Você está na página 1de 343

IVANA MARIA LOPES DE MELO IBIAPINA

HILDA MARIA MARTINS BANDEIRA


PATRÍCIA SANDALO PEREIRA
WELLINGTON DE OLIVEIRA
|| ORGANIZADORES ||

PESQUISA E FORMAÇÃO:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS

LORENA
2022
Copyright © 2022
Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina || Hilda Maria Martins Bandeira
Patrícia Sandalo Pereira || Wellington de Oliveira

COLABORADORES
Profa. Denise Viana e Sousa
Profa. Edileusa de Souza Santos
Profa. Fabrícia da Silva Machado
Profa. Francisca Eudeilane da Silva Pereira
Profa. Hilda Maria Martins Bandeira
Profa. Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
Prof. Joelson de Sousa Morais
Profa. Josiane Sousa Costa de Oliveira
Prof. Liceu Luís de Carvalho
Profa. Lúcia de Araújo Ramos Martins
Profa. Lindamara Oliveira de Sousa
Profa. Márcia Maria Dias Carvalho
Profa. Maria Divina Ferreira Lima
Profa. Maria do Socorro Brito de Oliveira
Profa. Maria Salonilde Ferreira
Profa. Mauricéia Silva da Trindade Machado
Profa. Marlucia Barros Lopes Cabral
Profa. Marinalva Veras Medeiros
Profa. Michelly Cristiny Soares
Profa. Patrícia Sandalo Pereira
Profa. Roberta Karoline Azevedo Moreira
Prof. Rodolfo Meissner Rolando
Prof. Wellington de Oliveira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(CIPO)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

I12p IBIAPINA & BANDEIRA & PEREIRA & OLIVEIRA, Ivana Maria Lopes de Melo; Hilda
Maria Martins; Patrícia Sandalo; Wellington de.
Pesquisa e formação: diálogos possíveis./ Ivana Maria Lopes de Melo
Ibiapina; Hilda Maria Martins Bandeira; Patrícia Sandalo Pereira; Wellington de
Oliveira (Organizadores.). -- Lorena: Editora Casa, 2022.

434 p.: il. 23 cm.

ISBN: 978-65-88830-15-4 - ebook

1. Didática 2. Educação
I. Título II. Autor

CDD - 370

Todos os direitos reservados - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer


forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crime
estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Projeto Gráfico/Diagramação: Annie lopes


editoracasa@hotmail.com
APRESENTAÇÃO

|| Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


|| Hilda Maria Martins Bandeira
|| Patrícia Sandalo Pereira
|| Wellington de Oliveira

O ser humano é capaz de considerar racionalmente a


realidade que o cerca. Mas o princípio da racionalidade só dá uma
radiografia da realidade; não lhe dar a substância. A realidade
humana é o produto de uma simbiose entre o racional e o vivido.

(MORIN, 2012, p. 121).

Pensar a produção do conhecimento científico impli-


ca pensar a condição existencial como processo e produto
das relações entre o racional e as vivências sócio-históricas e
culturais. O livro “Pesquisa e formação: diálogos possíveis”
traz em seu bojo pesquisas que foram apresentadas durante
o X Colóquio Nacional da Associação Francofone de Pesquisa
Científica em Educação (AFIRSE) – Secção brasileira, que acon-
teceu no Centro Universitário Teresa D’Ávila – UNIFATEA,
em Lorena - São Paulo.

4
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Os textos que compõem a obra são frutos de estudos


e pesquisas que aprofundam discussões sobre o processo de
formação docente, por meio da conexão entre o pesquisar e o
formar, apontando um caminhar novo de atuação e supera-
ção, que os levem a viver a ‘vida em transformação’.

O capítulo intitulado “A pesquisa colaborativa e


o valor de fazer juntos”, de autoria de Josiane Sousa Costa
de Oliveira e Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina investi-
gou a relação dos significados e sentidos de docência com
as necessidades formativas de professores do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
(IFMA), campus Caxias.

Fabrícia da Silva Machado no capítulo “A implicação


da pesquisa-ação no contexto formativo em valores humanos
na perspectiva pragmática” trouxe discussões dos contextos
de valores humanos de teor pragmático, relacionando com as
práticas utilitárias.

Em “As narrativas de formação no ensino superior


como propostas avaliativas mediadas pelos diários escritos”, a
autora Francisca Eudeilane da Silva Pereira buscou compreen-
der as potencialidades da narrativa como estratégia avaliativa
mediada pelos diários escritos no ensino superior.

No capítulo intitulado “Considerações acerca da


pesquisa crítica de colaboração (PCCol): aspectos ontológicos,
epistemológicos e axiológicos no desenvolvimento da pes-
quisa”, os autores Wellington de Oliveira e Rodolfo Meissner
Rolando trouxeram um ensaio teórico, em que discutem os
fundamentos filosóficos do paradigma da Pesquisa Crítica de
Colaboração (PCCol).

5
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Em “Forma e conteúdo dos resumos em dissertações:


o que analisar?”, as autoras Hilda Maria Martins Bandeira,
Denise Viana e Sousa e Lindamara Oliveira de Sousa ana-
lisaram conteúdo e forma dos resumos de dissertações do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí, no período de 2010 a 2018, a partir da com-
preensão da realidade vista pelas lentes materialistas, que tem
como critério de verdade a prática real.

As autoras Maria Divina Ferreira Lima, Roberta


Karoline Azevedo Moreira e Mauricéia Silva da Trindade
Machado no capítulo intitulado “Grupo focal como disposi-
tivo metodológico na pesquisa qualitativa: jogos didáticos na
aprendizagem significativa e inclusiva no ensino superior”
analisaram a contribuição dos Jogos Didáticos para a apren-
dizagem significativa inclusiva na formação inicial de pro-
fessores no Ensino Superior utilizando o Grupo Focal como
dispositivo metodológico.

O capítulo “Modos de fazer e significar as relações


pesquisar/formar”, de autoria de Maria Salonilde Ferreira
trouxe discussões a partir da experiência de desenvolver um
processo de formação continuada com professores da educa-
ção infantil mediado por procedimentos que conectam pes-
quisa/ensino/formação.

Márcia Maria Dias Carvalho, Liceu Luís de


Carvalho e Lúcia de Araújo Ramos Martins trouxeram em
seu capítulo intitulado “Narrativa escrita: possibilidades
de reflexão e transformação do/no fazer pedagógico numa
perspectiva inclusiva” as singularidades formativas de um
professor em relação ao processo de inclusão de seus alu-
nos, de modo a levá-lo a um novo redimensionamento de

6
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sua prática docente.

Em “O diário como dispositivo metodológico numa


pesquisa-formação narrativa (auto)biográfica em educação” o
autor Joelson de Sousa Morais buscou compreender o poten-
cial do diário como dispositivo metodológico no processo de
construção de uma pesquisa narrativa (auto)biográfica em
educação, a partir de reflexões das experiências formadoras.

No capítulo intitulado “Pesquisa e formação docen-


te: diálogos com a observação colaborativa”, as autoras Ivana
Maria Lopes de Melo Ibiapina e Hilda Maria Martins Bandeira
trouxeram discussões sobre a observação colaborativa como
procedimento metodológico, apontando que esta valoriza
a reflexão crítica na explicitação da unidade teoria e prática
enquanto princípio formativo curricular.

Em “Pesquisa, formação e profissionalização: o que


narram as professoras? Maria do Socorro Brito de Oliveira
considera que a formação docente, conforme as reflexões
tecidas no estudo, apresenta-se como temática de questiona-
mentos acerca dos saberes da prática com foco na profissio-
nalização. O objetivo do estudo é analisar a formação docente
como elemento essencial de construção dos saberes da profis-
são que promovem a profissionalização a partir das narrativas
memorialísticas das professoras dos anos iniciais do Ensino
Fundamental.

No capítulo denominado “Pesquisar e formar: des-


pertando a criticidade argumentativa a partir de notícias, as
autoras Michelly Cristiny Soares e Marlucia Barros Lopes
Cabral Neste artigo, fizeram um recorte da pesquisa intitula-
da “A coerência textual no artigo de opinião: uma proposta
de intervenção”, que objetivou “analisar as contribuições da

7
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

intervenção na prática de ensino-aprendizagem da coerên-


cia textual, na produção do artigo de opinião, mediada por
Oficinas de Letramento”, que objetivou contribuir para desen-
volver/ampliar as habilidades dos participantes da pesquisa,
referentes à coerência no artigo de opinião, em uma perspec-
tiva crítico-reflexiva.

O capítulo “Roda de conversa como dispositivo


metodológico de produção de dados e formação na pesqui-
sa narrativa em educação de Maria Divina Ferreira Lima
apresenta a metodologia de rodas de conversa desenvolvi-
da em sala de aula, como dispositivo metodológico da pes-
quisa narrativa, centrada no método autobiográfico, que
permite o resgate da sensibilidade, da subjetividade e a
socialização de novos saberes, construídos e reconstruídos
de forma individual e coletiva. Este dispositivo, permitiu
uma releitura das aprendizagens dos discentes na discipli-
na Didática Geral, do período letivo 2019.1, como parte do
Estágio de Docência do Curso de Mestrado em Educação,
da Universidade Federal do Piauí.

Em Roda de conversa: metodologia participativa


que favorece o diálogo e a partilha de saberes entre docentes,
as autoras Edileusa de Souza Santos e Maria Divina Ferreira
Lima apresentam a utilização da metodologia de rodas de
conversa no contexto de uma pesquisa em andamento, tendo
por objetivo destacar o emprego das rodas a favor da cons-
trução de uma prática dialógica que possibilita o exercício do
compartilhamento de saberes entre professores.

No capítulo “Seminários de estudos reflexivos: cam-


po aberto ao debate, novas perspectivas em pesquisas edu-
cacionais”, Marinalva Veras Medeiros apresenta a discussão

8
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dos procedimentos teórico- metodológicos realizados em uma


pesquisa de mestrado (PPGED/UFPI). Nesta oportunidade se
discutiu com coordenadores pedagógicos da rede municipal
ensino de Teresina-Pi, mediados pelo referencial teórico que
embasou e basilou a investigação, sobre elaboração e/ou reela-
boração de conceitos. A pesquisa teve como objetivo analisar
as necessidades formativas do coordenador pedagógico, bem
como criar contextos colaborativos de formação sobre a práti-
ca pedagógica, de modo que esses profissionais pudessem (re)
construir conceitos inerentes à sua própria prática.

A autora Patrícia Sandalo Pereira no capítulo O


movimento de pesquisar e formar em Ensino de Ciências e
Matemática do grupo de pesquisa FORMEM traz os projetos e
as pesquisas envolvendo a formação de professores, que foram
desenvolvidas ao longo dos dez anos de sua criação, focando
principalmente nos estudos fundamentados nos princípios do
Materialismo Histórico Dialético e da Pesquisa Colaborativa.

Evidenciamos para fato de que a redação do texto de


cada capítulo desta obra, nos aspectos de correção linguística
e uso de orientações técnicas da produção científica, é de intei-
ra responsabilidade dos respectivos autores.

Enfim, esperamos que esta publicação afete positiva-


mente cada leitor, potencializando reflexões críticas sobre a
pesquisa científica e a formação de professores, assim como
seja capaz de provocar diálogos possíveis e exponenciais.

Os organizadores

9
SUMÁRIO

013 INTRODUÇÃO

022 A PESQUISA COLABORATIVA E O VALOR DE


FAZER JUNTOS
Josiane Sousa Costa de Oliveira
Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

040 A IMPLICAÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO NO


CONTEXTO FORMATIVO EM VALORES
HUMANOS NA PERSPECTIVA PRAGMÁTICA
Fabrícia da Silva Machado

AS NARRATIVAS DE FORMAÇÃO NO ENSINO


070 SUPERIOR COMO PROPOSTAS AVALIATIVAS
MEDIADAS PELOS DIÁRIOS ESCRITOS
Francisca Eudeilane da Silva Pereira

084 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA


PESQUISA CRÍTICA DE COLABORAÇÃO
(PCCOL): ASPECTOS ONTOLÓGICOS,
EPISTEMOLÓGICOS E AXIOLÓGICOS NO
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Wellington de Oliveira
Rodolfo Meissner Rolando

114 FORMA E CONTEÚDO DOS RESUMOS EM


DISSERTAÇÕES: O QUE ANALISAR?
Hilda Maria Martins Bandeira
Denise Viana e Sousa
Lindamara Oliveira de Sousa
GRUPO FOCAL COMO DISPOSITIVO
132 METODOLÓGICO NA PESQUISA
QUALITATIVA: JOGOS DIDÁTICOS NA
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E INCLUSIVA
NO ENSINO SUPERIOR
Maria Divina Ferreira Lima
Roberta Karoline Azevedo Moreira
Mauricéia Silva da Trindade Machado

150 MODOS DE FAZER E SIGNIFICAR AS


RELAÇÕES PESQUISAR/FORMAR”
Maria Salonilde Ferreira

NARRATIVA ESCRITA: POSSIBILIDADES DE


170 REFLEXÃO E TRANSFORMAÇÃO DO/NO
FAZER PEDAGÓGICO NUMA PERSPECTIVA
INCLUSIVA
Márcia Maria Dias Carvalho
Liceu Luís de Carvalho
Lúcia de Araújo Ramos Martins

O DIÁRIO COMO DISPOSITIVO


185 METODOLÓGICO NUMA PESQUISA-
FORMAÇÃO NARRATIVA (AUTO)BIOGRÁFICA
EM EDUCAÇÃO
Joelson de Sousa Morais

PESQUISA E FORMAÇÃO DOCENTE:


205 DIÁLOGOS COM A OBSERVAÇÃO
COLABORATIVA
Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
Hilda Maria Martins Bandeira
229 PESQUISA, FORMAÇÃO E
PROFISSIONALIZAÇÃO: O QUE NARRAM AS
PROFESSORAS?
Maria do Socorro Brito de Oliveira

248 PESQUISAR E FORMAR: DESPERTANDO A


CRITICIDADE ARGUMENTATIVA A PARTIR DE
NOTÍCIAS
Michelly Cristiny Soares
Marlucia Barros Lopes Cabral

266 RODA DE CONVERSA COMO DISPOSITIVO


METODOLÓGICO DE PRODUÇÃO DE DADOS
E FORMAÇÃO NA PESQUISA NARRATIVA EM
EDUCAÇÃO
Maria Divina Ferreira Lima

287 RODA DE CONVERSA: METODOLOGIA


PARTICIPATIVA QUE FAVORECE O DIÁLOGO E
A PARTILHA DE SABERES ENTRE DOCENTES
Edileusa de Souza Santos
Maria Divina Ferreira Lima

303 SEMINÁRIOS DE ESTUDOS REFLEXIVOS:


CAMPO ABERTO AO DEBATE, NOVAS
PERSPECTIVAS EM PESQUISAS
EDUCACIONAIS
Marinalva Veras Medeiros

320 O MOVIMENTO DE PESQUISAR E FORMAR EM


ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
Patrícia Sandalo Pereira

339 SOBRE OS COLABORADORES


INTRODUÇÃO

|| Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

Seguir realizando o mesmo trabalho, dedicar-se


a acumular material paulatinamente, resulta
estéril ou mesmo impossível. Para seguir
adiante há que marcar um caminho.
(VIGOTSKI, 1991, p. 259)

Neste livro, pretendemos dialogar com a comunida-


de científica do Brasil, no que diz respeito as divulgações e
socializações de conhecimentos científicos, especialmente na
área de educação, produzidos por pesquisadores e pesquisa-
doras. Este é um objetivo desafiador, que exigiu fazer muitas
escolhas, dentre elas, destacamos aquelas, que nos moveram,
enquanto afirsiana, a produzir este capítulo introdutório sobre
os saberes e fazeres, bem como sobre os questionamentos,
relacionados as relações entre a pesquisa e a formação docen-
te, comunicados no X Colóquio Nacional da AFIRSE.

13
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

As veredas que se abrem neste Livro são de possibi-


lidades de refletir sobre a conexão pesquisa e formação docen-
te. As escolhas feitas pelas autoras e autores implicaram
em abrir passagens para a divulgação de produções cien-
tíficas, que realçaram diálogos entre a pesquisa científica e
a formação docente com a intencionalidade de socialização
dos trabalhos produzidos pelos pesquisadores do Brasil,
que almejam o desenvolvimento de subjetividades críticas,
criativas e transgressoras, via formação desenvolvida no
contexto de pesquisa científica.

As perguntas que deram vida às reflexões e movi-


mentaram as discussões realizadas nos capítulos de cunho
científicos divulgados neste Livro foram as seguintes: quais
os caminhos já percorridos que demarcam a conexão entre
pesquisa e formação docente? O que aprendemos com essa
produção? Quais são as possibilidades de sair das veredas já
produzidas e de criar novos caminhos? Quais as novas paisa-
gens que surgem nesse caminhar? Quais são as possibilidades
que a conexão pesquisa e formação produz, para resistir ao
contexto atual de produção de conhecimentos?

As respostas implicadas pelos questionamentos rea-


lizados envolveram a necessidade de discutir também outras
questões associadas a estas, que perpassam tanto pelo campo
político quanto pelo epistemológico de resistir as práticas de
pesquisa que nos aprisiona aos conhecimentos situados em
zonas de certezas, os quais nos impedem de transformar o
pensar e o agir de pesquisadores e de professores.

A citação de Vigotski (1991), utilizada na epigrafe


desta comunicação, auxiliou-nos a compreender a necessida-
de de sair das trilhas já percorridas e criar novas trilhas, que

14
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

possam resistir ao trabalho investigativo estéril à formação


docente.

Nesse sentido, realçamos a proposição das autoras


e dos autores de que, neste exemplar, as escolhas levassem
a outro caminho: o de não trazer respostas prontas, e, sim,
de fazer perguntas provocativas de reflexões críticas, que pos-
sam, no devir, gerar a necessidade de respostas criativas, por-
que, na verdade, todos nós, pesquisadoras e pesquisadores,
não temos respostas prontas, mas apontamos possibilidades,
que exemplificam a conexão pesquisar e formar. Entretanto,
ainda temos muitos questionamentos, que conduzem a pro-
dução de muitas veredas, muitas trilhas e, possivelmente, de
caminhos resistentes aos modelos instituídos de fazer pesqui-
sa no Brasil.

Figura 1 - É POSSÍVEL PESQUISAR E FORMAR?

Fonte: Produção da autora com base em Navega (2005).

15
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Este Livro nos inspira e nos provoca a enveredar no


diálogo com as pesquisadoras e os pesquisadores de nove esta-
dos brasileiros: São Paulo, Mato Grosso do Sul, Piauí, Ceará,
Pará, Paraná, Rio Grande do Norte, Maranhão e Brasília, que
se sentiram motivados a participar do X Colóquio da AFIRSE,
ocorrido em Lorena/São Paulo, nos dias 05 a 08 de setembro de
2019. Os referidos pesquisadores representam mais de vinte e
cinco instituições responsáveis pela educação brasileira nos
seus diferentes níveis de educação: infantil, básico e superior,
PUC/SP, UNIFATEA, UNICAMP, UNIP, USP, UNESP, UFMS,
UFC, UFPI, UESPI, SME/PI, IFPI, FACEX, SME/RN, UERN,
UFRN, UFPA, UENP, UTFPR, UFT, FAI/MA, UNIFACEMA,
IFMA, UEMA e UnB.

Estes pesquisadores se conectam para a divulgação


da produção de modos de agir na pesquisa, que afetem a for-
mação de professores para que se tornem responsáveis por
criar fazeres (práticas), que revitalizem os saberes da profissão
docente produzidos social, histórica e culturalmente (teorias)
e, consequentemente, que esses saberes possam revitalizar as
práticas pedagógicas desenvolvidas na universidade e nas
escolas de educação do campo, educação infantil e básica, pro-
vocando transformações nos modos de educar crianças, jovens
e adultos. Esta escolha representa ou não uma resistência?

A resistência é o objeto idealizado, para as pesquisas


em educação, as condições materiais e os diálogos entre for-
mação e pesquisa determinam as condições reais deste movi-
mento/desenvolvimento, possibilitando a transformação do
objeto idealizado em objeto real de pesquisa e de formação
dos agentes educativos brasileiros.

16
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Um dos conceitos essenciais para compreendermos


como o objeto idealizado se transforma em objeto real, em
práticas reais, é o de perejivanie, cuja compreensão é de difícil
tradução em várias línguas, por exemplo, a russa, a inglesa e a
alemã. Na língua russa (contexto em que Vigotski a utiliza), o
emprego dessa palavra denota uma situação provocadora de
fortes sentimentos e afetos.

No seu sentido morfológico, o substantivo neutro


‘perejivanie’ é composto por duas partes. Assim, se fôsse-
mos recompor “pere” e “jivanie”, teríamos a compreensão de
‘transformação vital’, de ‘vida em transformação’ ou de ‘tran-
sição vital’, ‘vida em transição’. Vigotski (1991, 2000, 2001)
sintetiza essa compreensão como a unidade cognição-afeto no
processo de desenvolvimento humano.

Esse conceito de perejivanie proposto por Vigotski,


auxilia a compreendermos a resistência como categoria que
produz condições materiais para que os pesquisadores par-
ticipantes deste livro, sejam provocados a transformar a pes-
quisa científica no Brasil.

Nos capítulos comunicados neste exemplar, os pes-


quisadores situam os seus questionamentos, refletindo sobre
as possibilidades de desenvolver pesquisas, que ofereçam um
novo caminho tanto para as práticas profissionais quanto para
a formação docente e que permitam aos professores resolve-
rem os problemas com os quais são confrontados na gestão
da aula. Além disso, que possibilitem a reflexão crítica sobre
as questões sociais, culturais e ideológicas de práticas intuiti-
vas e tácitas, valorizando as pesquisas críticas, que viabilizam
a análise da gestão do trabalho docente, a partir da voz dos
próprios professores mediadas pelas significações de outros

17
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

professores-pesquisadores e/ou de pares com mais experiên-


cias no desenvolvimento de investigação científica.

Compreendemos que, para a concretização da referi-


da intenção e para seguir adiante, é necessário, portanto, mar-
car este caminho. E que caminho poderia ser esse? Aquele em
que as questões estruturais, culturais e históricas da educação
possam ser compreendidas na sua relação com a realidade
social. Assim, é necessário valorizar tanto as questões relacio-
nadas às ciências naturais como aquelas que dizem respeito às
ciências sociais e humanas, e investir na formação de valores
que levem à mudança da escola/Universidade (dos modelos
formativos vigentes) e das práticas profissionais, sobretudo
da própria ciência.

Essa proposição de um caminhar resistente está


carregada de possibilidades, mas também de contradições.
Compreendemos, portanto, que, para marcar esse cami-
nho, é necessário discutir as contradições inerentes a ele; e,
ao reconhecê-las, atuar para o desenvolvimento de outros
modos de agir, quando produzimos o conhecimento cien-
tífico. Essa é a ‘vida em transição’, ao qual nos referimos
inspiradas em Vigotski.

Com base em Marx (2002), ressaltamos que as con-


tradições, próprias do real, não são eternas e imutáveis, elas
se movimentam por intermédio da produção de novas formas
de compreensão da realidade, capazes de transformar obje-
tivamente as práticas de pesquisa e formação, bem como de
considerar a historicidade em que elas ocorrem. Dessa forma,
para que efetivamente as palavras não se percam no mundo
das ideias, é necessário considerar, conforme Marx (2002),
que é na ação prática que o homem demonstra a efetividade

18
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

e o poder do seu pensamento. Nesse caso, dialogamos com


as pesquisadoras e os pesquisadores, que participam desta
publicação e com os demais leitores, no sentido de responder-
mos as seguintes questões: o que é necessário aprender/fazer
para conectar pesquisa e formação? Nos capítulos divulgados
neste exemplar, as respostas nos encaminham a compreender
que, embora pareça complexo, precisamos assumir, enquanto
pesquisadores da educação, que é possível agir para trans-
formar os contextos em que as pesquisas são realizadas, com
mobilização coletiva e diálogos compartilhados. De acordo
com Paulo Freire (2005), esse engajamento expande a condi-
ção de ser mais do que o que já se é, transgredindo modelos
vigentes e predominantes de pesquisar e formar.

Nesse sentido, no livro em destaque, os autores res-


saltam em seus capítulos que as práticas transgressoras de
pesquisa e formação são pautadas nas relações dialógicas, que
transgridam a noção de verdade absoluta, socializam as imper-
feições, os conflitos e as contradições e produzem transforma-
ção. A sabedoria delas está justamente em produzir diálogos
e confrontar teoria e prática, isto é, de refletir criticamente, e
de rupturas com o agir instituído historicamente de exclusão,
conforme propõe Paulo Freire (2005).

As práticas transgressoras e resistentes divulgadas


neste livro são aquelas em que o pesquisador se reconhece
como formador, como questionador, e produz caminhos de
atuação e superação, caminhos que levam a viver a ‘vida em
transformação’, uma vez que tem consciência dos desafios,
mas também das possibilidades, e por meio de questionamen-
tos e reflexões conseguem produzir trilhas e abrir veredas em
contextos adversos.

19
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Com o desafio de marcar o caminhar neste contex-


to adverso, concluímos recitando Fernando Pessoa: quando
se trata de educar pessoas, seja no passado, no presente ou
no futuro ficam três coisas: a certeza de que estamos sempre
começando, a certeza de que precisamos continuar e a certeza
de que seremos interrompidos antes de terminar. Os capítu-
los deste livro indicam que os pesquisadores e as pesquisa-
doras estão abrindo veredas e começando com a certeza de
que precisam continuar no caminho traçado sem medos das
incertezas e das interrupções.

Nesse sentido, esperamos que, caso haja interrup-


ções, estas possam encaminhar a um caminho novo, e a um
passo de dança, que levem ao encontro de práticas transgres-
soras, cuja escalada acesse a realização dos nossos sonhos,
criando pontes e encontros com o:

• Educar para viver com os outros, mantendo


relações de cooperação, colaboração, solidarie-
dade, tolerância;
• Formar para a cidadania crítica e criativa;
• Reconhecer direitos e deveres das pessoas;
• Comunicar usando a dialogicidade, a lingua-
gem crítica;
• Deslocar o valor supremo dos indivíduos (do
eu) ao valor do outro (do nós);
• Reconhecer que o eu é sempre dependente dos
outros eus, dependente do nós;
• Desenvolver o pensamento crítico e a criativi-
dade.

20
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Finalizamos este capítulo, retomando a epígrafe pos-


ta no início: para saber e fazer a conexão entre pesquisa e for-
mação, é necessário romper com o estéril, demarcar caminhos
críticos e criativos, mesmo quando as condições materiais não
permitem que essa produção possa ocorre. Assim, parabeni-
zamos os pesquisadores e as pesquisadoras que inscreveram
os seus caminhos nas publicações divulgadas neste exemplar
e resistiram e transgrediram as ideologias e os valores exclu-
dentes e não éticos das práticas sociais alienantes.

REFERÊNCIAS

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática


educativa. 29.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
2005.
MARX, K; ENGELS, F. A ideologia Alemã: teses sobre Feuerbach.
São Paulo: Centauro, 2002.
NAVEGA, S. Pensamento Crítico e argumentação sólida. São Paulo:
Publicações Intelliwise, 2005.
VIGOTSKI, L. S. A Formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
VIGOTSKI, L. S. La consciencia como problema de la psicología del
comportamiento. In: VIGOTSKI, L. S. Obras escogidas - Tomo I.
Madrid: Visor y Ministerio de Educación y Ciencia. 1991.

21
A PESQUISA COLABORATIVA
E O VALOR DE FAZER JUNTOS

|| Josiane Sousa Costa de Oliveira - IFMA


|| Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina - AFIRSE

Este texto é parte de uma Pesquisa Colaborativa


intitulada “Travessia Colaborativa: os significados e sentidos
de docência e sua relação com as necessidades formativas
dos professores do IFMA – Campus Caxias”, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí. O objetivo geral da investigação de mestra-
do foi de relacionar os significados e os sentidos de docência
com as necessidades formativas dos docentes do curso de
Ciências Biológicas do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Maranhão (IFMA), no campus Caxias-MA,
onde a pesquisadora atua como docente.

Por que a escolha da Pesquisa Colaborativa? Porque


ela é organizada de forma que os partícipes se sintam ins-
tigados a envolver-se nos contextos permeados de reflexão
crítica e a externar, no caso da pesquisa aqui apresentada, as
necessidades formativas mediante os significados e sentidos
de docência produzidos em suas práticas no campus em que
atuam. Ibiapina (2008) afirma que, no âmbito da educação,

22
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

a Pesquisa Colaborativa é atividade interativa de coprodução


de saberes, de formação contínua, bem como de desenvolvi-
mento profissional realizada por professores e pesquisadores
coletivamente de forma crítica e reflexiva.

Produções acadêmicas, tanto internacionais quan-


to nacionais – Desgagné (1997), Ibiapina (2004), Ibiapina e
Ferreira (2004), Medeiros (2007) –, demonstram que pesqui-
sar um objeto fundamentado na Pesquisa Colaborativa como
recurso metodológico tem relevância para o campo de pesqui-
sas qualitativas, considerando que enfatiza o caráter coletivo
do trabalho, enfoca questões de ordem prática e teórica, bem
como compreende o agir profissional pautado no conheci-
mento teórico sobre a realidade.

O texto apresenta, a seguir, o conceito e as princi-


pais características da Pesquisa Colaborativa, articulando-a
aos meandros da pesquisa referenciada. Na sequência, traz os
procedimentos metodológicos usados na pesquisa-formação.
As considerações finais denotam a relevância dessa modalida-
de de pesquisa, que é pautada no fazer juntos.

PESQUISA COLABORATIVA

A Pesquisa Colaborativa considera que os partícipes


são possuidores de competências diversificadas e que, ao inte-
ragirem uns com os outros em contextos de colaboração, essas
competências se complementam e se ampliam, contribuin-
do para avançar no processo de investigação e de formação,
pois, ao expressarem posicionamentos sobre suas práticas,
proporcionam a coprodução de conhecimento e o desenvol-
vimento profissional, conforme evidenciam Desgagné (1998),

23
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Magalhães (2006), Ibiapina (2008), entre outros.

Desgagné (1997, p. 7) faz uma síntese do conceito de


Pesquisa Colaborativa, acentuando a sua dupla dimensão:

1 – A Pesquisa Colaborativa supõe a construção de um


objeto do conhecimento entre pesquisador e práticos
[...].
2 – A Pesquisa Colaborativa associa ao mesmo
tempo atividades de produção do conhecimento e de
desenvolvimento profissional [...].

No contexto da investigação à qual este texto se


reporta, optamos por utilizar dois princípios da Pesquisa
Colaborativa: o da dupla função (pesquisa-formação); e o da
reflexão crítica compartilhada. Assim, refletir criticamente, a
partir dessa perspectiva, fez-nos ter a compreensão dos dis-
cursos e das contradições da prática docente desenvolvidas
no campus Caxias.

O princípio da dupla função, pesquisa-formação, foi


efetivado de maneira que nós, partícipes, investigássemos os
significados e sentidos de docência no contexto do IF, em favor
da produção de conhecimento científico. Além de desenvol-
ver a formação dos partícipes, também criamos possibilida-
des de desenvolvimento e transformação da prática e, conse-
quentemente, o desenvolvimento profissional. Já o princípio
da reflexão crítica compartilhada foi acentuado quando os
professores reconheceram a estreita relação dos significados
e sentidos de docência com as necessidades formativas, e que
essa relação é dinâmica e coexiste conforme o contexto sócio-

24
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

histórico, econômico e político. Assim, criamos contextos de


reflexividade para que desvelássemos quais intenções e inte-
resses abastecem determinadas ações sociais e como elas se
reproduzem nas práticas docentes no contexto dos Institutos
Federais (IFs).

Conforme Desgagné (1997), a Pesquisa Colaborativa


só se desenvolve por meio de articulações e de relações bem
negociadas entre partícipes e instituições escolares, univer-
sitárias e, no caso da investigação à qual nos reportamos, o
campus Caxias. Ressaltamos que, nessas articulações e rela-
ções, as preocupações dos pesquisadores aproximaram-se
das dos professores partícipes, dessa forma, foi instaurado
um desafio colaborativo de pesquisa, de reelaboração de
conhecimentos e de formação contínua, mediado, sobretu-
do, pela reflexividade.

Partindo da premissa de que a Pesquisa Colaborativa


constitui-se como investigação propícia ao desenvolvimento
profissional, tornam-se cruciais para a sua materialidade as
seguintes condições: a adesão volitiva, o apoio e o respeito
mútuo, a liderança compartilhada e a corresponsabilidade nas
ações (DESGAGNÉ, 1997).

Na nossa pesquisa, o envolvimento e o compro-


misso de todos nas discussões foi permeado de partilha
de angústias, mas à base de confiança, de credibilidade no
grupo, na escuta e no respeito mútuo, renovados a partir
dos laços afetivos e cognitivos desenvolvidos nas relações
constituídas ao longo dos estudos. Um dos princípios mais
relevantes da Pesquisa Colaborativa é o fato de o pesquisa-
dor investigar a própria ação educativa, nela intervindo e
constituindo-se como partícipe, pois todos são considera-

25
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dos usuários e coprodutores do conhecimento.


O cuidado com que foram criados espaços de colabo-
ração e de reflexão crítica favoreceu para que os partícipes se
sentissem disponíveis e confiantes para falar e ouvir uns aos
outros, bem como externar seus modos de pensamento e de
ação diante das práticas docentes desenvolvidas.

Outra condição, tão importante quanto às demais, foi a


de liderança compartilhada e a corresponsabilidade nas
etapas da pesquisa. Noutras palavras, os partícipes da
investigação não estabeleceram relações hierárquicas
verticalizadas. Nesse sentido, produzimos relações
em conformidade com as decisões compartilhadas
e democraticamente discutidas, a partir das quais
tivemos liberdade para colocar nossas compreensões,
concordâncias e discordâncias, sem que isso desviasse
dos nossos objetivos. Assim, como parte das decisões
compartilhadas, negociamos as atribuições de cada um
dos envolvidos no desenvolvimento da investigação, de
forma a contemplar ações peculiares dos partícipes, bem
como ações comuns imbricadas no desenvolvimento
da pesquisa a fim de atingir os objetivos traçados.

Para atender aos requisitos necessários da reflexão


crítica na perspectiva da Pesquisa Colaborativa, recorremos a
Liberali (2010), que se apoiou em Smythy (1992) para expres-
sar as ações de descrever, informar, confrontar e reconstruir,
intencionando analisar a realidade, reiterando aos partícipes
da relevância do processo sócio-histórico em que as significa-
ções e as necessidades formativas são produzidas, desencade-
ando as contradições e as possibilidades de superá-las.
As ações desenvolvidas oportunizaram espaços para
a reflexão crítica e de colaboração, por meio de questionamen-

26
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

tos sobre as necessidades formativas manifestadas pelos partí-


cipes no âmbito do campus Caxias, bem como dos significados
e sentidos de docência produzidos na realidade pesquisada,
com o objetivo de rever modos de agir e de desvelar as práti-
cas docentes que estão obscurecidas nos discursos durante as
entrevistas, os encontros colaborativos e as sessões reflexivas.
Segundo Ibiapina (2008), nas pesquisas em colabora-
ção, os elos que interligam o pensamento à ação do professor
tornam-se mais evidentes. Assim, podemos, no contexto des-
sa Pesquisa Colaborativa, estreitar as relações, aproximando
cada vez mais os envolvidos no processo, pois, para todos os
personagens, seja o professor, seja o pesquisador, a teoria e a
prática são elementos cruciais nesse processo em que o conhe-
cimento é produzido.
A colaboração é comumente atrelada à cooperação.
Realçamos, portanto, as especificidades de ambas as ações,
conforme Ibiapina (2008, p. 31-32) esclarece:

Em efeito, quando se fala de Pesquisa Colaborativa,


supõe-se, inicialmente, que os docentes participem de
todas as etapas ligadas à investigação formal e, também,
que eles sejam responsáveis por delimitar, juntamente
com o pesquisador, o objeto de pesquisa, os processos
de construção de análise dos dados, a apresentação e a
publicação dos resultados obtidos com o estudo. De fato,
colaborar não significa que todos devam participar das
mesmas tarefas e com a mesma intensidade, mas que,
sobre a base de um projeto comum, cada participante
preste sua contribuição específica, isto é, contribua
para beneficiar esse projeto.

A cooperação possui semelhanças com a colaboração,


como na participação nas tarefas, por exemplo. Mas a coope-

27
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ração não permite que as pessoas envolvidas sejam autôno-


mas e tenham poder de decisão; as relações estabelecidas são
hierárquicas e não igualitárias, impossibilitando a negociação
dos sentidos e o compartilhamento dos significados. A cola-
boração, por sua vez, coloca todos os partícipes em condições
de igualdade no tocante à socialização de seus pontos de vista,
considerando que negociamos não só as responsabilidades no
processo investigativo e formativo, mas os sentidos; e com-
partilhamos significados.

Partindo dessa compreensão, os partícipes da pes-


quisa assumiram compromisso nos processos dialógicos,
especialmente nas ações do descrever, informar, confrontar e
reconstruir, que favoreceram contextos de reflexão dos signi-
ficados e sentidos de docência e a relação desses com as neces-
sidades formativas, visando o processo pessoal e profissional
dos envolvidos.

Ressaltamos que, em contextos colaborativos, o par-


tícipe é considerado como sujeito cognoscente, crítico e capaz
de articular e de produzir conhecimentos. Então, os partícipes
da pesquisa não se restringiram em apenas descrever e anali-
sar suas necessidades formativas, mas a valorizar os sentidos
de docência enunciados e a colaborar no processo de análise
dessas. Segundo Ibiapina (2008, p. 23), a Pesquisa Colaborativa
é uma prática totalmente voltada para a: “[...] resolução dos
problemas sociais, especialmente aqueles vivenciados na esco-
la, contribuindo com a disseminação de atitudes que motivam
a coprodução de conhecimentos voltados para a mudança da
cultura escolar e para o desenvolvimento profissional”.

Direcionamos, então, o nosso olhar, como partícipe


da pesquisa, para trabalhar conjuntamente com os demais, ou

28
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

seja, privilegiamos, na Pesquisa Colaborativa, a compreen-


são e o processo compartilhado de constituição dos signifi-
cados e sentidos. Vale salientar que a colaboração traz, em
seu bojo, a contradição, pois se constitui como um processo
em que os sujeitos, em torno de objetivos comuns, refletem
criticamente os significados e sentidos de docência, mani-
festando seus pensamentos e suas ações. Assim, utilizamos
procedimentos que favoreceram, de fato, a colaboração,
enaltecendo o uso da reflexão crítica para que os partícipes
revisitassem e repensassem suas práticas.

Buscamos criar as condições para que todos os


colaboradores, e aqui nos incluímos também nesse grupo,
elevássemos o nível de consciência para um mais desen-
volvido acerca dos significados e sentidos de docência,
compreendendo coletivamente as suas reais necessidades
formativas, e que, fora do contexto colaborativo, solitaria-
mente, dificilmente conseguiríamos alcançar.

Desse modo, na investigação, a Pesquisa


Colaborativa possibilitou saltos acerca de tais significados
e sentidos, pois a possibilidade de transformação de suas
práticas foi alcançada por meio do uso da reflexão crítica,
que convocou os partícipes a desvelarem as necessidades
formativas com nível de conhecimento teórico ampliado
e mais elevado, compreendendo que a teoria e a prática
não se apartam, nem se complementam, mas formam uma
unidade. Diante do exposto, consideramos que a Pesquisa
Colaborativa é processo complexo e que exige dos envol-
vidos coragem e desprendimento de pensamentos e de
ações, porém desenvolve-se e revela-se como uma aborda-
gem instigante.

29
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

O processo dialético da pesquisa nos respaldou para


que escolhêssemos um referencial teórico-metodológico que
não se limita a descrever a aparência das necessidades formati-
vas, mas de desvelar a sua essência de forma colaborativa, ten-
do como teoria e método o Materialismo Histórico Dialético,
que leva em consideração a materialidade do contexto de
docência e situa professores como sujeitos sócio-históricos
que internalizam as significações ao longo das vivências.

A seguir, apresentaremos os procedimentos escolhi-


dos para a pesquisa, essenciais para o fazer nessa modalidade
de pesquisa: encontro colaborativo, entrevistas individuais e
sessões reflexivas.

DESENVOLVIMENTO DA COLABORAÇÃO:
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Afanasiev (1968) assevera que é no processo de traba-


lho que o homem desenvolve a consciência, isto é, na prática.
Isso implica dizer que, para possibilitarmos o desenvolvimen-
to do nível de consciência dos partícipes, produzimos contexto
colaborativo no processo de pesquisa por meio dos seguintes
procedimentos: encontro colaborativo, entrevistas individuais
e sessão reflexiva. Os procedimentos metodológicos explicita-
dos foram essenciais para produzirmos as condições concretas
e necessárias para que os professores refletissem criticamente
suas necessidades formativas, bem como os significados e sen-
tidos de docência.

O universo pesquisado foi o Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), campus
Caxias, tendo como partícipes da pesquisa quatro docentes,

30
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sendo três do IFMA e uma da rede municipal de ensino de


Teresina, pois esta é integrante do Núcleo Formar e demons-
trou interesse em aderir à nossa investigação quando apresen-
tamos a proposta de pesquisa no referido Núcleo. Lembramos
que a adesão para ser partícipe em uma Pesquisa Colaborativa
é volitiva e, portanto, sua inserção foi efetivada.

A seguir, tratamos sobre os procedimentos, come-


çando pela explicitação do encontro colaborativo; em seguida,
acerca das entrevistas e das sessões reflexivas.

O ENCONTRO COLABORATIVO

Os encontros coletivos são parte do processo da


Pesquisa Colaborativa na medida em que representam uma
etapa na qual o pesquisador socializa com o grupo os obje-
tivos e as questões de investigação, partilhando com os cola-
boradores a sistemática de organização da pesquisa, uma vez
que os objetivos, inicialmente, eram somente do pesquisador,
e passam a ser sociais/coletivos por meio da adesão volitiva
do grupo, assegurando-lhes o anonimato e o sigilo exigido
para tal. Em outras palavras, ainda que cada partícipe perma-
neça com seus próprios objetivos, a adesão implica em com-
preender que a necessidade do pesquisador representa a sua e
torne-se também a do grupo.

A esse respeito, Sousa (2012, p. 42), defini-o como


“[...] momentos de informação, negociações, interação, com-
partilhamento de ideias e fortalecimento de vínculos entre o
grupo”, bem como, Vieira (2017, p. 90) sintetiza que o encon-
tro colaborativo para além de um mero procedimento de pro-
dução dos dados da pesquisa, “constitui-se como espaço de

31
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

aprendizagem profissional em que pessoas se voluntariam


e se envolvem em processos formativos, tornando-se dis-
posto a dedicar tempo, recursos financeiros, correr riscos
de se expor, com vistas a desenvolver-se como pessoa e
profissional”.

Em relação à pesquisa, avaliamos que o encon-


tro colaborativo foi de fundamental importância para o
estreitamento de laços e para o entendimento de concei-
tos-chave que envolvem a temática estudada, por privile-
giarem o discurso dotado de reflexividade perante o obje-
to investigado, além de promover a pesquisa por meio
dos estudos compartilhados e das discussões entre os
partícipes com o uso da linguagem crítica, sem perder de
vista a produção de conhecimento e o desenvolvimento
profissional, criando, assim, as primeiras condições para
que houvesse a compreensão da relação dos significados
e sentidos de docência com as necessidades formativas
produzidas pelos partícipes.

AS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS

As entrevistas individuais permitem o aprofunda-


mento nas questões do processo investigativo, auxiliando
na produção dos dados, tirando dúvidas e fazendo escla-
recimentos a respeito de algo que possa não ter ficado evi-
dente para o investigador. Freitas (1971) evidencia que a
entrevista não se reduz à troca de perguntas e respostas
previamente preparadas, mas é concebida como produção
de linguagem, portanto, dialógica, na qual é o sujeito que
se expressa, mas é a sua voz que carrega o tom de outras

32
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

vozes, refletindo a realidade do seu grupo.

Dentre os tipos de entrevistas encontrados na


literatura, na pesquisa, optamos por utilizar a individual,
pois essa modalidade possibilita a interação, favorecendo
a produção particular do dialogismo entre os partícipes;
proporciona diferentes condições favoráveis no tocante
à produção do discurso; alicerça situações dialógicas e a
espontaneidade dos partícipes, viabilizando, dessa forma,
análises mais aprofundadas e substanciais do objeto em
estudo (IBIAPINA, 2004).

Realizamos entrevistas individuais com os par-


tícipes, com o objetivo de produzir dados e informações
referentes às suas necessidades formativas, fator funda-
mental para compreendermos a relação deles com os signi-
ficados e sentidos de docência que produzem. A realização
das entrevistas individuais envolveu o percurso de forma-
ção dos professores do IFMA, evidenciando como se deu
ingresso de cada um na profissão, bem como os fatos mar-
cantes que ocorreram em suas vidas e que estão associados
à decisão de ser professor.

AS SESSÕES REFLEXIVAS

As sessões reflexivas são componentes essenciais


à Pesquisa Colaborativa. Segundo Ibiapina (2008, p. 96),
a sessão reflexiva é um procedimento que “[...] motiva os
professores a focalizar a atenção na prática docente e nas
intenções de ensino e incentiva a criação de espaços de
reflexão crítica que auxiliem no desenvolvimento da cons-
ciência do trabalho docente”.

33
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Dessa forma, na pesquisa, o procedimento possibi-


litou o estabelecimento de uma relação dialógica por meio
da reflexão crítica, quando das discussões sobre significa-
dos e sentidos. Os partícipes partilharam teorias e práticas,
desenvolveram um contínuo processo de reflexão frente
aos significados e sentidos de docência, além de analisa-
rem suas necessidades formativas e até mesmo questões
outras (políticas, por exemplo) presentes nos significados
e sentidos produzidos por eles.

A respeito da discussão gerada na sessão reflexiva,


Liberali (2010), baseada em Smyth (1992), aponta algumas
ações importantes que vão do descrever ao reconstruir: o des-
crever – momento em que o educador fala da sua própria ação,
da prática por ele realizada; o informar – o partícipe apresen-
ta suas explicações com base em teorias, o tipo de conheci-
mento que ele estaria privilegiando; o confrontar – momento
de refletir sobre que valores embasam a prática docente; e o
reconstruir – momento de transformar a ação, planejar uma
mudança por meio de possibilidades transformativas rumo ao
desenvolvimento.

Por esses motivos, justificamos nossa escolha por uti-


lizar esse procedimento, sinalizando a possibilidade de que
ele amplia o desenvolvimento da reflexividade dos partícipes.
Trilhados os procedimentos teóricos e metodológicos, fizemos
o plano de análise dos dados produzidos em todas as etapas da
Pesquisa Colaborativa, que foram organizados de modo a per-
mitir a análise crítica deles, ressaltando, portanto, os aspectos
qualitativos da pesquisa, uma vez que foram escolhidos crite-
riosamente para possibilitar alternativa teórico-metodológica
no desenvolvimento profissional desses docentes.

34
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

REFLEXÕES FINAIS

Teoria, método e temática têm que manter coerência


entre si, pois estudar um objeto, sempre historicamente produ-
zido, significa fazê-lo no processo de mudança, requisito bási-
co do método dialético. A Pesquisa Colaborativa, dessa forma,
investiga a gênese de uma questão, procurando reconstruir a
história de sua origem e de seu desenvolvimento. O conheci-
mento produzido em contexto colaborativo é continuamente
criado e recriado, e é produzido por nós, coletivamente, bus-
cando e tentando dar sentido à nossa prática docente e quiçá,
ao nosso mundo.

Nesse âmbito, para investigar a relação dos significa-


dos e sentidos de docência com as necessidades formativas de
professores do IFMA, levamos em consideração tanto a histo-
ricidade quanto o processo dialético de movimento e de trans-
formação que essa relação sofre. Portanto, compreendê-la nos
possibilitou, também, entender o sentir, o pensar e o agir dos
partícipes em interação.

A produção de significados e sentidos sobre docên-


cia deu-se mediante o planejamento de atividades interativas,
no qual as considerações acerca dos objetivos propostos foram
resultado do processo de colaboração vivenciado por meio
dos procedimentos adotados – entrevistas, encontros e sessões
reflexivas – cujas ações advindas das sessões, especialmente as
do confrontar e do reconstruir, oportunizaram a reconstrução
da prática docente dos partícipes.

Destarte, o segundo princípio basilar deste trabalho,


ou seja, a dupla função, pesquisar-formar, foi alcançada a
contento, haja vista que os procedimentos delineados neste

35
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

estudo oportunizaram aos partícipes a apreensão do objeto


investigado, tomando-o para si, pois são atores cognoscen-
tes e corresponsáveis pela coprodução dos significados e
sentidos acerca da docência e a sua relação com as necessi-
dades formativas.

No decorrer do processo formativo, compartilhamos


conhecimentos sobre temas pertinentes ao objeto investigado
que, até então, não constituíam o conhecimento dos partíci-
pes, possibilitando a sua formação sobre o que é colaboração,
o que são significados e sentidos, a diferenciação e a correla-
ção das práticas educativa, pedagógica e docente, assim como
a compreensão acerca das suas necessidades formativas do
contexto dos IFs, espaço que oportuniza a transformação.

Essas possibilidades emergiram durante o processo


da pesquisa, que intencionava identificar os significados e sen-
tidos de docência produzidos pelos professores, relacionando-
os às necessidades formativas, objetivo que foi alcançado por
meio da colaboração materializada no trabalho conjunto de
refletir criticamente, o que proporcionou ao professor do IF a
produção, ao longo do tempo, e a relação com as suas neces-
sidades formativas, pois compreenderam que estas também
podem ser desenvolvidas.

Durante a pesquisa, criamos oportunidades concre-


tas para que os partícipes refletissem criticamente sobre suas
práticas docentes, elevando o nível de consciência dos atribu-
tos da prática que realizam, gerando, assim, possibilidades de
transformação em sua atuação. Um dos objetivos específicos
da pesquisa ora referenciada foi o de caracterizar as práti-
cas docentes desenvolvidas por professores do IFMA, a fim
de relacioná-las aos significados e sentidos da docência. Por

36
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

meio dos questionamentos, os partícipes se permitiram des-


velar atributos de suas práticas docentes, como a restrição da
avaliação da aprendizagem à prova, considerada como meio
disciplinador e punitivo do aluno pelo professor.

Nas práticas docentes polivalentes, a versatilidade


exigida do professor, para lidar com tamanha pluralidade
curricular e com a verticalização do ensino nos IFs, implica em
sobrecarga de trabalho, tornando-o um executor multifuncio-
nal. Quanto às práticas críticas, são constituídas de atributos
como a reflexão crítica e a possibilidade do devir.

Além disso, os estudos empreendidos nos encontros/


sessões reflexivas favoreceram que os partícipes refletissem
que nossas práticas docentes estão relacionadas ao contexto
sócio-histórico, econômico e político pelo qual passa o país,
bem como fundamentadas em determinadas concepções que,
por sua vez, influenciam-nos, traduzindo-se nas ações consti-
tuídas cotidianamente no campus no qual trabalham.

Dessa maneira, os partícipes sentiram a necessidade


de desenvolver novas práticas docentes para, assim, contribuir
com a formação de novos licenciandos, bacharéis, estudantes
de EJA, alunos do ensino médio e futuros técnicos, imbuídos
de senso crítico e corresponsáveis com as necessidades da
sociedade contemporânea, na qual estão inseridos.

Os procedimentos adotados na referida pesquisa


foram delineados para que o objetivo específico de analisar a
relação das necessidades formativas dos professores com os
significados e sentidos de docência produzidos na perspec-
tiva de desenvolvimento de suas práticas críticas fosse atin-
gido, desde quando planejamos a entrevista – procedimento
no qual os partícipes foram manifestando seus significados e

37
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sentidos de docência e relacionando com as suas necessidades


formativas, que perpassavam pelo treinamento, pela capacita-
ção e pela formação contínua.

REFERÊNCIAS

AFANASIEV, V. Fundamentos da Filosofia. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1968.

DESGAGNÉ, S. Le concept de recherche collaborative: l’idée d’un


rapprochement entre chercheurs universitaires et praticiens enseig-
nants. Revue des sciences de l’éducation, n. 23, v. 2, p. 371-383,
mar. 1997.

DESGAGNÉ, S. Reflexões sobre o conceito de pesquisa colabo-


rativa. Tradução livre Adir Luiz Ferreira. Natal – RN, nov. 2003,
do original em Francês: Réflexionssur lê concept de recherche-
collaborative. Lês JourneésduCirade. Centre Interdiciplinaire de
RecherchesurApperntissaget lê Développement em Éducation,
Universitédu Québec à Montreal, p. 31-46, oct. 1998.

FERREIRA, M. S. O continuum pesquisa/colaboração. In:


COLÓQUIO NACIONAL DE ESTUDOS DA LINGUAGEM, 1.,
Natal. Anais... Natal: PPGEL, 2007. 1 CD ROM. 6 p.

FREITAS, M. T. de A. A abordagem sócio-histórica como orientado-


ra da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 1,
v.1, p. 21-39, jul. 1971.

IBIAPINA, I. M. L. de M. A trama: o significado de docência. In:


______; RIBEIRO, M. M. G.; FERREIRA, M. S (Org.). Pesquisa em
educação: múltiplos olhares. Brasília: Líber Livro, 2007. p. 29-50.

IBIAPINA, I. M. L. de M. Docência Universitária: um romance


construído na reflexão dialógica. 2004. 393f. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2004.

38
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

IBIAPINA, I. M. L. de M. Pesquisa colaborativa: investigação, for-


mação e produção de conhecimentos. Brasília: Líber Livro, 2008.

LIBERALI, F. C. Formação crítica de educadores: questões funda-


mentais. v. 8, Campinas, SP: Pontes, 2010. (Coleção Novas perspec-
tivas em linguística aplicada).

MAGALHÃES, M. C. C. Diferenciais inovadores na formação de


professores para educação profissional. Revista Brasileira da
Educação Profissional e Tecnológica, Rio Grande do Norte, v. 1, n.
1, p. 8-22, jun. 2008.

MEDEIROS, M. V. Tecendo Sentidos e Significados sobre a Prática


do Supervisor Escolar. 2007. 241 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade Federal do Piauí, Piauí, 2007.

SMYTH, J. Developing and Sustaining Critical Reflection. In: Journal


of Teacher Education. v. XL. n. 2, p. 2-9, 1992.

SOUZA, J. G. V. de. Possibilidades de reflexão crítica e colaboração


em contextos de formação continuada: para além do discurso. 2012
133f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal
do Piauí.

VIEIRA, H. M. Navegando nas significações da formação contínua:


quebrando o silêncio. 2017 250 f. Tese (Doutorado em Educação)-
Universidade Federal do Piauí.

39
AS IMPLICAÇÕES DA PESQUISA-AÇÃO
NO CONTEXTO FORMATIVO EM
VALORES HUMANOS NA PERSPECTIVA
PRAGMÁTICA

|| Fabrícia da Silva Machado - IFMA

Este artigo é oriundo das discussões da tese de dou-


torado “Caminhar é preciso: estudo das relações entre contex-
tos formativos em valores humanos e as práticas de enfrenta-
mento ao bullying, vinculada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação-PPGed da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
Objetivamos apresentar a Pesquisa-ação como possibilidade
de investigação e intervenção. Desse modo, objetivamos neste
artigo, discutir os contextos de valores humanos de teor prag-
mática, relacionando com as práticas utilitárias.

Escolhemos a modalidade de Pesquisa-ação para


orientar o nosso estudo em virtude privilegiar a ação e pes-
quisa. Desse modo, os participantes foram instigados a refletir
criticamente os contextos formativos, bem como efetivar práti-
cas inovadoras de enfrentamento ao bullying, revelando que a
intervenção é de suma importância no processo de pesquisa.

40
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Realizamos um recorte que trata da historicidade dos


contextos formativos orientados por valores humanos com
viés pragmático, relacionando com as práticas utilitárias. Para
analisarmos a categoria usamos a análise do discurso com base
em Resende e Ramalho (2010) com o intuito de desvelarmos o
que está atrás do discurso dos participantes da pesquisa.

O artigo está organizado em três seções: introdu-


ção, metodologia, desenvolvimento e considerações finais.
Na introdução, contextualizamos o assunto a ser abordado,
bem como situamos o método e a modalidade de pesquisa
que orienta o estudo de doutoramento, no desenvolvimento
abordamos a historicidade e os atributos dos contextos forma-
tivos de valores de teor tecnicistas, e por último tratamos das
considerações finais.

PESQUISA-AÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE


PESQUISA E FORMAÇÃO

A Pesquisa-ação é uma modalidade de pesquisa que


não nos limita apreender o fenômeno estudado somente pelas
aparências, que, no caso deste estudo é “relação entre os con-
textos formativos que privilegiam os valores humanos e as
práticas que confrontam o bullying”.

Para Franco (2008) a Pesquisa-ação remete a compre-


ensão de que pesquisa e ação é um par dialético que promove
à práxis, ou seja, ação e reflexão para transformação da rea-
lidade (FREIRE, 1987). Para isso acontecer enaltece a neces-
sidade de três eixos caracterizadores: a direção, o sentido e a
intencionalidade da transformação da realidade.

41
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Barbier (2002, p. 119) relata que “[...] toda pesquisa-


ação é singular e define-se por uma situação precisa concer-
nente a um lugar, a pessoas, a um tempo, a práticas e a valores
sociais e à esperança de uma mudança possível”. Partindo das
necessidades produzidas sócio-historicamente fomos instiga-
dos a dá ouvidos “aos que nunca falam” como enfatiza Barbier
(2002) sobre a relação explicitada. Em outros termos, dá ouvi-
do aos que nunca falam é mergulhar na práxis do grupo social
em estudo, do qual se extraem as teorias, as práticas, os valo-
res, as perspectivas latentes, as concordâncias e discordâncias
que fundamentam as práticas, “[...] e nela as mudanças serão
negociadas e geridas no coletivo” (FRANCO, 2008, p. 213).

Partindo do que foi explicitado, Franco (2008) alerta


que a Pesquisa-ação é permeada pela complexidade e impre-
visibilidade em virtude dos acontecimentos inesperados que
ocorrem durante o processo de investigação e que requer do
pesquisador um olhar atento e crítico para repensar o desen-
volvimento da pesquisa a fim de não atender a urgência pela
eficiência, eficácia e a imediaticidade das práticas discutidas
neste estudo.

Nessa perspectiva, Franco (2008, p. 239) realça a


importância de enfatizar momentos do processo de pesqui-
sa que proporcionam a articulação dos pressupostos onto-
lógicos, epistemológicos e metodológicos por meio de uma
dinâmica pedagógica que “[...] deve suscitar nos sujeitos
envolvimento, participação, comprometimento e produção
de saberes, além de conhecimentos novos a ser incorpora-
dos no campo científico”.

Para subsidiar esta pesquisa, escolhemos três ele-


mentos fundamentais da pesquisa-ação adotados por Franco

42
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

(2008), fundamentada em Smith (1992): o coletivo investiga-


dor, as espirais cíclicas e a produção/socialização de conhe-
cimentos. O primeiro, coletivo investigador foi constituído
por esta pesquisadora e pelo grupo de dois professores de
uma escola municipal de Teresina-PI e uma aluna do curso de
Pedagogia da UFPI.

O coletivo investigador aduz à compreensão de que


nós enquanto pesquisadora não podemos desenvolver a pes-
quisa sozinha, haja vista a característica principal da pesquisa,
que é o entrosamento coletivo nas atividades desenvolvidas.
Desse modo foi imprescindível estabelecermos relações não
hierárquicas marcadas por vozes internamentes persuasivas
que permitiram o diálogo crítico e problematizador perante
os valores humanos, no contexto de oficina pedagógica em
prol de possibilitar o desenvolvimento de práticas de enfren-
tamento ao bullying.

Nessa perspectica, produzimos a dinâmica do cole-


tivo que teve como finalidade o desenvolvimento de relações
não hierárquicas que primam pelo compromisso, apoio mútuo
e corresponsabilidade nas ações a fim de “[...] superar o jogo
do silêncio e o apego às atitudes defensivas, o embaraço, a
vergonha, a timidez”. Para isso, realizamos a fase preliminar,
constituída pela nossa inserção como pesquisadora no grupo
com o objetivo de autoconhecimento em relação às necessida-
des, inquietações e expectativas.
A fase preliminar da Pesquisa-ação foi fundamental
para produzirmos o “[...] contrato de ação coletivo” (FRANCO,
2008, p, 241), ou seja, as atribuições dos sujeitos da pesquisa,
esclarecimento sobre as questões éticas da pesquisa, os com-
promissos com a ação coletiva e as finalidades do trabalho a

43
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ser desenvolvido. Ressaltamos que esse contrato foi aberto


para discussões durante todo o processo de pesquisa, pois
de acordo com a autora apesar de ter maior ênfase no início
de pesquisa, é necessário refletí-lo durante todo o processo
frente às imprevisibilidades do vivido e dos novos conhe-
cimentos gerados.
Nessa perspectiva, o coletivo investigador pro-
porcionou a partir das necessidades produzidas sócio-his-
toricamente perante a relação estudada, o planejamento e a
execução de ações num movimento espiralar. Destacamos
que esse movimento colabora para o efeito recursivo
(BARBIER, 2002). Para efetivarmos esse efeito foram criadas
as condições objetivas e subjetivas para que coletivamente,
nós, enquanto pesquisadora e os participantes refletissem
permanentemente sobre a ação, e quando necessário rea-
valiassem e reformulassem ações, bem como analisam o
objeto explicitado e o processo de pesquisa.
É importante enfatizar que essa empreitada requereu
do coletivo investigado um debruçamento sobre as práticas
e as teorias que sustentam este estudo. Foram idas e vindas
para que concretizássemos a compreensão de que a inclusão
de valores humanos nos contextos formativos possibilita prá-
ticas diferenciadas no combate ao bullying.
A produção de novos cenários é objetivada no segun-
do momento da Pesquisa-ação, as espirais cíclicas. O movi-
mento espiralar “[...] é um processo eminentemente peda-
gógico, coletivo e compartilhado” (FRANCO, 2008, p. 243),
que promoveu ao coletivo investigado o retorno ao vivido,
à reinterpretação do compreendido, revisões do já realizado,
acerto de perspectivas e possibilidades, bem como a garantia
da avaliação formativa do processo e a objetivação das con-

44
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

quistas do grupo. Para isso, recorremos às ações reflexivas de


Liberali (2010): descrever, informar, confrontar e reconstruir
com o intuito do coletivo investigador produzir um nível de
consciência crítica que o permitisse reconhecer aqueles valores
habitualmente utilizados nos contextos formativos e elencas-
se valores que possibilitasse práticas inovadoras de enfrenta-
mento ao bullying.
O terceiro elemento, a produção de conhecimento
e a socialização dos saberes, requer que o processo de pes-
quisa proporcione a superação da mera descrição ou repro-
dução do conhecimento, uma vez que “[...] conhecimento
implica, conforme a autora, o trabalho com as informações,
classificando-as, analisando-as e contextualizando-as [além
de exigir a] [...] articulação do conhecimento com a inteli-
gência, com a consciência, com a sabedoria [...]”, conforme
explicita Franco (2008, p. 243).
Esse conhecimento articulado em ações pertinentes e
emancipatórias, tendo em vista a transformação das
condições de existência, passam a ser considerado um
saber – um conhecimento engajado, circunstanciado,
transformador das condições de existência, passa a
ser considerado um saber um conhecimento engajado,
integrado às estruturas cognitivo-emocional do sujeito
(FRANCO, 2008, p. 244).

Nesse contexto foi necessário “[...] produzir transfor-


mação de sentido, ressignificações do que se faz ou se pensa”
(FRANCO, 2008, p. 246), ou seja, a pesquisadora e partícipes
da pesquisa se reavaliaram em suas teorias, valores e práticas
com a intencionalidade de “[...] reconstrução do próprio sujei-
to [...]” e do contexto escolar vitimado pelo bullying.

45
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A produção de conhecimento e a socialização dos


saberes foram realizadas em dois momentos: o primeiro
diagnóstico, oriundo das discussões no coletivo investi-
gador, que trouxeram à tona as necessidades produzidas
sócio-historicamente, e o segundo foi fundamentado no
referencial teórico com vistas à compreensão da unidade
teoria e prática de cada situação.

O movimento espiralar da Pesquisa-Ação e dos três


elementos basilares estão apresentados na Figura 1.

Figura 1 - Movimento espiralar da Pesquisa-ação e seus ele-


mentos basilares.

Fonte: Elaborado pela autora, fundamentada em Franco (2008) e Liberali


(2010).

46
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Partindo do exposto, a Pesquisa-Ação é uma moda-


lidade de pesquisa que objetiva a formação e a intervenção.
Para que ocorra é necessário que o coletivo investigador
esteja engajado a fim de atender as necessidades oriundas
do vivido, produzir contextos formativos que foquem valo-
res humanos nas suas práticas. Assim, o coletivo investi-
gador, constituído pelos participantes da pesquisa, criou
condições para que pudéssemos refleti criticamente a pro-
blemática explicitada.

Nessa perspectiva, o coletivo investigador assu-


miu uma postura de professores-pesquisadores que vis-
lumbram a essência da Pesquisa-ação, ou seja, pesquisar
coletivamente a ação em movimento e relacionar com as
teorias discutidas a fim de proporcionar mudanças signifi-
cativas nos contextos formativos e as práticas de enfrenta-
mento ao bullying.

CONTEXTO FORMATIVO NORTEADA POR


VALORES HUMANOS DO PRAGMATISMO

A perspectiva de contexto formativo norteada por


valores humanos do pragmatismo foi difundida no Brasil a
partir da década de 1920, por meio do movimento intitulado
Escola Nova que tinha com o objetivo eximir o ensino tradi-
cional que induzia o aluno a aprender de forma mecânica e
passiva os conteúdos vinculados às disciplinas determinadas
pelo currículo da escola. Esse movimento alicerçou-se nos
fundamentos “[...] da biologia e da psicologia e dando ênfase
a sua atividade criadora” (BEHRENS, 2010, p. 44) e propôs
novas ideias pedagógicas permeadas pelos seguintes princí-

47
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pios: ação, solidariedade e cooperação social.

John Dewey foi um filósofo americano que preconi-


zou os ideais da Escola Nova no mundo e influenciou substan-
cialmente a educação brasileira a partir da década de 1920. Ele
refletiu sobre o problema da escola contemporânea: a inexis-
tência de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Ghiraldelli Junior (2008, p. 151) afirma que para o


filósofo escolanovista John Dewey, “[...] a verdadeira educa-
ção era crescimento em favor da diversidade e, sendo assim,
só podia existir na democracia, dado que a democracia era
entendida por ele como uma experiência histórica capaz de
proliferar pessoas e comportamentos os mais variados”. Nessa
perspectiva, Dewey (2007) defendia que os objetivos da edu-
cação deveriam ser respaldados pelos ideais da democracia,
mas alertava que:

[...] essa ideia não pode ser aplicada a todos os


membros de uma sociedade, mas apenas quando a
relação de um homem com outro é mútua e existem
condições adequadas para a reconstrução de hábitos
e instituições sociais por meio de amplos estímulos
originados da distribuição equitativa de interesses. (p.
12, grifo do autor).

Desse modo, realçava que para alcançamos uma


sociedade democrática seria necessário, termos como objeti-
vos: a organização e reorganização da experiência a fim de
ampliar o seu alcance e direcionar experiências subsequentes.
Esse posicionamento demarcava o distanciamento dos obje-
tivos estabelecidos pelo ensino tradicional, conforme relata
Dewey (2007, p. 12):

48
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

[...] os objetivos de alguns grupos da sociedade


serão determinados por uma autoridade exterior,
não surgirão do livre desenvolvimento das próprias
experiências, e os supostos objetivos desses grupos
serão meios para fins alheios muito distantes, em vez
de verdadeiramente seus.

Diante dessa afirmação, Dewey (2007) destaca que o


professor deveria auxiliar o desenvolvimento livre e espon-
tâneo do aluno e quando intervisse seria para dar forma ao
raciocínio dele, portanto assumiria uma postura participa-
tiva e ativa. Em outros termos, o professor deixaria de ser o
detentor da “verdade absoluta” e o aluno se tornaria o centro
do ensino, uma vez que “[...] não antecipamos um resultado
como meros observadores intelectuais, mas como pessoas
preocupadas com ele, somos participantes do processo que
produz o resultado. Intervimos para provocar esse ou aquele
resultado” (DEWEY, 2007, p.15).

A Escola Nova ganhou respaldo significativo no


Brasil, a partir do ano de 1932, com o Manifesto dos Pioneiros
da Educação, liderado por Anísio Teixeira. Esse documento
tinha como objetivo a reforma do ensino, conforme demarca o
relator do referido texto, Fernando de Azevedo.

[...] esse documento público que teve a mais larga


repercussão, foi inspirado pela necessidade de precisar
o conceito e os objetivos da nova política educacional
e desenvolver um esforço metódico, rigorosamente
animado por um critério superior e pontos de vista
firmes, dando a todos os elementos filiados à nova
corrente as normas básicas e os princípios cardeais
para avançarem com segurança e eficiência nos seus
trabalhos. Não é apenas uma bandeira revolucionária,

49
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

cuja empunhadura foi feita para as mãos dos


verdadeiros reformadores, capazes de sacrificar pelos
ideais comuns a sua tranquilidade, a sua energia e a
sua própria vida; é um código em que se inscreveu,
com as teorias da nova educação infletidas para um
pragmatismo reformador, um programa completo de
reconstrução educacional, que será mais cedo ou mais
tarde a tarefa gigantesca das elites coordenadoras das
forças históricas e sociais do povo, no seu período
crítico de evolução (AZEVEDO, 1985, p. 50).

Esse manifesto anunciava a exigência de mudanças


demarcadas pelo momento histórico vivenciado pelo Brasil,
pois “[...] a situação vigente era de conflito entre o novo e o
velho, entre o novo regime político e as velhas oligarquias,
entre o capitalismo industrial e o predomínio da economia
agrícola” (ROMANELLI, 2007, p. 146). Nesse contexto, a edu-
cação passou a ser vista como um direito que se vincula ao
meio social, distanciando-se de seu secular isolamento.

O manifesto contribuiu substancialmente para que a


educação se tornasse um problema social e exigiu uma postu-
ra firme e objetiva por parte do Estado para que assegurasse a
democratização do ensino, “[...] contestando a educação como
privilégio de classe, sem, contudo, recusar a contribuição da
iniciativa particular” (ROMANELLI, 2007, p. 147). Para isso,
defendia que era dever do Estado garantir a laicidade do ensi-
no público, a gratuidade, a obrigatoriedade e a co-educação.

Com base nesse entendimento, o povo brasilei-


ro lograva o direito vital à educação e o Estado o dever de
proporcionar um ensino marcado pela liberdade religiosa, o
acesso democrático e gratuito as vagas pertencentes às escolas
públicas, e a obrigatoriedade de todos os membros da socie-

50
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dade de estarem matriculados, independente da classe social,


etnia, entre outros.

Partindo do exposto, a Escola Nova foi um movimen-


to reformador do ensino brasileiro que propôs uma nova polí-
tica educacional fundamentada no pragmatismo. Para essa
corrente epistemológica, o critério de verdade está centrado
naquilo que é útil, conforme é relatado por Vázquez (2011,
p.243-244):

“[...] A verdade fica subordinada, portanto, aos


nossos interesses, ao interesse de cada um de nós. Em
consequência, não se manifesta na concordância com
uma realidade que nosso conhecimento reproduz,
mas corresponde aos nossos interesses, àquilo em que
seria – para nós –melhor, mais vantajoso ou mais útil
acreditar”

Com base nessa compreensão, o conhecimento na


visão pragmática é uma mera reprodução na consciência cog-
nitiva de uma determinada realidade, “[...] ainda que só pos-
samos conhecer essa realidade – reproduzi-la idealmente – em
nosso trato e prático”. (VÁZQUEZ, 2011, p. 245).

Desse modo, o professor que produz contextos for-


mativos comprometidos com valores humanos orientados
pelo pragmatismo nas suas práticas de enfrentamento ao
bullying, reduz o prático ao utilitário com vistas a promover
“[...] o êxito, a eficácia da ação prática do homem entendida
como prática individual” (VÁZQUEZ, 2011, p. 244). Assim, o
critério de verdade é subordinado aos interesses individuais
que despreciam as exigências da realidade em favor do que
sejam mais vantajosos ou mais úteis para o professor. Dito em
outros termos, “[...] a verdade fica subordinada à utilidade,

51
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

entendida como eficácia ou êxito da ação do homem, conce-


bida essa última, por sua vez, como ação subjetiva, individu-
al, e não como atividade material, objetiva, transformadora”
(VÁZQUEZ, 2011, p.244-245).

O pragmatismo considera que aquilo que é útil para


o indivíduo está relacionado “[...] no sentido daquilo que
melhor ajuda a viver e a conviver” (VÁZQUEZ, 2008, p. 288).
Portanto, para proporcionar um bom convívio em sociedade,
é necessário considerar que:

No terreno da ética, dizer que algo é bom equivale dizer


que conduz eficazmente à obtenção de um fim, que
leva ao êxito. Por conseguinte, os valores, princípios e
normas são esvaziados de um conteúdo objetivo, e o
valor do bom – considerado como aquilo que ajuda o
indivíduo na sua atividade prática – varia de acordo
com cada situação (VÁZQUEZ, 2008, p. 288).

Nessa perspectiva, o pragmatismo orienta o indiví-


duo para a redução do comportamento moral aos atos que
direcionam para o êxito, consequentemente “[...] transforma
numa variante utilitarista marcada pelo egoísmo; por sua vez,
rejeitando a existência de valores ou normas objetivas, apre-
senta-se como mais uma versão do subjetivismo e do irracio-
nalismo” (VÁZQUEZ, 2008, p. 288).

Partindo do exposto, Libâneo (1998) realça que essa


a perspectiva escolanovista aduz que a escola tem como fina-
lidade, adequar as necessidades individuais ao meio social,
e para atingir esse fim, o professor se organiza de forma que
retrate a vida, por sua vez, promove experiências que aten-
dam aos interesses dos alunos e das exigências sociais com
vistas a produzir resultados rápidos e imediatos.

52
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

O autor esclarece que essas experiências permitem


ao aluno “[...] um processo ativo de construção e reconstrução
do objeto, numa interação entre as estruturas cognitivas do
indivíduo e estrutura do ambiente” (LIBÂNEO, 1998, p. 35).
Desse modo, o aluno “aprende fazendo”, pois é privilegiado
o processo de aquisição do saber em detrimento do saber pro-
priamente dito.

Nesse contexto, o professor valoriza a participação


ativa, livre e espontânea do aluno. Para isso instiga as tentati-
vas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio
natural e social e o método de solução de problemas. Libâneo
(1998, p. 27) pontua os passos do método ativo:

a) Colocar o aluno numa situação de experiência que


tenha interesse por si mesmo; b) o problema deve ser
desafiante, como estímulo à reflexão; c) o aluno deve
dispor de informações e instruções que lhe permitam
pesquisar a descoberta de soluções; d) soluções
provisórias devem ser incentivadas e ordenadas, com
a ajuda discreta do professor; e) deve-se garantir a
oportunidade de colocar as soluções à prova, a fim de
determinar sua utilidade para a vida.

Nesse modelo de contexto formativo orientado por


valores humanos da perspectiva pragmatismo, suas práticas
que defrontam o bullying são configuradas pela promoção
de experiências, para que o aluno se desenvolva livremente
e espontaneamente, e o professor somente intervém para dar
forma ao raciocínio, por conseguinte “[...] a disciplina surge
de uma tomada de consciência dos limites da vida grupal;
assim, o aluno disciplinado é aquele solidário, participante,
respeitador das regras do grupo” (LIBÂNEO, 1998, p. 26).

53
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Dessa forma, o autor ressalta que para garantir a


disciplina é necessário um relacionamento harmonioso entre
o professor e o aluno de forma a proporcionar a “vivência
democrática” (LIBÂNEO, 1998, p. 26). Assim, salienta que
a motivação é imprescindível para atingir o fim pretendido,
haja vista que depende da força de estimulação do problema
e do interesse do aluno.

O aluno aprende por meio da descoberta, da auto-


aprendizagem, sendo o ambiente e o professor estimulado-
res, consequentemente o conhecimento retido é incorporado
a estrutura cognitiva para ser efetivada em novas situações.
Assim, o professor adota a reflexão prática, pois privilegia
discorrer sobre a prática e “[...] há a clara tentativa de com-
preender as ações a partir de suas experiências e conhecimen-
to de mundo” (LIBERALI, 2010, p. 28), ou seja, desconsidera
a historicidade do fenômeno, bem como não compreende o
movimento e desenvolvimento dele.

É importante salientar que o professor adota uma


postura centrada em si mesmo, uma vez que não cria as condi-
ções objetivas e subjetivas para compreender o movimento, o
desenvolvimento e renovação dos contextos formativos com-
prometidos com valores humanos determinados socialmente
e historicamente, consequentemente limitar-se “[...] a uma ati-
tude que se baseia no uso do senso comum, que aparece como
apoio às avaliações (LIBERALI, 2010). Por sua vez, o professor
baseado na perspectiva pragmática estabelece como critério de
verdade do conhecimento as necessidades utilitárias, conse-
quentemente, “reproduz facilmente em seu pensamento, e em
sua prática, os vícios, os preconceitos, os mitos e os obstáculos
epistemológicos acumulados na prática empírica” (PEREZ
GÓMEZ, 1998, p. 364). Assim, o professor enfrenta o bullying

54
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

por meio de soluções encontradas na prática e pela prática.

O modelo retratado dos contextos formativos sub-


sidiados por valores humanos com base nas relações vincu-
ladas ao pragmatismo tem como critério de verdade “aquilo
que é útil”, portanto o professor visa atender as necessidades
utilitárias que reforçam o desejo pelo êxito, a eficácia da ação
prática do homem compreendida como prática individual.
Dessa forma, o conhecimento produzido é tido como verda-
deiro porque é útil para o sujeito, ao passo que desvincula
do processo de ensino-aprendizagem a reflexão crítica e visa
somente o resultado das ações executadas. Por sua vez, é base-
ada na racionalidade prática que objetiva o imediato, ou seja,
limita-se apreender a aparência de sua prática e não atinge a
essência, ocasionando o não reconhecimento de novos valores
humanos que possibilitam práticas diferenciadas que enfren-
tam o bullying. Em outras palavras, o professor adota uma
postura que demonstra “centralização em si e não cria base
para a compreensão da história dessas ações” (LIBERALI,
2010, p. 28), ou seja, privilegia atender aos interesses pessoais
em detrimento de transformar os contextos escolares vitima-
dos pelos bullying.

Os contextos de formação orientados por valores


humanos na perspectiva pragmatismo estabelece uma prática
utilitária em que o professor visa “aquilo que é útil” e atende
aos seus interesses pessoais em detrimento das necessidades
sociais. Estabelece uma relação harmoniosa com o aluno e ao
enfrentar o bullying busca na prática aspectos que colaborem
resolver de forma rápida e imediata. Os valores humanos uti-
lizados na perspectiva pragmática são: utilitarismo, imediatis-
mo e sentido prático.

55
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A partir de agora iremos apresentar os episódios


extraídos dos discursos dos professores participantes da
pesquisa.

Inicialmente, Papai Smurf afirma que privilegia o


envolvimento prazeroso entre ele e o aluno. Retiramos o epi-
sódio do Primeiro Encontro Coletivo.

Fominha: O que você acha da forma como é enfrenta-


do o bullying?
Papai Smurf: Tu falou em punição... Só que assim eu
penso que essas práticas que a gente utiliza aqui na
escola e que muitos professores comentam e eu total-
mente não tiro isso não, porque essa questão de...
porque não funciona com esses meninos, eles acham
divertido pra ficar sem recreio, eles ficam aqui na
sala...
Smurfette: A questão do castigo, né?
Papai Smurf: Eles ficam é se divertindo, que eles
ficam aqui [na sala dos professores], os professores
ficam conversando aqui, muitos acham até eles engra-
çados. Eles acham é bom vir pra cá, quer dizer, tem,
tem muito professor que deixa sem recreio. Vai fun-
cionar, mas é nunca! Então a gente precisa repensar
até essas práticas. Eu, particularmente, acredito que é
pelo envolvimento prazeroso, só que quando você vai
pra esse envolvimento, prazeroso, eles confundem a
prática da brincadeira ou do jogo, com, com uma per-
missividade sua em relação ao que eles podem fazer.
Eles já estão acostumados, é com aquela aula mesmo
de senta, fica aí quietinho, faz a atividade, só copia aí

56
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pronto acabou. Não há, eles não estão abertos pra a


prática do jogo, da dinâmica. Até aqui, eu tentei fazer
uma queimada aqui no pátio, não funciona porque
eles não ficam parados para seguir as regras do jogo,
eles ficam, na angústia deles, na ânsia de fazer algu-
ma coisa, eles ficam correndo pelo pátio, perturban-
do as outras salas de aula, no momento em que eles
poderiam estar aproveitando no pátio, aquele jogo, o
jogo da queimada ou qualquer outro tipo de jogo.

Fominha pergunta para Papai Smurf: “O que você


acha da forma como é enfrentado o bullying?”. O professor
aduz que a Fominha falou sobre punição e assim, ressalta por
meio da modalidade subjetiva “eu penso” para destacar que
as práticas de enfrentamento ao bullying utilizadas na escola
“não funcionam com esses meninos” e utiliza a modalidade
objetiva “eles acham” para afirmar que os alunos consideram
divertidos ficarem sem recreio. Smurfette indaga o professor
se ele está se referindo à “questão do castigo”.

Papai Smurf explicita que enquanto os professores


conversam na sala, os alunos ficam é se divertindo e recorre
a modalidade objetiva “muitos acham” para evidenciar que a
punição não obtém o resultado que os professores almejam,
pois os alunos consideram é engraçado. O professor é enfáti-
co ao explicitar que a prática da punição não colabora para o
enfrentamento ao bullying, conforme observamos na expres-
são “[...] Vai funcionar, mas é nunca!”. E instaura por meio da
modalidade deôntica de necessidade “precisa” para apresen-
tar o seu posicionamento de que “a gente precisa repensar até
essas práticas”.

57
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Diante do exposto, Papai Smurf recorre à modalida-


de epistêmica “acredito” para afirmar que a sua prática é per-
passada pelo envolvimento prazeroso, conforme observamos
na expressão “[...] particularmente, acredito que é pelo envol-
vimento prazeroso”. Por sua vez, ela afirma que o professor
ao realizá-lo com os alunos, evidencia que “eles confundem
a prática da brincadeira ou do jogo, com, com uma permissi-
vidade, sua relação ao que eles podem fazer”. E justifica que
esse comportamento por parte dos alunos ocorre em virtu-
de de que “[...] eles já estão acostumados, é com aquela aula
mesmo de senta, fica aí quietinho, faz a atividade, só cópia aí
pronto acabou”.

O professor reitera que “eles não estão abertos pra


prática do jogo, da dinâmica”, em seguida, expõe o exemplo
da queimada, a qual foi realizada no pátio da escola e ele enal-
tece que “não funciona porque eles não ficam parados para
seguir as regras dos jogos, eles ficam, na angústia deles, na
ânsia de fazer alguma coisa, eles ficam correndo pelo pátio”,
em vez de “[...] estar aproveitando no pátio, aquele jogo [...]”

O discurso proferido por Papai Smurf remete a com-


preensão de que o professor não considera viável a punição no
enfrentamento ao bullying, pois os alunos acham é engraçado,
consequentemente continuam a perpetuar o comportamento
violento. Nessa perspectiva, recorremos a Vigotski (2010) para
elucidar o posicionamento do professor, haja vista que deixar
de realizar determinada ação em virtude do medo não cola-
bora para que possibilite a produção de um ato ético. Dito em
outros termos, o professor não cria as condições objetivas e
subjetivas para que o aluno conheça os significados dos valo-
res humanos que permeiam seus comportamentos violentos,
bem como não são instigados a vivenciarem contextos forma-

58
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

tivos em que novos valores aos seres incluídos possam possi-


bilitar práticas marcadas pelo valor da não-violência e assim
promova uma sociedade pautada por princípios éticos.

Nessa perspectiva, o professor afirma que utiliza o


envolvimento prazeroso, apesar dos alunos confundirem a
brincadeira com a permissividade. Assim, aduz que eles estão
acostumados é com a punição. Fazemos uma inferência em
relação ao relato do papai Smurf, pois baseado em Vázquez
(2008) consideramos que o aluno para incluir novos valores
no enfrentamento ao bullying é necessário que haja a progres-
são moral, ou seja, os valores necessecitam serem discutidos
para terem sentido para o aluno, uma vez que a imposição de
valores não colabora para que os alunos conheçam seus signi-
ficados e produzam sentidos que os instiguem a vivenciarem
aqueles comprometidos com convívio ético em sociedade.
Dito em outros termos, o professor não instiga o aluno a refle-
tir criticamente o comportamento violento, consequentemen-
te não são criadas as possibilidades necessárias para conhecer
as causas que demarcam os contextos de formação orientados
por valores humanos que não colaboram para a formação de
um cidadão ético, e consequentemente intervir nessa realida-
de (VIGOSTSKI, 2010).

Vázquez (2008) destaca que a progressão moral é


conquistada a partir do aumento do grau de consciência sobre
os valores humanos, as normas, as regras e os princípios que
sustentam o comportamento da moral estabelecido social-
mente e também pela liberdade de decidir coletivamente e
indivualmente aqueles valores que condizem com as neces-
sidades. Desse modo, consideramos que o discurso proferido
pelo papai Smurf nos permiti compreender que os alunos não
avançam na questão dos valores humanos, pois não ampliam

59
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sua consciência crítica por se sentirem presos mediante uma


ética que é legisladora e prescrita como verdade absoluta e
caso não seja respeitada serão punidos, consequentemente
não desenvolvem a responsabilidade moral que implica ao
sujeito a não ignorar as circunstâncias e as consequências de
suas ações, revelando o carater consciente e que a causa dos
seus atos estejam nelo próprio (causa interna) e não em outro
agente (causa exterior) (VÁZQUEZ, 2008).

A seguir, questionamos Papai Smurf sobre sua práti-


ca de enfrentamento ao bullying na sua sala de aula. Extraímos
o episódio do Segundo Encontro Coletivo, realizado no dia 24
de março de 2017.

Fominha: E você, Papai Smurf, como você enfrenta o


bulliyng na sala de aula?
Papai Smurf: Eu tenho uma experiência, uma vivên-
cia, que se transformou em alguns, eu vou pegar esse
exemplo, eu tenho um vídeo, que é um videozinho,
até em desenho animado, chamado kiriku. Kiriku era
um meninozinho africano e no desenho aparece o
meninozinho, o desenho do meninozinho, pretinho,
que os meninos ficam brincando com ele, Kiriku é de
uma tribo africana. Aí, o kiriku conversando com o
sábio lá da tribo, ele consegue reconhecimento pra
sair da tribo dele e ir atrás do conhecimento. É um
desenho bem interessante...
Papai Smurf: Kiriku. Kiriku. Aí, você veja, as pes-
soas trabalham com esse desenho, aí eu botei, uma
vez, para os meninos, que eu trabalhava, aí eu fiquei
assim, foi uma experiência ruim porque tinha um

60
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

menino que ele era pretinho e sofria bullying todo


dia, e as características físicas dele eram muito pare-
cidas com a do Kiriku. E, aí, os meninos começaram a
chamar esse menino de kiriku. E ele se sentiu mal e eu
também, porque a proposta era trabalhar aquela his-
tória pra eles não ficarem bitolados naquela questão
deles, da cultura deles, daquela coisa miúda que eles
vivem da comunidade. E irem atrás de outras infor-
mações, em outras situações, e que eles buscassem o
conhecimento como o meninozinho africano fez, mas
eles não pegaram a proposta, a ideia da história, eles
apenas pegaram a imagem do kiriku que era africano
diferente deles e que parecia com o menino.
Smurfette: Com o colega.
Papai Smurf: Com o colega. E começaram chamar o
menino de Kiriku. E pronto, aquele apelido do meni-
no pegou. Kiriku, o apelido menino é kiriku.
Smurfette: Meu Deus do céu.
Papai Smurf: Aí depois disso, eu.
Fominha: Isso aconteceu em uma sala de aula, você
passando essa atividade que eles reconheceram outro
aluno?
Papai Smurf: foi. Aí... eles pegaram a imagem do
menino pra associar com a imagem do menino por-
que parecia com o menino africano de uma forma
pejorativa pra mexer com o outro.
Smurfette: Uma aula tão interessante.
Fominha: Você iria trabalhar o que com esse filme?
Papai Smurf: Era a questão da busca, da saída de uma
condição cultural para uma busca de conhecimentos

61
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

em outros ambientes, que foi o que o Kiriku fez, ele


sai da tribo, ele sai de uma condição e vai pra outra
independente da orientação dos que estavam do seu
lado, ele despertou. Eu quero ir atrás do conhecimen-
to, eu vou atrás de novas informações e ele consegue
de fato, pegar as informações em um outro ambiente
e ele volta pra tribo e traz pra tribo.
Fominha: Então, você, de acordo com esse rela-
to, você quis me dizer que você busca trabalhar
isso...
Papai Smurf: É...
Fominha: Mas como é que você enfrentou?
Porque os meninos fizeram bullying com esse
menino na aula, como é que saiu, ? Se sobres-
saiu, você avançou?
Papai Smurf: Aí, eu fiquei, eu fiquei sem como
desfazer aquilo. Tanto é que eu não trabalho mais
por conta disso. Porque fugiu do meu, da minha
alçada, da minha condição, refazer aquilo ali até
porque essa explicação do africano em relação
a nós, aqui, do ocidente, toda a questão históri-
ca, daqui que eu fosse explicar pra eles, eu não
teria condição, de colocar isso na cabeça deles.
Por mais que eu diga “não, todos tem valor”, o
meu argumento seria insuficiente ali, a minha
fala naquele momento não seria suficiente para
mostrar que eles estavam errados.

Esse episódio foi marcante ao ponto que “aquele ape-


lido do menino pegou”. A professora Smurfette ficou espanta-

62
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

da, conforme visualizamos na expressão “Meu Deus do céu”,


uma vez que considerou que a aula poderia ser interessante.
Logo após, Fominha perguntou o que seria trabalhado nes-
se filme. O professor afirma que iria trabalhar “a questão da
busca, da saída de uma condição cultural para uma busca de
conhecimentos em outros ambientes” e reitera por meio da
modalidade epistêmica “eu quero ir atrás do conhecimento,
eu vou atrás de novas informações”.

Em seguida, Fominha questionou como o professor


Papai Smurf se sobressaiu dessa situação de bullying. Ele rela-
tou que “eu fiquei sem como desfazer aquilo”, pois “[...] fugiu
do meu, da minha alçada, da minha condição”. Ele justificou
por meio da modalidade deôntica “eu não teria condição,
de colocar na cabeça deles”, uma vez que se trata de “toda a
questão histórica, daqui que eu fosse explicar pra eles”. Assim,
reforça esse posicionamento ao dizer por meio da modalidade
deôntica que “não, todos tem valor”, ainda seria insuficiente
para mostrar para os alunos que estavam errados.

O discurso proferido pelo professor remete ao enten-


dimento de que os alunos não compreenderam a proposta da
sua aula e que a “brincadeira” realizada por eles se tratava da
modalidade violência, conhecida como bullying que possui
“[...] sua especificidade, implicações e consequências nefastas,
visto que acarreta enorme prejuízo à formação psicológica,
emocional e socieducacional” (PEDRA, 2005, p. 9). Nesse con-
texto, o professor afirma que não tinha condições de intervir
e justifica o comportamento violento dos alunos em razão das
questões históricas. Tal afirmação nos faz compreender que
a “brincadeira” cometida com a vítima é considerada como
algo banalizado pelos agressores e que faz parte do cotidiano,
revelando que os valores humanos que permeiam o contexto

63
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

escolar não são discutidos e nem direcionados para se obter


uma decisão coletiva, consequentemente os valores incluídos
nas relações interpessoais por meio dos hábitos e costumes
(VÁZQUEZ, 2008) colaboram para elevação dos índices de
violências.

Papai Smurf ao relatar que os alunos “não, todos


tem valor”, elucida que eles possuem valores que foram
elencados no decorrer do processo sócio-histórico, já que o
valor humano é formado por fatores objetivos (costumes,
tradição, sistemas de normas, função social) que são deter-
minados socialmente e fatores subjetivos (decisão coletiva
e responsabilidade social). Destacamos que o professor
possui o estágio de consciência desenvolvido perante os
valores humanos que são apresentados na sua sala, mas
afirma que não tem condições de intervir sobre a situação
de violência e privilegia não continuar com a aula.

Papai Smurf ao relatar a sua aula sobre o Kiriku,


afirma que objetivou mostrar aos alunos que a busca do
conhecimento proporciona novas possibilidades na vida
de uma pessoa. Entretanto, o comportamento inesperado
por parte dos alunos em cometer o bullying utilizando a
imagem do menino Kiriku com o colega de classe, desesta-
bilizou o professor de tal forma que o mesmo não se reco-
nhece como um agente intelectual e transformador, já que
afirma no seu discurso que sabe que os alunos tem valores,
mas não tem condições de intervir.

Desse modo, ao afirmar que não tem condições de


intervir distancia-se do pensamento de Giroux (1997, p.163), o
qual explicita que o professor é um agente intelectual e trans-
formador quando o ponto de partida da sua prática não se

64
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

limita a um “[...] estudante isolado, e sim indivíduos e gru-


pos em seus diversos ambientes culturais, raciais, históricos e
de classe e gênero, juntamente com a particularidade de seus
diversos problemas, esperanças e sonhos”. Assim, destacamos
que o professor ao trabalhar o filme do Kiriku com a intencio-
nalidade de mostrar a importância de determinados valores
que garantem a ancesão social, não deveria desconsiderar a
historicidade do homem negro, sobretudo seus desafios, con-
quistas e retrocessos. Esse entendimento, possibilitaria ao alu-
no se reconhecer como sujeito sócio-histórico que está imerso
ao uma rede múltipla de valores humanos que podem ou não
colaborar para a promoção de uma sociedade ética que visa a
não violência e também a ascensão social por meio da busca
de novos conhecimentos.

Partindo dessa afirmação, consideramos que o pro-


fessor Papai Smurf necessita vivenciar contexto de formação
que o possibilite, conhecer os significados dos valores que per-
meiam sua prática e também das relações demarcadas pela
violência. Assim, produzirá novos sentidos que se distancia
de uma postura de desistência por reconhecer outras formas
de enfrentamento ao bullying que não estejam vinculadas aos
valores que privilegiam: o reconheciment utilitário dos obje-
tos, fatos e acontecimentos, predominância pelo desejo de
resultados imediatos e uteis aos indivíduos e a identificação
das consequências práticas.

Nesse sentido, depreendemos que o professor é


orientado pelos valores do utilitarismo, imediatismo e senti-
do prático, pois visa atender aos seus interesses pessoais de
forma rápida e imediata, ou seja, almeja que os alunos apren-
dam os ensinamentos oriundos do filme rapidamente, sem
levar em consideração o conhecimento prévio deles e também

65
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sem estabelecer uma fundamentação teórica clara e objetiva,


consequentemente não instiga os alunos a repensarem criti-
camente a sua realidade e os aspectos históricos e sociais do
filme, bem como os valores humanos que permeiam a história
do Kiriku e de relacioná-los ao vivido dos alunos no contexto
de violência escolar.

Diante do exposto, ressaltamos que o Papai Smurf é


orientado por valores humanos da perspectiva do pragmatis-
mo, configurando práticas utilitaristas, uma vez que o profes-
sor prima pelos os seus interesses pessoais em detrimento das
necessidades dos contextos vitimados pelo bullying. Ademais,
ao ser questionado sobre sua prática de enfrentamento ao
bullying utiliza a descrição de suas práticas, sem fazer relação
com a teoria. Privilegia os valores do utilitarismo, imediatis-
mo e sentido prático a fim de garantir o atendimento dos seus
interesses pessoais de forma rápida e imediata, desconsidera-
do que o aluno é um ser social e histórico que ao serem criados
espaços dialógicos desenvolverá uma consciência mais crítica
e vivenciar novos valores que colaboram para a transformação
dos contextos escolares vitimados pelo bullying.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta investigação, compreendemos que o valor


humano é uma criação humana produzida na atividade e
pela atividade, subsidiado por fatores objetivos e subje-
tivos, que acatados livre e conscientemente pelo homem
colabora para a produção de práticas diferenciadas de
enfrentamento ao bullying. Ademais, ainda apreendemos
que neste estudo a prática diferenciada é aquela em que

66
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

o professor, em contexto formativo, norteado por valores


humanos, eleva a consciência crítica de tal forma que ao
reconhecer os valores que respaldam as práticas fossiliza-
das e automatizadas, elenca novos valores que possibilitam
práticas mais condizentes com as necessidades produzidas
socialmente e historicamente e colabora para transformar
os contextos vitimados pela problemática da violência
(bullying).

A Pesquisa-ação foi à modalidade de pesquisa


adotada neste estudo em virtude de proporcionar a ação,
reflexão e intervenção perante os contextos formativos
orientados por valores humanos e efetivados nas práticas
de enfrentamento ao bullying. Assim, criamos contextos
formativos, privilegiando valores humanos, que possi-
bilitaram aos participantes deste estudo, professores do
Ensino Fundamental, a produzirem práticas diferencia-
das mediante a inclusão de novos valores humanos, assim
como analisamos as relações entre esses contextos for-
mativos e as práticas de dois professores de uma escola
pública do Ensino Fundamental ao enfrentarem situações
de bullying.

Os professores que produzem contextos de forma-


ção orientados por valores humanos da perspectiva prag-
mática configuram práticas utilitárias, uma vez que consi-
deram como critério de verdade do conhecimento “aquilo
que é útil”. Dito em outros termos, privilegiam as neces-
sidades utilitárias em detrimento daquelas produzidas
socialmente e historicamente dos espaços escolares viti-
mados pelo bullying. Ademais, limita a explicação de suas
práticas a partir de experiências, ou seja, busca na prática
solucionar a problemática em tela de forma rápida e ime-

67
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

diata e estabelece uma relação harmoniosa entre professor


e aluno. Os valores utilizados na perspectiva pragmática
são: utilitarismo, imediatismo e sentido prático.

Dessa forma, os professores que produzem con-


textos formativos orientados por valores do pragmatismo,
desconsideram os conhecimentos prévios dos alunos, bem
como não estabelecem uma fundamentação teórica clara e
objetiva, consequentemente os alunos não são instigados a
repensarem criticamente a sua realidade mediante os aspectos
históricos e sociais.

REFERÊNCIAS

BARBIER, R. A pesquisa-ação. Tradução Lucie Didio. Brasília,


DF: Plano Editora, 2002.

BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prá-


tica pedagógica. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

DEWEY, John. Democracia e educação: capítulos essenciais.


Ática, 2007.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pesquisa-ação e prática docen-


te: articulações possíveis. Pesquisa em educação: possibilidades
investigativas/formativas da pesquisa-ação. São Paulo: Edições
Loyola, v. 1, p. 103-138, 2008.

GHIRALDELLI JÚNIOR, PAULO. História da Filosofia: dos pré-


socráticos a Santo Agostinho. São Paulo: Contexto, 2008.

GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. Historia da educação brasileira.


4ed. Sao Paulo: Cortez, 2010. 272p

68
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora?:


novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo:
Cortez, 1998.

LIBERALI, Fernanda. Formação crítica de educadores: ques-


tões fundamentais. Coleção: Novas Perspectivas em Linguística
Aplicada.v.8. 3 ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2010.

PÉREZ-GOMEZ, A. I. A função e formação do professor/a


no ensino para a compreensão: diferentes perspectivas. In:
SACRISTÁN, J. G.; PÉREZ-GOMEZ, A. I. Compreender e trans-
formar o ensino. 4. ed. Tradução de: Ernani F. da Fonseca Rosa.
Porto Alegre: Artmed., 1998.

ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil: (1930/1973).


36ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

VÁZQUEZ, A S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


2008.

________. Filosofia da Práxis. São Paulo: Expressão Popular,


2011.

69
AS NARRATIVAS DE FORMAÇÃO
NO ENSINO SUPERIOR COMO
PROPOSTAS AVALIATIVAS MEDIADAS
PELOS DIÁRIOS ESCRITOS

|| Francisca Eudeilane da Silva Pereira - UNIFACEMA


|| Joelson de Sousa Morais - UNICAMP

As narrativas representam um valor potencialmen-


te significativo de aprendizagem e formação profissional em
contextos de ensino e pesquisa, na área educacional e em
outras áreas do conhecimento. Primeiro porque resgata a
subjetividade do sujeito, desvelando suas concepções, modos
de pensar, valores, compreensões, incertezas, e tantas outras
possibilidades que são descortinadas no processo narrativo.
E segundo, porque as evocações narrativas, acabam eviden-
ciando perspectivas outras de políticas, currículos, saberes e
saberes-fazeres em várias dimensões, contextos, intensidades
e realidades que por ventura possam ser desenvolvidas.

No que se refere à avaliação da aprendizagem, o


Diário Narrativo, se configura como um dispositivo metodo-
lógico avaliativo, que capta as representações do sujeito, suas
aprendizagens, entendimentos, dúvidas e (in)compreensões
acerca de um assunto, tema, ideia ou discussão realizada, ou

70
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

vivenciada pelo sujeito em algum momento de sua formação,


e que, por inúmeras razões, não consegue expressar seu pen-
samento, a não ser que seja de forma escrita.

O presente trabalho tem como objetivo geral: com-


preender as potencialidades da narrativa como estratégia ava-
liativa mediada pelos diários escritos no ensino superior. E
como objetivos específicos, propomos: analisar as implicações
da narrativa no desenvolvimento de processos de aprendiza-
gem no ensino superior, bem como, refletir acerca das contri-
buições do diário narrativo como instrumento de avaliação no
ensino superior.

Assim, o problema de pesquisa deste trabalho busca


questionar: Quais as contribuições das narrativas de forma-
ção no ensino superior como propostas avaliativas mediadas
pelos diários escritos?

Este texto fundamenta-se teórico-epistemológica e


metodologicamente em autores como: Josso (2010), Zabalza
(2004), Esteban (2004) e outros. E suas discussões pautam-se
no entrelaçamento entre “Pesquisa narrativa” e “Avaliação da
aprendizagem” no ensino superior.

Para além dos modelos ou estratégias avaliativas


que tomam como ponto de partida instrumentos ancorados
em um modelo de uma racionalidade técnica, como o exame,
por exemplo, que muitas vezes mais exclui e classifica, do
que promove, concebemos a “Avaliação da Aprendizagem” a
partir de uma perspectiva emancipatória, a qual dá primazia
para o sujeito na apropriação, produção e transformação do
conhecimento e de si mesmo, inscrita em dinâmicas de demo-
cratização do acesso aos saberes (ESTEBAN, 2004).

71
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

É o que acontece, neste caso, com os Diários


Narrativos, que dá legitimidade ao saber produzido, a par-
tir das experiências narradas pelos acadêmicos do ensino
superior, e avaliada, compreendida e refletida pelo professor
formador as implicações da aprendizagem dos sujeitos, nas
disciplinas ministradas através dos conteúdos e das várias
vivências tidas nesse processo.

A pesquisa foi realizada nos anos de 2017 e 2018, e


dentre as turmas que trabalhamos como formadores de profes-
sores/pedagogos, escolhemos um recorte de três acadêmicos
do curso de Pedagogia, para fazer parte deste estudo, tendo
em vista, que atenderam aos princípios por nós delimitados, e
aos pré-requisitos que tivessem um maior nível de implicação
de sua narrativa, avaliando o seu próprio percurso, e as carac-
terizações que elucidavam em sua escrita, do potencial do
diário em sua formação, e de qual o significado tinha o diário
como recurso avaliativo durante a sua trajetória formativa.

PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA E
EPISTEMOLÓGICA DA PESQUISA

O presente trabalho pauta-se numa abordagem qua-


litativa de pesquisa, primando pelo dispositivo metodológi-
co do diário narrativo, produzido por acadêmicos do curso
de Licenciatura em Pedagogia, que foram escritos durante as
aulas no curso de uma instituição da rede privada de ensino
na cidade de Caxias-Ma.

As narrativas (auto)biográficas como recurso meto-


dológico e abordagem de pesquisa, vem nos acompanhando
em diferentes momentos e projetos ao longo do processo de

72
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pesquisar, estudar e propor como dispositivo metodológico


nos cursos de formação de professores, ou para os sujeitos que
fazem parte de nossas pesquisas, uma vez que acreditamos no
potencial desse recurso para os pesquisados, como também
para nós pesquisadores.

Portanto, defendemos a:

[...] epistemologia de investigação e formação que


remete ao círculo virtuoso da narrativa e da escuta,
da reflexão pessoal-coletiva e, assim, reafirmamos
uma potencial contribuição ontológica, pedagógica e
política da pesquisaformação narrativa (auto)biográfica
(BRAGANÇA, 2018. p. 76).

Os participantes da pesquisa foram 03 (três) aca-


dêmicos do curso de Pedagogia, sendo duas mulheres e um
homem, compreendendo a faixa etária entre 18 a 24 anos. Em
que uma acadêmica era do 1º período, uma do 8º e um do 6º
período do referido curso.

Para respeitar os aspectos éticos e legais da pes-


quisa científica, primamos por utilizar pseudônimos de
“Acadêmico/a” seguido da primeira letra do nome do/a
partícipe da pesquisa, respeitando assim, suas respectivas
identidades.

A ideia de elaboração do Diário Narrativo, foi


uma proposta que fizemos aos acadêmicos no início das
disciplinas que ministramos, como professores formado-
res. Trata-se de uma prática, com a qual adotamos e nos
acompanha nos processos formativos nos cursos de licen-
ciaturas que atuamos, e que se torna, uma estratégia ava-
liativa, entre outras, para percebemos e compreendermos

73
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

o nível da escrita e entendimento dos acadêmicos, durante


sua formação inicial, revelado, assim, por meio de suas
narrativas escritas.

Do mesmo modo, utilizamos o dispositivo do


Diário Narrativo, como proposta de avaliação, dentre
outras estratégias avaliativas, como um recurso que é ava-
liado pelo próprio educando, em seu processo formativo,
o que muitas vezes, vem desvelando críticas, reflexões e
uma (auto)formação acerca de tudo o que acontece em suas
vivências e experiências tidas durante as aulas, e em outros
inúmeros espaços/tempos onde transita e estabelece rela-
ções, dentro e fora da academia.

Para que os acadêmicos pudessem criar o Diário


Narrativo, primeiramente explicamos qual a finalidade, obje-
tivos, e como se poderia tecer uma narrativa em um diário,
no contexto do ensino superior. Assim, como uma forma mais
esclarecedora, elaboramos o nosso próprio diário, e então,
fomos tecendo as narrativas ao longo das aulas, juntamente
com nossos alunos, compreendendo um tempo entre 10 a 15
minutos sempre ao final de cada aula para produzir a narrati-
va escrita no diário, e então, fazíamos um sorteio, em que um
ou dois alunos pudessem ler na turma a sua narrativa para
os demais presentes, os seus entendimentos/compreensões/
dúvidas/incertezas ou outras dimensões registradas em seu
diário, naquele momento.

O Diário Narrativo, portanto, traz um modo outro


de apreender e construir significados, saberes e conhecimen-
tos, mediados pelos registros escritos que o sujeito faz durante
o seu processo formativo, no caso dos estudantes do curso de
formação inicial, como os participantes desta pesquisa.

74
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Corroboramos, então, com a ideia de que:

[...] As escritas de si, longe de comunicar o que já


se sabe, constituem-se verdadeiros processos de
descoberta. Essa dimensão heurística permite a quem
escreve explicitar as experiências e transformar saberes
implícitos em conhecimento (pesquisa). O narrador,
ao descobrir-se com ser aprendente, reinventa-se
(formação) (PASSEGGI, 2010, p. 115).

Desse modo, a narrativa escrita no diário, permite dá


inteligibilidade ao saber produzido, representando um via de
significação da experiência vivida pelo sujeito, além de envol-
ver uma dupla contribuição formadora e transformadora:
tanto para os sujeitos envolvidos na construção da narrativa
(no caso dos acadêmicos dos cursos de formação inicial), e
uma reflexão, entendimento e compreensão do processo de
aprendizagem do aluno, tecida pelos formadores de professo-
res, que também constroem saberes e conhecimentos quando
tece sua narrativa em seu diário, juntamente com os alunos
durante as experiências que são significativas e marcantes em
sua vida.

DESVELANDO O POTENCIAL DO DIÁRIO


NARRATIVO COMO DISPOSITIVO
METODOLÓGICO NO ENSINO SUPERIOR

As narrativas dos participantes da pesquisa são apre-


sentadas a seguir, organizadas por período do curso numa
ordem sequencial e cronológica, ou seja, inicia-se com a narra-
tiva da acadêmica do 1º período, depois a do acadêmico do 6º

75
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

período, e a do 8º, respectivamente.

É válido ressaltar inicialmente que as narrativas


tecidas pelos pesquisados apresentam características pecu-
liares e específicas, em consonância com o nível de com-
preensão e aprendizado que tiveram, e suas reflexões, pen-
samentos e críticas que conseguiram construir, em função
das experiências que conseguiram trilhar em suas trajetó-
rias formativas, logo “as apropriações das experiências e
das narrativas de experiências variam muito em função da
visão de pesquisa e da formação dos envolvidos” (LIMA;
GERALDI; GERALDI, 2015, p. 20).

A escrita a seguir, extraída do Diário Narrativo da


participante da pesquisa-formação, apresenta uma dimensão
poética e características pessoais de sua aprendizagem no cur-
so de Pedagogia, conforme pontua:

Professor...não sei se posso relatar aqui no diário


narrativo o que aprendi durante todo o primeiro
período. Mas preciso falar o que mais aprendi com
todos vocês: não foi só pegar um livro na biblioteca,
ler, falar e esquecer não.
Aprendi a fazer,
Aprendi a ser,
Aprendi a conviver (Acadêmica C – 1º Período –
2018).

Diante da narrativa da “Acadêmica C”, nota-se um


grande poder de transformação gerado pelo conhecimento
e pelas relações estabelecidas na academia que foi perce-
bido por ela própria, e revelado em sua escrita no Diário

76
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Narrativo. Seja de forma consciente ou não, a acadêmica


acabou fazendo alusão às ideias de Jacques Delors (2012),
por meio dos quatro pilares da educação evidenciado na
obra “Educação: um tesouro a descobrir”, quais sejam: 1)
aprender a conhecer; 2) aprender a fazer; 3) aprender a
viver juntos; e, 4) aprender a ser.

É possível perceber que a acadêmica, mesmo


estando ainda no 1º período do curso, já consegue tecer
uma reflexão elaborada e organizada do seu pensamento,
fruto do que vem trazendo de implicação em sua vida e
formação no curso de Pedagogia. O que acreditamos tam-
bém, evidenciar um nível de emocionalidade e envolvi-
mento muito grande com o curso, e o que o mesmo vem
representando em sua trajetória de formação, conforme
também, já mostrou em seu discurso oral várias vezes evo-
cadas nas aulas, como em várias partes do seu diário revela
essas características.

Ainda com base na narrativa acima, construída de


forma criativa, bem pessoal e fruto da imaginação, reve-
lação e impressões comportamentais, atitudinais e com-
preensivas da acadêmica (perspectiva cognitiva), podemos
elucidar que “[...] a narrativa escrita fornece, no próprio
movimento da sua escrita, fatos tangíveis, estados de espí-
rito, sensibilidades, pensamentos a propósito de emoções
e sentimentos, bem como atribuições de valores (JOSSO,
2010, p. 217).

No que se refere ao “Acadêmico M” do 6º perío-


do, sua narrativa extrapola a uma mera descrição da aula
em si, como muitos outros acadêmicos o fizeram em seus
diários. Assim, sua escrita é carregada de um sentido e

77
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

explicação das próprias finalidades e objetivos do Diário,


no que se refere à sua função do ponto de vista do profes-
sor e dos alunos que é esclarecedora, e isso reforça o seu
entendimento, de fato, do propósito com o qual focamos,
desde o início das aulas, do para que servia e o que pode-
ria ser relatado no Diário Narrativo. Assim, se posiciona o
pesquisado:

Além do objetivo de alcançar a nota desejada, o diário


proporciona um acompanhamento mais sistemático
em relação aquilo que é ensinado em sala de aula
pelo professor e aquilo que é aprendido pelo aluno
(Acadêmico M – 6º Período – 2018).

A narrativa acima, nos põe a refletir em relação


ao amadurecimento e compreensão com que se confi-
gura o Diário Narrativo e exposto claramente na fala do
“Acadêmico M” em sua escrita, uma vez que foi esclarecido
no início da disciplina e entendido seus pressupostos, obje-
tivos e finalidades, que fizeram com que o teor da escrita
ganhasse uma caracterização tanto dos seus posiciona-
mentos em relação ao que conseguiu perceber ao longo
do curso/semestre/disciplina, como do próprio conteúdo e
experiências formadoras que iam sendo construídas pelo
acadêmico em seus múltiplos espaços de vivências.

É válido ressaltar ainda que este aluno que evocou


a sua narrativa acima, possui um perfil de alto potencial
e rendimento acadêmico, tanto em relação às suas notas,
quanto no que diz respeito às suas discussões, reflexões e
participação tida em sala de aula, o que se destacou bastan-
te no curso e nas disciplinas. Daí, o nível de compreensão
e criticidade que possui acerca do que lê ou se defronta

78
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

nas atividades propostas no curso, e que trouxe elementos


objetivos, claros e precisos das finalidades e propósitos do
diário como recurso de ensino e formação que conseguiu
captar em seu percurso formativo.

Cabe reforçar essa ideia expressa pelo “Acadêmico


M”, sobre sua análise do potencial e contribuição do pró-
prio Diário em sua vida e no seu processo formativo, a par-
tir do que concebe Zabalza (2004), ao assinalar que:

[...] o diário aparece como um recurso privilegiado


para refletir como cada aluno vai construindo seu
conhecimento disciplinar, tanto em sua dimensão
conceitual como no que se refere à dimensão atitudinal
e à “visão” geral dos temas que acaba configurando
em sua mente (ZABALZA, 2004, p. 24).

A qualidade da escrita e o que é revelado na mes-


ma por meio do Diário Narrativo, trata-se, pois, de um
nível de complexidade e análise que requer não apenas um
relatar por si só, os fatos e acontecimentos processados no
cotidiano da formação, como, acima de tudo, de trazer o
sujeito a refletir acerca do que está aprendendo, como se vê
nessa aprendizagem e o que está sendo considerado nesse
processo avaliativo, a partir de suas concepções, interpre-
tações e compreensões, conforme elucidado na narrativa
anterior.

A narrativa a seguir, agora da “Acadêmica L”


ultrapassa a dimensão conceitual e descritiva do vivido em
seu desenvolvimento (auto)formativo. Ou seja, consegue
ver-se, para além do processo de formação inicial, proje-
tando a sua profissão em uma diversidade de desafios e

79
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

contextos, carregando responsabilidades outras e numa


visão já profissional da área.

Somos pedagogos! Intelectuais, pensadores,


formadores, educadores, produtores. Somos o
ponto histórico, social, antropológico e cultural da
educação e da formação humana (já que a família
depositou todo o seu papel na escola). (Acadêmica
L – 8º Período – 2017).

A enunciação narrativa da “Acadêmica L”, portanto,


nos faz pensar acerca dos múltiplos espaços/tempos de apren-
dizagem, consubstanciados entre sua visão retrospectiva do
que já viveu durante todo o curso de Pedagogia, e do papel do
pedagogo e da educação, até a sua visão de mundo, homem
e sociedade no contexto da realidade atual, uma vez que se
encontra em processo de conclusão do curso e depreende toda
uma conjuntura que foi sendo construída, paulatinamente, por
meio de experiências dentre e fora da academia, com vários
sujeitos e em diferentes lugares.

Assim, o que narra a “Acadêmica L”, acima, “[....]


pode constituir uma experiência de transformação pessoal e
coletiva, contemplando objetivos ontológicos, pedagógicos e
políticos, pela possibilidade de reencontro do ser com ele mes-
mo em partilha com as pessoas, com as práticas pedagógicas e
com o mundo” (BRAGANÇA, 2010, p. 152).

Trata-se, pois, de uma percepção mais aguçada e


aprofundada da realidade, na qual coloca em discussão, não
apenas o papel do diário como recurso metodológica que pro-
picia um processo formativo e transformação pessoal, mas
coloca em evidência uma gama de possibilidades que são

80
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

propiciadas pelas experiências formadoras que o curso de


Pedagogia tem lhe propiciado, potencializado por inúmeras
experiências e vivências que conseguiu construir ao longo do
tempo, e que se reverbera na concepção de homem, mundo,
educação e sociedade que está tendo, e que conseguiu cons-
truir, em função do que compartilhou com tantos outras pes-
soas, professores e colegas de turmas, e em outros inúmeros
espaços e contextos formativos onde estabeleceu relações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa-formação nos permitiu depreender que,


acreditamos nos Diários Narrativos, como uma estratégia ava-
liativa que dá substancialidade aos saberes e fazeres tecidos
pelos sujeitos nos processos formativos, e assim, representa
um dispositivo metodológico significativo para avaliar o ren-
dimento do acadêmico no contexto do ensino superior, no
que diz respeito às suas aprendizagens, visibilizadas por ele
mesmo, por meio de suas narrativas escritas, que são lidas,
avaliadas e compreendidas pelo professor formador.

Para além das estratégias clássicas de ensinar, apren-


der e avaliar, é preciso compreendermos que os ritmos, tempos
e espaços de aprendizagem se processam por meio de outros
mecanismos e trajetos, tanto quanto a sociedade mudou, os
sujeitos também possuem outras necessidades e se defrontam
com outras demandas. Daí, a emergência de outros dispositi-
vos metodológicos avaliativos que deem conta da realidade
multifacetada em que vivemos e que tem uma outra forma de
estruturação, organização e desenvolvimento.

81
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

As narrativas escritas no diário, permite não apenas


a elaboração de uma experiência tida no processo formativo,
mas dá condições do sujeito de se vê e gerar possibilidades de
transformação, pois consegue trazer elementos de referência
de sua vida, do que sabe ou não, além de tecer críticas que
vai se configurando como um potente recurso de transforma-
ção, seja do seu percurso formativo, como de sua experiência
que teve, fazendo ainda, articulações com propostas, desejos e
projetos que empreende em ter/buscar/viver.

Do ponto de vista dos professores formadores, a prá-


tica avaliativa usando os diários narrativos, também vem se
configurando como um dispositivo metodológico de (auto)
formação e transformação pessoal, pois, acabamos identifi-
cando outras aprendizagens, não compreensões, reflexões e
críticas pelas quais, por meio de outras práticas avaliativas,
isso não seria possível captar, mas que no diário, os educan-
dos se sentem mais a vontade para dizerem o que sentem,
pensem e consideram pertinente narrar. E assim, vamos ava-
liando outras questões, que por ventura, não tenhamos perce-
bido e identificado durante o processo avaliativo e formativo
que passamos.

Apesar de ser um recurso avaliativo potente de for-


mação e construção de saberes, experiências e conhecimentos,
o diário tem sido pouco utilizado em nossa realidade, sobre-
tudo, nas práticas dos formadores de professores no ensino
superior, seja por desconhecimento do potencial que pode
propiciar, ou mesmo, por desvalorização do recurso metodo-
lógico e até por evitar usá-lo, já que demanda maior tempo,
disponibilidade e esforços para ler, avaliar e dá o feedback
necessário para os alunos.

82
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

REFERÊNCIAS
BRAGANÇA, Inês Ferreira de Souza. Histórias de vida e formação
de professores(as): narrativa autobiográfica de caminhos trilhados
na pesquisa. In.: MORAES, D. Z.; LUGLI, R. S. G. (Orgs.) Docência,
pesquisa e aprendizagem: (auto)biografias como espaços de for-
mação/investigação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
BRAGANÇA, Inês Ferreira de Souza. Pesquisaformação narrativa
(auto)biográfica: trajetórias e tessituras teórico-metodológicas. In.:
ABRAHÃO, M. H; M. B.; CUNHA, J. L. da; BÔAS, L. V. (Orgs).
Pesquisa narrativa (auto)biográfica: diálogos epistêmico-metodo-
lógicos. Curitiba: CRV, 2018.
DELORS, Jacques (Coord.). Educação: um tesouro a descobrir.
Tradução José Carlos Eufrázio. 7.ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2012.
ESTEBAN, Maria Teresa. Avaliação numa perspectiva emancipa-
tória: desafio cotidiano às práticas escolares. In.: GARCIA, Regina
Leite; ZACCUR, Edwiges (orgs.). Cotidiano e diferentes saberes.
Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. Tradução
de José Cláudio, Júlia Ferreira; revisão Maria da Conceição Passeggi,
Marie-Christine Josso. 2. ed. rev. E ampl. Natal, RN: EDUFRN; São
Paulo: Paulus, 2010.
LIMA, Maria Emília Caixeta de Castro; GERALDI, Corinta Maria
Grisolia; GERALDI, João Wanderley. O trabalho com narrativas na
investigação em educação. In.: Educação em revista. Belo Horizonte,
v. 31, n. 01, p. 17-44, Jan./Mar., 2015.
PASSEGGI, Maria da Conceição. Narrar é humano! Autobiografar é
um processo civilizatório. In.: PASSEGGI, M. da C.; SILVA, V. B. da.
Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alternativas de
formação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
ZABALZA, Miguel A. Diário de aula: um instrumento de pesqui-
sa e desenvolvimento profissional. Tradução Ernani Rosa. Porto
Alegre: Artmed, 2004.

83
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA
PESQUISA CRÍTICA DE COLABORAÇÃO
(PCCOL): ASPECTOS ONTOLÓGICOS,
EPISTEMOLÓGICOS E AXIOLÓGICOS
NO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

|| Wellington de Oliveira - FATEC - Itaquaquecetuba


|| Rodolfo Meissner Rolando - UNESP-Guaratingueta

O exercício de pensamento sobre um modelo de pes-


quisa científica requer do pesquisador uma reflexão que não
só esquadrilhe as premissas filosóficas deste modelo, a fim de
que se compreenda as escolhas estratégicas da pesquisa, a for-
mulação do problema, a coleta e/ou a produção de dados, seu
processamento e análise, mas também a construção filosófica
do seu paradigma.

Os paradigmas de pesquisa e suas reflexões filosó-


ficas sobre aplicações têm sido invocados como suporte cien-
tífico e intelectual fundamental para a responsabilização de
métodos e abordagens em estudos empíricos nas ciências
naturais e sociais. Por isso, pensar o paradigma da pesquisa
científica consiste em rever, na construção do próprio modelo

84
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

de pesquisa, as bases ontológicas, epistemológicas e axiológi-


cas que o compõem

Nesse sentido, refletir sobre o paradigma da pes-


quisa científica auxilia na definição filosófica da própria
pesquisa, amparando o pesquisador na construção de uma
visão clara e crítica sobre a ampla estrutura que abrange
percepção, crenças e conscientização de diferentes teorias
e práticas utilizadas para realizar a própria pesquisa em
uma relação direta entre objetivos e perguntas estabeleci-
dos nos limites de sua realização.

Gliner e Morgan (2018) descrevem o paradigma da


pesquisa científica como a abordagem ou o pensamento sobre
a pesquisa, o processo de realização e o método de implemen-
tação. Não é uma metodologia, mas uma filosofia que fornece
o processo de realização de pesquisas, isto é, direciona o pro-
cesso de realização de pesquisas em uma direção específica.

Os paradigmas de pesquisa diferenciam-se por


aspectos epistemológicos, ontológicos e axiológicos em
que a Epistemologia define os parâmetros e suposições
gerais associados a uma maneira de explorar a natureza do
mundo real. A Ontologia, por sua vez, estabelece os pres-
supostos gerais criados para compreender a natureza real
da sociedade e, por fim, a Axiologia, que se relaciona com
a investigação de valores por meio da compreensão ética,
sociopolítica e estética do real.

Dessa forma, este ensaio teórico tem como premissa


discutir os fundamentos filosóficos do paradigma da Pesquisa
Crítica de Colaboração (PCCol). Para tal, sistematiza as inter-
relações entre epistemologia, ontologia, e axiologia no desen-
volvimento deste campo de pesquisa e apresenta os pressu-

85
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

postos que expressam o modo de pensar e fazer da pesquisa


e a concepção de desenvolvimento humano de acordo com
suas bases teóricas. Para delinear a perspectiva filosófica da
Pesquisa Crítica de Colaboração, portanto, relaciona as carac-
terísticas associadas a este tipo de pesquisa, além de argumen-
tar sobre a relação dessa pesquisa com a transformação das
condições sociais e individuais. A noção de colaboração críti-
ca é compreendida como o resultado do movimento dialético
entre teoria e prática, que estabelece a possibilidade transfor-
madora como exigência da reflexão teórica.

Este ensaio, por fim, busca ratificar a Pesquisa Crítica


de Colaboração como uma proposta que afirma a investigação
como um campo aberto para novos modos de ser e agir, preo-
cupada com os projetos de vida individuais e com a dinâmica
dos processos histórico-sociais. Defende-se, aqui, a necessida-
de de as pesquisas neste campo realizarem autocrítica episte-
mológica para refletir sobre a dimensão ética do seu arcabou-
ço teórico e apreendê-la em sua essência dinâmica e contra-
ditória, que confere ao conhecimento partilhado as conexões
necessárias para a prática da pesquisa crítica.

BASES ONTOLÓGICAS ,EPISTEMOLÓGICAS,


E AXIOLÓGICAS DA PESQUISA CRÍTICA DE
COLABORAÇÃO.

O debate sobre epistemologia, ontologia e axiologia


é crucial para a compreensão das bases da Pesquisa Crítica de
Colaboração, porque revela o pressuposto geral para o desen-
volvimento de qualquer atividade de pesquisa, que está em
se considerar a sua estratégia geral, os propósitos e as formas

86
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

de como o pesquisador compreende, interpreta e comunica a


realidade do mundo.

Nos limites de nossa discussão, o aprofundamento


deste debate refere-se às formas de compreensão do ser social,
das relações que desenvolvem e como estas relações se mate-
rializam no campo da pesquisa desenvolvida, qual seja, a
colaboração crítica em contextos diversos.

Prosseguiremos, na próxima subseção deste ensaio,


situando epistemologia, ontologia e axiologia na relação com
a Pesquisa Crítica de Colaboração com vistas ao aprofunda-
mento das suas bases conceituais.

A ONTOLOGIA NOS LIMITES DO FAZER


CIENTIFICO DA PCCOL: O SER SOCIAL

A Ontologia refere-se ao estudo do ser, é parte da


metafísica que se dedica ao estudo do que existe, a natureza do
ser, existência e realidade, tentando determinar as categorias
e relações fundamentais de “estar no quanto ser”. Sua concei-
tuação abrange algumas questões abstratas, como a existência
ou não de certas entidades, o que se pode dizer que existe e o
que não existe, qual é o significado do ser, dentre outros.

Os principais pressupostos ontológicos são a con-


cepção de homem, sociedade (estrutura funcional, dinâmica e
contraditória), história (dado conjuntural; contexto; processo
de desenvolvimento e superação das contradições e conflitos
inerentes ao próprio fenômeno) e realidade.

Apoiada em Marx ([1884] 2004), a Pesquisa Crítica


de Colaboração compreende o “ser ontológico” socialmente,

87
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

como um ser real, concreto, histórico e dialeticamente consti-


tuído na vida, em contraposição a uma proposta idealista de
sociedade. Este ser social objetiva-se nos movimentos cons-
titutivos da vida cotidiana em uma sociedade dividida pela
relação de classe, pelas relações sociais capitalistas e pela
exploração “do homem pelo próprio homem”.

A categoria fundante desse processo de socialização


é o trabalho, definido por Lukács como “[...] o ponto de parti-
da da humanização do homem, do refinamento de suas facul-
dades, processo do qual não se deve esquecer o domínio sobre
si mesmo” (LUKÁCS 2008, p.21).

Nessa direção, podemos inferir que esta necessida-


de de socialização permite que os seres sociais estabeleçam
relações entre si, de forma a sanar suas necessidades mais pri-
márias. Partindo das necessidades mais prementes, os seres
sociais se agrupam e constroem complexos sociais e novas
necessidades sociais.

O desafio de formar um ser que seja capaz de


colaborar na construção de conhecimentos socialmente
significativos, como uma síntese entre as experiências e
conhecimentos produzidos nas condições sociais e cultu-
rais dos processos de vida e de trabalho dos indivíduos e
os conhecimentos universais elaborados pelo conjunto da
humanidade, torna-se central em uma proposta de se pen-
sar ontologicamente a colaboração crítica.

Oliveira (2016) discutindo Marx (1987) aponta que


a colaboração se estabelece como uma forma de trabalho em
que muitos trabalham planejando lado a lado e conjuntamen-
te, no mesmo processo de produção ou em processo de pro-
dução diferentes, mas conexos”, potencializando-se assim,

88
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

as capacidades individuais. O autor, citando Marx, aponta


ainda que, trabalhar coletivamente não pode prescindir da
crítica, pois “devido a certa cegueira crítica, [...] mesmo
as melhores inteligências falham completamente, deixan-
do de ver coisas que estão à frente de seus narizes” (Marx
apud Oliveira (2016, p.20).

Nesse sentido, a crítica fornece condições para supe-


rar as ilusões criadas no cotidiano, pois “a crítica não é paixão
da cabeça, mas a cabeça da paixão [...]. A crítica já não é fim
em si, mas apenas um meio; a indignação é seu modo essen-
cial de sentimento e a denúncia sua principal tarefa” (MARX,
1987, p. 147).

Aqui nos interessa destacar, que em uma estreita


comparação com a categoria trabalho, a colaboração ontologi-
camente estabelece a possibilidade do desenvolvimento crítico
dos homens que, por esse motivo, tendem a alterar a adapta-
ção passiva, meramente reativa, do processo de reprodução ao
mundo circundante, porque esse mundo circundante é trans-
formado de maneira consciente e ativa. Por isso, a colaboração
torna-se não simplesmente um fato no qual se expressa a nova
peculiaridade do ser social, mas, ao contrário, precisamente
no plano ontológico, converte-se no modelo da nova forma do
ser em seu conjunto de contradições.

Essas contradições representam uma das mediações


fundamentais para as transformações ocorridas no âmbito da
colaboração crítica e colaborativa. As contradições da realida-
de e as repercussões dela no processo de desenvolvimento do
grupo são importantes, pois criam para os sujeitos envolvidos
no processo a necessidade de superação de certas condições,
viabilizando as possibilidades constituídas na interação/inter-

89
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

venção para emancipação desses sujeitos.

Oliveira (2016, p.35) salienta que

as contradições colocam as oposições em contato para


que se produzam movimentos de desestabilização,
a fim de produzir pela/na intervenção a inclusão
dos sujeitos nos processos de desenvolvimento
do grupo, trazendo como efeito a ampliação da
corresponsabilização na produção de tarefas,
derivadas de pactos entre os sujeitos, e não imposição
sobre eles. Esta corresponsabilização gera a produção
mais compartilhada de responsabilidades resultando
em uma melhor produção, uma vez que a vontade
de fazer estaria ampliada, reafirmando pressupostos
éticos do grupo.

O mundo social é constitutivo da dimensão subjeti-


va assim como a subjetividade é parte da realidade objetiva.
É a partir da dimensão da realidade objetiva que o individuo
vai se apropriar do mundo e construir suas significações. A
mudança individual tem sua raiz nas condições sociais de
vida, assim, não é a consciência do homem que determina as
formas de vida, mas é a vida que se tem que determina a sua
consciência, conforme aponta Marx (1988)

O homem se apropria do mundo na construção de


sentidos e ao falar mobiliza a complexidade dos sentidos
que traz consigo. À medida que este sujeito se expressa
altera sua realidade, pois nessa apropriação reside uma
transformação estrutural que se articula pela contradição e
negação do mundo.

Essa articulação na/pela contradição circunscreve a


configuração do ser social a partir de uma rede de mediações.

90
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A esse respeito Oliveira (2020) explica que:

As redes de mediações são expressões históricas das


relações que o homem edificou com a natureza e
consequentemente das relações sociais daí decorrentes
nas várias formações sóciohumanas que a história
registrou. Funciona(m) como condutos por onde fluem
as relações entre as várias instâncias da realidade, são
elas que possibilitam conceber–se a realidade como
totalidade

Nessa direção, pensar a PCCol implica que a cola-


boração crítica resulta no compartilhamento de significados
articulados a partir de um movimento capaz de conduzir a
uma transformação de perspectiva nos processos de formação
e a uma produção pelos próprios colaboradores, de saberes
crítico-reflexivos como forma de estimular uma perspecti-
va que oferte aos colaboradores possibilidades de compre-
ensão forjadas na interação com os ambientes sociais e na
ressignificação dos seus conteúdos culturais, apropriando-
se deles de forma singular, convertendo-os em sentidos
pessoais, que marcam a primazia que realiza o sujeito na
intensificação e criação de significados sociais.

Em vias de uma compreensão ontológica da PCCol,


podemos dizer que ela possibilita um movimento de des-
construção e de novas elaborações, resultante do confronto
entre aquilo que já se conhece (experiências consolidadas
pelos participantes na pesquisa) e outro conhecimento que
se desvela, é o que constitui o movimento de formação,
condição que propicia uma nova qualidade ao sujeito fren-
te a sua atividade. É na interpretação desse movimento que
se traçam indícios de ações que provocam e dão suporte

91
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

àqueles que buscam orientações especificas para a compre-


ensão das redes de mediações que envolvem o desenvolvi-
mento da colaboração crítica.

2.2 A EPISTEMOLOGIA NOS LIMITES DO FAZER


CIENTIFICO DA PCCOL: COMPREENDER A
COLABORAÇÃO CRÍTICA

A Epistemologia estuda o conhecimento humano


e a maneira pela qual o indivíduo age para desenvolver
suas estruturas de pensamento. O trabalho da epistemo-
logia é amplo e também está relacionado às justificativas
que os seres humanos podem encontrar para suas crenças
e tipos de conhecimento, estudando não apenas suas meto-
dologias, mas também suas causas, seus objetivos e seus
elementos intrínsecos. Por isso mesmo, ela não só traba-
lha com elementos como conhecimento, mas também com
as noções de verdade, crença e justificativa, uma vez que
todas elas estão estritamente ligadas à geração de conheci-
mento e ao grau de certeza do conhecimento científico em
suas diferentes áreas.

O projeto epistemológico de compreensão da cola-


boração critica se dá por meio da sobreposição entre teoria
prática sociais partindo da proposta de que a colabora-
ção aponta para novo tipo de conhecimento, cujo ponto de
partida se estabelece pela necessidade de transformação da
vida concreta.

Este pensamento de transformação traduz-se no

92
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

cultivo de uma epistemologia que compõem com o outro


em relação de alteridade , atenta diretamente a uma solida-
riedade, desde logo epistemológica e, depois, social. Isto é,
esta nova forma de conhecimento ocasiona a substituição
na ciência, “do princípio “colonizador” e “objetivante” (des-
personalizante”) “da regulação” pelo princípio libertador “da
solidariedade”, para todos os efeitos identificando a “verdade
do discurso” pela sua capacidade de incorporar o outro, de
criar (um novo) “senso comum” auto-refletido e libertador do
outro” (BOAVENTURA SANTOS, 2019, p. 71)

Nessa direção, podemos dizer que este conhecimen-


to colaborativo, construído de forma conjunta, reveste-se de
um espírito crítico, cujo principio é a atitude amadurecida
do homem que busca com seriedade a verdade, ponderando
razões, confrontando motivos, buscando o desvelamento da
verdade, que tranquiliza as exigências da razão.

Temos que este espírito de crítica é o espírito de con-


tradição, que arranca o pensador das limitações da particu-
laridade, situando-o no plano das intencionalidades globais,
originárias e finais do movimento da existência.

Conforme nos ensina Laudriere(2019, p.130)

(...) a crítica é um recuo em direção ao momento


originário da existência e também um mergulho na
obscuridade do futuro, na tentativa de discernir as
melhores possibilidades do devir. A crítica consiste
“num discernimento, num esforço de separar o que
pode ser reconhecido como válido daquilo que não o
é, a fim de reencontrar as orientações autênticas das
intencionalidades constitutivas.

93
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Essa forma de produzir conhecimento, critica e cola-


borativa, aponta para uma descentralização da razão filosófica
em sua função de paradigma para o acesso do pesquisador
ao mundo, estabelecendo um acesso que se faz pela inserção
direta e comprometida com a práxis social e histórica. Isto
é, produzindo um conhecimento alicerçado na vida real da
comunidade, no sentido de uma reflexão que vem depois, isto
é, que é provocada pela práxis social e histórica que busca a
libertação, anulando as situações de opressão e dominação,
reconhecidas pela consciência crítica dos momentos determi-
nantes e das circunstâncias alienantes que figuram como óbi-
ces às transformações sociais.

Oliveira (2016) enfatiza que a PCCol serve como ins-


trumento para ampliar as perspectivas e o campo de visão do
cientista no movimento de construção do objeto a ser observa-
do, constituindo-se como uma forma de compreender e pro-
por intervenções para as situações e necessidades vivenciadas
na realidade dentro e fora de determinados contextos. Isto é,
ao colaborar criticamente de um modo planejado, partícipes
das pesquisas e pesquisadores podem presenciar a possibili-
dade de superar limitações individuais e cotidianas.

Isto nos leva a pensar que o enraizamento do fazer


colaborativo na situação de vida da comunidade, com a conse-
quente abertura da consciência histórico-cultural, em que essa
situação encontra sua expressão mais acertada e diferenciada,
implica disposição de epistemologicamente praticar as bases
da colaboração em perspectiva interdisciplinar, pelo que se
deve entender não só a consulta a outras ciências, mas, tam-
bém, a consulta de reservas cognitivas dos contextos em que
se inserem os pesquisadores no momento de suas pesquisas.

94
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A base epistemológica da PCCol, portanto, não


pode ser uma aventura intelectual, nem um puro pensar
pelo pensar e muito menos um amor pelo saber. Trata-se,
a fortiori, de uma nova atitude epistêmica, ou seja, de uma
práxis capaz de mudar a realidade de um contexto histori-
camente determinado.

Dessa forma, esta base epistemológica se apresenta


como uma reflexão estritamente filosófica sobre a situação
sócio-histórica das pessoas e suas comunidades, com vistas à
postulação de um pensar que embase a práxis para a inesqui-
vável transformação social.

Isso equivale a dizer que, constituir a base epistemo-


lógica da PCCol esbarra na consolidação de uma filosofia da
práxis, isto é, em um pensar que assume os problemas sus-
citados pela realidade cotidiana e, a partir de uma reflexão
que coaduna teoria e prática, buscar resolvê-los. Este esforço
de esclarecer, justificar, fundamentar, sistematizar um conhe-
cimento como práxis de transformação social, entre as suas
diversas tentativas de formulação, para nós, é a melhor síntese
das bases epistemológicas da colaboração crítica.

2.3 O AXIOLÓGICO NOS LIMITES DO FAZER


CIENTIFICO DA PCCOL: OS AXIOMAS DO
SUJEITO COLABORATIVO.

A investigação axiológica trata do que é de valor e


por quais valores devemos viver. Estuda a ética que é a distin-
ção entre bem e mal, certo e errado, Ela discute o que é poder
e como devemos viver juntos.

95
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

As discussões sobre axiomas da colaboração têm


duas principais perguntas a serem respondidas: “Como deve-
mos viver e interagir como um grupo (ética)?” e “Como nossa
participação colaborativa se relaciona com poder e política em
um grupo, organização ou sociedade?”.

Toda relação é construída por meio de valores e


conhecimento dos homens, sendo esta relação o resultado de
uma ação coletiva, e, para realizá-la, é necessária a participa-
ção de pessoas que elaborem um código de ética, uma relação
de fins e procedimentos da organização, atribuindo-lhe signi-
ficados e dando-lhe suporte de manifestação por meio de uma
comunicabilidade inteligível.

Por isso é fundamental abordarmos a noção de


sujeito que perpassa a PCCol e, para tanto, recorreremos à
abordagem sócio-histórica, tal como discutida por Vygotsky.
Ademais, as bases teórico-filosóficas que ancoraram a visão
vygotskyana sobre sujeito serão igualmente enfocadas, enfa-
tizando, principalmente, o monismo spinozano na base dessa
discussão, o que passamos a fazer a seguir.

O pensamento spinozano interrompeu uma longa tra-


dição idealista e transcendente da filosofia ocidental. Partindo
de uma visão materialista e mais concreta sobre Deus, homem
e liberdade, Spinoza ([1766] 2009) criou uma filosofia que se
opõe à cisão que acompanhou a modernidade: a separação
entre corpo e pensamento, em uma hierarquia que coloca a
razão como elemento “superior” na busca pelo progresso e
pela liberdade.

Spinoza se afasta desse dualismo. Para ele, corpo


e mente, afetos e razão devem ser vistos de modo indissoci-
ável, como uma unidade. Não há, para este pensador, uma

96
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

razão onipotente e opressora a determinar exclusivamente o


destino humano. Afastando-se da visão cartesiana até então
dominante, o corpo, na filosofia spinozana, deixa de ser conce-
bido como uma “máquina” ou um sistema fechado, passando
a ser entendido como uma “unidade plural”, que se constitui
na relação com os outros e com o ambiente, conforme explica
Merçon (2009).

Esses apontamentos deixam transparecer o pensa-


mento monista de Spinoza. Para compreender melhor essa
ideia, é importante definir, com base no autor, o conceito de
substância. Nas palavras de Spinoza ([1766] 2009,

p.28): “por substância, compreendo aquilo que existe


em si mesmo e que por si mesmo é concebido, isto é, aquilo
cujo conceito não exige o conceito de outra coisa do qual deva
ser formado”.

De acordo com o filósofo, a substância (também cha-


mada de

“Natureza” ou de “Deus”) é indivisível, infinita,


causa de si, autossuficiente. Nessa direção, para ele, corpo e
alma são modos (finitos e imperfeitos) dessa substância. Desse
modo, o monismo spinozano apresenta a ideia de que tudo o
que existe faz parte de uma mesma substância.

Em direção semelhante, Scruton (2011) clarifica a


ideia de monismo pensada por Spinoza. Para o autor, todas
as coisas que existem – homens, objetos, animais, ambiente
– estão sempre em relação de completa interdependência. O
homem, como parte da natureza, não é superior a nenhum
outro ser, sendo, dessa maneira, apenas mais um elemento
constitutivo da totalidade, da substância, de Deus.

97
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

O que chama a atenção aqui, tendo em vista os limi-


tes e intenções deste ensaio, é a axiologia relacional e monista
do pensamento de Spinoza, que foi embrionária de uma teoria
dos afetos. No pensamento do filósofo holandês, a afetivida-
de adquire grande relevância na constituição dos indivíduos,
uma vez que ela é constitutiva das relações que são travadas
entre o indivíduo, os outros e o ambiente. Nessa perspectiva,
somos sempre afetados, mesmo que não tenhamos consciên-
cia desse movimento.

Nesse sentido, para entender a relevância dos afetos


no pensamento spinozano, é preciso definir o que o filósofo
entendia por conatus. Nas palavras de Merçon (2009, p.25),
“Spinoza define a potência de um modo finito (corpo ou
mente) como sendo a sua essência ou o seu conatus, isto é,
seu esforço para perseverar na existência”. Nesse sentido, o
conatus (essência ou potência dos modos finitos) é parte da
substância (Deus, Natureza, Totalidade). Nesse ponto, reside
um aspecto muito interessante no pensamento de Spinoza
para se pensar a questão da afetividade: para o filósofo, nossa
potência de agir (conatus) pode ser mais ou menos perfeita
(aproxima-se mais ou menos da Totalidade) em função das
relações que experimentamos ao longo de nossas vidas. Mas o
que isso quer dizer?

Deleuze (1968), comentando Spinoza, contribui para


responder essa questão. De acordo com o pensador francês, é
possível dizer que, a cada momento, um corpo exerce toda a
sua potência. No entanto, continua Deleuze, é possível tam-
bém afirmar que a capacidade de um corpo de ser afetado
pode ser exercida de maneiras que aumentam ou que diminu-
am a sua potencialidade.

98
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Assim, partindo do pressuposto que um corpo


jamais deixa de ser, de alguma forma, afetado, Spinoza faz
uma importante distinção. Para ele, há os encontros alegres
com o mundo e/ou com os outros, nos quais os corpos tra-
vam relações de composição e a potência de agir é aumentada.
Porém, há também os encontros tristes, nos quais ocorre uma
relação de decomposição entre os corpos e, dessa maneira, a
potência de agir é diminuída.

Em outras palavras, de acordo com Spinoza, quando


dois corpos se encontram, ambos agem entre si e afetam, de
forma recíproca, a sua potência de agir, em um movimento,
inevitavelmente, dialético. Portanto, se um corpo age sobre
o outro, isso significa que produzir-se-ão efeitos um sobre o
outro. Esse movimento levará esses corpos a uma inescapável
transformação. Em meio a esse agir que transforma o homem
e o mundo por meio da relação, o conatus dos indivíduos
aumenta ou diminui em função de encontros alegres ou tris-
tes.

Tendo em vista o exposto, é possível perceber que


o monismo spinozano explica a unidade entre corpo e alma e
inaugura, por meio da teoria dos afetos, uma ontologia rela-
cional na compreensão do homem, que vai se transformando
a partir dos encontros alegres ou tristes com o outro.

Essa visão influenciou o pensamento vygotskyano


e sua abordagem sóciohistórica da constituição processual,
monista e relacional do sujeito e está, consequentemente, na
base da PCCol.

Para Vygotsky ([1934] 2005), o sujeito se constitui na


dinâmica dialética entre o funcionamento interpsicológico e
intrapsicológico, transição que ocorre por meio das mediações

99
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

semióticas. Para o autor, as relações sociais são fundantes do


sujeito que, em meio às suas vivências no emaranhado de práti-
cas sociais, constitui o social e é, simultaneamente, constituído
por ele. Em outras palavras, o sujeito é uma unidade múltipla,
que se realiza na relação eu-outro e, sobretudo por meio da
linguagem, realiza-se como sujeito e participa da constituição
de outros sujeitos, da sociedade e do seu tempo histórico.

Com base nisso, cabe ressaltar que a relação do sujei-


to com o outro é sempre mediada. Vygotsky ([1934] 1999) asse-
vera os fenômenos psíquicos como resultado de complexas
interações do indivíduo com o mundo que o circunda, sendo
a linguagem o sistema simbólico mais importante utilizado
na mediação dessas interações. Elevando a linguagem a um
papel de maior relevância no seio das tradições do pensamen-
to marxista, Vygotsky desvela a natureza mediadora por exce-
lência da linguagem, pois, por meio dela, os homens se orga-
nizam, apropriam-se das experiências individuais e coletivas,
constituem-se como seres históricos e sociais e participam da
cultura na qual estão inseridos.

Nesse sentido, para compreender melhor a ideia de


mediação entre o homem e o mundo por meio da linguagem,
faz-se necessário explicar melhor as ponderações vygotskya-
nas a respeito de sentido e significado. Para o autor ([1934]
2005), o significado é uma produção social, convencional e
possui natureza relativamente estável. É por meio do signifi-
cado que os sujeitos vão se apropriando de produções socio-
culturais acumuladas pela humanidade. Já o sentido é mar-
cado pelo dinamismo e instabilidade, estando restrito a um
dado espaço-tempo.

100
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Nessa trama constitutiva do sujeito, acontece o


encontro vivo e criativo entro o pensamento e a linguagem
por meio das malhas das mediações semióticas. Desse modo,
os significados das palavras (zonas mais estáveis da significa-
ção) e os sentidos (zonas mais instáveis da significação) engen-
dram processos complexos de produção da subjetividade.

Em meio às vivências do ser humano em contextos


concretos/históricos, apoiado em dada cultura, em constante
relação com o outro que o confronto/transforma/constitui, o
sujeito internaliza sentidos de forma fluida e inconstante, não
coincidente com o significado histórico/dicionarizado da pala-
vra, e esse movimento processual e dialético é constitutivo da
sua subjetividade.

Nesse sentido, sendo a palavra e o signo polissê-


micos, a natureza e a gênese do processo de constituição do
sujeito implicam, invariavelmente, relações tensas, conflitu-
osas e transformadoras entre o sujeito, o discurso e o outro.
Vale ressalvar, no entanto, que a constituição do sujeito, a par-
tir do social e das teias discursivo-semióticas que o englobam,
não ignora a sua singularidade, uma vez que, no processo de
constituição sócio-histórico, o sujeito responde, dialética, res-
ponsiva e criativamente, às relações sociais das quais partici-
pa, transformando-as e a si mesmo.

Pode-se, portanto, dizer que o processo de significa-


ção, constitutivo do sujeito, envolve todas as suas expressões,
manifestações, sentimentos, afecções, ou seja, o sujeito que
emerge da abordagem sócio-histórica, e que tem centralidade
na PCCol, é visto como uma totalidade –corpo/alma - partici-
pando do mundo social e do seu tempo histórico.

101
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Isso porque, na PCCol, os participantes crítico-cola-


borativos, vistos como uma totalidade, vão (re)pensando o seu
agir pessoal-científico-éticoprofissional a partir das relações
estabelecidas com os outros participantes do contexto e, nesse
movimento, o conatus de cada sujeito se fortalece à medida
que significados cristalizados compartilhados pelo coletivo
vão se transformando e novos sentidos vão sendo internali-
zados, criando uma verdadeira práxis revolucionária para a
seara científica.

PESQUISA CRÍTICA DE COLABORAÇÃO:


CRÍTICAS, LIMITES E POSSIBILIDADES

O sujeito e o campo de pesquisa na PCCol apontam


para dois direcionamentos que servem de aporte para que os
pesquisadores (re)pensem os limites e as possibilidades neste
campo investigativo.

Assentando-se sobre o monismo spinozano ([1776]


2009) e sobre o materialismo histórico-dialético marxista
(1988) – discutidos, neste ensaio, como as bases filosóficas
da Colaboração-, bem como na abordagem sóciohistórica de
Vygotsky ([1934] 2005) a respeito da constituição do psiquismo
humano, a Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCol) propõe
um paradigma teórico-metodológico de pesquisa comprome-
tido com os projetos individuais do sujeito, com os processos
sócio-históricos que o abarcam e com a busca pela transforma-
ção dos homens e da sociedade mais ampla.

Neste enquadre, de encontro à verticalidade consti-


tutiva de outros processos de pesquisas de intervenção, o pes-
quisador, superando o mito do “acadêmico solitário”, busca,

102
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

na PCCol, em parceria com os demais participantes da pes-


quisa, a compreensão crítica do desenvolvimento do sujeito e
a superação de visões limitantes do potencial humano cristali-
zadas nos mais distintos contextos.

Na PCCol, os participantes da pesquisa criam, à


luz de sua constituição sócio-histórica e dos jogos de poder e
regras sociais que organizam a sua atividade, possibilidades
de (re)pensar o seu fazer acadêmico-profissional e de trans-
formar o seu contexto de atuação/investigação. Esse processo,
usualmente, é marcado por conflitos e tensões que surgem
em função dos deslocamentos dos sujeitos em relação às suas
ações – constituídas sócio-historicamente -, o que pode des-
velar a manifestação de contradições, compreendias como
essenciais ao movimento crítico-colaborativo da pesquisa.

Nessa direção, Magalhães (2011, 2019) defende que


Colaborar, no âmbito da PCCol, significa criar relações em que
conflitos afetivos-cognitivos não sejam dissociados (ou mesmo
evitados) para possibilitarem condições de superação coletiva
de significados cristalizados nas interações entre os partici-
pantes da pesquisa. Ademais, no movimento da colaboração,
torna-se igualmente importante que os sujeitos possam, nas
discussões, internalizar novos sentidos, permitindo, assim, o
desenvolvimento de uma visão compartilhada e transforma-
dora do objeto posto em discussão pelo grupo.

Vale ressaltar, então, a relevância dos aspectos coleti-


vos e contextuais para os estudos que se organizam com base
na PCCol. Isso porque, nas discussões entre os participantes
da pesquisa, é comum perceber significados compartilhados
pelo grupo que estão profundamente arraigados em práticas
cristalizadas do contexto e/ou apoiados na perspectiva do

103
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

senso comum. É usual também que o fazer dos sujeitos, nos


mais diversos contextos de atuação, esteja atrelado ao peso
institucional da comunidade em que a investigação se reali-
za (com seus valores, regras, silenciamentos, jogos de poder,
entre outros fatores).

Nas malhas complexas do fazer científico da PCCol,


fica claro, portanto, como as regras que organizam a ativida-
de, os papeis sociais assumidos e (re)organizados pelos par-
ticipantes ao longo da investigação e a divisão de trabalho
(sempre fluida e em constante transformação) demarcada
institucionalmente revelam a relevância da comunidade, do
contexto e do coletivo sobre as ações e a (ausência de) mobili-
dade dos sujeitos de pesquisa.

Não obstante, ressalvamos que a reflexão crítica


sobre regras, papeis e comunidade, no âmbito da PCCol, não
pode prescindir da análise cuidadosa dos processos de trans-
formação do sujeito, bem como da sua centralidade para a
compreensão do movimento de transformação do contexto e
da expansão do objeto posto em discussão pelo grupo.

Dessa maneira, conforme discutimos neste ensaio,


lembramos a visão monista de Spinoza ([1776] 2009), que
compreende o processo de colaboração como uma totalidade,
em que, de forma indissociável, sujeito, o outro e o meio se
constituem em meio a um caleidoscópio de afetos. Para o

autor, há, constantemente, na relação do sujeito com


o mundo, um inevitável jogo de afetos em que, com base nas
circunstâncias e ações da vida propriamente vivida, encontros
alegres ou tristes podem aumentar ou diminuir a potência de
agir do sujeito (conatus).

104
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Afastando-se do dualismo cartesiano, Spinoza ([1776]


2009) e, posteriormente, Vygotsky ([1934] 2005), propõem um
sujeito, axiologicamente, constituído na relação com o outro
o com o ambiente e compreendem a colaboração como um
processo monista, em que a afetividade, sem relação de hie-
rarquia com a cognição/razão, é constitutiva do sujeito.

Torna-se premente, no movimento da pesquisa críti-


co-colaborativa, compreender, axiologicamente, os sujeitos de
pesquisa em seu complexo itinerário cognitivo-afetivo, toman-
do como prioritária a compreensão dos valores, das crenças e
das visões de mundo que afetam os participantes ao longo das
transformações instaurada na/pela PCCol. Esse embate dia-
lético entre afecção-cognição no sujeito e entre os sujeitos, no
movimento de pesquisa, exige do pesquisador escuta atenta e
atenção aos mecanismos argumentativos da negociação a fim
de procurar manter o engajamento dos participantes ao longo
da investigação.

Nesta perspectiva, o foco da investigação recai sobre


as possibilidades de agir/intervir/transformar do sujeito e seu
potencial de afecção de si, do outro e do contexto nas investi-
gações que se apoiam na PCCol. Assim, não se pode apagar,
nas contingências do aparato social, a movência do sujeito, o
qual, na visão deste ensaio, participa ativamente dos proces-
sos coletivos da atividade humana, e, igualmente, existe como
realidade axiomática e demanda atenção investigativa sobre o
seu desenvolvimento por parte dos pesquisadores.

Em outras palavras, não se pode mitigar, no esco-


po da PCCol, a existência concreta-material do sujeito como
“lugar-singular-no-mundo” e, sob hipótese alguma, sua sin-
gularidade deve ser minimizada em análises que priorizam

105
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

as regras, os jogos de poder e as idiossincrasias institucionais


que perpassam as comunidades e contextos de pesquisa. O
sujeito representa, como atestam Spinoza e Vygotsky, o ele-
mento transformador, constitutivo e enredado da cultura e
da sociedade, merecendo, dessa forma, descrições, análises e
compreensões apuradas por parte dos pesquisadores.

É igualmente importante ponderar que o sujeito-


pesquisador se dedique, criticamente, à compreensão do seu
papel, nos caminhos e descaminhos da investigação, pois irá,
iniludível e simultaneamente, se (re)pensar como pesquisa-
dor-profissional-participante ao longo do processo. Nesse
sentido, os seus deslocamentos prático-teóricos e os conflitos
dos quais participa precisam ser, cuidadosamente, enfocados,
pois são fundantes da colaboração crítica e carregam em si a
transformação como potência.

Outro aspecto que se faz importante destacar está


relacionado a uma visão idealizada sobre o campo/contexto
de pesquisa que pauta, muitas vezes, o movimento inicial do
pesquisador na PCCol, o que poderia dificultar a potência de
transformação dos sujeitos envolvidos no processo.

Em pesquisas que se organizam com base na PCCol,


sobretudo quando o pesquisador iniciante começa a tomar
contato com a teoria que se entrelaça com esse paradigma,
é possível que o excedente teórico se sobreponha à compre-
ensão prática do contexto e dos sujeitos de pesquisa, o que
representa um desafio ao fazer científico crítico-colaborativo.
Isso porque o enfoque predominantemente teórico pode difi-
cultar a compreensão crítica das contradições que emergem
da realidade contextual e das relações entre os participantes
da pesquisa.

106
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Ademais, no movimento de romantização do cam-


po/contexto, é possível que, apoiado em um quadro teórico
compromissado com a transformação do homem e da socie-
dade, o pesquisador, no âmbito da PCCol, idealize o seu
próprio movimento de pesquisa, o que acabaria por silen-
ciar limites e dificuldades ligados aos aspectos concretos e
materiais do campo ao qual busca intervir.

Nessa direção, é importante evitar que a teoria, em


relação de hierarquia e superioridade sobre a prática, possa
funcionar como lente romantizada a envolver o olhar cien-
tífico, o que poderia alienar o pesquisador-participante do
movimento investigativo do qual participa, uma vez que o
cientista se colocaria verticalmente como um analista dos
outros e do campo e, diminuído em sua potência crítico-
criativa, dedicar-se-ia a ver apenas aquilo que a força da
teoria produziu. Ao contrário, cabe aqui reafirmar que, no
indissociável embate entre teoria e prática, é fundamental
que se reflita criticamente sobre os aspectos teóricos e seus
limites, compreendidos, dialeticamente, em sua relação
com a prática.

Retomando Marx (1981), lembramos que, de


encontro a visões idealistas e teoricamente fetichistas, o
sujeito é um ser, ontologicamente, social, real, concreto,
histórico e se constitui, dialeticamente, na vida. Na ótica
de Marx, esse sujeito, em contextos igualmente históricos,
concretos e reais, trabalha, conjuntamente, com os seus
pares, o que potencializa as suas capacidades individuais.
Nessa direção, o filósofo alemão nos alerta sobre a impor-
tância da crítica, pois ela fornece condições para superar
ilusões cristalizadas no cotidiano, superando idealismos e
romantizações sobre a realidade.

107
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Nessa perspectiva, prática e teoria são vistos como


uma unidade dialética, superando tentativas vagas, comuns na
seara acadêmica, de apenas explicar a realidade. No processo
transformador da práxis, é preciso ratificar que a exploração
e as desigualdades não ocorrem fora da sociedade humana
e, desse modo, a realidade material dos participantes de pes-
quisa pode contribuir para explicar muitos dilemas, conflitos
e rupturas que acontecem ao longo do processo investigati-
vo. Cumpre lembrar que o poder do capitalismo deriva, de
certa forma, da sua capacidade em impedir o acesso a uma
visão histórica de existência e, de encontro a isso, o resgate
dos aspectos sócio-histórico-culturais e da práxis criativa está
na base da PCCol.

Assim, nas pesquisas que se organizam crítico-co-


laborativamente, é importante criar possibilidades de con-
fronto entre o que já se conhece em dado contexto (experi-
ências consolidadas pelos participantes) – o que não pode
se dissociar das condições materiais de sua realização – e
os conhecimentos novos que se desvelam. O choque entre
o velho e o novo e a compreensão das contradições que
perpassam esse embate é o que constitui o movimento da
transformação, condição que engendra uma nova qualida-
de de sujeito frente à sua atividade.

PALAVRAS QUE NÃO SÃO FINAIS

A Pesquisa Crítica de Colaboração tem se firmado


como uma proposta de pesquisa que articula modos de ser
e agir, preocupando-se com os projetos de vida individuais
e com a dinâmica dos processos histórico-sociais dos sujeitos

108
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

envolvidos no processo de pesquisa.

Esse envolvimento requer necessidade de as pes-


quisas neste campo realizarem autocrítica epistemológica
para refletir sobre a dimensão ética do seu arcabouço teórico
e apreendê-la em sua essência dinâmica e contraditória, que
conferem ao conhecimento partilhado as conexões necessárias
para a prática da pesquisa crítica.

O pesquisador crítico-colaborativo tem como tare-


fa a organização do campo de pesquisa de modo a permitir
que seus movimentos migrem da hermenêutica da suspeita à
interpretação crítica, encadeando sentidos de forma ao esta-
belecimento de uma interpretação ativa dos contextos em que
se insere. Nessa direção, almeja-se uma forma de reintroduzir,
no movimento deste fazer cientifico, o critério da práxis, ou
seja, a antecipação, no plano do fazer científico, da passagem
do “em si” ao “para si”, em que cada sujeito participa ativa-
mente na construção conjunta das ações do contexto e do obje-
to compartilhado de pesquisa, criando, assim, as condições
objetivas para que todos tenham a oportunidade de examinar
o fundamento daquilo que se diz, agindo, experimentando,
aprimorando as oportunidades de compreensão da palavra
do outro, examinando-a atentamente antes de respondê-la.

Essa participação ativa do sujeito requer uma orga-


nização do processo reflexivo, para que se desenvolva na pes-
quisa o enriquecimento da experiência alinhando-se as estra-
tégias de participação individual aos recursos metodológicos
aprimorados na atividade. Dessa forma, os sujeitos visam ao
estabelecimento de uma metacognição, que, praticada coleti-
vamente, permita a geração de um raciocínio capaz de captar
a relação das contradições inerentes ao processo de produção

109
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

e transformação da realidade, uma vez que colaborar critica-


mente em um contexto de pesquisa implica uma subjetividade
crítica que correlaciona as abstrações intelectuais e a compre-
ensão dos objetos históricos para entendimento das diferentes
realidades histórico-concretas com vistas às suas transforma-
ções possíveis.

Sem a pretensão de estabelecer um modelo, aponta-


mos que a compreensão dessa atividade reflexiva desvela um
agir critico e colaborativo nas pesquisas que pode ser organi-
zada em três eixos, a saber:
1- A percepção de indícios para compreensão da
realidade contextual, em que se depreende a
estrutura dos problemas e o conhecimento dos
participantes a respeito do contexto específico
de desenvolvimento da pesquisa;
2- A mobilização dos sujeitos pela complexidade,
que consiste em esquecer as ideias preconcebidas
sobre o contexto de pesquisa, a fim de imergir
com os participantes em questões e problemas
que estão, aparentemente, além deles, como pos-
sibilidade do estabelecimento de uma verdade
objetiva;
3- A implantação do contrato de colaboração que
significa discutir, planejar e organizar coletiva-
mente as diferentes fases do trabalho que será
executado, esclarecendo-se que o agir critico e
colaborativo é um espaço dialógico produzido
na interação social e não na individualidade,
pois exige o enfrentamento da tensão dialética
entre o individuo e a sociedade.

110
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Por fim, enfatizamos que a opção metodológica pela


Pesquisa Crítica de Colaboração revela-se ontológica, epistê-
mica e axiologicamente um lugar de contradições, de respeito
ao/pelo outro e de reconhecimento de sua liberdade de ação.

Este lugar revela-se, portanto, como um movimento


em que se possibilita ao outro assumir o seu próprio dizer e,
com isso, a agir ativamente sobre o contexto em que se insere,
substituindo o sentido comum da ação pela práxis transforma-
dora. Por meio desse movimento, poder-se-á, coletivamente,
conjugar experiências, saberes e métodos que possam ajudar
o sujeito a decidir quando e como assumir uma consciência
crítica que ponha em questão sua herança cultural, pois como
nos ensina Gramsci (1987, p.93), “os homens são, potencial-
mente, todos filósofos.”

REFERÊNCIAS
DELEUZE, G. Spinoza et le problème de l´expression. Paris: Les
Éditions de Minuit, 1968.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizo-
frenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995a. v. 1.
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995b. v. 2.
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1996.
v. 3. p. 84.
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1997. v. 5.
GLINER, J; MORGAN, G; LEECH, N. Research Methods in

111
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Applied Settings: An Integrated Approach to Design and Analysis,


Second Edition. England: Routdlege, 2018.
GRAMSCI, A. Cartas do cárcere. 3. ed. Rio Janeiro: Civilização
Brasileira, 1987.
LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos de dia-
lética marxista. Rio de Janeiro: Elfos, 1989.
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo:
Boitempo.2012.
LADRIÈRE, J. Filosofia e práxis científica. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 15a. Edição 2019.
MAGALHÃES, M.C.C. Pesquisa crítica de colaboração: escolhas
epistemometodológicas na organização e condução de pesquisas
de intervenção no contexto escolar. In: MAGALHÃES, M.C.C.;
FIDALGO, S.S. (Org.). Questões de método e de linguagem na for-
mação docente. Campinas: Mercado das Letras, 2011, p.13-40.
MAGALHÃES, M. C. C. (2019). Formação contínua de profes-
sores: A organização crítico-colaborativa para a transformação.
Linguagem: Estudos E Pesquisas, 22(2).
MARX, K. O capital: livro I. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 11.
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987.
______. 1884. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo:
Martin Claret, 2004.
______; ENGELS, F. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo:
Hucitec, 1996.
MERCON, Juliana. Aprendizado ético-afetivo: uma leitura spino-
zana da educação. Campinas, SP: Alínea, 2009.
OLIVEIRA, W. Redes de Mediação na pesquisa crítica de colabo-
ração (PRELO)
OLIVEIRA, W. A configuração subjetiva das zonas de colaboração.
Lorena. São Paulo. Instituto Santa Teresa, 2016.

112
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

OLIVEIRA, W. A atividade de ensino na formação tecnológica:


processo de formação de professores e alunos. Dialogia, São Paulo,
v. 8, n. 2, p. 279289, 2009a.
______. A colaboração crítica no desenvolvimento de uma ativida-
de de formação de professores a distância. 2009. Tese (Doutorado
em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem)-Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP, São Paulo, 2009b.
______. A prática da colaboração crítica: uma realidade possível
na atividade docente. Múltiplas Leituras, São Bernardo do Campo,
SP, v. 3, n. 1, p. 209223, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://
www.metodista.br/revistas/revistasims/index.php/ML/article/
viewFile/1917/1906>. Acesso em: 6 maio 2014.
______; MAGALHÃES, M.C.C. A colaboração crítica como cate-
goria de análise da atividade docente. In: MAGALHÃES, M.C.C.;
FIDALGO, S.S. (Orgs.) Questões de método e de linguagem na for-
mação docente. São Paulo: Mercado de Letras, 2011. v. 1, p. 19-39.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma nova visão da Europa:
aprender com o Sul. In: Santos, Boaventura de Sousa; Mendes, José
Manuel (orgs.), Demodiversidade. Imaginar novas possibilidades
democráticas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 51-72. 2019
SCRUTON, Roger. Espinosa. São Paulo: Edições Loyola, 2011.
SPINOZA, B. Ética. Tradução de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte:
Autêntica, 2009.
VAZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. 4. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2007.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
______. Pensamento e linguagem. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

113
FORMA E CONTEÚDO DOS
RESUMOS EM DISSERTAÇÕES:
O QUE ANALISAR?

|| Hilda Maria Martins Bandeira


|| Denise Viana e Sousa
|| Lindamarra Oliveira de Sousa

Todos nós estamos aqui como resultado


de nossas histórias particulares de
interação em nosso meio
(MATURANA, 2014, p. 73)

Este texto é parte integrante do Projeto de Pesquisa


cadastrado na Pro- Reitoria de Pesquisa e Inovação (PROPESQI)
para o desenvolvimento das orientações de alunos da gradu-
ação e da pós-graduação. Desde o segundo semestre de 2014
temos desenvolvido investigação por meio do Programa de
Iniciação Científica (PIBIC ICV, 2014-2015; PIBIC/UFPI, 2015-
2016; PIBIC/CNPq 2016-2017, PIBIC/CNPq 2017-2018, PIBIC/
CNPq 2018-2019) com o eixo professor iniciante e a categoria
necessidades formativas, tendo em vista que constitui temática
que temos nos dedicado desde a produção da tese de doutora-
do (BANDEIRA, 2014).

114
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Ao fazer mapeamento da categoria necessidades for-


mativas por meio dos descritores necessidades, dificuldades,
lacunas, discrepâncias e dilemas no banco de dissertações
do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGEd) da
Universidade Federal do Piauí (UFPI), no período de 2010-
2013, Bandeira e Sousa (2018) constataram que dentre as dis-
sertações defendidas, apenas quatro destas elegeram a cate-
goria necessidades formativas como temática de investigação.
Prosseguimos com a investigação, ampliando o recorte para o
período de 2014 a 2018, cujo objeto de estudo é o conteúdo e
forma das necessidades formativas.

No percurso de mapeamento das dissertações, recor-


remos aos títulos e as leituras dos resumos. Ocorre que nem
sempre os resumos apresentavam uma estrutura que reve-
lasse os aspectos necessários e suficientes do texto completo.
Nesse movimento de mapear os dados, outros fenômenos,
coisas e processos foram observados e que nos causou inquie-
tação, por exemplo: qual o conteúdo e forma dos resumos das
dissertações, particularmente das 251 dissertações do PPGEd/
UFPI (2010-2018)?

Nessa perspectiva, estabelecemos como objetivo:


analisar o conteúdo e forma dos resumos de dissertações do
PPGEd/UFPI (2010-2018), conforme espaço-tempo delimitado
no mapeamento. Esse processo de mapear e identificar gerou
muitos dados que manifestaram o conteúdo e a forma dos
resumos das dissertações, por conseguinte, para o propósito
deste texto concentramos atenção na abordagem e na identi-
ficação no resumo dos aspectos relevantes, tais como: objeti-
vos, metodologia, resultados e conclusão, a fim de dispensar
a consulta ao texto completo, conforme refere o tipo de resu-
mo informativo na Associação Brasileira de Normas Técnicas

115
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

(ABNT) por meio da Norma Brasileira (NBR 6028).

Para o conteúdo tratado neste texto, que é de abor-


dagem qualitativa, apresentando como objeto de análise,
a forma e o conteúdo dos resumos de dissertações, fizemos
opção pelas lentes materialistas de compreensão da realida-
de que tem como critério de verdade a prática real. Segundo
Maturana (2014, p. 64): “[...] levar em consideração outros
fenômenos observados é um requisito das explicações cientí-
ficas porque os cientistas afirmam que o que eles dizem tem
algo a ver com o mundo em que vivemos, e que os fenômenos
que eles querem explicar são fenômenos do mundo”.

Para organização deste artigo, inicialmente, explici-


tamos a categorias conteúdo e forma, bem como a estrutura
do resumo, conforme ABNT na NBR 6028, em seguida a aná-
lise dos dados subsidiada pelo diálogo com os autores Vieira
Pinto (1969, 1982), Afanasiev (1982), Cheptulin (2004), bem
como o mapeamento realizado por Bandeira e Sousa (2018); e
na sequência as considerações finais.

CONTEÚDO E FORMA DOS RESUMOS: O QUE,


COMO E POR QUÊ?

Conteúdo e forma estão em unidade dialética, con-


forme pressuposto do método Materialismo Histórico
Dialético. Cheptulin (2004, p. 287) enfatiza que: “não há
fenômeno, ou forma sem conteúdo; cada forma possui um
conteúdo, cada conteúdo, uma forma, portanto, o conteúdo
e a forma existem sempre em ligação indissolúvel.” Desse
modo, o conteúdo e forma têm suas particularidades, como
também estão em unidade, ou seja, apresentam inseparabi-

116
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

lidade, na relação constituída pelas contradições que são em


sua natureza, necessárias.

Nesse sentido, as duas categorias conteúdo e forma


se interpenetram, se exigem, mas também se negam, ou seja,
congregam forças que lutam e interagem. Essa relação de for-
ças de interação e de oposição é que provocam movimento e
desenvolvimento da matéria, coisa, objeto ou fenômeno e de
métodos e metodologias. Segundo Afanasiev (1968, p.109):
“a contradição, a luta dos contrários, constitui precisamente
a fonte essencial do desenvolvimento da matéria e da cons-
ciência.” Assim, o movimento das categorias e a negação que
se estabelece entre elas, em que uma sobrepõe a outra, pode
propiciar a transformação, gerando o desenvolvimento.

A produção do conhecimento científico acontece


por meio das relações, ligações, conexões e que no movimen-
to inicial, aparecem as manifestações externas e à medida
que relações são compreendidas, manifestações internas são
explicitadas, conforme evidencia Lefebvre (193, p. 217): “[...] o
movimento de nossa reflexão pode e deve reproduzir o movi-
mento através do qual a essência se traduz, se trai, se reencon-
tra em si mesma: mais rica, mais profunda que o fenômeno
[...]”. Aparência constitui momento da essência e nessa relação
imbricada entre conteúdo e forma dos resumos das disserta-
ções do PPGEd na delimitação de 2010-2018, buscamos nos
apropriar de suas relações essenciais, conforme as nossas cir-
cunstâncias sócio históricas e culturais.

No que se refere à natureza das categorias de estu-


do mencionadas, Cheptulin (2004, p. 286), explicita que: “a
mudança permanente, a flutuação são uma tendência do con-
teúdo; a imutabilidade relativa, a estabilidade, uma tendência

117
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

da forma.” Ainda que o movimento seja contínuo nas relações


com o mundo objetivo e subjetivo, as investigações produzi-
das pelos pesquisadores, autores das dissertações, têm seus
processos específicos de mudanças, o que consequentemen-
te acontece entre as categorias de interpretação da realidade
apresentadas pelo método mencionado.

Na relação dialética entre conteúdo e forma,


Cheptulin (2004, p. 268) explicita que: “o papel determinante
nas relações conteúdo-forma é desempenhado pelo conteúdo.
Ele determina a forma e suas mudanças acarretam mudanças
correspondentes à forma. Por sua vez, a forma reage sobre o
conteúdo, contribui para seu desenvolvimento ou o refreia”.
Desse modo, o conteúdo dá direcionamento à forma e através
da interdependência, as mudanças pelas quais cada um destes
passa, ocasionam interferências um no outro que como con-
sequência, podem propiciar o desenvolvimento, bem como,
relativa estabilidade.

Nessa perspectiva, como enfatiza Cheptulin (2004),


nas relações dialéticas entre conteúdo e forma, esta tem
estabilidade relativa ao conteúdo, convivendo assim com as
mudanças do memso. No entanto, como também destaca o
autor mencionado, ao longo dessas relações, a forma começa a
apresentar resistência à mobilidade do conteúdo e assim, essa
passa a não atender mais às necessidades deste e nesse senti-
do, o conteúdo interage com uma nova forma, que esteja em
conformidade com o seu atual desenvolvimento.

Portanto, as categorias de conteúdo e forma, assim


como as demais categorias sob o viés das lentes materialistas,
estão inseridas na unidade e nas contradições, que promovem
embates necessários para o desenvolvimento e transformação

118
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

da matéria. Como evidencia Cheptulin (2004, p. 269), em suas


discussões sobre conteúdo e forma: “a matéria desenvolve-se
por meio da luta do conteúdo e da forma, da rejeição da antiga
forma e da criação de uma forma nova”.

Para explicitação do conteúdo e forma dos resumos,


que nos direciona ao campo das pesquisas em educação,
temos como referência neste trabalho, além da perspectiva
materialista dialética, a estrutura da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) (2003) por meio da Norma Brasileira
(NBR 6028) para a elaboração de resumos. Nesse documento,
temos três tipos de resumos: crítico, indicativo e explicativo.
Resumos do tipo indicativo e informativo atendem à estru-
turação de resumos de dissertações que se constituem como
fonte de análise desta pesquisa.

Nesse sentido, enfatizamos que de acordo com a


ABNT (2003, p. 2), o resumo crítico ou resenha é escrito por
especialistas com análise do documento; “[...] resumo indica-
tivo: indica apenas os pontos principais do documento, não
apresentando dados qualitativos, quantitativos [...]. De modo
geral, não dispensa a consulta ao original”. Assim, tem-se des-
taque apenas ao que é central no texto completo, sem a expli-
citação dos dados encontrados.

No que se refere ao tipo de resumo informativo, a


ABNT/NBR 6023 (2003, p. 2), afirma que: “[...] informa ao
leitor finalidades, metodologia, resultados e conclusões do
documento, de tal forma que este possa, inclusive, dispensar
a consulta ao original”. Logo, é necessária a apresentação da
natureza do trabalho, da formulação do problema e dos objeti-
vos, bem como, aspectos essenciais do aporte téorico-metodo-
lógico, além da breve exposição dos resultados obtidos.

119
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Assim, o resumo do tipo informativo é o que apresen-


ta coerência com o conteúdo e forma da monografia em suas
distintas manifestações de tese, dissertação e trabalho de
conclusão de curso. Essa assertiva é o que podemos encon-
trar de fundamental e determinante para compreensão da
essência dos resumos, todavia, ao analisarmos os dados
produzidos no espaço-tempo delimitado, essa essência se
revelou como aparência, pois encontramos também a uti-
lização do resumo tipo indicativo. Encontrar o resumo do
tipo indicativo nos resumos das monografias é uma possi-
bilidade, pois nem todos os programas de pós-graduação,
também de graduação determinam a tipologia de resumo.

Nessa perspectiva, compreendendo a existên-


cia e unidade dialética entre conteúdo e forma e desse
modo, entendemos que, os tipos de resumos indicativo
e informativo, expressos na ABNT (2003), compõem-se
como formas possíveis de apresentação de pesquisas que
podem cada uma, em sua essência, apresentar um con-
teúdo distinto, que é constituído através da delimitação
do objeto e da fundamentação teórico-metodológica que
norteia cada pesquisa.

Dessa maneira, compreendemos como explicita


Afanasiev (1968, p.157) que podem existir distintas for-
mas de constituição para um mesmo conteúdo. Logo, os
modelos de resumos indicativo e informativo, assim como,
de organização do trabalho de dissertação, de tese orienta-
do pelo documento da NBR 6028 e de maneira específica,
pelos programas de pós-graduação, são formas diferentes
que podem ser utilizadas para compor o mesmo conteúdo,

120
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ou seja, uma pesquisa com objeto de estudo, objetivos e


referencial teórico-metodológico definidos, que atenda às
exigências propostas para uma investigação científica.

Destarte, as lentes materialistas constituem dispo-


sitivo para análise de conteúdo e forma dos resumos de
dissertações defendidas no PPGEd da UFPI, no período de
2010-2018, orientada pela NBR 6028, ao tratar dos resumos
do tipo indicativo e informativo, que direcionaram os pes-
quisadores autores dos resumos das dissertações do pro-
grama mencionado.

DIALOGANDO COM OS DADOS

Com o mapeamento das dissertações defendidas


no PPGED- UFPI nos anos de 2010-2018, identificamos 251
resumos. Organizamos os dados e sintetizamos em dois
gráficos (Gráfico 1 e Gráfico 2). Os dados mapeados con-
sideraram a seguinte estrutura: abordagem, objetivos, ins-
trumentos metodológicos, resultados e conclusão. A opção
por essa composição propiciou analisar os resumos dos
trabalhos no período delimitado coerente com as orienta-
ções da ABNT (2003) por meio da NBR 6028.

Dessa maneira, tendo em vista que as investiga-


ções referidas estão inseridas no banco de dissertações
do Programa de Pós-Graduação em Educação, compre-
endemos que a educação, de acordo Vieira Pinto (1982, p.
29): “[...] diz respeito à existência humana em toda a sua
duração e em todos os seus aspectos”. Destarte, educação

121
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

é processo, fato existencial, e se desenvolve, conforme as


necessidades e os fundamentos sócio-histórico e culturais.

Educação como processo apresenta atributos


singulares, particulares e universais da sociedade. Nesse
sentido, relações de contradição e de desenvolvimento são
inerentes à condição humana que necessita sempre de mais
educação. A compreensão da educação como processo é
interpretada não apenas com os instrumentos da lógica
formal, mas com o direcionamento da lógica dialética.

Logo, como afirma Afanasiev (1968, p. 152): “[...]


todo singular, é de uma maneira ou de outra, universal”.
Assim, do mesmo modo que as dissertações mencionadas
têm suas singularidades, que podem ser explicitadas, por
exemplo, com a definição de um referencial teórico-meto-
dológico, essas produções atendem às características que
constituem uma universalidade e que podem ser visualiza-
das através da sistematização comum aos trabalhos cientí-
ficos, como também, por meio da presença particular das
discussões que envolvem a temática educação.

Com o mapeamento dos conteúdos dos resumos


das pesquisas científicas defendidas no período de 2010-
2018 no PPGEd/UFPI, foi possível constatar que a educação
é temática universal presente nas particularidades destas
dissertações explicitada em estudos como: formação de pro-
fessores da educação básica e ensino superior; educação de
pessoas jovens e adultas; trabalho na gestão escolar; políticas
públicas educacionais; história da educação e de instituições
educacionais; movimentos sociais e culturais; gênero; rela-

122
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ções étnicas, sexualidade, juventudes, dentre outros.

Nessa perspectiva, as distintas temáticas de inves-


tigação que constituem a matéria da educação, manifestam
generalidades, particularidades e singularidades do objeto
de estudo e dos referenciais teórico-metodológicos, confor-
me a opção pelo método, metodologia e as determinações
sócio-históricas e culturais dos participantes engajados
com a pesquisa científica.
O conteúdo e a forma são categorias que se jus-
tapõem e coexistem de tal maneira que constituem o obje-
to, conforme Afanasiev (1968, p. 155): “[...] conteúdo é o
conjunto de elementos e processo que constitui um deter-
minado objeto ou fenômeno. [...] Forma é a estrutura ou
organização do conteúdo, não uma coisa externa a ele, mas
intrinsecamente inerente”.
Ao realizarmos o mapeamento dos resumos das
dissertações do PPGEd/UFPI com delimitação espaço-tem-
poral de 2010 a 2018, disponíveis no site do Programa de Pós-
Graduação em Educação, constatamos que da totalidade de
251 resumos, 26 destes apresentavam apenas os nomes dos
autores e os títulos das dissertações. Em virtude da ausência
desses 26 resumos, fizemos novas buscas e os encontramos
no site da Coordenação do PPGEd-CCE da UFPI.
Nesse sentido, o conteúdo dos resumos apre-
sentou a seguinte estrutura: objetivos, objeto de estudo,
referencial teórico, metodologia, resultados, conclusão e
palavras-chaves. No Gráfico 1, analisamos a abordagem
de pesquisa apresentada nos resumos das dissertações do
PPGEd (2010-2018).

123
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Gráfico 1

Fonte: Bandeira e Sousa (2018) e dados produzidos pelas autoras.

No mapeamento realizado no período de 2010 a 2018,


identificamos 251 dissertações, fizemos a leitura dos títulos e
dos resumos, verificando os objetivos, objeto de estudo, refe-
rencial teórico, metodologia, resultados, conclusão e palavras-
chaves. Para o propósito desta análise, apresentaremos a abor-
dagem de pesquisa.
Dos 251 resumos das dissertações identificadas,
foram 154 com a pesquisa qualitativa (61,35%), uma pesqui-
sa quantitativa (0,39%), 11 quali-quanti (4,38%) e 85 resumos
não identificam a abordagem de pesquisa (33,86%). A educa-
ção compõe a grande área das Ciências Humanas, prevista na
tabela de classificação de áreas do conhecimento do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
De acordo com a finalidade da pesquisa científica, esta pode
se constituir em pesquisa básica e aplicada; quanto aos objeti-
vos pode ser classificada em pesquisa exploratória, descritiva
e explicativa; segundo a natureza: qualitativa, quantitativa e
quali-quanti; e segundo os procedimentos: bibliográfica, pes-

124
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

quisa-ação, pesquisa documental, pesquisa etnográfica, pes-


quisa colaborativa, entre outras.
Em face ao exposto, constatamos predominância da
pesquisa qualitativa nos 251 resumos analisados, coerente
com o objeto principal do referido programa que é a educação.
Ademais, a emergência da abordagem qualitativa em educa-
ção sinaliza que as necessidades existenciais têm delineado
novas possibilidades para compreensão da realidade.
No que se refere a abordagem quali-quantitativa,
notamos a presença de 11 pesquisas que apresentam os dois
tipos de abordagem. No processo de identificação dos resu-
mos das dissertações, causou estranhamento a constatação de
85 (33, 86%) resumos que não especificam o tipo de pesquisa
realizada.
A abordagem qualitativa em educação possibilita a
compreensão das relações com o fenômeno, objeto ou coisa,
conforme Minayo (2015, p. 21): “[...] o ser humano se distin-
gue não só por agir, mas por pensar e por interpretar suas
ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com
seus semelhantes. Nesse sentido, investigar com abordagem
qualitativa implica considerar percepções, representações e
intencionalidades que não se traduzem em apenas números e
indicadores quantitativos.
Não existe uma fronteira entre abordagem quan-
titativa e qualitativa, pois os fenômenos sociais congregam
características qualitativas e quantitativas. A respeito da abor-
dagem quantitativa, Richardson (2014, p.70) afirma que: “[...]
caracteriza-se pelo emprego da quantificação tanto nas moda-
lidades de coleta de informações, quanto no tratamento delas
por meio de técnicas estatísticas, desde as mais simples como
percentual, média, desvio-padrão [...]”. Assim, as pesquisas
quantitativas visam resultados com precisão sendo comuns
em áreas das Exatas e das Ciências da Natureza.

125
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

De modo geral, os resumos apresentaram apor-


te teórico nos seguintes eixos: Psicologia Sócio-Histórica,
Nova História Cultural, Sociopoética, Sócio-Histórica,
Teoria das Representações Sociais, Teoria da Subjetividade,
Etnometodologia, Materialismo Histórico Dialético, dentre
outros. A identificação dos 251 resumos, a leitura e análise
empreendida, assim como a elaboração dos Gráficos 1 e 2,
possibilitou interpretar os dados, todavia, encontramos difi-
culdades em considerar os critérios relevantes do resumo,
tais como: finalidades da pesquisa, metodologia, resultados e
conclusões, de modo a dispensar a consulta ao texto completo
da dissertação. As dificuldades decorreram, por exemplo, dos
251 resumos, 145 não apresentam as conclusões da investiga-
ção, entre outras ausências dos componentes exigidos para o
resumo do tipo informativo (NBR 6028), conforme mostra a
seguir, o Gráfico 2.

GRÁFICO 2

Fonte: Dados produzidos pelas autoras.

126
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

As lentes materialistas como método geral de


compreensão da realidade consideram que todo conteúdo
expressa uma forma, utilizamos, portanto, as orientações da
Associação Brasileira de Normas Técnica (2003) por meio da
Norma Brasileira (NBR (6028). Assim, os tipos de resumos
demonstrados nas dissertações analisadas se aproximam dos
resumos do tipo indicativo e informativo, privilegiando aspec-
tos da estrutura do resumo informativo em sua composição,
tais como: objetivos, instrumentos metodológicos, resultados
e conclusão.

Nos resumos das dissertações analisados, constata-


mos que nem todas as pesquisas fazem uso da classificação,
segundo os critérios: dos objetivos, dos procedimentos, de
produção dos dados, das fontes de informação e natureza
dos dados (GONSALVES, 2005; GIL, 2010). Produzir pesquisa
científica constitui processo complexo por meio do qual expli-
citamos nossas necessidades e possibilidades existenciais, de
acordo com Vieira Pinto (1969, p. 13-14): “[...] não podemos
discutir o tema da pesquisa científica, indagar em que consis-
te, por que meios racionais e em que circunstâncias sociais se
realiza, e que objetivos tem em vista, sem colocá-lo na pers-
pectiva mais ampla possível, [...] a do conhecimento.

Assim, considerando a totalidade dos 251 resumos


das dissertações analisadas no espaço-tempo delimitado de
2010 a 2018, constatamos que 175 resumos apresentavam a
ausência de pelo menos um a dois aspectos relevantes, tais
como objetivos, metodologia, resultados e conclusão, o que
exige a consulta ao texto completo. Destarte, apenas 76, resu-
mos das dissertações mapeadas apresentavam todos os aspec-
tos relevantes previstos no resumo informativo, conforme
orienta a NBR 6028 (2003).

127
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Desse modo, dos 251 resumos analisados, apenas


30,27% apresentam ao leitor as finalidades, a metodologia,
resultados e conclusões, a fim de dispensar a consulta ao texto
completo da dissertação, atendendo a forma do resumo infor-
mativo. Por conseguinte, a análise e interpretação realizada
evidência que o conteúdo e a forma se negam e cada um é
aquele que nega o outro e faz parte dele (LEFEBVRE, 1983).
Para Kopnin (1978) o método atua como sistema de regra
ou procedimento para nortear o conhecimento e a prática.
Portanto, encontramos dificuldades em tecer uma análise arti-
culada com as orientações da NBR 6028 (2003) e com a possi-
bilidade de interpretar a pesquisa a partir da totalidade que
se constitui por atos singulares e particulares das pesquisas
científicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando a pergunta feita inicialmente: qual o con-


teúdo e forma dos resumos das dissertações, particularmente
das 251 dissertações do PPGEd/UFPI (2010-2018)? Constatamos
que 61, 35% (154 resumos), delimitam como abordagem a pes-
quisa qualitativa. Compreendemos as relações desta com a
produção das investigações no campo da educação, exigindo
análise e interpretação de suas relações com as determinações
sócio-históricas e culturais.

Além de verificar a predominância da abordagem


qualitativa, os resumos das dissertações do período supraci-
tado, enfatizam conteúdos inseridos na educação, tais como:
formação de professores; educação de jovens e adultos; gestão

128
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

escolar; história da educação; políticas públicas educacionais;


movimentos sociais; sexualidade; gênero; etnia e juventude.

No que se refere ao aporte teórico, além das


temáticas mencionadas, também identificamos conteú-
dos referente a: Psicologia Sócio-Histórica; Nova História
Cultural; Sociopoética; Sócio-Histórico-Cultural; Teoria
das Representações Sociais, Teoria da Subjetividade,
Etnometodologia, Materialismo Histórico Dialético, dentre
outros que remetem a fundamentação teórico-metodológica
dos resumos analisados.

Quanto à forma dos resumos que se constituíram


como fonte para análise, a abordagem qualitativa é predomi-
nante, conforme mapeamento realizado. Não restam dúvi-
das de que qualidade e quantidade se complementam para o
entendimento das investigações e discussões suscitadas nas
dissertações em sua completude. Na estrutura dos resumos,
contemplando objetivos, metodologia, resultados e conclusões
estiveram ausentes pelo menos um ou dois aspectos relevantes
previsto na estrutura do resumo, correspondendo a 69,72%.

Nesse sentido, apreendemos que referente ao conte-


údo dos 251 resumos de dissertações defendidas no período
de 2010-2018, somente 76 apresentam todos os aspectos rele-
vantes com objetivos, instrumentos metodológicos, resulta-
dos e conclusões, correspondendo a 30,27%. Ressaltamos, a
exigência de que seja assegurado o tipo resumo utilizado nas
dissertações da pós-graduação, conforme orientações deter-
minadas pela ABNT. Destarte, a necessidade do rigor teórico-
metodológico, conforme as exigências da pesquisa científica e

129
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dos documentos oficiais vigentes, assim como o compromisso


ético do pesquisador com a publicação de suas investigações.

Forma e conteúdo se exigem no movimento dialético


de compreensão da realidade, com esta investigação criamos
possibilidades para, além de produzir pesquisa, sermos vigi-
lantes na publicação dos dados, a fim de que os dados pos-
sam ser compreendidos e replicados, até negados em face de
novas necessidades e assim o movimento, o desenvolvimento,
a transformação aconteça para provocar pesquisadores, pes-
quisados e emergir outras pesquisas, pois somos processo e
produto de nossas histórias e da interação com os contextos
e as pessoas, conforme Maturana (2014), na epígrafe inicial
deste texto.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6028:


informação e documentação: resumo: apresentação. Rio de Janeiro,
2003. Disponível em: <http://www.ifs.edu.br/propex/images/
Documentos/mestrado/ABNT_NBR_6028_Resumo.pdf>. Acesso
em: 23 jul. 2019.

AFANASIEV, Victor. Fundamentos de filosofia. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1968.

BANDEIRA, Hilda Maria Martins; SOUSA, Denise Viana e.


Conteúdo e forma das necessidades formativas nas dissertações de
mestrado do PPGEd-UFPI (2010-2013). In: Ibiapina, Ivana Maria
Lopes de Melo; ARAUJO, Marlinda Pessoa; CARVALHO, Wirla
Risany Lima (Org.) Prática pedagógica e currículo: interface neces-
sária com a pesquisa. São Paulo: García, 2018, p. 358-366.

130
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

CHEPTULIN, Alexandre. A dialética materialista: categorias da


dialética. São Paulo: Alfa-Omega, 2004.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São


Paulo: Atlas, 2010.

GONSALVES, Elisa Pereira. Iniciação científica à pesquisa científi-


ca. 4. ed. Campinas: Alínea, 2005.

KOPNIN, Pável Vassílyevitch. A dialética como lógica e teoria do


conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

LEFEBVRE, Henri. Lógica formal e lógica dialética. 3 ed. Rio de


Janeiro: Civilização brasileira, 1983

MATURANA, Humberto Romesín. A ontologia da realidade. 2 ed.


Belo Horizonte: UFMG, 2014.

MINAYO, Maria Cecília de Sousa (Org.). Pesquisa social: teoria,


método e criatividade. 34 ed. Rio de Janeiro: vozes, 2015.

RICHARDSON, Robert Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3


ed. São Paulo: Atlas, 2014.

VIEIRA PINTO, Álvaro. Ciência e existência. Rio de Janeiro: Paz e


Terra,1969.

VIEIRA PINTO, Álvaro Sete lições sobre educação de adultos. 16


ed. São Paulo: Cortez, 1982.

131
GRUPO FOCAL COMO DISPOSITIVO
METODOLÓGICO NA PESQUISA
QUALITATIVA: JOGOS DIDÁTICOS
NA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E
INCLUSIVA NO ENSINO SUPERIOR

|| Maria Divina Ferreira Lima - UFPI


|| Roberta Karoline Azevedo Moreira - UFPI
|| Mauricéia Silva da Trindade Machado - UFPI

HISTÓRIA DOS JOGOS: ORIGEM E DIFUSÃO

Os jogos se encontram tão presentes em nossa socie-


dade que parece difícil questionarmos sobre sua origem. Quem
nunca viu as crianças jogando bola na quadra, jogando damas
ou jogando cartas? Os adultos também não escapam dessa
dinâmica com os jogos, pois muitos deles até os transformam
em profissão como, por exemplo, os jogadores de basquete
ou sinuca. Como teriam surgido esses jogos é uma questão
que ainda parece distante de ter uma resposta completa, para
alguns teóricos, os jogos são algo inerente aos animais.

132
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Bastará que observemos os cachorrinhos para constatar


que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes
todos os elementos essenciais do jogo humano.
Convidam-se uns aos outros para brincar mediante um
certo ritual de atitudes e gestos. Respeitam a regra que
os proíbe morderem, ou, pelo menos, com violência,
a orelha do próximo. Fingem ficar zangados e, o que
é mais importante, eles, em tudo isso, experimentam
evidentemente imenso prazer e divertimento
(HUIZINGA, 2005, p.3).

Dessa maneira, os jogos podem ser considerados


como algo nato dos animais, sendo sistematizado pela razão
do ser humano. Buscando na história dos jogos, um marco ou
um estabelecimento dos jogos de uma maneira mais organi-
zada, vimos que Heródoto, em seu livro História, já afirmava
que os jogos foram responsáveis pelo entretenimento de toda
a população da Lídia que passava por um período de escassez
de comida. A solução encontrada, no reinado de Átis, para
enganar a fome foi a criação de jogos, como dados, no qual as
pessoas alternavam os dias que comiam, passando um dia se
distraindo com os jogos e comendo no dia seguinte.

Dessa forma, podemos vislumbrar o jogo, segundo


nos afirma Huizinga (2005), como algo que não faz parte da
nossa vida real, assim visto como um período de fuga provi-
sória da realidade, temos que o jogo é uma atividade volun-
tária, realizada mediante regras obrigatórias, anteriormente
estabelecidas e consentidas munido de um fim em si mesmo,
diferenciando do cotidiano e possibilitando ao jogador um
outro tipo de realidade momentânea.

133
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

JOGOS NA EDUCAÇÃO

Nas culturas mais antigas, o contexto educacional


envolvia aspectos da sobrevivência e aspectos prazerosos,
como as danças, mas como os jogos foram se estabelece-
ram no meio educativo formal. Segundo Flemming e Mello
(2003), os jovens egípcios e romanos já usavam os jogos para
aprender os valores sociais com os mais velhos e Platão já
refletia e difundia a necessidade de jogos educativos na
formação cultural e social das crianças. No século XVI, os
colégios jesuítas foram os primeiros a colocar em prática o
uso de jogos por perceberem seu valor educativo.

Segundo Rouco e Resende (2003), Comenius há


quase quatro séculos expunha na Didática Magna a manei-
ra correta de se atingir bons resultados com o ensino de
modo que este viesse a ser atrativo e prazeroso para quem
aprende e ensina. São destacados nesse processo três ele-
mentos considerados essenciais, o primeiro é que devermos
conceber o ato educativo como algo prazeroso, dinâmico
e interativo. O segundo estar no reconhecimento de que
existem dois sujeitos intervenientes na interação e pôr fim
a ideia de que, tanto quem ensina como quem aprende tem
uma diversidade de sentidos, os quais precisam ser ampla-
mente explorados no momento de ensinar.

Kishimoto (2008) faz uma ampla revisão bibliográ-


fica sobre o uso dos jogos na educação, destacamos alguns
filósofos e educadores, em ordem cronológica, citados
pelo autor em seu livro Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a
Educação:

134
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Quadro 1: O uso dos Jogos na Educação

FILÓSOFO E/OU IDEIAS EVIDENCIADAS


EDUCADOR

Critica o jogo como futilidade e aliado ao dinheiro,


Rabelais mas o valoriza como instrumento da educação.

Divulga o caráter educativo do jogo, considerado como


Montaigne um instrumento de desenvolvimento da linguagem e
do imaginário

Groos O jogo é uma necessidade biológica.

Procurou conceituar pedagogicamente a brincadeira,


recorrendo à psicologia da criança, ao afirmar que o jogo
Chaparède infantil desempenha importante no desenvolvimento
da criança.

Coloca a brincadeira dentro do conteúdo da


Piaget inteligência, distinguindo a construção de estruturas
mentais na aquisição de conhecimentos.

O jogo, assim como toda conduta humana, é construído


Vygotsky como resultado dos processos sociais.

Brincadeiras infantis conduzem a descoberta das


Bruner regras e colaboram com a aquisição da linguagem.

Fonte: Elaborado pelas autoras com base em KISHIMOTO (2008).

Assim, observamos como as teorias foram direcio-


nando e fundamentando o uso dos jogos como ferramen-
ta didática, principalmente, valorando sua importância
no desenvolvimento dos processos sociais e linguísticos.
Como muitos professores reclamam da falta de interesse
dos alunos acerca das atividades desenvolvidas em sala de
aula, verificamos, nos últimos anos, a utilização dos jogos
didáticos visando o despertar de valores, espírito colabora-
tivo e trabalho em equipe, tornando o processo de ensino e
aprendizagem prazerosos.

135
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Desse modo, percebemos a revalorização das ati-


vidades lúdicas que diferente dos modelos acríticos buscam
de modo criativo e planejado envolver o aluno e despertar o
pensamento crítico e a reflexão para uma aprendizagem signi-
ficativa. Consideramos:

O jogo como promotor de aprendizagem e do


desenvolvimento passa a ser considerado nas práticas
escolares como importante aliado para o ensino, já
que coloca o aluno diante de situações lúdicas como
o jogo pode ser uma boa estratégia para aproximá-los
dos conteúdos culturais a serem vinculados na escola
(KISHIMOTO, 1994, p.13).

Os jogos didáticos podem ser utilizados em todas


as disciplinas escolares, tanto de forma individual como de
modo interdisciplinar buscando auxiliar os alunos para uma
aprendizagem significativa do conteúdo trabalhado em sala
de aula. O ambiente escolar deve ser um local prazeroso, ten-
do os jogos como favorecedor de aprendizagens e sendo um
aliado para inclusão do aluno para um ensino eficaz.

Assim, o professor pode potencializar a aprendi-


zagem significativa através do uso de jogos em sala de aula,
pois, segundo Flemming e Mello (2003), podemos observar
objetivos no planejamento do uso dos jogos didáticos como,
aprimorar atitudes dos alunos (relativas à disciplina, a certos
complexos, ao interesse e a atenção, a solidariedade, honesti-
dade e lealdade); introduzir e fixar conteúdos; e motivação e o
hábito de brincar.

136
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA INCLUSIVA NA


FORMAÇÃO INICIAL

A aprendizagem significativa é um conceito cen-


tral de Ausubel que afirma o conhecimento prévio do sujeito,
presente em sua estrutura cognitiva, interage com as ideias
expostas simbolicamente, viabilizando uma aprendizagem
carregada de significado e prazerosa para quem ensina e quem
aprende. Temos que a aprendizagem significativa:

É um processo por meio do qual uma nova informação


relaciona-se com um aspecto especificamente relevante
da estrutura de conhecimento do indivíduo, ou seja,
esse processo envolve a interação da nova informação
com uma estrutura de conhecimento específica
(MOREIRA, 1999, p. 153).

Para colocarmos uma definição para a aprendizagem


inclusiva, é necessário que antes busquemos o significado da
palavra “inclusiva”, os dicionários online apurados (Aurélio,
Michaelis e Dicio) pareceram unânimes em colocá-la como
adjetivo feminino da palavra inclusivo que tem como signi-
ficado aquilo “que inclui, que não deixa de lado, que abarca,
abrange, integra ou compreende: projeto inclusivo” e colocan-
do-a como antônimo da palavra “exclusiva”.

Assim a aprendizagem inclusiva é aquela que inclui


todos os alunos no processo de ensino e aprendizagem, ou seja,
não exclui nenhum dos envolvidos nesse processo. Ramalho
et al (2003, p. 23) afirma que o professor deve “assumir a
reflexão, a crítica, a pesquisa como atitudes que possibilitam
ao professor participar na construção de sua profissão e no
desenvolvimento da inovação educativa”, isto é o professor

137
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ou futuro professor deve se envolver ativamente no processo


de ensino e aprendizagem para construir-se como profissional
através de uma aprendizagem significativa inclusiva.

METODOLOGIA

A utilização do trabalho com jogos didáticos como


estratégia na sala de aula nasceu como fruto da experiência
vivenciada no Estágio de Docência em Didática Geral vincu-
lado ao Programa de Pós-Graduação da UFPI. Para o alcance
do objetivo proposto, o lócus desse estudo foram duas turmas
de Licenciatura de uma Instituição Pública Federal de Ensino,
uma do 3° e a outra do 5° período.

Inicialmente, apresentamos a turma o conceito, como


funciona a metodologia de uso do Grupo Focal na pesquisa
qualitativa e a teoria que trata de jogos didáticos, a aplicabi-
lidade e importância no desenvolvimento da prática docente
inclusiva, pois acredita-se que segundo Pimenta (2005, p.26)
“o saber docente não é formado apenas da prática, sendo tam-
bém nutrido pelas teorias da educação”.

A exposição dos conteúdos buscou relacionar os


conhecimentos prévios dos alunos com o conteúdo trabalha-
do, assim, os discentes relataram suas experiências anteriores
em relação aos jogos e fizeram uma reflexão sobre o uso dos
jogos no ambiente escolar. Ao final da exposição dialogada,
foi realizado um jogo com a turma, objetivando relacionar a
teoria à prática, uma vez que “a Didática se caracteriza como
mediação entre as bases teórico-cientificas da educação esco-
lar e a prática docente” (LIBÂNEO, 1990, p.28).

138
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Em seguida, foi propsto que as turmas criassem seus


próprios jogos que seriam apresentados através de um semi-
nário. Todos aceitaram a proposta, pois fugia dos padrões
convencionais de apenas socializarem o entendimento sobre
o conteúdo de um determinado texto ou livro de forma ape-
nas teórica. Assim, dividimos as turmas em pequenos grupos,
com 4 ou 6 integrantes cada, e pedimos para que cada grupo
elaborasse um jogo, considerando um determinado tema que
poderiam explorar no jogo, que foi apresentado na turma. As
turmas foram orientadas como os grupos poderiam desenvol-
ver um tema em numa aula, sempre tendo em vista que:

[...] a escolha e a utilização de um jogo ou de dinâmica


em uma atividade educativa devem ser feitas sem se
perder de vista o planejamento global de toda a atividade
de capacitação. Isso significa definir previamente o
objetivo pedagógico pretendido, o contexto em que se
realizará a atividade, o perfil dos participantes, suas
expectativas e os recursos disponíveis (ROUCO E
RESENDE, 2003, p. 45).

Deste modo, orientamos todo o processo de constru-


ção dos jogos, mesmo nos momentos em que havia dúvidas
quanto a aplicabilidade dos mesmos e qual seria sua melhor
abordagem. Cada grupo criou seu jogo e, de acordo com o
combinado, previamente, apresentaram e aplicaram com
todos da turma.

Depois, das duas turmas apresentarem seus jogos,


optamos por fazer a recolha de dados mediante a utilização
de Grupo Focal, a partir da seguinte questão chave e dos obje-
tivos geral e específicos: Qual a contribuição de jogos didáti-

139
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

cos para a aprendizagem significativa e inclusiva, na formação


inicial de professores no Ensino Superior? Tendo como obje-
tivo geral, analisar a contribuição dos Jogos Didáticos para a
aprendizagem significativa inclusiva na formação inicial de
professores no Ensino Superior focalizando o uso do Grupo
Focal enquanto dispositivo metodológico na pesquisa quali-
tativa. Os objetivos específicos: elaborar os jogos de didáticos;
aplicar os jogos em sala de aula e estabelecer a relação entre
teoria e prática.

Para tanto, usou-se o Grupo Focal, na forma viven-


cial, auto-referentes, usado como principal fonte de dados,
na perspectiva de (MORGAN, 1997). Então, trabalhou-se
com uma pergunta chave que permitiu recolher informações
sobre a contribuição dos Jogos Didáticos, aos discentes gradu-
andos de Licenciatura de duas turmas durante o Estágio de
Docência. Para a realização deste trabalho fizemos um recorte
dos dados coletados no Grupo Focal, sendo selecionamos 16
sujeitos, sendo 8 de cada turma, totalizando cerca de 30% da
quantidade de alunos das duas turmas.

No processo de análise dos resultados utilizou-se a


técnica de Análise de Conteúdo, em que os dados foram orga-
nizados em categorias, apresentados em quadros, e discutidos
com base nessa técnica que “[...] utiliza procedimentos siste-
máticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”
(BARDIN, 2016, p. 44), além do uso de inferências que eviden-
ciam as finalidades, sejam implícitas ou explícitas, da comu-
nicação, revelando o que a motivou ou as consequências que
provavelmente provocará.

140
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ANÁLISE E DISCUSSÃO

A análise transpõe o conteúdo explícito, ou seja, não


se limita a descrição das informações contida nas mensagens
dos alunos descrita nos questionários. Os dados produzidos
no decorrer da investigação foram analisados e interpretados
considerando as categorias temáticas mais recorrentes que
convergiram com o objetivo deste estudo.
Optamos por fazer um comparativo entre os perfis
das duas turmas, visando demonstrar os diferentes contex-
tos formativos a que nossa pesquisa foi exposta. Observamos
que, os alunos matriculados na turma do 5° período, são bem
jovens, encontrando-se numa faixa etária que vai de 19 a 22
anos, na turma do 3°, a faixa etária dos alunos é um pouco
mais ampla, indo de 18 a 34 anos.
Buscamos saber se os alunos já tinham alguma expe-
riência com o trabalho docente, mas constamos que a grande
maioria nunca trabalhou ou, se trabalhou não foi na área edu-
cacional, como podemos observar no quadro abaixo:

Quadro 2: Discentes e suas relações com a docência


Trabalham ou Trabalham ou Nunca
Turmas trabalharam em trabalharam na trabalharam
outras áreas área educacional
Turma do 3° 1 2 5
período
Turma do 5° 3 - 5
período

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados da pesquisa (2019).

Podemos perceber que na turma do 3° período ape-


nas dois alunos já trabalharam ou trabalham na área educa-
cional, um aluno exerceu ou exerce atividade em outra área e

141
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

cinco nunca ativeram experiência de trabalho com a docência.


Enquanto a turma do 5° período, dos 3 alunos que já exerce-
ram alguma atividade remunerada, nenhuma foi relacionada
com a docência.
Assim, observamos que a maioria dos alunos das
duas turmas nunca trabalhou e, entre os poucos que traba-
lharam, apenas um terço tiveram experiências relacionadas
com a docência. Logo, para ambas as turmas, a disciplina
de Didática e o uso de jogos pareceu ser uma boa oportu-
nidade para conhecer e adentrar no universo da docência
e para que os alunos consigam se constituir e formar-se
como futuros professores.
Buscando a conexão entre teoria e prática, seguimos
as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério
da Educação Básica (DCNs /MEC) em seu art. 3º, § 5º, inciso V
temos que “a articulação entre a teoria e a prática no processo
de formação docente, fundada no domínio dos conhecimen-
tos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 2015).
Portanto, através do seminário de jogos, usando-se
o Grupo Focal para a recolha de dados, pudemos ver a arti-
culação entre o que foi discutido teoricamente, passando por
um processo de planejamento conjunto com cada grupo res-
ponsável pela elaboração, durante a aplicação de cada jogo.
Observamos uma variedade de jogos, mostrando que cada
grupo se orientou pelo que considerava mais relevante e pelos
seus conhecimentos prévios sobre os assuntos escolhidos.
Sabendo que o Grupo Focal, enquanto dispositivo
metodológico para a recolha de dados permite que fossem
“utilizados adequadamente, os jogos didáticos [...] um espaço
intencional que propicia a integração, a troca, a reflexão e a

142
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

produção de novas práticas e atitudes” (ROUCO E RESENDE,


2003, p. 45), pedimos que a turma tomasse como base um
roteiro para a elaboração de seus jogos contendo: tema, intro-
dução, objetivos, materiais, regras, instruções para a realiza-
ção do jogo e principais conteúdos usados, faixa etária, série
de aplicação do jogo e sistemática de avaliação.
Assim, foram criados cinco (05) jogos na turma do 5°
período e seis (06) jogos na turma do 3° período. Destacaremos
um jogo de cada turma para evidenciar os planejamentos que
foram feitos e podermos falar um pouco de como se desenvol-
veu a prática durante a aplicação de cada jogo.

Quadro 3: Itens de planejamento dos jogos

ITENS DO JOGO DA TURMA DE JOGO DA TURMA DE 3°


ROTEIRO 5° PERÍODO PERÍODO

O jogo consiste em fazer O jogo busca que os alunos


com que os jogadores compreendam as operações
Descrição do jogo adivinhem os autores matemáticas de adição e
das obras que estarão subtração.
postas em cima da mesa.

Faixa etária 14 a 17 anos 06 a 07 anos

Proporcionar as crianças
Incentivar os alunos a o contato com práticas
conhecerem os autores e pedagógicas através do jogo
Objetivo Geral obras brasileiras fazendo educativo, pautando-se no
com que os mesmos se aprendizado através da
interessem pela leitura. brincadeira e da utilização do
lúdico.
Papelão para confecção da
árvore; tinta verde e marrom
Cartolina; folha A4;
Materiais para pintura da árvore; EVA
Pincel; Tesoura; Cola;
utilizados de cores variadas; Latas de
Quadro de acrílico. leite vazias; Cola de isopor ou
EVA; Velcro; Números de EVA.

Fonte: Planejamentos dos alunos para o seminário de jogos (2019)

143
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Observando os planejamentos de ambas as turmas,


podemos constatar que os discentes elaboraram seus jogos
visando a aprendizagem do público a que aplicariam os
jogos, tendo que “a utilização dos jogos nas aulas propicia um
ambiente adequado à aprendizagem” (FARIAS e MEDEIROS,
2016), as turmas colocaram a faixa etária a qual se destinava
seu jogo e apontaram um objetivo relacionado a aprendiza-
gem do conteúdo pelos seus “alunos”.

Durante a aplicação dos jogos nos seminários, perce-


bemos que a turma observava cada jogo atentamente e, sempre
que precisavam de uma pessoa para iniciar o jogo, muitos se
disponibilizavam, pois pareciam ter desejo de aprender brin-
cando, constatando que “a estimulação, a variedade, o interes-
se, a concentração e a motivação são igualmente proporciona-
das pela situação lúdica” (MOYLES. 2002, p.21) independe da
faixa etária do indivíduo. Assim, visualizamos o uso dos jogos
didáticos como um facilitador na aprendizagem significativa e
inclusiva dos discentes envolvidos no processo.

Após a realização dos jogos outras questões surgiram


como a seguinte, “Qual a contribuição de jogos didáticos para
a aprendizagem significativa e inclusiva na formação inicial
de professores no Ensino Superior?”, Para facilitar a compre-
ensão das respostas dadas pelos alunos, optamos por colocá-
las num quadro comparativo, destacando as palavras-chave
das respostas de cada aluno para podemos visualizar a visão
geral de ambas as turmas. Assim, buscamos nas respostas dos
alunos como ocorreu a aprendizagem significativa e inclusi-
va deles, através do uso dos jogos didáticos como ferramenta
inclusiva.

144
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Quadro 3: Contribuição dos jogos didáticos para a formação


inicial de professores
TURMA DO 5º PERÍODO TURMA DO 3º PERÍODO
Ajudou a compreender a
Pude fixar mais os conteúdos e conhecer uma forma importância do lúdico com
mais interessante de aprender. fator preponderante na
aprendizagem.
Com o trabalho, tornou-se perceptível que, além
de ser um instrumento que facilita a aprendizagem
de forma significativa, os jogos didáticos também
desempenham o papel de apresentar obstáculos e Para entender que o trabalho
desafios a serem vencidos, como forma de fazer com multidisciplinar pode ser
que o indivíduo atue em sua realidade, o que envolve, desenvolvido de maneira fácil e
portanto, o despertar do interesse e a motivação. atraente e de forma lúdica.
Dessa forma, desenvolve também a forma de ensinar
do professor envolvido, pois ao mesmo tempo ele está
aprendendo junto aos alunos, contribuindo assim para
a sua formação.
Contribuiu para a minha
atuação na docência como
futura professora, pois como
Aprendi a desenvolver e compreender como os jogos profissional da educação
didáticos funcionam e como posso aplicar em sala de precisamos desenvolver um
aula para melhorar o desempenho da turma. bom trabalho com os alunos
para que venham aprender de
forma dinâmica.
Me mostrou uma maneira diferente de mostrar os
conteúdos, de não ficar preso a uma só maneira de Favoreceu a conquista e busca
ensinar e que é possível entreter e ensinar os alunos, da criatividade e do trabalho em
expandir os conteúdos e fazer uma abordagem equipe.
diferente.
A experiência de criar um jogo didático foi muito
boa, pois escolhemos fazer sobre autores brasileiros e Para a aprendizagem do
suas obras, fizemos este jogo pensando em alunos de conteúdo apresentado.
ensino fundamental e queríamos estimular a leitura
entre eles, principalmente de autores nacionais.
Durante o trabalho desenvolvido, eu pude perceber A forma de passar os conteúdos
que existem muitas outras formas de trabalhar numa para os alunos de forma
sala de aula oral, e que essas outras formas como divertida e lúdico e que é
jogos didáticos podem até proporcionar um maior possível aprender brincando.
rendimento.
Contribuiu para uma
Eu pude perceber que os métodos de repassar aprendizagem mais favorável
ensinos e conteúdo para os alunos podem fugir do e que os jogos podem ser
tradicionalismo, que mesmo assuntos mais difíceis utilizados em diversas
podem ser trabalhados de outras formas menos disciplinas garantindo uma
“pesadas” de serem apresentadas para eles. aprendizagem de qualidade.
Mostrou que existem várias
Contribuiu para um aprendizado mais sólido e menos maneiras lúdicas de ensinar,
enfadonho dos conteúdos e teorias propostas pela que devemos usar sempre os
disciplina. jogos didáticos para melhor
fixação do conteúdo.

Fonte: Dados da Pesquisa (2019)

145
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Em conformidade como o quadro 3, acima, que apre-


senta as “contribuições dos jogos didáticos para a forma-
ção inicial de professores”, da turma do 5º período, eles
afirmaram que conseguiram fixar melhor os conteúdos de
modo mais interessante, que houve facilidade para apren-
der. Disseram ainda, que facilita a aprendizagem signifi-
cativa, permite o interesse e a motivação, contribui para o
desenvolvimento da forma de ensinar do professor, numa
aprendizagem em conjunto e contribui para a formação
deste. Facilita a aplicação dos jogos em sala de aula, servin-
do para a melhoria do desempenho da turma, sendo uma
prática diferente de ensinar os alunos como abordagem
diferente, pensando nos alunos, proporciona maior ren-
dimento, fugindo do ensino tradicionalista, possibilitando
um aprendizado mais sólido e menos enfadonho.
Assim, observamos que o paradigma conservador
ainda se encontra muito presente nas práticas dos profes-
sores, pois os alunos falam em fugir do ensino tradicional,
que para Behrens(2013) a prática pedagógica, inspirada no
pensamento newtoniano-cartesiano, era baseada na repro-
dução, onde o que importava era a reprodução de conteú-
dos, não tendo foco na aprendizagem dos alunos. A mes-
ma autora aponta ainda, devido à necessidade de um novo
olhar para o conhecimento, um novo paradigma, chamado
por ela paradigma emergente.
Dessa forma, entendemos que essa “fuga do tradi-
cionalismo” possibilitou aos discentes de graduação uma
nova abordagem que os envolveu na busca pela produção de
conhecimentos, sendo apontado como uma aprendizagem que
ocorre de forma “mais sólida e menos enfadonha”, ou seja, a
aprendizagem ocorre de maneira significativa, pois o aluno
não tem que simplesmente reproduzir os conteúdos transmi-

146
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

tidos pelo professor, mas ele é parte integrante do processo de


ensino e aprendizagem.
Já a turma do 3º período, ressaltou a importância do
lúdico na aprendizagem, que através de um trabalho mul-
tidisciplinar que envolva diversa disciplinas do currículo a
aprendizagem se torna fácil, atraente e lúdica, pondo em foco
a atuação docente, de forma dinâmica, com criatividade no
trabalho em equipe, facilitando a apreensão do conteúdo de
forma divertida e lúdica, ou seja, aprender brincando, garan-
tindo um aprendizado de qualidade e possibilitando melhor a
fixação do conteúdo.
Portanto, vislumbramos a importância da ludicida-
de na aprendizagem dos discentes em formação inicial, e em
sua atuação enquanto futuros profissionais, pois, como afirma
França (2000, p.8) “aos profissionais de diferentes áreas, com-
prometidos com o processo de formação e educação social,
cabe à responsabilidade de forjar um saber especial, um saber
que estimule e motive os sujeitos sociais à alegria de estar no
mundo”. Assim, percebemos essa alegria, não só quando os
alunos apontaram em suas falas que os jogos proporcionavam
uma “forma divertida” de aprender, mas durante toda a dis-
cussão e aplicação dos jogos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os jogos auxiliaram na aprendizagem significativa
inclusiva da turma, pois ao utilizarmos essa estratégia, foi pos-
sível observar o envolvimento e interesse de todos da turma.
Observamos também que a construção dos jogos se deu de
maneira coletiva, pois ao acompanharmos a criação e o desen-
volvimento pelos grupos, constatamos que, ao surgir uma

147
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dúvida sobre a aplicabilidade do jogo, os demais integrantes


se posicionavam a fim de tentar adaptá-lo ao público-alvo e
aos recursos que a equipe teria disponível.
Portanto, consideramos que o jogo faz parte da socie-
dade desde os tempos antigos, mantendo suas característi-
cas lúdicas até a atualidade e sendo um importante recurso
pedagógico, pois proporciona, tanto aos discentes como aos
docentes, que o processo de ensino e aprendizagem ocorra de
forma significativa e inclusiva. Significativa porque, segundo
os próprios alunos, a aprendizagem ocorreu de forma mais
“sólida” e inclusiva porque todos que estavam nos grupos
participaram de forma atuante e colaborativa.
Deste modo, foi possível constatar que o uso dos
jogos didáticos possibilitou o estabelecimento da relação entre
teoria e prática, contribuindo segundo os discentes para facili-
tar a aprendizagem significativa, proporcionando maior inte-
resse e motivação para aprender, permitiu fugir de práticas
tradicionais tão arraigadas nas instituições de ensino e uma
aprendizagem menos enfadonha. Destacamos também sua
importância para um trabalho multidisciplinar, lúdico e criati-
vo no qual o docente poderá tornar suas aulas mais atraentes,
dinâmicas e inclusivas.

REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.
BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática
pedagógica. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial
e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica.)

148
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Resolução CNE/CP 2/2015. Diário Oficial da União, Brasília, 2 de


julho de 2015 – Seção 1 – pp. 8-12.
FARIAS, Elionora Ramos. MEDEIROS, Kátia Maria de. A importân-
cia dos jogos educativos no ensino e na aprendizagem de conteúdos
matemáticos. In: IX Encontro Paraibano de Educação Matemática.
Paraíba, 2016.
FLEMMING, Diva M.; MELLO, Ana Cláudia C. Criatividade e
Jogos Didáticos. São José: Ed. Saint Germain, 2003.
FRANÇA, T. F. Lazer como prática revolucionária: ênfase no elemen-
to lúdico. In: Anais do II Encontro – I Fórum Infantil de Educação
e Meio Ambiente. Instituto de Ecologia Humana em Pernambuco,
Outubro/2000.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultu-
ra. São Paulo: Editora Perspectiva, 2005.
KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo:
Pioneira, 1994.
______. Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação. São Paulo:
Cortez, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1990.
MARCONI, M. de A. LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodolo-
gia científica. 7. ed. rev. São Paulo: Atlas, 2010.
MORGAN, D. L. Focus group as qualitative research. London:
Sage, 1997.
MOREIRA, A. M. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.
MOYLES, Janet R. Só brincar? O papel do brincar na educação
infantil. Tradução: Maria Adriana Veronese. Porto Alegre: Artmed,
2002.
PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Saberes Pedagógicos e Atividade
Docente. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
ROUCO, J. J. M. RESENDE, M. S. R. A Estratégia Lúdica: jogos
didáticos para a formação de gestores e voluntariado empresarial.
São Paulo: Petrópolis, 2003.

149
MODOS DE FAZER E
SIGNIFICAR AS RELAÇÕES
PESQUISAR/FORMAR

|| Maria Salonilde Ferreira - AFIRSE

A pesquisa não pode ser exclusiva de espe-


cialistas separadas dos práticos de todos os
níveis. Ela não pode se crer, como acontece
frequentemente, “propriedade privada”, “caça
guardada” e “tabu” privilegiado. Os especia-
listas devem favorecer a difusão do espirito de
pesquisa, com a contribuição de técnicas de
controle estimulantes e não inibidoras, junto
a um número ampliado de pessoas da base,
assim como de indivíduos institucionalmente
encarregados de responsabilidades adminis-
trativas ou técnicas. (PERETTI, 1981)

Os destaques de Peretti não se encontram dissocia-


dos das concepções que permeiam as discussões acerca das
interconexões entre pesquisa e formação, bem como da busca
de abordagens de pesquisas facilitadoras da viabilidade de se
estabelecer relações cada vez mais evidentes entre essas duas
áreas da atividade humana.

150
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Estudos e pesquisas na área de educação têm atenta-


do para importância da mediação da pesquisa em processos
formativos como forma de superar as lacunas instauradas nes-
ses processos desde os seus primórdios. Atualmente, a ques-
tão ultrapassa a evocação e prescrição de modelos tornando-
se objeto de investigação e análise de realidades a reconstruir
e transformar.

Nessa direção, é que nos propomos a discutir a


experiência de desenvolver um processo de formação con-
tinuada com professores da educação infantil mediado por
procedimentos que conectam pesquisa / ensino / formação.
Essa opção ocorre em função de nossas experiências como
professora e pesquisadora, particularmente, no contexto do
grupo Docência e Aprendizagem – DOAPRE, integrante da
Associação Francofone de Pesquisa Científica em Educação –
AFIRSE – Secção Brasileira.

Os estudos e pesquisas que vêm se efetivando pelos


pesquisadores desse grupo se colocam numa dupla perspecti-
va, por um lado, propiciar a formação continua de professores
e, por outro, criar a possibilidade de ampliar a produção de
conhecimentos no campo da educação, privilegiando a pro-
blemática da formação de professores.

Nessa perspectiva, a pesquisa se inclui como fator


indissociável. Como esclarece Ferreira (2009, p. 194):

[...] a pesquisa, seja qual for a sua modalidade, produz


conhecimentos, constituindo-se em um processo
formativo para quem está pesquisando. Porém, não é
essa questão que nos preocupa. O que está em jogo é
sua inclusão intencional e planejada nos processos de
formação dos educadores

151
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Essa compreensão nos induziu a questionar em que


condições esses propósitos se tornam viáveis e que modali-
dades de pesquisa são mais propícias a sua execução. Nesse
texto, é nossa intenção discutir a viabilidade desses propósitos
se tornarem realidade.

Assim, inicialmente destacaremos as escolhas relati-


vas ao conteúdo, ao método e a metodologia que dão susten-
tação ao trabalho, assim como, o campo empírico propiciador
de sua realização. Em seguida, a análise se volta para o que
é considerado, pelas professoras da educação infantil, como
suas necessidades formativas.

TRAÇANDO A TRAJETÓRIA DO TRABALHO

A nossa vivência como professora e pesquisadora


nos fez compreender a necessidade e importância de estabe-
lecer com precisão e clareza os componentes que poderiam
alicerçar as análises que nos permitiriam desvendar as leis as
quais a formação e as práticas pedagógicas advindas dessa
formação se subordinam.

Nesse caminhar, as circunstâncias criadas pela reali-


dade vivida nos conduziu ao encontro com o método do mate-
rialismo histórico dialético cuja lógica possibilita ao movimen-
to do pensamento, apreender a mutabilidade e a variedade
dos fenômenos, assim como, sua uniformidade e permanên-
cia, sem subestimar essas propriedades e, sim, buscar a unida-
de entre elas, percebendo-as em suas relações e interconexões,
tanto as que eclodem onde os fatos e acontecimentos ocorrem,
quanto aquelas que que se operam no contexto mais geral da
sociedade onde eles se inserem.

152
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Na busca de abordagens metodológicas que se coa-


dunem com essa lógica, deu-se o nosso encontro com a pes-
quisa colaborativa critico reflexiva, que no nosso entender
se adequa, ao mesmo tempo, com os princípios dessa lógica
e com nossos propósitos, em particular aqueles referentes à
conexão pesquisar / formar.

Morin (1996, p. 29) reportando-se a distinção entre


método e metodologia afirma que “[...] as metodologias são
guias a priori que programam as investigações, [...]. O fim do
método é [...] ajudar a pensar por si mesmo para responder
aos desafios da complexidade dos problemas”.

Para Ferreira (2017, p.58):” [...] método e metodolo-


gia têm peculiaridades próprias que lhes dão singularidade.
No entanto, estabelecem entre si relações dialéticas de uni-
dade, mantendo cada um à sua identidade”. Desse modo,
torna-se compreensível a nossa preocupação em manter a
coerência entre método e metodologia, entendendo que o
método do materialismo histórico dialético e a abordagem
colaborativa crítico reflexiva têm princípios afins que man-
têm a sua unidade na diversidade. Portanto, o materialismo
histórico dialético e a abordagem colaborativa critico reflexi-
va partem da premissa epistemológica da materialidade, isto
é, existência objetiva da realidade expressa na sua dimensão,
extensão, sucessão e duração no espaço-tempo, num proces-
so de mobilidade implicando em unidade e variabilidade das
formas por ela assumida, expressas no surgimento, caduci-
dade e emergência de novas formas de realidade, imprimin-
do-lhe um caráter histórico.

Partindo dessa premissa, a pesquisa colaborativa cri-


tico reflexiva reconhece a atividade prática dos seres humanos

153
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

como realidade objetiva passível de mudanças e transforma-


ções. Isso impõe a necessidade de conhecer essa realidade
nas suas múltiplas relações e conexões. Desse modo, essa
modalidade de pesquisa apresenta três pilares que se interco-
nectam e lhe dão sustentação – a produção de conhecimento
mediada pela reflexão crítica em colaboração via processos
de formação.

Sua operacionalização requer a escolha de procedi-


mentos metodológicos que permitam recolher as evidências
empíricas e a definição de categorias de análise que possibili-
tem apreender as relações imbricadas no contexto empírico.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Dentre os inúmeros procedimentos que constitui o


inventário metodológico da ação de pesquisar, selecionamos
aqueles mais apropriados aos nossos objetivos e aos propósitos
da abordagem adotada. Assim, optamos pela Sondagem das
Necessidades Formativas das participes, Oficinas Pedagógicas,
Relatos de Experiências e Sessões Reflexivas. Nesse texto, nos
reportaremos apenas ao procedimento de Sondagem.

Considerando que a abordagem colaborativa critico


reflexiva se propõe trabalhar com os implicados no processo
de investigação, é imprescindível que iniciemos com aspectos
que eles considerem necessários a continuidade do seu pro-
cesso formativo, entendido como um processo permanente
que não e limita aos aspectos formais impostos aos profes-
sores pelas instancias oficiais. Assim, o processo tem que se
conectar aos interesses e necessidades dos implicados.

154
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Nessa perspectiva, elaboramos um instrumento com-


posto de três itens: identificação (nome completo, escolarida-
de, tempo de serviço em educação e experiência na educação
infantil); o que gostaria de discutir; dificuldades apresentadas
pelas crianças.

CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO

A pesquisa se efetiva na “Creche Municipal Mundo


da Criança” situada na cidade de São Miguel do Gostoso / RN,
fundada no dia 07 de abril de 2000. A possibilidade surgiu por
intermédio de uma parceria entre a Secretaria Municipal de
Educação, Instituto de Ação Social Nilo e Isabel Neri –IASNIN,
Association Francophone Internationale de Recherche
Scintifique en Education – AFIRSE / Secção Brasileira.

O espaço físico da escola é constituído por 06 salas de


aula, 01 cozinha, dispensa, 01 secretaria e 03 banheiros.

O corpo administrativo é composto de 01 diretora, 01


vice-diretora escolhidos via eleição direta e 02 secretários.

No que se refere ao aspecto pedagógico, a escola con-


ta com 01 coordenadora pedagógica, 28 professoras, sendo 14
titulares e 14 professoras auxiliares, contando ainda, com 08
pessoas de apoio.

Em relação a escolaridade, das 28 professoras, 16 tem


curso superior completo, 05 superior incompleto, 01 ensino
médio, técnica em enfermagem 01, ensino fundamental 01 e
04 não responderam.

155
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Das 16 que cursaram o ensino superior,13 são forma-


das em Pedagogia e destas 06 concluíram cursos de especia-
lização, assim distribuído: Educação Infantil e Fundamental
(02), Educação (01), Educação Infantil (02), Supervisão
(01). Das 03 restantes, 02 são graduadas em Letras e 01 em
Administração.

As que têm superior incompleto, 04 se encontram


em processo de formação, cursando Pedagogia e 01 não
indicou o curso.

Como podemos observar, a maioria das professo-


ras apresentam a formação inicial exigida para atuar nes-
sa modalidade de ensino, sendo que algumas foram além
cursando especialização na área da educação infantil ou
em áreas afins. Apenas duas professoras auxiliares não
correspondem ao que é oficialmente exigido com escola-
ridade, resquícios de uma concepção ultrapassada de que
para trabalhar com crianças, bastava gostar delas.

Quanto ao tempo de experiência em educação,


este apresenta uma variação que vai de 02 meses a 31 anos.
Na educação infantil a maioria tem 03 anos de experiên-
cia (06 professoras), seguindo-se das que têm 02 anos (04
professoras). Com 11 anos; 04 anos; 02 meses de experi-
ência temos 03 professoras, respectivamente. As que têm
mais tempo de experiência, tem 20, 19, 15 e 06 anos, cada
uma delas. Por fim, vamos encontrar 02 professoras com 05
anos e 01 professora com 01 ano de experiência nessa área
da educação.

As professoras serão identificadas pelas iniciais


do nome, a fim de manter o princípio ético do sigilo em
relação as informações emitidas no processo investigativo.

156
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Atualmente (2019), encontram-se matriculadas na


escola 315 crianças na faixa etária de 02 a 05 anos, distribuídas
nos turnos matutino e vespertino.

Caraterizado o campo empírico, passaremos a análi-


se do que é considerado como necessidades formativas dessas
professoras.

O EMERGIR DE NECESSIDADES FORMATIVAS

Na educação os estudos e pesquisas relativos às


necessidades se iniciaram a partir da última década dos anos
60. Desde então, a relação entre necessidades e formação tem
sido, um tema recorrente. Entre outros, podemos destacar os
trabalhos de Rodrigues (2006); Rodrigues e Esteves (2006);
Vieira (2010); Almeida (2014).

Rodrigues (2006) destaca que as análises relativas às


necessidades de formação põem em foco, ora a inadequação
entre formação e necessidades dos formandos, ora recomen-
dações para que essas necessidades sejam consideradas no
que diz respeito aos processos formativos. A autora se pro-
põe a conhecer metodologias que lhes permitam desvendar a
construção das necessidades.

Referindo-se às necessidades de formação e enten-


dendo como algo que “faz falta” conclui que “[...] são ainda
entidades dinâmicas, não têm existência estável nem dura-
doura; tem um tempo vivido que as determina e uma vez
satisfeitas desaparecem dando ou não lugar a outra necessi-
dade”. (RODRIGUES, 2006, p. 104).

157
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Vieira (2010) e Almeida (2014) abordam a problemá-


tica das necessidades, em particular, necessidades formativas
ancoradas na teoria da atividade (LEONTIEV, 1988).

Vieira (2010, p.60) afirma:

Podemos compreender que o conceito de atividade


contém elementos definidores da estrutura psicológica
dos sujeitos e apresenta os seguintes componentes:
necessidade – motivo – finalidade – condições para
obter (a unidade da finalidade e das condições que
conformam a tarefa). (Grifos da autora).

Almeida considerando que as necessidades formati-


vas se estruturam e eclodem na atuação dos que fazem a edu-
cação, argumenta:

Percebemos a necessidade como um fenômeno que se


constrói na relação com a atividade, relação esta que
tem origem no tempo e lugar da atividade profissional,
isto é, no contexto dessa atividade, porquanto subjetiva
e social. (ALMEIDA,2014, p. 60).

E acrescenta:

Se a necessidade diz respeito ao objeto da atividade


profissional, ela pode significar, da parte do sujeito,
uma dificuldade, uma carência de alguma ordem, ou
caracterizar-se como algo (processo psicológico) que
precisa ser complementado, reelaborado nas ações que
estruturam essa atividade. (ALMEIDA,2014, p. 60).

Como podemos observar, as necessidades podem ser


abordadas sob diversos ângulos: psicológico, epistemológico,

158
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ontológico, filosófico, entre outros. Embora compreendendo


que o constatado por Almeida (2014) é um fato, nesse estu-
do as necessidades formativas serão analisadas segundo a
perspectiva metodológica que evidencia as conexões que per-
meiam os fenômenos, no sentido de descobrir seu conteúdo
essencial e objetivo.

Nessa direção, passamos a considerar determinadas


categorias lógicas como fundamentais para se alcançar a sig-
nificação de necessidade.

Epistemologicamente, necessidade, juntamente com


realidade, contingência e possibilidade são categorias do
materialismo histórico dialético indispensáveis ao ser huma-
no para orientar-se, para encontrar os meios que lhes permiti-
rão realizar as atividades práticas que surgem no processo de
evolução da sociedade.

Para Cheptulin (2004, p. 5):

A definição da natureza das categorias, de seu lugar


e de seu papel, no desenvolvimento do conhecimento,
está diretamente ligada à resolução do problema da
correlação entre o particular e o geral na realidade
objetiva e na consciência, assim como à colocação em
evidência da origem das essências ideais e da relação
destas últimas com as formações materiais, com os
fenômenos da realidade objetiva.

Nessa perspectiva, procuraremos analisar a parti-


cularidade – necessidades formativas – considerando as inter-
relações entre esta particularidade, mediada pela singulari-
dade – necessidades formativas das professoras da “Creche
Municipal Mundo da Criança” – e sua relação com o contexto

159
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

em que essa problemática se insere.


Para isso, é preciso atentar para a natureza dessa
categoria e de suas conexões com as demais. Nesse estudo ela
assume a predominância, todavia, mantem as relações pecu-
liares a todos os fenômenos. “No mundo, tudo está interli-
gado, cada objeto, cada fenômeno está ligado com todos os
demais por intermédio de numerosos elos intermediários”
(BURLATSKI, 1987, p. 80).
Compreendemos que as necessidades não se expres-
sam em si mesmo. Seja qual for sua natureza (social, cultural,
biológica, psicológica, interna, externa, etc.), elas surgem quan-
do existem as condições para que elas emerjam. Isso significa
dizer que as necessidades resultam de um processo complexo
em que se encontram implicadas múltiplas relações.
Desse modo, entendemos necessidades humanas
como processos bio-psico-sócio- antropo-culturais constitu-
ídos inter e intra-subjetivamente que impulsionam as ações
dos indivíduos.
É no contexto da multiplicidade dessas relações que
passaremos a analisar as necessidades formativas expressas
pelas professoras partícipes desse estudo. Elas emergem das
situações vivenciadas no dia a dia da própria prática docente.
Dentre aquelas evidenciadas pelas professoras, pode-
mos destacar necessidades relativas a aquisição de conheci-
mentos sobre o desenvolvimento da atenção, a inclusão esco-
lar, planejamento e interação escola – família.
No que se refere ao desenvolvimento da atenção, isso
se deve ao fato da flutuação da atenção provocar transtorno
no transcorrer do desenvolvimento das situações de apren-
dizagem, particularmente em crianças que se encontram no

160
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

início do seu desenvolvimento psíquico.

Como explicitam as professoras L.F; F; J.D; A.L; M.V.


entre outras.

As maiores dificuldade são em obter a atenção das


crianças voltada para as atividades. (L.F.).
[...] chamar a atenção das crianças para fazer as
tarefas em sala de aula. (F.).
Uma das maiores dificuldades que encontro em
trabalhar com as crianças é quando estou explican-
do um assunto e elas se dispersam [...]. ( J.D.).
Muitas possuem défice de atenção, não conseguem
se concentrar e assim tiram facilmente a atenção
das outras crianças. (A.L.).
Baseada na dificuldade de atenção pela idade nem
sempre manter eles concentrados. (M.V.).

Fonte: Diagnóstico das Necessidades Formativas. (2019)

Para Cunha e Ferreira (2012, p. 128):

O funcionamento da atenção baseia-se inicialmente em


mecanismos neurologicamente inatos e involuntários,
gradualmente sendo submetida a processos de controle
voluntário feitos pela mediação simbólica.

No estágio da escolaridade abordada nesse estudo,


a atenção das crianças é predominantemente involuntária,
implicando numa flutuação mais intensa dessa função men-
tal. Nesse contexto, torna-se compreensível a necessidade de

161
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

conhecimentos acerca da atenção ser a mais evidenciada, dado


as inter-relações entre realidade e necessidade.

Constatamos que algumas professoras conseguiram


perceber que as necessidades surgidas a partir das vivências e
experiências da atividade prática na sala de aulas, as causas,
muitas vezes, extrapolam os muros da escola. É o caso, por
exemplo, da dificuldade de atenção e da indisciplina, cuja ori-
gem é atribuída por L.F. a ausência de limites apresentada por
algumas crianças. “[...] as crianças de hoje estão vindo para
escola com falta de limites, coisas que deveriam ser ensinadas
em casa fica tudo a cargo da escola”.

Embora a professora relacione a causa dessa proble-


mática, particularmente ao grupo familiar, o fato da família,
muitas vezes se omitir em relação a sua função de educar, está
relacionado as mudanças estruturais que ocorrem no âmbito
mais geral da própria sociedade.

No que se refere à atenção, vale destacar que se trata


de uma função psíquica que exige que se crie as condições
para seu desenvolvimento. Nas crianças, na faixa etária da
educação infantil, predomina a atenção involuntária, seu foco
é atraído por qualquer fato inusitado (uma bola que é jogada,
um barulho qualquer, etc.) pois a criança não consegue, ainda,
controle voluntário de sua atenção.

Cunha e Ferreira (2012, p. 131) parafraseando


Vygotsky (1991) nos adverte:

A escola, como um todo, tem que propiciar situações que


possibilitem o desenvolvimento da atenção voluntária
do aluno de modo a direcioná-la ao processo de ensino
e de aprendizagem que, mediado pela linguagem,
possibilita o desenvolvimento das funções mentais

162
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

do sujeito, como fica evidenciado na relação que se


estabelece entre esses dois processos.

Para ocorrer o aprendizado é imprescindível dirigir o


foco da atenção para o objeto de estudo proposto. Nesse caso,
é muito mais difícil uma vez que se trata de crianças no início
do desenvolvimento de suas funções mentais. Assim, torna-
se compreensível a necessidade de conhecimentos acerca da
atenção ser a predominante nesse grupo de professores.
No caso da inclusão escolar, vale destacar a impor-
tância de conhecer essa problemática em toda sua extensão e
profundidade, considerando-se que há crianças que apresen-
tam comportamentos inadequados em relação a idade crono-
lógica, mas as professoras não dispõem de diagnóstico, nem
das condições adequadas para atender as suas demandas.

A maior dificuldade é o comportamento das


crianças. Algumas apresentam dificuldade
[...] de interagir com os demais alunos. (G.).
Como trabalhar a inclusão. (J.D.).
A inclusão de crianças especiais na creche.
(M.L; T.).
Trabalhar com crianças especiais na hora de
desenvolver as atividades na sala de aula.
(M.S.).
Como desenvolver um trabalho com crianças
especiais, quais os subsídios para alcançarmos
o objetivo esperado, como trabalhar essas difi-
culdades no coletivo e no particular. (M.).

Fonte: Diagnóstico das Necessidades Formativas (2019).

163
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

No entanto, é preciso esclarecer que a inclusão esco-


lar é direito de todos independente de qualquer déficit intelec-
tual ou físico.
De acordo com Bispo (2017, p. 290)

Para que se possa conceber a “escola inclusiva” é


necessário continuar trilhando um árduo e longo
caminho. É imprescindível que a instituição educacional
fique mais atenta aos interesses, características,
dificuldades e resistências apresentadas pelos alunos
no dia - a dia da instituição e no decorrer do processo
de aprendizagem. (Grifo da autora).

As professoras também revelam necessidades rela-


tivas ao ato de planejar as situações de aprendizagem que
envolvam práticas mais efetivas de ensinar e aprender.

Definição de uma proposta pedagógica que con-


temple a concepção de ensino e aprendizagem
e metodologias que possibilitem o alcance dos
direitos de aprendizagem. (A.F.).
Gostaria de conhecer novas metodologias para
serem trabalhadas com as crianças de 02 a 04
anos. (I. e M.C.).
O lado prático da BNCC. A importância do
Projeto Político Pedagógico na história da escola.
(C.).
Gostaria que fossem abordadas dinâmicas que
nos venha ajudar no controle e disciplina, bem
como, algumas técnicas para melhorar o ensino
e aprendizagem. (L.F).
Atividades lúdicas. (F.; A.L; G.; J.D.; F.F).
A didática na Educação Infantil. (M. E.).
Fonte: Diagnóstico das Necessidades Formativas (2019).

164
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Dizer que a ação de planejar é indispensável aos


processos de ensino aprendizagem torna-se óbvio, caso não
se reflita sobre suas implicações na educação dos seres huma-
nos, particularmente na escolarização de crianças que estão
iniciando esse processo.

As professoras externaram ainda, a necessidade de


maior interação da escola com a família.

Como trazer a família para escola. (G)


O engajamento de pais com a escola. (M.V.; A.L.).
A família na escola. (R.; M.C.; A.; J.; C.)

Fonte: Diagnóstico das Necessidades Formativas (2019).

Não podemos negar que essa necessidade é cru-


cial, no entanto, essa questão não é bem compreendida
nem pela escola nem pela família. Desse modo, torna-se
compreensível as professores externarem essa necessidade,
considerando que ambas as instituições são imprescindível
na vida das crianças.

Nos seus enunciados as professoras evidenciam que


a atividade prática explicita a existência objetiva das neces-
sidades, no entanto, essa expressão não se constitui a causa
real do existir das necessidades, uma vez que não decorre da
natureza da necessidade em si mesmo. Seu emergir está condi-
cionado as contingências ou circunstâncias externas. As con-
dições criadas, pela parceria entre as três entidades (AFIRSE,
IASNIN e SME), assim como, as vivências e experiências das
professoras, foi que tornou possível emergir essas necessida-

165
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

des e não outras. Mudassem as circunstâncias, o cenário


seria outro.

Na verdade, a causa das necessidades situa-se na


condição de estar vivo. Todo ser vivo em geral e o ser huma-
no, em particular, tem ou sente necessidades, é de sua essên-
cia, primordialmente se manter vivo.

Dessa realidade decorre a relação dialética indisso-


ciável entre necessidade e contingência ou casualidade cuja
mediação ou elo de ligação é causalidade.

Cheptulin (2004, p. 250), nos esclarece essa relação


ao afirmar:

A necessidade e a contingência não existem de forma


separada uma ao lado da outra. Elas encontram-se em
ligação orgânica e em interdependência e pertencem
aos mesmos fenômenos. Cada fenômeno, cada
formação material é, ao mesmo tempo necessário e
contingente. Algumas de suas propriedades e ligações
são condicionadas pelas causas internas e traduzem
a natureza de seus elementos formadores, outras são
condicionadas pelas suas causas externas, por sua
interação com o meio ambiente.

No caso das necessidades formativas, embora se


expressem nos sujeitos que as sentem, constituindo-se fonte
de motivação para desenvolver uma determinada atividade,
elas são condicionadas por causas externas, o que traduz,
expressivamente, a interdependência com o entorno ao qual
as necessidades se conectam.

Nesse sentido, ao caracterizar necessidade Vieira


(2010, p. 57) afirma que “[...] Não existem necessidades abso-

166
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

lutas, todas as necessidades são relativas face aos sujeitos, aos


contextos culturais em que ocorrem e aos referenciais de que
dependem”.

Apreender essa relação é importante tanto do ponto


de vista teórico quanto prático, principalmente em se tratan-
do de necessidades formativas de professores, pois não pode-
mos esquecer que é a busca para atender ou satisfazer nossas
necessidades que impulsiona nosso agir.

NECESSIDADE E POSSIBILIDADE

Da realidade constatada, surge a possibilidade de


se viabilizar um processo formativo tendo com eixo central a
reflexão crítica da prática tendo como parâmetro as necessida-
des identificadas pelas professoras.

Colocando a questão numa perspectiva mais geral


da relação necessidades formativas e processos de forma-
ção de professores vale analisar se as políticas públicas de
formação têm realmente o propósito de promover proces-
sos formativos que atendam às necessidades apontadas
pelos professores, no sentido de lhes propiciar a compe-
tência, por eles almejada, para lidar com as situações que
surgem na sua prática cotidiana no contexto da escola e no
seu entorno.

É válido também destacar que embora o sistema não


demonstre interesse em formar professores segundo os parâ-
metros que há muitos anos são apresentados como desejáveis
(atitude crítico-reflexiva e colaborativa, mobilização coletiva,

167
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pesquisadores de sua própria prática e produtores de conhe-


cimentos), isso não justifica renunciar e se acomodar ao que
está posto. Ao contrário, o que tem a fazer é mobilizar todos
os meios disponíveis pois a realidade é contraditória e são as
contradições que criam as circunstâncias que poderão tornar
viáveis processos de efetiva profissionalização.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Julia de Paiva. Análise das Necessidades


Formação: uma prática reveladora de objetivos da formação
docente. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-
Graduação em Educação. Natal: UFRN, 2014.

A.L. Diagnóstico das Necessidades Formativas. (Rio G. do


Norte), São Miguel do Gostoso, 07/06/2019.

BISPO, Rosa Maria da Silva G. O Olhar Docente na Perspectiva


Inclusiva. In: ARAÚJO, H. M. L. et. al. (Org.). Pesquisa em
Educação: Implicações nas Práticas Educativas. Teresina /PI:
EDUFPI. 2017, p. 281 – 298.

BURLATSKI, Fédor. Fundamentos da Filosofia Marxista-


Leninista. Trad. K. Asryants. Moscovo: Edições Progresso,
1987.

CHEPTULIN, Alexandre. A Dialética Materialista: categorias e


leis da dialética. Trad. Leda Rita Cintra Ferraz. São Paulo: edito-
ra Alfa-Omega. 2004. Série 1. ª – v. 2 (Coleção Filosofia).

CUNHA, Lúcia de Fátima da; FERREIRA, Maria Salonilde.


Aprendendo a Ser Atento: Diagnóstico da Atenção. In: IBIAPINA,
I. M. L. de M.; LIMA, M. G. S. B. e CARVALHO, M. V. C. (Org.).
Pesquisa em Educação: Múltiplos Referenciais e suas Práticas.
Teresina /PI: EDUFPI. 2012. v. I. p. 125 – 133.

168
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

FERREIRA, Maria Salonilde. E por falar em pesquisa colabora-


tiva. In: BRUTTEN, E. M. B.; FERREIRA, S. F.; Paiva, M. (Org.).
Epistemologia das Ciências da Educação. Natal, RN: EDUFRN.
2009, p. 193 – 209.

FERREIRA, Maria Salonilde. Para não dizer que não falei de


método. In: IBIAPINA, I. M. L. de M.; BANDEIRA, H. M. M.
(Org.). Formação de Professores na Perspectiva Histórico-
Cultural: vivências no formar. Teresina/PI: EDUFPI. 2017, p. 57
– 78.

LEONTIEV, Alexis. In: VIGOTSKI, et al. (Org.). Linguagem,


Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Icone. 1988, p.59
– 83.

MORIN, Edgar. O Método III: o conhecimento do conhecimen-


to. Trad. Maria Gabriela de Bragança e Mira Sintra-Men Martins/
PT: Publicações Europa – América. 1996.

PERETTI, Andre. Du Changement à l’Inertie. Paris: Dunod.


1981.

VIEIRA, Giane Bezerra. Alfabetizar letrando: Investigação-


ação fundada nas necessidades de formação docente. Tese
(Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em
Educação. Natal: UFRN, 2010.

169
NARRATIVA ESCRITA: POSSIBILIDADES
DE REFLEXÃO E TRANSFORMAÇÃO
DO/NO FAZER PEDAGÓGICO NUMA
PERSPECTIVA INCLUSIVA

|| Márcia Maria Dias Carvalho - SME


|| Liceu Luís de Carvalho - SME
|| Lúcia de Araújo Ramos Martins - UFRGN

No contexto das ações educativas, ninguém trans-


forma ninguém, mas o outro tem autoria nesse processo, é
parte do processo de transformação dele, considerando que
esse outro, questiona, leva a refletir, confronta, estabelece diá-
logos, influenciando por fim o outro a rever-se, revisitar-se,
rompendo, por assim ser, com paradigmas cristalizados.

Do ponto de vista das práticas pedagógicas, não


podemos afirmar que essas, de um modo geral, quando não
resultam em aprendizagens exitosas é tão somente porque não
se tem o desejo de transformá-las. Às vezes, esse fenômeno
está atrelado ao fato do desconhecido, no campo da práxis.
Mas, quando algum motivo leva o outro ao desnudamento
das suas ações cotidianas, a exemplo, da sua prática docente,
inicia-se um novo percurso que, pode alterar o modo do fazer
profissional, e consequentemente, de maneira qualitativa, os
resultados de aprendizagem.

170
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

O presente trabalho, recorte de uma pesquisa dou-


toral, ocorrida numa escola pública de Natal-RN, no turno
noturno, envolvendo alunos do nível IV da Educação de
Jovens e Adultos, EJA, e um professor de Matemática, tem
como objetivos, conhecer por meio do procedimento meto-
dológico narrativa escrita, as singularidades formativas desse
professor quanto ao processo de inclusão de seus alunos; e
especificamente, analisar o conteúdo da narrativa escrita do
percurso formativo desse professor de matemática, com vistas
a um novo redimensionamento de sua prática docente.

A teoria histórico-cultural, referência daquele percur-


so investigativo, se coadunou a abordagem colaborativa como
metodologia ao que nos propusemos. Tal modalidade de pes-
quisa, embasada nos pressupostos do materialismo histórico-
dialético, permite enunciar “[...] a totalidade do objeto de estu-
do, retratando-o de forma mais real e universal” (IBIAPINA;
FERREIRA, 2005, p. 30).

Nessa perspectiva, para o professor de matemática,


com vasta experiência na EJA, o ponto de partida para refletir
sobre a sua ação docente, ocorreu a partir de suas inquietações
diante de alunos com dificuldades nas operações matemáticas
fundamentais, dentre eles, um com deficiência intelectual , e,
também a partir do compartilhamento com o outro em rela-
ção aquelas inquietações. Assim, revisitando o seu modo de
atuação, confrontando-o e dialogando, aquele professor foi
motivado a repensar sobre sua prática docente com perspecti-
va de reconstrução dela, a partir do confronto e reconstrução
da mediação pedagógica. Consequentemente, viabilizando o
processo inclusivo entre os envolvidos, pois ao mesmo tempo,
estes medeiam o conhecimento, reciprocamente.

171
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A MEDIAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE


ENTREMEADA PELO PROCEDIMENTO
METODOLÓGICO DA NARRATIVA ESCRITA

A narrativa escrita como procedimento metodo-


lógico representou o desencadeador de uma nova dinâmica
do professor de matemática colaborador da pesquisa, que ao
aceitar o convite para constituir e produzir conhecimentos no
percurso dela, concordou ao mesmo tempo, em trazer à baila
por meio desse procedimento, o teor de seu caminho profis-
sional. Destarte, a “[...] narrativa como processo de reflexão
pedagógica permite ao professor, à medida que conta uma
determinada situação, compreender causas e consequências
de atuação, criar novas estratégias, num processo de reflexão,
investigação e nova reflexão” (GALVÃO, 1995, p. 343).

Dessa maneira, fazer emergir o que constituiu o per-


curso de formação daquele professor, permitiu autoria para
sua reconstrução docente com vistas à aprendizagem no con-
texto escolar, direcionada a uma perspectiva inclusiva. Para
Ferreira, (2012, p. 384), esse procedimento, “[...] permite aos
educadores reverem suas práticas, tornando o seu cotidiano
mais compreensível para si e para os outros, à medida que se
torna objeto de um processo de reflexão crítica colaborativa”.

Diante da riqueza que esse procedimento sugere,


corroborando com o enunciado por Ferreira (2012), trata-
mos de empreendê-lo, criando as condições necessárias
para realização dele, tais como confiança entre pesquisa-
dora e professor, respeito mútuo, além de um ambiente
favorável no contexto escolar.

172
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

FALAR DE SI, TRANSFORMAR O FAZER: A


NARRATIVA EM EVIDÊNCIA

O conteúdo narrativo daquele professor, o qual


caracterizamos a seguir, nos certificou do seu processo forma-
tivo, especialmente aquele direcionado as práticas inclusivas
(CHENÉ 1986; JOSSO 2004; MEKSENAS 2002), ou ausência
dessas práticas.

Carvalho, pseudônimo do professor de matemá-


tica da EJA, tem vasta experiência em sala de aula, perfa-
zendo uma média de trinta anos, dos quais vinte e sete, na
modalidade da Educação Básica, EJA. Além de licenciado
em Matemática, ele ingressou no curso de Licenciatura em
Pedagogia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte
– UFRN, no intuito de encontrar respostas para suas inquie-
tações a respeito do processo de ensino e de aprendizagem
nessa/dessa disciplina. Na visão dele, o curso de Matemática
não propiciou a si uma formação pedagógica, que implicasse
numa prática docente com sentido e significado para os seus
alunos. Nesse sentido, esclarece Giardinetto (1999, p. 4),

[...] na medida em que não se compreende a escola


enquanto instituição mediadora que possibilita essa
transição do desenvolvimento do aluno do cotidiano
para o não-cotidiano, perdendo-se de vista a necessidade
de se garantir essa mediação, não se viabiliza a tarefa
precípua da escola enquanto instância socializadora do
saber escolar historicamente acumulado.

Destarte, Carvalho reconhece que a proposição de


conteúdos atrelados à realidade do mundo social, possibilita
que os alunos formem as concepções necessárias a respeito da

173
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

importância dessa disciplina na vida e, a partir daí, passem a


vê-la no mundo das relações sociais e produtivas (FONSECA,
2012; GIARDINETTO, 1999). Esse despertamento, a partir
de estudos e discussões, o motivou a uma maior reflexão a
respeito da aprendizagem dos seus alunos da EJA, principal-
mente aqueles que apresentavam dificuldades a respeito das
operações matemáticas fundamentais. Tais dificuldades, con-
forme foi constatada pelo professor Carvalho, eram inerentes
a maior parte dos alunos, não somente aquele com deficiência
intelectual. Nessa perspectiva, Fonseca (2012, p. 31) aponta:

[...] queremos, pois, alertar educadores e educadoras


matemáticos de jovens e adultos para a especificidade
e a identidade cultural de seu alunado, ainda que
composto por indivíduos com histórias de vida bastante
diferenciadas, mas todas elas marcadas pela dinâmica
da exclusão.

Ao longo de sua experiência com os alunos da EJA,


Carvalho sempre constatou esse fato, a partir de suas media-
ções e após aplicar e avaliar Situações de aprendizagem diag-
nóstica, voltadas para aquelas operações. A falta do domínio
desses conteúdos, no entendimento do professor Carvalho,
comprometia o desenvolvimento do currículo dessa/nessa
etapa de escolarização. Nesse sentido, o proposto na pesquisa
potencializou intervenções/mediações pedagógicas colabora-
tivas voltadas para a formação dos conceitos dessas operações
matemáticas, o que se deu por meio de mediações e Situações
de aprendizagem, tendo como referência os jogos matemáti-
cos (GRANDO, 1995; KRANZ, 2015a).

Quanto ao exposto, Fonseca (Ibid., p. 31-32) adverte:

174
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Busca-se, aqui convocar as instituições educacionais e os


educadores, em particular, os educadores matemáticos,
que se comprometem com uma política de inclusão e
de garantia do espaço de jovens e adultos na Escola,
a tomá-los, então, como sujeitos socioculturais, que,
como tal, apresentam perspectivas e expectativas,
demandas e contribuições, desafios e desejos próprios
em relação à Educação Escolar.

Como proposto pela autora, as discussões a respeito


da Educação Inclusiva, promovidas no campo empírico e a
busca do professor Carvalho por aperfeiçoamento do tema da
pesquisa em eventos e na qualidade de aluno especial em dis-
ciplina na UFRN, entre outros, foram desencadeadores para
que ele repensasse e empreendesse uma reestruturação da
sua prática docente direcionadas para os alunos da EJA. Sua
concepção a respeito da temática tem um sentido de inserção
de todos, considerando os aspectos de acesso, permanência e
aprendizagem na escola (GLAT; BLANCO, 2009). Admitimos
aqui, que este perfil representa a competência técnica e o com-
promisso político deste professor.

Consideramos que, diante do exposto, à medida que


cada sujeito adquire consciência de seu papel social, cresce ao
mesmo tempo a possibilidade de uma nova estrutura no seu
modo de ser e fazer. Essa é uma atitude de cunho reflexivo
que, no entendimento de Ibiapina e Ferreira (2007, p. 27),

[...] exige mergulho tanto no conhecimento teórico


quanto no mundo da experiência, para que se possa
desvelar a que interesses servem as ações sociais e
como elas produzem práticas ideológicas, isto é, a
reflexão oferece mais poder para os professores (re)
construírem o contexto social em que estão inseridos,

175
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

proporcionando condições para que esses profissionais


compreendam que para mudar a teoria educacional, a
política e prática, é necessário mudar a própria forma
de agir e pensar.

Dessa maneira, consideramos que a atividade refle-


xiva sobre as histórias de vida, desencadeiam o redireciona-
mento sobre as lacunas da formação pessoal, social, cognitiva
e afetiva do sujeito.

No dizer de Imbernón e Cauduro (2013, p. 21),

[...] a formação para esse desenvolvimento profissional


dos professores se apoiará em uma reflexão dos
professores sobre sua prática docente, de maneira que
lhes permita examinar suas teorias implícitas, seus
esquemas de funcionamento, suas atitudes, realizando
um processo constante de autoavaliação que os oriente
ao desenvolvimento profissional.

De acordo com a assertiva dos autores, defendemos


que ao professor cabe a tarefa de refletir sobre a sua prática
docente, suas concepções de educação, posturas políticas e
pedagógicas. As narrativas escritas nesse processo, potencia-
lizaram de modo reflexivo e crítico que o professor Carvalho,
enunciasse por meio dela, o enredo da sua história de vida
acadêmica, suas lacunas e fragilidades, valorizações, repre-
sentações e expectativas, desejos e (re) projeções.

Por meio de extraits ele expressou as lacunas do seu


processo formativo, principalmente no que se refere à temá-
tica da inclusão, direcionada ao aluno, Glei, que apresenta
deficiência intelectual. Esse já tinha frequentado por dois anos
suas aulas. Assim narra o professor Carvalho:

176
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Apesar de uma longa experiência em sala de


aula regular com o público da EJA, e uma busca
constante pela formação continuada somente agora
fui despertado para dar atenção a um aluno que tem
deficiência intelectual, ele já é repetente por dois anos
consecutivos em todos os componentes curriculares
(CARVALHO narrativa escrita em 28/11/2017).

Essa exposição de um fragmento do processo for-


mativo do professor, denota o contexto histórico cultural no
qual ele se desenvolveu, pois, a escola não havia sido pensada
numa perspectiva inclusiva. Nesse espaço educacional, todos
os alunos deveriam trazer consigo elementos afetivos, cogni-
tivos, entre outros já constituídos, segundo uma programação
estabelecida que não contemplava as diferenças individuais.

Na continuidade da sua narrativa escrita, o referido


professor ressalta sobre o distanciamento existente entre ele e
o aluno, declarando que:

Anteriormente, achava que ele (o aluno) era


desinteressado, não queria fazer nada do que eu
propunha, era acomodado; sempre se remetia a
mãe, quando eu questionava algo relacionado aos
exercícios propostos dos conteúdos da Matemática; - “
pergunte a minha mãe, ela sabe de tudo, o senhor está
pensando que estou brincando”? É sério, eu não sei ler.
(CARVALHO – narrativa escrita em 28/11/2017).

Conforme narrado pelo professor Carvalho, depre-


ende-se que é imprescindível dar vez e voz ao sujeito para que
tenhamos conhecimento das travas que incidem sobre o seu
desenvolvimento e aprendizagem no percurso de escolariza-
ção. Antes que a intervenção decorrente da pesquisa ocorres-

177
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

se junto ao aluno com deficiência intelectual, era necessário


conhecer como a sua aprendizagem se desenvolvia., uma vez
que este aluno expressava uma postura de introspecção frente
aos questionamentos do professor. Ao ser solicitado pelo pro-
fessor Carvalho sobre atividades relacionadas a Matemática
que requeriam o domínio da leitura e da escrita, e diante da
resposta do aluno, o professor Carvalho foi impulsionado
a repensar sobre a sua postura docente com esse aluno. No
extrait seguinte, assim se expressa o professor Carvalho:

[...] quando constato esse fato, me questiono: o que


posso fazer como professor de matemática para cumprir
a tarefa de professor alfabetizador? Eu me sentia
despreparado para cumprir essa responsabilidade [...].
(CARVALHO – narrativa escrita em 28/11/2017).

São os questionamentos da prática docente que pos-


sibilitam a mudança nessa prática, é o que denota o conteúdo
acima mencionado. Por isso, o processo inclusivo ganha senti-
do quando proveniente das inquietações daquele que é o prin-
cipal responsável pela mediação do/no processo educativo.
Mudar a forma de pensar e agir no contexto escolar permite
que, por meio de intervenção, em especial numa abordagem
colaborativa, as aprendizagens favoreçam o crescimento de
todos que se debruçam pedagogicamente e reflexivamente na
perspectiva inclusiva. No dizer de Ferreira (2000, p. 322):

O professor ensina, mas quem aprende é o aluno.


[...] O professor está o tempo todo presente, mas não
é mais aquele que detém a “verdade”. Ele é, sim, o
mediador que organiza as discussões, pede explicações
e justificativas, propõe novas situações de estudo. O
professor tem um lugar privilegiado no processo, uma

178
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

vez que é ele que tem a função de criar as condições nas


quais se efetivarão as rupturas com os conhecimentos
anteriores e a reorganização dos novos.

De acordo com o mencionado pela autora, daí a


importância de se pensar, refletir, confrontar continuamente
e, nessas ações, reconstruir o fazer pedagógico na perspectiva
inclusiva, observando o sujeito, este com deficiência intelec-
tual, na sua plenitude e incompletude. Para (Vygotsky, 1988)
nessas condições em que o sujeito com deficiência se encontra,
ao invés de nos determos naquilo que se atribui como “defei-
to” é preciso focar no que existe em potencial nele.

Considerando aquela prática docente, se a aprendi-


zagem que se propõe, não se estabelece, é necessário esmero
no ato de ensinar independentemente das condições de quem
aprende. Segundo Mantoan (1997, p.126),

[...] o tratamento das questões relativas ao ensino


de deficientes, se incluindo na formação geral dos
educadores, eliminaria, em grande parte, os obstáculos
que se interpõem entre a escola e as pessoas com
deficiência, instaurando outra mentalidade e uma
compreensão diferente da deficiência, inspiradas nos
princípios de uma educação para todos.

Ao enunciado, ratifica Carvalho (2006, p. 16) quando


se refere ao modo como a cultura escolar tratava alunos com
deficiência. Para ela, “[...] oportunizar passa a ser a palavra
de ordem e é sob essa máxima que a educação da pessoa com
deficiência mental, é discutida”.

179
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Durante os momentos de estudos e discussões pro-


piciados pela pesquisa colaborativa, e ao confrontar e refletir
sobre o conteúdo de sua narrativa escrita, o professor Carvalho,
percebeu que aquela atitude e postura docente não condiziam
com o seu modo de pensar e agir pedagogicamente, pois
sempre se esmerou para que os alunos se desenvolvessem
e adquirissem os conhecimentos necessários às demandas
requeridas pelo contexto social.

Diante do exposto, percebemos que o professor


Carvalho foi motivado a refletir a respeito de sua postura
docente como também, para ressignificação dela, denotando
desse modo, que as práticas docentes são atividades em per-
manente transformação e desenvolvimento, que explicitam as
circunstâncias e condições históricas que as caracterizam. Ao
mesmo tempo, em que permitem entender a dimensão teórica
que as fundamentam.

Conforme ratifica Pierote (2017, p. 97),

Nesse momento são construídas oportunidades


para os partícipes refletirem sobre o que pensam e
fazem, bem como se o que realmente fazem está no
nível de consciência requerido à atividade docente,
considerando o contexto sócio histórico em que estão
inseridos.

Nesse sentido, a autora supracitada, propõe que se


deve “[...] refletir a prática pedagógica e desenvolver alterna-
tivas de ação que contribuam para a construção de um novo
modelo educacional que contemple as condições externas de
vida do sujeito [...]”. A proposta se coaduna ao processo de
inclusão da pessoa com deficiência intelectual na escola e no
trabalho, respeitando-a com suas diferenças (Ibid., p.16).

180
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Assim, as ações docentes desenvolvidas na cons-


trução da pesquisa, apontou uma nova tomada de consci-
ência da postura do professor Carvalho, a partir das narra-
tivas escritas.

Aquelas ações se imbuíram de novas concepções,


conforme aponta Carvalho (2006), com ênfase na singularida-
de sócio cultural do sujeito.

Constatamos que, desde o momento em que o pro-


fessor Carvalho se conscientizou da existência do aluno com
deficiência intelectual, sua postura docente e interação com
ele passaram a ter um sentido diferenciado. Esse fato, se evi-
dencia tanto pelo interesse do professor em transformar sua
prática docente voltada ao aluno, quanto pelas mediações
pedagógicas colaborativas vivenciadas durante a pesquisa, as
quais foram enaltecidas nas propostas de análise no decorrer
da pesquisa. Reciprocamente, aquele aluno foi impactado, de
maneira a passar a ter interesse em estar na escola com o pro-
pósito de aprender. Este fato se deu ao longo da pesquisa.

ALGUMAS CONSTATAÇÕES

Para que sejamos despertados a mudar as nossas


ações em qualquer que seja a tarefa que desenvolvemos, é
imprescindível que tenhamos o desejo de transformá-la. Mas
isso só ocorre quando confrontamos o que fazemos, o que
produzimos. Assim, nasceu no professor Carvalho a necessi-
dade de mudar a sua ação docente. No contexto da pesquisa,
a partir de suas narrativas escritas, as mediações pedagógicas
colaborativas elaboradas pela pesquisadora e pelo professor
Carvalho contribuíram para constituir novas atitudes resul-

181
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

tantes da reflexão e da elaboração de estratégias cognitivas


que permitiram ao aluno com deficiência intelectual junto aos
seus pares internalizarem conceitos a respeito das operações
matemáticas fundamentais.

Entre outros aspectos relevantes resultante da pesqui-


sa, destacamos a mudança da prática pedagógica do professor
no que se refere à Educação Inclusiva. Embora reconhecido
como um profissional comprometido e competente na sua
ação docente, faltavam-lhe elementos formativos funda-
mentados naquela modalidade de educação. Essa ausência
de conhecimento o impossibilitou de identificar, em sua
sala de aula, a presença de alunos com deficiência intelec-
tual. Especificamente, o aluno com deficiência intelectual,
colaborador da/na pesquisa, já havia sido matriculado e
sido retido pelo segundo ano consecutivo, ou seja, por dois
períodos letivos na EJA, na disciplina desse professor o
que representou o tempo de invisibilidade daquele aluno,
naquele espaço escolar.

A reflexão entre a ´pesquisadora e o professor


Carvalho, aliadas as discussões a respeito do tema inclusão,
foram o ponto de partida para que ele repensasse e empreen-
desse uma reestruturação de sua prática docente direciona-
da aquele aluno. Tamanha foi a repercussão de sua mudança
que este foi impulsionado a rever a sua formação acadêmica,
concomitantemente a pesquisa, de modo a cursar uma disci-
plina como aluno especial na Linha de pesquisa: “Educação
e Inclusão Social em Contextos Escolares e não Escolares”,
assim como sentiu necessidade de participar de cursos e semi-
nários com foco nessa temática. Este fato nos permite sugerir a
realização de pesquisas preferencialmente no chão da escola,
uma vez que pode incidir diretamente nas práticas docentes.

182
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A produção de conhecimentos no contexto da pes-


quisa foi uma tarefa desafiadora, devido a diversos fatores
que afetam o processo de ensino e de aprendizagem na EJA,
porém gratificante, uma vez que aquela produção perpas-
sou pelo diálogo, que era uma característica do professor,
sendo entremeado pela exigência de disciplina e da consti-
tuição de um ambiente favorável à aprendizagem. Esta, no
decorrer da pesquisa, evoluiu considerando o desencade-
amento de mediações pedagógicas colaborativas e inclusi-
vas em que todos tinham responsabilidade e compromisso
consigo e com o outro.

Podemos afirmar a relevância da narrativa escrita que


enalteceu as nuanças que caracterizavam o fazer do professor
Carvalho, e no decorrer, o conduziu a mudanças significativas
no seu fazer pedagógico que se ampliaram pelo processo for-
mativo e colaborativo que a pesquisa propicia.

REFERÊNCIAS
CHENÉ, Adèle. A narrativa de formação de formadores. In:
NÓVOA, Antônio; FINGER, Matthias. O método (auto) biográfi-
co e a formação. Lisboa: Ed. Ministério da Saúde, Departamento
dos Recursos Humanos da Saúde, 1986. (Cadernos de formação,
1). p.89-97.
CARVALHO. Narrativa Escrita em 28 de novembro de 2016.
FERREIRA, Maria Salonilde; E por falar em cotidiano escolar. In:
FERREIRA, Adir Luiz (Org). O cotidiano e as Práticas Docentes.
Natal: EDUFRN, 2000.
FERREIRA, Maria Salonilde. A abordagem colaborativa: uma
articulação entre pesquisa e formação. In: SAMPAIO, Maria

183
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Narcizo; SILVA, Rosália de Fátima. (Organizadoras). Saberes e


Práticas de docência. Campinas, SP: Mercado Letras; Natal, RN:
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2012.
FERREIRA, Adir Luiz. Possibilidades e realismo crítico da pes-
quisa e da formação: a colaboração entre pesquisadores e profes-
sores. In: IBIAPINA, I.M.L de M.; RIBEIRO, M.M.G.; FERREIRA,
M. Salonilde (Orgs.). Pesquisa em educação: múltiplos olhares.
Brasília: Líber Livro Editora, 2007
GALVÃO, Cecília (1995). “Narrativas em educação”. Ciência &
Educação, vol. 11, nº 2. Bauru: Unesp, pp. 327-345.
IBIAPINA, I.M.L de M; FERREIRA, Maria Salonilde. A pesqui-
sa colaborativa na perspectiva sócio-histórica. Linguagens,
Educação e Sociedade, Teresina, n. 12, p.26-38, jan./jun. 2005.
JOSSO, Marie Christine. Experiências de vida e formação. São
Paulo; Cortez, 2004.
MEKSENAS, P. Pesquisa social e ação pedagógica: conceitos,
métodos e práticas. São Paulo: Loyola, 2002.
MANTOAN, Maria Teresa Égler. Ser ou Estar: eis a questão:
explicando o déficit intelectual. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
PIEROTE, Eliene Maria V de Figueirêdo. Formar, Colaboração
e Abelhas: como o ensinar e o aprender acontecem na prática.
In: IBIAPINA, Ivana Lopes de Melo; BANDEIRA; Hilda Maria
Martins. Formação de professores na perspectiva histórico-cul-
tural: vivências no formar. Teresina: EDUFPI, 2017.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Deficiência Intelectual e inclusão. In:
Revista Nacional de Reabilitação – RNR, São Paulo: ano X. n.
54, jan/fev. 2007 p. 8-l.
VYGOTSKY, Lev S; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV,
Alex N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São
Paulo: Ícone: Editora Universidade de São Paulo, 1988.

184
O DIÁRIO COMO DISPOSITIVO
METODOLÓGICO NUMA
PESQUISA-FORMAÇÃO
NARRATIVA (AUTO)BIOGRÁFICA
EM EDUCAÇÃO

|| Joelson de Sousa Morais

Pra início de história, vemos que as múltiplas expe-


riências que passamos e que passam por nós, não podem ficar
invisibilizadas, em face apenas das lembranças da memória
sem dialogar com outro(s) artefato(s) linguístico, enunciati-
vo ou discursivo com uma materialidade em que o sujeito
poderá acessá-lo sempre que quiser e/ou puder, e que tenha
uma caracterização tangível e intangível ao mesmo tempo,
capaz de ser capturado pelo olhar, pelo toque, pelo cheio e
por outras tantas dimensões em que se pode colocar sempre
as nossas impressões, percepções e outros tantos olhares em
diferentes espaços/tempos formativos da vida e da formação.

Estamos nos referindo ao “Diário Narrativo”, o qual


busca descrever as múltiplas implicações, atravessamentos e
transbordamentos pelos quais estamos vivenciando e expe-
rienciando em diversos contextos formativos, com diferentes
intensidades e para outros tantos propósitos em nosso per-
curso existencial-formativo. E que Barbier (2002) vai chamar

185
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

de “Diário de Itinerância”, que para nós tem o mesmo signifi-


cado, e que “representa um percurso estrutural de uma exis-
tência concreta tal qual se manifesta pouco a pouco, e de uma
maneira inacabada, no emaranhado dos diversos itinerários
percorridos por uma pessoa ou por um grupo”.

Assim, “[...] a principal contribuição dos diários


em relação a outros instrumentos de observação é que per-
mitem fazer uma leitura diacrônica sobre os acontecimentos.
Com isso, torna-se possível analisar a evolução dos fatos”
(ZABALZA, 2004, p. 16)

Este artigo é fruto de um relato de uma experiência


formadora que vem sendo tecida por meio da imersão do
autor no curso de Doutorado Acadêmico em Educação, na
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em que
o presente estudo é oriundo dos movimentos de construção
do texto da tese, que por ora apresenta a temática “Os con-
textos de formação e suas implicações na tessitura de saberes
de professoras iniciantes”, iniciada neste ano de 2019, e que
vem sendo desenvolvida com professoras iniciantes que atu-
am nos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede pública
de ensino da cidade de Caxias-MA, e está sendo financiada
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).

Cabe salientar que estamos considerando professo-


ras iniciantes aquelas que se situam num recorte temporal de
exercício da docência entre 01 a 03 anos exercendo a profissão
como professora, de acordo com Huberman (2000).

De acordo com Huberman (2000), que desenvolveu


um estudo acerca do “ciclo de vida profissional de professo-
res”, a 1ª fase de 01 a 03 anos, que é chamada de professores/as

186
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

iniciantes, apresenta duas características: sobrevivência e des-


coberta. A descoberta pode ser traduzida como propicia-
dora de momentos em que o/a docente consegue perceber
as conquistas, ganhos e avanços que tem na profissão, no
seu cotidiano da prática pedagógica, sobretudo, quando
realizado pelo seu trabalho. É, portanto, a descoberta que
move a segunda característica do início da profissão que é
a sobrevivência, em que muitas vezes o/a professor está a
se perguntar “estou-me a aguentar?”, questionamento esse
que é enfrentado pelo/a professor/a iniciante como cons-
tituído de tensionamentos e entraves ao desenvolvimento
do seu trabalho pedagógico, e que afeta diretamente o seu
plano pessoal, podendo gerar insegurança, desmotivação e
inúmeros outros impactos emocionais, e ao fato de perma-
necer ou abandonar a profissão, dependendo dos aconteci-
mentos pelos quais se defronta e escolhe.

Muito que vem sendo narrado neste texto, é um


amálgama de experiências formadoras que estamos tendo,
na produção dos diários que elaboramos em função das aulas
que estamos cursando das disciplinas ofertadas no Doutorado
Acadêmico em Educação pela Unicamp, em consonância
com nossa participação no Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Continuada (GEPEC), do qual fazemos parte, entre-
laçados com os movimentos de orientações coletivas pelo
Grupo de Pesquisa-formação Polifonia que congrega estu-
dantes da graduação (licenciatura em Pedagogia), mestrado
e doutorado em educação, numa parceria interinstitucional
entre a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a
Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), grupo este que também
participam professores/as da educação básica.

187
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Este escrito apresenta como objetivos refletir acerca


do diário como dispositivo metodológico numa pesquisa nar-
rativa (auto)biográfica em educação, bem como compreender
o potencial do diário no processo de construção de uma pes-
quisa-formação em um curso de pós-graduação stricto senso
em educação.

Os referenciais teórico-epistemológicos estão emba-


sados no campo da pesquisa-formação narrativa (auto)biográ-
fica em educação com base nos autores: Josso (2010), Ricoeur
(2007), Zabalza (2004), Delory-Momberger (2012), Larrosa
(2002), entre outros.

A EXPERIÊNCIA FORMADORA NUMA PESQUISA-


FORMAÇÃO NARRATIVA (AUTO)BIOGRÁFICA

Nesta seção buscamos explicitar três conceitos cru-


ciais com os quais estamos nos apropriando em nossos escri-
tos tanto no diário de pesquisa, quanto em outras produções
e publicações científicas, quanto em nossas discussões na
Unicamp e que vai nos acompanhar na produção do texto da
tese de doutorado, que são: “experiência”, “experiência for-
madora” e “pesquisa-formação”.

Podemos, então, compreender o conceito de experi-


ência na perspectiva de Larrosa (2002, p. 21) ao elucidar que
esta corresponde ao “[...] que nos passa, o que nos acontece,
o que nos toca”. Nesse sentido, a experiência representa um
acontecimento que traz um poder de implicação nos movi-
mentos trilhados pelo sujeito onde estabelece relações.

A experiência formadora, por sua vez:

188
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

[...] é uma aprendizagem que articula, hierarquicamente:


o saber-fazer e os conhecimentos, funcionalidade e
significação, técnicas e valores num espaço-tempo que
oferece a cada um a oportunidade de uma presença
para si e para a situação, por meio da mobilização de
uma pluralidade de registros (JOSSO, 2010, p. 36).

Desse modo, a experiência formadora representa


possibilidades de construção de saberes, experiências e conhe-
cimentos significativos que são tecidos pela tomada de cons-
ciência do sujeito onde se defronta, mediada pelas reflexões
e potencial de implicação que lhe despertou pelas vivências e
experiências marcantes que teve.
A pesquisa-formação é um termo cunhado por Josso
(2010), e que para nós tem o significado da articulação e indis-
sociabilidade entre os processos de pesquisa e de formação
para o sujeito, uma vez que ambos se entrelaçam simultane-
amente, em que o pesquisador vai aprendendo, escolhendo
e construindo dispositivos metodológicos, modos de escrita,
fontes e estilos de produzir o conhecimento, caracterizando-
se, muitas vezes, como possibilidades de (auto)formação no
decurso da vida.
Portanto, consideramos que a pesquisa-formação
se trata de um processo de imersão do sujeito no contexto
da pesquisa, impulsionando reflexões acerca dos percur-
sos trilhados que vão se articulando com o plano da ação-
reflexão-ação, do que sabe, conhece e mobiliza em função
do aprendido em múltiplos contextos que se apropria ao
longo da vida, sobretudo, da pesquisa e da formação que
tece do vivido e experienciado.

Acreditamos que toda pesquisa envolve também um


processo de formação do sujeito em que está imerso na pes-

189
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

quisa, e que traz um nível de potencialidade mediado pelas


reflexões que faz das narrativas registradas em seu diário de
pesquisa.

A narrativa enquanto gênero e dispositivo metodoló-


gico é uma outra forma de manifestação que permite ao sujei-
to construir ou possibilitar acessar sua consciência, mediada
pelas reflexões suscitadas pelos movimentos que vamos nos
defrontando e estabelecendo com os inúmeros sujeitos, con-
textos e situações.

Os múltiplos momentos propiciados pelos encontros


do “Grupo de Terça do GEPEC”1 na Faculdade de Educação
(FE) da Unicamp, são constituídos de riqueza e emoção, expe-
riência e aprendizado, reflexões e construção de conhecimen-
tos que são despertados pelas narrativas que são produzidas,
lidas e discutidas reflexivamente com os participantes do
encontro, de modo a pensarmos no estilo da escrita em que
cada um vai construindo, e que apresenta uma peculiaridade
e subjetividade de cada pessoa, além de contar com um nível
de profundidade da reflexão e tomada de consciência do sujei-
to que se vê a partir do que narrou e do olhar e feedback que o
outro nos dá do que leu, viu ou ouviu de nossa narrativa.

Entre as inúmeras narrativas compartilhadas pelos


participantes que se dá tanto presencialmente nos encontros
do Grupo de Terça, como através do e-mail coletivo que pos-
suímos e que são compartilhados com todos os integrantes do
grupo e também pela rede social do whatsapp, vem propician-

1 Esse nome do Grupo de Terça é dado porque os encontros acontecem quinzenal-


mente nas terças-feiras a tarde e que participam professores/as da FE/Unicamp,
orientados/as do mestrado e doutorado em educação desta IES e de outras institui-
ções e professores/as da educação básica de Campinas, outras cidades do Estado de
São Paulo e de outras regiões do país

190
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

do transformações potenciais na aprendizagem da construção


da escrita narrativa pelos seus participantes, entre os quais,
servindo de subsídios de reflexão, formação e desenvolvimen-
to profissional dos pesquisadores/as, inclusive, permitindo
a construção do texto da tese de doutorado, dissertação de
mestrado ou ainda dos projetos daqueles/as professores/as da
educação básica que almejam concorrer à seleção de mestrado
e doutorado em educação pela Unicamp.

Quando o sujeito elabora uma narrativa acerca do


que viveu ou experienciou e passa a narrá-la, há um jogo de
sentidos, comportamentos, sensações e emoções dos quais
ainda não se sabe como vai enfrentá-los, uma vez que a expe-
riência só é possível de ser contemplada e exercida no plano
da ação quando o próprio sujeito passa a viver e praticar essa
experiências da qual ainda não foi praticada.

Isso tem muito a ver com o que Bakhtin (2017) chama


de ato ético-responsivo e responsável, no qual, toda experi-
ência se torna irrepetível, à medida em que há aspectos dos
quais são inacessíveis e incompreensíveis se o próprio sujei-
to não está praticando o ato-ação em que se lança a ter/fazer/
viver. Assim, o outro que nos constitui, em processos de inte-
ração, nos permite tecer uma experiência que não é apenas
unicamente de um sujeito, mas de ambos, pois um permite
com que o outro teça a experiência, podendo-a compartilhar
narrativamente as implicações que a relação entre esses sujei-
tos permitiu se circunscrever. Afinal de contas, “[...] a singu-
laridade única não pode ser pensada, mas comente vivida de
modo participativo” (BAKHTIN, 2017, p. 58).

Com base no exposto, podemos ainda, elucidar o


processo de significação da experiência como entrelaçar de

191
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

situações, contextos e sujeitos dos quais influenciamos e nos


deixamos influenciar, muitas vezes contribuindo para a tes-
situra de nossos fazeres e pensares, e como nos debruçamos
comportamentalmente em relação ao meio circundante e com
quem estabelecemos relações. Em outras palavras, compreen-
demos que “[...] a experiência é em primeiro lugar um encon-
tro ou uma relação com algo que se experimenta, que se pro-
va” (LARROSA, 2002, p. 25).
Narrar o que pensamos ou vivemos quando pas-
samos a praticar a narrativa elaborada de modo mais siste-
mático, no caso da escrita, por exemplo, nos leva a acessar
memórias e lembranças profundas, tocantes e reflexivas que
gera uma infinidade de outros múltiplos pensamentos, mas,
sobretudo, resgatar no plano da memória, o que temos capa-
cidade de lembrar e o que mais ficou em nós, do que vivemos
e experienciamos, e do que mais conseguimos sentir e sermos
tocados pelas experiências do passado.
Isso tem muito a ver com o que Candau (2012, p.
47) declara de que “uma memória verdadeiramente compar-
tilhada se constrói e reforça deliberadamente por triagens,
acréscimos e eliminações feitas sobre as heranças”. A memó-
ria, portanto, é uma dimensão fortalecedora da experiência
possibilitando resgatar elementos essenciais do cotidiano do
sujeito com diferentes proporções, intensidades e caracterís-
ticas dando vida a existência. Aspectos esses que podem ser
consolidados e tecidos em um diário.
Assim, compreendemos que quando nos debruça-
mos a registrar no diário o valor da experiência que tivemos
no passado, resgatamos a potencialidade de uma reflexão
geradora de consciência emancipadora, pois nos desloca entre
o que fizemos e que passamos a olhar através de outro ângulo,
ideias, representações e entendimentos sobre e com o vivido/

192
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

experienciado se fazendo-se no presente. Por isso, [...] a expe-


riência descrita tem uma base, o presente, o presente do som
que ressoa agora” (RICOEUR, 2007, p. 50).

Outro aspecto fundamental que vem aparecendo em


nossas narrativas (auto)biográficas registradas no diário que
elaboramos é a questão da “temporalidade narrativa” que
se inscreve como uma dimensão formativa importante, para
pensarmos da onde partimos, o que estamos refletindo no
momento em que estamos elaborando a narrativa ou quando
a lemos depois de elaborada, além de situarmos para quais
caminhos estamos nos projetando ou idealizando por meio
de nossos escritos ou estilos de narrativas de outras inúmeras
formas como narramos.

Delory-Momberger (2012) aponta no seu escrito que


a “temporalidade da experiência”, é possível ser configura-
da na tessitura singular da experiência individual do sujeito
em um tempo biográfico que situa a elaboração dos percursos
existenciais dos espaços da vida social elaborado.

Assim, “[...] o indivíduo vive cada instante de sua


vida como o momento de uma história: história de um instan-
te, história de uma hora, de um dia, de uma vida” (DELORY-
MOMBERGER, 2012, p. 525), assinala, portanto, uma marca
da temporalidade que é revelada no próprio construto nar-
rativo de que faz o sujeito, evidenciando ainda, os diferentes
aspectos pelos quais está vivendo e se defronta em momentos
de espaços/tempos específicos de sua experiência trilhada,
sofrendo injunções políticas, econômicas, culturais e sociais
dos quais faz parte.

193
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

POTENCIALIDADES DO DIÁRIO DE PESQUISA NA


CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

O diário vem se caracterizando como um dispositivo


que apresenta inúmeros usos e funcionalidades na vida do ser
humano, seja como registro de suas experiências cotidianas da
vida, como no âmbito do conhecimento científico nos proces-
sos de desenvolvimento e construção da pesquisa científica,
como em outras dimensões de ensino e formação profissional
docente na perspectiva do trabalho docente, entre outras fina-
lidades, contextos e situações.

No que concerne ao diário narrativo, podemos conce-


bê-lo, a partir de três usos e funcionalidades na perspectiva de
Zabalza (2004), quais sejam: a) é um dispositivo metodológico
de ensino, que sempre desenvolvemos em nossas aulas como
formadores de professores, no qual fazemos a proposição
para os estudantes sempre no início de cada semestre letivo
para utilizá-lo, configurando-se como um dispositivo de ava-
liação das disciplinas em que ministramos; b) utilizamos como
dispositivo metodológico de pesquisa, no qual é produzido
pelos sujeitos com os quais pesquisamos para registrar seus
percursos de aprendizagem, formação e no plano da experi-
ência; e, c) é configurado como dispositivo metodológico de
desenvolvimento profissional, para professores, formadores e
pesquisadores que estão pesquisando e/ou atuando profissio-
nalmente, no sentido de registrar suas experiências cotidianas
na tessitura de saberes e práticas profissionais.

No contexto de uma formação em pós-graduação


strictu sensu hoje, construir um diário, pois, é uma necessida-
de que salta as fronteiras apenas de uma tessitura de uma pro-
dução científica, ou delimitada a princípios demasiadamente

194
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

demarcatórios, com fins burocráticos e como cumprimento de


uma atividade requisitada, ou quaisquer outras caracteriza-
ções que a estes aspectos se aproximam, não é isso.

Na verdade, vemos a potência do Diário como uma


necessidade, uma vontade e um desejo que a pessoa, o pro-
fessor, pesquisador ou qualquer outro “sujeito ordinário”, na
acepção de Certeau (2012) ou homem comum, cria para dá
sentido à vida, à existência, à tudo aquilo que não é possível
exprimir e expressar por meio de outro recurso, mas que no
diário ganha legitimidade, força e território, trazendo o sujeito
nas tramas e fios de uma caminhada que entrelaça passado,
presente e futuro, como nos faz lembrar Josso (2010) e Delory-
Momberger (2012). Ou melhor explicitando uma dessas auto-
ras, “a perspectiva que favorece a construção de uma narrati-
va emerge do embate paradoxal entre o passado e o futuro em
favor do questionamento presente” (JOSSO, 2010, p, 38).

Tecer uma narrativa, a partir do que lhe toca, lhe


faz brilhar os olhos, lhe contagia a alma, o corpo e o coração,
é, senão, uma das mais incríveis aventuras que o ser huma-
no pode viver e fazer, trata-se mesmo como uma dimensão
essencial do processo civilizatório e com o qual, o sujeito se vê
implicado como uma necessidade de dizer algo de si, do que
vive e/ou experiencia em seus múltiplos contextos formativos
pelos quais transita ou estabelece relações. Nesse sentido, cabe
salientar que:

[...] As escritas de si, longe de comunicar o que já


se sabe, constituem-se verdadeiros processos de
descoberta. Essa dimensão heurística permite a quem
escreve explicitar as experiências e transformar saberes

195
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

implícitos em conhecimento (pesquisa). O narrador,


ao descobrir-se como ser aprendente, reinventa-se
(formação) (PASSEGGI, 2010, p. 115).

É desse modo que as experiências têm sido forma-


doras por meio dos encontros de orientações coletivas2 ,
em que cada um/a vai tecendo o que aprendeu, compreen-
deu e lhe flertou, fruto das leituras dos textos, conversas,
expressões, comportamentos e modos outros de expressar
a subjetividade trocadas simultaneamente entre os partici-
pantes dos encontros.

O que nós sentimos muitas vezes, não conseguimos


expressar pela linguagem oral, e o que dizemos muitas vezes,
talvez não seja o que em alguns momentos estávamos pensan-
do, não porque quiséssemos, mas porque vivemos num mun-
do de contradições que somos roubados pelo turbilhão de
pensamentos, informações e conhecimentos que estão a todo
o tempo nos capturando e ao mesmo tempo sendo capturado
por nós num processo frenético, alucinante e até infinitamente
desproporcional à velocidade de nossos pensares, fazeres e
reflexões que em certos momentos, não tem hora pra chegar e
nem como acontecer...simplesmente acontece!

Acerca dessa discussão nos lembramos de Bakhtin

2 Os encontros de orientações coletivas acontecem no Grupo Interinstitucional de


Pesquisa-Formação Polifonia, em que se reúnem nossa professora orientadora do
curso de Doutorado em Educação Profa. Dra. Inês Bragança, em que fazem parte
seus orientandos/as da iniciação científica da graduação, do mestrado acadêmico e
profissional e do doutorado acadêmico, acontecendo quinzenalmente na Faculdade
de Educação da Unicamp. Assim, nesse grupo são discutidos, debatidos e refletidos
os projetos e textos de tese ou dissertação dos membros que fazem parte do grupo,
bem como textos do Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica (CIPA) e
de outros textos que fazem parte da abordagem de pesquisa narrativa (auto)biográ-
fica no campo da educação.

196
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

(2003)3 que nos faz refletir que o ato é indizível, porque ao


narrar o indivíduo não consegue dizer tudo como aconteceu,
viveu ou experienciou na forma do acontecimento em suas
múltiplas sutilezas e rigor de detalhes, de gestos, comporta-
mentos, fazeres, enfim, uma infinidade de situações. Nesse
sentido, a narrativa se configura como uma ficção, uma his-
tória fragmentada de um dito que não corresponde em sua
essência ao vivido, experienciado, ou melhor, ao ato em sua
inteireza. Mas relapsos de momentos que acabamos lembran-
do ou que tenha surtido um efeito de implicação para poder
narrar e produzir a narrativa.

O relevante estudo feito por Bakhtin (2003) evidencia


que entre a Idade Média e o Renascimento são os períodos mais
efervescentes em que aparecem a originalidade dos registros
escritos entre o “auto-informe-confissão” e a “autobiografia”,
na qual esta segunda acaba ganhando força e visibilidade com
mais nitidez no Renascimento, através de alguns proeminen-
tes estudiosos, entre os quais Santo Agostinho, por meio dos
seus diários narrativos. Assim, os diários nestes períodos apa-
recem ora “confessionais”, ora ‘biográficos”.

A esse respeito, um aspecto parecido vai aparecer


também nos escritos de Ricoeur (2007) ao fazer um estudo da
obra “Confissões” de Santo Agostinho situando o caráter tem-
poralizante da memória e sua potencialidade na configuração
narrativa.

Em “A memória, a história, o esquecimento” Ricoeur

3 As discussões, reflexões, compreensões e leituras de Bakhtin vem sendo potencia-


lizadas pela nossa participação no GRUBAKH-Grupos de Estudos Bakhtinianos,
subgrupo do GEPEC-Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada, da
Faculdade de Educação da UNICAMP realizados quinzenalmente nas noites de
terça-feira.

197
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

(2007, p. 40) nos diz que “[...] não temos nada melhor que a
memória para significar que algo aconteceu, ocorreu, se pas-
sou antes que declarássemos nos lembrar dela”. E acreditamos
que a pertinência da memória se inscreve quando a lembra-
mos e a registramos narrativamente em um diário por meio
de nossa escrita, como forma de não esquecermos do que nos
passou, nos tocou e produziu uma forte implicação, e que em
algum outro momento será acessado pelo recurso material de
que possamos dispor, no caso do diário.

Quando você passa a viver a vida de um/a narrador/a,


registrando suas próprias experiências e acontecimentos de si
em um Diário, você também passa a pensar narrativamente. E
talvez em alguns momentos você se defronta com uma dúvi-
da cruel ou ambiguidade ou talvez seria contradição? Enfim,
não sabemos muito bem, mas nos pomos a questionar: “O que
podemos narrar?”, “Qual experiência foi mais marcante que
vivemos esses dias na nossa vida?”; “Será se podemos narrar
isso que estamos pensando agora ou não tem nada a ver?”;
“Mas para que serve mesmo o Diário”?, e “O que esse diá-
rio pode contribuir na nossa pesquisa-formação-experiência-
existência?”.

Bem! No fim de todos esses questionamentos, pen-


samos que narramos no nosso Diário4, experiências de vida-
pesquisa-formação e existência que corroboram para a nossa
própria transformação ou a sensibilidade do nosso olhar e
dos nossos outros sentidos flertados, tocados ou vividos nos
múltiplos contextos por nós trilhados aonde quer que esteja-

4 Ou diários, no plural, porque construímos cada um para uma determinada finali-


dade e implicação específica que temos, vivemos, sentimos e refletimos, como já
salientado nesse texto.

198
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

mos e seja com quem for. Acreditamos que um Diário serve


para isso: para viver a vida do sujeito tal e qual ela é vivida
narrativamente por meio do que ele considera importante e
pertinente para ser contada, a partir do olhar que tem, do
que sente e do que lhe toca, do que conhece e do que não
conhece mesmo, afinal de contas não existe verdade abso-
luta sobre nada e nem sobre ninguém, ela é tecida em meio
aos cacos e pedaços fragmentados de um quebra-cabeça
que oscila em função de uma história, de um tempo, de
uma política, de uma cultura, educação e sociedade, e, por-
tanto, ganha uma flexibilidade e uma reflexividade simul-
taneamente e ininterruptamente também. Desse modo, a
ideia da tessitura narrativa em um diário “[...] é fazer tanto
um modo básico de pensamento, de organizar o conheci-
mento e a realidade” (BOLÍVAR et al, 2001, p. 19).

A narrativa em um Diário de um/a professor/a,


pesquisador/a, pós-graduando/a e acima de tudo pessoa,
é uma aventura em um “arquipélago de incertezas” para-
fraseando Edgar Morin (2010) no sentido de uma aventura
incerteza que não se sabe o que encontrará no percurso,
mas que é movido por sensações, expectativas e emoções
que potencializam os percursos trilhados. Primeiro porque
ao iniciar essa aventura, você não saberá o começo, nem
o meio, quanto mais o fim. Segundo, porque nem sempre
você narra algo pronto, fechado e o que você quer dizer,
com as palavras que gostaria, mas é um caminhar que abri-
ga imprecisões, instabilidades, deslocamentos e fascínios,
enfim, é um enredo que vai tomando conta de nós e nos
captura, sem muitas vezes, percebermos, porque, quando
conseguimos notar, já estamos tomado pelo apaixonamen-
to de dizer de nós, o que muitos não sabem, ou falar de

199
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

nós, da nossa vida e experiência o que muitas vezes você


jamais imaginaria que conseguiria expressar, e nesse con-
texto se materializando com a tessitura narrativa de um
Diário. Uma vez que “[...] a experiência implica a pessoa na
sua globalidade de ser psicossomático e sociocultural, isto
é, ela comporta sempre as dimensões sensíveis, afetivas
e conscienciais” (JOSSO, 2010, p. 49), e, portanto, não há
como fugir da dimensão sensível, estética e subjetiva que
nos constitui e que ganha força e legitimidade pela experi-
ência narrativa que tecemos cotidianamente.

A narrativa em um Diário, é viver, amar, pensar e


se deleitar com e sobre uma história de si que está prestes
a ganhar um universo, o qual precisa ser habitado, prota-
gonizado, sentido e vivido por você, porque somente faz
sentido e traz uma significação o amor e a paixão do narra-
dor e o que faz brotar a semente materializada através da
sua mente, das suas mãos e do seu coração. Narrar é tudo
isso e muito mais.

Um dos fatores primordiais que se caracterizam


potentes possibilitados pelo diário na produção do conhe-
cimento científico, e com mais especificidade, no processo
de elaboração do texto da tese, e que estamos aprendendo
no GEPEC é em algum momento de nossa pesquisa-for-
mação voltar aos nossos escritos do diário, lê-los e passar
a refletir acerca da experiência narradora com a qual em
algum momento do passado registramos. A partir desse
momento, é que se dá uma tessitura outra escrita que vai
culminar no texto da tese de doutorado ou na dissertação
do mestrado, dependendo da modalidade em que está ins-
crita o sujeito/autor/pesquisador.

200
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados que este estudo chegou elucidam que


o diário, vem representando um potente dispositivo teórico-
metodológico, reflexivo e de formação, que permite a tessitura
de reflexões e compreensões cruciais ao desenvolvimento da
pesquisa-formação, sobretudo, nos processos de contribuir na
(re)elaboração dos escritos do texto da tese, além de se confi-
gurar como um dispositivo transformador e emancipatório na
formação e (auto)formação profissional do pesquisador.

Os caminhos teórico-epistemológicos trilhados no


processo de pesquisa-formação utilizando-se como disposi-
tivo metodológico o diário de pesquisa, vai determinando e
delineando os modos de olharmos para nós mesmos, e do que
estamos tecendo ao longo do tempo, além de contar com um
potente recurso de depuração, aperfeiçoamento e aprendiza-
gem da escrita narrativa.

A pluralidade dos registros no(s) diário(s) que vamos


construindo em função do vivido e experienciado, vai nos
colocando em contato com múltiplas linguagens e sentidos
que são produzidos, interpretados e refletidos à medida que
nos lançamos à uma tomada de consciência do que lemos de
nossa narrativa, materializando, assim, registros outros que
culminará na construção do conhecimento científico que nos
propomos.

Quanto mais narramos o que nos passa, o que nos


acontece no cotidiano, o que nos toca e nos implica mais temos
a chance de rememorar e construir uma reflexão potente, que
poderá trazer profícuas transformações em nossa formação
enquanto pesquisador, tanto quanto profissional da educa-

201
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ção, permitindo ainda estabelecer ligações com o nosso campo


profissional. Elementos esses que muitas vezes são possí-
veis de serem percebidos por nós através do que temos de
registro em nosso diário, já que nos coloca em contato com
o que já vivemos ou experienciamos em algum momento
de nossas vidas.

Portanto, a experiência da tessitura narrativa em um


diário de pesquisa, é uma prática formadora e potencialmente
significativa, pois traz registros narrativos dos contextos for-
mativos, de vida e da experiência que mais se tornaram mar-
cantes para nós, e que escrevemos no diário, mediado pelas
profundas implicações que nos deslocaram de alguma forma,
em função da riqueza e captura que os momentos nos propi-
ciaram e que, para não ficarem esquecidas e invisibilizadas,
recorremos à memória narrativa pela utilização do diário como
recurso privilegiado de pesquisa-formação, desenvolvimento
profissional e construção da pesquisa e do conhecimento cien-
tífico que nos lançamos a produzir e que nos acompanha em
nossos itinerários formativos ao longo do tempo.

A função, pois, do diário numa pesquisa-formação


narrativa (auto)biográfica em educação, é dar a ver os acon-
tecimentos da experiência vividas e tecidas em processos de
imersão do pesquisador fruto do entrelaçamento que faz tri-
dimensional entre teoria-empiria-metodologia não de forma
isolada, mas, imbricadas que nos acompanham nas leituras
que realizamos e depois as discutimos, registrados narrativa-
mente em nosso diário, como também dos contextos em que
compartilhamos com os sujeitos com os quais pesquisamos
e das escolhas que fazemos dos dispositivos metodológicos
com os quais consideramos pertinente e factível na pesquisa
científica. Assim, o diário nos auxilia fortemente na construção

202
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

do conhecimento científico, com especificidade, neste caso, na


elaboração do texto da tese de doutorado em educação na qual
estamos engajados nesse percurso.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Introdução e tra-


dução do russo Paulo Bezerra; prefácio à edição francesa Tzevan
Todorov. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

_____. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cui-


dados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. 3ªed. São
Carlos: Pedro & João Editores, 2017.

BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: Plano Editora, 2002.

BOLÍVAR, António et al. La investigación biográfico-narrativa


em educación: enfoque y metodologia. Madri: Editorial La
Muralla, 2001.

CANDAU, Jöel. Memória e identidade. Tradução Maria Letícia


Ferreira. 1.ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de


fazer. 19. ed. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2012.

DELORY-MOMBERGER, Christine. Abordagens metodológicas


na pesquisa biográfica. Revista brasileira de educação. V. 17, n.
51, set./dez., 2012.

HUBERMAN, Michäel. O ciclo de vida profissional dos profes-


sores. In.: NÓVOA, António (Org.). Vidas de professores. 2. ed.
Porto: Porto editora: 2000.

203
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação.


Tradução de José Cláudio, Júlia Ferreira; revisão Maria da
Conceição Passeggi, Marie-Christine Josso. 2. ed. rev. E ampl.
Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de expe-


riência. Revista brasileira de educação. N. 19, Jan./Fev./Mar./
Abr., 2002.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, refor-


mar o pensamento. 17.ed. Tradução Eloá Jacobina. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

PASSEGGI, Maria da Conceição. Narrar é humano! Autobiografar


é um processo civilizatório. In.: PASSEGGI, M. da C.; SILVA, V.
B. da. Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alter-
nativas de formação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimen-


to. Tradução Alain François [et al]. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 2007.

ZABALZA, Miguel A. Diários de aula: um instrumento de pes-


quisa e desenvolvimento profissional. Tradução Ernani Rosa.
Porto Alegre: Artmed, 2004.

204
PESQUISA E FORMAÇÃO DOCENTE:
DIÁLOGOS COM A OBSERVAÇÃO
COLABORATIVA

|| Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina - FORMAR/UFPI


|| Hilda Maria Martins Bandeira - FORMAR/UFPI

Neste texto apresentamos a observação colaborativa


como procedimento da pesquisa colaborativa que trabalha a
unidade teoria e prática de ensinar, a partir da problemati-
zação, que se materializa via ações de descrição, informação,
confronto e de reelaboração sistematizadas por meio de ques-
tionamentos realizados em contextos de investigação cien-
tífica, cuja proposta teórico-metodológica é de refletir com
docentes sobre a prática pedagógica.
Conforme Jackson (1987), os professores são pesso-
as que falam pouco de seu ofício entre si e de como podem
melhorá-lo, pois dividem muito pouco com os outros a sua
experiência profissional. Dessa forma, a observação colabo-
rativa cria espaços-tempo para um trabalho colaborativo que
prioriza a análise e a discussão, incentivando uma nova leitura
da prática. Ressaltamos que a observação colaborativa possi-
bilita a ruptura como o pensamento e iniciativas individuais,
contribuíndo para a construção de reflexão coletiva.

205
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Compreendemos, pois, que esse tipo de observa-


ção desencadeia um processo de reflexão que desestabiliza
as práticas de ensino convencionais, oferecendo uma opor-
tunidade de criar fóruns em que as pessoas podem reunir-
se enquanto coparticipantes na luta em prol de mudanças
na prática pedagógica.
Para materialização da discussão, citamos trechos de
teses de doutoramento realizadas sob a nossa orientação, que
utilizaram este procedimento na produção dos conhecimentos
partilhados na pesquisa, por exemplo: Bandeira (2014), Silva
(2015) e Vieira (2017). Nestas, a observação adquire uma nova
significação, que ocorre via colaboração para que as práticas
pedagógicas, as situações nas quais essas práticas são realiza-
das e a possibilidade de reelaboração das mesmas sejam pro-
duzidas no contexto de investigação científica.
Este artigo, portanto, discute o procedimento da
observação colaborativa e, além desta introdução, o texto
foi organizado em três seções, aquela em que explicitamos
os procedimentos da observação colaborativa com exem-
plos retirados das três teses referenciadas anteriormente.
A seção de apresentação dos movimentos produzidos nas
teses, que utilizaram a observação colaborativa e na últi-
ma incluímos as conclusões, que contemplam contribuições
para a formação docente.

O PROCEDIMENTO DA OBSERVAÇÃO
COLABORATIVA: EXPLICITAÇÃO
METODOLÓGICA
A observação colaborativa é um procedimento meto-
dológico que valoriza a reflexão crítica na explicitação da uni-
dade teoria e prática enquanto princípio formativo curricular.

206
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Para esclarecer as especificidades desse procedimento, discor-


remos em seguida sobre diferenciação e aproximações com
outros procedimentos de observação da prática social.
A observação casual faz parte do cotidiano de nossas
atividades sendo responsável por parte do que sabemos sobre
as pessoas e os fenômenos, entretanto esse procedimento de
compreensão da realidade não dá conta da complexidade que
envolve a pesquisa científica. Para planejar e implementar
uma observação que tenha um valor científico, é preciso utili-
zar uma técnica adequada para o desenvolvimento da ativida-
de científica. Utilizada nessa perspectiva, a observação pode
contribuir para a ciência, pois faz avançar o conhecimento
científico, porque é valiosa para a interpretação da realidade.

Segundo Vianna (2003, p. 21), a literatura apresen-


ta diferentes classificações e procedimentos de observa-
ção, mas independente do tipo, dos objetivos e finalida-
des, qualquer observação deve partir da resposta a quatro
importantes questões: o que deve ser observado? Como
proceder para efetuar o registro dessas observações? Quais
os procedimentos a utilizar para garantir a validade das
observações? Que relação vai ser construída pelo observa-
dor e observado? Além dessas questões, é importante tam-
bém lembrar regras inerentes aos processos observacionais,
conforme passaremos a expor em seguida.

Independente do tipo de observação escolhido pelo


observado, Vianna (2003, p. 29) sugere as seguintes regras de
observação: definição dos objetivos da observação, seleção
do local e do grupo a ser observado, definindo quem, o que
observar, quando e por quanto tempo; legitimar a presença
junto ao grupo, informando sobre a sistematização dos dados
e negociar o tipo de observação (descritiva ou reflexiva); con-

207
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

quistar a confiança dos pares, estabelecendo relações amisto-


sas; planejar a metodologia do registro dos dados, observar
e registrar notas de campo durante um tempo determinado;
refletir sobre os dados; elaborar um relatório analítico sobre
os elementos obtidos.

Estas exigências de sistematização constituem em


necessidades para que a observação seja considerada instru-
mento técnico de produção de conhecimentos no âmbito das
pesquisas científicas.

Neste artigo, dentre as várias classificações de obser-


vação, destacadas por Vianna (2003), optamos por caracterizar
as observações descritiva e a reflexiva.

Na observação descritiva, o observador insere-se


no campo de estudo e faz descrições que se destinam a
oferecer uma ideia geral da complexidade do objeto obser-
vado, as inter-relações mantidas pelo observado e obser-
vador são racionais e distanciadas e se limitam ao espaço
imediato da observação, a análise dos dados observado é
feita de forma avaliativa.

Na observação reflexiva, o observador, além de des-


crever o contexto, procura interpretar os resultados descritos
com a ajuda do próprio observado, que é levado a retomar os
momentos vividos pelo olhar do observador, tendo a oportu-
nidade de manifestar-se por meio de reflexões distanciadas da
prática observada.

Nessa direção, a observação reflexiva é realizada


por meio de processos cíclicos e sistemáticos de reflexão na
e sobre a ação. No caso da observação de espaços educativos,
por exemplo, a sala de aula, estes se constituem no centro e no

208
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

motor da ação do observador e o observado interagem quan-


do é provocado a refletir sobre os problemas, conflitos ou dile-
mas da sua prática pedagógica. Esse procedimento exige uma
redefinição de papéis e práticas de observação, exigindo novas
atitudes tanto por parte do observado quanto do observador.

Com base na proposta de observação reflexiva de


Vianna (2003), sistematizamos e elaboramos princípios para
orientar a observação que além de reflexiva possa também ser
colaborativa (IBIAPINA, 2008).

A observação colaborativa, portanto, potencializa


tanto a descrição, a reflexão e a interpretação quanto o con-
fronto e a reelaboração de teorias e práticas relativas ao pro-
cesso de ensino-aprendizagem, desenvolvendo partilhas entre
observador e observado por meio de espirais que se materiali-
zam via três movimentos: o movimento prévio, que antecede
a observação propriamente dita, o movimento de observação
sistemática da prática e o movimento de pós observação, este
é crítico-reflexivo e visa relacionar teoria e prática como con-
dição para que a prática revitalize a teoria e vice-versa.

No movimento de prévio de observação, os partí-


cipes se reúnem para negociar objetivos e o plano de obser-
vação. No movimento de observação e de pós-observação, o
observador registra os saberes da prática, conforme a orienta-
ção sintetizada no quadro 1.

Após a observação, observador e colaborador se


reúnem para refletir sobre o observado, fazendo o movi-
mento de reelaboração de teorias e práticas do processo
de ensino e aprendizagem. A ação colaborativa é desen-
cadeada por meio de perguntas formuladas pelo observa-
dor aos professores, que, ao respondê-las, refletem siste-

209
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

maticamente sobre a sua prática. Esta se baseia nas ações


de descrever, informar, confrontar e reelaborar, conforme
sugestão apresentada no quadro 1, a seguir:

QUADRO 1 – AÇÕES REFLEXIVAS QUE ORIENTAM A OBSERVAÇÃO


COLABORATIVA

DESCRIÇÃO INFORMAÇÃO CONFRONTO RECONSTRUÇÃO

QUAIS AS QUAIS AS QUAIS AS COMO MUDAR?


PRÁTICAS TEORIAS QUE CAUSAS?
OBSERVADAS? SE EXPRESSAM Para responder a
NAS PRÁTICAS Para responder a questão, observa-se:
Para responder a OBSERVADAS? questão, observa-se:
questão, observa-se: • As possibilidades
Para responder a • os valores e quais de mudar a
• Regularidade; questão, observa-se: as consequências prática.
para a formação
• Contradições; • as relações discente. • Motivando a
Fatos relevantes e entre as práticas relfexão por meio
não relevantes. observadas • Necessidades das questões:
e a teoria formativas;
• Motivando a interesses, • O que poderia
reflexão por meio educacional. ser feito de forma
tipos de alunos
das questões: • Motivando a formados diferente?
Quem? O quê? reflexão por
Quando? • Motivando • O que é
meio da questão: necessário fazer
Qual teoria é a reflexão
por meio das para introduzir
predominante? mudanças
questões: quais as
necessidades da na prática
prática? Servem a pedagógica?
que interesse?

Fonte: Liberali (2008), adaptado por Ibiapina (2008).

Na descrição, explicitamos as regularidades da prá-


tica e os fatos relevantes observados na aula filmada, desen-
volvemos o movimento de reflexividade que não poderíamos
fazer sozinhos, tendo em vista que é o olhar do outro que nos
possibilita entender melhor as contradições entre aquilo que
dizemos e o que fazemos.

210
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Na ação de informar, explicitamos o significado das


ações desenvolvidas nas práticas educativas evidenciadas por
meio dos princípios, dos valores, dos motivos, das ideias, dos
juízos, das razões, das representações, das concepções e dos
conceitos que as fundamentam. Segundo Liberali (2010, p.
50), “[...] o informar tem como objetivo explicitar/genera-
lizar as ações através de teorias, seu foco temático recai
sobre a discussão e explicação de conceitos presentes nas
ações”. Assim, buscamos responder as questões: Qual o
significado das práticas educativas que desenvolve? Quais
teorias as fundamentam?

Para o desenvolvimento da ação da reflexão crítica


correspondente ao confrontar, os questionamentos elabo-
rados têm o objetivo de os partícipes, por meio de interação
discursiva, a explicitar as causas de determinadas formas
de agir, evidenciando a relação entre a prática adotada e
aquelas internalizadas historicamente por meio das relações
socioculturais. Ao confrontar, somos levados a fundamentar
os pontos de vistas empírica e teoricamente. Nessa direção,
o movimento de reflexão é desencadeado para confrontar a
prática com as teorias formais na busca de compreendermos
os valores que serviram de base para o nosso pensar e o nosso
agir (LIBERALI, 2010).

A ação de reelaborar ocorre quando relatamos ou


descrevemos novas formas de agir com justificativas teóri-
cas e contextuais. Essa ação imprime a necessidade de um
movimento que nos leve de volta à prática observada, no
sentido de promover mudanças que gerem transformação.
A reelaboração ocorre, portanto, nos movimentos de ir e
vir, isto é, de se debruçar no já vivido e projetar mudanças
necessárias nas práticas utilizadas na aula. Nesta ação, para
Liberali (2010, p. 65):

211
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Ao reconstruir a prática, os educadores estão planejando


a mudança. Quando pensamos em reconstruir,
imaginamos imediatamente novas possibilidades
de fazer. Essa imagem gera uma tentativa de fazer
sugestões, indicar novos caminhos, propor outras
atividades.

Esclarecemos que não há hierarquização nas ações


de descrever, informar, confrontar e reelaborar são as neces-
sidades decorrentes do processo reflexivo e dos questiona-
mentos que encaminham para uma dessas ações em qualquer
momento da colaboração.

MOVIMENTOS DA OBSERVAÇÃO COLABORATIVA:


EXPLICITAÇÃO PROCEDIMENTAL

A observação colaborativa objetiva prioritariamente


dar ênfase na ação do professor, como este profissional desen-
volve sua prática e também para produção da explicitação da
relação daquilo que ele diz com aquilo que ele faz.

Nesse caso, a observação não pode ser avaliativa,


pois é geradora de oportunidades de análise da prática, esta-
belecendo-se relação com a teoria que orienta este agir. A esse
respeito, Paiva (2002, p. 527) recomenda:

Continuar a “olhar” a observação de aulas com


finalidades eminentemente avaliativas é retirar-lhe o
potencial que pode adquirir na (re)construção do saber
pedagógico. Só com a participação activa e colaborativa
por parte dos que têm a seu cargo a formação/supervisão
de professores, poderemos caminhar na renovação de
práticas educativas.

212
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Para exemplificar os movimentos da observação


colaborativa, selecionamos trechos de teses que utilizaram
esse procedimento no quadro 2, a seguir.

Quadro 2 – Exemplo de organização metodológica da observação colabo-


rativa

PRÉ-OBSERVAÇÃO OBSERVAÇÃO PÓS-OBSERVAÇÃO


QUAIS AS PRÁTICAS QUAIS AS TEORIAS
OBSERVADAS? QUE SE EXPRESSAM QUAIS AS CAUSAS?
NAS PRÁTICAS
O encontro de formação OBSERVADAS? Após assistirmos ao vídeo, pas-
ministrado por Sininho samos a refletir sobre a forma-
foi realizado no dia 10 de Sininho compreende que ção ministrada pela partícipe
junho de 2016 e teve como a modalidade de forma- Sininho, [...]. Nesse sentido, vol-
objetivo discutir as orien- ção na qual sua prática se tamos a questionar:
tações para aplicação da fundamentou era a pers- Sherazade: Então, a formação
Prova Padronizada, rea- pectiva de treinamento, que você ministrou está relacio-
lizada semestralmente, deixando nas entrelinhas nada à que concepção de forma-
tendo como público-alvo que, por abordar o con- ção?
os alunos do 1º, do 2º e do teúdo, no caso, a Prova Sininho: Eu acho que vai a
3º ano do ciclo de alfabeti- Padronizada [...]. Quando questão de treinamento, porque
zação, bem como apresen- perguntamos se houve a padronizada... não teve outro
tar proposta de produção a manifestação das três tipo. E eu esqueci a outra, é trei-
textual a ser trabalhada perspectivas, novamente namento, capacitação...
em sala de aula com os Sininho volta atrás, ratifi- Sininho: Eu acho que mesclou.
alunos, discutindo crité- cando que predominou a Sherazade: Os três tipos?
rios de correção com foco perspectiva de treinamen- Sininho: Foi a predominância de
nas habilidades decorren- to, justificando que era treinamento porque era uma a
tes da produção escrita e, uma necessidade das cir- necessidade do momento. Mas
ainda, estabelecer diferen- cunstâncias, mas reiterou também teve a reflexiva.
ça entre estar alfabético e que houve manifestação Sherazade: Que momento teve
alfabetizado, como supor- da perspectiva reflexiva, a reflexão?
te para a definição da nesse caso, referindo-se à Sininho: No momento que eles
meta a ser alcançada na formação crítica, conforme analisaram, pararam para pen-
rede ao final do ano letivo categorização apresentada sar a questão do alfabetizado.
em relação ao percentual nos estudos realizados nos Sherazade: E essa reflexiva, ela
de alunos alfabetizados. encontros colaborativos. estava restrita à transformação
Estiveram presentes neste Ao ressaltar a predomi- do contexto da sala de aula ou
encontro de formação 34 nância da perspectiva de estava também voltada para
professores alfabetizado- treinamento durante a a transformação de contextos
res do 1º ano do ciclo de aula-formação ministra- mais amplos, da sociedade
alfabetização. da, a partícipe Sininho como um todo, da formação de
demonstrou conhecimen- homem, da formação de um tipo
to dos atributos distintivos de homem, para a formação de
de sua maneira de agir e sociedade?
de pensar. Sininho: Eu falo da questão do
alfabetizado, da autonomia na
leitura, autonomia na escrita,
a gente ultrapassa os muros da
escola, porque o alfabetizar não
é só você escrever coisas [...].

Fonte: Vieira (2017).


213
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Com foco no exemplo apresentado no quadro 2, o


movimento da observação colaborativa possibilita aos partí-
cipes refletirem e retomarem os momentos de ocorrência da
aula de forma mais consciente. Nessa modalidade de obser-
vação, o nosso olhar, enquanto pesquisadora, oportuniza aos
docentes retomarem momentos da aula/formação, levando-o
à reflexão da prática observada.

Na seção seguinte, de forma mais específica explo-


raremos o movimento da pré-observação, que é importante
para informar ao participante, os objetivos e as finalidades,
conforme exemplos que seguem.

MOVIMENTO DA PRÉ-OBSERVAÇÃO

Os relatos da Tese de Silva (2015) e Vieira (2017) escla-


recem os aspectos procedimentais da fase de pré-observação.

O primeiro exemplo selecionado foi retirado de Silva


(2015, p. 85):

Na fase de pré-observação, reunimo-nos e discutimos


o roteiro de observação, negociamos a natureza, os
objetivos e as finalidades da observação colaborativa
a ser realizada. Para o intento, tomamos como base as
ações de descrever, informar, confrontar e reelaborar,
já anunciadas na discussão teórico-metodológica desta
investigação. Na etapa mencionada anteriormente,
negociamos, também, quem ficaria responsável pela
obtenção do material para filmagem da aula e por
sua realização. O professor colaborador ofereceu os
equipamentos e prontificou-se a convidar um amigo,
também professor, para fazer a filmagem da aula. Em
seguida, passamos para o planejamento da aula. O

214
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

professor de Matemática definiu o tema, os objetivos,


os conteúdos a serem trabalhados, quais materiais
didáticos seriam utilizados e quais problemas seriam
propostos para os alunos.

Na tese de Vieira (2017, p. 101) encontramos citados


aspectos metodológicos relacionados a narrativa de organiza-
ção da fase de pré-observação:

A pré-observação e a observação propriamente dita


do encontro de formação da partícipe Alice ocorreu
no final do ano de 2015, período em que ela atuava
exclusivamente no 3º ano e realizava, in lócus,
acompanhamento da prática pedagógica dos professores
desse ano escolar. Na fase de pré-observação, a referida
partícipe compartilhou seu planejamento, que tinha
como foco uma oficina de correção das produções
textuais dos alunos referentes a uma avaliação externa
que a Secretaria realiza semestralmente em todo o
ciclo de alfabetização, sendo a sua primeira edição
realizada em 2015. Considerando essa demanda,
Alice e sua parceira Clara Luz percorreram as escolas
mais próximas do Centro de Formação, para coletar
produções escritas pelos alunos, decorrentes da
avaliação externa para prepararem a pauta. Dessa
forma, fizeram a seleção e a análise de algumas delas
para discutir em pequenos grupos e/ou coletivamente
com os professores alfabetizadores para, em seguida,
proceder à correção dos textos de seus próprios alunos.
Durante o planejamento, solicitava que analisássemos
as produções escritas selecionadas para checar se havia
discordâncias nas análises, momento em que tivemos a
oportunidade de interagir, indagar e confrontar alguns
pontos de vista divergentes.

215
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Segundo Silva (2015, p. 130), a explicitação do que


o professor faz e as interações discursivas que ocorrem
no processo de ensinar e aprender a resolver problemas
matemáticos, “[...] possibilitou-nos, também, demonstrar
quando ocorre e quando não ocorre desenvolvimento na
interação.”. Portanto, conclui que a pré-observação é “[...]
importante, ainda, para a organização e o desenvolvimen-
to das análises que serão realizadas [...]” na pesquisa.

MOVIMENTO DA OBSERVAÇÃO

A observação deve ser audiogravada e transcrita


de forma fidedigna e apresentadas às partícipes para pos-
síveis modificações, quando consideradas necessárias. Os
discursos produzidos nessa fase são fundamentais para o
movimento de produção da pós-observação e para a análi-
se das informações produzidas na pesquisa.

Nessa fase da observação colaborativa, a descrição


tem o propósito de explicitar a atividade prática da forma
como ela se efetivou. Conforme anuncia Liberali (2010, p.
40), na descrição:

Temos uma visualização do que foi feito em sala


de aula, de como os alunos e professor atuaram.
Essa visualização é fundamental como primeira
compreensão para permitir chegar a conclusões
sobre essas ações; e, para poder apresentar um
ponto de vista, o educador terá que compreender o
significado de suas ações.

216
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Com base no entendimento explicitado, a descri-


ção da aula representa o olhar do pesquisador sobre a aula
filmada, que, posteriormente, será refletida conjuntamente.
Em seguida, apresentamos o relato de Silva (2017, p. 132), que
demonstra como foi feita a descrição da aula de um professor
de matemática.

A Phardal iniciou a aula dando bom dia aos alunos,


em seguida, explicou para eles que naquela aula iriam
trabalhar algumas situações matemáticas, envolvendo
as frações e utilizando o Tangran. De início, o professor
fez uma rápida revisão sobre frações. Para isso
desenhou no quadro um círculo, representando uma
pizza, para recordar denominador e numerador como
partes que compõem a fração. Em seguida, utilizando
também o quadro, mostrou como construir o Tangran,
a partir do desenho do quadrado, demonstrou as peças
que o compõe. Primeiramente, desenhou um quadrado,
depois traçou uma diagonal, dividindo esse quadrado
em dois triângulos grandes; em seguida, determinou
os pontos médios dos lados do quadrado e com a ajuda
dos alunos continuou a construir as outras peças do
Tangran. A cada figura geométrica que era formada
solicitava a identificação oral do ponto médio presente
na construção, bem como das figuras que se formavam.
A atividade ocorreu até que surgissem as sete peças do
quebra-cabeça (Tangran). Ao término dessa primeira
atividade, o professor chamou a atenção dos alunos
para as sete peças que surgiram [...]. Após essa
construção, cada um dos alunos recebeu um Tangran
emborrachado para que eles pudessem utilizar durante
as situações propostas. Como primeira atividade,
o professor solicitou que formassem um triângulo,
utilizando duas das sete peças do Tangran. Para essa
situação problema, obteve os seguintes resultados:
alguns resolveram a situação proposta com duas peças

217
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pequenas e outros conseguiram resolver com duas


peças grandes. Em seguida, pediu que construíssem
um quadrado com duas peças e assim como na
primeira atividade, alguns alunos conseguiram formar
com peças pequenas e outros com peças grandes. Na
terceira atividade proposta, solicitou que construíssem
um quadrado com três, essa proposição, por ser um
pouco mais complexa, não foi resolvida por todos,
vez que nem todos conseguiram resolver a situação
proposta. Logo após essas atividades, o professor pediu
que os alunos verificassem quantas vezes o triângulo
pequeno cabia no quadrado que formava o Tangran,
após testarem, utilizando a peça correspondente ao
triangulo pequeno, responderam 16 vezes. [...].

Na observação, a descrição ultrapassa a mera lista-


gem daquilo que ocorreu na aula, a partir de aspectos como: a
organização, a forma de aplicação dos recursos pedagógicos e
o modo que os objetivos foram atingidos. Além disso, leva em
consideração a influência das relações estabelecidas em sala
de aula, a comunidade escolar e o seu entorno.

Nessa direção, ao observar a aula filmada não se deve


limitar a dizer o que foi feito na aula filmada, mas, além disso,
contemplar as interações e os questionamentos realizados na
aula. A descrição da observação também deve ser isenta de
opinião, de julgamento, de valoração e de avaliação da prática
desenvolvida. Na sequência, apresentamos mais um exemplo
do registro de observação realizada por Bandeira (2014, p. 156)
na sua tese de doutoramento:

A observação da aula de Lia aconteceu na manhã do


dia 10 de abril de 2013, por volta das sete horas da
manhã nos encontrávamos na Escola Leste 2, na sala

218
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dos professores, em seguida nos dirigimos ao pátio da


instituição, momento em que todos os discentes são
recepcionados pelos professores e gestores. A escola
apresenta espaço de convivência arborizado, com
cadeiras, bancos de assentos utilizados com frequência
quando os pais e responsáveis acompanham os filhos
até a escola ou os aguardam no momento do retorno
para o lar [...]. A professora ensina no terceiro ano do
ensino fundamental. Dos 27 alunos, quatro estavam
ausentes. Ao adentrarmos, verificamos in loco as
constantes colocações de Lia referentes à incidência
dos raios solares no interior da sala de aula, devido
à existência de uma parede feita com cobogós e sem
nenhuma estrutura de controle da luz. Lia esclarece
que no turno da tarde a situação é mais desconfortável,
fez com que se improvisasse um anteparo de TNT
para amenizar as incidências dos raios solares. Para
se protegerem, os discentes precisam ficar deslocando
as carteiras, concentrando-se em espaços limitados,
onde há sombra. A sala não tem janelas, por isso, a
porta fica aberta, e a escassa ventilação se faz também
através da parede de cobogós e da meia-parede com
a sala vizinha (abertura aproximada de um metro).
Esse último detalhe tem como consequência a
propagação de ecos entre as salas de aula, suplantando
o diálogo sobre o conteúdo trabalhado. Apesar de
existirem quatro ventiladores instalados, apenas um
se encontrava em funcionamento. [...]. Destarte, a sala
vizinha parecia entender a enunciação presumida de
que era o momento de ceder e, assim, Lia prosseguia
com o ensino-aprendizagem. Lia iniciou a aula
cumprimentando os alunos, cuidando da organização
do ambiente físico. Prosseguiu chamando a atenção
dos discentes para a leitura do conto “A roupa nova do
imperador”. Encaminhou questionamentos referentes
ao conto, evidenciando os conhecimentos.

219
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Para esclarecer com mais detalhes, os procedimentos


da fase de observação, ilustramos com mais um exemplo reti-
rado da tese de Vieira (2017, p. 136):

A turma estava organizada em pequenos grupos.


Estiveram presentes neste encontro de formação 30
dos 32 professores alfabetizadores do 1º ano do ciclo
de alfabetização. O encontro de formação iniciou por
volta das 8h e, contrariando uma prática do grupo, não
foi apresentada a mensagem ou a leitura deleite como
forma de acolhida dos professores, sob a alegação de
que houve um problema com o armazenamento de seus
arquivos. Na sequência, Gato de Botas contextualizou
a turma quanto a um problema que estaria ocorrendo
nas escolas com relação à insuficiência de informações
sobre o andamento do Programa. Nesse sentido,
justificou para os professores a necessidade de
orientar quanto ao preenchimento da agenda, a fim de
organizar as informações que seriam coletadas pelas
técnicas da Secretaria, ao visitarem suas escolas. Esse
primeiro momento de orientação e de discussão sobre
a estrutura do programa durou pouco mais de uma
hora. Em seguida, Gato de Botas apresentou o que
ela denominou de exercício, que encaminhara para os
professores, via e-mail, a fim de que eles utilizassem
como suporte para avaliar as hipóteses de escrita de
seus alunos e alimentar as fichas e o sistema online
de coleta de dados, visando ao acompanhamento
do avanço da aprendizagem das crianças. Por fim, a
formadora entregou para o grupo tarjetas contendo
palavras do cotidiano do aluno e pediu para um grupo
ler para a turma identificar a palavra que constava na
tarjeta, de modo que a leitura deveria ser realizada,
verbalizando cada um dos fonemas que compunham
a palavra BOLA.

220
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

No processo de planejamento e de desenvolvi-


mento da observação colaborativa em seu movimento de
pós-observação, é necessário agir como o par mais expe-
riente na condução das discussões, possibilitando a criação
de um ambiente em que o professor, ao ser questionado,
possa expandir os conhecimentos sobre as práticas docen-
tes, conforme relatos a seguir.

MOVIMENTO DE PÓS-OBSERVAÇÃO

Na pós-observação, os partícipes têm a oportunidade


de confrontar e reelaborar as práticas por meio do movimento
de reflexão crítica desenvolvido, que tem como suporte meto-
dológico as ações de descrever, de informar, de confrontar e
de reelaborar.

A pós-observação, portanto, aliada às ações da refle-


xão crítica, possibilitam questionar e esclarecer as escolhas fei-
tas pelo professor no tocante à prática realizada, por exemplo,
o conteúdo, as questões elaboradas, material didático utiliza-
do, a organização e as interações na sala de aula.

Os exemplos a seguir denotam a importância da pós-


observação, para a compreensão das práticas desenvolvidas
pelos formadores, conforme realça Vieira (2017, p. 189):
Em face do contexto de formação delineado,
apresentamos as reflexões realizadas no encontro de
pós-observação:

— Sherazade: Que consequências tem a escolha do


tipo de conhecimento trabalhado na formação dos
professores alfabetizadores?

221
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

—Alice: Posso estar equivocada, mas eu acho que


uma das consequências é a autonomia. Autonomia,
porque uma vez que a coprodução, que esse trabalho
impulsiona, você está resgatando conhecimentos
teóricos para casar com a prática, então, eu acho que,
especialmente, a autonomia porque o propósito é... o
que eu vejo [...] exercício completo, exercício de me
voltar para a produção do meu aluno. Então, eu me
vejo, estou vendo a produção do meu aluno, ao invés
de cada texto daquele analisando, me vejo tanto no
aspecto até o que a gente já evoluiu com esse aluno,
mas muito do que eu preciso evoluir. Então, eu acho
que, especialmente essa questão da autonomia, ter
consciência do que eu estou fazendo, do que eu posso
fazer e qual é o melhor momento que eu posso fazer.
— Sherazade: Qual concepção de formação que a gente
estudou, tomando como base o texto de Liberali (2006)
que predominou?
Alice: Depois de tudo o que a gente disse, é formação
crítica, porque depois de tudo que a gente disse tem
que ser formação crítica, pode ter um pouco de cada
um, pode ter um pouco de cada um, mas eu acho que a
predominância que a gente falou aqui em autonomia, a
gente falou em relação teoria e prática.

A observação é um procedimento formativo, vez


que o professor, juntamente com a pesquisadora, desvela
as práticas fossilizadas e de que forma elas interferem na
produção da atividade de resolução de problemas mate-
máticos utilizados em sala de aula. O movimento reflexivo
não se limita a motivar a reflexão sobre a prática imediata
e sim criar condições para que os partícipes compreendam
o sentido social e político de suas ações e, ainda, as possibi-
lidades e limites para o desenvolvimento de práticas cria-

222
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

tivas na escola. Exemplo que esclarece o procedimento da


pós-observação foi retirado também da tese de Silva (2015,
p. 146), o qual realça as colocações expostas.

O Excerto 5, extraído da Primeira Sessão de Pós-


Observação, realizada no dia 17 de agosto de 2014,
apresenta a necessidade de explicitação da relação
teoria-prática de resolução de problemas matemáticos,
conforme demonstramos a seguir:

— Leda: Você desenvolve um trabalho muito criativo


(eu considero criativo), no momento que estava
acontecendo a filmagem deu para gente perceber que
há uma lógica, há uma sequência no trabalho que você
desenvolve e uma boa utilização do material [...]. Mas,
o que você acha que está faltando para você?

— Phardal: Na verdade, o meu trabalho, eu reconheço


que ele é uma ferramenta muito poderosa, tendo em
vista os vários anos de pesquisa, trabalhando com isso
aí, ele tem uma eficiência, ele tem uma eficácia muito
boa. Agora o que está faltando, para mim, é pegar os
referenciais teóricos para dar um embasamento lógico,
para essas coisas.

— Leda: Considerando tudo isso que foi colocado aqui,


que a gente viu na aula, hoje, quando eu cheguei, você
colocou da importância de buscar essa teoria. Você
considera que nós podemos, na atividade que nós
desenvolvemos, na prática que nós desenvolvemos,
nós podemos separar a teoria da prática? Uma é mais
importante do que a outra, o que você considera?

— Phardal: Eu considero que é um elo. Uma não vive


sem a outra. A prática vai vir depois de uma teoria bem
fundamentada. A gente acha, eu tenho certeza que

223
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

isso só acontece depois que houver esse elo de ligação


entre a teoria e a prática. E esse trabalho que a gente
desenvolve, a gente sabe que por trás, tem uma teoria
bem fundamentada, o que dá embasamento teórico,
para que nosso material seja fundamentado em pessoas
que estudaram e afirmam através de suas teorias que
esse trabalho, realmente, ele faz sentido e a estratégia
bem aplicada vai surtir efeito.

Silva (2015, p. 147), ressaltando o valor das questões


que desencadeiam a reflexão sobre a relação teoria e prática,
valoriza a explicitação das “[...] concepções que fundamentam
o agir do professor e serviram de marco inicial para as discus-
sões tratadas na Tese deste estudo, de que a problematização
possibilita o desenvolvimento de práticas criativas na reso-
lução de problemas matemáticos no ensino fundamental por
parte do professor [...]”.

Na pós-observação, o objetivo é favorecer a análise


das práticas filmadas e a discussão da teoria que fundamen-
ta essas práticas, conforme observamos no relato da tese de
Bandeira (2004, p. 157), sobre o episódio da pós-observação da
aula de Lia, que realça a relação entre o planejado e o realiza-
do concretamente:

Lida: Explique a intenção e a realização da aula.


Lia: [...] O objetivo é que os alunos utilizem o sistema de
medidas. O que fiz na sala? [...]. Na aula, os alunos foram
participando, [...] ajudaram a construir a aula [...] e foi
além do que eu havia planejado. [...]. Eles perguntaram
coisas que nem imaginei [...]. Não vou dizer que eles
aprenderam o assunto, a aula vai continuar [...]. Espero
que a aula influencie no meio em que eles vivem,
que saibam utilizar o sistema de medidas [...]. Paulo

224
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Freire destaca essa questão de o conhecimento partir


daquilo que a gente vivencia, como tem pais de alunos
pedreiros e mães costureiras, acredito que vai ajudar na
realidade deles, entra também a questão da interação.
No enunciado, Lia demonstra que houve avanço da aula
pensada para a realizada, evidenciando o encadeamento
do conteúdo na prospecção real da vida e no encontro
com autores que aludem ao conhecimento, privilegiando
atributos da dimensão humana e histórico-social,
conforme informa Freire (2007).

Esse procedimento propicia contextos para a forma-


ção dos partícipes por meio de reflexões sobre suas práticas,
explicitando-se, assim, a unidade teoria-prática. O processo
reflexivo que nele acontece leva o professor a refletir a sua
prática por meio da tomada de consciência das suas ações
(BANDEIRA, 2014).

No trecho da tese de Bandeira (2004, p. 157) a pós-


observação da aula de Lia realça a relação entre a aula plane-
jada e a realizada.

Lida: Explique a intenção e a realização da aula.


Lia: [...] O objetivo é que os alunos utilizem o sistema de
medidas. O que fiz na sala? [...] Na aula, os alunos foram
participando, [...] ajudaram a construir a aula [...] e foi
além do que eu havia planejado. [...]. Eles perguntaram
coisas que nem imaginei [...] Não vou dizer que eles
aprenderam o assunto, a aula vai continuar [...]. Espero
que a aula influencie no meio em que eles vivem, que
saibam utilizar o sistema de medidas [...]. Paulo Freire
destaca essa questão de o conhecimento partir daquilo
que a gente vivencia, como tem pais de alunos pedreiros
e mães costureiras, acredito que vai ajudar na realidade
deles, entra também a questão da interação.
No enunciado, Lia demonstra que houve avanço da aula

225
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pensada para a realizada, evidenciando o encadeamento


do conteúdo na prospecção real da vida e no encontro
com autores que aludem ao conhecimento, privilegiando
atributos da dimensão humana e histórico-social [...].
A atividade é caracterizada pelas relações produzidas,
perspectivando finalidade de operacionalização,
ocorrendo dependência das relações dos agentes do
processo de ensino-aprendizagem ao estabelecerem
interações objetivas e subjetivas. A objetividade
acontece, especialmente, quando a professora relaciona
o conteúdo do currículo com o contexto sócio-histórico
dos discentes. Lia não se limita à subjetividade da
profissão docente, tampouco a objetividade do sistema.
Tanto na objetivação, quanto na subjetivação, professora
e discentes estão presentes com suas necessidades, seus
motivos, seus objetivos e suas operações.

Destacamos que os relatos apresentados retratam


os movimentos da observação colaborativa na e sobre a
prática pedagógica, auxiliando tanto o pesquisador quanto
o professor na descrição do contexto da aula e das caracte-
rísticas dos alunos, tipo de turma, os objetivos trabalhados,
na informação e explicitação das opções teóricas, no con-
fronto entre a teoria e a prática e, consequentemente, na
reelaboração das ações em que se pode apontar caminhos
para novas práticas educativas.

Os movimentos explicitados fazem com que os


partícipes tenham oportunidade de discutir sobre conceitos
necessários para a condução do processo de ensino-aprendi-
zagem, promovendo oportunidades de análise da linguagem
utilizada na aula, dos objetivos e razões para agir, do contex-
to social, da escola, dos alunos e de suas necessidades, pos-
sibilitando o entendimento sobre o significado das escolhas
que fazemos na docência.

226
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

RETOMANDO AS DISCUSSÕES INICIAIS

A observação colaborativa concilia reflexão e ação,


pois é um procedimento que motiva os partícipes a reme-
morar sua prática por meio de um diálogo volitivo com a
realidade, auxiliando, ao mesmo tempo, a refletir e a pro-
duzir conhecimentos críticos e criativos sobre o processo
de ensinar-aprender.

Diante do exposto, reafirmamos que esse proce-


dimento auxilia na produção de pesquisas científica que
também visam à formação docente.

Na observação colaborativa, portanto, o movimen-


to de reflexividade desencadeado na discussão a partir das
ações da reflexão crítica propicia oportunidade de desen-
volvimento dos partícipes por meio da interação discur-
siva nela estabelecida e da negociação de pontos de vista
diferentes, bem como a reelaboração de práticas e de teo-
rias. Conforme os relatos, constatamos que na observação
colaborativa, a polifonia favorece a expressão de práticas e
teorias. Ouvir o outro, portanto, possibilita a compreensão
das práticas pedagógicas e o confronto e reelaboração com
o outro.

A observação colaborativa, para as autoras cita-


das, portanto, constitui-se em ambiente favorável e moti-
vador do processo crítico-reflexivo, pois permite que as
partícipes sentissem o desejo de mudar suas práticas e de
relacionar teoria e prática expressa no comprometimento
em aprimorar sua atuação no contexto da formação.

227
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BANDEIRA, H. M. M. Necessidades formativas de professores
iniciantes na produção da práxis: realidade e possibilidades. 248
f. Tese (Doutorado em Educação). – Programa de Pós-Graduação
em Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2014.
FORMOSINHO, João. A formação prática de professores: da prática
docente na instituição de formação à prática pedagógica nas escolas.
In : CAMPOS, Bártolo Paiva. Formação Profissional de Professores
no Ensino Superior. Lisboa: Porto Editora, 2001.
IBIAPINA, Ivana M L.de M. Docência Universitária: um roman-
ce construído na reflexão dialógica. Tese de Doutorado. UFRN:
Programa de Pós-graduação em Educação. 2004.
JACKSON, Ph. The practice of teaching. New York: Teacher College
Press, 1987.
LIBERALI, F. C. Formação crítica de educadores: questões funda-
mentais. Campinas, SP: Pontes, 2010.
PAIVA, M. Observação colaborativa: um caminho para a renovação
das práticas supervisivas no contexto da formação inicial de profes-
sores. In: ESTRELA, A.; FERREIRA, J. (Org.). A formação de profes-
sores à luz da investigação. Actas do XII Colóquio da AFIRSE. V. 1.
Lisboa: Universidade de Lisboa, 2002.
SILVA, E. do. N. Movimento de colaboração com um professor
de matemática: prática educativa problematizadora e sua relação
com as práticas criativas. 263 f. Tese (Doutorado em Educação). –
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Piauí, Teresina, 2015.
VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em Educação – a observa-
ção. Brasília: Plano Editora, 2003.
VIEIRA, H. M. Navegando nas significações da formação contí-
nua: quebrando o silêncio. 242 f. Tese (Doutorado em Educação).
– Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Piauí, Teresina, 2017.

228
PESQUISA, FORMAÇÃO E
PROFISSIONALIZAÇÃO: O QUE
NARRAM AS PROFESSORAS?

|| Maria do Socorro Brito de Oliveira

A formação de professores tornou-se importante e


crescente área de pesquisa no campo educacional. Do atual
contexto social, globalizado, capitalista e neoliberal, emergem
exigências de qualificação e atualização permanente, de aper-
feiçoamento profissional docente, na construção de aprendiza-
gens e de saberes, de habilidades e de competências em todas
as áreas, diante da complexidade da contemporaneidade que
apresenta novas demandas e desafios no século XXI.

A formação docente, conforme as reflexões tecidas


neste estudo, apresenta-se como temática de questionamentos
acerca dos saberes da prática com foco na profissionalização,
objeto da investigação. No pressuposto de busca de possíveis
respostas para estas inquietações, constata-se ser emergente
que os professores desenvolvam no processo profissional,
pessoal, social e cultural de saberes necessários no alcance da
emancipação, autonomia e identidade profissional de vertica-
lização da profissão como investimento na carreira.

229
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

As Pesquisas em Educação acerca da formação e


profissionalização na perspectiva da pesquisa narrativa do
método autobiográfico das histórias de vidas dos professores
sinalizam o memorial como um contexto formativo crítico-
reflexivo sobre a trajetória de vida pessoal e profissional
vivenciadas como experiências de afetos e revelam concep-
ções, crenças, ideologias, teorias e, sobretudo novos senti-
dos e significados. O Memorial é um dispositivo- registro/
escrito que potencializa lembranças memorialísticas refle-
xivas rememoradas e desveladas de conhecimento e trans-
formações de si.

A partir deste entendimento, o objetivo do estudo


é analisar a formação docente como elemento essencial de
construção dos saberes da profissão que promovem a pro-
fissionalização a partir das narrativas memorialísticas das
professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A
formação docente como elemento potencializador de sabe-
res profissionais da prática que promove a profissionaliza-
ção, entendida como um processo formativo não linear que
envolve duas dimensões específicas, a professoralidade e o
profissionalismo, aspectos internos e externos, respectiva-
mente, da profissão professor.

A construção de saberes necessários para a valo-


rização da profissão docente comporta aprendizagens
importantes que concorrem para profissionalização: os
sentimentos, investimentos pessoais, condições de traba-
lho, luta da categoria por melhores salários, são elementos
e desdobramentos que comprometem o desenvolvimento
pleno da trajetória profissional. Sobre a professoralida-
de, Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004), afirmam ser uma
dimensão que se articula com os saberes e conhecimentos
mobilizados na prática docente como componentes de des-

230
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dobramentos da profissão.

A relevância e pertinência do estudo sobre o tema,


considera que, segundo Brito (2007), tanto a formação docen-
te quanto as aprendizagens sobre o aprender/ensinar e o ensi-
nar/aprender oportunizadas pela formação, tem a articulação
entre a teoria e a prática como viés que valoriza a atitude cri-
tico-reflexiva, sendo esta elemento vital do fazer pedagógico
enquanto pratica social.

Este texto, como parte das experiências vivenciadas


no Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação da
UFPI , incorpora a compreensão que a formação docente tem o
desafio complexo de produzir conhecimentos, competências,
valores éticos inerentes à profissão; comporta destacar que o
aprender/ensinar, o ensinar/aprender, o aprender/aprender e
o ensinar/ensinar englobam o saber, o saber ser, o saber fazer,
o saber estar/permanecer e o saber conviver para responder às
demandas da profissão na contemporaneidade.

Daí consideramos, a formação profissional docente


se constitui espaço legítimo de credenciamento para o exer-
cício da profissão. Neste sentido, entendemos os processos
formativos para além da mera atividade técnica de transmis-
são de conhecimentos sobre o ensino, o que denota-se a real
necessidade de revisitação da função e do papel do profes-
sor, além do redimensionamento dos processos formativos,
notadamente da formação inicial e contínua, observando-se a
importância de se articular nesta formação as dimensões téc-
nicas, politicas, humanas e sociais.

A formação não se constrói por acumulação de cur-


sos de conhecimentos teóricos realizados na academia, mas
sim através de uma prática de reflexividade/criticidade sobre
as práticas e de reconstrução da identidade pessoal e profis-

231
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sional tendo como referência a construção e mobilização


dos saberes da experiência. (NÓVOA, 1995, p.25). Nesse
entorno, vale ressaltar que a reflexão/crítica como conheci-
mento/ base essenciais de sustentação da identidade profis-
sional do professor através das “práxis”. Imbernón (2010),
acredita que a formação profissional permanente fomenta
o desenvolvimento da profissão contribuindo com o aper-
feiçoamento e atualização.

O estudo insere-se na abordagem qualitativa, carac-


terizando-se como Pesquisa Narrativa. Essa modalidade de
investigação investe na rememoração das histórias de vida
dos narradores na perspectiva de despertar a autorreflexão
sobre diferentes dimensões da profissionalização docente

A Pesquisa Narrativa apresenta-se como possibilita-


dora de autoformação e de autoconhecimento, ressignificação
e reelaboração das práticas professorais. Como dispositivos
de produção dos dados foram utilizamos o memorial de
formação e as rodas de conversa. Narrativas de vida supõe,
entre outros aspectos, refazer mediante o exercício retrospec-
tivo, uma história de vida. Pela rememoração seletiva de suas
recordações, o sujeito vai contando sua história, vai compon-
do e recompondo etapas de sua vida entrelaçando o pessoal,
social e profissional. Nesse movimento, que inclui passado,
presente e futuro, pretendemos alcançar compreensões sobre
o processo de profissionalização de um grupo de professores
que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Desse modo, para efetivar a etapa de produção dos


dados da pesquisa, utilizamos dois dispositivos, considerados
formadores e propiciadores de reflexividade dos professores:
o memorial de formação e a roda de conversa.

232
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO
DOCENTE EM QUESTÃO

As reflexões tecidas neste estudo mostram que a


formação requerida no atual contexto aponta para o para-
digma da reflexividade e complexidade de formação do
professor. Sob o aspecto da formação do professor questio-
namos: como promover a formação do professor com base
no agir e no pensar reflexivo? Como estabelecer a articula-
ção entre a formação do professor e o exercício docente? Os
cursos de formação docente promovem através do currícu-
lo um ambiente necessário para que o acadêmico construa
suas habilidades e competências profissionais com relação
ao ato de aprender/ensinar?

Consideramos que a formação do professor está


desfiada a promover o exercício da prática crítico-reflexiva de
modo a estimular o professor a ter uma postura de intelectu-
al articulador de interações transformadora e formadora de
opiniões. Trata-se de um ofício intelectual. (GIROUX, 1997).
A partir da ideia do autor, entendemos que a intelectualida-
de é uma dimensão da profissão inerente de educadores res-
ponsáveis pela transformação social como projeto de “Ética
Universal” (FREIRE, 1998) projeto coletivo de conscientização
da realidade social na perspectiva de humanização através da
práxis dialógica.

O exercício da reflexão na prática docente de forma


consciente é uma das competências necessárias para um fazer
pedagógico que favorece a conquista da autonomia no desen-
volvimento da profissionalização. A respeito disto Freire
(1998) compreende que o ensino exige reflexão, como também
a crítica sobre a prática, implicando no pensar certo, na dialé-

233
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

tica como um processo dinâmico. O pesquisador reafirma que


ao assumir a postura crítico-reflexiva no cotidiano educativo o
professor em sua trajetória formativa compreende o processo
como algo inacabado e permanente. Freire (2005) ressalta: O
educador é o sujeito de sua prática, cumprindo a ele cria-la
e recriá-la. A formação do educador deve instrumentalizá-lo
para que ele crie e recrie a sua prática através da reflexão sobre
seu cotidiano devendo ser constante, sistematizada, porque a
prática se faz e se refaz continuamente. (FREIRE, 2005, p.80).

E o que é ser reflexivo e crítico? Ser um professor refle-


xivo, crítico e pesquisador é segundo Brito (2007, p.89). “[...]
adquirir uma postura fundamental para um fazer pedagógico
produtivo.” Afirma ainda, que ser professor requer, inclusive,
investimentos na trajetória profissional, assim melhores con-
dições de trabalho com o objetivo de aprimoramento das for-
mas de ser e de estar na profissão, o professor se depara com
questionamentos, ou até mesmo dúvidas, incertezas, dilemas
que muitas vezes, sem perceber, possibilitam o seu desenvol-
vimento profissional, ou seja, o cotidiano do trabalho docente
configura-se como um espaço importante do desenvolvimen-
to profissional (GARCIA, 2000).

Frente as considerações tecidas, o estudo sobre a


formação docente e profissionalização apontam para a com-
preensão de discutir a ressignificação, a reelaboração da prá-
tica educativa do professor como mobilizadora e produtora
de saberes docentes relativos a profissão e tem a ver o apren-
der a ensinar como processo que se desenvolve durante toda
trajetória de vida pessoal e profissional do professor configu-
rando-se como um paradigma de modelo formativo de pes-
quisa-ação. A pesquisa no processo de ensino/aprendizagem
postula a construção se saberes uma tendência de melhoria de

234
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

formação de professores, um movimento de profissionaliza-


ção e reestruturação da academia dos Cursos de Pedagogia na
formação inicial e continuada.

Nóvoa (1992) contribuindo com as discussões acerca


da importância dos saberes dos professores afirma “conceder
um estatuto ao saber emergente da experiência pedagógi-
ca dos professores”, o pesquisador reitera que os professo-
res constroem maneiras próprias de ensinar de articular os
saberes profissionais no desenvolvimento da formação e das
práticas experienciais. Que saberes são estes? Segundo Tardif
(2004) são saberes da formação, saberes pedagógicos, saberes
disciplinares, saberes curriculares e os saberes experienciais
como base do ofício docente, saberes que promovem a profis-
sionalização.

A formação em todos os seus níveis e dimensões, é


um dos elementos que promovem e mobilizam a profissiona-
lização construindo saberes e conhecimentos da complexa e
desafiante profissão (PERRENOUD, 1993) elevando o nível de
reflexão e qualificação, consolidando a identidade profissional
professoral fundamentando as práticas de ensino. A respeito
disso as professores em seus fazeres e seres desenvolvem em
pares a “práxis”, articulação teoria/ prática pautada e funda-
mentada na reflexão sobre si e sobre as ações do fazer docente
percebendo as dificuldades, incertezas e demandas da pro-
fissão como um aprendizado que resulta da complexidade
do trabalho que realizam e das condições contraditórias de
exercício da profissão provocando mudanças nas práticas dos
professores, sobretudo nos dias de hoje, cenário e contexto da
pós-modernidade, caracterizado por exigências de atualiza-
ção e qualificação assumindo um perfil político- crítico diante
da realidade de ser, fazer e estar na profissão.

235
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A formação profissional docente é desafiada á produ-


zir conhecimentos como eixo formativo no sentido de respon-
der ás demandas sociais da profissão no processo de ensina-
gem; como também, na superação/rompimento com formação
pautada na racionalidade técnica que forma o professor “exe-
cutor de tarefas”, uma formação meramente instrumental. A
compreensão do significado e sentido do processo de desen-
volvimento da Profissionalização como um movimento dinâ-
mico de desdobramentos que envolvem diferentes nuances
de conjugação de esforços individuais e coletivos no sentido
de construir uma identificação e pertencimento de uma cate-
goria profissional como forma de luta por valorização e reco-
nhecimento social. Sobre este movimento, Ramalho; Nuñez e
Gauthier ( 2004) enfatizam:

A profissionalização do professor implica, de um lado,


a obtenção de um espaço autônomo, um espaço que
é seu, onde ele possa transitar com certa liberdade
e de outro que a sociedade reconheça seu valor e a
necessidade de seu trabalho. [...] Isto significa que
não é qualquer um que pode exercer a profissão, mas
apenas aqueles que forem preparados e mantenham as
competências necessárias para tal. (2004, p. 54).

A partir das considerações dos autores, compreende-


mos que a profissão de professor é complexa e que compete a
produção de um conjunto de competências, valores, saberes e
aprendizagens como necessidade formativa ao longo da traje-
tória do exercício do magistério ressaltando que este não é um
carreira feita apenas de prática, mas demanda formação con-
tínua e continuada de aperfeiçoamento e credenciamento de
grupo profissional formador das outras profissões. A profissão
implica em definição de concepções, ideologias, aspirações

236
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

considerando as especificidades de ser professor como um


profissional de respeito e compromisso ético com um fazer e
um ser crítico/intelectual e que, segundo Romanowski (2007),
é uma profissão que exige tomar decisões, fazer escolhas, ter
determinação, foco e assumir desafios de comprometimento
com a mudança e transformação social. (p. 178).

CONCEPÇÕES SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE:


NARRATIVAS MEMORIALÍSTICAS EM ANÁLISES

A profissionalização docente não é um processo que


se desenvolve no interior dos organismos corporativos da pro-
fissão, mas sim nasce e se desenvolve através de um conjunto
de esforços de todos os professores em coletividade, colabo-
ração, na dinâmica da sinergia, pois, “Os professores devem
mudar sua maneira de olhar a profissão docente como sendo
uma atividade individual, para construir espaços coletivos de
reflexão, de estudo, de construção de saberes e de sua emanci-
pação socioprofissional.” (RAMALHO, NUNEZ, GAUTHIER,
2003, p.91).

Segundo Veiga (1998) a profissionalização docente


não é um processo que se produz de forma endógena, visto
que o processo envolve o esforço de uma categoria para efe-
tivar uma mudança tanto no trabalho pedagógico que desen-
volve, quanto na sua posição na sociedade. A concepção que
os professores concebem é que ser professor é uma carreira
funcionalista cada um cumpre a sua tarefa. Segundo Nóvoa
(1992, p. 28) “[...] os professores têm que se assumir como pro-
dutores de sua profissão.”

237
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Não basta mudar o profissional, é preciso mudar


também os contextos que ele intervém. Para que os contextos
de intervenção dos professores sejam transformados é neces-
sário que os professores sejam protagonistas para tanto pre-
cisam de autonomia, sendo que o professor dos anos iniciais
ainda se vê como um técnico, um cumpridor de tarefas em sua
sala de aula não entende e não é consciente de que a profissão
docente envolve uma dinâmica bem mais ampla.

De acordo com as narrativas de alguns professores a


concepção da profissão docente ainda está ligada a missão e
responsabilidade social, uma carreira que se alicerça no apoio
coletivo de conhecimentos, saberes e no eterno aprendizado
como profissional da educação, de acordo com os relatos:

Na nossa profissão sempre teremos algo a aprender e


a ensinar, pois através dos estudos podemos evoluir
como profissionais e seres humanos. (Francinete).

A minha maior alegria é quando chega o final do


ano, a pedagoga faz os testes finais de leitura e eles
conseguem ler e escrever. então para mim eu já ganhei
o meu presente, pois, de alguma maneira, eu estou
dando a minha contribuição. (Telma)

Assim os professores se configuram e se reconhecem


não como mero executores de atividade e não são os
meios necessários para efetivação das atividades que
envolvem a educação, e a profissão começam com sua
missão histórica e social. (Adélia).

As narrativas sinalizam que ao longo do tempo pro-


duzimos diferentes narrativas sobre a mesma história uma
vez que, cada espaço/tempo da vida narrada não é exatamente
igual, aspecto que se explica pela seletividade da memória,
ou seja, a maturidade implica às vezes, ao que narramos na

238
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

primeira vez. Aspectos que explica porque narrar implica, às


vezes, omitir fatos, fazer emergir questões encobertas ou mes-
mo reelaborar nossas histórias, nossos percursos. Justificamos,
portanto, o emprego da pesquisa narrativa como formato
metodológico deste estudo.

De acordo com Penin (2009) profissão docente exi-


ge muito mais do cumprimento de tarefas, ser profissional
significa tomar decisões, portanto, pressupõe algum com-
promisso ético:

[...] O professor precisa entender que sua tarefa deve


estar comprometida, no mínimo, de duas formas:
que o espaço da escola realmente seja um espaço de
continuidade educativa e que, portanto, o profissional
tenha um conjunto de valores que o orientem a intervir
na educação e a compartilha-la com seus companheiros
e, portanto, a ideia de projeto educacional e de algo
cooperativo e colaborativo é essencial.

Se a profissão docente é compreendida e concebi-


da dessa forma, de acordo com a pesquisadora, a cultura
que predominará no interior da categoria é de coletividade
equipe conjunto. Diante dessas realidades em que os pro-
fessores se defrontam, pode-se falar ainda de “carga mental
de trabalho”, resultado de dois fatores complementares: a
natureza das exigências objetivamente exercidas pela tare-
fa e as estratégias adotadas pelos atores para adaptar-se a
elas. Essas estratégias podem gerar um esgotamento quan-
do os professores não controlam seu ambiente de trabalho
e se veem submetidos, por exemplo, mudanças repentinas
no número de alunos, uma redução dos recursos disponí-
veis, etc. (TARDIF e LESSARD 2005).

239
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Segundo os teóricos que se leve em consideração e


que possam se refletir sobre como os professores lidam com
os fenômenos ocorridos com base nas condições de trabalho e
quais as intervenções que eles executam e elaboram para assu-
mi-las “[...] temos que levar em conta a idade, o tempo de pro-
fissão, a formação, sua experiência, a visão sobre o seu papel e
sobre a docência como profissão, o gênero já que as mulheres
que são a maioria do corpo docente muitas das vezes tem que
encarar uma dupla tarefa no trabalho e em casa, etc.” Sobre
isso, Perrenoud (1993) afirma: “A profissionalização docente
é um acesso a capacidade de resolver problemas complexos
e variados pelos seus próprios meios” e conclui dizendo: “A
profissionalização não é uma aventura solitária. Passa por
uma cooperação mais intensa e livremente assumida.”

ASPECTOS QUE CONCORREM COM A


FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

A interlocutora Adélia relembra sua trajetória profis-


sional refletindo sobre a formação profissional, sobre a prática
e sobre as teorias construídas a partir dessa formação. Na aná-
lise da narrativa da interlocutora serão contemplados os três
eixos temáticos apresentados na figura 01: a) Como os pro-
fessores concebem a profissão, b) Aspectos da formação que
concorrem para a profissionalização docente e c) Condições
de exercício da profissão.

Em relação primeiro eixo a interlocutora narra: “[...]


comecei a perceber que era necessário na minha prática peda-
gógica um diálogo de reflexão técnica com a reflexão práti-
ca, compreendi que esse movimento iria permitir na minha

240
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

prática uma reflexão crítica que se fundamenta na perspectiva


de transformação social”. O relato mostra que a professora
entende que a profissão docente não se limita à dimensão téc-
nica. Entende que ensinar possui diferentes funções sociais e
articula dimensões técnica, humana e político-social.

Quanto às expectativas em relação à profissão docen-


te a professora reconhece que por meio da educação é possível
pensar em mudança e transformação social. Em suas reflexões
toma como elemento de análise sua própria história de vida
profissional ao perceber as mudanças de concepções que afe-
taram sua prática.

A interlocutora Adélia relembra sua trajetória


profissional refletindo sobre a formação profissional, sobre
a prática e sobre as teorias construídas a partir dessa for-
mação. Na análise da narrativa da interlocutora serão con-
templados os três eixos temáticos apresentados: 1- Como
os professores concebem a profissão, 2- Aspectos da for-
mação que concorrem para a profissionalização docente e
3- Condições de exercício da profissão.

Em relação primeiro eixo a interlocutora narra: “[...]


comecei a perceber que era necessário na minha prática peda-
gógica um diálogo de reflexão técnica com a reflexão práti-
ca, compreendi que esse movimento iria permitir na minha
prática uma reflexão crítica que se fundamenta na perspectiva
de transformação social”. O relato mostra que a professora
entende que a profissão docente não se limita à dimensão téc-
nica. Entende que ensinar possui diferentes funções sociais e
articula dimensões técnica, humana e político-social.

241
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Quanto às expectativas em relação à profissão docen-


te a professora reconhece que por meio da educação é possível
pensar em mudança e transformação social. Em suas reflexões
toma como elemento de análise sua própria história de vida
profissional ao perceber as mudanças de concepções que afe-
taram sua prática. Compreende a profissionalização como um
processo de construção de saberes e fazeres na conquista de
autonomia e emancipação do professor.

No mestrado em educação na Universidade Federal


do Piauí consolidei a compreensão que a racionalidade
formativa que se almeja, deve criar um movimento
que propicie aos professores a construção de saberes
e fazeres pedagógicos, com bases nas necessidades e
desafios que o ensino como prática social lhes coloca
no cotidiano. (professora Adélia).

No que concerne à concepção sobre a profissão


professor, a professora Adélia que o ensino não se resume a
uma atividade meramente técnica instrumental, entende que
ensinar possui uma função social, função que pode ser tanto
na perspectiva de reprodução da realidade e de transforma-
ção da mesma, reconhece que a formação é um processo te
construção de saberes e fazeres na conquista de autonomia e
emancipação do professor.

Suas expectativas com relação às condições de exer-


cício da profissão docente retratam, a necessidade de abertura
da escola para experiências de compartilhamento de práticas
de afetos e de conhecimentos e aprendizagens como compo-
nentes importantes na trajetória pessoal e profissional. Nos
relatos seguintes, as professoras continuam falando da impor-
tância da formação profissional para atuação na profissão.

242
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A UFPI estava oferecendo a Graduação para quem não


tinha ainda e nessa eu fiz, foi muito proveitosa, pois
estudar já trabalhando na área foi uma das melhores
coisas que aconteceu na minha vida. Logo em seguida
também fiz a Especialização em Alfabetização. Esses
momentos foram muito proveitosos, porque como eram
todos profissionais da mesma área, além de aprender
novos conhecimentos, havia uma troca de experiências,
com isso ganhávamos nós os educadores, mas também
os alunos educandos, pois buscávamos inovação em
nossa prática pedagógica, novas metodologias iam
surgindo. (Professora Eunir )

De acordo com as narrativas das professoras


Francinete e Sueli, os processos formativos contribuem para o
crescimento pessoal e profissional dos docentes dos anos ini-
ciais do Ensino Fundamental, veja o relato da colaboradora:
A formação inicial e a continuada tem contribuído muito
para meu desenvolvimento pois, vivencio experiências,
construo conhecimentos e compartilho novas formas
de pensar e agir. (Professora Francinete).

Passei os quatro anos e meio dedicados aos estudos


na Universidade Federal, teorizava o ser professora, desmis-
tificava conceitos e com um pouco de conhecimentos fui ama-
durecendo como professora mais consciente do que era ser e
estar na profissão. (Professora Sueli).
A formação permite ao professor colocar-se em con-
dição de diálogo com as circunstâncias, de compreender as
contradições, as incertezas, os desafios, de articular grada-
tivamente adquirindo uma postura política frente ao com-
promisso de ser professor; assim, um sujeito que relata,
observa, discute, questiona o uso de procedimentos, estra-
tégias da prática.

243
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos objetivos, o percurso desta investiga-


ção possibilitou o reconhecimento de que a profissionaliza-
ção docente se desenvolve através de movimentos não line
ares e depende de investimentos formativos dos professo-
res e das instituições formadoras na construção de saberes
com base na formação inicial e continuada, nas experiên-
cias pessoal e profissional e nas relações entre os pares em
colaboração. Implica em conceber a profissão docente como
uma dinâmica que exige e requer investimentos no sentido
de observar fatores externos e internos que interferem no
pleno desenvolvimento da profissionalização, a professo-
ralidade e o profissionalismo.

Entendemos que uma prática reflexiva como pos-


tula os pesquisadores estudados não consiste num conjun-
to de passos ou procedimentos específicos, ser reflexivo é
uma maneira de ser do professor uma postura de interven-
ção, um comprometimento construído através de uma tra-
jetória de vida pessoal e profissional enquanto formador
de/formandos pautado na reflexão na ação, sobre a ação e a
reflexão sobre a reflexão na ação. Sendo fundamental para
o desenvolvimento do autoconhecimento e autoformação
do professor. Um profissional-pesquisador que reflete e
pesquisa sua prática educativa.

Consiste numa prática docente de qualidade com


respeito a democracia, diversidade e inclusão e promoção
social; o que consideramos um desafio complexo, porém
uma real necessidade de exigência social levando em conta
variáveis quanto as condições reais de trabalho, a formação

244
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

profissional, as limitações pessoais do professor e de alu-


nos, as diversidades e as adversidades do saber docente;
devendo ser esta a postura dos professores reconhecedores
da importância e relevância do contexto da sala de aula
como aquele que possibilita a efetivação de um exercício
docente que acredita na transformação social.

Entende-se, que o desenvolvimento do estudo afe-


tou-me de modo pessoal e profissional, pois este se cons-
tituiu uma caminhada de muitas contradições e incertezas
mas de muito aprendizados. Enfatizamos ser necessário a
discussão, implantação, execução e avaliação constante das
políticas públicas de valorização do magistério como for-
ma de luta contra a precarização que desprofissionalização
do professor com isso perde-se autonomia e prestígio com
relação as outras profissões.

No entendimento que a formação profissional


docente deve ser vista como um processo contínuo man-
tendo princípios éticos, didáticos e pedagógicos, é preciso
haver uma articulação entre a formação inicial e permanen-
te em que o docente deve ser visto como um profissional,
não como um simples cumpridor de tarefas estabelecidas
sem questionar e refletir sobre si, sobre seu fazer docente,
sobre o contexto que atua e sobre a sociedade.

A formação na interface com a construção de sabe-


res consiste como um elemento da professoralidade como
sujeitos do conhecimento e tem a missão de formar pessoas
e que se reconheçam com competência para tal [...] e que
o trabalho do professor exige conhecimentos específicos a
sua profissão. (TARDIF, 2014, p. 240 e 241) O autor trata

245
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

os saberes como diferentes aprendizagens que contribuem


para o movimento da profissionalização; saberes desenvol-
vidos pelos processos formativos, inicial e continuado e no
cotidiano do seu fazer professoral. O autor discorre a res-
peito dos saberes docentes e sua relação com a profissão;
parte da ideia da pluralidade e dimensões dos saberes, dis-
ciplinares, curriculares, experienciais e saberes profissio-
nais destacando a importância de todos eles no desenvol-
vimento da profissão como um ofício de saberes. Portanto,
a dimensão do que somos como professor e de como exer-
cemos e fazemos a profissão determina a valoração e con-
cepção da mesma como um território de lutas, conflitos,
resistências e desdobramentos coletivos de valorização e
reconhecimento social de conquista da profissionalização.

REFERÊNCIAS
BRITO, A. E. Formar Professores: rediscutindo o trabalho e os sabe-
res docentes. In: MENDES SOBRINHO, J. A. C; CARVALHO, M. A.
(Org.). Formação de professores e práticas docentes: olhares con-
temporâneos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
BRITO, A. E. Sobre a formação e a prática pedagógica: o saber, o
saber ser e o saber fazer no exercício profissional. In: MENDES
SOBRINHO, J. A. C (Org.). Formação e prática pedagógica: dife-
rentes contextos e análises. Teresina: EDUFPI, 2007.
FREIRE, P. e NOGUEIRA, A. Que fazer: teoria e prática em educa-
ção popular. 8ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Atica, 1998.
GARCIA, C. M. Formação de professores: para uma mudança edu-
cativa. Porto: Porto Editora,2000.

246
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas


contemporâneas sobre o saber docente. 2 ed. Ijuí: Editora Unijuí,
2006.
GIROUX, H. Os professores como intelectuais: rumo a uma peda-
gogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
IMBERNÓN, F. Formação continuada de professores. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
NÓVOA, A. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992.
NÓVOA, A. Os Professores e a sua formação. Lisboa; Publicações
Dom Quixote, 1995.
PENIN, S. T. S. Profissão docente: Salto para o futuro. Rio de
Janeiro, v.14, n. 1, p. 2-2, out.2009.
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas profissão docente e forma-
ção: perspectivas sociológicas. Lisboa, Publicações Dom Quixote,
1993.
RAMALHO, B.; NUÑEZ, I. & GAUTHIER, C. Formar o professor,
profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios. Porto Alegre:
Sulinas, 2004.
ROMANOWSKI, Joana Paulin. Formação e Profissionalização
Docente. Curitiba: IBPEX, 2007.
SOUZA, E.C. ; BRAGANÇA, I.F.S. (Orgs). Memórias, dimensões
sósio-históricas e trajetórias de vida. Porto Alegre: Ed. IPUCRS;
Natal: Ed. UFRN; Salvador: Ed.UNEB, 2012.
SOUZA, E.C. O conhecimento de si: estágio e narrativas de forma-
ção de professores. Rio de Janeiro: DP&A; Salvador, BA: Ed. UNEB,
2006.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17. Ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
TARDIF, M. LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para
uma teoria da docência como profissão de interações humanas. 6
ed. RJ: Vozes, 2004.
VEIGA, L. P. A. (Org.) Caminhos da profissionalização do
Magistério. Campinas: Papiros, 1998.

247
PESQUISAR E FORMAR: DESPERTANDO
A CRITICIDADE ARGUMENTATIVA A
PARTIR DE NOTÍCAS

|| Michelly Cristiny Soares - UERN


|| Marlucia Barros Lopes Cabral - UERN

Compreendendo que há uma estreita relação entre a


formação do professor e sua prática docente, o que vivencia-
mos no processo formativo e de pesquisa junto ao Mestrado
Profissional em Letras – PROFLETRAS, no Campus Avançado
Prefeito Walter de Sá Leitão – CAWSL, da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte, possibilitou ressignificar
nossa prática docente.

Neste artigo, fazemos um recorte da pesquisa intitu-


lada “A coerência textual no artigo de opinião: uma proposta
de intervenção”, que objetivou “analisar as contribuições da
intervenção na prática de ensino-aprendizagem da coerên-
cia textual, na produção do artigo de opinião, mediada por
Oficinas de Letramento”.

Vislumbramos, neste artigo, refletir sobre uma das


práticas efetivadas no estudo dissertativo, que objetivou con-
tribuir para desenvolver/ampliar as habilidades dos partici-
pantes da pesquisa, referentes à coerência no artigo de opinião,

248
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

em uma perspectiva crítico-reflexiva, mediada por Oficinas de


Letramento (CABRAL, 2016).

Assim sendo, as atividades desenvolvidas nas


Oficinas buscaram incentivar aos alunos à autonomia na
construção do conhecimento, de modo a favorecer o posi-
cionamento crítico-reflexivo deles, para com isso obterem
informações que possibilitassem construir argumentos
para opinarem, coerentemente, no processo de produção
textual, a partir de notícias de textos jornalísticos sele-
cionadas por eles, semanalmente, aguçando a criticidade
argumentativa reflexiva desses discentes.

À vista disso, partimos do entendimento que por


meio da investigação de textos produzidos pelo aluno, a partir
da análise de notícias, podemos detectar dificuldades e saber
como melhor proceder diante dos desafios que são apresenta-
dos durante o processo de construção conjunta das Oficinas
de Letramento - OL. Portanto, surgiu a necessidade de incen-
tivar o uso da criticidade argumentativa dos alunos, fazendo
uso de notícias jornalísticas.

Embasados em Gonçalves, (2004) averiguamos diver-


sas possibilidade do uso do jornal para trabalhara a argumen-
tatividade, pois segundo o estudioso:

[...] o jornal pode cumprir a função de informar e


despertar o desejo constante por mais informações ou
ser utilizado apenas como um material meramente
didático para pesquisa ortográfica, por exemplo.
Cabe ao professor, ao utilizar o texto jornalístico,
discutir a notícia com seu senso crítico de cidadão
pertencente à sociedade e assim contribuir para o
desenvolvimento do aluno no pensar, sentir e agir
(GONÇALVES, 2004, p. 134).

249
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A partir do hábito de escrever criticamente sobre o


que assistem ou leem em jornais, pretendíamos aguçar a cri-
ticidade argumentativa dos alunos, como também a reflexão
sobre o que está acontecendo ao redor deles. Nesse sentido, a
leitura de textos jornalísticos é valiosa no sentido de contribuir
com a “formação de leitores que tenham consciência crítica do
que ocorre na sociedade” (GONÇALVES, 2004, p.244).

Diante disso, realizamos a OL amparados nas pes-


quisas de Cabral (2016), Gonçalves (2004), Koch; Travaglia
(2011) com o intuito de atingir os objetivos mencionados
anteriormente. Para tanto, analisaremos os dados obtidos em
nossa OL discutindo as melhorias, no tocante do aspecto da
exposição de ideias em defesa de argumentos relacionadas à
coerência textual dos textos produzidos por nossos alunos.

PERCURSOS METODOLÓGICOS

Nosso estudo segue os pressupostos metodológi-


cos da pesquisa-ação, de natureza qualitativa. Como tal, “[...]
têm como preocupação fundamental o estudo e a análise do
mundo empírico em seu ambiente natural. Nessa abordagem
valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com
o ambiente e a situação que está sendo estudado” (GODOY,
1995, p. 62).

No que se refere à pesquisa-ação, Thiollent (2008, p.


14) a define como sendo

[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é


concebida e realizada em estreita associação com uma

250
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ação ou com a resolução de um problema coletivo e no


qual os pesquisadores e os participantes representativos
da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo.

Assim compreendendo, a presente pesquisa se desen-


volveu na nossa própria sala de aula. Nesse sentido, a pes-
quisadora e os partícipes estavam envolvidos no processo
e, juntos, trabalharam para consolidar mudanças, apri-
morando as práticas de ensinar e de aprender a produzir
argumentos coerentes, notadamente na tessitura de artigos
de opinião. Nesse intento, também nos fundamentamos
nos pressupostos teórico-metodológicos das Oficinas de
Letramento (CABRAL, 2016).

As Oficinas de Letramento – OL - são embasadas nas


ideias de Leontiev (1978, 1988), referente à Teoria da Atividade;
Vigotsky (1988, 1989, 2000, 2003), relativas à mediação e às
zonas desenvolvimento; Freinet (1977, 1975 e 1979), acerca de
Oficinas Pedagógicas;Kleiman (2000, 2005) e Oliveira; Tinoco
e Santos (2014), atinentes aos Projetos de Letramento, entre
outros estudiosos dos atuais estudos do letramento (Kato
(1987, 1999), Kleiman (2005, 2006, 2012), Tfouni (2004), Soares
(2012, 2015), Rojo (2009), por exemplo),e dos gêneros textuais/
discursivos, tais como: Bronckart (1999, 2003), Meurer (2005),
Bazerman, Hoffnagel e Dionísio (2006), Marcuschi (2006,
2008), Machado (1998), entre outros (CABRAL, 2016).

Sob essas bases, Cabral (2016, p. 514) conceitua as


Oficinas de Letramento como sendo

251
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Proposta de sistematização de atividades de ensino-


aprendizagem da leitura e da escrita, concebidas
como práticas sociais, centradas nos usos reais e
contextualizados da linguagem, materializadas em
quatro passos, a saber: diagnóstico dos conhecimentos
prévios, interesses e necessidades formativas do
aprendiz; sistematização das atividades motoras;
sistematização da (re)construção dos novos
conhecimentos e avaliação do processo.

Para a efetivação do primeiro passo das Oficinas


é necessário a construção de dados que servem de ponto de
partida para sistematização das atividades que envolvem,
volitivamente, os alunos no processo ensino-aprendizagem.
Nessa linha, a autora acima referendada sugere a utilização
de alguns instrumentos metodológicos:

[...] a observação participativa, com a escuta atenciosa


aos diálogos que se instauram no contexto escolar;
com a elaboração, aplicação e análise de questionários
ou entrevistas individuais ou em grupo focal; com
a análise das respostas oralizadas e das produções
escritas dos alunos; com notas de campo ou diário
produzido pelo professor a partir da interação com os
alunos e dos alunos entre si, entre outras atividades
(CABRAL, 2016, p. 522).

Esses instrumentos vêm ao encontro do que, geral-


mente, são utilizados em pesquisas de natureza qualitativa,
como é o caso da nossa.

252
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

PERCURSOS TEÓRICOS

Abaurre (2012) e Gadotti (2007) coadunam suas


ideias, ao concordarem que ao produzirmos um texto deve-
mos levar em conta o perfil dos leitores ao qual o texto se des-
tina. Ademais, ao escrever realizamos um processo mental de
reconhecimento de informações prévias, seleção de informa-
ções pontuais, dados. Tudo relacionado de acordo com as
características do gênero que nos dispusemos a escrever.

Na verdade, a elaboração do trabalho escrito


depende de “uma série de operações e não do ato isolado”
(ANTUNES, 2009, p. 167). Assim, para que haja uma escri-
ta efetiva, nossos alunos precisam saber o que vão dizer,
estímulo que se traduz na escrita depois de discussão pré-
via de informações e dados, planificação escrita e reescrita.
Portanto, construindo ideias que levem à produção de um
texto significativo e coerente (ANTUNES, 2009), adequado
às características específicas do gênero.

Nessa linha, é relevante enfatizar que, no processo


de produção textual, o produtor precisa fazer uso da coe-
rência temática, como também, da coesão. Nesse sentido,
os operadores argumentativos são de grande utilidade.
Outro fator essencial é o autorcompreender as caracterís-
ticas desse gênero, como: argumentatividade, verbos em
presente de indicativo, análise, avaliação e resposta de
questões controversas (KÖCHE, 2014).

Quando se trata da produção de artigos de opi-


nião, outro ponto que se faz presente é a coerência textual,
que nada mais é do que a possibilidade de se estabelecer

253
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sentido ao texto. No entanto, a realidade não é tão simples


assim. Segundo Koch; Travaglia (2015) existem seis tipos de
coerência textual. Elas são responsáveis pelas relações de
sentido do texto como um todo, a saber: sintática, semân-
tica, temática, pragmática, estilística e genérica. Todas de
grande importância na construção de sentidos do texto.

Por meio da coerência se pode estabelecer uma


série de fatores relacionados ao princípio de interpreta-
bilidade do texto. Eles se constituem do conhecimento de
mundo, conhecimento partilhado, inferências, pragmática,
situcionalidade, intencionalidade, aceitabilidade e inter-
textualidade. Assim sendo, “a coerência não é apenas uma
característica do texto, mas depende fundamentalmente da
interação entre o texto, aquele que o produz e aquele que
busca compreendê-lo” (KOCH; TRAVAGLIA, 2011, p. 38).

DESPERTANDO A CRITICIDADE ARGUMENTATIVA


A PARTIR DE NOTÍCIAS: DESCREVENDO A
EXPEIRÊNCIA

Como informamos, a intervenção na prática de


ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa se efetivou por
meio das Oficinas de Letramento. Assim, a realização do diag-
nóstico dos conhecimentos prévios, interesses e necessidades
Formativas foi materializado por meio de uma entrevista de
grupo focal, com a qual foi possível perceber o interesse dos
discentes pelo gênero notícias e, também, construir informa-
ções sobre conhecimentos internalizados pelos alunos refe-
rentes a esse gênero textual/discursivo, averiguando o hábito

254
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

que a classe tinha em consumir/produzir notícias.

A maioria dos estudantes, participantes da pesqui-


sa, afirmaram não consumir/produzir.A partir dessa res-
posta perguntamos se alguém conhecia FOCOELHO (Blog
sensacionalista popular da cidade de Assú), ou CADERNO
DE OCORRÊNCIAS (programa de rádio jornalístico policial
popular na cidade). Todos disseram que sim e os que não
assistiam frequentemente às vezes viam por seus pais também
assistirem.

O primeiro passo das OL envolveu os alunos nas fluí-


das discussões, despertando o interesse volitivo deles por pro-
curarem saber mais sobre os assuntos trabalhados. Também
contribuiu para a consolidação do segundo momenta das OL,
a sistematização das atividades motivadoras.

Como motivação, combinamos com os alunos que,


uma vez por semana, escolhessem uma notícia de nível nacio-
nal para analisar criticamente, destacando suas opiniões sobre
os fatos ocorridos. Os assuntos a serem analisados partiriam
do interesse dos alunos, levando em conta seus gostos, che-
gando aos novos conhecimentos construídos. A única regra
é que as notícias teriam que ser a nível nacional. Tarefa rea-
lizada, partimos para o terceiro passo, sistematização da (re)
construção dos novos conhecimentos.

Nessa fase, a mobilização das habilidades e interesses


dos alunos foi imprescindível para ampliar seus conhecimen-
tos, construindo e reconstruindo novos saberes. Nesse aspec-
to, foi proposta a construção de um caderno coletivo de notí-
cias. Assim sendo, cada aluno ficava uma semana responsável

255
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pelo caderno e teria que tecer um comentário crítico sobre a


notícia que escolhesse, deveria colocar a manchete, imagem e
opinião. O argumento poderia ser de uma notícia de jornal ou
internet, já a imagem, poderia ser impressa ou desenhada.

Os discentes desenvolveram com responsabilidade


e autonomia as atividades. Isso ficou comprovado no quarto
passo das OL, avaliação do processo, fase concebida de forma
processual e dinâmica. O trabalho colaborativo vivenciado
possibilitou aos alunos fazer importantes pesquisas e cons-
truir cadernos de notícias, reconstruindo o processo de refle-
xão crítica na produção das opiniões, por meio da seleção e
leitura de notícias.

Assim, a partir da proposta de Oficina de Letramento


de Cabral (2016), trabalhamos junto com nossos alunos. “Então,
ao associar a noção do letramento no contexto escolar, agre-
gamos a realidade às necessidades da escrita que circundam
o mundo do aluno e tornamos as aulas de produção textual
agradáveis e produtivas” (NETA SOUZA, 2018, p. 30).

AS OFICINAS DE LETRAMENTO: A
SISTEMATIZAÇÃO DO PROCESSO
DE ENSINAR E APRENDER

Iniciamos nossa oficina conversando e sondando com


a classe sobre o hábito que tinham de assistir notícias. Com
isso, demos continuidade a nossa oficina propondo a tarefa
de os alunos assistirem jornais de âmbito nacional ou pesqui-
sarem notícias pela internet. No começo não gostaram mui-

256
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

to, daí explicamos que a tarefa fazia parte das Oficinas e que
trabalharíamos uma nova metodologia, na qual eles seriam
protagonistas. Compreendendo a proposta, resolveram cola-
borar. Antes disso, perguntaram como queríamos a pesquisa
e quando deveria ser entregue.

Respondemos que toda semana era para entrega-


rem uma opinião sobre uma notícia de escolha deles, con-
tanto que fosse de abrangência nacional, para nos respal-
darmos sobre essa exigência, explicamos que as redações
de exames nacionais sempre exigiam temas relacionados
a nosso país. Assim, quando chegasse o momento deles se
submeterem a algum concurso, ficaria mais fácil para pro-
duzirem as redações exigidas.

Como era só um comentário sobre uma notícia


pesquisada por eles, a produção não deveria passar de cin-
co linhas, não era para ser uma cópia da notícia original,
mas o que eles achavam sobre ela. Se algum não conseguis-
se imprimir a notícia poderia desenhar. Portanto, todas
teriam que ter manchete, imagem e opinião. Para não restar
nenhuma dúvida trouxemos um exemplo de como deveria
ser a produção deles.

A primeira oficina, embora se apóie na pesquisa e


leitura de notícias jornalísticas, não se prendeu a trabalhar
esse gênero de forma profunda, mas sim despertar a critici-
dade reflexiva argumentativa dos alunos, por meio do posi-
cionamento deles, através das notícias pesquisadas. Abaixo
temos um dos exemplos utilizados:

257
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

FIGURA 1 – Notícia

FONTE: https://www.cartamaior.com.br. Acesso em 15 de julho de 2018.

Além dos exemplos, explicamos aos alunos as prin-


cipais características do texto jornalístico, expomos alguns
exemplos de jornal, como também sua formatação. Fizemos
uma entrevista em grupo focal para averiguarmos o que eles
entendiam sobre a imagem acima. Incentivamos os alunos a
dar possíveis respostas que explicassem o que aconteceu com
a pessoa da imagem.
Durante todo o ano de 2018, o aluno era motivado a
opinar e pesquisar sobre as notícias que mais lhe interessasse.
Ainda referendando a explicação trabalhada com os alunos,
Gonçalves, (2004), enfatizava de forma resumida, característi-
cas do jornal, a saber:

A leitura de um jornal torna-se mais proficiente


ao saber-se que lide é o nome dado ao resumo
inicial, constituído pelos elementos fundamentais
do relato a ser desenvolvido no corpo do texto,
informando o quê, quem, quando, onde, como

258
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

e por que (embora não necessariamente a todas


elas em conjunto). Matéria denomina tudo o que é
feito para ser publicado, por um jornal ou revista,
incluindo texto e ilustrações. Notícia é o relato de
fatos ou acontecimentos atuais e de interesse para
a comunidade. Reportagem nomeia o conjunto das
providências necessárias à confecção de uma notícia
jornalística [...] (GONÇALVES, 2004, p. 83).

Embasados nessa ideia, demos continuidade as OL


e o que íamos trabalhando ganhava mais adesão volitiva dos
alunos, que passaram a trazer as notícias e, a partir delas o
debate fluía de forma envolvente. Temas como o tabagismo,
as drogas, as desigualdades econômicas e sociais fomentavam
as discussões que partiam de uma notícia nacional, mas eram
relacionadas com o cotidiano e o entorno dos alunos. A seguir,
apresentamos algumas das notícias trazidas pelos alunos:

FIGURA 2- Cartaz com notícia sobre tabagismo trazida pelos


alunos

FONTE: acervo da pesquisa

259
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Apesar de na figura 2 podermos notar problemas na


pontuação e ortografia, o além do propósito sociocomunitavo
ser atendido, o aluno cumpriu a tarefa de trazer a manchete,
imagem e opinião. Mais importante ainda é o fato de ele emitir
sua opinião, ressaltando que as pessoas estão fumando mais
e que isso traz malefícios à saúde. Essa ideia gerou reflexões e
culminou com a assertiva da necessidade de conscientização.

Consoante a essa ideia, Gonçalves (2004, p. 27) des-


taca que a leitura de notícia na escola não deve ser utilizada
apenas para produção de resumo, pois

Se o aluno não lesse apenas para produzir um resumo,


mas também para comentar, discutir, criticar, refletir
sobre o que está sendo veiculado, aprimoraria mais
da sua capacidade de expressão e desenvolveria o
espírito crítico através da tomada de posição acerca
dos fatos, condições essenciais para a ‘Cidadania’. [...]
O mero resumo de notícias lidas tem valor limitado:
pode estimular o poder de síntese e reprodução de
informações, pode até mesmo enriquecer o vocabulário,
mas não é suficiente para efeitos mais profundos como
o de desenvolver o espírito crítico do cidadão.

A forma como as notícias formam trabalhadas nas


OL coadunam com a visão de Gonçalves (2004) ao tratar
a leitura de notícia não apenas como resumo, pois muitas
vezes ao fazer isso o aluno poderá produzir seu texto ape-
nas para conseguir uma possível nota, sem que haja refle-
xão sobre o que leu.

Outro exemplo de notícias trazidas pelos alunos


motivou relevantes discussões, vejamos:

260
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

FIGURA 3 - Cartaz com notícia sobre o reajuste no preço do


gás de cozinha

FONTE: Acervo da pesquisa

Neste exemplo, o intuito do aluno era explicitar uma


crítica sobre o constante aumento do preço do gás de cozinha,
defendendo que o reajuste deveria ser decrescente. Todavia,
a intencionalidade dele não ficou clara no cartaz produzido,
visto que afirma “tem que reajustar mesmo, para colocar um
preço que caiba no bolso do trabalhador”, sem levar em con-
sideração todo o contexto linguístico e o extra linguístico. O
discente intentava que o reajuste fosse decrescente. Contudo,
a notícia que circulava em rede nacional era justamente oposta
ao que o discente defendia, visto que se tratava de aumento
de preço do referido gás, dificultando ao trabalhador que não
teve nenhum ajuste no seu salário. Nesse ponto o aluno não

261
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

conseguiu ser coerente na exposição de seu posicionamento,


causando confusão no entendimento do que ele pretendia
expressar, ou seja, o aluno cometeu incoerência pragmática.

Koch; Travaglia (2011) em seu livro Texto e coerên-


cia destacam que embora dependendo da situação comuni-
cativa para qual o texto foi feito, não existe texto incoerente
em si, no entanto:
[...] importa ressaltar que, o mau uso dos elementos
linguísticos e estruturais pode criar incoerência,
normalmente em nível local. Se o produtor de um
texto violar em alto grau o uso desses elementos, seu
receptor não conseguirá estabelecer o seu sentido e
o texto seria teoricamente incoerente em si por uma
questão de extremo mau uso do código linguístico
(KOCH; TRAVAGLIA, 2011, p. 38).

Embora o aluno tenha cometido incoerência em seu


posicionamento, o sentido global de seu posicionamento não
foi totalmente prejudicado, uma vez que, o conhecimento de
mundo sobre a temática escolhida ajudou a compreensão do
tema geral e fomentou importantes discussões sobre a neces-
sidade de usar os recursos linguísticos adequados para defen-
der, coerentemente, um ponto de vista.

O aluno crítico e participativo expõe suas ideias


sabendo formar sua própria opinião. Portanto, cabe a nós
professores formar nossos alunos para o uso reflexivo dos
meios de comunicação, ademais de promover uma leitura
crítica que possa “esclarecer ao educando a realidade dos
problemas sociais e, ao mesmo tempo, propiciar o desen-
volvimento do raciocínio, o aumento da capacidade de
questionamentos e abrangência do conteúdo escolar e cul-
tural” (ANHUSSI, 2009, p. 32).

262
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Deste modo, a escrita de ponto de vista, a partir da


leitura e seleção de notícias, pode levar ao aluno a adqui-
rir competências necessárias à relação de sentidos entre
os conteúdos teóricos e a realidade, levando-o à relação
de seus conhecimentos prévios com os das notícias incen-
tivando sua criticidade sobre o que lê e o que pensa. Com
isso, a escola pode se tornar um local de formação que vai
bem além do conteúdo didático, portanto, contribuindo à
formação do ser humano como cidadão, refletindo, direta
e indiretamente, sobre os fatos que o rodeiam como parti-
cipante da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise preliminar dos dados tem demonstrado a


relevância de trabalhar, com os alunos participantes da pes-
quisa, a análise de notícias de jornais para o desenvolvimen-
to da habilidade crítica argumentativa. Nesse sentido, essa
primeira Oficina de Letramento possibilitou identificar as
necessidades formativas dos alunos e motivar o agir voliti-
vo deles, coadunando com a participação ativa no processo
ensino-aprendizagem.

A percepção dos alunos como protagonistas de


suas próprias aprendizagens tem contribuído com a cul-
minância de aulas mais dinâmicas, que trabalham proble-
máticas de interesse dos alunos, aliadas às necessidades de
aprendizagens deles e aos conteúdos curriculares. Outro
ganho foi a ciência dos alunos em saber que, mesmo com
dificuldades e debilidades, com esforço e prática, é possí-
vel superar e avançar.

263
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Ressaltamos a relevância da nossa formação para


instaurar novas práticas de ensino-aprendizagem da Língua
Portuguesa e da estreita relação das transformações com o
fato de o trabalho desenvolvido fazer uso da própria ativi-
dade docente como objeto e campo de pesquisa.

Nesse sentido, vale destacar a importância da


intervenção realizada por meiodas Oficinas de Letramento
(CABRAL, 2016), trabalhando a coerência textual no arti-
go de opinião, que têm possibilitado instaurar o ensino
produtivo e a aprendizagem significativa da escrita e da
leitura, com foco na coerência argumentativa. Para tanto,
importante se faz que antes de uma produção escrita o pro-
fessor sempre busque investigar as necessidades formati-
vas dos alunos, focalizando os conhecimentos prévios para
poder desenvolver e ampliar suas habilidades de coerência
na produção do artigo de opinião.

REFERÊNCIAS

ABAURRE, Maria Luiza M. Um olhar objetivo para produções


escritas: analisar, avaliar, comentar. São Paulo: Moderna, 2012.

ANHUSSI, Elaine Cristina. O uso do jornal em sala de aula: sua


importância e concepções de professores. 2009. 149 f. Dissertação
(mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Tecnologia, 2009. Disponível em:<http://hdl.handle.
net/11449/92284>.

ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível.


São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

CABRAL, Marlucía Lopes de Barros. Oficinas de letramento:


Sistematizando práticas de leitura e de escrita para além do contexto

264
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

escolar. Anais do II Simpósio Nacional de Literatura, Linguística


e Ensino. Organizadores Ana Maria de Carvalho, Moisés Batista da
Silva. Mossoró, RN: Edições UERN, 2016.

GADOTTI, Moacir. O jornal na escola e a formação de leitores.


Brasília: Líber Livro Editora, 2007.

GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas


possibilidades: Uma revisão histórica dos principais autores e obras
que refletem esta metodologia de pesquisa em ciências Sociais.
UNESP, Rio Claro. Revistas de Administração de Empresas, v. 35,
n. 2, p. 57-63. São Paulo, mar./abr. 1995

GONÇALVES, Lidia Maria. Do ledor ao Leitor: um estudo de caso


sobre as insuficiências do jornal em sala de aula no ensino funda-
mental. Tese de Doutorado. Defendida em 2004, na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS.

KOCH, I.G.V & TRAVAGLIA, L.C. Texto e coerência. 13.ed., - São


Paulo: Cortez, 2011.

______. A coerência textual. 18.ed., 4ª reimpressão- São Paulo:


Contexto, 2015.

KÖCHE, Vanilda Salton. Leitura e produção textual: gêneros tex-


tuais do argumentar e do expor. 6ª.ed., Petrópolis: Editora Vozes,
2014.

SOUZA NETA, Angelina Luiza de. Letramentos para além do con-


texto escolar: escrevendo novas práticas. Dissertação (Mestrado em
Programa Profissional em Letras). Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Assu, 2018.

THIOLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez,


2008.

265
RODA DE CONVERSA COMO
DISPOSITIVO METODOLÓGICO DE
PRODUÇÃO DE DADOS E FORMAÇÃO
NA PESQUISA NARRATIVA EM
EDUCAÇÃO

|| Maria Divina Ferreira Lima - UFPI

Esse texto apresenta uma discussão sobre o uso da


metodologia de rodas de conversa desenvolvida em sala de
aula, como dispositivo metodológico da pesquisa narrativa,
centrada no método autobiográfico, que permite o resgate
da sensibilidade, da subjetividade e a socialização de novos
saberes, construídos e reconstruídos de forma individual e
coletiva. Este dispositivo, permitiu uma releitura das aprendi-
zagens dos discentes na disciplina Didática Geral, do período
letivo 2019.1, como parte do Estágio de Docência do Curso de
Mestrado em Educação, da Universidade Federal do Piauí.

A pesquisa teve como objetivo, investigar o poten-


cial formador do processo de aprendizagem significativa e
inclusiva, nas experiências vividas na aquisição de conheci-
mentos didáticos e na produção de saberes, no contexto de

266
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sala de aula. Com esse processo buscou-se o favorecimento


da construção de uma prática dialógica (Freire, 1997) visando
o exercício do compartilhamento de saberes, o conhecimento
profissional (Goodson, 2008), a profissionalidade inclusiva,
pela aquisição e construção de novos conhecimentos, ou seja,
saberes da profissão docente, entre a professora, uma estagiá-
ria e os discentes, para contribuir com a aprendizagem signifi-
cativa e inclusiva de todos os partícipes.

Para tanto, na primeira parte deste texto, analisamos


a Roda de Conversa como dispositivo metodológico para pro-
dução de dados numa pesquisa narrativa, a partir das ideias
de Warschauer (1993, 2004, 2017), Freire (1987), Moura e Lima
(2014), entre outros autores. A seguir, fazemos a descrição e
análise do desenvolvimento das rodas de conversa, a partir das
reflexões críticas feitas em sala de aula. Esta pesquisa-formação,
faz parte do Projeto de Pesquisa em andamento no Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGEd), da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), do Curso de Mestrado em Educação,
intitulada: Formação e Profissionalização Docente: a identida-
de e o desenvolvimento profissional de professores de Música,
que resolvemos ampliar para os Cursos de Licenciatura em
Pedagogia, Letras/Francês/História, Geografia, Filosofia e
Ciências Sociais, em continuidade no período de 2019.2.

A roda de conversa, tem sido uma prática que vem


sendo realizada em diversas sociedades, envolvendo diferen-
tes manifestações culturais e sociais presentes nas práticas
familiares, grupos etc. Nas práticas familiares, nossos paren-
tes, antepassados, sentavam-se em torno de uma mesa, no
terreiro, varanda de casa para prosear e contar suas histórias
na forma de causos, nas reuniões familiares, nos rituais das
tribos, rodas de samba, hoje, em sala de aula, nas brincadeiras

267
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

de crianças, dentre outros espaços. Como atividade bastan-


te antiga, a roda de conversa, prática cotidiana, por conta
do desenvolvimento social e cultural, tem sido pouco pra-
ticada com frequência nos contextos das comunidades e no
âmbito familiar.

Em decorrência do desenvolvimento das socieda-


des modernas, ou seja, às adequações da vida moderna, as
famílias estão tendo dificuldades para organizar o tempo
em função dos diversos compromissos diários, pelo uso
das tecnologias que têm contribuído para a transformação
das relações familiares, sociais, do mundo do trabalho, do
enfrentamento da violência social, os quais vêm produzin-
do impedimentos para as pessoas, no compartilhamento
de suas vivências diárias, e histórias que acontecem no
contexto familiar e de trabalho.

Neste estudo acerca do uso da roda de conversa,


como estratégia didática e de pesquisa-formação, apoia-
mo-nos em Paulo Freire (1987) que nos presenteou com
experiências interessantes e importantes, ao usar o méto-
do da roda de conversa, na forma de “círculo de cultura”,
que foram trabalhados no ano de 1960, em práticas educa-
tivas de alfabetização de adultos no contexto nordestino de
Angicos, no Rio Grande do Norte (RN).

Em relação à pesquisa-formação, é um termo uti-


lizado por Josso (2010) no campo da pesquisa narrativa,
e que te o princípio de que “[...] cada etapa da pesquisa
é uma experiência a ser elaborada para quem nela estiver
empenhado possa participar de uma reflexão teórica sobre
a formação e os processos por meio dos quais ela se dá a
conhecer (JOSSO, 2010, p. 141).

268
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Ao desenhar sua concepção pedagógica transfor-


madora, destaca que as experiências da vivência de mundo
do educando não podem ser desconsideradas no desenvol-
vimento das práticas docentes, durante o desenvolvimento
do processo de ensino e aprendizagem. Entendemos que ao
desenvolver sua prática o professor não é superior ao discen-
te, mas pode construir parcerias sinergéticas com eles. Assim,
na vivência da prática do “círculo de cultura” o professor não
ensina, mas aprende com os discentes por meio do processo
de trocas de experiências, conhecimentos, saberes, que vão
sendo construídos e reconstruídos por meio da ‘reciprocida-
de de consciências’; não há professor, há um coordenador, que
tem por função dar informações solicitadas pelos respectivos
participantes e propiciar condições favoráveis à dinâmica do
grupo” (FREIRE, 1987, p. 6).

Nesta perspectiva consideramos que a roda de con-


versa como uma estratégia didática básica para a prática dia-
lógica reflexiva, desenvolvida a partir da problematização dos
conteúdos de ensino, possibilita oportunidades para o desen-
volvimento da linguagem oral e escrita do indivíduo em for-
mação nos diversos níveis de ensino.

Entendemos que ao usarmos a roda de conversa


como estratégia didática, os discentes realizam um aprendi-
zado individual e coletivo de forma a incluir todos trocando
experiências e construindo significados e sentidos para a vida,
na sala de aula enquanto espaço que contribui para a geração
de suas identidades enquanto discentes. Ao compartilhar,
ouvir um relato de experiência marcante, um questionamen-
to, as alternativas de soluções para uma problemática, o parti-
cipante da roda, tem a oportunidade de novas aprendizagens
e promover mudanças significativas no seu modo de pensar,

269
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

agir e ser em outras situações que futuramente vivenciará, seja


na vida pessoal ou profissional.

Assim, compreendemos que a prática da roda de


conversa, pode ser usada nas práticas de diferentes profis-
sões, em diversos contextos educacionais, enquanto dispositi-
vo metodológico que possibilita a dialeticidade dos processos
comunicativos entre as pessoas. Enquanto processo de comu-
nicação, ela pode ser usada na produção de dados no campo
da pesquisa qualitativa narrativa, quando os pesquisadores
realizam a produção de novos conhecimentos e vivências,
principalmente nas práticas docentes e discentes.

A RODA DE CONVERSA COMO DISPOSITIVO


METODOLÓGICO DA PESQUISA NARRATIVA

A roda de conversa tem sido uma estratégia didática


e de pesquisa bastante eficiente na aquisição de conhecimen-
tos e produção de dados na pesquisa qualitativa narrativa
(Connelly; Clandinin, 1995), porque possibilita o processo de
mediação interativa professores e discentes, o pesquisador e
participantes, tendo em vista o envolvimento dos interlocuto-
res do processo em ação. Nos seus dizeres, estes autores afir-
mam que,

[...] a razão principal para o uso da narrativa na


investigação educativa é que nós seres humanos somos
organismos contadores de histórias, organismos que,
individual e socialmente, vivemos vidas relatadas.
O estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma
em que os seres humanos experimentam o mundo.
Dessa ideia geral se deriva a tese de que a educação

270
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

é a construção e a reconstrução das histórias pessoais


e sociais, tanto os professores como os alunos são
contadores de histórias e personagens nas histórias dos
outros e em suas próprias, (CONNELLY; CLANDININ,
1995, p.11).

Com essa perspectiva, a roda de conversa pode ser


vista como um dispositivo pertinente, provocador de ressig-
nificações na prática docente reflexiva por ser:

[...] uma forma de produzir dados em que o pesquisador


se insere como sujeito da pesquisa pela participação
na conversa e, ao mesmo tempo, produz dados para a
discussão. É na verdade, um instrumento que permite
a partilha de experiências e o desenvolvimento de
reflexões sobre as práticas educativas dos sujeitos [...].
(MOURA; LIMA, 2014, p. 99).

Estas autoras consideram a roda de conversa como


uma técnica de participação coletiva usada para promover o
debate de uma temática (pré-estabelecida de acordo com os
objetivos da pesquisa) em que o coordenador do grupo passa
a promover o diálogo entre os participantes para expressar,
escutar uns aos outros e a si mesmo, sobre o conteúdo em aná-
lise, tendo em vista a reflexividade crítica, produção de novos
conhecimentos e ressignificação das práticas educativas que
podem ser desenvolvidas de modo a incluir os discentes no
processo de aprendizagem dos conteúdos em estudo.

A roda de conversa, por não ser uma atividade


recente, tem tido boa aceitabilidade como estratégia didática
de ensino, bem como, usadas em pesquisas qualitativas narra-
tivas como dispositivo metodológico para produção de dados.

271
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Moura e Lima (2014) dizem que a roda de conversa apesar de


não inédita, traz no seu bojo a inovação, como forma de pro-
dução de dados para os estudos científicos. Somos de acordo
com o que os autores que teorizam sobre o uso da roda de
conversa que permite ao pesquisador:

a) perceber a escola como espaço formativo também


dos docentes, especialmente, quando os saberes/
experiências são compartilhados e refletidos
coletivamente; [...] c) aprender a teorizar a partir das
práticas docentes contrariando a clássica aplicação
teórica à prática; [...]; f) compreender a pesquisa como
um movimento de reflexões com os envolvidos (e não
sobre os mesmos), numa relação horizontalizada; g)
construir os encaminhamentos dos trabalhos através
de combinações coletivas, valorizando/incluindo os
diferentes saberes dos sujeitos de diferentes lugares;
h) valorizar, fundamentar e qualificar as práticas
docentes. (REIS, 2012, p. 6).

Entre as possibilidades proporcionadas pelas rodas,


ao longo de nossa trajetória formativa, também no decurso de
nossa vida profissional, já participamos de diversas rodas e a
consideramos como um valioso dispositivo formador de pro-
fissionais da educação, que temos ao nosso alcance, que pos-
sibilita as escritas dos processos formativos e profissionaliza-
ção docente, onde o registro é uma possibilidade de promoção
da reflexão crítica, neste caso, aqui tratado, o do Estágio de
Docência do Curso de Mestrado em Educação. Diversas trocas
foram acontecendo e muito se tem aprendido, conhecido, res-
significado, socializado e sempre respeitando as diferenças,
dificuldades, valorizado o que os outros sabem ou deixam de
saber. Somos partícipes do que falam Albuquerque; Galiazzi,

272
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Os sujeitos conseguem se olhar, e, com isso, as


interações acontecem com mais facilidade. Ocorrem
trocas de olhares, trocas de argumentos, trocas de
críticas, trocas de experiências. Quando se está em
roda, as trocas acabam sendo invitáveis; conseguimos
por meio dela conhecer um pouco do outro, observando
seu comportamento, suas reações e manifestações.
(ALBUQUERQUE; GALIAZZI, 2011, p. 388).

Assim, a roda de conversa enquanto estratégia


didática de ensino e técnica de produção de dados na pes-
quisa qualitativa permitem a interatividade em sala de aula
e em outros tipos de grupos, possibilitando descobertas
individuais e coletivas por meio das aprendizagens signi-
ficativas que permite a inclusão por meio da aquisição do
conhecimento, produção de dados e construção de resulta-
dos de uma pesquisa.

Ao utilizarmos a roda de conversa no desenvolvi-


mento da disciplina Didática Geral, foi necessário levar em
conta o rigor científico como algo real, possível de ser perse-
guido durante a implementação das rodas. Na obra A roda e o
registro, Cecília Warschauer (1993, p. 56) faz uma advertência,
ao dizer que elas não se tornem simples “bate-papo”, mas que
possam ser um processo que de fato contribui na construção
de conhecimentos. Para a obtenção de dados significativos,
precisa que seja feito o registro, como “um grande instrumen-
to para a sistematização e organização dos conhecimentos”.

Para trabalhar com a reflexão e o diálogo crítico, pla-


nejamos as rodas a partir dos conteúdos e objetivos da disci-
plina Didática Geral. Partimos dos conteúdos da ementa que
são: Fundamentos epistemológicos da Didática. A Didática e

273
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

a formação do professor. O planejamento didático e a organi-


zação do trabalho docente. Os objetivos: Geral: Compreender
os conteúdos teórico-metodológicos que subsidiam o desen-
volvimento da práxis educativa crítica na educação básica.
Os específicos: Conhecer os fundamentos epistemológicos da
Didática; analisar as dimensões do saber fazer docente e
os saberes necessários ao desenvolvimento da prática edu-
cativa na educação básica; analisar criticamente acerca do
planejamento didático na organização e execução do tra-
balho docente; vivenciar situações de elaboração de planos
de ensino e projetos didáticos.

Tendo em vista que as informações fossem sendo


sistematizadas para que não fossem perdidas, durante a
realização das rodas de conversa, solicitamos a autoriza-
ção dos discentes para que as sessões formativas fossem
gravadas. Assim, o gravador de voz foi posto sobre nossa
mesa no início de cada aula. Também usamos o Memorial
de Formação Discente, como outra estratégia metodoló-
gica para o registro das aprendizagens discentes em cada
encontro. Nele, também descrevemos nossas impressões
acerca dos fatos acontecidos em cada roda. Por meio des-
sa estratégia, o registro propiciou a sistematização e apro-
priação dos conteúdos refletidos criticamente na roda. Foi
um excelente instrumento de reflexão do vivido e com-
partilhado, uma vez que ao desenvolver um registro, é
possível retomar e sintetizar o que apreendemos, fazen-
do a reflexão sobre a reflexão e sobre a ação empreendi-
da, sendo assim, um dispositivo de grande valia para o
desenvolvimento da escrita.

Para a realização de cada roda e conseguíssemos


ter bom êxito na atividade, nos fundamentamos nas ideias

274
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

de Warschauer (2017, p.223) que considera “a escrita da


própria experiência é oportunidade com grande poten-
cial formativo, seja nos moldes de diários, seja em textos
narrativos das experiências, sobretudo quando se trata de
estratégia coletiva de análise de práticas”. Desse modo,
o potencial formativo do registro se firma na prática da
reflexão crítica que o indivíduo faz por meio da escrita de
si e do meio onde vive, descreve sua experiência usando
a narrativa.

AS RODAS DE CONVERSAS COMO DISPOSITIVOS


REFLEXIVOS FORMADORES DE APRENDIZAGEM
INCLUSIVA

O trabalho com a disciplina Didática Geral, do qual


estamos tratando neste artigo trata de uma experiência forma-
tiva inicial inclusiva de professores em formação, como já dis-
semos acima, para trabalhar a reflexão crítica como ferramen-
ta para potencializar a aprendizagem dos conteúdos de modo
significativo e inclusivo de todos os discentes matriculados na
disciplina do período letivo de 2019.1. O uso de rodas de con-
versas, surgiu como uma possibilidade de provocar mudanças
significativa e nossa prática docente e contribuir para a forma-
ção dos discentes cursantes da disciplina, mais também, cola-
borar com a experiência de vivência do Estágio de Docência
de uma orientanda minha do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Para
operacionalizar o objetivo proposto, o lócus desse trabalho foi
uma turma de Pedagogia, na qual estavam matriculados 33
(trinta e três) alunos do 3° período, que ao final da disciplina
todos foram aprovados.

275
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Antes de iniciarmos as atividades, apresentei aos


discentes o conceito de roda, a funcionalidade da metodo-
logia de uso da Roda de Conversa na pesquisa qualitativa
narrativa e a teoria que trata sobre rodas, o modo de aplica-
ção e importância no desenvolvimento da prática docente
inclusiva, o conceito de formação e profissionalização, por
acreditar no que diz Pimenta (2005, p.26) “o saber docente
não é formado apenas da prática, sendo também nutrido
pelas teorias da educação”.

Na exposição e discussão dos conteúdos buscamos


relacionar os conhecimentos prévios dos discente com o con-
teúdo em discussão, assim, eles expuseram suas experiências
anteriores acerca do uso de rodas de conversa em outras expe-
riências formativas, refletindo sobre o uso delas nos contextos
social, escolar e familiar. Ao final da exposição, realizou-se a
primeira roda, sobre o conhecimento prévio acerca da Didática
e teorias que a fundamentam. Ao desenvolvermos essa práti-
ca, entendemos que “a Didática se caracteriza como mediação
entre as bases teórico-cientificas da educação escolar e a práti-
ca docente” (LIBÂNEO, 1990, p.28).

Na segunda roda de conversa, trabalhou-se o con-


teúdo que trata dos “Paradigmas da Ciência, Tendências
Pedagógicas e a Didática: existe prática educativa neutra?”
A terceira roda versou sobre “A Didática e a Formação do
Professor”. Na quarta Roda debateu-se sobre “Saberes
docentes e Competências para ensinar”. A partir das dis-
cussões das temáticas foram sendo relatadas as experiên-
cias e vivências que os discentes tiveram durante a forma-
ção seja no contexto escolar, ou em outros espaços. Ficaram
evidências diversas práticas docentes e educativas, através
das narrativas. Chizzotti (2013) afirma que a narrativa de vida

276
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

pode significar muito, pois são experiências pessoais que rela-


tam fatos ou acontecimentos significativos e constitutivos da
vivência do sujeito.

Nessa perspectiva é que se adotou a pesquisa


narrativa para a realização da atividade proposta que nos
permitiu conhecer as vivências e trajetórias formativas dos
participantes através de suas narrativas, para compreender
sobre os saberes produzidos pelos professores ao longo da
carreira e como estes contribuem para a ressignificação de
suas práticas docentes.

No âmbito da pesquisa narrativa optamos pela roda


de conversa como um dos dispositivos metodológicos de
produção de dados, por ser uma metodologia participativa
(MÉLLO et al, 2007) em que se pode dialogar com os sujei-
tos. Assim, tomamos a concepção de roda apresentada por
Warschauer (1993) que propõe reunir pessoas com histórias
de vida diversas e suas próprias maneiras de pensar e sentir a
fim de estabelecer diálogos durante as aulas. Foram desenvol-
vidas cinco rodas de conversa no primeiro período de 2019.1
sempre às sextas-feiras de 8/12h. Cada roda teve a duração
média de três horas, sendo guiadas por uma questão gerado-
ra, relacionada aos temas em estudo.

Durante o planejamento das rodas, nos preocupamos


em como estimular os participantes a discutirem as temáticas
propostas e contarem suas histórias diante dos colegas, em
minha presença e da estagiária, de forma que a roda se tornas-
se uma conversa verdadeira. Para tanto, nossa primeira estra-
tégia foi a preparação da sala de aula, na forma de um círculo,
pondo uma roda no meio com a teoria sobre roda de conversa,
focando o conceito, objetivo, importância e a metodologia. A

277
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sala de aula da forma como estava organizada objetivou esti-


mular os participantes com a sensação de retorno às vivências
anteriores, servindo como disparador de memória (GUEDES-
PINTO; SILVA; GOMES, 2008) motivando-os a rememorar
suas histórias de vida a partir dos conteúdos propostos.

A segunda estratégia utilizada foi uma atividade


de autoapresentação, realizada através da leitura da música
Redescobrir de Gonzaguinha, a partir da qual promovemos
uma reflexão sobre os primeiros passos dos discentes na tra-
jetória formativa. A letra da música buscou recordar as histó-
rias de vida onde se aprendia em meio às novas experiências
pessoais, valorizando cada etapa percorrida na caminhada
discente, para a construção de novas aprendizagens inclusi-
vas, através da aquisição e produção de novos conhecimentos.
Caminhando e Redescobrindo, o título dado à primeira roda
de conversa.

Com a letra da música foram surgindo palavras que


contribuíram para a caracterização de temas relacionados com
as vivências dos discentes tais como: Vida, Árvore Semente,
Fruto, Terra, Água, melancia, manga, mamão e goiaba. Estas
palavras foram escritas em cartões e pendurados num varal,
onde os discentes foram convidados a escolher uma das pala-
vras que lhe representasse, falando ao grupo a relação que esta
possuía com sua história de vida, formação e aprendizagens
que possibilitaram sua inclusão no processo de aquisição de
novos conhecimentos.

Ao realizar essa dinâmica, buscamos promover o


início do diálogo reflexivo com os discentes de modo espon-
tâneo, pois acreditamos que se iniciássemos diretamente com
perguntas sobre a temática, poderia causar constrangimento

278
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ao considerar que mesmo estes sendo conhecidos por perten-


cer a mesma turma, entendemos que não é comum o diálogo
reflexivo fluir rapidamente. Assim, ao falar de si através da
palavra escolhida, eles puderam apresentar-se de forma des-
contraída sentindo-se à vontade em nossa presença.

A roda continuou com a discussão das seguintes


questões acerca do primeiro tema: “Como você caracteriza
a didática e sua importância para a formação de professo-
res? Quais as teorias que podem contribuir para a prática
discente? Cada participante narrou suas experiências de
aprendizagem ao longo da formação desde a infância até o
momento atual, dando ênfase para os desafios de vir a tor-
nar-se professor a partir das aprendizagens adquiridas no
curso de Pedagogia, dizendo da necessidade de aquisição de
formação teórica e pedagógica, bastante sólida. Inicialmente,
cada participante esperava sua vez de falar, e até faziam sinal
para os outros solicitando permissão para expor suas ideias,
que no decorrer das narrativas, a conversa passou a fluir com
naturalidade e as falas passaram a entrecruzar-se na dinâmi-
ca de uma conversa normal. Ao final da aula realizou-se uma
avaliação sobre a aprendizagem e conhecimentos adquiridos.
Encerramos a aula com um momento de confraternização
sendo oferecido um lanche.

A segunda roda foi intitulada de Reflexão crítica, para


onde estamos indo? Que objetivou discutir “Os Paradigmas
da Ciência, as Tendências Pedagógicas e a Didática: existe
prática educativa neutra?” Ao chegarem na sala de aula, os
discentes já demonstravam um entrosamento, conversando
amenidades enquanto aguardavam a chegada de todos. Dessa
forma, o momento da discussão já se iniciou com a participa-
ção ativa de todos. Para contextualizar o tema, realizamos a

279
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

leitura de uma história chamada “A Parábola do Lenhador”


e em seguida, partimos para a discussão do segundo tema,
dividida em dois blocos, cada um direcionado pelas seguin-
tes perguntas: 1 - “Você já refletiu sobre sua prática discente
e a de seus professores? Se a resposta for sim, descreva esse
momento”. 2 - “Quais as contribuições da reflexão crítica para
seu desenvolvimento enquanto discente?”. A participação de
todos foi muito importante para a compreensão dos conteú-
dos, bem como para a elaboração do memorial de aprendi-
zagem discente. Encerramos o encontro com um momento
de avaliação da aprendizagem, feita por todos e com um café
denominado, pedagógico.

A terceira roda, teve como tema “A Didática e a


Formação do Professor”, com objetivo de discutir como a
Didática pode contribuir para a profissionalização e ressignifi-
cação da prática discente? A roda foi intitulada: “Na caminha-
da consegui chegar até aqui e quero prosseguir avançando”
referência a um verso da música A Estrada do grupo Cidade
Negra. Essa música foi utilizada no momento de abertura da
aula como disparador de memória, levando os discentes a
relembrar os caminhos percorridos para chegar até a pessoa
que se tornaram, lembrando dos desafios, das aprendizagens e
do desenvolvimento alcançado em suas trajetórias. Em segui-
da foi utilizado um roteiro para apresentar ao grupo, de forma
breve, o conceito de prática docente, educativa e reflexiva, de
formação e profissionalização, a fim de, contextualizar o tema
da discussão. Após o debate, realizou-se a avaliação da aula.

Na quarta roda, tratou-se acerca dos “Saberes docen-


tes”. Partimos do seguinte questionamento: Que saberes são
necessários para o exercício da profissão docente? A discus-

280
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

são transcorreu de forma muito acalorada, em função do que


diz Gauthier (2013) sobre Ensinar: ofício estável, identidade
profissional vacilante. No final da aula, procedeu-se a avalia-
ção acerca das aprendizagens e do processo de construção de
novos saberes importantes para o exercício da docência e ofe-
recimento de um lanche.

Aproveitamos a quinta e última roda de conversa


para apresentar aos discentes, uma síntese dos dados obtidos
com base nas discussões e receber o memorial de formação
discente. Ao longo da aula, os discentes comentavam sobre os
saberes didáticos adquiridos por meio das narrativas, reafir-
mando as aprendizagens que proporcionaram conhecimento
e desenvolvimento pessoal. Esse momento foi importante
para que tivéssemos uma confirmação de nossa interpretação
pela perspectiva dos participantes. No final da aula os discen-
tes fizeram uma avaliação geral de todas as rodas de conversa,
que analisaremos a seguir.

ANÁLISE DAS RODAS DE CONVERSA REFLEXIVAS


COMO DISPOSITIVO FORMADOR INCLUSIVO

O trabalho com a Disciplina Didática Geral no


formato de rodas permitiu o estabelecimento da relação
entre a teoria e prática, uma vez, que a prática relatada a
partir da reflexividade crítica dos conteúdos deu signifi-
cado e sentido à teoria estudada. Warschauer (2017, p. 97)
apresenta a roda de conversa como “símbolo para viabi-
lizar o diálogo, a troca de experiências, a construção de
conhecimentos com sentido para seus sujeitos, a relação

281
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

dialógica entre o que fazemos e o que falamos”. Durante


nossa experiência enquanto professora de Didática e pes-
quisadora, destacamos que a roda de conversa é um dis-
positivo formador muito importante, em razão da qua-
lidade do compartilhamento de saberes e práticas entre
seus partícipes.

A disposição da turma em círculo, favoreceu o


desejo de ouvir e de falar. Podemos constatar a relevân-
cia desse aspecto quando lemos na obra de Freire (1987,
p.9) que “em diálogo circular, intersubjetivando-se mais
e mais, vai assumindo, criticamente, o dinamismo de sua
subjetividade”. Warschauer (1993) concordando com essa
perspectiva, considero a intersubjetividade como uma
consequência inerente ao diálogo reflexivo que acontece
entre pessoas que possuem vivências, experiências com
significados e sentidos particulares. Isso ocorre quando se
estabelece sintonia e sincronia de ideias, quando um indi-
víduo se manifesta revelando seus pensamentos e outras
pessoas se identificam com eles como se fossem seus.

Durante a realização do planejamento e desen-


volvimento das rodas, buscou-se estabelecer as ações de
modo que as discussões pudessem fluir de modo signi-
ficativo para todos os participantes, contribuindo com a
aprendizagem e não acontecesse de forma engessada, no
formato de perguntas e respostas, enquanto os demais
viessem assumir uma postura de meros ouvintes. No
entanto, à medida que cada discente relatava suas experi-
ências e buscava responder ao questionamento, surgiam
as provocações, colocações e reflexões dos demais, um
real formato de roda de conversa. A dialogicidade refle-
xiva, ocorreu de forma dinâmica, sem que precisássemos

282
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

indicar o próximo a falar.

Dessa maneira, o diálogo reflexivo possibilitou


que os significados e sentidos circulassem entre os dis-
centes. Assim, quando um se expressava, as palavras cir-
culavam, mesmo que nem todos estivessem de acordo. As
falas expressavam os significados das vivências dos partí-
cipes pelas interações e conexões interpessoais.

Para tanto, é necessário considerar a formação e


a profissionalização como processos que pertence àquele
que se forma e se profissionaliza. A base da aprendizagem
significativa e inclusiva se configura no próprio indiví-
duo, pela ressignificação de seus saberes, prazeres e faze-
res, em que o sabor da aula, se transforma num jardim de
saberes implicados com as questões da vida cotidiana.

Não se pode negar o valor que os outros têm ao


nos ensinar, mas é o próprio aprendente que dará signi-
ficados a partir do que recebe dos outros. Nesse sentido,
Albuquerque e Galiazzi (2011, p. 388) afirmam que a roda
permite ao participante a possibilidade de “formar-se
formando” sinalizando para a constituição de um espa-
ço onde as aprendizagens da docência acontecem a partir
da relação de compartilhamento de saberes, vivências e
experiências, que se dão no plano individual e coletivo.
Atuar como condutoras das rodas de conversa na disci-
plina Didática Geral nos propiciou conhecimento pes-
soal e desenvolvimento profissional dialógico reflexivo,
individual, coletivo e no contexto da agência formadora,
como organização que promove a formação profissional
de futuros professores.

283
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das ideias expostas, acima, destacamos que


a roda de conversa permite obtenção a dados acessados pelo
interesse do sujeito no diálogo reflexivo e compartilhamento
de saberes, fazeres, et., que foram sendo emergidos pela par-
ticipação interativa, atividade de cada discente, na problema-
tização dos conteúdos de ensino, que possibilitou a ativação
das memórias individuais e coletivas.

O uso do diálogo reflexivo como ferramenta de inte-


ratividade coletiva propicia por meio da palavra, o caminho
percorrido até chegarmos ao outro, com a possibilidade que
juntos possamos evoluir na construção de uma sociedade
igualitária, em que os sujeitos em processo de hominização,
tenham entendimento dialógico, reflexão, ação para a com-
preensão do mundo e das pessoas. Assim, a oportunidade
de compartilhamento das histórias, experiências, saberes e
dificuldades enfrentadas no exercício da docência, apesar das
especificidades de cada um, possibilitou a percepção que não
estamos sós no enfrentamento de dilemas docentes. Os dis-
centes, foram incentivados a continuar a caminhada através
do conhecimento construído e vivido a partir do diálogo refle-
xivo coletivo.

Finalizando nosso diálogo reflexivo, com nossos


leitores, importa considerar que a roda de conversa se firma
como espaço de diálogo, no qual os sujeitos não impõem suas
palavras, mas juntos partilham e aprendem sobre a realidade
na qual estão inclusos, inacabados e falam sobre si mesmos
através da leitura de mundo. Assim, a reflexão crítica pode
levar à compreensão e reelaboração de conhecimentos, encon-
trando na roda de conversa um espaço privilegiado para seu

284
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

desenvolvimento pessoal e profissional criticamente. Lugar


de onde falamos, nos expomos, que pode contribuir para a
articulação entre experiências pessoais e profissionais, geran-
do em seus participantes uma postura de maior disponibilida-
de ao enfrentamento dos obstáculos que envolvem o exercício
da docência. Portanto, roda de conversa se firma como um
dispositivo metodológico de produção de dados, didático que
se revela um eficiente espaço de reflexão e interação, capaz de
promover avanços nas relações na sala de aula.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Fernanda Medeiros de; GALIAZZI, Maria do


Carmo. A formação do professor em Rodas de Formação. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 92, n. 231, p.386-398,
maio/ago. 2011. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/
rbep/article/view/550/532. Acesso em: 26 fev. 2019.

CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas


e sociais. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1987.

GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da Pedagogia: Pesquisas


contemporâneas sobre o saber docente. 3. ed. Editora Unijuí,
2013.

GUEDES-PINTO, A. L.; GOMES, G. G; SILVA, L. C. B. Memórias de


Leitura e Formação de Professores. Campinas: Mercado de Letras,
2008.

GOODSON, Ivor F. Conhecimento e vida profissional: estudos


sobre educação e mudança. Porto Editora, Portugal, 2008.

JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. Tradução

285
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

de José Cláudio, Júlia Ferreira; revisão Maria da Conceição Passeggi,


Marie-Christine Josso. 2. ed. rev. E ampl. Natal, RN: EDUFRN; São
Paulo: Paulus, 2010.

MÉLLO, R. P. et al. Construcionismo, práticas discursivas e pos-


sibilidades de pesquisa. Psicologia e Sociedade, v.19, n.3, p. 26-32,
2007.

MOURA, Adriana Ferro; LIMA, Maria Glória. A reinvenção da


roda: roda de conversa: um instrumento metodológico possível.
Revista Temas em Educação, João Pessoa, v.23, n. 1, p. 98-106, jan./
jun. 2014.

REIS, Marelise de Fátima Griebeler. Possibilidade de formação


em parceria: como se fora a brincadeira de roda. In: ENCONTRO
NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO, 16., 2012,
Campinas. Anais eletrônicos...Campinas: UNICAMP, 2012. p 1-9.
Disponível em: http://www.infoteca.inf.br/endipe/smarty/templa-
tes/arquivos_template/upload_arquivos/acervo/docs/3282p.pdf.
Acesso em: 24 jun. 2018.

WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro: uma parceria entre


professor, alunos e conhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1993.

______. Rodas e narrativas: caminhos para a autoria de pensamen-


to, para a inclusão e a formação. In: SCOZ, Beatriz et al (Orgs.).
Psicopedagogia: contribuições para a educação pós-moderna.
Petrópolis: Vozes, 2004.

______. Rodas em rede: oportunidades formativas na escola e fora


dela. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.

286
RODA DE CONVERSA: METODOLOGIA
PARTICIPATIVA QUE FAVORECE O
DIÁLOGO E A PARTILHA DE SABERES
ENTRE DOCENTES

|| Edileusa de Souza Santos - IFPI


|| Maria Divina Ferreira Lima - UFPI

PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A RODA DE


CONVERSA

Esse trabalho apresenta a utilização da metodologia


de rodas de conversa no contexto de uma pesquisa em anda-
mento, tendo por objetivo destacar o emprego das rodas a
favor da construção de uma prática dialógica que possibilita o
exercício do compartilhamento de saberes entre professores.
Para tanto, no primeiro momento deste artigo, discuti-
mos sobre a roda de conversa como instrumento metodológico
para produção de dados numa pesquisa narrativa, a partir das
ideias de Warschauer (1993, 2004, 2017), Freire (1987), Moura
e Lima (2014) entre outros autores. Em seguida, descrevemos
e analisamos o desenvolvimento das rodas de conversa, a
partir de resultados parciais da pesquisa de mestrado intitu-
lada “A produção de saberes no processo de desenvolvimento

287
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

profissional de professores: ressignificando a prática docente


na Educação Profissional e Tecnológica”. Nesse estudo desen-
volvemos quatro rodas de conversa com a participação de
sete professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Piauí (IFPI).
A roda de conversa não é uma prática recente, diver-
sas manifestações sociais representam-na. O sentar-se dos
nossos avós na calçada para prosear e contar causos, reuniões
familiares, ritos tribais, rodas de samba, brincadeiras entre
outros. Apesar de ser uma atividade antiga, a roda de con-
versa como prática cotidiana perdeu parte de sua frequência
nas comunidades e famílias. Podemos ligar a diminuição des-
sa prática às novas configurações da vida moderna, onde as
pessoas correm contra o tempo para atender a todos os seus
compromissos diários, ao desenvolvimento das tecnologias
que modificam as relações sociais e ao fenômeno da violência
que impede as pessoas de sentar-se à porta para compartilhar
histórias ao final do dia.
Ao estudar sobre a utilização da roda de conversa, a
primeira referência que surge é Paulo Freire, que protagoni-
zou uma experiência inédita na educação brasileira, tornan-
do-se referência em Educação no Brasil e em outros países.
As primeiras iniciativas com o método da roda de conversa,
chamado por Freire (1987) de “círculo de cultura”, surgiram
em 1960 no Nordeste brasileiro a partir dos trabalhos com
alfabetização de adultos.
Na sua concepção pedagógica transformadora, Paulo
Freire compreendeu que as experiências da vivência de mundo
do educando não podiam ser ignoradas no processo de ensino
e aprendizagem. A figura do educador não era superior ao
do aluno, desse modo “no círculo de cultura, a rigor, não se

288
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ensina, aprende-se em ‘reciprocidade de consciências’; não há


professor, há um coordenador, que tem por função dar infor-
mações solicitadas pelos respectivos participantes e propiciar
condições favoráveis à dinâmica do grupo” (FREIRE, 1987, p.
6). A roda de conversa passa a ser considerada como ferra-
menta básica para a prática dialógica, devido à oportunidade
oferecida ao desenvolvimento do discurso do indivíduo.
O ganho em realizar-se uma roda de conversa é o
aprendizado mútuo com a partilha de experiências. Ao com-
partilhar ou escutar um relato marcante, uma prática que deu
certo ou não, uma indagação que traz consigo, uma solução
ou direcionamento, o participante da roda sempre sairá dela
diferente de como entrou através da aprendizagem ocorrida
no contato com os pares.
Consideramos que a prática da roda de conversa é
bem vinda em todas as áreas profissionais e em todas as etapas
da educação, pois ela promove a comunicação que é impres-
cindível ao ser humano. Comunicação essa, que pode ser utili-
zada na produção de dados no campo da pesquisa qualitativa
através do compartilhamento de conhecimentos e vivências.

A RODA DE CONVERSA COMO INSTRUMENTO


METODOLÓGICO POSSÍVEL NA PESQUISA
QUALITATIVA

A roda de conversa tem se constituído um meio efi-


caz de produção de dados na pesquisa qualitativa por oportu-
nizar um processo mediado pela interação entre pesquisador
e participantes, pois para que ela aconteça é necessário envol-
vimento dos sujeitos.

289
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Sobre este aspecto da roda de conversa é pertinente


destacar que é:

[...] uma forma de produzir dados em que o pesquisador


se insere como sujeito da pesquisa pela participação
na conversa e, ao mesmo tempo, produz dados para a
discussão. É na verdade, um instrumento que permite
a partilha de experiências e o desenvolvimento de
reflexões sobre as práticas educativas dos sujeitos [...].
(MOURA; LIMA, 2014, p. 99).

As autoras consideram a roda de conversa como


uma técnica de participação coletiva através do debate de
uma temática (pré-estabelecida de acordo com os objeti-
vos da pesquisa) onde o coordenador do grupo estimula o
diálogo entre os participantes afim de que se expressem e
escutem aos outros e a si mesmo, promovendo assim, um
movimento reflexivo.

A roda de conversa não é uma atividade nova, como


outrora já fora mencionado, sendo uma prática comum entre
os grupos sociais, contudo, alcançou o espaço escolar como
estratégia de ensino e posteriormente às pesquisas qualita-
tivas como instrumento metodológico. Moura e Lima (2014)
reconhecem que apesar de não ser algo inédito, a inovação
está em empregá-la como forma de produção de dados para
os estudos científicos.

Corroborando com o que foi exposto até aqui,


pode-se apontar que as rodas de conversas possibilitam ao
pesquisador:
a) perceber a escola como espaço formativo também
dos docentes, especialmente, quando os saberes/
experiências são compartilhados e refletidos

290
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

coletivamente; [...]

c) aprender a teorizar a partir das práticas docentes


contrariando a clássica aplicação teórica à prática; [...]

f) compreender a pesquisa como um movimento de


reflexões com os envolvidos (e não sobre os mesmos),
numa relação horizontalizada;

g) construir os encaminhamentos dos trabalhos através


de combinações coletivas, valorizando/incluindo os
diferentes saberes dos sujeitos de diferentes lugares;

h) valorizar, fundamentar e qualificar as práticas


docentes. (REIS, 2012, p. 6).

Entre as possibilidades proporcionadas pelas rodas


percebemos o valioso recurso que temos ao nosso alcance,
pois é um instrumento polivalente ao passo que: oferece espa-
ço para a formação na medida em que os saberes e experiên-
cias são compartilhados; propicia a reflexão com os envolvi-
dos na pesquisa e não agindo sobre eles, promovendo uma
relação horizontal entre pesquisador e participante; e respeita
as diferenças entre os sujeitos, valorizando os diversos saberes
manifestados no diálogo circular.

Desse modo, a roda de conversa enquanto técnica


de produção de dados oportuniza a interação grupal e desco-
bertas coletivas significativas na construção dos resultados de
uma pesquisa. Assim, buscando trabalhar com a reflexão e o
diálogo, planejamos as rodas a partir das questões norteado-
ras da pesquisa e do referencial dos autores citados, buscando
promover um ambiente propício para o diálogo, onde todos
se sentissem estimulados para ouvir e falar.

291
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Ao utilizarmos a roda de conversa no desenvolvi-


mento da pesquisa é preciso atentar para o rigor científico.
Na obra A roda e o registro, Cecília Warschauer (1993, p. 56)
adverte para que as rodas não se tornem simples “bate-papo”,
estimulando de fato a construção de conhecimentos. Para tan-
to, é necessário que se faça o registro, considerado pela autora
como “um grande instrumento para a sistematização e orga-
nização dos conhecimentos”.

Para que nenhuma informação se perdesse, durante


a realização das rodas de conversa da nossa pesquisa solicita-
mos autorização aos sujeitos para que as sessões fossem gra-
vadas. Desta forma, o gravador de voz foi colocado no centro
da mesa no início de cada roda. Outra prática de registro que
adotamos foi a escrita no diário de campo do pesquisador ao
final de cada encontro. Nele descrevemos os fatos acontecidos
durante as rodas e nossas impressões em cada etapa. Assim,
entendemos que o registro propiciou a sistematização e apro-
priação do que foi falado na roda. Também se configurou um
excelente instrumento de reflexão do vivido, pois ao registrar,
retomamos e sintetizamos o que apreendemos, fazendo a
reflexão sobre a reflexão, tornando-se instrumento de grande
importância no momento da escrita do trabalho.

Para isso nos fundamentamos nas ideias de


Warschauer (2017, p.223) quando expõe que “a escrita da pró-
pria experiência é oportunidade com grande potencial forma-
tivo, seja nos moldes de diários, seja em textos narrativos das
experiências, sobretudo quando se trata de estratégia coletiva
de análise de práticas”. Portanto, o potencial formativo do
registro encontra-se na reflexão que o indivíduo realiza ao
descrever sua experiência através de sua narração.

292
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

METODOLOGIA: AS RODAS BIOGRÁFICAS

O trabalho de mestrado do qual estamos tra-


tando neste artigo trata-se de uma pesquisa narrativa sobre
a produção de saberes docentes no processo de desenvolvi-
mento profissional de professores bacharéis e tecnólogos da
Educação Profissional e Tecnológica do IFPI. Chizzotti (2013)
afirma que a narrativa de vida pode significar muito, pois são
experiências pessoais que relatam fatos ou acontecimentos
significativos e constitutivos da sua vivência.

Nessa perspectiva é que adotamos a pesquisa narra-


tiva para a investigação proposta, pois nos permitiu conhecer
a trajetória profissional dos participantes através das histórias
narradas, levando-nos a compreender sobre os saberes pro-
duzidos pelos professores ao longo da carreira e como estes
contribuem para a ressignificação de suas práticas docentes.

No âmbito da pesquisa narrativa optamos pela roda


de conversa como um dos instrumentos de produção de dados,
por ser uma metodologia participativa (MÉLLO et al, 2007) em
que é possível dialogar com os sujeitos. Nesse sentido, parti-
mos da concepção de roda apresentada por Warschauer (1993)
que propõe reunir pessoas com histórias de vida diversas e
suas próprias maneiras de pensar e sentir a fim de estabelecer
diálogos durante os encontros.

Assim, foram desenvolvidas quatro rodas de conver-


sa entre os dias 28 de outubro e 07 de dezembro de 2018, sem-
pre às sextas-feiras, no horário da tarde, período em que todos
os professores estavam disponíveis. Cada roda teve a duração
média de três horas e foi guiada por uma questão-tema.

Participaram dos encontros, sete docentes lotados

293
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

em cinco campi diferentes, os quais são: Campo Maior, Dirceu


Arcoverde, Piripiri, Teresina Central e Teresina Zona Sul.
Todos os participantes atuam nos cursos técnicos e tecnoló-
gicos e possuem formação inicial em bacharelado ou tecnólo-
go, sendo dois bacharéis em Administração, um bacharel em
Ciências da Computação, um bacharel em Engenharia Civil,
um tecnólogo em Processamento de Dados, um tecnólogo em
Análise e Desenvolvimento de Sistemas e um tecnólogo em
Design de Moda. Todos possuem pós-graduação stricto sen-
su: cinco possuem mestrado e dois possuem doutorado. No
tocante à experiência docente dos participantes, o tempo de
exercício no IFPI é entre 4 e 24 anos de carreira.

Durante o planejamento da primeira roda biográfica,


nossa primeira preocupação foi como estimular os participan-
tes a contarem suas histórias diante de um grupo de desco-
nhecidos, de forma que a roda se tornasse uma conversa de
verdade. Para tanto, nossa primeira estratégia foi a escolha do
local adequado. O espaço selecionado para a primeira roda foi
uma cafeteria na cidade de Teresina que possui um ambiente
confortável e decoração temática que remete ao passado. A
escolha do lugar objetivou estimular os participantes com a
sensação de retorno às vivências anteriores, servindo como
disparador de memória (GUEDES-PINTO; SILVA; GOMES,
2008) motivando-os a rememorar suas histórias de vida.

A segunda estratégia utilizada foi uma atividade


de autoapresentação, realizada através da leitura da música
Redescobrir de Gonzaguinha, a partir da qual promovemos
uma reflexão sobre os primeiros passos dos professores na
trajetória profissional. A letra da música buscou recordar as
histórias de vida onde se aprendia em meio às novas expe-
riências pessoais e profissionais, valorizando cada etapa per-

294
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

corrida na caminhada docente. Redescobrir foi o título dado à


primeira roda.

Da letra da música foram retiradas sete palavras que


foram utilizadas para identificar os participantes da pesqui-
sa: Vida, Festa, Semente, Luz, Força, Fé e Canção. As palavras
foram dispostas em cartões pendurados em um varal, onde
estes foram convidados a escolher uma das palavras que lhe
representasse e falar ao grupo a relação que esta possuía com
sua história de vida.

Ao realizar essa dinâmica, buscamos promover o


início do diálogo entre o grupo de forma mais espontânea,
pois acreditamos que se iniciássemos diretamente com uma
pergunta sobre o eixo temático, os participantes poderiam
sentir-se intimidados, visto que não é comum o diálogo fluir
entre desconhecidos. Assim, ao falar de si através da palavra
escolhida, eles puderam apresentar-se de forma descontraída
e sentir-se à vontade entre o grupo.

A roda continuou com a discussão da seguinte ques-


tão referente ao primeiro eixo temático da pesquisa: “Como
você produziu os saberes que lhe permitem o exercício da
docência na Educação Profissional e Tecnológica (EPT)? Cada
participante narrou suas experiências de aprendizagem pro-
fissional ao longo da carreira, dando ênfase para os desafios
de tornar-se professor sem possuir curso de licenciatura e
nenhuma outra formação pedagógica. Inicialmente, cada par-
ticipante esperava sua vez de falar, e até faziam sinal para os
outros solicitando permissão para falar, mas no decorrer das
narrativas, a conversa passou a fluir com naturalidade e a falas
passaram a entrecruzar-se na dinâmica de uma conversa nor-
mal. Ao final do encontro foi realizada a avaliação do encontro

295
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

e o encerramento com o momento de confraternização.

A segunda roda foi intitulada de À luz da reflexão


crítica e objetivou discutir as contribuições da prática reflexiva
para o ser professor na EPT. Ao chegarem ao local, os sujeitos
já demonstravam um entrosamento, conversando amenida-
des enquanto aguardavam a chegada de todos. Dessa forma,
o momento da discussão já iniciou-se com a participação ati-
va de todos. Para contextualizar o tema, realizamos a leitu-
ra de uma história chamada A Parábola do Lenhador e em
seguida partimos para a discussão do segundo eixo temático,
dividida em dois blocos, cada um direcionado pelas seguintes
perguntas: 1 - “Você já fez refletiu sobre sua prática docente?
Se a resposta for sim, descreva esse momento”. 2 - “Quais as
contribuições da reflexão para seu desenvolvimento enquanto
professor da EPT?”. Encerramos o encontro com um momen-
to reservado ao lanche.

A terceira roda biográfica teve como objetivo discutir


como os processos de desenvolvimento profissional promo-
vem a ressignificação da prática docente na educação pro-
fissional e tecnológica. O encontro ganhou o título O quanto
eu caminhei para chegar até aqui, que foi uma referência a
um verso da música A Estrada do grupo Cidade Negra. Essa
música foi utilizada no momento de abertura do encontro
como disparador de memória, levando os professores a relem-
brar os caminhos percorridos para chegar até a pessoa que se
tornaram, lembrando dos desafios, das aprendizagens e do
desenvolvimento alcançado em suas trajetórias.

Em seguida foi utilizado um roteiro para apresentar


ao grupo, de forma breve, o conceito de desenvolvimento pro-
fissional docente a fim de contextualizar o tema da discussão.

296
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Dessa forma foi aberta a discussão sobre o terceiro eixo temá-


tico da pesquisa com base nos seguintes questionamentos: 1.
Quais desses processos fazem parte da sua trajetória como
professor(a)? 2. De que forma eles contribuíram para modi-
ficar o seu modo de ser professor, ou seja, sua prática docen-
te? Após o debate, seguiu-se para a avaliação do encontro e o
momento destinado ao lanche.

Na quarta e última roda de conversa foi destinada a


apresentar aos participantes, uma síntese dos dados com base
nas discussões realizadas nas rodas de conversa. Ao longo do
encontro, os professores comentavam sobre as categorias e
subcategorias reveladas através das narrativas, reafirmando o
que haviam dito anteriormente. Esse momento foi importante
para que tivéssemos uma confirmação de nossa interpretação
pela perspectiva dos participantes. No final do encontro os
participantes fizeram uma avaliação geral de todas as rodas
de conversa, da qual falaremos no item a seguir.

ANÁLISE DAS RODAS DE CONVERSA


O trabalho em rodas estabeleceu a aproximação entre
a teoria e prática, pois a prática relatada nas conversas deu
sentido à teoria estudada. Warschauer (2017, p. 97) apresenta
a roda de conversa como “símbolo para viabilizar o diálogo, a
troca de experiências, a construção de conhecimentos com sen-
tido para seus sujeitos, a relação entre o que fazemos e o que
falamos”. Durante nossa experiência enquanto pesquisadoras
atestamos que a roda de conversa é um momento importante,
pela qualidade das partilhas entre os integrantes do grupo.
A forma como o grupo sentava-se, em círculo, favo-

297
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

recia o desejo de ouvir e de falar. Podemos constatar a relevân-


cia desse aspecto quando lemos na obra de Freire (1987, p.9)
que “em diálogo circular, intersubjetivando-se mais e mais,
vai assumindo, criticamente, o dinamismo de sua subjetivida-
de”. Warschauer (1993) corrobora considerando a intersubjeti-
vidade como uma consequência do diálogo entre pessoas que
carregam experiências e significados particulares. Acontece
quando há uma sincronia de ideias, quando um indivíduo
manifesta seu pensamento e outros se identificam com ele
como se fosse seu.
Um receio que tínhamos para o momento das discus-
sões é que acontecesse de forma engessada, no formato de per-
gunta e resposta de cada membro, enquanto os demais apenas
ouviam esperando sua vez. No entanto, à medida que cada
professor respondia ao questionamento, surgiam colocações e
reflexões dos demais participantes, dando a esse momento um
real formato de roda de conversa. A relação dialógica ocorreu
de forma dinâmica, sem que precisássemos indicar o nome de
quem deveria falar.
Dessa maneira, o diálogo possibilitou que os sig-
nificados e sentidos circulassem entre os sujeitos. Assim,
quando um membro se expressava, as palavras circulavam
sem que obrigatoriamente todos concordassem ou discor-
dassem entre si. As falas expressavam os significados das
vivências dos indivíduos do grupo a partir das interações e
conexões interpessoais.
Nessa relação dialógica, quando um professor par-
ticipa de uma conversa numa roda, este deve observar e
envolver-se para aprender pela compreensão do dialogado.
Essa compreensão oportuniza reafirmar as práticas docentes
exitosas ou repensar aquelas que, após a reflexão, careçam de

298
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

reformulação.
Observou-se que a conversa sobre as práticas docen-
tes é uma oportunidade de reflexão e apropriação do fazer dos
professores. Contribui também para a tomada de consciência
de si. Ao ouvir as experiências contadas pelos pares, o docente
amplia suas concepções, supera paradigmas, abre-se para o
novo. Durante a roda acontece um processo reflexivo a partir
das partilhas feitas entre os participantes do grupo.
Para tanto, é necessário considerar a forma-
ção como um processo que pertence àquele que se forma
(WARSCHAUER, 2004). A base da aprendizagem e da forma-
ção está no próprio indivíduo. Não se pode negar o valor que
os outros têm a nos ensinar, mas é o próprio aprendente que
dará significados a partir do que recebe dos outros. Nesse sen-
tido, Albuquerque e Galiazzi (2011, p. 388) dizem que a roda
traz para o participante a possibilidade de “formar-se forman-
do” apontando para a um espaço no qual as aprendizagens
acontecem através dessa relação de compartilhamento.
Outro receio que tivemos foi que os sujeitos desis-
tissem ao longo da pesquisa, entretanto isso não aconteceu.
Acreditamos que o êxito na realização das rodas deu-se pelas
seguintes razões, sem querer estabelecer uma escala de impor-
tância entre elas: 1º - pelo planejamento cuidadoso de cada
encontro, buscando apresentar os temas de forma clara, con-
textualizada e estimulante para os participantes. 2º - através
da motivação proporcionada pelas pesquisadoras para deixar
o grupo à vontade por meio das estratégias de acolhimento,
decoração do espaço, momentos de descontração durante
os cafés servidos. 3º - pelo compromisso pessoal dos parti-
cipantes para com a pesquisa. Assim, as rodas de conversa
constituíram-se em momentos em que o grupo de professores,

299
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

apoiados por nossa mediação, interagiu acerca de uma temáti-


ca, sentindo-se desejosos a participar.
Ao final de cada encontro, os participantes fizeram
avaliação das rodas de conversa. Estes declararam que as
sessões foram prazerosas e relevantes por oportunizarem o
diálogo entre os pares acerca de suas caminhadas profissio-
nais, compartilhando conhecimentos, vivências, sentimentos e
opiniões, gerando uma reflexão sobre suas práticas docentes.
Todos declararam que esperavam com ansiedade pela data de
cada roda, pois se sentiam muito à vontade entre o grupo e
consideravam aqueles momentos como um “oásis” em meio à
rotina da vida, onde paravam para relaxar e conversar.
Atuar como condutoras das rodas biográficas nos
propiciou nosso desenvolvimento profissional, aquisição de
novos saberes enquanto pesquisadoras. Ao iniciar o proces-
so tínhamos noção dos grandes desafios que encontraríamos,
mas também tínhamos a expectativa das diversas contribui-
ções que essa técnica traria para a pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto destacamos que a roda de conver-


sa torna possível a obtenção a dados acessados pelo interesse
do sujeito no diálogo e na partilha. Dados esses que, possivel-
mente, não emergiriam de uma única entrevista ou questio-
nário. A conversa ativou a memória de cada indivíduo, esti-
mulou a discussão e favoreceu a reflexão de diversos aspectos
ligados à prática docente.

O diálogo como ferramenta de aproximação propicia

300
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

por meio da palavra, o caminho para o acesso ao outro, onde


juntos podem evoluir em entendimento, em ação, em reflexão
e na compreensão do mundo. Nesse sentido, a oportunidade
de compartilhar histórias, experiências, saberes e dificuldades
encontradas na profissão, apesar das especificidades de cada
um, leva os participantes a perceberam que não estão sós nos
dilemas docentes. Dessa forma o participante recebe o incen-
tivo através do conhecimento construído a partir do diálogo e
reflexão coletiva.

Para finalizar, importa considerar que a roda de con-


versa é afirmada como espaço de diálogo, no qual os sujeitos
não impõem suas palavras, mas juntos partilham e apren-
dem sobre a realidade e sobre si mesmos através da leitura
de mundo. Assim, a reflexão capaz de levar à compreensão e
reelaboração de conhecimentos encontra na roda de conversa
um espaço privilegiado para seu desenvolvimento. Espaço
esse que pode contribuir para a articulação entre experiências
pessoais e profissionais, gerando em seus participantes uma
postura de maior disponibilidade ao enfrentamento das ques-
tões presentes no cotidiano escolar.

Dessa maneira, a roda de conversa se firma como


mais que um instrumento de produção de dados, revela-se
um eficiente espaço de reflexão e interação, capaz de promo-
ver avanços nas relações que se estabelecem nos grupos.

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Fernanda Medeiros de; GALIAZZI, Maria do
Carmo. A formação do professor em Rodas de Formação. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 92, n.231, p.386-398,
maio/ago. 2011. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/

301
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

rbep/article/view/550/532. Acesso em: 26 fev. 2019.


CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e
sociais. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987.
GUEDES-PINTO, A. L.; GOMES, G. G; SILVA, L. C. B. Memórias de
Leitura e Formação de Professores. Campinas: Mercado de Letras,
2008.
MÉLLO, R. P. et al. Construcionismo, práticas discursivas e pos-
sibilidades de pesquisa. Psicologia e Sociedade, v.19, n.3, p. 26-32,
2007.
MOURA, Adriana Ferro; LIMA, Maria Glória. A reinvenção da
roda: roda de conversa: um instrumento metodológico possível.
Revista Temas em Educação, João Pessoa, v.23, n. 1, p. 98-106, jan./
jun. 2014.
REIS, Marelise de Fátima Griebeler. Possibilidade de formação
em parceria: como se fora a brincadeira de roda. In: ENCONTRO
NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO, 16., 2012,
Campinas. Anais eletrônicos...Campinas: UNICAMP, 2012. p 1-9.
Disponível em: http://www.infoteca.inf.br/endipe/smarty/templa-
tes/arquivos_template/upload_arquivos/acervo/docs/3282p.pdf.
Acesso em: 24 jun. 2018.
WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro: uma parceria entre
professor, alunos e conhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
______. Rodas e narrativas: caminhos para a autoria de pensamen-
to, para a inclusão e a formação. In: SCOZ, Beatriz et al (Orgs.).
Psicopedagogia: contribuições para a educação pós-moderna.
Petrópolis: Vozes, 2004.
______. Rodas em rede: oportunidades formativas na escola e fora
dela. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.

302
SEMINÁRIOS DE ESTUDOS
REFLEXIVOS: CAMPO ABERTO AO
DEBATE, NOVAS PERSPECTIVAS EM
PESQUISAS EDUCACIONAIS

| Marinalva Veras Medeiros - UEMA

Neste artigo apresentamos uma discussão acerca


dos procedimentos teórico- metodológicos realizados em
uma pesquisa já concluída pelo PPGED da Universidade
Federal do Piauí – PPGED/UFPI, mais especificamente, sobre
os seminários de estudos reflexivos realizados nesse contexto
investigativo. Ressaltamos que a referida pesquisa foi reali-
zada em nível de mestrado, e nesta oportunidade se discutiu
com coordenadores pedagógicos da rede municipal ensino de
Teresina-Pi, mediados pelo referencial teórico que embasou
e basilou a investigação, sobre elaboração e/ou reelaboração
de conceitos. A pesquisa teve como objetivo analisar as neces-
sidades formativas do coordenador pedagógico, bem como
criar contextos colaborativos de formação sobre a prática
pedagógica, de modo que esses profissionais pudessem (re)
construir conceitos inerentes à sua própria prática.

303
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

O referencial teórico e metodológico que subsidiou


a investigação teve como base os pressupostos da abordagem
sócio-histórica (VYGOTSKY, 2000; LÚRIA, 1990; BAKHTIN,
1997, entre outros) e da pesquisa colaborativa (DESGAGNÉ,
1997; IBIAPINA, 2004; FERREIRA, 2002, entre outros).

De acordo com a abordagem Sócio-Histórica, a inte-


ração dos sujeitos, mediada pela linguagem, os instrumentos
e os outros, é o fator determinante não apenas da construção
do conhecimento social, mas também do desenvolvimento de
diferentes processos psicológicos. Neste trabalho, realçamos
a formação de conceitos como um dos processos psicológicos
responsável pelo aprendizado e desenvolvimento do indi-
víduo. Segundo Vigotski (2001), a linguagem é responsável
pela introdução de mudanças qualitativas na forma de agir
da espécie humana, é elemento que reestrutura as funções
psicológicas superiores1 e contribui significativamente para a
formação dos conceitos, visto que os significados são formas
abstratas de pensamento que se materializam no meio externo
pela linguagem.

Nesse sentido, encontramos em Vigotski (2000, 2001)


e Bakhtin (1997) a concordância de que o desenvolvimento do
pensamento está intrinsecamente ligado à linguagem consti-
tuída nos contextos sociais. Dessa forma, a consciência não é
definida a priori, ela depende das relações sociais constituí-
das no mundo objetivo. Vigotski (2001) considera que a uni-
dade do pensamento verbal é encontrada no significado das
palavras, essa unidade é dotada de signos que expressam a
função intelectual e social da palavra. Para o referido autor, o

1 A imaginação, a memória, a atenção voluntária, dentre outros.

304
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

significado das palavras é fenômeno do pensamento apenas


à medida que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e
somente é fenômeno da fala, à medida que a fala é ligada ao
pensamento, constituindo-se, dessa forma, em fenômeno do
pensamento verbal.

Nesta perspectiva, Ferreira (2002, p. 164) também


considera que a origem do processo de formação concep-
tual não está relacionada à maturação das funções mentais,
nem ao meio cultural, considerado isoladamente. Para essa
autora, o processo de formação de conceitos está situado nas
relações intrinsecamente ligadas ao conviver socialmente que
se expressam na interação dialógica entre sujeitos, quando
mediadas pela palavra. Nesse processo, “[...] a fala se torna
instrumento do pensamento e o pensamento pode ser verba-
lizado”. Portanto, o processo de formação de conceitos se dá
a partir do momento em que o homem internaliza conheci-
mentos práticos, formais ou informais. Assim, é no exercício
da ação de coordenar o ensino e a aprendizagem, que o coor-
denador pedagógico, conjuntamente ao grupo de professores
que ele lidera no contexto da unidade de ensino, objetivam-se,
constroem-se e participam do processo de construção de novos
conceitos necessários para a consolidação de suas profissões.

A opção pelos pressupostos da pesquisa colabo-


rativa, foi por consideramos que esse tipo de investigação é
o mais adequado para atingir os objetivos propostos nesta
investigação. Além do que, os princípios metodológicos que
orientam esse tipo de pesquisa se coadunam com aqueles
sistematizados pela abordagem Sócio Histórica. Um desses
princípios é a compreensão da capacidade que os indivídu-
os têm de se desenvolver interativamente com os outros em
ambientes formativos sistematizados com a finalidade de pro-

305
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

mover a reflexividade crítica, por meio da expressão linguísti-


ca. Nesse sentido, optamos pela pesquisa colaborativa porque
ela oferece condições de os pares participarem e colaborarem,
“[...] transformando-se em parceiros, usuários e coautores do
processo de pesquisa” (MEDEIROS; IBIAPINA, 2005, p. 06).
Nessa perspectiva, esta investigação foi delineada a partir da
participação ativa, consciente e deliberada de todos os partí-
cipes, as decisões, ações, análises e reflexões realizadas foram
coletivamente construídas por meio de discussões vivencia-
das no grupo de estudos e pesquisa.

Desgagné (1997) baseado em Mucchielly e Lewin,


considera que os postulados sobre os quais se baseia a pesqui-
sa colaborativa e a concepção do prático que está subjacente,
já orientam o pesquisador, ou seja, ter em conta a conside-
ração do ponto de vista dos práticos sobre o que eles fazem,
se interessar pelo controle reflexivo que eles desenvolvem em
seus contextos de ação, analisar suas maneiras de enfrentar
as situações no interior dos limites e dos recursos que elas
apresentam privilegiar, acima de tudo, suas competências de
ator em contexto, supõe que o pesquisador não dirigirá pela
sua escolha de objeto, um olhar normativo e exterior “sobre”
o que fazem os professores, mas procurará “com” eles, e no
interior do contexto no qual eles atuam compreender o que
apoia o seu agir.

Tendo como referência as dimensões apresentadas


por Desgagné (1997) para a realização de pesquisas desta
natureza, escolhemos três princípios que orientaram a realiza-
ção desta pesquisa.

• A co-construção do objeto de conhecimento rea-


lizada entre o pesquisador e o professor. Nessa

306
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

perspectiva, tanto pesquisador quanto os pesqui-


sados assumem a posição de co-construção do
conhecimento sobre um determinado aspecto da
prática docente, sobre um fenômeno a ser investi-
gado por meio de colaboração mútua.

• A associação da atividade de produção de conhe-


cimento ao desenvolvimento profissional. Nessa
dimensão, o fenômeno explorado apresenta dois
pontos de vista: a atividade de pesquisa e forma-
ção para o pesquisador e a atividade de formação
para os professores. O pesquisador, pela sua pró-
pria condição, acumula os papeis de pesquisador
e formador.

• A mediação entre comunidade de pesquisa e


comunidade de prática. Nessa perspectiva, é exi-
gido, ao pesquisador, o envolvimento em proje-
tos que movimentem tanto o mundo da pesquisa
quanto o da prática. Assim, os conhecimentos
construídos no desenvolvimento da pesquisa
são produtos desse processo de aproximação e
mediação entre teoria e prática, entre cultura de
pesquisa e cultura de prática.

• Entendemos que a escolha por esses princípios


em contextos de pesquisa, implica também em
compreender que a colaboração e a tomada de
decisões democráticas são elementos básicos ao
desenvolvimento de projetos de investigação-
ação com caráter colaborativo, pois, por meio da
dialogicidade impressa por esse tipo de pesqui-
sa todos os envolvidos têm vez e voz, refletem,

307
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

analisam, consideram ou desconsideram tanto as


suas ações quanto as dos seus pares. No entanto,
formar um grupo que corresponda às expectati-
vas orientadas por esses princípios, não se consis-
te em tarefa fácil.

CRIANDO AS POSSIBILIDADES: O CONVITE

A escolha dos partícipes para fazer parte desta pes-


quisa se deu de forma bastante peculiar, convidamos coorde-
nadoras pedagógicas que além de demonstrar no seu cotidiano
de trabalho, compromisso ético-político com o fazer e o saber-
fazer docente, também fossem profissionais que se preocupas-
sem com o seu próprio desenvolvimento profissional e que
estivessem dispostos a aderir à proposta de pesquisa como
oportunidade de desenvolvimento profissional. A peculiari-
dade se caracteriza pela própria escolha, não seria qualquer
coordenador, mas sim, alguém que apresentasse esse perfil.

Nesse sentido, buscamos identificar coordenadoras


lotadas no quadro permanente da Secretaria Municipal de
Educação e Cultura de Teresina, que tivessem interesse em
participar da pesquisa. É importante ressaltar que também
fazíamos parte do quadro de profissionais da educação do
referido município, na função de professora, facilitando com
isso, o nosso contato com as coordenadoras. Desse modo, em
conversas informais e individuais com alguns coordenadores,
explicitamos a intenção em realizar a pesquisa e, ao mesmo
tempo fazíamos o convite àqueles que acreditávamos estar
dentro dos critérios pensados anteriormente. Assim, para par-
ticipar do primeiro encontro coletivo convidamos doze coor-

308
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

denadoras pedagógicas. Nesta ocasião, falamos do plano de


pesquisa e dos objetivos propostos para o trabalho.

Com a realização desse encontro, dez supervisoras


se mostraram motivadas à participar do projeto e aderiram
voluntariamente ao estudo, pois consideraram este trabalho
importante para os seus processos de desenvolvimento profis-
sional. Dessa forma, o grupo foi formado com onze partícipes,
grupo no qual nos incluímos como participe e pesquisadora.

Depois do grupo formado, realizamos duas ações


subsequentes. Primeiramente, apresentamos ao Secretário de
Educação Municipal de Teresina o projeto de implementa-
ção das ações de formação voltadas aos coordenadores dessa
Secretaria, mostrando lhe as vantagens do projeto na imple-
mentação da formação contínua no contexto dessa instituição,
particularmente, para o grupo em evidência. Nesta oportuni-
dade solicitamos parceria, no sentido de que fossemos libera-
das das nossas atribuições legais junto à Secretaria, no período
de realização do Mestrado, de uma vez que éramos professo-
ra desta instituição de ensino. Solicitamos também ajuda de
custo para o desenvolvimento da pesquisa, bem como, a libe-
ração das coordenadoras que aderiram ao trabalho, de suas
atribuições na escola, nos dias dos encontros para os estudos
implementados pela pesquisa. Nestes termos, foi negociado
com o secretário que seriamos liberadas parcialmente de nos-
sas atribuições na referida secretaria para cursar o Mestrado,
as coordenadoras estariam liberadas de suas funções na esco-
la nos dias e horários, destinados aos estudos implementados
pela pesquisa e a ajuda de custo não foi negociada.

A segunda ação, consistiu no envio de uma carta aos


diretores(as) das escolas em que trabalhavam as coordenado-

309
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ras pedagógicas. Neste documento explicitamos as vantagens


da pesquisa tanto para o coordenador, enquanto sujeito agen-
te de própria formação, quanto para a comunidade escolar,
enquanto espaço que requer cada vez mais de profissionais
capacitados. Ressaltamos também, o resultado da conversa que
tivemos com o secretário de educação e pedimos colaboração
no sentido de liberar as coordenadoras nos dias destinados aos
encontros de formação e de pesquisa. Todos os diretores(as)
entenderam a importância do trabalho nos diferentes âmbitos
da sociedade. Nesse sentido, mostraram-se solidários(as) em
colaborar, viabilizando a liberação das partícipes nos dias de
encontro para estudos.

Assim estava vencida a primeira etapa procedimen-


tal da pesquisa, o grupo de partícipes, as coordenadores peda-
gógicas, estava formado.

COMO CONSTRUIR DADOS DE PESQUISA


EM CONTEXTOS COLABORATIVOS? QUE
PROCEDIMENTOS ESCOLHER?

Para a realização da pesquisa supracitada elegemos


como procedimentos de construção dos dados entrevistas
individuais e coletivas, encontros coletivos, seminários de
estudos reflexivos, sessões reflexivas e narrativas de forma-
ção. Neste artigo fizemos um recorte entre os demais proce-
dimentos e trazemos uma discussão acerca dos seminários de
estudos reflexivos, compreendidos como tempo/espaço que
garantiram as condições para que as coordenadoras pedagó-
gicas refletissem sobre as suas ações, podendo tornar-se auto-
conscientes de suas práticas pedagógicas.

310
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

SEMINÁRIOS DE ESTUDOS REFLEXIVOS:


CONSTRUINDO COLABORATIVAMENTE SABERES
E FAZERES NO CAMPO DA PESQUISA EM
EDUCAÇÃO

A importância dos seminários de estudos refle-


xivos se configura pela necessidade do desenvolvimento
de nova cultura profissional voltada para o trabalho dos
professores, ou seja, a produção de saberes, valores e ati-
tudes que deem corpo ao exercício autônomo da profissão
docente. No contexto desta pesquisa, este procedimento de
investigação tomou acento ao ponto inicial, pois, por meio
dele os demais procedimentos foram tomando suas posi-
ções imprescindíveis para a formação do corpus da pesqui-
sa, por considerarmos seu objeto.

Neste cenário de estudos, pesquisas e formações os


seminários de estudos reflexivos são recursos importantes
para o estabelecimento da relação teoria-prática e o enten-
dimento de conceitos, pois, nesses espaços, professores e
coordenadores são levados a exercitar o debate e a analisar
os incidentes críticos vividos no contexto da prática peda-
gógica. Com relação a esse procedimento, Paaz (2000, p.
04) faz a seguinte consideração:

Os seminários reflexivos, como metodologia alternativa


de formação de professores, precisam ser considerados
como um procedimento complexo exigindo muito
estudo, reflexões preliminares e ambientes propícios,
uma vez que estimulam o aparecimento do pensamento
divergente.

311
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Destarte, o debate proporcionado nesse contexto


possibilita aos participantes rever seus próprios valores,
crenças e objetivos de ação oportunizando-os à opção por
novas alternativas metodológicas, ao tratar da problemá-
tica do ensino como algo concreto, circunstancial e carre-
gado de ideologias, crenças, e tabus. Assim, com vista à
realização das ações de formação e pesquisa implemen-
tadas por esta investigação, foram realizados nesse tem-
po/espaço seis seminários de estudos reflexivos, Ou seja,
selecionamos três temas, que os consideramos gerais e três
conceitos, que consideramos mais específicos, levando em
conta as necessidades formativas das coordenadoras, para
serem trabalhados nos seminários com as partícipes.

Ressaltamos que os temas possibilitaram ao gru-


po a internalização de conhecimentos teóricos acerca das
opções epistemológicas da pesquisa. Esses temas foram
categorizados da seguinte forma: pesquisa colaborativa,
reflexão crítica, abordagem Sócio-Histórica e formação de
conceitos. Os conceitos foram correspondentes às necessi-
dades formativas negociadas, ou seja, o conceito de plane-
jamento, avaliação e formação.

O objetivo desse procedimento foi motivar as par-


tícipes a realizarem análise crítica e reflexiva das teorias
que orientam a prática pedagógica e também de proporcio-
nar condições para a reflexão de como essa prática pode ser
orientada pela teoria, sendo que nessa dinâmica relacional
entre a teoria e a prática, o grupo foi motivado a perceber o
seu próprio processo de formação vivenciado no decorrer
do desenvolvimento profissional.

312
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Utilizamos como ferramenta de estudo dos temas e


conceitos expressos acima, textos que subsidiaram a compre-
ensão acerca do referencial teórico-metodológico da pesqui-
sa e da arqueologia dos conceitos de avaliação, planejamento
e formação, que foram estudados pelo grupo. Essa arque-
ologia contém a evolução histórica desses significados e as
informações específicas sistematizadas ao longo da história
da profissão do coordenador pedagógico.

Os estudos realizados no primeiro seminário


foram mediados pelo texto “Reflexões sobre a pesquisa
colaborativa” 2. Esse texto trata das especificidades ine-
rentes a essa modalidade de pesquisa, destacando princi-
palmente, a origem e evolução desse tipo de investigação.
Retrata também os pressupostos teórico-metodológicos
que fundamentam a investigação colaborativa, bem como,
a necessidade de as partícipes elaborarem, no contexto da
pesquisa, as atribuições que cada uma deve desempenhar
no decorrer da mesma.

Após estes estudo, negociamos, de forma conscien-


te, as atribuições que as partícipes desta pesquisa teriam
que assumir no decorrer da investigação. Procuramos
esclarecer, sobretudo, quais as atribuições que caberiam
também à pesquisadora, enquanto mediadora desse pro-
cesso. Explicitamos no quadro 01 as atribuições negociadas
com as coordenadoras.

2 Texto organizado pelas mestrandas (na época) Marinalva Veras Medeiros e Francisca
da Costa Brito para ser trabalhado no Grupo de Estudo Dialogismo e Reflexividade:
uma trajetória na construção do conhecimento.

313
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Quadro 01 – Atribuições das partícipes no contexto da pesquisa

ATRIBUIÇÕES DA MEDIADORA ATRIBUIÇÕES DAS PARTÍCIPES


• Levantar as necessidades formativas, • Aprovar conceitos
definindo-as como conceitos; selecionados no levantamento
• Levar para a discussão no grupo, das necessidades formativas;
o resultado do levantamento, para • Definir os conceitos a serem
definição dos conceitos a serem trabalhados;
trabalhados;
• Fazer o diagnóstico dos conhecimentos • Responder ao diagnóstico dos
prévios sobre os conceitos definidos; conhecimentos prévios;
• Aplicar os instrumentos de coleta de • Participar ativamente de todas
informação e transcreve-las; as atividades propostas pela
• Organizar os textos para o estudo dos pesquisa;
conceitos; • Mostrar-se disponível para
• Mediar as sessões reflexivas possíveis encontros extras;
• Construir e discutir com o grupo o • Apresentar-se como
modelo de análise das enunciações; voluntário para fazer os
• Indicar leituras complementares; registros nos encontros;
• Redigir os relatórios provisórios • Ler os relatórios parciais e,
contendo as enunciações, submetendo- quando necessário, fazer as
as à aprovação dos parceiros neles possíveis ressalvas;
envolvidos;
• Divulgar os resultados do
• Divulgar os resultados de estudo estudo em parceria com o
individualmente ou em parcerias. mediador.

Fonte: elaborado pela autora

É importante destacar que além dos estudos sobre


pesquisa colaborativa e definições de atribuições das parti-
cipes, neste primeiro seminário de estudos reflexivos, cada
partícipe também descreveu por escrito, os conhecimentos
prévios construídos, durante sua trajetória profissional,
sobre o planejamento, avaliação e formação. Os conheci-
mentos prévios foram utilizados, posteriormente, nas ses-
sões reflexivas, como ponto de partida para a elaboração e
reelaboração dos conceitos.

314
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

O segundo seminário de estudo foi mediado pelo


texto “Reflexão Crítica: uma ferramenta para a formação
docente” (IBIAPINA; FERREIRA, 2003). Esse texto apresenta
uma discussão acerca da importância da reflexibilidade para
o processo de constituição do ‘eu’; assim como, destaca o pro-
cesso reflexivo como atividade essencialmente social, isto é,
atividade que deve ser realizada, preferencialmente, com a
ajuda de outros pares mais experientes. Nesse processo, a lin-
guagem é ferramenta mediadora da reflexividade sobre o que
fazemos, como fazemos e a que interesse estamos servindo;
ou ainda, quem somos e porque fazemos o que estamos fazen-
do, enfim, leva-nos a refletir sobre nós mesmos e sobre nossas
ações. O texto aponta ainda para a importância da sistemati-
zação da reflexão crítica. Nesse sentido, indica o espaço das
sessões reflexivas como o mais propício ao desencadeamento
da reflexibilidade sobre a prática docente.

No terceiro seminário de estudos reflexivos, pon-


tuamos aspectos relativos à abordagem Sócio-Histórica e à
formação de conceitos. O texto mediador desse estudo foi “O
processo de formação de conceitos na abordagem sócio-histó-
rica e as implicações para a prática pedagógica” (IBIAPINA,
2006). Esse texto retrata a historicidade da evolução do homem
na perspectiva histórica, social, cultural e psicológica, mostra
que essas dimensões são constituídas e constituintes nos/dos
processos sociais. O texto aborda também, de forma sintética,
a história de vida de Vigotski, um dos precursores da abor-
dagem Sócio-Histórica, ressalta ainda, aspectos relevantes
do processo de formação de conceitos, processo considerado
imprescindível para o desenvolvimento do psiquismo huma-
no, que, conforme afirma Vigotski (2001, p. 50).

315
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade


complexa, em que todas as funções intelectuais
básicas tomam parte. No entanto, o processo
não pode ser reduzido à atenção, à associação, à
formação de imagens à inferência, ou às tendências
determinantes. Todas são indispensáveis, porém
insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como
meio pelo qual conduzimos as nossas operações
mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos
em direção à solução do problema que enfrentamos.

Esse texto auxiliou na fundamentação teórica,


contribuindo para que as partícipes compreendessem a
evolução e formação dos conceitos científicos, bem como,
as implicações dessa formação conceptual para a prática
pedagógica dos professores.

No quarto seminário, iniciamos os estudos relativos


aos conceitos negociados. O primeiro conceito estudado foi
planejamento. Para desencadear o processo reflexivo sobre
esse conceito, escolhemos como instrumento de mediação o
texto cujo título é: “O planejamento como atitude” (IBIAPINA;
LIMA, 2007). Esse texto foi ferramenta imprescindível ao
desenvolvimento do estudo proposto, haja vista que ele mostra
como o conceito de planejamento adentrou no cenário educa-
cional brasileiro, quais as teorias que orientaram ou orientam
os educadores na realização de planejamentos. Mostra, ainda,
que o processo evolutivo do conceito de planejamento varia
conforme o tempo e o espaço, ou seja, essa evolução envol-
ve, necessariamente, as dimensões social, histórica, cultural
e política de cada época. Destarte, o texto apresenta a pers-
pectiva de planejamento como atividade crítica e reflexiva. De
acordo com as ideias defendidas pelas autoras, os educadores
necessitam mudar de atitudes ao planejar.

316
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

No quinto seminário, o estudo foi mediado pelo texto


“O conceito de avaliação e as implicações para o processo de
desenvolvimento profissional” (IBIAPINA; FERREIRA, 2007).
Escolhemos esse texto por considerá-lo propício ao desenvol-
vimento do processo reflexivo que desenvolvemos com as
partícipes. Esse processo ressalta a prática avaliativa exercida
no contexto escolar, o conceito de avaliação e a possibilidade
de reconstrução desse conceito.

Destacamos que esse texto apresenta uma arqueo-


logia do conceito de avaliação e apresenta uma análise refle-
xiva acerca das concepções teóricas da avaliação. Portanto,
consideramo-lo contemplar à necessidade formativa apresen-
tada pelo grupo, pois as autoras do referido texto retratam a
evolução desse conceito, apontando mudanças ocorridas ao
longo do tempo com relação aos atributos desse conceito, res-
saltam ainda, qual é o significado mais evoluído de avaliação.
Atendendo, assim, a recomendação de Kopnin (1978) de que
se deve estudar o conceito em seu estado mais evoluído.

O último seminário, espaço reservado aos estudos


acerca do conceito de formação, foi mediado pelo texto cujo
título é: “A formação do professor-supervisor: perspecti-
vas e mudanças”, (MEDEIROS, 2007). Esse texto traz um
recorte histórico sobre a evolução do conceito de formação
em diferentes épocas e contextos. Retrata, ainda, a dife-
renciação entre os conceitos de formação e de educação.
Demonstra como a função do coordenador pedagógico foi
se ressignificando ao longo do tempo, passando de ação
técnica e burocratizante realizada na prática pedagógica,
para atuação mediadora, reflexiva, interativa, voltada à
formação contínua do professor.

317
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

No quadro 02, apresentamos de forma sintética os


temas gerais e os conceitos que subsidiaram tanto teórico
quando metodologicamente estudos acerca das necessidades
formativas das partícipes desta pesquisa.

Quadro 02 – Síntese dos temas gerais e dos conceitos estudados no decurso


da pesquisa

SEMINÁRIOS DE ESTUDOS REFLEXIVOS


TEMAS GERAIS
TEXTOS IDEIAS CENTRAIS
CONCEITOS
Apresenta a origem e evolução desse tipo
Pesquisa Reflexões sobre a de investigação. Bem como os pressupostos
colaborativa pesquisa colaborativa teórico-metodológicos que fundamentam a
pesquisa colaborativa.

Destaca o processo reflexivo como


Reflexão Crítica: uma
atividade essencialmente social. Traz a
Reflexão crítica ferramenta para a
linguagem como ferramenta mediadora da
formação docente
reflexividade.

Retrata a historicidade da evolução do


Abordagem A Teoria Sócio-
homem na perspectiva histórica, social,
Sócio-Histórica Histórica e o
cultural e psicológica. Ressalta também,
e a formação de processo de formação
aspectos relevantes do processo de
conceitos conceptual
formação de conceitos.

Apresenta o processo evolutivo do


O planejamento como conceito de planejamento e a perspectiva
Planejamento
atitude de planejamento como atividade crítica e
reflexiva.

Reelaboração do
Apresenta a arqueologia do conceito de
conceito de avaliação
avaliação, as concepções teóricas, que
em educação e as
fazem parte do conhecimento sobre
Avaliação implicações para
avaliação e a evolução histórica desse
o processo de
conceito, ressaltando seu significado mais
desenvolvimento
evoluído
profissional

Retrata a evolução do conceito de for-


A formação do mação em diferentes épocas e contextos.
professor-supervisor: Diferencia o conceito de formação e
Formação
perspectivas e educação. Demonstra como a função do
mudanças supervisor escolar foi se (re)significando ao
longo do tempo.

Fonte: Construído com base em dispositivos teóricos da pesquisa.

318
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Ressaltamos que os três primeiros seminários de


estudos proporcionaram condições para aprofundamento de
temas que possibilitaram às partícipes conhecimento sistema-
tizado acerca dos princípios da abordagem Sócio-Histórica,
da pesquisa colaborativa, e dos processos de reflexividade e
de desenvolvimento profissional. E nos três seminários sub-
sequentes foram implementados estudos acerca dos conceitos
que se caracterizaram como necessidades formativas das par-
ticipes, sendo esse os eixos norteadores da referida pesquisa.

Consideramos, portanto, que nesse tempo/espaço


dos seminários de estudos reflexivos foram criadas as con-
dições materiais para que as partícipes se apropriassem de
forma colaborativa dos princípios gerais da pesquisa da qual
estavam envolvidas volitivamente.

ÚLTIMAS PALAVRAS

Consideramos que no contexto desta pesquisa os


seminários de estudos reflexivos consistiram em importan-
te momento, e por assim dizer, o momento inicial, de estu-
dos e diálogos com um referencial que para algumas das
partícipes se apresentava como algo completamente novo,
para outras nem tanto, mas que, para todas era carregado
de sentidos e significados que as possibilitou refletir sobre
o seu fazer pedagógico a partir do chão da escola, sobre o
seu “eu” profissional e sobre o “nós” enquanto coletivida-
de de uma categoria profissional.

Este procedimento metodológico conjugado com


outros, como as sessões reflexivas por exemplo, possibilitou
dialeticamente, conforme os princípios da pesquisa colabora-

319
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

tiva e abordagem Sócio-Histórica, construir tanto os dados da


pesquisa quanto a formação do grupo envolvido na investiga-
ção, sem perder de vista os objetivos propostos.

Desse modo, reiteramos que, os procedimentos meto-


dológicos de pesquisas poderão ser processos formativos tanto
para o pesquisador quanto para os pesquisados, pois, quando
colocados em contextos de pesquisa colaborativos possibili-
tam o exercício da reflexividade acerca de temas propostos.
Sobre maneira, nessa pesquisa, os seminários de estudos refle-
xivos representaram um caminho possível de aprendizagem
da análise crítica das teorias que orientam a prática, bem como
das condições possíveis para se pensar com criatividade sua
reconstrução permanente no sentido de práxis.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 8. ed. São Paulo:
Hucitec, 1997.
DESGAGNÉ, S. Le Concept de recherche collaborative. L’idée
d’un rapprochement entre Chercheurs Universitáries et praticieus
enseignante. Revue des Sciences de L’education, n. 23, v.2, p. 371-
393, 1997.
FERREIRA, M. S. O conceito na abordagem vygotskiana e suas
implicações para a prática pedagógica. In: COLÓQUIO FRANCO-
BRASILEIRO EDUCAÇÃO E LINGUAGEM, 2., 2002, Natal. Anais...
Natal: UFRN, 2002.
IBIAPINA, I. Mª. L. de M. Docência Universitária: um romance
construído na reflexão dialógica. 2004. 393f. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2004.
______. O processo de formação de conceitos na abordagem sócio-

320
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

histórica e as implicações para a prática pedagógica. In: CARVALHO,


M. V. C. de. (Org.). Temas em Psicologia e Educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006. p. 127-143.
______; FERREIRA, M. S. Reflexão Crítica: Uma ferramenta para
formação docente. In: Revista Linguagem Educação e Sociedade,
Teresina, n. 09, p.71 - 80, jan.-dez. 2003.
______; ______. O conceito de avaliação e as implicações para o pro-
cesso de desenvolvimento profissional docente. In: ______. Formação
de Professores: texto & contexto. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
______; LIMA. M. da G. S B. O planejamento como atitude. In:
______. Formação de Professores: texto & contexto. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007.
LÚRIA, A.R. Desenvolvimento Cognitivo: seus fundamentos cultu-
rais e sociais. São Paulo: Ícone, 1990.
KOPNIN, P. V. A didática como lógica e teoria do conhecimento.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
MEDEIROS, M. V.; IBIAPINA, I. M. L. de M.. O papel do super-
visor na formação continuada de professores. In: SEMINÁRIO DE
PESQUISA DO CCSA, 11., 2005, Natal. Anais... Natal: UFRG, 2005.
(1 CD-ROM).
______. Formação do professor - supervisor: perspectivas e mudan-
ças. In: IBIAPINA, I. Mª. L. de M. Formação de Professores: texto &
contexto. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
PAAZ, A. Seminários reflexivos como estratégias de formação
continuada de professores. In: CONGRESSO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 2000, Uberlândia. Anais... Uberlândia: EDUFU 2000.
(1 CD-ROM).
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
VIGOTSKI, L. S. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.

321
O MOVIMENTO DE PESQUISAR E
FORMAR EM ENSINO DE CIÊNCIAS
E MATEMÁTICA DO GRUPO DE
PESQUISA FORMEM

| Patrícia Sandalo Pereira

Neste capítulo, o foco será o grupo de pesquisa


Formação e Educação Matemática (FORMEM), que foi criado,
em 2011, com uma única linha de pesquisa que é a Formação
de Professores e que tem como objetivo investigar sobre a for-
mação docente em seus diferentes espaços e níveis educati-
vos. A opção pela linha de pesquisa Formação de Professores
deu-se devido ao entendimento de que ela é o início do pro-
cesso formativo de futuros professores de Matemática e está
em constante movimento, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 – O movimento propiciado pela formação de professores

Fonte: Elaborado pela autora

322
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

O FORMEM é constituído por acadêmicos dos cur-


sos de mestrado e doutorado em Educação Matemática e
doutorado em Ensino de Ciências; professores da Educação
Básica e acadêmicos do curso de Licenciatura em Matemática.
O grupo desenvolve estudos e pesquisas na área de Educação
Matemática e Ensino de Ciências com base nos princípios do
Materialismo Histórico-Dialético e da Pesquisa Colaborativa,
atuando, principalmente, com Formação de Professores (for-
mação inicial, formação continuada e desenvolvimento pro-
fissional). Também desenvolve ações de extensão e pesquisa
com a comunidade externa a UFMS por meio de projetos. Este
ano, o grupo completou 10 anos desde a sua criação.

A seguir, apresentaremos os projetos que o FORMEM


participou desenvolvendo pesquisas, bem como os estudos
que foram produzidos, a partir dos resultados durante o
movimento de pesquisar e formar dos partícipes.

O FORMEM E O MOVIMENTO DE PESQUISAR E


FORMAR

No Brasil, o debate sobre e com a formação de


professores de Matemática tem estado em evidência, prin-
cipalmente devido às constantes mudanças nas Diretrizes
Curriculares Nacionais. Atualmente, temos a revogação
da Resolução CNE/CP 02/2015, que definia as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível
superior (cursos de licenciatura, cursos de formação peda-
gógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e

323
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

para a formação continuada (BRASIL, 2015). Salientamos


que essa resolução havia sido amplamente discutida pela
comunidade educacional (BAZZO; SCHEIBE, 2019).

De acordo com Bazzo e Scheibe (2019, p. 676), essa


resolução era um convite

[...] à reflexão teórica, filosófica, política e ética sobre


o que é a docência, o que a compõe, quais são suas
dimensões, como se formam os professores, que papel
cabe ao Estado nesse processo, que princípios norteiam
a base comum nacional para uma sólida formação para
o magistério da educação básica, entre outras questões
que cercam a temática. Nada foi esquecido. Tudo o que
um dia os educadores organizados em suas entidades
representativas pensaram e defenderam sobre esse
assunto, de alguma forma, foi contemplado.

Mas, apesar disso, muitas instituições não adequaram


seus projetos pedagógicos à luz da Resolução CNE/CP 02/2015.
Podemos afirmar isso, pois partícipes do FORMEM colabora-
ram com a pesquisa “A Licenciatura em Matemática no Brasil
em 2019: análises dos projetos dos cursos que se adequaram à
Resolução CNE/CP 02/2015”, em âmbito nacional, que foi pro-
posta e desenvolvida pelos integrantes do Grupo de Trabalho
7 (GT7) da Sociedade Brasileira de Educação Matemática
(SBEM), que foi coordenada pela Profa. Dra. Samira Zaidan
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A líder do
FORMEM coordenou a região Centro-Oeste nessa pesquisa.

Os resultados da pesquisa apontaram que somente


172 dos 298 cursos de licenciatura em Matemática na modali-
dade presencial, inseridos nas universidades federais, univer-

324
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sidades estaduais e institutos federais, realizaram as adequa-


ções para atender à Resolução CNE/CP 02/2015. Salientamos
que a opção pelas universidades públicas foi um dos critérios
adotados na referida pesquisa, devido ao número elevado de
cursos nas instituições particulares.

No movimento propiciado por esta pesquisa, os


integrantes do FORMEM produziram um capítulo inti-
tulado “Panorama das Licenciaturas em Matemática em
Universidades Federais e Estaduais na Região Centro-Oeste:
adequação à Resolução DCN-CNE-MEC/2015” (PEREIRA,
PAULA, SAKAI, OLIVEIRA), que fará parte do e-book
(ZAIDAN et al, NO PRELO), a ser publicado pela SBEM.

A partir dos dados da referida pesquisa, outros dois


artigos foram produzidos, submetidos e aprovados, estando
em fase de editoração nos seguintes periódicos: “A forma-
ção de professores de Matemática na região Centro-Oeste do
Brasil frente as reformas curriculares: Perspectivas e desafios”
(PEREIRA; FARIAS), na Educação Matemática em Revista
(EMR– RS), e “A Prática como Componente Curricular e
seus desdobramentos na Formação Inicial de Professores
de Matemática a partir da Resolução CNE/CP 02/2015”
(PEREIRA, SAKAI, OLIVEIRA, PAULA), na Revista Sergipana
de Matemática e Educação Matemática (ReviSeM).

A seguir, trazemos um panorama das pesquisas


desenvolvidas no FORMEM desde a sua criação.

325
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Quadro 1 – Pesquisas desenvolvidas pelo FORMEM por ano

ANO Doutorado Mestrado Total


2011 ---- 01 01
2012 ---- 02 02
2013 ---- 01 01
2014 ---- 02 03
2015 ---- 02 04
2016 ---- ---- 04
2017 ---- 02 02
2018 01 01 02
2019 01 02 03
2020 01 ---- 02
2021 02 ---- 02
Total 06 13 26

Fonte: Elaborado pela autora

Ao longo desses dez anos, o FORMEM tem se empe-


nhado em estudar as temáticas que permeiam a formação de
professores e, como podemos observar no Quadro 1, tivemos
26 pesquisas concluídas, sendo 13 dissertações de Mestrado e
06 (seis) teses de Doutorado.

As 13 dissertações de Mestrado vinculadas ao


FORMEM foram as seguintes: “Uma análise de reflexões e de
conhecimentos construídos e mobilizados por um Grupo de
Professores no Ensino de Números Decimais para o Sexto Ano
do Ensino Fundamental” (MIOLA, 2011); “Um olhar sobre as
tendências metodológicas em Educação Matemática nos cur-

326
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

sos de Licenciatura em Matemática” (SIEBRA, 2012); “A Prática


como Componente Curricular nos Cursos de Licenciatura em
Matemática: entendimentos e alternativas para sua incorpo-
ração e desenvolvimento” (NOGUEIRA, 2012); “Equações e
Expressões algébricas para o Ensino Fundamental: um olhar
sobre alguns cursos de Licenciatura em Matemática” (SOUZA,
2013); “Retratos do formador de professores de Matemática a
partir das pesquisas acadêmicas produzidas na região Centro-
Oeste (2005 - 2012)” (PAULA, 2014); “Estado da arte das
pesquisas sobre Estágio Supervisionado nos Programas de
Pós-Graduação nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste”
(SAKAI, 2014); “Reflexões e interações de um professor da
Educação Básica em um projeto colaborativo” (PARDIM,
2015); “Reflexões sobre a prática docente de um professor de
Matemática a partir da Pesquisa Colaborativa” (JORGE, 2015);
“Um panorama das pesquisas em formação continuada de pro-
fessores de Matemática no Programa OBEDUC (2010 - 2015):
uma caracterização da reflexividade docente” (QUIRINO,
2017); “Saberes construídos e ressignificados por um pro-
fessor de Matemática da Educação Básica quando investiga
a sua prática pedagógica” (BORGES, 2017); Formação inicial
de professores de Matemática: limites e perspectivas propi-
ciados pela pesquisa colaborativa no processo de reflexão”
(LOURENÇO, 2018); “O Estágio Curricular Supervisionado
de futuros professores de Matemática na perspectiva colabo-
rativa” (EIDAM, 2019) e “Investigando a formação inicial de
professores de Matemática: da aquisição do conhecimento ao
profissional reflexivo” (PAPACOSTA, 2019).

O número menor de teses deve-se ao fato que o


Doutorado em Educação Matemática teve seu início em 2015
e o Doutorado em Ensino de Ciências, em 2017. A partir da

327
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

inserção de doutorandos no FORMEM, as pesquisas desenvol-


vidas têm, como base de estudo, os princípios do Materialismo
Histórico-Dialético, fundamentando-se na Teoria Sócio-
Histórica e na Pesquisa Colaborativa.

As seis teses de Doutorado, que foram vincula-


das ao projeto de pesquisa “A formação de professores e os
processos formativos lesson study e a pesquisa colaborati-
va”, são: “Interações e mediações propiciadas pela pesquisa
colaborativa e o desenvolvimento profissional de professores
de Matemática” (MIOLA, 2018), “Necessidades formativas
na constituição do professor de Matemática em formação e
em exercício: diálogos e conexões” (NOGUEIRA, 2019), “As
potencialidades da espiral formativa na formação inicial e con-
tinuada de professores de Matemática: um processo reflexivo
e colaborativo no movimento de pesquisar e formar” (JORGE,
2020), “As manifestações de coletividade no processo de forma-
ção continuada de professores de Matemática” (ANDRADE,
2020), “Metanálise das pesquisas brasileiras desenvolvidas
na perspectiva galperiana em contexto de formação inicial de
professores de Matemática (2003-2018)” (SAKAI, 2021) e “O
planejamento de aula colaborativo como percurso para um
processo de reflexão de professores em formação do curso de
Licenciatura em Química” (LEITE, 2021).

A opção do FORMEM em desenvolver trabalhos com


a pesquisa colaborativa ocorreu em 2013, a partir da aprova-
ção do projeto em rede intitulado “Trabalho colaborativo com
professores que ensinam Matemática na Educação Básica em
escolas públicas das regiões Nordeste e Centro-Oeste”, com
base no Edital 49/2012, vinculado ao Programa Observatório
da Educação – OBEDUC da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes), que tinha, como objeti-

328
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

vo, propiciar, por meio de práticas colaborativas, a reflexão de


professores acerca do trabalho didático/pedagógico e desen-
cadear ações educativas voltadas para a sala de aula, visando
às melhorias do ensino e da aprendizagem matemática.

A pesquisa colaborativa contribui para o processo de


produção de conhecimentos e para a formação de professores,
objetivando a transformação das realidades concretas edu-
cacionais. Na pesquisa colaborativa, de acordo com Ferreira
(2009, p. 195-196), a ideia é “investigar ‘com’ em vez de inves-
tigar ‘sobre’, o que significa uma inversão nas relações entre
pesquisador e sujeitos pesquisados, particularmente no que se
refere às investigações das práticas pedagógicas”. A aborda-
gem colaborativa no campo da educação é importante, pois,
para que ela efetive-se, o professor da escola necessita “estar
junto”, negociando sentidos e significados.

Segundo Bandeira (2016, p. 63), a pesquisa colabora-


tiva “constitui unidade pesquisa-formação, cujo fundamento
é o Materialismo Histórico Dialético”. Neste sentido, inicia-
tivas educacionais mais recentes têm aliado, em um mesmo
projeto, pesquisa e formação, como foi o caso do projeto em
rede citado anteriormente.

Porém, trabalhar com a pesquisa colaborativa impli-


ca superar os seguintes desafios, conforme aponta Ibiapina
(2016, p. 56):

• Educar para viver com os outros, mantendo


relações de cooperação, colaboração, solidariedade
e responsividade;
• Deslocar o valor supremo dos indivíduos (do eu) ao
valor do outro (alteridade);

329
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

• Reconhecer que o eu é dependente de outros eus e


depende do nós (somos seres de relações);
• Negar a competição como motor da superação
humana, negar que o ser humano somente avança
quando o outro é sobrepujado;
• Desenvolver o pensamento e o agir crítico e
criativo.

Sendo assim, a pesquisa colaborativa diferencia-se


das demais por seu caráter reflexivo e crítico,

[...] que faz com que os professores alcancem autonomia


e empoderamento, à medida que aprendem a refletir
sobre sua própria prática e o reflexo disso, dá-se
na sala de aula, onde é capaz de ser um profissional
mais completo e sensível à realidade de seus alunos
(OCANHA; PEREIRA, 2019, p. 6)

A partir dos apontamentos sobre a pesquisa cola-


borativa, destacaremos duas dissertações de Mestrado, que
foram desenvolvidas durante a execução do projeto vinculado
ao OBEDUC citado anteriormente, são elas: Pardim (2015) e
Jorge (2015).

Durante o desenvolvimento de cada uma das pes-


quisas, os encontros colaborativos oportunizaram aos inte-
grantes do grupo compartilhar um pouco de si, acreditar em
si e perceberem que a interação possibilitava discutir as suas
necessidades. Em cada um dos trabalhos, foi estabelecida
uma relação de respeito, confiança e diálogo, com o intuito de
conduzir cada participante a conversar, negociar e analisar as
situações envolvidas na comunidade escolar.

330
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A pesquisa de Pardim (2015) teve, como objetivo,


analisar os movimentos reflexivos de um professor acerca da
sua prática, quando ele participava de ciclos de estudos cola-
borativos, visando responder a seguinte questão: Como a par-
ticipação de um professor em ciclos de estudos colaborativos
pode levá-lo a movimentos reflexivos sobre a sua prática? A
pesquisa foi desenvolvida em uma escola municipal em duas
turmas de sexto ano do Ensino Fundamental. Como procedi-
mentos metodológicos, foram utilizados os ciclos de estudos
colaborativos, os registros reflexivos, as entrevistas narrativas,
a autobiografia e as transcrições dos vídeos das reuniões do
FORMEM e do subgrupo específico.

O estudo de Jorge (2015) teve, como objetivo, com-


preender o processo reflexivo de um professor de Matemática
sobre a sua prática docente no âmbito de sala de aula, a par-
tir da pesquisa colaborativa, com o propósito de responder
a seguinte questão: Como a pesquisa colaborativa possibi-
lita compreender o processo reflexivo de um professor de
Matemática sobre a sua prática docente a partir da espiral
reflexiva ampliada? A pesquisa ocorreu em uma escola estadu-
al na sala de aula de um professor no primeiro ano do Ensino
Médio. Os dados foram produzidos a partir das etapas da
espiral reflexiva ampliada: planejamento, aplicação da aula,
entrevista, sessão reflexiva, novo planejamento, nova aplica-
ção da aula, nova entrevista e nova sessão reflexiva.

Dentre as teses de Doutorado, destacaremos apenas


as teses de Miola (2018), Nogueira (2019), Jorge (2020) e Leite
(2021).

O estudo de Miola (2018) partiu da hipótese que, no


contexto da pesquisa colaborativa, as interações e as media-

331
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

ções podem ser fontes catalizadoras do desenvolvimento


profissional docente. Os sujeitos da pesquisa foram dois par-
ticipantes que atuavam na Educação Básica e tinham partici-
pado durante os três anos do projeto “Trabalho colaborativo
com professores que ensinam Matemática na Educação Básica
em escolas públicas das regiões Nordeste e Centro-Oeste”.
A autora propôs-se investigar as interações e as mediações
que ocorreram em uma proposta de formação continuada
desenvolvida por meio da metodologia da pesquisa colabo-
rativa para o desenvolvimento profissional de professores de
Matemática. Os dados foram produzidos a partir de 38 sessões
e uma entrevista coletiva.

A pesquisa de Nogueira (2019) buscou compreender


a relação entre as necessidades formativas e as conexões no/
para o processo de constituição do professor de Matemática
em formação e em exercício, a partir da parceria colaborati-
va. Os espaços formativos foram organizados no contexto das
aulas de Prática de Ensino e na sala de estudos do FORMEM
com cinco futuros professores, dois professores da educação
básica, a pesquisadora e a orientadora. Os dados foram prove-
nientes dos registros diários dos colaboradores e das transcri-
ções (filmagens dos encontros).

O trabalho de Jorge (2020) teve, como objeto de estu-


do, a formação de professores de Matemática, tanto inicial
como continuada, com base teórica no Materialismo Histórico-
Dialético, em uma pesquisa colaborativa, na qual se buscou
compreender as potencialidades da espiral formativa na for-
mação inicial e continuada de professores de Matemática como
processo reflexivo e colaborativo no movimento de pesquisar
e formar. A pesquisa foi desenvolvida em uma turma da dis-
ciplina de Estágio Curricular Supervisionado III no curso de

332
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

licenciatura em Matemática da Universidade Federal de Mato


Grosso do Sul (UFMS), campus Campo Grande, em conjunto
com doze alunos, o pesquisador, a professora orientadora e
dois professores da rede estadual de ensino do município de
Campo Grande/MS. Os dados foram produzidos a partir das
etapas da espiral formativa (Figura 2), que são: Planejamento,
Desenvolvimento da Aula, Entrevista, Sessão Reflexiva,
Novo Planejamento, Nova Desenvolvimento da Aula, Nova
Entrevista, Nova Sessão Reflexiva e Entrevista final.

Figura 2 – Representação da Espiral Formativa

Fonte: Jorge (2020, p. 74)

333
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

A tese de Leite (2021) teve, como objetivo, analisar


os indícios de reflexão dos futuros professores de Química,
que foram propiciados pelos movimentos reflexivos decor-
rentes do planejamento de aula colaborativo. Os sujeitos da
pesquisa foram os futuros professores do curso de Química
– Licenciatura, da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), matriculados nas disciplinas Matemática I e
Matemática II, ofertadas no primeiro e no segundo semestres
letivos do ano de 2020. Os dados foram produzidos a partir de
questionários, videoaulas, roteiros de aulas, planos de aula e
sessões reflexivas.

Todas as pesquisas tiveram como referenciais teóri-


cos e metodológicos a pesquisa colaborativa (IBIAPINA, 2008),
que busca fortalecer o diálogo entre a universidade e a escola,
possibilitando aos professores da Educação Básica repensar as
suas práticas pedagógicas nas aulas de Matemática e desen-
volverem-se profissionalmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No campo da Educação Matemática e do Ensino de


Ciências, a pesquisa colaborativa vem ao encontro dos pes-
quisadores que buscam desenvolvimento crítico sobre a for-
mação de professores, mostrando o movimento de pesquisar
e formar professores frente à realidade.

Os resultados das pesquisas de Pardim (2015), Jorge


(2015), Miola (2018) e Jorge (2020) evidenciaram que a ação
conjunta entre pesquisadores e professores da Educação
Básica possibilitaram movimentos participativos, colabora-
tivos e reflexivos, viabilizando aos professores explorarem

334
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

e questionarem os seus próprios saberes e práticas, além


de propiciarem o enfrentamento e a superação das neces-
sidades apresentadas no desenvolvimento de suas práti-
cas docentes. Portanto, possibilitaram visualizar a postura
reflexiva dos profissionais envolvidos, apontando mudan-
ças no trabalho docente por meio do desenvolvimento pro-
fissional dos participantes.

Jorge (2020) concluiu que a espiral formativa é


um novo caminho teórico e metodológico, pois possibi-
litou o desenvolvimento da formação de professores de
Matemática, a partir do trabalho colaborativo em um movi-
mento reflexivo.

Já Nogueira (2019) concluiu que, a partir dos encon-


tros formativos espiralados dialógicos, organizados intencio-
nalmente, via necessidades formativas, por meio da parceria
colaborativa, houve indícios que os colaboradores tomaram
consciência das múltiplas significações inerentes ao processo
de constituição do professor de Matemática em formação e
em exercício. A parceria colaborativa e a formação espiralada
dialógica no processo na/para a constituição do professor de
Matemática foi de suma importância.

A pesquisa de Leite (2021) concluiu que os movi-


mentos reflexivos propiciaram a integração de conteúdos de
conhecimento específico com pedagógico, corroborando com
a formação pedagógica do futuro professor de Química.

Portanto, foram muitas as contribuições para a práti-


ca docente e pedagógica dos partícipes das pesquisas, inclusi-
ve, houve indícios de transformações, pois, conforme Pereira
(2017, p. 106) aponta, “não há como participar de um movi-
mento colaborativo sem deixar um pouquinho de si e levar

335
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

um pouquinho do outro, existe um emaranhado de fios, os


quais se tocam, cruzam, perpassam, constituindo novas redes,
novos pensamentos, novas decisões, novos sujeitos”.

REFERÊNCIAS
ANDRADE, S. V. R. As manifestações de coletividade no proces-
so de formação continuada de professores de Matemática. Tese
(Doutorado em Educação Matemática), Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, 2020.
BANDEIRA, H. M. M. Pesquisa Colaborativa: unidade pesquisa-for-
mação. In: IBIAPINA, I. M. L. M., BANDEIRA, H. M. M., ARAÚJO,
F. A. M. (orgs.) Pesquisa colaborativa: multirreferenciais e práticas
convergentes. Teresina: EDUFPI, 2016, p. 33 – 61.
BAZZO, V.; SCHEIBE, L. De volta para o futuro... retrocessos na
atual política de formação docente. Retratos da Escola, v. 13, n. 27,
p. 669-684, 2019.
BORGES, R. Saberes construídos e ressignificados por um profes-
sor de Matemática da Educação Básica quando investiga a sua prá-
tica pedagógica. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática),
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.
Conselho Pleno. Resolução nº 2/CP/CNE/2015. Define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior
(cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para gradu-
ados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continua-
da. Brasília, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, seção
1, n. 124, p. 8-12, 02 de julho de 2015.
EIDAM, A. O Estágio Curricular Supervisionado de futuros pro-
fessores de Matemática na perspectiva colaborativa. Dissertação
(Mestrado em Educação Matemática), Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, 2019.

336
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

FERREIRA, M. S. Pesquisa colaborativa e suas interconexões com a


formação docente. In: BALDI, E. M. B.; FERREIRA, M. S.; PAIVA, M.
Epistemologia das Ciências da Educação. Natal – RN: EDUFRN –
Editora da UFRN, 2009, p. 193-208.
IBIAPINA, I. M. L. M. Reflexões sobre a produção do campo teó-
rico-metodológico das pesquisas colaborativas: gênese e expansão.
In: IBIAPINA, I. M. L. M., BANDEIRA, H. M. M., ARAÚJO, F. A. M.
(orgs.) Pesquisa colaborativa: multirreferenciais e práticas conver-
gentes. Teresina: EDUFPI, 2016, p. 33 – 61.
IBIAPINA. I. M. L. M. Pesquisa colaborativa: investigação, forma-
ção e produção de conhecimentos. Brasília DF: Líber Livro Editora,
2008.
JORGE, N. M. As potencialidades da espiral formativa na forma-
ção inicial e continuada de professores de Matemática: um proces-
so reflexivo e colaborativo no movimento de pesquisar e formar.
Tese (Doutorado em Educação Matemática), Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, 2020.
JORGE, N. M. Reflexões sobre a prática docente de um profes-
sor de Matemática a partir da pesquisa colaborativa. Dissertação
(Mestrado em Educação Matemática), Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, 2015.
LEITE, K. M. D. O planejamento de aula colaborativo como per-
curso para um processo de reflexão de professores em formação do
curso de Licenciatura em Química. Tese (Doutorado em Educação
Matemática), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2021.
LOURENÇO, J. J. Formação inicial de professores de Matemática:
limites e perspectivas propiciados pela pesquisa colaborati-
va no processo de reflexão. Dissertação (Mestrado em Educação
Matemática), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2018.
MIOLA, A. F. S. Interações e mediações propiciadas pela pesqui-
sa colaborativa e o desenvolvimento profissional de professo-
res de Matemática. Tese (Doutorado em Educação Matemática),
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2018.

337
PESQUISA E FORMAÇÃO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

MIOLA, A. F. S. Uma análise de reflexões e de conhecimentos cons-


truídos e mobilizados por um Grupo de Professores no Ensino
de Números Decimais para o Sexto Ano do Ensino Fundamental.
Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, 2011.

NOGUEIRA, K. F. P. Necessidades formativas na constituição do


professor de Matemática em formação e em exercício: diálogos e
conexões. Tese (Doutorado em Educação Matemática), Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, 2019.

NOGUEIRA, K. F. P. A Prática como Componente Curricular nos


Cursos de Licenciatura em Matemática: entendimentos e alter-
nativas para sua incorporação e desenvolvimento. Dissertação
(Mestrado em Educação Matemática), Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, 2012.

OCANHA, M.; PEREIRA, P. S. A pesquisa colaborativa como alter-


nativa na formação de professores de Ensino de Ciências. Anais
do XII ENPEC. Natal – RN, 2019, p. 01-07.

PAPACOSTA, G. Investigando a formação inicial de professores de


Matemática: da aquisição do conhecimento ao profissional reflexi-
vo. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, 2019.

PARDIM, J. F. S. Reflexões e interações de um professor da Educação


Básica em um projeto colaborativo. Dissertação (Mestrado em
Educação Matemática), Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, 2015.

PAULA, R. B. Retratos do formador de professores de Matemática


a partir das pesquisas acadêmicas produzidas na região Centro-
Oeste (2005 - 2012). Dissertação (Mestrado em Educação Matemática),
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2014.

338
SOBRE OS
COLABORADORES

DENISE VIANA E SOUSA


Graduanda do Curso de Licenciatura
em Pedagogia pela Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Integrante
do Grupo Formação de Professores
na Perspectiva Histórico-Cultural
(FORMAR).
Bolsista do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) em 2017-2018
EDILEUSA DE SOUZA SANTOS

FABRÍCIA DA SILVA MACHADO

FRANCISCA EUDEILANE DA SILVA PEREIRA


HILDA MARIA MARTINS BANDEIRA
Professora Adjunta do Departamento
de Métodos e Técnicas de Ensino (DMTE)
do Centro de Ciências da Educação
(CCE-UFPI), docente do Programa de
Pós-Graduação em Saúde e Comunidade
(PPGSC-UFPI). Pesquisadora do Grupo
Formação de Professores na Perspectiva
Histórico-Cultural (FORMAR).

IVANA MARIA LOPES DE MELO IBIAPINA


Professora aposentada da Universidade
Federal do Piauí. Doutora em Educação
pela UFRN e Pós-doutorado em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem pela
PUC/SP.

JOELSON DE SOUSA MORAIS


Doutor em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP).
Pesquisador do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC/
UNICAMP), do Grupo Interinstitucional de
Pesquisa-Formação Polifonia (UNICAMP/
UERJ) e do Grupo de Pesquisas
Interdisciplinares: Educação, Saúde e
Sociedade da Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA/CNPQ).

JOSIANE SOUSA COSTA DE OLIVEIRA

LICEU LUÍS DE CARVALHO


LÚCIA DE ARAÚJO RAMOS MARTINS

LINDAMARA OLIVEIRA DE SOUSA


Graduada do Curso de Licenciatura em
Pedagogia pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI) e integrante do Grupo Formação
de Professores na Perspectiva Histórico-
Cultural (FORMAR).
Bolsista do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) em 2018-2019

MÁRCIA MARIA DIAS CARVALHO

MARIA DIVINA FERREIRA LIMA


Professora Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPI/
CCE/DMTE/PPGED. Possui Doutorado
(UFRN) e Mestrado em Educação
(UFPI). Ministra as Disciplinas: Didática
Geral, Prática Pedagógica, Pesquisa em MARIA DO SOCORRO BRITO DE OLIVEIRA
Educação. Coordenadora do Núcleo de
Pesquisa, Formação Docente, Ensino e
Práticas Educativas – NUPEFORDEPE.
MARIA SALONILDE FERREIRA

MAURICÉIA SILVA DA TRINDADE MACHADO


Mestre em Educação do Programa de
Pós-Graduação (PPGED) da Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Bolsista da FAPEPI/
CAPES. Especialista em coordenação
Pedagógica (UFPI) e graduada em
Pedagogia (UESPI). Integrante do Núcleo de
Pesquisa em Educação, Formação Docente,
Ensino e Práticas Educativas (NUPEFORDEPE).

MARLUCIA BARROS LOPES CABRAL


Doutora em Educação, pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN,
professora efetiva da UERN, atuando no
Curso de Graduação em Letras Língua
Portuguesa; no Mestrado Profissional em
Letras - PROFLETRAS - e no Curso de
Pedagogia (PARFOR).

MARINALVA VERAS MEDEIROS

MICHELLY CRISTINY SOARES


Mestre em Letras – PROFLETRAS/UERN,
professora da Rede Estadual lotada na
E.E. Marcos Alberto de Sá Leitão/11ª
DIREC, Assú/RN. Aluna do Mestrado
profissional em Letras PROFELETRAS –
Assú – UERN.
PATRÍCIA SANDALO PEREIRA
Doutora em Educação Matemática pela
UNESP – Rio Claro/SP. Docente nos
Programas de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências e Educação Matemática
da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS). Líder do grupo
de pesquisa Formação e Educação
Matemática (FORMEM).

ROBERTA KAROLINE AZEVEDO MOREIRA


Mestre em Educação do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGEd)
da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Bolsista da FAPEPI/CAPES. Integrante
do Núcleo de Pesquisa em Educação,
Formação Docente, Ensino e Práticas
Educativas (NUPEFORDEPE).
RODOLFO MEISSNER ROLANDO

WELLINGTON DE OLIVEIRA
Pós-doutor em Psicologia d Educação
pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP. Doutor em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem
pela mesma universidade. Professor na
Faculdade de Tecnologia do Centro de
Educação Paula Souza (FATEC-campus
Itaquaquecetuba)

Você também pode gostar