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Músico : Profissão

ou Ministério?
Por
JOÃO ALEXANDRE SILVEIRA
e
LUCIANO GARRUTI FILHO
Arte da Capa:
Adriano Nuevo

Diagramação:
Sandra Oliveira

Revisão do texto:
Billy Viveiros

Distribuição VPC Produções e Distribuição


Sumário
Dedicatória ............................................. 5

Prefácio ................................................... 7

A Música em Si ....................................... 9

A Música Como Expressão


de Louvor a Deus .................................. 19

Um Profissional Chamado Músico ....... 37

Diálogo: O Melhor Caminho ............... 51

Abraham Laboriel ................................. 69

Depoimento Pessoal .............................. 77


Dedicatória

D edico este trabalho a Deus, doador de todos os talentos


humanos, meu único e suficiente Salvador e Senhor. À
minha esposa, que caminha comigo bem antes de eu me tor-
nar um profissional e me conhece como homem, pai, marido,
e músico. Ao meu filho Felipe, fruto do nosso casamento e do
nosso amor. Ao “velhão”, Luciano, pela iniciativa de dividir
comigo este projeto com ousadia e coragem. À todos os ho-
mens de Deus, em geral, que me ensinaram a seguir o Mes-
tre, com seus livros, suas pregações e suas vidas. Aos profissio-
nais da arte, pelo esforço e dedicação a ela, com tudo que isto
implica.

Aos irmãos e amigos que têm contribuído com suas orações


e adquirido os nossos CD’s. Aos músicos cristãos, e não cris-
tãos, que me tem servido de inspiração e modelo de
profissionalismo e responsabilidade.

Enfim, a tantos e quantos.....


João
D edico este trabalho, primeiramente, a Deus, Criador e
Autor da vida, o Eterno, de quem procede todo o bem e
todo o dom perfeito. Aos meus pais, por todo o amor e dedi-
cação a mim dispensados. Ao “velhão”, João Alexandre, por
sua sincera e singular amizade. E a todos os músicos
incompreendidos que, andando e chorando, corajosamente
dispuseram-se a levar a preciosa semente, os quais certamente
haverão de voltar com alegria, trazendo consigo os seus mo-
lhos. (Salmo 126:6)

A todos, um muito obrigado!

Luciano
Prefácio

A pós vários anos, trabalhando entre pessoas de diferentes


denominações, e em circunstâncias variadas, tenho tido a
oportunidade de responder, como cristão e músico profissional, às
inúmeras perguntas que me são formuladas. Devido à grande rein-
cidência dessas questões, resolvi, juntamente com Luciano Garruti
Filho, irmão e parceiro, abordá-las de maneira clara, direta e obje-
tiva, condensando-as neste trabalho, que ouso chamar de “livro”.
Muito se tem falado da música, como instrumento de louvor
e adoração, por pessoas envolvidas com a música nas igrejas, tais
como ministros de música, líderes de louvor, regentes de coral,
etc. Entretanto, este trabalho se propõe a abordar a questão de
maneira diferente, com a visão de quem vive exclusivamente da
música em todos os seus aspectos, e não somente como instru-
mento de louvor a Deus. A música não crê, não pensa, não é um
fim em si mesmo, nem é sagrada. Ela é um meio pelo qual pode-
se expressar muitos sentimentos e pensamentos.
Espero, no decorrer desta leitura, que as respostas aqui con-
tidas possam ser de grande valia aos profissionais da arte, bem
como aos seus amantes. Que a música seja, em qualquer cir-
cunstância, a voz do Criador nos mostrando o caminho.
João
A Música em Si
1. O que é música?
De acordo com o Aurélio, “música é a arte e ciência de combi-
nar os sons de maneira agradável aos ouvidos”; no entanto, seria
mais adequado dizer que a música é a arte e ciência de combinar
os sons, pois o ser agradável, ou não, ao ouvido, é questão muito
pessoal. Sons que são agradáveis para alguns, podem ser bastante
desagradáveis para outros. Assim sendo, para fins de estudo, dire-
mos que a música é a arte e ciência de combinar os sons.

2. Quais são os elementos da música?


Os elementos da música são: Melodia, ritmo e harmonia.

3. O que é melodia?
Melodia é uma sucessão de sons musicais combinados.

4. O que é ritmo?
Ritmo é a duração e acentuação dos sons e das pausas.

5. O que é harmonia?
Harmonia é a combinação de sons musicais simultâneos,
formando intervalos e acordes.
10 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

6. O que é som?
O som nada mais é do que o efeito audível produzido por
movimento de corpos vibratórios. Para se produzir um som
precisa-se de uma fonte sonora, algo que produza sons a vibrar.
Existem alguns tipos de sons diferentes. Os corpos vibrantes
dos instrumentos musicais são: corda esticada, no caso de vio-
lão, violino, piano, etc.; coluna de ar, no caso da flauta, do
trompete, e instrumentos de sopro em geral; ou membrana,
como o tamborim, cuíca, e outros. Por exemplo, ao se tocar a
corda de um violão, a corda movimenta-se de um lado para
outro um determinado número de vezes por segundo, emitin-
do um som. A este movimento é dado o nome de vibração, o
qual é medido em freqüências, denominadas Hertz. Quanto
maior ou menor o número de vibrações, mais agudo ou grave
será o som. O ouvido humano é capaz de perceber sons que
vão de, aproximadamente, 20 hertz a 18.000 hertz. Os sons
fundamentais se localizam em uma faixa aproximada de 32 a
4.000 hertz. Por exemplo, a nota Lá do diapasão tem 440 hertz.
Acima de 4.000 hertz, estão os harmônicos agudos, os quais
enriquecem o timbre do instrumento. Apesar de não serem tão
facilmente audíveis, eles fazem parte do som. Sem esses har-
mônicos os sons seriam opacos, sem os harmônicos não tería-
mos os timbres característicos de cada instrumento.

7. Quais são as propriedades físicas do som?


São elas: Altura, intensidade e timbre.

8. O que é altura?
Altura é a propriedade do som de ser grave, médio ou agudo.
A MÚSICA EM SI 11

9. O que é intensidade?
Intensidade é a propriedade do som de ser fraco ou forte. O
que popularmente denominamos de volume.

10. O que é timbre?


Timbre é a qualidade do som que nos permite reconhecer a
sua origem. É através do timbre que diferenciamos os sons dos
vários instrumentos diferentes. O timbre está relacionado com
a série harmônica produzida pelo som emitido. De acordo com
a série harmônica se tem timbres diferentes.

11. O que são consonância e dissonância?


A consonância e a dissonância são determinadas pelo maior
ou menor grau de “fusão” entre as notas. Não há preponderân-
cia de uma sobre a outra. A preferência pela consonância, em
detrimento da dissonância, por algumas pessoas, é, na maioria
da vezes, fruto de mero preconceito, pois não existe música de
valor sem dissonâncias. O conceito de consonância e dissonância
difere de cultura para cultura, assim como ela difere do Oci-
dente para o Oriente. Se compararmos a música japonesa, ára-
be, ou indiana, com a nossa música, haveremos de achá-las
bastante estranhas ao nosso “ouvido” ocidental, por não estar-
mos acostumados a determinados intervalos melódico-harmô-
nicos próprios destas culturas musicais. Vale a pena citar, que
no início da formação da música ocidental a escala maior
diatônica, hoje tão comum e divulgada em nosso meio, foi
denominada de modus lacivius e considerada indecorosa e dia-
bólica. Hoje, ela é a base da música ocidental. Todo aquele que
se dispõe a estudar música irá fatalmente aprender a escala maior.
12 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

Acordes que na Idade Média eram considerados dissonantes,


hoje já são classificados como consonantes, e assim por diante.

12. A música é santa?


Tudo o que existe no universo foi criado por Deus, inclusi-
ve a música: “Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada
do que foi feito se fez” (João 1:3). Entretanto, a música, em si
mesma, é desprovida de caráter. Não existe música santa e
música profana. Não existe um ré maior divino e um ré maior
profano. Um instrumento não tem “alma” por si só, ele é fruto
de quem o está tocando. Como linguagem, a música se destina
a vários propósitos. Podemos, pela música, exaltar a glória de
Deus, falar sobre valores morais e éticos, falar sobre relaciona-
mentos humanos, etc. A música é um veículo, uma linguagem,
através da qual expressamos aquilo que sentimos e pensamos.
Ela não é um fim em si mesma, mas um meio para um fim.
Aliás, poderíamos citar mais uma definição do que seja a músi-
ca: A música é a expressão dos sentimentos humanos através
dos sons.
A Bíblia diz que “toda a boa dádiva e todo dom perfeito vem
do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem
sombra de variação” (Tiago 1:17). Deus, em Sua infinita bon-
dade, escolheu dar dons e talentos aos homens segundo a apro-
vação da Sua vontade. Por excelência e definição, o talento é
algo nato, isto é, a pessoa já nasce com ele; ao contrário do que
muitas pessoas advogam, o talento não nos é concedido após a
conversão, mas sim, antes mesmo de virmos à luz. Assim sen-
do, todo talento vem de Deus, inclusive os talentos das pessoas
que não conhecem a Deus. A Bíblia também diz que “os dons e
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a vocação são sem arrependimento” (Romanos 11:21); isto equi-


vale a dizer que a concessão do talento não está necessariamen-
te vinculado à sua futura utilização. Deus é tão amoroso que
não exige que a pessoa utilize o talento, que lhe é concedido
por Deus, para o louvor da Sua glória. A concessão do talento
é incondicional. Se assim não fosse, seria o mesmo que presen-
tear alguém com um automóvel com a condição que esta pes-
soa viesse a dirigir única e exclusivamente para aquele que lhe
cedeu o veículo. Presente é presente, cada um faz aquilo que
bem entende com o presente. No caso do carro novo, você
pode jogar o carro contra o muro, ou, por outro lado, dirigi-lo
bem. Assim também é com a música. Deus dá a música liberal-
mente e não pede nada em troca. É por isso que Deus também
não tira o talento daquele que não utiliza a música para louvar
o Seu precioso nome. A utilização da música para o louvor da
glória de Deus, assim como o de qualquer outro talento, e da
própria vida, deve ser algo imprescindivelmente sincero e es-
pontâneo por parte de quem louva. De outra sorte, o louvor
seria vazio de significado e propósito.
Certa feita eu (João) tive a oportunidade de conversar com
um músico bastante conceituado. Naquela ocasião eu lhe disse
que eu o considerava um grande músico, mas que se ele conhe-
cesse a natureza d’Aquele que lhe havia concedido o talento ele
não viria a tocar melhor, pois ele já era um grande músico, mas
que ele viria a tocar de maneira diferente.
A motivação em se tocar a música é o que define que tipo
de música é tocada. Não tem muito a ver com a música, mas
com quem a executa. A música é uma das maneiras de engran-
decer o Senhor Jesus. Está escrito: “Portanto, quer comais, quer
14 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória


de Deus” (I Coríntios 10:31). Quando se conhece Jesus, tudo o
que se toca, seja evangélico ou não, é feito para a glória de
Deus, reconhecendo que o talento vem d’Ele.

13. Que tipo de música se deve ouvir e tocar?


Baseado na questão anterior chega-se a conclusão que não
há uma música melhor ou mais apropriada do que a outra,
todo estilo musical é válido e pode-se ouvir e tocar. Há, toda-
via, o gosto pessoal de cada um. Quanto ao gosto pessoal, não
se deve dizer que a música de sua preferência seja melhor do
que aquela apreciada por uma outra pessoa. O fato de alguém
não gostar de um determinado tipo de música, não significa
que este estilo musical seja do diabo. Aliás, entenda-se, aqui,
tipos de música, como estilos musicais. Não há um estilo sagra-
do ou profano. Ao discorrermos sobre este assunto, temos que
estar cientes do fato de que muito daquilo que hoje é conside-
rado “impróprio” por muitas denominações evangélicas no
Brasil é fruto de uma transculturação de usos e costumes. O
que queremos dizer com isso é que muito daquilo que é tido
por “certo” ou “errado”, no tocante a determinados assuntos,
não tem qualquer base bíblica, mas sim cultural. Quando os
missionários estrangeiros nos trouxeram o Evangelho, trouxe-
ram também, inserido em meio às Boas Novas, uma série de
usos e costumes próprios de suas culturas, os quais têm sido, já
por muito tempo, considerados tão “santos” quanto o próprio
Evangelho que acompanham, embora nunca o fossem de fato.
Só por que o Evangelho nos foi trazido por determinado povo
ou nação, não significa que sua cultura seja melhor, ou mais
A MÚSICA EM SI 15

“santa”, do que a nossa ou a de qualquer outro lugar. Os remi-


dos do Senhor foram chamados a pregar o Evangelho de Jesus
Cristo, e não a cultura deste ou daquele povo ou nação. Cre-
mos que há elementos positivos e negativos em todas as cultu-
ras do mundo. Cabe a nós, pela Palavra de Deus, filtrarmos
aquilo que nos convém, primeiro de nossa própria cultura, e
depois das demais. O que geralmente acontece é que tais cos-
tumes acabam por virar tradição, assumindo um caráter niti-
damente imperativo. O fato de tal tradição possuir o seu valor
não implica em ser ela a única tradição válida, ou mesmo a
mais válida. Foi por esta razão que o apóstolo Paulo foi chama-
do de “o apóstolo dos gentios”, pois era contrário a idéia de um
gentio ter que se tornar primeiro judeu, para só então tornar-se
cristão. Não precisamos negar toda a nossa cultura a fim de
sermos santos.
O bom músico, deve aprender a apreciar todo tipo de lin-
guagem musical, com suas diferentes características e instru-
mentos, sem qualquer preconceito. O próprio “poder criati-
vo” do homem é reflexo do único e verdadeiro Criador de
todas as coisas. A diversidade da criação é exemplo claro des-
sa verdade. Há muitos tipos de aves, peixes, insetos; com ta-
manhos diferentes, e diferentes cores e tonalidades. Só por-
que uma determinada ave é branca e relativamente grande,
não significa que ela seja melhor ou pior do que aquela que é
azul e pequenina. Elas são simplesmente diferentes. Todas
foram criadas por Deus, e cada uma delas tem o seu lugar na
Criação. Assim também acontece com os diferentes estilos
musicais.
16 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

14. A música reflete necessariamente o caráter de seus com-


positores?
Não necessariamente. É preciso saber separar a música com-
posta do compositor da música. Ao compor suas músicas cer-
tos artistas são dotados de tamanha sensibilidade e percepção,
que são capazes de “adentrar no espírito” de uma personagem
ou situação, sem estar necessariamente vivenciando aquela rea-
lidade. Já dizia Platão: “O poeta é aquele que, na sua loucura
inspirada, recria o belo, destilando verdades divinas”. Natural-
mente, quando usamos o termo “música”, ao responder essa
questão em particular, estamos também nos referindo à letra, e
não somente à parte instrumental. Há vezes em que uma pes-
soa não convertida compõe músicas que expressam verdades
pungentes, enquanto alguns, tidos como “evangélicos”, pro-
duzem obras que deixam muito a desejar. Falaremos sobre a
composição da letra mais adiante nesse trabalho.
Contudo, se nos restringirmos apenas à música instrumen-
tal, esse fato se torna ainda mais evidente. Mozart foi um exem-
plo claro dessa realidade. Mozart tinha uma vida bastante desre-
grada e devassa. Ele chegava, inclusive, a ser vulgar como pes-
soa. Mas quando teve que prestar contas de sua vulgaridade
diante de um certo rei , disse: “Eu talvez seja vulgar, mas a
minha música não é vulgar”. Todos aqueles que conhecem as
composições de Mozart, hoje, sabem da qualidade e singulari-
dade de suas obras. Assim, podemos dizer que a música não
reflete necessariamente o caráter daquele que a compõe.

15. O que é mais importante entre os elementos da música?


Assim como foi dito, que não há preponderância da conso-
nância sobre a dissonância, e vice-versa, também não há um
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elemento da música que seja mais importante do que o outro. A


maior ênfase sobre um dos elementos da música, dentro de um
determinado contexto musical, é determinada pelo estilo musi-
cal e tradição cultural existentes em cada país. Há países que dão
maior ênfase aos instrumentos de percussão, outros já têm prefe-
rência por instrumentos melódicos, e assim consecutivamente;
fato esse que, por sua vez, está relacionado com a preferência
pessoal de cada um, e não com aquilo que seja menos ou mais
importante, ou ainda, certo ou errado. Não há regra que defina
a maior ou menor importância de um determinado elemento
musical, contrariando alguns estudos que dizem que o ritmo
muito forte faz mal à saúde, ao coração, e coisas do gênero. Mais
uma vez, isso é fruto de mero preconceito. Harmonia, melodia,
e ritmo, são roupas que vestem o figurino musical.

16. O que dizer sobre a chamada “mensagem subliminar”,


tão divulgada por autores e livros?
Primeiro, gostaríamos de salientar que a maioria dos auto-
res que escrevem a esse respeito não são profissionais ligados
diretamente à música, ou mesmo à área de propaganda e
marketing. Este pseudo-método utilizado para detectar a cha-
mada “mensagem subliminar” em músicas em geral, nada mais
é do que uma tentativa desonesta de excluir determinados gê-
neros musicais do meio evangélico, os quais não são do agrado
de seus articuladores, ou seja, daqueles que conceberam atroz
engano. Cientificamente, isso não tem qualquer fundamento.
Para aqueles que desconhecem o que seja o método utilizado
para detectar a chamada “mensagem subliminar”, ele consiste
na inversão da polaridade de um toca-discos a fim de que se
18 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

possa ouvir um disco ao contrário. Aqueles que dizem ouvir


certas palavras quando uma determinada música é tocada ao
contrário são, na verdade, mais induzidos a ouvir tais palavras,
do que propriamente capazes de ouvir qualquer som inteligível
por si mesmos. Eles dizem: “Preste atenção, agora você vai ou-
vir!”, e nunca deixam as pessoas reconhecerem estas palavras
por si mesmas. Outro problema desta linha de pensamento é o
fato de defenderem a idéia de que certas palavras cantadas ao
contrário geram palavrões e louvores ao diabo. Segundo eles, o
verso “não se reprima”, contida em uma das músicas do grupo
Menudo, quando tocada ao contrário, produzia a frase: “Sata-
nás vive”. Esta asserção é, na melhor das hipóteses, inexata,
pois, se considerarmos isto como verdade, haveremos de ad-
quirir uma “fonofobia” que, por sua vez, nos levará às raias do
desespero e loucura. Suponhamos que se componha um cântico
com o seguinte verso: “Não se reprima em louvar a Deus...”.
Essa música, com certeza, não poderia ser cantada para o lou-
vor de Deus, pois, se é certo aquilo que advogam, ela na verda-
de estaria dizendo exatamente o oposto. Teríamos, então, que
elaborar um novo dicionário de fonética ao contrário. Um bom
nome para esse dicionário seria: “Combinações Fonéticas In-
vertidas Para a Glória de Deus”. Teríamos até mesmo que ler a
Bíblia ao contrário, a fim de verificar se há algum versículo
que não seja realmente inspirado por Deus. Segundo a Palavra,
“Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor,
e de moderação.” (2 Timóteo 1:7). Algumas pessoas parecem
ver demônios por detrás de tudo aquilo que encontram. Vol-
temos a nossa atenção para Deus que é mais do que digno de
recebê-la.
19

A Música Como
Expressão de Louvor
a Deus
1. Quais os ritmos e instrumentos que podem ser usados
no louvor a Deus? E quais as expressões apropriadas?
A resposta a essa pergunta se encontra, em parte, no Salmo
150. Há quem diga que os instrumentos próprios para o lou-
vor a Deus são somente aqueles descritos no referido salmo. É
necessário que consideremos, ao analisarmos esta porção bíbli-
ca, o fato que esse salmo foi escrito em uma época quando os
instrumentos não estavam ainda tão evoluídos como estão hoje.
Por exemplo, naquela época o adufe era um bumbo; hoje, o
conjunto de determinados tipos de adufes ganhou ferragens e
chama-se bateria. Na verdade, o que salmista fez ao escrever
esse salmo, foi, nada mais, nada menos, do que listar todos os
instrumentos conhecidos da época. Se o salmista tivesse que
escrever esse mesmo salmo nos dias de hoje, ele provavelmente
acrescentaria todos os demais instrumentos a essa lista. Assim
sendo, a verdadeira pergunta não seria quais instrumentos
20 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

devem ser utilizados no louvor a Deus, mas como eles devem


ser utilizados. É importante que o músico desempenhe seu
papel com sensibilidade e disciplina, sabendo ajustar o volume
de seu instrumento a todo contexto sonoro-musical. Um ins-
trumento tocado com intensidade excessiva, não só destoa dos
demais instrumentos, como vem agredir a sensibilidade audi-
tiva de determinados ouvintes.
Não obstante, ainda existe muito preconceito, por parte de
várias lideranças eclesiásticas, no tocante ao emprego de muitos
instrumentos para a adoração e louvor a Deus. Talvez, alguns
pastores deveriam procurar entender mais de música, ao passo
que alguns músicos deveriam procurar entender mais de Bíblia.
Vale salientar, entretanto, que a não utilização de tais instru-
mentos deve-se muito mais a questões culturais e pessoais do
que propriamente àquilo que é verdadeiramente adequado. O
uso de tais instrumentos não vem de maneira alguma
“mundanizar” o culto. Essa idéia é oriunda de associações feitas
com a utilização de certos instrumentos e ritmos em determina-
dos contextos considerados como perniciosos e malignos. Em-
bora seja real o fato de alguns instrumentos estarem presentes
em determinados cultos afro-ameríndios, por exemplo, isto não
significa que tais instrumentos, ou ritmos, em si mesmos, sejam
intrinsecamente diabólicos. Temos sempre que nos lembrar que
a Bíblia nos ensina que “as coisas velhas já passaram, eis que tudo se
fez novo” (2 Coríntios 5:17). Aquilo que antes alguém usava para
a sua própria glória, ou para servir ao diabo, agora utiliza para a
glória de Deus. Temos que reivindicar tudo aquilo que foi, e têm
sido, indevidamente usado pelo diabo. Como ilustração dessa
verdade, nos valemos da seguinte analogia:
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 21

Se perguntarmos a um açougueiro o que ele faz com a faca,


ele dirá que a usa em seu trabalho diário, cortando carne; se
perguntarmos a um verdureiro o que ele faz com a faca, ele
dirá que a utiliza em seu trabalho diário, limpando verduras; se
perguntarmos a um sapateiro o que ele faz com a faca, ele tam-
bém dirá que a utiliza em seu trabalho diário, limpando couro
para a manufatura de sapatos; mas se fizermos essa mesma per-
gunta a um homicida, ele há de dizer que a utiliza para assassi-
nar pessoas. Agora, a faca é do diabo? Naturalmente que não!
A faca é apenas uma faca! O que se faz com ela é o que determi-
na se ela será instrumento para o bem, ou para o mal. Assim é
com o instrumento, e assim é com o ritmo; e mais do que isso,
assim é com a própria vida.
Dessa maneira, podemos concluir que pode-se louvar a Deus
com variedade de ritmos e instrumentos. Não há um instru-
mento mais apropriado. A Bíblia também nos ensina que tudo
é nosso, e nós de Cristo, e Cristo de Deus (1 Coríntios 3:22,
23). Você pode usar qualquer instrumento para louvar a Deus,
ou pode mesmo louvar a Deus sem nenhum instrumento. Os
salmos nos ensinam que devemos louvar a Deus com tudo aqui-
lo que temos e somos: com palmas, danças, vozes de júbilo, e
assim por diante. Até a natureza rende louvores a Deus! Nos
salmos aprendemos que as árvores batem palmas, os rios can-
tam, e os céus proclamam a glória de Deus. Por isso, o que
realmente importa é que o emprego desse ou daquele instru-
mento, por parte daquele que toca, seja motivado por um lou-
vor verdadeiro, proveniente de um coração sincero e cheio do
amor de Deus. “Todo ser que respira louve ao Senhor, Aleluia!”
(Salmo 150:6).
22 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

Precisamos encontrar a unidade na diversidade. É por isso


que precisamos viver em mutualidade. A Bíblia fala sobre mi-
nistrarmos “uns aos outros” (Romanos 12:10-16; Efésios 4:3,
32; 5:19). Há pessoas que não apreciam determinados instru-
mentos, como há pessoas que não apreciam determinados rit-
mos. Aqueles que não apreciam os hinos, por exemplo, deve-
riam, pelo menos, acompanhar a letra com a pessoa que está ali
cantando, a fim de poder participar daquele momento de lou-
vor. De igual modo, os mais idosos, que têm certa dificuldade
em gostar de cânticos, deveriam participar do louvor através
da leitura da letra dos cânticos. Os hinos não são mais santos
do que os cânticos, os cânticos não são mais santos do que os
hinos, e assim por diante. Existe uma cooperação entre salmos,
hinos, e cânticos espirituais. Cremos que essas três coisas de-
vem fazer parte do culto, não obrigatoriamente, nem nessa
mesma ordem, mas de maneira a acomodar as diferentes prefe-
rências e faixas etárias. O louvor e a adoração vêm de dentro
para fora, e não o contrário. Qualquer expressão de louvor deve,
portanto, nascer primeiro no coração de quem louva.

2. Música é louvor? Louvor é música?


O louvor pode ser expresso através da música, mas a música
não constitui-se necessariamente em louvor. Louvor não é mú-
sica. Louvor é o “fruto dos lábios que confessam o nome de Jesus”
(Hebreus 13:15). Tudo aquilo que resulte numa confissão da
divindade de Cristo, da excelência das obras e da glória de Deus,
e da presença de Jesus na vida de uma pessoa, é louvor. Qualquer
atitude de bendizer a Deus através de Jesus é louvor. Como já foi
mencionado, os rios e as árvores não freqüentam nenhuma igre-
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 23

ja, nem defendem qualquer postura teológica, contudo a Bíblia


diz que as árvores batem palmas, e os rios cantam para a glória
de Deus. Louvor não é só música, a música é apenas mais uma
das expressões de louvor. A Bíblia diz: “Cantai-lhe, salmodiai-
lhe, atentamente falai de todas as suas maravilhas.” (1 Crônicas
16:9). Quando se está testemunhando em um culto, isto é lou-
vor a Deus. Quando se está compartilhando as obras maravilho-
sas de Deus, isto é louvor. Quando se está proclamando o nome
de Jesus, isto também é louvor. Aliás, o louvor na Igreja deveria
ser repleto desses elementos. Precisamos abandonar a idéia de
que o louvor só é música. Não deveria haver somente momentos
de louvor. O louvor, como bem disse um homem de Deus, é o
culto da Vida, e a vida de culto. A descrição de louvor também
se enquadra naquele versículo que diz: “Portanto, quer comais,
quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a gló-
ria de Deus” (1 Coríntios 10:31).

3. Qual é a diferença entre louvor e adoração?


O louvor está mais relacionado às obras de Deus, ou seja,
àquilo que Ele faz; ao passo que a adoração está mais relaciona-
da com aquilo que Deus é. Mais uma vez, gostaríamos de nos
valer de uma ilustração a fim de exemplificar essa realidade.
É a estória de um bombeiro que certa ocasião salvou a vida
de uma determinada moça. Essa jovem, por sua vez, sentiu o
desejo de agradecer-lhe por ele ter-lhe salvo a vida do fogo.
Depois de se conhecerem esta jovem apaixonou-se por este ra-
paz, e vieram posteriormente a se casar.
Em relação a Deus, a situação é bastante semelhante. Não
basta saber que Deus nos livrou do fogo do inferno, é preciso
24 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

que se conheça quem é a pessoa de Deus. A adoração é mais


contemplativa, é como estar ao lado de alguém que se ama.
Nós gostamos de ficar ao lado de quem amamos pelo simples
fato de amarmos esta pessoa. A adoração está ligada à persona-
lidade de Deus, e não somente aos Seus feitos. Em resumo,
poderíamos dizer que louvamos a Deus por aquilo que Ele faz,
e O adoramos por aquilo que Ele é. Estar na presença de Deus,
não significa apenas pedir e agradecer. Pois, há muitos mo-
mentos em que as pessoas aproximam-se de Deus só com esta
finalidade. É preciso estar com Deus por causa de Deus mes-
mo, com o único intuito de desfrutar de Sua maravilhosa com-
panhia e presença. Devemos estar ao lado de Deus por ser, a
Sua presença, infinitamente mais agradável do que qualquer
outra dádiva que Ele pudesse nos dar. Importa conhecer as
bênçãos de Deus, mas infinitamente mais importante é o co-
nhecer o Deus das bênçãos.

4. Qual é o relacionamento entre a música e a Igreja?


A Igreja possui três papéis a desempenhar: o primeiro, em
relação ao mundo; o segundo, em relação a si mesma; e o ter-
ceiro, em relação a Deus. Quaisquer desses papéis que seja mal
desempenhado haverá de causar uma deficiência na Igreja. É
como um tripé. Sem uma das pernas ele não se mantém segu-
ro. Uma igreja local equilibrada desempenha esses três papéis
de maneira harmoniosa.
Em relação ao mundo, a Igreja está engajada na evangelização
e serviço, ou seja, Boas Novas e boas obras. A música, então,
seria empregada na anunciação do Evangelho e na propagação
das boas obras. Tiago dizia: “mostra-me a tua fé sem as tuas obras,
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 25

e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.” (Tiago 2:18b).


A Igreja precisa denunciar as injustiças sociais, e engajar-se em
campanhas e atividades que venham de alguma forma
minimizar a condição precária que muitos vivem lá fora. O
homem é composto de corpo, alma, e espírito; e ele necessita
ser suprido nessas três áreas, tanto no corpo, como na alma,
como no espírito. Há igrejas que só suprem o lado espiritual.
Ao anunciar o Evangelho aos menos favorecidos devemos nos
lembrar que as pessoas sempre ouvem melhor quando estão
com o estômago cheio. Assim como bem disse João Wesley, a
Igreja é uma entidade social e, como tal, deve cumprir o seu
papel no mundo. O exemplo de Jesus foi muito claro. Por
ocasião do sermão do monte, Ele não só supriu a necessidade
espiritual dos que ali estavam, mas também preocupou-se em
prover-lhes o alimento físico. A música pode ser um veículo
bastante significativo na denúncia das injustiças sociais e na
proclamação do Evangelho. Evangelho quer dizer “Boas No-
vas”, “Boas Notícias”. A música tem que ser uma boa notícia.
E boa notícia não significa falar apenas o que se gostaria de
ouvir, mas aquilo que de fato precisa ser dito. Este é o papel
profético da música. Falar em nome de Deus, denunciando
aquilo que é injusto e reprovável. Este é o papel da música na
Igreja em relação ao mundo: anunciar as Boas Novas e de-
nunciar as injustiças. Se somos filhos de Deus, sejamos filhos
da Justiça.
Em relação a Igreja, a música se enquadra entre os dons e
talentos que são utilizados em uma atmosfera de amor; é a
Igreja como comunidade terapêutica, cuidando de seus mem-
bros. A música também pode desempenhar papel importante
26 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

nesse contexto específico ao prover uma palavra de consolo, de


auxílio, de exortação, e assim por diante.
Em relação a Deus, é o louvor e adoração de lábios e de
coração, que é o papel de bendizer a Deus através da música.
Como já dissemos, a música é apenas mais uma maneira de
expressarmos o louvor a Deus.
Seria interessante, também, ressaltar que muitas vezes as
pessoas usam músicas de louvor na evangelização e músicas
evangelísticas na igreja. É claro que quando louvamos ao Se-
nhor também proclamamos os Seus feitos e as Suas maravi-
lhas, assim como está registrado no Salmo 96. Todavia, não se
trata de uma tipo de música voltado especificamente para a
evangelização. De igual forma, não seria a música evangelística
a mais apropriada para o louvor congregacional.
Em resumo, a relação entre a música e a Igreja é basicamen-
te essa: a música voltada para o mundo, usando uma lingua-
gem que o homem entenda lá fora; a música voltada para a
Igreja, falando de perdão, relacionamentos, comunhão, que por
sua vez é voltada para os próprios irmãos; e a música voltada
para Deus, como expressão de louvor e adoração.

5. Os hinos tradicionais são mais santos que os cânticos?


Como já foi aqui mencionado, não existe qualquer hierar-
quia em importância no que se refere à utilização de hinos e
cânticos espirituais. O que deve haver em toda composição
musical é o esforço, a tentativa, de transformar em música o
que se vive, e em vida o que se canta. Uns dos grandes desafios
do povo de Deus é precisamente o de cantar o que vive, e viver
o que canta. É por isso que muitas vezes os hinos têm estórias
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 27

maravilhosas, pois foram compostos por pessoas que tiveram


experiências incríveis e transformaram isto em música. Isto deve
acontecer com os cânticos também.
Agora, gostaríamos de abrir um “parênteses” a fim de dis-
correr sobre as letras a serem utilizadas na composição das
músicas:
Ao compormos uma canção, seja ela de amor, seja sobre a
natureza, seja ela um hino, um cântico espiritual ou a adapta-
ção de algum salmo (quem sabe, até um novo salmo), devemos
observar alguns pontos importantes no que se refere à letra e
música das composições.

LETRA:

Conteúdo e Contextualização Bíblicos: Sabemos que toda


verdade procede de Deus. Isto nos leva a entender que, mesmo
letras não literalmente bíblicas podem expressar, em muito,
verdades bíblicas. Por esse motivo, também, de modo contrá-
rio, encontramos versículos embutidos em algumas letras que
distorcem totalmente o sentido e o contexto de determinados
trechos bíblicos.
Temos encontrado, muitas vezes, em músicas comuns não
evangélicas, verdadeiras obras-primas, que traduzem verdades
sobre Deus, o mundo, o homem, o pecado, a injustiça, e ou-
tros temas relativos à fé, de forma muito mais clara do que em
certos cânticos que empregamos em nossas reuniões.
Não quero, com esta observação, de modo algum, afirmar
que as letras populares sejam referências de vida e fé para nos-
sas vidas. Nossa regra de fé é a Palavra de Deus, e tudo aquilo
28 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

que expresse o que nela se contém. Quero, sim, encorajar a


cada um que se propõe a compor, qualquer letra que seja, a
vivenciar em seu dia-dia, aquilo que compõe.
Em resumo, devemos viver o que cantamos e cantar o que
vivemos; caso contrário, nossa fé será somente de palavras e
não resultará em vida. Fazer tudo para a glória de Deus deve
ser a nossa principal motivação, seja em verso, seja em prosa,
poesia, poema ou qualquer tipo de letra, mesmo que não seja o
nosso costumeiro “evangeliquês”.
Temos ouvido artistas populares conhecidos falarem sobre
Deus e até mesmo cantarem versos bíblicos de maneira quase
literal. No entanto, só quem teve uma experiência de vida com
Deus pode fazer de sua própria música um canal de Deus, um
ato de louvor, um reconhecimento ao senhorio de Deus. Um
conselho prático é extrair de um mesmo trecho bíblico várias
opiniões e chegar a um resultado final que possa ser transfor-
mado em algo inteligível e fácil de assimilar.

MÉTRICA:

A métrica incorreta é um problema comum entre as letras


das canções, que empobrece, prejudica, e põe em risco toda a
beleza da harmonia ou melodia, e às vezes, de ambas. A métri-
ca nada mais é do que encaixar o acento das palavras no tem-
po, resultando na pronúncia correta das mesmas, enquanto se
canta, ou se fala (poemas, poesias, etc.).
A preocupação com a métrica não deve ser menor do que
com o restante da música, e sim, de igual valor. Poderíamos
dizer que a qualidade de uma determinada letra está direta-
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 29

mente comprometida com sua métrica. A métrica dos versos,


aliada às rimas, revela toda a criatividade do compositor ou
poeta.

OBJETIVO:

Toda letra deve alcançar um objetivo. Não temos necessari-


amente que transliterar textos bíblicos para transmitirmos a
outras pessoas a mensagem neles contida. A verdade de Deus e
de Seu Filho na cruz é única. Porém, os caminhos para se trans-
mitir esta única mensagem são infinitos.
Muitas vezes, uma frase bem elaborada, num determinado
contexto, pode transformar o coração mais incrédulo num
coração quebrantado pelo Espírito de Deus. Alguém compôs
uma canção para um corredor de Fórmula 1, que dizia:

“Não deixa não, a tristeza fazer poli-position no seu coração”.

E mais adiante,
“O único pódium que Jesus subiu foi aquela cruz,
Cercado por ladrões, ao invés de campeões”.

O Brasil tem sido acometido de problemas sérios, como a


fome, os meninos de rua, as drogas, a prostituição, a violência,
a falta de justiça, etc. Nós, que somos filhos de um Pai de Jus-
tiça, um Deus de Justiça, temos negligenciado estes proble-
mas, e deixado de lutar pela justiça, escondendo-nos atrás de
cânticos puramente verticais, que em nada resultam horizon-
talmente, quase sempre banhados de uma adoração passiva e
30 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

cômoda, como se o pecador fosse o próprio pecado ou os prin-


cipados e potestades fosse nosso próprio semelhante, incrédulo
e ímpio, mas por quem também Jesus Se entregou. A onda de
letras “bélicas” tem tomado o lugar dos cânticos de perdão e
compromisso de amor para com o pecador, resultando num
exército que, como disse determinado servo de Deus, “tem dei-
xado seus feridos para trás”. As letras devem assumir o papel e o
objetivo de serem sal, luz, esperança, vida, perdão e consolo
aos que vivem nas favelas e nos palácios, nos becos e nas man-
sões.
Proclamar e cantar a verdade e a justiça são mais do que
tarefas: são mandamentos.
As letras devem ter, em resumo, o mesmo objetivo: ser um
meio (e não um fim em si mesmo) de transmitir o amor de
Deus pelo homem, de todas as línguas, raças, povos, tribos e
culturas diferentes e transmitir valores de Seu Reino. Para tan-
to, temos que contextualizar nossas letras às pessoas que nos
ouvem.
Jesus, nosso Mestre, é o maior exemplo de contextualização
com as pessoas que o cercavam, pois sempre trazia uma res-
posta adequada ao momento e à ansiedade particular das mes-
mas.

MÚSICA E MELODIA:

A melodia deve ser o complemento da letra e da harmonia,


de forma que o conjunto ganhe sentido musical. Melodias ale-
gres em letras tristes, ou vice-versa, causam confusão aos senti-
mentos das pessoas. É como se, ao invés de chorar, todos sor-
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 31

rissem ao participarem de um velório ou, quem sabe, todos


chorassem quando alguém contasse uma estória engraçada.
Certo compositor já dizia que toda a música tem sua letra im-
plícita, e vice-versa.

6. Tocar para a glória de Deus significa tocar só música


evangélica?
É bom que se lembre que Deus não é evangélico. Deus é
Deus. Há uma tendência de achar que a nossa música, ou a
música executada pelos evangélicos, seja a música correta. Como
já foi dito, a música em si não possui caráter ou credo religio-
so. No tocante à letra, qualquer música que se enquadre na-
quele versículo que diz: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é
verdadeiro, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é
amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há
algum louvor, nisso pensai.” (Filipenses 4:8); pode ser cantada,
não precisa ser necessariamente música evangélica. Existem
músicas que nem evangélicas são, e que falam sobre verdades
muito bonitas, sobre valores intrínsecos, os quais estão de acordo
com os valores bíblicos. Tudo o que está contido na Verdade
bíblica é passível de ser cantado, sem qualquer constrangimen-
to. Aliás, depois da conversão já não deveria mais haver distin-
ção entre aquelas atividades que são consideradas como car-
nais, e aquelas consideradas como espirituais. O que queremos
dizer com isso é que, depois da conversão, tudo o que fazemos
deve ser espiritual. Lavar o carro deve ser tão espiritual quanto
cantar um “corinho”, por exemplo. A Palavra de Deus nos en-
sina que devemos andar em Espírito (Gálatas 5:16, 25;
Colossenses 1:10; 2:6), significando que o estar em Cristo não é
32 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

constituído de atos isolados, mas de um estilo de vida motiva-


do por um coração transformado por Deus.

7. Existem instrumentos consagrados a Deus? Eles po-


dem ser utilizados fora do templo?
A exemplo do que já foi dito a respeito da música, podemos
dizer que não existe um instrumento que seja santo em si mes-
mo. O que, na verdade, existe, são pessoas consagradas usando
instrumentos para o louvor e glória de Deus. Já não existem
profissões santas, por exemplo. Existem, sim, pessoas santas
exercendo profissões, como existem músicos que tocam para a
glória de Deus. Agora, um instrumento não fica mais santo
por estar dentro da igreja, ou mais profano por estar fora dela.
O apóstolo Paulo diz, em suas epístolas, que nós somos o tem-
plo onde Deus habita (1 Coríntios 3:16; 2 Coríntios 6:16).
Aquela idéia de haver somente um lugar onde Deus deve ser
adorado foi abertamente rejeitada por Jesus por ocasião de Sua
conversa com a mulher samaritana, junto ao poço de Jacó. Ao
ser inquirido sobre o local ideal para se cultuar a Deus, “Disse-
lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste mon-
te e nem em Jerusalém adorareis ao Pai........ Mas a hora vem, e
agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão ao Pai em
espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o
adorem.” ( João 4:21, 23). Já não há um local “mais” apropria-
do para se louvar a Deus. Pode-se adorar a Deus dentro do
templo, como fora dele. Deus nunca esteve preso, ou confina-
do, a quatro paredes. Existe uma bela canção que fala a esse
respeito, dizendo que devemos “roubar” Deus dos templos e
“levá-Lo” às fábricas, favelas, presídios, e assim por diante.
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 33

8. Qualquer pessoa pode fazer parte da ministração mu-


sical na Igreja?
Um corpo é composto de vários membros, e cada um deles
tem uma função principal. Não podemos comer pelo nariz,
nem respirar pelos ouvidos. Podemos, também, respirar pela
boca, mas a sua função principal não é a da respiração. A Igreja
é um Corpo vivo. Embora, às vezes, pareça que todos possam
desempenhar várias atividades no Corpo de Cristo, é necessário
que se tenha discernimento e sabedoria para que saibamos qual a
verdadeira função de cada pessoa dentro do Corpo. Ou seja, o
Corpo só irá desenvolver-se adequadamente, quando cada um
de seus membros vier a desempenhar a função para qual foi cri-
ado. Assim sendo, no tocante à música, ou a qualquer outra fun-
ção na Igreja, precisamos considerar nossas aptidões e talentos
naturais ao reconhecermos qual seja a nossa verdadeira função
no Corpo de Cristo. Será que você nasceu com o talento musi-
cal? Esta é uma pergunta relevante a ser feita no que ser refere à
ministração musical na Igreja. Se você não possui aptidão natu-
ral para a música, o nosso conselho é que você procure descobrir
qual é, verdadeiramente, o seu lugar no Corpo de Cristo. Exis-
tem muitas outras funções dentro da Igreja que são tão ou mais
importantes do que a música, embora sejam menos evidentes.
Na verdade, aquelas que menos aparecem, são via de regra, as
mais vitais, assim como o sangue que corre em nossas veias, ou o
ar que respiramos. Se você não possui talento musical, muito
embora aprecie música, você ainda poderá servir de suporte ao
grupo de louvor através da oração e discipulado, por exemplo.
Todo mundo tem sua função dentro do corpo de Cristo, cabe a
cada um descobrir qual é a sua.
34 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

9. Quem foram os levitas? Existem levitas ainda nos dias


de hoje?
A palavra levita vem do nome “Levi”, que significa “junto”.
Levi foi o quarto filho de Jacó com Léa, sua primeira esposa,
de quem se originou a tribo de Levi, ou, por assim dizer, os
levitas. Tanto Moisés, como Arão, pertenciam a esta tribo, os
quais deram origem à linhagem sacerdotal de Israel. O minis-
tério levítico foi instituído por Deus, através de Moisés, com o
intuito de regulamentar a manutenção e cuidado do
Tabernáculo do Testemunho (Números 1:50). Os levitas fo-
ram dados a Arão para que o auxiliassem no cuidado e admi-
nistração do Tabernáculo, bem como na execução de ritos
sacrificiais (Números 3:6, 9; 8: 18). Somente os levitas podiam
achegar-se ao Tabernáculo (Números 1:51, 53). Deus dividiu
os clãs dos levitas em quatro grupos, os quais eram responsá-
veis, cada um deles, por determinada parte do tabernáculo, no
que se refere ao seu cuidado, manuseio, e transporte (Números
3:15-39; 4). É curioso notar que não havia a função de músi-
cos levitas por ocasião da instituição do ministério levítico. Isto
foi algo que surgiu mais tarde na história de Israel por ordem e
mandado do rei Davi (1 Crônicas 15:16). Não é mera coinci-
dência o fato de ter sido ele próprio um músico e poeta. No
tocante às funções dos levitas, outras mudanças também foram
feitas pelo rei Davi (ele institui os guardas das portas, por exem-
plo — 1 Crônicas 26). Assim, vemos que o ministério levítico
experimentou uma evolução através da sua história.
Aos levitas não era dado possessão na terra (Josué 14: 1-5).
Eles deveriam viver exclusivamente para o serviço sacerdotal
(Números 8: 13-22) e recebiam as primícias de tudo aquilo
A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR A DEUS 35

que era ofertado ao Tabernáculo/Templo (Números 18), ten-


do, eles mesmos, de dar o dízimo do dízimo. Em poucas pala-
vras, poderíamos dizer que os levitas viviam em função do
Tabernáculo/Templo, e que eram sustentados por ele. Assim
sendo, após a destruição do templo em Jerusalém pelos roma-
nos, por volta do ano 70 D.C., o ministério levítico judeu per-
deu, historicamente, a razão de ser.
Ademais, após o sacrifício expiatório de Cristo, e antes da
destruição física do Templo, o ministério sacerdotal foi muda-
do, espiritualmente, de maneira a possibilitar que todos aque-
les que n’Ele (Messias) creiam venham a participar, eles mes-
mos, de uma nação santa, de uma geração eleita, e de um sa-
cerdócio real. O véu do Templo se rasgou por ocasião da morte
do Messias (Mateus 27:50, 51), significando que Ele entrara
no Santo dos Santos a fim de fazer, de uma vez por todas
(Hebreus 9:11-15; 24-28), expiação pelos pecados do mundo
inteiro. Isto significa que já não há mais uma classe especial
dentro do povo de Deus responsável em mediar Deus com Seu
povo. Embora haja muitos pastores que insistam em assumir
tal postura, é bom que se saiba que isto foi abolido por Jesus
Cristo quando Ele morreu naquela cruz, adquirindo para Si o
direito de ser o único e suficiente Sumo Sacerdote de toda a
humanidade, o qual está à destra do Pai, e intercede por nós.
Hoje, todos nós somos iguais aos olhos de Deus. Todos nós
somos chamados a participar desta geração eleita, desta nação
santa, e deste sacerdócio real (1 Pedro 2:9). O próprio concei-
to do templo foi mudado. Quando entendemos que nós, como
pedras espirituais, somos feitos casa espiritual e sacerdócio san-
to, a fim de oferecermos sacrifícios espirituais agradáveis a Deus
36 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

por Jesus Cristo (1 Pedro 2:5), percebemos que, espiritual-


mente, todos nós deveríamos então ser considerados levitas, e
não somente o músico. Não obstante, esta responsabilidade só
é cobrada do músico.
A Palavra de Deus nos ensina que não devemos pôr remen-
do de pano novo em pano velho, pois a rotura se faria ainda
maior. Querer usar o ministério levítico do Velho Testamento
como pretexto para obrigar um músico profissional a atuar
exclusivamente na igreja local sem a devida remuneração; é abrir
uma rotura ainda maior, não só na vida do músico, mas no
Corpo de Cristo. Se após essas considerações o leitor ainda
crer na possibilidade de haver um ministério levítico nos dias
de hoje, lembre-se de dar aos seus levitas as primícias de tudo
aquilo que é ofertado ao templo. Afinal, não devemos nos es-
quecer que eles não têm possessão na terra!
37

Um Profissional
Chamado Músico
1. Qual é a diferença entre um músico amador cristão, e
um músico profissional cristão?
A diferença nos parece evidente. O músico profissional é
aquele que vive de música, e pode vir, eventualmente, a tocar
na Igreja. O amador é aquele que possui uma outra profissão
qualquer, e também toca na Igreja, embora não seja profissio-
nal. De maneira bastante genérica poderíamos chamar o pri-
meiro de “cristão músico”, ou seja, um cristão cuja profissão é
a música; e o segundo, de “músico cristão”, que é um cristão
cujo hobby é a música. Há uma diferença fundamental entre os
dois, embora eles tenham duas coisas em comum, a saber: ambos
são cristãos, e tocam música. A diferença primordial é que o
músico profissional depende da música para viver, enquanto
que o outro não.

2. Um cristão músico só deve ouvir, cantar, e tocar mú-


sica evangélica?
Como já foi bastante discutido em questões anteriores, to-
car para a glória de Deus não significa somente tocar e cantar
38 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

música evangélica. Um músico profissional, como em qual-


quer outra profissão, necessita de elementos técnicos para aper-
feiçoar e atualizar o seu conhecimento e sobreviver profissio-
nalmente. Através de ouvir vários tipos de música o profissio-
nal pode ir “coletando” várias informações úteis e inovadoras
para a realização de seu próprio trabalho. Ele precisa ouvir bons
músicos a fim de se aperfeiçoar, ouvir bons arranjadores para
aprender a arranjar, bons cantores para saber cantar, e assim
consecutivamente. Ele não precisa ouvir só aquilo que é “ide-
al”. Deus nos deu o Espírito Santo para podermos discernir
entre o bom e o ruim. Se em uma determinada música, com
todos os seus elementos: melodia, harmonia, letra, ritmo; en-
contrarmos um só elemento que nos sirva, podemos aproveitá-
lo. Se descartarmos uma música inteira porque a letra não é
boa, por exemplo, é como se jogássemos fora uma cesta inteira
de maçãs por causa de uma única maçã podre. Não é assim que
deve ser. É preferível jogar apenas a maçã podre fora do que a
cesta inteira. E se houver apenas uma maçã boa, jogamos todo
o resto fora, e ficamos com aquela que está boa. A Bíblia nos
diz: “Examinai tudo. Retende o bem.” (1 Tessalonicenses 5:21).
Afirmar que um músico profissional cristão só pode tocar
música evangélica, equivale a dizer que um médico, ou psicó-
logo, só pode clinicar pessoas que são crentes; ou que existe
advocacia santa. Cremos não ser necessário enfatizar ser isto
um absurdo. Existe, entretanto, a questão da ética profissional,
o que varia de pessoa para pessoa, e de caso para caso. Um
médico pode negar-se a fazer um aborto, enquanto que outro,
menos escrupuloso, pode vir a fazê-lo. Um músico profissio-
nal cristão não está obrigado a participar de qualquer coisa que
UM PROFISSIONAL CHAMADO MÚSICO 39

seja que venha ferir sua consciência cristã. Ao contrário, ele


deve ser um testemunho vivo lá fora de que não é necessário
ser excêntrico, maluco, drogado, rebelde, ou qualquer outra
coisa a fim de poder ser um bom músico.

3. Um músico profissional cristão tem obrigação de to-


car na igreja local? Ele pode cobrar para isso?
Qualquer serviço prestado dentro do: Corpo de Cristo tem
que ser espontâneo, e não pode ser obrigatório. Obrigar um
músico a tocar na igreja é como obrigar alguém a “participar”
de um culto. Não se deve ir à igreja obrigado, mas por livre e
espontânea vontade. O músico, assim como qualquer outro
membro, não é propriedade da igreja. Ele não faz parte do ati-
vo permanente da igreja, por assim dizer. Aliás, um contador,
por exemplo, não tem que necessariamente ser o tesoureiro da
igreja. Ele pode vir a sê-lo, mas por sua livre e espontânea von-
tade. Da mesma forma, o músico profissional cristão não tem
qualquer obrigação de tocar gratuitamente na igreja, ou sequer
tocar na igreja, assim como o médico, ou advogado, não tem
qualquer obrigação de trabalhar sem remuneração, ou sequer
atender alguém, só porque determinado paciente, ou cliente,
é da igreja. Desta maneira, o músico, como qualquer outro
profissional liberal, tem a liberdade de desempenhar, ou não,
este ou aquele cargo dentro da igreja local. Nem sempre ele
pode estar na igreja local. Muitas vezes ele tem que trabalhar
nos fins de semana, o que o impossibilita de sequer participar
do culto. Sabemos que esta não é a situação ideal, mas é, via de
regra, a realidade de muitos deles. Assim como todos os de-
mais, eles tem que “ir à luta”.
40 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

Quanto ao cobrar, essa é uma questão muito pessoal. O


músico deve ter o direito de cobrar, ou não. Este é um direito
que é facultado ao músico. Ele tanto pode tocar gratuitamen-
te, como pode, conforme o caso, requerer a justa remuneração
de seu trabalho. Isso varia de pessoa para pessoa. O que não
deve acontecer, por exemplo, é ele ter que abrir mão de um
compromisso profissional para tocar na igreja, e não receber
nada por isso. Devemos lembrar que, assim como qualquer pai
de família e profissional, o seu compromisso com a sua família
vem antes do que o seu compromisso como a igreja local.
Primeiro a família, depois a igreja. Está escrito: “Mas, se al-
guém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua
família, negou a fé, e é pior do que o infiel” (1 Timóteo 5:8). O
que tem surgido, sem sombra de dúvida, é um comércio vo-
raz por parte de muitos aproveitadores, o que vem denegrir a
imagem de profissionais honestos e sinceros, dificultando,
assim, a sobrevivência destes. O músico, como qualquer ou-
tra pessoa, deve ser transparente e aberto para que qualquer
pessoa possa conhecê-lo, bem como a sua vida profissional.
Desta maneira, há de se saber quem são, de fato, os músicos
de Deus. Vale lembrar, no tocante à remuneração de músicos
que tocam em igrejas, que muitos pastores usam o termo “ofer-
ta” ao invés de “cachê”. A oferta, em si, não tem valor estipu-
lado. O cachê, por sua vez, é cobrado de acordo com as con-
dições de cada trabalho. A oferta é mais uma atitude
missionária, enquanto que o cachê é algo bastante profissio-
nal, não sendo, em qualquer hipótese, um mais “abençoado”
do que o outro. O mesmo acontece com o termo “apresenta-
ção” ao invés de “show”.
UM PROFISSIONAL CHAMADO MÚSICO 41

4. O músico profissional cristão deve e pode trabalhar


em ambientes tais como bares, restaurantes, etc.?
Isto seria o mesmo que perguntar a um médico se ele pode
trabalhar em um hospital ou clínica. Com certeza, um médico
não iria clinicar no bar da esquina, ou em meio a um restau-
rante, assim como seria pouco provável que um músico viesse
a tocar em um determinado hospital ou maternidade. O que
está em questão aqui não é a atividade em si mesma, mas o
ambiente onde ela é geralmente executada. O ambiente no qual
o músico trabalha é um ambiente geralmente rotulado como
pernicioso e nocivo à moral pela maioria do setor evangélico
da sociedade. Isto acontece pelo fato de haver em alguns des-
ses lugares a presença de drogas, bebidas, e coisas do gênero.
Todavia, gostaríamos de lembrar os leitores de que o ambiente
de trabalho de um músico não se restringe “única e exclusiva-
mente” a lugares como os descritos acima. Existem outros ambi-
entes sociais onde o músico pode exercer a sua profissão, tais
como: concertos de música clássica, casamentos, recepções, etc.;
os quais são desprovidos deste caráter pernicioso. Além disso,
as drogas, bebidas, e coisas do gênero também estão presentes
em outros ambientes de trabalho tais como: hospitais, na polí-
tica, etc. Não é necessário ser músico para entrar em contato
com a triste realidade do mundo a nossa volta. Vale a pena
dizer que nem sempre o músico tem o privilégio da escolha.
Em tempos de “vacas magras”, a fim de sustentar sua família
(pois apesar da desatenção de muitos, sim! o músico também é
pai de família, e como tal possui muitas responsabilidades) ele
pode vir a ter que tocar em ambientes que não são de sua pre-
ferência pessoal, o que não significa que por isso ele venha ne-
42 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

cessariamente a corromper-se, ou coisa semelhante. A única


diferença entre a música e as demais profissões é que ela vem
sofrendo grande preconceito por parte da sociedade em geral
já por vários anos. O músico, graças a algumas questões cultu-
rais, carrega aquele estereótipo de bon vivan, o qual em hipóte-
se alguma condiz com a realidade dos fatos. É aquela velha
estória da preguiçosa cigarra que vivia a cantar o dia inteiro,
enquanto que a valorosa formiga somente trabalhava. Há tam-
bém o ditado que diz que Deus ajuda a quem cedo madruga. É
um ditado “bonitinho” este, o único problema é que ele
desconsidera os músicos e os guardas-noturnos, que trabalham
durante a noite. Agora, um músico profissional cristão deve ser
uma pessoa preparada a enfrentar ambientes como estes sem se
deixar influenciar e, se possível, influenciar aqueles que o cer-
cam para que se aproximem de Deus. É aí que entra o papel da
Igreja, não como elemento repressor, mas como aquela que há
de prover ao músico o suporte espiritual e emocional para que
ele seja luz do mundo e sal da terra, e faça diferença no meio
onde vive. O músico, sempre é obrigado a ser uma benção na
vida de seus irmãos, e raramente tem o privilégio e a oportuni-
dade de ser abençoado por estes.

5. De graça recebeste, de graça daí... Isto se aplica ao sustento


do músico profissional cristão ao realizar um trabalho?
Em primeiro lugar, devemos ressaltar o fato de que, na Bí-
blia, este versículo não se refere ao dinheiro, ou ao sustento de
quem quer que seja. Este versículo se refere, sim, à Salvação
provida por Deus através de Jesus Cristo. A Salvação é pela
graça e de graça. Não se pode cobrar um tostão por isso, assim
UM PROFISSIONAL CHAMADO MÚSICO 43

como o fizeram certas igrejas por algumas centenas de anos, e


como ainda fazem, algumas outras, nos dias de hoje. Entretan-
to, isto não se aplica, em hipótese alguma, à justa remunera-
ção em face da prestação de um determinado serviço. Como já
dissemos, Deus concedeu diferentes dons aos homens. A mú-
sica é apenas um deles, mas todos os outros também provêm
de Deus. Se admitirmos que um gerente de uma multinacional,
o qual possui o dom de presidir (o que a Bíblia diz ser um dom
concedido por Deus - Romanos 12:8), possa receber altos sa-
lários por seus serviços, então é de se estranhar que se trate o
músico de maneira diversa.
Se aplicássemos este versículo a este contexto específico en-
tão teríamos que conceber uma sociedade que funcionasse na
base de permuta, a qual seria, por sua vez e na melhor das
hipóteses, utópica. Todo mundo teria que continuar exercen-
do suas profissões sem cobrar nada uns dos outros. Na prática,
e na Bíblia, nós sabemos que a coisa é bem diferente: “...pois
digno é o obreiro de seu salário.” (Lucas 10:7).

6. As músicas seculares podem atingir os corações das


pessoas? Deus pode usar uma música secular?
A priori, Deus pode usar tudo aquilo que Ele decidir usar,
pois Ele é Deus. Deus não dá conta de Seus atos a ninguém.
Segundo a Bíblia, Deus chegou a usar até uma mula a fim de
falar com um determinado profeta, chamado Balaão. Não que-
remos dizer com isso que Deus seja arbitrário em Sua maneira
de lidar com as pessoas e o mundo, ou que esta seja a forma
pela qual Ele sempre fala com Seu povo. Todavia, existem his-
tórias incríveis de pessoas que se converteram ao ouvirem mú-
44 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

sicas seculares, por exemplo. Deus usa o que bem entende.


Quem somos nós para determinarmos o que Deus deve ou
não deve usar? Não somos a “quarta” pessoa da Trindade para
que possamos agasalhar em nosso íntimo tal pretensão. Não
somos nós quem cuida da “agenda” do Senhor. Deus tem Seus
próprios meios de fazer as coisas. Deus mesmo diz: “Porque os
meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos
caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os
céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos
mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais
altos do que os vossos pensamentos.” (Isaías 55:8, 9). Cada um
tem uma história diferente, e Deus trata cada um de acordo
com suas reais necessidades. Só porquê Deus fez determinada
coisa na vida de uma pessoa, não significa que Ele vá fazer a
mesma coisa nas vidas das demais. Só Ele sabe como atingir
cada ser humano, na hora certa, e da maneira mais adequada.

7. Como sobrevive um músico profissional?


Há músicos que para poderem prover para si e para suas
famílias transformam-se em verdadeiras “super-cigarras”, cuja
atividade profissional é de fazer inveja a qualquer “formiga atô-
mica”. Existem várias áreas de atividade para um músico pro-
fissional: aulas, shows, propaganda (jingles), recepções, casa-
mentos, bailes, teatro, trabalhos independentes, gravações (mú-
sico de estúdio), etc. Na verdade, é raro o caso do músico que
vive através de apenas uma dessas atividades. Geralmente, ele
tem que “jogar” em todas as “posições” a fim de poder arcar
com seus compromissos familiares. É uma vida de muito tra-
balho e, muitas vezes, de baixo retorno financeiro.
UM PROFISSIONAL CHAMADO MÚSICO 45

O que muitas vezes vem dificultar o sustento de um deter-


minado artista é a falta de ética profissional existente no meio
evangélico atual. A pirataria tornou-se um problema sério a
nível nacional, não só entre os evangélicos, mas em todos os
setores da sociedade. Na verdade, ela tornou-se algo tão co-
mum, que já não nos causa qualquer estranheza a utilização
indevida do trabalho alheio. Outro lado do mesmo problema,
é a falta de respeito aos direitos autorais de artistas em geral.
Canções de terceiros são gravadas sem a autorização “songbooks”
são impressos e comercializados sem que os autores das músi-
cas estejam sequer cientes disso, e por aí afora. O que objeta-
mos neste trabalho, não é a simples utilização das músicas para
a edificação do Corpo de Cristo, mas sim, a sua indevida
comercialização. O fruto do trabalho de um artista é a sua arte,
assim como o fruto do trabalho de um escritor, por exemplo,
são os seus livros. Não se deve valer-se deste ou daquele traba-
lho sem a devida autorização de seus autores, principalmente
quando se visa a comercialização dos mesmos. Neste aspecto,
os Estados Unidos são um exemplo a ser seguido. Cremos que
é chegada a hora de começarmos a moralizar esta nação, e a
Igreja nos parece um bom lugar para isso, uma vez que deverí-
amos ser conhecidos como “filhos da justiça”.

8. Existem muitos músicos profissionais cristãos no meio


secular?
Atualmente, existem vários. Têm ocorrido muitas conver-
sões de pessoas envolvidas com o meio artístico, e dentre elas
há um grande número de músicos de renome, os quais vêm
não só do jazz, mais também da música popular. Muitas dessas
46 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

pessoas têm mostrado vidas verdadeiramente transformadas, e


provido testemunho bastante positivo no meio em que vivem
e no qual continuam trabalhando. Foi exatamente isto que Je-
sus propôs ao gadareno após a sua libertação e conversão,
quando este esboçou o desejo de seguir o Mestre. Cristo lhe
disse para que permanecesse onde ele era conhecido para que
todos pudessem testemunhar da maravilhosa mudança que
ocorrera em sua vida. Este também é o grande chamado de
Jesus para nós hoje, ou seja, o de permanecermos no mundo,
mas não sermos conforme o mundo. Devemos permanecer e
fazer diferença em nosso ambiente de trabalho. Muitas dessas
conversões acima citadas ocorreram devido ao testemunho da-
queles que vieram primeiro, e não se omitiram.

9. Gravadoras ou produção independente, qual o me-


lhor dos dois lados?
Não podemos negar que algumas gravadoras têm sido um
estímulo aos artistas que ainda não são conhecidos. Quando se
trata de lançar um artista desconhecido da maior parte do pú-
blico, uma boa gravadora e distribuidora vem muito a calhar.
Segundo o maestro, e amigo, Costa Júnior, o músico tem três
fases.
A fase “um” é quando ninguém o conhece. Nessa fase o
músico faz de tudo para ficar conhecido. Ele vai tocar em festa
de batizado, festa de lançamento de casinha de cachorro, e as-
sim por diante; toda e qualquer chance de mostrar o seu traba-
lho, lá está ele. Essa fase dura um bom tempo, e é a fase mais
difícil, pois é quando o músico, por não ser conhecido, tem
que tocar de graça e, às vezes, até que pagar para tocar.
UM PROFISSIONAL CHAMADO MÚSICO 47

A fase “dois” é quando alguém ouve o seu trabalho, gosta, e


acredita nele. É aí que entra a gravadora. Aqui o músico conti-
nua batalhando e divulgando o seu trabalho, mas com o auxí-
lio da gravadora-distribuidora ao seu lado. Existe, também, a
possibilidade de o músico bancar a produção de um disco sozi-
nho, o que chamamos de “produção independente”. Seja como
for, ele precisa continuar divulgando o seu trabalho o máximo
possível.
Por fim, vem a fase “três”, que é quando todo mundo quer
ouvi-lo cantar, pois ele já trabalhou bastante na divulgação de
seu trabalho, já engoliu muita poeira, e conquistou um bom
número de ouvintes. É nesta fase que o profissional começa a se
dar bem. Nesta fase ele tem boas condições de negociar melho-
res cachês, pois ele sabe que aonde for há de atrair um bom
público. Assim sendo, pode-se dizer que a fase três é praticamen-
te o contrário das duas primeiras, ou seja, aquilo que era uma
busca, torna-se um encontro. As pessoas agora vêm ao seu en-
contro, e os muitos convites começam a aparecer. Daí então, o
músico passa a selecionar melhor os seus trabalhos, dando prio-
ridade àquilo que lhe for mais interessante. Esta seleção, a uma
certa altura de sua carreira, precisa ser feita a fim de permitir que
o músico também gaste tempo com a sua família, que sempre
deve vir em primeiro lugar. Um bom músico cristão é, antes de
tudo, um bom marido e pai. Não se deve atender aos compro-
missos profissionais em detrimento da família. O bom profissio-
nal é aquele que sabe encontrar um equilíbrio entre as duas coi-
sas, pois, de certa maneira, existe uma interdependência entre
elas. Sem o trabalho, a família fica desprovida de recursos, mas
sem família, o trabalho fica desprovido de sentido. Nesta fase o
48 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

músico precisa se organizar melhor. É necessário que ele tenha


um contrato de trabalho, saiba os pormenores dos eventos que
irá participar, quem o está organizando, como será feito, etc. É
nesta fase, também, que o músico tem a chance de alcançar uma
certa autonomia e tornar-se independente. Ele é seu próprio
patrão, ele pode administrar seus horários de maneira mais flexí-
vel, ele pode negociar suas apresentações diretamente com os
organizadores, e assim por diante.
Depois da fase três, é quando o músico pode arriscar a pro-
duzir um trabalho independente, pois, uma vez que ele já é
conhecido, já não tem tanta necessidade da gravadora para di-
vulgar o seu trabalho. Agora, uma coisa é certa, quem vende o
material e forma a sua imagem não é nenhuma gravadora, mas
o músico. Se o músico não subir ao palco para mostrar a sua
cara, dificilmente ele terá sucesso, mesmo valendo-se de uma
gravadora. Segundo disse um certo apresentador de programa
de auditório, “quem sabe faz ao vivo”. Esta asserção é verdadei-
ra, pois as pessoas estão interessadas em saber quem é o músi-
co, ali, ao vivo e a cores. O sucesso de um disco é fruto de um
trabalho conjunto, onde o artista percorre vários lugares, fa-
zendo apresentações e divulgando o seu trabalho, podendo,
inclusive, negociar um número de CD’s a serem vendidos.
A partir do momento que o músico torna-se independente,
ele ainda irá precisar de uma boa distribuidora, pois o alcance
que uma distribuidora possui não pode ser comparado com o
esforço isolado de um músico, por mais que ele trabalhe. De
preferência, deve-se entregar o trabalho nas mãos de uma dis-
tribuidora de grande porte, a qual possui um maior alcance em
todo o território nacional. Além disso, o músico deve continuar
UM PROFISSIONAL CHAMADO MÚSICO 49

viajando e tocando tanto quanto possível. Como disse Milton


Nascimento em uma de suas músicas, “o artista tem que ir
aonde o povo está”.

10. Existe diferença entre o Brasil e outros países na ques-


tão do músico profissional cristão?
Com certeza. Há certos países que não possuem este pre-
conceito com relação ao músico tocar fora e dentro da igreja.
Existem muitos países onde o músico é considerado um pro-
fissional como qualquer outro, digno de respeito e admiração.
Há até mesmo entidades que sustentam ministérios de músi-
cas nesses países. São países que estão muito mais evoluídos no
tocante à música e ao músico profissional. Existem profissio-
nais pagos para desempenhar apenas um determinado tipo de
trabalho. Inclusive, os músicos estão liberados para participa-
rem em trabalhos de outros artistas, muitas vezes não evangéli-
cos. Há vários artistas que freqüentemente contratam músicos
cristãos, os quais, por sua vez, estão associados a sindicatos que
os ajudam em seu trabalho e defendem os seus interesses.
Essa seria, aliás, uma boa idéia a ser desenvolvida no Brasil,
um Sindicato de Músicos Cristãos. Felizmente, já existem pes-
soas preocupadas e engajadas na formação de tais sindicatos no
Brasil. Vale lembrar, que já existem no Brasil entidades seculares
que se propõem a esse fim específico de lutar pelos direitos dos
músicos e regulamentar a atuação profissional dos mesmos.

11. Como ser um bom músico profissional cristão?


Além de ser um cristão autentico, o bom músico profissio-
nal cristão deve reunir algumas qualidades: talento, técnica,
50 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

teoria, prática, bom gosto, e intuição. Se misturarmos todos


esses ingredientes em um “liqüidificador”, teremos um bom
músico. O músico precisa estar sempre se atualizando e se de-
senvolvendo. Ele precisa ouvir bons músicos, bons arranjadores,
bons cantores, etc., a fim de poder se aperfeiçoar cada vez mais
em sua arte. A música é algo que nunca termina, ela é como
que infinita. Por mais que alguém estude música, essa pessoa
nunca irá saber tudo. Na verdade, quanto mais conhecemos,
mais entendemos o quão pouco sabemos. Uma das maneiras
de se aprender é através do ouvir. As ferramentas do músico
também são os ouvidos, e não somente as mãos. O músico tem
que estudar muito a fim de tornar-se competente. Mesmo os
mais talentosos necessitam de estudo. Muitos deles tornam-se
autoditadas por força das circunstâncias. Às vezes o músico não
possui condições financeiras para arcar com o custo de um bom
curso de música. Entretanto, sempre que possível, é bom que
se tenha bons professores que o encorajem a continuar a estu-
dar, mostrando qual o caminho mais curto para se alcançar um
conhecimento musical mais relevante e maduro.
51

Diálogo: O Melhor
Caminho
Neste capítulo apresentamos ao leitor uma série de contri-
buições dadas por várias pessoas, contribuições estas que vêm
enriquecer a discussão deste tema, oferecendo uma visão mais
ampla do assunto, uma vez que são fruto de pessoas diferentes,
com experiências e perspectivas diferentes. Essas contribuições
foram coletadas através de um questionário constituído de oito
perguntas. Nem todos os entrevistados receberam todas as per-
guntas, por não serem elas pertinentes aos mesmos, mas todos
responderam as que receberam pronta e graciosamente. Procu-
ramos pesquisar um número igual de pastores e músicos pro-
fissionais cristãos (três pastores, e três músicos) com o intuito
de prover ao leitor uma visão equilibrada do tema. Gostaría-
mos de salientar que todas estas colaborações foram coletadas
após o término da escritura do corpo deste livro, e que ne-
nhum de nossos colaboradores teve prévio acesso ao conteúdo
deste trabalho ao responderem às perguntas. Todos os depoi-
mentos foram transcritos sem qualquer adição ou subtração
por parte dos autores, a não ser por algumas correções grama-
ticais. Passemos à apresentação de nossos colaboradores: Wanda
52 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

Sá é cantora profissional, uma das expoentes da Bossa Nova,


realizando shows ao lado de nomes como Roberto Menescal,
Miele, Célia Vaz, entre outros; Eduardo Martins é contrabaixista
profissional, e tem trabalhado com grandes nomes da MPB
como Leo Gandelman, Jane Duboc, Raul de Souza, entre ou-
tros; Serginho é baterista e vocalista do grupo Roupa Nova;
Ricardo Gondim é pastor da Igreja Evangélica Betesda em São
Paulo, já foi vice-presidente da AEVB e escreve vários livros;
Edilson Botelho é pastor presbiteriano, músico, compositor e
intérprete, e tem contribuído bastante com vários grupos e
missões evangélicas no Brasil; Guilherme Kerr Neto é pastor,
compositor, intérprete e escritor, tendo participado por mui-
tos anos da Missão Vencedores por Cristo.

1. Na sua opinião, qual deve ser a postura da igreja lo-


cal, em relação aos músicos profissionais cristãos que
trabalham em ambientes seculares?

O músico profissional cristão deve encarar sua atividade


como qualquer outra. Ele deve aprender a discernir os desafios
éticos de sua profissão, ter sensibilidade espiritual para dizer
sim ou não às oportunidades que serão apresentadas a ele. Ha-
verá lugares e circunstâncias nos quais ele, como crente, não
poderá desempenhar sua profissão. Como qualquer outro pro-
fissional, o músico pode e deve ser sal e luz no ambiente secu-
lar. (Pastor Ricardo Gondim).

“Acompanhar” o músico em sua trajetória secular, é indis-


pensável!
DIÁLOGO: O MELHOR CAMINHO 53

“Acompanhar” representa: 1. Amar sem dominar/contro-


lar. 2. Aconselhar sem manipular. 3. Ser austera e firme sem ser
mordaz e injusta no julgamento. 4. Convencer sem nunca im-
por. 5. E, o mais importante, não descansar até saber que os
sonhos de seus músicos refletem os sonhos de Deus. Tenho
encontrado isso em minha igreja!!! (Edu Martins).

Quanto a postura da igreja em relação aos músicos cris-


tãos que trabalham em ambiente secular, creio que este seja
um dos maiores desafios a serem vencidos pela comunidade
cristã. Você bem sabe que eu sou músico antes de ser pastor, e
por isso entendo os dois lados da questão. Não tenho a expe-
riência de tocar em um ambiente secular (restaurante, festa
de casamento, bar, etc.) viso que isso nunca foi necessário,
pois não sou músico profissional. Poucas igrejas tem a visão e
o orçamento para oferecer trabalho a um músico cristão (ex-
ceção dos regentes de corais e organistas nas grandes igrejas).
Bateristas, guitarristas, baixistas, percussionistas, tecladistas,
raramente encontram campo de trabalho em igrejas locais.
Quando se é solteiro, ainda se tem a cobertura financeira dos
pais. Mas, quando o músico é casado, com filhos, aí não tem
escolha — ou procura outra atividade ou vai tocar música
secular. Por uma questão de justiça, a igreja deveria compre-
ender esta situação e não discriminar, visto que a maioria de
nós busca sustento num ambiente considerado ‘secular’. (Pas-
tor Edilson Botelho).

A postura da igreja local deve ser uma postura “neutra”, desde


que as atividades deste músico não venham comprometer a
54 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

sua igreja. Mais cedo ou mais tarde o coração deste músico será
tocado profundamente. (Serginho - Roupa Nova).

A igreja somos nós - inclusive os músicos cristãos que traba-


lham em ambientes seculares. Creio que há algumas coisas que
precisam ser ditas:
a) A igreja não é fiscal, nem vigilante da vida e da profissão
de nenhum de seus membros. A maioria das profissões, como
a maioria das coisas de nossa vida neste mundo ambíguo em
que vivemos, têm aspectos moralmente positivos (por exem-
plo, na profissão de professor há um aspecto muito positivo de
contribuir para a formação integral de um jovem ou de uma
criança), têm aspectos moralmente negativos (por exemplo, um
professor pode ser cruel ou desumano, ou o salário que se paga
pelos seus serviços pode ser tão aviltante que proíba a dedica-
ção de muitos por simples necessidade de sobrevivência), e têm
aspectos moralmente neutros (por exemplo, o currículo, que
pode, ou não, incluir Geografia e Ciências Humanas). Não é
função da igreja “regular” ou “fiscalizar” a vida de nenhum de
seus membros em suas profissões. É, isto sim, função da igreja,
equipar os seus membros para que tenham fibra moral de sa-
ber dizer SIM ao que é moralmente positivo, e NÃO ao que
vai contra os princípios da Palavra de Deus.
b) Existem profissões que são evidentemente degradantes e
imorais — prostituição, corrupção de menores, tráfico de dro-
gas, promoção e difusão de pornografia e imoralidade sexual,
escravidão de pessoas (seja de seus corpos, seja de suas mentes).
Nestas profissões o cristão não pode se envolver sem se cor-
romper.
DIÁLOGO: O MELHOR CAMINHO 55

c) Existem profissões que são facilmente degradantes —


basicamente qualquer uma que envolva poder, prestígio e
dinheiro (um ou mais destes componentes combinados) —
por exemplo, ser pastor, político, músico, exercer qualquer
cargo de liderança e gerência, ser fiscal, militar, etc.. Ne-
nhuma destas profissões é ilícita. Qualquer uma, porém, pode
se tornar um laço para derrubar o cristão sincero. Depende
muito de como a pessoa administra poder, prestígio, ou di-
nheiro.
d) Não existem profissões “puras”. Nenhuma mesmo. Exis-
tem pessoas mais puras do que outras no exercício de suas ati-
vidades, que sempre envolvem certa ambigüidade.
A postura da igreja deve ser a de nos ensinar o que é pureza,
como alcançá-la e como mantê-la, mesmo sob circunstâncias
adversas. (Pastor Guilherme Kerr).

Vou responder a essa pergunta com outra pergunta: Qual é


a postura da igreja local em relação a qualquer profissão que
não seja artística? Como age a igreja em relação a um médico,
a um bancário, a um advogado, etc.? É necessário abandonar a
sua profissão ao se converter? Por que a discriminação, o pre-
conceito, em relação às artes? Se partimos do princípio que
todos nós, cristãos, ao seguirmos Jesus, estamos andando no
sentido contrário ao da seta, qualquer “ambiente secular” terá
para nós as mesmas dificuldades e desafios; e aí é que entra a
igreja em nossas vidas: para apoiar, orar, aconselhar, estar jun-
to. (Wanda Sá).
56 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

2. O músico profissional cristão tem obrigação de tocar


na igreja local? Deve cobrar para isso?

Sim, o músico profissional deve aprender a usar os seus ta-


lentos para a glória de Deus. Entretanto, ele deve fazê-lo como
vocação e sacerdócio e não como profissão. Haverá circunstân-
cias em que ele será chamado para dedicar-se em tempo inte-
gral na obra de Deus. A igreja local deverá se responsabilizar
por suprir todas as suas necessidades. Jesus afirmou que o obreiro
é digno do seu salário. (Pastor Ricardo Gondim).

Não sinto obrigação, mas penso sempre que isso é um pri-


vilégio! Quem sobe no palco de uma igreja para louvar, deveria
sentir naturalmente dois sentimentos: um privilégio profundo
e um temor profundo.
Quanto ao cobrar, considero que o músico deve receber por
seu trabalho, por tudo o que aconteceu até o momento do
culto, ou seja, arranjos, produções, projetos, ensaios, etc... (No
caso de tempo integral para a igreja). (Edu Martins).

Quanto a tocar na igreja, creio que por obrigação nada agrada


a Deus. Ele gosta de tudo feito por amor. Tocar na igreja, espe-
cialmente para a igreja cantar, é um privilégio; adorar é um
dever, uma obrigação de todo ser humano, inclusive do músi-
co, pois cada um deve apresentar-se diante de Deus com o que
tem de melhor. Agora, a questão tem dois lados. Porque, uma
coisa é você participar da adoração como adorador na sua pró-
pria igreja — outra coisa é você ser convidado a fazer uma
apresentação de sua arte em outro lugar. Não gosto de pensar
DIÁLOGO: O MELHOR CAMINHO 57

que o músico recebe para tocar para Deus. O músico recebe


para continuar desenvolvendo sua profissão, dedicando-se di-
ligentemente à sua arte. (Pastor Edilson Botelho)

O músico cristão não tem obrigação de nada, a não ser “amar


e respeitar ao seu Deus”. Caso seja convidado pelo seu pastor a
fazer parte do ministério de louvor, algumas regras devem ser
observadas:
1) Caso não tenha nenhuma outra fonte de renda, deve ser
remunerado, levando-se em conta a sua necessidade.
2) Por ser remunerado, ou não, mas pelo fato de ser um
ministério importantíssimo, deve estar disponível a maior par-
te do tempo.
3) Por ser de grande responsabilidade, tal ministério deve
tocá-lo profundamente no coração, para que haja a unção do
Espírito Santo.
4) E, por último, mas a mais importante de todas as cláusu-
las: o músico cristão integrante de um ministério de louvor
deve ter uma vida e uma postura exemplar, pois ele passa a ser
uma “vitrine de Jesus”, e todos vão passar e examiná-lo e obser-
var os seus atos. (Serginho - Roupa Nova)

O músico profissional cristão não tem nenhuma obrigação


de tocar na sua igreja local, embora, se bem instruído e motiva-
do, deve considerar um imenso prazer servir a Deus com seus
melhores dons — que nem sempre, e necessariamente, são sua
música. Não deve cobrar para isso, como não deve cobrar o pro-
fessor de EBD, ou todas as demais funções e atividades que se
exercem na igreja. A igreja é basicamente uma associação livre e
58 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

voluntária de pessoas debaixo de um mesmo objetivo. A não ser,


é claro, que a igreja contrate os serviços deste músico, para uma
empreitada, ou mesmo de forma regular e supervisionada —
como pode fazer com o pastor ou com o restante do “staff ” da
igreja. Isso depende de disponibilidade de recursos e de priorida-
des que a igreja local e todos os seus membros, inclusive músicos
profissionais, decidam adotar. (Pastor Guilherme Kerr).

Eu creio que o fato da profissão de um cristão ser a música,


não quer dizer, obrigatoriamente, que Deus queira usá-lo fa-
zendo “música” na igreja. Um dentista, por exemplo, pode ser
um bom, ou até melhor, ministro de louvor do que um músi-
co; sem ter, por isso, a obrigação de cuidar das cáries de todos
os membros da igreja. Profissão é uma coisa, serviço na igreja
é outra. Deus é quem sabe como vai usar nossos talentos. Mas,
se o músico sentir o chamado de Deus para o louvor, ótimo,
pois a qualidade deste louvor estará garantida por quem é do
ramo. (Wanda Sá).

3. A profissão de músico, em si, é santa?

Toda profissão é digna e, portanto, santa. O que desacraliza


a profissão é o pecado e ele não conhece fronteiras, está presen-
te no médico, no engenheiro, no sacerdote. (Pastor Ricardo
Gondim).

Acredito que música é arte; é a expressão através dos sons.


Logo a profissão de músico deveria ser vista mais em termos
artísticos do que monetários e/ou comerciais: seria uma espé-
DIÁLOGO: O MELHOR CAMINHO 59

cie de artesão das notas musicais, um escultor dos sons. Con-


tudo, como todo tipo de ofício poderá ser feito com ética e
beleza ou com maldade, sátira e deboche. Mas isso não tem a
ver com santidade. (Edu Martins).

Quanto à santidade, posso dizer que não há santidade ine-


rente a qualquer atividade humana, nem mesmo ao sacerdó-
cio. A santidade deve ser buscada. A santidade somente é ine-
rente a Deus, o Senhor. (Pastor Edilson Botelho).

E por que não seria? (Wanda Sá).

Já respondi na primeira. (Pastor Guilherme Kerr).

4. Dizem que gosto não se discute. Como a sua comuni-


dade tem administrado a questão das diferentes pre-
ferências musicais?

Procuramos desmistificar a visão legalista de que alguns rit-


mos são mais sagrados do que outros; abrimos oportunidade e
espaço para que as diferentes formas de música se apresentem
nos cultos e nas atividades da igreja. (Pastor Ricardo Gondim).

Com muita liberdade. Não quero ser ufanista ao me referir


a minha igreja (Betesda), mas o fato é que tenho visto um am-
biente equilibrado que tem permitido e incentivado a expres-
são livre de todos os grupos e ministérios, mesmo dentro de
um estilo de liderança centralizado. (Edu Martins).
60 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

Preferências musicais são um grande conflito na igreja. Creio


que única maneira de resolver essa questão é executar a partitu-
ra do amor, na qual a paciência, a tolerância, a bondade, são
igualmente repartidas e todos são estimulados e edificados. É
trabalhoso ficar no meio. Exige talento e muito ensaio para
executar um hino antigo e tradicional com uma roupagem nova
que anime o jovem a cantar e não deixe os veteranos de cabelos
em pé (arte esta que o maestro João sabe fazer com perfeição).
(Pastor Edilson Botelho).

Eu acho que ainda há muitos preconceitos em relação a todo


esse assunto. Preconceito em relação a ritmos, instrumentos,
temas. Infelizmente! (Wanda Sá).

Relativamente bem. Falta um pouco de espaço, talvez, para


o mais clássico — não somos muito requintados. (Pastor Gui-
lherme Kerr).

5. Por muitos anos tem se comparado o músico cristão


com o levita do Velho Testamento. O ministério
levítico pertence ao passado, ao presente, ou é mera
utopia?

Creio firmemente no sacerdócio universal dos crentes. As-


sim como não acredito que o pastor encarne o ofício do Sumo
Sacerdote, também não acredito que o ministério Levítico (te-
ologicamente) seja encarnado nos músicos. O ministério
Levítico pertence ao Corpo de Cristo (à Igreja no seu louvor
comunitário). É no louvor da “multidão dos santos” que se
DIÁLOGO: O MELHOR CAMINHO 61

encontra o autêntico ministério Levítico. O músico é parte e


não o todo do ministério Levítico. (Pastor Ricardo Gondim).

Não consigo associar os levitas com os músicos de hoje,


porque são homens em eras diferentes, com responsabilidades
e desafios diferentes. Poderia “espiritualizar” o assunto, mas
estaria agindo sem o proveito da razão, falando de coisas difí-
ceis de discernir que podem até causar confusão por tratar-se
de um vocabulário estritamente religioso. (Edu Martins).

Quanto aos levitas, creio que o tempo deles acabou. A


família de Levi durante séculos dedicou-se ao serviço da adora-
ção e do sacrifício. No Antigo Testamento havia exclusividade
para eles nesse serviço. Deus escolheu a eles, e nenhuma outra
família poderia oferecer-se para aquele ministério, somente os
levitas. Graças a Deus, Cristo substitui os filhos de Levi por
uma nova família — a família dos filhos de Jesus. Portanto, o
privilégio que antes era de uma só raça, agora pode ser realiza-
do por qualquer raça da Terra pertencente a Igreja de Cristo
Jesus. Nele, todas as famílias são benditas e bendizem a Cristo
Jesus. Os levitas não somente tocavam, mas sacrificavam ani-
mais, acendiam as luzes do santuário, queimavam oferendas,
etc. Cristo dispensou todos esses encargos exceto um: o da
adoração, do louvor, do cântico. O nome “Levita Cristão” fica
até bonito falar, mas creio não ser mais necessário ser levita,
mas ser cristão é essencial. (Pastor Edilson Botelho).

Ao passado, ao presente, e ao futuro. (Wanda Sá).


62 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

O ministério levítico encontra sua perfeição no Novo Tes-


tamento. Ele é sombra de algo melhor e superior que chegou
com Cristo e com o Espírito Santo que nos torna a todos nós
Reino e sacerdotes. No Novo Testamento todos nós, e não ape-
nas uma tribo, somos responsáveis pela manutenção do culto a
Deus. Que grande privilégio, que imensa responsabilidade. O
culto é bem mais que música e pregação! (Pastor Guilherme
Kerr).

6. Que tipo de preconceito sofre o músico profissional


cristão dentro da igreja, por ser profissional, e fora da
igreja, por ser cristão?

Na Betesda, não sofro preconceito; fora dela, também não.


As pessoas só se percebem preconceituosas com quem não faz a
sua parte direito, agindo sem ética e sem profissionalismo. (Edu
Martins).

É uma questão muito pessoal e só posso responder por mim


mesmo. No meu caso específico o que mudou foram as amiza-
des. Alguns “amigos” se afastaram, mas Deus me deu outros
“verdadeiros amigos”. (Serginho - Roupa Nova).

É uma pena que haja tanto preconceito em relação a algu-


ma coisa que se faz, não por que se queira, mas por que não há
outra escolha. É preciso ter “talento” para ser músico. Não é só
uma questão de estudo, é preciso algo mais do que um simples
desejo. Eu, por exemplo, adoraria pintar, mas não consigo, não
levo o menor jeito. Fora das igrejas não há preconceito ne-
DIÁLOGO: O MELHOR CAMINHO 63

nhum, há dificuldades, tentações, desafios, lutas; mas precon-


ceito, nenhum. (Wanda Sá).

7. Na sua opinião, de maneira geral, o que poderia ser


feito a fim de melhorar a qualidade da música cristã
no Brasil?

É um assunto que daria um outro livro. Vou deixar o Ru-


bem Alves responder por mim:
“Pai... diga o teu nome para que, dos ecos, eu aprenda o meu...
Olho o teu rosto para que, nos reflexos, eu me veja...
Dize, oh Deus, o nome do teu desejo, para que pássaros mágicos
acordem dentro de mim...” (Edu Martins).

Melhorar a música no Brasil? Estudando, estudando, estu-


dando. Chega de músico de boa vontade! Que venham os ha-
bilitados, os que pagaram o preço de serem artistas do Rei.
Ninguém no mundo vai prestar atenção na sua música por que
você é cristão — vai prestar atenção se sua música for boa, bem
executada, com virtuosismo. Daí você vai poder dizer — gente
esta arte eu dedico a Cristo, meu Senhor — todo o meu talen-
to vem de Deus, eu toco pra Ele, pra glória d’Ele! (Pastor Edilson
Botelho).

As igrejas, na sua maioria, são muito ricas, mas o que se


ouve por aí são discos feitos sem o menor recurso financeiro,
comprometendo, e muito, a sua qualidade. O mercado “gospel”
está crescendo “assustadoramente”, muito embora isso não me
cause espanto.
64 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

Creio que, num futuro muito próximo, todas a multina-


cionais irão investir nesse mercado, o que já acontece nos EUA.
Existem muitos músicos bons no mercado gospel, mas tam-
bém existem muitos músicos fracos, se dizendo com “unção”,
mas eu não posso crer que Deus Se agrade com algumas coisas
que tocam nas rádios gospel. (Serginho - Roupa Nova).

Seminários, hinários, desafios, encontrões e encontrinhos,


retiros de músicos e dirigentes de louvor, ensino, ensino, ensi-
no. (Pastor Guilherme Kerr).

Para melhorar a qualidade, em primeiro lugar, é preciso


quebrar os tabus contra instrumentos e ritmos, para que a
criatividade não encontre barreiras. Em segundo, todas as igre-
jas deveriam dar bolsas de estudo nas escolas de música de suas
cidades ou professores particulares, para que seus músicos te-
nham acesso a estudos de harmonia, percepção, composição,
técnica de instrumentos, etc... enfim, acesso ao estudo. Aos
músicos, eu diria: “Ouçam de tudo, e estudem de tudo, apri-
morem-se”. (Wanda Sá).

8. O que é mais importante: família, profissão, ou igreja?

Na ordem: primeiro família, segundo profissão, terceiro igre-


ja. (Edu Martins).

Família, profissão, igreja? Em outros tempos eu diria — fa-


mília, profissão, igreja. Mas hoje, posso dizer que cada um des-
tes tem prioridade em diferentes momentos. Somente Deus é
DIÁLOGO: O MELHOR CAMINHO 65

prioridade absoluta em qualquer tempo. O resto é prioridade


alternadamente. Há momentos em que a família é prioridade,
há momentos que o trabalho é prioridade, em outros a igreja é
prioridade. Agora, você precisa de muita sabedoria para esta-
belecer esses momentos de prioridade. (Pastor Edilson Botelho).

Deus (igreja) — família — profissão. (Serginho - Roupa Nova).

Eu creio que a ordem mais correta é o equilíbrio entre as


três. É difícil, mas não é impossível. É para isso que temos a
ajuda do Espírito Santo de Deus. (Wanda Sá).

Igreja, família, profissão. Nesta ordem conforme Jesus. (Pas-


tor Guilherme Kerr)

Aí estão as contribuições dadas por nossos colaboradores.


Deixaremos que as considerações contidas neste trabalho, jun-
tamente com estas contribuições, falem por si mesmas, e que
elas levem o leitor a encontrar, por si mesmo, e sob a luz do
Espírito Santo, as respostas mais adequadas para as suas dúvi-
das e indagações em relação ao presente tema. Nossa oração é
que este trabalho venha estabelecer uma linha de comunica-
ção, esclarecimento e compreensão, entre artistas e pastores,
igrejas e artistas, pastores e pastores, igrejas e igrejas, e entre
todos aqueles que, dentro do Corpo de Cristo, buscam since-
ramente encontrar a unidade na diversidade. Cremos que essa
66 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

busca deve sempre ser permeada pelo amor, pela compaixão,


pela misericórdia, e pelo desprendimento; virtudes estas, que
foram sempre tão intensamente vivenciadas pelo nosso Mestre.
Que Deus ajude nossos olhos a serem sempre bons, a fim de
que a luz que haja em nós nunca sejam trevas!
(Lucas 11:34-36)
A
braham Laboriel, Sr. (Cidade do México, 17 de julho de
1947) é um baixista mexicano que já participou de mais
de 3 000 gravações e trilhas sonoras. A revista Guitar
Player o descreve como: “o mais versátil baixista de nossos tem-
pos”. Laboriel é pai do baterista Abe Laboriel Jr.

Inicialmente formado em guitarra clássica, ele trocou para o


baixo enquanto estudava na Escola Berklee de Música. Henry
Mancini incentivou Laboriel a se mudar para Los Angeles,
Califórnia e seguir a carreira de músico. Desde então, ele tem
trabalhado com artistas como Andy Pratt, Stevie Wonder, Barbra
Streisand, Al Jarreau, Dolly Parton, Elton John, Ray Charles,
Madonna, Paul Simon, Keith Green, Lisa Loeb, Quincy Jones,
Russ Taff, Engelbert Humperdinck, Crystal Lewis, Chris Isaak e
Michael Jackson. Quando Laboriel gravou seu terceiro álbum solo
(Dear Friends, Guidum e Justo & Abraham), ele reuniu um grupo
de músicos que incluía Alex Acuna, Al Jarreau, Jim Keltner, Phillip
Bailey e outros.

Laboriel foi o fundador das bandas Friendship e Koinonia.

Rique Pantoja, outro grande músico, também cristão,


intermediou nosso contato com Laboriel, que, com muito carinho
e disposição, nos respondeu o questionário que se segue.
Abraham Laboriel
Obrigado por sua lista de perguntas incisivas. Naturalmen-
te, as questões que você levantou devem constituir-se em um
começo de um diálogo e podem ser o início de alguns artigos
— se não um pequeno livro. Que estas simples respostas pos-
sam vir a ser o começo de um futuro diálogo com meus irmãos
e irmãs do Brasil.

1. Qual deve ser a postura da igreja em relação aos mú-


sicos profissionais cristãos que trabalham em ambi-
entes seculares?

Isso eqüivale a perguntar qual seria a postura da igreja


em relação aos contadores, médicos e carpinteiros cristãos,
os quais trabalham em “ambientes seculares”. Devemos nós,
como cristãos, estarmos temerosos do impacto que o “mun-
do” possa causar em nosso compromisso com Deus? Servi-
mos, nós, um Deus tão fraco que seja preciso nos esconder
nas igrejas, entre aqueles que já conhecem ao Senhor? Aque-
les que ensinam tais coisas correm o risco de aliar-se ao líde-
res “religiosos” que Jesus encontrou em Sua época, os quais
ficavam horrorizados quando Ele escolheu ter Suas refei-
70 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

ções com os cobradores de impostos, as prostitutas, enfim,


com os “perdidos” de Seu tempo. Ele de fato comeu com
eles, e os amou. Jesus nunca sentiu-se preocupado em con-
taminar-se por estar na presença de qualquer ser humano
que fosse. E nós somos chamados a seguí-Lo, nos dispondo,
humildemente, a amar todos aqueles que Ele resolver colo-
car em nosso caminho.

2. O músico profissional cristão está obrigado a tocar na


igreja? Pode cobrar para isso?

Esta é uma pergunta desnecessária e difícil, NÃO por cau-


sa de qualquer dificuldade no tocante às Escrituras, mas por
causa da atitude cultural que recai sobre a música como pro-
fissão. Considere, por exemplo, um casamento ou uma festa.
Muitas pessoas acham que é perfeitamente normal pedir que
um músico traga o seu instrumento e toque apenas pelo “di-
vertimento”. Estas mesmas pessoas jamais pediriam a seus
amigos contadores que trouxessem suas calculadoras para os
ajudarem com o cálculo do imposto de renda apenas pelo
“divertimento”, como também não pediriam a seus amigos
encanadores que consertassem o banheiro da igreja “para a
glória de Deus”.

Pessoalmente, creio que a melhor política é que a igreja


venha honrar ao músico ao pagar-lhe o que é justo em troca
de seu trabalho, assim como fariam com qualquer outro pro-
fissional honesto com quem eles venham a fazer algum ne-
gócio. Não deveria ser preciso perguntar ao músico se ele
ABRAHAM LABORIEL 71

irá cobrar ou não. Ele deveria, simplesmente, ser pago. O


músico deve aceitar o dinheiro com gratidão e humildade.
O que o músico fará com o dinheiro depois disso, fica entre
ele e o Senhor. Alguns músicos, assim como alguns eletri-
cistas e carpinteiros, talvez sintam-se guiados a dar parte ou
toda a quantia que receberam para a igreja como parte de
seu dízimo ou oferta. Precisamos permitir aos músicos a ale-
gria de dar sem sentirem que são desvalorizados pelo povo
de Deus e que seus dons lhes são extorquidos ao invés de
concedidos livremente.

Dito isso — há, certamente, ocasiões e situações quando


a verdadeira voluntariedade é apropriada. Nem todo “parti-
cipante do coral” pode ser pago. Nem mesmo todo músico
que esteja aprendendo a dirigir o louvor pode ser pago. En-
tretanto, se é certo que a igreja comete erros, que ela venha
cometer erros pelo excesso de generosidade para que assim
o espírito de compartilhar entre todas as pessoas venha so-
mente a crescer.

3. A profissão de músico é santa em si mesma?

Acredito que não haja “profissões santas”. Há somente pes-


soas santas — ou deveria dizer, pessoas procurando ser santas
— à medida que são guiadas por um Deus Santo. Pessoas po-
dem ser santas somente através da misericórdia de Deus e o
poder do Espírito Santo. Pessoas santas podem trazer um to-
que da graça de Deus a todos aqueles com quem trabalham e
convivem.
72 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

4. Como a liderança de sua comunidade religiosa tem


lidado com a questão das várias preferências musicais
na igreja?

A questão da preferência musical na igreja é semelhante à


questão da preferência musical em qualquer família. Geral-
mente, há algum tipo de centro de aceitação no que se refere
à preferência musical, cujas fronteiras estão se expandindo
em várias direções. É importante que essa questão da prefe-
rência musical na igreja seja resolvida com respeito e tolerân-
cia. Não existem formas de música que sejam, intrinsecamente,
mais ou menos santas. A verdade é que quando eu ouço um
grupo de fiéis louvando ao Senhor com música country, com
uma polca, com um coral de Bach, com rock, o um samba,
se seus corações estão voltados ao Senhor, então o que eu ouço
é o amor de Deus em todas, e cada uma das notas que estão
sendo cantadas.

5. Muitas pessoas gostam de relacionar o músico cris-


tão com os levitas do Velho Testamento. Os levitas
pertencem ao passado, ao presente, ou são mera uto-
pia?

A realidade histórica e cultural é que os levitas ainda exis-


tem entre os nossos irmãos judeus, os quais conseguiram pre-
servar um remanescente daqueles que sabem que são descen-
dentes da tribo de Levi. Seria presunção, da pior espécie, fingir
que como cristãos nós, de alguma maneira, tenhamos usurpa-
do a posição deles no plano de redenção de Deus.
ABRAHAM LABORIEL 73

Como músicos cristãos devemos ser gratos por termos mui-


tos exemplos do ministério de Deus para os músicos, e através
destes para o Seu povo, registrados nos livros do Velho Testa-
mento. O rei Davi adorava a Deus com um entusiasmo, um
desprendimento, e um tal compromisso à santidade, que aju-
dava o seu povo a adentrar a presença de Deus. Ele pertencia à
tribo de Judá, e não de Levi. Ele nos deixou um hinário cons-
tituído de canções de júbilo e contrição, de confiança e arre-
pendimento, as quais continuam a instruir e dirigir-nos à ado-
ração até os dias de hoje. Havia, também, escolas de profetas,
os quais profetizavam com seus instrumentos, proporcionan-
do ao povo uma experiência da direção de Deus em suas vidas.
Podemos aprender com tudo isso sem tentar estabelecer para-
lelos de eleição e responsabilidade especiais, que venham de
alguma forma nos separar de nossos outros irmãos.

6. Quais preconceitos, caso haja algum, sofre o músico


profissional cristão na igreja, por ser profissional, e
no meio secular por ser cristão?

O Senhor repetidamente nos advertiu sobre os perigos do


julgamento temerário. Não obstante, nós continuamos a
praticá-lo repetidamente. O trabalho de muitos músicos é bas-
tante visível aos outros, seja ele um trabalho ao vivo ou grava-
ção em estúdio. As pessoas que assistem tais músicos traba-
lhando chegam a pensar que estão em posição de julgá-los.
Elas não estão. Estas pessoas são as mesmas que pensam saber
quais ritmos são divinos e quais aqueles que não o são, quais
progressões harmônicas vêm de Deus e quais vêm do Diabo,
74 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

quais passos de dança que são corretos e quais os que são peca-
minosos. O músico é responsável por sua própria conduta e
será conhecido pelos seus frutos.

Não é de se surpreender que muitas pessoas tenham reser-


vas quando se trata de ouvir as Boas Novas do amor de Deus.
Aqueles que endureceram os seus corações contra o Evange-
lho, ou pior, contra o Evangelho que pensam ter ouvido, mas
não ouviram, são bastante hostis à idéia de se relacionarem
com qualquer “cristão”. Muito freqüentemente, essas pessoas
aprendem mais sobre juízo do que propriamente do amor de
Deus quando em contato com muitos cristãos.

Aprendi que sou sempre aceito na proporção em que amo


de maneira genuína aqueles com quem convivo. Não tenho
direito de fazer qualquer outra coisa. Algumas vezes as pesso-
as gracejam comigo — dizendo que não podem xingar ou
contar as mesmas piadas que contariam se eu não estivesse
por perto. Eu nunca disse a nenhum deles o que fazer. Mas
por causa do amor deles por mim — e, creio eu, por causa da
presença de Deus, que é gracioso em habitar em mim — mi-
nha presença, algumas vezes, constrange certas pessoas a não
praticarem certas coisas. Tudo o que desejo ser é um servo
genuíno e um amigo, assim como Deus me chamou a ser.
Dito isso, estações de radio que tocam canções que com con-
teúdo explicitamente satânico, com espiritualidade Nova Era,
com mensagens Hindu e Budistas, distanciam-se até mesmo
da musica jazz instrumental que faça a menor menção de Deus
ou de Jesus. Somos chamados a construir pontes, a derrubar
ABRAHAM LABORIEL 75

os muros existentes entre nós e outras pessoas à medida que


permanecemos fiéis ao Senhor que nos amou antes mesmo
de O conhecermos.

7. O que pode ser feito para melhorar a música gospel?

A verdadeira música gospel é aquela através da qual Deus é


exaltado e aquela que as pessoas usam para adorar livremente.
Isso acontece quando aqueles que lideram são adoradores eles
mesmos. Neste aspecto, ela não carece de qualquer melhora.
Quanto aos aspectos técnicos da execução musical, devem ser
tais que não nos venham distrair do intuito principal.
O que eu penso a que você esteja se referindo, são os produ-
tos comerciais denominados de “gospel”, e isso é um pouco
mais difícil de responder. Infelizmente, as gravadoras de músi-
ca gospel que se sentem impelidas a considerar “o X da ques-
tão”, a folha de balanço financeiro, são aquelas que determi-
nam os parâmetros para esses produtos comerciais. Apesar de
toda a conversa para se provar o contrário, apesar das boas
intenções, a “musica gospel”, neste sentido, é apenas mais
um gênero que responde somente às inclinações do mercado
e é julgado somente pelas regras estabelecidas por este merca-
do. Atualmente, as melhorias nesta área advém do investi-
mento de maiores quantias de dinheiro, sendo que a colheita
que é ceifada, também é ceifada em “cash”. Se mais espaço
fosse dado àqueles que dirigem o povo ao Senhor, em adora-
ção, e procuram, juntamente com os irmãos, ser transforma-
dos pelo Senhor, então as boas novas (gospel) da música se
tornaria uma realidade.
76 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

8. O que vem primeiro: família, profissão, ou igreja?

Nosso primeiro compromisso é o nosso relacionamento com


Deus. À medida que ouvimos e obedecemos ao Senhor, as pri-
oridades para cada momento do nosso dia se tornam mais fá-
ceis de discernir. Obviamente, a nossa mais preciosa responsa-
bilidade é para com aqueles relacionamentos íntimos que o
Senhor tem nos dado em forma de cônjuges e filhos. Ao viver-
mos intensamente estes relacionamentos nos achegamos tão
perto quanto possível de aprendermos sobre o amor de Deus
para conosco. Quando consagramos nossos caminhos a Ele,
Ele nos revela o percurso de cada dia e como podemos realizar
todo o trabalho e experimentar toda a alegria que Ele tem nos
dado.
Depoimento Pessoal
Durante dois anos, tive a oportunidade de participar de um
grupo musical missionário que pretendia ser o que na época
chamávamos de “ministério levítico”, ou seja, sustentado pelo
povo de Deus através de ofertas voluntárias. As experiências
que tive, tanto boas como ruins, com certeza, foram de grande
valia, e posso dizer que nesses dois anos aprendi muito mais do
que em todo tempo em que estive preso às quatro paredes do
templo.
Algumas lições que ficaram:
• Não existe grupo musical que sobreviva sem elogio e
motivação mútuos.
• Não existe grupo musical que sobreviva se não conservar
a individualidade e a particularidade da vida de seus ele-
mentos, ou seja, trabalho é trabalho, e vida particular é
vida particular.
• Dificilmente um grupo missionário sobreviverá só de
ofertas voluntárias.
• Quando se sai pelo mundo afora é que se percebe o quan-
to as pessoas necessitam de Jesus, fato que jamais se reve-
lará enquanto estivermos restritos somente aos nossos
templos.
78 MÚSICO: PROFISSÃO OU MINISTÉRIO?

• A necessidade humana deve estar acima de qualquer pro-


jeto da igreja, por que a igreja foi instituída por Deus
para suprir a alma, o espírito, e o corpo do homem.

Porém, a grande lição que pude aprender foi que grande


parte das lideranças no Brasil, para não dizer no mundo, acaba
por ensinar que a vida de um músico cristão deve se restringir
à obra missionária, como única forma de serviço a Deus atra-
vés da música.
Tive imensa dificuldade, ao sair do grupo, de aceitar que
poderia e deveria ser uma benção na vida das pessoas sendo um
músico profissional, tão somente, e não um “missionário mú-
sico”. Hoje entendo, depois de quase uma década trabalhando
como músico, arranjador e intérprete, que todos, em qualquer
profissão, são missionários em potencial e, se não o são, deve-
riam ser. Então compreendi, com muita clareza, que sou sim
um músico missionário, onde quer que eu esteja, seja num tem-
plo, num teatro, tocando com músicos não cristãos e até den-
tro de casa.
Alguns, na época, pensando estar no centro da vontade de
Deus, deixavam esposas e filhos rumo ao “trabalho missioná-
rio” por 20, às vezes, 30 dias consecutivos, e os que ficavam
não compreendiam bem este fato. Isso ainda acontece com
muitos músicos que fazem “turnês” longe da família, alegando
estarem na “obra” de Deus. Antes da “obra de Deus”, importa
conhecer os mandamentos e as orientações vindas do “Deus da
obra” sobre como cuidar da família. Não há autoridade em
pregar o Evangelho, ou cantar sobre ele, se a família estiver
abandonada. Dos muitos convites que me foram feitos, alguns
DEPOIMENTO PESSOAL 79

eu recusei, simplesmente por não permitirem que eu levasse


comigo a minha esposa. Não existe nenhum tipo de sucesso
que compense um fracasso dentro do próprio lar. Disse, certa
vez, o filho de Charles Chaplin: “Meu pai fez o mundo todo
rir, e só me fez chorar”.
Aqueles que se propõem a usar a música para propagar o
Evangelho, profissionalmente ou não, devem ter a preocupa-
ção de ser exemplo, apesar de todos os defeitos que possam
possuir, no zelo e amor pela família. Muitas vezes, por força
das circunstâncias, temos que estar distantes dos familiares. Estar
distante é bem diferente de estar ausente. O problema é quando
a distância começa a se tornar em ausência, e nestes casos é
melhor questionar se a distância é realmente necessária.
Que Deus possa nos instruir a sermos uma benção na vida
da nossa família e, assim, abençoar os que nos cercam.

João Alexandre Silveira


Este livro foi composto em AGaramond e Montague,
e impresso pela Imprensa da Fé
em papel OffSet 75gm2
Outubro de 2007

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