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A U T I S Mo

E A P R I M EI R A
I NFÂNCIA
ORGANIZADORES
João Vicente Menescal
Edda Araújo
A U T I S Mo
E A PRIMEIRA
INFÂNCIA

ORGANIZADORES
João Vicente Menescal
Edda Araújo
A U T I S Mo
E A PRIMEIRA
INFÂNCIA

ORGANIZADORES
João Vicente Menescal
Edda Araújo
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA
© 2021Copyright pelo editor
Printed in Brazil

Editoração
João Amaral

Fotos
Andreza Esquerdo

Diagramação
Marcelo Hermando Leite (Maherle)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Maria Naires Alves de Souza – CRB-3/773

A955
Autismo e a primeira infância. / João Vicente Menescal; Edda Araújo
(organizadoras). – Fortaleza: Instituto da Primeira Infância, 2021.
130 p.: il. color.
Vários autores.
ISBN: 978-65-00-25527-0

1. Autismo. 2. Transtorno do Espectro Autista. 3. Transtorno Autístico.


I. Pereira, Aline. II. Leite, Álvaro Jorge Madeiro. III. Cavalcante, Ana Beatriz.
IV. Manganelli, André. V. Dantas, Bruna Shirley Lima. VI. Uchoa, Brunna. VII.
Araújo, Edda. VIII. Castro, Fabiana Gomes de. XIX. Oliveira, Francisca Charlenny
Freitas de. XI. Norões, Isabel. XII. Carvalho, Ivana. XIII. Gurgel, Ivelise Santos
Muniz. XIV. Pontes, Jessica Freire Sales. XV. Menescal, João Vicente. XVI. Osivan
Júnior, José. XVII. Camelo, Maria Egisleny da Silva. XVIII. Sousa, Najla dos Santos
de. XIX. Aguiar, Otaciana Araújo de. XX. Almeida, Paula Franco de. XXI. Braga,
Paulo Bruno. Souza, Raquel. XXII. Lima, Samya. XXIII. Mota, Sulivan. XXIV.
Nascimento, Vanessa Alves do.

CDD 618.928982
AUTORES
Aline Pereira
Enfermeira. Mestranda em Saúde da
Criança e do Adolescente pela Univer-
sidade Estadual do Ceará (UECE). Es-
pecialista em Saúde da Família, em
Gestão e Serviços de Saúde Técnica.
Responsável pela Sala de Apoio da
Mulher que Amamenta e Coleta de
Leite Humano em Fortaleza-Ceará.

Álvaro Jorge Madeiro Leite


Pediatra. Doutor em Pediatria. Pro-
fessor Titular de Pediatria da Facul-
dade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará (UFC) e do Progra-
ma de Pós-graduação em Saúde da
Mulher e da Criança (PPGSMC) da
UFC.

Ana Beatriz Cavalcante


Terapeuta ocupacional com Certifi-
cação Internacional em Integração
Sensorial. Especialista em Psicomo-
tricidade pela Universidade Estadual
do Ceará (UECE). Trabalha na Clínica
habiliTO.
André Manganelli
Médico. Residência em Neurologia
Pediátrica pelo HCFMRP-USP. Mes-
tre em Neurologia e Neurociências
Clínicas pelo HCFMRP-USP. Neuro-
logista infantil no CONECTA-IPREDE.

Bruna Shirley Lima Dantas


Enfermeira do Conecta-IPREDE

Brunna Uchoa
Terapeuta ocupacional do CONECTA-
-IPREDE e da Clínica habiliTO. Certifi-
cada internacionalmente em Integra-
ção Sensorial de Ayres pela CLASSI.
Mestranda em Saúde da Mulher e da
Criança pela Universidade Federal do
Ceará (UFC).
Edda Araújo
Terapeuta ocupacional. Mestre em
Psicologia pela Universidade de For-
taleza (UNIFOR). Coordenadora do
CONECTA-IPREDE e da Clínica habi-
liTO.

Fabiana Gomes de Castro


Assistente Social. Pós-graduanda
em MBA em Gestão de Pessoas e
Gestão Empresarial pela Faculdade
Maurício de Nassau

Francisca Charlenny Freitas


de Oliveira
Pedagoga. Mestranda em Saúde da
Criança e do Adolescente pela Uni-
versidade Estadual do Ceará (UECE).
Especialista em Educação Especial e
Educação a Distância. Tutora a Dis-
tância e componente da Gestão do
Curso de Pedagogia/UAB/UECE.
Isabel Norões
Médica. Residência em Neurologia
Infantil pelo HCFMRP-USP. Espe-
cialista em Neurofisiologia pelo HC-
FMRP-USP. Neurologista infantil no
CONECTA-IPREDE.

Ivana Carvalho
Psicóloga do CONECTA-IPREDE. Pós-
graduanda em curso de especialização
em Autismo pelo Centro Universitário
Christus (UniChristus).

Ivelise Santos Muniz Gurgel


Terapeuta Ocupacional da Unidade
de Assistência à Criança Autista –
CONECTA-IPREDE. Especialista em
Desenvolvimento infantil pela Uni-
versidade Federal do Ceará (UFC).
Jessica Freire Sales Ponte
Psicóloga. Mediadora no Instituto da
Primeira Infância - IPREDE. Especia-
lização em andamento: Clínica Inter-
disciplinar em Estimulação Precoce
pelo Centro Lydia Coriat.

João Vicente Menescal


Psicólogo. Mestre em Saúde da Mu-
lher e da Criança pela Universidade
Federal do Ceará (UFC). Coordenador
do CONECTA-IPREDE.

José Osivan Junior


Enfermeiro, especialista em Pro-
moção do Desenvolvimento Infantil
UFC. Coordenador do ambulatório do
Instituto da Primeira Infância – IPRE-
DE.
Maria Egisleny da Silva Camelo
Terapeuta Ocupacional. Mestranda
em Saúde da Mulher e da Criança
pela pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). Especialista em Geron-
tologia pela Faculdade Ateneu. Re-
sidência Multiprofissional em Saúde
Mental pela UFC. Servidora do Insti-
tuto de Previdência do Município de
Fortaleza.

Najla dos Santos de Sousa


Fonoaudióloga do CONECTA-IPRE-
DE.

Otaciana Araújo de Aguiar


Psicóloga do CONECTA-IPREDE e
mediadora do Instituto da Primeira
Infância - IPREDE.
Paula Franco de Almeida
Pedagoga e musicista. Especialista
em Musicoterapia e Pós-graduanda
em Arte- Educação pela Faculdade
Padre Dourado e em Autismo pelo
Centro Universitário Christus (Unich-
ristrus). Musicoterapeuta do CONEC-
TA/IPREDE.

Paulo Bruno Braga


Terapeuta ocupacional e musicis-
ta. Musicoterapeuta do CONECTA/
IPREDE e da Clínica habiliTO.

Raquel Souza
Fonoaudióloga. Especialista em Fo-
noaudiologia Hospitalar e Capacita-
ção em: PEC'S, Apraxia de Fala na
Infância, Comunicação Suplementar
e Alternativa pela Universidade de
Fortaleza (UNIFOR).
Samya Lima
Pedagoga pela Universidade do Vale
do Acaraú (UVA). Psicóloga pela Uni-
versidade de Fortaleza (UNIFOR) e
Neuropsicopedagoga pela UniAte-
neu.

Sulivan Mota
Médico e professor de Pediatria da
Faculdade de Medicina da UFC. Pre-
sidente do Instituto da Primeira In-
fância – IPREDE.

Vanessa Alves do Nascimento


Assistente Social do CONECTA-IPRE-
DE. Pós-graduanda em Saúde Públi-
ca, Política, Planejamento e Gestão
pela Estácio.
PREFÁCIO
João Amaral

U
ma situação que se transformou em um
espectro conhecida como Transtorno do
Espectro Autista (TEA) e que atualmente
chama muita atenção e que se torna um tema
inesgotável de estudos, reflexões e pesquisas com vista
a uma melhor assistência às crianças acometidas.
Em 1943, o autismo foi descrito pela primeira vez
pelo médico austríaco Leo Kanner, quando observou
crianças com sintomas afetivos e sociais atípicos,
o que desencadeou uma série de outros estudos.
Passou por muitas transformações com novos critérios
diagnósticos. Com isso houve um aumento significativo
no número de casos afetando milhares de pessoas ao
redor do mundo.
Esse aumento impulsionou novos estudos e,
principalmente um melhor diagnóstico e formas de
tratamento envolvendo vários profissionais de saúde, o
que levou a um impacto significativo na qualidade de
vidas dessas crianças com o diagnóstico precoce. Quanto
mais precoce o diagnóstico e intervenção melhor são os
resultados na recuperação da criança.
O Instituto da Primeira Infância – IPREDE, passou a
atender crianças e seus familiares com TEA a partir de
2020, devido ao número elevado de casos de autismo
sem atendimento em Fortaleza. Para isso reuniu uma
equipe interdisciplinar e equipou a sua unidade com
todos os recursos de última geração, os quais serão
descritos nesse livro.
Isso ampliou a sua capacidade de assistência,
incialmente voltada ao cuidado de crianças desnutridas,
passando pelo desenvolvimento de crianças com foco
na formação do vínculo mãe/pai/criança e, atualmente
também na assistência às crianças autistas e seus
familiares. Além disso, como uma instituição vinculada
a Universidade Federal Do Ceará (UFC) tem uma série de
atividades voltadas ao ensino e pesquisa.
O livro Autismo e Primeira Infância, organizado
por João Vicente Menescal e Edda Araújo, vem
contribuir com os conhecimentos em vários aspectos
sobre o autismo, desde os critérios clínicos, o papel
do ambiente, o diagnóstico precoce, a alimentação,
a escola, a musicoterapia, a formação do vínculo, os
aspectos emocionais no luto, o cuidar na enfermagem
até questões práticas sobre o Benefício de Prestação
Continuada (BPC). Para finalizar, é contada uma história
de vida de uma criança com TEA, o que nos mostra o
quanto é importante a atenção nesse espectro.

João Amaral
Pediatra, psicoterapeuta e professor
SUMÁRIO

PREFÁCIO
João Amaral

1. CONECTA: UNIDADE PARA CRIANÇAS 23


COM TEA E SUAS FAMÍLIAS
Edda Araújo, João Vicente Menescal,
Sulivan Mota

2. A COMPLEXIDADE DO TRANSTORNO 29
DO ESPECTRO AUTISTA
Álvaro Jorge Madeiro Leite

3. O RESPEITÁVEL AUTISMO 33
André Manganelli, Isabel Norões

4. SINAIS DE AUTISMO E INTERVENÇÃO 39


PRECOCE
Ivana Carvalho, Jessica Freire Sales Ponte

5. O AMBIENTE E EU: ESTRATÉGIAS DE 45


AUTORREGULAÇÃO PARA CRIANÇAS
Ana Beatriz Cavalcante, Edda Araújo
6. VÍNCULO E INTERAÇÃO ENTRE PAIS/ 51
CUIDADORES E FILHOS AUTISTAS
Ivana Carvalho, Jessica Freire Sales Ponte,
Otaciana Araújo de Aguiar

7. VIVENDO SENSAÇÕES: A TERAPIA ISA 57


E A CRIANÇA AUTISTA
Brunna Uchoa

8. ALIMENTAÇÃO E AUTISMO 63
Najla dos Santos de Sousa

9. COMPREENDENDO A COMUNICAÇÃO 69
NO TEA
Raquel Souza

10. DO LUTO À LUTA NO AUTISMO 75


Otaciana Araújo de Aguiar,
Vanessa Alves do Nascimento

11. O AUTISMO NA ESCOLA 81


Samya Lima

12. MUSICOTERAPIA E TEA 87


Paula Franco de Almeida, Paulo Bruno Braga
13.
O CUIDAR DA ENFERMAGEM DA 93
CRIANÇA COM TEA
José Osivan Junior, Bruna Shirley Lima Dantas

14.
TIRA DÚVIDAS DO BENEFÍCIO DE 99
PRESTAÇÃO CONTINUADA – (BPC)
Fabiana Gomes de Castro, Vanessa Alves do
Nascimento.

15. A FAMÍLIA DE CRIANÇAS COM TEA 107


Francisca Charlenny Freitas de Oliveira

16. TÁ NA HORA DE BRINCAR 113


Ivelise Santos Muniz Gurgel, Edda Araújo

17. O OLHAR DO BRINCAR NO AUTISMO 119


Maria Egisleny da Silva Camelo

18. A BOLA É A MINHA PAIXÃO 123


Aline Pereira
A U T I S Mo
E A PRIMEIRA
INFÂNCIA
1 CONECTA: UNIDADE
PARA CRIANÇAS
COM TEA E SUAS
FAMÍLIAS
Edda Araújo, João Vicente Menescal,
Sulivan Mota

O Instituto da Primeira Infância - IPREDE desde


2008, ampliou sua vocação de cuidar da criança desnu-
trida para o desenvolvimento na primeira infância (DPI).
Neste caminho, de inúmeros desafios e conquistas, em
2019, surge a Unidade de Assistência à Criança Autista
- CONECTA, em resposta a carência de atendimentos às
crianças fortalezenses diagnosticadas com Transtorno
do Espectro do Autismo - TEA. Uma constatação provo-
cada pelo número de 7.000 crianças em espera de aten-
dimentos informados pela Secretaria de Saúde do Mu-
nicípio. Tal fato, comprova se tratar de um problema de
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

saúde pública. Em reunião sobre a temática realizada


com participação da diretoria do IPREDE e da Prefeitura,
foi visto a importância de criação do CONECTA; que pu-
desse suprir, com atendimento de qualidade, uma par-
cela dessa população de crianças.

[ 23 ]
Em outubro do mesmo ano, deu-se início aos aten-
dimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Uni-
dade Conecta, das crianças com TEA e seus familiares.
Em paralelo as negociações para a celebração do
convênio, aconteceram reuniões da coordenação técnica
do Conecta, com profissionais convidados para realizar o
planejamento e metodologia de trabalho; todos com ex-
periência e qualificação para o exercício da prática habi-
litativa e reabilitativa de crianças com TEA. Esta equipe
pensou a adequação e estrutura dos ambientes, fluxo-
grama de atendimento; escolheu os protocolos, fichas e
instrumentos; selecionou os profissionais para atuação
na Unidade.
A Unidade Conecta tem por missão: contribuir para
o desenvolvimento de crianças de 0 a 12 anos, com
Transtorno do Espectro Autista – TEA e suas comorbi-
dades, por meio de intervenções qualificadas, produção
e disseminação da informação aos pais, familiares, co-
laboradores e sociedade em geral.
A missão do Conecta referência as ações da equipe
de profissionais que trabalha em uma atitude interdis-
ciplinar. Portanto, estamos construindo um eixo teórico
comum a todas as especificidades próprias a cada pro-
fissão, que promova assistência às crianças com TEA,
e perpasse pela valorização do singular, único, que as
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

histórias de vida das crianças oferecem para se refletir a


ação terapêutica.
O desafio é de reunir os diversos saberes que tra-
zem os nossos profissionais com suas formações espe-
cíficas, numa troca de conhecimentos para entender a
criança com TEA e a prática terapeuta mais afeita a cada
caso. Ou seja, somos muitos profissionais trabalhando

[ 24 ]
com um objetivo comum, de contribuir para o desenvol-
vimento da criança e adolescente com TEA, no respeito
à diversidade de suas características como pessoas.
Um princípio afeito ao eixo teórico do trabalho da
equipe está na maneira em como a criança com TEA for-
ma seus vínculos afetivos consigo, com a família, com
a escola e com os profissionais do Conecta. A escolha
se deu em razão da importância deste na vida da pes-
soa com TEA, como nos descreve Sinclair, adulto autista
em sua autobiografia, “Eu construí uma ponte, além de
nenhum lugar, através do nada. E queria que existisse
algo do outro lado”. Empregar esforços no enriquecer
dos vínculos afetivos das crianças, constitui o primeiro
passo para as conquistas a serem alcançadas.
A própria diversidade do diagnóstico do TEA, por si
só, já solicita uma prática multireferenciada que pos-
sa investigar, perceber e responder as suas especifici-
dades. Junto ao diagnóstico estão as famílias que os
fazem mais singulares e, portanto, tão significativos
no processo terapêutico quanto às abordagens e refe-
renciais teóricos que conduzem cada caso atendido. A
família é uma parceira indispensável na nossa prática
e por isso criamos um espaço terapêutico para que ela
seja fortalecida nesse processo de seguimento dos fi-
lhos que, por vezes, tornam-se, para ela, muito difícil.
Temos consciência do valor de uma intervenção propos-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ta e realizada junto com a família. A mediação favorável


da família junto com a equipe estabelece um diferencial
significativo à aquisição de novas habilidades por parte
da criança e do adolescente.

[ 25 ]
O CONECTA, além de espaço terapêutico, é tam-
bém um encontro de vários profissionais comprome-
tidos com a aprendizagem e qualificação continuada
de suas práticas. E para isso segue, junto ao IPREDE,
com parcerias de várias universidades e instituições
de ensino e pesquisa. Está sempre aberto para campo
de práticas buscando aprimorar cada vez mais os seus
conhecimentos e trocas significativas no processo te-
rapêutico de crianças com TEA apoiando e trabalhando
seus familiares para uma melhor resolução de interação
e comunicação social como princípio norteador de suas
intervenções.
A Unidade atende crianças, com idade de 0 a 12
anos, encaminhadas pelas Unidades Básicas de Saúde
(Postos de Saúde) com suspeita de TEA. O primeiro pro-
fissional a recebê-las é o neuropediatra que para a pri-
meira triagem, confirmando ou não o perfil das crianças
a iniciarem tratamento na Unidade. Em caso positivo,
sucede a avaliação pelos profissionais: terapeuta ocu-
pacional, fonoaudiólogo e psicólogo, para elaboração
do seguimento terapêutico indicado para as crianças
avaliadas. Ainda, antes do início das intervenções, são
realizadas as entrevistas com o serviço social e enfer-
magem objetivando para conhecer melhor as condições
de saúde e socioeconômicas da criança e sua família.
Terminado as primeiras entrevistas e avaliações se dá
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

o agendamento para início do tratamento na Unidade.


A equipe é composta por Neurologistas pediátricos,
Terapeutas Ocupacionais, Psicólogos, Fonoaudiólogos,
Musicoterapeutas, Assistente Social, Enfermeiro, Pe-
dagogo e Pediatras. Oferecemos ambientes terapêuti-
cos de prática clínica em consultório para cada uma das
profissões listadas acima e ainda; sala e jardim de In-

[ 26 ]
tegração Sensorial, uma horta, uma casa modelo com
todos os cômodos e caracterizações para vivências de
autonomia da vida diária.
A cozinha da casa funciona de forma terapêutica
contando com o apoio da nutrição junto da equipe. O
CONECTA possui três lojinhas de compras e vendas de
objetos para cuidados pessoais, alimentação e vestuá-
rio. Junto aos objetivos a serem trabalhados pela equipe
consideramos ainda esse ambiente especifico dado ao
fato de crianças com TEA serem regularmente afetadas
com dificuldades de seletividade alimentar e ou com-
pulsão alimentar. A construção de habilidades sociais
integra esse espaço comum à equipe de profissionais.
Atualmente está sendo inaugurado a sala de Trei-
namento Funcional onde terá ainda Yoga e Meditação;
sala de Informática; sala de Robótica; sala de Games
Interativos; sala de Arteterapia com Teatro, Pinturas e
Danças; sala de Psicomotricidade; Espaço de Convivên-
cia com lanchonete; Cantinho do Sossego e outro de
Leitura.
Funcionamos pela manhã através do SUS e a tarde o
CONECTA está aberto para convênios e particulares com
preço social que atenda famílias em busca de tratamen-
to de qualidade.
Venha nos fazer uma visita e conhecer nosso traba-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

lho.

[ 27 ]
2 A COMPLEXIDADE
DO TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA
Álvaro Jorge Madeiro Leite

Que “doença” é essa que há menos de 10 anos se


converteu em transtorno identificado por uma varieda-
de de espectros clínicos, que vem apresentando uma
curva ascendente e traz implicações tão desafiadoras
para o desenvolvimento das crianças, para as famílias,
os profissionais e os serviços de saúde, bem como para
toda a sociedade e seus ideais de normatividade?!
Mais: uma condição que afeta o desenvolvimento
infantil e, portanto, o desenvolvimento humano acarre-
tando desafios práticos de revisão de expectativas fa-
miliares e inclusão social.

Na expectativa familiar:
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

“Parece que o mundo vai acabar quando você perce-


be que seu filho tem um problema ou desafio tão gran-
de pela frente”.

[ 29 ]
Na expectativa biomédica:
Uma condição que afeta habilidades essenciais da
condição humana, que do ponto de vista biológico pode
ser expressão de alterações no funcionamento do siste-
ma nervoso central, caracterizado como neurotipicida-
de. Mas aqui devemos lembrar que essa biologia que to-
dos possuímos precisa para sua expressão do ambiente
facilitador. O ser humano se desenvolve na relação com
o ambiente e, necessariamente, com outros humanos.
Daí a importância atual dos fatores epigenéticos na ex-
pressão de nossa bagagem genética.
Habilidades de interação interpessoal, de comunica-
ção verbal e não verbal, amplitude de interesses, ativi-
dades e brincadeiras estão comprometidos nessa condi-
ção. A consequência é a necessidade de mediação e de
intervenções articuladas por equipes multidisciplinares
refinadas por uma base doutrinária: como se constitui a
condição e a experiência humana na vida com os outros
em sua dimensão familiar e social.
Ilustrando essa complexidade com as palavras do
psicólogo e escritor Andrew Solomon:
... “uns procuram a “cura” ou a melhora das ha-
bilidades, outros simplesmente procuram respeito e
aceitação das suas características únicas.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 30 ]
Como Transtorno do Espectro Autista (TEA) é con-
siderado um transtorno do neurodesenvolvimento poli-
gênico e multifatorial apresentando, dentre outras, as
seguintes características básicas: ampla variabilidade
clínica, bem como da gravidade dos sintomas; altera-
ções na integração da sensorialidade.
Esses aspectos implicam em dúvidas persistentes
sobre a etiologia e sobre as mais eficazes estratégias
terapêuticas. Assim, o prognóstico persiste em aberto.
A única certeza que se tem é de que tratamento e prog-
nóstico dependem da identificação e tratamento preco-
ces, bem como do trabalho articulado entre familiares,
profissionais e serviços sociais (saúde e educação).
O diagnóstico de TEA precoce é muito importante,
pois possibilita o início do tratamento em um período
crucial para o neurodesenvolvimento (neuroplasticida-
de).
Quanto mais precoces as intervenções iniciarem,
melhor o prognóstico da criança; se iniciado antes dos 3
anos, é máxima a probabilidade na redução da gravida-
de dos sintomas clássicos do TEA. Essas respostas po-
sitivas persistem ao longo dos anos, reduzindo o custo
do tratamento ao longo da vida.
Num livro belíssimo, O filho antirromântico, a escri-
tora americana Priscila Gilman nos conta a profusão de
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

sentimentos que mudaram sua vida quando da desco-


berta que seu filho Benjamin era portador de uma das
tipologias do TEA que o levaria a ler compulsivamente
praticamente todos os seus livros de professora e aluna
de doutorado antes dos 3 anos de idade (síndrome de
hiperlexia ou da leitura precoce).

[ 31 ]
Priscila compõe seu texto utilizando-se de poetas
românticos para ilustrar os caminhos tortuosos, inespe-
rados e magníficos do amor, como podemos testemu-
nhar abaixo:

“Há um conforto na força do amor;


Que torna suportável algo que de outra maneira
Sobrecarregaria o cérebro, ou quebraria o coração”.

William Wordsworth, poeta romântico inglês do século XIX


AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 32 ]
3 O RESPEITÁVEL
AUTISMO
André Manganelli, Isabel Norões

“Transtorno do espectro autista (TEA)” e “autismo”


são palavras cada vez mais faladas nos meios científi-
cos e sociais. Essa condição neurológica, orgânica, psi-
cológica e social é cada vez mais estudada e intrigante
para nossa medicina atual. As notícias se multiplicaram,
conteúdos nas redes sociais e publicações científicas se
disseminaram amplamente. Em documentários, pro-
gramas televisivos, filmes, séries e até mesmo em ro-
das de conversas o autismo se tornou um assunto cor-
riqueiro.
Atualmente, praticamente todas as pessoas sa-
bem algo sobre o tema ou conhecem alguém que tenha
esta suspeita ou diagnóstico. A busca e a necessidade
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

por informações a respeito do assunto exigem de nós,


profissionais de saúde; sobretudo neuropediatras, uma
responsabilidade social e ética em contribuir com con-
teúdos sérios em meio a tantas notas truncadas, co-
nhecimentos e interpretações errôneos e oportunismos
que desnorteiam àqueles que procuram ajuda e orienta-
ção sobre o mundo do autismo.

[ 33 ]
O diagnóstico é clínico. Ainda hoje, nenhum exame
complementar é suficiente para confirmar com precisão
a condição do autismo, pois a clínica é soberana. Pauta-
dos pela experiência profissional com fiel embasamento
nas evidências científicas vigentes e principalmente no
Manual Diagnóstico e Estatístico para Doenças Mentais
– 5° edição (DSM-5); que nos guia nos critérios para a
formação do pensamento diagnóstico, são os recursos
que temos para darmos a correta elucidação clínica. Por
isso, o atestado desta condição médica é o grande desa-
fio que nos motiva diariamente a trabalharmos em uma
equipe interdisciplinar, a fim de melhor assistir às famí-
lias que contemplamos, além de nos comprometermos
em dar um atendimento de qualidade.
Existe a possibilidade de outras doenças (comorbi-
dades) associado a pessoas com TEA, já descritas na
literatura, são algumas destas: Transtorno do Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtornos de
linguagem, Transtornos de humor e/ou de ansiedade,
Epilepsia, Déficit intelectual e Distúrbios de sono. Estas
comorbidades precisam ter seus diagnósticos bem cla-
ros e estabelecidos para não ser um fator confundidor
no diagnóstico e assim atrasar ou atrapalhar a melhor
conduta terapêutica para essas pessoas.
A função do médico neuropediatra é também pres-
tar assistência clínica, tratar as intercorrências médicas.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

E ainda auxiliar no planejamento terapêutico, no prog-


nóstico das crianças, na segunda opinião junto a outros
médicos, na composição de equipes interdisciplinares,
nas orientações aos pais e familiares e quando for soli-
citado, na formulação de políticas públicas relacionadas
as pessoas com TEA ou outras temáticas.

[ 35 ]
As muitas mudanças no decorrer da vida da criança
com TEA e na de sua família como um todo, principal-
mente após saber do diagnóstico, a relutância muitas
vezes em aceitar a condição, a falta de apoio, o reco-
nhecimento da necessidade de ter as terapias em sua
rotina semanal, é que percebemos a necessidade e a im-
portância de caminhar junto a essas famílias, demons-
trando empatia e acolhimento às suas demandas tão
diversas, dando vez às particularidades também desses
cuidadores que são peças fundamentais em todo o pro-
cesso ao longo da vida desses jovens.
A diversidade que há é o que existe de mais belo
nestas crianças. Aprendemos com elas que não é o au-
tismo que as definem e sim elas quem nos conduzem
e apresentam a definição da palavra espectro. Há em
cada uma o seu próprio significado do que é ser autis-
ta. Ainda que as dificuldades em perceber as relações
socioemocionais e em se comunicar, além dos prejuízos
no processamento sensorial, sejam os fatores comuns
na maioria destes indivíduos, há a contribuição de cada
personalidade e suas características distintas que fa-
zem os autistas serem tão intrigantes, admiráveis e
únicos.
Acreditamos que nas últimas oito décadas, desde o
primeiro caso relatado dentro desta condição clínica, a
medicina já contribuiu em muito para o conhecimento
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

do cérebro autista, porém ainda há muitas lacunas a se-


rem preenchidas e muito deste mundo para ser explora-
do e esclarecido.

[ 36 ]
O nome espectro é um termo cunhado primariamen-
te na física como uma faixa possível entre dois pontos
e extrapolado aqui para se referir também aos graus de
autismo, diferindo àqueles com sinais e sintomas sutis
e, por vezes, imperceptíveis aos olhos das pessoas até
os que apresentam graus de maior comprometimento
com sinais mais exuberantes.
Precisamos lembrar que ter autismo não significa
necessariamente usar medicação, como muitas pes-
soas podem pensar. Os medicamentos prescritos são
no intuito de contribuir para a melhoria de algum dos
sinais ou sintomas presentes na pessoa com TEA ou
relacionado às suas comorbidades. Toda classe de me-
dicamento tem um funcionamento e um metabolismo
próprio, uma forma e um tempo de eliminação do cor-
po e interação com outros medicamentos. Por isso, se
torna fundamental que todo e qualquer medicamento
seja prescrito e orientado pelo médico, que deve acom-
panhar os efeitos benéficos ou colaterais relatados e
observados, ajustar as dosagens quando necessário e
retirar ou substituir a medicação quando esta não pro-
mover o objetivo desejado.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 37 ]
O processo de indicação da medicação ideal para cer-
ta queixa clínica está associado diretamente com as in-
formações fornecidas pelos familiares e cuidadores, da
forma mais clara possível, pois a prescrição é feita dis-
tinta e individualmente para cada paciente. Os acom-
panhantes devem seguir as orientações fornecidas pelo
médico na consulta e sempre relatar a ele se outro me-
dicamento foi iniciado ou alterado por outro profissio-
nal, com o objetivo do conhecimento da família a quem
damos assistência. Faz-se indispensável a parceria do
médico com a família quanto a responsabilidade do uso
adequado dos medicamentos.
Nossa preocupação é sempre favorecer as pessoas
(crianças e familiares) em acompanhamento que possi-
bilite a aquisição do seu potencial. Para tanto promover
o alcance de sua funcionalidade e viver no bem-estar
físico, mental e social de acordo com suas diferenças.
Trabalhar os vínculos familiares mostrando o poder do
amor nessa relação e trazendo os cuidadores e as fa-
mílias para a luz do entendimento cada vez mais claro
sobre a leitura de vida real de nossas crianças fará com
que nosso trabalho em equipe alcance não só transfor-
mações nelas, mas desejamos contribuir para mudan-
ças no meio em que elas vivem, pois sabemos que só
dessa forma faremos a real diferença em suas vidas.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 38 ]
4 SINAIS DE AUTISMO
E INTERVENÇÃO
PRECOCE
Ivana Carvalho, Jessica Freire Sales Ponte

O nascimento de uma criança traz um contexto de


mudanças, exigindo muitas vezes uma adaptação na
rotina vivida pela família. A vivência desse nascimento
celebra uma nova fase na vida dos pais, fazendo surgir
sentimentos muitas vezes ainda não experimentados,
gerando expectativas para a chegada desse pequeno
sujeito. A criança é sonho acalentado pelo adulto, des-
de criança, de se tornar mãe e pai, mas algumas vezes,
vem para realizar os sonhos frustrados dos pais, sonhos
que eles deixaram pelo caminho.
O sonho da Parentalidade (pai e mãe) é plantado na
história infantil de cada um. Os pais, antes do seu nas-
cimento, falam, pensam, e organizam o quarto, o berço
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ou a rede no qual irão dormir. Conversam sobre o nome,


como será cuidado, educado; ou seja, lhe é criado um lu-
gar na família. O bebê é reconhecido como um pequeno
sujeito (pessoa) quando chamado pelo seu nome, reco-
nhecido pelos seus desejos e na conversa íntima entre
os pais e ele. Esta referência é importante, pois lhe per-
mite se saber no mundo.

[ 39 ]
A partir do nascimento os cuidados irão construir
essa relação (criança/pais/mundo) que será mediada
por diversos fatores. Por exemplo, quando o bebê está
aprendendo a falar e inicia a vocalização das primeiras
palavrinhas, os pais começam a pressupor que o bebê
está falando papai, mamãe, água, antes do mesmo fa-
lar literalmente. Essa antecipação é importante e esse
conhecimento se dará através da relação. Sendo assim,
quando os pais observam no bebê ou na criança alguma
diferença do esperado, algo não vai bem. Quando ele
não responde da forma esperada, ocorre o medo, a dú-
vida e a busca pela compreensão do motivo.
A possibilidade de o bebê esperado nascer com al-
guma dificuldade é motivo de angústia para os pais/
cuidadores, mas são esses geralmente os primeiros a
perceberem quando algo não está bem. Por vezes, essa
suspeita os encoraja a buscar um profissional para ava-
liar sua criança, porém algumas vezes se deparam com
orientações vagas. Estudos sobre a infância afirmam
que o desenvolvimento nem sempre acontece igual,
pois depende de diversos fatores, como: hereditarieda-
de, história familiar, ambiente doméstico, dentre ou-
tros. Por esse motivo, é indicado que os pais continuem
observando, e procurando especialistas para avaliar a
condição da criança.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 41 ]
Nas últimas décadas, devido aos avanços das pes-
quisas e estudos observacionais das crianças no próprio
ambiente familiar, pela facilidade tecnológica em filmar
os filhos (as), parece haver um aumento ou uma melhor
detecção dos transtornos ligados ao neurodesenvolvi-
mento da criança. Entre os diversos transtornos do neu-
rodesenvolvimento temos o Autismo, caracterizado por
dificuldades já conhecidas. Sua origem pode acontecer
nos primeiros anos de vida ou nos primeiros meses de
vida? Porém, sua trajetória inicial não segue uma regra,
em algumas crianças, os sintomas são aparentes logo
após os primeiros meses de vida, mas na maioria dos
casos, no entanto, os sintomas só são identificados en-
tre um e dois anos de idade.
A lógica de um diagnóstico precoce não se aplica
quando se pensa numa ação preventiva, em bebês com
fatores de risco para progredir em direção ao Autismo,
e sim em uma intervenção precoce baseada na clínica
de sinais e sintomas. No caso é importante iniciar o tra-
tamento o mais rápido possível, com o esclarecimento
para os pais sobre o processo e de que o filho (a) não pos-
sui um diagnóstico fechado. O tratamento pode ocorrer
por um terapeuta único com apoio de outros profissio-
nais ou por equipe interdisciplinar formada na maioria
dos casos por: terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos
e psicólogos. A ideia de um terapeuta único para assistir
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

a criança favorece a construção do reconhecimento de si


mesmo, por parte do bebê, e seu envolvimento psicoa-
fetivo na sua família.

[ 42 ]
O tratamento com bebês e/ou crianças pequenas
(menores de 3 anos) recebe por parte dos profissionais
os nomes de estimulação ou intervenção precoce. Al-
guns tratam os termos como sinônimos, mas outros
colocam uma diferença entre eles. A estimulação pre-
coce possui um peso maior nas atividades neuropsico-
motoras e alcance de metas e a intervenção precoce
na expressão do sujeito criança e seus interesses e/ou
desejos. As duas divergem no método de tratamento.
Na intervenção precoce, primeiro vem a expressão do
sujeito que precisa ser percebido como pequena pessoa
capaz, mesmo que, em um corpo/bebê ainda imaturo e
necessitando dos cuidados dos pais.
Os profissionais que trabalham com Intervenção
Precoce valorizam a instalação da subjetividade (ser
pessoa), onde se sustenta os vínculos afetivos e rela-
ções da criança, o desenvolvimento da cognição, lin-
guagem e psicomotor. Em função disso, as crianças
com risco na formação de sua subjetividade necessitam
dessa intervenção desde os primeiros meses ano de
vida, como prevenção para uma possível psicopatologia
(diagnóstico definido).
O desafio se refere a detecção das crianças que pre-
cisam dessa intervenção, para tanto, existem alguns
instrumentos, que se podem utilizar tanto na interven-
ção quanto na estimulação precoce. Assim como, os
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil


(IRDI), Protocolo Preaut, Protea-R, Ados-II e Adir e ou-
tros. Na prática nos detemos aos sinais atípicos do de-
senvolvimento da primeiríssima infância (0 a 3 anos),
como segue.

[ 43 ]
No período de 0 a 18 meses quando a criança apre-
senta poucas respostas ao olhar da mãe/pai e cuidado-
res; não expressa atitudes afetivas mínimas; passivas e
quietas ou muito irritadas; pouca expressividade facial;
não responde quando chamam seu nome; não estra-
nham a ausência da mãe; não compartilha interesses
perceptivos do ambiente e disfunções sensoriais como
sensibilidade a barulhos, toque, tato, gustação. Estes
são os primeiros sinais de alerta para as famílias. Já com
2 a 3 anos os sinais podem variar: atraso na fala e o uso
do apontar com a mão de outra pessoa; dificuldade em
permanecer em momentos sociais, preferência pelo iso-
lamento e desorganização na presença de muitos obje-
tos e pessoas ou muitos sons.
Em relação ao brincar, se interessa por parte do brin-
quedo (às vezes, só as rodas do carrinho), gosta de enfi-
leirar e/ou empilhar objetos; por vezes, desenvolve um
interesse exagerado num único brinquedo. Na creche, os
professores observam: pouco interesse por historinhas,
dificuldades de compreensão, na interação com outras
crianças, agitação ou isolamento.
A precocidade do início da intervenção em crianças
com riscos de Autismo desempenha papel importante,
potencializando os efeitos positivos da mesma. É im-
portante ressaltar que o atendimento e as orientações
feitas pelo profissional na intervenção precoce deve ser
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

individualizado e atender de forma particular a necessi-


dade de cada criança, tendo sempre como base os co-
nhecimentos científicos respaldados, para o terapeuta
único, no apoio do saber interdisciplinar de uma equipe
de profissionais.

[ 44 ]
5 O AMBIENTE E EU:
ESTRATÉGIAS DE
AUTORREGULAÇÃO
PARA CRIANÇAS
Ana Beatriz Cavalcante, Edda Araújo

A autorregulação é a capacidade de se manter or-


ganizado/bem para responder adequadamente às
exigências do ambiente. É uma habilidade usada para
conseguir compreender e conduzir os comportamentos,
controlar impulsos e pensamentos. A criança que está
autorregulada consegue estar pronta para agir de acor-
do com as necessidades da situação para uma interação
eficaz com o ambiente, uma aprendizagem efetiva, as-
sim como participar efetivamente do seu cotidiano.
Uma autorregulação eficiente promove a resistên-
cia a distrações, a persistência frente a dificuldades, as
respostas adaptativas e flexíveis, o controle e manejo
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

do comportamento, das ações, das emoções e princi-


palmente da motivação interna para só então a criança
atingir seu objetivo. E aí você consegue deter a aten-
ção dela, para brincar, realizar suas tarefas, estabelecer
relações adequadas com seus colegas se integrando e
respondendo as questões da escola.

[ 45 ]
Existem alguns fatores que podem influenciar dire-
tamente na autorregulação, nesse caso o diagnóstico de
Transtorno do Espectro Autista - TEA com as suas es-
pecificidades como a inflexibilidade de comportamento,
as dificuldades de comunicação e de interação social. E
ainda temos a Disfunção de Integração Sensorial que
dificulta o processamento de informações do ambiente,
não sendo possível responder de forma adequada às ne-
cessidades do mesmo, impactando negativamente nas
relações familiares e com outras crianças. E ainda cau-
sando prejuízo na aprendizagem dessas crianças pela
dificuldade de filtragem das informações sensoriais do
ambiente impedindo a detecção de informações impor-
tantes e o descarte das não importantes.
Alguns sinais de dificuldade na autorregularão são
comportamentos facilmente observáveis em algumas
crianças. Crianças que são mais agitadas, que apresen-
tam uma movimentação maior que o esperado ou que
são aparentemente mais sonolentas, e ainda, que têm
dificuldades de focar atenção em uma determinada ati-
vidade e então observam tudo, mas não se detém em
nada. O comportamento pode mudar de acordo com a
situação e ou com o ambiente. Existem também sinais
de desregulação mais interna como o aumento da fre-
quência cardíaca, da frequência respiratória, a mudança
na coloração da pele, sudorese, sensação de estar quen-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

te, medo, dor de barriga, essas coisas que podemos sen-


tir de repente diante as situações novas, inesperadas e
desafiadoras que são completamente comuns a cada
um de nós.

[ 47 ]
Uma autorregulação deficitária numa criança pode
causar impacto no seu cotidiano de forma a afetar o
desempenho nas atividades de vida diária, no brincar,
na participação social e o no desempenho acadêmico na
escola. Portanto, muitas vezes uma criança com dificul-
dades de autorregular-se necessitará do auxílio de um
adulto para alcançar um nível adequado de bem-estar
consigo mesma e promover sua participação em seu co-
tidiano, utilizando-se desse adulto como corregulador,
alguém como apoio.
Para uma criança receber essa ajuda o adulto deve-
rá estar autorregulado, não será possível regular uma
criança estando estressado, ansioso ou nervoso. O
adulto tem de, primeiramente, cuidar de si para só en-
tão tentar ajudar a sua criança. É como nas viagens de
avião, as orientações dadas pela aeromoça para no caso
de ocorrer algum problema é primeiro você a fazer uso
da máscara de respiração para depois ajudar a sua crian-
ça. Quer dizer, se você não consegue se controlar ou está
alterado com certeza, também não conseguira ajudar a
criança que esteja necessitando de apoio.
Existem fatores que influenciam e são influencia-
dos pela autorregulação: o alerta, a atenção, o afeto
e a ação. O nível de alerta é uma excitabilidade neuro-
nal, portanto, fisiológica, própria do organismo de cada
criança. Quando ele está alterado são utilizadas estra-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

tégias sensoriais, pelos profissionais da terapia ocupa-


cional que atende a criança, para favorecer a regulação
do sistema nervoso e apoiar o engajamento no dia a
dia, com suas necessidades baseadas na Teoria de Inte-
gração Sensorial de Ayres. O estado de alerta, expresso

[ 48 ]
pela a criança é o primeiro dos sinais que os profissio-
nais de saúde, atentos ao desenvolvimento infantil e
seus comportamentos, observam porque é onde tudo
começa nas interações com o ambiente de forma geral.
Uma estratégia inicial pode ser a organização da
rotina para que a criança consiga antecipar o seu com-
portamento prevendo o que vem depois. A criança com
Transtorno do Espectro Autista necessita ter previsibili-
dade e antecipação em sua rotina para que consiga agir
e responder adequadamente às suas necessidades. Par-
ticipar da realização das tarefas domésticas também é
uma estratégia interessante, pelo uso de habilidades e
sistemas sensoriais envolvidos além do fortalecimento
do vínculo com a família e da interação social.
A criança com TEA precisa que o seu cuidador se
preocupe em estar bem antes de ajuda-la quando, por
vezes, ela esteja fora de controle. Temos de oferecer a
criança segurança, autocontrole como referência ao lidar
com as crises. A rotina, a conversa anterior sobre o que
acontecerá é aliada de evitação desses momentos. E no
caso de birras, comportamentos desorganizados, você
além de uma atitude autocontrolada, também precisa
ficar atento para avaliar o que desencadeou o descon-
trole da criança. Ficar atento, pois tais comportamentos
podem se constituir numa chamada de atenção para os
pais mais distantes ou mesmo um pedido de ajuda da
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

criança, e facilmente contornado se soubermos evitar o


gatilho que dispara essas condutas.

[ 49 ]
É interessante ajudar a criança a perceber como ela
está e como identificar as estratégias que pode utilizar
em diferentes momentos. Uma ressalva quanto ao uso
de estratégias sensoriais: nem todas as estratégias irão
funcionar para todas as crianças e nem sempre uma
estratégia que foi eficaz anteriormente será efetiva
em um momento posterior. Por isso, você tem de estar
atento ao que sua criança precisa e como ela se compor-
ta nos diferentes tipos de ambiente. Nós respondemos
de forma diferente de acordo ao local onde estamos e
nossas crianças com TEA muito mais ainda. O ambiente
em que nos encontramos, pode, muitas vezes, serem
ditadores do nosso comportamento.
Crianças com TEA têm comportamentos diferencia-
dos e necessidades também, e cabe a nós profissionais
e familiares/cuidadores estarmos atentos as suas parti-
cularidades e necessidades para realizarmos ofertas de
apoio, ajuste do ambiente e atitude para conseguirmos
lidar com essas diferenças de forma eficaz. Caso você
tenha alguma dúvida sobre a sua criança, sobre como
ajudar a regulá-la, se a sua criança tem dificuldades de
realizar atividades significativas do cotidiano procure
um terapeuta ocupacional que tenha conhecimentos
específicos nesse assunto.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 50 ]
6 VÍNCULO E
INTERAÇÃO ENTRE
PAIS/CUIDADORES
E FILHOS AUTISTAS
Ivana Carvalho, Jessica Freire Sales
Ponte, Otaciana Araújo de Aguiar

O humano é uma das espécies que apresenta maior


condição de fragilidade ao nascimento precisa, durante
bom período de sua vida, ser cuidado por outro. Nenhum
homem ou mulher se torna humano sem a presença de
outros, sem ter sido alimentado, amado por uma pes-
soa. Chama-se, em geral, esta pessoa de mãe, aquela
que ama e cuida do seu bebê. Está ligação, união, laço
entre o bebê e sua mãe pode receber o nome de vínculo.
O vínculo entre o bebê e sua mãe é único pois ocorre
entre uma pessoa ainda em formação tanto em relação
ao seu corpo (maturação orgânica) como a sua cons-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ciência e outra já adulta, já formada em relação aos dois


aspectos. Ele é profundo e marcante, o primeiro e deixa-
rá seus traços no futuro da criança.

[ 51 ]
O movimento da criança para sua mãe pode se cha-
mar de afeto, se estabelece logo nos primeiros dias de
vida entre o bebê e seu cuidador. Compreende-se a ne-
cessidade da criança de se sentir segura e protegida, e
isso é de grande importância para o desenvolvimento
social, afetivo e cognitivo da mesma. Verifica-se a qua-
lidade do vínculo em crianças típicas quando essas se
sentem seguras na presença de seus pais/cuidadores.
Algumas vezes tal situação não se estabelece e pode
gerar risco no desenvolvimento da criança.
Nas últimas décadas, com os avanços dos estudos
da neurociência, psiquiatria, pediatria, psicologia e psi-
canálise se destaca os estudos que apontam para im-
portância dos vínculos para a formação do cérebro e o
sujeito criança. Ele também faz eco nas aquisições re-
lacionadas a aprendizagem, memória, concentração,
linguagem e percepção. Assim, se afirma o quanto a
qualidade do vínculo entre a criança e seus pais/cuida-
dores é crucial na constituição do sujeito criança, dito de
outra forma, aquele que diz quem somos, ao dizer “eu”,
atender a seu nome e dizer o que deseja. A fragilização
do vínculo, da relação de afeto nos primeiros contatos
entre o bebê e sua mãe pode provocar sérios riscos na
formação do sujeito criança.
As crianças com o desenvolvimento atípico possuem
um menor interesse na interação com os cuidadores e o
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ambiente social, algumas vezes a partir do nascimento.


Nos bebês e crianças com autismo, a face humana pos-
sui pouco interesse; observa-se distúrbios no desenvol-
vimento da atenção conjunta, vínculo e outros aspectos
da interação social. Elas podem não se engajar nos jogos
habituais de imitação da infância (esconde-esconde),
gastam um tempo excessivo explorando o ambiente

[ 53 ]
inanimado, sem partilhar com os pais ou familiares. As
habilidades lúdicas, além da exploração sensorial dos
brinquedos, podem estar completamente ausentes.
Este conjunto de fatores geram nos pais/cuidadores
angústias por não conseguirem interagir com seu filho.
O vínculo dos pais/cuidadores com seus filhos au-
tistas precisa se adaptar, favorecendo um novo apren-
dizado para lidar com essa realidade. As necessidades
em torno da criança serão maiores, com rearranjos na
dinâmica familiar. O novo desenho do vínculo e das ex-
pressões afetivas dependerá das crenças e valores dos
pais/cuidadores em relação ao autismo, ao tratamento,
ao potencial do filho. A criança ter o diagnóstico e acom-
panhamento terapêutico pode ser fator positivo para o
processo adaptativo dos pais/cuidadores. A percepção
do filho somente como autista e não como pessoa pode
interferir de maneira negativa no vínculo e no desenvol-
vimento da criança.
O cenário muda quando da criança autista, os pais/
cuidadores relatam que ela não chama para brincar, não
se interessa pelos objetos por muito tempo ou que não
percebe seu ambiente externo. Nesse sentido é inte-
ressante que inicialmente o adulto (pais/cuidadores)
observe a criança no brincar, por exemplo, quando ela
segura um objeto mesmo que por “pouco tempo’’, o
adulto pode se dirigir a ela e falar, ‘’vi que você gostou
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

desse carrinho’’. Fazer o som do carrinho para a crian-


ça ouvir. Senta no chão e brinca com o carrinho, criando
uma história para chamar sua atenção. Dessa forma se
abre uma porta para o mundo da criança, atrai sua aten-
ção, provoca sua fala em resposta às solicitações dos
pais e familiares.

[ 54 ]
Entende-se assim a necessidade de favorecer o vín-
culo das crianças autistas, pois elas apresentam mais
dificuldades em serem sensíveis e responsivas aos
afetos das pessoas. Embora seja difícil e estressante
para as famílias lidarem com estes momentos, é muito
importante a valorização das pequenas conquistas e a
construção de um ambiente familiar harmonioso.
O brincar constitui uma das expressões do vínculo,
ainda mais, quando os pais/cuidadores o fazem com a
criança em trocas prazerosas. Assim a criança descobri-
rá o ambiente ao seu redor, apresentado pelo pai, mãe
e familiares. Ela aprenderá sobre seu corpo, suas prefe-
rencias, sua espontaneidade, sua criatividade, sua habi-
lidade em resolver problemas e sua exploração dos brin-
quedos. Mesmo quando a criança brinca só, ela não está
só, pois aquele ato tem por pano de fundo, a apresenta-
ção dos brinquedos e do brincar pelos pais/cuidadores.
Deste modo, quando uma criança convida o adulto
a brincar de ''esconde e achou’’, por exemplo, ela instala
ali um jogo de ‘’ ver e ser vista’’, há troca de olhares e
sorrisos entre eles e a criança. Ela sente prazer no fato
de estar sendo vista e felicitada com seu ‘’aparecimen-
to’’. Outra brincadeira própria da infância é o “faz de
conta”, quando a criança imita atividades do seu coti-
diano com boa dose de imaginação: brincar de casinha,
de cozinhar, de cuidados e demonstração de afeto com
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

bonecos e bonecas, da encenação de histórias.

[ 55 ]
A criança que ainda não fala, irá se expressar através
de gestos e sons, estabelecendo assim uma comunica-
ção, na brincadeira com o adulto. Quando os pais/cui-
dadores perceberem que essa comunicação foi estabe-
lecida, eles poderão solicitar que a criança expresse em
palavras o seu desejo, não se contentando mais apenas
com os gestos.
Posto isto, os pais/cuidadores precisam cuidar de
si, do sentimento de culpa e depressão, das situações
de estresse tão presentes no amar, educar e cuidar de
um filho autista. Aqueles que aceitam suas dificulda-
des e desafios, dão o primeiro passo para um vínculo
suficientemente bom, onde a criança irá se integrar e se
desenvolver em suas experiências emocionais, afetivas
e vinculares. Os pais/cuidadores quando conhecem as
formas de interação da criança, favorecem assim uma
tradução de seus gestos e de seus investimentos e a
conquista de novas habilidades.
Torna-se possível o vínculo existente no contexto
familiar, tão necessário como visto neste texto, passe
da esfera da família para a formação de uma rede de
apoio de pais, cuidadores e profissionais no viver com a
criança autista.
O mais importante é entender que muitas vezes a
criança Autista pode não expressar sua vinculação como
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

esperamos ou conhecemos, mas dentro das suas pos-


sibilidades de comunicação social, limitada, fazer uso
de atitudes e ou condutas comportamentais possíveis.
Haja visto, que a subjetividade humana que possibilita
afeto, vínculos com os outros, acontece independente
de qualquer diagnóstico, só precisamos nos permitir
perceber e retribuir.

[ 56 ]
7 VIVENDO
SENSAÇÕES:
A TERAPIA ISA E
A CRIANÇA AUTISTA
Brunna Uchoa

As sensações estão presentes em nossas vidas


desde antes de nascermos. O bebê vivencia sensações
mesmo dentro do útero materno quando sente os mo-
vimentos do corpo da mãe, escuta seus batimentos car-
díacos e sente o contato seguro do útero envolver todo
seu corpo. O fato é que somos desde sempre seres sen-
soriais. Nós experimentamos a vida através dos nossos
sentidos, afinal as vivências das sensações estão em to-
dos os lugares, pois o mundo é um lugar sensorial.
As sensações são importantes fontes de informa-
ção para o nosso cérebro. Nós sabemos que os alimen-
tos nutrem o nosso corpo à medida que são digeridos e
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

processados. Da mesma forma, as sensações são como


“nutrientes” para o nosso cérebro, são elas que alimen-
tam o conhecimento necessário para direcionar nosso
corpo e mente.

[ 57 ]
O mundo está cheio de experiências para nossas
sensações e não é de se esperar que várias delas che-
guem até nós. No entanto, essas sensações precisam
fazer sentido para nós, ou de pouco adiantariam e nos
serviriam em nosso dia-a-dia. O processo que combina
sensações diversificadas do ambiente ao nosso redor e
também sensações do nosso próprio corpo, que organi-
za todas as partes para que funcionem como um todo
se dá o nome de integração sensorial.
O nosso cérebro é o principal envolvido nessa or-
ganização, localizando, classificando e ordenando sen-
sações, assim como um guarda de trânsito organiza o
movimento e direção dos carros. Quando as sensações
fluem de uma maneira integrada e organizada, o cé-
rebro usa essas informações para desenvolver percep-
ções, comportamento adequado e aprendizagem. No
entanto, quando o fluxo das sensações não é integrado
e organizado como deveria, a vida pode ser como um
engarrafamento em horário de pico.
A integração sensorial ocorre de maneira automáti-
ca na maioria das pessoas e todas as crianças precisam
desenvolvê-la para interagir de maneira efetiva com o
mundo. Contudo, algumas crianças apresentam dificul-
dades em seus processos de organização das sensações
do próprio corpo e do ambiente ao redor. Essas crianças
apresentam o que chamamos de disfunção de integra-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ção sensorial. As dificuldades de integrar as informa-


ções sensoriais podem ocorrer com qualquer criança,
entretanto, algumas crianças que possuem outras con-
dições clínicas, como é o caso do Transtorno do Espectro
Autista (TEA), apresentam uma maior prevalência de
problemas com integração sensorial. Nem toda criança
com disfunção de integração sensorial possui autismo,

[ 59 ]
mas quase sempre uma criança autista possui disfun-
ção de integração sensorial, fazendo com que para elas,
mesmo simples tarefas pareçam muito difíceis. Contu-
do, vale ressaltar que cada criança com dificuldades de
integração sensorial apresenta sua própria configuração
de sintomas, portanto, vivencia diferentes desafios no
seu cotidiano.
A presença de diferenças sensoriais está tão eviden-
te na vida de crianças com autismo que se tornou um
dos critérios para chegar ao diagnóstico. O fato é que
muitas crianças com autismo e que têm dificuldades de
integração sensorial têm sua participação em ativida-
des diárias afetadas. Assim, atividades como: interação
social, brincar, autocuidado como se vestir ou escovar
dentes, aprendizagem e comportamentos adequados
se tornam verdadeiras batalhas para elas. De fato, a in-
tegração sensorial é um processo invisível aos nossos
olhos, mas quando não acontece de maneira efetiva,
pode afetar a qualidade de seus produtos: comporta-
mento adaptativo e a aprendizagem. A melhor maneira
que pais e professores têm de observá-la é identificando
possíveis dificuldades de participação e de desempenho
da criança em atividades que compõem sua rotina. Nes-
ses casos, a avaliação de um terapeuta ocupacional trei-
nado é recomendada para identificar o tipo de disfunção
sensorial e assim iniciar um programa de intervenção.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

Anteriormente, mencionado acima, a integração


sensorial é um processo que organiza, unifica e dá sen-
tido às sensações do nosso corpo e do ambiente em que
vivemos. A Integração Sensorial de Ayres (ISA) se refere

[ 60 ]
à teoria e conceitos identificados pela terapeuta ocupa-
cional americana Anna Jean Ayres, que foi pioneira ao
relacionar o processo de integração sensorial às difi-
culdades apresentadas por crianças com problemas de
aprendizagem na década de 60.
Jean Ayres foi revolucionária ao explicar como a com-
binação de interações entre os sistemas sensoriais au-
ditivo, visual, tátil, olfativo, gustativo e mais dois outros
sistemas menos conhecidos, vestibular e propriocepti-
vo, responsáveis por sensações de movimento e posição
do corpo respectivamente, poderiam ser responsáveis
pelo desenvolvimento de habilidades complexas e ex-
tremamente importantes para a estruturação de uma
base para aprendizagem, comportamento organizado e
estabilidade emocional. Assim, seus estudos trouxeram
grandes avanços na compreensão de tais dificuldades
que até então não tinham causa conhecida, e suas pes-
quisas puderam contribuir com avaliações específicas
para tal, além de estabelecer uma maneira de tratar es-
sas dificuldades, ou seja, a Terapia de Integração Senso-
rial de Ayres (ISA).
Atualmente a terapia de ISA é cientificamente reco-
nhecida em todo o mundo como eficaz no tratamento
de crianças com TEA e outros diagnósticos. O profissio-
nal responsável por essa prática é o terapeuta ocupacio-
nal, que se utiliza dos princípios da teoria para promover
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

o engajamento do sujeito em atividades e ocupações.


Quando se trata de crianças com TEA, o terapeuta ocu-
pacional treinado para realizar a terapia de ISA terá
como objetivo central de sua prática promover ajustes
na forma com que a criança recebe as sensações e as
interpreta para uso funcional dessas sensações em ati-
vidades e ocupações significativas.

[ 61 ]
As sensações vividas usualmente não causam des-
conforto para a maioria de nós e, no entanto, para a
criança autista e com dificuldades de integração senso-
rial é tida como muito aversiva, invasiva e desconfor-
tável, e pode se tornar aceitável e menos incomodada
com os ajustes provenientes dos estímulos adequados
da terapia de Integração Sensorial de Ayres.
A criança com TEA vive em um mundo frequen-
temente distorcido quanto às sensações, sentindo-se
muitas vezes facilmente sobrecarregada (hiperreativa),
perdidamente ausente (hiporreativa), sem muitas refe-
rências de si e muito menos do outro e do espaço ao
redor. Ao observarmos uma criança lutando para reali-
zar uma simples tarefa de calçar sua sandália ou mes-
mo vivenciando uma crise em uma festa de aniversário
muito barulhenta jamais podemos imaginar que por
trás de tudo isso existe uma desorganização imensa do
fluxo e intensidade das sensações que chegam até o cé-
rebro dessa criança. Exatamente porque a maneira que
as crianças com TEA lidam com as sensações é pouco
conhecida, motivo que esse texto se faz necessário.
Quando agora você estiver diante de uma criança
apresentando um comportamento inadequado, procure
pensar antes sobre o que pode estar causando aquilo, e
entender que mais que uma birra, uma fuga ou oposi-
ção, a criança pode estar tentando fazer um pedido de
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ajuda. A integração sensorial quando acontece da for-


ma esperada é sinônimo de bem-estar, e talvez seja por
isso que as crianças autistas que fazem terapia de ISA
sejam tão devotadas aos momentos dos atendimentos,
pois é para elas mais que uma terapia, é diversão, é um
bálsamo diante de tanto ardor.

[ 62 ]
8 ALIMENTAÇÃO
E AUTISMO
Najla dos Santos de Sousa

A começar pelas tribos antigas até as megacidades


de hoje, a alimentação se constitui uma parte impor-
tante do convívio social. Sempre, homens, mulheres e
crianças se encontram nas refeições, para comer e con-
versar; sobretudo quando do domínio da aprendizagem
de cozinhar os alimentos. O papel da alimentação para a
formação da sociabilidade se mostra por ser uma fonte
de prazer, de comemoração, de confraternização, qua-
se todas as festas e celebrações existem alimentos,
algumas vezes especiais em determinadas datas. Esta
agregação ao redor da comida remete à dupla função do
alimento: combustível para fazer funcionar o corpo e la-
ços afetivos (vínculos) entre as pessoas, uma excelente
fonte de energia para o corpo e a alma. A alimentação
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

pode ser considerada uma fonte de força motora para a


evolução humana, tanto no passado como nos próximos
séculos, pois o comer é um ato social e de lazer que vai
além do alimentar-se e do nutrir-se.

[ 63 ]
O processo de alimentação inicia-se com amamen-
tação e evolui de acordo com o desenvolvimento da
criança. Quando nasce o bebê sabe sugar, mas o ama-
durecimento das estruturas orofaciais (musculatura
do rosto) e gástricas (digestão do alimento) constitui
numa experiência sensorial e motora, pois envolve to-
dos os sentidos de forma coordenada (visão, tato, olfa-
to, paladar e audição, além da musculatura do rosto) e
de conhecimento, pois o bebê começa a ter noção de si.
Depois da mama, vem a papinha, as frutas, os alimen-
tos sólidos e quando chega os quinze meses a criança
come os alimentos de sua família e comunidade. Algu-
mas vezes ocorrem dificuldades nestas transições ali-
mentares por questões sociais, psicológicas e orgânicas.
Algumas crianças com autismo demonstram dificulda-
de nas transições alimentares e seletividade em relação
a determinados tipos de comida.
Alimentação e autismo é um tema muito delicado
pois é uma das principais queixas apresentadas por pais
e cuidadores em consultórios médicos e clinicas especia-
lizadas, sendo causa frequente de conflitos nas relações
entre pai, mãe, filhos e/ou cuidadores. O momento da
refeição está carregado de significados e características
pessoais nos quais incluem seletividade alimentar, re-
cusa alimentar, repertorio restrito de alimentos, ingesta
de apenas um tipo de alimento ou compulsão alimen-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

tar. Constitui um desafio para os pais/cuidadores, per-


meado de angustia, pois, o comportamento da criança
fere a imagem de prazer dos alimentos, leva ao medo da
desnutrição ou deficiência dos micronutrientes (ferro,
zinco, vitaminas e outros), assim como a obesidade em
determinados casos. Tudo isso torna o ambiente fami-
liar propicio ao estresse, conflitos e brigas fazendo as-

[ 65 ]
sim com que as refeições deixem de ser algo prazeroso
e de lazer interferindo diretamente nas questões afeti-
vas/emocionais e sociais da criança e seus familiares.
Um dos motivos das dificuldades de alimentação da
criança autista está relacionado a transtornos de mo-
dulação sensorial e ou de discriminação sensorial, difi-
culdade da criança em regular o grau, intensidade e na-
tureza das respostas aos estímulos sensórias, aqueles
que chegam ao corpo; assim como, a dificuldade de dis-
criminação do que chega pela: visão, audição, paladar,
tato, olfato, vestibular e propriocepção. Os sistemas da
audição, visão, olfato, paladar e tato estão integrados
para favorecer a alimentação, no entanto, quando esse
processamento sensorial tem algum problema pode
provocar um transtorno.
A criança com transtorno alimentar não deixa de co-
mer por birra, implicância ou falta de educação; ela o faz
devido a uma provável desregulação sensorial. Desta
forma não adianta deixar a criança sem comer no intuito
dela sentir fome, nem tão pouco forçar a alimentação,
de outra forma, também não deixar ela comer tudo que
vê pela frente. Os pais/cuidadores precisam de informa-
ções dos profissionais que atendem ao filho (a) e com o
tempo mudar seus hábitos e ou mediar o processamen-
to sensorial no momento de alimentar a criança. A me-
lhor maneira é unir as orientações dos terapeutas com
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

a percepção deles sobre como a criança gosta de parti-


cipar da refeição junto com as informações familiares
sobre sua rotina alimentar.
Outros fatores que contribuem para os distúrbios/
transtornos alimentares estão relacionados a busca por
prazer no momento de comer, atraso nas habilidades

[ 66 ]
orais, flacidez da musculatura dos órgãos fonoarticula-
tórios (músculos responsáveis pela articulação da boca,
deglutição dos alimentos e fala) o que resulta em um
maior esforço para a mastigação, problemas gastroin-
testinais, alergias, entre outras. A criança, por várias
vezes, não saber lidar com o alimento em sua boca, pre-
cisando da cooperação e compreensão dos pais/cuida-
dores, familiares e profissionais para executar a masti-
gação, deglutição ou outra ação. Quando isto não ocorre
aumenta a possibilidade de padrões de comportamen-
to restritos, repetitivos ou estereotipados por parte da
criança e pode levar a uma atitude de inflexibilidade ou
insistência dos pais/cuidadores. Comportamentos que
se reforçam, num ciclo sem aparente saída, daí a função
da parceria com o profissional. Manter essa mesmice
impede que a criança tenha uma melhor aceitação dos
alimentos.
Pode-se observar que a alimentação e o autismo
nos trazem questões multifatoriais apresentando fato-
res orgânicos, emocionais e sociais promovendo um dos
grandes problemas na assistência terapêutica da crian-
ça Autista. A alimentação mexe com a cabeça dos pais
quando seus filhos não se alimentam adequadamente
e pode gerar um mal-estar significativo na regulação
emocional dos filhos provocados por esse desequilíbrio
familiar. O mais importante no processo de terapia é a
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

calma, a paciência, a criatividade, a persistência, e a par-


ceria entre família e terapeutas a partir de um trabalho
interdisciplinar como o proposto pela Unidade Conecta.
Somos uma equipe de profissionais que utilizam da in-
teração de seus saberes para viabilizar uma educação e
ou reeducação alimentar saudável e funcional no coti-
diano das crianças Autistas.

[ 67 ]
9 COMPREENDENDO
A COMUNICAÇÃO
NO TEA
Raquel Souza

Quando nascemos descobrimos aos poucos a co-


municação. Os bebês a iniciam com o mundo externo
através do choro e do olhar. Já nessa fase conseguem
estabelecer uma relação de comunicação com recepção
e expressão como resultado de um processo desenvol-
vido a partir da identificação inicial entre mãe e filho,
que neste momento passa a reconhecer se o choro é de
fome, sono ou cólica. Nesse processo as conquistas vão
se apresentando com o sorriso social, o reconhecimen-
to da voz da mãe, sua localização auditiva interagindo
cada vez mais com o meio e com os pais/cuidadores.
Em torno dos seis meses surgem os primeiros bal-
bucios, (mãmã, pápá). Então, começa a experimentar
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

os sons, os gritos, a reação dos pais, a emissão das pri-


meiras sílabas, e nesse momento podemos considerar
que o bebê está falando. As conquistas motoras que es-
tão acontecendo promovendo controle postural e mar-
cha facilitam o domínio da fala e chegam as primeiras

[ 69 ]
palavras e depois as junções das palavras em frases e
conversas. Esse caminho da comunicação se dá com as
experiências vividas pela criança com o meio e vai sendo
refinada e fundamentada na linguagem e na fala.
A linguagem abrange um conjunto de habilidades,
tais como a elaboração do pensamento, as ideias, com-
preensão da mensagem e está diretamente relacionada
com a intenção comunicativa, ou seja, é a parte criativa
que acontece antes do verbalizar. Essa linguagem se
materializa em fala que é o ato concreto do movimento
que fazemos para falar, quero dizer, é o comando que
o cérebro envia para os músculos se movimentarem e
produzirem os sons de forma sequenciada, organizada
e sincronizada. A linguagem e a fala são dependentes e
interligadas, funcionam em conjunto.
A comunicação é o diálogo ou a soma que resulta da
linguagem e da fala. Vamos entender como acontece a
dinâmica da comunicação:
É indispensável a presença de uma pessoa emis-
sora/falante e outra pessoa receptora/ouvinte que irão
transmitir uma mensagem. Exemplificando, imaginem
ir à um país onde o idioma local é desconhecido, e você
sem recursos tecnológicos (smartfone, computador,
etc.) para auxiliar. Imaginou que complicado seria? Me-
diante essa simulação, é possível haver comunicação?
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

A resposta é: sim! Podemos usar outros recursos co-


municativos, como por exemplo; os gestos para expres-
sar a vontade ou a escrita para anotar o nome do seu
hotel, desenhos que possam representar uma placa....
Resumindo, a comunicação humana é uma habilidade
fina e cheia de pequenos detalhes, mas cheia de possi-
bilidades.

[ 70 ]
Esse exemplo é o que chamamos de comunicação
funcional, isto é, quando alguém consegue se fazer en-
tender para o outro, independentemente do tipo de co-
municação usada, se é gesto, fala ou escrita.
Nem sempre a comunicação acontece harmonica-
mente, pois há diversas habilidades que mesmo em
crianças típicas podem ocorrer fora do caminho previsto.
Em crianças com transtorno do espectro autismo (TEA),
essa “escada” do desenvolvimento da comunicação
acontece de forma diferente. Elas têm em sua caracte-
rística dificuldades para se comunicar e compreender as
diversas maneiras que a usamos no meio social. Essa
dificuldade se transforma em “atrasos” significativos
no desenvolvimento da fala e linguagem.

As características comuns
que as crianças com TEA
podem apresentar são:
• Falta de interesse comunicativo. Preferem ir dire-
tamente pegar o objeto desejado do que pedir para
uma pessoa, muitas vezes “ignorando” a presença
do outro. Ou simplesmente a utilizando como ferra-
menta de alcance para o objeto.
• Dificuldade na compreensão do que uma pessoa diz
quando solicitado para fazer uma ação, essa crian-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ça não consegue compreender o pedido. Prejuízo na


linguagem expressiva, ou seja, aquilo que usamos
de forma não verbal (gestos), verbal (fala) e escrita,
e podem usar o choro, ou outras atitudes menos so-
ciais como forma de demonstrar seus desejos.

[ 71 ]
• Quando nossas crianças apresentam fala, a mesma
poderá conter ecolalias que são repetições de fala
anteriormente ouvidas. Alterações na melodia da
fala (prosódia), ficando monótona e sem variação/
entonação, dando a sensação de fala “robotizada”.
• Mau uso da linguagem em situações sociais. Ob-
servamos nos jovens e adultos com TEA, dificul-
dade por exemplo em compreender uma metáfora
(sentido figurado para as palavras), são geralmente
diretos “sem filtro”. E também apresentam dificul-
dade em começar e ou manter um diálogo.
O desenvolvimento da comunicação no autismo é
um grande desafio, já que há prejuízos em diversas ha-
bilidades necessárias para ela acontecer. E como vimos
a comunicação não é algo simples é necessário a jun-
ção de várias habilidades para acontecer. Essa junção de
elementos nos proporcionam a forma que temos para
nos expressar no mundo, seja ela por meio dos gestos,
expressões faciais, escrita ou fala.
Considere a dinâmica da comunicação e a comuni-
cação funcional anteriormente citadas, a partir dela é
possível refletir o quanto o comunicar vai além do falar.
Retirando as vendas podemos redirecionar nosso olhar
para enxergarmos as possibilidades e ir além das limi-
tações. Muitas vezes temos a urgência na fala propria-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

mente dita, porém, o mais importante é dar a oportu-


nidade ao outro, no caso aqui a criança, de se expressar
principalmente quando essa fala ainda não é possível.
Devemos considerar que cada pessoa é um mundo sin-
gular com suas capacidades e potenciais, que deverão
ter oportunidades, vivencias enriquecedoras e facilita-
doras para melhor adquirir suas competências.

[ 72 ]
O objetivo da abordagem fonoaudiológica junto a
criança com TEA é propor possibilidades comunicativas,
explorando e estimulando o desenvolvimento dessas
habilidades; oferecer recursos, estratégias, maneiras
que possibilitem a comunicação acontecer. Quando
digo comunicação, não me refiro apenas a fala, mas sim
oferecer maneiras para o sujeito se expressar, criando
a possibilidade de uma comunicação funcional. Há di-
versas formas de comunicações possíveis, o importante
é estabelecer uma forma de ligação com o outro, uma
ponte, trilhar caminhos, nos conectar!

AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 73 ]
10 DO LUTO À LUTA
NO AUTISMO
Otaciana Araújo de Aguiar,
Vanessa Alves do Nascimento

Nascemos envoltos num ambiente formado por


pessoas e coisas, onde precisamos habitar, no qual, nos
adaptamos a cada momento. O desafio presente em to-
das as pessoas que fazem parte deste ambiente é viver
o influenciar e ser influenciado por ele; construir rela-
ções com os outros e os objetos para enriquecer quem
somos, e este processo chamamos de desenvolvimento
humano. Em cada pessoa este desenvolvimento é úni-
co, como as digitais de nossos dedos.
O início desse processo de desenvolvimento começa
desde a gestação e segue na infância, onde as primeiras
trocas afetivas ocorrem entre o corpo do feto e o corpo
da gestante. Daí a importância daquela conversa, o to-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

que na barriga, as falas amorosas do pai e dos familia-


res, a preparação para a chegada da criança. Quando a
mulher está envolta neste momento da gestação é to-
mada pela imagem idealizada da criança que irá nascer,

[ 75 ]
uma preparação para o futuro diálogo amoroso entre o
bebê e sua mãe. Após o parto, com a criança em seu
colo, a imagem se transforma pelas primeiras comuni-
cações daquele pequeno ser. São profundas mudanças
que ocorrem com a entrada da criança na família, mes-
mo quando não é o primeiro filho.
Algumas vezes os pais/mães/cuidadores começam
a perceber uma diferença no comportamento da criança
em relação às outras, ou aos irmãos, quando na mesma
faixa de idade; parecem diferentes, não respondem da
mesma forma ou quando respondem não conseguem
compreender a resposta da criança. Podemos pensar
que nenhum pai, mãe ou familiar, no período da gravi-
dez, naquele momento de espera, tenha idealizado uma
criança com TEA e este é o conflito interno, vivenciado
por eles, quando da notícia do diagnóstico. Uma crian-
ça com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autis-
ta (TEA) experimentará, com maior singularidade, seu
processo de desenvolvimento humano, junto com sua
família.
Muitas questões surgem, a partir deste momento,
como no cuidar, educar e o que esperar do suporte dos
profissionais. Eles precisam de profissionais de saúde,
educação e assistência social, sensíveis, pois é na famí-
lia que diariamente ocorre a expressão dos comporta-
mentos socialmente inapropriados, das estereotipias
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

(movimentos repetitivos), das agressões e dos prejuízos


significativos na comunicação e interação da criança.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a qualidade de vida da pessoa está relacionada
à percepção que tem de seu lugar na vida, de suas rela-
ções sociais, de seu sistema de valores e o quando ou

[ 76 ]
quanto? Este conjunto de coisas faz sentido na socieda-
de e cultura em que ela está inserida. Quando o nosso
foco se desloca para a pessoa e/ou a criança com TEA,
o descompasso entre as formulações individuais, fami-
liares e coletivas ficam evidentes; este é o eixo da luta
deles, das famílias, amigos e profissionais pelos os di-
reitos da pessoa com TEA.
Em nossa experiência de atendimento na Unidade
de Assistência à Criança com TEA – Conecta do Instituto
da Primeira Infância (IPREDE) tanto na psicologia como
no serviço social; no exercício de uma escuta sensível,
temos muitas narrativas sobre o luto. Podemos tecer
algumas reflexões sobre esse processo pelo qual as fa-
mílias passam ou ainda estão passando, e o quanto faz
eco na teoria de Kübler-Ross sobre os cinco estágios vi-
venciados pelas pessoas enlutadas: negação, raiva, bar-
ganha, depressão e aceitação.
O momento do diagnóstico para os pais se estende
para além do consultório médico, a dificuldade em acei-
tar e lidar com a descoberta da criança com TEA pode
deixar marcas neles e nos familiares. Verificamos em
muitas famílias acompanhadas no Conecta a superação
dessa culpa após diálogo, seguimento e confissão da
mesma, possibilitando os pais se reajustarem, abran-
dando a negação e raiva em relação ao contexto vivido.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

Sabe-se que se trata de famílias que experimentam


dores e decepções em diversas fases da vida, desde o
momento da notícia do diagnóstico e durante o proces-
so de desenvolvimento de seus filhos. Durante esse pro-
cesso surgem as incertezas, dúvidas de como será? Que
luta é essa? Pois irão encarar uma série de situações,
como olhares impiedosos de recriminação, onde muitos

[ 77 ]
irão supor que o mau comportamento da sua criança é
fruto de falta de pulso dos pais, por serem crianças mal-
-educadas. A cobrança social é impiedosa e requer uma
sustentação emocional que, por vezes, não existe ou
nesse momento de angustia não se suporta.
Uns dos maiores desafios dessas famílias é a inclu-
são educacional, tanto nas creches, como nas escolas, o
que os pais mais escutam são falas tipo: “desculpe, la-
mento, infelizmente não tem vaga”, “aguarde, o nome
da criança está na fila de espera”. Quando eles infor-
mam o diagnóstico da criança, logo aparece a exigência
de um profissional especializado para realizar o acom-
panhamento escolar da criança ou as considerações so-
bre o estabelecimento não está adequado para a tarefa.
Esta situação e outras com o mesmo grau de difi-
culdade mobilizou muitos pais pela luta dos direitos da
criança com TEA, o fruto de toda esta mobilização, foi
à conquista de legislações pertinentes à realidade das
pessoas com TEA. Entre as diversas leis hoje existen-
tes, temos a Lei 12.764/2012, conhecida como Lei Be-
renice Piana que instituiu a Política Nacional de Prote-
ção aos Direitos da Pessoa com TEA. Em um de seus
artigos disserta sobre a garantia de vagas para criança
com TEA em qualquer escola, sob pena de multa para os
estabelecimentos que não cumpram o disposto na lei.
Entretanto ainda existem muitas lacunas na implemen-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

tação da educação inclusiva, na adequação dos métodos


de ensino e na formação dos profissionais das escolas
públicas ou privadas no trato com as crianças com TEA.

[ 78 ]
Desta maneira percebemos nas falas dos pais/
mães/cuidadores o mesmo percurso, observado tam-
bém por Kübler-Ross, anteriormente citado, podemos
até dizer de uma aceitação ativa por parte deles e das
próprias pessoas com TEA. O caminho do luto à luta
aparece nas associações de pais, nas defesas dos direi-
tos, na aprovação de leis e benefícios e em especial na
literatura autobiográfica de algumas pessoas com TEA.
Este caminho e a ação de caminhar sucedem em diver-
sos momentos da vida familiar, profissional e pública
das pessoas envolvidas com o TEA. Tornar a sociedade
um melhor lugar para crianças, adolescentes e adultos
com TEA é tornar a sociedade melhor para todas as pes-
soas. E para tanto, faz-se necessário que as famílias
tenham conhecimento de seus direitos para que juntas
possam caminhar rumo a uma sociedade mais justa e
participativa na construção de uma representação so-
cial forte e acolhedora de suas diferenças. A informa-
ção, o conhecimento deve direcionar as ações da busca
pelo direito a uma vida de relações e produções sociais
independente de qual situação ou diagnóstico se venha
a constatar.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 79 ]
[
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

80
]
11 O AUTISMO
NA ESCOLA
Samya Lima

A atual dinâmica educacional e o aumento dos índi-


ces dos transtornos de desenvolvimento impulsionaram
novas práticas educacionais e novas intervenções tera-
pêuticas. Para o desenvolvimento escolar das crianças
com transtornos do desenvolvimento ou transtornos de
aprendizagem, são necessárias relações entre as práti-
cas educacionais e a compreensão das dificuldades neu-
rológicas, psicológicas e sociais destas crianças, assim
como também pontuar elementos e estratégias que
possam ajudar a família, a escola e a criança a enfrentar
os desafios. Dessa forma, a Pedagogia ao atuar junto
com uma equipe multidisciplinar e em parceria com a
família, utilizam métodos avaliativos que possibilitam
um melhor desenvolvimento das intervenções nos as-
pectos social, cognitivo e psicomotor.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 81 ]
As crianças autistas apresentam dificuldades pecu-
liares no processo de aprendizagem, já que há um dé-
ficit na comunicação, na interação social em diversos
contextos e a presença de comportamentos repetitivos
e restritos. Portanto, precisamos primeiramente refletir
sobre a importância destas crianças serem inseridas no
ensino regular e no atendimento educacional especiali-
zado (AEE) na rede pública de ensino.
Existe a necessidade de uma adaptação dessa prá-
tica pedagógica para interferir na aprendizagem dessas
crianças, como definir objetivos educacionais e avalia-
ção para verificar características específicas de cada
dificuldade e forma individual de aprender, pois suas
particularidades variam e consequentemente o proces-
so de aprendizagem. Neste contexto buscar meios, es-
tratégias, teorias e métodos facilitadores para ajudá-los
a ter independência e qualidade de vida é o que trans-
forma a escola em local de conquistas.
Dentro da escola a intervenção pedagógica parte
do estudo de uma análise e relatórios de uma equipe
multidisciplinar sobre os diagnósticos, o quanto antes
definido, para uma melhor efetivação possível de reali-
zar intervenções pedagógicas apropriadas que irão de-
senvolver os vários aspectos que fazem a aprendizagem
pedagógica acontecer: o cognitivo, afetivo-social e psi-
comotor. Junto a tudo isso, estão às diretrizes regula-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

mentares que direcionam a escola para todos.

[ 82 ]
A escola inclusiva favorece o bem-estar e desen-
volve a adaptação correta de métodos e necessitam
de profissionais qualificados com formação continua-
da, planejamento de um sistema de educação flexível,
intervenção adequada e participação ativa da família e
comunidade escolar para responder as necessidades e
diversidades de cada criança.
Além disso, é imprescindível a manutenção do
vínculo afetivo entre escola e família, tendo um olhar
sensível, atento e compreensivo para desenvolver suas
habilidades de acordo com o que a criança é capaz de
fazer e aprender, partindo sempre do contexto ao qual
está inserida, com o seu desenvolvimento e potencial,
de acordo com sua idade e o seu interesse.
A família é responsável por grande parte deste
aprendizado também, bem como de estimular a sociali-
zação de seus filhos propondo momentos de interação
com outras crianças em espaços abertos e terapêuticos,
sendo importante planejar, conversar com antecedência
para que não haja imprevistos. A antecipação do que irá
acontecer faz a diferença entre uma experiência bem-
-sucedida de outra não.
A criança com Transtorno do Espectro Autista - TEA
apresenta como uma das suas características a resis-
tência a mudanças, no entanto, podemos usar a rotina a
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

favor dela ao mudar o trajeto de lugares que costumam


frequentar com assiduidade, afinal rotina deve ser en-
sinada desde cedo, pois ajudam as crianças a se organi-
zarem, seguir regras, e combinados no contexto escolar
promovem participação social significativa para integrar
alunos no dia a dia da escola.

[ 83 ]
É necessário haver essa parceria: escola e família
para que a criança se sinta segura neste ambiente e uti-
lize sua forma de se comunicar em atividades significa-
tivas, respeitando o ritmo de aprendizado de cada um,
explorando suas potencialidades e elogiando sempre
suas conquistas. Além do mais os hábitos de casa po-
dem ajudar no processo de aprendizagem devido a repe-
tição e associação do prazer doméstico com a junção de
símbolos e marcas identificadoras de letras, números,
cores e ordem classificando o que é do seu interesse
perceptivo para ajudar a apreender.
Sugerimos algumas práticas que podem ser utiliza-
das com crianças autistas, são elas: utilizar uma lingua-
gem simples e clara ao interagir com elas em atividades
com objetivos diretos e precisos; brincadeiras que pro-
porcionem o brincar junto, começando com a participa-
ção dos membros da família e cuidadores afetivamente
identificados para facilita o brincar em grupo inclusivo
e a socialização. Criar rotinas e ordem na execução das
atividades trazendo segurança e organização na vida
cotidiana, incentivar e envolvê-los em atividades extra-
curriculares e artísticas, respeitando suas escolhas, sua
forma de se expressar sem agredir sua vida escolar, pre-
servando assim sua integridade.
Os instrumentos utilizados na nossa prática peda-
gógica para buscar entender as dificuldades das crian-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

ças em seguimento acontecem a partir de Jogos que


tem o objetivo de verificar relações cognitivas e conteú-
dos afetivo-emocionais, assim como habilidades para
a aprendizagem. E esses jogos também são facilitado-
res do desenvolvimento de capacidades necessárias a

[ 84 ]
rotina da escola como a leitura, aspecto relacionado à
função simbólica. Já o grafismo através dos Desenhos e
escrita, verifica aspectos emocionais, motores e cogni-
tivos através da produção, bem como os interesses da
criança pelo ambiente escolar, família e grupo social.
Utilizamo-nos também de referenciais teóricos para
investigar, seguir e favorecer a estruturação dos as-
pectos do desenvolvimento do conhecimento humano
desde o mais simples na classificação de objetos até os
mais complexos como a compreensão do pensamento
abstrato. Logo, temos uma prática efetiva que ofereça
a criança Autista oportunidade de estar em escola re-
gular. Para tanto, adaptamos e criamos meios de ade-
quar currículo escolar a serem possíveis de apreender
em quaisquer que sejam as dificuldades encontradas
na escola. A Escola é e deve ser pensada pelas famílias
como parceiras de um longo processo de aprendizagem.
ESCOLA É PARA TODOS.

AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 85 ]
12 MUSICOTERAPIA
E TEA
Paula Franco de Almeida,
Paulo Bruno Braga

Quem nunca se deparou cantarolando uma canção?


Ela chega sem avisar e a gente para, escuta e pode até
começar a cantar. E quando o ouvido percebe o som de
um tambor, logo os pés em sintonia, acompanham com
pequenas batidas no chão, outras vezes se usa as mãos,
no estalar das palmas. E quantas pessoas escutam ou
cantam músicas na faxina de casa ou no momento do
banho? Seja qual for a situação do cotidiano, a música
está presente e faz parte da vida de todos os seres hu-
manos, de tal modo que ela pode ser vivenciada, experi-
mentada e apreciada por qualquer pessoa.
A história não possui uma data precisa de surgi-
mento da música, ela está envolta com as primeiras
manifestações culturais da humanidade. Ao longo do
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

tempo, ela se expressa em diversas formas e maneiras,


em todas as culturas e em graus diversificados de im-
portância. Seja de maneira social, cultural, espiritual, la-
zer e/ou curativa, em todas essas expressões sucede a
participação da música, há tantos séculos que se tornou
íntima do homem.

[ 87 ]
A música provoca o movimento necessário que in-
fluencia a vida das pessoas diariamente. Desde o perío-
do gestacional, pela diferenciação em vários sistemas
sensoriais, primeiramente nos sentidos auditivo e tátil
que se pode escutar o ritmo da batida do coração. Ele re-
verbera em todo o corpo do feto e grava uma lembrança
tão forte, motivo pelo qual, as pessoas não conseguem
ficar paradas quando assistem um grupo de percussão
marcando a sua existência também na pele.
Ciente do quanto à música é importante na ex-
pressão cultural humana, em especial sua presença
em rituais religiosos e de cura, pelo fato dela alterar a
consciência e o corpo da pessoa, no século XX, ocorreu
uma sistematização cientifica dessa experiência. Essa
vertente da utilização da música em contexto clínico de-
nomina-se musicoterapia. Esta modalidade terapêutica
utiliza a prática musical e seus elementos, bem como
altura, intensidade, timbre e duração para estruturar
melodia, harmonia e ritmo e desenvolver as experiên-
cias musicais, com finalidades terapêuticas.

HISTÓRIA DA MUSICOTERAPIA

A musicoterapia tem sua origem entre as duas


AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

grandes guerras. Já na primeira guerra mundial foram


contratados músicos para distrair os egressos da guerra
que sofriam com problemas de saúde física e emocional.
A experiência musical teve bom resultado provocando
melhora nos quadros clínicos dos doentes. No entanto,
foi percebido pela equipe de saúde que o profissional
precisava além da formação musical também ser um te-

[ 88 ]
rapeuta. Assim começaram os primeiros estudos cientí-
ficos e a constituição do saber próprio da musicoterapia.
No Brasil, os pioneiros a trabalharem a música de
forma terapêutica foram educadores musicais de crian-
ças com deficiência que, ao utilizarem a música nas ati-
vidades, perceberam o quanto favorecia e enriquecia a
participação das crianças, provocando transformações
significativas em seu universo relacional. O relato des-
sas experiências propiciou no início da década de 70 a
criação do curso de especialização em Musicoterapia no
Paraná na antiga Faculdade de Educação Musical do Pa-
raná (FEMP). Em 2001, foi apresentado o projeto de lei
original Nº 4827/2001, dispondo sobre a regulamenta-
ção do exercício da profissão de musicoterapeuta. Tam-
bém consta na Classificação Brasileira de Ocupações
– CBO sob o número 2263-05, e faz parte de procedi-
mentos do Sistema Único de Saúde (SUS) dentro das
Práticas Integrativas Complementares; está inserida na
política do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
além de estar presente em espaços privados e diversas
instituições pelo Brasil.

MUSICOTERAPIA E SUAS PRÁTICAS

Assim, a musicoterapia surge na relação entre a


AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

prática musical e as ciências da saúde com intenção de


promover o bem-estar, seja no desenvolvimento, na ha-
bilitação ou na reabilitação física, mental e social do in-
divíduo. A musicoterapia propõe ao cliente ou paciente
um envolvimento num processo musical criativo (fazer
música), que seja significativo, do qual o impulsiona a
participar, sem que seja necessário conhecimento pré-

[ 89 ]
vio de música ou habilidade em executar um instrumen-
to musical.
As experiências musicais, em ambiente terapêutico
são estruturadas para dar forma às vivências pessoais,
conforme o percurso idealizado pelo musicoterapeuta:
através da criação, o musicoterapeuta favorece a cria-
ção real de uma ideia musical; na recriação, se utiliza
uma música existente com algumas modificações de
letra, harmonia ou melodia; na improvisação, a criação
da música é em tempo real, assumindo modificações
momento a momento; e a audição, é a capacidade de
captar e perceber os estímulos sonoros.
As improvisações musicais são utilizadas como
facilitadoras de comunicação, nas quais se estimula
também a expressão de emoções e sentimentos. Vale
dizer que algumas abordagens da musicoterapia (cria-
tiva, plurimodal, musico centrada) utilizam estas como
norteadora para aplicação de sua prática. Assim, a im-
provisação musical é vista como um caminho facilitador
de trocas e experiências musicais, na qual o musicotera-
peuta e o paciente ou cliente constroem e criam possi-
bilidades musicais e criativas juntos. Para crianças, em
especifico, crianças com Transtorno do Espectro Autista
(TEA) o recurso apresenta resultados comprovados.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

MUSICOTERAPIA E CRIANÇAS COM TEA

Na década de 1940, nos Estados Unidos, surgiram


os primeiros musicoterapeutas que atendiam pessoas
com autismo. Foi escrito em 1964, o primeiro artigo so-
bre Musicoterapia e Autismo, por Paul Nordoff, um dos

[ 90 ]
criadores da abordagem criativa da musicoterapia. E
desde então, inúmeras são as publicações de pesquisas
sobre a eficácia da musicoterapia no tratamento autis-
mo.
No Brasil, os atendimentos com Musicoterapia para
pessoas com autismo já têm boa estruturação, e contri-
buem bastante para facilitar a comunicação com pes-
soas com TEA, pois aumentam sua capacidade de se ex-
pressar, diminuem comportamentos como: isolamento,
hiperatividade, autoagressividade, tensões emocionais,
dentre outros.
A musicoterapia consegue estimular e melhorar
os aspectos que estão prejudicados nas pessoas com
TEA, em especial a relações interpessoais. Além disso, a
musicoterapia promove: diminuição das crises compor-
tamentais, estimula a criatividade, trabalha o foco e a
atenção, aumenta as habilidades sociais, aquisição de
liberdade expressiva, melhora a comunicação, incentiva
a produção da fala e proporciona as crianças a vivência
de experiências musicais que são muito prazerosas. A
musicoterapia pode, também, agir sobre os elementos
que fazem a flexibilidade cognitiva, ou seja, alcançar de
forma direta e indiretamente uma das conquistas mais
nobres do desenvolvimento que são as funções executi-
vas. Que são funções que permitem a criação de estra-
tégias para a vida, que é uma grande dificuldade para a
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

pessoa com TEA.


Em 2020 a Musicoterapia foi reconhecida como um
tratamento baseado em evidência, ou seja, apresenta
resultados significativos e comprovados cientificamen-
te como eficaz para atender as pessoas com o diagnós-
tico de TEA.

[ 91 ]
13 O CUIDAR DA
ENFERMAGEM DA
CRIANÇA COM TEA
José Osivan Junior,
Bruna Shirley Lima Dantas

O cuidado integral ao ser humano é compreendido


em sua saúde física, social, biológica, psicológica e espi-
ritual. Neste contexto, a consulta de enfermagem per-
mite desenvolver e potencializar o autocuidado do indi-
víduo ou da família. A saúde da criança é acompanhada
através de um Programa de Puericultura que incluem
ações direcionadas ao crescimento, desenvolvimento e
prevenção de agravos à criança.
O atendimento de enfermagem no Conecta - Unida-
de de Assistência à Criança com Transtorno do Espectro
Autista (TEA) do Instituto da Primeira Infância - IPREDE
engloba alguns procedimentos, como a triagem inicial
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

de pacientes encaminhados pela atenção básica, classi-


ficação de risco de doenças infecto contagiosas, consul-
ta de enfermagem e ações de Educação e Saúde para as
crianças e seus familiares.

[ 93 ]
Os pacientes que são encaminhados semanalmente
pelas Unidades Básicas de Saúde passam pela triagem
inicial de enfermagem, onde se conhecerá de modo de-
talhado o histórico de antecedentes familiares, período
gestacional, parto e pós-parto e questões de saúde da
criança. Neste primeiro contato com a criança e a famí-
lia, o profissional favorece o estabelecimento de vínculo
positivo, repassando apoio e segurança. Ainda na tria-
gem o enfermeiro estará atento ao comportamento da
criança na consulta, em especial na sua forma de socia-
lização, comunicação expressiva, como brinca, presença
de movimentos repetitivos entre outros.
A classificação de risco ocorre para as crianças em
tratamento e consiste na avaliação de possíveis agravos
à saúde da criança, como processos infectocontagiosos,
febre, alterações respiratórias e dermatológicas, antes
do início dos atendimentos com a equipe multidiscipli-
nar, visando assim reduzir a possibilidade de contagio
entre os pacientes e terapeutas.
Outra prática, bem comum, que envolve a atividade
do enfermeiro no Conecta é a realização de Educação
em Saúde. Tem como objetivo o cuidar coletivo, atra-
vés desse método de trabalho em grupo são repassa-
das orientações sobre: práticas de higiene e cuidados
pessoais, prevenção e controle de doenças, questões
nutricionais, prevenção de acidentes domésticos e uso
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

e controle de medicamentos.

[ 94 ]
Uma das dúvidas frequentes dos pais, encontrada
nesta atividade, está relacionada a questão da seleti-
vidade e ou compulsão alimentar das crianças. Esse
quadro é muito comum em pacientes autistas. Consiste
na diminuição do apetite, comer de forma impulsiva ou
errada, recusa alimentar e desinteresse pelo alimento.
Pode ser transitória ou se estender por longos períodos.
Motivo das crianças com TEA estarem mais vulnerá-
veis a desnutrição, disfunção gastrointestinal, baixa
imunidade e até obesidade (erro alimentar e/ou uso de
medicações que podem causar alterações endócrinas e
metabólicas). As orientações relacionadas a questão ali-
mentar das crianças se referem: informações sobre a pi-
râmide alimentar e apoio emocional aos cuidadores, que
por muitas vezes relatam sentimento de tristeza pelo
padrão alimentar ineficaz dos filhos. Em casos mais di-
fíceis existe um trabalho em parceria com os outros pro-
fissionais da equipe, para uma abordagem integrada.
A correta utilização dos medicamentos é outro as-
sunto abordado na Educação em Saúde com orientações
sobre os cuidados com a medicação, tais como dosagem
certa, horário, interação medicamentosa, reações ad-
versas e conservação. Algumas medicações necessitam
de armazenamento sobe refrigeração. Os antipsicóticos
são uma classe de medicamentos comuns no tratamen-
to do autismo, tais medicações devem ser utilizadas de
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

forma criteriosa e controladas. O enfermeiro informa


aos pais sobre os cuidados na administração dos antip-
sicóticos nos filhos: a dosagem correta, o horário, não
finalizar o tratamento por conta própria, quadros de ce-

[ 95 ]
faleia, aumento de apetite e o risco de queda. As que-
das podem ocorrer pois esse tipo de medicamento em
alguns casos pode gerar uma hipotensão postural (fra-
queza muscular). Outro tema importante é a interação
medicamentosa, no caso os antipsicóticos não devem
ser administrados próximos a barbitúricos.
Conforme o Conselho Federal de Enfermagem (CO-
FEN) a consulta de enfermagem segue amparada pela
Resolução n. º 358/2009 no § 2º inciso quando realizada
em instituições prestadoras de serviços ambulatoriais
de saúde, domicílios, escolas, associações comunitárias,
entre outras. A consulta de enfermagem se desenvolve
em processo constituído por cinco etapas, sendo elas:
coleta de dados, diagnóstico, planejamento, implemen-
tação e avaliação do serviço de enfermagem.
A coleta de dados é realizada durante a entrevista
com os pais/cuidadores das crianças onde buscamos
conhecer sobre rotina alimentar da criança, acompa-
nhamento do calendário vacinal, verificação de peso e
altura correspondente à faixa etária, desenvolvimento
neuropsicomotor, saúde bucal, padrões de higiene entre
outros. Durante a entrevista é possível ainda observar a
vulnerabilidade social enfrentada pela criança e seu vín-
culo com o cuidador.
As informações fornecidas pelo cuidador mais as
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

obtidas através do exame físico e os conhecimentos


afeitos a enfermagem é atribuído um diagnóstico a
criança com TEA, relacionado a promoção da saúde, nu-
trição, eliminação e troca, percepção/cognição, papéis e
relacionamento, segurança e proteção. Para cada diag-
nóstico de enfermagem estabelecido é planejado um
cuidado especifico e individual.

[ 96 ]
Os diagnósticos de enfermagem mais encontrados
nos atendimentos no Conecta estão relacionados à di-
nâmica alimentar ineficaz da criança, caracterizado pela
ingestão frequente de alimentos de baixa qualidade;
déficit no autocuidado para a higiene íntima associada
à alteração cognitiva; dentição prejudicada associada à
sensibilidade oral, caracterizado por cáries dentais e ex-
cesso de placas. É muito importante que os pais/cuida-
dores estejam atentos e dispostos a seguir as recomen-
dações planejadas pelo enfermeiro, para tanto é preciso
fazer junto com os pais.
As condutas pensadas em conjunto, possuem sem-
pre, embasamento científico e compartilhadas com a
equipe multidisciplinar do Conecta. Tendo em vista a
melhora na qualidade de vida da criança com TEA au-
tismo e de sua família, bem como a evolução no seu
desenvolvimento. Após a orientação das famílias é rea-
lizado uma avaliação da intervenção proposta a fim de
averiguar se as metas traçadas foram alcançadas.
Portanto, a participação do enfermeiro como inte-
grante da equipe multidisciplinar no Conecta, contem-
pla uma visão ampla e holística da criança com TEA e
sua família; na oferta de cuidados e habilidades que
englobam os desafios diários de suas atividades. Tais
cuidados são organizados e aplicados de forma siste-
matizada respeitando a individualidade e a necessida-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

de de cada criança e família, respeitando seus valores


e crenças.

[ 97 ]
14 TIRA DÚVIDAS
DO BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA
- (BPC)
Fabiana Gomes de Castro,
Vanessa Alves do Nascimento.

Aqui estão selecionadas algumas das perguntas


mais frequentes que muitos pais/mães/cuidadores fa-
zem para compreender o Benefício de Prestação Con-
tinuada - BPC, regulamentado na Lei Orgânica de As-
sistência Social – LOAS, Nº 8.742, de 7 de dezembro de
1993. É um benefício assistencial que algumas pessoas
não sabem como solicitá-lo.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 99 ]
O que é o Benefício de Prestação
Continuada (BPC)?
O BPC é um benefício assistencial que consiste no
pagamento de um salário-mínimo (atualmente no va-
lor de R$ 1.100,00) mensal a pessoas com deficiência
ou com idade igual e acima de 65 anos, com doenças
incapacitantes para o trabalho ou comprovem não pos-
suir meios de prover a própria existência ou tê-la asse-
gurada por sua família.

Quais os documentos necessários


para realizar o pedido do BPC?
É necessário o laudo médico recente (data inferior
a um ano), indicando deficiência ou doenças incapaci-
dade OU INCAPACITANTES?; a inscrição no Cadastro
Único realizada no Centro de Referência da Assistên-
cia Social (CRAS); comprovante de endereço atualiza-
do; Carteira de Identidade (RG); CPF; comprovante de
renda dos requerentes (criança, adolescentes, adultos e
idosos) e das pessoas da família. Quando o requerente
for menor de 18 anos, é necessário o Termo de Tutela
da pessoa responsável pela a criança ou adolescente
junto ao INSS.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

O que fazer quando não tem a


inscrição no Cadastro Único?
O requerente que não possua o Cadastro Único deve
fazê-lo no CRAS da sua Regional.

[ 100 ]
Como pedir o BPC no INSS?
Há três formas de como fazer o requerimento do
INSS: atendimento presencial numa Agência da Previ-
dência Social; acesso pelo site ou aplicativo Meu INSS
ou pela Central 135 do INSS; a ligação é gratuita. Ob-
serve que o sistema vai confirmar seu cadastramento.

Qual a renda da família


para ter direito ao benefício?
A família precisa ter uma renda per capita (o dinhei-
ro do mês dividido pelo número de pessoas da família)
inferior a R$ 275,00 (1/4 do salário mínimo) por pessoa.
Quando a família se enquadra neste caso é considerada
de baixa renda e o requerente possui o direito ao BPC.

Quando ocorre a solicitação do


BPC, o INSS analisa a condição
socioeconômica da família
ou só do requerente?
O INSS vai cruzar as informações prestadas no re-
querimento com outras, presentes nos cadastros de
outro departamento. Ele verifica se existe registro de
benefício previdenciário e de emprego/renda do reque-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

rente ou de outras pessoas da família. Quando as infor-


mações estão contraditórias o INSS registra como pen-
dência de atualização cadastral. A pendência deve ser
resolvida em até 30 dias pelo requerente, caso passe o
prazo é necessário iniciar um novo processo.

[ 101 ]
Caso o pedido para concessão
do benefício for negado,
posso pedi-lo via Ação Judicial?
Sim. Você deve procurar um advogado na Defen-
soria Pública ou um de sua confiança, para entrar com
uma ação para rever a decisão do INSS.

O BPC pode ser recebido junto


com outros benefícios do INSS?
Não. O BPC não pode ser recebido com outro benefí-
cio pago pelo INSS (como, por exemplo, seguro desem-
prego, aposentadoria e/ou pensão).

É possível receber Bolsa Família


e BPC ao mesmo tempo?
Sim, mas para continuar recebendo o Bolsa Família,
é necessário que a família atenda ao critério de renda
deste Programa.

Como é feita a avaliação


médica e social?
As avaliações são agendadas pelo INSS e realizadas
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

pela Perícia Médica e Assistência Social do órgão.

[ 102 ]
Como saber se o BPC foi liberado?
Essa informação pode ser consultada por meio do
site ou do aplicativo Meu INSS, ou ligar para a Central
135. Além disso, o INSS envia uma carta ao requerente
para informar se o benefício foi concedido (liberado) ou
indeferido. A correspondência avisa quando e em qual
agência bancária a pessoa receberá o BPC, quando con-
cedido.

Quando o BPC é indeferido?


Quando o requerente não atendeu aos critérios
para receber o BPC; por motivo do falecimento duran-
te o processo ou pela falta atendidas as exigências de
comparecimento ao INSS e/ou apresentação de docu-
mentos.

Quanto tempo demora


para receber o BPC?
O valor estará liberado para saque, após 45 dias da
concessão do benefício.

Como é pago o BPC?


AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

O primeiro pagamento é feito presencialmente na

[ 103 ]
agencia bancária. Depois chega pelo Correio, o cartão
magnético para retirar nos caixas eletrônicos as outras
mensalidades. O cartão é gratuito e o beneficiário não
precisa comprar nenhum serviço ou produto do banco.
É possível também receber o pagamento do BPC por
meio de conta corrente ou conta poupança.

Quem recebe o BPC pode exercer


atividade remunerada?
Não. Caso o beneficiário comece a exercer alguma
atividade remunerada, o BPC é suspenso. Findo o con-
trato de trabalho ou de atividade remunerada é possível
voltar a receber o benefício. Para reativar o pagamen-
to, o beneficiário preenche o requerimento por meio do
site ou aplicativo Meu INSS ou telefona para a Central
135. Ele deve comprovar o encerramento do contrato
de trabalho ou da atividade que estava desenvolven-
do. Para o restabelecimento do pagamento do BPC, o
beneficiário com deficiência não será submetido à nova
avaliação no INSS, respeitando o período de revisão (de
2 em 2 anos). No caso de contrato de aprendizagem,
a pessoa com deficiência pode acumular com o paga-
mento do BPC por até 2 anos.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 104 ]
Como o beneficiário do BPC pede
desconto na conta de luz (Tarifa
Social de Energia Elétrica)?
O beneficiário do BPC ou um dos integrantes de
sua família deve procurar a companhia de energia
elétrica que atende a sua residência e fornecer as
seguintes informações: nome do beneficiário; número
do benefício (NB); CPF e documento de identificação
oficial com foto; e Código da Unidade Consumidora. O
desconto só vale para conta de luz residencial, seja ela
própria ou alugada.

O que é a revisão do BPC?


É a verificação a cada dois anos, pelo Governo
Federal, se o beneficiário mantém os critérios para
continuar recebendo o BPC. Para os beneficiários com
deficiência, é agendada nova avaliação médica e social
pelo INSS.

Se o requerente não tiver


documentos, ele pode dar
entrada no BPC?
Sim, desde que a informação consiga ser confirmada
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

pelo INSS. Mesmo que isso ocorra, o INSS pode pedir, a


qualquer tempo, os documentos originais.

[ 105 ]
Qual a diferença entre bloqueio e
suspensão do BPC?
O bloqueio é um procedimento que tem a intenção
de notificar o beneficiário sobre a necessidade de
atualização de informações. Ao entrar em contato
com o INSS, o beneficiário é notificado. A suspensão é
feita quando o beneficiário foi notificado e não fez aa
atualizações.

O que é cessação do BPC?


É o cancelamento do benefício no INSS.

Em caso de morte do beneficiário,


seus dependentes receberão pensão
por morte?
Não, pois o benefício termina após a morte do
beneficiário.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 106 ]
15 A FAMÍLIA DE
CRIANÇAS COM
TEA
Francisca Charlenny Freitas
de Oliveira

A família é a primeira instituição onde assume fun-


ções primordiais e de grande influência no processo de
desenvolvimento do ser humano. É nela que ocorre o
desenvolvimento de conhecimentos sobre diferentes
aspectos da vida e aprendizados além de fazer as es-
colhas adequadas às distintas situações do cotidiano
e isto também se aplica às famílias das pessoas com
algum transtorno do desenvolvimento. Os Transtornos
Globais do Desenvolvimento (TGDs) têm sido definidos
como uma síndrome, onde algumas áreas do desen-
volvimento são acometidas com severos comprome-
timentos invasivos, principalmente as que estão re-
lacionadas a habilidades de interação social recíproca,
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

habilidades de comunicação, e presença de comporta-


mentos, interesses e atividades estereotipadas.

[ 107 ]
[
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

108
]
O que percebemos é que a deficiência na criança
gera novas demandas para os membros da família,
dentre elas, maior tempo de dedicação a fim de propor-
cionar um ambiente familiar adequado para seu desen-
volvimento, a ausência de conhecimento, a presença de
muitos estigmas e vulnerabilidades dos pais impossibi-
litando o desenvolvimento de crianças com algum tipo
de transtorno, especialmente quando se refere-se ao
Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O TEA se refere aos transtornos antes chamados de
“autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de
Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atí-
pico, transtorno global do desenvolvimento sem outra
especificação, transtorno desintegrativo da infância e
transtorno de Asperger”.
Os indivíduos com TEA podem “apresentar uma
gama de sintomas comportamentais, incluindo tam-
bém desatenção, impulsividade, agressividade, com-
portamentos autodestrutivos e particularmente em
crianças mais jovens, bem como acessos de raiva”.
O impacto gerado pela chegada de uma criança com
algum tipo de transtorno na família provoca forte de-
sorganização na estabilidade familiar, já que todas as
expectativas foram quebradas com a perda do “bebê
perfeito”, gerando um sentimento de culpa ou até
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

“castigo”. Para que o filho venha a ser aceito e acolhido


faz-se necessário que a família, de forma geral, atra-
vesse esse momento de luto pelo filho idealizado.

[ 109 ]
A dificuldade que se apresenta nesse processo não
é fácil, porém necessária, oportunizando aos pais um
tempo indispensável para superar tal impacto. Em al-
guns casos, as reações e comportamentos iniciais são
passageiras e estabilizadoras, no entanto, para outros
podem perdurar por anos ou tornarem-se duradouros”.
Isso porque ainda existe a crença de que seu filho me-
lhore ou volte à normalidade em uma incessante busca
por uma milagrosa cura. Com o enfrentamento desse
período doloroso de luto do filho “ideal”, juntamente à
necessidade de adaptar-se à nova realidade, emergem
as expectativas diante do filho “real”, isto é, com defi-
ciência.
Nessa perspectiva temores e resistências quanto à
maneira que ocorrerá a comunicação de seu filho autis-
ta com os demais membros da sociedade, pois temem
as reações que seu filho possa ter, como: crise, grito,
choro, agressões verbais ou físicas e ainda agitação. Os
pais temem que esses comportamentos, possam vir à
exposição social e de vivenciar sentimentos de vergo-
nha, tristeza. Demonstra-se que ansiedade ou alívio
possam trazer prejuízos em suas relações a vislumbra-
rem que os pais receiam como ocorrerá a comunicação
do seu filho com o meio social.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 110 ]
Os pais precisam redefinir papeis, quem se respon-
sabilizará pelos cuidados ou se serão omissos diante
desta situação, temores e resistências quanto à manei-
ra que ocorrerá o cuidado com o filho autista tanto em
casa com os demais membros da família como também
com os demais membros da sociedade, pois temem
as reações que seu filho possa ter, como: crise, grito,
choro, agressões verbais ou físicas e ainda agitação. Os
pais temem que esses comportamentos, possam vir
à exposição social e de vivenciar sentimentos de ver-
gonha, tristeza. Porém consideramos que as famílias
têm potencial para serem bem-sucedidas, transpon-
do quaisquer desafios e/ou obstáculos, tornando-se a
rede de apoio no desenvolvimento do filho com TEA.
No contexto do autismo, a informação e o apoio
são pontos cruciais para melhorar o convivo familiar,
lembrando que a adaptação à mudança é um proces-
so geral e contínuo, sendo construído em conjunto pela
família, com vistas a uma melhor qualidade de vida.
Nesse contexto, a família assume um papel primor-
dial na educação do filho com TEA. É compreendida
como a primeira instância educativa, ou seja, “o núcleo
central do desenvolvimento global da criança”. Assim,
a responsabilidade de oferecer estímulos adequados no
cotidiano desse filho é bem maior, podendo assim, con-
tribuir de forma efetiva no processo cognitivo, social,
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

afetivo e emocional. Percebe-se que a forma de relacio-


namento dos pais varia conforme suas crenças e valo-
res que foram adquiridos ao longo do desenvolvimento
humano, de forma a interferir em todo o processo, po-
dendo valorizar ou até mesmo depreciar o investimen-
to na relação familiar.

[ 111 ]
Dessa forma, é imprescindível valorizar o papel da
família visando a responsabilidade de estimular as co-
nexões afetivas dos filhos com TEA, pois essas apre-
sentam mais dificuldades em serem sensíveis e res-
ponsivas aos afetos das pessoas de uma forma que se
sintam seguras e protegidas para um desenvolvimen-
to saudável. Desta forma, acreditamos no potencial
e valor da família nesse processo e que o mesmo seja
amplamente discutido para que possamos transformar
a sociedade em busca de uma inclusão plena visando
oferecer direitos, deveres, oportunidades, equidade e
uma melhor qualidade de vida para todos sem qualquer
tipo de discriminação.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 112 ]
16 TÁ NA HORA
DE BRINCAR
Ivelise Santos Muniz Gurgel,
Edda Araújo

O brincar é um desafio para pais e profissionais de-


vido a sua ampla variação de significados. Por vezes,
se pensa que é tudo o que se faz em tempo livre; em
outras circunstancias se pensa em lazer, recreação, ati-
vidade de diversão, jogo e brincadeira. Aqui considera-
remos o brincar como uma atividade que se apresenta
a partir de uma motivação interna, da criança, onde ela
não se preocupa com a finalidade de sua ação e sim
como a processa, realiza, sente. Portanto, é movida
pelo seu prazer na ação de brincar. É uma prática que
conduz a um mergulho em si, retirando-a da realidade
para alcançar o faz de conta. E por isso é, também, uma
ação livre de regras que possibilitam um envolvimento
ativo do brincante consigo mesmo e com o ambiente.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 113 ]
A maior e melhor característica do brincar estar em
oferecer a infância um desdobramento de conquistas
do desenvolvimento infantil que abrange muitos dos
aspectos que nos definem. Agrega experiências enri-
quecedoras para a inserção na cultura em que faz parte,
na conquista de autonomia e na interação de fatores
específicos da sua rotina em casa, na escola e na parti-
cipação social. Enfim, o brincar é para a criança, o que o
ar é para a nossa sobrevivência.
A criança depende do brincar para um desenvol-
vimento saudável de habilidades e competências que
viabilizam sua capacidade de explorar e atender as suas
expectativas de realização. No universo do brincante o
envolvimento da criança com o brincar promove a pos-
sibilidade de um desenvolvimento esperado, ou seja,
harmonioso e capaz de ser integrado a vida social e
suas necessidades. E é nessa harmonia que a infância
acontece, cheia de faz de conta, fantasias e situações
magicas multiplicando a capacidade de entender, se re-
lacionar e criar atribuições típicas do dia a dia.
Quando pensamos no desenvolvimento atípico,
diferente do esperado, buscamos compreender qual o
lugar do brincar nestas situações. A partir do que foi
dito sobre a relevância do brincar no desenvolvimento
infantil, crianças com caraterísticas comportamentais
diferentes podem ser brincantes? Independente de
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

quaisquer dificuldades a criança brinca? Como não con-


siderar o fato de que o brincar é tão fundamental como
o ar que se respira, logo, se a criança diferente existe
ela brinca. Ou seja, a oportunidade e o enriquecimen-
to das rotinas são indispensáveis para o ser brincante.
Independentemente de qualquer diagnóstico, situação
social, raça e credo a criança brinca.

[ 115 ]
A criança com Transtorno do Espectro Autista –
TEA com suas especificidades na relação com o outro,
ambiente e sociedade; e na comunicação social tam-
bém pode e deve brincar. Precisamos compreender e
adequar as ofertas do brincar que possam permitir ex-
ploração de objetos, conhecimento e desempenho fun-
cional para apreender sobre a atividade de brincar. Já
é de conhecimento acadêmico que a criança com TEA
aproveita melhor esta oferta se tiver um apoio de um
companheiro brincante (pai, mãe, irmãos e/ou cuida-
dor) mediando as brincadeiras, ou seja, alguém que
consiga ajudar nesse processo que intermedeia o ní-
vel de comprometimento do TEA com a capacidade de
brincar.
A dificuldade da criança com TEA em brincar está
relacionado ao nível de comprometimento dentro do
espectro, junto a isso, a mediação na medida certa.
Portanto, as particularidades do TEA não o impossibi-
litam de ser um brincante. Talvez, o termo que apon-
ta a imaginação do faz de conta típico do brincar não
alcance uma representação da imaginação esperada
como se encontra na criança com desenvolvimento tí-
pico. Todavia, nenhuma imaginação percebida é igual
a outra, ou seja, a criança com TEA não pode ter uma
representação da imaginação diferenciada ou mesmo
limitada quando comparada a outros? O limite pode ser
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

considerado outra característica, no entanto, sua moti-


vação em brincar deve ser mais importante.

[ 116 ]
A hierarquia do brincar existe para que compreen-
damos como acontece o desenrolar da conquista de
desenvolvimento do brincante. Mas, é uma referência
de compreensão do que acontece e não um enquadra-
mento da criança que brinca. Quero dizer que a criança
para brincar só precisa querer, ter motivação e oportu-
nidade para criar meios, limitados ou não, que se ajuste
ou não, mas que aconteçam em sua rotina diária, por-
tanto cabe a nós profissionais, familiares e/ou cuida-
dores ajustarmos meios e fins para que todas as crian-
ças brinquem.
O ambiente familiar é o espaço mais rico e contí-
nuo na vida de qualquer criança. O cuidar, alimentar,
banhar, higienizar e por fim o brincar preenche a vida
de qualquer criança de 0 a 3 anos. E são essas relações,
contatos e experiências que fazem de cada um de nós
sermos únicos. As primeiras relações serão facilita-
doras ou não da exploração da criança com o outro e
o ambiente. Ou seja, as primeiras oportunidades per-
mitirão, ou não, o desenvolvimento saudável de suas
competências. Quero mostrar que a família deve e pode
agir, influenciar e transformar o brincar de seus filhos.
Sentar no chão, explorar, experimentar, imaginar e criar
meios poderá modificar a realidade do desenvolvimen-
to infantil de uma criança.
Brincar é coisa séria, é uma medicação sem con-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

traindicações que auxiliam, ajustam e transformam o


desempenho da criança independente da sua condição
de nascimento. Algumas crianças respondem de forma
mais fácil e outras requerem meios, estratégias e ajus-
tes de construção de um ser brincante.

[ 117 ]
Você pode fazer seu ambiente fami-
liar ser atrativo para o brincante:
• O espaço para brincar, pode ser em qualquer am-
biente;
• Junte coisas coloridas, não cortantes ou muito pe-
quenas que tragam risco, para juntos imaginarem
o que fazer. Dar oportunidade a criança de fazer
dessas coisas, novas coisas, no uso de sua imagi-
nação;
• Faça junto com a criança: tintas, massinha, gelati-
na colorida, ou outros meios possíveis, para explo-
rar, colorir e expressar as percepções do meio e das
coisas no ambiente familiar e social (as receitas
podem ser acessadas na internet);
• Use do dia a dia o brincar de faz de conta. Estimule
a criança a fazer de conta que é a mãe da boneca, é
a professora, outro membro significante da família
(tio, avô). Eleja temas como passeios, filmes, revis-
tas que possam ser do interesse perceptivo da sua
criança.

TUDO EM CASA, DA ROTINA DA


CRIANÇA, PODE SER UM TEMA PARA
USAR A IMAGINAÇÃO E BRINCAR.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

BRINQUEDOS SÃO ÓTIMOS, MAS NÃO


INSUBSTITUÍVEIS!

[ 118 ]
17 O OLHAR DO
BRINCAR NO
AUTISMO
Maria Egisleny da Silva Camelo

O brincar é um fazer que está presente no período


da infância e por meio dele a criança faz descobertas
e estimula seus sentidos. Nas crianças com Transtor-
no do Espectro Autista (TEA), quando a integração das
informações sensoriais não ocorre de forma adequada,
os mesmos podem vir a ter dificuldades e limitações
para dar uma resposta adequada ao ambiente como
exemplo: crianças que parecem desajeitadas em ativi-
dades que requerem movimentos e atividades da vida
diária como vestir-se, alimentar-se ou segurar objetos.
As brincadeiras na infância exigem planejamento
motor onde requer ideação, planejamento e execução,
onde tarefas de imitação, aprender gestos irão gerar li-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

mitações e dificuldades.
O desenvolvimento infantil com bons resultados
dependerá dos estímulos adequados e o ato de brincar
incluso na rotina dos pais / cuidadores, mesmo com a
rotina muito comprometida, pouco tempo para brincar
faz-se necessário tal ato para um bom desempenho
neuropsicomotor.

[ 119 ]
As crianças necessitam de uma rotina saudável e
com muitas brincadeiras. É uma forma de livre expres-
são de sentimentos, desabafos, desejos e por meio do
brincar os pais/cuidadores irão observar ao longo do
desenvolvimento infantil se a criança está realizando
as etapas de maneira satisfatória em se tratando do
falar, deambular, gesticular, engatinhar, choro fácil, ir-
ritabilidade. No entanto, através do ato de brincar na
infância as mesmas irão simular fatos que ocorrem no
cotidiano, revelar situações vivenciadas que muitas ve-
zes não são saudáveis e sim tóxicas.
O Terapeuta Ocupacional faz uso do brincar para
estimular as crianças e tratar possíveis alterações do
seu desenvolvimento seja motor, cognitivo, sensorial
e psicossocial durante o tratamento de reabilitação. É
por meio da ludicidade que podemos proporcionar um
novo mundo de possibilidades, reforçando as capacida-
des adaptativas ao meio, estimulando funções que es-
tão com déficit e maximizar o desempenho através das
limitações. No ato de brincar as crianças vão se divertir
e fazer novas descobertas a sua maneira e com suas
capacidades específicas.
As crianças com TEA são únicas e temos o papel
fundamental de reforçar as potencialidades para novas
descobertas ao longo do seu desenvolvimento e futu-
ro, fazendo que cada um com suas especificidades te-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

nham a oportunidade de vivenciar e criar novos laços de


amor entre pais/cuidadores e sociedade, sensibilizando
a população a tratá-los com respeito e ofertar serviços
de qualidade que atendam as suas necessidades bási-
cas, priorizando a qualidade de vida e novas formas de
fazer, adaptar-se e acolher.

[ 121 ]
As crianças que têm a oportunidade de brincar ao
longo do desenvolvimento infantil irão tornar-se adul-
tos mais resilientes e preparados para o enfretamento
de situações adversas. Em um futuro próspero estarão
preparados para incentivar e propagar o ato de brincar
reforçando a sua importância ao relatarem os atos vi-
venciados e a diferença significativa para o desenvolvi-
mento infantil saudável.
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 122 ]
18 A BOLA É A
MINHA PAIXÃO
Aline Pereira

Quem nunca sonhou


em voar como um pássaro?
Ícaro foi um sonho que veio como um pássaro e pe-
netrou na vida de minha prima. Várias foram as tenta-
tivas e esperanças de uma gestação e através de lindo
voo, ele pousou.
Seu rostinho representou a materialização de um
amor, seu olhar penetrou em sua alma e sua pele negra
sensível foi envolta de um novo lar, assim foi descrito a
chegada de Ícaro.
O lar estava preparado, mas sua chegada fez o dia
ser abrilhantado com um grande esplendor. A notícia
de sua chegada foi repleta de alegria e de repente, a
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

família estava formada.


Como sua chegada foi paralela a de minha filha
Maria Eduarda, ele teve a oportunidade de receber lei-
te humano. O Leite Humano recebido foi através das
minhas doações ao Banco de Leite Humano da Mater-
nidade Escola.

[ 123 ]
O desmame representou uma diversidade de sen-
timentos e emoções, como felicidade, carinho, amor,
inspiração.
Era gratificante ajudar Márcia e proporcionar um
alimento saudável ao meu sobrinho. Foram meses de-
dicados a ele, mas a cada lembrança, um novo desper-
tar de sensações.
Era aniversário do Théo, um primo de Ícaro, quan-
do pude presenciar sua chegada. Sua entrada no sítio
foi uma explosão de energia e impulsos. Vê-lo entrar
e aos poucos se ambientar, despertou um olhar de ad-
miração.
Ele não se envolveu logo, mas ao visualizar a bola,
seu olhar transcendeu uma vibração de felicidade es-
pontânea. Ele foi ao encontro dela e por vários minutos,
o momento era só dele. Sua mãe comentou que era o
seu brincar, sua hiper-focalização, não havia outro brin-
car que lhe proporcionasse nada igual.
Sua interação social era comprometida, mas não
ofuscada com a presença da sua tão estimada bola. Ao
encontrar um parceiro, esse tornou-se um companhei-
ro confiável e fiel.
A memória dessa parceira ficara por um longo pe-
ríodo, pois após meses sem um encontro, a parceria era
tão espontânea e direcional. Naquele ambiente, agora
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

existia apenas seu parceiro e sua bola imersos em ricas


vivências.
Tudo a sua volta ficava em segundo plano. As con-
versas, as músicas, e as outras brincadeiras, que acon-
teciam simultaneamente, foram insuficientes para re-
direcionar sua atenção.

[ 125 ]
Chegando o momento de cantar parabéns, era pre-
ciso incentivar a interação social com as outras crian-
ças. Porém, seu corpo foi impactado com a dificuldade
de interromper sua brincadeira.
A interação social representava um ato avassala-
dor, deixando Ícaro inquieto e agitado. Ele tinha apenas
5 anos, tudo era muito novo e complexo. Todos ao redor
compreendiam aquele momento e admiravam o amor e
a enorme dedicação de seus pais.
Meu primo era um pai acolhedor e carinhoso, que
aconchegava a necessidade do filho para que o prazer
dele se mantivesse preservado.
Observava a troca de olhares e pequenas palavras, o
tocar de bola e o momento do gol eram celebrados com
um abraço. Abraços aconchegantes e por vezes, gritos
para comemorar o gol.
A falha de comunicação se transformava de uma
maneira discreta, pois eles sabiam o objetivo e o moti-
vo de estarem ali.

Que habilidade motora!


A vida passa por um novo despertar, por um olhar
diversificado, movimentos complexos e flexíveis. Ícaro,
com seus alcances e conquistas, era estimulado por vá-
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

rios profissionais, com a certeza de uma mãe que co-


nhecia a capacidade de ele ir cada vez mais além.
O amor é uma entrega com impactos a curto, médio
e longo prazo, onde Ícaro vivenciara deste o momento
de sua chegada.

[ 126 ]
Seu crescimento foi impulsionado de um maior
desenvolvimento na linguagem e na interação social.
Agora, não era apenas a bola, mas também sua autor-
regulação e sua autodeterminação para atividades cada
vez mais complexas, iniciara aulas de stand up paddle.
Foi um ano maravilhoso, dedicado a esse esporte que
para ele integrava uma outra brincadeira.

AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

[ 127 ]
Presidente
Sullivan Mota

Vice presidente
João Amaral

Diretora Secretária
Joana Clemente

Coordenadores Técnicos Científicos


Álvaro Leite
João Vicente Menescal

Coordenador do Acolhimento e Mediação


João Vicente Menescal

Coordenador do Programa Assistencial à Criança


José Osivan Júnior

Coordenador do Programa Assistencial à Mulher


João Victor Furtado

Coordenador Administrativo
André Rosado Henriques Pimentel
AUTISMO E PRIMEIRA INFÂNCIA

Coordenadores de Projetos Sociais


Rômulo Sérgio Meneses
Glória Marinho

Coordenadora da Comunicação
Juliana Barreto Praciano

Coordenadora do Conecta - IPREDE


Edda Araújo

[ 130 ]
O livro Autismo e Primeira Infância, organizado por
João Vicente Menescal e Edda Araújo, vem contribuir com os
Edda Araújo
conhecimentos sobre o autismo em vários aspecto, desde os
João Vicente Menescal
critérios clínicos, o papel do ambiente, o diagnóstico precoce,
ORGANIZADORES
a alimentação, a escola, a musicoterapia, a formação
do vínculo, os aspectos emocionais no luto, o cuidar na
enfermagem até questões práticas sobre o Benefício de
Prestação Continuada (BPC). Para finalizar, é contada uma
história de vida de uma criança com TEA, o que nos mostra
o quanto é importante a atenção nesse espectro.
João Amaral

INFÂNCIA
E A PRIMEIRA
A U T I S Mo
nescal
ES

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