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PREFÁCIO

Nos primórdios da História, a tecnologia elementar da época não permitia que as grandes extensões
oceânicas fossem usadas em proveito das necessidades do homem e das sociedades organizadas.
Ainda assim, é digno de registro que algumas das antigas civilizações floresceram junto ao mar, cujas
águas costeiras e próximas uniam suas partes componentes e contribuíam para a dieta alimentar das
populações do litoral.

Com o passar dos séculos, a evolução tecnológica permitiu que o homem ampliasse o uso do mar,
merecendo destaque, por sua repercussão sobre o curso da história, o domínio das técnicas de
orientação e determinação da posição, o uso do vento como propulsor e a arquitetura naval da
epopeia dos descobrimentos. Nos séculos XIV a XVIII esses sucessos do engenho humano levaram os
europeus a todas as partes do mundo e, com a expansão do mercantilismo propiciada pelas
atividades dos povos marinheiros e comerciantes da Europa, subverteram a ordem feudal,
eliminaram os isolacionismos regionais e estimularam a criação dos estados nacionais, cuja vitalidade
foi renovada pelo liberalismo igualmente fundamentado no comércio marítimo.

A explosão tecnológica do século XIX e, sobretudo, do século XX, permitiu, por sua vez, um
incremento exponencial daquele comércio, incremento esse responsável pela viabilidade da
complexa vida econômica de nossos dias. Ela favoreceu também um extraordinário avanço na
exploração dos recursos marinhos, refletido particularmente na pesca hoje realizada em escala
industrial e mundial, bem como na extração de recursos do leito e subsolo do mar, destacando-se
entre eles o petróleo. Infere-se, portanto, que é crescente a importância do mar para a sustentação
dos valores que balizam o modo de vida ocidental, hoje disseminados por todo o mundo e absorvidos
pelas demais culturas.

O Brasil, sem deixar de ser um país continental, é também um país marítimo, aberto ao Atlântico por
mais de 4.000 milhas de costa e servido por um comércio externo realizado fundamentalmente
através do mar cerca de 95% do seu total e por uma extensa e importante cabotagem; ademais, é no
mar que temos encontrado, ao menos até agora, as mais promissoras reservas brasileiras de petróleo
e nossa pesca, embora ainda aquém das necessidades e possibilidades do País, já é uma atividade
que há muito perdeu sua antiga condição artesanal. Aliás, para bem caracterizar a maritimidade
brasileira, bastaria mencionar a enorme concentração econômica e demográfica ao longo do litoral,
fruto de um processo de desenvolvimento inexoravelmente vinculado ao mar.

É natural, portanto, que a Marinha de Guerra, componente marítima de nosso poder militar e
componente militar de nosso poder marítimo - poder esse que abarca também a Marinha Mercante
e seus portos, a indústria naval, a frota e a indústria de pesca e os demais elementos de exploração e
exploração dos recursos marinhos - se preocupe com a formação de uma ampla mentalidade
marítima, capaz de criar condições favoráveis para a consecução dos objetivos nacionais relacionados
com o mar.

O livro "História Marítima", do Vice-Almirante João Carlos Gonçalves Caminha, ora apresentado ao
público leitor, foi considerado pela Marinha como sendo um bom instrumento para divulgar o
importante papel exercido pelo mar, tanto ao longo da história da humanidade, como no conturbado
mundo contemporâneo. Em complemento, este livro expõe algumas excelentes considerações sobre
a inserção do Brasil no cenário marítimo em que ele se situa, procurando extrair e mostrar
ensinamentos úteis para orientar nossa conduta em relação ao mar.

Assim, aproveitando a oportunidade oferecida pela BIBLIEX, à qual agradeço como Ministro da
Marinha e brasileiro consciente do valor do mar para o Brasil, autorizei, com satisfação e empenho, a
publicação da "História Marítima", do Almirante Caminha, sob os auspícios daquela Editora e do
Serviço de Documentação Geral da Marinha, desejando que o livro venha a ser lido por muitos
brasileiros que se preocupam com o destino do nosso país. Estou certo de que sua leitura ajudará a
expandir a mentalidade marítima a que me referi anteriormente, gerando, em consequência, melhor
compreensão e mais apoio para as nossas Marinhas de Guerra e Mercante, nosso sistema portuário,
nossa indústria naval e de pesca e demais atividades que se relacionam com o mar, em proveito da
segurança e bem-estar do povo brasileiro.

Ao Almirante Caminha, antigo e respeitado marinheiro, com méritos conquistados no mar e no


campo da cultura e das ideias, apresento meus cumprimentos por este serviço, que se soma aos
muitos por ele prestados à sua Marinha e à sua Pátria.

INTRODUÇÃO

O atraso do Brasil no setor marítimo, caracterizado materialmente pela precariedade e ineficiência de


sua frota de comércio, pela descontínua evolução da marinha de guerra e pela pouca importância da
pesca, convida a uma investigação ampla que vise a esclarecer suas causas principais. Não se pode
negar, paralelamente, a existência de uma profunda indiferença nacional pelos assuntos relacionados
com o mar. Tanto mais grave é o referido indiferentismo por não se restringir ele às populações
afastadas no litoral nem constituir apanágio de certas classes; é ele praticamente geral. A não ser um
ou outro estudioso isolado, poucos são os brasileiros, que se têm verdadeiramente preocupado com
a importância das comunicações marítimas na vida econômica da nação ou na preservação de sua
unidade política; rara é a vez em que tais assuntos são tratados objetivamente pela imprensa; raras,
também são as vozes que se fazem escutar no cenário nacional para abordar problemas dessa
natureza. Um estranho silêncio, uma grande indiferença, um conformismo nocivo cercam os assuntos
marítimos. Não é assim sem razão que se afirma frequentemente carecer o povo brasileiro de
mentalidade marítima. Nunca será demais, portanto, cooperar na procura das razões do atraso
marítimo do país e das causas que têm mantido o povo brasileiro alheio às possibilidades ilimitadas
oferecidas pelos empreendimentos oceânicos.

Dado o propósito em vista, surge a conveniência em se tentar reconhecer preliminarmente as razões


que através dos séculos têm levado frações da humanidade em busca dos mares. Não se
pretendendo partir de premissas estabelecidas, tornou-se indispensável o exame da história, pois só
al é lícito buscar-se em primeira aproximação as componentes orientadoras dos destinos dos povos.
Porém como afirmou Charles Seignobos os historiadores tendem a se especializar num ramo de
estudo e por conseguinte são tentados a procurar a explicação dos fenômenos apenas no ramo da
história em que se especializaram (história política, econômica, história das religiões, das instituições,
das artes); ou então eles se restringem a um só país e procuram nos mesmos todas as razões do ser
dos acontecimentos desse país.

Destarte em vez de se investigar apenas a história do Brasil, primeiramente delineou-se a evolução


marítima das nações, que mais se distinguiram nos oceanos para em seguida tirarem-se as
conclusões necessárias à compreensão do caso particular brasileiro. Nessa ordem de ideias o
presente trabalho foi dividido em 3 partes: A evolução marítima das nações que mais se têm
distinguido nas atividades oceânicas, fatores do desenvolvimento marítimo e aspectos da evolução
marítima do Brasil.

Convém frisar que, na parte inicial, as evoluções marítimas foram consideradas apenas nas suas
linhas principais. Não houve intenção de se proceder a uma reconstituição em detalhe da história
marítima de cada nação, Isso fugiria ao propósito almejado e daria ao estudo dimensões por demais
avantajadas. Não importa aqui a precisão acerca de cada acontecimento que constitui a evolução
marítima de uma nação, nem o estudo pormenorizado das circunstâncias em que se processaram.
Também não caberia a análise da personalidade dos vultos que se destacaram na história naval de
suas pátrias. Procedendo-se de modo contrário, o estudo correria o risco de se perder num
emaranhado de casos particulares resultantes de um sem número de acasos. A seleção, e em seguida
a justaposição de trechos retirados de um número razoável de estudos, obras e memórias foram
suficientes para armar um quadro bastante fiel nas linhas mestras das várias evoluções marítimas. A
continuidade na exposição logicamente sofreu com o intercalamento de trechos sucessivos de
autores com estilos diferentes porém optou-se pela transcrição dos mesmos, sempre que possível, a
fim de se permanecer mais próximo ao pensamento dos vários autores. Comparar e interpretar a
massa de fatos históricos na parte inicial, segundo um critério senão, preciso, pelo menos lógico, para
depois formular conclusões, hipóteses, foi o trabalho intentado na segunda parte.

De posse, enfim, dos elementos que a investigação procedida indicou serem os preponderantes no
desenvolvimento marítimo, analisou-se na parte final a influência de cada um deles na evolução
marítima do Brasil.

Pelo exposto acima, bem se vê, o presente trabalho é basicamente uma síntese baseada noutras
sínteses. Como tal, suas conclusões não são mais do que hipóteses sujeitas a ratificações ou
retificações de pesquisas posteriores conduzidas mais a fundo, pois toda a síntese é provisória.

Finalizando, convém salientar que não se buscou aqui a originalidade nem se pretendeu revelar algo
novo. Também não se teve a pretensão de ter dado a derradeira palavra sobre o assunto. A matéria é
por demais vasta, as fontes de consulta foram em pequeno número e outras investigações
procedidas, seguindo métodos diferentes do adotado, talvez conduzam a resultados outros. Assim,
apenas como provisórias, devem ser aceitas as afirmativas feitas no presente trabalho.

5 - ROMA

Origem rural do Estado Romano. A pouca importância do comércio nos tempos primitivos. A ascensão
de Roma pela guerra. Consequências econômicas e sociais. A posse do litoral italiano. Guerra contra
Cartago. Nascimento do poderio naval romano. A aparição do espirito mercantil. Recrudescimento do
imperialismo romano. A decadência da agricultura na Itália e a importação de cereais. A ação dos
piratas. Restauração da Marinha romana. Sua importância nas guerras civis.

Na segunda metade do século V A.C., Roma era ainda uma república aristocrática de camponeses. A
maior parte das famílias possuía um pequeno campo, e pais e filhos, habitando juntos pequenas
cabanas, o cultivavam quase inteiramente com trigais, deixando uma pequena parte para fazê-lo com
parreiras e oliveiras. Suas habitações eram pequenas e de aspecto pobre, sua alimentação era frugal,
as vestimentas muito simples. Possuíam poucos metais preciosos e faziam quase tudo em casa,
inclusive o pão e as vestimentas para os escravos e as mulheres. Assim, o que Roma comprava no
exterior era pouco. Exportava poucas mercadorias: madeira para a construção de navios e sal.

Reunindo ao seu redor, numa confederação, as pequenas repúblicas rurais, nas quais o povo falava a
mesma língua latina, Roma pôde elevar-se pouco a pouco acima das outras repúblicas da Itália.

Na segunda metade do quinto século e nas primeiras décadas do quarto século A.C., Roma
combateu, à cabeça da confederação latina, os oscos, volscos e etruscos numa série de guerras que
lhe permitiram estabelecer quatro novas tribos no seu território aumentado. Fortificada por esses
primeiros sucessos, Roma foi, em seguida, levada a guerrear durante o fim do quarto século e a
primeira metade do terceiro os sanitas, os etruscos, os sabinos, os membros rebeldes da
confederação latina, os gauleses da costa do Adriático e as milícias gregas de Pirro vindas de Taranto.
Roma adquiriu, em suma, nessas guerras a alta soberania sobre toda a Itália. Mais importante,
porém, que as consequências políticas foram as consequências econômicas e sociais dessas guerras.
A posse de uma linha da costa, desenvolvida como a que circunda a península, desde a foz do Arno,
no mar Tirreno, até o litoral de Umbria, passando pelo estreito de Messina, dobrou a importância do
Estado romano como potência marítima que substituiu a dos etruscos e a dos gregos e que deveria
bem cedo entrar em luta com a de Cartago. Os romanos, a partir de então, passaram a participar do
comércio do mundo e a procurar os refinamentos da civilização helênica melhor conhecida por causa
das trocas mais frequentes com as colônias gregas da Itália meridional.

O contato com o mar e a posse de vários portos trouxeram para Roma a necessidade de possuir uma
frota mercante. Datam dessa época vários tratados firmados entre Roma e Cartago e as colônias
gregas acerca das zonas de navegação para os respectivos navios. Os navios romanos já singravam,
portanto, o mar Tirreno e cruzavam o estreito de Messina. Mas esse enriquecimento não
enfraqueceu absolutamente as tradições e não foi seguido imediatamente de uma mudança de
costumes. Submetida à proteção de uma nobreza que defendia os antigos costumes rústicos, a plebe
guardou também os hábitos ancestrais, permanecendo uma plebe valente e fecunda de camponeses.
No quarto e no terceiro séculos A.C., Roma pôde espalhar na Itália não somente sua influência e suas
leis, mas também sua raça e sua língua. A criação de colônias reafirmou o caráter agrícola da política
de Roma. No decorrer desse período, com efeito, o Estado esforçou-se por criar uma base econômica
essencialmente terrestre, fundada na pequena propriedade rural, com o fito de assegurar a
existência de uma massa demográfica de tendências conservadoras das quais, ao mesmo tempo, as
necessidades mais imediatas fossem satisfeitas. A massa camponesa prestava-se tanto às fadigas da
vida do campo como às dos deveres militares; o soldo de guerra e os donativos dos generais após a
vitória eram para eles um lucro ajuntado ao da terra, e a guerra uma indústria complementar da
agricultura. Foi com esses camponeses, que eram ao mesmo tempo soldados, que a nobreza romana
pôde vencer uma primeira vez Cartago, a grande potência mercantil, cuja expansão comercial acabou
por vir chocar-se com a expansão militar e agrícola de Roma.

Cartago, rica por seu comércio, dispondo de uma frota poderosa e dona das três grandes ilhas
itálicas, foi o inimigo mais terrível que Roma teve em toda a sua história. A primeira guerra Púnica
durou cerca de vinte e três anos (264-241 A.C.) e se desenrolou quase toda na Sicília. Os romanos
alcançaram em terra sucessivos êxitos nos anos iniciais do conflito, ocupando uma série de praças
fortes inimigas, como os cartagineses, donos do mar, reconquistavam facilmente as cidades costeiras.
Bem cedo os romanos compreenderam que era impossível conquistar e conservar a Sicília, a costa e
as cidades contra a frota cartaginesa, sem terem navios para se opor.

Uma galera cartaginesa naufragada serviu de modelo copiar, e as encostas dos Apeninos forneceram
a madeira necessária. Sessenta dias foram suficientes para serem construídos cento e trinta navios de
madeira verde e as guarnições serem treinadas na manobra. A fim de neutralizar a habilidade
superior dos adversários, foram inventados os "corvos", espécie de pontes com grampos, os quais
reduziam a luta a combates corpo a corpo como em terra firme. Assim se conta a história miraculosa,
mas é mais provável que os romanos também tenham recebido uma esquadra de Hieron, poderoso
no mar e desejoso de conservar seus domínios na Sicília. Seja como for, o Cônsul Duilio alcançou
perto de Lipari a primeira vitória marítima. Feriram-se nos anos seguintes várias batalhas navais, tais
como as de Mile, Cnemo, Trepano e Egatas, em que a vitória favoreceu em geral aos romanos.
Segundo os historiadores antigos, em alguns desses encontros havia mais de trezentos navios
combatendo de cada lado e ambas as facções sofreram perdas prodigiosas. Durante a Primeira
Guerra Púnica só do lado romano, não menos de setecentas quinquirremes teriam sido afundadas,
quer em batalhas, quer em tempestades.

Foi assim que, realizando talvez a melhor obra de toda a sua grandiosa história, o povo romano,
eminentemente ligado à terra, dedicado à agricultura e à vida pastoril, criou uma força naval, tão
bem organizada, armada e comandada, que conquistou, em pouco tempo, o domínio do mar da
Sicília e obrigou Anibal (na Segunda Guerra Púnica) a dar a longa volta pela Espanha e pela Gália para
chegar à Itália.

No fim da Primeira Guerra Púnica, Roma procurou instalar-se por sua vez no além-mar. A política
econômica do Estado romano afastou-se do seu fim tradicional e adotou novas diretrizes. Com essa
guerra começou uma nova história de Roma e do mundo, sobretudo porque acarretou na Itália o
aparecimento da era mercantil na antiga sociedade agrícola, aristocrática e guerreira. Com a
conquista da Sicília, o comércio dessa ilha, pelo qual muito azeite e cereais eram exportados, passou
dos cartagineses para os mercadores italianos e romanos, aumentando-lhes o número e a riqueza.
A aristocracia romana, que não tinha até então desejado possuir senão terras, começou também a
imitar a nobreza cartaginesa que ela havia vencido e que se compunha de negociantes. Também ela
começou a tentar especulações, a colocar no mar pequenas flotilhas, a fazer negócios com as
exportações da Sicília e a viver no luxo. Muitos romanos e italianos, que tinham visitado os países
estrangeiros como soldados ou fornecedores dos exércitos e que tinham avaliado suas possibilidades,
foram induzidos ao comércio pela abundância de capital, pelo consumo crescente de produtos
asiáticos na Itália e pelo poder de Roma no Mediterrâneo. Muitos deles venderam os campos de seus
pais e compraram um navio. Construíram-se muitos pequenos estaleiros na costa italiana, e as
florestas públicas da Sila, de onde se retirava a resina para os navios, foram alugadas por grandes
somas. Não houve membro da nobreza senatorial que não participasse dos ganhos do comércio
marítimo, emprestando aos cidadãos romanos ou aos libertos os capitais necessários às suas
empresas; à expansão militar sucedeu a expansão mercantil.

Roma cessou de ser a capital de um povo essencialmente agrícola em que a riqueza era fundada
principalmente na propriedade rural e nos recursos agrícolas. Tornou-se a aglomeração tumultuosa
onde a indústria, o comércio, o tráfico e o dinheiro adquiriram uma importância antes desconhecida.
Dessa lenta decomposição de uma sociedade guerreira, agrícola e aristocrática, começada quando
Roma já tinha conquistado a hegemonia militar no Mediterrâneo, nasceu o que se pode chamar o
verdadeiro imperialismo romano. Essa política foi inaugurada pela terceira declaração de guerra a
Cartago (149 A.C.) e pela conquista da Macedônia e da Grécia. Após uma pérfida declaração de
guerra, depois de vergonhosas derrotas, depois de muitos esforços e de três anos de guerra, Cartago
foi incendiada por Cipião Emiliano, e seu comércio passou para as mãos dos mercadores romanos.

A vitória sobre Cartago fez Roma senhora do Mediterrâneo Ocidental. A conquista da Grécia, a
derrota dos soberanos orientais Antíocus, Mitridate e mais tarde Cleopatra asseguraram sua
hegemonia nos mares orientais. Entrementes, a profunda mudança operada na estrutura social e
econômica da Itália colocou a população na dependência estreita das comunicações marítimas.

A cultura de cereais, a qual durante tanto tempo se tinham, sobretudo, consagrado os camponeses
italianos, caiu cada vez mais em decadência. Não sendo a produção local bastante copiosa para
atender a todas as exigências, foi necessário procurar fora do Lácio o suprimento de farinha
indispensável à alimentação das cidades. A anexação ao Estado romano da Sicília, da Sardenha e,
mais tarde, dos territórios de Cartago, da Ásia Menor, e enfim do Egito favoreceu uma importação
considerável de cereais feita através dos portos da foz do rio Tibre. Calcula-se que nessa época Roma
importasse 20 milhões de bushels de trigo do Egito e de outras partes da África.

Considerando que a viagem de Alexandria a Óstia levava em média 25 dias e que cada libúrnia
transportava no máximo 250 toneladas, bem se pode avaliar o número elevado de navios para
atender a tal importação. Após a destruição de Cartago, as esquadras reais do mundo grego não
causando mais nenhum alarma, Roma pôde acreditar estar senhora incontestável de toda a extensão
do mar Interior e foi apenas a grande república móvel dos piratas que pôs em atividade os estaleiros
navais. A nascença mesmo do poderio dos piratas prova a que ponto Roma julgava-se segura em
todas as áreas do Mediterrâneo. Exagerando sua quietude, não vendo nenhum Estado cuja Marinha a
pudesse ameaçar, não tendo a considerar senão os corsários habituais, o Governo senatorial tinha,
por incúria, deixado suas frotas ao abandono. Então os bandidos da Cilicia e da Fenícia entraram em
ação, pondo a saque numerosas circulares costeiras, aproveitando as ocasiões propiciadas por
qualquer grave conflito, como o da guerra contra Mitridate. Os piratas dispunham de arsenais,
portos, vigias, remadores e pilotos hábeis, além de navios de todas as espécies, tão bons quanto
temíveis.

O comércio romano experimentou dificuldades crescentes. Em particular, os comboios de trigo, tão


indispensáveis à Itália, foram quase paralisados pela ação dos piratas. Face ao perigo, a Marinha
romana foi restaurada em regime de urgência, e Pompeu teve à sua disposição 500 navios, 120.000
homens, todos os recursos do tesouro nacional, conforme sua solicitação, e até o Comando de todas
as margens até 70 km para o interior, a fim de combater os piratas nas suas bases. Uma guerra curta
mas violenta libertou o Mediterrâneo da ameaça pirata, permanecendo apenas remanescentes dos
antigos ladrões dos mares em regiões afastadas.

Nos anos que se seguiram, a Marinha romana desempenhou papel saliente nos acontecimentos. Em
todas as guerras civis do fim da República, a vitória pertenceu aos que se deslocavam mais facilmente
e mais rapidamente de um extremo ao outro do Mediterrâneo. Foi essa uma das grandes vantagens
com que contou Cesar. A posse de forças navais importantes permitiu ao Sexto Pompeu realizar
operações perigosas contra o Triunvirato, mesmo próximo à Itália, as quais só não foram decisivas
devido à perseverança de Otávio e aos talentos de Agripa. Enfim, a luta suprema, que presidiu e
fundou o regime imperial, foi decidida por uma batalha no mar, a que se realizou em Acio, entre as
esquadras de Otávio e de António.

Augusto não fechou os olhos às lições dos acontecimentos. Logo que outros cuidados o permitiram,
estabeleceu esquadras permanentes, tanto para consolidar seu poder como para garantir os
comboios de trigo necessários à alimentação da Itália. Na época de Augusto, as principais esquadras
romanas tinham base em Ravenna e Misenum. Havia, além do male, espalhados pelo Império,
esquadrões em Forum Julei, Bocas do Orontes, Alexandria, Parpathus (entre Creta e Rodes), Aquiléia
(mar Adriático), no mar Negro e na Grã-Bretanha. Flotilhas fluviais estacionavam no Reno, no
Danúbio e até no Eufrates. Devido aos duradouros distúrbios civis, a pirataria tornou-se uma
atividade esporádica; muitos desses bandidos, dálmatas ou sicilianos, alistaram-se no serviço do
Império, e a segurança do mar foi restabelecida e não foi perturbada durante dois séculos, salvo em
certas partes do Eurinn (mar Negro), onde Roma tinha poucos interesses.

O controle do Mediterrâneo (Mare Nostrum) permitiu a Roma dispor durante séculos de uma grande
rota central entre suas províncias e, transportando suas legiões por essa via, realizar concentrações
de forças, rápidas para a época, nos pontos mais importantes. As rotas marítimas favoreceram,
portanto, os deslocamentos estratégicos, que, por seu turno, asseguravam a grandeza e o poderio de
Roma. Durante todo o decurso das guerras da República e do Império, a possibilidade de apoio no
mar constituiu um fator de segurança e de recursos importantes, enquanto as dificuldades eram
maiores nas regiões periféricas afastadas das costas, onde as comunicações eram mais penosas e
vulneráveis.

A evolução de Roma, tal como a do Egito, mostra a importância crescente do Mediterrâneo na


história de um povo que se desenvolveu originalmente longe dos mares, mas que por fim ficou na
estreita dependência, sob o ponto de vista econômico, militar e político, das rotas marítimas.

6 – VIKINGS
Habitat do povo viking. Razões das investidas dos nórdicos para o mar. Caminhos gerais seguidos
pelas expedições vikings. Natureza depredadora dessas expedições. Ocupação de territórios nas Ilhas
Britânicas e no Império Carolíngio. Assimilação dos vikings.

Embora viking signifique guerreiro, os vikings eram um povo das enseadas abundantes tanto na
Dinamarca, país de planícies arenosas, através das quais se desenhavam tortuosos canais marítimos,
como na Noruega, pátria dos fjords, gargantas escarpadas que levam as ondas até o coração dos
montes, em alguns pontos por centenas de milhas. Aqui e além, ao longo do curso sinuoso desses
fjords, um pedaço de terra fértil entre o precipício e o estuário dava lugar a campos de trigo e a um
grupo de casinhas de madeira. Próximo, uma encosta alcantilada trazia a espessa floresta até a borda
da água, atraindo o lenhador e o construtor de barcos. Ao cimo de tudo, os cordões nus das
montanhas erguiam-se até os campos gelados e os cumes glaciais, dividindo os povoados dos fjords
uns dos outros, como pequeninos reinos, atrasando por séculos a união política da Noruega e
lançando os habitantes, intrépidos para o mar, em busca de alimento e de fortuna. Traficantes de
peles, caçadores de baleias, pescadores, mercadores, piratas e ao mesmo tempo assíduos
cultivadores do solo, os escandinavos tinham sempre constituído um povo anfíbio. Desde que
ocuparam a sua terra, em data indeterminada da Idade da Pedra, o mar fora sempre o seu caminho
de povoado para povoado e o único elo de comunicação com o mundo exterior. Até o fim do século
VIII, a área da pirataria dos vikings confinara-se principalmente às costas do Báltico. Tinham-se
contentado eles em se saquearem reciprocamente e aos vizinhos mais próximos, mas no tempo dos
romanos, ao que parece, já infestavam as costas da Gália Belga e da Bretanha. Ao que consta, só na
época de Carlos Magno começaram a atravessar o oceano e a atacar os países cristãos do Ocidente.
Foram precisos séculos de experiências e sem dúvida inúmeros naufrágios para que os vikings
aprendessem a conhecer as etapas e as épocas favoráveis. Pouco a pouco eles aprenderam a passar
de ilha em ilha aproveitando o bom tempo e a construir navios maiores.

Desde o fim do século VIII ou do começo do IX, quando seus exércitos e suas frotas aumentaram em
número e em importância, as expedições vikings alongaram-se. Essas expedições regularizaram-se
em seguida, cada burgo fornecendo um número determinado de navios. O sucesso das primeiras
expedições de grande envergadura e o superpovoamento relativo do Norte contribuíram assim, em
grande medida, para arrancar homens de seus lares, particularmente em certas regiões, como as
Ilhas dinamarquesas, onde, por força de lei, uma parte do povo devia emigrar desde que o
superpovoamento se acentuasse. A fome, depois de uma má colheita nesses climas inóspitos, por
vezes, lançava povoados inteiros em busca de novas terras, pois os homens do Norte sentiam a falta
de águas piscosas e de terras abundantes e caça. O caminho dos cisnes, como cantavam em suas
canções, fornecia-lhes o que recusava a terra mal cultivada ou estéril ou a pesca insuficiente para
remediar a fome. Tornando-se mais audaciosos nas suas navegações, empreenderam viagens que
mesmo depois da agulha magnética foram apenas renovadas. Foram três as rotas básicas
escandinavas durante a era viking. Primeiro, a rota oriental, seguida principalmente pelos suecos, que
penetraram no coração dos territórios eslavos, até Novgorod e Kiew, fundando o primeiro Estado
russo e daí descendo pelo Dnieper abaixo para atravessar o mar Negro e importunar as muralhas de
Constantinopla. As outras duas rotas desenhavam-se ao Ocidente. Havia a rota seguida
principalmente pelos noruegueses, a qual poderemos chamar a linha exterior, levava às mais
aventurosas viagens marítimas, ao povoamento da Islândia e da Groenlândia, à descoberta da
América do Norte; conduzia às Orkneys, Caithness, Ross, Galloway e Dunfries, onde grandes colônias
escandinavas trouxeram o primeiro elemento nórdico à vida dos Higlands e do sudoeste da Escócia.
Foram ainda os noruegueses que conquistaram as Hébridas, a oeste da Escócia, e descobriram trinta
e cinco ilhas que chamaram de Faroe. O Mainland e as quarenta e cinco ilhas que a cercaram, ilhas
famosas pela pesca do arenque, foram também descobertas pelos vikings. Por essa linha exterior,
vieram estabelecer-se importantes colônias norueguesas em Cumberland, Westmoreland,
Lancashire, Cheshire e na costa da Gales do Sul. A Irlanda foi durante algum tempo invadida, e
Dublin, Cork, Limerick, Wicklow e Waterford foram fundadas como cidades dinamarquesas. Enquanto
os suecos dirigiam-se para a Rússia e para a Ásia, os noruegueses descobriam a rota para a Irlanda
pelo norte da Escócia e, mesmo fazendo escala na Groenlândia, iam até a América procurar peles e os
dinamarqueses tinham escolhido a rota interior que, mais próxima de seu país, conduzia às costas da
Escócia, da Northumbria e da Neustria.

É em 787 que pela primeira vez a crônica anglo-saxônia descreve a chegada à Inglaterra de três
navios de homens do Norte, vindos do país dos ladrões. A partir do ano de 793, as curtas notas
anuais das crônicas contêm, quase todas, referências a alguma incursão dos pagãos. Ora eles
pilhavam um convento e massacravam os monges, ora as hordas pagão espalhavam a devastação
entre os Northumbrios. Pouco a pouco a importância das frotas inimigas cresceu. Em 851, pela
primeira vez os pagãos passaram o inverno na ilha de Thanet; no mesmo ano, trezentos de seus
barcos vieram à embocadura do Tâmisa, e suas guarnições tomaram de assalto Cantuária e Londres.

Lentamente, durante cinquenta anos ou mais, antes que o movimento atinja seu zênite, toda a
Noruega e toda a Dinamarca despertam para a verdade de que não havia poder marítimo a defender
as Ilhas Britânicas ou o famoso Império Carolíngio; que os anglo-saxões e os francos eram gente
terrestre e que os irlandeses utilizavam pequenos barcos de couro. O mundo estava assim exposto ao
poder marítimo viking.

Nos anos seguintes, os pagãos foram chamados por seu nome real, dinamarqueses, e as crônicas
referem-se aos movimentos dos exércitos, fortes, às vezes de dez mil homens. Bem equipados, bem
armados, muito hábeis em construir campos fortificados, obedecendo cegamente aos reis do mar,
seus chefes, os vikings, guarneciam, em grupos de sessenta a setenta homens, os seus navios de
sólida construção, as drakkas, e desembarcavam em locais de onde pudessem enfrentar com êxito a
reação dos habitantes do país invadido. Foi assim que Noirmontiers tornou-se sua base no litoral da
França, Thanet no da Inglaterra e a ilha de Man no mar da Irlanda. Os que operavam na França
vinham, sobretudo, da Dinamarca, reunidos em pequenas flotilhas que perlongavam a costa. Subiam
os rios, saqueavam as igrejas e destruíam as cidades, ou para poupar o país, faziam-se pagar um
resgate calculado em libras de prata. Os primeiros bandos haviam aparecido antes dos fins do
reinado de Carlos Magno, mas, depois dos meados do século IX, esses invasores estabeleceram-se
com suas famílias em campos entrincheirados junto à embocadura dos rios, donde todas primaveras
partiam para agir no interior. Além da ilha Noirmontiers, os normandos instalaram-se na foz do rio
Sena e subiram o rio Garona, saqueando as cidades. Até cerca de 860, entretanto, ocuparam na
França apenas pontos da costa e algumas ilhas, fazendo ocasionalmente expedições de saque pelo
interior. Depois, as expedições transformaram-se em verdadeiras migrações. Nos anos seguintes, os
normandos embrenharam-se pelo interior da França, devastando uma enorme região e chegando
mesmo a sitiar Paris em 886.

Os vikings que seguiam a linha exterior e os que seguiam a linha interior muitas vezes se cruzavam no
caminho. Encontravam-se dinamarqueses e noruegueses na Normandia, no sul da Irlanda e no norte
da Inglaterra, e ambos penetravam indiferentemente na Hispania, no Mediterrâneo e no Levante.

Toda essa espantosa exploração, que tocou a costa norte-americana cinco séculos antes de Colombo,
esse habitual e quase diário desafio das tempestades da Costa Wratch e das Hébridas, foi levado a
cabo em longos barcos descobertos, impelidos a remos manobrados pelos próprios guerreiros com o
auxílio de uma única vela. A coragem e a perícia naval de marinheiros, que se aventuraram em tais
barcos a empreender tais viagens, nunca foram ultrapassadas na história marítima. Muitas vezes
pagaram a sua ousadia. O Wessex, no tempo do rei Alfredo, salvou-se uma vez graças ao naufrágio de
uma esquadra inteira, quando uma tempestade lançou cento e vinte galés dinamarquesas contra os
penhascos de Swanage.

Em quase todas as regiões em que dominaram pelas armas, os vikings acabaram assimilados pelas
populações vencidas. Na Grã-Bretanha, os dinamarqueses e noruegueses ou foram repelidos ou
fundiram-se com os anglo-saxões com o decorrer dos anos. Na França, não são bem conhecidas as
circunstâncias segundo as quais o rei dinamarquês Rollon obteve o território que veio a constituir o
Ducado da Normandia. Estabelecidos nos férteis campos da França, pouco a pouco os normandos
perderam os hábitos violentos e adotaram a língua e a cultura francesa.

Nos séculos que se seguiram, o espírito aventureiro dos descendentes dos vikings levou-os a
participarem de muitas empresas guerreiras, tais como a conquista da Inglaterra em 1066 por
Guilherme, o Conquistador, a expulsão dos árabes do sul da Itália e da Sicília, e as Cruzadas. Em
poucas gerações, contudo, os normandos mudaram radicalmente seus hábitos antigos, e a
Normandia converteu-se numa região conhecida tanto pela excelência de seus rebanhos e de seus
pomares quanto pela fama de seus marinheiros e pescadores.

Em síntese, a história dos nórdicos é um flagrante exemplo da influência da geografia na evolução de


um povo. Talvez mais ainda que nas histórias grega e fenícia, a natureza especial das regiões
escandinavas explique a epopeia viking.

7 – REPÚBLICAS ITALIANAS
Posição de Pisa. Orientação dos habitantes para o mar. Primeiras investidas no Tirreno. Expansão
colonial no Oriente Próximo. As Cruzadas e a instalação do Império Latino do Oriente. Colônias
pisanas na Palestina a no Egito. A rivalidade de Amalfi. A rivalidade genovesa. Suas consequências.
Origem de Gênova. O limitado território da República. Aliança com Pisa. A nobreza mercantil. Ação
genovesa durante as Cruzadas. As feitorias na Palestina. Inicio da rivalidade veneziana. As Maonas. A
restauração do Império Romano do Oriente. O comércio com as nações do Atlântico. O apogeu de
Gênova. Fatores de sua decadência. Origem de Veneza. Atividades principais dos habitantes.
Independência progressiva de Bizâncio. As lutas contra os sarracenos e dálmatas. Convergência das
rotas comerciais para Veneza. Concessões a venezianos no Império Bizantino. A Quarta Cruzada.
Características do Império Colonial de Veneza. Principais rotas marítimas das frotas venezianas. A
organização da Marinha. A guerra de Chioggia. O apogeu de Veneza. Razões de sua lenta mas
continua decadência.

A posição natural muito propicia, na foz do rio Arno, então navegável até sob os muros da cidade, fez
de Pisa importante centro comercial desde o primeiro século da Idade Média. O estuário do Arno
oferecia então bom abrigo e espaço suficiente, ao passo que a correntada forte do rio opunha-se ao
assoreamento da saída para o mar. Do lado de terra, não contando com barreira protetora de
montanhas como Gênova e limitando-se com os territórios de Lucas, em fase de expansão, Pisa não
possuía possibilidades de engrandecimento. A cidade voltou assim os olhos para o mar e no século X
teve boas ocasiões de satisfazer suas ambições marítimas. Era o único porto sobre o Tirreno, no
interior da Itália Lombarda, e além do mais, nessa ocasião, Gênova não podia oferecer concorrência,
pois toda costa ligure estava presa das devastações sarracenas que ameaçavam controlar o mar
Tirreno, desde as costas da Tunísia e da Espanha. Perante a ameaça muçulmana, Pisa e Gênova
coligaram-se e realizaram esforços vigorosos e constantes para expulsarem os infiéis do mar que
tinham como próprio.

No fim do século XI, as duas cidades lançaram repetidos ataques contra as principais cidadelas do
poderio árabe. Os árabes foram assim expulsos da Sardenha, onde Pisa reservou-se privilégios
comerciais. Na Sicília, a própria Palermo, que era então um grande porto de mar e uma cidade de 300
mil habitantes, foi atacada pelos pisanos, o que contribuiu para a reconquista da Ilha. Na Tunísia, os
pisanos e genoveses puseram a saque Mehedia, que era sem dúvida a cidade mais poderosa da costa
da África e que se havia convertido num ninho de piratas.

Afastados assim do mar Tirreno os inimigos dos cristãos, as duas novas repúblicas viram prosperar
seu comércio. Suas frotas, crescentes em força e em número de navios, empreenderam viagens mais
longas e abriram novas rotas.

A expansão marítima e comercial da República Pisana era então guiada pelo governo, que intervinha
mesmo no domínio das atividades particulares, procurando, de uma parte, afastar os obstáculos e
entraves que se opunham ao livre transito das mercadorias, e de outra, levar gradualmente a
conquista ao Oriente, principal fonte de lucros.

Do século XI ao século XIII, os núcleos urbanos da Península Italiana, e em particular as cidades


marítimas, entraram em rivalidade para a conquista da primazia política e comercial, sob a influência
de dois fatores preponderantes: as cruzadas e a criação do Império Latino do Oriente. Ao começarem
as cruzadas, as Repúblicas Italianas não viram nelas apenas uma continuação da luta tantas vezes
empreendida contra os infiéis, mas também uma oportunidade única para obter vantagens
económicas. Pisa, como as outras grandes repúblicas marítimas italianas, não só participou
diretamente da guerra contra os muçulmanos estabelecidos na Palestina, como também soube
cobrar bom preço pelo transporte dos exércitos cristãos do Oriente. Ao mesmo tempo, a comuna
procurou estabelecer nos países recém-conquistados pelos cruzados proeminência comercial,
obtendo concessões especiais para os mercadores pisanos.

A Primeira Cruzada valeu a Pisa privilégios e feitorias ao longo da costa Síria e da Palestina. A Segunda
favoreceu lhe o comércio ao longo das costas italianas e sicilianas. Em 1108, tendo ajudado com uma
frota a conquista de Laodicéia, obteve em compensação, um quarteirão naquela cidade e outro em
Antióquia. Entre 1108 e 1124, Pisa conseguiu quarteirões em Trípoli, em Tiro e em Jerusalém. Ainda
nesse período, ela se fez outorgar um quarteirão em Constantinopla e um cais no Corno de Ouro e
mais tarde, para contrabalançar a influência genovesa no Tirreno e na costa da Espanha, fez um
tratado de comércio com o Emir de Valência (1150).

A atividade dos pisanos na costa asiática não os impediu de olhar mais adiante, para o Egito, onde os
atraíam dois grandes centros: Alexandria e Cairo. No fim de 1154, um tratado de comércio com o
Califa Fatimita abriu aquela região ao comércio pisano, mas em 1157 a captura de uma nave pisana, a
venda dos marinheiros como escravos na Tunísia, a ruptura, em suma, do tratado, levou Pisa a
favorecer o jovem e valoroso rei de Jerusalém, Almarico, que, nos anos de 1163 a 1169, por cinco
vezes levou a guerra ao vacilante califado. O assédio de Alexandria pela frota pisana em 1167,
contudo, terminou em insucesso. Quando em 1171 Saladino assenhoreou-se do Egito, não restou aos
pisanos outro recurso senão negociar com o grande conquistador muçulmano.

Na Terceira Cruzada (1189-92), os navios pisanos transportaram um exército toscano, sendo


aproveitado o ensejo para a venda, por preço caro, de vitualhas e roupas aos companheiros de
armas.

A par da expansão longínqua nos mares da África e do Levante, a Comuna Pisana procedia com igual
vigor para concentrar no seu porto o comércio do mar Tirreno, da costa toscana à Sicília.
Desde 1137, ajudada por Latário de Spplimburgo, Pisa dera o golpe de graça na rival, Amálfi,
apoderando-se da Ischia e de Sorrento.

O sucesso de Pisa valeu-lhe a animosidade das cidades vizinhas, em particular Gênova, que visava a
supremacia no mar Tirreno e das cidades do interior, Lucas e Florença, ciumentas de a verem exercer
controle sobre o único escoadouro marítimo da Toscana. Em 1194, Messina foi tomada, e os pisanos
destruíram o empório genovês da cidade. A vitória, porém, foi paga a preço caro: o favor imperial aos
genoveses contribuiu para a perda de treze navios da frota pisana. Dessa época começa a decadência
da potência pisana, no começo quase imperceptível depois manifesta.

Na longa série de lutas que se seguiu, Pisa se viu atacada por terra e por mar, ressentindo-se de sua
pequena base territorial e da falta de uma fronteira facilmente defensável. Por fim, Gênova
conseguiu destruir o porto e o comércio de Pisa, em 1284, jogando na embocadura do Arno enormes
blocos de pedra trazidos da ilha vizinha de Capri. Foi construído assim um molhe que, se opondo à
obra de limpeza da corrente, permitiu o acúmulo de sedimentos. A derrota naval de Melória, poucos
anos depois, selou a decadência de Pisa. Na paz estipulada em Gênova em 1299, Pisa teve de ceder
uma parte da Sardenha, a região de São Bonifácio, na Córsega, e obrigou-se a não armar galeras
durante quinze anos.

A origem de Gênova não é menos remota que a pisana e data certamente dos primeiros tempos da
vida marítima no mar Tirreno. O porto de Gênova não era nem o maior nem o melhor dos portos da
costa lígure, mas era sem dúvida o melhor situado. Gênova ocupa o ponto mais setentrional dessa
costa. Os Apeninos, na verdade, elevam-se imediatamente atrás da cidade e a separam do vale do
Pó, mas ao mesmo tempo protegem-na muito eficazmente do lado de terra. Embora fossem
possíveis culturas variadas, como trigo, oliveira, vinhas, laranjeiras, o território restrito da República
de Gênova, que se estendia ao longo da costa ligure, era incapaz de produzir a quantidade suficiente
de gêneros alimentícios para a população e matérias-primas para a indústria. A pesca, em
compensação, era abundante na costa; e as florestas dos Apeninos dispunham de boas madeiras
para a construção naval. Foi, portanto, no mar que Gênova procurou possibilidades econômicas.
Dessa forma Gênova conseguiu reerguer-se nas vezes em que sofreu as destruições das invasões
sarracenas.

Na primeira metade do século X, Gênova, ao conseguir sacudir o jugo feudal do Marquês de


Obertenghi, conquistou ao mesmo tempo sua unidade comercial e um lugar elevado entre as cidades
marítimas da Península. Não muitos anos depois, Gênova, unida a Pisa, na célebre campanha da
Sardenha contra Mogahid, em 1015-16, iniciou naquela ilha o comércio do sal, e na Córsega uma
tenaz penetração, sem temer suas futuras relações com a aliada daqueles dias. Os navios das duas
comunas chegaram unidos à costa da Síria em 1065, depois a Caffa. Em 1087, combateram juntos os
árabes de Mehedia, e desse modo, na segunda metade do século XI, a comuna genovesa afirmou seu
poderio marítimo no sul do Mediterrâneo. Lá, como em Pisa, os armadores e os navegantes,
prevalecendo na vida citadina, criaram a administração consular e, ao mesmo tempo, a Campagna.
As riquezas acumuladas, o crédito assegurado, uma sucessão de governos com a mesma orientação
acabaram por constituir uma nobreza de origem mercantil, diferente da feudal. A nobreza em
Gênova não tinha, assim, por base, a propriedade imobiliária, mas os estabelecimentos comerciais e
a navegação. Essa nobreza fornecia os governadores das ilhas conquistados no Levante e os
comandos das forças navais.
A participação de Gênova na Primeira Cruzada (1096-99) permitiu-lhe fundar uma linha de empórios
ao longo da costa da Síria e da Palestina, fato de uma importância comercial considerável, tendo em
conta que esses países eram relativamente povoados e produtivos naquela época. Os bons
resultados alcançados estimulariam os empreendimentos posteriores. As expedições multiplicaram-
se, os braços e o capital da cidade não foram suficientes. No princípio do século XIII (1206) uma nova
instituição, o Consolato del Mare, foi criada. Ocupava-se exclusivamente da parte financeira dos
empreendimentos marítimos, permanecendo dependente do poder central.

O incremento da atividade marítima de Gênova acarretou inevitavelmente a rivalidade das outras


cidades italianas com interesses idênticos, e, a partir do começo do século XIII, os três principais
centros marítimos comerciais da Itália sustentaram entre si diferentes lutas que abarcaram quase
duzentos anos.

A fim de promover sua expansão marítimo-comercial, os cidadãos de Gênova criaram, na primeira


metade do século XIII, uma associação de caráter militar que tomou o nome de Maona. Era ela
constituída por um núcleo de cidadãos que, com seus navios, procediam às despesas de qualquer
expedição naval empreendida no interesse e sob a direção da Comuna. A Comuna nomeava o
Almirante, ao qual deveriam obedecer os navios armados por conta dos componentes. O lucro da
empresa e a administração dos lugares eventualmente conquistados revertiam para a Comuna,
depois das despesas da Maona terem sido ressarcidas. A primeira Maona, por ordem cronológica,
parece ter sido a de Ceuta em 1234, quando um grupo de cidadãos armou por conta própria mais de
cem navios, entre galeras e navios de comércio. Outras Maonas importantes foram a de Chios, em
1346, da qual resultou a captura daquela ilha no mar Egeu, e a de Chipre em 1374, onde foi fundada
importante colônia.

Ao começar o século XIV, Gênova estava no apogeu atividade marítimo-comercial. A ajuda prestada
na restauração do Império Romano do Oriente valera-lhe vários empórios estabelecidos em
quarteirões de Constantinopla, Pera e Gálata. Pera tornou-se o centro da administração colonial
genovesa no Estado Grego, e Caffa o das colônias do mar Negro. Cerca de 1300, Gênova foi a
primeira cidade mediterrânea a começar a organizar viagens para os portos de Bruges e de Londres.

Na segunda metade do século XIV, as grandes operações de comércio ficaram circunscritas a Veneza
e a Gênova, pois Pisa não mais se ergueu depois da derrota de Melória e da perda da Sardenha. A
Grécia havia perecido sob a cimitarra turca e era raro os navios do Norte aparecerem nos portos do
Sul. Os genoveses tinham o comércio de toda a Ligúria marítima e dominavam desde Corvo até o
Mônaco. Aprovisionavam de sal a Luquia, frequentavam Civita Vecchia e Corneto, foram sempre em
grande número em Messina e em Palermo. No Adriático, visitavam frequentemente Manfredônia,
Ancona e mesmo Veneza, nos intervalos de paz. Faziam comércio importante com Marselha, Aigues-
Mortes, Saint Epidius e Montpelier. Na África, os navegantes genoveses tinham privilégios
assegurados pelos maometanos. O Egito era mais frequentado pelos venezianos. Os genoveses não
deixaram, contudo, de aparecer nos mercados de Alexandria, de Roseta e Damieta e de se
estabelecer mesmo no Grande Cairo e de concluir tratados vantajosos com os sultões. Todavia, a
área principal das operações comerciais de Gênova permaneceu sempre no Levante, isto é, nos
países da Ásia e da Europa, submetida aos príncipes gregos, tártaros, búlgaros e turcos. Seu comércio
com o Levante se fazia por meio de uma série de escalas que atingiam a China de uma parte e as
Índias de outra, seguindo as costas do Golfo Arábico.

Havia ainda outros centros em toda a Romênia, na Macedônia e no Arquipélago Grego. Na Anatólia,
Gênova possuía Smirna e as duas Fócidas, ricas de alúmen. De Chipre retirava madeiras de
construção, cedro, ferro, cereais, açúcar, algodão e azeite, além dos produtos que vinham do Oriente.
Outras companhias genovesas haviam-se estabelecido no litoral do Oceano, nos Países Baixos e na
Inglaterra. Além do mais Gênova dominava Córsega, Sardenha, Malta e Sicília. Gênova tinha, em
resumo, além de uma parte considerável do comércio europeu, as três grandes vias de comércio da
Ásia Central e da Índia: a primeira, pelo mar Negro, pelo Cáspio e o Volga; a segunda, a Pagolat e a
Laiazzo, pelo Golfo Pérsico, Alepo e a Armênia; e a terceira, a Alexandria, pelo mar Vermelho e o
Egito.

Apesar da posição privilegiada alcançada como potência marítimo-comercial na segunda metade do


século XIV, já cinquenta anos depois notavam-se os primeiros sinais de decadência de Gênova. As
vitórias navais de Melória e de Curzola haviam constituído o ápice da potência marítima de Gênova,
porém haviam exigido um esforço imenso e produzido um grande consumo de forças. As perdas em
vidas nas guerras eram desastrosas para os genoveses, porque eles não empregavam tropas
mercenárias, mas cidadãos, dos quais dois mil morreram na jornada de Loiera e três mil prisioneiros
morreram nos ergástulos. O desenvolvimento da Marinha catalã, as dissensões internas cada vez
mais graves, a alternância do domínio estrangeiro, a luta persistente contra Veneza, o desastre da
Guerra de Chioggia (1378-81), a dominação francesa do rei Carlos VI (1396-1409) são as várias etapas
de uma gradual decadência. Não conseguiram impedi-la a administração de Simão Boccanegra nem
os triunfos que por vezes a Marinha genovesa alcançou, perpetuando com honra suas tradições
bélicas.

Durante a era longobarda, nas ilhas da Laguna Adriática, surgiu a cidade destinada a liderar, na Idade
Média, todas as demais, por riqueza econômica e poderio marítimo: Veneza. A ilha da Laguna,
habitada na Idade Antiga por famílias de pescadores, tornou-se, no último século do Império
Romano, o lugar de refúgio das populações de terra firme, fugitivos das hordas bárbaras de Alarico,
de Atila, de Ricimero etc.. As lagunas situadas no interior do Adriático não ofereciam senão magros
recursos aos seus habitantes; apenas pequenas superfícies permaneciam acima das águas; havia
poucas terras cultiváveis, e estas eram mal drenadas; a água potável era escassa. Por outro lado, as
lagunas ocupavam uma excelente posição geográfica, considerando que elas se encontravam perto
da região plana mais vasta da Itália e num ponto onde as rotas marítimas do Mediterrâneo
penetravam mais profundamente no continente europeu.

As primeiras atividades dos habitantes das lagunas foram condicionadas pelo caráter de seu habitat.
Eles tiveram em primeiro lugar que adaptar o país às suas necessidades, consolidando o solo,
cavando canais, construindo diques e preparando bacias para os navios; enfim, começaram a cultivar
o trigo, a vinha e a recolher água de chuva em cisternas. É um fato significativo que desde 536 os
habitantes das lagunas sejam descritos como salineiros e piratas marítimos. Veneza chegou a
conseguir no norte da Itália o monopólio virtual do comércio do sal, dependendo dela as cidades
continentais para seu aprovisionamento. Não havendo possibilidade de outra indústria a não ser a do
sal, que era com a pesca e com os proventos da pirataria o usual nos povos marítimos daquele tempo
os únicos artigos de comércio, os venezianos abriram novos horizontes a mais vastos ideais, de tal
modo que, no início do século VI, os navios dos insulares sulcavam ao largo e ao longo do Adriático,
fazendo o tráfego de gêneros diversos com Bizâncio e com as terras do Oriente.

As particularidades de sua localização geográfica condicionaram também o status político de Veneza,


pois o Império Bizantino, graças à sua frota, pôde conservar sua autoridade nas lagunas, mesmo
depois que foi obrigado a ceder aos lombardos os territórios na península italiana. Assim, Veneza, à
medida que progredia, tornou-se uma guarda avançada fronteiriça do mercado grego e até cerca do
ano 1000, se bem que usufruindo de uma grande independência, permaneceu como parte do
Império Bizantino, situação política que favoreceu sensivelmente seu progresso. Por outro lado, sua
situação e sua superioridade marítimas, que a tornaram de acesso difícil, colocaram as lagunas ao
abrigo da conquista lombarda. Carlos Magno apoderou-se da maioria das ilhas, mas essa conquista
foi efêmera. Também pôde Veneza escapar quase completamente às rivalidades e complicações da
Península. Sob esse prisma, Veneza foi mais favorecida que Gênova. Enfim, pela mesma razão, a
situação geográfica das lagunas, a despeito dos ciúmes e antagonismos, estimulou o
desenvolvimento de uma comunidade de interesse que encontrou sua expressão na administração
única do Doge. Segundo a tradição, o Ducado de Veneza Marítima constituiu-se em 697 (Primeiro
Duque ou Doge Paolucio Anafesto), concentrando numa só mão a atividade múltipla e dividida dos
insulares.

A decadência de Ravena e de Aquiléia deixou Veneza livre para explorar o potencial comercial de sua
excelente posição geográfica. Entretanto, a nascente República não estava em condições de alcançar
projeção mundial, por ter ficado ocupada em continuas lutas contra os piratas eslavos e sarracenos
que infestavam o mar Adriático. Até o fim do século VIII, o Império Bizantino controlou a entrada do
Adriático desde as cidades costeiras de Durazzo e de Brindisi, mas as devastações dos árabes na Itália
Meridional ameaçaram bloquear essa passagem. Ao mesmo tempo, a costa dálmata com suas
numerosas baías abrigadas, seus inúmeros canais e suas ilhas constituíam a base da pirataria eslava.
Pouco a pouco Veneza conquistou a supremacia no mar, infligindo derrotas aos árabes. Fundou,
cerca do ano 1000, uma série de empórios ao longo da costa dálmata, em Zara, Veglia, Arbe, Tran e
Spalato.

Desimpedido o mar Adriático da ameaça dos piratas, pôde Veneza enfim beneficiar-se das vantagens
de sua posição, face às correntes mercantis da Idade Média. Com efeito, para o Adriático convergem
cerca de três rotas naturais: uma, a vereda adriática; a segunda, formada pelo vale do Pó; e a
terceira, o escoadouro para o sul dos diversos caminhos alpinos de acesso fácil, ligando o Adriático à
Alemanha, à França e aos Países Baixos. Noutras palavras, colocada geograficamente quase a meio
caminho das duas extremidades da bacia Mediterrânea e ligada políticamente à grande cidade
comercial de Constantinopla, Veneza tinha toda facilidade para atuar como agente de distribuição em
todo esse mar.

Os sucessos no Adriático deram a Veneza não somente acesso às grandes quantidades de madeira de
construção que eram trazidas aos portos da Dalmácia dos altos planaltos da Hinterlândia, mas
também ao trigo e aos vinhos da Itália do sul. Além do mais, teve acesso livre a campos comerciais de
maior envergadura. Seja como vassalo, aliado ou inimigo vitorioso do Império Bizantino, Veneza
jamais perdeu de vista seus interesses mercantis. Já no século X, ela havia adquirido em
Constantinopla prioridade sobre suas concorrentes italianas, Amálfi e Bari. Em 1082, se fez outorgar o
direito de comerciar sem pagar nenhum direito em toda a extensão do Império Bizantino. Na época
da Primeira Cruzada (1096), Veneza, já uma importante potência naval, pôde colocar à disposição das
cruzadas a frota necessária ao transporte de homens, cavalos e víveres para a Terra Santa. Ao mesmo
tempo, mantinha relações comerciais com Alexandria, em poder dos infiéis. Um século depois (1204),
fazendo a Quarta Cruzada servir a seus próprios fins, Veneza se apoderou de Zara, na costa da
Dalmácia, e possibilitou a tomada de Constantinopla pelos cruzados, com a consequente criação do
efêmero Império Latino do Oriente. A Quarta Cruzada acabou totalmente com o predomínio da
metrópole do Bósforo e converteu Veneza em potência normativa. O Império Grego ruiu e na partilha
recebeu Veneza territórios tão vastos que o Doge pôde chamar-se com orgulho Senhor de uma
quarta parte e de um oitavo de todo o Império Romano. A cidade das lagunas, todavia, visava
assegurar o predomínio mercantil de modo incondicional e não ocupar uma extensão territorial de
difícil defesa.

Na busca de suas ambições comerciais, Veneza edificou um vasto Império que se compunha,
sobretudo, de territórios úteis ao comércio e que pudessem ser vigiados por sua Marinha. Como
colônia de fato, os venezianos os mantiveram a Ilha de Creta, e mesmo o valor dessa ilha consistia
mais na posse de um lugar de repouso e de refúgio no cruzamento das linhas de navegação mais
importantes do que nas culturas do arroz, do algodão e da cana-de-açúcar. Fora disso, Veneza só teve
a posse de alguns pequenos portos na costa, vantajosamente colocados no ponto de vista comercial
e de fácil defesa, como Durazzo, no Epiro, as cidades marítimas Medon e Coron, convertidas em
poderosas fortalezas no extremo sul ocidental de Messina, Negroponto, na Eubéia, e Galipoli, para
assegurar a passagem dos Dardanelos.

Mesmo o domínio veneziano na Dalmácia exercia-se apenas no litoral, onde ela conservava, à
exceção de Rugasa, todos os portos principais.

Tal como em Pisa e Gênova, a ação do governo fazia-se sentir fortemente em todos os setores ligados
ao comércio marítimo da cidade. No começo da primavera, o Estado procedia à abertura do mar,
pondo em atividade o que se chamava as esquadras do tráfego, que eram formadas por frotas
mercantes de importância diversa e que, por todo o período da navegação, eram alugadas à
sociedade de mercadores e especuladores. Cada ano armavam-se por conta do Estado seis esquadras
de táfego compostas de 3.300 navios com cerca de 36 mil homens de guarnição. O tráfego se
orientava em três direções principais: uma, das rotas mercantis, conduzia ao Egito; em Alexandria e
no Cairo, eram recebidas as mercadorias pelos árabes que as levavam para o outro lado do mar
Vermelho. Para a costa da Síria dirigiam-se suas frotas, para levar peregrinos aos Santos Lugares e
tomar a bordo gêneros do Oriente para a viagem de volta. Também no noroeste do Mediterrâneo
apareciam frequentemente as naves de Veneza e entabulavam benéficas relações mercantis, apesar
dos sangrentos encontros que tiveram com os barcos genoveses. Em Tana, nas proximidades da
desembocadura do Don, estabeleceram os venezianos uma colônia onde trocavam peles russas e
mercadorias índias, embora o principal objetivo fosse negociar no mercado de escravos que existia
nessa localidade. Para o oeste estenderam paulatinamente os venezianos sua influência com os
sarracenos da África Setentrional e da Espanha; e com os habitantes do sul da França estiveram em
estreitas relações mercantes.

Dada a enorme importância da Marinha para Veneza e se bem que os estaleiros fossem dirigidos por
empresas privadas, o Estado regulava e dirigia a produção, seguindo leis rigorosas concernentes aos
processos de fabricação dos navios, suas dimensões, seu aparelhamento, enfim, o trabalho dos
operários. Nenhum veneziano podia construir nos limites da República navios que não tivessem as
medidas rigorosamente previstas. Os interesses da defesa militar exigiam, com efeito, que, em caso
de necessidade, os navios mercantes pudessem ser facilmente transformados em navios de guerra.
Eis a explicação da prodigiosa rapidez com que aquela República renovava sua frota.

A primeira metade do século XV viu o apogeu do poderio marítimo-comercial veneziano. No ano de


1423, o Doge Tomaz Mocenigo, em relatório apresentado aos conselheiros, estimava serem 3.300 os
mercadores navegantes. Por essa época, nem só no Mediterrâneo e no Oriente aplicava-se a
atividade veneziana. Na França, na Alemanha, na Flandres e na longínqua Inglaterra, durante o último
século da Idade Média, penetraram também os comerciantes e os navegantes da Sereníssima. Com
Portugal, a República teve relações diretas e de alguma intensidade pelo fim do século XV, devido ao
tráfego de cana-de-açúcar que a ilha da Madeira produzia em grande abundância. Cada ano, navios
portugueses carregados de açúcar chegavam a Veneza. A amizade entre os dois Estados não durou
muito, porém, em 1498, um navio português saqueou uma nave veneziana que se dirigia a Salônica e
se apoderou de uma outra de Creta, carregada de vinho, ao passo que o avanço lusitano, ao longo da
costa africana em busca do caminho marítimo para as Índias, suscitava o receio justo dos dirigentes
do Estado.

8 – PORTUGAL

Razões do impulso lusitano para o mar. A formação da nacionalidade portuguesa e a importância de


Lisboa. A aparição da Marinha na luta contra os árabes. O comércio português na Idade Média. O
desenvolvimento marítimo nos reinados de Dom Diniz e Dom Fernando. Início da expansão colonial. A
obra do infante Dom Henrique. Os descobrimentos dos séculos XV e XVI. A formação do Império
Colonial. Política colonial portuguesa. A decomposição do Império Colonial Português.

Depois dos vikings, os portugueses foram os primeiros que lançaram as vistas para a imensidade do
oceano Atlântico. Diversas causas concorreram para dar a esse pequeno povo uma hegemonia
mercantil de caráter colonial. Portugal só aparentemente está ligado ao planalto castelhano, pois o
curso alto dos rios peninsulares não é navegável por causa da estiagem e da irregularidade do fundo
do leito. Em compensação, a navegabilidade do curso baixo dos rios juntamente com os grandes
portos do litoral, deram conexão econômica às regiões ocidentais, de maneira que Portugal constitui
um Estado costeiro com interesses marítimos, perfeitamente definidos. As aspirações nacionais
orientaram-se assim necessariamente para o mar.
Por outro lado, no Portugal primitivo, a produção industrial, se se exclui a da marinha de sal, mal
bastava às mais elementares necessidades da vida cotidiana. Por escassas que fossem, e de fato o
eram, as aspirações de conforto ou de luxo então existentes, só pelo comércio de importação
poderiam ser satisfeitas. Em contrapartida, havia excedentes quanto a certos produtos agrícolas,
pecuários e apícolas e neles se encontraria natural fundamento de equilibradoras trocas comerciais.
Porém só com os progressos da constituição territorial do País essas trocas se estabeleceram em
acentuado ritmo, criando-se lhes então condições adequadas e, como, ao tomarem vulto, elas
impunham o uso da via marítima, também só então verdadeiramente se estabeleceu o contato entre
o Homem e o Mar na orla do ocidente peninsular em que se instituíra o Estado português.

A conquista de Lisboa (1147), transferindo para os portugueses a posse de um porto natural de


excepcional valor, abria à expansão comercial portuguesa por via marítima as mais lisonjeiras
perspectivas; e a posse de Silves, temporária primeiro (1189-1191), definitiva desde os meados do
século XIII, privando os muçulmanos do último dos seus grandes portos ocidentais, bases de ação
naval depredadora dos litorais cristãos consolidou as condições de segurança necessárias àquela
expansão.

Pode dizer-se que até o fim do século XII não houve marinha da Espanha Ocidental. As lutas de
conquista, então feridas, eram-no, exclusivamente por terra, e a imperícia marítima dos cristãos
juntamente com os relativos progressos dos árabes concorriam para tornar difícil a conservação das
praças litorâneas conquistadas. Os primeiros dispunham apenas de pequenas lanchas costeiras,
enquanto os segundos tinham navios regularmente armados e equipados, com que percorriam toda
a costa ocidental, refrescando nos seus portos, abastecendo-os de munições e gente quando
estavam cercados e desembarcando amiúde com o fim de talar os campos dos cristãos e cativar os
tardívagos ou indefesos. Mas, desde meados do século XII o exame das armas de cruzados, com cujo
auxílio Lisboa e depois Alcácer foram tomadas, tinha vindo acrescentar os conhecimentos,
demonstrando ao mesmo tempo que sem o império no mar, jamais poderia levar-se a cabo a
conquista do sul do reino.

A conquista de Constantinopla pelos turcos em 29 de maio de 1453, seguida pouco depois pela da
Ásia Menor e da Península dos Balcãs, acarretou o dano e por fim a supressão do tráfego que as
cidades comerciais da Itália, especialmente Gênova, mantinham com os Portos do Bósforo, do mar
Negro e do Cáspio. A conquista de Constantinopla marcou o início de um crescente movimento de
destruição das vantagens e regalias comerciais que Veneza e Gênova usufruíram de longa data.
Tornaram-se dia a dia mais difíceis as relações das colônias italianas estabelecidas no antigo Império
Bizantino com as cidades pátrias, não só pelas dificuldades do intercâmbio, como pelas depredações,
confiscos e perdas de foros que elas próprias sofriam. Por fim, os descobrimentos portugueses no
Atlântico deslocaram as correntes mercantis que cruzavam o Mediterrâneo da Ásia para a Europa.
Quando Pedro Pasqualigo, embaixador de Veneza em Lisboa, comunicou que os portugueses tinham
achado uma nova rota para as Índias e oferecido especiarias mais baratas que os venezianos, esse
acontecimento foi considerado um desastre público em consequência, os venezianos fizeram saber
ao sultão do Egito que seu país e sua religião estavam em perigo e ofereceram-lhe armas e braços
para exterminar os recém-vindos. A ajuda veneziana aos camorins hindus não impediu, contudo, o
estabelecimento dos portugueses na Índia e noutros pontos do Oriente. Assim, outra das principais
fontes da prosperidade da República mudou de explorador.
Veneza, provida de uma marinha grandiosa, superior a de qualquer outro Estado, pôde conservar
ainda no século XVI um prestigio invejável e uma importância política e comercial incomum. As
fontes de sua prosperidade e de seu poderio achavam- se, entretanto, já cortadas, e a decadência
processou-se inexoravelmente dai por diante, até o final do século XVIII, quando Napoleão extinguiu
o Estado Veneziano.

A empresa de Silves, no tempo de Sancho I, vão já navios portugueses. Essa marinha existe nos
reinados de Sancho II e de Afonso III, como o provam as expedições marítimas que terminaram pela
conquista definitiva do Algarve e as façanhas do lendário Fuas Roupinho. Havia então já um corpo de
tropas especiais de embarque e nas terceiras navais se construíam, sob direção de mestres
estrangeiros, navios de alto bordo para as frotas militares do rei. A frota de navios grossos que
ajudara a tomada de Faro, as fustus, as barcas, as caravelas, as pinaças e as bojudas naus do tempo
deviam, em caso de guerra, defender eficazmente o magnífico estuário do Tejo. No tempo de Afonso
III, já o poder marítimo português é de tal ordem que os navios vão em socorro à Castela, e o Papa
convida os lusitanos a acompanhar as gentes do Norte à cruzada.

Livre da ameaça árabe, graças à conquista das principais cidades costeiras e sendo propelidos para o
mar em virtude de razões já citadas, o comércio português pode iniciar seus primeiros passos. Já em
1194 há noticia de ter naufragado um navio português que se destinava a Bruges, e os portugueses
são encontrados nos meados do século XII na feira anual de São Demétrio em Tessalônica. Em 1202,
João Sem Terra tomava sob sua proteção os mercadores portugueses que fossem residir nos seus
domínios. Em 1290, as relações comerciais com a França eram já tão importantes que Filipe, o Belo,
concedeu aos mercadores portugueses que frequentavam o porto de Honfleur, importantes
privilégios, confirmados depois por vários monarcas franceses que aquele sucederam. Inversamente,
os comerciantes estrangeiros começaram a interessar-se por Portugal. Os armadores da Normandia,
da Flandres e da Inglaterra já no fim do século XIII de- mandavam o Tejo para mercadejar.

Com o desenvolvimento do comércio, o da marinha, sua servidora, impulsionou por sua vez a
indústria de construção naval nas margens do Tejo. Em 1237 e 1260, fazem-se referências muito
claras ao arsenal régio e à carreira de construção em Lisboa.
O reinado de D. Diniz marca uma segunda era na história da Marinha nacional. Reciprocamente
indispensáveis a Marinha Mercante e a Militar, os cuidados do rei administrador dirigiram-se
principalmente a fomentar a primeira, cuja importância o tratado de comércio, feito em 1308 com a
Inglaterra, acusa. Dom Diniz na sua eficiente missão organizadora criou o serviço de recrutamento
nas povoações marítimas.

As condições de navegação nessa época de pirataria infrene impunham caráter militar à Marinha
Mercante, confundindo-se assim as duas marinhas nacionais, cujo incremento levou D. Diniz a criar,
em 1307, para sua superintendência, o cargo de Almirante Maior.

A obra de D. Diniz foi continuada por Dom Fernando, que assistiu ao pleno desenvolvimento de uma
potência comercial e marítima. O rei em pessoa era armador e negociante de certos gêneros
exclusivos. Criou bolsas de seguros marítimos mútuos, em Lisboa e no Porto, com o produto de uma
taxa especial lançada sobre o comércio, instituindo o cadastro ou estatística naval. Reduziu à metade
os direitos de importação dos gêneros trazidos por navios nacionais, estabelecendo assim um direito
diferencial de bandeira, a cuja sombra se multiplicou o número dos navios mercantes portugueses.
Deu, aos que desejassem construí-los, a faculdade de cortar as madeiras nas matas reais. Os cuidados
do rei em favor da Marinha Mercante abraçavam também a Marinha de Guerra. A armada que foi
bloquear Sevilha (1372) era no dizer do cronista "formosa campanha de ver" e contava trinta e duas
galés e trinta naus redondas. Vinte e três meses teve bloqueado o Guadalquivir e retirou-se com a
paz. Outra frota quase tão poderosa como essa foi ainda ao Mediterrâneo, na seguinte guerra de
Castela, para sofrer o desastre de Saltes (1381).

A Marinha foi, pois, uma criação da monarquia e um produto da nação, depois de constituída. O
caráter marítimo é histórico, não é primitivo em um povo rural, como o era o português dos
primeiros tempos. Desde a reunião das esquadras cruzadas no Tejo para a conquista de Lisboa, desde
a introdução dos genoveses, que vieram ensinar a navegar, vê-se começar a formar-se essa nação
cosmopolita, destinada à vida comercial, marítima e colonizadora. Toda a atenção administrativa se
aplica para o desenvolvimento da navegação e do comércio pelo magnífico porto onde todos os
navios, em viagem dos mares do Norte para o Mediterrâneo, vinham refrescar, desde que Lisboa era
cristã.

O desenvolvimento do comércio, da navegação e de outras atividades correlatas, como não podia


deixar de ser, promoveu em Portugal a ascensão da burguesia que até então pouca importância
tivera no quadro social da nação. Esta burguesia comercial, rica, ativa, inteligente, não podia deixar
de sentir as mesmas aspirações das suas congêneres das restantes nações marítimas da Europa. E a
sua influência na génese da expansão marítima portuguesa não se pode negar. Influência bem
poderosa, porquanto é certo que desde meados do século XIV a sua ação política era progressiva. No
século seguinte, os reis portugueses já dispunham do instrumento marítimo indispensável a obras
mais vastas. Portugal inicia em 1415, conquistando Ceuta, uma obra de expansão com um horizonte
tão vasto que em menos de um século realizou todos os objetivos econômicos da Europa, duplicou os
conhecimentos geográficos e feriu de morte o poder muçulmano no Oriente. Duas ordens de razões
explicam a primazia de Portugal, desde que a expansão ultramarina perdeu a feição de mero
tentame, característico dos séculos XIII e XIV: por um lado, a incapacidade das demais nações
marítimas; por outro, o grau de aptidão que Portugal atingira.
Veneza, Gênova e Aragão, sobre não disporem de recursos financeiros e militares exigidos por uma
nação completa e de- morada, eram potências mediterrâneas, portanto com uma situação geográfica
que as colocava em nível de inferioridade relativamente à expansão por via atlântica. Castela e
França estavam a braços com alarmantes problemas políticos e militares de que dependia a sua
definitiva constituição territorial. Em Portugal, pelo contrário, tudo se congregava no sentido de
tornar viável a obra de expansão com que sonhavam todos os grandes espíritos europeus. A extensão
territorial e a independência nacional eram problemas definitivamente resolvidos; Portugal podia
consagrar todos os seus esforços a outro qualquer empreendimento. Estreita faixa de terra
debruçada sobre o Atlântico, a situação geográfica e uma remota atividade marítima dos habitantes
já de antemão estabeleciam o sentido atlântico da expansão portuguesa.

Em meio ao primeiro quartel do século XV, a virtual capacidade portuguesa para a tarefa do
descobrimento marítimo foi valorizada pela clarividente e firme intervenção de um homem- o infante
Dom Henrique, comumente conhecido pelo epiteto de Navegador, não porque largamente tivesse
navegado, pois não excederam Marrocos os seus maiores percursos marítimos, mas por se
reconhecer que à sua ação decisiva se deveram o inicio e os primeiros êxitos da expansão ultramarina
portuguesa. Fundando a Escola de Navegação e o Observatório, em Sagres, o infante Dom Henrique
não só proporcionou aos marinheiros portugueses elementos para mais arrojadas investidas contra o
oceano, como também sistematizou as expedições marítimas que passaram a ser organizadas em
obediência a diretrizes seguras. A bússola, o astrolábio e o quadrante já guiavam as expedições
marítimas enviadas anualmente de Sagres pelo Infante a sondar o oceano, ou a descer a costa para o
sul. Porto Santo, a Madeira e os Açores foram por esta forma arrancadas às trevas do mar Com o ano
de 1434, abriu-se na história de Portugal um período de sistemáticas explorações marítimas que,
lançadas cadencialmente como vagas contra a costa de todo o sul da África, em sessenta e quatro
anos rasgara o caminho pelo oceano até à Índia. A primeira que se registra é a de Afonso Gonçalves
Balda e de Gil Eanes que, com uma barca e um barinel, foram para além do Bojador cerca de
cinquenta léguas. Nos anos seguintes, outros exploradores avançaram cada vez mais, para o sul,
tendo Nuno Tristão ultrapassado o cabo Branco. A mais baixa latitude geográfica (10°N) logrou-a em
1446 Álvaro Fernandes, sobrinho do Capital Zarar, a qual, diz Azurara, foi para o sul do cabo Verde
cento e dez léguas.

Na data da morte do Infante (1460) estavam, por conseguinte, descobertos, reconhecidos, estudados
e explorados cerca de dois mil quilômetros de costa para além do cabo Bojador.

No reinado de Afonso V, as expedições foram em pequeno número. As campanhas marroquinas


desviavam a atenção da conquista do oceano. Todavia, o golfo da Guiné foi reconhecido graças às
viagens empreendidas por iniciativa de Fernão Gomes, cidadão de Lisboa. Destacaram-se as
expedições de Fernando Pó, Lopo Gonçalves, Rui Sequeira, Diogo Cão e Pero de Sintra, que em 1471,
segundo consta, foi o primeiro navegante português a atingir o hemisfério sul.

A empresa iniciada pelo infante Dom Henrique prosseguiu nas mãos do rei Dom João II que tomou a
peito descobrir os mundos remotos. O seu poder naval era já tão grande, que o Tejo via com pasmo o
famoso galeão de mil tonéis, monstro boiando n'água, eriçado de canhões. Nunca os estaleiros
tinham produzido navio tão grande. Mandou o rei aperfeiçoar as bússolas, desenhar cartas marítimas
para orientação das rotas, cometendo esses estudos a uma junta que fez as primeiras tábuas de
declinação do Sol.
As expedições marítimas foram reiniciadas com maiores recursos. Em 1486 Bartolomeu Dias dobrou
o cabo da Boa Esperança e em 1498 Vasco da Gama, finalmente chegou a Calicut, na Índia. A ligação
marítima imediata entre a Europa e as Índias tinha sido conseguida. O encontro dessa rota marítima
foi somente o primeiro passo para o verdadeiro fim. A questão mais difícil estava ainda de pé;
estabelecer nas costas indicas mediante pacíficas negociações com os chefes indígenas ou por
imposição da força, pontos de apoio para o comércio e adquirir depois, em face dos árabes, uma
posição dominante. Os árabes tinham em seu poder, havia vários séculos, toda a navegação
comercial pelo mar Vermelho e do golfo Pérsico até Malaca, depósito principal dos produtos da Ásia
Oriental. Era preciso arrebatar aos árabes essa situação de predomínio.

Mal Vasco da Gama chegou com as provas do resultado feliz de sua viagem, treze navios se fizeram à
vela sob o comando de Pedro Alvares Cabral, levando mil e duzentos soldados para vencer os hindus.
Ao demandar o cabo da Boa Esperança, a frota aportou ao litoral brasileiro, acrescendo dessa forma
os domínios do rei de Portugal. Na Índia, Cabral recebeu por toda parte votos de amizade e voltou
para Portugal carregando riquezas nos poucos navios que haviam escapado às desventuras da
expedição. O rei, encorajado por esse primeiro ensaio, equipou quinze navios de alto bordo, sendo
confiado o comando a Vasco da Gama. O almirante português reduziu vários estados à condição de
tributários, destroçou a frota do samorim de Calicut, e a presa enorme que encontrou nesses navios
valeu-lhe uma acolhida entusiástica no regresso.

Em viagem posterior, Francisco de Albuquerque obteve consentimento do rei de Cochin para


construir o Forte de Santiago e a Igreja de São Bartolomeu. Assim foi colocada a primeira pedra do
domínio espiritual e temporal de Portugal no país, domínio que iria durar até 1961. A heroica
resistência no Forte Santiago, com Eduardo Pacheco à frente de um punhado de bravos, contra a
investida de dezenas de milhares de soldados do samorim consolidou a posição portuguesa na Índia.
A partir desse momento, Portugal se considerou senhor dessas paragens. Não satisfeito de retirar
ricas mercadorias, enviou Francisco de Almeida na qualidade de Vice-Rei. A prudência e o valor de
Almeida foram coroados do mais feliz sucesso. Ele submeteu as tribos dos reis de Quiloa de
Mombaça e de outros Estados, construindo também muitos fortes. Lourenço, seu filho, abordou a
ilha de Ceilão. A posição e os portos dessa ilha fazem com que ele seja o centro do comércio da África
e da China. Nenhum porto é comparável, nesses mares, ao de Trinquemale.
O Plano de domínio português acha-se esboçado na carta que o primeiro Vice-Rei, Francisco de
Almeida, enviou a Dom Manuel. É esse um dos documentos mais importantes da história portuguesa
no Oriente. "Toda a nossa força seja no mar", dizia. "Desistamos de nos apropriar da terra. As
tradições antigas de conquista, o império sobre reinos tão distantes não convém. Destruamos estas
gentes novas (árabes, afegãos, etíopes, turco- manos) e assentemos as velhas e naturais desta terra e
costa e depois iremos mais longe. Com as nossas esquadras teremos seguro o mar e protegidos os
indígenas em cujo nome reinaremos de fato sobre a Índia; e se o que queremos são os produtos dela,
o nosso império marítimo assegurará o monopólio português contra o turco e o veneziano".

Perante a ameaça portuguesa e instigado por Veneza, o sul- tão do Egito enviou para a Índia, mar
Vermelho abaixo, uma numerosa frota de guerra. Porém em Diu, a 3 de fevereiro de 1509, Francisco
de Almeida a destroçou, apesar de os egípcios contarem com o concurso de artilheiros italianos.

Nos anos seguintes, os portugueses iniciaram uma política de conquista que, graças aos eminentes
dotes militares de Afonso de Albuquerque, se traduziu numa série de extraordinários êxitos. Assaltou
Goa, na costa de Malabar; depois ocupou as Molucas e após uma desesperada luta apoderou-se da
rica cidade de Malaca. À notícia das invencíveis esquadras estrangeiras, estendendo-se ao longo dos
países litorâneos do oceano Índico e de todas as partes, acudiram embaixadores de reis indígenas
para fazer alianças e tratados de comércio. Esses acordos permitiram o estabelecimento de feitorias
e a construção de firmes fortalezas para protegerem os comerciantes portugueses. Desse modo,
ficou o Extremo Oriente submetido à esfera de interesse da Lusitânia.

Mas Albuquerque percebeu, com extraordinária perspicácia que, para aniquilar totalmente a
hegemonia mercantil dos árabes (mouros, como diziam os portugueses), era preciso obturar a rota
de importância mundial até então, que atravessava o mar Vermelho e o golfo Pérsico. Todos os seus
recursos militares fracassaram diante dos muros de Aden, mas no ano de 1515 conseguiu forçar a
cidade de Ormuz e, levantando nela uma grande fortaleza, cortou ao comércio arábico a ligação com
o Mediterrâneo. Ormuz, Goa e Malaca, os três pontos cardiais do império fundado por Albuquerque
no breve período de cinco anos, valiam o domínio em todo o mar das Índias e a vassalagem de todas
as costas, desde Sofala, em África, ao cabo de Jar-Hafum; desde Khor-Fakhan, na Arábia, até o golfo
Pérsico; desde o Indo até ao cabo Kumari; daí às bocas do Ganges e, descendo pelo Arakan e pelo
Pegu, até Malaca com as ilhas dispersas de Madagascar e So-kotra, Anjediva, os arquipélagos de
Lakha (Laquedivas) e de Malaca (Maldivas), Sinhala (Ceilão) e Sumatra e Java, Bornéu e as Molucas
até os pontos extremos de Banda e Ambon.

Decaídos os árabes de sua privilegiada posição de intermediários entre o Oriente e o Ocidente, a


corrente de produtos orientais, que da Ásia anteriormente ia para a Europa através do Mediterrâneo,
foi encaminhada diretamente para Portugal, seguindo a via marítima.

A expansão portuguesa na Ásia continuou no decorrer de quase todo o século XVI, exigindo
frequentemente o recurso às armas, o que absorvia grande parte dos recursos do reino. Durante esse
tempo, os portugueses mantinham suas pretensões no Marrocos, sustentando diversas guerras,
embora de pequena envergadura. Ao mesmo tempo, seus navegantes descobriram várias ilhas no
Atlântico Sul, chegaram às costas do Canadá e exploraram quase todo o litoral do nascente da
América do Sul. A partir da terceira década desse século também foi iniciada a colonização do Brasil,
e Portugal soube defender com indomável energia a posse das novas terras, enfrentando a crescente
agressividade de marinheiros ingleses, franceses e holandeses. Num extremo do mundo, seus
marinheiros, comerciantes e religiosos chegaram ao Japão e se estabeleceram em Macau, na China;
no outro, seus pescadores, ao largo da Terra Nova começaram a retirar dos mares o bacalhau ali
encontrado em cardumes imensos e segundo consta auxiliaram o navegante francês Jacques Cartier,
nas suas primeiras explorações no Canadá. Assim, os portugueses, que não tinham quarenta mil
homens sob armas, faziam tremer o Império de Marrocos, os Berberes da África, os mamelucos, os
árabes e todo o Oriente de Ormuz à China, do cabo da Boa Esperança até Cantão, exercendo seu
domínio sobre mais de quatro mil léguas, por meio de uma cadeia de empórios e fortalezas.

Apesar dos sintomas de decomposição, o império comercial português atingiu, no fim do século XVI,
o seu apogeu. As frotas singravam carregadas de preciosidades até os mares do Japão e da China,
requerendo o serviço de mais de quatrocentos navios de alto bordo, além de duas mil caravelas e
vasos menores. Considerada a obra toda do pequeno reino, convém reconhecer a sua grandeza
excepcional em relação às limitações de recursos. Portugal era um pequeno Estado com escassa
população e condições econômicas limitadas. Fundando sua expansão política e econômica no
comércio marítimo e no império colonial viu-se face a face com as grandes potências marítimas que
ambicionavam por igual a implantação de colônias e linhas de comércio oceânicas. Exangue em
homens, sem recursos, principalmente devido às funestas campanhas no Marrocos, e tendo perdido
a independência para a Espanha após o desastre de Alcácer-Quibir, Portugal não pôde manter a
maior parte de seu grandioso império ante à investida cada vez mais pertinaz das novas potências
marítimas surgidas na Europa. Enquanto os Países Baixos solapavam o poder lusitano nas Índias
Orientais, seja por ações diretas, seja fomentando a rebelião dos indígenas já submetidos, a
Inglaterra colaborava na ruína do império português, ajudando em 1622 a Pérsia a reconquistar
Ormuz. A Espanha, que se esforçava para proteger suas colônias na América, deixou em pleno
abandono as possessões portuguesas. No Brasil, onde já havia uma população de origem portuguesa
relativamente numerosa, as investidas holandesas fracassaram, mas na África e no Oriente os
empórios fortalezas lusitanas, que dispunham de limitadas guarnições e com as comunicações
precariamente mantidas com a metrópole, foram sendo tomadas uma a uma.

Em 1640 Portugal conseguiu sacudir o domínio espanhol, Dom João IV, elevado ao trono pelo voto
popular, encontrou o reino arruinado por 61 anos de servidão, sem exército, sem navios, sem
artilharia. Seguiram-se quase vinte anos de guerras antes que a independência portuguesa fosse
formal e definitivamente reconhecida pelas demais potências europeias. Os portugueses recobraram
o Brasil, mas perderam as Molucas, Cochim, Ceilão, o cabo da Boa Esperança e tudo mais de que os
holandeses se haviam apoderado nas Índias Orientais. Por outro lado, já não havia condições nos
séculos XV e XVI para serem recomeçadas as aventuras oceânicas. O tempo do valor pessoal havia
passado. No lugar das navegações aventurosas estavam estabelecidas linhas de comércio regular
controladas por rivais poderosos.

Dessa forma, a Holanda e a Inglaterra foram às herdeiras de Portugal.


9 – ESPANHA

Características do território espanhol. A obra colonial da Espanha. O sucesso das conquistas na


América e na Ásia. O Império onde o Sol não tinha ocaso. A dependência às comunicações
marítimas e as rivalidades continentais. As guerras contra a Holanda e a Grã-Bretanha:
consequências. A perda da supremacia nos mares e lento desmembramento do vasto império.

A Espanha, com seu planalto extenso cercado de ásperas cordilheiras, é um país nitidamente
continental. Os rios caudalosos na época das chuvas e secos no verão, fechados quase sempre por
bancos em sua desembocadura, prestam-se pouco à navegação. Também não tem a Espanha bons
portos, e mesmo o tráfego pela costa é difícil. Em oposição a Portugal, é, pois, a Espanha um país
interior, no qual, ao lado da agricultura, da viticultura e da criação do bicho-da-seda, teve grande
importância a indústria pastoril. Além disso, o país era bastante extenso para alimentar devidamente
a população, de maneira que esta não sentia necessidade alguma de arriscar-se em empresas
ultramarinas para aquisição de novas terras.

Embora houvesse ao longo do litoral uma população de arrojados marinheiros, como os de Barcelona
e Valência, os quais enfrentaram na Idade Média lutas porfiadas contra as frotas das cidades
marítimas italianas, os espanhóis não teriam empreendido, possivelmente, o caminho dos
descobrimentos, se um estrangeiro, o genovês Cristóvão Colombo, não lhes tivesse mostrado as rotas
do oceano. Desse modo, iniciou a Espanha uma política que não correspondia ao seu caráter
continental, na qual, a princípio, o povo não participou de maneira alguma. Não obstante, o recém-
fundado Império Colonial Espanhol conseguiu adquirir um imenso poder, graças à sua favorável
situação geral em relação às novas rotas marítimas. Além disso, os fabulosos êxitos dos primeiros
aventureiros excitaram o afã dos demais, fazendo com que fossem realizadas verdadeiras façanhas.
Sob o comando de chefes da têmpera de Pinzon, Vespúcio, Cortez, Pizarro, Del Cano, Magalhães,
Narvaez, Ayolas, De Soto, Balboa e muitos outros mais, os espanhóis, a partir dos primeiros anos do
século XVI, transformaram grande parte do mundo em palco de suas arrojadas expedições de
conquista. Embora em pequeno número, esses aventureiros edificaram o maior império colonial do
século, conquistando regiões imensas em meio a dificuldades e perigos incontáveis. Sucediam-se as
conquistas com tal rapidez, que durante o meio século seguinte quase não passava um ano sem que
o Império Colonial Espanhol ganhasse um grande território. Durante esse período, a Espanha foi a
potência mais importante do mundo. Abarcavam seus territórios o sul da Itália, a Holanda, a Bélgica,
a Espanha, Portugal e partes consideráveis da França, toda a América Central e Meridional, a maior
parte dos territórios ocidentais e meridionais dos Estados Unidos, as ilhas Filipinas, Madeira, Açores,
Cabo Verde, a Guiné, o Congo, Angola, Ceilão, Bornéo, Sumatra, Molucas, com numerosos
estabelecimentos em outras terras similares e continentais da Ásia. Nessa época, o exército espanhol
era reputado o melhor da Europa. No mar, o prestígio das armas espanholas foi assegurado pela
vitória sobre os turcos em Lepanto (1571). Entretanto, a dispersão geográfica dos países submetidos
à lei dos Habsburgos foi uma causa de enfraquecimento para a Espanha, considerando que, para
realizar a coesão política de suas possessões disseminadas pelo mundo inteiro, ela tinha que ser toda
poderosa no mar, o que não foi conseguido, se bem que tentado constantemente. As numerosas
guerras que a Espanha sustentou na Europa esgotaram os tesouros tirados do México e do Peru. Por
outro lado, essas guerras impediram-na de consagrar suas energias e suas riquezas na manutenção
do poderio marítimo que lhe asseguraria o controle dos territórios mais preciosos: os da América e os
dos Países Baixos.
A Espanha, depois de anexar Portugal, estava quase tão em contato com o mar com a Inglaterra e
dispunha, além disso, de uma frota de guerra com tradição naval, mas era frota de galés com
escravos por remadores, e as suas tradições eram as do Mediterrâneo. A esquadra que triunfou
sobre os turcos em Lepanto, com a tática de Salamina e Actium, não poderia resistir à descarga
simultânea de Drake, não poderia atravessar o Atlântico e de pequena utilidade seria na bala de
Biscaia e no canal da Mancha. A Espanha possuía, é fato, os seus navios para a navegação Oceânica
que velejavam ao longo da costa americana ou atravessavam o Atlântico de Cádiz ao Novo Mundo;
serviam para levar imigrantes e trazer a prata e o ouro, mas, não sendo navios de guerra, caíram
como presa fácil nas garras dos piratas ingleses. Na realidade, a Espanha só começou a construir
navios capazes de combater a Inglaterra nas vésperas da deflagração da guerra regular.

O momento mais crítico de toda a história da Espanha chegou quando a Armada que enviara contra
as costas da Inglaterra sofreu irreparável derrota em 1588; cento e sessenta navios, dois mil e
seiscentos canhões, oito mil marinheiros e vinte e dois mil homens de tropas, tal foi a força. Veio o
desastre e atrás dele as extraordinárias aventuras que afligiram o resto da frota:" tempestades, fome,
enfermidades. Menos da metade dos navios conseguiu retornar à Espanha. Se bem que fosse ainda
preciso deixar passar três séculos para ver consumar-se a perda de suas últimas colônias, o domínio
do seu vasto império colonial achou-se imediatamente abalado por aquele primeiro golpe na
hegemonia marítima. Se bem que a Espanha houvesse ainda podido manter grandes frotas até as
guerras de Napoleão, nunca mais foi potência verdadeiramente temível.

Assim, por falta de um comércio próprio para cimentar, o poder marítimo espanhol, apesar de toda a
força política e militar de Felipe e do seu império sobre milhões de indivíduos dispersos por metade
do globo, ruiu ante o ataque de um pequeno Estado insular e de algumas cidades rebeldes das
planícies lamacentas e das dunas da Holanda.

Os espanhóis tinham magníficos soldados, mas para o recrutamento indispensável de marinheiros


não dispunham da classe numerosa e enérgica de mercadores e homens do mar particulares, tais
como os que eram a riqueza e o orgulho da Inglaterra. Em consequência, permanecendo grande
potência em terra, não mais foi possível à Espanha competir no mar com a Holanda e a Inglaterra.
Enfraquecida no mar, que serviu de ligação entre as várias partes do Império durante dois séculos,
tornou-se a Espanha inimiga natural de grande número de potências que se esforçavam em arrancar
o pavilhão de Castela das terras conquistadas ou das riquezas extraídas dos novos territórios. Em
todas as colônias de alguma importância, foram os espanhóis obrigados a levantar fortificações
custosas, a fim de garantir uma proteção relativa contra os ataques de piratas e das frotas das
potências inimigas. Embora decadente, a Marinha de Castela não estava, porém, ausente dos mares
e soube por mais de uma vez impor-se a seus contendores, como sucedeu ao largo dos Abrolhos por
ocasião das invasões batavas no Brasil.

A ameaça contra as rotas marítimas, cada vez maior com o decorrer dos anos, obrigou a Espanha a
tomar medidas extremas.

Todo o tráfego era regulado de maneira a encher as máximas condições possíveis de segurança
contra os navios corsários das nações rivais. Uma vez por ano, dos portos de Cádiz, Sevilha e S. Lucas
partiam dois comboios de navios mercantes escoltados por navios de guerra. Um desses comboios,
chamado Frota, fazia vela para o México, e o outro chamado Galeão, se dirigia para a América do Sul.
A Frota levava a Vera Cruz às mercadorias destinadas à Nova Espanha, Os galeões destinados ao
abastecimento de Caracas, da Nova Granada, do Peru, do Chile desembarcavam suas mercadorias em
Cartagena e em Porto Bello. Galeão e Frota, reuniam-se em Havana carregados de metais preciosos e
dos produtos do México e da América do Sul, e entravam juntos em Cádiz. Os comboios não seguiam
cada ano a mesma rota, a fim de evitar o ataque dos navios corsários, e o itinerário era
rigorosamente fixado pelo governo central. Todos os mercadores que quisessem exportar
mercadorias para as colônias ou importar na Espanha produtos coloniais tinham que se servir das
duas frotas armadas pelo Estado.

Paralelamente ao declínio da Marinha espanhola, se processou o esfacelamento do outrora


majestoso Império de Felipe II. Ainda nos séculos XVI e XVII, após o desastre da "Invencível Armada"
a Espanha perdeu, na Europa, quase todo o território extra peninsular e algumas ilhas nas Antilhas.
No século XVIII, em consequência da Guerra de Sucessão de Espanha, na qual a frota de Castela
sofreu sérias derrotas, Málaga, Gibraltar e a ilha de Minorca, no próprio território metropolitano,
caíram sob os golpes da Marinha britânica. A ilha de Minorca voltou, anos após, ao poder da
Espanha, graças ao apoio da Marinha francesa, mas Gibraltar até hoje está sob o pavilhão inglês.

O progressivo esfacelamento do Império, de onde provinham os principais recursos para o tesouro de


Madri, as guerras incontáveis e desastrosas aliadas à infeliz situação social e econômica do próprio
território metropolitano colocaram a Espanha no caminho da decadência. A agricultura ibérica, que
na Idade Média fora a mais adiantada da Europa, entrou em colapso e por volta de 1700 já mal podia
alimentar a população do país. Também as principais indústrias, como a da lã e da seda, minguaram.

O período napoleônico trouxe novas desgraças ao vacilante reino. Com indomável energia e
ferocidade, o povo espanhol enfrentou a invasão francesa, mas enquanto sustentava a luta heroica, a
maior e melhor parte do seu vasto Império Colonial alcançava a liberdade. Em consequência, a
população declinou, e a miséria espalhou-se.

Até a segunda década do século XIX, quase todas as colônias da América Central e do Sul se haviam
separado do Governo de Madri. No decorrer do século XIX, a Espanha deixou de vez de ser uma
grande potência. Sua população pouco havia crescido em confronto com a dos demais países
europeus. Desprovida de recursos naturais, não pôde a nação ibérica acompanhar o ritmo acelerado
da revolução industrial processado noutros países da Europa. Não dispondo de colônias ricas, sem
indústria de vulto, sem outros recursos internos que permitissem o desenvolvimento comercial,
dilacerada por graves dissensões internas, a Espanha era uma sombra do que fora. Em 1898, depois
das derrotas navais de Manilha e Santiago, a Espanha foi obrigada a concluir a infeliz guerra contra os
Estados Unidos, perdendo Cuba, Porto Rico e as Filipinas.

10 – HOLANDA

O ambiente geográfico. A importância da pesca. O desenvolvimento do comércio marítimo e a


posição propicia do país. A supremacia mercantil holandesa da Rússia ao Mediterrâneo. O avanço
para as índias Orientais e para a América. A luta contra Portugal e Espanha. As grandes
companhias de Comércio. O império Colonial Holandês. O apogeu do Poderio batavo. A rivalidade
britânica. As guerras anglo-holandesas do século XVII. A rivalidade francesa. O declínio holandês
nos mares.

Os estuários dos rios flamengos ofereciam na Idade Média portos naturais ideais, pois penetravam
profundamente nas terras e eram acessíveis aos grandes navios da época, permitindo, ao mesmo
tempo, aos pequenos barcos avançar bem longe no interior. As condições naturais do país eram,
portanto, propícias ao desenvolvimento das cidades comerciais, e já durante o reino de Carlos
Magno, sob a influência de uma situação política estável, podia-se prever o incremento que
tomariam mais tarde nos Países Baixos as manufaturas e o comércio de lã. A criação do Império de
Carlos Magno e sua extensão até o Elba mudaram a posição geográfica relativa dos Países Baixos e os
tornaram eminentemente próprios ao comércio. As regiões em torno do Reno, do Mosa e do Escalda
Inferior ocupavam daí por diante não mais uma posição terminal ou fronteiriça como haviam
ocupado sob os romanos, mas uma posição central, no interior do Império Carolíngio.

O desenvolvimento econômico precoce dos Países Baixos foi paralisado pelas invasões normandas e
pelo esboroamento do Império Carolíngio. Os rios que facilitavam o tráfego facilitavam também a
entrada dos normandos que no decorrer do século IX destruíram numerosas cidades e levaram suas
devastações ao Sul, até o Artois e a Picardia.

Depois de cessadas as incursões dos homens do Norte, as cidades dos Países Baixos desenvolveram
as indústrias têxteis, e a população do país adensou-se. A prosperidade das cidades dos Países Baixos
foi incrementada no decorrer do século XV por um estranho fenômeno. Com efeito, entre 1417 e
1425 os cardumes de arenque desapareceram do Sund. Por razões ainda desconhecidas, os arenques
cessaram de fugir do mar do Norte. Qualquer que tenha sido a razão dessa mutação, ela teve efeitos
marcantes, pois constituiu perda sensível para as cidades hanseáticas, principalmente para Lubeck, e
foi um ganho notável para os holandeses.

A descoberta do processo de secar o peixe forneceu aos holandeses matéria para exportação bem
como para o consumo interno e veio a constituir a pedra angular de sua riqueza. Para a Holanda
como para Veneza a pesca junto à indústria e ao comércio de peixe salgado e seco marcou o estágio
inicial de sua carreira marítima e comercial. O mar do Norte, pouco profundo, oferecia colheitas mais
ricas que as terras baixas e mal drenadas das planícies da Flandres. Os barcos flamengos passaram a
explorar as localidades vizinhas às ilhas Faroe e à Groenlândia, trazendo arenque em quantidade
crescente. Numa palavra, a Holanda procurou e encontrou recursos no mar e não somente tornou-se
com Bruges, na Idade Média, um centro internacional da navegação e da finança, mas também, como
Veneza, uma grande potência naval.

A luta vitoriosa para a libertação do jugo espanhol favoreceu a criação de um Estado forte consciente
da importância do mar na vida nacional. Se já antes, pelo ocaso do poder mundial espanhol, os
holandeses eram vizinhos incômodos, converteram-se depois da Guerra da Independência em
adversários triunfantes que, protegidos pela força política de seu Estado naval, orientavam todos os
esforços no sentido de conseguirem a máxima grandeza para seu comércio. Não se contentaram eles
em abalar totalmente o comércio hanseático para o Ocidente, mas com singular atrevimento
avançaram para o verdadeiro domínio da Hansa, o Mar Báltico, reduzindo nele, cada vez mais, a
influência das cidades alemãs. Mais tarde, favorecidos por uma posição geográfica intermediária
entre o Báltico, a França, o Mediterrâneo e a foz dos rios alemães, os holandeses absorveram
rapidamente quase todo o tráfego comercial europeu, e, no fim do século XVI, Espanha e Portugal,
não menos que Veneza e as Cidades Hanseáticas, viram-se despojadas da maior parte de seus
transportes marítimos pelos atrevidos marinheiros e comerciantes batavos.

A Holanda procurou em primeiro lugar satisfazer as necessidades dos países marítimos mais
próximos situados a leste e a oeste, trocando madeiras e cereais que produziam uns, por sal e vinhos
que produziam outros. O arenque seco, os mercadores batavos transportavam para as embocaduras
de todos os rios vindos do Sul, desde o Vístula até o Sena, e ao longo do Reno, do Mosa, do Escalda.
Seus navios iam procurar lã em Chipre, seda em Nápoles e, da Noruega, traziam uma grande parte da
madeira necessária à construção de seus barcos. Das planícies da Prússia e da Polônia e mesmo da
Rússia, eles traziam o linho e sobretudo os gêneros alimentícios que constituíam um artigo de
importância indispensável, visto o solo da Holanda só poder então, segundo uma autoridade
competente da época, alimentar um oitavo de seus habitantes.

Se bem que os holandeses se tivessem assenhoreado de uma grande parte do comércio europeu, não
tiraram menor proveito e o melhor de suas glórias nas suas relações com as índias Orientais. A
indiferença dos portugueses em primeiro lugar e em seguida a dos espanhóis pelo transporte e venda
das especiarias nos mercados europeus, permitiu aos mercadores flamengos e holandeses dele se
apoderarem. As medidas proibitivas adotadas por Felipe II para aniquilar a navegação e o comércio
das Províncias do Norte e em particular da Holanda, que tinha sido colocada frente da nova
confederação republicana (1609), longe de enfraquecer o inimigo, estimulou-lhe a resistência e a
agressividade A interdição feita pela Espanha aos navios holandeses de entrar em seus portos
colocou os mercadores da nova confederação em situação precária, visto a interdição impedi-los de
se aprovisionarem de especiarias e de produtos coloniais. A Holanda foi portanto, obrigada a
enfrentar contra a Espanha uma luta de morte. De todos os atos hostis que a Holanda dirigiu contra a
Espanha, a empresa nas Índias foi a que mais assustou o rei e a nação e a que feriu mais fundo,
imprimindo por outro lado, poderoso desenvolvimento aos Países Baixos.

Os primeiros mercadores holandeses que no declinar do século XVI atingiram Java e as Molucas,
depois de terem violado por intermédio de Cornelius Hontmann o segredo da rota marítima,
limitaram-se a obter dos príncipes locais, em troca de produtos mais baratos do que os vendidos
pelos portugueses, as reduções dos direitos alfandegários e a concessão ao longo da costa, para
instalar depósitos, representações etc. com o fim de criar uma corrente de atividade comercial
baseada na troca de produtos nacionais ou importados pelos mais procurados do Oriente. Nessa
época, a autoridade governamental não interveio suficientemente nesse setor, e o tráfego marítimo
foi confiado a numerosas companhias privadas que se tinham constituído nos diversos portos da
Holanda e que armavam frotas de comércio e de guerra para as necessidades de seus negócios e para
a luta contra os portugueses na Índia. Para eliminar os perigos da concorrência recíproca e para
resistir energicamente aos espanhóis e portugueses, procedeu-se a fusão das diversas sociedades
numa só companhia, constituída em 1602, sob o nome de Companhia Holandesa das Índias Orientais,
com o capital inicial de cerca de sete milhões de florins. A Companhia recebeu do Estado o privilégio,
para um período de vinte anos, do pleno controle sobre a navegação e o tráfego com o Oriente. Por
seu lado, ela se dedicou a armar os navios, a combater os inimigos, a contratar aventureiros para o
serviço, a redigir tratados, a criar empórios e estabelecimentos financeiros nas Índias. Na época de
maior atividade bélica contra os portugueses e espanhóis, a Sociedade chegou a ter uma esquadra de
cento e oitenta navios de trinta a sessenta canhões, guarnecidos por doze a treze mil homens.

Depois da criação da Companhia das Índias Orientais, a atividade comercial holandesa se fez cada vez
mais eficiente. O Almirante Warwick, verdadeiro fundador das colônias holandesas no Oriente,
fazendo-se a vela com quatorze navios para aquelas paragens onde a frota portuguesa não o podia
enfrentar, fortificou no território do rei de Johor, em Java, um empório que dispunha de uma bala
abrigada, e fez aliança com vários príncipes de Bengala. Novos empórios foram criados nas costas do
Malabar, em Sumatra e Amboina o que permitiu aos holandeses tornar mais efetiva a concorrência
dirigida contra portugueses e espanhóis. Os antigos estabelecimentos e os primeiros empórios
transformavam-se pouco a pouco, em núcleos de ocupação militar. Foi procedida depois a conquista
direta dos territórios. O socorro prestado pelos holandeses ao imperador de Mata valeu-Ihes, pouco
a pouco, a posse de toda a ilha de Java, e, em 1641, a aliança com o rei de Atch serviu para tomar os
portugueses Malaca e as mais importantes ilhas de especiarias. A luta se prolongou na costa de
Malabar onde os portugueses tinham raízes mais fortes, mas os holandeses acabaram por triunfar e
se apoderaram de Cochin, de Cananor e de Ceilão (1656). Já nos meados do século XVII, as costas e
ilhas do oceano Indico achavam-se praticamente submetidas ao pavilhão holandês. Assim, a
Companhia das Índias Orientais, depois de se ter enriquecido com os despojos do Império Colonial
Português, estendeu suas conquistas até o arquipélago de Sunda, estabelecendo o centro de seu
domínio entre a Ásia e a Austrália. A ilha de Java, e em particular o porto de Batávia, se encontrava
na confluência das rotas marítimas do Oriente. Quase todo o tráfego exercido pelos árabes, hindus e
chineses ficou assim submetido ao controle holandês.

Os comerciantes holandeses penetraram com facilidade no Japão, onde foram bem acolhidos e
substituíram os portugueses já ali estabelecidos havia várias décadas. Também na ilha de Formosa se
estabeleceram os ousados traficantes batavos.

Com a ocupação do cabo da Boa Esperança (1652), transformado em ponto de apoio e em escala
para as frotas comerciais e de guerra em caminho das colônias da Ásia e Austrália, os holandeses
tornaram-se senhores absolutos das rotas marítimas do Oriente, conseguindo centralizar em suas
mãos quase todo o monopólio do tráfego de especiarias.
As expedições holandesas na América não foram coroadas de tão brilhante sucesso; entretanto, elas
voltavam sempre com rico saque feito sobre espanhóis ou portugueses. O maior triunfo no gênero foi
a captura por Pieten Hein em 1628 de uma frota de galeões espanhóis procedentes do México e
carregados de prata e ouro.

De forma semelhante à sua congênere das Índias Orientais, a Companhia das Índias Ocidentais,
formada em 1611, para responder às necessidades de guerra e da luta comercial contra a Espanha,
conseguiu conquistar algumas ilhas nas Antilhas e os portos de Recife e Olinda na costa brasileira. No
Brasil, contudo, a Companhia enfrentou uma guerra quase perene em face da hostilidade dos
habitantes de língua portuguesa, o que lhe consumiu grande parte dos lucros. A resistência brasileira
obrigou a Companhia a abandonar o solo sul-americano depois de menos de vinte e cinco anos de
precário domínio.

A principal fonte de renda da Companhia das Índias Ocidentais ficou sendo o ataque à navegação
espanhola e à portuguesa. Ela despendeu entre 1623 e 1636 quatro milhões e quinhentos mil libras
para equipar oitocentos navios, mas aprisionou quinhentos e quarenta navios cuja carga valia cerca
de seis milhões de libras. A essa soma cumpre juntar três milhões resultantes da pilhagem e saque
contra os portugueses. Também na América do Norte, procuravam os batavos se estabelecer e, ao
longo do território atualmente compreendido entre Nova York e Nova Jersey, surgiram numerosas
colônias holandesas que tiveram por centro comercial a cidade de Nova Amsterdam (atual Nova
York).

Dessa forma, no fim do século XVI e no começo da segunda metade do século XVII, a Holanda, graças
às conquistas de suas principais Companhias, formou um vasto domínio colonial que lhe permitiu
controlar as rotas marítimas do oceano Indico e do Atlântico. Foi o apogeu da Holanda.

A Holanda tornara-se a Fenícia dos tempos modernos. As manufaturas de fazendas, tecidos de linho
etc., que empregavam seiscentas mil almas, abriram novas fontes de ganho ao povo, anteriormente
limitado ao comércio do queijo e do peixe. A pesca apenas já os havia enriquecido. O arenque
salgado alimentava cerca de um terço da população da Holanda, sendo sua produção de trezentas
mil toneladas de peixe salgado que rendiam mais de oito milhões de francos anualmente. O poderio
naval e comercial da República desenvolvera-se rapidamente. Só a frota mercante da Holanda tinha
dez mil velas com cento e sessenta e oito mil marinheiros e sustentava duzentos e sessenta mil
habitantes.

Os portos, os golfos, os braços de mar holandeses estavam cobertos de navios, e todos os canais do
interior do país pululavam de embarcações. Dizia-se, exagerando, que havia na Holanda tanta gente
habitando sobre as águas como sobre terra firme. Contavam-se duzentos grandes e trezentos médios
navios, tendo por porto principal Amsterdam. Uma floresta sombria e espessa de mastros avançava
até a cidade. Nessas condições, Amsterdam tinha alcançado, com efeito, uma importância
extraordinária. No espaço de trinta anos, a cidade experimentou por duas vezes aumentos
consideráveis. Uma viagem às Índias era coisa corrente. Aprendia-se a navegar com qualquer vento.
Cada casa era uma escola de navegação; por toda parte havia cartas náuticas. Entretanto, situadas
entre a França e a Inglaterra, foram as Províncias Unidas, depois que se libertaram da Espanha,
constantemente envolvidas em guerras, ora contra uma, ora contra outra. Essas guerras exauriram
suas finanças, aniquilaram sua Marinha e causaram o rápido declínio de seu tráfego, das manufaturas
e do comércio. Primeiramente a Holanda se viu envolvida numa série de guerras contra a Inglaterra.
Desde muito tempo a prosperidade britânica nos oceanos fazia prever um conflito entre as duas
potências marítimas. O "Ato de Navegação" de Cromwell tornou o conflito inevitável. Com esse Ato a
Inglaterra procurou obter o monopólio do transporte marítimo para a América, Ásia e África, só
permitindo às demais nações usar seus navios nessas rotas marítimas para a condução de seus
próprios produtos, sob pena de confisco e captura. A Holanda não podia aceitar essa medida sem
protestar, pois era ela a grande intermediária no comércio de especiarias orientais. Estalou
imediatamente a guerra.

A primeira guerra, embora desfavorável aos Países Baixos, não foi decisiva. Como resultado dela, que
durou justamente um ano e onze meses (1653-54), os ingleses afirmam ter sido vitoriosos em cinco
ações gerais e ter capturado mil e setecentos navios avaliados em seis milhões de libras, enquanto os
holandeses capturaram apenas um quarto desse total.

A excessiva dependência às rotas marítimas foi desastrosa para os holandeses. O alimento, as


vestimentas, o material para confecção de suas manufaturas, muita madeira e cânhamo com que
construíam e equipavam seus navios eram importados exclusivamente por via marítima. Ao atingir a
guerra dezoito meses, os negócios marítimos tinham cessado. As principais fontes de recursos do
Estado, como a pesca e o comércio, nada rendiam. As oficinas pararam, e o trabalho foi suspenso. O
Zuyder-Zee tornou-se uma floresta de mastros, o país se encheu de ruínas, e o capim cresceu nas
ruas de Amsterdam. Era a consequência inevitável da perda do domínio do mar. Os mais brilhantes
almirantes batavos e ingleses do século surgiram nessa guerra: Tromp e de Ruyter de um lado; Blake
e Monk de outro.

Dez anos de paz restabelecera, em parte, a prosperidade holandesa, e por conseguinte as razões de
atrito com a Inglaterra. Em breve, rompeu a Segunda Guerra Anglo-Holandesa que, como a
precedente foi exclusivamente marítima e teve as mesmas características gerais. Três grandes
batalhas foram travadas: a primeira, ao largo de Lowestoft; a segunda, conhecida como Batalha dos
Quatro Dias, no Estreito de Dover; a terceira, ao largo de North Foreland. Na primeira e na última
delas, os ingleses conseguiram um sucesso decisivo; na segunda, a vantagem ficou com os
holandeses.

Apesar da Segunda Guerra Anglo-Holandesa marcar mais uma etapa de ascensão marítima da Grã-
Bretanha em detrimento dos Países Baixos, não significou a desaparição nos oceanos dos navios
batavos. Em 1666, a tonelagem mundial da Marinha Mercante orçava por dois milhões de toneladas,
das quais 900 mil cabiam à Holanda, 500 mil à Grã-Bretanha, 250 mil a Hamburgo, Dinamarca, Suécia
e Dantzig e 250 mil à Espanha, Portugal e Itália. O comércio europeu não podia ficar, dessa forma,
privado repentinamente dos navios batavos.

Após uma trégua de sete anos, a guerra recomeçou, tendo a Holanda que enfrentar o poderio
combinado anglo-francês durante dois anos (1672-74). De Ruyter alcançou então a vitória de
Solebay. Três batalhas navais tiveram lugar em 1673, todas próximas à costa das Províncias Unidas:
as duas primeiras, ao largo de Schoneveld, e a terceira que ficou conhecida como a batalha de Texel.
Nenhuma delas foi decisiva. A batalha de Texel, fechando a série de guerras em que os holandeses e
ingleses lutaram de igual para igual pela posse dos mares, viu a Marinha holandesa na mais alta
eficiência, e seu maior expoente, de Ruyter, no cume de sua glória. Mas o poder, sendo relativo,
mostrava, por outro lado, que a balança estava pendendo pouco a pouco para o lado britânico.
Com notável perspicácia os estadistas ingleses perceberam a mudança de pesos nos pratos da
balança do poder. A Holanda já não era o fator de maior peso, mas sim a sombra crescente da
França, unida, populosa e sob a administração eficiente de Colbert e a ambição de Luiz XIV. Os
ingleses, com realismo, firmaram a paz com os Países Baixos, paz essa que não mais foi perturbada. A
retirada da Inglaterra, que ficou neutra durante os remanescentes quatro anos de guerra,
necessariamente tornou o conflito menos marítimo. O teatro de operações navais transferiu-se para
o Mediterrâneo, onde os holandeses, dessa feita aliados aos antigos inimigos espanhóis, enfrentaram
o recém-criado poderio marítimo da França. Contudo, a esquadra francesa, sob o comando de
Duquesne, foi vitoriosa em Stromboli e em Agosta. Na última dessas batalhas, de Ruyter encontrou a
morte.

No decorrer dessa guerra o comércio marítimo holandês, depredado pelos piratas franceses, sofreu
pesadamente, perdendo, inclusive, indiretamente, a preferência dos países estrangeiros que
passaram a dar preferência ao transporte feito por pavilhões neutros. Quando, finalmente, os
ataques de Luiz XIV forçaram a Holanda a consagrar a sua riqueza e energia à defesa do próprio solo,
essa nação decaiu gradualmente perante a Inglaterra, na corrida pela hegemonia comercial.

A guerra de Sucessão da Espanha (1702-13) virtualmente eliminou as Províncias Neerlandesas da


esfera de alta política. Em verdade elas eram aliadas da Grã-Bretanha e, portanto, do lado vitorioso
na guerra. Entretanto, os esforços que haviam sido obrigados a despender, quer em terra como no
mar, exauriram-nas completamente. Suas contribuições em navios, homens e dinheiro declinaram
continuamente até a paz de Utrecht, quando então só dispunham de influência negligível. Os ganhos
nesse tratado foram quase nulos. Mas se o visível declínio das Províncias Unidas data da paz de
Utrecht, o declínio real começara antes. A Holanda deixou de ser citada entre as grandes potências
da Europa. Sua Marinha não seria no futuro um fator militar na diplomacia, e seu comércio também
acompanhou a decadência geral do Estado. Até o final do século XVIII, a Marinha Mercante dos
Países Baixos ainda se manteve como a maior em tonelagem da Europa, mas pouco a pouco foi
cedendo lugar à britânica, que era amparada pela política segura do Governo de Sua Majestade e
pelos canhões do Royal Navy. Assim, como a Holanda fora a herdeira do comércio marítimo
hanseático, português e espanhol, a Grã-Bretanha foi a herdeira do comércio batavo.

11 – GRÃ-BRETANHA

Importância do mar para a Grã-Bretanha. Feição rural das primitivas sociedades inglesas.
Importância crescente das populações marítimas. A Guerra dos Cem Anos. A criação da Royal Navy. O
descobrimento da América e seus efeitos econômicos na Grã-Bretanha. As classes comerciais e sua
influência na política externa do país. A ação combinada do Estado e das classes mercantis. O reinado
de Isabel I. A guerra contra a Espanha. As Companhias de Comércio. Londres como centro político e
mercantil. A expansão inglesa na América e nas Índias Orientais. Primeiros atritos com os holandeses.
O reinado de Jaime I. O Ato de Navegação durante a Ditadura de Cromwell. A luta contra os Países
Baixos. A supremacia comercial britânica. As sete guerras contra a França. A supremacia absoluta do
século XIX. A Revolução Industrial. A ameaça germânica. As duas Guerras Mundiais. Situação
presente.

A Grã-Bretanha teve sempre seu destino ligado ao mar e aos portos e rios que desde os tempos
primitivos abriram suas regiões interiores ao que procedia do oceano. Assim, muito antes que
aspirasse dominar as ondas, a elas esteve sujeita. Dos povoadores iberos e celtas aos saxões e
dinamarqueses, dos comerciantes pré-históricos e fenícios aos senhores romanos e normandos,
sucessivas vagas de colonos guerreiros, os mais enérgicos homens do mar, agricultores e traficantes
da Europa vieram pelas águas para habitar a Ilha ou para insinuar os seus conhecimentos e espírito
aos antigos habitantes. Entretanto, os primeiros povos que habitaram a Grã-Bretanha não se
notabilizaram no mar. A Inglaterra vivia então da agricultura e do pastoreio. Seus homens eram
pastores e fazendeiros antes que mercadores ou marinheiros, e antes da conquista normanda, por
longo tempo, nem o Estado nem a Marinha insular estiveram habilitados a defender a Ilha. Exceto
quando protegida pelas galés e legiões romanas, a antiga Grã-Bretanha esteve, portanto,
particularmente exposta à invasão. Mas, se invadir a Grã-Bretanha era extraordinariamente fácil
antes da conquista normanda, tornou-se extraordinariamente difícil depois. A razão é clara. Um
Estado bem organizado, com um povo unido em terra e uma força naval no mar, podia defender-se
por detrás do Canal contra qualquer superioridade militar. Assim, nos tempos antigos, a relação da
Inglaterra com o mar foi passiva e receptiva; nos tempos modernos, ativa e adquiridora. Num e
noutro caso é a chave de sua evolução.

Nos séculos seguintes à conquista normanda, embora permanecesse a Inglaterra um país sobretudo
agrícola, o adensamento progressivo de uma população de pescadores, marinheiros e mercadores
nos magníficos e inúmeros portos marítimos e fluviais começou a revelar a futura tendência do povo
da ilha. Essa classe aumentou em prestígio e em riqueza, primeiro em consequência das Cruzadas e
depois em virtude da Guerra dos Cem Anos.

No decurso da longa série de conflitos com a França nos séculos XIV e XV, é curioso observar, tão
cedo na história, que os principais traços da política inglesa já aparecem impostos pela situação do
país. A Inglaterra tinha necessidade da supremacia no mar, na falta da qual não podia continuar o
comércio, nem enviar tropas ao continente, nem se manter em ligação com as tropas já enviadas.
Enquanto a superioridade naval foi mantida, a Inglaterra manteve-se em solo francês, graças à
ligação constante com seus exércitos desembarcados no continente. Todavia, as comunicações foram
perturbadas várias vezes pela investida de marinheiros gauleses, e a reação de um país populoso
como a França obrigou, no fim da longa luta, os ingleses a se retirarem. De qualquer forma, o solo
britânico se viu a salvo dos ataques inimigos, a não ser das suas rápidas e pequenas investidas.

A verdadeira expansão marítima inglesa começou, porém, mais tarde e pode ser datada da criação da
Marinha Real.

Na realidade, a Inglaterra, em 1485, era ainda um país pastoril. A fonte principal de riquezas derivava
não da construção naval ou da manufatura de têxteis, mas de fazendas de ovelhas, do crescimento
da lã. Os principais mercados para esses produtos eram as ricas cidades dos Países Baixos no estuário
do Reno. Durante a Guerra dos Cem Anos, o canal da Mancha fora defendido, na medida do possível,
pelos combativos marinheiros da frota mercante, lutando, por vezes, separadamente como piratas,
por vezes como em Sluys, sob comando nomeado pelo rei Henrique V começara a construir uma
esquadra real, mas a sua obra não passara dos primórdios e foi posteriormente descontinuada.

Henrique VII encorajara a Marinha Mercante; no entanto, não armou uma frota exclusivamente para
fins de guerra. Coube a Henrique VIII criar uma armada efetiva de navios reais de combate, com
estaleiros reais em Woolwich e Deptford; fundou também a corporação da Casa da Trindade. A
política marítima de Henrique VIII teve importância dupla. Não só criou navios especialmente
tripulados e apetrechados para o combate em serviço nacional, como também os seus arquitetos
navais planejaram muitos desses navios segundo um modelo aperfeiçoado. Eram veleiros melhor
adaptados ao oceano do que as galés a remos das potências mediterrâneas, e melhor adaptados à
manobra em batalha do que os navios redondos do tipo medieval, a bordo dos quais navegavam os
mercadores ingleses, e os espanhóis atravessavam o Atlântico. Ao mesmo tempo, o descobrimento
da América veio incentivar a atividade comercial da Inglaterra.

As Ilhas Britânicas tinham sido, durante a Idade Média, um setor marginal relativamente pouco
importante do mundo civilizado; um país conhecido, no máximo, como fornecedor de lã ou de
estanho. É verdade que já se achavam nas Ilhas as premissas geográficas de seu poderio ulterior; os
magníficos portos marítimos e abundantes portos fluviais, aos quais, durante a maré alta, podiam
chegar às embarcações de maior calado; a técnica perfeita, a experiência naval que os habitantes da
costa tinham adquirido em sua luta contra os elementos e, sobretudo, a esplêndida posição
marítima, a coberto dos ataques do continente e a posição mercantil posteriormente tão elogiada
entre os Estados mais progressivos da Europa e as terras virgens das colônias americanas.

Gradualmente, (durante os reinados Tudors, os ingleses perceberam que a sua remota posição
insular se modificara e passara a ponto central, dominando com vantagem as modernas rotas de
comércio e de colonização. O poder, a riqueza e a aventura os esperavam no longínquo termo de
viagens oceânicas fabulosamente longas. A luta pela supremacia comercial e naval sob as novas
condições se travaria claramente entre a Espanha, a França e a Inglaterra; todos esses países estão
voltados para o oceano Atlântico, que subitamente se tornara o principal centro de comunicações do
mundo, e cada um deles encontrava-se em processo de unificação sob um Estado moderno, com
consciência étnica agressiva e sob uma monarquia poderosa. Dessa forma, dos tempos Tudors em
diante, a Inglaterra tratou a política europeia simplesmente como um meio de firmar a sua própria
segurança face à invasão e de levar avante os seus planos ultramarinos. A sua insularidade,
convenientemente aproveitada, deu-lhe imensa vantagem sobre a Espanha e a França na
concorrência marítima e colonial.

Com a sua configuração estreita e irregular, com uma linha de costa grandemente recortada, por fim
em paz com seu único vizinho terrestre, a Escócia, bem fornecida de portos, grandes e pequenos,
apinhados de marinheiros e pescadores, o Estado encontrava-se sujeito à influência e às ideias dos
homens de comércio e da armação naval, que formavam uma única classe com as melhores famílias
provinciais nos condados marítimos. Dado que nenhum ponto na Inglaterra se situa a mais de setenta
milhas da costa, uma elevada proporção dos seus habitantes tinha algum contato com o mar, ou pelo
menos com as populações marítimas. Acima de tudo, Londres está sobre o mar, ao passo que Paris
está no interior e Madri fica o mais distante possível da costa. Por conseguinte, na Inglaterra, embora
a população total fosse pequena em comparação com a francesa ou a espanhola, havia uma grande
comunidade marítima acostumada há séculos a sulcar as tempestuosas vagas do mar no Norte. Em
breve, os representantes da comunidade marítima inglesa começaram a estender o raio de ação de
suas atividades, já agora contando com a proteção da Marinha de Guerra Real, construída e armada
segundo princípios modernos, e que dava apoio profissional aos esforços guerreiros de mercadores e
piratas particulares.

A fim de encontrar saída para a nova manufatura têxtil, os mercadores aventureiros da Inglaterra,
desde o princípio do século XV, procuraram vigorosamente novos mercados na Europa, não sem o
constante derramar de sangue, por mar e por terra, numa época em que a pirataria era tão geral que
dificilmente podia ser considerada desonrosa e em que os privilégios comerciais eram
frequentemente recusados e conquistados ao gume de espada. Com o fito de aproveitar uma
situação vantajosa, foram fundadas, com o apoio da Coroa, várias companhias de comércio, e
naturalmente a Marinha Mercante inglesa teve forte impulso. Assim, de 76 navios com mais de cem
toneladas, que a Grã-Bretanha dispunha em 1560, o número subiu a 177 em 1582, quase todos
pertencentes de quatro principais companhias: a das Índias, a do Levante, a de Moscou e a da Guiné.

Lado a lado com as mais guerreiras empresas de Drake, roubando aos espanhóis e abrindo o
comércio com as colônias pela força dos canhões, também houve muito tráfego de caráter mais
pacífico na Moscóvia, na África e no Levante. No entanto, era impossível traçar uma clara linha
divisória entre os comerciantes pacíficos e os guerreiros, porque, por seu lado, os portugueses
atacavam todos os que se aproximavam das costas africanas ou indianas. Não raras vezes, na costa
africana, repercutiu o estrépito da batalha entre os contrabandistas ingleses e os monopolizadores
portugueses, e, para o fim do reinado de Isabel, os mesmos ruídos começaram a quebrar o silêncio
dos mares indianos e do arquipélago malaio. Um combate naval com um pirata ou com um rival
estrangeiro constituía incidente inevitável na vida do mais honesto comerciante, quer em tempo de
paz, quer em tempo de guerra.

Em Londres, formaram-se companhias para suportar as despesas e os riscos das necessárias


hostilidades; a Rainha passou-lhes cartas de concessão de autoridade diplomática e militar para o
outro lado do globo, onde nunca chegaram navios do rei ou embaixadores reais. Os comerciantes
ingleses, viajando para aproveitar as suas oportunidades legais, foram os primeiros a representar o
país na corte do Czar, em Moscou, e do Mogol, em Agra. Os comerciantes isabelinos não hesitavam
também em atravessar o Mediterrâneo, apesar da guerra com a Espanha. A Companhia do Levante
comerciava com Veneza e as suas ilhas gregas, e com o mundo muçulmano mais para além. Dado que
os inimigos navais eram os venezianos e os espanhóis, o Sultão acolheu bem os heréticos ingleses em
Constantinopla. Mas na rota até al tinham que se defender das galés espanholas, próximo do estreito
de Gibraltar e dos piratas da Barbaria, ao longo da costa argelina. Tais foram os princípios do poder
marítimo inglês no Mediterrâneo, se bem que não fosse antes dos tempos Stuarts que a Marinha
Real seguiu até onde a frota mercantil travara já tantas batalhas.

A guerra entre a Espanha e a Inglaterra, tanto tempo adiante, eclodiu enfim em 1587. Felipe II
enviou, no ano seguinte contra a Grã-Bretanha, uma grande esquadra, a Invencível Armada,
conduzindo um exército de vinte e dois mil homens que deveria ser reforçado pelos terços espanhóis
estacionados nos Países Baixos. Os números das duas esquadras chefiadas, respectivamente, por
Howard e pelo Duque de Medina Sidônia não eram desiguais. Os ingleses, combinando a Marinha
Real com a Marinha Mercante armada, dispunham de esmagadora superioridade de canhões bem
como de arte náutica e arte de artilharia. Os espanhóis só eram superiores em tonelagem de navios
secundários e em soldados que alinhavam no convés, mosqueteiros e piqueiros, esperando em vão
que os ingleses se aproximassem, segundo as antigas regras de guerra naval. Mas os ingleses
preferiam o duelo entre a artilharia e a infantaria, a distância, por aquela escolhida. Não admira por
isso que a esquadra espanhola sofresse terrível estrago, ao passar pelo Canal. Já desmoralizados ao
chegarem a bala de Calais, manobraram mal os navios, em face dos barcos de fogo de Drake, e
fracassaram em todas as tentativas de embarcar o exército do Príncipe de Parma que os aguardava.
Depois de outra derrota, em grande batalha diante de Gravelines, os espanhóis deveram a uma
mudança de vento escaparem de total destruição nos baixios arenosos da Holanda; os navios
correram enfunados pela tempestade, sem provisões, sem água e sem abrigo, à roda das costas
penhascosas da Escócia e da Irlanda. Os ventos, as vagas e as rochas do remoto noroeste
completaram muitos naufrágios começados pelo canhão no canal da Mancha. Os grandes navios, às
fornadas de dois e de meia dúzia ao mesmo tempo, amontoaram-se nas costas onde os homens das
tribos célticas, que tudo ignoravam e nada se preocupavam com as lutas dos povos civilizados que
arremessavam essa colheita de náufragos para as suas regiões, chacinaram e esbulharam, aos
milhares, os melhores soldados e os mais altivos nobres da Europa.

A primeira tentativa séria da Espanha para conquistar a Inglaterra foi também a última. O esforço
colossal despendido em construir e equipar a invencível Armada, filha de tão ardentes preces e
expectativas, não podia, como o futuro mostrou, repetir-se efetivamente, embora daí em diante a
Espanha mantivesse no Atlântico uma frota de guerra mais formidável do que nos dias em que Drake
pela primeira vez viajara até o continente espanhol. Mas o resultado da luta decidira-se logo em
princípio por esse acontecimento único que toda a Europa imediatamente reconhecera como um
ponto de inflexão da História. O destino da Armada demonstrou a todo o mundo que o senhorio dos
mares passara dos povos mediterrâneos para as gentes do Norte.

A Inglaterra não elaborara ainda um sistema financeiro e militar capaz de suportar o seu recente
poder naval. Ao término do reinado de Isabel, com escassos cinco milhões de habitantes, não era
bastante rica e populosa para anexar as possessões espanholas ou fundar um império colonial
próprio. Mesmo a colônia estabelecida por Raleigh, na Virgínia, era prematura, em 1587. Quando na
época Stuart, a riqueza acumulada e a população supérflua da Inglaterra lhe permitiram retomar a
obra colonizadora, dessa vez em paz com a Espanha, o rumo dos puritanos e outros imigrantes levou-
os necessariamente às paragens setentrionais da América onde não se encontravam espanhóis.

Enquanto a Marinha espanhola exerceu o exclusivo domínio do Mar das Caraíbas, do oeste do
Atlântico e do leste do oceano Pacífico, nenhuma ocupação britânica foi possível, quer nas índias
Ocidentais, quer no litoral da América do Norte. Enquanto a Marinha portuguesa dominou o
Atlântico Sul e o oceano Índico, o comércio com o Oriente pela rota do Cabo esteve fora de questão.
Ao ser destroçado em conjunto o poderio naval peninsular na guerra que depois da derrota da
Armada continuou até 1604, ficaram abertas ambas, a leste e a oeste, ao comércio inglês e à
colonização. Entretanto, por falta de apoio do Estado, a expansão marítima comercial da Grã-
Bretanha não atingiu, nos primeiros anos do século XVII, toda a pujança de que já era capaz; houve
mesmo um período de retrocesso durante o reinado de Jaime I, o único rei Stuart que desprezou
totalmente a Marinha. A Inglaterra continuava a ser uma comunidade marítima, mas durante trinta
anos deixou de ser uma potência naval. A incúria com a Marinha anulou alguns dos efeitos benéficos
da paz com a Espanha. Os termos do tratado que encerrou a guerra isabelina davam aos mercadores
ingleses liberdade de comércio com a Espanha e com as suas possessões na Europa, mas não
mencionavam as pretensões dos marítimos isabelinos no tráfego com a América Espanhola e com as
regiões monopolizadas por Portugal na África e na Ásia. O governo inglês não continuou a apoiar tais
pretensões e deixou decair a Marinha Real, ao passo que procurava com toda a sua força não
consentir na pirataria. Nestas circunstâncias, prosseguiu a guerra privada com os espanhóis e
portugueses, sem o auxilio do Estado.
Durante o próprio reinado de Jaime I, a Companhia Inglesa das Índias Orientais fundou uma frutuosa
feitoria em Surate e no reinado de Carlos I edificou a fortaleza de São Jorge, em Madrasta, e ergueu
outras feitorias em Bengala. Tais foram as humildes origens comerciais do domínio britânico na Índia.
Mas de início esses comerciantes das Índias Orientais não eram apenas feitores: destruíam o
monopólio português pela ação diplomática, nas cortes dos potentados gentios, e pela metralha dos
navios, no mar.

Ao governo regicida (Cromwell) cabe o crédito da ressurreição do poder naval inglês e do


estabelecimento da Marinha, numa base de permanente eficiência que todos os governos
subsequentes, qualquer que fosse a sua feição política, honestamente esforçaram-se por manter. As
medidas que se tomaram, escreve Julius Corbett, transformaram a Marinha, de modo a adaptar-se à
sua finalidade moderna, e estabeleceram a Inglaterra como a grande potência naval do mundo. O
renascimento da Marinha de Guerra, com Blake, e o Governo do Estado, por uma classe de homens
em contato estreito com a comunidade marítima e especialmente com Londres, fizeram reviver
inevitavelmente a rivalidade com os holandeses.

Durante uma geração, os marinheiros da Holanda tinham dominado, frequentemente, com bastante
insolência, os mares) da Europa Setentrional e da América e os oceanos Atlântico e índico; tinham
pescado nas áreas de pesca britânicas e quase monopolizado o comércio de transportes da Inglaterra
e das suas colônias americanas. O reaparecimento sério da concorrência inglesa foi marcado pelo
"Ato de Navegação" e pela Guerra Anglo-Holandesa de 1652-54. Mas o desfecho da luta contra a
supremacia marítima da Holanda não foi decidido antes dos primórdios do século XVIII. Já há muito,
no reinado de Ricardo II, os Parlamentos tinham promulgado Leis de Navegação, a fim de limitarem a
entrada de navios estrangeiros nos portos ingleses, mas devido à escassez da Marinha inglesa, não foi
possível fazê-las cumprir. A situação mudou durante a ditadura de Cromwell. O "Ato de Navegação"
votado em 1651 pelo Longo Parlamento, por proposição de Cromwell, e que foi designado pelo nome
de Magna Carta da Marinha Inglesa, tinha um duplo fim: arruinar o poderio comercial holandês e por
conseguinte desenvolver a Marinha inglesa. Pelo "Ato de Navegação"", as mercadorias procedentes
dos países extra europeus e desembarcadas na costa inglesa deveriam ser importadas em navios de
construção e de proprietário inglês ou comandados por comandante inglês. Pelo menos três quartos
das tripulações deveriam ser formados de marinheiros ingleses. Além do mais, reservavam-se
exclusivamente aos navios ingleses a cabotagem, as relações entre as colônias e as comunicações
entre a Inglaterra e suas colônias. O comércio de importação das mercadorias europeias não foi
permitido senão aos ingleses e aos navios dos países de origem, isto para evitar os intermediários
holandeses. Essas medidas tiveram por efeito imediato um aumento da navegação britânica e por
conseguinte estimularam a fabricação dos navios. O próprio Estado contribuiu largamente,
encorajado pelos preços dos grandes armadores e dos importadores de trigo, o que permitiu aos
primeiros desenvolver uma grande atividade. Para que os armadores pudessem facilmente recrutar
as tripulações necessárias aos seus navios, os órfãos foram obrigados a se tornarem marinheiros,
facilitou-se a naturalização de marinheiros estrangeiros, prometeram-se auxílios aos marinheiros
velhos ou doentes, às viúvas e aos órfãos dos desaparecidos no mar. Para dar confiança ao público e
levar os armadores a aumentarem as frotas mercantes, esquadras poderosas faziam a política dos
mares, e mediante um pagamento módico, um engenhoso sistema de seguro protegia o negociantes
contra todo acidente. Bem cedo os estaleiros nacionais eram impotentes para atender ao ritmo
sempre crescente do tráfego marítimo.
O "Ato de Navegação" foi dessa forma um repto a todas as navegações marítimas e em especial uma
declaração de guerra lançada aos holandeses. O conflito declarado entre as duas potências marítimas
começou em 1654, e, apesar do valor de seus marinheiros, a Holanda foi vencida depois de quase
dois anos de guerra. A Holanda sofreu mais do que a Inglaterra, porque possuía menos recursos em
terra e porque, pela primeira vez, desde que constituía uma nação, defrontava uma potência hostil
que bloqueava o canal da Mancha às frotas mercantes que lhe traziam de longe a vida e a riqueza.

As alterações profundas surgidas na política interna da Grã-Bretanha após a morte de Cromwell já


não mais afetaram o desenvolvimento marítimo do país. A corte e o Parlamento da Restauração
aceitaram as tradições de esquadra de guerra da República. Carlos II e seu irmão Jaime mostraram
interesse pessoal pelas questões navais, e o Almirantado continuou a ser bem servido. O Parlamento
Cavalheiro e o Partido Tory consideravam a Marinha com especial favor.

Em breve eclodiu outra guerra marítima com a Holanda, o reacender da luta entre as duas
comunidades mercantes, iniciada durante a República. Por ambos os contendores ela foi conduzida
com as mesmas esplêndidas qualidades de perícia naval combativa e na mesma escala colossal da
primeira vez. De novo a nação maior levou a melhor na guerra, e, pelo Tratado de Breda, a Holanda
cedeu Nova York & Inglaterra.

Ainda mais uma vez, em 1672, a Inglaterra, aliando-se à França, entrou em luta contra a Holanda,
mas dela se retirou ano e meio após. O Parlamento Cavalheiro acabara por compreender que essa
guerra, bem analisada, não era a continuação da antiga luta entre a Inglaterra e a Holanda pela
supremacia naval. O desaparecimento da Holanda como potência independente encerraria em si a
ameaça à segurança marítima inglesa, porque o delta do Reno cairia nas mãos da França. A França
também era um concorrente marítimo, potencialmente até mais formidável do que a Holanda, e caso
se estabelecesse em Amsterdam, rapidamente poria fim à supremacia naval inglesa.

A partir das guerras anglo-holandesas, a política externa da Inglaterra caiu cada vez mais sob a
influência de considerações mercantis. No fim do período Stuart, a Inglaterra era a maior nação
manufatureira e comercial do mundo. Londres ultrapassara Amsterdam como o maior empório
mundial. Havia um comércio próspero com o Oriente, o Mediterrâneo e as Colônias americanas,
baseado na venda de artigos têxteis ingleses, cujo transporte até o outro lado do globo se efetuava
nos grandes navios de navegação oceânica dessa nova era. Já então as classes governantes estavam
resolvidas a gastar o que fosse necessário na Marinha e o mínimo no Exército.

Ao período da guerra mercantil anglo-holandesa sucedeu o da luta sustentada entre a Inglaterra e a


França pela hegemonia do mar, bem como para manter o equilíbrio europeu. Essa série de guerras,
conhecida como a segunda guerra dos cem anos perdurou, nos mares, até a batalha de Trafalgar, em
1805, e, em terra, até Waterloo dez anos depois. Na realidade, o conflito consistiu de sete guerras,
separadas umas das outras por pequenos intervalos de paz indecisa. Cada vez mais começou-se a
perceber, especialmente depois que o gênio iluminado de Pitt tornou claro o fato, que o objetivo
supremo era o senhorio dos mares e a manutenção do império nele baseada.

Desde a guerra dos Trinta Anos o Estado francês, sob a enérgica direção de Richelieu, havia
robustecido seu poder em tais condições, que já podia intervir com probabilidade de êxito nos mares.
Tinha-se apropriado de ricas possessões coloniais, e uma poderosa frota estava disposta a defender o
comércio ultramarino. O conflito entre as duas grandes potências europeias em ascensão tornou-se
inevitável. A primeira guerra da longa série foi a chamada da Liga de Augsburgo, que durou de 1689 a
1697. Graças à eficiente Marinha criada por Colbert, no início a vitória sorriu as armas francesas. Em
1690, a Esquadra francesa, sob o comando de Tourville, derrotou a frota aliada anglo-holandesa na
batalha de Beachy Head, mas a vitória não foi devidamente aproveitada. Os cortesãos da terrestre
Versailles não tinham o sentido da oportunidade naval que raras vezes faltou aos estadistas que
atentavam ao fluxo e refluxo do mundo através das marés que batem o Tamisa.

Dois anos depois, os aliados triunfaram sobre Tourville na batalha naval de La Hougue. La Hougue
mostrou-se tão decisivo quanto Trafalgar, porque Luiz XIV, tendo desafiado com sua política grosseira
e arrogante toda a Europa para uma guerra terrestre, não conseguiu manter a Marinha francesa à
altura de suas necessidades devido ao esforço despendido com os exércitos e fortalezas necessários à
defesa simultânea de todas as suas fronteiras terrestres. A superioridade temporária da Marinha de
Guerra francesa, em 1690, resultara da política bélica da corte não se fundara no mesmo grau que as
marinhas da Inglaterra da Holanda em recursos proporcionalmente elevados de navegação mercantil
e riqueza comercial. Quando, portanto, a política-guerreira de Luiz XIV o induziu a descuidar-se da
Marinha a favor das forças terrestres, o declínio naval francês precipitou-se e tornou-se permanente,
com o que sofreram o comércio e as colônias francesas.

Os marinheiros da França, quando a sua grande esquadra deixou de ter missão a cumprir, voltaram
as suas energias para pirataria. O Almirante Tourville foi eclipsado por Jean Bart. O comércio inglês
sofreu com a sua ação e a dos outros corsários, mas prosseguiu a despeito desses entraves, ao passo
que o comércio francês desapareceu dos mares. Ao fecharem-se as fronteiras da França, devido à
posição de exércitos hostis, essa nação teve de passar a sustentar-se dos seus próprios recursos
decrescentes, enquanto a Inglaterra se abastecia em todo o mundo, desde a China a Massachusetts.
Assim, em paralelo com desenvolvimento da Inglaterra, deu-se a decadência marítima e financeira da
França.

A Guerra da Liga de Augsburgo terminou pelo indeciso Tratado de Ryswick. Após um intervalo difícil
de quatro anos, a guerra estalou de novo em escala ainda mais ampla a Guerra de Sucessão da
Espanha e terminou com o tratado de Utrecht em 1713. Esse tratado, que abre o período estável e
característico da civilização do século XVIII, assinala o advento da supremacia marítima, comercial e
financeira da Grã-Bretanha.

A primeira condição de guerra vitoriosa contra Luiz XIV, quer no mar, quer em terra, era a aliança da
Inglaterra e da Holanda. A colaboração apresentava-se menos difícil porque a inveja comercial da
Inglaterra pela Holanda diminuía à medida que os navios holandeses baixavam ante os recursos pela
primeira vez mobilizados de seu aliado. A Inglaterra prosperou durante a guerra, ao passo que o
fardo das contribuições para a guerra e o esforço na luta minaram lentamente a grandeza artificial da
pequena república. A Grã-Bretanha, em consequência, acentuou ainda mais sua primazia naval. O
fato é tanto mais de espantar por ter sido a guerra destituída de qualquer ação notável. O domínio
anglo-holandês nos mares era tão completo que não pôde ser desafiado, e isso condicionou todo o
curso da guerra. Apenas uma vez grandes esquadras se encontraram, e os resultados foram
indecisos. Desistiram então os franceses da luta pelo mar e se concentraram na guerra pela
destruição do comércio. Os aliados puderam assim enviar seus exércitos, quando e como quiseram.
O feito mais notável da Marinha durante a guerra foi a captura de Gibraltar por Rooke e Shovel, em
1704, e a conquista de Minorca com a magnifica baia de Porto Mahou, por Stanhope e Leake, em
1708.

O esmagador poderio naval da Inglaterra foi o fator determinante na história europeia durante o
período mencionado, mantendo a guerra no estrangeiro enquanto conservava seu próprio povo em
prosperidade no território metropolitano e construía o grande Império. Mas nenhuma das conquistas
territoriais, ou todas juntas, comparou-se em grandeza e muito menos em solidez com o ganho da
Inglaterra de seu inigualável poderio naval, que começara durante a Guerra da Liga de Augsburgo e
que recebeu seu acabamento na de Sucessão da Espanha. Com ele a Inglaterra controlou o grande
comércio oceânico, graças a navios de guerra que não tinham rivais e que as outras nações,
exauridas, não podiam enfrentar. Esses navios estavam agora seguros, baseados em sólidas posições
em todos os cantos disputados do mundo. O comércio, que havia assegurado sua prosperidade e a de
seus aliados e a sua eficiência militar durante a guerra, embora atacado e perturbado pelos corsários
inimigos (aos quais ele só pôde prestar atenção parcial em vista das constantes exigências noutros
setores) começou, com um salto, vida nova quando a guerra acabou.

O Tratado de Utrecht juntamente com o Tratado suplementar de Raistádt, feito em 1714,


inauguraram um quarto de século de paz quase perfeito. Exaurido pelo sofrimento, em todo o
mundo o povo ansiava pelo retorno da prosperidade e do comércio pacífico. Não havia nenhum país
apto como a Inglaterra, com riqueza, capital e navios, para levar a cabo essa missão e colher as
vantagens. Durante a guerra de Sucessão da Espanha, a eficiência da Marinha Real significara viagens
seguras e, mais ainda, utilização dos navios mercantes. Os navios mercantes ingleses, sendo melhor
protegidos que os holandeses, ganharam a reputação de oferecer mais seguro transporte, e o tráfego
naturalmente passara cada vez mais para suas mãos. Essa conquista de preferência mundial foi
mantida em tempo de paz. Mas do que nenhuma outra potência, a Inglaterra consolidou então as
bases sólidas do poderio marítimo, o qual não residia meramente na sua grande Marinha. A França
tivera tal Marinha em 1688, que desaparecera como uma folha no fogo. Nem residia só no comércio
próspero; poucos anos depois da época em questão, o comércio da França tomaria magníficas
proporções, mas o primeiro tiro de guerra o varreria dos mares como a Marinha de Cromwell já antes
eliminara o da Holanda. Foi com a união dos dois (Comércio e Marinha), cuidadosamente
compensados, que a Inglaterra conquistou o poderio naval sobre e a despeito dos outros Estados.
Assim, essa conquista, se acha associada à Guerra de Sucessão da Espanha. Antes dessa guerra, a
Inglaterra era uma das potências navais; depois dela passou a ser a potência naval, sem uma
segunda. Esse poderio ela alcançou só, sem compartilhar com amigos ou disputar com inimigos. Ela
só era rica e no seu controle dos mares e da navegação intensiva tinha a fonte de riqueza já tão
segura nas mãos, que não havia, na época, perigo de um rival no oceano. Seguiu-se uma era de paz.
Uma certa interferência, é verdade, foi causada no começo do período pelos esforços espanhóis para
recobrarem as ilhas de Sardenha e Sicília que, pelos tratados, haviam sido cedidas à Áustria e à
Saboia, respectivamente. Uma frota inglesa, entretanto, sob o comando do Almirante George Byng,
restaurou a tranquilidade em agosto de 1718, ao largo do cabo Pássaro, graças a uma esmagadora
vitória sobre a esquadra espanhola. A longa luta só recomeçou em 1739. No começo, a França
permaneceu neutra, e a Inglaterra disso se aproveitou para iniciar uma série de ataques contra a sua
secular inimiga, a Espanha. O Almirante Vernon começou bem a guerra, capturando com apenas seis
navios a cidadela fortemente defendida de Porto Bello (1739), mas esse sucesso preliminar foi
contrabalançado pelos fracassos de Cartagena (1740-41) e de Santiago de Cuba (1741). No
Mediterrâneo, uma esquadra combinada franco-espanhola de vinte e sete navios chocou-se ao largo
de Toulon com a esquadra inglesa de vinte e nove navios do Almirante Mathews. A batalha foi
violenta, mas indecisa. O conflito crucial, entretanto, entre a Grã-Bretanha e a França, ocorreu não na
Europa, mas na Índia e na América do Norte, onde pequenos esquadrões bateram-se com violência e
habilidade.

A paz de Aix-la-Chapelle, que pôs fim a essa guerra chamada de Sucessão da Áustria, marcou apenas
uma trégua de oito anos, e nada decidiu em definitivo.

Mais uma vez o longo conflito recomeçou em 1756. Os ingleses aplicaram seu esforço diretamente
no conflito marítimo, colonial e comercial. A Inglaterra estabeleceu como objetivo precípuo o
completo domínio do mar para expulsar os franceses da América do Norte e para os impedir de
estabelecer um império na Índia. Noutras palavras, eles reconheceram pela primeira vez, claramente,
a natureza do conflito em que estavam mergulhados, intermitentemente, por mais de um século.

A guerra não começou bem para a Inglaterra. A ilha de Minorca foi capturada por tropas francesas
desembarcadas da esquadra de La Galissonière (1757), e uma frota inglesa enviada em socorro da
ilha foi repelida. Dois anos depois, porém, as vitórias navais de Lagos e Quiberon eliminaram a
ameaça de uma invasão das Ilhas Britânicas. Nesse predestinado ano de 1759, os franceses
perderam, ao todo, não menos de trinta e cinco navios de linha e ficaram assim reduzidos à
impotência nos mares. A Espanha, entretanto, que até então se conservara fora da guerra, tinha
ainda uma armada de cerca de 50 navios. Em 1762, ela foi atraída ao conflito pela promessa de
recobrar Gibraltar e Minorca. Sua entrada na guerra meramente serviu para completar o triunfo
britânico. Em agosto de 1762, Havana foi capturada e com ela doze navios de linha, para não
mencionar tesouros avaliados em mais de três milhões de libras. Dois meses depois, Manilha e todas
as Ilhas Filipinas foram capturadas por uma expedição enviada da Índia.

A paz de Paris (1763), que pôs fim à Guerra dos Sete Anos, deu a Inglaterra a supremacia absoluta na
América do Norte e na Índia, além da posse de importantes ilhas no mar das Caralbas. Ao mesmo
tempo, a Marinha Mercante inglesa, que a despeito de todas as guerras crescera de 1.320 navios em
1666 para 5.730 em 1760, alcançou a supremacia que iria durar até o século XX.

Seguiram-se cerca de quinze anos de paz, durante os quais a França reconstruiu sua frota de guerra.
O levante das Colônias Inglesas na América do Norte deu ensejo à França e à Espanha de lutarem
novamente pela posse das rotas marítimas. Na Índia, Souffren, com poucos navios, conseguiu lutar
algumas vezes vantajosamente contra as forças navais inglesas, superiores em número. Em 1781, a
supremacia inglesa nas águas americanas foi perdida. Uma esquadra francesa, sob o comando do
Conde de Grasse, muito mais numerosa e de melhores navios que o esquadrão inglês, sob o comando
do Almirante Graves, cortou as comunicações da Ilha com a força principal britânica, conduzida por
Lord Cromwell, em Yorktown, e compeliu-a à rendição, A queda de Yorktown marcou o fim virtual da
Guerra da independência Americana, mas a vitória decisiva alcançada pelo Almirante Rodney na
batalha de Santas restituiu em parte a supremacia naval britânica e permitiu à Inglaterra alcançar
melhores termos de paz (1783).

As perdas de suas melhores colônias e o renascimento da Marinha francesa pareceram indicar uma
próxima decadência da Inglaterra. Todavia, as ligações vitais das outras partes do Império Britânico
foram mantidas, como durante todas as guerras do século XVIII, e, após a derrota de 1783, a
Inglaterra entrou rapidamente em fase de recuperação, tirando de suas colônias os recursos
necessários.

Em breve, por ocasião da Revolução, a Marinha francesa se autodestruiu, e, quando, em 1792, o


conflito entre as duas potências recomeçou, não havia competidor sério para a Royal Navy.

A guerra final entre a França e a Inglaterra, fechando a secular luta, durou mais de vinte anos (1793-
1815), durante os quais só houve breves tréguas de meses. A supremacia marítima britânica nunca
foi seriamente ameaçada em qualquer ocasião da guerra, salvo, talvez, por um curto período de
1797, quando uma série de motins irrompeu nas frotas inglesas. Em vão, a França tentou
restabelecer o balanço naval, assumindo sucessivamente o controle, por um meio ou outro, das
frotas da Espanha, Holanda e Dinamarca. Todas elas, uma a uma, foram derrotadas pelos grandes
chefes ingleses do tempo: Howe, Jervis, Duncan e Nelson. Em 1794, Howe derrotou Villaret Joyeuse
no canal da Mancha; em 1797, Jervis, ao largo do cabo de São Vicente, destroçou uma frota
espanhola; oito meses depois, Duncan derrotava os holandeses ao largo de Camperdown, e no ano
seguinte, Nelson alcançou a vitória de Aboukir.

Durante os dez anos de guerra da Primeira Coligação (1792-1802), o comércio ultramarino britânico
expandiu-se extraordinariamente a despeito dos corsários franceses. As importações que tinham sido
em 1781, cerca do fim da guerra da América, de 318 milhões de francos, e, em 1792, no começo da
Revolução, de 491 milhões, elevaram-se, em 1799, a 748 milhões. As exportações em produtos
manufaturados da Inglaterra, que tinha sido, em 1781, de 190 milhões, em 1792 de 622 milhões,
elevaram-se, em 1799, a 849 milhões. Assim, tudo havia triplicado desde o fim da guerra da América
e pouco mais ou menos dobrado depois da guerra da Revolução. Em 1788, o comércio inglês havia
empregado 13.827 navios e 107.925 marinheiros; utilizou, em 1801, 18.877 navios e 143.661
marinheiros. Nesse último ano, a Grã-Bretanha possuía 814 navios de guerra de todos os tamanhos
em construção, em reparos, armando-se ou em operações. Nesse número, incluíam-se 100 navios de
linha e 200 fragatas sob velas, distribuídos por todos os mares; 20 naves e 40 fragatas de reserva,
prontas para sair dos portos. Não se podia, portanto, estimar sua força efetiva em menos de 120
vasos de linha e 250 fragatas, guarnecidos por 120 mil marinheiros.

Ao recomeçar a guerra em 1803, depois da pequena trégua resultante do Tratado de Amiens, a


França procurou não disputar a hegemonia naval, mas obter uma superioridade momentânea no
canal da Mancha, que permitisse a transposição do exército de 150 mil homens reunidos em torno de
Boulogne. Napoleão engendrou vários planos visando reunir diversas esquadras francesas e
espanholas bloqueadas em Brest, Rochefort, Cádiz, La Coruña e Toulon, mas tudo desabou com a
esmagadora derrota de Trafalgar.

Com a vitória de Lord Nelson, a supremacia naval britânica foi estabelecida, na verdade, em todos os
mares, eliminando qualquer ameaça por mais de um século. Napoleão, contudo, não abandonou a
disputa naval, mas mudou de tática. Foram construídos numerosos bons navios que, isolados ou em
pequenas flotilhas, depredaram o comércio britânico. Os corsários causaram grandes estragos, pois
era extremamente difícil capturá-los. Entre os anos de 1805 e 1815, os corsários capturaram 5.314
navios ingleses. Ao todo, de 1792 a 1815, a Grã-Bretanha perdeu nos oceanos cerca de 9 mil navios
de comércio, o que não impediu sua frota mercante aumentar de 1.540.000 para 2.616.000
toneladas. Em compensação, os navios franceses obrigaram a esquadra inglesa a se concentrar nas
águas europeias de tal maneira que, quando uma guerra com os Estados Unidos da América
irrompeu em 1812, os pequenos navios ingleses enviados através do atlântico sofreram um certo
número de derrotas humilhantes numa série de ferozes duelos navais. No fim, entretanto, o poderio
naval prevaleceu. Todos os portos americanos foram bloqueados, e o comércio dos Estados Unidos
foi inteiramente varrido dos mares.

O completo domínio dos mares, que a grande vitória de Nelson em Trafalgar conferiu à Inglaterra,
teve efeito decisivo nas fases finais da Guerra Napoleônica: frustrou a tentativa de Napoleão para,
por meio do Bloqueio Continental, eliminar o comércio inglês da Europa; quebrou sua projetada
colisão naval contra a Grã-Bretanha, pela captura da esquadra dinamarquesa em 1807: tornou
possível a continuação vitoriosa da Guerra Peninsular (1808-14) na qual os recursos militares de
Napoleão ficaram isolados; cortou a França das fontes vitais de suprimento. O poderio marítimo
também afetou profundamente o desenvolvimento do Império Britânico durante esses vinte e dois
anos gloriosos. Datam de então novas conquistas coloniais inglesas na América, na África do Sul e na
índia.

A derrota de Napoleão deu à Grã-Bretanha o senhorio sobre os mares, senhorio que não foi
seriamente desafiado durante cem anos. Esse domínio elevou-a à proeminência do mundo, de uma
forma que ela nunca antes alcançara. A Inglaterra ficou numa posição comparável à de Veneza na
Idade Média ou a da Holanda na primeira metade do século XVII. Nesses cem anos a Grã-Bretanha
esforçou-se para não se envolver em qualquer conflito de importância, exceto na breve Guerra da
Criméia de 1854-56.

Devido à supremacia industrial da Grã-Bretanha vitoriosa, o advento da idade do vapor e do ferro nos
mares redundou inteiramente em sua vantagem, tanto mais que tinha então dificuldades em obter
madeiras. E o frete de ida de carvão, vendável na maioria dos portos de todo o globo, constituiu forte
estímulo para a navegação britânica. Através do resto do século, a Marinha insular continuou a
desenvolver-se sem rivalidade séria. Assim, em 1870 a Grã-Bretanha já dispunha de 1.202.000
toneladas de navios a vapor, enquanto os Estados Unidos só contavam com 192.000, e a França com
154.000. Entretanto, a revolução industrial, tornando obsoletos os antigos navios de madeira que por
séculos haviam engrandecido o Império Britânico, permitiu, ao mesmo tempo, às demais potências
industriais consagrarem-se à construção de novos tipos de vasos de guerra, ameaçando, por
conseguinte, o poderio naval inglês.

Depois da Guerra da Criméia, a França iniciou a construção de navios de guerra de novo tipo,
extremamente poderosos. Também a Rússia, analisando as consequências fatais de sua importância
naval, tanto no mar Negro como no Báltico, durante a mesma guerra, empenhou-se em construir
uma armada do novo tipo. Após 1870, tanto a Alemanha como a Itália começaram a construção de
navios, embora as respectivas atividades não causassem alarma até próximo ao fim do século. As
crescentes marinhas dos Estados Unidos e do Japão, também, a princípio, não causaram inquietação.

A partir de 1897, von Tirpitz, apoiado pelo Kaiser, deu início ao grandioso programa naval alemão: O
alto nível alcançado pela indústria germânica bem cedo fez ver que uma nova potência la surgir nos
mares. A Inglaterra se alarmou ante essa possibilidade e começou a grande corrida armamentista
naval entre as duas nações. Ao deflagrar a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha dispunha da
segunda Marinha de Guerra do mundo, e sua frota de comércio crescia cada ano mais, levando os
produtos germânicos a todos os cantos da Terra. A Alemanha manteve-se, contudo, na defensiva nos
mares ante a superioridade da Marinha Real aliada às Marinhas francesa, russa e italiana. A
supremacia gozada na superfície dos mares pela Grã-Bretanha e seus aliados se deu realmente desde
o principio mais absoluta do que fora em qualquer guerra precedente. Ao romperem as hostilidades,
a Alemanha tinha para mais de dois mil navios-vapor e cerca de três mil navios a vela empregados no
comércio. Em poucas semanas, cada um deles fora capturado ou internado, e durante o decorrer dos
quatro anos de guerra nenhum voltou a navegar como navio mercante. O imenso e lucrativo
comércio exterior da Alemanha foi inteiramente eliminado. A Alemanha teve, é verdade, um novo e
poderoso poder no submarino. O submarino era, porém e é um mero instrumento de destruição. Ele
foi completamente incapaz de fazer qualquer coisa para reviver o extinto tráfego da Alemanha.

Comparadas ao bloqueio inglês dos Impérios Centrais e à campanha submarina alemã, as outras
operações navais de guerra foram relativamente insignificantes, pouco ou nada contribuindo para o
desenrolar do conflito. A Frota Alemã de Alto-Mar nunca se atreveu a um teste decisivo e perdeu
oportunidade após oportunidade para influir decisivamente nos acontecimentos. A fuga do Goeben e
do Breslau no Mediterrâneo, a escaramuça ao largo de Heligoland (agosto de 1914), a batalha de
Coronel (novembro de 1914) com a sua sequência ao largo das Ilhas Falklands (dezembro de 1914), a
caça ao largo de Dogger Bank (janeiro de 1915), a longa e penosa aventura dos Dardanellos (abril de
1915-janeiro de 1916), todos foram meros episódios dramáticos e espetaculares, custosos mas
indecisos. A batalha da Jutlândia (31.5.1916), de longe a mais considerável ação naval da guerra,
poderia bem ter sido decisiva, mas não o foi. Na verdade, Jutlândia foi seguida por dois anos e meio
de agonia desnecessária. No fim, porém, o poderio naval teve sua parte decisiva, derrotando a
campanha submarina, assegurando o trânsito seguro das forças inglesas e americanas, conservando
abertas todas as comunicações aliadas.

Em 11 de novembro de 1918, a Grande Guerra acabou, e, pouco depois, toda a frota alemã se
rendeu; dezenove encouraçados, cinco cruzadores de batalha, dezesseis cruzadores ligeiros, noventa
e dois contratorpedeiros, cinquenta torpedeiros e cento e cinquenta e oito submarinos. Nessa
mesma época, a Grã-Bretanha dispunha de quarenta e nove navios de linha, oitenta e oito
cruzadores de vários tipos e para mais de trezentos contratorpedeiros. Nunca antes fora tão
esmagador o domínio dos mares pela Inglaterra, como em fins de 1918.

Rapidamente, após a guerra, a Grã-Bretanha recuperou a primazia da Marinha Mercante que


perdera, por efeito da campanha submarina, para a crescente frota de comércio dos Estados Unidos.
A Inglaterra, que perdera na guerra mundial 7.923.023 das 21.445.439 toneladas possuídas por sua
frota mercante antes das hostilidades, já em 1921 dispunha de 19.288.000 toneladas. Em 1925, a
Grã-Bretanha já estava com sua frota mercante inteiramente restaurada e voltou a participar do
tráfego mundial mais ou menos na mesma proporção de antes da guerra. Além de atender às
permutas do vasto Império, a Marinha de comércio inglesa cobria deficiências de transporte em
regiões afastadas de todo o mundo. Nos portos brasileiros, argentinos, chilenos, chineses etc. era a
bandeira do Reino Unido a mais vista; 35% das exportações americanas eram feitas em porões
ingleses. Já não era, entretanto, a Grã-Bretanha a única potência marítima, nem permitiam mais seus
recursos financeiros manter a supremacia absoluta, conservada por cerca de duzentos anos. Entre as
duas guerras, ela procurou nas conferências de desarmamento salvaguardar sua posição, mas foi
obrigada a aceitar a paridade naval com os Estados Unidos.
A par disso, outras potências navais surgiram ameaçadoras: a Itália, no Mediterrâneo, e o Japão, no
Extremo Oriente, se bem que contrabalançados pelas Marinhas americana e francesa,
respectivamente.

Desde que começou a Segunda Guerra Mundial, o principal esforço da Alemanha no mar foi
orientado no sentido de cortar as ligações oceânicas do Império Britânico, recorrendo principalmente
à arma submarina e à aviação. A batalha do Atlântico, que começou no primeiro dia da guerra, foi
assim a campanha naval chave de todo o conflito. Seu desenrolar não pode ser determinado pelos
resultados de um encontro decisivo, mas pelas listas anotadas numa folha onde figuravam navios
perdidos em face de navios construídos, navios afundados em face de submarinos alemães
destruídos. Referindo-se à batalha do Atlântico, assim se expressou Winston Churchill: "A única coisa
que sempre me atemorizou realmente durante a guerra foi o perigo dos submarinos. A nossa linha
vital mesmo através dos amplos oceanos e particularmente nas entradas para a Ilha estava em
perigo. Sentia-me ainda mais ansioso a respeito dessa batalha do que me sentira a respeito da
gloriosa luta aérea chamada Batalha da Grã- Bretanha."

A conservação da supremacia do Atlântico pelos britânicos, a despeito das forças aéreas e marítimas
do Eixo, durante os dois terríveis primeiros anos de guerra, conta-se entre os feitos mais
extraordinários da História. O principal problema naval das nações unidas na Segunda Guerra
Mundial foi, até pelo menos o meio do ano de 1943, o de achar um número de navios de guerra para
assegurar a proteção conveniente da navegação comercial. Ante a destruição gigantesca sofrida pelas
marinhas de comércio aliadas, as disponibilidades de navios de transporte tornaram-se o
fundamento da estratégia de guerra aliada. Os aliados perderam quatro milhões de toneladas de
barcos mercantes em 1940 e mais de quatro milhões em 1941. Em 1942, foram postos a pique quase
8 milhões de toneladas da navegação aliada, então já aumentada depois que os Estados Unidos se
tinham tornado aliados. Até fins de 1942, os submarinos afundaram navios mais depressa do que os
aliados podiam construí-los. Em começos de 1943, o nível das novas tonelagens foi subindo
nitidamente, e as perdas diminuíram. Antes do fim daquele ano, a nova tonelagem havia finalmente
ultrapassado as perdas marítimas oriundas de causas diversas. O segundo semestre presenciou, pela
primeira vez, as perdas de submarinos excederem a sua capacidade de poderem ser substituídos.
Logo viria o tempo em que seriam afundados no Atlântico mais submarinos do que navios mercantes.
"A batalha do Atlântico", afirmou ainda Winston Churchill, "foi o fator dominante durante toda a
guerra. Jamais podíamos esquecer que tudo que acontecesse algures, em terra, no mar ou no ar,
dependia em última instância do resultado daquela batalha, e, em meio a todas as outras
preocupações, considerávamos os seus altos e baixos, dia a dia presos de esperança ou apreensão."

Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha havia sido ultrapassada nos mares
pelos Estados Unidos. Entretanto, enquanto os Estados Unidos encostavam uma grande parte de
seus navios mercantes construídos em regime de urgência durante a guerra, a Inglaterra mantinha
seus estaleiros em plena atividade. Tendo perdido 12 milhões de toneladas de navios de comércio
durante o conflito, já estava em 1946 com 90% da tonelagem de 1939 e três anos depois com 100%.
Mais uma vez voltou assim a recuperar sua posição a frota de comércio inglesa, mas em quase todos
os mares encontrou a concorrência de novas bandeiras.

O período de pós-guerra viu a Grã-Bretanha perder a posição que ocupara no cenário marítimo
durante três séculos.
Ao mesmo tempo que diminuía a percentagem da participação da Marinha Mercante inglesa no
tráfego marítimo, era perdida a supremacia naval para os Estados Unidos e União Soviética, e
desmembrava-se o antigo Império Colonial.

12 – FRANÇA

As expedições das cidades Marítimas do Atlântico. Primeiras iniciativas da Coroa nos reinados de
Francisco I e Henrique IV. A obra de Richelieu. Decadência dos empreendimentos marítimos
franceses com a morte do Cardeal. A expansão marítimo-comercial da França sob a direção de
Colbert. O apogeu da França nos mares. A decadência com a morte do grande Ministro e com a luta
contra a Grã-Bretanha. O longo eclipse da atividade marítima francesa. A Guerra dos Sete Anos. A
perda das colônias mais importantes. A Marinha efêmera de Luiz XVI. As guerras da Revolução e do
Império Napoleônico. O aniquilamento da França no mar. A convalescença das marinhas francesas.
A Revolução Industrial e os novos tipos de navios. A estagnação marítima da França depois da
guerra de 1870-71. As empresas coloniais da Terceira República. A Jovem Escola. A situação
martinha da França no século XX.

A história marítima da França não apresenta, como ocorre com a da Inglaterra, interesse especial
antes do século XVI. Até aquela época, principalmente durante a Guerra dos Cem Anos, o canal da
Mancha foi teatro de grandes contendas navais entre ingleses, flamengos, frísios e franceses, sem
que dessas pugnas surgisse uma potência de características eminentemente marítimas, dominando
as rotas oceânicas com suas frotas de guerra e mercante, como faziam então, no Mediterrâneo, as
repúblicas italianas. As próprias batalhas navais da Guerra dos Cem Anos foram mais entrechoques
de exércitos embarcados que procuravam cruzar um largo fosso de água salgada.

No século XVI, contudo, nas cidades marítimas da Normandia e da Bretanha, por espírito de aventura
e desejo de lucro, começaram-se a armar navios para ousadas expedições que seguiam nas esteiras
das frotas portuguesas e espanholas, as senhoras dos mares da época. Não faltavam nas cidades
marítimas francesas arrojados marinheiros e haveis navegantes desde muitos séculos afeitos às
aventuras pesqueiras nas perigosas paragens da Bretanha e do mar do Norte. Certos cronistas
franceses mencionam viagens realizadas por esses intrépidos navegantes ao longo da costa da África,
anos antes das expedições portuguesas terem explorado aquelas regiões. Não há, porém, provas
concretas dessas aventuras Marítimas. Se não se pode estabelecer sobre muitos sólidos fundamentos
que os franceses precederam aos portugueses ao longo das costas ocidentais do continente africano,
ao menos se sabe, sem dúvida, que eles os seguiram de bem perto. Suas excursões foram mesmo,
desde o começo, um motivo da reclamação dos reis de Portugal.

Desde 1488, um comandante diepês de nome Cousin frequentava as costas da Guiné, e seis anos,
apenas, após Vasco da Gama ter dobrado o cabo da Boa Esperança para se lançar à conquista das
Índias Orientais, um navegador normando, Birot Paulmier de Gouneville, partiu de Honfleur, no
começo de junho de 1503, para seguir a rota do célebre português. A partir de 1510, a Terra Nova se
tornou a meta dos pescadores bretões, e bem depressa a costa da França pululou de corsários que
espreitavam a navegação espanhola e portuguesa no Novo Mundo, procurando deitar mão no ouro e
nos produtos americanos.

O primeiro monarca francês que se interessou pelas aventuras ultramarinas foi Francisco I. Ele
determinou em 1523 as viagens à América de Verazzani, florentino a serviço da França. Nos anos
seguintes, os irmãos Parmantier chegaram ao mar das Índias e à Sumatra, e Jacques Cartier e
Roberval iniciaram a exploração do litoral canadense. Ao mesmo tempo, os armadores franceses
iniciaram um vigoroso contrabando de pau brasil no Atlântico Sul, sendo tenazmente perseguidos
pelos lusitanos. Em seguida, por questões religiosas, os franceses procuraram fundar uma colônia na
baía de Guanabara, mas também aí foram repelidos pelos portugueses.

Nos sessenta anos seguintes, os franceses tentaram ainda fixar-se no Brasil e na América do Norte.
Conseguiram descobrir e colonizar algumas ilhas das Antilhas, (Martinica, São Domingos, Santa Lúcia)
e estabeleceram-se firmemente na Guiana e no Canadá. Quase todos esses empreendimentos foram,
porém, realizados por iniciativa privada dos armadores das cidades do Atlântico, principalmente Saint
Malo, Dieppe, Honfleur e la Rochelle, pois, após Francisco 1º, por uma razão ou outra, os reis de
França abandonaram de vista as realizações no além-mar.

Com Henrique IV, o Estado francês voltou a ocupar-se das atividades Marítimas, sendo aplicados
grandes esforços para o ressurgimento da Marinha Mercante e a retomada da política colonial de
Francisco 1º. Pela convenção de 1606, confirmou o Estado francês a situação privilegiada que
disputavam desde muito tempo os navios franceses no Levante e nos Estados Barbarescos, e
assegurou à França a posse da maior parte do tráfego do Canadá. Paralelamente, a Marinha francesa
com sanguinolenta determinação procurou cercar as correrias dos corsários argelinos e tunisinos.

A atividade desenvolvida por Henrique IV no domínio econômico foi continuada, seguindo um


principio mais centralizado por Richelieu, pois ele representava um incomparável elemento de
prestígio, força e prosperidade. O regulamento marítimo é o mais característico das diferentes
medidas tomadas por Richelieu, para estimular e proteger eficazmente o comércio francês. Foi
interditada a exportação de mercadorias francesas, exceção feita do sal, em navios de outras
nacionalidades, ficando estabelecido que a cabotagem deveria ser feita em navios nacionais e sendo
proibido aos franceses se servirem dos navios dos estrangeiros. Além do mais, foram criados
institutos de hidrografia e escolas para pilotos e carpinteiros. Richelieu favoreceu em seguida a
criação das companhias de comércio, conferindo mesmo títulos de nobreza aos armadores e
negociantes mais eminentes, tudo no sentido de desenvolver poderosamente a Marinha e o domínio
colonial francês por ele considerados essenciais à grandeza da nação. Em suma, Richelieu antecipou-
se mesmo, em suas medidas, às que seriam adotadas na Grã-Bretanha, poucos anos depois, no "Ato
de Navegação":

A fim de garantir a expansão da grande obra, Richelieu tomou medidas enérgicas para expandir a
Marinha de Guerra. E para comandá-la e guarnecê-la apelou para os melhores marinheiros da costa,
atraindo-os com soldos elevados. Todo o vasto complexo industrial que serve de base ao
desenvolvimento marítimo foi criado ou desenvolvido. No Havre e em Bronage, fundiam-se os
canhões necessários ao armamento dos navios. Importantes estaleiros de construção foram
instalados em Indret, no Loire, ao abrigo dos assaltos de surpresa. No Levante (Mediterrâneo), o
porto principal das galeras ficou sendo Marselha, como era da tradição, e Toulon, cuja importância
começou a crescer, servia de base aos navios a vela. Mas todo esse progresso foi de qualquer forma
artificial, pois não chegou a criar interesses duradouros que afetassem as camadas numerosas e
importantes da população francesa.

A Marinha de Guerra, reaparelhada por Richelieu, distinguiu- se em lutas porfiadas contra ingleses e
espanhóis, no Atlântico e no Mediterrâneo (La Rochelle e Guaretaria), mas o Cardeal morreu em
1642, deixando inacabado o gigantesco empreendimento. A Marinha de Guerra, é verdade, havia
começado a viver, mas sua estrutura era ainda frágil e poderia desmoronar, se não fosse cercada de
cuidados inteligentes ou se fosse negligenciada. A única parte sólida da obra de Richelieu era, aliás, a
Marinha de Guerra, mais fácil, mais rápida e mais necessária, na época, de ser colocada em primeiro
plano. As partes referentes ao desenvolvimento colonial e à Marinha Mercante foram
incomparavelmente mais frágeis.

Nos anos seguintes à morte de Richelieu, não sendo mais a Marinha sustentada por uma vontade
possante, corroída pelo terrível flagelo das discórdias internas, declinou lentamente. A Marinha, que
é essencialmente um instrumento de política exterior, deveria mais do que nenhuma outra
instituição sofrer dos conflitos interiores. Daí em diante, ela não recebeu mais dinheiro.

Em 1659, a paz dos Pirineus pôs fim à interminável guerra com a Espanha. A França triunfara em
terra, mas nos mares ela havia caído do lugar brilhante a que fora alçada pela lúcida vontade do
grande Cardeal. Os espanhóis haviam tomado Tortuga em 1653 e os ingleses a Arcádia em 1656. Fato
mais grave e pesado de consequências foi o fato de que a Companhia das Ilhas da América e depois a
Companhia da Nova França haviam sido constrangidas, para escaparem à ruína, a renunciar a seus
direitos. Assim, enquanto as companhias inglesas e holandesas auferiam lucros fantásticos de suas
atividades nos oceanos, integrando cada vez mais um número elevado de habitantes na vida
marítimo- comercial, na França ocorria o inverso.

A depressão econômica e política que a França sofreu durante dezoito anos sob o ministério de
Mazarino, sucedeu um período de grande prosperidade e de novo poderio, consequência da hábil
politica econômica de Colbert que ficou no poder de 1661 a 1683. Sua aparição marca o ponto
culminante do mercantilismo e da época mais próspera, mais gloriosa do comércio e do movimento
colonial francês. Um dos atos mais importantes de Colbert foi a publicação em 1673 das "Ordenanças
do Comércio". A fim de que as exportações fossem constantemente superiores às importações,
Colbert colocou a indústria e o comércio em condições favoráveis para o desenvolvimento e os
tornou capazes de resistir vitoriosamente à concorrência estrangeira. Interditou a exportação das
matérias-primas necessárias à indústria, reservou mais uma vez o comércio de cabotagem aos navios
franceses, encorajou a pesca em alto-mar e, enfim, estimulou, por prêmios, a exportação de
produtos manufaturados franceses. Essa política, entretanto, era entravada pela falta de navios, pois
em 1664 os ingleses possuíam quatro mil navios de comércio, os holandeses dezesseis mil e a França
dispunha de apenas duzentos.

Ante essa situação, Colbert ocupou-se particularmente do desenvolvimento e do aumento da


Marinha Mercante, com o fito de centralizar em mãos francesas o comércio dos transportes. Criou
arsenais e estaleiros em Brest, Rochefort e no Havre, protegeu as florestas de madeiras de lei para
obter a matéria necessária à construção naval, encorajou por meio de prêmios e subvenções o
armamento de navios mercantes, favoreceu a compra de navios construídos e armados no
estrangeiro. Ao mesmo tempo, os navios mercantes pertencentes a outras nações foram submetidos,
nos portos franceses, a uma taxa de cinquenta sous por tonelada, na entrada e na saída. Pela
"Ordenança Marítima" de 1681, criou escolas de aprendizes, destinadas a formar um corpo
numeroso de marinheiros hábeis e de pilotos experimentados. Por conseguinte, Colbert procurou
seguir com maior vigor a politica anteriormente adotada por Richelieu, a mesma, aliás, que a
Inglaterra então procurava aplicar.
Paralelamente à expansão da Marinha Mercante e do comércio exterior, Colbert atacou o problema
da reorganização da Marinha de Guerra francesa, pois ele bem compreendia o papel capital da
Marinha no processo global do desenvolvimento marítimo. Na perseguição de seu grande ideal e na
realização de seu sonho grandioso, Colbert não foi bem entendido, nem bem secundado.
Desaparecido ele, ninguém saberia continuar sua obra, mas, enquanto viveu, soube imprimir um
desenvolvimento econômico à França, nunca antes igualado. Estaleiros, depósitos, hospitais surgiram
da torra e se abrigaram atrás de fortificações. O trabalho desses arsenais foi organizado e
regulamentado. Na Holanda, foram procurados os engenheiros que deveriam servir de iniciadores.
Em breve, das carreiras dos arsenais, os navios de guerra começaram a sair numerosos, todos
semelhantes nas proporções. Em 1671, eram já 120 os navios de guerra de linha e 70 os brulotes,
fragatas e galeras nas costas do Atlântico e de Provença. Em 1677, duzentos navios militares estavam
à disposição do governo. Um amplo recrutamento de marinheiros assegurava 52 mil homens de
guarnição. A Marinha Mercante, enquanto isso sob a administração do grande ministro, superava a
cifra de mil unidades.

Faltou tempo a Colbert para orientar o povo para o mar, ligando-o pecuniariamente à prosperidade
do comércio marítimo. Essa tarefa também ultrapassava as forças de um homem. Só o tempo
poderia agir, mas faltaram continuadores. A Marinha de guerra não se fundou sobre uma frota de
comércio poderosa que por simples jogo de interesse lhe teria assegurado a longevidade. Criação
artificial, toda de prestigio, ela não sobreviveria à vontade que a havia feito ressurgir. Seignelay,
plasmado por seu pai, encontraria ainda esse caráter artificial da Marinha de Guerra que, depois
dele, cairia de toda a sua altura. Mas, sob o impulso fecundo dos dois Colbert, ela iria conhecer um
esplendor que não deveria jamais alcançar no decorrer da sua longa história.

Nas primeiras ações bélicas a que foi chamada a participar, a magnifica frota construída por Colbert
cobriu-se de glórias, derrotando, sob o comando de Tourville e Duquesne, espanhóis, holandeses e
ingleses nas batalhas de Stromboli, Palermo e Beachy Head.

Em aparência, Seignelay, ao morrer, deixou a Marinha poderosa, vitoriosa, florescente. Na realidade,


essa Marinha era um colosso com pés de argila. Ela era o fruto de uma vontade, a de Colbert,
prolongada, mas desvirtuada por seu filho. Quando pela política ambiciosa de Luiz XIV foram
desencadeadas diversas guerras terrestres, pesaram sobre o Estado francês encargos tão grandes
que para a frota de guerra só houve disponíveis parcos recursos. Por outro lado, a Inglaterra, Estado
puramente naval, pôde aplicar, em consequência da sua posição insular, todas as suas energias ao
cuidado da frota, relativamente segura contra um ataque por terra. Valendo-se de seus aliados
continentais, a Inglaterra pôde manter, ao mesmo tempo, as forças terrestres da França
empenhadas, impedindo a frota francesa de se desenvolver. Se, com suas rivais, Inglaterra e Holanda,
a frota da França tivesse, para proteger numerosos e importantes interesses comerciais, o espírito de
nação, não se teria jamais afastado dela. Mas tudo estava para ser feito nesse sentido, e era
necessário mais do que a vontade e a vida de um homem para obter resultados bem assentes. As
deficiências básicas do desenvolvimento marítimo francês em breve manifestaram-se. Já Tourville
não pôde deixar Brest suficientemente cedo em 1690, devido à falta de marinheiros. As guerras em
terra absorviam todos os recursos humanos e materiais da nação.
Mal tinha morrido Seignelay, e um memorial foi apresentado ao rei, propondo suprimir a Marinha,
que custava muito caro e que só servia para guardar as costas, função que, segundo ainda esse
documento, poderia muito bem ser desempenhada por recrutas do exército.

A partir da segunda fase da Guerra do Augsburgo, a Marinha francesa sofreu uma série de reveses,
culminando com o desastre de La Hague. Foi o fim da grandiosa Marinha de Guerra construída por
Colbert.

O declínio da Marinha francesa acentuou-se em decorrência da Guerra de Sucessão da Espanha. Para


que ela pudesse renascer, seria preciso dinheiro e vontade. Não havia, porém, nem uma nem outra
coisa. Desencorajados pelas experiências infelizes de quase um século, os comerciantes franceses
estavam menos do que nunca dispostos a arriscar no mar interesses cuja proteção exigia uma forte
Marinha. A extraordinária vitalidade não tardaria a recolocar a França em plena saúde. Seu comércio
conheceu novos dias de esplendor, mas daí por diante ele se fez, na maior parte, sob pavilhão
estrangeiro, mais especialmente o inglês.

Por conseguinte, nem interesses políticos, nem interesses particulares exigiram a manutenção de
uma frota de guerra. Foi tacitamente admitido que a França devia abandonar definitivamente toda
pretensão ao tridente de Netuno. A Marinha desdenhada e considerada inútil davam-se apenas os
créditos necessários para impedi-la de morrer de vez.

Nas décadas seguintes, nada foi feito de notável para alçar novamente a França à categoria de
potência naval capaz de disputar a hegemonia britânica. No conflito seguinte entre as duas grandes
nações rivais, a Guerra de Sucessão da Áustria, não houve encontros navais de importância. A guerra
revestiu-se do caráter das guerras às comunicações. Os franco-espanhóis perderam 3.400 navios
mercantes e os ingleses 3.200. Se os números foram sensivelmente iguais em valor absoluto, foram
incomparavelmente mais desastrosos em valor relativo para as Marinhas da França e da Espanha,
considerando suas fraquezas numéricas em relação à frota mercante do Reino Unido.

A Guerra dos Sete Anos pouco depois teve características diferentes. A França tentou enfrentar a
Inglaterra nos mares com uma frota inferior em número e qualidade, sofrendo, em consequência,
uma série de derrotas que a privaram das ligações com os territórios ultramarinos. Uma a uma, suas
principais colônias, na Índia e no Canadá, foram ocupadas pelo inimigo. Custou essa guerra à Marinha
francesa 37 naus e 56 fragatas. Em 1763, ao ser assinado o Tratado de Paris, pondo fim ao conflito,
praticamente não existia Marinha francesa, e a Marinha Mercante estava reduzida a poucos navios.

O orgulho nacional ferido e a certeza agora dominante nos círculos governamentais de que a perda
das melhores colônias fora fruto da ausência de marinha poderosa levaram a França, a partir de
1770, a empreender um grande esforço no sentido de reequipar a frota de guerra. Sob a brilhante
administração de Choiseul, os estaleiros franceses do Atlântico e do Mediterrâneo voltaram à
atividade. Um grande número de municipalidades financiou a construção de navios. Os comerciantes
e o povo em geral contribuíram, nas várias províncias, para a construção de uma nova frota de
guerra, desejosos de tirarem a desforra dos ingleses.

Toda uma esquadra renasceu assim da generosidade pública, do patriotismo de uma nação. Mas essa
oferta generosa era, ela também, marcada pelo caráter artificial que conservava a Marinha inteira.
Ela era fruto de um elã sentimental, tanto mais efêmero quanto mais violento e não o resultado
durável de uma sólida discussão de interesses comprometidos. Richelieu e Colbert tinham pelo
menos tentado fundar sobre a rocha sólida de uma Marinha mercante próspera a torre orgulhosa da
Marinha de Guerra. A de Choiseul não iria repousar senão sobre a areia, malgrado a bela aparência
que deveria adquirir. Ela estava destinada a desmoronar, desde que soprasse o vento de uma
borrasca.

A guerra recomeçou em 1778, a propósito da independência das colônias inglesas da América do


Norte, estendendo-se rapidamente às Índias, como sucedera durante a Guerra dos Sete Anos.

A nova Armada francesa, sob o comando de Guichen, De Grasse e sobretudo de Suffren, conheceu
novamente dias de glória, desempenhando papel decisivo no desenrolar da guerra. A rendição de
Cornwallis marcou o fim da guerra ativa no continente americano. O desenrolar da luta estava na
verdade assegurado desde o dia em que a França devotou seu poderio marítimo à causa das colônias.

A paz foi assinada em 1783. A França tinha enfim uma bela Marinha, adquirida ao preço de terríveis
provas, mas a paz ia ter uma duração bem curta, e a Marinha, sustentáculo de tantas esperanças, iria
retroceder, ficando reduzida a quase nada. Sua decadência faria com que, malgrado uma colheita de
vitórias terrestres como o mundo jamais havia presenciado, malgrado o gênio do maior chefe militar
dos tempos modernos, a França sucumbiria finalmente diante do antigo adversário, forte numa só
arma que se mostraria decisiva: uma frota, senhora dos mares.

Com a Revolução Francesa, recomeçaram os dias negros da Marinha gaulesa. Esse corpo tão robusto
ainda em 1789 iria bem cedo entrar em decomposição. Pela chaga da emigração, seu sangue mais
puro se perdeu. Mais da metade dos oficiais foram para o estrangeiro. A Marinha não era mais do
que um corpo exangue. A centelha vivificante que havia feito da França a Grande Nação não havia
tocado sua Marinha. Essa Revolução não trouxe senão sua ruína, sua desorganização, sua indisciplina,
sem The comunicar seu entusiasmo, sua fé criadora. A grande agitação acusava, mais nitidamente
que nunca, o divórcio de fato existente entre a Marinha e o país. As razões desse divórcio eram as
mesmas do século XVIII. As longínquas previsões de Colbert confirmaram-se. Sem Marinha Mercante,
sem interesses pecuniários no mar, a França não se poderia interessar senão superficialmente,
passageiramente, pela Marinha. Ela não era carne de sua carne como a Marinha inglesa o era da Grã-
Bretanha.

Mas uma vez caiu a Marinha francesa, agora vitima das dissensões internas e, consequência
desastrosa, levou na sua queda a Marinha do comércio. Quando foi assinada a paz de Amiens (1802),
havia já muitos anos que nenhum pavilhão de comércio francês tremulava nos mares do globo. Sem
elementos para enfrentar a Marinha inglesa, mais uma vez a França recorreu à guerra de corso. O
decreto de 23 thermidor, do ano III, definiu o fim a atingir: devastar o comércio do inimigo, destruir,
aniquilar suas colônias, forçá-lo a uma bancarrota vergonhosa. Bem cedo, dos portos do Atlântico
saíram para o oceano, armados em corsários, quase todos os navios capazes de navegar e iniciaram o
ataque às rotas marítimas britânicas. Face à devastação crescente exercida no seu comércio, os
ingleses se viram obrigados a recorrer ao sistema de comboios. Frotas imensas (de 500 e mesmo de
1.000 navios) atravessavam as regiões particularmente perigosas, sob escolta de navios de guerra.
Em 1801, os resultados, ao todo, desde o começo da guerra, eram os seguintes: 5.557 navios
mercantes haviam sido capturados; 603 corsários tomados; 41.500 marinheiros franceses feitos
prisioneiros. Ao ser assinada a paz de Amiens, a perda anual média da Marinha Mercante inglesa era
de 500 navios, mas ela contara com 16.728 navios, em 1795 e 17.885, em 1800. A guerra de corso
havia, por conseguinte, fracassado na sua fase inicial.
Paralelamente à guerra de corso, Napoleão procurou aparelhar a Marinha de Guerra francesa de
maneira a, pelo menos, obter uma supremacia temporária no canal da Mancha, mas a batalha de
Trafalgar marcou o fim de tal intenção. A batalha de Trafalgar, esmagando totalmente a
remanescente Marinha francesa e comprometendo por longo tempo seu futuro, resolveu de maneira
definitiva o grande problema da rivalidade pela hegemonia marítima, nascida sob Luiz XIV. Como
único recurso, a França continuou a guerra de corso. No total de 11 anos de guerra (1803-14), 5.314
navios mercantes ingleses foram capturados, mas os britânicos por seu turno destruíram ou
colocaram fora de estado de os atacar, 440 corsários guarnecidos por 27.600 marinheiros. No fim
dessa longa guerra, a França não tinha mais que 100 corsários armados. Na mesma época, perto de
25.000 navios mercantes faziam tremular o pavilhão britânico em todos os mares do globo. Dos
1.500 navios franceses de longo curso existentes na abertura das hostilidades não restavam mais de
200 em 1814. A Marinha Mercante da França estava morta ao lado da Marinha de Guerra. Depois do
esboroamento do Império e da última convulsão dos Cem Dias, a França renunciou à marinha. Com a
paz, a Marinha Mercante francesa recuperou-se, graças ao vigor do comércio interno e à existência
de estaleiros eficientes no país. Mais lento foi o renascimento da frota de guerra. Cerca de quarenta
anos durou a convalescença da Marinha de Guerra francesa. Malgrado a ação por ela desenvolvida
em várias demonstrações de força contra o Brasil (1828), Algéria (1830), Portugal (1831), México
(1837) e Argentina (1845), só voltou a ser poderosa de fato durante o Segundo Império, por ocasião
da guerra da Criméia.

A politica imperialista de Napoleão III e a revolução industrial processada pouco mais ou menos no
mesmo período favoreceram o desenvolvimento da Marinha francesa. Com efeito, depois da Grã-
Bretanha, era a França a maior potência industrial da época, seguida de perto pela Alemanha e pelos
Estados Unidos. Em 1864, contavam-se 430 altos-fornos em 55 departamentos que produziam
1.213.000 toneladas de ferro. A França compreendeu que se apresentava uma oportunidade única
para alcançar a supremacia marítima, já que as antigas esquadras de madeira não poderiam subsistir
na era do ferro e do vapor. Sob a orientação de hábeis técnicos, como Depuy de Lome, foi a França
em muitos aspectos a vanguardeira da evolução marítima. De seus estaleiros saiu o primeiro navio
encouraçado, o Gloire. Todavia a Grã-Bretanha, nação também tecnicamente evoluída, enfrentou a
corrida armamentista, conseguindo manter a sua supremacia, malgrado a ameaça francesa.

A corrida armamentista anglo-francesa sofreu um hiato com a Guerra Franco-Prussiana em 1870-71.


Poucos serviços relativamente prestou a Marinha francesa nessa guerra, apesar de seu imenso
aparato bélico. A Prússia, nação continental por excelência, dispondo de pequena Marinha, não
disputou o domínio dos mares à sua inimiga. A guerra se decidiu totalmente em terra, e, ante a
ameaça cada vez maior dos exércitos invasores prussianos, os marinheiros franceses muitas vezes
desembarcaram de seus magníficos navios, para lutar em trincheiras na defesa do solo pátrio.

Depois do conflito, uma só questão dominava todas as outras: retomar as províncias perdidas a
revanche. Não se tinha em absoluto necessidade da Marinha para isso e convinha reduzi-la para não
desperdiçar créditos que eram necessários noutros lugares. Como a França não tinha interesses no
mar para justificar a existência da Marinha, uma vez ainda, conforme a frase de seu ministro, o
Almirante Pothuan, a Marinha deveria sacrificar-se no altar da pátria. De novo desabava a grandeza
da Marinha, grandeza toda artificial, criada por um regime de prestígio e ligada à sorte deste. O
programa de 1872 fixou os destinos da Marinha Republicana. Dos 400 navios do Império, foram
conservados apenas 217. A Marinha foi portanto sacrificada no altar da pátria. Thiers reduziu
brutalmente seu orçamento, qualificando-a de arma de luxo. O próprio Ministro da Marinha,
Almirante Pothuam, declarou do alto da tribuna: "Todos os esforços devem ser feitos do lado da
terra. De que nos serviria agora uma marinha?" perguntava ele.

A partir da oitava década do século passado, a França começou a perder a sua posição privilegiada de
grande potência econômica. Foi ultrapassada em produção industrial e desenvolvimento comercial,
pela Alemanha e pelos Estados Unidos. As causas desse fenômeno eram a paralisação, acusada desde
vários anos, do processo demográfico, assim como da falta de suficientes reservas carboníferas,
circunstâncias que dificultavam o crescimento da grande indústria. O tráfego ultramarino francês
mostrou crescente empenho em se servir das companhias de navegação de outros países, mas
baratas e rápidas, em vez de navegar sob o pavilhão nacional. Foi essa a causa da navegação na
Franca não participar do florescimento da frota mundial. De 1866 a 1900, ela permaneceu quase
estacionária em um milhão de toneladas, e a construção naval chegou quase à paralisação durante o
último decênio anterior à Primeira Grande Guerra.

Em oposição, a França retornou aos empreendimentos coloniais paralisados desde a conquista da


Algéria e da aventura no México. A primeira das grandes operações coloniais foi a conquista da
Tunísia em 1881. Seguiu-se a da Indochina em 1884-85 e a de Madagascar em 1893, sem falar
noutras menores levadas a cabo em vários pontos da África e da Oceania. Em todos esses
empreendimentos, a Marinha de Guerra francesa teve atuação de primeira plana, ou destruindo as
forças navais inimigas, ou reduzindo as fortificações terrestres, ou, enfim, apoiando as tropas de
desembarque.

Data também do final do século XIX o movimento chamado de Jovem Escola" o qual causou não
pequenos prejuízos ao desenvolvimento da Marinha de Guerra francesa. A Jovem Escola defendia a
construção de uma esquadra numerosa de pequenos navios, sobretudo torpedeiros. A aparição do
torpedo e da mina perturbou os espíritos e o debate veio a público. Bem menos que por uma
reforma administrativa das instituições, uma opinião incompetente mal esclarecida apaixonou-se por
uma reforma de concepções da guerra naval. Uma grave crise de ideias se declarou e em
consequência a Marinha francesa viu sua força profundamente abalada. Agradava ao espírito francês
mal avisado das realidades navais, desprezar uma força que achava brutal, substituindo-a pelos
recursos de um espírito inovador e fecundo. A França que nunca antes se tinha interessado pela
Marinha ficou com febre. Dessa falta de uniformidade de vistas e das continuas mudanças de
governo resultou uma armada numerosa mas heterogênea. Malgrado os sacrifícios consentidos pelos
país, a Marinha francesa, nas vésperas da Primeira Grande Guerra, havia caído para o quinto lugar, se
bem que seu Império Colonial fosse o segundo do mundo. A razão básica dessa queda devia de novo
ser procurada na fraqueza da Marinha Mercante que, malgrado todos os esforços frequentemente
grandes do Governo, não conseguiu acordar de seu longo sono.

Tivesse tido a França uma Marinha Mercante florescente, rica e poderosa, com numerosos interesses
no mar, não haveria lugar para discussões bizantinas como a da Jovem Escola. A voz dos interesses
ameaçados faria prevalecer a verdadeira doutrina de que, numa questão de força como a guerra,
deve-se ter poder. Mas a Marinha Mercante francesa em 1914 era menos da metade da alemã e
apenas um décimo da britânica. Tendo perdido cerca de 920 mil toneladas durante a guerra, graças
ao tratado de paz, a Marinha Mercante francesa recuperou a tonelagem afundada, alcançando, em
1921, a 2 milhões e trezentas mil toneladas. Entre os dois conflitos mundiais, poucos progressos
realizou. Enquanto a Inglaterra voltava a ter nos mares mais de 20 milhões de toneladas de navios
mercantes e a Alemanha, partindo novamente do zero, ultrapassava os cinco milhões, a França, em
vinte anos, aumentava sua Marinha de comércio de 2 milhões e trezentas mil para dois milhões e
setecentas mil toneladas.

A Marinha de Guerra, em contraste, tendo adotado linhas seguras para sua evolução, e se
beneficiando da longa continuidade ministerial de Georges Leygues, passou a ocupar o quarto lugar
na tonelagem. As forças navais francesas perderam seu antigo aspecto heterogêneo, e a qualidade do
material ganhou reputação. Todavia, quase toda sua magnifica obra de mais de vinte anos
desapareceu com a Segunda Guerra Mundial.

Depois do término do conflito, a França tem mantido uma frota de guerra bem inferior à de 1939,
mas mesmo assim conserva-se entre as mais importantes potências navais do mundo.

Entretanto, da mesma forma que a sua antiga rival, a Grã- Bretanha, a França viu sua presença nos
mares ofuscar-se ao mesmo tempo que desaparecia seu antigo Império Colonial.

13 – RÚSSIA

Posição continental da Rússia. Os contatos com as nações da Europa Ocidental. A obra de Pedro, o
Grande. O avanço para o mar de Azov. A conquista do litoral do Báltico. A fundação das cidades
marítimas do Báltica; a intercâmbio com o Ocidente. A falta da Marinha Mercante. A decadência
russa nos mares com a morte de Pedro, o Grande. O renascimento sob o reinado de Catarina, a
Grande. As conquistas no mar Negro e no mar de Azov. A estagnação após a morte de Catarina, a
Grande. A Guerra da Criméia. As ambições marítimas da Rússia no final do século XIX. As
pretensões na Manchúria e a Guerra russo-japonesa de 1904-06. A Primeira Guerra Mundial e a
Revolução Bolchevista. A Segunda Guerra Mundial. Pretensões presentes.

A Rússia, país continental por excelência, não ofereceu sob o ponto de vista marítimo, nenhum
interesse até a época moderna. A despeito do caráter continental de seu povo, a Rússia por muitos
séculos manifestou um movimento instintivo e uma consciência politica urgindo pelo oceano. Esse
movimento foi barrado, no Báltico, pela Liga Teutônica e pelos poloneses, e, no Mar Negro, pelo
Kanato da Horda de Ouro. Durante séculos a atividade econômica do grande Estado permaneceu,
assim, pois, muito limitada. No século XVI, Ivan IV, o Terrível, abriu a Rússia ao tráfego de algumas
potências ocidentais como a Inglaterra, mas isso não foi o bastante para formar uma verdadeira
classe indígena de comerciantes e industriais que soubessem aproveitar os produtos naturais da
imensa região.

Por um século e meio os comércios inglês e holandês conservaram a Rússia em contato com a Europa
Ocidental, fazendo com que o mundo oriental eslavo que primeiro sofrera a influência bizantina e
posteriormente a do mundo asiático dos mongóis e tártaros se tornasse consciente, muito
lentamente, de suas afinidades culturais com a Europa e, afastando-se de seus mestres orientais,
procurasse aproximar-se dos países cristãos mais adiantados do oeste. Por outro lado, o czar
procurou alcançar portos no Báltico e depois da guerra com a Livonia conseguiu Dorpat e Narva, mas
os esforços para ampliar essa estreita faixa costeira foram bloqueados pela Polônia e pela Lituânia
bem como pelos suecos. Em consequência, só ao tempo de Pedro, o Grande (1689-1725), foi possível
a mutação. Esse soberano, que unia à brutalidade própria de seu povo visão genial e tenacidade sem
par, enquanto afirmava com suas reformas e conquistas territoriais a superioridade militar e politica
da Rússia na Europa Oriental, fundava ao mesmo tempo, as bases da indústria e do comércio a golpes
de ukase e de knut.

Cercado de estrangeiros, Pedro Alexvitch, desde a infância, compreendera a importância do mar. Em


1693, fora a Arkangel, o único verdadeiro porto que então possuía a Rússia, e compreendera de vista
a necessidade do comércio marítimo. A partir dessa época, ocupou-se seriamente dos problemas
marítimos, considerando as possibilidades do mar Branco, do mar de Azov e do mar Negro, decidindo
apoderar-se das embocaduras do Don e do Dnieper. Pode-se dizer que Pedro, o Grande, firmou
então as diretrizes da politica externa russa seguida nos séculos seguintes com notável constância
pelos seus sucessores, que consistiu, em essência, na conquista de portos livres de gelo durante o
inverno no Báltico e no Pacífico e na procura do acesso ao Mediterrâneo.

Pedro, o Grande, no início de seu reinado, orientou o esforço nacional para o sul, isto é, propondo
como problema imediato a ratificação e a proteção das fronteiras meridionais. Com esse objetivo,
procurou garantir a posse das margens do mar Negro e do mar de Azov e fortificá-las. Assim foi no
mar de Azov que surgiu a primeira frota russa, e onde foram construídos os primeiros estaleiros e
portos. Posteriormente, porém, os esforços de Pedro, o Grande, deslocaram-se das margens dos
mares Negro e de Azov para o mar Báltico, pois, desde um século antes, os suecos haviam fechado a
estreita janela que Ivan, o Terrível, conseguira a tanto custo abrir para o Báltico. A nova capital do
Estado passou a ser não Azov ou Tangarov, mas São Petersburgo. A ideia da retificação da fronteira
do sul foi abandonada e cedeu lugar à defesa da fronteira do noroeste. Com o início da Guerra do
Norte, abandonou-se, em consequência, a esquadra de Azov.

Sem dúvida alguma, o motivo principal que levou Pedro, o Grande, a guerrear contra a Suécia foi o
desejo de possuir um porto, ainda que fosse um só, nas bordas do mar Báltico. O momento pareceu-
lhe oportuno, devido às guerras sustentadas por Carlos XII na Polônia. Os esforços de Pedro
dirigiram-se então para a criação da frota báltica. Já em 1701, planejava ter nesse mar oitenta
grandes navios. Em 1703, ano da fundação de São Petersburgo, o estaleiro de Lodeissoe-Polé lançava
ao mar seis fragatas, sendo esta a primeira frota russa que apareceu no mar Báltico. Nos onze anos
subsequentes, o esforço em prol da Marinha continuou apesar das dificuldades, e, em 1714 com a
frota crescente do Báltico, Pedro derrotou em Hangut a esquadra sueca, soberana antiga desse mar.
A vitória de Hangut era a primeira verdadeira vitória naval a ativo da nova Marinha russa. Com dois
devastadores desembarques na Suécia (1719 e 1720), a frota russa contribuiu posteriormente para
pôr fim à guerra. No fim do reinado, podiam contar-se na esquadra do Báltico 48 navios de linha, 800
galeras e outras pequenas unidades, com 28.000 homens de guarnição.

A 30 de agosto de 1721, a paz foi assinada em Nestadt. A Rússia recebeu a Carélia, a Ingria, a Estônia
e a Livonia. Todo o litoral balta, deste Petersburgo até a fronteira prussiana, estava nas mãos dos
russos. Depois de séculos de uma luta penosa e de numerosos anos de esforços encarniçados, a
Rússia arrancara aos suecos a soberania do mar Báltico.

A expansão da Rússia sob Pedro, o Grande, tornara-se possível por ter Carlos XII falhado em executar
a tradicional politica sueca de se manter antes como potência marítima do que potência terrestre.
Carlos XII tentou fazer a Suécia suprema em ambas às esferas e fracassou. A criação e expansão da
Marinha russa só fora possível, outrossim, graças ao desenvolvimento industrial que paralelamente o
czar fomentou por todos os meios. Sob Pedro, o Grande, havia vinte e cinco arsenais de construção
que lançaram ao mar mais de mil navios, sem contar os que foram comprados ou encomendados no
estrangeiro. A indústria metalúrgica recebera cuidados especiais. No fim do reinado, existiam na
região de Ekatrenburgo 17 fundições de ferro e cobre pertencentes à coroa e a particulares. Essa
exploração mineira permitiu que Pedro armasse a Marinha e o Exército e lhes fornecesse munições
de fabricação russa. Quando morreu o czar, deixou mais de 16 mil canhões sem contar os da
esquadra.

Pedro não se interessara menos pelo escoamento das mercadorias para o comércio interior e
principalmente para o comércio exterior, no qual a Rússia era escrava dos navegadores ocidentais.
Todo o imenso esforço despendido na longa Guerra do Norte tivera como único fito abrir a Rússia ao
contato com o Mundo Europeu através de rotas marítimas mais acessíveis que as do longínquo mar
Branco. Em 1700, a Rússia não desfrutava senão de um papel insignificante no tráfego do Báltico, e os
únicos escoadouros marítimos que possuía no próprio território eram os portos do mar Branco,
notadamente Arkangel que ficava aberto à navegação apenas seis ou sete meses em doze. A vitória
na Guerra do Norte deu à Rússia sete portos no mar Báltico: Riga, Pernov, Reval, Narva, Viborg,
Cronstadt e São Petersburgo, os dois últimos construídos por Pedro, o Grande. Essas conquistas
suscitavam já em 1714, talvez mesmo antes, a questão das modificações a introduzir nas trocas
comerciais com a Europa Ocidental, as quais se haviam efetuado até então, pelo mar Branco, por
Arkangel, único porto marítimo do Estado antes de Pedro. Após a fundação de Petersburgo e à
proporção que se firmava nas margens do mar Báltico, o czar pretendeu desviar o comércio do mar
Branco para o Báltico e dirigi-lo para a nova capital. Essa revolução comercial, porém, atentava contra
numerosos interesses e muitos hábitos antigos; contrapunham-se ao czar os holandeses, que desde
muito haviam constituído um sólido centro em Arkangel, e bem assim os mercadores russos
acostumados ao caminho aberto pelo Dvina do Norte. Assim, além da Inglaterra, da Holanda e da
Dinamarca, com as quais as relações estavam já estabelecidas, o czar procurou interessar outros
países mais afastados. Enquanto em 1714 só 16 navios estrangeiros tinham lançado âncora em
Petersbugo, em 1772 o número subiu para 116 e em 1724 para 180. No conjunto dos portos do
Báltico, excetuados Pernov e Krondstadt, contaram-se, em 1725, 914 entradas de navios mercantes
de diferentes países da Europa Ocidental.

Das duas tarefas que Pedro se impusera em matéria de comércio exterior, uma resolveu-se
favoravelmente: a exportação russa tornou-se notavelmente superior à importação. Dois anos após a
sua morte, a Rússia exportava 2.400.000 rublos e importava 1.600.000. Não logrou bom êxito,
porém, na segunda tarefa: a criação de uma frota mercante para libertar o comércio exterior das
mãos estrangeiras; não encontrou armadores russos. O que a vontade poderosa do grande czar não
logrou, também não o conseguiram nenhum de seus sucessores no Governo do país. Exceto a pesca,
que sempre nasce onde o homem fica em contato com a água, e uma atividade limitada da sua frota
mercante no mar Negro e no mar Báltico, a Rússia até época bem recente jamais desempenhou papel
de relevo na esfera marítima não relacionada com a Marinha de Guerra. Nenhum dos governos
autocratas que assumiram o controle da Rússia nos últimos dois séculos conseguiu alterar essa
situação, derivadas eminentemente da natureza continental do país.

Com a morte prematura de Pedro, o Grande, em 1725, a gigantesca empresa de ocidentalização da


Rússia sofreu um rude golpe. A Marinha ressentiu-se particularmente. A vontade e o caráter de
Pedro, o Grande, faltavam ao país. Seus antigos comandantes e as guarnições estavam ainda
presentes a bordo dos navios, mas sua energia estava extinta. Uma triste situação financeira
precipitou a decadência da Marinha. Pedro, o Grande, tivera frequentemente que enfrentar
dificuldades desse gênero e soubera sempre resolvê-las, graças a medidas enérgicas tomadas a
tempo. Seus sucessores não o souberam fazer e ficaram em presença de situações difíceis em virtude
de uma série de guerras longas e encarniçadas. Em consequência, a Marinha russa pouco ou nada fez
nas campanhas levadas a cabo no período decorrido até a ascensão ao trono de Catarina, a Grande, e
sofreu derrotas humilhantes tanto no Báltico como no mar Negro. Os turcos, que não tinham então
em alto conceito o poderio naval do czar, chegaram a incendiar toda uma esquadra russa em 1734.
Face à sucessão de desastres, os trabalhos navais no Dnieper e no Don foram suspensos, mantendo-
se estaleiros só em São Petersburgo e Arkangel. Coube à Catarina, a Grande, continuar a marcha para
os mares iniciada sob Pedro, o Grande. Subindo ao trono da Rússia, a Imperatriz Catarina II
empreendeu a obra de redenção da Marinha, do Exército e da Rússia, de uma maneira geral. A
esquadra, de há muito negligenciada, foi o seu primeiro cuidado. Criou-se uma junta especial cujas
funções eram de reequipá-la e torná-la capaz de se fazer ao mar. A energia e a solicitude empregadas
para melhorar a frota deveriam dar bem rapidamente brilhantes resultados. A Rússia, nação
continental que era, tornar-se-ia uma grande potência naval, chegando a se colocar em terceiro
lugar. A atenção dispensada à Marinha por Catarina, a Grande, é bem evidenciada pelas cifras das
construções e dos orçamentos. Durante todo o seu reinado, de 1762 a 1796, construíram-se, no
Báltico, 90 navios de linha e 58 fragatas, no mar Negro, 15 naus e 50 fragatas. As despesas da
Marinha passaram de 1.200.000 rublos para 5 milhões de rublos. Ocupando-se da frota de guerra,
Catarina não esqueceu a Marinha Mercante, que considerava um dos fatores principais do progresso
comercial do país. Durante todo seu reinado, medidas enérgicas foram tomadas para aumentar a
importância da Marinha de comércio, tanto marítimo como fluvial.

Coube à Marinha, restaurada por Catarina, terminar a obra iniciada por Pedro, o Grande, no mar de
Azov e no mar Negro, sessenta anos antes. Graças às repetidas vitórias navais sobre os turcos, a
Rússia conquistou a Criméia e mais uma vasta porção do litoral do mar Negro. Não foi senão após
1774, com um tratado concluído com os turcos, pelo qual obteve o direito de navegar no mar Negro
e nos estreitos de Bósforo e Dardanellos, que a Rússia pôde utilizar o litoral recém-adquirido sobre o
mar Negro e o mar de Azov. Em 1790, Tangarog, que se encontra a oeste do estuário do rio Don, era
o principal porto russo no mar Negro. Odessa só foi aberta como porto em 1795 e, em 1805, contava
já com 15 mil habitantes. Em 1804, Sebastopol, com suas excelentes enseadas, foi escolhida
exclusivamente para base naval. Entretanto, o comércio de Odessa e, a bem dizer, de todos os portos
do mar Negro foi muito pouco importante até 1800, mesmo comparado ao do mar Branco, e quase
desprezível comparado ao do Báltico. O tráfego desses portos estava na maior parte nas mãos da
Marinha Mercante grega do Império Otomano, que transportava as mercadorias a Constantinopla e a
Smirna. O fim do século XVIII viu aparecerem navios austríacos e ingleses nos portos russos do mar
Negro.

No decorrer de todo o século XIX e começo do século XX, a evolução marítima da Rússia se processou
segundo as mesmas linhas gerais do século XVIII. O crescente comércio exportador do país pelo
Báltico e pelo mar Negro, representado sobretudo por madeiras, trigo e peles, não estimulou
grandemente o crescimento da frota mercante russa, cabendo aos navios das outras nações o
transporte da maior parte dessas volumosas transações.

Assegurado o domínio do mar Negro começou o governo de Moscou a considerar o acesso ao mar
Mediterrâneo, e desde as guerras napoleônicas que forças navais russas começaram a navegar cada
vez com maior frequência nas águas do Mediterrâneo Oriental. Já em 1827, os navios do czar
participaram da batalha de Navarino, ao lado dos ingleses e franceses, por ocasião das lutas pela
independência da Grécia. Mas, se havia interesses comuns das grandes potências europeias com as
da Rússia, a propósito da independência grega, tal coincidência cessou uma vez libertado aquele pais
do jugo turco. Dessa forma, na determinação da Grã-Bretanha e da França em impedir a Rússia de
obter o controle do Mediterrâneo Oriental e a sua decisão de conservar a Turquia, como guardiã do
Bósforo, reside a causa da Guerra da Criméia

No inicio da Guerra da Criméia, em 1853, o Almirante Nakhimov destruiu inteiramente, na batalha de


Sinope, uma esquadra turca, mas a intervenção da França e da Inglaterra, no conflito, arrebatou à
Rússia o domínio do mar Negro, A Marinha russa pouco ou nada fez para impedir os desembarques
aliados na Criméia, recolhendo-se à Base Naval de Sebastopol, em cuja defesa se concentrou, Quase
todos os navios da frota do mar Negro foram afundados para barrarem as entradas do porto, e os
marinheiros desembarcaram para guarnecerem bastiões em terra. Quando Sebastopol caiu em poder
do Exército aliado depois de longo cerco, o poderio naval da Rússia esta aniquilado.

Terminada a guerra, a Marinha russa entrou em fase de recuperação, De 1855 a 1863 foram
construídos 132 navios a hélice, grandes e pequenos, dos quais apenas cinco encomendados no
estrangeiro. Os demais foram construídos nos arsenais russos com material russo. Esses números
mostram bem a energia com que foi empreendida a construção naval, sobretudo se considerarmos a
pobreza da organização metalúrgica do país naquela época. A nova frota, contudo, não teve
participação de vulto na guerra russo-turca de 1877-78, que foi nitidamente terrestre. Na verdade, a
Rússia tinha a desvantagem de possuir sua esquadra dividida por vários mares e dessa forma, no
Negro, não dispunha de meios flutuantes suficientes para se opor à esquadra turca. A guerra foi,
entretanto, decidida em terra, onde a superioridade russa era esmagadora. Com o Tratado de Berlim
que pôs fim ao conflito, mais uma vez a Rússia teve suas pretensões de acesso ao Mediterrâneo
barradas pelas grandes potências da Europa Ocidental.

Menos resistência encontrou a Rússia na sua expansão para o Leste e, assim, desde meados do
século XIX, ela consolidou sua posição no Pacifico, em cujas águas foram fundadas as cidades de
Vladivostok e Petropalovsk, ambas bloqueadas pelo gelo durante o inverno.

Por fim, no final do século, a Rússia arrancou a uma China desmoralizada a posse de Porto Arthur,
situada em excelente baía, cujas águas não gelavam nos meses frios. Ali foi iniciada a construção de
uma grande base naval, acirrando a desconfiança, japonesa.

No reinado do czar Alexandre III (1881-94), foi organizado um plano de vinte anos para a construção
de uma esquadra moderna que atendesse às ambições imperialistas da Rússia. A construção de
navios de guerra motivou a criação de usinas metalúrgicas e de instalações mecânicas e obrigou a
formação de engenheiros e especialistas. Uma parte dos navios do novo programa foi encomendada
ao estrangeiro. O atraso técnico do país fez com que fossem construídos navios de tipos muito
diferentes, não sendo constituída assim uma força homogênea. As despesas enormes ocasionadas
por essas construções obrigaram a economizar noutra parte. Os navios passaram a navegar cada vez
menos, e o pessoal sofreu as consequências. Durante esse período, a qualidade do pessoal piorou à
medida que melhorou a do material, Em treze anos construíram-se 114 navios, dos quais 17
encouraçados, 10 cruzadores encouraçados, 14 canhoneiras encouraçadas e 80 navios de menor
tonelagem. Nesse total, apenas dois cruzadores, três canhoneiras e 20 torpedeiros foram
encomendados ao estrangeiro. Os demais foram totalmente construídos em estaleiros russos,
inclusive máquinas e artilharia. A tonelagem do conjunto atingiu 300 mil toneladas. Nos dez anos que
se seguiram, de 1894 a 1904, já no reinado de Nicolau II, a Rússia fez ainda um esforço mais
considerável. Foram construídos, então, sete encouraçados, quinze grandes cruzadores e trinta
navios de outros tipos. A tonelagem da frota russa atingiu a 500 mil toneladas.

Assim, ao começar o século XX, a Rússia possuía uma grande frota que a colocava em terceiro lugar
entre as potências navais. Com esses meios materiais, que pareciam suficientes, ela empreendeu
uma politica agressiva no Extremo Oriente para chegar ao mar livre. Para possuir um porto que não
gelasse, a Rússia tinha absoluta necessidade da Manchúria e da Coréia que, por outro lado, eram
necessárias ao Japão, como acesso ao continente. Dessa forma, houve o choque inevitável das
pretensões russas no Extremo Oriente com os interesses japoneses e, em 1904, começou a guerra.

Após sofrer a perda de quase todas as unidades da Esquadra do Pacifico em combate, por ação de
minas e na captura da Base Naval de Porto Arthur, a Rússia teve aniquilada inteiramente a es- quadra
enviada do Baltico num supremo esforço. Na batalha de Tsushima, trinta dos quarenta e sete navios
russos foram postos a pique, uma perda em tonelagem de 137.000 toneladas num total de 156.000.
Três navios apenas escaparam, pois os demais se renderam.

Depois da conclusão da paz com o Japão, o que restava da esquadra russa voltou para o Báltico, onde
não ficara, por assim dizer, nada mais do que um encouraçado a flutuar e dois outros em construção.
Os navios chegados do Extremo Oriente constituíram o núcleo em torno do qual deveria renascer a
frota russa. Todavia, nove anos depois, a esquadra não fora ainda construída. Nenhum dos navios do
novo programa estava pronto. A esquadra não compreendia, portanto, senão as unidades
sobreviventes da guerra russo-japonesa e as construídas durante aquela guerra.

A contribuição da Marinha russa na Primeira Guerra Mundial foi modesta. Ela não foi capaz de
ameaçar em nenhum movimento o domínio naval alemão no Báltico, apesar da maior parte da
esquadra germânica ter ficado concentrada no mar do Norte. A esquadra russa dedicou-se
principalmente às operações de minagem, no que logrou algum sucesso, até que em 1917 a
infiltração comunista solapou os últimos vestígios da sua eficiência militar.

A revolução vermelha aniquilou praticamente com o que ainda existia da Marinha russa, e, até
poucos anos antes da Segunda Guerra Mundial, os dirigentes comunistas pouca atenção deram à sua
restauração. Na década dos trinta, contudo, a Rússia iniciou um programa de construção naval
relativamente grande, compreendendo, principalmente, cruzadores, contratorpedeiros e
submarinos. Parte desse programa foi realizada, em encomendas aos estaleiros italianos.

A contribuição da Marinha russa na Segunda Guerra Mundial não foi decisiva. Mais uma vez ela não
disputou à Marinha alemã o domínio do mar Báltico. Seus navios atuaram mais como baterias
flutuantes no flanco do Exército que se apoiava no mar ou na defesa das cidades marítimas atacadas
pelos exércitos nazistas. A Marinha russa gozou de relativa supremacia no mar Negro, o que facilitou
a prolongada defesa de Sebastopol, em 1942, e posteriormente a reconquista da Criméia.

As forças navais soviéticas, por outro lado, pouco auxílio prestaram às nações ocidentais na escolta
dos comboios para Murmansk, o que talvez devesse ser sua missão principal.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Rússia iniciou um vasto programa naval que a colocou mais uma
vez, em segundo lugar entre as potências marítimas.
Os ganhos territoriais da Rússia depois da Segunda Guerra Mundial colocaram-na numa posição
estrategicamente mais favorável para sua expansão nos oceanos.

Hoje a URSS está consciente de seu futuro como potência marítima, e a nação que pôde no passado
ser chamada de "animal terrestre" está adquirindo consciência marítima. Ela não só desenvolveu
consideravelmente sua Marinha de Guerra, como também tem procurado mais que nenhuma outra
potência expandir sua Marinha Mercante e todas as atividades ligadas ao mar.

A expansão marítima russa não é um anseio de seu povo, que aliás não dispõe de muitas maneiras de
manifestá-lo, mas o resultado dos interesses em jogo nos oceanos. Nada alterou tanto nos últimos
anos a balança de poderes nos mares como a crescente presença da bandeira soviética em todos os
oceanos.

14 – ALEMANHA

A ausência de atividade germânica nos mares após a Liga Hanseática. A Marinha prussiana. A
fundação do Império Alemão. O desenvolvimento da indústria e do comércio. As colônias. O
crescimento da Marinha Mercante. A indústria naval. O desenvolvimento da Marinha de Guerra no
reinado de Guilherme ll: a ação do Kaiser e do Almirante Von Tirpitz. A rivalidade britânica. A
Primeira Guerra Mundial: o desaparecimento do comércio marítimo germânico: a campanha
submarina. O renascimento após a derrota. A política marítima dos nazistas. A Segunda Guerra
Mundial: a campanha submarina. A derrota.

Abstraindo a intensa atividade marítimo-comercial desenvolvida nos fins da Idade Média e nos
primórdios da Idade Moderna pelas cidades hanseáticas, a participação alemã nos empreendimentos
oceânicos foi diminuta até época bem recente.

O povo alemão, habitando dezenas de diferentes Estados, muitos dos quais não dispunham de limites
marítimos, dizimado por seguidas e prolongadas guerras, não participou da investida para os mares
iniciada pelos portugueses e prosseguida depois pela Espanha, Holanda, Inglaterra e França. O
comércio alemão para o além-mar caiu assim nas mãos dos holandeses.

A partir do século XVII, a Prússia começou a emergir como o mais poderoso dos Estados germânicos,
mas, cercada por nações rivais, também ela não pôde cogitar do desenvolvimento marítimo, nem
sequer empreender a construção de uma esquadra que protegesse o litoral do Báltico contra os
ataques inimigos. Assim, durante todo o século XVIII, não se encontra nenhum traço da Marinha de
Guerra da Prússia. A necessidade de haver uma se fizera sentir no país por várias vezes durante esse
período perturbado, mas o estado precário das finanças do reino fez sempre adiar a realização dessa
empresa. Suecos e dinamarqueses disso se aproveitaram para levar a bom termo várias campanhas
em solo da Alemanha, no decorrer dos séculos XVII e XVIII.

Em meados do século XIX, a Prússia criou uma pequena Marinha de Guerra. Ela surgiu por força da
guerra contra a Dinamarca e foi planejada levando em conta as peculiaridades da campanha contra
aquele país nórdico. Terminada a guerra, seguiu-se novamente um período de esquecimento para a
nascente Marinha prussiana. Os recursos militares que se davam aos navios alemães em serviço eram
fracos. Era o resultado pouco brilhante de uma politica naval sempre entravada e sacrificada. Por
conseguinte, antes de 1870 a esquadra alemã aumentou apenas por golpes. Como a Marinha
Mercante era pouco desenvolvida para poder incrementar a construção naval, acompanhando os
novos processos, a Marinha de Guerra era obrigada a recorrer quase sempre ao estrangeiro.

Decorreram assim longos anos antes que a Alemanha se convertesse em potência naval. Somente
quando várias circunstâncias favoráveis coexistiram surgiu a Marinha que iria disputará Grã-Bretanha
a supremacia dos mares. A razão principal desse retardamento pode ser atribuída à posição
geográfica do país. Com efeito, o território alemão é quase todo fechado por terra e onde ele toca o
mar este é dominado por potências situadas mais favoravelmente. Em terra, a Alemanha dispunha
sobre os seus vizinhos das facilidades de milhares de comunicações interiores. No mar, os territórios
das potências inimigas, ocupavam posição estratégica mais favorável, permitindo o controle dos
acessos oceânicos aos portos germânicos.

Dentro de uma estratégia nitidamente continental, a Prússia iniciou em meados do século XIX uma
série de guerras expansionistas, visando firmar-se como grande potência europeia.

Nas guerras de 1864 (contra a Dinamarca) e 1866 (contra a Áustria), não houve encontro naval de
qualquer espécie, e na guerra franco-prussiana de 1870-71 houve apenas um combate no mar, entre
dois pequenos navios.

Depois, porém, que a Alemanha constituiu um Império, em 1871, pela união dos vários Estados
germânicos, a necessidade de um poder naval capaz de defender os interesses alemães no ultramar
tornou-se patente.

O rápido desenvolvimento do comércio alemão sob o estimulo das indenizações francesas e tarifas
protetoras exigia novas fontes de matéria-prima e novos mercados. O maior incremento da
população, por outro lado, indicava a necessidade de lugar para a expansão germânica no ultramar,
Por muitos anos a emigração de alemães da terra-pátria, em média cerca de dois mil por dia, dirigira-
se em grande fluxo para os Estados Unidos, para o Brasil, para a Argentina e outras regiões onde o
Governo Imperial não tinha controle. Parecia claro que colônias eram desejadas e mesmo
necessárias. Em 1884 a Alemanha, sem mover um navio ou disparar um canhão, achou-se possuidora
de território na África, cuja área combinada excedia a mais de quatro vezes a área do Império
Germânico na Europa. Depois da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos, a Alemanha ocupava,
enfim, posto eminente no comércio internacional, posição essa que se consolidou com o passar dos
anos.

Entre todas as potências mercantis foi à Alemanha a que, relativamente acusou o mais grandioso
desenvolvimento até a Primeira Guerra Mundial.

A indústria metalúrgica, que já na primeira metade do século avançava com sucesso, no fim dos
oitocentos e no primeiro decênio do século XX, prosperou a passos gigantescos, graças à descoberta
de jazidas de minério de ferro no subsolo da Alemanha. Em 1871, a produção de ferro alemã não
superava 1.563.000 toneladas e mantinha 23 mil operários, e em 1904, a produção passava a 10
milhões de toneladas e ocupava 35 mil pessoas. A produção de aço aumentou da mesma maneira.
Em 1912, ela era avaliada em 17 milhões de toneladas contra 1.100 mil em 1887.

Desse modo, se antes de 1880 a Alemanha ocupava o quarto lugar no comércio mundial, em 1914
ocupava o segundo. De 1898 a 1914 o comércio externo da Alemanha aumentou em 100%, dos quais
três quartos eram de comércio marítimo cuja escala era em Roterdam e Antuerpia.
As cidades costeiras do mar do Norte e do Báltico beneficiaram-se amplamente do cuidado
incessante dado à Marinha e da expansão comercial alemã no ultramar. Hamburgo, na embocadura
do Elba, agigantou-se. Porto Franco desde 1881, possuía em 1914, 1.087 navios que deslocavam
1.362.000 toneladas. Todo ano entravam e frequentavam seu porto mais de 30 mil navios. A
importação subia a 12 milhões de toneladas, e a exportação a nove. Naturalmente as companhias
marítimas de Hamburgo cresceram em número e como entidade, de modo extraordinário. A partir de
1885, Bismarck começou a autorizar fortes subvenções do Governo Imperial à Marinha Mercante
germânica.

Em 1870, uma só companhia existia, a Hamburg Amerika Line; em 1914, depois de quarenta anos,
portanto, havia não menos de quarenta companhias orgulhosas. Só a Hamburg dispunha de um
capital não inferior a 125 milhões de marcos, sendo proprietária de 388 navios com uma tonelagem
que, em 1910, subia a 1.021.963 toneladas.

Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, a frota mercante alemã era a segunda do mundo. Ela
compreendia mais de quatro mil navios com mais de cinco milhões de toneladas. Oitenta mil
marinheiros guarneciam esta frota. A percentagem da Alemanha na frota mercante mundial, que era,
em 1874-75, somente 5,2%, elevou-se até o começo da guerra a 10,8%.

Estimulados pelo desenvolvimento da Marinha Mercante e amparados por uma sólida indústria
siderúrgica, os estaleiros alemãs proliferaram. Em 1870, havia no país apenas sete estaleiros. Esse
número elevou-se a 107 em 1912. Enquanto até o nono decênio do século passado os grandes navios
transatlânticos só procediam da Inglaterra, as conhecidas firmas de armadores de Hamburgo e
Bremen fizeram daí por diante suas encomendas aos estaleiros alemães, estimulando-os com isso a
desenvolverem uma capacidade de produção cada vez mais elevada. Em poucos anos, converteram-
se esses estaleiros em empresas construtoras de primeira categoria, e a continua ampliação de suas
explorações demonstrou o desenvolvimento crescente dessa indústria.

O aumento do comércio alemão depois de 1871 e o crescimento da Marinha Mercante mostraram a


necessidade de uma Marinha de Guerra. Essa necessidade for posteriormente acentuada pelo
estabelecimento do Império Colonial. Contudo, somente quando o jovem Kaiser (Guilherme II) subiu
ao trono é que a construção de uma forte Marinha foi encarada: A impotência da Alemanha devido à
falta de Marinha foi amplamente demonstrada em 1896, quando o Kaiser foi incapaz de sustentar
seu telegrama ao Presidente Kruger, do Transwaal, com outro meio que não mais telegramas. Ainda
mais efetivamente foi demonstrada em 1889, quando começou a guerra Anglo-Boer. (O Kaiser se
enfurecia quando os navios mercantes alemães, carregados de armas e munições para os Boers,
eram detidos pelos cruzadores ingleses e condenados ao confisco por tribunais britânicos Usando a
experiência sul-africana como um meio para inflamar a opinião pública alemã (que é altamente
inflamável), ele conseguiu as duas primeiras das quatro Ligas Navais sob as quais foi construída a
grande frota que custou ao povo alemão 200 milhões de libras. O zelo do Kaiser pela construção
naval foi posteriormente estimulado pela Guerra Hispano-Americana de 1898, na qual a influência
decisiva do poderio naval foi demonstrada conspicuamente. Depois de 1896, o Kaiser passou a contar
com o concurso, na pasta da Marinha, do Almirante Von Tirpitz, que foi a alma do desenvolvimento
naval da Alemanha.

Ao raiar o século XX, a Alemanha reunia as condições fundamentais necessárias a uma potência
naval: comércio, atividade industrial, sentido militar, aptidão para a organização, amor ao trabalho,
poderio do Estado e patriotismo. Bem cedo os programas modestos das duas primeiras Ligas Navais
foram abandonados (1898 e 1900). O segundo ato naval acelerou e quase dobrou o programa de
1898, procurando criar uma frota de combate com 34 encouraçados, 38 grandes cruzadores e 106
pequenos cruzadores. A Inglaterra evidentemente não deixou de considerar o desenvolvimento da
Marinha alemã e, sob o pulso firme de Lord Fisher, ampliou, por seu turno, o programa de construção
naval. As duas grandes potências europeias iniciaram então uma corrida armamentista que durou até
o início da Primeira Guerra Mundial:

Em agosto de 1914, a Alemanha tinha a segunda Marinha de Guerra do mundo. Sua esquadra
compunha-se de 13 encouraçados modernos, 30 encouraçados antiquados, 5 cruzadores de batalha,
60 cruzadores pesados, 12 cruzadores ligeiros, 152 contratorpedeiros, 45 torpedeiros e 40
submarinos. O emprego dessa formidável força naval no conflito de 1914-18 presta-se até hoje a
controvérsias. A Marinha alemã bateu-se com denodo, e a alta qualidade de seus navios foi
comprovada por mais de uma vez. Ela não impediu, contudo, que a Marinha Mercante alemã
abandonasse todos os mares, com exceção do Báltico.

A supressão do comércio germânico no além-mar teve consequências funestas para as armas do


Kaiser. Ao contrário da guerra de 1870, relativamente curta, o domínio das rotas oceânicas foi
adquirindo, com o correr dos meses, cada vez maior importância, uma vez perdido o ela inicial do
avanço dos exércitos alemães na França. Com a estabilização dos exércitos beligerantes na luta de
trincheiras, a guerra assumiu um aspecto de desgaste que tornava problemática a vitória da
Alemanha, cortada das principais fontes de suprimento do mundo. A guerra de corso começou a ser
considerada, por certo círculos na Alemanha, como o único recurso capaz de quebrar o esforço da
guerra aliada. O submarino tinha-se revelado capaz de ameaçar a vida económica da Inglaterra
malgrado a proteção de sua esquadra: A íntima dependência que a Inglaterra se achava de sua
Marinha Mercante permitia a esperança de ver o Estado insular tão profundamente atingido que não
pudesse prosseguir na luta. Quatro quintos dos viveres e das matérias-primas que consumia, com
exceção do carvão e da metade do minério de ferro, procediam do além-mar. Levou muito tempo,
porém, para felicidade dos aliados, antes que a Alemanha se empregasse a fundo na guerra de corso
submarina. Todo o esforço naval do país, antes da guerra, tinha sido consagrado a Forças de Alto-Mar
e relativamente pouca atenção se tinha dado à Força de Submarinos. Além do mais, havia os
problemas políticos, que eram os principais. A guerra submarina irrestrita fatalmente arrastaria para
o campo aliado outras potências.

No decorrer de 1915, a média mensal de afundamento de navios mercantes por submarinos foi de
120 mil toneladas. Antes de iniciada a guerra submarina, o comércio marítimo procedente da
Inglaterra ou a ela destinado não tinha sofrido apreciavelmente. O encarecimento do frete mantinha-
se em limites razoáveis, e o povo inglês, em suma, sofria pouco. Não havia carência, e o
encarecimento da vida era suportável. A guerra submarina, ao contrário, modificou sensivelmente as
condições de vida na Inglaterra. O frete se elevou notavelmente De janeiro a maio de 1915, dobrou;
em janeiro de 1916, era em média dez vezes mais elevado que antes da guerra (janeiro de 1914). Os
preços do comércio, grosso modo, seguiram a ascensão antes mesmo que as importações tivessem
sofrido reduções bastantes para se falar em penúria de mercadorias. No fim de 1916, a perda de
tonelagem tornara-se já sensível. Era evidente que o problema da guerra submarina reduzia-se a uma
questão de tonelagem. Os argumentos a favor da campanha submarina irrestrita eram fortes em face
dos resultados já alcançados com a campanha moderada empreendida até então. No entender de
von Tirpitz e von Scheer "não se poderia atingir a Inglaterra senão no seu comércio marítimo. O meio
para se alcançar o objetivo era a guerra submarina sem restrições à qual a Inglaterra não poderia
sustentar por mais de seis a oito meses, considerando os recursos de que os aliados dispunham
então".

Os estaleiros tinham estado bastante ativos em 1915 para fornecer um número de submarinos
satisfatório, mas tinha-se perdido um ano precioso. Durante o ano de 1916 a Inglaterra teve tempo
para tomar, metodicamente, as contramedidas. O resto do ano de 1916 se passou em discussões
entre o Estado-Maior Geral, a Marinha e o Governo do Império; o Chefe do Estado-Maior Geral
procurando forçar o Governo a empreender a guerra submarina sem restrições, enquanto tentava
fazer o Comandante-Chefe recomeçar a guerra comercial restrita.

A guerra submarina sem restrições começou enfim a 1º de fevereiro de 1917. Tratava-se de quebrar
a resistência da Inglaterra, destruindo seu comércio marítimo, malgrado a superioridade de sua
esquadra. Dois anos e meio de guerra se tinham passado sem ter sido iniciada essa tarefa, até que as
autoridades responsáveis se viram na obrigação de utilizar os meios de que dispunham para evitar o
desastre ameaçador. Começou então a fase crucial da guerra marítima, e todas as nações
beligerantes compreenderam que o seu resultado seria talvez mais importante ainda que a decisão
da batalha do Marne. Nunca potência alguma colocou tal empenho e tantos recursos em cortar as
vias marítimas da nação inimiga como fez a Alemanha em relação à Inglaterra em 1917 e 1918.
Esforço semelhante só viria a ser empreendido em idênticas circunstâncias na Segunda Guerra
Mundial. Nenhuma campanha mobilizou tantos recursos no mundo todo quanto essa primeira
batalha do Atlântico. Enquanto a guerra de corso, realizada pelos franceses nos conflitos dos séculos
XVII, XVIII e XIX, não chegou a impedir o crescimento da Marinha Mercante inglesa, a campanha
submarina irrestrita em poucos meses causou uma diminuição sensível na tonelagem mundial.

O número de submarinos cresceu sempre, malgrado as contramedidas aliadas. No começo do ano de


1915, o número de unidades consagradas à guerra no comércio era de 24. A tonelagem afundada
durante o ano de 1915 não atingiu o número de seis semanas de guerra sem restrições. Em 1916, o
número de submarinos foi acrescido para 87 entre os vários tipos, mais 14 estavam em experiência e
151 em construção. Trinta e cinco submarinos não haviam regressado às bases desde o início das
hostilidades. No primeiro dia de guerra submarina sem restrições havia já no mar do Norte 57
submarinos, no Báltico, oito, em Flandres, 38, e as bases do Mediterrâneo dispunham de 31. A
tonelagem afundada aumentou brutalmente, atingindo a mais de um milhão de toneladas nos meses
de abril a junho de 1917, fato não registrado em nenhum mês na Segunda Guerra Mundial. As
potências aliadas tomaram uma série de contramedidas eficazes não só organizando comboios de
navios mercantes fortemente escoltados como também aperfeiçoando a técnica do combate ao
submarino e realizando, em todos os países possíveis, principalmente nos Estados Unidos, um
programa de construção naval em massa capaz de compensar as perdas experimentadas. Tais
medidas lograram sucesso, e os submarinos alemães pagaram pesado tributo. (Durante a guerra
foram utilizados ao todo 360 submarinos; 184 não regressaram.) Em meados de 1918, a tonelagem
aliada afundada mensalmente orçava em média por 500 mil toneladas. O sucesso da campanha
submarina achava-se comprometido. Os alemães procuraram reunir todos os seus recursos
industriais para aumentar a produção de submarinos. Cento e vinte haviam sido encomendados em
dezembro de 1917 e mais duzentos e vinte em janeiro de 1918, mas destes, até setembro de 1918,
apenas 74 haviam sido entregues. Enquanto isso a poderosa frota alemã poucas saídas realizou
depois da batalha de Jutlândia em maio de 1916. Os navios parados nas bases, em contato com as
forças desmoralizantes que grassavam na retaguarda, acabaram contaminados, e já em 1917 os
primeiros indícios de indisciplina surgiram nos encouraçados.

Ante a ameaça do colapso na Frente Ocidental, o Alto Comando Alemão decidiu realizar uma surtida
desesperada com toda a esquadra, mas a 29 de outubro de 1918, ao ser conhecida a ordem,
explodiram desordens em vários navios, sobretudo nos encouraçados. A surtida teve que ser
suspensa.

Com o fim da guerra, a frota alemã foi enviada para Scapa Flow onde se auto afundou ao se difundir a
suspeita de que os navios seriam entregues aos vencedores. Em águas inglesas, foram dessa forma
afundados 19 encouraçados, 5 cruzadores de batalha, 16 cruzadores, 92 contratorpedeiros, 50
torpedeiros e 152 submarinos.

Sem frota de guerra e com a Marinha Mercante reduzida a 600 mil toneladas, assim terminou a
primeira fase da expansão alemã nos mares.

Embora derrotada de forma esmagadora e malgrado as dificuldades sem conta surgidas em


consequência do conflito, revolução, inflação, indenização etc, a estrutura sólida da economia alemã
permitiu uma rápida volta do país às transações comerciais. O renascimento do comércio acarretou,
logicamente, o incremento da Marinha Mercante, Em 1923, só a Companhia Norddenstcher Lloyd
tinha já em construção 28 novos navios com 232 mil toneladas, e 34 grandes transatlânticos de
outras companhias estavam sendo construídos numa série de estaleiros. A Marinha de Guerra,
porém, não pôde acompanhar o crescimento da frota de comércio em virtude de cláusulas do
Tratado de Versailles e permaneceu reduzida até o advento do nazismo.

No começo da terceira década do século, a Alemanha já era novamente uma das três importantes
nações comerciais do mundo. Sua Marinha Mercante ultrapassava cinco milhões de toneladas. Com a
subida dos nazistas ao poder, a Alemanha iniciou febrilmente seus preparativos para a guerra.
Todavia Hitler e seus auxiliares imediatos não encararam o aspecto naval do futuro conflito com
grande zelo. Faltou à Alemanha a firme vontade de um von Tirpitz, bem como a megalomania de
Guilherme II. Em confronto com o rápido desenvolvimento do Exército e da Força Aérea, a Marinha
germânica aumentou pouco. Também não foi considerada no começo pelo Alto-Comando a
eventualidade de uma guerra contra a Inglaterra. O Almirante Raeder, contudo, não aceitou esses
pontos de vista e, apontando a Von Blomberg a expansão da Marinha francesa, conseguiu maiores
verbas. Com esses fundos ele iniciou os fundamentos de uma pequena e equilibrada esquadra.

O Tratado de Londres, assinado em 1935, permitiu à Alemanha possuir uma esquadra equivalente a
trinta e cinco por cento da frota de superfície inglesa, e acordos posteriores estipularam que a força
de submarinos germânicos poderia ser igual à britânica. A Alemanha podia construir, pelos tratados,
cinco navios de linha, dois porta-aviões, vinte e um cruzadores e sessenta e quatro destroieres. Na
verdade, porém, tudo o que possuíam por ocasião do começo da guerra eram 2 encouraçados, 11
cruzadores e 25 destroieres. Cinquenta e sete submarinos estavam já construídos quando a guerra
começou.

Em 1937, Hitler alterou os planos da expansão alemã, tornando a guerra com a Inglaterra quase uma
certeza. Para a Marinha alemã tornou-se preciso uma revisão dos planos estabelecidos noutras
hipóteses. Era necessário tempo, e Hitler prometeu que não haveria guerra contra a Inglaterra até
1944 ou 1945. Foi elaborado, então, com base nessa hipótese, um plano para aumentar o poderio
naval tanto quanto possível. Esse plano, conhecido como Plano Z foi baseado na capacidade total dos
estaleiros alemães e no tipo de guerra a ser engajada. A concepção do Almirante Raeder da guerra
naval contra a Inglaterra visava evitar grandes ações e concentrar os ataques contra a Marinha
Mercante. Submarinos e rápidos e poderosos navios de superfície, operando independentemente ou
com porta-aviões, eram encarados como os melhores meios de levar adiante essa linha de ação. O
desenvolvimento da Aviação Naval, também cogitado, foi fortemente combatido por Goering.

Na primavera de 1939, a anexação da Tchecoslováquia e as ordens preliminares para a invasão da


Polônia tornaram claro a Raeder e ao Estado-Maior da Armada que a guerra com a Inglaterra teria
lugar muito antes do previsto. Raeder mostrou a Hitler a falta de preparo naval da Alemanha, mas a
invasão da Polónia não foi adiada, deflagrando o conflito.

No mesmo dia da declaração de guerra foi afundado o primeiro navio mercante inglês, dando início à
campanha que, conhecida como batalha do Atlântico, tornou-se a maior, mais importante e mais
monótona batalha da guerra. Em essência, foi ela uma luta entre a Alemanha e os Aliados, visando
cada qual estrangular a linha de suprimento do inimigo. Começada no dia da abertura das
hostilidades ela durou até dois dias antes do armistício, cinco anos e oito meses mais tarde, mas
antes de chegar ao fim, 4.783 navios mercantes com mais de 21 milhões de toneladas e 635
submarinos foram afundados.

Em linhas gerais, a guerra no Atlântico foi repetição da do Primeiro Conflito Mundial. Em poucos dias,
a bandeira de comércio germânica desapareceu dos mares exceto no Báltico. A frota de superfície
alemã empreendeu algumas investidas sem grandes resultados, a não ser na Campanha da Noruega,
onde, à custa de pesadas perdas, atingiu plenamente seu objetivo. Pouco a pouco os navios de
superfície alemães deixaram de constituir preocupação séria, e o submarino cresceu cada vez mais
em importância.

A orientação seguida pelos dirigentes alemães na guerra naval também foi à repetição da política
obedecida pelo Governo do Kaiser na Primeira Guerra Mundial. No começo, durante mais de um ano,
confiança ilimitada nos resultados das fulminantes campanhas terrestres. Com o prolongamento da
guerra, maior atenção à guerra naval, e, por fim, concentração angustiosa dos recursos disponíveis
no ataque às comunicações aliadas, visando a uma decisão já impossível. Nos oito primeiros meses
da guerra, a Alemanha, dispondo de menos de sessenta submarinos, não causou grandes danos à
navegação aliada. As perdas sofridas foram compensadas pelas novas construções e pelos navios do
Eixo capturados.

Depois da queda da França e com a entrada em serviço de um número crescente de submarinos, a


devastação das frotas mercantes atingiu ritmo alarmante. Em maio de 1942 havia, operando nos
oceanos, 124 submarinos alemães e mais 114 estavam em experiência no Báltico. No decorrer de
1942, o pior ano da batalha do Atlântico, foram afundados 1.570 navios mercantes com quase oito
milhões de toneladas. A Alemanha estava vencendo a batalha, tendo perdido, até agosto de 1942,
105 submarinos, ou seja, uma perda mensal de 4,9% das unidades em operação. Todavia, em
fevereiro de 1943, foram afundados 19 UBoats, em março, 15 e em abril, 16. Essas perdas já eram
elevadas, mas, em maio, uma série de ataques aeronavais no golfo de Gasconha afundou 37
submarinos, ou seja, aproximadamente 30% de todos os submarinos no mar.
A batalha do Atlântico assumiu aspecto mais animador para os aliados que no decorrer desse ano de
1943 perderam menos da metade dos navios afundados no ano anterior. A Alemanha procurou
elevar a produção de submarinos de 30 para 40 por mês com sacrifício da produção numa série de
setores importantes. O número de submarinos em operação cresceu sempre, mas as escoltas aliadas
eram cada vez mais eficientes. Em dezembro de 1943, a frota submarina consistia em 419 unidades,
das quais 161 para operações, 168 em experiência e 90 usadas para treinamento. Em junho de 1944,
havia 181 UBoats em atividade, número que caiu para 140 em dezembro, em virtude de perdas no
mar e dos bombardeios aéreos dos estaleiros. Entretanto, a produção de submarinos fez uma
recuperação espetacular apesar de todas as dificuldades, e, em fevereiro de 1945, Doenitz informou
a Hitler que 237 UBoats estavam sendo preparados. O total de 450 submarinos em comissão foi o
máximo que a Alemanha possuiu, mas esse máximo coincidiu justamente com um dos mínimos na
destruição de navios aliados. Na última ofensiva submarina, em abril de 1945, 57 submarinos foram
destruídos, 33 no mar e 24 nos portos, por bombardeio aéreo, ao passo que apenas 13 navios
mercantes aliados foram afundados.

A frota de superfície alemã durante todo o conflito viu o número de seus navios diminuir. Uma a uma
as principais unidades foram sendo destruídas: primeiro o Graf Spee, ainda em 1939, depois a
campanha da Noruega desfalcou a esquadra de vários cruzadores e de mais de uma dezena de
contratorpedeiros. Em 1941, o Bismarck foi afundado; em 1943 o Schanhorst; em 1944 o von Tirpitz.
No final da guerra, os bombardeios aéreos afundaram ou danificaram outros navios mais. As perdas
não foram substituídas, em virtude de a Alemanha ter consagrado aos navios de superfície baixa
prioridade no esforço de guerra, depois de 1942. Dessa forma, a construção do navio-aeródromo
Graf Zepelin foi suspensa, e depois do fracasso de um ataque de cruzadores germânicos a um
comboio inglês escoltado por contratorpedeiros por ordem de Hitler, não se cogitou mais da
construção de navios de superfície de porte alentado. Hitler chegou mesmo, na sua ira, a determinar
a retirada dos canhões de grosso calibre dos navios maiores, para utilizá-los como artilharia de
campanha.

No final da guerra, os marinheiros dos navios de superfície alemães foram reunidos em divisões
especiais e marcharam para lutar nas trincheiras em defesa do solo ameaçado, tal como os franceses
haviam feito em 1870, e os russos em 1854.

Ao terminar a guerra, 156 submarinos germânicos renderam-se aos aliados e 221 foram destruídos
pelas próprias guarnições. Os poucos navios da Marinha de Guerra alemã, encontrados nos portos
ocupados, foram distribuídos pelas nações vencedoras. Da Marinha Mercante também restava pouca
coisa.

Assim, pela segunda vez, em menos de trinta anos, a Alemanha perdeu a expressão como país
marítimo; como depois da Primeira Guerra Mundial, a vitalidade da economia germânica iria permitir
em poucos anos o renascimento da Marinha Mercante.

15 – JAPÃO

A natureza estéril do solo japonês. A base agrícola da economia do país até os tempos modernos. A
restauração Meiji. A rápida evolução da economia japonesa. A industrialização e a expansão do
comércio. O desenvolvimento da navegação. O imperialismo japonês. A Marinha de Guerra. O
ataque à China em 1894. O recrudescimento da atividade industrial e comercial após a vitória sobre
a China. Os sacrifícios do povo japonês para ampliar a Marinha de Guerra. A Guerra Russo-
Japonesa em 1904-06. O Japão, grande potência mundial. A necessidade crescente de fontes
externas de matérias-primas e de escoadouros comercias. A conquista da Mandchúria e a guerra
contra a China. Os atritos com as potências ocidentais. A Segunda Guerra Mundial. A derrota.

Até a restauração Meiji (1868), o Japão era quase unicamente um país agrícola. A terra japonesa é,
entretanto, muito estéril, havendo pouco espaço para o desenvolvimento progressivo das lavouras,
pois a natureza montanhosa das ilhas e as rígidas temperaturas na grande ilha nórdica de Yeso
impedem a expansão da cultura. Assim sendo, as terras disponíveis no Japão nas quais se pode colher
com aproveitamento oscilam apenas entre 15 a 20%. Em grande parte, as terras aproveitáveis
destinam-se às culturas do arroz e da cevada que, com a pesca abundante nos mares circunvizinhos,
constituem a base da alimentação japonesa.

A restauração Meiji marcou uma mudança de época, transformando completamente o Japão numa
moderna nação industrial. A restauração teve lugar cerca de um século após a revolução industrial
inglesa. A visita dos navios negros conduzidos pelo Comodoro Perry à Uraga levantou a nação
japonesa do estado sonolento que havia durado mais de dois séculos devido à reclusão do mundo
exterior. A abolição dos clãs governamentais e a completa mudança de todas as instituições políticas,
sociais e econômicas introduziram o Japão no período de industrialização capitalista. Durante dez
anos, porém, a agitação interna provocada pelo novo estado de coisas impediu o progresso do país.

Com o término da Rebelião Saigo em 1877, várias indústrias surgiram em rápida sucessão, e pouco a
pouco o comércio exterior se desenvolveu.

A navegação japonesa era então quase inteiramente costeira, e o comércio exterior era feito em
porões estrangeiros. Entretanto, com o correr dos anos o desenvolvimento do intercâmbio comercial
com as outras nações conduziu à fundação de várias companhias de navegação, todas elas
amparadas pelo Governo.

Querendo ampliar cada vez mais o campo das atividades nacionais, o Japão adotou uma política de
linhas imperialistas, cuja finalidade principal era a conquista de novos mercados consumidores e
fontes de matérias-primas. Em consequência, o Governo japonês procurou desde cedo criar uma
Marinha de Guerra capaz de atender à sua política exterior.

A primeira manifestação concreta do imperialismo japonês foi à inesperada agressão à China em


1894. A recém-criada Marinha logo alcançou o domínio absoluto do mar Amarelo, com a vitória de
Yalu, abrindo caminho às forças terrestres que não tiveram grande dificuldade em derrotar o Exército
chinês. O efeito dessa guerra vitoriosa nos negócios foi extraordinário. A guerra não só chamou a
atenção do mundo para o Japão, como estimulou seu comércio exterior. Além do mais, o Japão
recebeu uma indenização da China de 400 milhões de taels para não mencionar a aquisição de
Formosa e a hegemonia na Coréia, Acima de tudo, a guerra deu confiança ao país na própria força e
capacidade. Não é, pois, de estranhar que o comércio e os meios industriais, inativos por muitos
anos, súbito entrassem em período de grande animação e desenvolvimento. A vitalidade da nação,
adormecida nos anos de depressões, surgiu com energia durante a guerra e depois de seu término
transladou-se para o comércio e para os empreendimentos industriais. O comércio exterior recebeu
impulso considerável, e o seu desenvolvimento continuou nos anos seguintes. (A lei de apoio à
navegação, promulgada em 1896, acelerou o crescimento da navegação ultramarina pelas
Companhias Japonesas) Até 1887, cerca de 87% das exportações japonesas e 88% das importações
eram feitas em navios estrangeiros. Em 1901, as exportações em navios mercantes estrangeiros eram
de apenas 48%. A partir dessa época, a posição da navegação na economia nacional do Japão tornou-
se muito importante, ocupando lugar de destaque na balança internacional de pagamentos do país.

Com interesses no ultramar acrescidos e não pretendendo abandonar as linhas-mestras de sua


política imperialista, o Japão não se deteve, após a guerra contra a China, na ampliação de sua frota
de guerra. Em 1895, foi estabelecido e aprovado pelo Parlamento um programa naval com uma
despesa global de 95 milhões de iens para a construção de navios e o equipamento dos portos. No
ano seguinte, desde que se soube da intenção da Rússia de concentrar uma frota poderosa no
oceano Pacifico, um programa suplementar foi estabelecido o qual subia a 118 milhões de iens. O
parlamento sancionou sem explicações esse esforço que impunha um fardo extremamente pesado a
todo o povo japonês. A maior parte dos navios foi encomendada no estrangeiro, principalmente na
Inglaterra, pois o estado da indústria de construção naval no Japão, que apenas nascia, não permitia
contar com a execução rápida e perfeita demanda.

Percebendo que os interesses antagônicos russo-japoneses só tenderiam a aumentar com o tempo, o


Governo japonês, assim que se sentiu forte no mar e em terra, determinou o ataque, sem declaração
de guerra, à esquadra tzarista fundeada em Porto Arthur.

Os japoneses assumiram vigorosamente a ofensiva em terra e no mar, desde o início das hostilidades,
não dando oportunidade aos russos para se recobrarem dos golpes iniciais ou concentrarem
recursos. Bem treinados e bem comandados, os nipônicos pouco a pouco cercaram de perto a Base
Naval de Porto Arthur, por terra e mar. As diversas tentativas russas para romper o cerco
fracassaram. Depois de uma prolongada resistência, a praça se rendeu em janeiro de 1905. Já então a
esquadra russa no Pacífico praticamente deixara de existir. Os combates e as minas tinham destruído
um grande número de navios. As unidades restantes foram sabotadas em Porto Arthur quando a
queda da Base se tornou certa.

Num esforço supremo, a Rússia reuniu os navios das esquadras do mar Báltico e do mar Negro e os
enviou, sob o comando do Almirante Rodjestvensky, para o Extremo Oriente. Essa força naval,
heterogénea e desorganizada, empreendeu uma longa e exaustiva viagem do norte da Europa aos
mares do Japão, contornando o sul da África. A esquadra russa sofreu esmagadora derrota no
estreito de Tsuchima, onde o Almirante Togo a interceptou com seus navios mais rápidos, melhor
comandados. Apenas três navios russos conseguiram escapar à destruição e ao cativeiro e atingir
Vladivostok. Com essa vitória naval, o Japão se colocou entre as grandes potências mundiais. A vitória
deu nova vida aos negócios, e em 1906 o povo tomou-se de febre por novos empreendimentos. O
comércio de exportação mostrou um incremento notável. As indústrias expandiram-se em ritmo mais
acelerado ainda. Em 1892, o número de operários nas fábricas era de aproximadamente 300 mil. Em
1897, já eram 440 mil e, em 1911, setecentos e noventa mil. De todas as indústrias as que mais se
desenvolveram foram a de construções navais e as relacionadas com as atividades marítimas para
fins pacíficos ou não. Desde a guerra russo-japonesa, quando constituíra e armara a maior parte de
sua esquadra em estaleiros estrangeiros, o Japão procurou desenvolver as próprias construções na-
vais de maneira a não depender de ninguém no futuro.

Esse objetivo foi alcançado completamente, e em breve o Japão conseguiu não somente utilizar os
próprios aços, pólvoras, carvão e viveres, mas também as próprias produções técnicas para o Exército
e para a Marinha. Daí por diante o progresso não cessou, e já na Primeira Grande Guerra a maioria
dos navios japoneses era de construção nacional. Osaka, Kioto, Yokoama, Nagasaki, Kobe, Wakudate
transformaram-se em centros marítimos e industriais de importância mundial. A capacidade anual
dos estaleiros japoneses já então ultrapassava 600 mil toneladas, facilitando o rápido
desenvolvimento da Marinha Mercante que de 528 navios com 330 mil toneladas em 1895 alcançou
1.390 unidades em 1905 com 930 mil toneladas, para atingir em 1929 mais de quatro bilhões de
toneladas.

Da segunda década do século até a Segunda Guerra Mundial, o Japão teve a terceira Marinha
Mercante do mundo, só sendo ultrapassada pela Inglaterra e pelos Estados Unidos. De todos os
empreendimentos levados a cabo no país desde a restauração Meigi, nenhum tivera maior sucesso,
embora o progresso noutros setores também fosse notável, bastando notar que o número-índice de
produção geral do Japão foi 475 em 1931, tomando como base 100, em 1905, ao término da guerra
russo-japonesa com o número de fábricas aumentando de 32.390, em 1909, para 67.318 em 1932.

Outro setor de atividade onde o povo japonês se distinguiu foi na pesca marítima. A linha da costa
nipônica é irregular e daí ser longa em comparação com a área das ilhas. As ilhas também são
cercadas em alguns lugares por correntes marítimas quentes e noutros por correntes frias o que
favorece, sobremodo, o aparecimento de espécies diversas. A posição natural e as proximidades dos
centros de consumo fizeram, naturalmente, a pesca se desenvolver desde a Antiguidade. Antes,
porém, de se ocidentalizar, a pesca no Japão era sobretudo costeira, enquanto mais recentemente a
esfera de atividade de pesca dos japoneses é muito grande, ocupando um terço das áreas de pesca
do mundo. Ela cobre o estreito de Behring, a Austrália, a Nova Zelândia e o oceano Índico.

Premido pela pobreza do solo e pelo aumento da população a buscar no mar os recursos
indispensáveis à vida, nenhum povo retira das águas tantas riquezas quanto o japonês. A pesca
fornece mais de cinco milhões de toneladas de peixe, anualmente. A pesca em águas russas foi um
importante direito concedido ao Japão pelo Tratado de Portmouth, que pôs fim à guerra de 1904-05,
o que revela a preocupação constante do Governo nesse particular. Ainda é do mar que os japoneses
retiram algas utilizadas na alimentação do povo e uma série de outras riquezas para a exportação.
Outrossim, a participação de produtos marítimos na exportação japonesa é realmente notável,
oscilando em torno de 10% do total.

Por conseguinte, tanto para a subsistência do povo como para manter sua atividade econômica, o
Japão dependia do mar e de fontes de matéria-prima externas. A gigantesca industrialização do país
e o aumento da população tornaram cada vez maior a dependência do exterior. Em relação a carvão,
cobre, depósito de ferro sulfuroso, enxofre, o Japão era autossuficiente, mas produtos minerais mais
importantes para a indústria e para fins de ferro sulfuroso e enxofre, o Japão era autossuficiente, mas
depósitos eram inadequados. Por essa razão, o Japão procurou ansiosamente fontes permanentes de
suprimento. A China, a Rússia, as Índias Orientais Holandesas e os Estados Unidos forneciam ao Japão
a maior parte das matérias-primas que faltavam, mas todas essas nações ou eram possíveis inimigos,
ou controlados por potências rivais.

Prosseguindo na sua política imperialista, o Japão invadiu a Mandchúria em 1931 de onde passou a
extrair ferro e carvão. Em 1937 atacou a China, ocupando as regiões mais ricas daquele país. Em
1940, depois da queda da França, ocupou a Indochina e, por fim, aproveitando as dificuldades das
potências anglo-saxônicas na Europa, lançou as vistas para as Índias Orientais Holandesas, ricas em
petróleo, borracha e muitas outras matérias-primas. A Holanda, a Inglaterra e os Estados Unidos
evidentemente não estavam inclinados a cederem às ricas áreas da Indonésia, e o Japão decidiu pela
guerra.

Os japoneses tinham, no começo, a intenção de fazer uma guerra relâmpago. O plano fundamental
consistia em avançar rapidamente para o sul, a fim de se apoderarem das regiões onde se
encontravam os recursos cuja importância estratégica era vital. Eles contavam estabelecer, em
seguida, um perímetro em defesa, a leste e a oeste, ao abrigo do qual esses recursos poderiam ser
explorados. Esperavam organizar assim uma defesa escalonada em profundidade, cuja ruptura se
poderia mostrar tão difícil que os Estados Unidos seriam susceptíveis de cessar a guerra e procurar
uma paz de compromisso.

A condição fundamental para o sucesso desse plano era a realização de uma batalha decisiva com a
esquadra americana no inicio das hostilidades, a fim de destruí-la antes que o imenso poderio
industrial da América se fizesse sentir no teatro de guerra. Para levar a cabo o plano, o Japão
dispunha da terceira Marinha de Guerra do mundo a qual, entre as duas guerras, fora notavelmente
desenvolvida com pesados sacrifícios para o povo.

A primeira parte do plano foi executada ultrapassando as previsões mais otimistas. As Filipinas, as
índias Orientais Holandesas e a Malásia, com a Base Naval de Singapura, caíram antes das datas
previstas. A Marinha japonesa expulsou ou destruiu em sanguinolentos encontros as forças navais
holandesas, americanas e inglesas. A segunda parte do plano foi cumprida apenas em parte. A
Marinha americana sofrera um rude golpe em Pearl Harbour, mas impunha-se um outro encontro
para reduzi-la à impotência. A batalha do mar Coral não trouxe, também, a decisão almejada. Essa
esperança desvaneceu-se em junho de 1942, em Midway, em consequência de uma operação
imaginada pelo Almirante Yamamoto para criar a ocasião almejada para a batalha. No decorrer da
operação, os japoneses perderam quatro de seus melhores navios-aeródromo e com eles a melhor
oportunidade que tiveram de conseguir a batalha final.

O que Midway começara foi terminado pela Campanha das Salomão que, de agosto de 1942 até fins
de 1943, causou desgaste considerável à Marinha japonesa. Tolhida pelo número de seus navios e
tendo falta de pilotos treinados, a força de navios-aeródromo japoneses se encontrou reduzida à
impotência. A ideia de apoiar a defesa do perímetro, pela Marinha, foi abandonada no fim de 1943, e
quando os americanos desembarcaram nas Marshall, a esquadra deixou Truk pelas Carolinas
Ocidentais abandonando à sua sorte as guarnições avançadas. Cada vez mais inferiorizado face à
Marinha americana em meios de superfície aéreos, o Japão perdeu a iniciativa no Pacifico. Além da
perda de poderio ofensivo de sua esquadra, dois outros graves problemas pesavam na estratégia
marítima japonesa. Em primeiro lugar, era-lhes preciso proteger seu tráfego marítimo, sangue do
Império. Fato estranho: os japoneses negligenciaram completamente a ameaça submarina a despeito
dos sucessos alcançados pela Alemanha no decorrer das duas guerras mundiais, erro tanto mais
grave em virtude de o Japão não poder construir navios senão em número limitado. As
consequências dessa falta capital foram agravadas pelas perdas em contratorpedeiros e outros
navios de escolta no decorrer da longa campanha das Salomão, o que colocou o Comando Naval na
impossibilidade de proteger eficazmente a Marinha Mercante. O acréscimo súbito da destruição
ocasionada pelos submarinos, no fim de 1943, prometia levar ao desastre uma nação cuja capacidade
de continuar a guerra repousava unicamente no intercâmbio marítimo.
Enfim, os japoneses foram terrivelmente prejudicados pela falta de combustível, falta essa que
aumentou consideravelmente suas dificuldades militares. Eles tinham entrado na guerra com uma
tonelagem de petroleiros completamente insuficientes, e os sucessos logrados pelos submarinos
americanos agravaram rapidamente a situação. Se o Japão pôde conquistar no primeiro arranco as
regiões mais ricas em petróleo do mundo, não resolveu jamais o problema dos transportes e dos
suprimentos de combustível líquido, elemento essencial à guerra moderna. Os estoques disponíveis
não cessaram de diminuir até o fim do conflito.

Entretanto, a despeito de todas as dificuldades, a ameaça criada pela invasão de Saipan obrigou o
Japão a arriscar a esquadra. A aviação dos navios-aeródromo estava mais ou menos reconstituída e
treinada. Reinava um grande otimismo a respeito do resultado que ela poderia obter. Na batalha do
mar das Filipinas, a 19 e 20 de junho de 1944, os japoneses tiveram a registrar, entretanto, a perda
de três navios-aeródromo (dos quais dois foram afundados por submarinos que furaram a barreira
insuficiente dos contratorpedeiros), mais outro navio-aeródromo foi avariado, e a aviação embarcada
foi quase totalmente destruída.

Pelo meio do verão de 1944, o Japão se encontrava em grande perigo. Enfraquecido intensamente
pelas perdas experimentadas em certas categorias de armas, cambaleando sob os golpes sucessivos e
incessantes dos americanos, os japoneses não tinham realizado o desejo de travar uma batalha naval
decisiva. A destruição de navios de comércio realizada pelos submarinos e pelos aviões dos navios-
aeródromo paralisava cada vez mais eficazmente a economia de guerra, e os laços que ligavam a
metrópole às regiões do sul, onde encontravam os recursos indispensáveis, afrouxavam dia a dia.

Em outubro de 1944, ante o desembarque americano nas Filipinas, que ameaçava cortar
definitivamente as comunicações marítimas da metrópole com as fontes de matéria-prima do sul, o
Japão lançou todos os navios e aviões remanescentes de sua Marinha em busca de uma batalha
decisiva. De 21 a 26 de outubro, feriu-se a grande batalha de Leyte que praticamente pôs fim à
Marinha do Mikado como força combativa. Em cinco dias o Japão perdeu quatro navios-aeródromo,
três encouraçados, seis cruzadores pesados, quatro cruzadores ligeiros e onze contratorpedeiros.
Muitos outros navios foram gravemente avariados. A derrota causou uma confusão e uma
desorganização que tornaram os navios remanescentes presas fáceis para as aeronaves dos porta-
aviões americanos, para os submarinos e navios ligeiros. No fim de janeiro novas perdas haviam
custado ao Japão um encouraçado, dois grandes navios-aeródromo, um navio- aeródromo de escolta,
três cruzadores e vinte e um contratorpedeiros.

Ao todo, no decorrer da guerra, a Marinha Imperial japonesa perdeu 328 navios dos 489 que
estiveram em serviço. Quanto à Marinha Mercante, perdeu 4.780.000 toneladas de navios, a maior
parte dos quais, 63%, afundados pelos submarinos americanos. Restava apenas pouco mais de 1
milhão de toneladas de navios mercantes, em agosto de 1945. Os vinte e dois estaleiros existentes no
Japão não conseguiram construir mais do que um milhão de toneladas por ano, o que não bastou
para compensar as perdas.

No final da guerra, o Japão tinha seus exércitos praticamente intatos e ainda uma grande Força
Aérea, mas a Marinha de Guerra, a Frota Mercante e as áreas industriais estavam devastadas. Sem
Marinha para proteger as linhas de suprimentos, sem navios para carregar as matérias-primas e sem
fábricas para efetivar a transformação desse material em equipamento, a nação japonesa era incapaz
de continuar a luta. Seria erro supor que a sorte do Japão foi determinada pela bomba atômica. Sua
derrota era coisa certa antes mesmo que tivesse caído a primeira bomba e foi provocada pelo
esmagador poderio naval. Somente isso é que tornou possível o domínio das bases oceânicas de
onde se desfecharia o ataque final e forçaria o exército metropolitano a capitular sem tardança.

No pós-guerra, o Japão, desmembrado de suas antigas possessões em Formosa, na Mandchúria, na


China, na Coréia e nas Ilhas do Pacífico, atirou-se mais uma vez para o mar em busca do amparo
econômico.

Na pesca e, sobretudo na construção naval voltaram os japoneses a se destacar no cenário mundial.


Não é de crer, entretanto, que a China ou a URSS permitam o ressurgimento do Poder Marítimo
japonês na sua antiga plenitude.

16 – ESTADOS UNIDOS

A América colonial. A situação marítima da Nova Inglaterra. As leis britânicas de navegação. A


construção naval e a Marinha Mercante. A importância crescente do comércio exportador. A
Guerra da independência. A criação da Marinha de Guerra Sua desaparição com a paz. Os corsários
argelinos e o renascimento da Marinha de Guerra. A luta contra os corsários franceses das Antilhas.
A guerra contra o Bei de Tripoli. A expansão do comércio americano durante as guerras
napoleônicas. A rivalidade inglesa. O embargo de 1807. A guerra contra a Inglaterra. A decadência
da Marinha Mercante americana. A Guerra Civil e suas consequências. A situação em 1881. A
ascensão da Marinha de Guerra e a decadência da Marinha Mercante no final do século XIX. A
Primeira Guerra Mundial. O período entre as duas guerras. O Segundo Conflito Mundial. A
supremacia americana.

A América colonial era basicamente um país de fazendeiros. Havia também criadores, alguns artífices,
mercadores e funcionários, mas seu número não representava senão uma pequena minoria em face
da massa considerável de fazendeiros. Na Nova Inglaterra, contudo, o solo não era fértil. Um
fazendeiro podia, por seu trabalho, ganhar o sustento e talvez economizar um pouco, mas não lhe
era possível prosperar e acumular reservas. Por outro lado, o avanço para o interior era dificultado
por formidáveis barreiras geográficas. Esta razão e o litoral com seus magníficos portos e angras e a
vizinhança de farta pesca prenderam a população à costa. Assim, nessa parte da América os colonos
orientaram-se, desde o início, para o mar, tornando-se pescadores, marinheiros, construtores de
navios e mercadores, contrastando com a população agrícola das outras regiões da Colônia. Portanto,
desde cedo à Nova Inglaterra converteu-se numa comunidade anfíbia cuja capital era Boston, uma
cidade comercial junto ao oceano. As florestas que vinham até a beira-mar facilitavam a construção
naval. O oceano era fonte de alimentos para os colonos, e algumas espécies de peixe seco mais
abundante eram vendidas na Europa, fornecendo a base de um próspero comércio externo. Com o
tempo, outros produtos da colônia, tais como peles, fumo, cereais e carne defumada, foram
acrescidos à exportação, transformando o comércio com o além-mar no fator principal da vida
econômica da região. A maior parte das exportações destinava-se às Índias Ocidentais, à Inglaterra e
à Espanha. As colônias, em troca, recebiam melaço e numerosos produtos manufaturados que não
fabricavam.

As transações comerciais, entre as próprias colônias também dependiam das vias líquidas, pois as
longas distâncias e as florestas tornavam sumamente difíceis as comunicações terrestres, enquanto o
mar, juntamente com suas numerosas baías e rios navegáveis, oferecia um meio rápido e mais fácil
de transporte interno.

Por mais de duzentos anos, as vias aquáticas naturais constituíram as únicas vias dignas de menção
na América, não somente para o transporte de mercadorias, mas também para os viajantes de longas
jornadas.

A necessidade do transporte interno e o crescimento do comércio externo favoreceram a aparição de


uma próspera indústria de construções navais à qual as magníficas florestas forneciam excelentes
madeiras. Depois de 1676 mais de setecentos navios foram construídos somente no Massachusetts.
Em 1775, dos 7.694 navios empregados no comércio da Grã-Bretanha, 2.342 eram de construção
americana. Cerca de 1.769, o volume do comércio colonial no além-mar, beirava um milhão de
toneladas com o valor aproximado de 5.500.000 libras. O comércio externo tornara-se a verdadeira
razão de ser da Nova Inglaterra. Era um assunto de primordial importância do Hudson ao
Chesapeake. Mais para o sul, o povo dedicava-se principalmente à agricultura de produtos
exportáveis, mas também lá a economia dependia de forma vital do transporte no oceano. Por essa
época, os navios da colônia, carregando produtos coloniais e guarnecidos por marinheiros
americanos, frequentavam os principais portos da Europa e das Índias Ocidentais, então uma
importante região comercial. Cerca de mil navios da colônia trafegavam nos Domínios Britânicos.
Além disso, um número substancial era encontrado em toda parte. Mais de trezentos navios eram
empregados na pesca da baleia e muitos mais, menores, dedicavam-se à pesca do bacalhau. Tão
íntima era a conexão entre o comércio marítimo e a prosperidade das Colônias que elas se
aprestavam a lutar mesmo contra a Mãe-Pátria quando esta interferiu fortemente no intercâmbio
marítimo.

Ao longo de todo o período colonial, a partir do século XVII, a grande causa de irritação dos colonos
contra a metrópole eram as Leis de Navegação. O famoso "Ato de Navegação" posto em vigor por
Cromwell, em 1660, interditou às colônias inglesas a importação e exportação de toda mercadoria, a
não ser em navios ingleses ou coloniais? Proibiu, além disso, que certos artigos, tais como o fumo,
açúcar, algodão, lã, madeiras comuns, madeiras de tintura etc., fossem encaminhados para outros
países que não a Inglaterra ou domínios seus. A essa lista juntaram-se mais tarde outros artigos.
Havia ainda outras leis do mesmo gênero: as leis sobre os cereais e as leis contra as manufaturas; as
primeiras, feitas para favorecer o fazendeiro inglês, entraram em vigor cerca de 1666. Elas
interditavam, praticamente, o mercado inglês aos cereais cultivados nas colônias. Esse procedimento
levou Nova Inglaterra e Nova York a fabricarem objetos manufaturados, ao que a Inglaterra
respondeu, interditando a produção industrial nas colônias. A lei inglesa mais dura nessa campanha
de supressão do comércio colonial foi provavelmente a sobre o açúcar, em 1733. O Governo britânico
procedia dessa forma baseado no principio então admitido por todas as nações europeias, de que as
colônias existiam para enriquecer a Mãe-Pátria. Esse princípio levava a subordinação dos interesses
coloniais aos interesses da metrópole. O fim da Grã-Bretanha era exportar para a América produtos
manufaturados e ao mesmo tempo importar matérias-primas, fazendo inclinar a balança comercial a
seu favor. Em 1759, o total de exportações da Nova Inglaterra para a Grã-Bretanha elevou-se a
38.000 libras e as importações a 600.000 libras.
Num ponto a politica inglesa estimulou grandemente a indústria americana: a construção de navios
da Nova Inglaterra em virtude das Leis de Navegação colocaram os navios construídos nas colônias
no mesmo pé dos navios de origem inglesa.

Essas leis exclusivistas motivaram a insatisfação dos colonos com o domínio da metrópole, e bem
cedo, sobretudo depois da Guerra dos Sete Anos, outras causas vieram aumentar o mal-estar. A
irritação foi crescendo com o correr dos anos, e por fim, eclodiu a rebelião aberta. Com a guerra
surgiu à necessidade de ser criada uma força naval, mas os colonos preferiram, na luta no mar,
dedicar-se sobretudo à rendosa guerra de corso. Numerosos navios particulares foram empregados
como corsários e destruíram um número muito grande de navios mercantes ingleses. Quase todos os
Estados enviaram corsários contra o inimigo. Massachusetts forneceu mais de quinhentos; a
Pensilvânia quase o mesmo número.

Em 1775, o Congresso ordenou a construção de uma frota nacional, e um ano depois treze navios
estavam terminados. Alguns desses navios não chegaram a se fazer ao mar; quase todos os outros
foram capturados ou queimados antes do fim da guerra, não, todavia, sem terem prestado antes
grandes serviços ao país.

Concluída a aliança com a França, a poderosa frota desse país foi empregada no serviço da causa
patriota! Juntou-se a ela, posteriormente, a Frota espanhola com a declaração de guerra da Espanha
á Inglaterra em 1779. A Inglaterra iria contar, ainda, com um outro inimigo. Pelo fim de 1780,
arrebentou a guerra com a Holanda, e, desde então, foi necessário à Grã-Bretanha lutar contra três
grandes potências europeias além da América.

Nos mares, coube à Marinha francesa o papel preponderante. Com a Royal Navy dispersa por todo o
mundo, lutando contra três grandes potências navais, a Inglaterra perdeu para a França o controle
dos mares junto às colônias revoltadas, e suas forças de terra, desamparadas da metrópole, foram
obrigadas à rendição, face ao Exército franco-americano.

A Grã-Bretanha vencida assinou a paz em 1783. Também nesse Tratado percebe-se a importância
que os dirigentes britânicos sempre deram aos assuntos marítimos. O Mississipi ficava aberto aos
navios americanos e ingleses. Os americanos continuavam com direitos de pesca nas costas da Terra
Nova e do golfo de São Lourenço.

Foi assim que no decorrer da Guerra da Independência surgiu a Marinha americana, mas a massa
heterogênea que a constituía (corsários particulares, navios pertencentes às colônias e navios
armados pelo Congresso) dissolveu-se no caos que se seguiu à guerra. Em 1785, ano da venda do
último navio, os Estados Unidos não possuíam um só navio de guerra. Entretanto, muito pouco
tempo depois do fim da Guerra da Independência, a necessidade de uma marinha fez-se sentir em
virtude da captura de navios mercantes americanos pelos corsários do Bei de Alger: Em 1793, os
corsários argelinos espalhavam-se no Atlântico e em um mês capturaram onze navios americanos.
Essa situação vergonhosa levou enfim o Congresso a tomar medidas, e no ano seguinte foi iniciada a
construção de várias fragatas. Os navios recém-construídos não tiveram, porém, o batismo de fogo
em luta contra os piratas do Norte da África e sim na guerra contra os corsários franceses das
Antilhas. As operações navais contra a França duraram ao todo cerca de dois anos e meio. A guerra
nunca foi formalmente declarada, desenrolando-se apenas nas Antilhas e foi muito proveitosa à
jovem Marinha americana. O grande acréscimo das exportações, devido à proteção dada pelos
cruzeiros de navios americanos e os brilhantes sucessos obtidos nos combates navais deram à
Marinha uma popularidade necessária naqueles dias em que a manutenção de um navio de guerra
parecia a muitos ameaça de monarquismo. Mal terminadas as lutas contra os corsários franceses, a
Marinha americana levou a cabo uma série de operações navais no Mediterrâneo contra o Bei de
Tripoli. A guerra contra os norte-africanos serviu para proporcionar uma certa expansão à Marinha. A
duração relativamente longa da luta (1801-05) nesse teatro afastado de operações, aprimorou o
valor combativo das guarnições. Estas vantagens seriam apreciadas devidamente cerca de dez anos
depois na guerra contra a Inglaterra. Malgrado o contratempo representado pelas operações nas
Antilhas e no Mediterrâneo, o comércio marítimo americano expandia-se rapidamente. As guerras
napoleônicas absorveram de tal forma as populações da Europa que uma parte sempre crescente do
comércio marítimo coube à América Durante vinte anos os lucros desse comércio foram enormes, e a
navegação mercante progrediu a passos de gigante. Em 1790 o valor total das exportações dos
Estados Unidos elevara-se a 19 milhões de dólares; cinco anos mais tarde, 26 milhões de dólares de
mercadorias procedentes somente das possessões francesas, holandesas e espanholas foram
importadas para serem em seguida reexportadas. Em 1806, o valor das reexportações elevou-se a 60
milhões de dólares. Não é de estranhar que a Inglaterra se tenha sentido alarmada quanto ao futuro
de sua supremacia marítima e, dedicando-se ainda à fase econômica de sua luta contra Napoleão, ela
pôs em vigor medidas restritivas. A Inglaterra declarou então bloqueio geral da França, desde o Elba
até Brest, com um bloqueio cerrado do Sena e Ostende (ato do Conselho de 16 de maio de 1806).
Napoleão respondeu com o famoso decreto de Berlim (21 de novembro de 1806), o qual declarou as
Ilhas Britânicas, dali por diante, em estado de bloqueio. O comércio americano encontrava-se assim
entre as duas pedras de mó. O remédio previsto pelo Presidente Jefferson para todos esses
problemas foi a coerção pacifica. Em 1807, ele decretou para todos os navios empregados no
comércio exterior um embargo que durou quinze meses e que custou oito milhões de dólares só aos
comerciantes da Nova Inglaterra: (O embargo foi extremamente impopular nos Estados Unidos que
sofreram bem mais que a Europa. O espetáculo oferecido pelo país era o mais desolador. Os navios
ficavam a apodrecer nos portos Cereais, algodão, fumo e outros produtos acumulavam-se nos
celeiros dos fazendeiros do Norte, dos plantadores do Sul e ao longo do cais nos portos de mar. A
maior parte dos historiadores vê no voto e na aplicação do embargo um grande erro de Jefferson. As
consequências do embargo para a França foram mínimas. Napoleão lançou o decreto de Bayonne
que determinou a captura de todos os navios americanos encontrados nas águas francesas,
espanholas e italianas. Ele confiscou assim mais de duzentos navios americanos. O embargo afetou
mais a Inglaterra, mas mesmo lá os efeitos foram inferiores aos esperados. A guerra contra a
Inglaterra foi, contudo, adiada para o período presidencial seguinte.

Durante a presidência de Madison, no quatriênio que se seguiu, ante a inquietante situação


internacional, foi proposta no Congresso a construção de uma esquadra relativamente poderosa de
10 navios de linha e 20 fragatas, porém o Congresso, dominado pela oposição Jeffersoniana contrária
à politica armamentista naval, julgou a proposta custosa e perigosa para a liberdade pública. Em
consequência, ao ser iniciada a guerra contra a Inglaterra em 1812, a Marinha americana compunha-
se de apenas dezesseis navios em estado de servir. Além disso, havia 257 chalupas canhoneiras
construídas nos anos precedentes, pois Jefferson, que se opunha tão violentamente à Marinha, tinha
grande confiança nesse tipo de embarcação, destinada à defesa das costas. Tais embarcações,
entretanto, se mostrariam sem valor. Durante esse conflito, as fragatas americanas, melhor
construídas, venceram uma série de combates singulares contra congêneres ingleses. Esses êxitos
parciais, todavia, não puderam evitar o absoluto controle dos mares pela esmagadora superioridade
naval dos britânicos. O comércio americano foi banido dos oceanos, e os ingleses desembarcaram
tropas a seu bel prazer no litoral dos Estados Unidos, chegando mesmo a incendiar Washington. O
que restava da pequena Marinha americana ficou bloqueado nos portos. A retaliação americana foi à
guerra de corso. A perda que sofreu o comércio marítimo inglês durante os dois anos e meio de
guerra foi incalculável. O Congresso autorizou cerca de duzentos e cinquenta corsários que varreram
os oceanos à caça dos infelizes navios mercantes, capturando centenas deles. Estima-se em 600 o
número de navios mercantes ingleses vítimas dos corsários e dos navios de guerra americanos. Um
grande número deles, porém, foi retomado pelos ingleses, antes de atingir portos americanos.

Com o fim da guerra em 1815, a Marinha Mercante americana voltou à senda do progresso. Na Nova
Inglaterra, a construção naval atingiu elevados índices de perfeição, e de suas carreiras saíram os
famosos Clippers, os navios mais velozes da Marinha a vela, os quais chegavam a navegar mais de
420 milhas em 24 horas.

A partir de meados do século, a Marinha de Comércio americana entrou em decadência. Vários


fatores concorreram para esse fim, mas o principal foi o fracasso da construção naval do país em
acompanhar a evolução da vela para o vapor e da madeira para o ferro. Outra razão foi a marcha
para o Oeste que então se processava, absorvendo todas as atenções e todos os interesses, com o
correspondente crescimento das estradas de ferro. O deflagrar da Guerra Civil foi o sopro que acabou
com a fase áurea da Marinha Mercante dos Estados Unidos. Paralelamente, a Marinha de Guerra dos
Estados Unidos não fez grandes progressos após a paz de 1815. Ela foi empregada numa série de
operações secundárias, tais como na guerra contra o Bei de Alger e nas operações que suprimiram a
pirataria nas Antilhas. Sua ação contra o México foi muito restrita em face da não existência de
oposição nos mares. Digna de nota foi a ação do Comodoro Perry no Japão em 1854, abrindo aquele
país ao comércio mundial.

Ao começar a Guerra Civil, a Marinha dos Estados Unidos estava em precário estado. A 4 de março de
1861, quando o Presidente Lincoln prestou juramento assumindo as funções, ela tinha em serviço,
compreendendo navios de transporte e auxiliares, 42 navios, dos quais apenas 23 movidos a vapor
poderiam ser considerados de algum valor. Por sua cegueira e indiferença, o Congresso havia
desorganizado a Marinha quase tanto quanto havia feito a administração. Em seguida ao desastre
financeiro de 1857, a renda da Nação tinha diminuído, e, nos esforços de economia, o Congresso
havia destruído a Marinha. A oposição às construções e mesmo aos reparos dos navios vinha tanto
dos Estados do Norte quanto dos Estados do Sul. Os membros do Congresso pelo Ohio e o Illinois
conduziam o ataque ao orçamento da Marinha e à Marinha propriamente dita. No seu conjunto, o
Congresso era apático.

A Guerra Civil começou com o bombardeio do Forte Sumter a 12 de abril de 1861. O novo Ministro da
Marinha, capaz, ocupou-se logo com vigor da direção dos assuntos navais. Foram estabelecidos
rapidamente planos para o rearmamento naval. O orçamento da Marinha votado pelo Congresso
precedente, que era de 13 milhões de dólares, foi elevado para 43.500.000. Os Arsenais do Norte,
onde o trabalho tinha sido quase inteiramente suspenso durante os anos que precederam a guerra,
tornaram-se o teatro de grande animação. Alguns meses depois do bombardeio do Forte Sumter, o
Norte tinha onze mil homens ocupados em recolocar em atividade velhos navios desarmados, a
reparar os navios chegados das estações longínquas e a construir novos navios adaptados
especialmente para os serviços previstos. Ao mesmo tempo, o Ministro da Marinha, apelando para
todas as fontes, comprava e adaptava navios mercantes. Os navios incorporados à esquadra exigiam
guarnições para armá-los, e, antes do fim do ano, o número de marinheiros elevava-se de 7.600 para
22 mil.

Durante a guerra, as duas grandes tarefas da Marinha foram o bloqueio das costas confederadas e a
separação em duas porções da confederação, pelo domínio do rio Mississipi. Essas duas operações
eram essenciais para impedir a chegada de munições e aprovisionamento aos exércitos
confederados, batendo-se no Leste. A captura de Port Royal, o bizarro combate de Hampton Road, as
operações no baixo Mississipi, a batalha da baía de Mobile, os encontros da baía de Albermale
marcaram o desenrolar das duas ações fundamentais. A rigor, o bloqueio e a ocupação dos portos
confederados puseram fim ao comércio do Sul. Durante a guerra, a esquadra bloqueadora capturou
ou destruiu 1.150 navios com as respectivas cargas, representando um valor total de 30 milhões de
dólares. Por outro lado, a Marinha Mercante americana sofreu forte redução no decorrer da guerra.
De 2.500.000 toneladas em 1861, ela caiu para 1.500.000 em 1865, ao acabar o conflito, concorrendo
para o declínio não só a destruição oriunda das operações bélicas, mas também a perda do mercado
de transporte para a Marinha inglesa.

Em condições normais, a navegação comercial americana poderia renascer após a Guerra de


Secessão como se restabelecera depois da guerra de 1812. A razão pela qual ela não retomou vida,
residiu na mudança das circunstâncias econômicas acarretadas, ao menos, em parte, polo aumento
dos impostos que tornaram impossível construir e armar navios de forma barata, como faziam os
rivais estrangeiros. Também foram nocivas certas leis de navegação que interditavam a compra de
navios estrangeiros para navegar sob pavilhão americano. Essas medidas tiveram efeito penoso sobre
a Marinha Mercante e levaram o capital americano a não mais ser empregado em navios, mas de
preferência nas empresas ferroviárias, usinas e minas. Em consequência, rapidamente a percentagem
do tráfego marítimo efetuado em porões de navios americanos decaiu. Ela era de 66,5% ainda em
1860. Em 1865 caíra a 27,7% e cerca de 1901 baixara a 8,2%. O desenvolvimento da ciência da Guerra
Naval que tinha sido tão rápida nos Estados Unidos durante a guerra de Secessão, parou
bruscamente com ela. Durante vinte anos os Estados Unidos não tiveram um só navio encouraçado.
No decorrer do período do Presidente Hayes, a Marinha americana era inferior a de qualquer nação
europeia, e mesmo os dois encouraçados do Chile, bem guarnecidos, teriam constituído uma força
superior a todos os navios de guerra americanos reunidos. A Marinha nessa época parecia não ter
nenhum defensor junto ao Governo, e o país, em geral, parecia inteiramente indiferente às suas
necessidades. Todos os créditos arrancados ao Congresso eram destinados à manutenção dos navios
existentes, e uma boa parte desse dinheiro era esbanjado porque os parlamentares estavam bem
mais interessados em atender aos casos de seus eleitores do que em fazer reparar os navios. A
sombra da negligência havia quase completamente obliterado a Marinha cerca de 1881, quando
dificilmente um único navio estava preparado para missões de guerra e poucos estavam em
condições para um cruzeiro normal. O ano de 1881, em que Garfield assumiu a presidência, marca o
ponto mais baixo atingido pela Marinha desde os dias em que os Estados Unidos tinham pago tributo
ao Bei de Argel. Não é de espantar que os comandantes americanos dessa época tivessem vergonha
de levar seus navios às águas europeias.

Se o ano de 1881 marca o mínimo atingido pela Marinha americana, também marca o início da
recuperação. Embora dificultado pela má vontade do Congresso, o Presidente Arthur conseguiu dar
início à regeneração da Marinha americana. Em 1885, ainda foi preciso recorrer ao estrangeiro para a
montagem de canhões modernos nos navios em construção, mas cinco anos depois a criação de um
mercado americano de navios de guerra e de canhões fez desenvolver nos Estados Unidos
estabelecimentos industriais capazes de fabricar os modelos mais aperfeiçoados de equipamentos
bélicos. As perspectivas de um conflito próximo com a Espanha vieram acelerar o renascimento da
Marinha de Guerra americana e quando a guerra deflagrou, em 1898, ela não teve dificuldades em
esmagar em Manila, em Santiago de Cuba, as frotas obsoletas da Espanha.

Em lugar de declinar depois da assinatura da paz, como acontecera nas outras vezes, a Marinha de
Guerra americana progrediu a passos de gigante, contrastando com a decadência da frota de
comércio. Embora o comércio externo houvesse aumentado enormemente entre 1880 e 1914, o
número de navios empregados nesse tráfego continuara a diminuir. Em 1880, cerca de 1.200.000
toneladas eram registradas como dedicando-se ao comércio com o estrangeiro; em 1914 só havia um
milhão de toneladas.

A Primeira Guerra Mundial forçou a terceira expansão da Marinha Mercante americana. A ameaça da
interrupção das rotas marítimas aliadas por parte dos submarinos alemães obrigou os Estados Unidos
a dedicarem à construção de navios mercantes uma parte considerável de seus recursos.

O programa gigantesco de construções da Emergency Fleet Corporation permitiu o lançamento ao


mar em 1917 de três milhões e meio de toneladas. Graças a esse esforço, em poucos anos os Estados
Unidos passaram a contar com a segunda frota mercante do mundo a qual só era sobrepujada pela
inglesa. Ela passou de pouco mais de quatro milhões de toneladas, em 1914, para 14.574.000 em
1920, ou seja, de 4% para 23% da tonelagem mundial. Também a Marinha de Guerra americana
sofreu grande expansão em virtude da Primeira Guerra Mundial e bem cedo ocupou o segundo
posto.

Entre as duas guerras, a frota mercante americana declinou ante a concorrência europeia. Embora
continuando a ocupar o segundo posto, sua participação na tonelagem mundial caiu de 22%, em
1923, para 14% em 1939, quando dispunha em serviço de 6 milhões de toneladas, ou seja, menos da
terça parte da Marinha de Comércio britânica. Apenas 25% das transações mercantis com o além-
mar eram efetuados em porões americanos. A construção naval ultrapassava de pouco a cifra de cem
mil toneladas anuais. A Marinha de Guerra, entretanto, não foi descurada e permaneceu em nível
próximo ao da Grã-Bretanha.

A Segunda Guerra Mundial elevou os Estados Unidos à primazia incontestável nos mares. O perigo
crescente de um conflito na Europa levou o governo de Roosevelt a pôr em execução, um gigantesco
programa naval que já ia bem adiantado quando do ataque da Pearl Harbour. Empregando-se a
fundo em dois oceanos, a Marinha dos Estados Unidos rapidamente se recuperou dos golpes iniciais
e empreendeu ação decisiva tanto na batalha do Atlântico como contra o Japão. No Atlântico, a
quantidade fabulosa de navios de escolta e aeronaves que a América colocou na luta antissubmarina
teve efeitos decisivos. No Pacífico, a esmagadora superioridade americana bem cedo varreu os
nipônicos das principais áreas por eles conquistadas na arrancada inicial da guerra e por fim atingiu o
próprio território metropolitano japonês.

Os estaleiros dos Estados Unidos, nos quais chegaram a trabalhar mais de novecentos mil operários
em 1944, produziram navios para a América e para quase todos os países aliados, conseguindo
compensar as perdas tremendas oriundas da campanha submarina. Só em 1942 foram lançados ao
mar mais de oito milhões de toneladas de navios mercantes e, em 1943, dezenove milhões. No fim
das hostilidades, a Marinha de Guerra dos Estados Unidos ultrapassava três milhões de toneladas, e a
Marinha Mercante cinquenta milhões.

No pós-guerra, mais uma vez a Marinha Mercante americana cedeu ante a recuperação das frotas de
comércio europeias. A Grã-Bretanha voltou ao primeiro posto em tonelagem de navios de comércio
com a passagem para a reserva de um grande número de unidades americanas. Em 1946, já 33% do
comércio exterior americano eram transportados em porões estrangeiros, proporção que se elevou a
50% em 1950. Nesse mesmo ano, a frota mercante dos Estados Unidos, em serviço, estava reduzida a
11 milhões de toneladas, cerca da metade do Reino Unido, sendo bem verdade que os armadores
americanos também dispunham de mais alguns milhões de toneladas sob as bandeiras do Panamá,
Libéria e outros países.

Onde os Estados Unidos conservaram a primazia absoluta, sem mostrar a mínima intenção de perdê-
la, foi na Marinha de Guerra. Se depois da Guerra de Sucessão da Espanha restou apenas uma grande
potência naval, a Inglaterra, depois da Segunda Guerra Mundial coube aos Estados Unidos essa
situação privilegiada.

17 – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Pesquisa dos fatores de desenvolvimento marítimo: observação da História; restrições ao sistema.


Comparação sumária das evoluções marítimas em busca de princípios explicativos, As três
diferenciações fundamentais observadas no confronto das evoluções marítimas. Comparação das
evoluções marítimas de características idênticas em busca dos antecedentes necessários comuns.
Identificação dos fatores. Inicio da pesquisa pela observação das evoluções dos povos mais ligados
ao mar.

É mister, agora, buscar no material coligido os fatores que podem ser tidos como básicos na procura
do mar por parte dos povos. Trata-se, por conseguinte, de intentar um trabalho de interpretação
histórica e, como tal, sujeito a restrições nas suas conclusões.

A primeira restrição prende-se à autenticidade dos fatos que dão margem à composição do quadro
evolutivo de um povo no setor marítimo. Em História, nem sempre se tem a verdade absoluta, mas
apenas o mais provável. As ciências naturais criaram métodos precisos e eficazes, apoiando-se
mutuamente, e os resultados obtidos combinaram-se em sínteses que tomam um caráter cada vez
mais positivo. As ciências históricas estão longe desse avanço. Naturalmente a interpretação de fatos
que por si mesmos são apenas aproximados não pode permitir conclusões definitivas. A evolução
marítima das principais nações, a partir do século XVI, está bem conhecida, mas não se pode dizer o
mesmo das épocas anteriores. Quase tudo o que se sabe acerca dos fenícios, gregos, cartagineses e
romanos é mais por via indireta. Mesmo as navegações vikings, bem mais recentes, prestam-se a
controvérsias.

A segunda restrição diz respeito aos erros oriundos do ponto de vista de quem faz o estudo.
Inconscientemente todo autor de uma síntese histórica deixa-se arrastar por inclinações pessoais, as
quais podem falsear a conclusão. Por outro lado, nem sempre surgem logo elementos capazes de
provar o acerto ou erro da conclusão estabelecida.
O terceiro empecilho ao trabalho, e talvez o maior, resulta da obscura noção de "causa" em História.
Se para alguns estudiosos "causa" é aquela das condições necessárias de um fato que o precede
imediatamente, a última no tempo, aquela que, cada vez mais de perto, a pesquisa atinge primeiro,
para outros, conforme o método das ciências positivas, "causa" é o antecedente ligado pela relação
mais geral. Não se pretende aqui avançar nesse perigoso e discutível domínio da filosofia histórica,
mas bem se percebe que ao presente estudo, cuja finalidade inicial é chegar às razões principais da
procura do mar pelo homem, interessa conhecer não os antecedentes necessários, últimos no
tempo, mas os mais gerais, os que aparecem mais frequentemente relacionados com o movimento
dos povos para os oceanos.

Mesmo reconhecendo os riscos e as limitações inerentes às interpretações de acontecimentos


passados, mantém-se a opinião manifestada na introdução do método adotado mais susceptível de
conduzir a conclusões válidas do que partir de ideias estabelecidas a priori, baseadas na simples
intuição e não no exame de fatos.

Isto posto, cabe agora o primeiro confronto recíproco das diversas evoluções marítimas consideradas
na primeira parte na busca de pontos comuns, de analogias capazes de sugerir princípios explicativos.

A primeira impressão que fere o espírito, ao ser feita a comparação entre as evoluções marítimas dos
povos, é a importância díspar que umas apresentam em relação às outras, consideradas quer no
âmbito da História Geral, quer no quadro mais restrito da história do respectivo país. É flagrante que
a influência dos acontecimentos marítimos na evolução histórica do Egito antigo, de Roma, da
França, da Alemanha, da Rússia e dos Estados Unidos foi muito menos marcante que na da Fenícia,
da Grécia, de Cartago, das Repúblicas Marítimas Italianas, de Portugal, da Holanda, da Inglaterra ou
do Japão. A Fenícia, sem a obra colonizadora empreendida por seus marinheiros e comerciantes, não
teria contribuído de forma digna de nota para a História da Humanidade; não fora o feito de seus
navegantes, Portugal seria um nome sem significado para o mundo; a Grã-Bretanha, destituída do
Império conquistado e mantido por sua Marinha, não passaria de uma potência insular de segunda
ordem.

Da mesma forma, toda a contribuição dos vikings, das Repúblicas Marítimas Italianas e da Holanda
para a História da Civilização Ocidental acha-se intimamente ligada aos respectivos sucessos nos
mares. Em contraste, o Egito antigo só veio a participar do tráfego marítimo depois de possuir uma
civilização antiga de séculos; já ocupava Roma posição de relevo no Mediterrâneo, dona de toda a
Península Itálica, quando o choque contra Cartago a obrigou a voltar os cuidados para os problemas
navais. Também a França começou a participar das aventuras ultramarinas, com vigor, bastante
tempo depois de ter alcançado projeção na Europa. Outrossim, não se pode dizer da Alemanha, dos
Estados Unidos ou da Rússia, que tenham ascendido ao ponto proeminente que ocupam no cenário
mundial por força de seus empreendimentos marítimos.

Há também na senóide histórica de ascensão, apogeu e decadência de certos povos, perfeita


coincidência dos máximos e mínimos com a maior ou menor energia das atividades marítimas por
eles desenvolvidas. Tal foi o caso da Fenícia, de Cartago, de Genova, de Veneza, de Portugal e da
Holanda que progrediram ou feneceram na medida direta de seus esforços nos oceanos. Não existe
essa concordância na história da França ou da Alemanha. Sob Luís XIV ou Napoleão, a França, por
exemplo, era a mais importante potência europeia, mas seus marinheiros mal podiam afastar-se do
litoral. Sob Frederico, o Grande, ou Bismark, os alemães mal consideravam os assuntos marítimos. De
maneira semelhante, os Estados Unidos e a Rússia ascenderam ao primeiro plano no panorama
internacional, sem uma participação notória nos empreendimentos oceânicos, nas mesmas épocas.

Para alguns povos, as derrotas nos mares significaram o desastre final, a perda de todas as
esperanças, o fim da preponderância nos negócios do mundo, a perda de independência ou a
passagem para nações de categoria secundária. Para outras, significou a perda de colônias, a perda
de prestigio, a oportunidade que escapou em derrotar uma potência rival, mas de forma alguma um
desastre decisivo. Em certa medida, pode-se dizer que, na Antiguidade até os dias presentes, grande
parte do mosaico cultural, político e religioso do mundo ocidental foi armado pelos marinheiros
fenícios, gregos, cartagineses, vikings, italianos, portugueses, espanhóis, holandeses e ingleses. Só em
escala bem mais modesta, pode-se atribuir este papel e esta glória aos homens do mar da França, da
Alemanha, da Rússia ou dos Estados Unidos.

O segundo ponto de diferenciação notória observada das evoluções marítimas é a constância e o


empenho com que certos povos se dedicam ou se dedicaram às atividades oceânicas, comparados à
intermitência dessas mesmas atividades noutros povos. As navegações fenícias, gregas ou
cartaginesas desenrolaram-se por muitos séculos da Antiguidade. Na Idade Média, as investidas
vikings duraram cerca de trezentos anos, e a supremacia das cidades marítimas italianas no
Mediterrâneo ultrapassou meio milênio. Menos duradouras foram as investidas portuguesas e
holandesas para os mares desconhecidos, mas duraram próximo de dois séculos e foram
interrompidas pela ação de inimigos poderosos. Finalmente, a presença britânica é sentida com
proeminência nos mares desde o século XVI. As sucessivas gerações de todos esses povos
conservaram o mesmo procedimento com relação às atividades oceânicas, o qual nem mesmo
circunstâncias extraordinárias lograram desviar decisivamente.

Desde o século X até hoje, os povos escandinavos passaram por grandes mudanças culturais e
políticas, mas a fidelidade às tradições marítimas permanece entre eles tão forte como no tempo das
invasões vikings. Os gregos, depois de dois mil anos de domínio romano, bizantino ou turco,
continuaram a viver da pesca e da navegação, como na época de Homero. Os portugueses e os
holandeses jamais deixaram a pesca e a navegação, apesar de todas as vicissitudes por que passaram
e, sempre que se apresentou oportunidade, voltaram às ocupações de sua antiga prosperidade e
glória, com entusiasmo redobrado.

Tal uniformidade de conduta através do tempo não se verificou na evolução marítima de outros
povos, como os romanos. Depois de esmagar Cartago, Roma entregou grande parte do comércio
conquistado à rival, aos gregos e sírios, e deixou apodrecer os navios que lhe haviam dado a vitória.
Sem ocorrências extraordinárias, como a ameaça às comunicações marítimas, representada pelos
piratas, ou as guerras externas, os romanos pouco se ocupavam dos empreendimentos oceânicos.
Semelhantemente, a evolução marítima americana ou russa caracteriza-se por uma série de altos e
baixos. Em pouco mais de cem anos, a participação dos Estados Unidos no tráfego marítimo acusou
três grandes expansões e dois recuos acentuados, enquanto a Rússia ambicionou a supremacia naval
pelo menos por duas vezes.

A terceira diferenciação fundamental observada nas evoluções marítimas diz respeito às etapas
sucessivas por que umas passam e outras não. Normalmente, os povos que têm suas histórias mais
fortemente ligadas ao mar iniciaram as atividades Oceânicas pela forma mais simples e antiga, a
pesca. Conforme já se viu na Primeira Parte, Tiro, Sidon, Veneza e Génova nasceram de burgos de
pescadores; os gregos tiveram na pesca a primeira escola de mar, e foi a procura dos cardumes de
arenque, bacalhau ou sardinhas que arrastou primeiramente vikings, portugueses, holandeses e
ingleses cada vez mais para longe do litoral. Todos esses povos, com a experiência náutica adquirida
através de gerações, paulatinamente passaram para um estágio mais avançado, caracterizado pelas
navegações de maior amplitude pela busca de novas terras para colonizar ou para comerciar e
também pela pirataria. Por fim, foram eles compelidos, pelo desenvolvimento dos interesses no
ultramar, a criar complexos sistemas políticos, econômicos e militares que preservassem as
vantagens conquistadas.

Outras histórias marítimas, entretanto, não evoluíram segundo essas mesmas linhas-mestras. Não se
pode dizer que a expansão nos mares de Roma, da França, dos Estados Unidos, da Alemanha ou da
Rússia tenha tido a sua base na pesca ou na pirataria, ou mesmo que tenha sido a criação de colônias
no ultramar a causa de seus cuidados com os empreendimentos oceânicos. Falta ao desenvolvimento
marítimo dessas últimas nações o caráter lógico e espontâneo observado nas evoluções da Fenícia,
da Grécia, de Portugal etc. Apenas o estágio final, a formação de um sistema politico-econômico-
militar, para preservar as vantagens do livre uso das comunicações sobre as ondas, é mais ou menos
comum a todas as evoluções marítimas.

Se a primeira comparação, sumária, permite distinguir grupos de evoluções de características gerais


semelhantes, uma segunda comparação, mais detalhada e conduzida apenas entre as evoluções de
mesmas características gerais, talvez permita identificar antecedentes necessários comuns, os quais
têm forte probabilidade de constituir os fatores principais de desenvolvimento marítimo do grupo
considerado, partindo da suposição lógica de que efeitos idênticos tendem a ter causas idênticas.

Na identificação dos antecedentes necessários comuns, objeto dos próximos capítulos, admitiu-se a
hipótese devida a Henri Berr, segundo a qual "os fatos que constituem a evolução humana se deixam
grupar em três ordens bem distintas: uns são contingentes, outros são necessários e outros atendem
a uma lógica interior." Essa hipótese convida a procurar na massa de fatos históricos, para os
compreender, três sortes de relações causais: sucessões brutas, onde os fatos são pura ou
simplesmente determinados por outros; relações constantes, onde os fatos são ligados a outros por
necessidades; e encadeamentos internos, onde os fatos são presos a outros por razões várias.

Dada a dificuldade em estabelecer o paralelo da história marítima de algumas nações com a de


determinadas outras, há conveniência em se iniciar a procura dos antecedentes nas evoluções dos
povos mais fortemente ligados ao mar. É lícito admitir que nelas as razões que propelem o homem
para o oceano tenham desenvolvido maior energia, permitindo, em consequência, uma mais fácil
identificação. Quanto à respectiva importância na História Geral, duração de esforços em prol do
desenvolvimento marítimo e características, as evoluções da Fenícia, da Grécia antiga, dos vikings,
das Repúblicas Marítimas Italianas, de Portugal, da Holanda, da Inglaterra e do Japão apresentam
certa equivalência. Em todas elas a atividade nos mares serviu de base à grandeza nacional, abarcou
séculos e passou pelas três fases sucessivas da pesca, da intensificação da navegação e da criação de
um sistema político-econômico amparado pela supremacia naval. E, pois, de preferência, nesse grupo
de evoluções que a atenção será concentrada em primeiro lugar.

18 – O AMBIENTE GEOGRÁFICO
O homem propelido para o mar pela necessidade. A influência do ambiente geográfico. A
imutabilidade do ambiente geográfico e suas consequências. A importância de pesca nas regiões de
ambiente geográfico desfavorável à exploração do solo. A procura de recursos econômicas no mar.
Os exemplos da Noruega, do Japão e da Grécia. Os efeitos indiretos do ambiente geográfico no
desenvolvimento marítimo. Nações marítimas e continentais.

Da constância, da espontaneidade, do vigor com que tão grande número de povos têm procurado o
mar induz-se ser esse impulso ditado originalmente, antes de se tornar um hábito ou uma tradição,
por alguma necessidade premente, pois o homem por seu corpo, seus órgãos, seu aparelho
respiratório é um ser que vive agarrado à parte sólida da Terra. A ausência de condições propicias ao
desenvolvimento da agricultura, da criação ou da caça pode ocasionar essa necessidade premente e
compelir o povo a procurar a subsistência alhures. Em alguns casos, as populações emigram em
busca de terras mais favoráveis, outras vezes sujeitam-se a uma existência de baixo padrão e ainda
noutras ocasiões encontram no mar a solução do problema. Não se pode falar de uma atração geral
que o mar tenha exercido sobre as populações humanas; somente certas costas se mostram
atrativas, aquelas por exemplo em que uma orla de ilhas as protege contra a vaga de alto mar
(Skiorgad escandinavo), aquelas também em que a proximidade de bancos submarinos torna propicia
a pesca (Tunísia Oriental, mar do Nortel, ou certas partes protegidas frequentadas em épocas fixas
por legiões de peixes migradores (Mediterrâneo). Todas essas causas e outras mais sem dúvida
contribuíram poderosamente para colocar algumas frações da humanidade em contato cotidiano
com esse elemento que por ele mesmo é antes objeto de medo. De todas as atrações exercidas pelo
mar, a mais poderosa para a humanidade primitiva foi principalmente a da pesca. Atualmente ainda a
pesca marítima alimenta dois milhões de pessoas desde o Japão até a Noruega.

O homem, naturalmente, se não encontra fartura em terra e se descobre nos mares próximos e de
fácil acesso produtos capazes de suprir em abundância sua nutrição, é levado a se arriscar fora de seu
elemento na luta pela sobrevivência.

Destarte, o ambiente geográfico de uma região pode atuar fixando a população à terra graças a
terrenos férteis e salubres ou repelindo-a devido a pouca produtividade do solo ou a climas
rigorosos, favorecendo o acesso ao mar em razão de um litoral rico em portos seguros, de praias de
declives suaves, atraindo as investidas para o largo com cardumes numerosos de espécies variadas
ou berrando as saldas para o oceano com ausência de águas abrigadas, com a existência de apenas
praias batidas pelas ondas, de baixios traiçoeiros, costas rochosas, barreiras de coral ou águas pouco
piscosas.

Em condições normais, o homem não abandona a terra para se lançar em aventuras marítimas
quando o solo è generoso e capaz de proporcionar fartura. A atração do desconhecido, o desejo da
aventura, a ânsia de enriquecimento podem levar muitas vezes grupos de indivíduos a
empreenderem expedições temerárias pelos mares, mas quando esse movimento açambarca
milhares ou milhões de pessoas que influem na história da nação, deve-se pressupor a existência de
uma razão mais poderosa. Dai ter afirmado Mahan não ser a habilidade nem a previdência dos
governos que têm determinado a história dos povos marítimos, e sim as condições de posição,
extensão, configuração, número e caráter de sua população, noutras palavras, as condições que se
chamam naturais.
As condições pouco favoráveis aos empreendimentos agropecuários, recursos do solo insuficientes
em relação à população a abastecer, constituem traço comum dos territórios ocupados pelos povos
selecionados para o primeiro grupo. A Fenícia, estreita franja de terra estéril entre o Monte Líbano e
o Mediterrâneo; a Grécia, península montanhosa, de escasso rendimento agrícola e de litoral
recortado; Veneza, cidade-estado edificada em rotas de lagunas, com difícil acesso para o continente,
constituindo ao mesmo tempo excelente porto no Adriático; Genova, pequena república entre os
Apeninos e o Tirreno; Portugal, nação de limitado território, mas possuindo a foz do rio Tejo, um dos
melhores portos da Europa; a Holanda, planície em parte conquistada ao mar no estuário de vários
rios importantes; a Escandinávia, península de clima rude, montanhosa, de litoral escarvado pelos
profundos fjords; a Grã-Bretanha e o Japão, ilhas densamente povoadas, ricas em portos naturais,
cercadas por mares piscosos, evidenciam a influência dos fatores naturais na história marítima dos
povos.

O ambiente geográfico, pouco ou nada se alterando com os séculos, tende a conduzir as sucessivas
gerações ou mesmo os sucessivos povos que por acaso venham a habitar o mesmo território, a se
dedicarem a atividades análogas, a despeito de possíveis diferenças culturais ou raciais. Os
noruegueses, os suecos e os dinamarqueses de hoje, ordeiros, adiantados, amantes da paz, pouco
tem em comum, sob aspecto cultural, com os seus turbulentos ancestrais vikings, mas, como estes,
dedicam-se aos empreendimentos marítimos com toda alma e retiram dos oceanos riquezas básicas
para suas economias. O grego da atualidade pouco tem a ver, racialmente, com os gregos da batalha
de Salamina ou da Liga de Delos, pois as inúmeras invasões nesses dois mil anos absorveram, com
toda certeza, o antigo elemento étnico, porém, os habitantes da península grega e das ilhas
adjacentes continuam a se dedicar intensamente às atividades marítimas.

Inversamente, os normandos que ocuparam o nordeste da França no século IX, em contato com o
solo fértil e vasto, passaram antes a se dedicar à agricultura e à pecuária do que às aventuras
marítimas, anteriormente tanto de seu gosto. O mesmo sucedeu com os anglo-saxões, invasores da
Grã-Bretanha, nos primeiros séculos da Idade Média. Enquanto o território da Ilha foi suficiente para
a população, os ingleses não se arrojaram para o mar como faziam já os portugueses e italianos. A
partir, porém, do fim da Guerra das Duas Rosas, a situação mudou: os ingleses paulatinamente
recuperaram o gosto das aventuras marítimas, já desvanecidas na lembrança das gerações
anteriores, e a Grã-Bretanha deixou de ser uma nação de economia baseada na agricultura e no
pastoreio. É bem verdade que durante todo esse tempo nunca cessou de existir no litoral uma
abundante massa humana de pescadores e marítimos onde foi fácil arranjar homens para as
expedições ultramarinas.

Procurando o mar inicialmente como fonte de alimento, o homem das regiões marítimas torna-se
naturalmente grande consumidor de peixe. Este é outro elemento comum aos povos do primeiro
grupo. As referências antigas mostram terem constituído, os produtos da pesca, a base da
alimentação das populações gregas, tanto na península como nas colônias da Sicília e do sul da Itália,
bem como dos fenícios. Constituiu, também, o peixe, alimento principal dos vikings, dos portugueses
e holandeses, desde épocas bem remotas da Idade Média. A estatística moderna mostra, sem
sombra de dúvida, a acentuada importância dos produtos marítimos na alimentação dos povos do
primeiro grupo. O consumo de peixe per capita, anual, na Noruega, que é o mais elevado do mundo,
atinge a 40 quilos. A pesca fornece à população da Grã-Bretanha um milhão e quatrocentas mil
toneladas de alimentos proteicos, ou seja, 30 quilos per capita; à Suécia, 24 quilos per capita; e no
Japão cerca de três milhões de pessoas vivem direta ou indiretamente da pesca costeira. Anualmente
o povo japonês consome cerca de 5 milhões de toneladas de peixe. Só na pesca costeira são
empregados cerca de dez mil barcos ou navios. Para se avaliar a importância do peixe na alimentação
desses povos, basta lembrar que cada brasileiro consome, em média, menos de 4 quilos de peixe por
ano.

O contato cotidiano com o mar leva esses povos a aprenderem, paulatinamente, a explorar novos
recursos encontrados no elemento liquido e a estender cada vez mais suas investigações. Pouco a
pouco os recursos do mar passam a ser procurados não apenas para atender às deficiências do
território, para suprir as necessidades mínimas do povo, mas também para servir de base à expansão
econômica. Assim, já na Antiguidade os fenícios aprenderam a tirar de conchas a púrpura e fizeram
dos tecidos tingidos um de seus principais artigos de exportação. A Holanda, com a venda do arenque
seco excedente de seu consumo, fundou as bases de um próspero comércio exterior a partir do
século XVI. A Noruega, cujos pescadores retiraram dos mares em 1965, 1.635.000 toneladas de peixe,
ganha com a exportação de produtos espiculas, 900 milhões de coroas. Os noruegueses pescam o
bacalhau nas águas da Islândia, no mar do Norte, nas costas da Groenlândia e do Labrador. A frota
baleeira, a primeira do mundo, todo ano deixa os portos do longínquo Norte e se dirige, na estação
própria, para os mares antárticos em busca dos cetáceos. O país nórdico aplica, apenas, um décimo
de sua frota mercantil na cabotagem e cerca de um terço nas trocas com o exterior, enquanto o
restante dos navios percorre os sete mares, servindo ao comércio de inúmeras nações. Desde o fim
da Primeira Guerra Mundial, os armadores noruegueses perceberam com perspicácia a importância
crescente do transporte de combustíveis líquidos na economia mundial e criaram a maior frota de
navios-tanques hoje existente. Também o Japão encontrou, por força da necessidade, na pesca, uma
das suas principais atividades. Do mar de Behring nas altas latitudes do hemisfério norte, até o sul da
Nova Zelândia, são encontrados pescadores japoneses. Nos mares antárticos, eles se dedicam à pesca
da baleia em concorrência aos noruegueses. Junto do arroz, é o peixe o alimento básico da
população, mas os japoneses aprenderam ainda a retirar do mar outras riquezas. Descobriram que
certas algas marinhas são alimentícias e já habituaram o povo a consumi-las em grande quantidade.
Descobriram processos de cultivar pérolas artificialmente. Os produtos marítimos figuram, dessa
forma, em destaque no balanço de pagamentos do Japão, ao lado da construção naval.

Em menor escala, mas ainda apresentando importância relativa considerável, a pesca é também para
a Grécia de hoje e para Portugal atividade importante. Na exportação de esponjas, que seus
mergulhadores vão apanhar em águas pouco profundas, os gregos encontram uma de suas poucas
riquezas naturais. O peixe é ainda na Grécia, como no tempo de Péricles, um dos principais produtos
de consumo. Mesmo sob o domínio turco, os gregos conservaram seus hábitos marítimos, chegando
a predominar na frota mercante do Império Otomano. Desde que recobraram a independência, a
exploração do transporte nos mares tem constituído a principal fonte de riqueza do país.

De maneira análoga, as possibilidades limitadas do solo e a ausência de matérias-primas capazes de


promover o desenvolvimento industrial têm encaminhado o povo português para a pesca, para a
navegação e para o comércio. Desde o século XVI os pescadores portugueses frequentam os bancos
da Terra Nova, no outro lado do Atlântico, e, ainda hoje contribuem de forma digna de nota para a
economia lusitana. Ninguém ignora a importância do peixe na cozinha dos lares portugueses, nem o
significado das exportações de bacalhau seco ou de sardinhas enlatadas. Como não podia deixar de
ser, em todos os movimentos de redenção nacional a pequena nação ibérica se tem voltado para o
mar em busca do amparo econômico. No entanto, por muito poderosa que seja a ação do ambiente
geográfico propelindo o homem para o mar, a pesca e a navegação por si só, mesmo atingindo
grande desenvolvimento, não podem absorver a população ativa de um país.

É indiretamente, favorecendo de várias maneiras o progresso do comércio, ligando proporção


ponderável dos habitantes aos interesses econômicos dependentes do tráfego marítimo, que mais
atuam as condições naturais. Ainda indiretamente, o ambiente geográfico concorre, forjando a
mentalidade marítima do povo e dos governantes.

Esses vários aspectos serão considerados posteriormente, mas desde já convém estabelecer uma
distinção entre os países quanto aos respectivos ambientes geográficos. Essa distinção facilitará a
exposição do assunto. Dessa forma, conforme a natureza do país favoreça a fixação do homem ao
solo ou o induza aos empreendimentos oceânicos, diz-se, no primeiro caso, que o país é continental,
e, no segundo, marítimo. Bem se vê que dentro dessa divisão, o Brasil, assim como os Estados
Unidos, o Canadá, a Rússia, a Índia, a Argentina, a França, a China, a Austrália, em suma os principais
produtores das riquezas agrícolas e pastoris do mundo, é uma nação de características continentais.
Seu povo encontra a principal atividade econômica longe do mar, no trabalho da terra que produz o
suficiente para o sustento dos habitantes, e a economia do país repousa, principalmente, na
exploração dos recursos do solo.

Evidentemente, um mesmo país pode apresentar regiões de características continentais e outras de


características marítimas. É preciso ter-se presente que a divisão foi estipulada a grosso modo,
considerando a nação como um todo e verificando a preponderância de suas atividades principais. A
França, por exemplo, fértil em grande parte, propícia a culturas variadas, alimentando com fartura os
seus filhos, possui uma região nitidamente marítima, a Bretanha, península de litoral recortado e solo
pobre, terra por excelência de marinheiros e pescadores. A Itália, agrícola no vale do Pó e no Sul,
contrasta com a Itália marítima do litoral do Tirreno e do Adriático, berço das antigas repúblicas de
Veneza, Genova, Pisa e Amálfi. No Japão, enquanto milhões de indivíduos dedicam-se aos afazeres
marítimos, nas encostas das montanhas, penosamente, quase cinquenta por cento da população
procura cultivar no solo pobre o arroz que será misturado com o peixe para constituir a alimentação
básica. Mesmo os Estados Unidos, de solo rico, de grande área e imensos recursos naturais, tem na
Nova Inglaterra uma região marítima. O solo pouco fértil, o clima rude, a linha da costa multo
irregular, proporcionando numerosas balas, a proximidade relativa dos bancos do Labrador, onde o
bacalhau tem seu habitat predileto, tudo ali concorre para atrair o homem para o mar. A Espanha de
acentuadas características marítimas na Galícia, ao longo do litoral do Mediterrâneo, não prepondera
sobre a Espanha de características continentais da Estremadura ou de Castela. O Canadá,
exclusivamente marítimo na Terra Nova, onde há uma proporção de vinte pescadores para cada
agricultor, contrasta com o Canadá das Províncias Centrais, onde nem o vento leva a umidade do
oceano. Embora aproximada, importa em se manter a divisão em países marítimos e continentais.
Conforme já se disse, desde que seja a nação considerada no seu conjunto, na análise da influência
que preponderou nos seus destinos econômicos, a classificação é aceitável e serve para facilitar a
explanação sobre outros pontos do desenvolvimento dos povos nos oceanos.

19 – A EXPANSÃO COMERCIAL

Vantagens do transporte sobre as aguas. As cor rentes mercantis e os países intermediários. A


abundância de artigos comerciáveis e a formação dos portos. Importância dos centros portuários
no desenvolvimento marítimo. Dependência crescente do desenvolvimento económico ao
desenvolvimento marítimo. Exemplo dos Estados Unidos e da Alemanha. Reflexos na ação
governamental. Tendência natural das nações marítimas para o comércio e para o colonialismo.
Feições diversas do colonialismo. Dependência do colonialismo as comunicações marítimas. As
rivalidades nos mares através dos séculos. A pirataria. A necessidade da Marinha de Guerra sentida
por razões econômicas e por razões politicas e militares. O incentivo que a dependência ao
comércio marítimo proporciona ao desenvolvimento das marinhas de guerra das potências rivais.
Conclusão sobre a influência da expansão comercial no desenvolvimento marítimo.

Até época relativamente recente a ausência de boas estradas, as vastas extensões desabitadas, as
montanhas e demais acidentes geográficos constituíam empecilhos sérios ao desenvolvimento das
trocas comerciais. O intercâmbio de artigo de pequeno volume e peso ainda era viável nas caravanas
de muares ou camelos, ou em carroças, mas jamais as transações de vulto destinadas a abastecer de
gêneros alimentícios populações numerosas, ou a suprir de matérias-primas indústrias avançadas.
Dessa forma a vantagem oferecida pela superfície ilimitada do mar para o transporte longínquo e o
frete reduzido para os produtos do solo ou da indústria evidenciaram-se desde a remota Antiguidade.

Na realidade, não foi senão no dia em que a navegação permitiu a países distantes e diferentes entre
si em civilização, comunicarem-se, que o comércio propriamente dito nasceu. Por mar, o caminho
está feito, ou antes, não há necessidade de estradas; o elemento líquido suporta indiferentemente
qualquer peso e sua superfície permite o deslocamento livre em qualquer direção. A força motriz
mais fraca, força gratuita, se é empregado o vento, é suficiente para pôr em movimento massas
enormes.

Não é, portanto de admirar que o mar tenha sido por todos os tempos o grande caminho do
comércio e que povos separados por mil léguas de mar encontrem-se na realidade mais vizinhos que
outros separados por cem léguas de terra firme. Mesmo agora, malgrado os progressos do transporte
por via terrestre, o transporte pelo mar é ainda menos oneroso, o que significa trabalho menor. O
preço do transporte da tonelada quilométrica não ultrapassa quase nunca um quinto e mesmo um
décimo do preço do transporte por via férrea. Em Marselha, o preço do carvão, que vem por mar da
Inglaterra, passando pelo estreito de Gibraltar e que percorre 3.500 quilômetros, é menor do que o
do carvão transportado por estrada de ferro procedente das minas de La Grande Combe, situadas a
177 quilômetros. Mares de livre navegação, lagos, rios ou canais navegáveis constituem dádivas da
natureza a determinadas regiões.

As vias aquáticas e a posição relativa das grandes regiões produtoras e consumidoras tem orientado
os fluxos comerciais do mundo. Por muitos séculos foi o Mediterrâneo o centro de cruzamento, no
Mundo Ocidental, das mais importantes linhas comerciais-marítimas. Hoje é o Atlântico Norte.

Em outras épocas, alguns países beneficiaram-se da situação de proximidade das principais linhas de
deslocamento de mercadorias e das facilidades de acesso ao mar propiciadas pelos seus litorais, para
assumirem a função lucrativa de intermediários do comércio mundial. A grande importância
adquirida na História Econômica pelo comércio fenício, púnico, holandês, genovês, veneziano ou
inglês originou-se justamente do fato de ter abarcado uma área extensíssima, servindo não apenas a
algumas nações ou mesmo a algum império, mas a vários continentes. As mercadorias que os navios
fenícios deixavam ou apanhavam nos portos desde a Espanha até o mar Negro, não eram, na sua
maioria, nem destinadas às cidades sírias nem delas procedentes. Mais provavelmente os artigos
egípcios e babilónicos constituam maior parte da carga. Nas viagens de ida e nas viagens de volta, os
artigos trazidos eram desembarcados nos portos de onde pudessem atingir, depois, os países mais
povoados e adiantados da época, sobretudo o Egito, a Assíria ou a Babilônia.

Também na Idade Média não era o sal, nem as sedas, nem os espelhos produzidos na Cidade dos
Doges que enchiam os milhares de navios venezianos nas viagens de ida para os extremos do
Mediterrâneo, nem ao consumo dos habitantes da cidade, ou da indústria, se destinavam na sua
maioria as mercadorias carregadas no regresso. Chegada a Veneza, parte substancial da carga
tomava o caminho da França, da Alemanha ou da Holanda pelas estradas alpinas. Mais tarde, ainda
não foram o queijo, o arenque seco ou os tecidos holandeses que bastaram para encher os porões
dos navios batavos. Era necessário acrescentar os vinhos franceses, as manufaturas e o carvão da
Inglaterra, as madeiras dos países do Báltico, as peles russas, as especiarias orientais etc.

A prosperidade e a riqueza da Fenícia, de Gênova, de Veneza e da Holanda e mesmo de Portugal


achavam-se de tal modo na dependência dos lucros provenientes dos fretes e da revenda de
mercadorias levadas por seus navios de um ponto para outro das respectivas áreas de atividade
mercantil, que aquelas nações entraram em decadência quando perderam a posição privilegiada de
intermediárias.

Tão grandes e evidentes são as vantagens advindas da exploração das rotas marítimas-comerciais,
que desde a antiguidade observa-se a tendência de as nações procurarem obter a exclusividade de
sua utilização sempre que as circunstâncias o permitem. Se o monopólio dos caminhos marítimos por
uma única potência, nos moldes almejados pelos fenícios e cartagineses ou mesmo pelos genoveses,
venezianos e holandeses, não é hoje viável, nem por isso deixou de existir uma desenfreada
competição internacional pela preponderância nas linhas de navegação mais lucrativas.

A superabundância de produtos agrícolas, manufaturados ou do subsolo, constitui uma segunda


circunstância favorável à criação e ao desenvolvimento do comércio marítimo, pois o extravasamento
dos excessos naturalmente se encaminha pela rota mais fácil, em busca dos mercados deles
sequiosos. Sem dúvida alguma, nos Estados Unidos, a prosperidade de grande número de cidades da
costa do Atlântico e do Pacifico e do golfo do México bem como o desenvolvimento da Marinha
Mercante têm sido devidos ao volumoso comércio exportador e importador do país. Outro tanto se
pode afirmar do progresso de Hamburgo e de Bremer, cidades que a partir da segunda metade do
século passado mais se têm beneficiado do extraordinário surto do comércio exterior alemão. Nesses
dois centros, os estaleiros e as instalações portuárias e a tonelagem de navios mercantes neles
registrados acompanharam o incremento das transações comerciais da Alemanha. De uma maneira
geral, as cidades portuárias que servem de escoadouro a regiões produtivas, convertem-se em
centros de intensa atividade comercial, tendendo ligar mesmo os países de características
continentais aos empreendimentos marítimos.

Algumas cidades como Londres, Nova Iorque e Rotterdam, na atualidade, e Alexandria, na


antiguidade, situadas sobre rios, no ponto de encontro das navegações marítimas e fluviais,
beneficiaram-se, mais do que quaisquer outras, do movimento mercantil nascido em consequência
da situação vantajosa por elas ocupadas. Por um lado, toda a produção do interior desce pelo
caminho natural das águas até encontrar o grande centro de distribuição representado pelas cidades
da foz. Em contrapartida, também é nesses centros que os produtos importados desembarcam antes
de ganhar em sentido inverso os mercados interiores. Foi assim que Alexandria, recebendo pelo Nilo
os artigos agrícolas e industriais produzidos no Egito, então um dos países mais ricos e adiantados,
em contato pelo Mediterrâneo com a maior parte das nações bárbaras e civilizadas da época,
converteu-se numa das principais cidades da Antiguidade.

Rotterdam, na foz do Reno e do Escalda, que permitem a livre passagem de barcaças até bem o
interior da Europa, passando em zonas ricas da Bélgica, Alemanha e França, é o exemplo moderno,
dos mais eloquentes, de um centro de comércio que se beneficia, sobretudo, da posição geográfica.
Anualmente, cerca de trinta milhões de toneladas são movimentadas nos vinte e poucos quilômetros
de cais daquela cidade. Não apenas o comércio exportador e importador dos Países Baixos, mas
também o das nações circunvizinhas encontram ali um ponto intermediário imprescindível. A fome
de matérias-primas do Ruhr é saciada em grande parte por Rotterdam, mais próxima que os portos
alemães do Norte. A gigantesca produção da parte mais industrial da Alemanha também se serve do
seu porto quando destinada aos países do Sul da Europa, ou de outros continentes.

Na América do Norte, nenhum centro comercial beneficia-se tanto da situação geográfica quanto
Nova Iorque. Já um dos centros comerciais mais importantes desde os tempos coloniais, graças a seu
porto na foz do rio Hudson, servindo a uma área rica, Nova Iorque agigantou-se com a abertura do
canal Eriè em 1818, o qual permitiu a comunicação fácil com toda a vasta e rica região dos Grandes
Lagos. Seu desenvolvimento foi depois acelerado pela prosperidade da indústria americana
localizada, em grande parte, dentro do raio de absorção do seu porto. É hoje Nova lorque o porto de
maior movimento no mundo, ultrapassando mesmo Londres.

Bem outra era a situação de Lisboa e Sevilha. Não sendo o Tejo e o Guadalquivir navegáveis acima
daquelas cidades, nem constituindo o interior de Portugal e Espanha importantes regiões produtoras
ou consumidoras, permaneceram os dois portos ibéricos apenas como portos de escala para os
produtos asiáticos e americanos, mas não como verdadeiros centros distribuidores. Coube à Marinha
holandesa a tarefa, negligenciada pelos portugueses, de embarcar em Lisboa os produtos ali
acumulados e encaminhá-los para os mercados do norte da Europa, via Amsterdam ou Rotterdam.
Com o fim do Império Colonial Português nas Índias, os navios batavos passaram a fazer o percurso
direto sem mais irem a Lisboa.

Assim, a prosperidade comercial promove a formação de cidades portuárias, de características


semelhantes, tanto nos países marítimos como nos continentais. Até um país eminentemente
agrícola, como a China, viu crescer Shangai desmedidamente por força da intensa atividade comercial
ali desenvolvida, no cruzamento de rotas marítimas e fluviais. Mesmo não levando o resto do país a
se ligar aos empreendimentos oceânicos, não há dúvida de que o nascimento de cidades portuárias
importantes, fruto da expansão comercial, marca um passo decisivo no sentido do desenvolvimento
marítimo, pois nelas, paulatinamente, congregam-se os elementos materiais e humanos
indispensáveis à conquista dos caminhos sobre as ondas e nelas passam a habitar as classes de
prestigio com interesses permanentes e vultosos nas atividades náuticas.

Graças ao florescente comércio e graças às condições geográficas que possibilitaram o


desenvolvimento de alguns de seus portos, nações eminentemente continentais, como o Egito
antigo, os Estados Unidos, a Alemanha e a Rússia foram levadas a participar da História Marítima.

É fato notório que o desenvolvimento econômico impõe, tacitamente, maior entrelaçamento


mercantil entre as nações e, consequentemente, uma maior dependência às comunicações
marítimas. Tal fato é observado desde a Antiguidade, adquirindo ainda maior realce com a Revolução
Industrial. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, as cifras são concludentes. Segundo o relatório
apresentado em 1952 pela Materials Policy Comission, a produção americana em 1900 foi superior
ao consumo em 15%. Em 1950 o consumo ultrapassou em 9% a produção. A estimativa para 1975,
considerando o aumento da população e do padrão de vida, previa um déficit de 20%. Em tais
condições, na dependência crescente de fontes externas, a antiga politica isolacionista tão do agrado
dos primeiros estadistas americanos, como Washington e Jefferson, e ainda sustentada em certas
regiões do país, tornou-se impossível. Uma lei de embargo ao comércio exterior, como a decretada
pelo Presidente Jefferson, em 1807, seria hoje rejeitada como absurda antes de qualquer discussão.
A dependência progressiva da economia germânica às fontes externas é também facilmente
constatada. Basta um rápido confronto entre as situações econômicas enfrentadas pela Alemanha
durante as sucessivas guerras dos últimos noventa anos. Com efeito, durante os conflitos externos de
envergadura, o esforço total exigido coloca à prova não só a estrutura social e politica da nação, mas
também põe à mostra todas as suas possibilidades e limitações econômicas. Sem depender
grandemente do exterior, a Alemanha venceu a França em 1870. O armamento de superior
qualidade produzido pelo seu parque industrial em rápida ascensão não necessitava então de
matérias-primas procedentes do ultramar ou mesmo de outros países europeus. Já na guerra de
1914-18, o esforço de guerra alemão foi seriamente afetado pela dificuldade em conseguir
determinados artigos essenciais no exterior. No Segundo Conflito Mundial, mais uma vez privada das
comunicações marítimas com a maior parte do mundo, a economia de guerra alemã exigiu decisões
estratégicas de alta relevância. A Campanha da Noruega, em 1940, assegurou o suprimento de
minério de ferro, cuja interrupção teria feito cair a produção siderúrgica germânica em 50%.
Entretanto, a falta de petróleo constituiu sempre um pesadelo para a Alemanha, que, em 1942, foi
obrigada a orientar sua ofensiva de verão na Rússia em busca dos poços do Cáucaso, abandonando
objetivos de elevada significação como Moscou e Leningrado.

Na verdade, os alemães, e muito menos os americanos, não se dedicam aos afazeres náuticos com o
mesmo vigor e a mesma eficiência dos povos que procuram o mar compelidos pelo ambiente
geográfico. Já se viu no Capitulo XVI que a participação americana no transporte marítimo de suas
próprias exportações importações, por várias vezes nos últimos cem anos, desceu a percentagens
bem baixas. Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, a Marinha Mercante dos Estados Unidos não
tem enfrentado vantajosamente a concorrência inglesa, norueguesa ou holandesa. Entretanto, o
vulto do comércio americano, por si só, é capaz de absorver toda a capacidade de transporte da frota
mercante do país. Mediante algumas poucas leis protecionistas, a frota de comércio dos Estados
Unidos tem podido desenvolver se, visto estar garantida a demanda de seus serviços.

A expansão comercial, mesmo sem incutir nos povos continentais a noção de dependência
econômica do mar, cria um jogo de interesses que obriga os governos a travarem contato com uma
série de problemas, entre os quais o do desenvolvimento marítimo é fundamental. Tanto na
Alemanha como nos Estados Unidos, bem antes das duas guerras mundiais, a ação estatal se fez
sentir na esfera marítima, visando à salvaguarda de interesses nacionais de primeira magnitude. Com
o surto do comércio alemão, Bismarck, em 1885, iniciou as subvenções a companhias de navegação
germânica e posteriormente veio a interessar-se por colônias. De forma semelhante a política
exterior americana, coincidindo com a expansão mercantil do país, adquiriu caráter até então inédito,
assumindo, inclusive, aspecto imperialista no fim do século XIX e começo do século XX. Em ambos os
países, essa mudança foi seguida de aumento considerável das respectivas marinhas de guerra.

A influência do comércio no desenvolvimento das atividades Oceânicas implicitamente estabelece


identidade entre os povos de espirito mercantilista e os de espírito marítimo. Essa identificação é
flagrante entre as diversas nações de características marítimas. Com exceção dos vikings, que
permaneceram mais ligados à pesca e à pirataria, os demais povos de acentuadas tendências
marinheiras descambaram também com vigor para a exploração marítimo-comercial. Duas ordens de
razões explicam o fato: primeiro, nos países de solo pobre ou limitado, como acontece na maioria das
nações marítimas, uma fração importante dos habitantes é forçosamente desviada do trabalho da
terra para as atividades comerciais e industriais, em busca de amparo econômico; o comércio assume
assim uma relevância dificilmente atingível nas nações de economia agrária. Segundo, só pela
importação podem ser obtidos certos produtos indispensáveis à alimentação do povo e ao
funcionamento da indústria, o que implica, em contrapartida, um esforço para desenvolver o
comércio exportador que equilibre o sistema de trocas.

Viu-se que na Grécia antiga a população de Atenas dependia do suprimento de trigo das regiões do
mar Negro. O azeite, os artigos de cerâmica e os produtos espiculas constituíam os elementos com
que os gregos efetuavam as trocas indispensáveis. De forma idêntica, os venezianos, muitos séculos
depois, foram encaminhados para o comércio, visto não haver possibilidade de encontrar no solo da
República recursos suficientes ao abastecimento dos habitantes. O sal, primeiro, e depois os vidros e
as sedas permitiram o desenvolvimento de um comércio capaz de contrabalançar as importações.
Também o reconhecido espirito mercantil do povo holandês provavelmente nasceu da necessidade
de comprar fora das fronteiras produtos agrícolas para a população adensada num território de
escassa área.

Dos países do Báltico, da Alemanha e da França procedia grande parte dos alimentos com que,
quotidianamente, cada holandês completava suas refeições de peixe, e da Grã-Bretanha chegava a la
indispensável ao funcionamento das indústrias têxteis. O arenque seco e o queijo serviram de base
inicial à prosperidade mercantil dos Países Baixos, possibilitando a importação dos variados produtos
de que careciam. Tal vulto atingiu o comércio holandês depois que se converteu na principal
preocupação do Estado.

Semelhantemente, a expansão comercial da Inglaterra, a partir do século XVIII, estabeleceu um


sistema de troca, cuja preservação tem sido até os dias atuais o propósito número um dos estadistas
britânicos. Não tanto para atender aos reclamos básicos da população de um país marítimo, mas
principalmente visando consolidar a posse da fonte de seu poderio, o vasto Império ultramarino, o
povo inglês tem-se dedicado com ardor inigualável aos empreendimentos oceânicos. Chega-se aqui
ao ponto em que a expansão comercial, o colonialismo e o desenvolvimento marítimo entrelaçam-se.

De uma maneira geral, os povos marítimos são também os povos colonizadores. As mesmas causas
que os fazem procurar o mar, os propelem também a emigrar em busca de amparo econômico
noutras plagas. O colonialismo, entretanto, nem sempre apresenta a mesma feição. Alguns
movimentos colonizadores foram espontâneos, obedecendo à imposição das condições naturais,
nascendo da ânsia de conseguir terras férteis ou as riquezas fáceis representadas pelos minérios
nobres. A expansão grega nos séculos IX e X A.C. constitui um exemplo típico de uma obra colonial
nascida da penúria das terras. As invasões vikings, parte da obra colonial portuguesa, inglês,
espanhola e mesmo holandesa constituem outros exemplos nos quais populações se transladaram
em massa para outros continentes, levando o sangue, a língua e os costumes, fundando, em suma,
novas pátrias em novos ambientes. Mais comumente, porém, o movimento colonial tem possuído
raízes comerciais. É a ânsia de assegurar o controle das fontes de matéria-prima e de mercados
consumidores que tem determinado a maioria delas. O caráter comercial da colonização fenícia,
cartaginesa, veneziana, genovesa, pisana e holandesa, e algumas vezes o da inglesa e da lusitana, já
foi acentuado, em capítulos precedentes. Sobretudo na Ásia e na África, os povos europeus visaram
antes de tudo o estabelecimento de pontos de apoio onde pudessem efetuar as trocas que visavam.
Também na América as potências colonizadoras não viram prolongamentos da Mãe-Pátria, mas
campos a serem explorados comercialmente, do que resultou, por fim, a revolta dos habitantes.
Tanto a Inglaterra como a Espanha e Portugal, seguindo o espírito da época, cercearam, com as leis
odiosas, o desenvolvimento econômico das colônias, desde que o mesmo pudesse por alguma forma
ferir seus interesses.

O colonialismo, baseado na posse de mercados produtores de matérias-primas e consumidores de


produtos manufaturados, levou mesmo alguns países continentais, como a França, a Alemanha e a
Rússia, a dele participarem. A obra colonial foi a mais resultante da ação estatal, tendo sido mínima a
participação direta do povo, com pouca disposição para se deslocar em massa, em caráter definitivo,
para ambientes geográficos inteiramente outros. Todavia, qualquer que seja sua feição, os impérios
coloniais têm dependido sempre da interligação marítima, impondo, consequentemente, o
desenvolvimento dos empreendimentos Oceânicos para sua preservação e para atender ao intenso
sistema de trocas.

Com a expansão comercial nos mares e com o colonialismo, há conveniência em se considerar um


outro aspecto da história do desenvolvimento marítimo. É o que se prende às contendas pela
supremacia nas rotas oceânicas, lutas essas que têm condicionado os destinos de muitos povos.

Conforme se verificou na Primeira Parte, a maioria das evoluções marítimas processou-se sob o
império da força. Raros países lograram atingir preponderância nos negócios marítimos sem terem
apelado para a guerra. Quase nenhuma nação entrou em decadência nos mares que não fosse em
consequência de luta armada. Na antiguidade os fenícios procuraram eliminar todos os possíveis
concorrentes nas rotas oceânicas, não poupando meios para alcançar esse fim. Eles foram
suplantados pelos gregos depois de uma luta secular. Na parte ocidental do Mediterrâneo os
cartagineses suplantaram os etruscos e rechaçaram as investidas gregas, mas foram, por sua vez,
derrotados pelos romanos nas guerras surgidas em disputa das colônias na Sicília. Durante todo o fim
da Idade Antiga, Roma exerceu um benevolente domínio sobre o Mediterrâneo, no qual foi possível,
aos povos de suas praias comerciarem dentro dos limites que convinham à Senhora do Mundo.

Na Idade Média as cidades marítimas da Itália, tendo provocado a ruina comercial de Bizâncio e
vencedoras dos sarracenos no Mediterrâneo, entraram em luta entre si, quando seus interesses
foram idênticos nas colônias do Oriente. No século XVI Portugal aniquilou a tiros de canhão o
comércio egípcio e árabe na Índia, sendo depois espoliado de suas conquistas pelos ingleses e
holandeses. Esses povos do Norte da Europa já antes se dedicavam com afinco ao assalto do
transporte espanhol e por fim se defrontaram em luta em disputa do bocado todo. No século XVII, a
França procurou ascender à categoria de potência colonial e comercial, ganhando, em consequência,
a inimizade da Holanda e sobretudo da Inglaterra, que a guerreou desde os tempos de Richelieu até
Napoleão, Ainda no fim do século XIX a Inglaterra e a França eram nações rivais, com interesses
coloniais antagónicos bem acentuados. Surgiu, porém, ameaça maior obrigando os dirigentes da
França e da Grã-Bretanha a fazerem uma revisão fundamental na política exterior. O
desenvolvimento marítimo-comercial germânico preocupou não apenas a Inglaterra, mas também os
Estados Unidos, que já haviam eliminado a Espanha como nação influente nas Antilhas. Duas guerras
mundiais aniquilaram as pretensões alemães nas rotas marítimas.

Os russos chegaram ao mar Báltico lutando contra os suecos e os germânicos, e ao mar Negro,
guerreando contra os turcos. Suas ambições na Mandchúria e na Coréia provocaram a agressão
japonesa de 1904. O Japão, convertendo-se em importante potência comercial marítima, passou a
ser no Oriente o inimigo potencial da Inglaterra, da Holanda e dos Estados Unidos. A Segunda Guerra
Mundial pôs fim às aspirações nipônicas de domínio naquela parte do mundo.

Não se pode atribuir apenas à rivalidade marítimo-comercial-colonial a causa de desencadeamento


de tantas guerras que tão decisivamente influíram nos destinos dos novos, mas, sem dúvida alguma,
sua contribuição não foi pequena, e a repercussão dessas lutas na esfera marítima foi das maiores.

As margens dos conflitos internacionais, desde a remota Antiguidade até pelo menos o século
passado, foram os mares teatro de lutas quase permanentes, pois populações numerosas viveram
consagradas ao assalto das riquezas transportadas pelos navios. Todos os povos do Mediterrâneo, de
uma forma ou de outra, mesmo os mais civilizados, dedicaram-se, com bastante intensidade, à
prática do roubo em alto-mar. Os habitantes das ilhas do mar Egeu, em particular, faziam da pirataria
a indústria nacional por excelência. Eles já preocupavam os Atenienses na época de Temístocles,
cinco séculos A.C.; foram combatidos por Cesar, Pompeu e Augusto, muitas gerações depois, e
durante toda a Idade Média, italianos, bizantinos e sarracenos sofreram seus ataques de rapina.

Os comerciantes pisanos, genoveses e venezianos, por seu turno, também eram corsários quando a
oportunidade surgia. Amálfi, Génova, Pisa e Veneza eram centros de pirataria organizada. Elas
deveram à pirataria uma boa parte de suas riquezas. Tão normal eram considerados os ataques aos
navios de outras nacionalidades que o termo corsário, empregado nos atos genoveses, nada tinha de
reprovável ou pejorativo. Numerosos foram os mercadores italianos que, tendo divida a cobrar de
algum grego e não o podendo fazer, tornaram-se corsários a fim de arrancar pela força o que não
obteriam de outra forma.

Ainda nos séculos XVI e XVII as companhias inglesas e holandesas, destinadas à exploração comercial
na América e no Oriente, usavam métodos de rapina que mais se assemelhavam aos utilizados por
verdadeiros piratas. Algumas nações, a exemplo dos Estados berberes do Norte da África, tinham
mesmo na pirataria a principal fonte de renda. Até meados do século XIX a concessão de cartas de
corso foi de uso corrente em todos os países envolvidos em guerra, constituindo um meio para
bandidos internacionais ou aventureiros sequiosos de riquezas se aproveitarem das hostilidades.
Corsários foram alguns dos melhores marinheiros da Grã-Bretanha, como Drake, Hawkin e Releigh, e
da França, como Jean Bart, Duguay-Trouin e Surcout.

A necessidade de proteger o tráfego marítimo dos assaltos das potências inimigas ou dos piratas e a
conveniência em privar o adversário das vantagens das rotas sobre as águas, conduziram à formação,
desde épocas bem remotas, das marinhas de guerra. A necessidade de marinha de guerra, no sentido
restritivo da palavra, surge, portanto, da existência do transporte marítimo e desaparece com ele,
exceto no caso de a nação ter tendências agressivas e manter a marinha mercante como um ramo da
organização militar. A ligação da marinha de guerra ao transporte marítimo é tão intima que por
muito tempo não houve nítida distinção entre o navio de combate e o navio mercante.
Principalmente na Antiguidade, os traficantes cuidavam, eles próprios, da proteção de suas frotas
mercantes, armando os navios, e também dos ataques ao transporte dos rivais. O comerciante era ao
mesmo tempo marinheiro e guerreiro, adotando o procedimento mais conveniente conforme as
circunstâncias.

Assim agiam os fenícios, os cartagineses, os gregos e os italianos cujas Maonas não eram mais do que
expedições marítimo-comerciais apoiadas na força militar. Ainda nos séculos XVI e XVII, os traficantes
portugueses, ingleses, franceses e holandeses resolviam muitas de suas disputas a tiros de canhão,
malgrado a paz reinante entre seus países. Foi da amalgama de corsários, aventureiros,
comerciantes, navios de comércio, navios particulares ou armados pelo Estado, que nasceram as
Marinhas de Guerra inglesa e holandesa. Desde que se constituíram definitivamente as marinhas de
guerra sob a égide do Estado, o apoio das forças navais ao comércio passou a ser reflexo da politica
adotada pelo governo. Foi apoiado nos canhões das marinhas de guerra que as potências europeias,
do século XVII ao século XIX, alargaram seus domínios coloniais e comerciais na Ásia, África e
Oceania. Foi devido à presença da esquadra do Comodoro Perry que o Japão se viu constrangido a
reatar relações com o resto do mundo.

Sem dúvida alguma, a interligação das histórias do comércio, da expansão colonial e do poderio
marítimo remonta aos fenícios. Sem o apoio de marinha de guerra, própria ou de potência aliada,
nenhuma nação logrou beneficiar-se por muito tempo do transporte oceânico. O lento trabalho do
estabelecimento de uma rede comercial e a formação de uma frota mercante, devidamente apoiada
em terra, servidora dessa rede mercantil, são obras de alento que exigem décadas de labor
continuado em setores múltiplos, por parte de milhares de indivíduos.

Em caso de guerra, a falta de poder no mar tem representado o fim de toda essa obra em pouco
tempo. Como a eventualidade de um conflito armado nunca pôde ser afastada do espírito de
dirigentes responsáveis, pois a História mostra que os ciclos guerreiros se repetem num intervalo
menor do que o tempo exigido pelo completo desenvolvimento marítimo-comercial de um país,
resulta que quase sempre as marinhas militares expandem-se à medida que a esfera do comércio
marítimo da nação se amplia. Muitas vezes, porém, a exiguidade de recursos materiais impede o
desenvolvimento da Marinha de Guerra de acordo com suas responsabilidades, e o país é obrigado a
confiar a proteção de seus interesses marítimos a potências estrangeiras, valendo-se de alianças. Foi
para a proteção recíproca do comércio marítimo que as cidades gregas fundaram as chamadas Ligas
Délicas.

Foi procurando o apoio do poderio naval britânico, necessário à preservação de seu Império, que
Portugal, enfraquecido no mar, renovou constantemente sua aliança com a Inglaterra.

Durante as duas guerras mundiais, sem a proteção da Royal Navy e da US Navy, as frotas mercantes,
o comércio e a maior parte das colônias dos demais aliados teriam sido destruídos ou capturados.
Enquanto a marinha de comércio e as atividades mercantis de países poderosos como a Alemanha, a
Itália e o Japão eram quase totalmente eliminadas dos mares, nações de pequeno poderio naval
como a Noruega, a Holanda e a Grécia encontraram na aliança com as potências anglo-saxônicas a
relativa segurança que preservou de catástrofe total seus interesses marítimos e coloniais.
A expansão do comércio marítimo de uma nação tem o efeito paradoxal de estimular o
desenvolvimento das marinhas de guerra dos inimigos eventuais, pois no exercício do poder
marítimo as potências não visam apenas utilizar a rota oceânica, mas também negar seu uso ao
inimigo. Desde que se torna evidente a dependência de um país às rotas marítimas, é quase certo
procurarem as potências rivais dispor dos meios para, em caso de guerra, atacarem esse elo vital. Foi
por essa razão que no século XVII a Marinha Real inglesa se desenvolveu até ultrapassar a Marinha de
Guerra batava, numa época em que os Países Baixos tinham uma frota mercante quatro vezes
superior à britânica, dominando o comércio mundial. Com as derrotas de sua esquadra e
consequente paralisação do comércio, a Holanda se viu obrigada a pedir a paz, embora nenhum
exército inglês ameaçasse seu território metropolitano.

Substituindo a Holanda no tráfego mundial, daí em diante a situação se inverteu para a Grã-Bretanha
e, em todos os conflitos seguintes de que participou, o seu comércio marítimo foi o alvo predileto dos
ataques navais inimigos. Não podendo atacar o território da própria Inglaterra, protegida por
poderosa Marinha de Guerra, os esforços navais das potências que contra ela guerreavam voltaram-
se sempre com fúria para as ligações marítimas na esperança de obter o seu estrangulamento
econômico. O assalto ao comércio marítimo inglês incentivou por quase três séculos os corsários
franceses, holandeses e americanos. Empresas e estaleiros foram fundados com o único fim de
proporcionarem recursos a tais ataques.

Na Primeira Guerra Mundial, a partir de 1917, grande parte do esforço bélico alemão foi orientado no
sentido de eliminar o comércio marítimo aliado, principalmente britânico, última esperança de
alcançar a vitória. Centenas de submarinos foram construídos em série, com a máxima rapidez, na
tentativa desesperada de obter a solução. Antes da Segunda Guerra Mundial a Marinha de Guerra
germânica foi planejada, tendo ainda como fim principal o ataque ao sistema de transportes
marítimos dos inimigos eventuais. Também é a dependência ao comércio marítimo por parte das
potências anglo-saxônicas que tem determinado a ascensão da Marinha de Guerra russa nos últimos
anos.

Pelas razões acima expostas, pode-se, portanto, afirmar constituir a expansão comercial um estímulo
dos mais decisivos para o desenvolvimento marítimo, pois hoje como nos últimos três mil anos o
transporte sobre as águas é o mais barato e muitas vezes o único viável. Todavia, enquanto nas
evoluções marítimas de determinados povos o desenvolvimento comercial apareceu como elemento
derivado do ambiente geográfico ao qual ele se somou incrementando ainda mais os
empreendimentos oceânicos, nas evoluções do Egito, Alemanha etc., foi a expansão comercial fator
inicial e decisivo da marcha dessas nações para as aventuras sobre as superfícies liquidas. Não se
pode dizer, com efeito, que foi o hábito da navegação que levou os egípcios antigos, os alemães ou os
americanos a se transformarem em traficantes nos mares, mas sim a necessidade de comerciar que
os compeliu a cuidarem das empresas marítimas.

Paralelamente, verifica-se constituir a capacidade de utilizar as vias marítimas em quaisquer


circunstâncias, negando ao mesmo tempo sua utilização às potências inimigas, a expressão última e
almejada do desenvolvimento de uma nação nos oceanos.

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