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EQUIDADE E JUSTIÇA: PROCESSOS CRIMINAIS NO VICE-REINADO DO

PRATA (SÉCULO XVIII)

Resumo:
Mostrar quais eram os fundamentos para a administração da justiça na américa espanhola e
dar alguns exemplos em que a teoria possa ser vista.
Equidade, prudência e arbítrio. A lei tinha de ser sempre interpretada dentro desses princípios

Contexto
- pluralidade de ordenamentos: direito canônico, civil, comum, romano.
- pluralidade de leis: todas em vigor. desde as Sete Partidas...
- pluralidade de decisões: a arbítrio dava ao juiz liberdade para decidir com prudência o mais
justo.
- probabilismo moral e jurídico: age prudentemente quem age seguindo a opinião provável.
Ou seja, não há certeza completa, só certeza provável. Mas diante de 2 ou 3 opiniões, podia
ser seguida qualquer uma. Aceitava-se a incerteza da vida, não a segurança jurídica.

Esclarecendo conceitos
- Arbítrio não é sinônimo de arbitrário, mas de juízo, critério, decisão racional e raciocinada.
Não está ligado à vontade. Diconário autoridades (1726): a capacidade do homem de adoptar
uma decisão. sentença judicial. Fallo o Arbitrio. É a capacidade de julgar.
- Prudência: qualidade de quem decide e faz a coisa certa.
- o justo é aquilo que está no meio entre dois pontos, mas que não é o meio. Explicar entre A
e B.
- o juiz devia ser alguém que, tendo em conta o alegado e provado, soubesse interpretar a lei
para encontra a decisão justa, de acordo com a razão, o direito e a equidade. Arbítrio regrado.
- questão central: a sentença justa era fruto de um juiz justo.
- outra questão: o que se guarda, se defende e procura é o justo, não a lei.

Características do processo
- celeridade e arbítrio
- 6 meses
- Meccarelli: elemento estruturante do sistema.

1
- não há propriamente precedentes. Cada caso é um caso. Pluralidade de decisões diante do
mesmo tipo penal
- Ortego Gil: o juiz formava a sua íntima convicção e sentenciava de acordo com ela, a
partir não só do “alegado e provado”, como também tendo em conta a equidade, a razão e o
direito. Como o próprio Ortego explica: “o arbítrio judicial podia afastar-se da estrita
legalidade, mas nunca traspassar o marco do Direito, nem muito menos da Justiça”1.

Os casos estudados

Casos de pouca importância

1. O primeiro caso é de 1780 e teve lugar em Buenos Aires (AGN, 39-08-04, L 280, n. 18,
1780). Neste juízo por injúria o réu confessou, mas o juiz considerou ocioso continuar
adiante com o processo devido à pouca importância do assunto, além de levar em
consideração que o réu já esteve no cárcere por essa causa por um tempo. Daí que o
juiz se limitou a fazer-lhe uma advertência formal e a exigir-lhe o pagamento das
custas. De fato, o próprio demandante reconhece que “a palavra proferida que o
injuriou foi dita por um improviso fervor”. E o juiz explicava na sua sentença:

Sem dúvida nascido das antecedentes reconvenções de que se segue


não ser pronunciada com ânimo sério que induza conceito do que significa,
pelo mesmo motivo e do fato de que continuando nesta causa não haverá
mais fruto do que aumentar gastos inúteis, portanto, tendo-se em conta
como parte da pena o tempo que esteve dito réu no cárcere e a advertência
que lhe é feita de que em adiante seja mais moderado nas suas palavras
não se deixando levar por frívolos arranques e, não fazendo assim, será
punido com todo o rigor juntamente com a satisfação de todas as custas
em que se lhe condena; seja posto em liberdade, desembarguem-se e
entreguem-lhe os seus bens, deixando na sua boa fama e opinião o
querelante (AGN, 39-08-04, L 280, n. 18, 1780: f. 9r).

Temos aqui uma sentença absolutória, na qual, embora se reconheça a verdade dos
fatos alegados pela parte querelante, apesar disso, não há condenação contra o acusado.

2. é um caso de injúria, acontecido em 1781 na cidade de Buenos Aires (AGN, 39-07-09,


L. 276, n. 7, 1781). O mestre de uma orquestra, Antonio Beles (ou Vélez) fez uma
queixa-crime ao Vice-Rei pelas expressões ofensivas e injuriosas de alguns músicos
da orquestra contra ele. A sentença reconhece que, de fato, tratou-se de palavras

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fortes contra ele, contudo considera que devem ser compreendidas por causa da
moléstia desses músicos perante uma suposta dívida que não teria sido satisfeita
pelo querelante, e “de todo o seu contexto não se descobre ânimo de caluniá-lo”.
Além disso, a sentença destaca que são homens rudes, “imperitos e sem
conhecimento do verdadeiro estilo com que as pessoas devem relacionar-se”. Por
último, o juiz expressa o seu desagrado por ter de se ocupar dessas nimiedades,
“impedindo-o de conhecer de outras <causas> de maior consideração” por estar
ocupado em matérias que não justificam um processo criminal:

Sendo um assunto ridículo pela sua natureza em que não é


conveniente fomentar ressentimentos de pouca entidade com igual
ruído e empenho que teria um negócio sobre homicídio ou outro
semelhante. Por isso mesmo determino que lhe seja imposto
perpétuo silêncio ao dito Vélez e os Músicos sejam advertidos para
que daqui em diante guardem moderação e estilo tanto de palavra
como por escrito contra o citado Vélez, dando-lhes a entender pelo
escrivão da causa o excesso repreensível em que incorreram por ter
representado a S.E. uns fatos falsos procedendo com ligeireza e falta
de sinceridade (AGN, 39-07-09, L. 276, n. 7, 1781: f. 41v).
Além disso, a sentença ameaça os músicos com castigos em caso de reincidência,
condena-os ao pagamento das custas, e ordena riscar as expressões ofensivas contidas no
memorial (como, de fato, pode constatar-se quando se examina hoje o documento, que
contém partes que resultam ilegíveis por terem sido riscadas propositadamente).

3. No terceiro caso, trata-se de um processo de abigeato (roubo de dois bois) que está
perfeitamente provado (AGN, 39-07-09, L. 276, n. 4, 1776). Mais ainda, o juiz tem
presente a gravidade do delito e a necessidade de dissuadir os possíveis delinquentes
(“sendo conveniente ao bom governo desta república conter os excessos de roubos
que se fazem nos gados dos vizinhos e que escarmentem conforme a sua classe e
circunstância”) (AGN, 39-07-09, L. 276, n. 4, 1776: f. 13r). Contudo, passa a ter em
conta o fato de o réu ter passado um tempo no cárcere, o qual “ paga em parte este
delito” e, especialmente, a sua situação de pobreza e o fato de ter uma família
numerosa. Diante de tudo isso, o juiz decidiu simplesmente aplicar-lhe uma multa,
condená-lo ao pagamento das custas e adverti-lo para que “em adiante proceda

1
ORTEGO GIL, Pedro. Condenar ou absolver: entre os juízes de Castela e o iudex commune. In: HOMEM,
António Pedro Barbas et alii (coord), O perfil do juiz na tradição ocidental, Lisboa: Almedina, 2007, p. 156.

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regradamente porque, não sendo assim, tomar-se-ão as mais sérias providências que
forem convenientes” (AGN, 39-07-09, L. 276, n. 4, 1776: f. 13r).

Casos de violência contra mulheres

Pasquala Gonzalez: a fuerza de castigos, no podía hablar palabra

O caso não é exatamente um processo criminal em regra. Pasquala entrou com uma
ação, diretamente no Tribunal da Real Audiência de Buenos Aires, pedindo que o Tribunal
avocasse para si a sua queixa, devido ao fato de que tinha ido se queixar ao juiz competente, o
“Alcalde de la Santa Hermandad del Partido de los Arroyos”,
O juiz de los Arroyos não atendeu à sua demanda e Pasquala,
passou a procurar refúgio na casa paroquial do Vigário de San Nicolás que, depois de
ouvi-la, recomendou-lhe ir até o Partido de Santa Fé, próximo a San Nicolás, e apresentar lá a
sua demanda.
Diante disso, Pasquala viu-se obrigada a abandonar a sua casa, que era herança do seu
defunto marido, e andar “como peregrina com uma pequena equipagem de umas alforjas,
carregadas nos ombros, até encontrar uma casa que me acolhesse ou me ocultasse para
libertar-me da sanguinolenta tirania e do assassinato que o meu marido pretende executar
cruelmente” (f.1v).
Depois das diligências necessárias e de ouvidas as testemunhas, os autos passaram ao
Fiscal da Sua Majestade, no criminal, Marquez de la Plata, quem, considerando inicialmente
que o caso era singular precisamente por causa do conflito de jurisdições, contudo, atendendo
às circunstâncias do caso, considerava que o Tribunal da Real Audiência autorizasse o
Alcalde de la Capilla del Rosario de Santa Fé para mandar ordem de prisão contra o marido,
uma carta requisitória ao primeiro Alcalde, Loaysa, e poder para ouvir as testemunhas e dar
prosseguimento ao caso (f. 14r).

O que o marido invocava como “a origem da minha infelicidade e desgraça das


iniquidades cometidas contra minha mulher Pasquala precisamente as lamentações, queixas
e clamores” (f. 53r) que ela deixava patente na sua queixa aos juízes, chamando-o de ser “um
homem deixado da mão de Deus, um premeditado assassino da sua pessoa, um louco
carniceiro, infame, tirano e perverso marido. São essas as palavras mais doces e elevadas
com que minha esposa mostra o amor com que ama o seu consorte” (f.53r).

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E, para provar a argumentação irônica que apresentava, passou ao ataque da pessoa da
sua mulher, acusando-a de ser ela quem tinha um gênio difícil, quem era extremadamente
soberba, que andava de casa em casa na vizinhança, abandonando o seu lar e o cuidado do seu
marido, “um sem número de ocasiões, sem licença nem consentimento do seu marido e pelo
tempo que ela sempre queria, sem eu saber do seu paradeiro, unicamente dominada pelo
incorrigível gênio da soberba que a anima e resolvida a não obedecer nem sujeitar-se às
admoestações do seu consorte”(f.53v).
No dia 8 de fevereiro, o Fiscal da Sua Majestade no criminal, enviou parecer ao
Tribunal da Real Audiência de Buenos Aires propondo um ato processual ainda mais peculiar
e singular. Dizia o Fiscal que para que se resolvesse definitivamente o caso lhe parecia mais
conveniente que ambos fossem citados pela Real Audiência para que, presentando as suas
defesas perante o Tribunal, se verificasse a verdade do caso. E, no dia seguinte, 9 de fevereiro,
o Tribunal decidiu avocar para si o processo, convocando a autora e o réu para apresentarem
as suas alegações. Infelizmente, ainda não pude encontrar o processo que deve ter corrido
perante a Real Audiência de Buenos Aires.

Manuela Melo: La prudencia le dice que debe separarse de su marido


No dia 13 de novembro de 1786, Manuela Melo, mulher de Sebastián Pérez de
Caravaca, por maus tratos “arrastá-la, dar-lhe pontapés e golpes em plena rua”. Pede
divórcio

A sua defesa baseou-se em dois princípios que representavam os valores próprios do


matrimônio de finais do século XVIII: o fato de que o marido “está autorizado a uma
moderada educação da sua mulher quando há fundamentos para isso por ser o pai da família
a quem corresponde o governo econômico da casa” (f.18r) e que preferia abrir mão de um
juízo formal “porque sem dúvida resultaria a separação do matrimônio e está na firme
inteligência de que a bondade de Vossa Alteza está também muito distante disso e, pelo
contrário, quer a união” (f. 18r).

Diante do teor da defesa do seu marido, Manuela, desiste do processo desde que
cumpra condições:
“deve ser proibido severamente de entrar nesta casa e qualquer intervenção ou
comunicação com Manuela até que ela fique convencida de que suas manias fatais acabaram
definitivamente” (f. 24v) e, por último, devia ser obrigado a “contribuir com os alimentos
correspondentes à sua qualidade para poder subsistir com decência” (f. 24v).

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Casos de devido processo legal
- Adultério
só se procede por denúncia do marido
1) Fructuosa Políbio, escrava
2) Gerónimo Toro, 40 anos, e Juana María, 18. De tucumán a buenos aires
Casos de apreciação de provas
só podem ser provados por indícios
os irmãos Francisco, de 31 anos, e Margarita Balcázar, de aproximadamente 22 anos, moravam
num pequeno quarto alugado na casa de Bárbara Videla
o juiz absolve, o tribunal condena

O segundo processo1 foi iniciado por parte do marido, Juan Antonio Caballero, contra o suposto

agressor, Manuel Lazcano, casado, que, sendo pessoa que frequentava regularmente a casa,

aproveitou-se dessa situação e da ausência do marido para numa noite invadir a casa e tentar forçar

a mulher, Dionísia Michaela de Arriola, batendo nela quando “esta resistiu a suas torpes solicitações”

(f.

sentença: a causa de forma singular: ordenou que o agressor Lazcano fosse libertado e proibiu-

o, em adiante, de ter trato ou comunicação com o casal e até de frequentar as imediações da casa,

sob pena de 200 pesos, caso infringisse a ordem, “advertindo-o seriamente para que melhore a sua

conduta aos deveres do seu estado, sem dar motivo a nova queixa nem suspeita, procurando em tudo

o bom exemplo da sua mulher e família e a aplicação ao trabalho, cujos defeitos são notórios”.

Tribunal confirmou.

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5.5.78.2

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