se e não
vírus. Ocorre, posteriormente, a liberação contaminar ninguém”; “Quando o vírus HIV
dos vírus da célula infectada”; “[...] todos é transmitido, ataca principalmente”; “[...]
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A metáfora guerra na comunicação das idéias de HIV/Aids em livros didáticos
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ESTUDOS
Construção e reconstrução
multicultural de identidades docentes:
pensando na formação continuada de
coordenadores pedagógicos*
Ana Canen
Angela Rocha dos Santos
Resumo
Trata de uma pesquisa-ação que envolveu a formação continuada de coordenadores
pedagógicos do Estado do Rio de Janeiro em 2005, desenvolvida pela Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro e a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Focaliza, a
partir de uma perspectiva multicultural, as formas pelas quais a construção e reconstru-
ção identitária dos sujeitos envolvidos na referida ação foi buscada na proposta e nos
materiais elaborados. Apresenta as construções discursivas sobre temas didático-pedagó-
gico-curriculares, trabalhados na perspectiva multicultural, no âmbito dos módulos pro-
duzidos para o curso, visando contribuir para reflexões sobre possíveis traduções do
multiculturalismo para propostas didáticas e curriculares concretas em ações de forma-
ção inicial e continuada de docentes.
*
Uma versão preliminar des-
te artigo foi apresentada no
XIII Endipe, maio de 2006,
realizado na Universidade
Federal de Pernambuco
(UFPE), Recife, PE.
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pensando na formação continuada de coordenadores pedagógicos
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Janeiro, 2005. (Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos, Programa Su-
cesso Escolar).
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ESTUDOS
Resumo
Apresenta resultados de uma pesquisa que investigou as representações de “aluno
da escola pública” construídas por professores da rede pública de ensino fundamental do
Rio de Janeiro. Utilizando a abordagem estrutural de Abric, concluiu-se que o núcleo da
representação é constituído pelos elementos pobre e aprende a “se virar” sozinho. Cote-
jando-se estes resultados com os obtidos nas etapas anteriores da pesquisa, observa-se
que, para os professores, o aluno tem que aprender a “se virar” sozinho porque é pobre e
a pobreza implicaria desagregação familiar e luta pela sobrevivência, impedindo os pais
de oferecerem aos filhos a atenção de que necessitam. Dadas todas estas características,
esse aluno representaria um desafio para os professores, desafio este que eles se sentem
impotentes para enfrentar.
The article presents a research that investigated the representations of the “public
school student” constructed by public elementary school teachers of Rio de Janeiro. Using
the structural approach proposed by Abric, one concluded that the nucleus of the
representation is constituted by the elements poor and learns to make it on his own.
Comparing these results with those obtained in the previous steps of the research, it can
be observed that, to the teachers, the student has to learn to make it on his own because
he is poor and poverty would imply family desegregation and struggle for survival,
preventing the parents from providing their children with the attention they need. Given
all those characteristics, this student would represent a challenge to the teachers, but this
is a challenge they feel they are impotent to cope with.
Keywords: social representations; public school student; family and school; school failure.
*
Pesquisa apoiada pelo Con-
selho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecno-
lógico (CNPq).
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Alda Judith Mazzotti
do meio em que vivem. A primeira atri- – Eles dizem: ah, eu quero ser fazer me-
bui a esta o desinteresse dos alunos pelo dicina, ser médico. Eu fico com von-
estudo; a segunda a relaciona ao valor tade assim de rir e de chorar ao mes-
que as crianças atribuem ao espaço da mo tempo quando eu escuto um ne-
escola: gócio desses... [...] Eu me sinto meio
num filme de Fellini quando eu escu-
– Se ele vai morrer daqui a pouco com to um negócio desses na periferia...
um tiro, vai ser um empacotador de co- Juro por Deus!
caína.… então não vale a pena estudar...
– O horizonte deles é bem pequeno; tipo
– Eu acho que [o que eles valorizam] é o assim, se o pai é mecânico, eles acham
espaço e a tranqüilidade da escola. Eles que o máximo que eles podem ser é
buscam na escola uma tranqüilidade mecânico. O horizonte deles é bem
que eles não têm nos lugares onde eles restrito.
moram, por causa da violência. [...] Eu
acho que, na cabecinha deles passa que Quanto às expectativas das própri-
aqui a bala não vem, aqui o assaltante as professoras com relação aos seus alu-
não entra, a polícia não entra [...] é o nos, elas são, em sua maioria, extrema-
espaço que eles precisam pra correr, mente pessimistas, indicando que a
pra brincar, é o espaço dele, que ele lá perpetuação da situação de pobreza lhes
fora não está tendo. parece um destino inexorável. A frustra-
ção e a impotência das professoras di-
Quanto aos conhecimentos que os ante das dificuldades da tarefa que lhes
alunos trazem para a escola, as profes- cabe estão expressas nas falas que se
soras se referem de maneira vaga a “co- seguem: 4
nhecimentos da própria comunidade” –
que geralmente se resumem a música, – Olha, eu não vejo um horizonte [...].
dança (samba, capoeira), religião e, no O número de alunos que passaram
caso das escolas rurais, conhecimentos pelas minhas mãos, o futuro de mui-
relativos a plantas e animais – e, tam- tos que eu vi, [...] ao abrir o jornal e
bém, a experiências adquiridas no tra- ver lá [como vítima ou agente da vio-
balho e na vida cotidiana (fazer troco) e lência]. Eu falo que eles têm capaci-
a informações veiculadas pela televisão. dade, conto casos de pessoas pobres
Estas últimas, porém, são bastante que venceram na vida, que a gente tem
criticadas: que ter determinação, garra! [...] Todo
dia eu falo a mesma coisa pra ver se,
– A escrita é péssima, mesmo porque o de repente, eu consigo lançar alguma
vocabulário não é bom. Eles vêem tele- coisa pra ficar…
visão, todos têm televisão, mas vêem é
Ratinho Livre, Gugu, Faustão. [...] Então – Sou até muito nova no magistério pra
isso é a bagagem deles. estar assim tão desanimada, né? Mas
eu vejo muito pouco, muito pouco, a
Indagados sobre as aspirações dos perspectiva é mínima. Porque eu vejo
alunos, as professoras indicam priorita- que, a cada ano, o número de repeten-
riamente questões ligadas a uma futura tes aumenta, o número de alunos den-
profissão e a continuidade dos estudos. tro da sala aumenta... Eu estou muito
Entre as profissões destacam as opções desgastada [...] Não é nem o esgotamen- 4
As descrições feitas pelos
professoras sobre como se
por profissões liberais (médico, profes- to físico, nem o esgotamento mental, sentem atualmente em seu
sor, veterinário) e glamurosas (atriz, can- mas o esgotamento emocional, a carga trabalho são muito seme-
lhantes aos sintomas do "de-
tora, jogador de futebol, piloto de Fór- emocional... samparo adquirido" (learned
mula 1), ou então dizem que eles falam helplessness) descritos por
em seguir a profissão dos pais (pedrei- As falas que procuram ser otimistas Seligman (1977). Segundo
esse autor, o desamparo é um
ro, carpinteiro, etc.). As professoras pa- parecem revelar mais um desejo do que estado psicológico que se ca-
recem confusas com relação a essas as- propriamente uma expectativa: racteriza por depressão, an-
siedade, sentimento de im-
pirações, uma vez que as primeiras são potência e passividade e que
consideradas pouco realistas e as últi- – Eu gostaria de poder oferecer a essas se manifesta em decorrência
de situações problemáticas
mas, falta de ambição, como indicam as crianças o melhor, eu gostaria que eles que afetam o sujeito mas es-
falas que se seguem: aprendessem assim... a se virar no tão fora do seu controle.
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Ordem Elementos
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solicitou-se a cada professor que separas- pesos crescentes aos itens em cada uma
se os 8 que considerava mais caracterís- das quatro etapas de escolhas, de modo
ticos do objeto. Tomando-se apenas os 8 que estes correspondessem à importância
elementos selecionados, recomeçou-se a atribuída ao item pelo sujeito. Assim, se
operação, pedindo-lhe que escolhesse os o item que figurava entre os 8 elementos
4 mais representativos, e assim sucessi- selecionados como os mais significativos
vamente, até se chegar àquele considera- entre os 16 apresentados recebia peso 1;
do o mais representativo do objeto. Obte- se permanecia entre os 4 últimos, recebia
ve-se, então, uma classificação, por ordem peso 2; e assim por diante. A partir do
de importância, do conjunto de elemen- cálculo da freqüência ponderada, foi pos-
tos apresentado. sível estabelecer a classificação dos itens
Para analisar esses resultados, apurou- segundo a importância atribuída pelos
se, primeiramente, a freqüência de cada grupos. Os elementos que obtiveram va-
elemento nas quatro escolhas sucessivas, lores mais altos na hierarquia são aque-
isto é: os 8 elementos mais significativos; les que têm maiores probabilidades de
destes, os 4 mais significativos; destes, constituir o núcleo central da representa-
os 2; até se chegar ao mais significativo ção. Os elementos mais destacados são
dos elementos apresentados. Atribuiu-se apresentados na Tabela 3.
Ordem Elementos
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Alda Judith Mazzotti
com que eles sejam carentes de afeto e suprir as carências e despertar o inte-
que tenham que aprender a “se virar” resse dos alunos pelos conteúdos que
sozinhos (conforme indicado nas entre- julgam essenciais à superação de sua
vistas e nos pareamentos). Dadas todas situação atual, esse esforço nunca é su-
estas características, esse aluno repre- ficiente, porque grande parte do pro-
senta um desafio para o professor (ele- blema está em outras esferas que fogem
mento destacado na hierarquização). En- ao seu controle. Como disse uma pro-
tretanto, segundo o que foi evidenciado fessora, “o mundo aí fora é muito mais
nas entrevistas, este é um desafio que forte”. Tais resultados confirmam a
os professores se sentem impotentes conclusão de estudo realizado por Melo
para enfrentar. (1998), segundo a qual o aluno pobre é
percebido como não tendo condições
de competir com alunos de origem so-
Conclusões cial superior.
O quadro aqui descrito parece expli-
Considerando os resultados obtidos car por que os professores se mostraram
nas diferentes etapas deste estudo, somos tão ambíguos quanto às aspirações dos
levados a concluir que, para os professo- alunos, tão pessimistas quanto ao futuro
res que participaram do nosso estudo, o deles e tão evasivos quanto às suas pró-
aluno típico da escola pública é hoje a cri- prias expectativas com relação a esses
ança de família pobre que luta pela so- alunos. Como vimos, as falas oscilam
brevivência e dá pouca ou nenhuma as- entre expectativas extremamente pessi-
sistência aos filhos, delegando à escola mistas e vagos desejos, “sonhos”, sem
funções que tradicionalmente cabem à muita esperança de concretização, o que
família. Esta imagem, como vimos, está é denunciado pelo uso do imperfeito (“eu
muito distante daquelas que os professo- queria”, “eu gostaria”).
res concebem como ideal. As baixíssimas expectativas das pro-
Tal situação, aliada à crescente ca- fessoras sobre o “aluno da escola públi-
rência de recursos materiais e humanos ca” constituem um dado preocupante.
existente nas escolas, faz com que esses Como foi anteriormente mencionado, a
profissionais vivenciem uma situação de vasta literatura de pesquisa sobre
desamparo, por ter que assumir respon- interações em sala de aula indica, de
sabilidades cada vez maiores, contando modo consistente, que as baixas expec-
com apoio cada vez menor. Além das fun- tativas dos professores freqüentemente
ções que cabiam à família, tarefas que resultam em menores oportunidades
eram desempenhadas por inspetores, para aprender e diminuição da auto-es-
pessoal de secretaria e mesmo por ser- tima dos alunos sobre os quais se for-
ventes foram sendo transferidas aos pro- maram essas expectativas, depreciando
fessores, à medida que aqueles profissi- ainda mais o desempenho desses alu-
onais foram escasseando nas escolas. nos, configurando uma “profecia
Também os especialistas, que ofereciam autoconfirmada”. Considerando-se que
apoio psicopedagógico, e os professores o conteúdo da representação de “aluno
de música, artes e educação física, que da escola pública” indica uma forte as-
enriqueciam e amenizavam seu trabalho, sociação com pobreza familiar, tais ex-
desapareceram das escolas. Os espaços pectativas passam a constituir um obs-
de discussão, que permitiriam a reflexão táculo adicional ao sucesso escolar das
conjunta e a troca de experiências, tam- crianças pobres.
bém lhes foram tomados. Este é um dado que não pode dei-
A sensação de desamparo tem, por- xar de ser considerado nos cursos de for-
tanto, bases muito concretas. E a angús- mação de professores, principalmente
tia, o estresse, a frustração, o esgotamen- pelo fato de que o comportamento dife-
to emocional, o cansaço e o desânimo – renciado do professor nas interações
termos que perpassam o discurso de com os alunos sobre os quais mantém
grande parte dos professores – são indi- baixas expectativas tende a ser incons-
cadores eloqüentes desse desamparo. ciente,6 podendo ser revertido por meio
Outro importante indicador é o sentimen- da reflexão sobre esse comportamento
to, expresso pelos professores, de que por e suas conseqüências sobre o desempe- 6
Ver, por exemplo, Brophy,
mais que façam, que se desdobrem para nho daqueles alunos. 1979; Aronson, 2002.
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O “aluno da escola pública”: o que dizem as professoras
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BROPHY, J. Teacher behavior and its effects. Journal of Educational Psychology, n. 71, p.
733-750, 1979.
Alda Judith Mazzotti, Ph.D em Psicologia da Educação pela New York University, é
Coodenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de
Sá (Unesa).
aldamazzotti@estacio.br
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 349-359, set./dez. 2006. 359
ESTUDOS
Resumo
A continuidade entre experiência e conhecimento, ação e reflexão, indivíduo e
sociedade são os fundamentos da concepção de educação na filosofia deweyana
que trazem sentido para este nosso questionamento da prática pedagógica e suas
relações com a arte. Analisar a educação como reconstrução contínua da experiên-
cia e pensar nos pressupostos do hábito inteligente e cooperativo de julgamento nos
faz compreender melhor a função democratizante que a perspectiva deweyana traz
às propostas educativas. A reflexão sobre as qualidades educativas da experiência
estética nos possibilita ainda, no viés desta filosofia, compreender as necessidades
e condições essenciais sobre as quais devem ser desenvolvidas essas propostas.
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íntima conexão entre suas partes. Quando como é compreendida e percebida uma
os vários momentos de uma obra de arte experiência: nas relações entre as suas par-
revelam esta conexão, então é possível per- tes. Fazendo um paralelo com a atividade
ceber um jogo de correlações entre dife- educativa, podemos comparar esta capaci-
rentes qualidades intrínsecas à experiên- dade de percepção em uma experiência
cia como um todo. Dewey (1949, p. 158) estética à capacidade de correlação de sig-
observa que é esta continuidade que con- nificados entre as diferentes áreas de co-
fere à obra de arte uma essência de vida: nhecimento. A presença de um tema cen-
tral ou de um objetivo é, neste aspecto, es-
[...] quando obtemos de um produto ar- sencial para a compreensão das várias par-
tístico o sentimento de estarmos envolvi- tes como um todo. Este tema central ou
dos com um processo, com uma história, objetivo que pode correlacionar as diferen-
percebida em um ponto particular de seu tes áreas de conhecimento tem, na perspec-
desenvolvimento, é quando temos a im- tiva deweyana, um sentido pragmático, res-
pressão de vida. O que está morto não se tabelecendo a continuidade entre a ativi-
estende ao passado nem desperta nenhum dade educativa e a vida social.
interesse no porvir. É importante salientar que uma maté-
ria de estudo deve ser compreendida em
As diferentes partes no desenvolvi- seu contexto de relações com as outras áre-
mento de uma experiência estética têm as do conhecimento. Este contexto de rela-
como base comum um tema ou objetivo ções é definido, por sua vez, pelo objetivo
que as conecta e orienta – estão, na verda- ou tema central que é utilizado para o de-
de, conectadas umas às outras, de forma a senvolvimento da atividade educativa, isto
se completarem de sentido. Podemos ana- é, dependendo do tema escolhido para ori-
lisar a importância da conexão entre as entar a atividade, as matérias de estudo
várias partes ou componentes de uma ex- podem ser relacionadas de diferentes for-
periência em dois aspectos diferentes: no mas. O que importa é que haja, sempre, este
que se refere ao desenvolvimento ativo da inter-relacionamento entre as diferentes
experiência e, também, no que se refere à áreas do conhecimento e que isto seja re-
compreensão ou percepção do jogo de sultado da presença de temas ou objetivos
interações entre as suas partes. Em outras de ordem social. Não existe sentido na se-
palavras, estes aspectos correspondem ao paração absoluta entre as várias matérias
processo ativo de construção da obra, e o de ensino, porque os conhecimentos, apar-
outro, ao processo de percepção receptiva. tados de um tema significativo e social, não
Podemos ter como base para essa aná- passam de uma simples informação, sem
lise a experiência reflexiva, ou seja, quan- interesse para a criança e sem a possibili-
to ao primeiro aspecto, sobre o desenvol- dade de contribuição moral. É neste senti-
vimento ativo da experiência, podemos do que a idéia de interdisciplinaridade,
pensar que uma idéia sempre tem como como o encontro e diálogo entre as matéri-
apoio uma outra idéia já formada, isto por- as de estudo, constitui um fator de conti-
que, no pensamento deweyano, as partes nuidade entre a vida e a educação.
de um pensamento vão se encadeando Nesta perspectiva, as atividades esco-
umas às outras, de forma que uma dá sus- lares deveriam compreender situações e
tentação à outra na construção de um novo problemas vividos socialmente, de modo
conceito. O que nos importa verificar com que a transferência destes problemas para
este pressuposto é que as experiências pre- o âmbito escolar possibilitasse sua com-
sentes se apóiam nas antecessoras, apro- preensão e análise em seus vários aspec-
veitando significados, valores e ideais em tos que, na verdade, interagem entre si fa-
novas situações. zendo parte de um mesmo fenômeno. A
A continuidade entre meios e fins na separação destes aspectos é, de fato, arti-
experiência, que defendemos como fator de ficial e prejudica a compreensão de qual-
conexão entre suas várias fases, é impor- quer situação pela criança, já que as infor-
tante na experiência educativa, também no mações transmitidas deixam muitas vezes
sentido de considerar os saberes da criança de lado o seu caráter moral, ou seja, o
e o modo como ela vai elaborar suas rela- modo pelo qual podemos transformar as
ções de sentido para um planejamento mais ações com a análise de uma circunstância
adequado das atividades escolares. O outro social. A continuidade entre as atividades
aspecto a ser analisado refere-se à maneira escolares e a vida social é um dos pontos
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RYAN, Alan. John Dewey and the High Tide of American Liberalism. New York: Norton,
1995.
Cecília Maria Siqueira Silva, mestre e doutora em Filosofia da Educação pela Fa-
culdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), é professora do curso de
Pedagogia da Faculdade Taboão da Serra (FTS).
cecisiqueira@zipmail.com.br
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ESTUDOS
Resumo
Os estudos acerca do desenvolvimento humano na idade adulta e no envelhecimen-
to têm instigado o interesse de teóricos do assunto, em virtude do aumento do tempo de
vida da população. Constata-se, no campo educacional, entre os anos de 1996 e 2003, um
crescimento do número de pessoas que ingressaram na universidade na meia-idade. Com
base no interesse em dar continuidade ao estudo sobre a entrada na universidade, o
presente artigo tem como objetivo discutir a qualidade de vida de estudantes que ingres-
sam na universidade após os 45 anos de idade; para tanto, foram revisados os estudos de
Baltes (1970, 1977, 1990, 1995, 1997, 1999) e Neri (1985, 1991, 1993, 1995, 2002). A
metodologia utilizada foi ancorada na abordagem qualitativa. Os resultados revelam que
os respondentes antes de ingressarem no ensino superior vivenciaram um período de
estabilidade e que, após selecionarem suas metas e otimizarem suas capacidades de re-
serva, apresentaram melhorias na qualidade de vida. Conclui-se, com base nos argumen-
tos relatados pelos estudantes, que o desenvolvimento deve ser visto sob vários prismas –
biológicos, psicológicos, sociais – e num processo de interação.
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da evolução das espécies tiveram uma in- No Brasil, os trabalhos de Neri (1991,
fluência primordial sobre as teorias do de- 1993, 1995) e de Neri e Wagner (1985) são
senvolvimento psicológico” (Neri, 1995, dedicados ao estudo psicológico do desen-
p. 17). Por outro lado, a teoria de curso de volvimento humano na idade adulta e na
vida (Baltes, Staudinger, Lindenberger, velhice com base na perspectiva de curso
1999) considera que o desenvolvimento de vida, iniciado na Europa entre as déca-
não se completa em uma determinada das de 60 e 70 por Baltes e Goulet. Neri
fase, mas se estende ao longo da vida. (1995, p. 25) entende que “as teorias do
Segundo Honzik (1984), a maior questão desenvolvimento têm uma base comum,
levantada sobre o curso de vida se refere e tentar, a partir disso, caracterizá-las
à natureza das mudanças que ocupam quanto à origem é, porém, apenas uma das
lugar durante o desenvolvimento e o que maneiras de conceituá-las. Elas podem ser
determina essas mudanças. analisadas ainda quanto à maneira como
Os estudos sobre o desenvolvimen- consideram a natureza da progressão das
to humano na idade adulta avançaram mudanças evolutivas”.
no século 20, segundo Salthouse (1989), Segundo Baltes (1995), os estudos
especialmente durante a Primeira Guer- demonstram que durante a vida adulta os
ra Mundial, quando estudiosos da vida indivíduos “continuam a ser desafiados
adulta começaram suas investigações pelas suas próprias expectativas quanto ao
com a aplicação de testes de inteligên- futuro, por novas exigências ambientais,
cia em um número expressivo de solda- pelo desejo de progresso e pela contínua
dos do exército americano. Tais testes preocupação com o senso de controle, a
causaram enormes controvérsias, uma integração e a produtividade social” (Neri,
vez que buscaram classificar o nível de 1995, p. 12). Contudo, para que o indiví-
inteligência dos adultos. Os resultados duo mantenha seu bem-estar físico e soci-
possibilitaram ao exército realizar uma al e acompanhe as mudanças e exigências
hierarquização entre seus componentes, da sociedade, faz-se necessário levar em
muitos dos quais foram dispensados por consideração o ambiente em que vive, os
serem considerados com pouca aptidão, valores sociais e individuais, bem como
outros foram encaminhados a batalhões as circunstâncias de sua história de vida.
que exigiam um baixo nível de inteligên- Desse modo, o potencial individual para
cia e o restante foi enviado para batalhões o desenvolvimento favorecerá uma velhi-
especiais, onde se submeteriam a treino ce bem-sucedida, observados os limites da
mais desenvolvido. plasticidade de cada um.
Segundo Stevens-Long (1979), a Com base nas proposições acima des-
partir da aplicação desses instrumentos critas, foi elaborado o modelo de envelhe-
de pesquisa em adultos, cresceram ra- cimento bem-sucedido que enfoca o ma-
pidamente os estudos de pessoas com nejo dinâmico entre ganhos e perdas por
50, 60 e 65 anos. A divulgação desses meio da interação entre “Seleção,
estudos culminou com o primeiro ma- Otimização e Compensação” (Baltes, 1997).
nual sobre psicologia do envelhecimen-
to, contendo tópicos clássicos sobre a
percepção, a aprendizagem, a inteligên- SOC: a teoria da Seleção,
cia e a personalidade (Neri, 1995). As Otimização e Compensação
publicações de pesquisas longitudinais
e experimentais avançaram, bem como As mudanças no desenvolvimento
a divulgação de estudos sobre a humano são concebidas por Baltes (1997)
periodização da vida adulta, por meio de maneira positiva (aperfeiçoamento/
de estágios e crises normativas, dividi- otimização) quando o indivíduo tem a ca-
dos em ciclos de vida com diferentes pacidade de adaptação na direção de re-
blocos de tempo para o estudo de fenô- sultados desejáveis (metas), que depen-
menos diferenciados (Stevens-Long, dem da aplicação de um conjunto de com-
1979), identificados nas teorias de portamentos, de realização de metas, de
Bromley (1974), Levinson (1974), Gould conhecimento cultural, status físico, com-
(1972), Neugarten (1974), Erikson prometimento com as metas desejadas,
(1963), Lowenthal e Chiriboga (1975), práticas e esforço.
Schlossberg (1981), entre outros, descri- Esse modelo de envelhecimento bem-
tos por Günther e Günther (1986). sucedido enfoca o manejo dinâmico entre
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ganhos e perdas por meio da interação através do curso de vida (Baltes, 1997), os
entre Seleção, Otimização e Compensação processos de Seleção, Otimização e Com-
(SOC). A SOC consiste numa estrutura pensação (SOC) estão embasados em:
biológica e cultural que pode ser aplicada
a qualquer teoria do desenvolvimento, por a) Benefícios de seleção evolutiva –
se tratar de um conjunto de concepções pressupõe que a idade e a
que supõem uma interação desses proces- plasticidade estão correlacionadas
sos em diferenciadas etapas da vida. Essa com a diminuição do potencial bi-
aplicação, segundo Baltes (1997), está re- ológico;
lacionada com os movimentos que b) Necessidade de cultura – prediz que
direcionam o indivíduo a atingir níveis são requeridos recursos crescentes,
mais altos de funcionamento (crescimen- baseados na cultura com o aumen-
to) e a possibilidade de impedir resulta- to da idade (recursos psicológicos,
dos negativos (manutenção). sociais, materiais, econômicos e
A seleção está relacionada com o de- simbólicos – conhecimento);
senvolvimento, que tem um universo es- c) Eficiência da cultura – sugere que
pecífico de metas de desempenho e ocor- não obstante o aumento da neces-
re dentro de determinadas condições ou sidade de cultura, a sua eficiência
limitações, inclusive limites de tempo e se torna reduzida devido à perda de
recursos. Baltes (1997) acrescenta que a plasticidade que ocorre com o au-
seleção é condicionada às disposições mento da idade.
comportamentais que durante a evolução
foram selecionadas a partir de um con- A Seleção, Otimização e Compensa-
junto de potencialidades, como a ção, fundamentadas nos três princípios
plasticidade associada à idade e às per- básicos citados, exploram os estados in-
das em potencial. Os elementos referen- completos do desenvolvimento humano e
tes ao potencial biológico ou plasticidade suas implicações, entendendo que a
associados à idade aumentam a pressão maximização de ganhos e a minimização
para seleção. de perdas permitem uma possível
A otimização, entendida como um equilibração do indivíduo, dependendo da
movimento direcionado para o aumento natureza do que significa ganho e perda.
da eficácia e para a busca de níveis mais A teoria SOC considera que este estado
altos de desempenho, está relacionada pode mudar se levarmos em conta a idade,
com uma concepção tradicional de de- padrões de comportamento, contextos cul-
senvolvimento. Os elementos relevantes turais e históricos, bem-estar funcional e
para a tarefa de otimização variam de adaptabilidade.
acordo com as condições de domínio e Assim, para Baltes (1997), a SOC tem
de desenvolvimento. um caráter de multicausalidade,
A compensação, operacionalizada multidimensionalidade, multidireciona-
quando um conjunto de recursos não está lidade e multifuncionalidade, que ocorrem
disponível, ou quando há uma perda di- durante todas as etapas do curso de vida.
reta desses meios, de restrições de tempo Partindo do princípio de que, com o au-
ou de energia, tem origens múltiplas e mento da idade, as mudanças no indiví-
possui formas variadas. duo envolvem mais perdas do que ganhos,
A teoria SOC é sistêmica e essas experiências desencadeiam uma per-
funcionalista, não designa conteúdo espe- da generalizada na capacidade de reserva.
cífico, mecanismos do processo e dos re- Desse modo, a manutenção de níveis ele-
sultados do desenvolvimento, aplicando- vados de funcionamento em todos os do-
se a uma variedade de metas e recursos. mínios torna-se pouco provável.
Dentro dessa composição, Baltes (1997) Ocorre, entretanto, uma seleção de
resume a SOC caracterizando seus três domínios que favorece o indivíduo na pre-
componentes: a seleção envolve direção, servação de altos níveis de funcionamen-
metas ou resultados; a otimização envol- to. A partir dessa seleção, procura-se a ade-
ve meios para obter sucessos (resultados quação para que esses níveis alcancem
desejados); e a compensação denota recur- bom desempenho. Durante esse processo
sos para combater as perdas/declínios. ocorrem eventos, tornando necessário que
Com relação aos princípios que gover- o indivíduo utilize novas estratégias e que
nam a dinâmica entre a biologia e a cultura potencialize as suas reservas.
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conforme estudos realizados sobre o de- socioistóricos” (Neri, 1995, p. 24). Esses
senvolvimento adulto, na década de 70, argumentos são confirmados nos relatos de
descritos por Stevens-Long (1979). Con- 15 respondentes quando mencionam que
siderando que o ingresso no ensino su- a troca de experiência é um aspecto positi-
perior se configura, por si só, uma mu- vo a partir da relação com os colegas da
dança na vida de uma pessoa, o retorno universidade, os quais contribuem para o
aos estudos, relacionado com a seleção desenvolvimento pessoal. Segundo
das prioridades de vida, evidencia um Carstensen (1995), na meia-idade, o indi-
novo espaço para a realização pessoal e a víduo tende a buscar informações por meio
aquisição de conhecimentos. da interação com pessoas que possuem
Baltes (1997) defende que, com o au- conhecimentos mais especializados. Entre-
mento da idade, as mudanças no indiví- tanto, os dados apontam para uma percep-
duo que envolvem mais perdas do que ção de estabilidade dos estudantes quanto
ganhos e a manutenção de níveis eleva- às mudanças que ocorreram a partir da re-
dos de funcionamento em todos os domí- lação com os colegas, visto terem mencio-
nios tornam-se pouco prováveis. Ocorre, nado que não houve nenhuma mudança
entretanto, uma seleção de domínios que (21). Carstensen (1995) ressalta que, ao lon-
favorece o indivíduo na preservação de go do tempo, a aquisição de informações
altos níveis de funcionamento. A partir da motiva cada vez menos o contato social.
seleção, procura-se a adequação para que Esses resultados, aparentemente
esses níveis alcancem bom desempenho. dicotômicos, são sustentados na relação
Durante esse processo, é necessário que o originada na busca de informações a par-
indivíduo utilize novas estratégias e que tir da interação com pessoas mais
potencialize reservas. especializadas e não necessariamente com
Dentro dessa perspectiva, a atualiza- todas as pessoas com as quais os estudan-
ção de conhecimentos relatada por 32 estu- tes se relacionam, aqui denominados co-
dantes sobre como se vê ao retornar aos legas (Carstensen, 1995). Apesar desses
estudos, seguida de melhoria na qualidade resultados, identificaram-se na análise
de vida (18), melhoria no relacionamento melhorias na vida dos respondentes após
com a família (15), integração na socieda- o ingresso na universidade. Destaca-se o
de (15), motivado (10), melhoria na comu- aspecto pessoal (26), seguido do familiar
nicação (8), clareza nas idéias (4), rejuve- (18), do trabalho (12), social (12), financei-
nescido (3), mais responsável (3), melhoria ro (3) e nenhuma (3).
na auto-estima (2) e realizado (1), aponta O aspecto familiar, identificado nos
para um aspecto determinante para que resultados relacionados com a melhoria de
esses estudantes tenham atingido os mais vida, pode ser considerado como positivo,
altos níveis de funcionamento (crescimen- uma vez que, na meia-idade, o casal pode
to). Baltes e Baltes (1990) afirmam que o começar a usufruir de vantagens financei-
desenvolvimento assume diferenciadas ras, tendo assim a possibilidade de atingir
formas e direção e varia de acordo com as antigos objetivos e de explorar novas áre-
condições e experiências de vida. Nesse as. Essa fase também é vista em “algumas
sentido, a percepção de si após decidirem famílias [...] como um momento de fruição
ingressar na universidade relatada pelos e conclusão, e como uma segunda oportu-
estudantes investigados, selecionando nidade de consolidar ou expandir, explo-
suas metas de desempenho e procurando rando novas possibilidades e novos papéis”
ir além das condições, impedimentos, li- (Carter, Mcgoldrick, 1995, p. 21).
mites de tempo e recursos, é considerada A respeito da melhoria de vida no
relevante para a identificação das mudan- trabalho, os argumentos de Costa (1998),
ças na qualidade de vida. ao assinalar dois fatores que contribuem
A psicologia do curso de vida leva a para o bem-estar psicológico do indiví-
entender que o indivíduo e o ambiente duo, o de desempenhar uma função pro-
social são mutuamente influentes e se dutiva e o do valor do trabalho para a
mantêm em constante interação dinâmi- sobrevivência do indivíduo, contribuem
ca. Assim, “o desenvolvimento é visto para o entendimento de que, com a entra-
como um processo contínuo de adapta- da na universidade, há viabilidade de os
ção que dura por toda a vida, relacionada estudantes aplicarem no trabalho o conhe-
com processos internos em interação com cimento adquirido ao longo do curso.
as atividades externas e os processos Nesse sentido, Hiestand (1971) enfatiza as
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na universidade na meia-idade
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TATAU, Godinho et al. Trajetória da mulher na educação brasileira. Brasília: Inep, 2006.
Denise Maria dos Santos Paulinelli Raposo, mestre em Psicologia pela Universidade
Católica de Brasília (UCB), é professora universitária e consultora da Unesco/Secad/MEC.
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ESTUDOS
Resumo
Estudos têm evidenciado a importância dos primeiros anos de profissão nos proces-
sos de formação docente. Neste artigo, são analisados processos formativos de professo-
ras iniciantes que atuam na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental,
a partir de dados obtidos em pesquisa realizada no período 2001-2005. Casos de ensino
foram utilizados como instrumentos de pesquisa e permitiram que as iniciantes realizas-
sem descrições e análises de suas trajetórias profissionais. As professoras explicitaram
dúvidas, certezas, equívocos e contradições que orientam e caracterizam suas práticas
docentes nos primeiros anos de docência. Explicitaram, ainda, conhecimentos referentes
ao modo como ensinam conteúdos matemáticos e de linguagem escrita.
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Processos de formação de professoras iniciantes
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Maévi Anabel Nono
Maria da Graça Nicoletti Mizukami
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Processos de formação de professoras iniciantes
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Maévi Anabel Nono
Maria da Graça Nicoletti Mizukami
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Processos de formação de professoras iniciantes
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Maévi Anabel Nono
Maria da Graça Nicoletti Mizukami
Modos de integração
Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição
no trabalho docente
Saberes pessoais dos A família, o ambiente de vida, Pela história de vida e pela
professores. a educação no sentido lato. socialização primária.
Saberes provenientes da A escola primária e secun- Pela formação e pela sociali-
formação escolar anterior. dária, os estudos pós- zação pré-profissionais.
secundários não
especializados.
Saberes provenientes da Os estabelecimentos de Pela formação e pela sociali-
formação profissional para o formação de professores, os zação profissionais nas
magistério. estágios, os cursos de instituições de formação de
reciclagem. professores.
Saberes provenientes dos A utilização das “ferramen- Pela utilização das “ferra-
programas e livros didáticos tas” dos professores: progra- mentas” de trabalho, sua
usados no trabalho. mas, livros didáticos, adaptação às tarefas.
cadernos de exercício,
fichas.
Saberes provenientes de sua A prática do ofício na escola Pela prática do trabalho e pela
própria experiência na e na sala de aula, a experiên- socialização profissional.
profissão, na sala de aula e cia dos pares.
na escola.
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importantíssimo ter uma equipe unida A disposição para aprender novos conteú-
onde pode-se trocar idéias e opiniões, dos – demonstrada durante a formação ini-
aprendendo com quem tem mais experi- cial – parece se confirmar. Diante das difi-
ência. Daí é que se dá a formação contí- culdades no domínio de um ou outro con-
nua do educador (Daniela). teúdo, as professoras declaram: “[tenho]
buscado ajuda com alguns professores, pe-
Aparentemente, as professoras atribu- guei alguns livros [...] estou correndo atrás
em ao professor um papel ativo em sua e acredito que venho cumprindo meu pa-
aprendizagem da profissão e defendem a pel” (Joana). “[...] Agora tenho corrido atrás
criação de espaços coletivos nas escolas dos prejuízos. Me atualizo com os cursos
para trocas de experiências e construção de que freqüento, com as capacitações, com
novos conhecimentos sobre o ensino, re- os grupos de estudo e nas próprias pesqui-
conhecendo o valor dos saberes profissio- sas que faço quando é necessário”
nais construídos no cotidiano escolar. Vale (Daniela). Trecho escrito pela professora
destacar que, durante o curso de formação Mariana demonstra sua constatação de que
inicial, as professoras já apontavam a apren- o ideal é aprender os conteúdos no exercí-
dizagem da profissão docente como um cio da docência, diante da necessidade:
processo contínuo (Nono, 2001). O que não “[...] hoje devido a necessidade e até por
acontecia, naquele momento, era a valori- interesse, busco informações, leio muito,
zação do ambiente escolar como local de enfim, me amadureci. Em um contexto
aprendizagem da docência. Aspectos rela- anterior não tinha porquê me dedicar a elas
cionados com a organização escolar e suas [determinadas áreas do conhecimento]”.
possíveis influências no trabalho de sala Os registros permitiram a constatação
de aula não eram discutidos pelas futuras de certa preocupação das professoras com
professoras ao analisar situações de ensi- a transformação dos conhecimentos que
no. A entrada na profissão parece ter pro- possuem em ensino. Mariana afirma que
piciado o estabelecimento de relações en- não tem o que superar em termos de lacu-
tre sala de aula e escola. nas em uma ou outra área do conhecimen-
Ao discutir o significado do curso de to: “[...] só corro atrás da didática de como
formação inicial em seu processo de de- passar aos alunos”. “Acredito que na Mate-
senvolvimento profissional, as iniciantes mática tenho uma certa dificuldade para
destacam a importância de que ele se ca- transmitir com clareza alguns conteúdos
racterize pela articulação entre teoria e [...]. Na área de Artes também tenho encon-
prática. O curso de formação inicial é trado certas dificuldades, me faltam, talvez,
apontado como apenas uma das fontes de idéias de atividades [...]”, acrescenta Joana.
aprendizagem profissional docente. Des- Vale destacar, entretanto, que, mesmo
tacam também saberes advindos de sua a disposição das principiantes para apren-
própria história de vida, de sua der os conteúdos antes de ensiná-los – su-
escolarização anterior, da sua própria ex- prindo assim lacunas da trajetória escolar –
periência na sala de aula e na escola, de parece insuficiente quando se desconhece
seus estudos teóricos (Tardif, 2002). a própria defasagem. Os dados sugerem, por
exemplo, que, em muitos momentos, as
iniciantes acabam recorrendo aos modelos
As professoras iniciantes e o pedagógicos aos quais foram expostas, ape-
ensino de conteúdos nos sar de explicitarem sua preocupação em
primeiros anos de organizar situações de ensino diferentes
escolarização daquelas que vivenciaram na infância.
Equívocos e lacunas nos conhecimentos
Os dados obtidos sinalizam lacunas que devem ensinar parecem interferir na
que as professoras iniciantes possuem em seleção de procedimentos de ensino, na
algumas áreas do conhecimento que de- avaliação do entendimento dos alunos, na
vem ensinar. Algumas dessas lacunas são análise das estratégias de aprendizagem
percebidas por elas, outras não. Permane- elaboradas pelas crianças, influenciando,
ce sua crença – evidenciada durante o cur- portanto, todo o processo de raciocínio pe-
so de formação inicial (Nono, 2001) – de dagógico vivido pelas professoras. Esse pro-
que o domínio de conteúdos específicos cesso se inicia com a compreensão de idéi-
pode ser alcançado durante o exercício da as e conceitos dos conteúdos que se quer
docência, sempre que a prática solicitar. ensinar e de conteúdos relacionados a eles.
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Transitando entre uma maneira tradi- e ideais sobre a profissão às condições re-
cional de ensinar e uma perspectiva ais de trabalho que encontram, procuran-
construtivista de encarar o processo de do lidar com uma série de limitações que
aprendizagem dos alunos, parece funda- atuam diretamente sobre seu trabalho, ten-
mental que as iniciantes tenham clareza tando permanecer na profissão e manter
de como as crianças aprendem e de quais um certo equilíbrio diante dos sentimen-
suas possibilidades de ensino. tos contraditórios que marcam a entrada
na carreira. Burke (1990 apud Marcelo
Garcia, 1999) afirma que a evolução do
Considerações finais ciclo vital do professor deve ser entendi-
da em função de duas grandes dimensões:
Os dados demonstram forte implica- pessoal e organizacional. Do ponto de vis-
ção das professoras principiantes em sua ta pessoal, existem diversos fatores que
própria aprendizagem profissional da influenciam os professores: relações fami-
docência e explicitam sua disposição para liares, crises pessoais, etc. O ambiente
expor suas formas de atuação, a partir da organizacional influencia a carreira por
elaboração e análise de casos de ensino. meio dos estilos de gestão encontrados, das
Retratam as iniciantes como profissionais expectativas sociais em relação à profis-
dispostas a pensar sobre seu ensino, cons- são, etc. Nos dados obtidos, foram eviden-
truir conhecimentos durante sua atuação, ciadas as influências de aspectos pessoais
rever e retomar suas práticas para garantir e organizacionais nos processos de forma-
a aprendizagem das crianças. Mostram ção das professoras iniciantes.
que, apesar de iniciantes e de todas as Conforme salienta Huberman (1993),
adversidades que caracterizam esse perío- foi possível constatar que essa fase da car-
do da carreira, sentem-se capazes de to- reira não é vivenciada exatamente da mes-
mar decisões e ter opiniões, transitando ma maneira por todos os professores. As
para uma fase de estabilização na carreira formas como cada professora lida com os
(Huberman, 1993). Apontam diversos co- aspectos que caracterizam a entrada na
nhecimentos profissionais que mobilizam profissão podem variar, sendo tal período
para desenvolver seu ensino: conhecimen- encarado a partir de diversas perspectivas
to pedagógico geral, conhecimento do con- e conhecimentos anteriores.
teúdo específico, conhecimento pedagógi- Os resultados desta investigação pa-
co do conteúdo. Sendo preenchidas algu- recem confirmar a necessidade de que se-
mas lacunas em seus conhecimentos pro- jam organizados programas de iniciação
fissionais – evidenciadas nos dados obti- ao ensino para professoras principiantes
dos –, poderão, cada vez mais, levantar que respondam “[...] à concepção de que a
novas dúvidas sobre sua atuação, impli- formação de professores é um contínuo
cando-se, constantemente, em seus proces- que tem de ser oferecida de um modo
sos de desenvolvimento profissional. adaptado às necessidades de cada momen-
Transparece, nos dados obtidos, a dis- to da carreira profissional” (Marcelo
posição das principiantes para refletir so- Garcia, 1999, p. 119). Tais programas de-
bre sua prática de ensino e orientar suas vem ser compreendidos como um “[...] elo
intervenções pelas observações e análises imprescindível que deve unir a formação
que realizam diante da participação das inicial ao desenvolvimento profissional ao
crianças nas aulas que propõem. Confir- longo da carreira docente”. É necessário
ma-se a necessidade de seu envolvimento que levem em conta diferentes conheci-
em programas de formação continuada que mentos profissionais que orientam as prá-
permitam a revisão e a ampliação de seus ticas escolares adotadas pelas principian-
conhecimentos profissionais. tes e utilizem estratégias diversificadas que
Para finalizar, vale destacar que, ao promovam processos de desenvolvimen-
caracterizar as professoras iniciantes que to profissional docente.
participaram desta investigação, foram Neste artigo, procurou-se apontar al-
obtidos resultados semelhantes àqueles guns destes conhecimentos, evidenciados
encontrados em estudos realizados por Cal- pela utilização de uma das estratégias pos-
deira (1995), Castro (1995), Fontana (2000), síveis de serem utilizadas em tais progra-
Guarnieri (1996). Trata-se de um período de mas: a análise e elaboração de casos de
sobrevivência e descoberta, no qual as pro- ensino. Os dados revelam a complexidade
fessoras procuram ajustar suas expectativas que caracteriza os processos de formação
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Processos de formação de professoras iniciantes
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ESTUDOS
Resumo
No Brasil, muitos docentes do ensino superior não possuem formação pedagógica ou
didática. O objetivo deste trabalho foi desvelar elementos do processo histórico de
profissionalização do ensino superior no País, relacionando-os com problemas atuais
encontrados nos processos de ensino-aprendizagem. Foi realizada revisão de literatura,
na qual se utilizaram os unitermos “história”, “formação”, “professores” e “ensino superi-
or”. Os resultados apontaram possíveis origens das falhas no processo de ensino-aprendi-
zagem, em decorrência das formas pelas quais se inicia e se estrutura o ensino superior
no Brasil, o que sugere reflexões para mudanças, como revisão do método de seleção de
professores, equilíbrio da formação didática e pedagógica com a formação específica,
formas de ingresso e de atuação docente e incentivo à formação continuada.
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Profissionalização dos professores universitários:
raízes históricas, problemas atuais
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CIBEC
Teses e dissertações
recebidas
São divulgadas as referências bibliográficas das teses recebidas pelo Cibec no período
anterior ao lançamento do número subseqüente da RBEP. Todo o acervo das teses
indexadas poderá ser acessado diretamente no Cibec ou via Internet.
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Teses e dissertações recebidas
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Teses e dissertações recebidas
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Teses e dissertações recebidas
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Índice do
RBEP volume 87
Este índice refere-se às matérias do volume 87 (números 215, 216 e 217) da Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos. Divide-se em três partes, de acordo como os diferentes
pontos de acesso: Assuntos, Autores e Títulos.
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Índice de assuntos
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Índice de assuntos
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Índice de assuntos
422 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006.
Índice de assuntos
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Índice de assuntos
424 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006.
Índice de assuntos
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Índice de assuntos
Letramento Metáforas
MAIMONI, Eulália H.; RIBEIRO, BELLINI, Marta; FRANSSON, Priscila
Ormezinda Maria. Família e escola: uma Caroza. A metáfora guerra na
parceria necessária para o processo de comunicação das idéias de HIV/Aids em
letramento. RBEP, v. 87, n. 217, p. 291-301, livros didáticos. RBEP, v. 87, n. 217, p. 327-
set./dez. 2006. Seção: Estudos. 338, set./dez. 2006. Seção: Estudos.
426 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006.
Índice de assuntos
216, p. 210-219, maio/ago. 2006. Seção: RBEP, v. 87, n. 215, p. 29-43, jan./abr. 2006.
Estudos. Seção: Estudos.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006. 427
Índice de assuntos
428 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006.
Índice de assuntos
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006. 429
Índice de assuntos
430 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-436, set./dez. 2006.
Índice de Autores
ABREU, Jayme. Uma política para a CANEN, Ana; SANTOS, Angela Rocha
pesquisa educacional no Brasil. RBEP, v. dos. Construção e reconstrução multi-
87, n. 215, p. 77-80, jan./abr. 2006. Seção: cultural de identidades docentes:
Segunda Edição. pensando na formação continuada de
coordenadores pedagógicos. RBEP, v. 87,
ANDRADE, Erica Natacha Fernandes de. n. 217, p. 339-348, set./dez. 2006. Seção:
Natureza humana e cultura: um estudo Estudos.
sobre as concepções psicológicas de John
Dewey. RBEP, v. 87, n. 216, p. 267-269, CARNEIRO, Isabel Magda Said Pierre;
maio/ago. 2006. Seção: Notas de Pesquisa. FERREIRA, Eveline Andrade; CAVAL-
CANTE, Maria Marina Dias. A prática
ANDRADE, Maria da Conceição Lima de; educacional do pedagogo em espaços
PEREIRA, Gilson R. de M. Lucro de ação: formais e não-formais. RBEP, v. 87, n. 216,
um exame das condições de possibilidades p. 188-197, maio/ago. 2006. Seção: Estudos.
de magistério oficial. RBEP, v. 87, n. 215,
p. 9-18, jan./abr. 2006. Seção: Estudos. CAVALCANTE, Maria Marina Dias;
FERREIRA, Eveline Andrade; CARNEIRO,
ARAÚJO, Gerrá Leite Correia de; GOMES, Isabel Magda Said Pierre. A prática
Candido Alberto. Cooperativismo: educacional do pedagogo em espaços
alternativa viável para a gestão escolar? formais e não-formais. RBEP, v. 87, n. 216,
Um estudo de caso. RBEP, v. 87, n. 217, p. p. 188-197, maio/ago. 2006. Seção:
313-326, set./dez. 2006. Seção: Estudos. Estudos.
432 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006.
Índice de autores
PORTES, Écio Antônio. Algumas dimensões SILVA, Cecília Maria Siqueira. A dimensão
culturais da trajetória de estudantes pobres estética e democrática da experiência: uma
no ensino superior público: o caso da contribuição da filosofia deweyana para
UFMG. RBEP, v. 87, n. 216, p. 220-235, maio/ novas propostas educacionais. RBEP, v. 87,
ago. 2006. Seção: Estudos. n. 217, p. 360-369, set./dez. 2006. Seção:
Estudos.
RAPOSO, Denise Maria dos Santos
Paulinelli. A qualidade de vida de SIRCILLI, Fabíola. A argumentação de
estudantes que ingressam na uni-versidade Arthur Ramos a favor da psicanálise na
na meia-idade. RBEP, v. 87, n. 217, p. 370- educação. RBEP, v. 87, n. 216, p. 270-271,
381, set./dez. 2006. Seção: Estudos. maio/ago. 2006. Seção: Notas de Pesquisa.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006. 433
Índice de títulos
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 417-435, set./dez. 2006. 435
Agradecimentos
Alcina Maria
Alípio Casali
Álvaro Moreira Hipolito
Ana Shirley de França Moraes
Anamaria Gonçalves B.de Freitas
Ana Canen
Ana Waleska Mendonça
Andrea Puppin
Anna Chrystina Mignot
Antonio Davi Cattani
Antonio Joaquim Severino
Antonio Fernando S. Guerra
Beatriz Fétizon
Candido Gomes
Carlota Boto
Carmen Campoy Scriptori
Cássia Ferri
Célia Linhares
Celso Favaretto
Celso dos Santos Vasconcellos
Cipriano Luckesi
Cláudia Barcelos Abreu
Cláudia de Oliveira Fernandes
Danilo Streck
Denise de Freitas
Dermeval Saviani
Diana Vidal
Elcia Esnarriaga de Arruda
Elcie Masini
Eliane Giachetto Saravali
Fernando Becker
Gilson Pereira
Heloisa Luck
Helenise Sangoi Antunes
Henrique Breuckmann
Ilma Passos de Alencastro Veiga
Ione Ribeiro Valle
Iria Brzezinski
Ivana Maria Ibiapina
José Carlos Libaneo
José Gonçalves Gondra
Júlio Groppa
Leda Scheibe
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 437-438, set./dez. 2006. 437
Agradecimentos
438 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 437-438, set./dez. 2006.
Instruções para
RBEP colaboração
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 439-441, set./dez. 2006. 439
Instruções para colaboração
meio magnético com 300 dpi de resolução (não informação também deve constar após a sua
serão aceitas cópias xerox ou fax). As ilustra- identificação.
ções devem vir acompanhadas das fontes e de
título que permita compreender o significado • Livros (um autor)
dos dados reunidos e somente serão aceitas se
em condições de fácil reprodução. FLORIANI, José Valdir. Professor e pes-
quisador: exemplificação apoiada na
Título Matemática. 2. ed. Blumenau: Furb,
2000. 142 p. (Programa Publicações de
O título do artigo deve ser breve, específi- Apoio à Formação Inicial e Continuada
co e descritivo, contendo as palavras represen- de Professores).
tativas do seu conteúdo, e vir no idioma origi-
nal e em inglês. • Livros (dois autores)
440 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 439-441, set./dez. 2006.
Instruções para colaboração
BRASIL. Constituição (1988). Emenda O uso de negrito deve ficar restrito aos tí-
constitucional nº 9, de 9 de novembro de tulos e intertítulos; o de itálico, apenas para
1995. Lex: legislação federal e marginália, destacar conceitos ou grifar palavras em língua
São Paulo, v. 59, p. 1996, out./dez. 1995. estrangeira.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 439-441, set./dez. 2006. 441
Esta obra foi impressa em Brasília,
em dezembro de 2006.
Capa impressa em papel cartão supremo 250g
e miolo em papel off-set 90g.
Texto composto em ZapfEllipt BT corpo 10.