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Geologia Histórica

2009/1
Prof. Renato R. Cabral Ramos
rramos@mn.ufrj.br
História da Terra

Dois tipos de mudança podem ser traçados na


superfície do Planeta: mudanças na matéria
inorgânica e nos organismos vivos.

O reconhecimento destas nos permite reconstruir a


história da Terra.

Geologia Histórica:
Histórica Ramo da geologia que trata
da história da Terra, incluindo o registro da vida no
planeta, bem como suas mudanças físicas.
Programa:
• Fundamentos e princípios históricos da Geologia;
• Tempo geológico;
• Origem do universo e da Terra;
• Métodos de datação;
• Evolução e extinções;
• Paleogeografia, paleobiogeografia e
paleoclimatologia;
• Tectônica de placas;
• Arqueano e Proterozóico;
• Origem da vida e biotas no Pré-Cambriano;
• Paleozóico;
• Mesozóico;
• Cenozóico.
• Na Geologia Histórica estudamos:

– Mudanças em nosso planeta;


– Como e porque eventos passados ocorreram;
– Implicações nos sistemas e ecossistemas atuais.
A Terra é um sistema de sub-
sistemas interconectados

• Atmosfera (ar e gases);


• Hidrosfera (oceanos, gelo, rios);
• Biosfera (plantas e animais)
• Litosfera (superfície rochosa);
• Interior (manto e núcleo).
• A sobrevivência da espécie humana depende do
entendimento de como os vários sub-sistemas da
Terra atuam e interagem.
– O modo como nós consumimos os recursos naturais e
interagimos com o ambiente determina nossa habilidade
de passar o atual padrão de vida às próximas gerações ;
– Nosso padrão de vida depende diretamente do nosso
consumo dos recursos naturais que se formaram a
milhões/bilhões de anos.
• Conhecer o que ocorreu no passado, em escala
global, para determinar como nossas ações poderão
afetar o balanço dos sub-sistemas no futuro.
A Geologia, centrada no estudos das
rochas, nos auxilia nessa tarefa fascinante
e difícil de buscar traços das origens e da
evolução da Terra.
Ao contrário das ciências exatas, a
Geologia constitui uma ciência
essencialmente histórica,
fundamentalmente dependente do
elemento TEMPO.
Leonardo da Vinci

• No início do século XVI, este


reconheceu que conchas fósseis
descobertas na Itália representavam
antigas formas de vida marinhas,
mesmo estando situadas em
camadas distantes do mar atual;
• Em oposição a crença do dilúvio, ele
argumentou que as conchas (tão
frágeis) não poderiam ter sido
transportadas por tantos quilômetros
em apenas 40 dias (de dilúvio).
• Leonardo observou que
camadas ricas em fósseis eram
separadas umas das outras por
camadas afossilíferas,
repudiando o conceito de um só
dilúvio e propondo a ocorrência
de eventos sazonais.
A Terra tem 5.662 anos, e
não se fala mais nisso!
O Bispo Ussher, primaz da
Irlanda, proclamou em
1658 que o mundo foi
criado em um domingo, dia
23 de outubro de 4.004 A.C.
(The Annals of the World)

Também calculou que Adão e Eva foram


expulsos do Paraíso no dia 10 de
novembro de 4.004 AC (seg.) e que a
arca de Noé encalhou no monte
Ararat no dia 5 de maio de 2.348 AC
(quarta). James Ussher (1581-1656)
John Lightfoot (1602-1675),
da Universidade de
Cambridge, calculou a
idade da Terra antes de
Ussher.
Em 1644, este pelo mesmo
método, chegou a
conclusão que a Terra teria
sido criada 3.928 anos
antes do nascimento de
Cristo.

Hoje a Terra teria 5.937 John Lightfoot


anos para Lightfoot e
6.013 anos para
Ussher.
Durante toda a era cristã até o século
XVIII, o ser humano, imagem e
semelhança de deus, foi considerado
como o centro do universo e a Terra
como de seu uso exclusivo.

Nos séculos XVII e XVIII surgiu,


timidamente, uma nova ciência: a
GEOLOGIA
Nicolaus Steno
(Nils Stensen)
1638-1687

• Médico dinamarquês,
especialista em anatomia;
• Explicou a origem dos geisers,
e constatou a constância dos
ângulos das faces cristalinas
• Observando as rochas da região da
Toscana (Itália), postulou em 1669 três
princípios fundamentais da
Estratigrafia, ainda vigentes:
Princípios de Steno (Prodromus – 1669)
Princípio da Superposição – Em qualquer
sucessão de camadas não perturbadas,
cada camada é mais nova que a situada
abaixo e mais velha que a situada acima,
assim, as camadas mais novas estarão no
topo e as mais velhas na base.
Princípios de Steno
Princípio da Horizontalidade Original –
Sedimentos são depositados horizontalmente em
camadas paralelas ou quase a superfície da Terra.
Então, se uma sucessão de camadas está inclinada,
esta deve ter sido basculada após a deposição e
litificação.
Princípios de Steno
Princípio da Continuidade Lateral – As
camadas quando originalmente depositadas
estendem-se em todas as direções até terminarem
nas margens das bacias, abruptamente contra
alguma antiga barreira à deposição, ou gradam
lateralmente para outro tipo de sedimento.
STENO,
STENO considerado o pai da Estratigrafia,
introduzindo a noção de sucessão de
estratos e, conseqüentemente, a noção de
tempo relativo.
BUFFON (1707-1788)
procurou iludir a vigilância
exercida pelos seus superiores
eclesiásticos na Sorbonne,
dizendo que os seis dias da
Criação, constantes das
Escrituras, deveriam ser
entendidos como espaços de
tempo dos quais o “Historiador
Sagrado” não determinara a
duração.
Com este artifício apaziguador BUFFON
estendia a 75.000 anos a idade da
Terra. Tal idade, ínfima face ao que era
a sua convicção profunda, mas não
revelada publicamente (da ordem de 3
milhões de anos), constituía um
desafio à versão da Igreja.
Em 1715, BUFFON foi coagido a
retratar-se, mas a semente estava
lançada.
Giovanni Arduino (1714-1795)

Desenvolveu a primeira classificação


de rochas e idades relativas.

Montanhas primárias rochas cristalinas (rochas


mais antigas da Terra).

Montanhas secundárias rochas fossilíferas


acamadadas.

Terciário sedimentos inconsolidados


derrames de lava
Abraham Werner (1749-1817)

• O mais influente geólogo da segunda metade do


século XVIII, pai da Mineralogia moderna.
• Desenvolveu a classificação Netunista das rochas
• Todas as rochas da crosta foram depositadas pela
água do mar
• Um oceano universal cobria a terra
• Seu seguidores eram conhecidos como Netunistas
WERNER tornou a Academia de Freiberg um grande
centro científico na Europa, tendo sido o primeiro a
propor uma escala estratigráfica, ainda que numa
perspectiva de cronologia relativa, vinda do tempo
de STENO.
Terrenos PRIMÁRIOS: resultantes da Criação do Mundo,
representados pelos núcleos das montanhas, formados por
granitos e outras rochas antigas;
Terrenos de TRANSIÇÃO: calcários e grauvacas podendo
conter fósseis, ainda com outras “rochas precipitadas”
Terrenos SECUNDÁRIOS: testemunhos do Dilúvio, formados
por rochas estratificadas, como os calcários, muitos deles
com fósseis marinhos;
Terrenos TERCIÁRIOS ou RECENTES, eram representados
por aluviões, areias de praia e outros depósitos, cuja
formação decorrera na presença do Homem.
James Hutton (1726-1797)

• Pai da Geologia moderna


• Oponente ferrenho do Netunismo
• Acreditava que o fogo era a
resposta – Plutonismo.
• Reconheceu mudanças na superfície
da Terra (processos superficiais
eram ativos)
• Desenvolveu uma visão cíclica da
Terra.
Propôs que o interior da Terra é quente e que este
calor é o motor que provoca a criação de novas
rochas: os terrenos são erodidos pela água e pelo ar,
e os sedimentos depositados como camadas no mar;
o calor consolidaria estes sedimentos em rochas, que
assim seriam soerguidos formando novas montanhas
(“Ciclo das Rochas”).
Rochas

erosão

deposição soerguimento
"Desde o topo da montanha à praia do
mar...tudo está em estado de mudança. Por
meio da erosão a superfície da Terra
deteriora-se localmente, mas por processos
de formação das rochas ela se reconstrói em
outra parte. A Terra possui um estado de
crescimento e aumento; ela tem um outro
estado, que é o de diminuição e degeneração.
Este mundo é, assim, destruído em uma
parte, mas renovado em outra".
James Hutton
• HUTTON em oposição ao
CATASTROFISMO, argumentou que os
imensos deslocamentos e mudanças
observadas não teriam ocorrido em um
pequeno período de tempo
(“catástrofe”), mas que os processos
atualmente existentes na Terra teriam
sido a causa, sendo, portanto, o
precursor do conceito do
UNIFORMITARISMO.
“O passado do nosso planeta pode ser explicado
pelo que está acontecendo agora”.
Princípio do Uniformitarismo (Hutton): “O
presente é a chave do passado“, isto é, os
processos geológicos que operam hoje
também operaram no passado (ex: depósitos
fluviais formados atualmente possuem
composição semelhante aos correlatos
antigos; a erosão glacial e os depósitos
resultantes são basicamente os mesmos hoje
e no passado, etc.
Siccar Point, Escócia

• Hutton reconheceu a vastidão do tempo


através de relações de discordância nas
rochas
Como esses processos são muito
graduais, a Terra teria
necessariamente que ser muito
antiga, para permitir essas
mudanças. Assim, HUTTON foi o
pioneiro do conceito de Tempo
Profundo, teoria que propõe para
a Terra uma longa história de
desenvolvimento e mudanças ao
longo de bilhões de anos.

“No vestige of a beginning, no prospect of an end”.


• James Hutton reuniu evidências e propôs
uma hipótese denominada “gradualismo”,
que afirmava que tudo mudava
lentamente, em um ciclo contínuo e
repetitivo.
• O termo uniformitarismo só foi cunhado
em 1832 por William Whewell
• Em 1795, Hutton publicou o livro “Theory
of the Earth with Proofs and Illustrations.”
O que é tão importante nas idéais
de Hutton?
• Contrário às idéias anteriores sobre o
tempo;
• Baseado em observações – naquilo que
viu (e não no que a Igreja impunha);
• Hutton fez inferências de suas
observações;
• Inferências são hipóteses;
• Hipóteses são testáveis;
• Foi o primeiro a aplicar o método
científico para o estudo da Terra.
O método científico
• O método científico
– Uma abordagem ordenada e lógica
– Reunião e análise de fatos ou dados
• Uma hipótese é uma tentativa de explicar
um determinado fenômeno observado
• Os cientistas fazem predições usando
hipóteses e, então, estes testam as
predições.
• Depois de repetidos testes, se uma
hipótese continua a explicar o fenômeno,
então os cientistas propõem uma teoria.
As idéias de HUTTON, no entanto,
por terem sido publicadas em um livro
denso e de difícil leitura, além dos ataques
perpetrados pelos Catastrofistas, tiveram
dificuldade de penetração na comunidade
científica daquela época.
Estas, no entanto, viriam a ser
seguidas por seu discípulo CHARLES
LYELL e, posteriormente, por CHARLES
DARWIN e ALFRED RUSSELL WALLACE.
CATASTROFISMO
• Proposto por Georges Cuvier
• A história física e biológica da
Terra teria resultado de uma série
de catástrofes generalizadas que
provocaram mudanças rápidas e
significativas, exterminando as formas de
vida nas áreas afetadas;
• Seis grandes catástrofes ocorreram,
correspondendo aos seis dias da criação
bíblicos, sendo a última o dilúvio universal.
CUVIER demonstrou que, muito antes da
aparição homem, a Terra percorrera uma
longa caminhada evolutiva, deixando
testemunhos (os fósseis) de sucessivos
“mundos prévios” onde viveram seres
diferentes dos que hoje nos rodeiam, todos
eles extintos. Este naturalista dividiu o tempo
da Terra em três épocas que batizou de
antediluviana, diluviana e pós-diluviana,
sendo a primeira uma época sem a presença
humana e povoada por monstros hoje
extintos, sujeita a fenômenos naturais não
explicáveis.
Utilidade dos fósseis
• Robert Hooke foi o
primeiro cientista a
sugerir (em 1703)
que os fósseis
poderiam ser
utilizados para
correlacionar
camadas.
• Ele também foi um
dos primeiros a
propor que espécies
podem se extinguir.
• Smith e Darwin
utilizaram suas
idéias.
• John Woodward
– 1723, correlação de camadas na
Inglaterra e na Europa baseado no
“grande número de conchas”

• Mapeamento geológico
– 1746, um mapa geológico primitivo
mostrou a continuidade das
camadas de chalk abaixo do Canal
da Mancha.
Carta
mineralógica
da França e
da Inglaterra,
por Phillipe
Buache
(1746)
WILLIAM SMITH (1760-1839)
formulou em 1794, o Princípio da
Sucessão Faunística, até hoje
utilizado.
Este princípio afirma que camadas
sedimentares em um determinado
local contêm fósseis em uma
seqüência definida; e que a mesma
seqüência pode ser encontrada em
rochas de outros locais, e cada
camada então pode, então, ser
correlacionada.
Baseado neste
princípio,
elaborou o
primeiro mapa
geológico,
publicado em
1815.
Charles Lyell (1797-1875)

- Formou-se como advogado


em 1816, mas exerceu a
geologia como hobby, tendo
publicado seu primeiro
trabalho em 1822.
- Em 1828 viajou para a
França e a Itália e,
observando a estratigrafia e o
conteúdo fossilífero de
sucessões terciárias, propôs a
subdivisão deste período em
3: Eoceno, Mioceno e
Plioceno.
“O PRESENTE É A CHAVE DO
PASSADO”

• LYELL publicou entre 1830 e 1833 sua


obra Principles of Geology,
Geology cujo sub-
título era “Uma tentativa de
esclarecimento das antigas mudanças
na superfície da Terra relacionadas às
causas hoje atuantes”.
• LYELL foi o maior entusiasta da então
controvertida idéia do
UNIFORMITARISMO,
UNIFORMITARISMO em que a Terra
teria sido esculpida por forças lentas,
atuantes por longos períodos.
"a superfície da Terra teria sido sempre
alterada de forma gradual, tendo por
agentes forças naturais conhecidas,
tais como a chuva, a neve, a erosão, a
deposição, a sedimentação, o vento
etc.".
“Lyell é para a Geologia o que
Darwin é para a Biologia”
Em suas várias revisões (20
até 1872), Principles of
Geology foi o mais influente
trabalho geológico do século
XIX.

“Nós coletamos os dados e


Lyell nos ensina o seu
significado”. (Darwin)
Princípio das relações entrecortantes de
corpos rochosos (Lyell): Uma intrusão ígnea
ou falha deve ser mais jovem do que as rochas
que intrudem ou deslocam.
Princípio das Inclusões (Lyell): Qualquer
rocha que contenha fragmentos de uma
rocha adjacente, deve ser mais nova que a
rocha adjacente.

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