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Adoração na Igreja Evangélica Contemporânea

Osmar Ludovico da Silva1

Há dois tipos de música, a boa e a ruim — seja ela erudita, MPB, sertaneja, reggae, rap,
rock ou gospel. O que me surpreende é a capacidade de o mercado absorver a música
ruim. Com a proliferação de compositores, intérpretes, bandas e gravadoras, o cenário
evangélico não poderia ser diferente. Tem música boa, mas também tem muita música
ruim.

Passamos séculos louvando a Deus com hinos históricos da Reforma. Bastava um


hinário, e tínhamos músicas com letras densas, boa teologia e linha melódica
harmoniosa.
Nos últimos anos surgiu o que chamamos de louvorzão. Jogamos fora os hinários,
a liturgia, aposentamos o piano e o coral e introduzimos a guitarra, a bateria, o data-
show, as coreografias e a aeróbica. Surgiu também a figura do dirigente de louvor
responsável por animar a congregação. Daí para a frente há muito barulho, muitas
palmas, muitas mãos levantadas, muitos abraços, muitas caretas e cenho franzido. Mas a
pergunta que fica é: temos adoração?
O lado positivo do louvorzão é o interesse e a integração na igreja de milhares de
jovens. Trata-se de uma oportunidade única para ensinar estes jovens, através do
exemplo e da Palavra, o caminho do discipulado de Cristo. Mas fica a pergunta: estarão
estes jovens crescendo na santidade e no serviço?
Alguns cultos se tornaram verdadeiras produções dignas da Broadway. Músicos
profissionais, cenários, bailarinos e iluminação. Mas fica uma pergunta: toda esta
parafernália cênica tem levado o povo de Deus a uma genuína adoração?
A história da Igreja é rica em manifestações artísticas. Ao longo do tempo o
louvor foi expresso através de várias expressões musicais. O canto gregoriano, o
barroco, os hinos da Reforma, o negro espiritual e os cânticos contemporâneos deixaram
sua contribuição à boa música ao longo destes últimos séculos.
Trata-se, portanto, de um equívoco jogar fora roda a herança histórica e achar que esta
geração descobriu a forma certa de louvar. Se olharmos do ponto de vista musical
veremos que a história nos legou uma herança preciosa. Na cultura gospel do louvorzão
tem muita música ruim, muita letra questionável e muito dirigente de louvor que mais
parece um animador de auditório.
A Igreja pode ser a ponte entre as gerações, entre o antigo e o novo e integrar na
adoração tudo o que há de bom na sua herança histórica. Tem muita gente cansada do
louvorzão barulhento de letras rasas, de bandas que tocam no último volume, de
coreografias esvoaçantes e de ordens do dirigente para abraçar o irmão da frente, de trás
e do lado dizendo que o amamos. É constrangedor abraçar alguém e dizer que o
amamos quando nem sequer o conhecemos.
A igreja perde quando a ênfase do louvor se desloca da congregação para o palco.
Com raras exceções a música é ruim, a letra não tem nada a ver com a realidade do
cotidiano ou a teologia reformada e a performance no palco é apelativa.
A igreja perde quando se torna parecida com um programa de auditório e já não
cultiva a boa música com cordas, sopros, bons arranjos, corais, quartetos. E perde muito

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Osmar Ludovico da Silva é pastor da Igreja Evangélica Comunidade de Cristo em Cabedelo, PB.
Ministra cursos de espiritualidade cristã, formação de líderes e restauração para missionários.
mais quando a adoração se torna um evento estimulado sensorialmente e não uma
melodia que emerge de um coração quebrantado e temente a Deus. Adoração é sempre
uma resposta humilde, alegre, reverente aquilo que Deus é e faz. Adoramos porque algo
aconteceu, algo nos foi revelado, e não o contrário, como pensam alguns, que
recebemos a revelação e as coisas acontecem porque adoramos.
A igreja perde quando não há reverência ou temor. O que testa é euforia,
excitação e sensações prazerosas. O que é bom em si mesmo, mas não é
necessariamente adoração.
É um equívoco pensar que Deus se impressiona com nossos cultos de domingo.
Antes, ele acolhe muito mais nossos gestos simples do cotidiano, fruto de um coração
humilde e quebrantado, que busca se desprender de ambições e serve ao próximo com
alegria. Adoração não é um evento domingueiro bem produzido, mas um estilo de vida
que glorifica ao Senhor.
Durante séculos a arquitetura das igrejas e das catedrais destinou o balcão
posterior ao coro, ao órgão e à orquestra. Na igreja da Reforma os músicos e o coro se
posicionavam na parte da frente da nave, mas sempre ao lado. Mesmo o púlpito não
estava no centro, mas ao lado. No centro havia, quando muito, alguns símbolos da fé,
que ajudam a despertar a consciência para a experiência do sagrado, com destaque para
a mesa do Senhor. A congregação ficava em face ao altar de Deus, sem que nada se
interpusesse entre a Santa Presença e a congregação. Este lugar só pode ser ocupado por
Jesus Cristo. Ele é o único mediador, ele é o único que pode dirigir o louvor.
Hoje o que se vê é o apóstolo, o bispo, o pastor, o dirigente de louvor e a banda
ocupando este lugar, nos levando de volta a Antiga Aliança, quando sacerdotes e levitas
eram mediadores entre Deus e os homens. A conseqüência é uma geração de crentes
que dependem de homens, coreografias e data-shows para adorar e para ouvir a voz de
Deus.
O verdadeiro pastoreio consiste ajudar homens e mulheres a dependerem do
Espírito Santo para seguirem a Cristo, que os leva ao seio do Pai. Ajudar homens e
mulheres a crescerem e amadurecerem na fé, na esperança e no amor, integrando
adoração, oração e leitura das Escrituras no seu cotidiano.
A contextualização se tornou uma armadilha na qual a igreja caiu. Na tentativa de
se identificar com o mundo ela ficou cada vez mais parecida com ele. A cultura gospel é
autocentrada, materialista, acha-se dona da verdade, tornou-se uma religião que nos faz
prosperar, que não nos pede para renunciar a nada e que resolve todos os nossos
problemas. Há um abismo colossal entre a cultura gospel e o evangelho de Jesus Cristo,
que nos chama a amar sacrificalmente o nosso próximo, a cultivar um estilo de vida
simples, a integrar o sofrimento na experiência existencial e a ter a humildade de ser um
eterno aprendiz.
Estas reflexões já estavam fervilhando no meu coração há algum tempo. Pensei
que estas coisas só aconteciam - em certas igrejas, mas o que me motivou mesmo a
colocá-las no papel foi ter participado de um culto numa Igreja Batista da Convenção.

Fonte: Revista Ultimato Janeiro-Fevereiro de 2008 páginas 62-63.

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