Você está na página 1de 3

Texto 4

Texto de referência para a aula  Professor José Knust


Natureza e Sociedade  Primeiro semestre

Texto 4A:

MAXIMIANO, Liz Abad. “Considerações sobre o conceito de Paisagem”.


Raega - O Espaço Geográfico em Análise 8, 2004.

As diversas disciplinas científicas e mesmo o senso participação humana. Para este autor, as diferenças de
comum têm uma explicação própria do que seja paisagem. abordagem podem ser questão de método, envolvendo a
Há variações do conceito, conforme a disciplina que o análise e classificação das paisagens. Dependendo ainda
elabora, mas também há parâmetros mais ou menos do interesse, formação e objetivos do observador, a análise
comuns mantidos nas definições. poderá enfatizar a vegetação, clima, relevo, produção
Os significados do termo paisagem se diversificam a econômica, arquitetura, história ou fauna. Quanto ao
cada definição de dicionário e tornam-se mais complexos, método, a análise poderá privilegiar a fisionomia, a
conforme os usuários. (...) A Organização para Educação, dinâmica, as relações internas, a ecologia, ou, ainda, um
Ciência e Cultura das Nações Unidas – Unesco declarou conjunto delas. A escala utilizada permitirá detalhes ou
considerar que a paisagem é simplesmente a “estrutura do imporá limites, tanto para análise quanto para
ecossistema”, e o Conselho Europeu, diz que “o meio mapeamento. (...)
natural, moldado pelos fatores sociais e econômicos, Embora o conceito de paisagem esteja bastante
torna-se paisagem, sob o olhar humano”. Já a paysage assimilado pela geografia, a construção da ideia não está
francesa refere-se principalmente aos aspectos visuais. (...) de todo acabada. Alguns aspectos são comuns à maioria
Para os alemães, landschaft envolve a noção de território, dos conceitos, mas ainda há dúvidas e discussões. Um dos
semelhante ao landscape inglês. Ambos também referem- pontos comuns é a afirmação de que a existência humana
se ao aspecto visual. (...) Além disso, as diversas ciências deve ser incluída no conceito de paisagem. Mas a
também desenvolveram noções mais ou menos específicas frequência com que é repetida parece evidenciar a luta da
ao seu campo de estudo, quando se referem a paisagem. geografia em não fragmentar estudos de paisagem em
[Para o geólogo ou para o agrônomo, a paisagem é] a ciências específicas, que excluem de suas pesquisas a
expressão da relação entre vertentes e propriedades dos dimensão social, econômica e cultural, assim como as
solos, onde ocorre uma relação inversa entre os ângulos de relações horizontais entre elementos. Outro aspecto sólido
inclinação das vertentes e da espessura do horizonte dos na concepção geográfica de paisagem diz respeito ao
solos. (...) Para o sociólogo ou o economista, a paisagem aspecto visual, como cenário, ou resultado, dos eventos
é a base do meio físico, onde o homem em coletividade a naturais e sociais. São as fisionomia e morfologia, de
utiliza, ou não, e a transforma segundo diferentes critérios. interesse da geografia e que ocupam determinado espaço.
Para o botânico ou ecólogo, a paisagem significa, antes de Esta é uma característica que dá à paisagem, como objeto
mais nada, um conjunto de organismos num meio físico, geográfico, a possibilidade de ser cartografada. A questão
cujas propriedades podem ser explicadas segundo leis ou da escala também é importante na pesquisa geográfica de
modelos, com ajuda das ciências físicas e ou biológicas. paisagem, pois permite a hierarquização de classes de
Entre os geógrafos há um consenso de que a paisagem, paisagem. Por exemplo, a vegetação, que pode ser
embora tenha sido estudada sob ênfases diferenciadas, abordada nas escalas planetária, regional e/ou local. Por
resulta da relação dinâmica de elementos físicos, fim, a noção de taxonomia, presente na concepção de
biológicos e antrópicos. E que ela não é apenas um fato paisagem geográfica, permite identificar as unidades de
natural, mas inclui a existência humana. Tanto a escola paisagem, em escalas maiores ou menores, conforme cada
alemã, como a francesa, que influenciaram a geografia caso, e classificá-las de acordo com os parâmetros
brasileira, dão ênfase a aspectos diferentes da paisagem. A adotados. Portanto, embora haja diversidade de enfoques
geografia alemã tem herança naturalista, desde Humboldt; sobre a paisagem em geografia, os elementos comuns
a francesa desenvolveu observações quanto à região, permitem definir um método geográfico para o seu estudo.
formada pelas culturas e sociedades em cada espaço Alguns trabalhos terão na vegetação o seu tema central, e
natural. assim, as classificações serão conforme esta variável,
Para Bertrand, não seria a simples junção de elementos embora sejam considerados, naturalmente, os outros
geográficos que resultaria em uma paisagem, mas a elementos presentes. Em outros casos, o parâmetro
combinação dinâmica, instável, dos elementos físicos, taxonômico será a morfologia do terreno, relevo, clima,
biológicos e antrópicos, porque a paisagem não é apenas cultura ou outro qualquer, porém levando sempre em conta
natural, mas é total, com todas as implicações da os princípios do método.
Texto 4B:

KROPF, Marcela; OLIVEIRA, Rogério; LAZOS RUÍZ, Adi Estela. Sujeitos Ocultos na Paisagem:
Desvelando a Cultura Material e o Trabalho Humano. Estudios Rurales, vol. 10, núm. 19, 2020, p.3-4.

(...) Na escala da paisagem, o que temos hoje por As paisagens são impregnadas de passado. São
natural pode se tratar, na verdade, de um sistema manejado “heranças das sucessivas relações entre homem e
durante séculos por populações passadas. No caso da natureza”, podendo ser vistas tanto como um produto da
Floresta Atlântica, cuja ocupação humana data de milhares coevolução das sociedades humanas e do meio natural,
de anos, um longo histórico de transformação de suas quanto a expressão territorial do metabolismo que uma
condições ambientais traduz a forma com que suas dada sociedade mantém com o sistema natural que a
populações (sejam sambaquieiros, índios, brancos, negros sustenta. Essa interligação visceral entre a dinâmica
ou mestiços) interagiram ou interagem com o ambiente ao natural da paisagem e as intencionalidades humanas traz à
longo do tempo. Assim, muito do que entendemos hoje por tona o fator tempo e a historicidade das sucessivas
natureza primitiva constitui, na verdade, um mosaico mudanças na paisagem.
ecológico de usos pretéritos para a subsistência de A reconstrução da história da atividade humana sobre
populações que se sobrepõem com maior ou menor os ecossistemas pode se realizar sob diferentes enfoques e
frequência. O território da Floresta Atlântica foi - e em em diferentes escalas espaciais e temporais. No entanto,
parte ainda é - habitado por muitos destes grupos, hoje esses recortes devem levar em consideração o fato de que
denominados genericamente como populações as paisagens são percebidas como territórios, isto é,
tradicionais, como as comunidades descendentes de etnias espaços vividos e apropriados pelas culturas que as
indígenas, populações miscigenadas, remanescentes de utilizaram em diferentes épocas. A busca pelas condições
quilombolas, roceiros ou grupos descendentes de de existência física e os mecanismos culturais constituem
imigração mais recente. Ou seja, trata-se de um ambiente os motores da apropriação, identificação e transformação
repleto da presença humana. da paisagem.
[Por outro lado,] considerar a paisagem como uma Mesmo após o abandono da atividade econômica ao
entidade fundamentalmente cultural pode levar a se longo do tempo, a sucessão ecológica age nesses espaços
desconsiderar ou subvalorizar o seu componente natural, transformando-os ainda mais. Ao longo do tempo, a
relegando-o a um plano inferior, o que não é verdadeiro. sucessão destes usos deixa marcas, se especializa e se
Toda a paisagem é formada pela conjunção de processos e sobrepõe como paleoterritórios – conceito proposto como
propriedades inerentes ao bioma onde a mesma está uma parte do processo sucessional e definido como a
inserida, como clima, o conteúdo de nutrientes dos solos, espacialização das resultantes ecológicas decorrentes do
biodiversidade, os rumos da sucessão ecológica, etc. Em uso dos ecossistemas por populações passadas (ou por
seu conjunto, estes podem tanto direcionar quanto serem atividades econômicas) na busca de suas condições de
direcionados pela atividade humana ao longo do tempo. existência. Como estes estão em constante transição social
Mas, em contraponto ao caso anterior, uma e ecológica, os paleoterritórios constituem um repositório
sobrevalorização do componente natural, esquecendo-se de histórias profundas acerca da relação do homem com o
do humano mostra apenas uma parte da realidade: meio. Os paleoterritórios constituem um enfoque e um
paisagens puramente naturais são de existência duvidosa. caminho analítico para o historiador ambiental integrar as
Perring e Ellis, estimando o tempo de uso dos dinâmicas da transformação da paisagem e da sociedade.
ecossistemas, indicaram que os lugares mais selvagens Na medida em que esta última se torna mais complexa, a
localizam-se em climas extremos como o Deserto do Saara paisagem resultante é mais híbrida devido à intensificação
ou o norte da Rússia, porém diversos grupos humanos da relação entre o mundo humano e o mundo não-humano.
conseguiram se adaptar a estes ambientes, deixando Parte da presença humana é integrada nas paisagens na
inevitavelmente suas marcas na paisagem. Assim, uma forma de trabalho. O dispêndio de energia e esforço de
parte muito considerável do que chamamos paisagem homens e mulheres, assim como as suas intencionalidades
natural constitui na verdade um produto da agência e do e relações de poder geram consequências que ficam
trabalho humano e, ao ser considerada como natural, impregnadas na paisagem. O ponto central do presente
importa muito se suprimimos dela a presença humana ou estudo é reconhecer o trabalho humano nas paisagens. No
se a reconhecemos. Há, portanto, a necessidade de se entanto, em muitas vezes este está oculto ao olhar ou é de
incluir o legado da atividade humana como parte do difícil percepção. E isto se deve à ação do passado
enfoque ecológico nas investigações sobre a paisagem, e, (representado por processos diversos como erosão,
portanto, não se limitar a interpretar a sua estrutura e sucessão ecológica, urbanização, etc.) e à percepção de
funcionamento a partir de um ponto de vista quem estuda a paisagem.
exclusivamente natural.
Texto 4C:

SCHAMA, Simon. “Introdução”. In: Paisagem e memória. Companhia das Letras, 1996, p.17-29.

(...) A atuação dos vários ecossistemas que sustentam a os humanos fora. Assim, tanto as companhias de
vida no planeta independe da interferência humana, pois mineração que penetraram nessa área de Sierra Nevada
eles já estavam agindo antes da caótica ascendência do quanto os índios Ahwahneechee foram meticulosa e
Homo Sapiens. Mas também é verdade que nos custa energicamente expulsos do idílico cenário. (...)
imaginar um único sistema natural que a cultura humana [Porém,] até mesmo as paisagens que parecem mais
não tenha modificado substancialmente para melhor ou livres da nossa cultura, a um exame mais atento, podem
para pior. E isso não é obra apenas dos séculos industriais. revelar-se como seu produto. (...) [Acredito] que isso não
Vem acontecendo desde a antiga Mesopotâmia. É é motivo de culpa e tristeza e, sim, de comemoração. (...)
contemporâneo da escrita, de toda a nossa existência Os prados reluzentes, que sugeriram a seus primeiros
social. E esse mundo irreversivelmente modificado, das encomiastas um Éden impoluto, eram, na verdade,
calotas polares às florestas equatoriais, é toda a natureza resultado das frequentes queimadas realizadas pelos seus
que temos. ocupantes, os índios Ahwahneechee. Assim, embora
Os fundadores do moderno ambientalismo, Henry reconheçamos (como devemos) que o impacto da
David Thoreau e John Muir, garantiram que “nos ermos humanidade sobre a ecologia da terra não foi puro
bravios se encontra a preservação do mundo”. A ideia era benefício, a longa relação entre natureza e cultura
que a natureza selvagem estava em algum lugar, no tampouco tem constituído uma calamidade irremediável e
coração do Oeste americano, esperando que a predeterminada. No mínimo, parece correto reconhecer
descobrissem, e que seria o antídoto para os venenos da que é nossa percepção transformadora que estabelece a
sociedade industrial. Os “ermos bravios”, contudo, eram, diferença entre matéria bruta e paisagem. (...)
naturalmente, produto do desejo da cultura e da elaboração [Meu ponto de vista] não teve origem numa visão
da cultura tanto quanto qualquer outro jardim imaginado. idealizada do nosso passado ou de nossas perspectivas.
O primeiro Éden americano, por exemplo, e também o Também estou consternado com a incessante degradação
mais famoso: Yosemite [primeiro Parque Nacional criado do planeta e acredito em muitas das previsões sobre suas
nos Estados Unidos]. Embora o estacionamento seja quase possibilidades de cura. (...) [Meu objetivo] não é contestar
tão grande quanto o parque e os ursos estejam fuçando a realidade dessa crise. Antes, é revelar a riqueza, a
entre embalagens do McDonald’s, ainda imaginamos antiguidade e a complexidade de nossa tradição
Yosemite como Albert Bierstadt o pintou ou Carleton paisagística para mostrar o quanto podemos perder. Ao
Watkins e Ansel Adams o fotografaram: sem nenhum invés de postular o caráter mutuamente exclusivo da
vestígio da presença humana. É evidente que o próprio ato cultura e da natureza ocidentais, quero mostrar a força dos
de identificar (para não dizer fotografar) o local pressupõe elos que as unem. (...)
nossa presença e, conosco, toda a pesada bagagem cultural Os hábitos culturais da humanidade sempre deixaram
que carregamos. espaço para o caráter sagrado da natureza – é isso que tento
Afinal, a natureza selvagem não demarca a si mesma, mostrar (...). Todas as paisagens, do parque urbano às
não se nomeia. Foi uma lei do Congresso, em 1864, que trilhas na montanha, têm a marca de nossas persistentes e
designou Yosemite Valley como um lugar de significado inelutáveis obsessões. Não precisamos negociar nosso
sagrado para a nação, durante a guerra [civil americana] legado cultural ou sua posteridade, penso eu, para levar a
(...). Foram necessárias visitas santificantes de pregadores sério os muitos e variados males do ambiente. Só temos de
da Nova Inglaterra como Thomas Starr King, fotógrafos entender tal atitude pelo que ela de fato é: veneração, não
como Leander Weed, Eadwaerd Muybridge e Carleton o repúdio, da natureza.
Watkins, pintores que usam tintas como Bierstadt e [Esse meu livro] não foi concebido como um consolo
Thomas Moran e pintores que usam palavras como John fácil para o desastre ecológico. Tampouco uma solução
Muir para representa-la como o parque sagrado do Oeste; para os profundos problemas que ainda atormentam
o local de um novo nascimento; uma redenção para a qualquer democracia desejosa de reparar o abuso contra o
agonia nacional; uma recriação americana. A topografia ambiente (...). Como todas as histórias, esta é menos uma
do local, estranhamente sobrenatural, com prados receita para a ação que um convite à reflexão e pretende
reluzentes atapetando o vale até as escarpas de Cathredal mais contribuir para o autoconhecimento que sugerir uma
Rock, o rio Merced serpenteando pelo capinzal, presta-se estratégia de redenção ecológica. No entanto, se
muitíssimo bem a essa visão de um paraíso terrestre demonstrar que, ao longo dos séculos, se formaram
democrático. E o fato de os visitantes terem de descer para hábitos culturais que nos levaram a estabelecer com a
o fundo do vale só acentua a sensação religiosa de estarem natureza uma relação outra que não a de simplesmente
entrando num santuário. esgotá-la até a morte, que o remédio para nossos males
Como todos os jardins, Yosemite pressupunha pode vir de dentro do nosso universo mental comum, então
barreiras contra a bestialidade. No entanto, seus protetores este livro talvez não tenha sido um completo desperdício
inverteram as convenções, deixando os animais dentro e de boa polpa de madeira.

Você também pode gostar