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contra-almirante, ex-secretário da
Múcio Piragibe Ribeiro de Bakker
Comissão Interm inisterial para os Recursos
do M ar — CIRM, ex-coordenador do Programa
A ntá rtico Brasileiro. A tualm ente é diretor de
Hidrografia e Navegação da Marinha.
O uso do mar: um panorama histórico paz de fazer chegar aos destinos desejados, onde se
obtinham as mercadorias e os alimentos necessários
Os interesses iniciais: a navegação e a pesca à com plem entação das exigências da vida nas so
A Política Nacional para os Recursos do Mar, ciedades da época. Portulanos, cartas de marear, ro
é a expressão, no Brasil de hoje, de um processo, na teiros, bússola e astrolábio, foram expressão e resul
verdade, milenar. Refiro-me ao processo de intera tado dessa busca pragm ática de conhecim ento,
ção hom em -m eio am biente e, de m odo particular, mais orientada para a familiaridade imediata com a
à interação hom em -elem ento marinho. realidade oceânica do que propriam ente para atin
gir as causas que a determinavam.
Falar sobre o mar e seus recursos implica em
reviver esse processo, que se iniciou praticamente
com as atividades de navegação e de pesca, formas
A origem da oceanografia: navegação
naturais e quase instintivas de convívio e de aprovei e correntes marítimas
tam ento do mar, que se afigurava então, diante da
terra, com o via de com unicação e troca entre gru Dominadas as técnicas básicas da navegação
pos sociais, ao m esm o tem po que fonte suplem en oceânica e garantida a possibilidade de se chegar di
tar de alimentos. retamente aos pontos desejados, surgiu a preocu
pação em fazê-lo mais rapidamente, encurtando ro
Tais formas de uso do mar, entretanto, apesar tas e dim inuindo travessias. Procurou-se depois uti
de desenvolvidas durante séculos, levaram apenas lizar os fenômenos, não apenas evitando aqueles
a um conhecim ento aleatório do meio marinho e do que fossem perigosos, mas aproveitando seus efei
meio oceânico, então encarados com o mesmo grau tos quando favoráveis à navegação.
de curiosidade e m istério que cerca atualmente os
lim ites do Universo e definido, nas palavras de Hu Apareceram aí os prim eiros estudos mais d i
go Grotius (1583-1645), com o a "expressão do im en recionados para o que se chamaria hoje de pesqui
so, do infinito, lim itado apenas pelos céus, pai de to sa oceanográfica, isto é, aquela que visa o conheci
das as coisas e que realmente mais possui a Terra do m ento dos fenômenos e de sua m útua interação,
que é por ela possuído". mas sem perder de vista uma finalidade imediata;
no caso, o aum ento da rapidez das travessias oceâ
A navegação e suas necessidades foram os nicas. Por exemplo, a rapidez das travessias entre In
motores iniciais da busca sistemática de entendi glaterra e suas colônias na Am érica do Norte pôde
m ento do ambiente que, então, se começava a ex ser diminuída em cerca de quinze dias através do co
plorar. Não se buscava entender a grande m ecâni nhecimento da Corrente do Golfo, conhecim ento es
ca desse ambiente, mas apenas dele extrair os co te que foi possibilitado inicialm ente pelo fato de os
nhecim entos que perm itissem uma navegação ca pescadores de baleia acom panharem suas presas,
que normalmente se deslocavam nas bordas dessa segundo três aspectos principais que, aliás, carac
corrente. terizam a atuação brasileira quanto aos recursos do
mar: os recursos vivos, os recursos minerais e os
O conhecimento sistemático do mar: as energéticos.
expedições oceanográficas As perspectivas de utilização econômica de
tais recursos levaram, inclusive, a uma profunda al
0 nascimento da oceanografia, com o hoje é teração do quadro jurídico de uso do mar que, após
entendida, pode ser caracterizado pela expedição do inúmeras discussões, culm inou com a codificação
navio inglês "challenger", que deixou o território bri de uma nova lei do mar, consubstanciada na III Con
tânico em 21 de dezembro de 1872 e dem orou cer ferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
ca de três anos e meio em viagem de circunavega- (outubro de 1982).
ção, durante a qual realizou estações de pesquisa
que abrangiam não-somente a superfície do mar, Os recursos vivos: a pesca
mas tam bém a massa d'água subjacente e o solo
oceânico, daí resultando, inclusive, a descoberta dos e a maricultura
primeiros nódulos polimetálicos. Em um m undo que com porta hoje um milhão
Outras expedições oceanográficas se sucede de subalim entados e onde o espaço terrestre é pro
ram e as amostras recolhidas em estações, subsidia gressivamente ocupado, torna-se fácil entender a im
ram estudos voltados para o conhecim ento do mar portância do mar com o fonte de proteínas.
e suas possibilidades. Na realidade, o crescente conhecim ento do
A curiosidade científica, entretanto, adquiria o meio ambiente e do uso adequado dos m étodos de
caráter de motivação principal, em desfavor da abor captura fez com que o volume da pesca m undial tri
dagem pragmática que marcara os primeiros estu plicasse entre 1950 e 1968, passando de 21 para 63
dos sobre o mar. m ilhões de toneladas.
Julgava-se, entretanto, que a possibilidade de
As conseqüências econômicas contribuição do oceano para o balanço alimentar da
da oceanografia para fins militares humanidade fosse ilimitado. Um equívoco, pois, des
de o início da década de 70, a produção m undial de
A fase posterior à Segunda Guerra M undial e pescado vem aum entando m uito lentamente (em
a confrontação soviético-americana restauraram o 1980, o volum e total atingiu cerca de 70 m ilhões de
prim ado do pragm atism o no cam po da oceanogra toneladas), em grande parte devido ao declínio da
fia. Entretanto, tratava-se agora de finalidades m ili produção do Peru, que se havia transformado, a partir
tares, relativas principalm ente à guerra submarina e de 1957, no prim eiro produtor mundial.
às operações anti-submarino, suscitando rápidos Sabe-se que a determinação dos níveis ótimos
progressos no dom ínio da física e mais particular de captura exige o conhecim ento das diversas es
mente no seu ramo da acústica, essencial àqueles pécies marinhas, dos seus hábitos m igratórios e de
tipos de operação. O aparecimento dos submarinos sua reprodução, ao mesmo tem po que a diversifica
nucleares veio intensificar essa tendência do estu ção da pesca, através do uso de espécies ainda não
do e da exploração dos oceanos. aproveitadas normalmente, poderá representar não
No entanto, do próprio incremento da oceano só uma nova fonte para o increm ento da contribui
grafia para fins militares, resultou, no seu conteúdo, ção alimentar prestada pela atividade pesqueira mas,
sobretudo, uma maneira de perm itira reposição dos
uma visualização mais perfeita das potencialidades
econôm icas do mar e foi assim que, finalmente, no estoques mais procurados e subm etidos à pesca
início da década de 60, despontou o interesse pela predatória
possibilidade de exploração de seus recursos, pas A redução do desperdício seria outra maneira
sando o estudo dos oceanos a ter preferencialm en de concorrer para esse objetivo, através do aprovei
te uma finalidade nitidam ente econôm ica, a par dos tamento do refugo de peixes capturados e novamen
propósitos militares e científicos que já se encontra te devolvidos ao mar, pelo fato de serem pequenos
vam presentes e que continuam até hoje. ou porque pertencem a espécie de pequeno valor
comercial, embora aproveitáveis para a alimentação.
O mar como fonte de riquezas:
as possibilidades de hoje Também outras ações poderiam ser desenvol
vidas como, por exemplo, o incremento da pesca em
Os recursos do mar: seus aspectos principais
regiões ainda pouco exploradas, entre as quais figu-
As riquezas oceânicas podem ser c m grandes áreas do A tlântico Sul. A distância en
tre estas regiões e os grandes centros de consumo Apesar da maricultura representar, indubitavel
onera os investimentos dificultando a im plem enta mente, a solução futura para aum entar a oferta de
ção de tais ações. alim entos provenientes do mar, ela ainda será, pelo
m enos durante algum tempo, um com plem ento da
Além disso, parece residir na maricultura ou pesca extrativa, e o apelo do mar à criação de gran
aqüicultura, criação artificial de peixes e algas, a so
des frotas pesqueiras modernas ainda se fará presen
lução para aum entar substancialm ente a produção te, inclusive em relação às regiões antárticas, onde
dos recursos vivos dos oceanos, pois tal atividade
o “ krill" representa uma possibilidade alimentar, em
tenderia a substituir a pesca, do m esmo m odo que, constante pesquisa e avaliação pela com unidade
em terra, a criação extensiva ou intensiva substituiu científica internacional.
a caça, m udando totalmente as perspectivas da pro
dução de alimentos. Ressalte-se, finalmente, que o Atlântico Sul, so
bretudo na sua porção ocidental, era, em 1970, a área
Enfim, se em terra o homem desenvolveu pro de m aior potencial inexplorado de pesca (Ocean
cessos criativos para a utilização dás espécies ani Yearbook, 1978, p. 51) e essa situação não m udou
mais e vegetais para a sua alimentação, preservando- sensivelmente, a partir daquela data. Quem se refe
as da caça predatória e até alterando as suas carac re ao Atlântico Sul, também se refere ao Brasil e mais
terísticas primitivas, com vistas a aum entar a oferta ainda quando se trata da parte que lhe é contígua.
de alimentos, no mar, ele continuou caçador. As téc Reflexões dessa ordem pedem um posicionam en
nicas desenvolvidas visaram mais o aperfeiçoamen to dos brasileiros, aspecto que pretendo abordar ao
to dos m étodos de captura do pescado e o conhe final destas considerações.
cimento da ocasião mais oportuna economicamente
para fazê-la, do que propriam ente o estudo de pro
cessos que possibilitassem a criação no cativeiro de
Os recursos minerais: o petróleo, outros
determinadas espécies marinhas, preferidas para a minerais e os nódulos polimetálicos
alimentação humana, o que só recentemente vem
acontecendo. M algrado tais esforços, o hom em , no O petróleo
mar, mantém-se um predador, sem m aior preocupa
Se sempre foi grande e conhecida a possibili
ção preservacionista ou ecológica (para cada tone
dade de utilização da oferta alim entar proveniente
lada de camarão, pescada por um barco camaronei-
do oceano, é m uito mais recente e mais espetacu
ro, através da pesca do arrasto, forma predatória da
lar o crescim ento da produção mineral de origem
pesca, cerca de aproxim adam ente cinco toneladas marinha.
de peixes são d e v o lv id a s ao m ar e, p o rta n to ,
desperdiçadas). A produção de petróleo, provindo de poços
marítimos, quadruplicou entre 1960 e 1973, data em
Um intenso esforço de pesquisa e de preser que já representava 18% da produção m undial. A
vação de áreas costeiras é, porém, exigido para se partir de então e até 1979, essa participação passou
atingir os objetivos da maricultura, de m odo a que a 20% , embora tivesse havido um aum ento da or
se consiga, conform e estimativas existentes, dobrar dem de 50% na produção marítima.
a produção dos recursos vivos, m ediante o aprovei
tamento de apenas 10% da extensão do litoral apro No Brasil, entre 1970 e 1978, a produção marí
priado para essa atividade. tima de petróleo tornou-se quase cinco vezes maior,
passando de 8 milhões para 38,9 m ilhões de barris.
Além disso, a criação artificial de espécies ma Atualm ente, no mar, a produção brasileira de petró
rinhas, isto é, m aricultura, se propõe tam bém ao re leo já suplantou a produção em terra. Em uma pro
povoamento, com vistas à recomposição dos esto dução total, no ano de 1982, de cerca de 97 m ilhões
ques mais atingidos pela sobrepesca, preservando- de barris de petróleo, 46 milhões foram extraídos de
se assim a cadeia e c o ló g ic a e, p o r o u tro lado, poços terrestres e 51 m ilhões aproxim adam ente de
mantendo-se a oferta de alimentos. Paralelamente, poços m arítim os da plataforma continental.
isto implicará em sensível aum ento de oferta de em
A apreciação desses números faz entender os
pregos a curto prazo, com reflexos sociais e econô
m otivos pelos quais o petróleo se transform ou, em
micos altam ente positivos. curto prazo, no mais importante dentre os setores de
De outra parte, a implantação de tais projetos exploração dos oceanos. Nesse setor, o alto custo
da prospecção e exploração tem sido com pensado
levaria, naturalmente, ao controle de uso dos locais
onde eles seriam desenvolvidos, exercendo-se, por pela elevação dos preços e relativa escassez do pro
duto, em passado recente.
conseguinte, uma ação preventiva que evitaria con
seqüentemente toda sorte de atividade poluidora e Projeções feitas em 1980 indicam que o petró
predatória. leo se tornará um recurso progressivamente mais es-
casso e mais caro, incapaz de atender, por volta do ração e, atualmente, a França dispõe de uma usina
ano 2.000, à demanda de energia que dele se exigirá. m aremotriz importante, mas, ainda assim, o poten
cial energético das marés seria sempre complem en
Deve-se assinalar que a exploração de petró tar, e em pequena escala, às fontes de energia
leo em poços submarinos tem produzido grande in tradicionais.
crem ento da indústria m arítim a especializada na
construção de plataformas e no ramo de transporte Outros métodos de geração projetados, ainda
e apoio, constituindo um poderoso estímulo para as não foram colocados em uso, devido às dificuldades
atividades marítimas com o um todo. técnicas e custos envolvidos.