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UI PRIVILEGIO INDUSTRIAL
FUNCHAL
TYPOClRAPHIA FUNCHALENSE
1883.
UM .PRIVILEGIO INDUSTRIAL
,l
Visconde do Canncwial.
Ex.m Snr. Rcdaclor (•).
0
1·1.sco11cle do Canncvi'al.
I
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que podem dispor tlo grandes capitaes, com quanto augmentein no-
tavelmente o rendimento da canna, não resolveram ainda, nem po-
dem resolver satisfactoriamente o problema.
«Diversos processos de maceração e de lavagem leem sido en-
saiados cm paizes estrangeiros, com o fim, já de ex.trahir o assucar
que o moinho deixa no bagaço, já de substituir ao moinho novos
apparelhos.
· «}1as é para notar que, com quanto todos estejam de accôrdo
cm admillit· que por taes meios o rendimento da canna é maior do
que pelo emprêgo du moinho só, ainda ninguem vropoz, todavia,
um mew de facil applicação, que permitia de se aproveitar a
grande quantidade de assucar que fica perdido no bagaço; sendo
até alguns de opinião que não convem extrahir o assucar do bagaço
da canna, pretendendo que é o assucar que elle encerra que o tor-
na bom comlrnsttvel, e que, se lh'o tirassem, não poderia o bagaço
senir depois para este fim, o que causaria grantlo perjaizo aos fa-
bricantes.
a Se se considera que o assucar que fica no bagaço lmmido
que sae do moinho, e quo é logo exposto ao ar e a um certo grau
de calor para seccar, l'!ão tarda a fermentar, produzindo alcool e
acido carbonico, corpos ambos volateis que depressa abandonam o
bagaço, deve-so admittir que este não contém já assucar quando,
depois de sôcco, vem a ser queimado: todos sabem, no entretanto,
que, neste estado, o bagaço ela conna arde bem, e é empregado,
com vantagem, como combustivel nas fabricas de assucar.
«E' porque no bag:iço da canoa que se acha já privada de
todo o assucar que continh.i, ha ainda uns dez por cento de sub-
stancia linhosa, e, pelo menos, a agua que sempre encerram os te-
cidos vegelaes, por mais seccos que pareçam.
«Estas substancias são as que proL1uzem o calor que se desen-
volve no bagaço sêcco que é queimado.
«Mas admittindo mesmo quo o assncar que o moinho deixa
no bagaço da canoa fôsso o qne lhe r1á o valor que eiito tem como
combusti vcl, e que sem elle não podcsse ser utilisado para tal
fim; -nJo seria melhor, ainda assim, queimar antes carvão ou le-
nha do que queimar assucar?-Não seria melhor, mesmo em tal
caso, aproveitar o assucar que fica no bagaço, ainda que este só
devesse depois ser utilisado como adubo?
«Julgo que ninguem com bom senso e boa fé poderá dar a és-
ta pergunta moa resposta negati\'a.
c<A cliflieztldade está, pois, m1icamente em acl,ar ttm mâo de
facil applicação, capaz do ser 1:a11tajosam~nte empregado em _qran-
de escala, e pelo qu!\I se pos:rn :iproveitai· a nota vel quantitlado de
;J.
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assucar que, no systema de extracção actualmente empregado, fica
perdido no bagaço.
«Procurei, em vão, avidamente este meio em todas as obras
que pude haver ã mão sôbre o fabrico do assacar; fiz quanto em
mim coube, quando esti,,e ultimamente em França, para descobrir,
entre os apparelhos recentemente propostos ou em ensaio, algum
que ofierecesse reconhecida vantagem com relação a este ponto; e
os meus esforços foram, baldados. Por isso é que, dando de mão,
por em quanto, á ideia de retirar, debaixo da fórma de assacar, o
assncar que o moinho deixa no bagaço, tive a honra de vos parti-
cipar, na carta que vos escrevi ele França em data de 6 de agosto
último, que adoptariamos o moinho, ou laminador, para a extrac-
ção da guarapa, e que se faria depois fermentar o bagaço para se
tirar d'elle aguardente.
«Mas, tanto é corto que este meio me parecia offerecer pou"
cas vantagens, em razão do custo da installação, do espaço necessa.
rio, e da mão d'obra indispensavel para o realiwr, que me não at-
trevi a mettel-o desde logo definitivamente no projeeto da fábrica,
· entendendo que o emprêgo de tal meio devia fazer o objecto da
maior estudo e de mais reílectido exame.
«Eis a razão porque, no referido projecto da fabrica qnc vos
enviei de França, só vinka accessoriamente apontado o espaço que
se poderia destinar para a fermentação do bagaço.
«Todavia, este objecto preoccupava-me muito; e, à fôrça de
nelle refiectir, occorreu-mc posteriormente uma ideia que me pa-
receu feliz, por me descobrir um meio facil de resolver o proble-
ma; o que vos communiquei de Paris, em data de 21 de agosto.
e< Ainda que baseado cm principios cxactos, o meu invento
precisava de uma confirmação práctica: por isso, logo que cheguei
a ésta ilha, estmlci experimentalmente, ainda que cm màs condições,
o resultado que clle oJiorecia; e, achando-o satisfactorio, pedi logo,
e em breve obtive de Sua Magestade privilegio do quinze annos, o
qual me foi concedido por decreto de -10 de novembro último.
((E', pois, em vir tudo d'este decreto, que me garante a pro-
pr:edade d'este invento e a sua applicação, não só â extracção do
assucar que o moinho deixa no bagaço da canna, senao tambem â
extracção do assucar que contenha qualquer substancia susccptivel
de se deixar penetrar pela agua, que venho propor á Companhia
!•'abril de Assucar Madeirense a adopção creste processo, que lenho
por muito vanlajoso, e que exige apenas, para a sua execução, uma
bomba e dois poços.
c1 Para qne a companhia Lenha o direito de utilizar-se cresto
invento, não poço retrjbuição cm clinhciro:-só quero que a com-
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•
Desde (JllC fui le\'ado a tlar conhccimcnlo a V. E-_.' de
que uma direcção da Comp:rnhia Fabril tlc Assucar ~Iadcircn-
se emilliu em assembleia geral a opinião de que a propril)uade
do meu invento devia pertencer á companhia pela circumslan•
eia de cu ter ido a França por conla da sociedade coutract,v·
os apparclhos para a fábrica, desejo que V. Ex. tenha lambem3
(•) Carta dirigida ao D1Anio Po11ut ..\11, e 1iuhlil':1da om ~ l tlc !li -r~,1
de 1883,
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nho rlo · anno finuo, de uma commissão difficil, ahlua, espinltosa,
de grandissima re$ponsabilidade, acceitei-a, fazendo nisso, só cu o
sei, um grande sacriticio; acceitei-a por dedicação a ésta empreza
quo considero tão atil, pelo amor qne lhe tenbo, pelo desejo que
nutro de a ver realisada; acceiteia-a, com toda a franqueza o di-
go, porque olhando em roda de mim, não via ninguem em cir-
cumstancias de a desempenhar melhor;
«Qne parti, deixanco a minha familia, e a minha clínica, sem
olhar, nem i;iara os perjuizos que soffriam os meus interesses, nem
para os incommodos e riscos da Yiagem;
«Que á fôrça do mais activo e zeloso trabalho, consegui para
o nosso estãbelecimento, com economia de muitos contos de reis,
as maximas vantagens compatíveis com o capital da companhia, e
com o estado actual ela industria; consegui tornar já uma realida-
de o que, para quasi todos, nãQ passaria de uma ideia, de uma il-
Jusão, de um phantasma que não poderíamos nunca attingir;
«Que a declaração que a direcção fez á assembleia geral na
última sessão, de que fui á P'rança por conta ela companhia, prova
bem que não esle\"e nunca na mente dos que me encarregaram de
tal commissão que devessem ser gratuitos estes serviços, que po-
dem ser ª'"aliados, não só pelos sacrificios que fiz 1 pelos incommo-
dos que soffri, e pelos esforços que empreguei, senão tambem
pelos resullados que consegui pnra a companhia;
« Que é, to<laYia, certo, qur., até o presente, não recebi da
companhia remuneração alguma por taes serviços;
c<Que, tendo recebido da direcção, na occasião ela minha par-
tida, dinheiro para as despezas da viagem, fiz por conta da compa-
r1hia unicamente as que foram indispensaveis, o, á minha chegada,
entreguei o que ficou;
«Que, antes ele portir, declarei {1 direcção (JUO, so ésla cm-
preza se não realisasse, não queria qne a companhia me clésse re-
tribuição alguma polo rnen trabalho e perjuizos;-mas hoje, CJll"
considero a empreza já renlisada, prescindo totalmente do direito
que possa ter de pedir á companhia qualquer remuneração que me
seja devida pelos serviços que attJ o preseute lhe tenha prestado nes-
ta ilha, ou fóra d'ella, os quaes todos lhe offercro.»
Em seguida a ésta declaração encontra-se, na acta da
mesma sessão, o seguinte:
«Pediu então a palavra o snr. Dr. Manoel José Vieira, e pro-
poz que a assembleia, agradecendo ao snr. Dr. Camara os importan-
tes serviços que elle ha prestado a ésta companhia que a elle deve
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tut1o o que ha conseguido, lhe uésse um voto t.le louvor, e que e.ss~
se consignasse na acta; o que foi approrndo por unanimiJade. »
Continuarei, na proxima correspondencia, a chamar a
allenção de V. Ex.a, snr. redaclor, para o mencionado parecer
da mesma direcção.
De V. Ex.ª
mt.º all.º venerador obr.d•
ua
Dl acta da sessão da tmcmbleia geral Comp:rnliia F'a-
bril de Assucar Madeirense de 28 de uezcrnbro Je i8i0 con-
sta que, nessa sessão, respondendo .'.\O parecer da direcção só•
l>re a minha prnposta, cu aprcsentoi, entre outros argumentos,
os seguintes;
« Que não podia comprehcndor como a uirecção. sondo com•
posta do homens illuslrados, podia sustentar que, pt>lo fal'lo de ll'1·
ido França por conta da companhia encarregallo tio escolher os ap-
parclhos para a fábrica, e de trazer ou en\'Íílr o projecto do contra•
elo para a compra d'clles, devia pertencer ü companhia o seu in"en-
to, quando é doutrina lão trivial e corrente que o inrcnlo perlen-
Cl3 sempre ao sou auctor, e é propriedade tão sagrada, respeitada,
e protegiua das leis, como o é a propricdaJo immovel, e que nin•
guom tem direito de o privar tio gôzo ou esplora~ão do tal µro•
priedatle, sàl.Jre qualqner pretexto, por mais especioso que seja, do
indemnisação on do recompensa.
====;:=::
( •) Carla <lirigiJa ao D1Amo Po1't1t,AR, e publirada cm ~i llu 111::11\n
do i88:J.
.i
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tro o que elle accrescentou nem por isso tem men0s merecimento;
e é uma porção ela sua inlliYiclualiclacle, da sua aclividade, da sua
intelligencia, ela originalidade, que se fixou no seu in\'ento, no va-
lor nO\'O ou no uugmento de ,·ator que creou.
•A propriedade C:le um invento indnstrial não é mais contes-
tavel ao seu auctor, do que a propriedade imrr.ovel, lilleraria ou
artística; o direito é o mesmo, é um direito de creação, de collo-
cação de \'alor; e o direito social deve-lhe a mesma garautia.
aNão se pôde contestar que o in\'entor tenha direit;J ao fru-
elo do sou trabalho, e qne eleva ser pr otrgido contra os contrnfa-
ctores. O titulo que a sociedade dern fazPr respeitar é a patente de
inrenção.
«OepP1Hlenrlo a propriedade inclustrial de um direito tão estri-
cto como a propriedade immoYel, a patente não é senão um titulo
de propriedade.»
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0 que fica transcriplo, snr. redactor, parece-me sufficienle
para fazer ver os fundamentos da propriedade -industrial. .
De V. Ex.ª
muito atL.° venerador obr.dº
Funchal, 22 de março de 1883.
Visconde do Cannmial.
cause is very great: probably nbt more than fi!ty per cent. of
juice is extracted out of the ninety zJer cent. which has been
known to exist in the cane).
Não diz, porém, que em parlo nenhuma se aproveite, po1·
qualquer modo, o assucat· quo o moinho deixa no bagaço.
Abrindo o 2.º volumo da 3.ª adicção da Encyclopedia te-
chnologica ou Diccionario das Artes a mmmfacturas, por Ch.
Laboulaye, publicado flffi Paris em 1867, nelle vejo lambem,
num longo artigo sóbre a industria do assucar da canna, cita-
do o moinho como unico meio usado para a extracção da gua-
rapa; podendo ésta, segundo cxperieocias feitas cm 44 moi-
nhos, ser de 52,2 a (H,8 sôbre 100 de canoas.
E ésta obra tambem não falla em meio nenhum conheci-
do de aproYeilamenlo do assncar do bagaço.
Aqui está o-Novo manual completo do fabricante de as-
sucm· e do refinador, da Encyclopcdia Rorot, publicado cm 18fi8.
Falia cxtcnsamcnlo dos di\·crsos moinhos uo espremer
canoas, desde o de Gonzales de Velosa alb o de C~il e e.a
do
lros cylindrns do i metro de diamelt·o e 2, 10 melros de com-
Ex. 010
Snr. Rcdaclor (-).
Visconde da Cannavial;
de i8t!:J.
---54-
projecto; etc.»
. .
Convindo ter egualmente bem presente a disposição do
art.º 635.º do mesmo codigo, que diz que «a acção de nullida-
de, no caso do n. º 2 do arl. º 63 ~- º prescreve pelo la..pso de um
anno sem-opposição dos interessaclos ».
E', pois evidente que, ainda quando o mãa invento privi-
legiado não fósse senão a mesma lavagem de bagaço anterior-
mente executada pelo snr. Wi1brabam, isso-não podia fazer-
me perder a propriedade <lo meu invento, senão quando se tra-
ctasse de um procesw industl'ial ja conhecido do público, ja,
por qualquer modo, divulgado.
Disse o Diario do Funchal que o snr. Wilbraham não
fizera da agua da lavagem do bagaço senão vinagre;-eu que-
l'O admitir qne fizesse lambem aguardente.
Disse o mesmo jornal que essa lgivagem tinh'l sido feita
havia ja. muitos annos, sem precisar o anno;-eu quero admit•
tir que fôsse anterior á data do meu privilegio.
Vejamos agora se era conhecido do JJítblico, se eslava de
qualquer modo divulgado na Madeira, nossa data, algum pro-
cesso vantajoso para o aproveitamento do assacar qne o la-
minador deixa no bagaço das cannas.•
qner seja para não ter qm~ receiar a concorrencia quando, findo
o prazo do privilegio, o invento for do dominio do pút,lico,-
o.cculle ardilos~rnlenle, na sua dcscrircão, cousa necessaria para
a execução do invento, ou não declare os verdadeiros meios
que põe _em práctica para obte~ ? ~bjeclo da descoberta, ou
para realisar o melhoramento prmlegrndo.
Mas, snr. redactor, se, como a mesma circular diz, os meus
processos são simples; se foram executados publicamente na
fábrica de S. João, durante annos; como posso eu sêr accusa-
do de ter Liuo o pensamento resen·ado de occultar alguma par-
te essencial, ou os verJadeiros meios d'esses processos? 1
. Os processos por mim descriplos são os meus verdadei-
ros processos; o não tenho outros.
As taes particularidaJes, como bem claramente o diz es•
sa circular, não são de natureza a impedir a exewção do obje-
cto rio meu invento; podendo só fazel' variar o rendimento. São
simples esclarecimentos de práctica, qne póde dar aquelle que
ja tem exerciJo qualquer industria. Tal é n demora que a prá-
clica tem demonstrado ser mais comcniente entre o momento
em que foi humedecido o bagaço e aquelle em que de\'e ser
espremido.
E' lamentavel, snr. redaclor, que os conlrafactores do meu
invcnlo procurem, com taes fundamentos, apoderar-se da mi-
nha propriedade! e é.ridiculo que alleguem que eu occulto pa(•
ticularidades necessarias para a execução de um processo in-
dustrial que ellcs estão executando, e com grande proveilo, sem
que eu lhes communicasse essas particularidades 1
De V. Ex.a
H
Ex. Snr. Radaclor (•).
1110
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