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IDENTIDADE E DIVERSIDADE

Formação e Saber indígena

O QUE VOCÊ VAI SER QUANDO CRESCER?

E
is uma pergunta que nunca me fizeram para poder garantir a
quando criança. Nenhum adulto jamais felicidade das futuras
insinuou que eu precisava ser alguma gerações.
coisa quando me tornasse homem. Somente
quando entrei na escola é que comecei a À época não entendia
ouvir a pergunta por que acompanhado com direito tal discurso.
ela vinha a afirmação de que eu precisava Tudo era meio confuso para mim, mas dava
ser alguém quando crescesse. para ter alguma noção quando, em casa,
meus pais retomavam a conversa e iam
Não lembro meu pai ou minha mãe terem me “traduzindo” o que os mais velhos discutiam.
colocado a obrigação de ser outra coisa Ali entendi que a tradição defendida pelos
além do que eu já era. E o que eu era? velhos passava pela manutenção da forma
Criança. Era a única coisa que eu tinha que ancestral de educar para o presente, para o
ser, portanto. Eu não precisava ser mais agora.
nada.
Com o passar do tempo fui compreendo
Lembro-me bem que, nas conversas entre melhor. Aprendi que nossa gente é um povo
adultos, havia vez ou outra, discussões do presente. Cada fase da vida é marcada
acaloradas sobre o tema. É que a com os rituais de passagem que tem como
comunidade se sentia bombardeada por finalidade marcar o tempo de cada uma
ideias que vinham de fora que falavam da delas. A criança deve ser tratada apenas
necessidade de acompanhar o ritmo da como criança; o jovem, como tal; o adulto
cidade grande. Entre ataques e defesas deve assumir seu papel de adulto; o velho,
havia sempre quem vinha com o discurso da não pode abrir mão de sua função social. Se
tradição. Tal discurso lembrava que era cada pessoal for educada para viver seu
preciso seguir a sabedoria da natureza e presente, se formará como um sujeito social
que era necessário retomar aquele caminho fundamental para o bom andamento da vida
comunitária.
IDENTIDADE E DIVERSIDADE
Formação e Saber indígena
Criança não deve querer ser outra coisa; ocidental que exige das pessoas
jovem não pode desejar se algo além do que planejamento, domínio de um tempo que não
é. Se o fizer, em algum momento lhe faltará pertence a ninguém porque não é real. Mais
algo e naturalmente sentirá saudade do do que nunca é necessário e urgente educar
momento que não viveu. Fazendo isso não nossas crianças para viverem seu presente,
poderá viver plenamente sua humanidade caso contrario correremos o sério risco de
juvenil. O mesmo diga-se do adulto que na criar cidadãos infelizes.
viveu sua adolescência no momento certo.
Correrá o risco de tornar-se adolescente de
45 anos ou mais. Quem perde com isso é a
sociedade que precisa contar com um
adulto plenamente consciente de seu papel.
Já o papel do velho é ainda mais importante
do que os anteriores. O velho precisa
aceitar sua condição de contador de
histórias, de formador do espírito dos mais
jovens. Só conseguirá fazer isso, no entanto, (texto originalmente publicado no livro: “Das
Coisas que Aprendi”. Uka Editorial, 2014)
se tiver vivido todas as fases anteriores. Ele
precisará aceitar a plenitude de seu papel e
para isso não deverá abrir mão do momento
de vida que vive. O jovem precisa dele como
referencial para seu crescimento. Trata-se,
portanto, uma cadeia, uma sequência que
precisa ser respeitada para que a
humanidade das pessoas seja plena e a
tradição faça sentido.
Perguntar o que a criança vai ser quando
crescer é especular sobre um futuro que é
fictício e é tirá-la de seu presente fazendo-a
desejar um tempo que só existe na ficção

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