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Aula 15

A Geomorfologia no planejamento e gestão


dos espaços costeiros e de seus recursos

Jorge Soares Marques


Aula 15  •  A Geomorfologia no planejamento e gestão dos espaços costeiros e de seus
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Meta

Chamar a atenção para a importância do mar e dos ambientes costeiros,


cujos conhecimentos específicos têm chegado aos cursos de Geografia
pela disciplina Geomorfologia Costeira.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. explicar por que existem nas áreas costeiras lugares bem conserva-
dos e outros bastante degradados;
2. explicar a origem e a importância do gerenciamento costeiro;
3. realizar diagnósticos que caracterizem os relevos das áreas costeiras
e criar prognósticos que levem em conta o comportamento atual e
futuro dos processos geomorfológicos nesses locais.

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Geomorfologia Costeira

Ambiente frágil e instável desde os


primórdios da vida humana

No Quaternário, as forças internas têm sido responsáveis por pro-


vocar eventos localizados de soerguimentos ou rebaixamentos de áreas
continentais, de terremotos e de ações vulcânicas. Felizmente nada de
amplitude maior aconteceu devido à ação dessas forças, o que poderia
afetar todo o planeta de forma catastrófica.
Durante esse período, não ocorreram grandes rupturas nos conti-
nentes nem gigantescos derrames de lavas ou criação de imensas cor-
dilheiras continentais ou marinhas. É nesse tempo de “calma tectônica”
que se fizeram marcantes as grandes mudanças ambientais provocadas
pelo clima e o desenvolvimento da espécie humana.
Com o advento das glaciações e dos períodos interglaciais, o nível do
mar foi afetado. Ocorreram eustatismos positivos e negativos, mudan-
do a posição da linha da costa, destruindo e reconstruindo os frágeis
ambientes costeiros.
Durante o Quaternário, a humanidade teve que conviver com as mu-
danças climáticas. Elas provocaram alternâncias de períodos em que a
superfície do planeta ficava mais fria ou mais quente, assim como as
variações do nível do mar, que ampliavam ou diminuíam as áreas das
terras emersas.
Cada mudança climática promove efeitos sobre todos os componen-
tes físicos e biológicos dos ambientes e, consequentemente, também
pode colocar em risco a própria sobrevivência do ser humano.
Ao longo do tempo, o homem tem procurado meios de se prevenir
para enfrentar essas intempéries. Entretanto, nos últimos milênios, tem
também praticado ações que interferem nos componentes da natureza,
como as que influenciam diretamente o clima. São exemplos os des-
matamentos e os processos de poluição da atmosfera, devido principal-
mente à crescente expansão industrial e tecnológica.

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Lembrando um pouco das


teorias geomorfológicas

Durante cada época, de frio ou de calor, o ambiente assume uma


fisionomia inerente às condições vigentes, que são mantidas por
seu equilíbrio dinâmico.
As grandes transformações ocorrem na fase de passagem; quando
um padrão vigente deixa de ter sustentação, outro pode começar
a ser criado. As formas do relevo terão que se confrontar com os
novos comportamentos dos processos, que passarão a agir para
modificá-las, levando-as a assumir novos formatos, condizentes
com o novo clima.

Além das mudanças ambientais, a ocorrência das variações do nível


do mar também teve consequência na vida humana. Existem hipóteses,
argumentos e teorias que associam os períodos glaciais com importan-
tes migrações humanas. Isso porque, com o abaixamento do nível do
mar, surgiram terras emersas, entre lugares antes separados pelo mar. O
estreito de Bering, entre a Ásia e a América do Norte, é sempre citado
como o possível caminho por onde o continente americano passou a ser
alcançado e habitado (Figura 15.1).

Figura 15.1: Estreito de Bering, local de maior proximidade entre a


América e a Ásia.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0a/Bering_Sea_
Location.png

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Geomorfologia Costeira

As pinturas rupestres encontradas na caverna de Lascaux, no sul da


França, (Figura 15.2) são os testemunhos das transformações do clima
no final do último período glacial, quando o nível do mar subiu. Após
essa última subida maior do nível do mar, as variações no Holoceno,
mesmo muito menores, também tiveram consequências na distribuição
das populações humanas nesses últimos 10.000 anos.

Figura 15.2: Pinturas rupestres na caverna de Lascaux, no sul da França,


testemunho de uma antiga ocupação humana próxima ao Mar Mediterrâneo.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/Lascaux_painting.jpg

Atualmente, considerando as perspectivas do aquecimento global e


o consequente aumento do nível do mar, também podem ser feitas pre-
visões quanto às consequências, que certamente afetarão cada tipo de
litoral hoje encontrado nas faixas costeiras de todo o mundo.

O homem na área costeira

O mar, além de ser uma fonte de recursos para o homem, é um meio


no qual foram criados caminhos que interligaram todas as terras.

A importância do mar

Na maior parte da superfície da Terra, encontramos as águas dos


oceanos. Elas têm papel importante na definição do clima, com sua

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participação na distribuição do calor no planeta. Essas águas são im-


portantes também por outros motivos:
• abrigam uma enorme diversidade de espécies animais e vegetais;
• são fontes de alimentos;
• nelas e abaixo delas, são encontrados recursos minerais de grande
valor, como sal, fosfatos, minerais pesados, ouro, diamante e petróleo;
• sobre elas e em seu interior, é possível navegar;
• nelas, marés, ondas e correntes são fontes de energia;
• marés, ondas e correntes modelam formas de relevo dos
ambientes costeiros.

O conhecimento do mar

No convívio do ser humano com o mar, ocorreram várias etapas até


se chegar à época dos grandes descobrimentos. Essa época começa valo-
rizando a necessidade de conhecer melhor o mar e de criar embarcações
e meios capazes de vencer os desafios de viagens pelo desconhecido. Os
exemplos estão na Escola de Sagres, em Portugal, nos navios da época e
nos instrumentos empregados para orientar a navegação, como a bússola.

Os portugueses pensaram além

Quem estudou não esquece que o Brasil foi descoberto pelos por-
tugueses em 1500. Certamente muitos devem lembrar também
que, nas aulas de História, destacava-se o fato de existirem naque-
la época, interesses de países europeus pela descoberta de novas
terras e novos recursos. Cada um desses países procurava criar
meios para atingir esses fins.
Os portugueses entenderam que não bastava apenas ter homens,
dinheiro e barcos para saírem na frente dos outros. Em razão disso,
fundaram a Escola de Sagres para ensinar a arte da navegação e do

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Geomorfologia Costeira

que de importante a ela se relacionava, como a Cartografia, por


exemplo, assim como o uso de equipamentos e instrumentos náu-
ticos. Nessa escola estudaram os que descobriram novos caminhos
de navegação, como o das Índias, e novas terras, como o Brasil.

Na época dos grandes descobrimentos, os conhecimentos sobre os


oceanos e seus recursos foram aumentando também. Quando se chegou
ao século XIX, a definição e o crescimento das ciências contribuíram para
o início de uma efetiva sistematização do que já se sabia sobre os oceanos.
Embora cada vez mais existisse um convívio maior com o mar, só a
partir de 1940, alcançou-se um nível de conhecimento sobre ele capaz
de revelar novos aspectos muito importantes sobre suas características e
sua presença na história do planeta. Um desses avanços ocorreu, infeliz-
mente, como um subproduto da Segunda Guerra Mundial. Os ataques
dos submarinos, cuja presença não podia ser detectada, levaram pâni-
co e morte às tripulações dos navios. A criação do sonar foi a solução
encontrada para acabar com os ataques surpresa e, ao mesmo tempo,
também permitir atacar os inimigos.
Passada a guerra, como aperfeiçoamento dos sonares (Figura 15.3)
e radares, que utilizam, respectivamente, ondas sonoras e de rádio, foi
possível, entre outros feitos, mapear o fundo dos oceanos, trazendo no-
vas e valiosas informações.

Figura 15.3: Esquema de funcionamento de um sonar.


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/af/Sonar_Principle_
pt-BR.svg/496px-Sonar_Principle_pt-BR.svg.png

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Outros equipamentos, como os atuais minissubmarinos equipados


com câmeras e sensores diversos, permitiram ver o fundo do mar em
grandes profundidades. Fenômenos como exalação de gases e novos se-
res vivos puderam ser observados.
Em função do uso desses novos recursos, foi comprovada a existên-
cia de grandes cadeias montanhosas oceânicas, que permitiram enten-
der melhor como os continentes tinham se separado. Além disso, a pre-
sença de tais montanhas pôde confirmar que os pisos dos oceanos eram
constituídos por rochas mais recentes do que aquelas que formam os
grandes núcleos de rochas dos continentes.
Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos trouxeram novas pers-
pectivas de obtenção de dados e informações, inclusive em tempo real.
Como foi visto nas primeiras aulas, equipamentos e instrumentos lança-
dos no fundo do mar captam e armazenam continuamente dados e in-
formações sobre ondas, marés e correntes, com alta precisão. São capazes
de detectar, até mesmo em alto-mar, a passagem de ondas de maremotos,
permitindo criar alertas para populações que habitam as áreas litorâneas.
Estabelecer um posicionamento preciso no mar não era tarefa fácil
para muitos, demandava experiência. Na Figura 15.4 há um exemplo de
instrumento usado para orientação náutica. Hoje, com o Sistema de Po-
sicionamento Global (GPS), além da facilidade e precisão na obtenção
de uma localização, é possível estabelecer trajetórias para guiar navios,
considerando direções de deslocamento e profundidades (Figura 15.5).

Figura 15.4: Sextante, ins-


trumento utilizado na navega-
ção para determinar posicio-
namentos. Poucas pessoas
eram capazes de utilizá-lo cor-
retamente.
Fonte: http://upload.wikimedia.
org/wikipedia/commons/
thumb/a/a7/Sextant.jpg/800px-
Sextant.jpg

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Geomorfologia Costeira

Figura 15.5: O GPS fornece instantaneamente a posição


geográfica do local e orienta trajetórias de deslocamentos.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5c/
Confluencia_23_S_x_49_W_-_GPS.jpg

Os satélites artificiais, além de viabilizarem as novas técnicas de lo-


calização, permitem mapear a superfície dos oceanos, levando em conta
suas características, como a temperatura. Com eles se pode trabalhar na
avaliação de condições climáticas ou, em caráter de aplicação direta, na
orientação aos pescadores sobre onde estão as águas passíveis (devido a
suas temperaturas) de estarem abrigando grandes cardumes de peixes.
Com os satélites de posição fixa, ou seja, que se movimentam com
a mesma velocidade de rotação da Terra, pode-se monitorar continu-
amente uma área do oceano, a fim de se obterem informações desse
Banquisa
local em tempo real. Mesmo que não sejam contínuas, as informações
Grande placa de gelo
obtidas são capazes de registrar mudanças que ocorrem, por exemplo, que se forma pelo
congelamento das águas
nas bordas do Ártico e da Antártida, na formação de banquisas, no da superfície domar,
aparecimento e deslocamento de um iceberg (Figura 15.6) e no recuo durante os períodos mais
frios, principalmente nas
da geleira por derretimento do gelo. regiões polares.

Iceberg
Grande massa de gelo que
se desprende de geleiras,
principalmente das
existentes nas bordas dos
continentes, e que passa
a transitar flutuando nas
águas dos mares. Como
a densidade do gelo é
menor do que a da água,
apenas 1/10 da massa de
um iceberg fica acima da
superfície do mar.

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Kim Hansen
Figura 15.6: Iceberg à deriva. Sua trajetória pode ser acompanhada por ima-
gens de satélite.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Iceberg_with_hole_near_sanderson_
hope_2007-07-28_2.jpg

A realização de sondagens por sísmica, com a utilização de diversas


novas técnicas e equipamentos, é comum hoje em dia, por exemplo, em
atividades de prospecção de petróleo. A busca por petróleo tem favore-
cido a ampliação dos conhecimentos geológicos sobre a constituição da
borda dos continentes.
As facilidades criadas com o advento da internet permitiram o aces-
so às instituições e redes que armazenam, analisam e divulgam dados e
informações sobre os oceanos.
Nas últimas décadas, a preocupação com as questões ambientais que
afetam todo o planeta tem envolvido interesses de governos e fóruns in-
ternacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). A Confe-
rência de Estocolmo, em 1972, foi o primeiro grande evento convocado
pela ONU para discutir as questões ambientais. Naquela ocasião, um
dos problemas principais vinculava-se aos altos níveis de poluição, que
estavam produzindo imensos efeitos danosos.
De acordo com Ribeiro (2001), a Conferência de Estocolmo mar-
cou o nascimento do ambientalismo internacional. Ela foi influenciada
por várias discussões sobre o tema, como a sobre o crescimento zero,
apregoado pelo relatório do Clube de Roma. A partir da realização da
Conferência, outras ações e outros importantes eventos internacionais
sobre o ambiente aconteceram, como a Rio 92 e a Rio+20, ampliando as
preocupações com os problemas ambientais e motivando o aprofunda-
mento do conhecimento sobre as condições do meio ambiente.

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Geomorfologia Costeira

Hoje, a questão do aquecimento global, que afeta o clima e o nível


do mar, domina as atenções, colocando em evidência os oceanos e,
consequentemente, os ambientes costeiros, nos quais os efeitos diretos
serão sentidos.

Atividade 1

Atende ao objetivo 2

Indique se as afirmações são falsas ou verdadeiras e justifique sua resposta.


a) Durante o Quaternário, as glaciações e as variações do nível do mar
constituem eventos que têm tido repercussões em todo o planeta, conse-
quentemente, sempre afetando a vida de todas as populações humanas.

b) Historicamente, não existem momentos que possam ser considera-


dos de grandes avanços no conhecimento humano sobre os mares e as
regiões costeiras, pois, desde os tempos mais antigos, muitas civiliza-
ções habitavam e conheciam essas regiões e já navegavam pelos mares.

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c) Recentemente tem ocorrido maior preocupação em conhe-


cer melhor os ambientes costeiros e planejar sua ocupação, levando
em consideração os problemas ambientais atuais e os que poderão
ocorrer futuramente.

Resposta comentada
a) Verdadeira. Duas forças são responsáveis pelas grandes transforma-
ções da superfície terrestre: a geológica e a climática. As forças geológi-
cas atuam ao longo de escala de tempo de bilhões de anos, e as climáti-
cas em escalas de centenas a até milhares de anos.
Na história da Terra, ocorreram momentos, anteriores ao Quaternário,
nos quais as forças geológicas agiram criando efeitos catastróficos, tais
como imensos derrames de lavas, separação de grandes blocos de conti-
nentes e formações de cordilheiras. Durante o Quaternário, essas forças
continuaram agindo, porém de modo muito menos intenso e em áreas
bem mais localizadas. Nesse período de relativa calma (o Quaternário),
as grandes transformações, que atingiram todo o planeta, foram produ-
zidas pelas ações climáticas.
As glaciações, mudando os climas e provocando variações do nível do
mar, trouxeram efeitos que têm atingido a vida de todos os homens.
Nesse período de tempo, de pouco mais de dois milhões de anos, no-
meado pela geologia de Quaternário, os seres humanos se desenvolve-
ram mentalmente, ampliaram as suas populações e formaram as socie-
dades humanas atuais.

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Geomorfologia Costeira

b) Falsa. De fato, há muito tempo o ser humano passou a conviver com


o mar e acumular conhecimentos relativos a ele e às áreas costeiras.
Entretanto, ocorreram épocas em que esses conhecimentos cresceram
muito. Foram elas:
• o período dos grandes descobrimentos, em que o homem passou a
navegar em todos os oceanos e bordejar seus litorais;
• o século XIX, com o desenvolvimento das ciências que passaram a
sistematizar os conhecimentos sobre as características da natureza
existente nos continentes e nos mares;
• o século XX, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial,
com o desenvolvimento de instrumentos e equipamentos que per-
mitiram um amplo acesso do homem ao que existe no interior
dos oceanos.
c) Verdadeira. A partir da segunda metade do século XX, as socieda-
des humanas passaram a dar mais atenção para as questões ambientais,
em decorrência dos efeitos crescentes da poluição. Encontros e confe-
rências foram realizados, em âmbito mundial, buscando discutir e apre-
sentar soluções para a conservação da natureza e a recuperação de áreas
degradadas. Mais recentemente, as previsões, decorrentes da admissão
do efeito estufa, indicam que as duas principais consequências – as mu-
danças dos climas e a subida do nível do mar – atingirão diretamente
as áreas costeiras. Isso implica aumentar a necessidade de conhecer as
características atuais dos litorais e planificar medidas e controles para
implementar ações que enfrentem os problemas previstos.

O litoral brasileiro

Histórias do passado que chegaram ao presente

A história do Brasil começa no litoral, com o descobrimento. Os


primeiros locais a serem ocupados foram escolhidos pela presença de
abrigos para os navios e pela segurança para os primeiros povoados.
Buscaram-se locais que não estivessem sujeitos aos fortes efeitos da ação
de ondas e onde houvesse condições facilitadoras para a construção de
defesas, tais como embocaduras de rios, enseadas e baías.

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No litoral, os solos de natureza mais continental, como os aluviões,


propiciaram o desenvolvimento do cultivo da cana-de-açúcar. Nesses
pontos de povoamento, o desmatamento para a extração da madeira ou
para a expansão das atividades de agricultura e a pecuária interioriza-
ram a ocupação, utilizando principalmente o caminho para montante
dos canais fluviais, pelo fundo dos seus vales.
Esse processo de interiorização resultou de um padrão bem mar-
cante, característico da forma de implementação da economia colonial:
uma bacia no interior drenando produtos para um porto exportar no
litoral. A partir das áreas costeiras, criaram-se grandes ilhas de ocupa-
ção urbana sem nenhum planejamento maior, inclusive pelo interior,
isoladas uma das outras.
No litoral brasileiro na época colonial, as ligações entre portos eram
feitas pelo mar, por eventuais escalas de navios ou por pequenas embar-
cações. Cada porto era local de contato com a metrópole, ou seja, com
Portugal, e não de integração com os demais. Por terra, ao longo da área
costeira, existiam grandes dificuldades para criar caminhos que pudes-
sem transpor obstáculos frequentes, tais como rios, brejos, restingas,
mangues e os relevos elevados que compartimentam o litoral.
No século XIX, existiam mais ligações entre cidades localizadas so-
bre o planalto brasileiro do que entre as que estavam no litoral.
A população cresceu ao redor dos núcleos urbanos litorâneos. Entre-
tanto, entre eles, a ocupação foi pequena. Nas praias, nas restingas, junto
aos mangues ou nas margens de lagoas costeiras se abrigaram pequenas
populações de pescadores, indígenas e escravos fugidos, que formaram
quilombos (Figura 15.7). Essa situação de áreas de baixa densidade
populacional prevaleceu até a segunda metade do século XX.

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Geomorfologia Costeira

Figura 15.7: Povoado de população caiçara (descendentes de indígenas),


Paraty-RJ.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/63/Cai%C3%A7aras_em_
Paraty.jpg

Outro aspecto histórico relacionado ao litoral que permanece até hoje


refere-se à definição dos terrenos de marinha. Muitas conceituações tra-
dicionais da legislação portuguesa foram colocadas nas leis para a colônia.
Entre elas, a preservação da propriedade da água para a coroa, que perdu-
rou na legislação brasileira dando esse direito à União, assim como a pro-
priedade dos terrenos da linha do litoral, das margens de rios, lagoas e das
ilhas. A legislação brasileira manteve a existência desses terrenos de mari-
nha como bens públicos. Na República, o Decreto n. 9760, de 05.09.1946,
ratificou como terrenos de marinha aqueles que estão até 33m para a par-
te da terra, a partir do preamar médio de 1831. A Constituição de 1988
também arrola como bens da União os terrenos de marinha.
De um lado, há críticas quanto ao pagamento de tributos, pois a faixa
de marinha nunca foi delimitada de forma precisa. Há áreas que desde
1831 cresceram por sedimentação ou recuaram por erosão. Por outro
lado, a garantia desses bens para a União manteve a praia como um local
público e, de certa forma, facilitou e apoiou as iniciativas de preservação
de áreas de dunas, mangues, restingas e costões, sob a forma de unida-
des de conservação.

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Ocupação atual: paraísos e ambientes degradados

A forma de ocupação do litoral, como foi descrita anteriormente,


explica por que ainda hoje existem áreas bastante preservadas em todas
as regiões costeiras do país, cujas existências são quase desconhecidas e
com ocupações rarefeitas em algumas áreas.
Apenas na década de 1970, a faixa costeira brasileira foi interligada por
estrada de rodagem (BR-101). Mesmo assim, em muitos trechos, a estrada
não corre próxima à linha do litoral. No sul do estado do Rio de Janeiro,
nos municípios de Angra dos Reis e Paraty, a estrada, quando chegou, en-
controu locais de difícil acesso. Nesses municípios, ainda há grandes áreas
cobertas por mata atlântica sem muitas modificações, principalmente nos
relevos mais íngremes. Entretanto, essas áreas já correm risco de degra-
dação, pelo aumento da população nos núcleos urbanos que, apertada em
pequenas baixadas, sobe os morros expandindo a ocupação.
Mesmo na cidade do Rio de Janeiro, a grande expansão urbana só
alcançou a grande baixada de Jacarepaguá, com suas lagoas, restingas e
praias desabitadas, durante a década de 1970. Esses terrenos, antes des-
valorizados por seu isolamento, estão sofrendo grandes pressões. São
procurados para atividades de lazer, de turismo, para a criação de resorts,
para loteamentos de casas de veraneio e também para a expansão das
áreas urbanas.
As populações mais pobres, constituídas principalmente de pesca-
dores, cujas famílias há muito tempo ocupavam por posse as áreas de
marinha, acabam sendo desalojadas. Elas vão para locais periféricos
sem infraestrutura, devido à pressão crescente da especulação imobiliá-
ria gerada pelos valores atribuídos aos paraísos perdidos na imensidão
do litoral.
No outro extremo, há áreas densamente povoadas desde a época co-
lonial, que transformaram as paisagens naturais em ambientes de con-
creto e asfalto. Em busca de novas áreas, mangues, restingas e praias
foram degradados e ocupados, o que transformou esses locais em novas
fontes de poluição, com esgotos domésticos e industriais, lixo e entulhos.
Quanto aos terrenos de marinha, conforme a legislação vigente, eles
continuam como bens públicos, com o controle da União. Todavia, com
a ocupação de terrenos delimitados por dois pontais, pode ocorrer o fe-
chamento do caminho para o litoral. Dessa forma, o terreno passa a ter
uma praia privativa, tornando o acesso público possível apenas pelo mar.

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Geomorfologia Costeira

Privativa não! Praia é de todos.

Na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, ocorreu uma situação


que provocou reações para o cumprimento da lei: um hotel foi
construído nas bordas de uma pequena baixada, compartimenta-
da por encostas de forte declive. Conforme notícias da imprensa
na época, o hotel cercou seus terrenos, privatizando a praia pre-
sente no local. A comunidade da favela do Vidigal, que sempre
desfrutou da praia, protestou buscando fazer valer o seu direito
de acesso ao bem público. Seu ganho de causa obrigou os pro-
prietários do hotel a criarem um acesso livre à praia.

Figura 15.8: Praia do Leblon. Ao fundo do lado esquerdo, favela do


Vidigal. No contato com o mar, a fachada do hotel na beira da praia.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/14/1_leblon_
aerial_2014.jpg/1920px-1_leblon_aerial_2014.jpg

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Atividade 2

Atende ao objetivo 1

1. Por que não existiam caminhos na época colonial ligando pelo lito-
ral os maiores núcleos de população?

2. Por que as populações dos pequenos povoados costeiros acabam


deixando esses locais?

3. Por que existem lugares muito povoados e degradados nas áreas


costeiras brasileiras?

Resposta comentada

1. Não havia ligações pelo litoral entre os maiores núcleos populacionais


porque o modelo colonial não criou relações entre as localidades litorâ-
neas. O maior interesse era de contato entre a colônia que exportava pro-
dutos e a metrópole portuguesa. Além disso, os obstáculos naturais como
rios, mangues e brejos dificultavam essas ligações entre os núcleos.

2. Quando ocorre a valorização das terras das áreas costeiras para uma
determinada atividade, as populações pobres que ali estão assentadas
com posses passam a sofrer pressões e acabam abandonando os locais
de suas moradias. Isso sempre ocorreu e, hoje, com frequência a razão
principal é a especulação imobiliária na expansão das grandes cidades
e nas áreas litorâneas, onde pequenos aglomerados urbanos são poten-
cialmente atraentes para práticas de lazer, veraneio e turismo.

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Geomorfologia Costeira

3. Nas áreas costeiras brasileiras, existem lugares muito povoados e


degradados porque a ocupação se concentrou nos núcleos urbanos do
litoral e, desde o início do povoamento, não houve preocupações com
um melhor planejamento da ocupação e utilização da terra.

O gerenciamento costeiro

Como já mencionado, na segunda metade do século XX, os as-


suntos relacionados à natureza receberam mais atenção da sociedade,
juntando-se a outras questões tradicionalmente discutidas, tais como
as sociais, econômicas e políticas. O tema ambiental assumiu grande
relevância e passou a ser tratado como uma questão de âmbito global.
A partir das discussões e eventos sobre o tema realizados nesse período,
surgiram propostas e ideias que, por sua vez, criaram normas e iniciati-
vas para lidar com as questões ambientais.
No Brasil, às perspectivas e descobertas de petróleo na plataforma
continental juntou-se a relevância de assumir um mar de 200 milhas de
extensão, assim como de participar da ação de ocupação da Antártica,
que se tornava mais efetiva nessa época. A ocupação do continente foi
estabelecida por acordos internacionais, buscando sua preservação, o
desenvolvimento de atividades de pesquisa de interesse mundial, que
seriam realizadas em estações baseadas no local, sob a responsabilidade
de cada país participante.
Com a Lei Federal n. 6.938, de 31.08.1981, em âmbito maior, sur-
gia o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), estruturado da
seguinte forma:
• Órgão superior: Conselho de Governo;
• Órgão consultor e deliberativo: Conselho Nacional de Meio Am-
biente (Conama);
• Órgão central: Ministério do Meio Ambiente (MMA);
• Órgão executor: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-
sos Naturais Renováveis (Ibama);
• Órgãos seccionais: no nível dos estados;
• Órgãos locais: no nível dos municípios.

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A criação do Sisnama ordenou, promoveu e facilitou o desenvolvi-


mento de iniciativas voltadas para a preservação e o uso responsável do
meio ambiente. Sua implantação estabeleceu incentivos a uma partici-
pação mais efetiva dos estados e municípios ao descentralizar responsa-
bilidades inclusive de fiscalização.
Com relação ao mar, conforme cronologia apontada por Freitas
(2008), a Comissão Interministerial para Assuntos do Mar (CIRM), que
já atuava desde 1974, criou em 1982 a Subcomissão de Gerenciamento
Costeiro. Com vistas à implementação do gerenciamento costeiro, sur-
giram diversas iniciativas nas seguintes datas:
• 1983: Seminário Internacional de Gerenciamento Costeiro, realiza-
do no Rio de Janeiro (RJ);
• 1984: II Simpósio Brasileiro sobre Recursos do Mar, realizado no Rio
de Janeiro (RJ);
• 1985: II Encontro Brasileiro de Gerenciamento Costeiro, realizado
em Fortaleza (CE);
• 1987: Criação do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro
(Gerco);
• 1988: Estabelecimento, pela Lei n. 7.661, de 16.5.1988, do Plano Na-
cional de Gerenciamento Costeiro (PNGC – integrado à Política Na-
cional para Recursos do Mar e à Política Nacional do Meio Ambiente).
O PNGC apresentou como instrumentos para a sua execução:
• o zoneamento ecológico-econômico (ZEEC);
• o monitoramento costeiro;
• o Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro (Sigerco);
• o plano de gestão;
Moraes (1999) apresenta uma retrospectiva de 20 anos dos trabalhos
de criação, implementação e execução do plano. Destacam-se a seguir
nesse conteúdo alguns aspectos importantes do início do plano:
• o surgimento das primeiras ideias para a elaboração de um plano
nacional no Seminário Internacional de 1983;
• as várias propostas apresentadas por universidades no Simpósio Bra-
sileiro de 1984;
• a incorporação da proposta apresentada pelo Departamento de Oce-
anografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no

530
Geomorfologia Costeira

simpósio de 1984, quanto à introdução de um programa de zonea-


mento de toda a zona costeira para a estruturação do plano do Gerco;
• a implementação de forma participativa e descentralizada – envol-
vendo os órgãos ambientais estaduais – na execução de um plano de
zoneamento costeiro, no monitoramento de áreas críticas e relevan-
tes e na gestão das áreas costeiras;
• a revisão da metodologia e do modelo institucional do programa
discutido no 5º Simpósio de Gerenciamento Costeiro, realizado em
1992, em Florianópolis (SC), o que foi considerado um procedimen-
to positivo de autoavaliação que possibilitou resolver problemas, fle-
xibilizando e aprimorando o plano.
Barros (2007) chama a atenção para dois momentos importantes que
serão aqui abordados de forma resumida: 1997 e 2004.
1997 foi o ano de lançamento do PNGCII, que passou a incorporar
conteúdos advindos da Rio-92 e outros relacionados à criação de novas
ações e à continuidade do que vinha sendo desenvolvido a partir de
iniciativas do governo federal, ao longo do tempo, em relação ao mar e
à área costeira brasileira. 2004 foi o ano de regulamentação do plano de
gestão do PNGCII.
Destacam-se no PNGCII, entre os conteúdos citados pelo
referido autor:
• assumir ou manter princípios de orientação como diretrizes a serem
utilizadas em seus trabalhos, tais como:
ӹӹ manter os princípios da gestão integrada, participativa
e descentralizada;
ӹӹ incorporar a plataforma interna ao espaço costeiro, em função do
transporte de sedimentos que ali se realiza;
ӹӹ não fragmentar os ecossistemas costeiros;
ӹӹ levar em consideração os limites municipais;
ӹӹ aplicar o princípio da precaução, adotando medidas para minimi-
zar ou impedir a degradação do ambiente, pelo perigo de danos;
ӹӹ ter a perspectiva de estimular a sociedade para participar e rei-
vindicar seus interesses pelas áreas costeiras;

531
Aula 15  •  A Geomorfologia no planejamento e gestão dos espaços costeiros e de seus
Aula 15  •  recursos
Aula 15  •  

• prosseguir em criar ou desenvolver atividades, tais como:


ӹӹ a regulamentação do decreto, em 2004, dos instrumentos de ges-
tão previstos no PNGC:
ӹӹ as diretrizes de orientação a serem aplicadas nas diferentes esfe-
ras de governo e de escalas estadual, municipal e orla;
ӹӹ os planos de ações federais, estaduais e municipais;
ӹӹ o Sistema de Informação (Sigerco);
ӹӹ o Sistema de Monitoramento Ambiental da Zona Costeira (SMA);
ӹӹ o Relatório da Qualidade Ambiental da Zona Costeira (RQA-ZC);
ӹӹ o Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro (ZEEC);
ӹӹ o macrodiagnóstico da zona costeira.
A principal finalidade do PNGC é estabelecer normas gerais para
a gestão ambiental da zona costeira do país, que deverão ser utilizadas
na formulação de políticas, planos e programas estaduais e municipais.
Dentre seus objetivos estão:
• a promoção do ordenamento do uso dos recursos naturais e da ocu-
pação dos espaços costeiros;
• o estabelecimento do processo de gestão, de forma integrada, des-
centralizada e participativa, das atividades socioeconômicas na
zona costeira;
• o estabelecimento de diagnósticos da qualidade ambiental da zona
costeira, identificando potencialidades, vulnerabilidades e tendência;
• a inserção nas políticas setoriais da dimensão ambiental;
• o controle sobre os agentes causadores de poluição ou
degradação ambiental;
• a produção e difusão do conhecimento necessário ao aprimoramen-
to das ações de gerenciamento costeiro.
Durante todas as fases do desenvolvimento das atividades do geren-
ciamento costeiro, as questões ligadas ao monitoramento do estado das
áreas costeiras se colocaram como fundamentais para o efetivo acompa-
nhamento dessas áreas e a implementação da gestão do espaço.
Cabe ainda falar sobre o Projeto Orla, Projeto de Gestão Integrada da
Orla Marítima (uma iniciativa oriunda do Ministério do Meio Ambien-
te e do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão), cuja escala

532
Geomorfologia Costeira

é bem maior para detalhar e trabalhar os espaços que são patrimônio da


União. Nesses espaços, há ocupações e atividades instaladas sem plane-
jamento e sem levar em conta as normas existentes. A atuação em gran-
de escala desse projeto, que é o seu grande destaque, cumpre o papel de
orientar a fiscalização e a utilização dessas áreas buscando evitar sua
degradação ambiental. Aqui se enquadra o exemplo da apropriação de
praias e dunas ou de sua utilização inadequada.

Conhecendo os planos e
programas costeiros e também
os ambientes marinhos

Quer saber mais sobre os diversos programas relacionados ao


ambiente marinho? Acesse o site da Comissão Interministerial
para Assuntos do Mar (CIRM): http://www.mar.mil.br/secirm/.
Lá você poderá ter mais detalhes sobre os objetivos do PNGC,
além de mais informações sobre o Gerco e os demais programas.
Informações específicas sobre o Gerco podem ser obtidas pelo
site do Ministério do Meio Ambiente:
http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/gerenciamento-costeiro.
Em relação ao Projeto Orla, no endereço a seguir, além de infor-
mações, há um vídeo específico disponível para download sobre
esse projeto.
http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/gerenciamento-cos-
teiro/projeto-orla.

Como últimos aspectos a serem abordados:


• deve ser lembrado que, na aula anterior, foi apresentado o macro-
diagnóstico do litoral brasileiro, cuja demanda prende-se ao Gerco;
• o gerenciamento faz parte de um plano, visando, antes de tudo,
orientar, articular, apoiar e oferecer contribuições necessárias para o
planejamento, monitoramento e gestão dos espaços costeiros;

533
Aula 15  •  A Geomorfologia no planejamento e gestão dos espaços costeiros e de seus
Aula 15  •  recursos
Aula 15  •  

• a Geomorfologia é uma temática importante no gerenciamento cos-


teiro, pois é sobre as formas de relevo que se assentam a ocupação e
as atividades humanas;
• sobre o relevo, recaem as possíveis transformações que ocorrem
nos ambientes costeiros, devido à atuação dos processos de erosão
e deposição.

Atividade 3

Atende ao objetivo 2

1. A criação do gerenciamento costeiro foi um ato isolado?

2. Por que é necessário existir a gestão das áreas costeiras?

3. Quais são as principais orientações do Gerco?

Resposta comentada

1. Não. A criação do gerenciamento costeiro ocorreu dentro de um


contexto de preocupações e valorização das questões ambientais, em
nível internacional e nacional. A partir da ação do governo, órgãos

534
Geomorfologia Costeira

federais foram criados para atuar nas questões ambientais. Em relação


às áreas costeiras, programas foram criados e atividades diversas fo-
ram implementadas, como reuniões técnicas e científicas. As atividades
de criação e aplicação do gerenciamento envolveram também estados
e municípios.

2. A gestão das áreas costeiras é necessária para orientar ações que pro-
movam o planejamento da ocupação e da utilização do solo das áreas
costeiras, assim como para apoiar ações de conservação e recuperação
ambiental. Para tanto, também é necessária a execução de trabalhos que
envolvam pesquisas que aumentem o conhecimento existente sobre as
características e a dinâmica ambiental dessas áreas costeiras.

3. O gerenciamento costeiro envolve vários tipos de tarefas e ações,


com a participação de diversos órgãos e de profissionais de diferentes
Plano Diretor
áreas. Por isso, os trabalhos são orientados para apoiar e articular as
Municipal
ações de planejamento, monitoramento e de gestão da área costeira. Plano definido no
Estatuto das Cidades
como instrumento básico
para orientar a política
de desenvolvimento e de
ordenamento da expansão
urbana do município.
Legislação e conflitos de competência
Gestão de
Por mais que se procure abordar qualquer questão com uma visão bacias fluviais
da totalidade, nem sempre é possível assimilar todos os aspectos que Gestão dos recursos
fluviais, tomando por base
devem ser levados em consideração. A área costeira brasileira inclui a bacia hidrográfica como
17 estados e centenas de municípios. Embora nas legislações existam unidade territorial para
implementação da Política
competências específicas para cada nível, são frequentes mudanças e Nacional de Recursos
Hídricos e atuação
interpretação das leis, o que pode gerar conflitos de entendimento. A do Sistema Nacional
coexistência de leis mais antigas com outras mais recentes, a convivên- de Gerenciamento de
Recursos Hídricos.
cia de leis diferenciadas para um mesmo objeto, além da existência de
leis que ainda não foram regulamentadas são exemplos de situações de Unidade de
difícil entendimento. conservação
Espaço territorial e seus
Quando se busca elaborar um plano, é necessário atentar para a le- recursos ambientais,
gislação vigente. Mas esse não é o único aspecto a observar. Em uma que inclui as águas
jurisdicionais, com
mesma área, é possível encontrar também planos e projetos que se su- características naturais
relevantes. É legalmente
perpõem com objetivos diversos e apoios de competências distintas. instituído pelo Poder
Público com objetivos
Em um município temos três legislações superpostas: a federal, a es- de conservação e com
limites definidos, sob
tadual e a municipal. Nesse município, poderiam ser implementados, regime especial de
ao mesmo tempo, o Plano Diretor Municipal, a Gestão de Bacias administração, aos quais
se aplicam garantias
Fluviais, as Unidades de Conservação e o Gerenciamento Costeiro. adequadas de proteção.

535
Aula 15  •  A Geomorfologia no planejamento e gestão dos espaços costeiros e de seus
Aula 15  •  recursos
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Cada um desses planos e legislações tem normas e implicações pró-


prias. O Plano Diretor leva em conta normas já estabelecidas, como as
que definem o gabarito (número de andares) das construções na área
urbana. Na gestão das bacias, é levado em conta se existem ali rios mu-
nicipais, estaduais e federais. Na Unidade de Conservação, as regras
de funcionamento dependem do tipo de unidade que se pretende im-
plantar ou que já esteja implantada. O gerenciamento costeiro também
atuará incluindo o espaço da orla. Além de todos esses planos e legisla-
ções, ainda existem códigos a serem considerados, como os de Floresta,
Águas e de Mineração.
Diante desse conjunto de dispositivos, percebe-se a importância que
deve ser (e está sendo) atribuída ao Direito Ambiental.
Outro aspecto importante decorre de resolução do Conama, de
1986, que instituiu o Estudo dos Impactos Ambientais (EIA) e os Re-
latórios de Impacto Ambiental (Rima). Foram criadas também para os
empreendimentos que utilizam recursos naturais ou que possam ter im-
pacto ambiental as Licenças Prévias, de Instalação e de Operação. Nas
últimas décadas, passou a existir todo um trâmite legal para a aprovação
e execução de projetos que possam criar efeitos nocivos para o ambiente.
Pode-se perceber que, cada vez mais, na elaboração de qualquer pla-
nejamento, são necessárias equipes de pessoas capacitadas nas temáticas
que serão trabalhadas. Também é necessário que a sociedade ganhe for-
mação e assimile conteúdos, para poder participar, com seus interesses
e suas posições, nas decisões a serem tomadas.

Planejamento, riscos ambientais


e qualidade de vida

O primeiro passo para um planejamento é a elaboração de um diag-


nóstico. O segundo passo é estabelecer, a partir do diagnóstico, o que
deve ser feito para atingir o objetivo proposto pelo planejamento.
De modo geral, todos os planejamentos do território, envolvendo
ocupação e uso do solo, acabam considerando a qualidade de vida dos
que habitam ou frequentam o lugar e a existência de riscos ambientais.
As atividades nas áreas costeiras são extremamente diversificadas e de-
vem ser vistas com atenção, desde o apoio às atividades, como a pesca
artesanal, até a criação de planos e resguardos contra perigos de conta-
minação por radioatividade (Figura 15.9).

536
Geomorfologia Costeira

Figura 15.9: Usina Nuclear de Angra dos Reis (RJ). Para ati-
vidades de risco, rígidas normas de segurança têm que ser
empregadas.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/c/c6/
Angra_dos_Reis_-_usinas_nucleares.jpg/1280px-Angra_dos_Reis_-_
usinas_nucleares.jpg

As atenções aumentam quando os territórios são as frágeis áreas


costeiras. Ao se planejar a conservação de ambientes ou a recuperação
de áreas degradadas, não podem ser esquecidos os planos futuros já pre-
vistos e as grandes questões hoje já discutidas sobre as mudanças climá-
ticas e a consequente variação do nível do mar.
Para esse planejamento, cada disciplina traz sua contribuição.
No caso da Geomorfologia Costeira, as aulas foram conduzidas, ini-
cialmente, fornecendo conceitos ainda não conhecidos de Física e
de Oceanografia.
Em seguida, formas e processos foram apresentados individualmen-
te, porém sempre tendo em vista estabelecer relações entre eles e entre
os demais componentes do ambiente. Foi abordado – e tal questão deve
ser bastante considerada – que hoje o ser humano também tem que ser
incluído como um mentor das transformações do relevo e de interferên-
cia na atuação dos processos.
Quando você se capacita para entender e explicar a presença e as ca-
racterísticas das formas de relevo, assim como os processos que atuaram
e que atuam nessas configurações, você está se habilitando para fazer
diagnósticos de Geomorfologia Costeira. O próximo passo é prognosti-
car o cenário desejado, buscando entender como será possível chegar a
ele, utilizando sempre os conhecimentos adquiridos.
537
Aula 15  •  A Geomorfologia no planejamento e gestão dos espaços costeiros e de seus
Aula 15  •  recursos
Aula 15  •  

Agora, certamente você já é capaz de pensar melhor nos efeitos que


acontecerão no Rio de Janeiro, com a possível subida do nível do mar
e, ainda, no que poderia ser feito hoje para evitar ou minimizar riscos.
Falta apenas um esclarecimento. Existe no currículo uma disciplina
que se vincula ao planejamento ambiental, que normalmente é ofereci-
da nos últimos semestres. Nela, com certeza você terá a oportunidade
de usar todos os conhecimentos adquiridos na Geografia, assim como
na Geomorfologia. Em particular, nesta disciplina, também foram in-
cluídos conhecimentos relativos às especificidades dos ambientes cos-
teiros e, de forma introdutória, questões relativas aos planejamentos
desses locais.

Atividade 4

Atende ao objetivo 3

A partir do que você aprendeu nesta disciplina, que conhecimentos de-


vem ser empregados para se estabelecer um diagnóstico do relevo de
uma área costeira? Quais meios poderiam facilitar esse trabalho?

538
Geomorfologia Costeira

Resposta comentada
O primeiro passo será identificar e descrever as características de cada
um dos relevos encontrados, dando particular atenção às suas formas e
ao material que os compõem.
A seguir, deve-se inferir que processos geomorfológicos, continentais
e marinhos, atuaram e atuam na gênese das formas de relevo e se são
erosivos ou deposicionais. Devem-se verificar, pela distribuição espacial
dos relevos, as interações existentes entre formas e processos.
Ao longo desse trabalho, deve-se sempre buscar correlacionar as formas
de relevo e os processos com os demais componentes do ambiente, que
se relacionam à geologia, ao clima, ao solo, à biologia e ao homem.
Ao final, deve-se elaborar uma descrição temporal e espacial da distri-
buição e interação das formas de relevo e processos, concluindo em sín-
tese com a identificação e classificação do tipo de relevo da área estudada.
Entre os principais meios a serem utilizados, destacam-se, entre outros,
os obtidos indiretamente por meio de mapas topográficos e temáticos;
fotografias aéreas; imagens de satélite; bibliografias (recentes e antigas)
relativas à área estudada e a cada um dos elementos componentes do
ambiente; e dados e informações relativas à ação dos processos ao longo
do tempo.
As atividades que possam ser desenvolvidas diretamente em trabalhos
de campo são muito importantes, tais como o recolhimento de infor-
mações e dados de características ambientais diversas, dos relevos e dos
processos geomorfológicos atuantes; a feitura de perfis topográficos; o
recolhimento de amostras para análises em laboratório; a aferição de
resultados obtidos indiretamente em gabinete.

539
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Conclusão

Em qualquer atividade, há necessidade de assimilar conhecimentos


teóricos e práticos. Para as atividades de planejamento, existem conhe-
cimentos específicos que precisam ser utilizados. Disso decorre a neces-
sidade de saber em que tipo de planos e projetos seus conhecimentos
podem ser empregados.
Na aula anterior e nesta aula, foi mostrado um dos campos de utiliza-
ção da Geomorfologia, chamando a atenção para a existência de conheci-
mentos aplicados e teóricos a serem assimilados.

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2 e 3

Observe a imagem a seguir, do município de Marataízes, no litoral sul do


Espírito Santo e responda às perguntas.

Figura 15.10: Litoral de Marataízes (ES).


Fonte: Google Earth

Ao responder às perguntas, você estará fazendo um diagnóstico e um


prognóstico sobre esse local.
DICA: Utilize o Google Earth, amplie a imagem para ver melhor o am-
biente costeiro e as obras feitas no local.
540
Geomorfologia Costeira

1. Descreva o que mostra a imagem desse trecho do litoral.

2. Qual seria o motivo da obra?

3. Qual está sendo o resultado? Como ele pode ser avaliado?

4. Quais os benefícios da obra?

5. O que deve acontecer no futuro?

Resposta comentada

1. O trecho mostrado do litoral é uma área bastante ocupada, com


imóveis chegando próximo da praia. É evidente a interferência humana
criando quebra-mares e aterros, cujas construções são feitas para prote-
ger a costa de erosão e reter sedimentos.

2. A obra foi feita porque o litoral estava sofrendo um processo de erosão. Ela
visa, por planejamento, à recuperação de áreas que estavam se degradando.

3. A obra está atendendo aos propósitos de sua construção. As avalia-


ções são feitas comparando os objetivos com os resultados, por meio do
monitoramento direto ou por imagens de satélite.

4. Os sedimentos estão sendo retidos formando praias. O formato em


arcos deriva da dissipação de energia que as ondas estão sofrendo ao
entrarem pelas aberturas entre os quebra-mares.

5. No futuro, o litoral continuará protegido. A retenção de sedimentos


poderá aumentar.

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Resumo

O mar tem um importante papel na dinâmica do planeta e na vida do


homem. Com relação a essa importância, foram relembradas as liga-
ções do mar com o clima, como as variações de seu nível derivadas das
mudanças climáticas, e o que ele representa para a sobrevivência e as
atividades do homem, sendo exemplos a pesca e a navegação.
Foi visto que os conhecimentos sobre o mar tiveram enorme crescimen-
to em vários momentos da História: durante a chamada época das gran-
des navegações; no século XIX, com o desenvolvimento das ciências, e,
na segunda metade do século XX, com os avanços tecnológicos obtidos
principalmente durante a Segunda Guerra Mundial.
Nas últimas décadas do século XX, novos equipamentos, como o sonar,
o radar e os minissubmarinos foram utilizados para melhor conhecer as
áreas marinhas costeiras, assim como para detectar recursos naturais.
No Brasil, as características da ocupação atual das áreas costeiras guar-
dam a herança dos tempos coloniais. Há áreas hoje bastante degradadas
e outras bastante preservadas.
Principalmente a partir dos portos criados para exportação do que aqui
era produzido, grandes núcleos urbanos foram formados e se desenvol-
veram, causando a degradação de muitos ambientes costeiros.
Uma boa parcela de áreas preservadas na faixa costeira ainda é encon-
trada devido às dificuldades que, desde o tempo dos colonizadores,
existem para interligar por terra os núcleos de populações litorâneas.
Fazer estradas e caminhos ao longo das áreas costeiras significa enfren-
tar e vencer obstáculos naturais existentes, tais como rios, mangues e
áreas montanhosas.
Os problemas decorrentes da poluição no planeta, que muito também
atingem as zonas litorâneas, motivaram reuniões e conferências, como a
de Estocolmo, nas quais questões sobre o meio ambiente foram alçadas
em nível político de âmbito mundial. No Brasil, a presença de órgãos
voltados para as questões ambientais teve início nos anos 1970 e 1980.
Dentre os órgãos federais existentes, podemos citar o Conama, o Ibama
e o Ministério do Meio Ambiente. Em nível estadual e municipal, foram
criadas secretarias e alguns órgãos específicos.
Em 1988 foi estabelecido o Plano Nacional de Gerenciamento Costei-
ro, integrado à Política Nacional para Recursos do Mar e à Política Na-
cional do Meio Ambiente. O gerenciamento trouxe novas perspectivas

542
Geomorfologia Costeira

para ampliar o conhecimento sobre as áreas costeiras brasileiras e orien-


tações para ocupação e uso desses espaços.
O plano de gerenciamento costeiro envolve muitos comprometimentos
das administrações federais, estaduais e municipais. Entre eles: ordenar
o uso dos recursos e espaços costeiros; promover a gestão das atividades
socioeconômicas desses lugares de forma descentralizada, integrada e
participativa; estabelecer diagnósticos avaliando potencialidades, vul-
nerabilidades e tendências; controlar os agentes degradadores do am-
biente; difundir o conhecimento sobre as áreas costeiras.
Existem ainda muitos conflitos de competência entre as esferas governa-
mentais e entre planos e projetos quando implantados para as mesmas
áreas. Muitos desses problemas decorrem das próprias leis, que confli-
tam entre si na designação de competências e na inclusão de atributos
diferentes para um mesmo objeto em diferentes leis.
O gerenciamento costeiro é um importante instrumento para viabilizar
o planejamento da ocupação e o uso das áreas costeiras, face aos riscos
a que elas estão submetidas no presente e nas previsões futuras. O ge-
renciamento costeiro também é relevante para o aprimoramento dos
conhecimentos a serem aplicados, para melhorar a qualidade de vida
das populações que ali residem ou que procuram esses espaços para re-
creação, veraneio e turismo.
A elaboração de diagnósticos e prognósticos para as áreas costeiras por
geógrafos e professores de geografia passa também pela assimilação de
conhecimentos adquiridos ao longo do curso e, em relação aos relevos
costeiros, pelo que foi aprendido nesta disciplina.

Referências

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neiro: Tex, 2000, p. 259.
ALMEIDA, J. R. et al. Planejamento ambiental. Rio de Janeiro: Tex,
1993, p. 154.
BARROS, S. R. S. A inserção da zona costeira nas territorialidades da
bacia hidrográfica do rio São João – RJ: inter-relações, trocas e conflitos
Tese – (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Ge-
ografia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

543
Aula 15  •  A Geomorfologia no planejamento e gestão dos espaços costeiros e de seus
Aula 15  •  recursos
Aula 15  •  

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