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UI PRIVILEGIO INDUSTRIAL

FUNCHAL
TYPOClRAPHIA FUNCHALENSE

1883.
UM .PRIVILEGIO INDUSTRIAL

111.mº Snr. Rodactor do Direito (•).

V. S. 1 , que se prr.sta sempre a advogar conlra mim as


causas mais injustas, especialmente as que podem perjudicar
os meus interesses p,1rliculares, substituindo a razão que não
tem pelos lermos mais grosseiros, á sombra da sua irrespon•
sabiliJade, vem, no n.º 1:37 l do Direito, de 7 de març
corrente, num artigo IJUe tem por epigapbo-«A industria
fubril do snr. Visconde do Cmmavial, ,-arvorar-se em pa-
trono de quem se qmzer apoJerar de uma propriedade mi-
nha, e aconselha quo se apoderem d'ella os que não pensam
em tal.
Quem for contrafaclor dos processos industriaes inven-
tados por mim, e Je que tenho privilegio, será levado aos
tribunaes, que, estou corto, me farão justiça.
E' lá que a questão tem uu agitar-se.
Trazei-a para a imprensa nos lermos em que ella appa•
reco no Direito é Jcrnonstrar, evidentemente, a nenhuma
confiança na justiça da sua causa.
:::z::====
( •) Êstt\ rarta foi publicada no DnI\lo Pul'ULAI\ do O de março
de t.883.
1
-2-
Pela minha parte nada tenho que receiar da imprensa:
antes estimo lei' occasião de pul verisar as asserções inexa-
clas que pessoas interessadas ou apaixonadas propalem só-
bre o assumpto.
Noutros escriptos e noutro periodico refutarei tudo o
que ba de falso e de malevolo no primeiro artigo publicado
no Direito, e o que ha de haver no mais que tem de vil'.
Aqui só me proponho a communicar a V. S/ alguns
factos relativos á asserção que faz de que nenhum fabrican-
te de assucar se prestou a tractar commigo para ser auclorisado
a usar dos meus processos privilegiados.
Na occasião em que eu expedia aos diversos fabrican-
tes de ssucar e {êguardenle d'esla ilha a circular qne V. S.ª
transcreve no citado numero do Direito, procurou-me o snr.
Visconde do Ribeiro Real para me dizer que o snr. W.
Hinton (o mais importante fabricante de assucar d'esta ci-
dade) lhe pedíra para me communicar que, tendo visto um
aviso nos jornaes sôbre o meu privilegio, queria lractar co-
migo a esse respeito, e deseja''ª saber em que condições eu
queria conlractar; fazendo sentir qnc me convinha urna avença
com elle em condições mais rasoareis, porque estava conven-
cido de que, desde que os outros industriaes soubessem que
elle tinha feito contracto comigo, nenhum faria questão.
Respondi ao snr. Visconde do Ribeiro Real que não ti-
nha dúvida em fazer uma avença com o sor. Hinlon, ten-
do em consideração as razões que levavam a crer que a
laboração da sua fábrica seda es1e anno menor do que nos
annos anteriores; mas que a base do cálculo para esse con-
tracto não podia deixar de se,· a mesma que servia para
os outros induslriaes.
Tendo ésta resposta sido transmitida ao snr. Hinton
pelo snr. Visconde do· Ribeiro Real, a quem o mesmo snr.
Hinton foi pessoalmente procurar no dict seguinte para a
saber, disse este senhor qufl, em vista d'isso, me procura-
ria para tractar sôbre o assumpto.
N'estas circurnslancias não julguei necessario enviar ao
snr. Hinton a mencionada circular, que enviei, todavia, a to-
dos os outros fabricantes de assucar ou aguardente.
No dia i3 do fevcrcirn último, não me tcnuo ainda o
-3-
snr. Hinlon procurado, escrevi •lhe dizendo-lhe que, tendo-
me communicado o snr. Visconde do Ribeiro Real que elle
queria tractar comigo ácerca do meu privilegio, lhe pedia
que me dissesse se queria que eu o procurasse para esse fim;
ao que me _respondeu que não tinha ainda tido tempo de pen-
sar no assumpto.
Tendo eu, porém, sabido, com toda a certeza, que o
mesmo snr. Hinton, já nos :rnnos de f 880, 1881 e 1882,
tinha feito uso na sua fábrica do invento de que tenho pri-
vilegio, sem a minha auctorisação, tornei a escrever-lhe no
dia i 9 de fevereiro para lhe perguntar se estava disposto
a dar-me a indemnisação a que eu tioha direito; ao que me
respondeu que não tinha empregado, nem lhe convinha em-
pregar, o processo a que eu alludia.
Fui, pois, para juizo, afim de fazer valer perante os lri•
bunacs o meu direito.
O snr. D. Manuel da Gama, dono da Fabrica Nacional
(antiga Fabrica de S. João), fez-me uma proposla sóbre o
mesmo objecto; e o snr. Guilherme Wilbrham, um dos donos
de uma fábrica de assacar na Ponta do Sol, ficou comigo
de ir consultar os seus socios, para depois \'Íl' tractar do
ajuste.
Ora, sendo estes os principaos fabricantes de assuca1· d'es-
te districto, já V. S.ª ,·o quanto a sua asserção é infundada.
Com relação a esle ponto s6 accrescentarci que já teem
tractado definitivamente comigo pessoas tão importantes,
como o snr. Visconde do Ribeiro Real, administrado!' da
casa do snr. Conde do Carvalhal proprietario de uma fábl'i•
ca de aguardente no Paul do Mar, o snr. José Pinto Cor-
rêa proprietario de uma grande fábrica de aguardente em
S. Martinho, e o snr. Al11izio Ccsar do Bettencourt, tam•
bem propr·ielario de uma fábrica de aguardente em S. Pedro.
Nada tenho com os induslriaes que, não querendo fa-
zer uso dos processos de que sou iovento1· e de que tenho
privilegio, se não quizcrem aproveitar da disposição em
que estou de tractar com elles a esse respeito; mas os que
fizerem uso d'esses processos sem minha auctorisação hão
de responder civil e criminalmente; e as perdas e damnos
que tenho direito a pedil'-lhes são o que eu tiraria pelo pro•
1.
cesso contrafeito, se fôsse por mim applicado ao mesmQ'
a que elles o-applicarem.
Espero que V. S.a publicará no primeiro numero do Di- '
reito ésta carta, de qae envio cópia a outros jomaes.
De V. S.a
att. º venerador
Funchal, 8 de março de 1883.
Visconde do Cannavial. _

Ex. mo Sm. Rcdactor (<,).

,l

Desde que o Direito, qne se presta a tudo o que lbe


dá interesse, se apresenta a defender, com asserções inexa-
ctas e insinuações malevolas, os contrafactores de um in-
vento meu de que ha já muitos annos tenho privilegio ain-
àa existente, e até boje incontestado, a dignidade do meu
caractar e os meus interesses, injustamente feridos, -exigem
que eu venha á imprensa restabelecer a verdade que se
pretende deturpar.
Todos os que conhecem a historia da Companhia Fa-
bril de Assuear Madeirense sabem que o incentivo qne me
levou a promover, em 1866, a fundação d'esla companhia,
foi um sentimento patriotico; foi, melbornr a industria fa.
bril de assucar ainda tão atrazada então entre nós; foi, fa.
zer prosperar a Madeira, estabelecendo, sôbre bases segu-
ras e estaveis; a cultura da canna, então esmorecida; foi o
desejo de proporcionai· aos habitantes d'oste distric.to, por
preço commodo, sem perjuizo da agricultura! um genero de
primeira necessiuade.
Um discurso que pronunciei numa grande reunião pú-
=====
(*) Carla dirigida ao D1Amo P0Puu11. o pulilicada em iO de IllRl'QO
elo 1"883. ·
.,,.....5-

blica, no edificio da e~cola Lancasleriana d'esta cidade, no


dia 25 de março de 1870, e qtie foi logo publicado, p·rova
bem qual era a mira dos meus esforços.
Nesse discurso encontram se as seguintes palavras:
«O meio, unico a meu ver, de estabelecer na l\Iadeira a
cultura da canoa sôbre bases solidas e esta vei1,; o meio ele ha-
ver compradores que paguem a canna por preço que anime a
agricultura, e que, ao mesmo tempo, possam vender o assucar
por preço tal que em nenhumas circumstancias possamos re-
ceiar a concorre11cia do assucar estrangeiro em ponto algum do
reino, é a fundação de fúbric.as com os apparelhos modernos e
aperfeiçoados.
«O fabrico do assacar na Madeira é ainda susceptivel de
muitos melhoramentos, dos qnaes hão de necessariamente re-
sullar grandes vantagens para a agricultura e para o commercio
d'esta trrra.
« As fábricas que exi:;lem são de pequena laboração. D'aqui
resulta que a canna, antes de ser rcdnzida a gnarapa, está, muitas
vozes, dias a fermentar nos armazens das fábricas; o que dá Jogar
a uma grande perda de assncar, torna laborioso o fabrico e inflne
para a má qualidade elo producto.
« Os moinhos empregatlos para a extracção da uarapa, qnal-
qnrr f}L,c sejn a sua íõrça, clüixam sempre no bagaço uma quanli-
dadtJ de n sue ar, que pócle ser fi.O ou 50 º/ 0 lia totalidatle do as-
sucar ela canna: o este assllcar, que fica assim perdido, póde ser
aproveitado.
«Nas í;íhri.cas que todos conheceis, a guarapa é evaporada ao
ar livre: qncr di·wr que é preciso elcval-n il temperatura do 100º
C. para obLH a sua concentração. Oro, nos apparclhos no vacuo,
isto é, onde a ovapora(:"io não encontra o obstacnlo a~ pressão al-
mosphorica, faz se a cont·e~tração ú temprralura tlc 50º, a 60º C.,
e poupa-se, porlanlo, todo o cornlmstil"ol que sería necessario em-
prc•gar para cle"ar desde essa Lomperalura até 100º o liquitlo 11ue
se evaporasse ao a1· livro.
e< A C\'apuração a uma temperatura assim baixa dá ainda a \'an-
tagcm de se nãíl qneimar assucar, como acontece na evnporação
ao ar livro: do11Lle resulta que, com a mesma quantitlaLl0 de gua-
rapa, se oht<'m maior quantidade do assucar.
«,\ islo Ht'.Cresce qu~ o assncar fabricado com os apparclhos
mo<Iernos tem muito mais \'alui' no commcrcio pela sua l.Jclla crys-
tallisarão o maior quantidt1de rlc p:.11 ticulas sacharinas.
1<Os apparclhos motlornos o '1porfoiç.oados pcrmillem, pois,
-6-
ao fabricante relit'ar, cmn menor despesa de lalioração, de orna
mesma quanliclacle de rnateria prima, maior quantidade de produ-
cto, e producto de maior valor commercial.
«As fábricas ü'esta natureza são as que podem hoje trazer á
1\lacleira uma grande prosperidade; são as que podem assegurar a
estabilidade da cultura ela canna e trazer um bem geral, trazer
beneficio para todos.»
Mas éslas palavras, que bem revelam o qne me moveu
nos esforços que empreguei em 1866 para a fundação da
Companhia Fabril de Assucar Madeirense, mostram lambem
que, quando havia já mais de quatro annos que eu me occu-
pava do estudo da indust1·ia fabril do assucar na Madeira
e dos melhoramentos de que ella era suscepti vel, e quando
nem me passava ainda pela ideia, como pro\'arei, que havia
tle vir a inventar um meio efficaz e de facil applicação para
aproveitamento do assucar que o laminador deixa no bagaço
das canoas que esprcme;-mostram tarnb11m que, cm 25 de
março de i870, deixei publicamente estabelecido o fac.Lo de
que na Madeira ficava então perdida no bagaço a grande
yuantidacle de assucar que nelle deixavam os moinhos aqui
empregados para a extracção da guarapa.
Chamo boje a allenção do V. Ex.ª especialmPnte para es-
te facto, que lia de apparecer cada vez mais evidente na se-
rie de correspond011cias que sóbre o assumplo me proponho a
escrever; nas quaes procurarei sempre não ser muilo extenso,
para não abusar da benevolencia de V. Ex.ª e da dos leiloros
do seu jornal.
De V. Ex.ª
muito att.º venerador e ob. 110
Funchal, 9 de março de 1883.

Visconde do Canncwial.
Ex.m Snr. Rcdaclor (•).
0

A carta qne tive a honra de enviar hontem a V. Ex.~ teve


por fim demonstrar que não foi a especulação, como prelencle
o Direito, mas um pensamento patriotico, o que me levou a
promo,·er, em i866, a fundação da Companhia Fabril de
Assucar MadeirensP.; e bem assim fazer ve1· que, em 25 de
março de i8 70, -quando eu não linha ainda a menor icleia
de que havia do vir a inventar· os processos industriaes de
que tenho privilegio; qnando havia já annos que eslava fun-
dada a referida companhia, e que eu me occupava do estudo
da industria fabril do assucar na Madeira e dos melhoramen-
tos de que clla era susccptivel,-deixei estabelecido, sem con,
testação, numa grande reunião pública,-que na .Madeira
ficava então perdida a grande quantidade dt assucar que o
larninador deixava no bagaçfJ.
Hoje, proseguindo no meu caminho, appello para b rela-
torio que, cm nome da direcção d1 Companhia Fabril de As-
sucar Madeirense, foi por mím npresentado á assembleia go-
rai da mesma companhia, em i2 de junho de 1870, e que
foi immeJiatamcnlc impresso.
Nesse relatorio cu dizia o seguinte:
c,Em 1866, reconhecendo eu de quão grande importancia são
para a Madeira a cullurn da canoa e o fabrico de assucar; P ten-
do-me demonstrado o estudo dos trabalhos mais recommenrlaveis
sôbro esta assumpto que nos ach,\mos ainda, debaixo d'eslo ponto
de vista, não só em m,\s circumstancias agricolas, senão tambem, e
sobretudo, em más cfrcumstancias md11striaes; tendo vindo no co-
nhecimento da que não só nêio aproveitâ,mos da ca,ma de assucar
todo o i1roducto aproueitavel d'ella, senão lambem não produzimos
ainda assucar de primeirn qualidade; tendo adqnirido a certeza de
qne ha íàbricas de assucar muito mais perfeitas do que as quo por
ora temos na l\fadcira, fübricas que offorecem muito maiores ,·anta-
gens debaixo do ponto de vista do rendimento e da qualidade do
=c::c:r-===
( •) Carla dirigida ao Dr Atuo Poru1.An, o publicada rm :l l tlc mm•\o
do 1883.
,_g_

prodo,cto; co1wenci-me de que o melhor meio de fazer prosperar a


Macieira e.slabeleccndo a cultura ele canna sôbre bases segaras e es,.
taveis, o meio unico de poderem os cullivadores ter a corleza de
vender sempre por bom preço esle nosso tão importante prodacto
agrícola, o meio de podermos, lodos qae somos -consomiclores de
assocar, ter por preço commoclo, sem perjuizo da agricultara, om
genero que é hoje de primeira necessidade e que se eslâ vendendo
caríssimo, é o estabelecimento nesta ilha de urna ou mais fábricas
com os apparelbos modernos e i.lpcrfeiçoados».
. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . -- ........ .
...

«Os apparelhos de que se servem as fábricas de assucar que


temos actnalmcnte na Madeira, e em ger;il todas as fábricas de as-
sucar, para extrahirem o sueco da cc1nna, são altamente perjudiciaes
a ésta industria, como o toem mos-Irado, theorica e pracllcarnente,
homens compelentissimos no assumplo: quer dizer que, depois de
ter sido a ca,ma espremida pelos cylindros, fica ainda netla uma
grande quai1tidade de assucar. ,
« Pondo mesmo ele parte a consideração da fôrça dos cylindros
e do seu diametro, o qoe tem uma grande imporlancia sôbre a
quantidade de assacar que estes apparelbos ex trahem da canna, per~
gunta-se:-convir-nos-ba continuar a empregar, para a extracção
da guarapa, os mesmos apparelhos que cs{ão sendo geralmente em-
pregados, perdendo a qua11tidade consúleravet de aswcar que fica
na palha'?
«Homens competentes promettem fazer arparelhos qne, seH
guindo systema diverso, devem retirar ela cnnna maior rendimento.
Mas, serão esses apparelhos 1nanufactztreiros, isto é, de tão facit
applicação vráctica como os moinhos de espremer cannas, de modo
que tenham sóbre elles uma vantagem -real?
«Se for aproveitavel vara a_q11anle11te o assucar que fica na
palha que sae do moinho, será mais simples empregarmos lambem
mn d'estes apparelhos vara red·uzir a canna a guarapa?» •
Ve-se, pois, que, no dia 12 de junho de 1870, eu dava,
perante a assembleia geral da Companhia Fabril de Assucar
Madeirense, como facLo averiguado (que por nioguem foi na
dieta assembleia contestado) que o laminado1· deixava no ba-
gaço uma grande qnantidade de assucar, que ficava assim
perdido. E, communicando então á mesma assembleia que
havia quem promettia maio1· rendimento cb canoa por meio
de apparelhos de syslcma diverso, en apresentava as seguin-
tes questões:
--9-
Corresponderão esses apparelhos ás promessas dos ~cus
auctores?
Terão na práctica ranlagens reaes sóbre o laminador?
Se for aproveitavel para aguardente o assucar que o la-
minador deixa no bagaço, será mais vantaJoso adoptar o la-
minador?
Quando esse assucar não seja aprovcitavcl, será, ainda
assim, preferi vcl o laminador?
Ningnem naquella asscmblci~1 se julgou baLiiitado para
resolver tacs qaeslõcs; nem revelou o conhecimento de ne-
nhum prcceeso efficaz e de facil applicação para o aprovei-
tamento do assncar do bagaço.
E, não tendo a companhia elementos para resol\'er estes e
outros problemas importantes, quando desejava montar a sua
fábrica nas melhores condições iuJuslriaes, encarregou-me de
ir a França cootraclar os apparrlhos que en, depois do neces-
sario estudo e exame, reconhecesee serem os mais convenientes.
Foi nma comrnissão ardua, espinhosa: de gravíssima re-
sponsabilidade, que eu tive, todavia, o arrójo de acceitar.
Paro hoje aqui, snr. redactor; mas não fecho ésta carta
sem pedir a V Ex.ª que note a nova gentileza do redactor do
Direitn, que, tendo-me aggredido injustamente no penultimo
numero do seu jornal, se recusou a publicar a minha defeza,
apezar de ser isso um dcrnr que impõe a lei.
De V. Ex.ª
muito all.Q ,·encrador obr.dº
Funchal, 10 de março Jo 1883.
Visconde do Cmmavial.
·.
No desempenho da difficíl commissão de que fui encane-
gado pela assembleia geral da Companhia P'abril de assucar
Madeirense, na sua sessão de f 2 de junho de 1870, fiz quan-
to em mim coube para que a fábrica de S. Jofto f(lsse monta-
da com os apparellios modernos mais perfeilos.
Só chamarei aqui, toda\·ia, a alten <;ão de V. Ex.ª para o
que diz respeito á extracção da goarãpa, e aproveitamento do
assucar que ficava perdido no bagaço da canna.
Apenas cheguei a Paris occnpei-me immediatamente do
estudo de varios app:irelbos e processos propostos para substi•
tuirem o laminado!'; mas, apesar da convicção em que ia de
que acharia preferível ao moinho o apparelho do engenheiro
Possoz, quando o não fóssc o do engenheiro A. Philippe, com
quem, desde 18ü6, eu estava cm correspondencia sobre o as-
sumplo, facil me foi reconhecer que nenh_nm dos novos appa-
rolhos, que, de mais, estavam ainda em ensaio, devia ser ado-
ptado por uma empreza que precisava de caminhar desde o
princípio com a maxima segurança. Heconheci que o moinho,
apezar dos seus defeitos, não tinha ainda achado competidor
na industria do assucar de canna; porque, d'esses novos appa-
relbos cujas vantagens tanto se apregoavam, nenhum era de
disposição tão simples, de trabalho tão facil, de tão difficil dos-
afranjo, e de Ião grande expediente.
Decidi-me, pois, pelo moiuho, ou laminador.
Não me contentei, porém, com um moinho composto de
cylindrns de diametro tão pequeno como o dos cylindros dos
moinhos das fábricas já existentes na Madeira, e que espremiam
apenas a 60'/ 0

Nem quiz lambem o moinho de Payen de cinco cylinJros,


o qual, apesar de fazer passar a canna por quatro pressões
successivas e de ser ésta amollccida o amaciada pela injccção
=====
( •) Carta dirigida ao DJAJ'lu .Po1•u1,An, o pulJlicatla em H, de mar~o
de 188:3.
-11-
de vapor e de pingos d'agua (gouttelettes d'cau), não offerecia
,·antagens que correspondessem ao seu grande custo, grande
despesa de v::ipor, e difficil reparação.
E, para provar que fiz bem em não adaptar este appare-
lho Ião complicado, bastará dizer que, num livro importante
sóbre o fabrico de assucar publicado cinco annos depois por
N. Bassct, ainda se leem as seguintes palavras com relação a
« malgré tont l'arantage théoriquc que présenlerait cettc machi-
ne, elle est presque restée ü l'état de projet,.
Adoptei um moinho de 1res cylindros; mas um moinho
que devia espremer a 70 ou 72 '/ e que, porlanto, devia tirar
0;

da canna mais 10 ou i 2'/ de guarapa do que cnlão tiravam os


0

moinhos das fábricas da Madeira.


Mas, apeza1· d'isso, eu entendia que sería de toda a conve-
niencia aproveitar o assacar que ainda ficaria perdido no bagaço.
T1·actei, pois, de ver por que apparclhos e por que proces-
sos isso se poderia conseguir.
As noções thcoricas que eu possuia sobre o assumpto
levaram-me a procurar a solução do problema nos meios já co•
nliocidos de macern(ão e de lcvigação.
Não pude, porém, achar, entre os apparcllios e prncessos
inventados, nenhum que me parecesse applica\·cl, com vanta•
gem, a uma fábrica de laboração importante,
Pareceu-me então aprnveitarel um processo de H11gouli11,
descripto no Journal des Fabrica1its de sucre de 3 de novembro
de 18li4-, quo consistia em fazer fermentar o bagaço que sae do
moinho, em grandes cylindros rle metal ou de madeira fechados,
e deslocar depois o alcool formado por uma corrente de vapor.
Isto ve-se da carta que, cm 9 de agosto de i87 O, cscrn-
,,j de S. Quinlino (França) á direcção da Companhia Fabril de
Assocar Madeirense, dando-lhe conla elos processos adaptados,
e das macbmas e npparelhos escolhidos por mim.
Nessa carta, que se acha transcripta a pag. 5 do relatorio
que a direcção da mcsm~ companhia apresentou á assembleia
geral em 22 do junho de f871, e quo foi imrnediatamentc
publicado, lo-se:
«A fábrica comprohende, em resumo, o seguinte:
« L" E-~1•nAcçAo DA GUAI\APA.-Emprogaremos o moinho; mas
um moinho que tira mais dez on doze por conto do guarnpa do que
2.
-12-
os moinhos que temos na Madeira. A palha ircí depois a fermentat·
para se a,proveitar o assucar que ainda poderá conter, para aguar-
dente.
«2.º DEFECAÇÃO E CLARIFICAÇÃO.-Teremos a carbonatação do-
brada, operação muiLissimo vantajosa, porque augmenta o rendi-
mento do assucar e diminue a despeza elo carvão animal, para o
que temos um forno de acido carbooico e cal.
3.º F1LTRAÇÃ0.-A guarapa etc».
Eram, todavia, ainda tão problemaLicas para mim as van-
tagens d'esle processo, em razão do custo da insta!lação e do
espaço necessario, que não ousei mel.Lei-o desric logo no proje-
cto da fábrica. Entendi que era questão para ser ainda estuda-
da e meditada, tanto mais quanto nada sabfa sóbre os resul-
tados practicos d'este apparelho.
Já ve, pois, V. Ex.a, snr. rcdactor, qne em 9 de agosto de
1870, apesar do estudo thcorico e prácliro qnc tinh a f,•itn da
industria do assucar, na Madeira e fóra Ja ~'l.1d,•ira. c11 nii.o co•
nhecia ainda nenhum meio mel!1o_r de rt/H 111.ieitnt r1 " sutai·
que o lamiriador deixa no bagaço da ca,11/11, <111 lJiiL / 11~1 ,· fer-
mentar em recipiente -fechado esse assucar 110 111f's1110. b 1ya~o.
Peço a V.Ex.• que se digne de tomar 1wta d'e:ile facto; e
por hoje não cansarei mais a sua allenção.
De V. Ex.1'
mt.º att.º venerador obr.ct~
Funchal, i2 Je março de f883.
Visconde do Cannavial,

Ex."'º Snr. Hcdaclor (• ).

Prrmi\la-mc V. Ex. 3 que lhe faça notar que as fábricas


que se acliam em hoas co1H.lições de laboração tecm muito
::z::.----
(") Cal'la dírigitla ao D1A1110 Po1•1rLAR, e l'uhlíca1la c1u Vi do nrnr~o
<le 1883.
--13-

mais vantagens em obtPr o assucar da caona debaho da fórrna


de assucac cryslallisado, do qne em transformai -o em aguardente.
Se assim não fôsse os induslriaes não montariam fábricas
de assucar, qne exigem o emprêgo de capilaes muito maiores
do que as fábricas de nguardenle. •
Ora, não tendo en confi:rnça no systcma de Ilugo11lin,
cujos resultados practicos não conhecia; trndo adquirido a cer-
teza ele que a industria não possuia ainda meio algum efficaz
e sufficientomcnle remunerador, para o apro\'Citamento do as-
sucar que o laminador deixa no Lagnço da canna; e, pensando
quanlo sería vantajoso que se ach asse esse meio, e cs~cia!-
mente que o assucar do bagaço podasse ser obtido debaixo da
fórma de assucar crystnllisado;-puz-me a cogilnr para v-0r se
poderia raso! rcr o problema.
Vi logo que a agua era o agente por meio do qual ·e
p!1deria mais facilmenle ol.Jtcr o rr.sultado que cu Jesej:na;
mas que não era por meio de la,·agem, qualquer que clla
fôsse, que se poderia consrguir rc;:;ul!ado vantajoso.
Uma .luvagem só poLlcria cxlrahir do 1.J .1gaço o assucar
isolado das cellulas rompidas pelo laminador; mas não o as-
sucar das ccllu!as iutactas 1 ainda quando fus:c empregada a
agna qncnte, como o Leotn mostrado os rc::;ullados pouco sa-
tisfalorios de lodos os processos Je levigação.
A maceração tinha-se apresentado naturalmente ao e!-pi-
rito de lodos os que Linllam il1\'cntado apparclhos para, por
meio d'c!!a, exlrahircm o assncar das substancias sacharinas.
Mas, não sendo nenhum d'csses apparelhos ,·antajosa-
mcntc applicaveis ao bagnço de uma fúbf'ica de assncar ou
agnan.lenlc de canna, a dillir.uldade estava cm achar llli/ll. lliCL·
china, mn apparel!w, um meio qualquer e/Jtca-:.. eco11omi1.,u, de
facil execuçãv, que resolvesse o problema, cujos e/ridos emin
conhecidos.
E a prova de que a solução d'csto prnblema era con~idc-
rada tão irnportnnle como diffkil, é q\10 N. BasSt't, num :\ o-
bra do merecimento, j(1 cnlfio puLlicaJa, sõbrn :i iudL,slri:1 do
assucar, dizia a cslc reapcito:
«Term•so tentado tnllitos on ·aios com csstl tim. e é pro,·av11
qqc brcvomtJnle a industrio scp d •ta l,1 de um :1ppan•ll1t> reunindn
as qualidaJcs <los quo Leem sidv cn~aiados, e dl':;.:m 1ar:1(.\llo dos
seus tlcfcilns. 8rría mn ziasso immenso 1Jw'a o progresso; porque o
trabalho rl:1s fH'cnsas mais perfeitas deixa ainda muito a desejar de-
lJaixo ele vai ios pontos de vista)),
Peço a attcnção de V. Ex.", snr. redator, para os princí-
pios que deixo rstabelecido1-, e que ser"iram de base para o ..
invento do élpp:uelho e dos processos industriaes de que Lenho
pri\"ilrgio, como lerei a honra ele expor na proxima corres-
pondrncia.
De V. Ex.ª
muito all.º venerador obr.uº

Funchal, f/,1, de março de 1883.

1·1.sco11cle do Canncvi'al.

Ex.m• Sm. Rcdaclot· (•).

TractanJo, cm :igosto de 1870, de resolver o problema


do aproveitamento, industrialmente ,·:rntajoso, do assucar que
Jicava perdido no bagara da canna, pareceu-me qllé a primt'ira
cousa a fazer era pôr o bagaço cm contacto com agua, fria 011
quente, por modo que ésla o liurnedccrsse bem, dis~olvcssc o
assL1car das cellulas esmagadas pelo laminador, e não dissolvido
pela seiva da canoa, e pcnctrnssc aló o interior das ccll11las que
tinham Geado intactas, para se apoderar, p<·la osmos<', do assn•
car d'cllas; devendo scg11ir-se a exlral'ção economica do liquido
assucarado, com densidade sofficirnle para ser vanlaJosnmentc
ulilisado para agnarde11te ou pura assuca1·, sem se perder o
bagaço como combusti\'CI.
==-=-=
(•) Carta dirigida ao Dwuo DE NoT1c1As, e puLlicacla cm i6 do mar\o
do 1883.

I
- 13 -

P0r dois meios me pareceu de3de logo podêr•se obler es-


te resultado: como revelei mais tarde num certificado de ad• -
dição ao me·u primeiro privilegio:
Lº- «Estabelecer uma circulação constante d'agua no lia•
gaço alú ésla adqllirir uma densidade sufficienlc; sendo o ba-
gaço, depois de bem lavado, posto a seccar para servir de com-
bu-stivcl;
2.º- « Pôr o bagaço em contacto com uma quan1idadc de
agna apenas sufücientc para o bumedecer e penetrar até o in-
terior das cellulas ainda intactas, passando.o depois ao lamiua-
dor, ou espremendo-o numa prensa qualquel' de fôrça sulli-
cientc. ~
Para o facil, cfficaz e vantajoso cn1prôgo Jo primeiro meio,
mas podendo lambem servir para o segundo, imaginei um ap-
parelho composto de uma bomba de disposição especial, e de
dois poços.
No primeiro prncesso o bagaço, depois de estar cm rna-
cern(.'ão em ngua. const:rntemente deslocada por um movimento
circulatorio estabelecido por meio da bomba, devia ser LractaJo
por novas agDas e P.Oslo a scccar.
No segundo p1:occsso o bagnço Jevia ser disposto cm ca-
madas delgadas ao sahir do moinho, o orvalbado com agua a-
penas sulliciento para ficar bem molhado, e depois ser passado
opporlnna111onte ao lamina.dor.
Em ambos estes processos o liquido assucarado cxlrahi-
do podia St't' ulilisado não só para .aguardente, como no pro-
cesso de Hugoulin, senão lambem para assucar; o que era mais
vantajoso, especialmente para a fáLrica da S. João, que se pro•
punha emp1 cgar a carbonata~·üo dobrada, que exigia que a
guarapa fússe diluida, para clarificar bem.
Logo que, depois de muitos dias de estudo o de l'Ctlexão,
cheguei a um resultado que mo pareceu seguro e imprrlantc,
immediatamente dei parle do meu achado á <lirccrüo da Com-
panbia Fabril de Assucar Madeirense, como se vo da carta que
llic escrevi de Pa1·is, cm data do 2-1 <le agosto de 1870, e que
so aclta puulicada a pag. 7 do rclalorio já citado, arrosentudo á
assembleia gemi da mesma companhin cm 22 do junho de 1871.
Nessa carta eu dizia o seguinte:
-lG-

«Creio ter achado um meio de (acit execução para .aproveitar


par:i o assucar, o as~ucar elo bagaço:-é disposição imaginada por
'lllim, vois nüo tenho mco11trado nada que me satisfaça; mas lenho
a íulima co □ Yic(ão do que clara um excellcnle resultado e facilitará
muito o fabricu, isto é, a defecação.»
Aqui tem V. Ex.a, snr. rodactor, como nasceu o 111\'enlo
de quo mais lan.le requeri pri\·ilPgío.
Espero qne V. Ex.ª e todos os que forem conscicnciosos
me hão ele fazer a justiça de reconhecer que não foi obra do
acaso; mas sim o rcsnllado do meu e:itudo, do meu trabalho.
V. Ex.ª verá, nas ulteriores corrcspo11dcncias, apparccer a
vcrJade das minhas asserções cada rnz mais e\'idcntc.
De V. Ex.ª
muito alL." venr.rador obr.dº
Funchal, 15 dr março de 1883.
Viscondt1 do Can11at ial.

Ex.rnº Snr. Redaclor ( •).

Com quanto me parecessem baseados sôhre bons princi-


pias os processos pelos quacs cu julgam ler resolvido o pro-
]Jlcma do aproveitamento do assncar q11e o laminador deixa no
!Ji.1gaço da canna, nem por isso ousava dai-os como seguros sem
os ler PU bjeitado a cxpcricncias, sem a sancção da práclica.
Por isso, logo que regressei á Madeira, dei-me pressa em
fazer ensaios do primeiro processo; e, como estes foram satis-
fatorios; como não pude fazer na mesma occasião ensaios do
segundo processo e como me accuJiram ao espirita razões que
me fizerem crer que aqnelle offcrcc1a mais vantagens; foi d'es-
tc, cspecialmenlc, que mo occupci na descripção que faz parte
=====
( •) Carta dirigida ao Dunro PornAn, o publicada cm i 7 de março
de i883.
-{7-

do processo do privilegio que então solicitei, e me foi concedi-


do por 15 annos por decreto de 10 de novembro <le 1870, pu•
blicado no Diario do Governo, n. º 260, de i 7 do mesmo mez.
Tendo então muito em vista dar principalmente vantagens
á Companhia Fabril de Assucar Madeirense, de que era funda-
dor e um dos maiores accionistas, pareceu-me que ésta com-
panhia, devendo montar na .sua fábrica a carbonalação dobra-
da, teria grande conveniencia em podê1· diluir a guarapa com
:lgua que já tivesse em dissolução o assucar que o laminador
tivesse deixado no bagaço; e este, indo depois a seccar até o
ponto necessario para serv_ir de combustível, deveria chegar á
fornalha em boas condições.
As razões que, a priori, me faziam crer que o segundo
processo seda menos vantajoso do que o primeiro, eram:-!.º
ter o bagaço de passar pelo laminallor, o que exigia maior des-
peza de vapor; 2.º a difficuldade para as fábricas de grande la-
boração que tivessem um moinho só, como a Fábrica de S.
João, em passar nelle canna e bagaço; 3. o receio de que o
0

bagaço, passando no laminador, e ficando mais dividido, não


perdesse muito como combustível.
Eram problemas ainda a resolver; eram questões a eluci-
dar, que eu bem claramente apresentei na minha primeira de-
scripção depositada no ministerio das obras públicas, commercio
e industt·ia, com data de i9 de oulubro de 1870; na qual não
julguei opportuno dar nenb~ma indicação precisa do meu se-
gundo processo, mas onde o deixei, todavia, visivelmente, cle- •
nuncildo, com as dúvidas que ainda me offerecia, nos seguintes
termos:
«Se se vassasse de 1wvo este bagaço pelo moinho, ou se se es-
premesse por meio de uma prensa qualquer, obter-se-hia pelo me-
nos a maior parte d'este liquido.
«Mas, sendo o moinho de gran~e fôrça, não ficaria o bagaç,o
nesse caso tão dividido que não podasse depois servir de com-
bustivel?
«-Não demoraria isso o trabalho do moinho?
«-Não augmentaria consideravelmente a mão d'obra y,,
Não transcrevo aqui integralmente, snr. redacto1·, a de-
scripção de que faz parte este excerpto, não só pela sua exten-
são, senão lambem porque ella diz, principalmente, respeito a
3
-18-
um processo quê não está actualmen!e em queslão, e porque
um periodico a•cs!a cidade a está transcrevendo.
Em compensação farei outras transcripções que o mesmo
periodico se não dará, de certo, ao incornmodo de fazer.
. Reclamo de novo, snr. redactor, a benevolencia de V Ex.ª;
pois preciso de escrever ainda inuitas carLas para esclarecer
bem ésta questão.
De V. Ex.ª
muito alt.° venerador obr.dº
Funchal, 15 do março de 1883.
Visconde do Canmwial.

Ex.mo Snr. Rcdactor (•),

Queira V. Ex.ª permillir-me que transcreva aqui uma car•


ta que dil'Ígí á direcção da Campanhia Fabril de Assacar Ma•
deirense, em i 2 de dezembro de 1870, publicada a pag. 22
do citado relatorio de 22 de junho de 1871.
E' do theor seguinte:
«Ex.mo, A.mo• e Snr.•-Está hoje incontestavelmente demon-
strado que o moinho do espremer canoas, ou laminador, deixa no
bagaço uma quantidade notavel ele assacar, ainda tJue variavel se-
gundo o moinho empregado.
. ,Tem-se procurado remediar osto inconveniente aquecendo-se o
interior dos cylindros por meio do vapor, augmentando-se o nume-
ro dos cylindros, ou construindo•so moinhos ele um prrço elc,•aclis-
simo, com cylindros ele mais de um melro do diamelro. Todavia,
essas máchinas immensas, que só estão aoI alcance <las emprcws
=====
( •) Carta dirisida ao D1Anio Jloroun, e ptllilicada cm i8 do niarço
de :l.883.
-19-

que podem dispor tlo grandes capitaes, com quanto augmentein no-
tavelmente o rendimento da canna, não resolveram ainda, nem po-
dem resolver satisfactoriamente o problema.
«Diversos processos de maceração e de lavagem leem sido en-
saiados cm paizes estrangeiros, com o fim, já de ex.trahir o assucar
que o moinho deixa no bagaço, já de substituir ao moinho novos
apparelhos.
· «}1as é para notar que, com quanto todos estejam de accôrdo
cm admillit· que por taes meios o rendimento da canna é maior do
que pelo emprêgo du moinho só, ainda ninguem vropoz, todavia,
um mew de facil applicação, que permitia de se aproveitar a
grande quantidade de assucar que fica perdido no bagaço; sendo
até alguns de opinião que não convem extrahir o assucar do bagaço
da canna, pretendendo que é o assucar que elle encerra que o tor-
na bom comlrnsttvel, e que, se lh'o tirassem, não poderia o bagaço
senir depois para este fim, o que causaria grantlo perjaizo aos fa-
bricantes.
a Se se considera que o assucar que fica no bagaço lmmido
que sae do moinho, e quo é logo exposto ao ar e a um certo grau
de calor para seccar, l'!ão tarda a fermentar, produzindo alcool e
acido carbonico, corpos ambos volateis que depressa abandonam o
bagaço, deve-so admittir que este não contém já assucar quando,
depois de sôcco, vem a ser queimado: todos sabem, no entretanto,
que, neste estado, o bagaço ela conna arde bem, e é empregado,
com vantagem, como combustivel nas fabricas de assucar.
«E' porque no bag:iço da canoa que se acha já privada de
todo o assucar que continh.i, ha ainda uns dez por cento de sub-
stancia linhosa, e, pelo menos, a agua que sempre encerram os te-
cidos vegelaes, por mais seccos que pareçam.
«Estas substancias são as que proL1uzem o calor que se desen-
volve no bagaço sêcco que é queimado.
«Mas admittindo mesmo quo o assncar que o moinho deixa
no bagaço da canoa fôsso o qne lhe r1á o valor que eiito tem como
combusti vcl, e que sem elle não podcsse ser utilisado para tal
fim; -nJo seria melhor, ainda assim, queimar antes carvão ou le-
nha do que queimar assucar?-Não seria melhor, mesmo em tal
caso, aproveitar o assucar que fica no bagaço, ainda que este só
devesse depois ser utilisado como adubo?
«Julgo que ninguem com bom senso e boa fé poderá dar a és-
ta pergunta moa resposta negati\'a.
c<A cliflieztldade está, pois, m1icamente em acl,ar ttm mâo de
facil applicação, capaz do ser 1:a11tajosam~nte empregado em _qran-
de escala, e pelo qu!\I se pos:rn :iproveitai· a nota vel quantitlado de
;J.
-20-
assucar que, no systema de extracção actualmente empregado, fica
perdido no bagaço.
«Procurei, em vão, avidamente este meio em todas as obras
que pude haver ã mão sôbre o fabrico do assacar; fiz quanto em
mim coube, quando esti,,e ultimamente em França, para descobrir,
entre os apparelhos recentemente propostos ou em ensaio, algum
que ofierecesse reconhecida vantagem com relação a este ponto; e
os meus esforços foram, baldados. Por isso é que, dando de mão,
por em quanto, á ideia de retirar, debaixo da fórma de assacar, o
assncar que o moinho deixa no bagaço, tive a honra de vos parti-
cipar, na carta que vos escrevi ele França em data de 6 de agosto
último, que adoptariamos o moinho, ou laminador, para a extrac-
ção da guarapa, e que se faria depois fermentar o bagaço para se
tirar d'elle aguardente.
«Mas, tanto é corto que este meio me parecia offerecer pou"
cas vantagens, em razão do custo da installação, do espaço necessa.
rio, e da mão d'obra indispensavel para o realiwr, que me não at-
trevi a mettel-o desde logo definitivamente no projeeto da fábrica,
· entendendo que o emprêgo de tal meio devia fazer o objecto da
maior estudo e de mais reílectido exame.
«Eis a razão porque, no referido projecto da fabrica qnc vos
enviei de França, só vinka accessoriamente apontado o espaço que
se poderia destinar para a fermentação do bagaço.
«Todavia, este objecto preoccupava-me muito; e, à fôrça de
nelle refiectir, occorreu-mc posteriormente uma ideia que me pa-
receu feliz, por me descobrir um meio facil de resolver o proble-
ma; o que vos communiquei de Paris, em data de 21 de agosto.
e< Ainda que baseado cm principios cxactos, o meu invento
precisava de uma confirmação práctica: por isso, logo que cheguei
a ésta ilha, estmlci experimentalmente, ainda que cm màs condições,
o resultado que clle oJiorecia; e, achando-o satisfactorio, pedi logo,
e em breve obtive de Sua Magestade privilegio do quinze annos, o
qual me foi concedido por decreto de -10 de novembro último.
((E', pois, em vir tudo d'este decreto, que me garante a pro-
pr:edade d'este invento e a sua applicação, não só â extracção do
assucar que o moinho deixa no bagaço da canna, senao tambem â
extracção do assucar que contenha qualquer substancia susccptivel
de se deixar penetrar pela agua, que venho propor á Companhia
!•'abril de Assucar Madeirense a adopção creste processo, que lenho
por muito vanlajoso, e que exige apenas, para a sua execução, uma
bomba e dois poços.
c1 Para qne a companhia Lenha o direito de utilizar-se cresto
invento, não poço retrjbuição cm clinhciro:-só quero que a com-
-21-

panhia me dê a terça parte do producto qne tirar pelo meu proces-


so, do bagaço da canna, on de qualquer outra substancia.
«Está encommendada uma bomba para este fim. Se a com-
panhia se não qµizer apro\'eitar d'este meu invento, fico com este
apparelbo para mim e responsabiliso-me pelo seu Cllsto.
«Se a direcção não qnizer conlraclar comigo sem OU\"il' a <'.S-
sembleia geral, espero que se dará pressa em pedir a sua conro-
cação, par.a esse efTeito; e terei então a honra de expor ü me.-ma
assembleia este assllmpto do uma maneira mais desenvol\'ida.-Sou
ele V. Ex.••, com a maior consideração-muito attcnto ,·cncrador o
amigo muito obrigado-Funchal, '12 ele dezembro ele 1870.-Dr.
João da Gamara Leme.»
Desculpe-me V. Ex.a, snr. redaclor, tomar-lbc hoje lanlo
espaço; mas V. E:i:.n Lem vc c1ue não convinha dividir este do-
cumcnlo,
De V. Ex."
muilo nlt.º venerador oLr.dº
Funchal, 16 do m11rço de 1883.
Visconde do Cannm:inl.

E:."'' Snr. Ilcdnclor (•).


1

Estou convencido de qne V. Ex.3, depois do que lhe lt'~


nho exposto: ficará surprchendido sabendo que, cm :issembleia
geral da Companhia Fabril de Assucar Madeirense, do 28 do
dezembro de f870, a direcção d'csla companhia emillin o pa-
recer de que a proposta por mim feita na caria qnc lhe dirigí-
ra cm data de t 2 do mesmo mez de dezembro, e de que a V.
Ex.ª dei conhecimento na minha líllima correspondencia,-fôs-
=====
(•) Cnrra dirigida ao Dumo P1m1c.A.n, o publiratla cm 20 de março
do 181:1:1,
se nijtdüula; adaptando-se o proceu,-o da fermentação elo baga-
ço, como estara fJrojectado. . · . . ·
As pri11cipaes razões em que a referida direcção baseou
a sua: opinião (oram:-qoe não sabía se seda realmente vanla;
josa. a exlracçfto do assur.ar do .bagaço; que entrava em dúvida
sóbre se en tinlia direito para impol' eondiçõcs á companhia
cm relação á adopção do invento do que tinha pri,·ilegio por
15 annos; e que, tendo en ido a França, por conla da compa-
nhia, tractar da c1cquisição dos apparelhos parn a fábrica, tu-
do quanto eu fizr-sse com relação a este objcclo de"ia pertencer
á companhia .
Não é men proposilo, snr. redaclol', reprodnzir a historia
das @ccorrencias que se acham narradas a pag. 24 e seguintes
do citado relatorio de -22 de jun!w 187 L Mas nno posso dei-
xar de me referir, em abono da justiça da minha causa, aos
faclos que a podem esclarecer.
· Não posso deixar de far-er sentir que, se fôsse entüo co-
nlteciclo 1w Maclefra wn meio qualquer vantajoso de aproveitar
o assucar qoo o laminador deixa no bagaço da canna, a direc-
ção da refcrià:1 comµanhia não poria, de certo, em dúvida a
conveniencia d'esse aproveitamento; e, quanJo por um injos\i-
ficavel despeilo por en não dar á companhia a prnpriedade do
meu invento, a mesma <lirecçfw era da ..opinião que a ·minlia
proposta de"eria ser rejeitada, leria sido esse meio já conhecido
f]UC clla proporia em substituição do meu processo; e l'lâo o pro-
cesso ·de HL1gou!in, cujos grandes inconvenientes eu tinha já
demonstrado.
Nesse tempo ningucm me contesta"ª a originalidade do
inven!o; o qnc se me contestara era que ellc podesse ser pro-
priedade minba, tendo cn ido a Franç,a, por couta da compa-
nhia, contractar as mácliinas e appare!lios pnrn a Fábrica de
S. João.
. A discussão d'cste assnmplo, snr. redaclor, occupon uma
longa e agitada sessão de assembleia geral da Conipanbia Fa-
bril ele Assuear Madcirern;e.
Argumentos lia dos que nessa sessão produzi que leem
impol'lancia na questão quo acltrnlmenle se Jebate; e por isso
peço licença a V. Ex.º pura os rcprod~1zir nestas corresponden-
cias. Mas ha uma circumstaucia que eu desujo que fique desde
já bem conhecida:-é a que cn nunca pedi á Companhia Fa:-
bril de Assucar Madeirense, nem ella me deu, rcmuncraç:\o al-
guma pelos scr\'iços que lhe prestei; e, se eu tinha direito a
pedir qualquer remuneração, renunciei a esse direito, no tempo
em que o podia fazei· valer, como V. Ex.• verá na minha pro•
xima c'Orrespondencia.
De V. Ex.3
muilo atl.º \'Cncrador obr.'1'
Funchal, 19 de marco de i883.
Visco11de do Canrwrial.

Ex. º :m. HeJaclor (• ).


111


Desde (JllC fui le\'ado a tlar conhccimcnlo a V. E-_.' de
que uma direcção da Comp:rnhia Fabril tlc Assucar ~Iadcircn-
se emilliu em assembleia geral a opinião de que a propril)uade
do meu invento devia pertencer á companhia pela circumslan•
eia de cu ter ido a França por conla da sociedade coutract,v·
os apparclhos para a fábrica, desejo que V. Ex. tenha lambem3

conhecimento da seguinte doclaração, por mim foita na sos~ão


da assembleia geral da mesma companhia, de t O de janeiro
de 1871, oxliarada na acta rcspecli,·:.., e ptihli,:ada a pag. 28
e 2!) do citado relato rio de 2'2 de j nnho de 18 71:
« Declaro que, desde que, cm 1866, so fundou :i companhia
fabril do assucat· madeirense. até quo, cm julho tio 1870, ahi lh
Macieira; des,le o dia cm qno, em septembro último, regre:- ·ci a
ésla ilha, alô o presente, tenho a consciencia do ter feito ;i c,im-
panhia serviços, todos gratuitos, qno sommam annos inteiros do in-
cansaveis esforços;
«Que tendo-me a assembleia geral encarregado, cm f 2 de ju-

(•) Carta dirigida ao D1Anio Po11ut ..\11, e 1iuhlil':1da om ~ l tlc !li -r~,1
de 1883,
-24-
nho rlo · anno finuo, de uma commissão difficil, ahlua, espinltosa,
de grandissima re$ponsabilidade, acceitei-a, fazendo nisso, só cu o
sei, um grande sacriticio; acceitei-a por dedicação a ésta empreza
quo considero tão atil, pelo amor qne lhe tenbo, pelo desejo que
nutro de a ver realisada; acceiteia-a, com toda a franqueza o di-
go, porque olhando em roda de mim, não via ninguem em cir-
cumstancias de a desempenhar melhor;
«Qne parti, deixanco a minha familia, e a minha clínica, sem
olhar, nem i;iara os perjuizos que soffriam os meus interesses, nem
para os incommodos e riscos da Yiagem;
«Que á fôrça do mais activo e zeloso trabalho, consegui para
o nosso estãbelecimento, com economia de muitos contos de reis,
as maximas vantagens compatíveis com o capital da companhia, e
com o estado actual ela industria; consegui tornar já uma realida-
de o que, para quasi todos, nãQ passaria de uma ideia, de uma il-
Jusão, de um phantasma que não poderíamos nunca attingir;
«Que a declaração que a direcção fez á assembleia geral na
última sessão, de que fui á P'rança por conta ela companhia, prova
bem que não esle\"e nunca na mente dos que me encarregaram de
tal commissão que devessem ser gratuitos estes serviços, que po-
dem ser ª'"aliados, não só pelos sacrificios que fiz 1 pelos incommo-
dos que soffri, e pelos esforços que empreguei, senão tambem
pelos resullados que consegui pnra a companhia;
« Que é, to<laYia, certo, qur., até o presente, não recebi da
companhia remuneração alguma por taes serviços;
c<Que, tendo recebido da direcção, na occasião ela minha par-
tida, dinheiro para as despezas da viagem, fiz por conta da compa-
r1hia unicamente as que foram indispensaveis, o, á minha chegada,
entreguei o que ficou;
«Que, antes ele portir, declarei {1 direcção (JUO, so ésla cm-
preza se não realisasse, não queria qne a companhia me clésse re-
tribuição alguma polo rnen trabalho e perjuizos;-mas hoje, CJll"
considero a empreza já renlisada, prescindo totalmente do direito
que possa ter de pedir á companhia qualquer remuneração que me
seja devida pelos serviços que attJ o preseute lhe tenha prestado nes-
ta ilha, ou fóra d'ella, os quaes todos lhe offercro.»
Em seguida a ésta declaração encontra-se, na acta da
mesma sessão, o seguinte:
«Pediu então a palavra o snr. Dr. Manoel José Vieira, e pro-
poz que a assembleia, agradecendo ao snr. Dr. Camara os importan-
tes serviços que elle ha prestado a ésta companhia que a elle deve
-23-
tut1o o que ha conseguido, lhe uésse um voto t.le louvor, e que e.ss~
se consignasse na acta; o que foi approrndo por unanimiJade. »
Continuarei, na proxima correspondencia, a chamar a
allenção de V. Ex.a, snr. redaclor, para o mencionado parecer
da mesma direcção.
De V. Ex.ª
mt.º all.º venerador obr.d•

Funchal, 20 <le março de f 883.

Visconde elo Cmmavial.

Ex.mJ Snr. RcJaclor (• ) ..

ua
Dl acta da sessão da tmcmbleia geral Comp:rnliia F'a-
bril de Assucar Madeirense de 28 de uezcrnbro Je i8i0 con-
sta que, nessa sessão, respondendo .'.\O parecer da direcção só•
l>re a minha prnposta, cu aprcsentoi, entre outros argumentos,
os seguintes;
« Que não podia comprehcndor como a uirecção. sondo com•
posta do homens illuslrados, podia sustentar que, pt>lo fal'lo de ll'1·
ido França por conta da companhia encarregallo tio escolher os ap-
parclhos para a fábrica, e de trazer ou en\'Íílr o projecto do contra•
elo para a compra d'clles, devia pertencer ü companhia o seu in"en-
to, quando é doutrina lão trivial e corrente que o inrcnlo perlen-
Cl3 sempre ao sou auctor, e é propriedade tão sagrada, respeitada,
e protegiua das leis, como o é a propricdaJo immovel, e que nin•
guom tem direito de o privar tio gôzo ou esplora~ão do tal µro•
priedatle, sàl.Jre qualqner pretexto, por mais especioso que seja, do
indemnisação on do recompensa.
====;:=::
( •) Carla <lirigiJa ao D1Amo Po1't1t,AR, e publirada cm ~i llu 111::11\n
do i88:J.
.i
-2G-

« Que 11ão poL1ia comprehcnder como é qnc a mesma direc-


ção clu\Í<la do direito que assiste ao imentor de propor as concli-
(ões de qnalqucr contracto ~ôbre a seu invento, quando é lambem
certo e dout, ina corrente em direito que se não póde contestar ao
irnentor o usofrncto do seu trabalho, e que mesmo ninguem lhe ..
púde impor o mollo de exploração on de gôzo, que elle dern se-
guir a respeito d'essa sua propriedade.»
Da mesma acta consta tambcm que, em srguida á apre-
sentação d'cstes argumrnlos, e □ lêra, cm apoio d'elles, escriptos
de a □ clores imporlantes sôbrc o assomplo.
Ora, snr. rcdaclor, sendo de presumir que muitos dos lei-
tores do seu jornal não conheçnm bem doutrinas que pareciam
não ser bem conhecidas ue alguns dos accionislas mais illus-
1rarlos da ·Companhia Fabril de Assucar Madeirense, julgo que
não será fóra do propnsilo reproduzir aqui alguns dos prriodos
por mim lidos n~quella a~scmblcia sôbre os direitos do i11ven-
tor, especialmente quando esrns períodos são tirados de uma
obra importante sôbre o fabrico do assucar.
Quem falia é N. l3assct, invocando a aucloridade de Ch.
Laboulayc:
<(0 direito do i1n·r11tor i) geralmente rel'onhccido; porquanto,
a utilidade da inrenção sendo i11conteslaYel, é allmittido uni"ersaJ-
mentc qne é nccessario animal-a. !\las qne se deve para isso fazer?
J\ão lia outra rncompensa hoje aclmissivel sHnão a prcpricllade con-
quistada pC'lo tralJal ho, pela sopcrioriclacle só do inventor sem pro-
tecção 11cm benevolencia de ninguem; propriedade que lhe asse-
gura a independencia o a liberdade.
«Este direito é, Lle mais, tão incontest:l\'el quanto é certo que
f'lle pode consonar a soa descoberta secreta e explorai-a indcfini-
damr.nte, sem que ningnom pense cm c\ispular-lh'a. O in"eutor tom
<lircito a tirar proYeito da sua descoberta; por isso é da maior in-
justir.a que a sociedade se ilpodr.re do seu privilrgio, e a garantia
do seu direito será a certeza ad4uirida da tendencia ao pt:ogresso
por todas as iutelligencias e todas as energias.
"Sendo o invento uma propriedade, nao se podem impor ao
inYeutor com.lições algumas além das leis o regulamentos sôbre a
propriedada.»
Mas, Rnr. rrnaclor, não desejando tornar muito extensa
ésla correr,;ponucncia, paro hoj1J aqui, pedindo licen~a p~ra, na
-27--

minha primeira carta, transcrever mais alglll1s perioJos d0 mcs•


mo auclor.
De V. Ex.ª
muito alt.º rcncrador obr.ctº

Funchal, 21 de marc.o do 1883.


Viscollde do Ca,mm:ial.

Ex.mo Snr. llcJaclor (• ).

Desculpe-me V. Ex." se canso a sua altcnção; mas, desc-


jan.do deixar ésta questão bem esclareciJa, parece-me opporlu•
no transcrcrnr aqui mais os seguintes poriodos do citado livrn
de Ilasset, por mim lidos na referida assembleia geral Ja Com-
panhia Fabril de Assucar Madeirense:
«E' nccessario comprchcndcr bem o direito do propriedade
industrial.
«Qual é a raiz tlo direito lle proprictladc immO\'CI? diz 0 snr.
fül. Lahoulaye:-é o lrabalho que cri:1, que constituo um ,·,,lm·, :i
cusla dos seus csforr.os appli~atlos a um terreno que o trabalhad,H·
comrrou ú socictlatle. Dubaixo Lla in!luenda tia . t1a inlclligunl!ia 11
do sou labor, esse ler1·c110 bom cl'ollc porqllo clle o comprou 1wh,
qt1e valia, adquiro um valor multi pio ••• A quem p0Jc 1wrlt't1l'1 1· 1

esta proprie<latlc, senão áquollo quo a creou:> Os ,isinh0s, q110 nada


fize1·am. não leem nella nenhum tlireito, assim como o oüo lt'lll a
socicuatlo qne rcccbon o proro do que ,·enclou, o que ainda bene-
ficia pelo imposto de um oxccdento de ralor adquirido, fructn P~-
clnsivo <lG trabalho. O solo pertence úqnollo que o focnnd1)11: t\
portcncc-lho para sempre. ,\quellc que fecundou o solo, crc,rn, insli-
tuiu, para ~i e para os seus, á custa do seu trabalho e Lias ::-uas pril'a•
i-==---·--
( •) Carl:i LliriAida ao DJAmo Po1•111,An, e publicada el\l 2:> dL• 111:11~0
de l ti3.
'i.
-28-
t;ões, \'alares quo não exisliriam sem clle; ningncm lenl" direilo a
esses valores depois d'elle senão aquelles para que(n elle trabalhou.
·«Tal é a fonte. da propriedade e da herança; a justiça quer
que a sociedade os proteja; ésta protecção é, além d'isso, uma con-
dição da sua exislencia; porque ella vive do trabalho dos seos mem-
bros e não ha trabalho serio qoando a propriedade e a succossão
são incertos.
« A esscncia tlo direito de propriedade é, pois, uma creação
de valor; sob a fórma mais sensi\'el, a propriedada e um valor crea-
do, um corpo certo, um fundo que não se destroe qnando se lhe des-
tacam os fructos. Os mesmos caracteres se encontram na proprie-
dade movei; porque o fundo do direito é o mesmo e a protecção
da lei póde exercer-se do mesmo modo que com respeito á pro-
priedade immo,·el.
«Assim, quando o legislador interdiz a contrafacção, é sempre
a propriedade que elle protege e r!efcnde; e um genero particular
tle roubo que persegue e pune de urna maneira particular; o fun-
do do direito não \'Dria.
«A lei toma aqui sob sua guarda a industria, a invenção, a
ideia; é assim com relação a toda a propriedade. E' o homem que
a lei clefende e não a cousa. Na invenção ha um corpo certo que
constitue a propriedade, e a contrafacção repre~enta talvez um de-
liclo mais grave do qne certos altentados contra a propriedade im-
movel reprimidos pela lei.
aE' evidente que o direito de propriedaLle se applica em to-
dos os pontos ao invento indnstrial; pois que lá Lambem ha o que
constituo a essencia do direito, a creação de um valor. Quaesquer
que sejam os soccorros tirados pelo iíl\ enlor das descobertas d'ou-
1

tro o que elle accrescentou nem por isso tem men0s merecimento;
e é uma porção ela sua inlliYiclualiclacle, da sua aclividade, da sua
intelligencia, ela originalidade, que se fixou no seu in\'ento, no va-
lor nO\'O ou no uugmento de ,·ator que creou.
•A propriedade C:le um invento indnstrial não é mais contes-
tavel ao seu auctor, do que a propriedade imrr.ovel, lilleraria ou
artística; o direito é o mesmo, é um direito de creação, de collo-
cação de \'alor; e o direito social deve-lhe a mesma garautia.
aNão se pôde contestar que o in\'entor tenha direit;J ao fru-
elo do sou trabalho, e qne eleva ser pr otrgido contra os contrnfa-
ctores. O titulo que a sociedade dern fazPr respeitar é a patente de
inrenção.
«OepP1Hlenrlo a propriedade inclustrial de um direito tão estri-
cto como a propriedade immoYel, a patente não é senão um titulo
de propriedade.»
-29-
0 que fica transcriplo, snr. redactor, parece-me sufficienle
para fazer ver os fundamentos da propriedade -industrial. .
De V. Ex.ª
muito atL.° venerador obr.dº
Funchal, 22 de março de 1883.
Visconde do Cannmial.

Ex.mº Snr. Redaclor (~).

Se bem que ficassem de pé os argumentos com que, na


sessão da assembleia gerai da Companhia Fabril de Assucal'
Madeirense, de 28 de dezembro do f 870, combati o parecer
da direcção da mesma companhia, a qual, pelos motivos já deola-
dos, queria qne a minha proposta fôsse rejeitada; e se bem que
me parecesse disposta a meu favor a maioria da assembleia, es-
pontaneamente modifiquei a. proposta nos seguintes termos con-
stantes da acla respectiva:
« Que, visto que a direcção não eslava convencida das vanta-
gens do seu invento, achava elle, nesse caso, melhor fazer-se o en-
saio antos do entrar em qualquer ajuste,
«Que tomasse a companhia os esclarecimentos que sôbre o as-
smnpto julgasse necessarios; que expet·imentassc tambeni qualquer
outro processo que lhe parecesse vantajoso; e que se, no fim de to-
das as indagações, o set1 itwento fósse considerado preferiiel a qual-
quer outro meio, então se estabeleceriam as condições do contracto;
e se, depois da cxperiencia, se conhecosso que o sen processo não
offerecia vantagens, elle eslava prompto a saLisfazer as dcspozas que
a companhia ti vosso com isso feito.,

( •) C11rta dirigiua no DBmo Poruun, e publicaua em 28 de março


de 1883.
-30-
• <

Parece que, em vista d'esla modificação da minha pro-


posta, deveriam cessar lodas as opposições; era de esperar que ,
ninguem se insurgisse contra o que, em caso nenhum, podia lra•
zer ,perjuizo á companhia.
Não succedeu, porém·, assim; porquanto não hourn em-
baraços que não pozessem, não bouve <pteslões que não ·levan-
tassem os membros da direcção, que n~nca se satisfaziam com
cousa nenhuma.
E tanto isto· é ex aelo, que o relatorio de 22 de junho do
i87l, referindo-se a este facto, exprime-se assim:
«Deveis, sem dúvida, lembrar-vos qu e os mcmb1·os da di rec-
ção prolongaram por tal modo a sessão, e cansaram tanto a assem-
bleia, que varias accionistas se retiraram de enfadados quando vi-
ram que ia já adiautiJda a noite, sem que se tivesse podido conse-
guir votar ésla materia, muito tempo depois de ella ter sido jul,qada
discwida pela assembleia e posta â votação!»
Tendo eu, em vista de tão estranho procedimento, retira-
do a minha preposta, muitos accionistas instaram e consegui-
ram que eu consenti3se cm que ella fôsse votada na assembleia
geral de 10 de janeiro de 187 i, sendo approvada por unani-
midade.
Na mesma assembleia cu fui eleito director por unani-
midade, não se contando os meus votos.
Resolveu, pois, a Companhia Fabril de Assucar Madoi-
l'ense, por proposta minha, em iO de janeiro de i87i, tomar
todos os esclarecimentos que jnlgasse neccssarios sôbro o apro-
veitamento do assucar do bagaço da canna; experimentar, além
do processo de que eu linha privilegio, qualqu er outrn que
lhe parecesse vanlajose; e, no fim do todas as indagações, ac•
ceitar ou .rejeitar o meu processo, segundo que elle o{forncesse,
ou não, mais vantagens do que qualquer outro.
E, não só nessa assemlilcia ninguem revolou conliecimcn•
to de ne11hum processo que podosso ser ensaiado, senão lam-
bem, mozes depois, nas assembleias geracs tle 22 do jn11ho o
22 ele jnlho de 187 t, qnando foi apresentado e discutitlo um
relatorio da direcção da companhia, cm que este assumplo foi
Jongarncnte tractado, ningllem tiuha ainda achado nenhum pro-
cesso que podossc propor cm substituição ao meu, apczar do
-31-

ser evidente que, em taes circumslancias, devia lw,cr quem ti-


vesse desejos de fazer tal achado.
Parece-me, snr. reJactor, que ninguem poderá deixar de-
\'Cr nestes factos uma clarissima demonstração de que não era
então conhecido na /Jladeira nenhum meiv vantajoso de _;ipro-
veilar o assuca1· que o moinho deixa no bagaço da canna .
. De V. Ex.ª
muito att. º venerador obr.dº
Funchal. 2-í de março de i883.
Visconde do Cannc.vial.

Ex,mº Snr. Redaclor (•).

Para confirmação das minhas palavras, e especialmente de


que, quando obLirn o privilegio em questão, não só não era do
domínio püblico, senão não era aqui empregado nem conhecíd0
nenhum processo va11tajoso para o aproveitamento do assucar que
ficava perdiclo no bagaço da canna, permitta-me V. Ex.ª que
eu lhe apresente um extraclo do citado relatorio de 22 de ju-
nho de i87i, da direcção da Companhia Fabril de Assucar
Madeirense, no qual V. Rx.ª vcrá repelidos pela mesma direc-
ção factos de que já dei conhecimento a V. Ex.°
Não devo occultar a V. Ex.ª que eu mesmo fazia parte
d'cssa direcção, junctamcntc com os snrs. Dr. Joaqnim Ricardo
da Trindade e Vasconcellos (o maior acciooistas da companhia)
e o snr. Vicente Gomes da Silva; mas julgo conveniente dizer
tambem a V. Ex.ª que o referido relatorio foi distribuido im-
presso aos accionistas d'aquella companhia no mesmo dia 22
do junho de 1871, e que, passado um mez, isto é, no dia 22
e::::::=-===
(.) Carta dirigida ao Dumo Poruun, e publicada cm 29 de mar~o
du 1883,
-32-

de julho de t87 i, depois do conselho fiscal, composto dos snrs.


João de Sant'Anna de Vasconcellos Moniz Bettencourt, Candido
Henriques de Freitas e Francisco Anlonio de Freitas e Abreu, ler
dado parecer favoravel, Lambem disLribuido impresso, foi appro,
vado por todos os accionistas presentes na mesma assembleia;
tendo-se apenas abstido de votar o snr. Silvano de Freitas
Branco, que declarou, toda\'ia, como consla da acta respecliva,
que nada tinha que observar a respeito do relatorio, senão
com relação á questão financeira.
Nesse importante documento a direcção, depois de ter
exposto as excellentes condições industriaes que reunfra a fã.
brica de S. João, diz a pag. 20:
(<Mas, além de tamanhas vantagens que o Dr. Camara sabia
que eram realisaveis, o seu estudo sôbre o assumpto lhe tinha feito
conhecer que o laminador, ou moipho de espremer canoas. quaes-
quer que sejam a Slla fôrça e diametro, deixa ainda no bagaço da
canna llma nota,·el quantidade de assucar que depressa se transfor-
ma em alcool e acido carbonico, corpos volaleis que nem sequer
chegam a ser aproveitados como combustivcl: e por isso compre-
henclia quanto seria util achar-se um meiv de aproveitar com van-
. tagem o agsucar que 11ssim fica pel'dido,
«Elle sabia que do laminador nada se podia esperar além de cer-
tos limites; sabia que diversos processos de lavagem e maceração en-
saiados para esse pm. não tinham dado resultado va11tajo. o, já por
dispendiosos, já porque o bagaço ficava verdidu como combuslivel;
SADÍA QUE NU:NIIUMA FÁBLUCA DE ASSUCAH DE CANN.\S UTILI SAVA AINDA
o ASSUCAI\ DO BAGAÇO, POR NÃO Tim Mrc!O DE () APROV~'. ITAll, QUE \'A•
u:ss°E A PENA; mas lambem rompr,•hrn,iia CJU P, r nil J j ~ conheci-
ilos todos O' elcmonlos do probloma, do um moment') pa a onlro,
podia este ser resolvido, e achar-se nm pr,,cpsso s11 scPpliq~ I da ser
empregado com \'anlagem cm grande escala.
<1 Por isso, tendo vislo rcccnlemente nnnunciado no Jol'nal dos
fabricantes de assucar um app2rr.lho para o qníll acal.Ja\ a do obter
patente de invenção um engenheiro chimico do Paris, o snr. Pos-
soz, que promcllia-«extraq;ão eco111:111ica do sueco da br•lerra/Ja e
da canna de assw:ar vor meio de macerarão meclwnica com pou-
ca despeza e augmento de rendimento de assucar, >i ---concl'IHlll a
espel'anca de encontrar para a companhia um meio ele lhe trazer
mais uma vant:Jgem, preferivcl a outro que lhe Linha sido prnpos-
por outro engenheiro, o snr. A, Philippe, e que, pela descripçTio do
apparelho, feita pelo <licto engenhoiro, lhe rnspirava pouca co1!lianç.a,
-33-
(( l\!as, tendo fallado com o proprio engenheiro Possoz, e visto
fnnccionar um specimen do apparelho, de qne trouxe até o desenho,
conrnnceu-se do que tal processo não podia prehencber o fim que
so linha em vista; e, quando mesmo podesse ter alguma vantagem
sôbre o moinho (que é, incontestavelmente, apezar dos seus defei-
tos, um apparelho de tral.Jalho facil, de difficil desarranjo, e de
grande expediente), seria tanto maior imprudencia admittil-o, quan-
to era certo que estava apenas em ensaio, e nenhuma fábrica o ti-
nha ainda adoptado, e que a nossa precisava de caminhar desde o
princípio com toda a segurança.
«Foi nestas circumstancias que o Dr. Camara se decidiu pelo
moinho; m~s um moinho que deve tirar da canna 70 a 72 por -100
ile guarapa, e, portanto, mais ·10 ou '12 por cento do que tiram
os moinhos das fábricas acluaes da l\Iadeira.
<< Via bem o Dr. Camara que, assim, ficaria ainda no bagaço
uma quantidade notavel do assucar, posto que menor: e, querendo
evitar de algum modo este perjuizo, pensou, á mingua de um meio
realmente vantajoso, em se aproveitar o que se podasse d'essc as-
sucar, fazendo fermentar o bagaço; apezar da saber, e dos mes-
mos constructores lhe terem observado, que esse 11rocesso exigiria
grande espaço e empnJgo de muitos braços, e seria, portanto, mui-
to dispendioso.
«Porém, tendo o Dr. Camara adquirido a carte:m de qua- a in-
dustria 11ão possuía ainda wn meio de tttilisar, com sufficiente t:an-
tagem, o assuccar que fica verdido no bagaço da camia, poz-se a
meditar sôbre o assumplo, baseando-se sôbre os conhecimentos que
possuía das sciencias q110 havia estudado; o, depois da longa re-
flexão, accudiu-lhe umo ideia que lhe pareceu resolver um proble-
ma, cuja solução ara considerada velas homens teclmicos como w11-
passo i111111enso para o progresso d'este ramo de i11dustria, por isso
que todos os 1Jrocessos o apparelhos vropostos defa:avam ainda
muito a desejar.
«E, com quanto a pníctica ainda lha 11ão tfres, e dado a cer-
te::a de qu(', o processo que conccbéra daria o resultado desejado,
deu-se pressa em communical-o á direcção a·osta companhia, como
ja vistes, por uma elas cartas que lho dirigiu de França, persuadido
ela que ésta noticia seria agrada vel ú companhia, pela esperança do
auferir cl'aqui mais uma vantagem.
«Deu tambem o Dr. Camara conhecimento d'c la sua ideia
aos snrs. Locointe Frcrcs \t Villelle, que a julgaram boa e digna
do cr ensaiada, e se comprometloram a não a communicar a nin-
gucm.
<1 Chegado á :Madeira, o Dr, c,,mara fez logo nm pequeno on-
5
--34:-

saio do seri processo; e, tendo-se conven_cido por este ensaio, a-


pezar das circumstanc:as desfavoraveis em que era feita a experien-
ciá, de que o meio era bom, tractou ,de obter do Governo -de Soa -
Magestade privilegio exclusivo por 15 annos, que lhe foi concedido
por Decreto de 10 de novembro de 1870, publicado no Diario do
Governo, n.º 26ó, de 17 do dicto mez.»
- Desculpe-me V. Ex.a, snr. redactor, se ésla lranscripção,
q!ie eu não desejára cortar, me obrigou a pedir hoje a V. Ex.ª
mais espaço no seu jornal do que desejára occupar.
De V. Ex.8
ml.º att.° venerador obr.dº
Fun-chal, 28 de março de 1883.
Visconde do CannaiJial.

Ex.mº Snr. Redactor (•).

Creio ler posto em toda a luz da evidencia que, até 22 <lo


junho de i871, não só não era do dominio público, senão não
era utilisado, nem conhecido, na Madeira, nenhum meio, além
d'aquelle de que eu Linha privilegio, para se aproveitar vanta-
josamente o assuca1· que o moinho deixa no bagaço, e que en-
tão se perdia.
Agora posso dar conhecimento a V. Ex.n, em vista das
obras que lenho na minha bibliolhoca, de qual era lá fóra, até
essa data, o estado da industria fabril do assucal' de canna,
com relação ao ponto do que me occupo,
Queira V. Ex.ª remonta,· comjgo até ha pouco mais Jo
vinte annos.
====
(,.) Carta dirigida ao Dun10 PoruLAn, e publicada em 30 de nw1·90
de J.883.
--35-

Tcnho diante de mim a f.l' pârle do Guút prcíctico ào


fabricante de assucar por N. Basset (Gitide prati·que du fa-
bricant de suc1'e ), obra imporlanle publicada em Paris em
!861.
A pag. 417, e seguintes, occupa-se da extracção da gua-
rapa. Falla dos la.minadores, ou moinhos, verticaes e horison-
taes; descreve os moinhos de Ires cylindros; indica o melhora-
mento introduzido por Payen, consistindo em aquecer, pelo va•
1wr, o interior dos cylinclros; e termina mencionando o moinho
de cinco rolos proposto pelo mesmo Payen, no qual as cannas
seriam espremidas quatro vezes na sua passagem por entre os
cinco rolos, e sería a pressão auxiliada pela injccção sôbFe as
canoas, durante essa passagem, de rnpor misturado com pin-
guinhas d' agua (gouttclettes d' eau).
Accrescenla, todavia, que éstas disposições, ensaiadas pot·
Nillus e depois por Derosne e Cail, não podcram ser adopladas
nas colonias francezas, cm razão da sua complicaç.ão, e da dif-
ficuldade do reparaç.ão: de modo que este moinho quasi que
não passára do estado de projecto.
Em todo o caso, condemna os laminadores como um pes-
simo meio de extrahir a guarapn, por deixarem no bagaço não
menos de metade do assucar da canna. Chama-lhes •maus ap-
parelhos, essenciahnente e diametralmente oppostos ao qtie con-
vem á natureza da canna».
Na sua opinião sería muito melhor que a canna fôsse di-
,,idida por um corta-palha (hacho-paille ), e que, em vez do
ser espremida pelo moinho, fôssc submcllida a um bom syste-
ma do maceração. ·
Ja vc, pois, V. Ex.\ snr. rndaclor, que em i861, um es-
criptor, tão illustrado, um sabia tão distincto como N. Basset,
não só não conhecia nenhum processo vantajoso para o apro-
veitamento do assucar qne o moinho deixa perdido no bagaço,
senão condemna va todo o moinho, qualquer que elle fôsse, co-
mo nm pessimo apparelho industri:11, porque deixava no baga•
ço uma grande quantidade de assucar qnc Oca\'a perdido.
Está aqui um Tractado das mácltinas para o fabrico do
ass11car, comprehendendo os processos pam extrahir e refinar
o assucar da canna, pelo engenheiro N. P. Burgh, publicado
cm Londres cm i8ü3 (,1 Treatise of' sugar macliinery inclit-
5.
-36-

ding the process of producing sugar frorn the cane refining


moist and loaf sugar home and colonial).
No capitulo primeiro, fa!lando dos processos coloniaes, diz
que o apparelho usado nas colonias para a extracção da gua-
rapa é o moinho, e que o de tres cylindros é o melhor (the three
rolled sugar-rnill having been prot ed to be the best).
Não se refere ao assucar que fica no bagaço, nem a no•
nhum processo para o seu aproveitamento. ·
Em !865 N. Basset publicou a 2.ª parle do seu Guia
práctico do fabricante de aisucar, na qual estuda a questão da
grande quantidade de assucar que o moinho deixa no bagaço
da canna; e, combatendo os argumentos dos ·que diziam que,
ainda quando se podesse cxlrabir esse assucar, se não devia tal
fazer, porque isso tiraria ao bagaço uma parle do seu valor
como combustivel, sustenta que haveria grande conveniencia
para o fabricante cm proc □ l'ar um processo mais vantajoso pa-
ra a extracção da guarapa, o qual, lhe parecia, devia ter por
base a maceração; mas que, se, por falta de material, ou de
meios d'acção, se não podesse evitar que ficasse no bagaço uma
quantidade de assacar importante, haveria sempre meio de a
aproveitar, fazendo-a fermentar no mesmo bagaço, e obtendo•
a debaixo da fórma de aguardente (tafia). .
Foi ésla opinião de Ilasset que, quando cm f 870, me
resolvi a adoplar o laminador para a fábrica de S. João, me fez
propor, á falta de melhor meio, o processo de Hugoulin, de que
já dei conhecimento a V. Ex.ª .
Mas, snr. redactor, vejo ainda deanto de mim várias obras
a que desejo referir-me: e não o poderia fazer hoje sem can•
i:iar a alleoção de V. Ex.ª Ámanbã continuarei.
De V. Ex.ª
muito aU.º venerador obr.dº
Funchal, 20 <lo março de 1883.
Visconde do Cannavial.
Ex. mo Sm. Redaclor (• ).

Acabo de pe!'correr um livro que tem pol' tilulo-A his-


toria elo ossucar e das plantas que produzem assucar, comprr-
hendendo um resumo de todos os processos notaveis de extrac-
ção e manufact ura do as sue ar de sele os tempos mais remotos
até o presente (The h1story ·of sugar and sugar yielding plrmts,
together wit!t ar. epitome of every notable proces$ of sugar
extration, and manufacture, from the earliest timr.s to the pre-
sent), por William Reed, publicado em Londres em i8G6.
Diz este livro que o moinho de espremer cannas, cm uma
ou outra das muitas variedades, é o meio usado por toda a par-
te para extrahir a guarapa; mas que esle systema llá um grande
perjuizo porque não exlrahe, provavelmente, mais do 50''/ do 0,

90'/ de sumo que tem a canna. (The waste dependent of this


0

cause is very great: probably nbt more than fi!ty per cent. of
juice is extracted out of the ninety zJer cent. which has been
known to exist in the cane).
Não diz, porém, que em parlo nenhuma se aproveite, po1·
qualquer modo, o assucat· quo o moinho deixa no bagaço.
Abrindo o 2.º volumo da 3.ª adicção da Encyclopedia te-
chnologica ou Diccionario das Artes a mmmfacturas, por Ch.
Laboulaye, publicado flffi Paris em 1867, nelle vejo lambem,
num longo artigo sóbre a industria do assucar da canna, cita-
do o moinho como unico meio usado para a extracção da gua-
rapa; podendo ésta, segundo cxperieocias feitas cm 44 moi-
nhos, ser de 52,2 a (H,8 sôbre 100 de canoas.
E ésta obra tambem não falla em meio nenhum conheci-
do de aproYeilamenlo do assncar do bagaço.
Aqui está o-Novo manual completo do fabricante de as-
sucm· e do refinador, da Encyclopcdia Rorot, publicado cm 18fi8.
Falia cxtcnsamcnlo dos di\·crsos moinhos uo espremer
canoas, desde o de Gonzales de Velosa alb o de C~il e e.a
do
lros cylindrns do i metro de diamelt·o e 2, 10 melros de com-

(.) Carta dirigida. ao Dumo PoruLA.n, o publicada em 31 tlo março


de 1883.
-38-

primento; poJcndo produzir até 4-00.000 litros de guarapa


por dia e oxi~indo uma fôrça de 90 cavallos.
Dá, pelas proprias palavras de Payen, noticia do moinho
de cinco rolos mandado conslru11· por Nill □ s e por Derosne o
Cail, segundo as indicações dadas pelo mesmo Payen no seu
curso, cm 184-1; recebendo a canna mais doas pressões do
que no moinho do 1.res cylindros, e sendo amollecida por in-
jecçõcs do \'apor misturado com pinguinhas d'agua (gontteletles
d'eau) antes de chegar ao último par de cylindros. E cita lam-
bem as palavras do mesmo Payen condemnando este moinho e
dizendo que elle devia ser abandonado.
Mas, não só não menciona nenhum processo empregado
ou aconselhado para o aproveitamento do assucar do bagaço;
não só diz qne o bagaço, ao sair do moinho, é levado para ca-
sas proprias onue sécca e se conserva para serl'ir de combusti-
vel; senão ve, no angmcnlo dos moinhos aperfeiçoados, uma
depreciação mal compensada, do valor .do lrngaço como com-
busti vel.
Na primeira correspondencia, snr. rcdaclor, chamarei a
allcnção tio V. Elí.ª para mais algumas obras a que me desejo
referir.
De V. Ex.ª
muito alt.º venerador obr.dº
Funchal, 30 Jo março de i883.
Visconde elo Ccmnavial.

Ex.mº Snr. Hcdar.tor (•).

Não fallarei <lo Trrtctllilo da (abricacão e refinação do


assucar, por L. Walkhoff, de que possuo a e<licção francoza,
==-===
(.) Carla dirigida ao DIAmo PoruLA11, e puLlicada cm 3 de abnl
de 1883.
publfoada ·em Paris em 1870 e 1871; pois que o facto de 1150
mencionar ésla obra nenhum processo para o aproveitamento
do-assacar ào bagaço, não prova que o seu aucto1· não podes-
se conhecer algum processo vantajoso para esse fim, porqL1an-
to occupando-se exclusivamente do assucar da !rnterraba (Trnité
complet de fabrication et rafinage dit .sucre de betteraves) na~
da diz com relação á extrncção do r1ssucar da canna.
Não está no mesmo caso. o-Tractado completo, theorico
e práctico de fabricação do assucar-Guia do fabricante (Trai-
té complet Lhéorique . et pratique de la fabricalion du sucre-
Goide du fabricant) por Charles Stammer; pois que, se bem que
elle tracta especialmente do assucar da b.eterraba, occnpa-se,
com tudo, da canna de assucar num supplemenlo relatirn aos
annos de t870 e 1.87i.
Fallando da extracção da guarapa, descreve, com as pa-
lavra$ de Paycn, os aperíciçoamentos do moinho de trcs cylin-
dros, augmentando o rendimento de 49 a 70 ou 72°fo, mas di•
rninuindo o valor do bagaço como combustivel. Mencionn Iam•
bem o moinho de cinco cylindros construido por Nillos e por
Derosne e Cai!, e cuja acção deveria ser auxiliada por injcc-
ções de vapor e de pinguinhas de agua (goullelcttes d'can) só•
bre as cannas, antes de ehegarern ao üllimo par ele cyhndros;
moinho ao qual, todavia, a industria colonial deveria rouunciar.
Depois accrescenta :
«Se é vantajoso para o fabricante colonial extrahir da car.na a
quasi totalidade do sumo que ella tem, não so deve, comtuclu, levar
a extracção ató o último limite; porque as cannas esprcmiuas (ou o
bagaco), unico comlrnstivcl de que se dispõe na maior parte das
colonias, seriam por vez os insufficicntos debaixo d' este ponto elo vis-
ta, se não contivessem uma certa quantidade de assacar. E' nocos--
sario, além d'isso, evitar de partir muito as cannas na pressão, por-
que seria depois diITTcil carregar as fornalhas com fragmentos mui-
to miudos.1>
De modo que, cm 1.87 f, Stammer não só não conhecia,
porque não mencionou, nenhum prucesso vantajoso para o a-
proveitamento do assucar que o moinho deixa no bagaço Lia
c_anna, senão era de opinião que esse assucar não devia ser rc-
tirado do bagaço para lhe não diminuir o valor como com-
busti vcl.
-4-0-
Mas \'ejamos o que, a este respeito, diz um dos homens
mais illustrados de Portugal, um sabio disliucto, o snr. conse-
lheiro João lgnacio Ferreira Lapa, na 3.ª parte da sua-Teclmo•
lagía rural ou Artes chimicas agricolas e fiorestaes,-obra de
subido merecimento, puLlicacla em Lisboa em f 871.
O snr. Lapa, tractando neste livro dos novos aperfeiçoa-
mentos na extracção do assucar Je canna, diz, fallando do no-
vo syslema d~ moagem da canna:
«O bagaço fracameryte espremido ficava com 75 a 80 dos 160
a mo de assucar contido cm 1000 kilograrnmas ele canna, isto é,
ficava por exlrahir mais de metade elo assucar. Era preciso au-
gmentar a fôrça ele pressão dos moinhos, e dm· á camza o amolleci-
rnento couveniente para se deixar esmagar e espalmar bem entre
os cyl indros.
«O novo modelo de moinho, fig. 4-, qne realisa estas dnas van-
tagens, é composto de tres cylindros armaJos em posição horisonlal
A, que lhes dá maior fôrça de rcsistencia: são ocos, e mellidos
uentro ele uma caixa onde circula o vapor. A canoa soffre, pois, duas
espremedoras e durante este tempo é amollecida velo 1:apor. Em
vez de trcs cylindros podem ser cinco, e neste caso a canna soffro
quatro espremeduras, sendo além cl'isso amaciada por mais tempo
pelo vapor.
o.O fabricante de assucar que não tem outro comlJustiYel, a-
lém do bagaço tia propria canoa, lucla com a grave alternalirn de,
ou não podêr concentrar todo o xarope, se espremer bem a canoa
ou de lhe ficar metade do assucar . por ex Lrahir, se quizer ter com-
bustivel sufficiente para as opcra~ões ultcriores da extracção. Com
cffeilo, nas espremoeluras aperfeiçoadas o fabricante tem 0,4 de
guarapa a mais para e\'aporar; e 0,3 do combustivcl a menos
para o fazer.>,
Parece-me que o foclo do n5o fallar o snr. Lapa da oxis-
tencia do nenhum processo Vl'.lntajoso para o aproveilamenlo do
assucar do bngaco da canoa, e dizer que o maior ron<limonto
que a canna Já nos moinhos novos, sendo mais fortemente cs•
premiJa e amaciada pelo ,·apor, tem contra si ficar o bagaço
com menor fôrça calorifica,-prova bem que nem era do dumi•
nio público, nem estava descripto nos auctoros, nenhum pro-
cesso vantajoso para lal aproveitamento.
Tenho ainda aqui uma obra moderna, snr. rcdactor, que
merece ser cousulla~a. Tem por titulo-As maravilhas da in•
-4-t-

dustria, ou desc1'ipçào das ptincipaes industrias modernas (Los


merveilles de !'industrie ou discription des principales indus-
tries m9dernes ). E' seu auctor Louis Figuier, auctor das Ma-
ravilhas da sciencia, do Annuario scientifico e industrial, e do
muitas outrns obras importantes que leem dado tanta celebri-
dade ao sabio illustre que as tem prnduzido.
A industria do assucar é o que abre o 2.º \'Olume; e es-
tá tractada com bastante desenvolvimento.
Depois de ter fallado dos moinhos de lres cylindros
mais aperfeiçoados construidos por Cail & C.ª, Louis Fi-
gui-er diz:
,A canna, depois de tel' sido espremida pelos tres cylindros.
sae numa massa esmagada; a que se dá o nome de bagaço. Ao sair
dos cylindros do moinho o bagaço é levado por meio de urna ca-
deia sem fim sirnilhanle á que serve para trazer as cannas para o
moinho. ·
«Serve para alimentação dos animaes, ou para preparar o
rhum, em virtude da pequena quantidade d~ sumo assucarado que
retem.•
E, mais abaixo, accrescenta:
«Dos 18 a 20 por 100 de assucar que a canna encerra, a
sucraria colonial extrahe somente 7 a 8 por 100. Ésta perda é oc-
casionada pela impossibilidade de extrnhir por espremedura todo
o sumo do bagaço, e pela imperfeição dos processos de defecação
e escumagem, em fim pela formação de melaço, ou assnear na
crystallisação.
«No bagaço ficam 6 por 100 de assucar; pela defecação e
escumagem, perdem-se 2; ficam no melaço 3; não se obteem, pois,
senão 7 no estado do a~sucar bruto.»
Éstas palavras demonstram claramente, snr. !'edact.or, que
Louis Figuiet· tambem não conhecia cm 18 71, quando 1oi
publicada aquella obra, nenhum mei-0 vantajoso para o apro-
veitamento do assucar que o laminador deixa no bagaço da
canna; pois que o dá por perdido.
Tendo \'citado ao ponto de partida, isto é, á data da as-
sembleia geral da Companhia Fabril do Assncat· Madeirense de
22 de julho de !87 t, parece-mo, snr. redactor, que deixo bem
demonstrado que, nessa data, não era executado nem conbocido,
quer na Madeira, quer fórn, nenhum processo vantajoso par~
6
aproveitamento do ~ssucar do bagaço, senão o de que eu já
tinha privilegio.
De V. Ex.ª
muito att.º venerador obr.dº
Funchal, 30 de março de 1883.
Visconde do Cannavial.

Ex.mº Snr. Redactor (•).

Tenho demonstrarlo ex.huheranlemente que em i87i não


era, por modo algum, conhecido do público, nem na Madeira,
nem fóra da Madeira, nenhum processo industrialmente vanla•
joso para o aproveitamento <lo assucar que o laminador deixa
no bagaço da canoa, além do invento de que já então eu tinha
privilegio, e que puz cm práclica na antiga l'áh1 ica de S. João,
d'esta cidade, no anno de i872, primniro anno cm qne a mes•
ma fábrica laborou, e cêrca do dczcseis mczes depois do dia
em que o meu privilegio fôrâ assignado.
Se bem que houvesse muito mais de um anno quo a Com•
panhia Fabril de Assucar Madeirense tinlia, por proposta mi-
nha, resolvido ensaiar, comparativamente com o meu processo,
qualquer outro que podcssc parecer vantajoso, nflm de sei- ado-
piado o processo quo désso melhor resultado, n<'nl,nm de tan-
tos interessados, nem mesmo tlos que tinliam manifl'slado tan-
ta vontade de me fazei' opposição, indictna dirccla, ou indire•
elamente, até o momento cm qno a fábrica começou a laborar,
outro processo a ensaiar: o que Lern demonstra que não era

( ..) Carta <lirigiua ao · D1Amo PoPm,An, e puLlica<ln em ~ d" abril


ele t.883.
-43-

ainda então conhecido na Madeira nenhum prnccsrn Yanlajoso


e de facil execução para o aproveitamento do assucar do ba-
gaço. O meu processo foi, pois, o unico poslo em execução.
Se V. Ex.ª considerar, snr. redaclor, que fôra por cansa
da fábrica de S. João, e para a fábrica de S. João que eu de-
sejava pôr nas melhores conJiçõcs induslriaes passiveis, que
o meu processo privi!ogiado tiuha sido por mim procurado,
ha de V. Ex.ª comprehcnder qne eu traclasse de o apropriar
ás condições especiaes da mesma fúbrica.
E' islo o que, desde logo, bom revelou a primeira notí-
cia que de França dei á companhia do meu achado, na qual
dizia, como V. Ex.a, de certo, se recordará,_:..que julgava ter
achado um meio de facil execução, pelo qual se aproveitaria
para assucar o assacar do bagaço, e qur. estava convencido de
que elle daria exccllente resullado, e facilitaria o fabrico, isto
é, a defecação.
Ha de V. Ex.ª lambem recordar-se de que, na minha car-
ta escripta de S. Quintino, em 9 de agosto de 1870, eu dizia
que, para a defecação e clarificação da guarapa, teria a fábri-
ca de S. João a carbnnatação dobrada, operação muitissimo
vanlajosa, pela qual sería augmcnlado o rendimento do assu-
car e diminuida a dcspeza do carvão animal, e para a qual
haveria um / orno de acido carbomço e cal.
A facilidade que traria á defecação da guarapa o proces-
so por mim imaginado foi objccto de reparo para quem me não
podia comprehender. Vou explicar o enigma.
Sabendo que o emprêgo do acido carbonico para saturar
a cal na clarificação Linha sido um melhoramento de g1·andis ·
simo alcance na fabricação do assacar de beterraba, ou, quan-
do estudava os processos que mais conviria adoplar na fábri•
ca do S. João, afim de a montar com os apparclbos apropria-
dos, lractci de investigar porque ora que tal melhoramento não
eslava ainda adoplado nas fabricas de assucar de cauna, sen-
do certo que a guarapa, tendo menor quantidade de malerias
mineraes e organicas estranhas ao assacar do que a beterraba,
parecia dever prestar-se melhor ao cmprêgo de tal meio.
Subo quo os primeiros ensaios feitos não tinham dado tão
bons resultados como so esperavam; mas qu<', depoi~, so re-
conhecêra que isso era devido á maior densidade da guara-
6.
-H-
pa; porquanto outros ensaios feitos com guarapa· tornaô~ me•
nos deusa por meio da agua 1 tinbarn dado resultados salis-
fa torios.
Enten_di, pois, que convinha que a fábrica de S. João fós-
se montada com apparelbos apropriados ao emprêgo do acido
carbonico na clarificaçã~ da guarapa; sem, todavia, deixarem
de ser tambr.m proprios para os processos ordinarios de de-
fecacão.
· E a p1·ova de que não entendi mal é que, numa obra pu•
blicada cinco annos depois, N. B~sc;et dizia que-o emprêgo
do acido carbonico para e!iminação da cal na fabricação do
assucar da canna era o unico aperfeiçoamento incontestavel ul-
timamente introduzido nesta fabricação, e que se não compre-
hendia que ainda houvesse fabricantes que não 111npregassem a
saturnção.
Tendo, pois, mµito em ,·ista, desde o princípio, no meu
primeirn processo, realisar o aproveitamento do assuca1· doba-
gaço nas condições mais favoraveis á íábrica de S. João, pen-
sei logo cm diluir a guarapa que tinha de ser tractada pelo
acido carbonico com a agua que livesse já em dissolução a-
quelle 11ssucar, facilitando assim a defecação, e obtendo o mes•
mo assucar debaix.o da fórma de assucar crystallisado, o que
era muito mais vantajoso do que ret.Juzil-o a aguardente.
Foi por isso que tractei de pôr as cellulas intactas do ba-
gaço nas condições mais favoraveis a uma rapida extracção do
· assacar pela osmose, realisando no liquido macerador um con•
stanle movimento circulalorio por meio de uma poderosa bom-
ba de disposição especial por mim inventada para esse fim, e
que, com dois poços, constitue o apparelho necessario para a
execução do meu primeiro processo, podendo lambem, corno
fiz notar a V. Ex.n, servir para o segundo, sem ser indis-
pensavel.
A convcniencia que havia em que o li~nirlo macerador so
não demorasse muito cm contacto com o bagaço, era porquo,
se essa demora fôsse além 'de um cerlo tempo, descnvoll'er-so-
hia a fermentação, e já não poderia esse liquiJo misturar-se
com a guarapa destinada á fabricação do assucar.
Peço a V. Ex.a, snr. rcdaclor, que se digno de tomar no-
ta dos esclarecimentos que nesta carta ficam consignados, o
-4-5-

que são neccssarios para a intelligencia do que na minha pro•


xima corrcspondcncia me proponho a dizer.
De V. Ex.:•
muito alL.° venerador obr.d~
Funchal, 3 de abril de 1883.
Visconde do Cannavietl.

Ex. 010
Snr. Rcdaclor (-).

Quem passa pela margem da ribeira de S. João ve, ao


lado oeste da chaminé da fábrica constrnida pela Companhia
Fabril de Assucar ~ladeirense, os muros nus do uma casa
sem tecto.
Era no centro d'esla casa que se projcclava const11uir o
forno de acido carbonico e cal para a clarificação da guarnpa
pela carbonatação; forno que nunca se chegou a construir.
No muro da chaminé qne dá para o interior da mesma
casa, nota-se uma grande j:rnella tapada por uma chapa de ferro.
E' porque aqne\lc lugar era destinado para uma estufo,
que devia ser aquecida pelo calor do forno uc cal e aci<lo cal'•
bonicq, e pelo fumo da chaminé.
E:;ta estufa projectada era cspccialrncnte destinada a scc•
car o bagaço que fósse tractado pelo meu primeiro processo,
para não ir molbado para as fornallrns.
Já V. Ex.ª ve, snr. rcdaclor, que, cm 1872, não se tcnJo
podido concluir a installação necm,saria para ser posta cm oxc•
cução a carboiiatação clobradri; não haYcndo guarapa que fu~sc
necessario diluir, nem estufa que secca~se o bagaço, o men
=====
( •) C:lrta dirigida ao DIAmo Porur.,.\n, o pu.hlic,1da em 5 elo abril
de !883.
-46-

processo privilegiado foi posto cm execução em condições cliffo.


rentes u'aqucllas para que fóra crendo.
O apparclho funccionou com bom resultaJo; obtendo do
bagaço, em duas horas de maceração, uma grande quantidade
de liquido marcanJo 3º, e 3°,5 ao areomelro de Baumé.
E, se bem que não convinha, sem a carbonatação, mis-
turar a. ngna do bagaço com guarapa, porque sería angmcntnr,
sem vantagens suft1cientementc compensadoras, o liqt1ido a cla-
rificar, a filtrar, e a C\'aporar, podia, todavia, facilmente apro-
veitar-se em aguardente o a1:,s11car do bngnço,-ou tractando
bagaço novo com o liquido que já tinha 3° ou 3º,5 Baumé (não
havendo neste caso ~rande mal cm qne a fermentação se co-
meçasse a desenvolrcr), ou misturando com esse liquido alg11m
melaço, para o pôr em . 5° Baumó, .,fim de obter uma boa fer-
mentação e uma r:listillação mais va11lajosa .
Mas apresentou--sc u,il grande incon\'enienle que ob.stou
a que se seguisse qualquer J'estes caminlios.
O bagaço que saía da maceração ensopado em agua, não
podia ser queimado sem ser posto a seccar. Não havendo a es-
tufa propria, foi eslendiJo sóbre o teclo da fábrica. A evapo-
ração era demorada, e a falia d'a~uelle combnslivel nas forna-
]has augmentarn consideravelmente a desprza do canão. Além
d'isso, uma grande chuva que nrssa occasião caiu sôbre o ba-
gaço que estara a seccar, augmenlou consideravelmente o pêzo
que este fazia sôbro o teclo, qlle deu logo manifestos signaes
de que o não podia supportar; e não ha,·ia no estabelecimento
outro Jogar onde o bagaço ·podesse 1:,er posto a seccar.
Foi, pois, nocessario inlerromper o aproYeitnmento do as-
sucar do bugnço nestas condições.
Apezar de serem Ião drsfavoraveis as circumstancias cm
que, pela primeira vez, tinha sido posto industrialmente cm exe-
cução o meu proeesso, os resultados obtidos provaram que olle
satisfazia bem o fim pnra que era destinado.
A laboração de i872, com quanto fôssc para a fábrica de
S. João apenas uma laboração do ensaio, e demonstrasse bera
a excellencia dos apparelhos com que eslava montaJa ésla fá-
brica, trouxe, comludo, á Companhia Fabril de Assuca1· ~1adci-
rense, por diversas razões que não ó necessario referi!' aqui, dif•
ficuldades com quo muito lhe custou então a luctar.
-47-

Em conséquencia crisso o plano da fábrica não pôde es•


tar ainda completo na laboração do 1873; não havia ainda for.
no de cal e acido carbonico; não havia ainda estufa para sec-
car o bagaço.
Mas a companhia tinha adquirido, nas proximidades da
fábrica, um terreno onde se podia pôr o bagaço a seccar:- eu
puz de novo o meu processo em execução.
Tive, porém, ainda assim, de o interromper; porque, não
tendo o terreno sufficienle superficie, o bagaço ficava em cam~-
das muito espessas que não permittiam que seccasse com a nc•
cessaria rapidez; sendo, além d'isso, certo que, neste caso, o
transporte do bagnço daYa um excesso de despeza, e os que me fa.
ziam opposição não deixavam de o fazer sentir, com tanto maior
effei!o nos interessados, quanlo maior era ainda a incredulidade
de que, no bagaço da canna bem espremida pelo moinho, ficas-
se quantidade de assucar que Yalesse o trabalho de o extrahir.
Obtive, todavia, como no anno anterior, liquidas com den•
sidade sufficionlc para pot.lêrem ser vantajosamenle ulilisados
para aguardente ou para rrssucar; e até conservei, por meio de
cal, durante semanas, sem fermcnlar, mrnl grande quanlid_ade
d'esses liq uidos de que depois se fez assucar.
Tenrlo-se tornado cada vez mais complicadas as circum-
slancias Ja companhia, o forno de acido carbonico e cal e a
estufa não poderam estar ainda feitos para a laboração de
1874; e cn, em visla d'essas circumstancias, não onsava, se
bem que estivesse convencido das grandes vantagens da carbo-
natação, impô1• sacrificios a uma cmprnza que luctava com dif-
ficulda(lcs, para pôr em execução um processo, que, não c~-
tando ainda senão cm ensaio nas fábricas de assucar do eanna,
podia, se não fôsse desJo o prindpio coroado com um resul-
tado feliz, a~gravar essas àifficuldades.
Se, pois, não empreguei, cm 1874, o meu processo privi-
logiado, não foi porque não quizesso aproveitar-mo cfclle; não
foi porque o consiuorassc mau o o abandonasse; foi porque não
est:Ham realisadas as condições cm ,·isla das quaes elle tinha
sido imaginado. E ainda hoje estou convencido de que, dadas
laes condições, esso processo é o mais ,,antajoso.
Mas, snr. redaclor, qnando, em f874. não sendo empro•
ga~o o referido meu processo na fálJrirn do S. João, não foi,
-48-

nesse anno, de nenhum modo, 3provei1ado nesta fábrica o assu-


car que o bminador deixa no bagaço, não é e\·idente que, se
fôsse então conhecido do público na Madeira outro qualquer
processo rnntajuso para esse apro"eitamento, não deixaria al-
gum dos accionistas da Companhia Fabril de Assucar Madei-
rense de o indicar para que fôsse posto em execurão na mesma
fábrica?
Ninguem se ar,rescntou, todavia, a fazei· uma indicação
qualquer nesse sentido.
Digne•se V. Ex.ª do tomar nota de mais ésta c1rcum-
stancia.
De V. Ex.:1
mt.º att.º venerador obr.dº
Funchal, 4 de abril <le 1883.

Visconde da Cannavial;

Ex.mo Snr. Rcdactor (•).

~brica de S. João foi montada com um moinho só de


espremer cannas; mas um moinho que, cm trabalho contínuo
durante 24- horas, prodnz mais guarapa <lo que os outros ap-
parelhos da dieta fábrica podem, no mesmo tempo, reduzir a
assucar.
De modo que, por mais activo e regular que seja o traLa-
lho d'esta fábrica na sua laboração <le aRsucar, não póde o moi-
nho deixar de interromper a mo:igom das cannas.
Nas laborações de 1872, {873 e 1874-, logo que os cla-
rificadores estavam cheios, o moinho parava até que um ela-
======
(.) Carta dirigida ao DIAnro PoPULAR 1 o publicnda cm 6 ele abril
de i883.
rificador Géasse vasio, para então tornar a moer; e assim nun-
ca estava muito tempo andando, nem muito tempo parado.
Porém, na laboração de i874, não tendo empregado o
meu primeiro processo pelas razões que já expendi, tractei de
estudar o meio de pór vanlnjosamente em práctíca o segundo
processo que cu tinha imaginado.
Verifiquei que o moinho, depois de ter trabalhado l 2
horas seguidas, podia eslar 8 horas parado, sem que a labora•
ção fósse interrompida.
Calculei que, nas 8 horas, o moinho devia podêr espre-
mer, senão todo o bagaço da canna espremida nas 12 horns,
pelo menos a maior parte.
Depois, uma i:ioite, puz de lado uma pequena quantidade
<ln bagaço e orvalhei-o com um nguador, de modo que ficasse
.todo molhado. Passadas lres horas, quando o moinho, depois
de ter parado, ia recomeçar a andar, mandei passar, antes das
cannas, o bagaço qne estava impregnado . d'agua; e verifiquei
que clle não ficava dividido de modo que não podesse servir de
combustivel, e que o liquido espremido do bagaço marcava
4º,5 ao areometrn de Baumó.
Não pude então calcular, nem que quantidade de liquido
a 4'°,5 Baumé daria uma certa quantidade de bagaço, nem que
despeza faria a moagem d'estc bagaço.
Nem, por isso, deixei de ficar mais firme na ideia de que
o mcn segundo processo devia dar bom resultado industrial.
Estando con\'encido do que o emprôgo da carbonatação
dn'úracla traria á fábrica de S. João grandes ,•antagens; e não
tendo perdido ainda a esperança de que, no anno de 1875 clla
podcsse ser posta cm execução; fiz alguns estudos para o em-
prêgo do meu segundo processo, de modo que passassem, quan-
to possi,·el, dcsappcrcebidos; porque, no caso cm que elle se não
pozessc em práclica, não queria que outros se apropriassem do
meu trabalho.
l\Jas, achando-se a fábrica de S. João, quando começou a
laboração ue 1875, nas .mesmas condições em que csla\'a na
laboração do anno anterior, eu fiz então o primeiro ensaio in-
dustrial <lo referido processo.
E esse ensaio foi coroado de Ião feliz rosnllado, quo im-
medintamonte pedi privilegio d'ello, por meio de uma addição
7
-50-

ªº meu primeiro privilegio, enviando parã o minislerio das


obras públicas a seguinte descripção, que foi aulbenticada pela
direccão geral do commercio e industria em t 6 de junho de
!875:
«Addicção ao invento para o aproveitamento vantajoso e appli-
cavel em grande escala do assucar que fica no bagaço ela canna de
assucar que sae do moinho de espremer caonas; invento de que
tem privilegio por quinze annos o Dr. João da Camara Leme Ho-
mem de Vasconcellos, por alvará regio de dez de dezembro de mil
oitocentos e septenta.
I[ Por alvará regio de mil oitocentos e septenla foi concedido
ao Dr. João da Gamara Leme Homem de Vasconcellos, doutor em
medicina, subdito portuguez, com domicilio na cidade do Funchal,
privilegio por quinze annos como inventor de um apparelho desti-
nado a extrahir o assucar que fica no bagaço da canoa doce depois
de espremida pelo moinho, ou laminador, geralmente empregado
para esse fim, bem como da applicação dos princípios sôbre que o
mesmo apparelho se baseia á extracção do assucar que contenha
qualquer substancia susceptivel de se deixar penetrar pela agua .
«A primeira operação, no sy:;tema do Dr. Camara, consista
em pôr o bagaço em contacto com agua, por modo que ésta hu-
medeça bem o bagaço e penetre no interior das cellulas que ainda
o moinho tenha deixado intactas. A agua pó<le ser quente, se o
producto é destinado para aguardente; deve ter a temperatura nor-
mal, se se quer fabricar assacar.
•Depois de ter a agua penetrado no bagaço e dissolvido o
assucar que este ainda continha, segue-se extrahil-a economicamen-
te e com sufficiento densidade para ser vantajosamente utilisada pa..
ra aguardente ou para assucar, sem se perder o bagaço como com-
bustivel.
Q Dois processos pareceram ao Dr. Camara appEcaveis com
bom resuHado:
d. 0 -Estabelecer uma circulação constante d'agoa no baga-
ço até ésta a1lquirir uma densidade sufficiente; sendo o bagaço, de-
pois de bem lavado, posto a seccar para servir de combusti\'el;
« 2. º-Pôr o bagaco em contacto com uma quantidade do agua
APENAS SUFFICIENTE para o humedecer e penetrar até o interior das
cellulas ainda intactas, passando-o depois M laminador ou espre ...
roendo-o numa prensa qualquer de fôrça sufficier.to,
«O receio do quo o bagaço, passando por um moinho de gran-
de fôrça, ficasse tão dividido que não potlesse ser ntilisado como
-51-

combustivel; a interrapção que poderia causar na laboração o tem-


po empregado nesta operação; ou o augmento de custo de inslal-
Jação que traria a acquição de apparelhos especiaes para espremer
o bagaço;-fizcram com que o Dr. Camara considerasse a priori
mais vantajoso o primeiro processo; e foi este o que elle poz em
práctica em mil oitocentos e seplenta e dois e mil oitocentos e sep-
tenta e tres.
«Obteve assim uma quantidade ele liquido relativamente gran-
de com a densidade de 3º a 3°,5 do areometro de Baumé; o que
já permillia o seu vantajoso aproveitamento. Como, porém, não ha-
via, no estabelecimento onde o Dr. Camara operava accommodações
sufficientes para fazer seccar o bagaço, e este não podia, molhado
como se achava, ser\'ir de cc,mbusti vel, o que trazia notavel au-
gmenlo de despeza, não pôde elle empregar este processo em gran-
de escala; e desde logo pensou em empregar o segundo processo.
«Circumstancias independentes da sua vontade impediram-o
de levar a effeito o seu projecto em mil oitocentos e septenla e qua-
tro; mas acaba de o pôr em práclica com o mais brilhante resul-
tado e \'ae continuar a empregai-o.
c<Quando o poço GU recipiciente do bagaço está cheio é este
passado pelo laminador tlo qual sae, como a experiencia o tem de-
monstrado, em muito bom estado para ser utilisado como com-
busti vel.
«O moinho da fábrica da Companhia Fabril de assacar ma-
deirense, onde o Dr. Camara está actualmente pondo em práctica o
seu systema em grande escala, é um dos moinhos de mais forte
pressão empregados nas fábricas de assucar; teem os cylindros oi•
tenta e seis centimetros de diametro e espremem a septenta por
cento. O bagaço sao sequissimo; parece que cl'elle se não póda
oxtrahir mais nada. Pois o Dr. Camara tira ainda d'este bagaço,
pelo seu processo, vinte por cento do assucar contido no primeiro
sueco extrahido da canna pelo laminador.
«O bagaço de 57:800 kit. de canna, que produzem 37:000
litros de liquido a 10º Baumé, dá 14,.500 litros de líquido a 5°
Baumé, correspondendo a 7:250 litros a to• Baumó, isto é, um
quinto approximadamenle, O moinho espreme em norn horas o ba-
gaço correspondente.
«O liquido do bagaço póde ser utilisado immedíalamente para
aguardente ou para assucar, ou conservado, por meio de cal, para
sar trabalhado mais tarde. Ha j;\ dias que se conserva por este
meio o liquido que se tem obtido do bagaço, para fazer assucar em
separado; e ollo não tom alteração.
«O pessoal empregado no systema do Dr, Camara consiste em
71.
quatro homens em quanto é espremida a çanna, e em quatorze ho-
mens em quanto é espremido o bagaço. Este pessoal será diminui-
do quando o Dr. Camara estabelecer, como projecta, um conduclor
de baga ço para o moinho.
«A clespcza em carvão para fazer trabalhar o moinho nove
hol'as, queimando-se tambem bagaço, é de seis a scpte mil reis.
<< De modo que, para se obler do bagaço, pelo systema do
Dr. Catnara, uma quantidade de liqmtlo que vale duzentos mil reis,
as despezas não vão além ele dez a doze mil reis.
«Sendo este resultado tão vantajoso quando a canoa é espre-
mida em laminador de alta pressão, não é nccessario demonstrar
de quanta vantagem dere ser a extracção do assucar elo bagaço
da canoa nos paizes onde os moinhos só tiram 55, 50, e mesmo
45 por cento do assacar que ésta encerra.
ccO Dr. r,amara espera fazer sentir ésta vel'clacle e conseguir
que so aproveite em breve tambem fóra da Madeira o assucar do
bagaço da canoa, que não lhe consta seja ainda hoje extrabido van-
tajosamente em parte a!guma.
« Funchal 24 de março de 1875.
Dr. Jot,,o da Gamara Leme Homem de Vasconcellos,)}
Foi noste mesmo anno de 1.875, e depois de repetirias, '
muitas vezes, na fábrica de S. João, sempro com bom resul-
tado, as expcricncias con5tantes da precedente descripção, quo
a assemL\eia geral da Companhia Fabril de Assucar Madeiren-
se resolveu, por uncmimzdacle, adoplar o meu prncesso para o
apro\·eitarncnlo do assncar do bagaço, dando-me a terça parte
tlo producto lm1to que por tal meio d'elle obtive~se.
Note-se qoe havia já mais de cinco annos que, por pro-
posta minha, a assembleia geral da mesma companhia tinha
votado, por unanimidade, que se ensaiasse, comparativamente
com o meu processo, qualquer outro qne parecesse vantajoso;
e não só durante os cinco aonos oioguem appareceu a indicar
á administração um processo qualqur.r que podessc ser ensaia-
do, senão lambem, tendo sido feitas publicamente, na fábrica
de S. João, as expcriencias a que ha pouco me referi, e tendo
sido concorridas e notorins essas <'xperiencias, ninguem, toda-
via, então reclamou, para si ou para ontro, a prioridaue do
processo; ninguem rlisse então, por palavra ou pela imprensa,
que tal processo já fôsse conhecido; ninguem então exclamou;
-assim jú cá se fazia!
-53-

Não scrfa essa a occasião propria para reclamar contra o


men privilegio quem para isso tivesse fundamento?
O que muitos então manifestaram, snr. redactor, foi uma
grande admiração por verem que, do bagaço que safa sequís-
simo do moinho, se tirava nma dissolução de assucar marcan-
do 5°, e mesmo 6\ ao ae.reômetro de Baumé 1 e produzindo
uma grande quantidade de aguardente. -
E era isto cousa que parecia Ião extraordinaria, que mui-
tos outros continuaram a ficar convencidos, como ha quem ::1ill•
da boje esteja, de que taes resnltndos se não poderiam obter
senão sendo a canna mal espremida.
Queira V. Ex.ª desculpar-me, snr. reJaclor, se hoje foi
tão longa a minha corrcspondcncia.
De V. Ex.ª
muito alt.° Yencrador obr.dJ
Funchal, 5 de abril uc i883.
Visconde do Ca1111a.vial.

Ex.mº Snr. Redlr.tor (•1.


• I

Em novembro de 18 í 7 o rcllaclor do Diario elo Fu/lc!l(/l


tomou a peito demonstrar que cu nfto era o inventor dos pro-
cessos de qnc tinha privilegio para o :iproveitamento <lo assu-
car do bagaço da canna 1 e qne, cm todo o caso, esses proces-
sos davam um resultado nullo a negativo.
Visinho e amigo íntimo do uono da fibrica da Ponte No•
va, que, além de me não Jc\'cr estar agrnuecido por lhe guer-
rear a eleição Je camarista, já mesmo me não quc1 i.'.l bem por

( •) Carta dirigiu~ ao D1Amo PorL LA 11, o publicada em 10 Je abril


1

de i8t!:J.
---54-

eu ter sido o principal fundador da fábrica de S. João, ninguem


estava em melhor circumstancias do que aquelle redactor para
podêr pr.oduzir, em apoio da saa these, todos os argnmentos ·
e pro,·as que a animosidade e os conhecimentos especiaes do
industrial antigo que o inspirélva podessem descobrir.
Pois ouça V. Ex.ª; é elle quem falla:
o Terá, realmente, o snr. Dr. Camara privilegio para fazer a-
guardente do bagaço da canna de assucar?
• Parece-nos que nã0.
« E' processo geralmente conhecido e já muitas vezes ensaiado
na Madeira, o da lavagem em agua, do bagaço da cann2 logo de-
pois de espremida. Levando-se novamente a espremer nos cylindros,
tira-se um liqnido pouco denso ou gaarapa fraca, que depois de
fermentada se reduz a aguardt>nle.
«Este processo tem sido ensaiado em qaosi todas as fábricas
de assacar da Madeira, e a pl'imeira pessoa que o ensaiou, ha mui-
tos annos, foi o snr. Henrique Wilbraham, na fábrica do snr. Hin-
ton. Não fez, é certo, agaarde11to do liquiLlo resnltante da larngem
clo bagaço; mas fez vinagre durante alguns annos.
«Em 1872, na fabriea de Ferraz Irmãos, fez-se a seguinte
experiencia:
« 20 cestos ( <los ele "indima) cheios ele bagaç_o de canna lava-
do cm 25 ~!mudes de agua, e passado DO\'amente aos cylindros,
produziu 21 almudes de calda ou liquido em 4 graus e meio, que
depois de fermentado e distillado produziu 6 galões de aguardente
em 23 graus.
«Já se \'ê, pois, qne não só é conhecido, mas que até já leem
sido feitas experiencias e ensaios da redncção a aguardento elo liqui-
do resultante da lavagem em agua do bagaço da canna.
«Mas pPrguntar-nos-hão, porque não fazem as outras fábricas
o mesmo que o snr. Dr. Camara está fazendo na fábrica de S.
João, deduzindo ela palha assacar ou aguardente?
«Por uma razão muito simples, responderemos, porque lhes
não faz conta.
«Viram os leitores, no exemplo que acima démos, que o pro-
dueto da lavagem de 20 cestos de bagaço foi de 6 galões de aguar-
dente que valem, termo medio, tres mil reis.
Pois, será cri vel, que se possam fazer to<las essas operações de
lavagem, da passagem nos cylindros, de fermentação, de distillação,
e a despeza de combustível para todo este trabalho com tres mil reis?
{(Não.
«E o perjuizo que soffre o bagaço, perdendo os melhores ele-
mentos combustiveis?
Por isso todas as fábricas abandonaram esse meio ue explo-
ração de aguardente do bagaço, que, além de exigir mais compli-
cada fabricação, grandes e dispendiosos depositos, dava um resul-
tado nullo e negativo.
«Mas o snr. Dr. Camara tira interesses fabulosos d'essa ex-
ploração?
« Está nisso o seu segredo.
«A esse segreco chama o snr. Dr. Camara-seit vrivilegio •
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
«Mostrámos como é lrivialissimo e já ensaiado na Madeira, ba
muitos annos;, o processo de lavar o bagaço da canna, e reduzir a
agua d'essa lavagem a aguardente.
«Demonstrámos até com exemplo prúctico quo era tão dis11en-
clios0 o procesro e exige tanto material, que o prnducto da aguar-
dente que se tira do bagço MAL CHEGA PARA 1:AzER FACE Á DESPEZA
com lodo esse trabalho.
•Nem póde ha\·er SEGREDOS para fazer que o bagaço stcco dé
mais sueco do que a canna 1
'Pelo menos NÃO o CONHECEll AS FÁBRICAS QUE COMPRAM A
CANNA POR ALMUDE,»

Aqui tem V. Ex.a, snr. rcdactor, todas as exporiencias e


todos os argumentos que, em {877, poderam descobrir e reu-
nir os que tinham o maior empenho cm podêr demonslrar que
me não pertence a propriedade do invento, de que cn já tinha,
e ainda hoJe tenho privilegio.
Vou fazer ver a V. Ex.ª o que valem taes allegações.
Mas, para não tornar muito longa ésta corrcspondencia,
por hoje termino aqui.
De V. Ex.•
muito att. º venerador obr. 'º
Funchal, 7 de abril do 1883.
J'isco11dc do Cu111w1 ial.
Ex.'"º Snr. Rcdaclor (•).

Eu \'Oll apreciar as allegações do Diarío do Funchal lran-


srriplas na minha úllima correspondcncia; e espero demonstrar
o nenhum ,·alor que ellas Leem. Mas, antes à'isso, permitia-
me V. Ex.~ que eu lrnnscreva aqui os seguintes excerpws de
escriptos publicados em nuvcmbro de 18 77, no Districto do
Funchal, refutando as asserções infundadas d'aquelle jornal:
e, Quereis provar que o snr. Dr. Camara não fez descoberta
nenhuma, achando um meio industrial, cl0 facit applicação, de fa-
zer rantajosamente aguardente ou assucar do ba,qaço da ca11na; e
apresentaes, como unicos an;umenlos, que u snr. Wilbraltam fizera,
lia annos, vinagre de bagaço, e que os snrs. Ferraz, em -1872
( quando o Go\·erno já tinha concediuo privilegio ao sor. Dr. Ca-
rnara, e este senhor já linha feito ensaios publicas na fabrica de
S. João), fizeram 6 galões de aguardente cm 23 graus (quo graus?)
de 20 cestos de vindima de bag;iço, e qne o prollucto não deu
para a despcza 111
«Não ,·êucs, vindo confessar qoe, antes tio privilegio do sni'.
Dr. Camara, ninguem aqui fizora do bagaço senâa tinagre, indus-
tna qne, ai nela assim, foi abandonada (de certo porque não offore-
cia grandes vanlageus),-qno não fazeis com isso, senão provar que
o snr. Dr. Camara foi realmente o inventor do processo de que
tem privilegio?
«Não \'êdes, dando conhecimento ao público do qne fizestes
um pequeno ensaio de aguardente de bagaço quando jú o snr. Dr.
Carnara linha o seu privilcgio,-que não fazeis se11ão provar que o
sur. Dr. Camara foi rcalllíente o ún-entor do seu processo; por
quanto fica claro que, at6 a/li, nem suspeitavcis qne do Lagaço so
podcssc tirai· aguardente com vantflgem.
«Não vêLlcs, Yinclo declarar ao público que, ainda hoje, estaes
convencidos de que o prodnclo que se póde retirar do bagaço, cm
assacar ou aguanlcnlo, não cvmpensa as despezas da laboração,
-que não fazeis, com isso, senão pro\'ar qne o snr. lJr. Camara
foi realmente o inventor do processo de que tem privilegio, e por
=====
(.) Carta dirigida ao D1Anro PoruLAn, t' publicaua em U de abril
de i883.
-
-57-
meio do qual retira do bagaço que sae do moinho sequÚsimo, des- _
contadas todas as despezas de laboração, um grande lucro?,
••••••••• ti ••••••••••••••••••••••••••••••••••••

11Sabei que, apezar de todos os esforços que tem empregado


a industria, nínguem, antes do snr. Dr. João da Camara Leme Ho-
mem de Vasconcellos, consegniu aprove1t.11r vantajosamente o assu-
car que todos os homens competentes sabem que fica, e não póde
deixar de ficar, no _bagaço da canna, depois de pas~ada pelos cylin-
dros oa laminadores, por mais forte que seja a pressão.
«Sabei, que, ain<la hoje, em parte nenhuma do mando é apro-
veitado com vantagem o assucar cio bagaço da canoa.
«O snr. Dr. Camara, depois de muitos annos de estudos s6bre
a cultura da canna e o fabrico do assncar, tendo-se convencido qua
nenhum dos meios propostos para utilisar o assacar do bagaço po-
dia offerecer vantagens prácticas á indu stria, descobria, pela appli-
cação da sua intelligencia e conhecimentos ao estudo que tinha do
assumpto, um processo de facil execução que lhe pareceu dever
dar bom resultado; fez experiencias e essas foram animadoras. Con-
venceu-se de que tinha feito ama grande descoberta I resoh·ido um
grande problema I e requereu ao Governo de Sua Magestade pa-
tente por 15 annos do sêu iu vento.
«A patente foi concedida; e o direito do inventor á sua pro-
priedade ficou garantido perante a lei.»
..............................................
« Quando a fábrica de S. João trabalha as portas leem estado
sempre abertas e todas as partes do eslabelecimeuto accessiveis ao
publico I todos que la teem entrado teem P.odido verificai' que o
bagaço sae do moinho sequissimo. ·
«O bagaço, depois do emprêgo do processo do snr. Dr. Ca-
mara, continúa a servir de combustível, como antes do emprêgo
d'este processo, apenas com insignificante cliiTerença.»
São longos, snr. redactor, os artigos que o Districto do
Fmichal então publicou sôbre o assamplo, apresentando argu-
mentos que não foram combalidos; mas não me parece neces-
sario traoscrevsr aqui mais nada d'elles sôbre este ponto.
De V. Ex.ª
muit-o att. º venerador obr. do
, Funchal, iO de abril do 1883.
Visconde do Cmmavial.
8
_Fara se podêr bem apreciar o valor, com relação ao meu :
privilegio, das lavagens de bagaço feitas pelos snrs. Wilbranam
e Ferraz Irmãos, é necessario conhecer as seguintes disposi-
ções do art.º 632. 0 do Codigo civil portuguez:
«São nullos os privilegio~ con~edidos nos casos .seguinte~:
d.º Se os inventos ou descobrimentos fot'em conhecidos do
pubUco, práctica ou theoricamente, por alguma descripção teclmica,
cliuilgada em escriptos nacionaes ou estrangeiros, ou por qualquer
outro modo;
1 (( 2/ Havendo carta anteriormente concedida sôbre o mesmo ·

projecto; etc.»
. .
Convindo ter egualmente bem presente a disposição do
art.º 635.º do mesmo codigo, que diz que «a acção de nullida-
de, no caso do n. º 2 do arl. º 63 ~- º prescreve pelo la..pso de um
anno sem-opposição dos interessaclos ».
E', pois evidente que, ainda quando o mãa invento privi-
legiado não fósse senão a mesma lavagem de bagaço anterior-
mente executada pelo snr. Wi1brabam, isso-não podia fazer-
me perder a propriedade <lo meu invento, senão quando se tra-
ctasse de um procesw industl'ial ja conhecido do público, ja,
por qualquer modo, divulgado.
Disse o Diario do Funchal que o snr. Wilbraham não
fizera da agua da lavagem do bagaço senão vinagre;-eu que-
l'O admitir qne fizesse lambem aguardente.
Disse o mesmo jornal que essa lgivagem tinh'l sido feita
havia ja. muitos annos, sem precisar o anno;-eu quero admit•
tir que fôsse anterior á data do meu privilegio.
Vejamos agora se era conhecido do JJítblico, se eslava de
qualquer modo divulgado na Madeira, nossa data, algum pro-
cesso vantajoso para o aproveitamento do assacar qne o la-
minador deixa no bagaço das cannas.•

(.) Carta dirigi<la .ao DlAnto PoPULA1! 1 e publicada em ti de ahriJ


de 1883.
~ - -En't'te lantos argumentos produzidos nas minhas anterio-
res conespondencias, que põem este ponto fóra âo dúvida,
bastará lembrar um só, para que seja evidente que a lavagem
do bagaço operada pelo snr. Wilbraham não tinha dado ori-
gem a nenhum processo indnslrial vantajoso, que fósse conheci•
do do piíblico·, que estivesse div11lyado em 1870.
Bastará lembrar que a direcção da Companhia Fabrjl de
Assucar Madeirense, no seu relatorio apresentado á assem-
bleia geral da mesma companhia, em 22 de junho de 187 i
(que foi nesse mesmo dia distribuido impresso aos accionistas,
e, depois de examinado pelo respectivo conselho fiscal, approva-
clo unanimemente na assembleia geral de 22 de julho de 1871,
e distriboido profusamente nésla cidade), disi:ie, a pag. 24,
sem contestação de ninguem, que, em 1870, eu ,sabía que
nenhuma fábrica de assucar de cannas utilisava ainda o assu-
car do bagaço, por não ter m,eio de o aproveitar que valesse a
pena,. '
E, se o snr. ,vilbraham tinha descoberto, para o aprovei-
tamento de assucar do bagaço, um meio qualquer vanlajoso,
que, em .f 870, não era conhecido do público, porque é que,
tendo elle fundado a sua fábrica de assucar na Ponta do Sol
antes da fábrica de S. João, não aproveitou desde logo, o as-
sucar do bagaço por essa meio, e s6 ultunamente, segundo ago-
ra me consta, tem feito aguardente do bagaço, contrafazendo
um processo de que tenho privilegio; pelo qne me verei na ne-
cessidade de lhe pedir a responsabilidade legal?
, Eu tive, snr. re actor, a curfosic ade de indagar quando
foi que o snr. W. Wilbraharn fez tal lavagem do bagaço; e,
segundo o que me disse o proprio snt·. Wilbraham, e outrn an•
tigo empregado do estabelecimento do snr. Hinlon, foi ba cêr-
ca de 15 para 16 annos, isto é, em 1867 ou 1868.
Ila perto de dois mezes, o sn1-. Wilbraham, em dia em
que parecia tão disposto a lractar comigo sóbre o meu privile-
gio que ficou do fr fallar com os seus socios a esse respeito e
mandar-me resposta, contou-me que, uma noile, na fábrica do
snr. Hinton, estando o moinho de moer canoas parado, elle
mandára deitar agua sôbrn uma porção de bagaço e passal•o
depois ao moinho; pondo em vasos separados o liquido quo
obtivera.
8.
-60-
0 snr. Hinton, quando chegou, foi informado do que se
tinha feito; e prometleu dar ao snr. Wilbraham uma parte do
que aquelle liquido produzisse; mas nunca lhe deu nada, se•
gundo me disse o mesmo snr. Wilbraham.
De modo que o snr. Wilbraham fez uma descorberta tão
importante; achou um processo vantajoso para o aproveitamen•
to da grande quàntidade de assucar que o so1'. Hinton perdia
no bagaço da canoa; e o snr. Hinton não deu, sequer, uma pe•
quena remuneração ao snr. Wilbraham!
Foi pagar bem mal tão imporlante serviço!
Mas, o '}Ue é mais nota vcl, é que, depois de tão preciosa
descobert:i, ainda durante muitos annos, o bagaço das canoas
moidas na fábrica do snr. Hinton, coutinuou a ir, como prova•
rei, para as fornalhas, sem passar por nenhum processo para
se lhe extrahir o assucarl
Tenho ainda muito que dizer, snr. redactor, sôbre a tal
lavagem de bagaço invenlada pelo sor. Wilbraham; mas fica
para a proxima correspondencia.
De V, Ex.•
ml.° au. º venerador obr.40
f'unchRI, H de abril de !883,
f iscando do Cannai,ial,

Ex.mo Snr. Reqaçtor (•).

Quando, em 27 de junho de 1866, foi fondad:1, por


iniciativa minha, a Companhia Fabril de Assucar Mad<'irense,
havia ja muito que eu me occupava do estudo da fabricação do
==-===
(..) Carta dirigida ao DIANO PoPoLAa, o publicadn em !3 da abril
de 1883,
-6{-

assucar, e, especialmente, do estado em que so ach:n·a na


Madeira este ramo de industria, e dos meluoramentos do que
elle era suscepti vel.
Ja então eu tinha conhecido, pela leitura de obras espe-
ciaes, e principalmente pelo Guia P,-áctico do fabricante de
assucar de N. Basset, publicado em 1861 e 1865, que o la•
minador deixa no bagaço das cannas uma grande quantidi1da
de assucar. Ja eu então procurava apparelhos e processos ia•
dustriaes que evitassem ou diminuíssem essa perda. E, tundo
visto no mesmo livro de Basset quo ensaios feitos por um pra•
cesso de levigação da Moreau-Darluc tinham dado resultados
vantajosos, escrevi a cngenheirns e a constructorcs compelen-
tes, pedindo -lhes, entre outros esclarecimentos, informações sô•
bre o valor práctico do processo de Moreau-Darluc.
Tenho á mão uma carta de 3 de maio de 1866, em que
Nillus & Filhos, importantes constructores do Havro, mo res-
pondiam, sôbre esse ponto o seguinte:
• Não conhecemos o apperelho de Moreau; não o tendo visto
em fábrica Mnhuma, não nos pronunciaremos sôbre a sua utilidade.
Seria, todavia, para nós motivo de surpreza que ella tivesse algum
valor, considerando quo não é mais empregado depois de oito an-
nos de e~istencia.,
A. Plilíppe, engenheiro cajo nome ja tive occasi~o de ci-
tar nestas corresponJencias, escre,·ia-me de Paris, em iO do
,nesmo mez de maio de i866, ama carta quo lambem tenho
presente, em que me dizia que o processo de Moreau -Darluc
tinha sido ensaiado em Paris; mas que este systcm:t, não fÓ
offerecia o inconveniente de inutilisar o bagaço como combus-
tível, senão era industrialmente impraoticaYel porque exigia
muitas manipulações.
Por esse tempo, lractando eu de promover a fundação da
Companhia Fabril de Assucar Madeirense, fazia ver áquelles a
quem convidava para scrom accionistas, as vantagens que te•
l'ia, sôbre as antigas fábricas aqui então existenles, uma fá•
brica montada com os apparclhos modernos mais perfeito!; e
dizia-lhes lambem que o moinho deixa"ª no bagaço urna
grande quanlidade de assucar, cujo aproveitamento seda
posi;ivel.
Era,.geralmente1 ouvida ~om incredulidade a minha as-
sêrção de que o b:Jgaço, por mais sêc-cà que sa1sse do moinho,
encerrava ainda muito assucar. ·
Um accionista com quem .eu mais conversava a e_sle re-
speito era amigo particular dos snrs. Wil-braham.
·· Não será, pois, provavel que a lavagem do bagaço que o
snr. \V. Wilbraham fez por esse tempo (1867 ou 1868) fósse
suscitada pelo que eu espalbava então a esse l'espeito?
Mas, quer fôsse, 011 não, isso pouco importa para a questão.
· O que é certo, é que, depois da experiencia do snr. Wil-
braham, e, em q1.rn11to correu o processo da licença para a
fábrica de S. João, em quanto ésta fábrica se não installou, o
assacar do bagaço continuou a não ler ' quem o aproveitasse:
-· o que é mais uma pruva de que a tal experieacia não deu
resultado que parecesse vantajoso.
· Chegou, porém, o anno de 1872. A f~brica de S. João
•começou a laborar; e eu puz em execução o meu -primeiro
processo, pelo qual veriôquei que, em curto espaço do tempo,
se podia facilmente dar, a 11ma cerLa qnantidado d'agoa, por
meio de lavagem e maceração, bem ordenadas, do bagaço, uma
densidade de 3° ,5 Daumé.
Tendo-se divulgado ·este resnltado, os snrs. Ferraz Irmãos
quizeram verificai-o. Fizeram então a tal lavagem de 20 ces-
tos de vindima de bagaço em 25 almudes d'agua.
E, que concluirarn d'essa cxperiencia?
Elles mesmos o declararam em 1877, pela bocca do seu
orgam, o Diario do Funchal, sem que ninguem contestasse tal
declaração:
« O prnducto não dava para as clespezas. Por isso todas
as fábricas abandonaram esse meio de exploração de aguar•
dente do bagaço, que alem de exigír rnais complica ela fabrica-
r,ão, grancles e dispendiosos depositas, dava wn resultado NUL•
LO E NEGATIVO.»
De modo que. depois da lavagem do bagaço feita em
i8 72 pelos snrs. Ferraz Irmãos, como depois da que fizera o
s·nr. Wilbraham em i86 7 ou 1868, como depois do uma expe-
riencia simillianto que, segundo ultimamente mo constou, lam•
· hcm fizera. ba cêrca Jo 27 annos, o pae do s01-. Aluizio Cesar
Bettencourt, o bagaço das canoas que não ernm moídas na
fábrica de S. João, continuou, ainda por muttos annos, a
-63-

g11ardar o seu assucar .para o en !reg·ar ã almo-sphera,, sob ª


fórma de Yapor d'alcool e de acido carbonico. •
Vejo, snr. redactor, que ainda hoje não posso terminar
a analyse da tal lavagem do bagaço. Amanhã proseguirci. •
De V. Ex.ª
muito att.° venerador obr.d•
Funchal, i l de abril ~e 1883.
Visconde do Cannavial.

Ex. º Snr. Redactor (•).


00

A unica experiencia que os snrs. Ferraz Irmãos poderam


apresentar em f 877, contra a originaliJade dos processos do
que lenho privilegio, foi a que ellrs trnbam feito em 1872, la-
vando· em 25 almüde·s d'agu·a o uagaço contido em 20 cestos
de vinJima, e pas5ando-o depois no laminador.
Em primeiro Jogar é prnciso notar que a ideia de passar
o bagaço ao laminador depois de tractado pela agua eslú cla-
ramente indicada na minha dcscripção de 1870; e a.circnmslan•
eia do ter a experiencia dos snrs. Ferraz Irmão~ sido feita em
18 72, quando en pnz cm execução o meu primeiro processo
Jogo no princípio da laboração, mostra bem o que foi qne a
provocou.
E, com relação ao resultado, ainda mesmo quando os snrs.
Ferraz Irmãos não tivessem declarado qne tinha sido nullo o
negativo, basla1·ia, para o domonstra1·, o facto de não t~rom os
mesmos fabricantes mais pensado, durante cinco annos, cm
aprnveilar o assucar do _bagaço.
E quer V. Ex.ª saber, snr. rodactor, porque ó que o
c:r:======
(.,) Cart:i dirigida ao D!Anio PoruLAn, e puhlicJua em 11 tlc 11l1ril
de l883.
-64--
bagaço lavado e espremido pelos mrs. Ferraz Irmãos não den
resultado ,·antajoso, em quanto que o daria, sem dúvida, o ba-
gaço que fôsso tractado peJo meu primeiro processo e passado
no laminauor, como indiquei?
E porque, na experiencia dos snrs. Ferraz Irmãos só
hou\'e lavagem do bagaço, em quanto que naquelle meu pro-
cesso ha lambem maceração, poderosamente favorecida pela
circulação do liquido macerador.
E o que é certo, snr. redaclor, é qne não póde lu1ver ne•
nbum processo indogtrial que, por meio da lavagém só, seja
capaz d'exlrnhir o assucar das cellulas do bagaço qne o moi•
nho deixou intactM.
Este facto é affirmado por N. Basset nos seguintes termos:
•Sabemos, com relação á extracçno do assncar, que os diver-
sos proccss0s de lavagem não podem tirar senão o assucar livre,
interposto entre as particulas rompidas dos tecidos: sendo absolula-
mento impossivcl axtrahir por meio d'elles o assucar encerrado nas
collulas intactas. Tam-so, pois, procorado obviar a este inconve-
niente pela maceraçifo, isto é, pela acção da agua sufficientemente
prolongada para dissolver o assucar no Interior das cellulas e tor-
nai-o livre. »
Os effeitos da macr.raçí'to são dcvinos á trndencia que teem
a misturar-se atravez das membranas os liquidas de densiuade
difTerente, susceptiveis rle mistura, estabelecendo-se correntes
do exterior para o interior, e vice-versa, qne se designam na
sciencia pelas denominações de endosmose e exosmose.
Dizer que os phenomenos endosrnolicos foram observados
pela primeira ,,rz, em 1826, por Dutrochel, é dizer que eu não
posso ter a pretcnção de os ler descorberto, e de ter inventa-
do a maceração.
Mas eu tinha a vantagem de os conhecer; e por isso vi que
não podia, por uma simples lavagem, extrahir o assuc"r das
cellulas intactas do bagaço.
Além d'isso, o conhecimento qlle eu tinha da induslria do
assacar fez-me ver facilmrnte que um processo de nprovoila-
menlo, pela agua, do assacar do bagaço, n~o podia ser provei-
toso, senão seudo simples, ue facil execução, e produzindo li-
quidas em condições coo\'enientes para sornm transformados
cm pl'odoctos indus\riaos, sem grande despeza.
-65-
Foram éstàs as principaes considerações que me guiaram
na descripção do processo constante da addição que cm 1875
fiz ao rneu invento de 1870, quando indiquei como devia ser
disposto o bagaço qno safa Jo moinho, e que devia ser orva-
lha~o com a quaotidade d'agna apenas sufficienle para o hu-
medecer e penetrar alé o interior das cellulas intnclas.
Eu tirn tanto em vista evitar que se deitasse sôbrc o ba-
gaço agua om quantidade demasiad,1 qne recommendci que, se
isso succedesse, essa agua fôsse recebiJa pefa bomba e deitada
sôbre o bagaço novo.
Não deve, todavia, o bagaço ir para o moinho tão pouco
molhado que o liquido não seja sufficiente pára operai· a ~es-
)ocação; por isso na fábrica de S. João era o bagaço de novo
orvalhado na occasião de ser espremido, sempre que isso se
entendia necessario.
Éslas disposições são tão importantes que, sem a obser-
vancia d'ellas, o processo deix.a de ser proveitoso.
E', pois, fóra de dúvida, snr. rr.dactor, que na data cm
que os meus processos foram privilegiados, não era conhecido
do público nr.nhum processo vantajoso para o aproveitamento
do assucar do bagaço. E essas dllas ou tres eiperiencias, sem
valor legn.l, com que os conlrafactores do meu invento preten-
dem encobrir-se, e que são, evidentemente, filhas dos meus
trabnlhos, só provam que os que as executaram não tinham os
conhecimenlos necessarios para comprchenderem as condições
indispensavcis para o bom resllltaào que não podcram obter.
De mais, snr. redactor, quem inventa não é qnem expe-
rimenta; é quem descobre, quem produz, quem realisa um
melhoramento proveitoso.
Eu não descobri os princípios em que o meu invento se
baseia; mas realisei um melhoramento que aotes de mim nin-
guem tinha conseguido realisar:-consrgui aproveitar vanta-
jo~amente, por meio de processos simples, de facil execução, o
assucar que ficava perdido no bagaço das canoas.
De V. Ex.ª
mnilo atl.° venorador obr.d•
Funchal, 13 de abril de 1883.
J'iscomle do Cannavial.
9
Ex.1110. Snr. Redactor (• ).

Os n/1 l e 2 do art.º 632.º e art.º 635. 0 do Codigo civíl


porluguez estabelecem que são nullos os in\·entos que ja forem
conhecidos do público, que ja esti,·ert•m divulgados; ou que
fizerem o objeclo de carta rmteríormente concedida, se os in,
tcressados propozercm a acção de nnllidade dentro de um amio
contado desde o dia da assignatura do pri~ilrgio.
Ora, sendo inconlesla\'cl que os meus processos privile-
giados não eram conhecidos do pitlJlico na data da assignatu-
ra do privilegio, e que dentro de um anno depois d'essa data
ningumn se apresentou com carta anterinnnente coniedida sô•
bre o mesmo objecto, é claro fJIIC, ai11Ja qoando o snr. Wil-
braham, ou os snrs. Ferraz Irmãos, ou qualquer outro po-
dcsse agora a\legar, e provrir, qno tinha posto em execução um
processo, não só similhante, mas ide11tico :10 meu, não só uma
vez, mas cem, \'Czes, não só depois , mas nntes do meu privile-
gio, i~so não poderia, de modo algnrn, tirar-me o direilo ao
gózo exclusi\'O da miuha prup1 il'dat!u.
Desde que o meu in\·cnlo n:'io rra fio 1lominio público, e
ninguem tinha patente anterior sôl.He o ol,jccto d'ella, ninguem
tem direito a reclamar prioridade.
A proprie1lade de um descc,brimenlo qnalqner pertence
áquelle que primeiro se inscreveu como descobridor na re•
partição compelente, quer fússe elle, quer não, quem o des•
cobrisse.
Nem podia deixar do assim ser; porque, de ot1tro mo-
do, nioguem podia ter garantida a propriedade do seu in~
veuto.
Eu obtinha hojo pntrntc ,lo in,·cnção por uma desco-
berta qualquer, t.lcpois de ler uqiositaJo, na conformidade da
lei, a <lcscripção co11qwtP11l1•.
Áma11hã outro i11Jh iJuo, tendo pouiJo ter conhecimento

(.) Cal'ta dil'igida :10 D1Aruo I1ol'utAn, e publicada em Ui de abril


de 1883.
-67-
dos termos ·da minha -descripção, ou, mais tarde, tendo podido
saber como eu punha. cm execução o meu inrento, arranjava
testimnnhas que dcpozessem que elle tinha feito, muito antes
de mim, a mesma descoberta; e extorquia-me a minha pro•
priedade t
Não podia a lei conter disposições·que auctorisassem uma
tal expoliação.
Ma·s, snr. redactor, ha ontro disposição do Codigo Civil
Portuguez, pela qual os contrafactorcs do meu invcnlo julgam,
segundo me c9nsla, podêrem escapar á responsabiliJade da
contrafacção. E o artigo 633.º, que diz assim:
«Quem não der á execução o seu invento dentro de dois an·
nos, contados desde o dia da assignatnra do privilegio, ou cessm· de
se aproveilar d'cste por dois anoos co11secnti\'OS, exce.pto justifican-
do legítimo impedimento, perdera o dito privilegw. •
E' preciso não e~qucccr qne o que a lei lem principal~
mente em vista é animar, é proteger aquelle que beneficiou a
sociedade com um rnelhoramenlo qualquer, com um invento
proveitoso; e, quaudo limitou a um certo numero de annos o
dirnito de propriedade do inventor, não lC\'e, de certo, o pen•
sarnento res,ervado de lhe armar ciladas para lhe extorquir o
usofrn to do seu trab:1lho.
Quando a lei fixa dois annos para ser dado á execução o
invento, é porque entende que este espaço de tempo é, em
geral, sufficiente para quo aquelle qne fez uma descoberta
• util, possa pol-a cm execução; e quer forçai o a não deixar
perder, por indolencia, um melhorarncnlo tlo q11al podem pro-
vir grandes beneficios á sociedndc. E a pro\'a q11e tal é o pen-
samento da lei, e não o t.le expoliação, ó qno lá está a proprie-
dade do inventor protegida pela cxccpçüo de haver legítimo
impedimento.
E seria injusta a lei que assim não providenciasse; por-
que, como diz Laboulaye, e O inventor não perjndica a socie-
dade em não fazer uso J'aquillo qnc não exisliria sem clle.
E' necesgario consiJerar que, se o in"culor não põe cm execu-
ção asna descoberta, não é porque não quer, ó ponp10 não póde.,
Mas eu vejo, snr. redactor, que não posso couclui,· bojo
o que lenho a dizer sobre este ponto, sem esquecer as po~
9.
-68-
quenas dimensões do jornal onde tem de ser publicada ésta
correspondencia. Na minha proxima carta conlinuarei o ~s-
sumpto.
De V. Ex.ª
muito att.º venerador obr. 40
Funchal, H de abril de 1883.
Visco11de do Cwmavia,I,

Ex. mo Snr. Rcdactor (, ),

Queir:. V. Ex.a notar que o arl. 0 633. 0 do nosso Codigo


Civil diz que perde o seu pri~ilrgio aquelle que, sem legítimo
impedimento, não der exernção ao seu invento dentro de dois
annos, ou cessar de se aproveitar d'elle por dois annos con-
sccuti rns.
No primeiro caso diz-quem não cler á cxer.uçtí<>,•-e, no
segundo caso, -qnem cessar dç se opro1)eitar,-e não-quem
deixar de executar.
Ora, como as leis não variam os lr.rmos tmicamcnle pa-
ra fazer estylo; como não sacrificam á lia1 monia da pltrasc, a
sua clarC'za, o seu pt'nsarnC'nlo: parece-me fóra de dú\'ida que ·
a cxprc~são-não der ú cx·ecução-não 1c1u cxaclameutc o mes-
mo scnliuo que-cessar de se aproveitar.
Quando um inrlnstrial, depois de ler posto cm execução
um invento pri\'ilegiado, dr.ixa de o cmprrgar na sua industria
por dois annos conscculiros, sem impcúimcnto IPgírimo, ~ban-
donando-o, subsliluindo-o por onlro meio; cnrcndo a lei qne,
neste caso, deve esse industrial perder a propriedade de nm
invento de qno cessou djj se aproveitar, o de que outro poder4
querer aproveitar-se.
=====
(•) Çarta dirigida ao D1Amo J1011uL~ll, o p~blicada em i7 de abriJ
de i883, ·
-69-

Parece-me que é assim que deve ser interpretada u ex-


pressão-cessar de aproveitar-se-do citado art.º 633. 0 de
codigo civil.
O que é, porém, fóra de dúvida, é que o inYentor só
perde o seu invento por cessar de se aproveitar d'elle, qnando
não tiver para is~o impedimento legitimo.
Quanto a mim, snr. redactor, de qualquer modo que se-
ja interpretada a disposição do referido artigo do codigo civil,
em caso nenhum me é applica\'el a pena que elle estabelece.
Tendo sido assignado o ah·ará do privilegio em novembro
de 1870, eu puz em execução o meu invento na fábrica de S.
João cm i87~, dezeseis mezes depois d'aqnella data. Logo
não posso ter perdido o privilegio por não ter dado execoção
ao objecto d'ellc denlrn de dois anno,s contados da data da as-
1'ignatura do alvará.
Empl'eguei na mesma fábrica o meu invento em {873.
Não o empreguei em !874,. Em !875 puz cm execução o ob-
jcclo d[t addição que então fiz ao invento; e~ desde então até
t.8 78, foi elJe empregado, sem interrupção, na fábrica de
S. João,
Em f 879, tendu sido fechada ésta fábrica cm virludc de
processo judicial, foi nella interrompida, por impedúmmto legí-
timo, a execução do men imrnto.
Ç!uando é certo qnc eu esln\·a tirando lucros do uso do
mcn privilegio, é eride11te que não foi porqne ea 11llo quh, ma~
sim porqno ClJ não pi~de, quo não continuei a auferir os mes-
mos lucros.
Em 1880 e !881 serri-me, como pude, do mon i1wcn-
to, traclando por meio da agun, e ospromondo, com nuxílio elo
mácliinas que mandei vil' Je França, c:innas e beterraba.
Em t.880 veio enlender-se comigo um fabricante dn a·
gual'denle, para o ernprêgo do mcQ invento; e, <l'ahi para ca
tcm-so ntilisado sempre d'clle.
No correnle ap.no cntcnueram-se c:oniigo di,•ersos outros
fabricantes.
Ve-sr., pois, que, qnnnrlo mesmo não hou\'esse o impedi-
mento legítimo de ter a fábrica do S. João sido obrigada a fe-
char ns suas porias; ainda assim, e independentemente do uso
não .\OCtorisatlo que os conlr~1foctores lccr•1 feito du meu iti,·t>n•
-'10-
lo, não me podia, com jusiiça, ser_applicada a pena de perda
do pl'ivilegio por interrupção da exe.ciição do inve_nto.
Mas, snr. redactor, o arl.° 6 H.º do Codigo civil diz assim:
«Da propriedade do invento dériva o direito -exclusivo de pro-
duzir, ou de fa..b,ricar os objectos, que consliLuem o dilo _invento.
ou em qae este se manifesta.»
Se, pois, durante a existencia do meu privilegio.- alguem
produziu ou fabricou o que en tinha o direito exclusivo de
produzir ou de fabricar, ~ evidente que isso_não póde deixar
de ser cooside1,ado, .para L!ldos os effoitos, como se tivesse sido
feito por mim.
Ora eu estou bem informado do seguin!e:
Em 1878, anno em que ainJa laborou à fábrica -de S.
João, o snr. Visconde da Calçada contrafez, pela primei ra vez,
o meu invento na sua fábrica da Calbela, e tem continuado à
· fazei-o em .todos os annos d'ahi para ca.
No .anno seguinte, senâ() no mesmo anno, começou lam-
bem o meu invento a ser objcclo de conlrafacção nnma fáb rica
-de Santa Croz de um filbo do snr. Visconde da Calçada.
Em 1880 começou a coutrafacção na fábrica do snr. Hin•
ton d'esta cidade..
Em 188 :l ella começou na Jábrica do snr. Wilbraham na
Ponta do Sol.
Por este uso que cer!os fabricantes tecm feito de um oh•
jecto de qne eu lenho o direito exclusivo de usar, vou pedir a
todos perdas e damnos correspondentes aos Incras que eu ti-
raria do mesmo bagaço dê cujo assucar se aproveitaram pdo
meu invento.
Po1 tanto, qnan,lo mesmo ti rnsse 1,ido inlerrompirlo, sem
impedimento lq~ílimo, o empr.êgo do meu invento, desde que,
anles de dois annos, islo é, quando cu, em nenhuma hypothe•
se. podia ter perdido o meu privilegio, algucm poz em execu-
ção o objecto do mesmo privilegio, baslaria isso para me não
pod~r ser applicavel a pena do art.º 633.0 do Cocligo civil.
De V. Ex.ª
muito aU.º venerador obr. 11 @

Funchal, de i6 abril de 1883.


Vísconda do Cannavial~
Ex. º Sh_r. Redactor (•).
111

Sahe V. Ex.• que o meu invento para o aproteitamento


do assucar que o moinho deixa no bagaço das cnnnas na~ccu
.do desejo que cu linha de pôr cm Loas condições induslriacs
a fábrica da Companhia Fabril de Assucar lhdeirense, de que
eu fui o principal fundador.
Foi pela fábrica de S. João, e para a fábrica de S. João,
que en descobri um meio facil e pouro dispeodioso de obter um
prouucto impo, tante que ficava. perdido.
Deve, pois, V. Ex.ª comprehe111lcr por que razão, em {875
e annos seguintes, quando o mru im·enlo estava ja em execu-
ção naquella fábrica com tão bom; resultados, eu não propnz
aos outros fabricanlr.s a adopção do mesmo invento, nem pro•
curei convencei-os das vantagens d'clle qnando, ainda então,
não acreditavam, pela maior parle, nessas vant:igens.
Para que a Companhia Fabril de Assucar Madeirense po•
desse preencher o fim que tinha cm vista, precisava que a sua
fábrica podasse laborar em condições de podêr pagar o produ-
clo agricola por bom preço ao cultivador.
As difficu!Jades com que ésta companhia tinha luctado, e
os embaraços que todos os dias lhe levantavam os que queriam
embargar-lhe o passo, não lhe pcrmilliam sustentar ainda com
vanlagem a guerra que lhe faziam algumas fábricas.
Nestas circomslancias entendi c1ue, embora fósso perju.
dicado, não devia dar nrfl}as aos outros fabricantes para com-
baterrm uma emprcza qno ou tinha crendo, e que considerara
da maxima imporlancia para a ngricullura d'csla terra.
Ninguem me agrnrleccu ésta J,·dieação, e até muitos ne-
gavam a vantagem pública da f:il,rica de S. João. Quando,
porérn, ha pouco tempo, se espalhou nesta ciJade a notícia da
qne o machinismo d't•sta fábrica ia ser vcoditfo para C:inarias,
todos lamenlarnm que tal succcdessc, o diziam que isso seria
ttma desgraçai

(•) Carta dirigida ao Du..Pro POPULAR, e publicada 1'111 i8 da abril


,le Ul83.
-72-

Em quanto correu o processo da execução contra a Com•


panhia Fabril de Assucar Madeirense eu não pensei em inves-
tigar se, em alguma ou algumas fábricas, se contrafazia o ob-
jecto do meu privilegio; ja porque não cuidava que os fabri-
cantes fôsscm capazes de usar do meu in,·cnto sem minha
auctori8ação; p porque sal.lia qoe, cm gemi, eram ·de opinião
que se não podia apro\'eÍlar vantajosamente o assucar do ba-
gaço; ja porque, por esse tempo, en tinha a attenção rnuilo
preza aos negocios polilicos, especialmente cm quanto tive a
meu cargo a adminislração superior d'csle díslric.lo.
Qnando, porém, trndo a fábrica de S. João deixado de
pertencer á Companhia Fabril de Assucar Madeirense, tinha
desapparecido a 1·a2ão pela qnal eu não tinha querido que o
meu invento fôsse ulilisado por outros fabricantes; o devtindo
laborar no corrente anno aquella fáGrica, a ~nc o meu pri\'ile-
gio linha estado ligado;-enlendi que não ha\'Ía ja motivo que
dcvesso impedir-me de procurar generalisar o emprêgo dos
meus processos privilegiados.
Fiz enlão nos jonrnes o seguinte annúncio:
c<O Visconde do Cannal'ial previne, a todos os fabrirantes da
assucar, ou aguardente, de cannas creste districto, da que tem, ain-
da por tres annos, pri\'ilcgio exclusiYo do aproveitnmi:nto do assu-
car que fica no bagaço das canoas, espremidas no moinho, ou la-
minador, segundo os processos rlescriplos pelo inventor e publica-
mente postos por elle em práclica em gra11de escala na /ábrica
de S. João.
«Para esclarecimento dos qne leem interesse neste assumpto,
julga çue ba:;ta transcre\'er, das descripçõcs existentes na reparti-
ção competente do ministerio das obras públicas, o seguinte
pc1iodo:-
«Pôr o bagaço em co11tacto com ttma qua11tidade d'agua
apenas sufficicnte vara o humedecer e penetrar até o iuterior das
cel/ulas ai/Ida intactas, passaudo-o depois ao lon1i11ado1· ou espre-
mendo-o numa pre11sa qualquer de fó, ça sufficiente. u
«Quem quizcr conhecer qnars são nu nosso paiz os direitos
do inventor, e qual é a responsabilidade cm qno incorrem os con•
trafaclores, \'eja a parte 2.", livro 1.", titulo 5.º, capitulo 3.º do
Codigo Civil Portuguez.
a O Visconde do Cannavial comida a tractarem com elle as pes-
soas que quizerem utilisar-se do seu invento durante a existencia
llo seu pririlt gio. »
1
-73-·
E poneo depois, dirigi aos fabricantes de assucar e de
aguardente do districto a circular seguinte:
« m.mo Snr.-Com quanto eu convidasse pela imprensa, como
V. S.ª pocJerá ver no jornal que tenho a honra de lh~ remetter, a
tractarem comigo todos os índustriaes que quizerem aproveitar o _
assucar que o moinho deixa no bagaço das canoas, segundo os pro-
cessos ~d que lenho aini.la privilegio por tres annos, e que foram
postos em práctica com o melhor resultado na fábrica de S. João,
d1rijn-me tlirectamente a V. S. • para lhe assegurar que poderá, por
esse meio, tornar muito mais vantajosa a sua imlnstria.
«Tendo já contractado com alguns industriaes em receber cin-
co reis por cada quinze kilogrammas de cannas entradas no estabe-
lecimento onde fôr utilisado o meu invento, estou disposto a tra•
clar êum V. s.• nas mesmas condições; ou fazer sôbre a mesma
base uma avença, fundada na média da laboração nos ultimos tres
annos, segundo a escripturacão do estabelecimento.
a Apezar do serem os meus processos muito simples, e terem
sido executados publicamente, ha nelles algum~s ]]articularidades,
que podem fazer variar o rendimento, de que V. S.ª será devida•
mente informado. Sou de V. s.•, com muita consideração, elc.-
Viscolids do Cannavial.,
De V. Ex.ª
mt• att. • venerador obr...
Funchal, 16 da abril de f 883.
Viscond, do Cannavial.

Ex.• Snr. Redactor


0

Ja, pela minha correspondencia publicada no Diario Po.


pula,· de 9 de marçv último, tem V. Ex.• conhecimento de
:ar:::::==:=
( •) Car&a diriaida ao Daaro Pom.A1, • publicada em io de abril
de 1883.
10
-u-
que, quando, no princípio de fevereiro, o sor. Hinton, .em vista
do meu aônúncio, procurava avençar-se comígo para usar do
meu invento na sua fábrica, no corrente anno, o snr. D. Ma-
nuel Telles da Glma, dono da Fábrica Nacional (antiga fábrica
de S. João) fazia-me uma proposta sôbre o mesmo objecto, e o
snr. G. Wilbraham, dono de uma fábrica de assucar na Ponta
do Sol, ficava comigo de ir consultar os seus socios para depois
vir traclar do ajuste •
. Oa mesma correspondencia consta que o snr. Hinton (a.
zia então sentir que me cominha uma avença com elle em
condições mais razoaveis; porque estava convencido de que,
desde que os outros industriaes soubessem que elle tinha feito
contracto comigo, nenhum faria questão.
O qne é certo é que, constando-me que o snr. Hinlon
ja tinha feito uso elo objeclo do meu privilegio, sem minha au•
ctorisação, nos annos de 1880, 1881 e i882; e não tendo
querido elle dar•me a indemnisação que me é por isso de•
vida, respondendo-me que não tinha empregado, nem lhe con-
vinha empregar o processo a que eu al'udia;-rião 6 não
fizemos accôrdo algum, senão fui para juizo fazer ,·aler o meu
direito. ·
Depois d'isto, o snr. D. Manuel Telles da Gama desligou~
se do accôrdo em que comigo ficnra; e o snr. Wilbraham não
veio tractar do ajuste.
Em 7 de fevereiro último o snr. D. Manuel dirigiu-me a
seguinte carta:
,Funchal 7 do fevereiro de 1883.- . .. Snr. Visconde do
Cannavial.-Estirnaria ler com V.•• uma entre\'isla, se V. ..
quizesse ter a bondade de me fixar a hora a que devo procnral-o.
-Se a V . .. conviesse mais passar pelo escriplorio da ftibrica
onde estou até âs ti- horas teria muito gôsto em a~ui o receber.--
Sou com a maior estima, De V.•• , muito auento venerador obri•
gado-D. Manuel Tetles da Gama.»
Procurei nesse mesmo dia o snr. D. Manuel nn Fábrica
Nacional; e achei-o di8posto a lraclar comi~o para se utilisar
do meu ptivilrgio; como, porém, eu · pE>dia 5 reis por cada i5
kil. de . cannas que entrassem no estabelecimento, e S. Ex.ª di•
zia que.só lue convinha dar uma parte do prodncto liquido que
retirasse. .do. liáunro. não nodémos então ficar d'accôrdo.
-75-
·GomtÚdoJ passados poucos dias, lendo eu proco~ado o
snr. D. .Manuel na sua fábrica, ficou accordado entr.e nós que
se faria uma expe.riencia, dirigida por mim, cujo resultado ser•
viria de base a um conlracto definitivo; devendo pertencer-me
um terço do produclo liqaiúo da expericocia, -e depois um quar-
to do producto liquido que se obli\'esse do bagaço, se o con•
tracto definilÍ\'o se realisasse.
E em seguida fomos ambos ao logar onde se tinha. de
fazer o trabalho; e estive dando indicações sôbre o modo por•
que as cousas se deviam dispor para elle.
Tendo eu, nesse mesmo dia, pedido ao snr. D. Manoel
uma declaração escripta do que Entre nós ficára convencionado,
S. Ex.ª ~isse que me faria essa declaração numa caria que me
escreve na.
E, com effeito, no dia f 4 do mesmo mez de fevereiro-,
escreveu-me o snr. D. Manuel a seguinte carta:
«Fuacbal U. de fe\·ereiro de 1883.-..• Snr. Visconrle do
Cannavial.-Em virtude do aviso de V, • • afim de que ninguem
possa usar da impregnação do bagaço por agua, e pas ai-o poste-
riormente ao moinho ou laminador, e da conversa que a esse raspei•
to tivemos tenho a dizer a V. Ex.• o seguinte:
•Farei experieocia do menciouado processo sôbre o bagaço da
fabricação de tres dias na mesma f.' /Jrica, e feita ésta, direi o que
me parecer a V.' ..
«Se a minha resposta então fôr no sentido de não querer con•
· tiouar no provisorio accôrdo em que boatem entrei com V. .. ,
darei a V•.. a terça parle do prodacto liquido que eu tiver tira•
do do experienria: se do contrario qaizcr entrar em traosaccJo de-
finitiva, fico scieote de que V.•. quer ficar recebendo 25% do
producto liquido de todo o bagaço submctlido ao processo de que se
tracla, devendo da data da experieocia por diante obter-se o produ-
cto liquido, por meio de uma percentagem que a titulo de de pezas,
se deduzirá do producto bruto. Se não chegarmos a accôrdo na
importaucia em que deverá ser fixada essa percentagem, ficámos
inti,irameote desligados, e livres para proceder como entendermos
com relação ao assumpto.-Sou de V.•. , muito atteoto ereado
-D. Manuel Telles da Gama.•

Não me parecendo ésLa carta b a1 precisa em ponlos itn•


Jtºrlantes JJem em perfeila harmonia com as ideias com qa<l eo
to.
-76-
ficára sôbre o accôrdo feito. escrevi ao snr. O. Manuel, no dia
immediato, nos seguintes termos:
«Funchal -15 de fevereiro de t883.-III.• e Ex.•• Snr. D~
0

Manuel.-Accusando a recepção da carta de V. Ex.• de 14 do cor•


rente, permitta-me V. Ex.ª qne resuma e precise bem os pontos
em que é indispensavel que fiquemos bem de accõrdo:
ct.º-V. Ex.ª farâ uma experiencia de tres dias, dirigida por
mim, para servir de base a um contracto definitivo para a la•
boração do corrente anno, dando-me V. Ex.•, em genero, a terça
parte do producto d'essa experiencia, descontadas as despezas re-
spectivas;
,2.ª-Por despezas respectivas entendem-se as despezas que
V. Ex.• fizer com o aproveitamento do assucar do baiaço, a mais
do que as que faria se o não aproveitasse;
«3.°-Se V. Ex.ª reconhecer que essas despezas são, apprO•
ximadamente, as que constam do cálculo do director da labora•
ção e machinista Foulon relativo ao anno da {878 (último da la•
boracão da fábrica de S. João), quando eu me achava em França,
e quando a mesma fábrica trabalhou debaixo da inspecção dos snrs.
Viuva Abudarham & Filhos, cálculo de que V. Ex.• se acha de
posse, de certo, por lhe ter sírio ministrado pela reft,rida casa
eommercial, e que me parece offerecer todas as ~ar3ntias de exa-
ctidão;-comprometto-me a fazer er.tão com V. Ex.• um contracto
definitivo para a laboraç?io da sua fabrica no corrente anno de i 883,
recebendo 25"fo do producto liquido qne V. Ex.• retirar do bar.a•
ço em trabalho regular feito segundo as minhas indicações, ou de
pessoa que eu encarregar de \'elor por esse trabalho; ficando então
. determinadas as despezas para toda a labor:içào, por meio de uma
percentagem do producto bruto, ã qual mais approximadamente cor•
responderem;
,4.º-Para o câlculo ,las clespezas dar-se-ha a cacla tres litros
e meio de aguardente rectificada em 30° C., o ,·alor de 950 réis;
«5.º-Se, depois dos lrrs dias ele expl\l'lencla, e em quanto
não é conhMido o resultado definitivo c\'esta, V. Ex.• quizer conti~
nuar o aproveitamento do assuear do bagaço, as condições serão,
pelo que respeita ã parle que me ha de ser dada, as mesmas que
1s da referida t.' expericncia;
«6. 0-Sa não viermos a accôrdo para o contr:icto deíloith·o, e
estendo salisíeitas as condições uo coutracto pruvisorio, ficaremos
desligados; não ficando V. Ex.• auctorisaclo a continuar a aproveitar
o assucar do bagaço pelos procegsos de qne tenho privilegio.
- ,~pero merecer a V. E,.• a fineza de me declarar se &ao &e
-77-
~as as suas ideias.c.._Sou de V. Ex.•, muito attonto venerador o-
briiado- Visconde do Canmwial».
Passados 25 dias o snr. D. Manuel mandou-me a seguin-
te resposta:
« Funchal 12 de março de 1883. - ... Snr Visconde do Can-
navia!.-Quiz evitar quanto possivel entrar em questões com V . . ·.
chegando ·esse meu desejo a ponto rle propor a V. .. um accôrdo
provisoijo pelo qual, com qnan10 V . .. usufruísse de certo beneft-
cio, eu não reconhecia o dirPito que V. .. julga ter ácerca do a-
proveitamento do assucar do bagaço. V... , porém, não se conten_•
tou com isso, e por carta de 15 de fevereiro impõe-me (mesmo pa-
ra o provisorio accôrdo) taes coml içõ~s qne, se fô.,sem por mim ac-
eei tas, ficaria implicitamente recollheciJo o ja citadu direito. r
((Enteodi, pois, que não devia proseguir nessa transacQão sem
consultar advogados, e a P.Spêr~ de resposta d'estes deu togar a
que só agora podesse lambem responder a V••• , pelo que peço
desculpa. ·
«Os advogados cimsu!Lados foram de opinião, que não· pôde
ter elleito o privilegio de V . .. , e por isso sinto dizer a V . .. que
não podemos entrar el}l ac~ôrdo algum sôbre e.sse 3-,sumpto.-Sou
com muita consideraç~o, de V . .. , muito altcnto venerador obriga-
do-D. J}Januel Telles da (iama.»

No dia f 3 do mesmo mez da março escrevi aó snr. D.


!lanucl o que segue:
«E&,mº Snr D. Manuel da Gama.-Tendo-mo V. Ex..• escri•
pto, no dja 7 de fevereiro último, ped~nllo-mo nma entro\'ista, ou
th·e a honra do o procurar na sna f;il.irica, e V. fü;. ª mostro □ •se dis-
posto a lractar comigo para so ut1lisar do meu pri\'ilcgio; mas di!l•
se-me que lhe não convinha senão dnr-me uma parte do producto
li.quiclo que tirasse do bagaço. .
~<Ntisse dia não potlémos ficar de accôrdo. ,·
«Alguns dias depois tornei a procurar V. Ex.• na sua fábrica;
o ficon accordado entre nós qua se faria uma experienci., djrig1cla
por mim, para senir de base a um contracto definili\'O; devendo
eu ter mn terçQ dQ produclo liquido da e~peril•ncia, o depois um
quarto do protlucto liquido, se o contrai:to dcfini11,·o se realisasse-,
"E tanto é Cl'rto que isso assim ficou acconlado entre nós, que
íamos ambos ao Jogar onde se tinha do fazer o trabalho; e esti\'6
dando indicações a V. Ex. 3 sObre o modo porque as cousas so de ..
viam eüt,por para ~lle,
-78-
•V. Ex.ª ficou de me escrever uma carta declarando-me o quB
comigo havia traclado. , ·
«E, com effeito, no dia 14 do mesmo mez de fevereiro V. Ex.•
escrevea-me sôbre o assumpto; mas o que V. Ex.ª me dizia pare-
cendo-me nalguns pontos tão pouco claro qne poderia dar legar a
dú\'idas, entendi dever escrever-lhe no dia imme<liato especifican-
do bem os pontos em que nós tínhamos ficado de accôrdo, e pe-
dindo a V. Ex.a a fineza de me dizer se eram bem aquellas as suas
ideias.
aAgorél, depois de ,•inte e cinco dias de silencio, V. Ex.• es-
êreve-me dizendo-me que, tendo consultado advogados sôbre o as-
sumpto, elles são de opinião que não póJtl ter effeilo o meu pri-
vilegio; e que, por isso, não póde entrar em accôrdo algum comigo
a esse respeito.
e Confesso a V. Ex.• que êsla eommunicação me sarpre-
hendeu. '
«E' para mim fóra de dú\'ida que os advogados que deram
tal parecer a V. Ex.ª não conhecem a questão; pois a mim, todos
aqaelles a quem tenho consultado, me teem Jiclo exaclamenle o
contrário.
, Eu lambem não desejava ter questões com V. Ex.•; e por
isso sinto ter de declarar-lho que, se V. Ex.• fizer uso, sem a mi-
nba auctorisaçllo, dos processos induslriaes de quo tenho privile-
gio, me verei forçado a pedir-lhe a reponsabiliclatle perante os tri-
bunaes.-De V. Ex.•, muito attento obrigado. Funchal, 13 de mar-
ço de 1883.-Visconde do Cannaviab

Finalmente, o snr. D. Manuel, em lt de março, escreveu-


me uma carta a que não julguei necessal'Ío responder. E' do
\heor seguinte:
« ••. Snr. Visconde do Canna\'ial.-Accuso recebi<lo o fav'or
de V. .. com data d'hontem, e ã "isla do seu contheudo, direi a
V. .. que vou aproveitar a parte sacharina <lo bagaço, usando do
processo descripto em livros estrangeiros ha muito tempo.
«Se por este facto V. .. entender que me deve pedir re!!pon•
sabilidade perante os tribunaes, que rcmedio terei eu senl'.io defen ..
der-me!-14, de março de 1883.-De V••• , muito attenlo ,·e-
nerador ,-D. Manuel Tellcs da Gama.•
Ora, constando-mo que na Fábrica Nacional se está fazen•
do uso, sem a minha auctorisação, do oujecto do meu privile-
gio, exactamente como ei, fazia na mesma fábrica, ver-me•
-79--:-- .·

liei na necessidade -de pedir a responsabilidade legal aos con~


trafactores.
De V. E1."
muito att. º venerador obr. '°
Funchal, 19 de abril de {883.
Visconde do Cannavial.

Ex.• Snr. Redaclor (•).


0

O snr. Guilherme Wilbraham, que tão disposto parecia a


tractar comigo para ser auctorisado a fazer uso do meu invento
na sua fábrica da Ponta do Sol, achou depois que devia tam•
bem seguir o exemplo do snr. Hinton; respondendo-me, em
carta em que pensou muitos dias antes de a escrever,-que se
não avençava comigo para o emprêgo do meu processo, por-
que, não admittindo a sua fábrica os apparelhos para elle
necessarios, continuava a adaptar, para o aproveitamento do
assucar do bagaço das caonas, metlwdo ha muito adaptado no
seu e&labelecimenlo, no do snr. Hintou, e no dos snrs. Ferraz
Irmãos; pelo qtwl apenas se procura aproveitar dos residuos
da laminação da canna o assucar que lhe fica; apczar de lho
eu ter dicto que havia nos meus processos, com quat1to sim~
pies, algumas particularidades que podimn fazer variar o ren•
dimento.
Essa carta, em que o snr. Wilbraham achou conveniente
não pôr data, é do theor seguinte:
1Snr.-Em vista da exposição que V. .. me foz do seu
invento de aproveitar o assucar do bagaço das cannas, segundo 01

(") Carta dirigida ao D1Amo PoruLAB, e public:11)1 em 24 ele abril


de l883.
,

proces5os q1le tem privilegio, os quaes foram postos em práctica na


fábrica de S. João, corno V. • • me disse com o melhor resulta-
do, manifestando-me assim por essa occasião o desejo de eu ado-
piar em minha fábrica ssse processo, tenho a honra de dizer a
V.. . que não o posso adoplar, por oppôr-se a isso a capacirlade do
estabelecimento, no qual não é pnssfret admittir os apparelhos rie-
cessarios, nas condições dos alludidos processos, por cujo mntfro
participo a V. .. que continuo com o mes,r,o metlwdo adaptado
ha annos no meu estabelecimento e jct lambem adaptado nos dos
snrs. Guilherme Hinton e Ferraz Irmãos, rnethodo desde ha muito
conhecido, pelo qual apenas se prow,.a aproveitar dos resíduos
da laminação da cam1a, o assucar que lhe fica.
«E' quanto posso dizer a V. . . em rcspo5ta ao seu comite
para contractar sôbre a liase na a,·ença de que me fallou, visto não
podêr utilisar-me elo seu invento, apezar de V• •• me ter dicto
que os seus processos eram mui simpl<'s e haver nalles algumas par-
ticularidades que podem fazer variar o rendimento.-Sou de V•••
com moita consitleração, attento veneradur obrigado,-O Gerente
-G. Wilbraham. »
No modo porque está redigida ésta carta ve-se bem um
contrafactor qne procura escapar-se á re11ponsabilidade da
contrafracção, cobrindo-se com um manto curto, transparente,
e roto! ·
Na circular qne dirigi em fe,·erciro último aos diversos
fabricantes ele assucilr e de ngnard,·n1e d'este districto, dizia-
lhcs, como V. Ex.ª ,·iu,-quH, apPzar de serem os meus pro-
cessos muito simples e de terem sido executndos publicamente,
ha nelles algumas particularidades que podem fazer variar o
rendimento.
Ora o snr. Wilbrahnm e o snr. Hinton vem, nesta minha
comrnunicaçüo, uma grande arma r,ontra mim; e por isso foram
encaixada~, tanto á força, na carta do snr. Wilbraham, aquellas
palavras t1nacs E julgam que, á sombra d'ellas 1 poderão apo•
derar-s'3 i111puncrnente do m1•u p, i,·ilPgiol
E' CPrlo íJllO o n,.° 5.º du a,t.º 632.º do Codigo Civil Por•
tug1rnz diz qne é n11llo q in\'e11to-,se a descripção apresen-
t-ida 11:io indicar tu lo o que é neccssario para a execução do
invento011 os verdadeiros meius do aucto1'. •
· A lei tem cm visla nesta 1.lisposicão i111pedir que o in-
vcntGri-quer seJa com o pensamento de evitar á contrafracção,
-8t-

qner seja para não ter qm~ receiar a concorrencia quando, findo
o prazo do privilegio, o invento for do dominio do pút,lico,-
o.cculle ardilos~rnlenle, na sua dcscrircão, cousa necessaria para
a execução do invento, ou não declare os verdadeiros meios
que põe _em práctica para obte~ ? ~bjeclo da descoberta, ou
para realisar o melhoramento prmlegrndo.
Mas, snr. redactor, se, como a mesma circular diz, os meus
processos são simples; se foram executados publicamente na
fábrica de S. João, durante annos; como posso eu sêr accusa-
do de ter Liuo o pensamento resen·ado de occultar alguma par-
te essencial, ou os verJadeiros meios d'esses processos? 1
. Os processos por mim descriplos são os meus verdadei-
ros processos; o não tenho outros.
As taes particularidaJes, como bem claramente o diz es•
sa circular, não são de natureza a impedir a exewção do obje-
cto rio meu invento; podendo só fazel' variar o rendimento. São
simples esclarecimentos de práctica, qne póde dar aquelle que
ja tem exerciJo qualquer industria. Tal é n demora que a prá-
clica tem demonstrado ser mais comcniente entre o momento
em que foi humedecido o bagaço e aquelle em que de\'e ser
espremido.
E' lamentavel, snr. redaclor, que os conlrafactores do meu
invcnlo procurem, com taes fundamentos, apoderar-se da mi-
nha propriedade! e é.ridiculo que alleguem que eu occulto pa(•
ticularidades necessarias para a execução de um processo in-
dustrial que ellcs estão executando, e com grande proveilo, sem
que eu lhes communicasse essas particularidades 1
De V. Ex.a

Funchal, 22 de abril de 1883.


Visconde do Cmmavial.

H
Ex. Snr. Radaclor (•).
1110
~

Pelo mesmo tempo em que recebi a carla do snr. G. Wil-


braham tanscripta na minha última correspondencia, procurou ..
me em mioha casa o snr. Visconde da Calçada, governador ci-
vil substituto d'este dislricto.
Vinha sua ex.a, como proprietario de uma fábrica de as-
sacar e aguardente ua Calheta, responder, de viva voz, ao con-
vite que ou lhe dirigfra para se avençar comigo, para podêr
usar, na sua fabrica, do invento de que eu tenho privilegio.
Um criado trazia um saco; e dentro do saco vinham dois
livros impressos, e um manuscripto. ·
Um dos livros era francez.; e o sor. Visconde da Calçada
mostrou-me nelle um desenho representando o moinho de cinco
cylindros de Payen.
O outro livro era inglez, e, se me não engano, uma obra
de Leonard Wray, publicada em t8it8, que o snr. Hinton aca•
ha de junclar ao processo da acção que lhe puz como eonlra-
factor do meu invento.
O manuscripto continha a traducção de uma passagem do
mesmo livro inglez, qae descreve úm moinho de cinco rolos,
muito similhante ao de Payen; e CUJO valor industrial é bem
indicado pela circumstancia de não vir descripto nas obras
modernas especiaes mais importantes, pelo menos nas que eu
conheço. ·
Na leitura rapida que então fiz da mesma traduccão não
fiquei conhecendo bem o apparelho em lodos os seus detalhes;
mas comprehendi bem que se tractava de um moinho, no qual,
como no de Payen, as camrns eram molhadas com agua e vapor,
antes de chegarem ao último pár de cylindros; ficando estes no
moinho deseripto no livro ingloz um pouco mais affastados dos
tres primeiros cylindrns do que no moin~o de Payen; dando isso
em resultado soffrerem as cannas uma espremedura de menos.
===-====
(.) Carta dirigida ao 0JAPIO PoPULAn, e publicada cm 27 de abril
... t883.
-83~

Não me · recordo como é que na traducção que me apre-


sentou o snr. Visconde d_a Calçada estão traduzidas as palavras
-expressed canes,-expressed canes-stalks. O que, porém, sei
é que, na lraducção da mesma passagem juacta pelo snr.
Hinton ao referido processo, só uma vez foram traduzidas essas
palavras por cannas espremidas; em todas as outras vezes fo-
râm traduzidas, inexactamente, por bagaço!
Eu não quero suppor que o facto de não estar a lraducção
neste ponto tão fiel como a considera o consul de Sua ~Jages-
tade Britannica, fôsse devido ao proposito de fazer crer que
aquelle moinho molhava e espremia bagaço, quando tal não
fazia; porque isso não sería boa fé.
O que devo pensar é que o traductor não sabe que o que
se chama bagaço de canoas é o resíduo das canoas espremidas
que sae de um moinho qualquer; quer esEe moinho seja o moi•
nbo primitivo de Gonzales de Velosa, de tres cylindros verti•
caes, ou o grande moinho de tres cylindros horisontaes de Cail
& C. ª, ou o moinho de Payen, ou outro similbante ou mais
complicado; quer esprema a 40%, a 60°; ou a SO"fo.
0
,

Payeo diz, fallando do seu moinho de cinco cylindros:-


« injectando vapor misturado com gatinhas d'agua sôbre as
cannas, antes de chegarem ao último par de cylindros». Não
diz bagasse; diz car.nes.-«en injectant de la vapeur mélée
de goutteleltes d'eau sur les cannes, avant qu'elles parvinssent
á la derniere paire de cylindres. ,
Ora no moinho de Payen a caonn á espremida quatro
vezes; e no moinho do livro inglez, s6 lres 1
O snr. Visconde da Calçada vinha com lodo aquelle ap-
parato para me persuadir do que, muito anttJs de eu ter obtido
patente de invenção, elle ja conhecia, e exec1ttava na sua fábrica
na Calheta, pelas dcscripções d'aquelles auctores, os processos
de que eu tenho privilegio.
Tentei fazer ver ao mesmo snr. Visconde que o meu in-
vento era cousa inteiramente differeote do moinho de Payen,
do moinho descripto no livro inglez, ou de qualquer outro moi-
nho. Mas não me foi passivei conseguir que S. Ex.ª se désse
por convencido.
Disse-me que me informasse eu de um caldeireiro cha-
mado ~oão José da Cruz, que tinha estado na sua fábrica mui-
H.
-84-
tos annos; que elle me diria se era, on não, verdade, que lá
se aproveitava o assucar do bagaço pelo mesmo processo qne c-u
empregava, muito antrs de ser exrculado na fábrica de S. João.
Respondi ao sor. Visconde que hnvia nel!e, de certo, en•
gaao; mas que eu conhecia o tal caldeireiro, e o interrogaria
a esse respeito.
O estudo que eu linha feito da industria do assncar na
M4deira quando, em f 866, fundára a Companhia Fabril de
Assacar Madeirense, dera-me a certeza de qnc, a esse tempo,
não era empregado nem conhecido, nas fábricas de assncar e
aguardente d'este districto, processo algum vanlajoso para o a-
proveitamento do assacar do bagaço. Toda\·ia, a maneira tão
positiva porque o snr. Visconde me fal!ou fez-me ir procQt'ar
immediatamente o tal caldeireiro.
Ora quer V. Ex.• saber, snr. redactor, o que este ma
declarou?
Que, em virtude do seu offício, tinha entrado em quasi
todas, senão em todas us fábricas de assacar on aguardente da
Madeira; mas qne em nenhuma tira nunca f nzer, 11em lhe con•
stava que se fizesse, aguaruente do bagaço da canna anles de
o fazer a fábrica de S. João;
Que o snr. Luiz B01tencourl, pae do snr. Aluizío Betten-
court, fôra o unico que lhe dissera que tinha feito orna cxpe-
rienda d'isso havia ja muitos annos; mas que não lhe fez couta;
Que estivera dirigindo a fábrica do snr. Visconde da Cal-
çada durante annos, tendo saiuo de lá quando ja iam muito a-
di:rntados os trabalhos da fábrica de S. João (isto é, qnantlo eu
ja tinha patente do meu in\'ento); mas riue nunta até então se
fizera aguanlenle de bagaço naqnella fabrica;
Que, tendo entrado no trahalbo da fábrica de S. João,
,,fra lá, pela primeira vez, fazer aguardente do bagaço; e qne
scí muito depois, talvez annos depois, de se espremer nesta fá-
brica o bagaço no moinho, é que, ind© llma \'r.z ú fúbrica do
snr. Visconde da Calrada, viu que ja lá se fazia o mesmo
trabalho;
Quo se lrmbravn de que no tempo rm qnc dirigia a fá-
brica do snr. Visconde da Culçu<la, cllc lhe dissera que ha\'ia
um moinho de cinco cylindros.
Do modo que, pol' é$las e outras informaç,õcs lJllO poste•
-85-

riormenle tenho colhido, mesmo de individuas empregados na


fábrica do snr. Visconde da Calçada ba muitos annos, rnjo que
foi S. Ex.ª quem primeiro se ulilisou do meu infenlo sem a
minha auclorisação; tendo começado a fazei-o cm !878, qnan•
do ha\·ia ja annos quo elle eslava em execução na fábrica do
S. João.
Ver-me-hei, pois, forçado a demandar lambem o sor. Vis-
conde da Calçada, como conlrafaclor do objecto do mea pri ..
vilegio.
Eu não pC'nsava, snr. redaclor, que pessoas, como o snr.
Visconde da Calçada, qne occopam posição rlevada na socie-
dade, se quizessem apoderar de uma propriedade minha; mns
o que, sobretudo, me surprehcnde é qne prolendam lirrnr-se
da responsabiliJade do seu delicto, dizendo que não é do meu
invento que usam, mas sim de um processo que está ligado a
um moinho de cinco cylindros, que elles não toem 1
Js10 não é serio.
A descripção da addição que Oz em f 875 ao meu in-
\'ento começa pelas s0gumles palavras: ,AdJiç5.o ao Ín\'ento
para o aprornitamenlo vantajoso, applicavel em grande esca-
la, do assucar que fica no bagaço da canna de assncar que sae
do moinho de espremer cannr1s.,
Ora óslas pala\'ras bastam para demonstrar que o meu
iíl\·ento é um supplemenlo ao moinho; aproveita o que moinho
não aprovei ta; comer.a onJe as cannas acabaram de sr.r espre-
midas e appareccn o b:igaço, que só era utilisado como com~
bustivcl uu como adubo.
O men in,·enlo é applicavcl ao bagaço q11e Me de qual-
quer moinho, antigo ou moderno, do 2, de 3, de f' cylindros,
ou do mais, so hou,·or, e quaesquer que sejam os aperfeiçoa-
mentos nelle introduzidos para favorecerem n c~prrmcdura das
cannas. E nessa mesma applicação geral está uma das suas
grandes ,·antagens.
O prnducto obtido pelo meu invento póuo variar l.-f'gnnilo
o moinho; mas ha de ser sempre rnntajoso, qualquer (]!lC Aja
o moinho, porque não ha ncnhnm que não deixe nas can11as
uma granda quantidade do assucar.
So qualquer dos intlustriM'S d'cste dislricto quizr.r desen-
terrar o pô1• a girar na soa indu:itl'ia o moinho do cin o cy-
-86-'
Jindros de Payen, ou a variante de Woods & C.º, nada tenho
com isso, com tanto que não aproveite, pelos meus processos
privilegiados, sem a minha auctorisação, o assacar do bagaço
que sair· de qualquer d'esses moinhos; que estão, todavia, fóra
do uso, e que ninguem tem na Madeira, porque são maus ap-
parclhos.
Quando me foi dada patente para o aproveitamento do
assucar que o moinho deixa no bagaço das canoas, não era
conhecido na Madeira, nem fóra da Madeira, nenhum processo
vantajoso para esse aproveitamento.
E eu pnz em execução o meu processo entre sorrisos de
mofa; ·e luclei com a incredulidade, e com a maldade, e com a
invep; e, quando, no fim de muitos annos e de muitos esforços,
consegui tornar evidente o beneíício,-não falla quem ja quei-
ra aproveitar-se do objecto do meu invento. Mas, desde que é
bom, ja não é meu; e, se é meu, não vale, porque nos moinhos
de Payen e de .J. Woods & C.º se deitavam jactos de vapor e
d'agua sôbre as canoas antes de chegarem ao último par de
cylindros 1
Quando mesmo os princípios em que se baseia o meu
invento não fôssem inteiramente differenles d'aquelles em que
so fundam os que aconselharam jactos d'agua ou de vapor
sôbre as canoas em quanto passam entre os rolos de um moi-
nho, isso mesmo não era moti\'o de nullidade para um privi-
legio que realisa um melhoramento util; pois que não ha inven•
to que se não baseie em dados anteriores.
Num diccionario encyclopedico universal, publicado em
Paris, em 1867, sob a direcção de D. Dnpiney de Vorepierre,
e redigido por urna sociedade de sabios e de litteratos, le-se o
seguinte, num longo artigo sôbre os invento~:-, Não ha inven.
to que não seja composto de elementos emprestados em gran-
de parte, muitas vezes mesmo na totaliJade, ao fundo corn-
mum, accummulado pelos seculos, e que coostiue o dominio
público. Com effuilo, um invento não é nunca obra de um so
homem; e, com um pouco de boa vontade, é sempre possível
achar o germen d'elle numa multidão de ensaios anteriores,
muitas vezes muito futcis, que, por qualquer motivo, não pode-
l'am dar resultados aprecia\'eis.,
N. Basset, na ~.ª parle da l.ª edição do seu Guia Prá-
-81-

ctico do Fabricante de Assucar, diz: ,Não comprehendomos


que se invoque contra um privilegiado os conhecimentos que
elle pôde colhêr em obras publicadas anteriormente á sua pa-
tente, mesmo quando essas obras sejam do proprio reclamante,
a não ser que a obra da patente seja uma cópia servil. Se lia
trabalho novo, esforços novos, resultados novos, numa palavra,
creação nova, uma tal causa de nul!idade viola o direito e a
equidade. ,-,Nous ne compreuons pas que l'o~ invoque contre
um breveté les renseignements qu'il a pu puiser dans des ouvra-
ges publiés anlérieurernent à son breve!, mêrne lors que ccs
ouvrages sont les siens, á moins que l'ceuvre du brevet nr.. soit
qu'une copie à peu pres servile. S'il y a nouveau travai[, nou-
veaux efforts, nouveaux résultats, nouvelle création enfin, une
telle cause de nullité viole le cfroit et l'équité. •
Mas, snr. redactor, um dos fins da agua quente lançada
sôbre as cannas, antes chegar ao último par de cylindros no
moinho de J. Woods & C.º, era oble1· ,qualquer materia
saccharina ainda nellas existente,; ora é boje facto prova-
do, e inconteslavel, que o contacto da agua immediatamen-
te seguido de pressão não póde obter senão o assucar line
das cellulas rompidas, e não o assucar, em maior quantida-
de, das cellulas intactas; e, portanto, ó evidente que tal pro-
cesso não realisa, senão em muito pequena parte, o fim que
tem em vista.
Peço licença para transcrever ainda aqui as seguintes pa•
lavras de N. Basset:-,Sabemos, com relação á extracção do
assucar pelos methodos de deslocamento, que os diversos pro-
cessos de de locamenlo ou de lavagem não podem tirar senão
o assDcar livre interposto entre as particDlas rompidas dos te-
cidos, mas que é absolutamente irnpossivel extrahir por taes
meios a materia saccbarina encerrada nas cellulas que estão
intactas.• • Nous savons, a l'égarcl de l'cxtractioo des sucres
par les méthodes de déplacement qne les divers procédés do
déplacement ou de lavage ne peuvent enlever que Je sucre li-
bra, inlerposé entre les particules déchirées des lissus, mais qu'il
est absolutment impossible d'extraire par lcur moyen la ma-
tiere sucrée renferm.óe dans les cellules restées intacles,.
E\ todavia, para notat· que no moinho Woods, a agua,
tendo &ambom por fim «limpar e conservn1· inteiramente liue
-88-
d'acidos a cadeia sem· fim (lraveller band) •, é, necessariamen•
te lançada em quantidade não só sufficienle para humedecer
as canoas, senão para as saturar d'agoa e lavar a cadeia que as
transpor~a; sendo a agua qpe escorre d'esla laYagem recebida
numa tina para ser inutilisada ou enviada para o alambique,
em quanto que o producto aquoso da espremedura do último
par do cylindros ee mistura com a guampa.
D'aqui rcsollnam grandes inconvenientes. ·
Em primeiro Jogar, a agua da lavagem recebida na tina,
e que contém, necessarjamenle, uma certa quantidade do assn•
car, quer seja deitada fóra, qner seja enviada para o alambique
'1ffi grau baixo qne torna difficil e dispendioso o seu aprorni-
tamenlo, representa uma perda.
Em segundo logar a mistura com a guarapa do produclo
aquoso que sae do úllimo par de cylindros augmenta o volume
e dirninue a densidade da guarapa, tornando consideravelmen-
te maiores as despezas da laboração.
Além d'isso, é lambem para considerar, com relação á in-
dustria da Madeira, que os fabricantes de aguardente, qne tra-
balham em geral por conta do dono dus caonas e querem apro-
YCÍlar o assucar do bagaço (qne, segnndo a práctica geralmen-
te seguida, fica pàra o dono da fábrica) não o podem fazer.
Note V. Ex.:'· bem, snr. redactor, que, da descripcão de
Leonard Wray, claramente se ve que a ngna lançada sôbre as
canoas no moinho de Woods Linha a sna fonte num êrro de
principias, que era a snpposição de qne baslíU'ia molhar as
carmas antes de chegarem ao último par do cylindros para que
uma espremedura imrnediala exlrahisse o assucar quo eslá en-
cerrado nas cellulas.
Ora o mcn invento baseia-se, pelo contrário, no conheci-
mento que ou Linha de qne, 11pezar du ser a canna de assncar
mara,•ilhosnrnento disposta para facilitar a penetração dos li-
quidas, urna la\ agcm seguida de unia prc$são imrncd1a1a, qnan•
1

<lo os phcnomeuos da osrnose não podl'm ter tempo do exercel'•


se, não arrasta senão o assucar liHc, o assuca1· que jú se acha
fórn das cc\lulas.
Por isso, no meu processo privilegiado. em 1870, o bnga-
co é mergolhnuo cm agua, opporlunamcnlc renovada, na qual se
estabelece um mo,·imcnto circutalorio para fac11ilar a maceração
· No meu segundo processo, sendo diversas as circumstan-
eias a que tinha de altender, vi que, para tornlr \'antajoso, nes•
sas circumstaocias, o aproveitamento do assucar do bagaço, era
necessario obtel-o, economica e industrialmente, em solução bas•
tanta densa para podêr ser transformado, facilmente e sem gran-
de despeza, em aguardente. Vi qne não podia traclar o bagaço
senão por uma só agua, e essa em quantidade apenas súfficien•
te, como expressamente diz a respectiva descripção, para o hu-
medectir, e penetrar nas celllllas intactas.
_ De modo que é fóra de dúvida que a agua de que, neste
meu processo, é impregnado o bagaço, não sé at'l'a~la, quando
este é passado ao laminador, o assucar que encontra livre (o
(JlilC unicamente faz a lavélgem), senão tambem, pelo menos em
grande parte, o assacar encerrado nas cellnlas intactas.
Já se vc, pois, qnal é o fim util, que Ü\'e .em vista na
disposição por camadas Jelgadas do bagaço que sae do moi-
nho, afim de ser lodo sufficientemente humedecido com a a-
gua apenas necessaria; bem como no lempo que deixo passar
entre o momento (ltn que o mesmo bélgaço é molhado com a
agua em chuva fina, até aquellc em que é espremido pelo la-
mioador.
Aqnelles que consilleram estes preceitos apenas mudan•
ças de fórrna prejodici:.,es á industria, mostram bem que nem
comprchendem ainda o proprio processo de que são contrafa-
ctcnes, nem os bous princípios sóbre que elles assentam.
E é para notar qlle, neste seguudo processo, não ha, co•
mo no primeiro, vcrdadl'iramenlo maceração, pelo menos como
ésta so entett &f plicada á r.anna de assucar; mas simples im-
pregnação, o que é um meio especial.
• Applicat.la á canoa de assucar, diz Basset, a maceração
cnnsisto ess1•ncialmente no conlaclo sufficicntemente prolongado
da canoa, dh·idida cm peqnrnas parcellas, com liquidos extra•
clorrs de densillade decrescente até que os tractamentos succes ►
sivos tenhmn esqot"do a materiri da totalidade dos seus ele-
n1e11tos.-A ppli1j.11ée à la caune, la macération consiste essen-
ci,•llcmcnl dans lo con1act soffisamment prolongé dcs coseUes
d1! ca11ne avec los li1p1idrs cxlrncteurs, de densité décroissante,
j 1.~qu'à ce qutJ lc.~ traitme11ts successifs oient épuisé la matier,
de la tota!ité de ses éléments sol1,blcs.,
i2
-90-
Mas, snr. redactor, ha outra consideração imp-ortante sóbre
a qual desrjo chamar a allenção de V. Ex.ª
· Leonard \Vray diz (p. 299) que, ao passo que os moí•.
nbos então geralmente emprrgados nas West-Indias rarissimas
vezes exlrahiam dns canoas mais de GO por cento de sueco, õ
tal moinho de J. Woods ti1arn 70, e podia chegar o reudimen•,
to a 75 por cento, sendo os cylindros bem apertados.
Ora, não só é certo que este rendimento não excede em.
quantidade a guarapa obtida pelos moinhos de fôrça e diametro
iguaes ao da antiga fábrica de S. João, que espreme a 70 ou
72 por 100, senão é evidente que, sendo esse rendimento de-
vido, em parte, á acção d.-... agua sôbre a canna em la vagem ra-
pida, não póde o sueco obtido deixar de ser menos denso da
que a guarapa.
De modo que, se o meu processo fôs8c- empregado no ba•
gaço saído do moinho ,le Woods, ainda tiraria d'esse bagaço,
C'Omo ti1 a do bagaço qne sae do moinho da mesma fábrica do
~. João, uma qnantiJaJe de liquido corresponrlente a um quin-
to da guarapa obtida em 10 graus Baumé, como tem em geral
a gnarapa.
Logo o meu invento faz subir o rendimento da canna em
guarnpa, ou em liquido cqui, alenle, de 60 ou 7_0 por fOO, se-
gundo o moinho emprcg d , O 0.11 90 por 1001 Quer dizer
que, pelo meu invento, a canoa da Madeira póde render an ..
nualmcnle mais cêrc-a de 50:000$000 réis 1
Hesumiudo as considcraçõe~ qno acabo de expcndor, pare,
é{!m bem salientes as seguintes difforenças:
L•-Nos moinhos de cinco e ·linâros de P.ayen ou de J.
Woods & C.º, o rnpor e a agua são lnncados sóbrc as çaima~
ém quanto passam do uns para outros cylindros do mesmo
moinho. .
No meu proccsi::o a agua é lançada sôbre o resíduo do
moinho, sôb1:e o bagnço que ia ser- queimado nas fornalhas, ou
ia ser.dr do adnho;
2.ª-No moinho de J. Woncls & C.º a matcl'Ía rl'gnda
nunca póde ficar mais tt-mpo molhada do que o corto espaço
Ele tempo que· gasta cm passar do Lº Jogo do rylindrns para
o 2·.0., con, o movimcn1-0 uniforme que lho é in1primido num
;ippardho cujas partes se movem lodas junctamcnto;
-'91-

No meu pl'ocesso o bagaço que sae do moinho p6de de-


morar-se, antes de ser espremido, todo o tempo que se julgar
comeniente:
3.ª--No moinho de Voods & C.º a agua é lançada em
quanlidade snfficienlC', não só para saturar o bagaço, senão
lambem para la·var a cadeia que o transporta, e conservai-a
livre d'acidos; sendo .o excesso recebido em uma tina para ser
lançado fóra, ou lcrndo para o alambique;
No meu processo, a agua é lançada sõbre o bagaço em
quantidade apenas suffeciente para o humedecer, e penetrar
nas cellulas intactas; recoinmendando eu, até, que, quando em ·
virlude de um mau trabalho, for lançado sôbre o bagaço agua
em excesso,· seja- essa agua tomada pela bomba e lançada sô-
bro bagaço no,·o; .
· 4.ª-No nrnioho de J. Woods & C.º é inutilisada, ou
des,·antajosamr.nle aproveitada, uma parle da agua lançada sô•
bre o bagaço;
No meu processo, regularmente executado, não ha ne-
nhuma perda d''essa agua;
· 5.ª-No moinho de Woods & C.º o produclo da pressão
das cannas depois de molhadas mistura-se com a guarapa; .
No meu processo (e é ésta uma d1fferença das mais im-
portantes) não ha mi:-.lura alguma com a guarapa do produclo
do ba~aço trnc1aJo pela ngna; _
6.ª-Pelo ernprêgo cio moinho de Woods & C. 0 o rendi-
mento da canna Jo assacar é do 70 por 100, e, quando muito,
de 75 por iOO, do sueco, de densidade menor do que a da
go ar:i ptr,:----.~e,o,.-.
O remlimrnto do mon proe so, junclo ao do moinho ge-
rnlml'nle 'cm1iregailo, é do 80 a 90 por fOO de sueco, com a
uensiuade de 1O gr. de Baumé, que é, approximadamente, a
tla guarap.;
7.ª-0 moinho de 'oods & C.º e nm apparelho··com•
plicado, dü dilliL:il rrparnção, e quo é, aclualmeole, tão pouco
cmp1't>gado ua industria, que as obras modernas não o des•
Cl:C\'t1 1l1;
, O ~eu p~ocoss? não cxigo moinho especial; e por isso
e do mutlo mais fac1l o mais larga applicação.
E', pois, evidente quo as difforencas, entre os principios
n.
em que se baseia, e os resultados .que obtem, o apparclho do
Woods & C.º e os do meu processo são tamanhas, e de tal or•
dem, que não é pos~ivel, de modo algum, confundil-os, nem
sequer achar-lhes simi1hança; porque não ba confusão, nem si-
milhança possível, entre um meio desusado e abandonado por
inutil, e um meio tão proveitoso como é o meu invento.
O qne é lambem muito notavel é que os que pretendem
estar usando de um processo que está, inseparavelmente, ligado
aos moinhos de Payen ou de J. Woods, que não teem, allegam
que não podem estar contrafazeu<lo o objeclo da addição ao
meu invento de 1870, porque não possuem nas suas fábricas
o apparelho especialmente in\·en lado para a execução do meu
primeiro processo, apparelho que não é indispensavel para a
a execução do processo que contrafazem 1
De mais, snr. redactor, para que haja contrafracção, não é
necessario que ésta comprehenda todo o objecto de um privile.
gio; basta· que haja imitação.
F. Coré, engenheiro civil, antígo conslructor, é perito do
tribunal do primeira instancia, em Par·is, publicou, em f 867,
a 2.ª edicção de um livro que lem por titulo-~Guide commer-
cial des constructeurs mecaniciens, des f abricants de sucre et
des chefs d'industrie,,--no qual (p;1g. 125) diz o seguinte:~
• A contrafacção póde compreh6nder a totalidade do privilegio,
ou limitar-se a uma ou mais partes especiaes.-A contrafac,
ção, de qualquer modo qne ella· se opere, por imitação ou por
reproducção, é considerada um delictoj por isso, além das per..
das e damnos e penhora dos objeclos contrafeitos em bcneff.
cio do inventor qne tem patente, ella dá logar a ama muleta,
á affixação do julgamento, e mesmo a pl'isão no caso de rein-
cidencia., - , La conlrefaçon, peul cmbrasser l'ensemble du bro•
vet ou n'en concerner qu'une ou plusiems parties spéciales.-.
La contretaçon, de uelque ma11ierc qu'elle soit opéréc, par
im1iation, ou par reproduction, es-l cousidórée comn1e un délit,·
à ce titre, outres les dommages-in1érêts, et la confíscation des
objects contrefait!'l, au profiL de l'm,·enleur brcveté, elle enlrâi•
no une amende, l'affiche du jogement, et même l'emprisoone•
ment en cas de récidive.,
Snr. redactor, eu linha ainda diversas considernções qne
fater com relação ao a&sumpto de que mo tenho occupado nas
-93-
correspondcncias que tenho tido a honra de di,rigir a V. Ex.ª;
mas, parecendo-me sufficiente, para esclarecer ésla questão, o
que, ha mez e meio, tenho publicado sr.m contestação, não qne• .
ro abusar mais da benevolencia de V. Ex.ª e da dos leitores
do seu jornal, que, sendo essencialmente noticioso, não póde
occupar-se, cm longas columnas, clo mesmo objecto.
Dou, pois, hoje por terminadas éstas minhas correspon• .
dencias; a não ser que alguma circnmstancia superveniente me
oLrigue a tornar a incommodar a V. Ex.ª
Creio qnc deixo eYide11lemente demonstrado que cu sou
o in\'enlor do Ín\·ento de que tcolio patenbe; que este invento
realisa um granue melhoramento na industria de assuc.11· ou
da aguardente de cnnnas; e que nenhuma circurnstancia me
esbulhou da propriedade d'esse invento.
A prova lestimunbal confirmará ésta demonstração.
De V. Ex.ª
mt.º alt.º \'enerador obr.dº
Funchal, 25 de abril de !883.
Visco11de do Cannavial.

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