Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Scholastique Mukasonga
www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/07/1904391-escrevo-para-salvaguardar-memoria-diz-ruandesa-
scholastique-mukasonga.shtml
DE SÃO PAULO
1/3
26/07/2017 02h00
Publicidade
Quando sua mãe morreu, em 1994, durante o genocídio de Ruanda, ninguém estava lá
para cobrir com um pano o corpo mutilado. Desde então, Mukasonga tenta fazer de suas
palavras uma mortalha para o corpo ausente da mãe e de seus outros 26 familiares
assassinados.
Em pouco mais de três meses, entre abril e julho daquele ano, 800 mil pessoas foram
massacradas no país –na maioria da etnia tútsi, vítimas do governo hutu.
Cerca de 70% da população tútsi do país foi exterminada. Mukasonga –que participa na
noite desta quinta de mesa da Flip, ao lado de Noemi Jaffe–, sobreviveu porque havia se
mudado dois anos antes para a França, onde vive até hoje. Fora uma das poucas tútsis
que conseguiram seguir com os estudos.
Mukasonga precisou de dez anos após o genocídio para voltar ao país e achar forças
para escrever e publicar.
Quando esteve na aldeia Gitagata, para onde sua família foi deportada nos anos 1960,
não restava nada.
"Não só os assassinaram mas queriam negar até sua existência, diz Mukasonga à
Folha, por e-mail. "Meu dever era testemunhar a existência deles; construí através dos
meus livros o túmulo que foi recusado a eles."
A editora Nós acaba de publicar no Brasil os dois primeiros livros da autora no país. O
autobiográfico "A Mulher de Pés Descalços", de 2008, é dedicado à mãe de Mukasonga
e fala da infância e adolescência da autora em meio à opressão e discriminação de que
eram vítimas os tútsis em Ruanda.
"Escrevo para salvaguardar a memória dos meus: é disso que tiro a coragem para
sobreviver", diz.
A Nós também publica seu primeiro romance, "Nossa Senhora do Nilo", de 2012, que
ganhou vários prêmios, entre eles o prestigiado Renaudot.
Passado em uma escola de meninas na Ruanda sob governo hutu, retrata toda a
competição e as mesquinhezas das adolescentes.
No colégio Nossa Senhora do Nilo, existe uma cota para as tútsis, que não podem ser
mais do que 10% do total de alunas. O romance pode ser lido como uma representação
do microcosmo que acabou gerando o genocídio.
2/3
"Embora se baseie em fatos reais (o liceu Nossa Senhora do Nilo é muito parecido com o
liceu Nossa Senhora de Citaux, onde estudei), a ficção permite a distância necessária
para desenvolver a escrita. O romance permite ampliar o campo, abordar assuntos que a
autobiografia não permitiria."
"O ruandês lida muito bem com o humor, mesmo que seja sobre si próprio. A ironia é
característica da nossa cultura. Sempre achei que o leitor não precisava ser oprimido
pelo horror, que ele pode também saborear nos meus livros o prazer inocente da leitura."
A escritora tem visitado Ruanda frequentemente. O país, segundo ela, vive um período
de reconciliação e de boom econômico.
Mas, segundo ela, basta percorrer o mapa para que vejamos como não se aprendeu
nada com o genocídio, mais de 20 anos depois. "As pessoas se esquecem rapidamente
e não tiram do passado as verdadeiras lições."
EDITORA Nós
("A Mulher...", 160 págs.); R$ 45 ("Nossa Senhora do Nilo", 264 págs.)
QUANTO R$ 35
NA FLIP
PÓS-FLIP
ENCONTRO
FOLHA COM A AUTORA EM SP
ONDE Livraria Saraiva do shopping Pátio Higienópolis (av. Higienópolis, 618, São Paulo,
tel. (11) 3660-0200)
Publicidade
Publicidade
3/3