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Aula 11

Para onde foi a duna que estava aqui?

Thais Baptista da Rocha


Jorge Soares Marques
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Meta

Mostrar as especificidades do trabalho eólico e seus resultados expres-


sos na morfologia da paisagem e na dinâmica dos ambientes costeiros.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. explicar como podem existir relevos de natureza eólica em


áreas costeiras;
2. identificar, no espaço costeiro, a presença e as características dos
relevos eólicos;
3. identificar e descrever os efeitos da interação dos processos eólicos
no contexto ambiental dos espaços costeiros.

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Geomorfologia Costeira

Um ambiente seco e frágil ao


lado de muita água

Quando o assunto são dunas, algumas pessoas logo se lembram


dos desertos e das histórias dramáticas dos que, com sede, procuram
água para sobreviver, no meio de um mar de areia seca. Outras têm
lembranças de que, nas áreas costeiras, ao lado de muita água, do mar e
de lagoas, já viram dunas.
Apesar desse contraste, de falta ou de fartura de água, há característi-
cas comuns nas duas áreas. Como não poderia deixar de ser: a presença
do vento, com seus processos de erosão e deposição, modelando formas
de relevos eólicos típicos, como as dunas.
Outro aspecto comum é relacionado aos sedimentos (areias e siltes),
que, ao se depositarem, permanecem como materiais secos e soltos,
não necessariamente estabilizados. Eles poderão ser remobilizados pelo
vento e também em praias e restingas de áreas costeiras por processos
marinhos. Essas possibilidades de mobilização e remobilização dos sedi-
mentos conferem a esses ambientes condições de grande instabilidade.
Você deve estar se lembrando de que, em aulas anteriores, foi cha-
mada a atenção para o grande crescimento da ocupação e utilização das
localidades costeiras, motivado pela expansão das áreas urbanas e das
atividades ligadas ao veraneio, ao lazer, ao turismo e aos esportes. Como
resultado, intervenções antrópicas têm sido responsáveis por muitas
ações que, por via de regra, produziram e estão produzindo degradações
ambientais em praias, restingas, lagoas, mangues e também em dunas.
As áreas de dunas são bastante valorizadas pela beleza que impri-
mem nas paisagens. Mesmo assim, nelas ocorrem ações como a retira-
da de areia para aterros e a remoção da vegetação por queima ou para
construções, além da passagem de veículos motorizados, o que causa
o revolvimento da areia. Todas essas ações trazem impactos negativos
para esse tipo de ambiente e para outros próximos, como lagoas, praias
e mangues. Isso porque, como será visto nesta aula, tais ocorrências po-
dem facilitar a mobilização de sedimentos pelo vento, iniciando ou ace-
lerando o deslocamento de dunas.
Não raro, também há riscos para a população, quando essas dunas,
induzidas por ações antrópicas, movimentam-se na direção de áreas ha-
bitadas, ameaçando-as de soterramento. Há registros de situações desse
tipo em áreas costeiras, como o ocorrido em Itaúnas (litoral norte do

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estado do Espírito Santo), onde as dunas invadiram a área urbana e


forçaram a transferência dos moradores para outro local. Entre a área
urbana e as dunas, existia uma mata que barrava o avanço da areia,
porém durante os anos de 1950 até 1970, ocorreu a retirada da vegeta-
ção, o que possibilitou a invasão da areia em direção às casas e outras
construções que constituíam o antigo núcleo urbano. Atualmente, com
a mobilidade das dunas, de tempos em tempos aparecem ruínas das
antigas construções (Figura 11.1).

Figura 11.1: Dunas em Itaúnas (ES). Sob essas dunas estão


as ruínas das casas e demais construções da antiga vila.
Eventualmente, a movimentação das dunas faz reaparecer
esses vestígios.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ita%C3%BAnas#mediaviewer/
File:Ita%C3%BAnas,_Esp%C3%ADrito_Santo,_Brasil.jpg

Processos eólicos nas áreas costeiras:


erosão, transporte e deposição

Os mecanismos de atuação dos ventos se apresentam de modo simi-


lar na geração de relevos em áreas continentais e costeiras. Em função
disso, torna-se necessário relembrar alguns conhecimentos já adquiri-
dos sobre a atuação do vento, pois, direta ou indiretamente, eles devem
ser associados às explicações sobre a criação e a caracterização dos rele-
vos eólicos costeiros.

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Geomorfologia Costeira

Erosão

Como foi visto na disciplina de Climatologia, o vento é o ar em mo-


vimento. Ele surge quando existe diferença de pressão (ou temperatura)
entre dois lugares. Seu movimento se dá de alta pressão (temperatura
baixa) para baixa pressão (temperatura alta) com uma força que é ex-
pressa pela sua velocidade.
Para a Geomorfologia, quando o vento sopra com certa energia, tem
condições de realizar o processo eólico na construção de relevos. Ele
gastará energia na erosão, obtendo e transportando sedimentos. Se sua
velocidade diminuir, perdendo energia, depositará os sedimentos que
estava transportando.
A ação erosiva do vento pode ser considerada menos intensa, quan-
do comparada com a da água corrente, pois como o ar é muito mais flui-
do do que a água, seu poder de impacto é muito menor. A água caindo
e batendo constantemente em uma rocha, mesmo sendo coesa e resis-
tente, pode quebrá-la; o vento não. Entretanto, se fluxos de ar e de água
estiverem transportando sedimentos, seus poderes de impacto aumen-
tam, assim como suas capacidades de atrito.
As capacidades de atrito da água e do ar são parecidas, ambas são pe-
quenas. Mas se a água e o ar estiverem transportando sedimentos, essa
capacidade aumenta. Haverá impacto e atrito quando o fluxo, tanto de
ar quanto de água (ambos com sedimentos), escorrer sobre uma super-
fície. Esse tipo de ação erosiva é chamado de abrasão, sendo similar ao
que ocorre quando uma lixa é passada sobre uma superfície. O impacto
e o atrito dos grãos de areia sobre as superfícies promovem o desgaste
de afloramentos rochosos, matacões e seixos.
A abrasão, quando realizada por água corrente com sedimentos, gera
polimentos, ou seja, os grãos de areia e a superfície das rochas tendem Picotes
Marcas produzidas
a ficar mais polidos, tornando-se mais lisos e brilhantes. Na abrasão eó- pelas batidas de um
lica, como não existe a água como lubrificante, os grãos de areia se cho- material sobre outro. São
semelhantes às marcas
cam entre si e com a superfície por onde passam, produzindo quebras e feitas por pequenas
picotes, tendendo a tornar foscas as superfícies dos materiais envolvidos. pedras quando atingem os
vidros de um carro. Cada
pedra deixará sua marca
O trabalho erosivo do vento será mais efetivo se encontrar pela fren- num ponto de quebra e,
te materiais soltos, como os existentes em praias ou sobre rochas já in- ao redor dele, linhas de
fissuras. Quanto mais
temperizadas, cujos fragmentos são removidos mais facilmente. Assim, marcas desse tipo, menos
polidas e mais foscas vão
grande parte da energia eólica também passa a ser utilizada para trans-
ficando as superfícies
portar esse material retirado, aumentando com isso o potencial abrasivo afetadas pelos impactos.

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desse fluxo de ar. Mais adiante, esse fluxo de ar, no contato com novas
superfícies de terreno, poderá voltar a erodir, gerando novos materiais,
de menor tamanho e peso, consequentemente mais fáceis de transportar.

Erosão produzindo materiais de tamanhos


diferentes? Como isso é possível?

Ao serrar ou lixar uma madeira, é produzido outro tipo de mate-


rial: a serragem. Se uma madeira sofrer fortes impactos, também
podem sair lascas dela. Nesses casos, a madeira, a serragem e as
lascas podem ser consideradas tipos de matérias diferentes, que
são iguais apenas em sua composição química.
Quando grãos de areia se batem ou se atritam em uma rocha,
geram fragmentos menores. Como os sedimentos são classifica-
dos por tamanho, quando os grãos de areia se partem, podem se
transformar em grãos classificados como silte, um material dife-
rente por ter tamanho granulométrico menor.

A abrasão, há algum tempo, era termo utilizado apenas para a erosão


marinha. Hoje é empregado para a erosão de qualquer processo em que
o atrito esteja presente. Seu uso para a erosão eólica acabou trazendo
Deflação certa confusão com o termo deflação.
Remoção de partículas
de silte, argila e areia de
A deflação ocorre mais facilmente nas áreas onde não há cobertura
uma determinada área da vegetal ou quando ela é bastante esparsa. A ausência ou participação
superfície do terreno, pela
ação erosiva do vento. pouco efetiva das raízes, caules e folhas favorece o desprendimento das
partículas pela ação eólica. Na chamada área de deflação, de onde estão
saindo sedimentos, a erosão vai se aprofundando, gradualmente, geran-
do depressões. Se alcançar o nível do lençol freático, pode resultar no
afloramento das águas, criando lagos e brejos nesses locais.
A retirada de sedimentos de uma área pelo vento depende, além da
presença da cobertura de vegetação, das condições de umidade de suas
superfícies. Isso significa que as partículas que compõem solos e sedi-
mentos, estando secas e soltas, sem umidade, são materiais ideais para

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Geomorfologia Costeira

a retirada e o transporte eólico. Superfícies úmidas inibem o transporte


eólico, uma vez que a água agrega os grãos dos sedimentos, dificultando
a ação do vento.
Essas constatações reafirmam as fortes relações existentes entre os
processos eólicos e as condições climáticas de uma dada região. Regiões
com pouca pluviosidade, caracterizadas com clima seco, são mais pro-
pensas à ação eólica e à formação de dunas.
Entretanto, nas regiões costeiras, mesmo sob um clima tropical úmi-
do, há trabalho eólico. Tal situação é explicada pelas próprias caracterís-
ticas desses locais e do material disponível. Nessas áreas, os sedimentos
arenosos mais recentes, e mesmo outros mais antigos, foram deposita-
dos formando terrenos topograficamente mais elevados, como as res-
tingas. Quando as porções superiores desses terrenos, que são porosos
e permeáveis, estão bem acima do nível do lençol freático local, elas
tendem a permanecer muito secas. Isso porque, quando ocorrem chu-
vas, as águas se infiltram rapidamente nesses sedimentos. Além disso,
a insolação direta e as altas temperaturas tropicais favorecem um forte
processo de evaporação, que também retira essas águas que molharam
os sedimentos.
Logo, nas restingas e no pós-praia, as condições ambientais de secu-
ra das dunas existem pelas características de seus terrenos e não pelas
condições climáticas. Como foi visto nas aulas sobre restingas e praias,
nesses ambientes secos, a colonização pela vegetação ocorre com espé-
cies adaptadas a essas condições, como cactáceas e bromélias. Nas du-
nas, a fixação da vegetação é mais difícil quando seus sedimentos são
mobilizados constantemente.

Transporte

A quantidade de material que o vento pode carregar depende de sua


velocidade, do tamanho das partículas de sedimentos, das condições de
cobertura vegetal do solo e da umidade da superfície da área onde ele
está atuando.
Quanto maior a velocidade do vento, maior será sua capacidade de
erosão e de transporte. A proximidade do vento com o relevo da super-
fície tende a diminuir sua velocidade e fazer com que se desloque em
rajadas. Essas condições existem devido ao atrito e à presença de obstá-
culos, como a vegetação e as edificações, que freiam seu deslocamento.

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Em altitude, o vento está mais livre de atritos, logo, sua velocidade tende
a aumentar, tornando-se constante a partir de uma determinada altura.
O vento trabalhando num determinado local retira e transporta
grãos de sedimentos cujo peso (tamanho) é compatível com sua inten-
sidade (energia/força). As partículas mais finas, menores do que 0,125
mm de diâmetro, podem ser transportadas por ventos muito fracos,
como uma simples brisa. Dependendo da intensidade do vento, essas
partículas podem ficar suspensas por longos períodos e serem transpor-
tadas por grandes distâncias. Esse material, comumente formado por
argila, silte e areia muito fina, representa, relativamente, a maior parcela
do volume de material transportado pelo processo eólico.
As partículas com diâmetro entre 0,125 e 2 mm, englobando areia
fina e grossa, sofrem menor deslocamento. A colisão de grãos transpor-
tados na superfície do terreno causa um deslocamento secundário por
meio de pequenos saltos. Esse tipo de transporte é chamado de saltação.
Já as maiores, de 0,5 mm, como areia muito grossa, grânulos e seixos,
são pouco significativas em termos de material transportado, necessitan-
do de ventos muito fortes para promover seu deslocamento. Nesse caso,
a forma de transporte se dá por rolamento ou arrasto, podendo causar
fragmentação e desgaste das demais partículas e da superfície do terreno.

Deposição

No momento em que o vento vai diminuindo sua intensidade, ele


começa a perder o material que está transportando e passa a agir como
um agente deposicional. A acumulação de materiais ocorre preferen-
cialmente em locais onde existam obstáculos ou barreiras fixas a sua
passagem. As dunas são formas de acumulação de sedimentos produzi-
das pelos ventos, podendo ser fixas ou móveis.
Principalmente no processo de deposição, o trabalho do vento é
muito seletivo. Os primeiros sedimentos a serem liberados dos fluxos de
transporte são os de talhe mais grosso (mais pesados). Os demais (me-
nos pesados) vão sendo depositados mais adiante, ao longo do trajeto,
sendo que os mais finos alcançarão posições mais distantes.
Por isso, conforme definido pela Climatologia, os ventos formadores
de dunas são aqueles chamados de predominantes, ou seja, os que apre-
sentam, no local de sua atuação, um comportamento mais constante em
suas frequências, durações, intensidades e direções de atuação.

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Geomorfologia Costeira

Forma

Como já definido, as dunas são acumulações de sedimentos, sen-


do as mais conhecidas as de areia, que predominam nas áreas costei-
ras. Esse tipo de duna se forma na direção preferencial do vento e pode
atingir poucos metros ou até centenas de metros de altura. Com areia e
vento suficientes, e a presença de obstáculos, como rochas ou vegetação,
pode-se iniciar a acumulação de sedimentos para a formação de uma
duna. Os obstáculos tendem a frear a velocidade do vento, fazendo com
que os grãos se depositem a seu redor. Caso o vento continue a soprar na
mesma direção, de forma constante e com areia suficiente, o montículo
poderá se tornar uma duna.
Perfis feitos em dunas mostram que elas têm uma forma assimétrica,
isto é, o formato de sua parte frontal, face barlavento, é diferente de seu Barlavento
reverso, face sotavento. A parte frontal tem inclinação mais baixa (até Posição ou lado de onde
vem o vento.
15°). Já seu reverso, protegido do vento, tem face mais íngreme (entre
20° e 35°). Sotavento
Posição ou lado para onde
Essa assimetria é resultado do modo como a areia se acumula vai o vento.
(Figura 11.2). De um lado (barlavento) o vento vai formando
uma pequena rampa, com acúmulo de sedimentos à frente de um
obstáculo inicial. Quando os sedimentos alcançam o nível mais alto do
obstáculo, não havendo mais rampa para eles prosseguirem, eles caem
do outro lado. A partir desse momento, os sedimentos começam a se
empilhar a sotavento, formando uma rampa mais íngreme, até criar
um prolongamento da rampa de barlavento. O processo se reproduz,
sucessivamente, ampliando o comprimento e a altura da duna. Cabe
lembrar que uma pilha de areia só aumentará de altura se sua base
também crescer.

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Thais B. da Rocha
Figura 11.2: Morfologia assimétrica e migração das dunas. As linhas ponti-
lhadas no terceiro desenho mostram as posições de uma duna que se movi-
mentou: na face barlavento, a erosão cortou a estrutura sedimentar preexis-
tente e na sotavento, a deposição acrescentou nova estrutura. Na barlavento
ficam os sedimentos mais antigos e a sotavento, os mais recentes.

Pelo fato de não chegarem novos sedimentos para a rampa de barla-


vento, ela poderá sofrer erosão, o que levará seus sedimentos para sota-
vento e assim, ao se repetir o processo, sucessivamente, a duna diminui-
rá de um lado e crescerá do outro, ou seja, se movimentará.
Quando um depósito sedimentar é constituído, além do tipo de ma-
terial que ele vai adquirindo, há a criação de uma estrutura, que é o
resultado do modo como as camadas de sedimentos foram depositadas.
Cada tipo de forma tem suas estruturas típicas. A Figura 11.2 reproduz
uma estrutura de duna com suas camadas internas. Quando uma duna
migra, em sua estrutura haverá novos elementos incorporados, como o
plano de erosão, mostrado no terceiro desenho da Figura 11.2, cortan-
do as camadas de sedimento e os novos depósitos de sotavento.

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Geomorfologia Costeira

Atividade 1

Atende ao objetivo 1

1. Que condições existem na área costeira que facilitam o aparecimento


de dunas e quais as que restringem esse trabalho?

2. Por que se formam depressões em áreas de deflação?

Resposta comentada

1. Para existirem dunas, destacam-se: (a) a necessidade da presença


no local de ventos predominantes, ou seja, aqueles que tenham carac-
terísticas mais constantes de ocorrência, definidas principalmente por
sua direção, intensidade e frequência; (b) a existência de depósitos sedi-
mentares, principalmente com materiais secos e soltos, como os encon-
trados nos ambientes de praias e restingas. Quanto às restrições, relacio-
nam-se: (a) a presença de água e vegetação que permaneçam agregando
principalmente os materiais, grãos de areia e silte, por exemplo, que
constituem os depósitos sedimentares na zona costeira; (b) a existência
de obstáculos, como vegetação e edificações, que impeçam o vento de
obter sedimentos para retirar e transportar.

2. As depressões são formadas porque as áreas de deflação são locais


de retirada de sedimentos, ou seja, são áreas de erosão. Nessas áreas, o
trabalho do vento consegue retirar tanto o material solto quanto os que
estão agregados a uma rocha. Nas áreas costeiras, as zonas de deflação

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se estabelecem em praias, restingas e no interior da própria área onde


existem dunas.

O papel das praias como fonte sedimentar


no desenvolvimento de dunas costeiras

A interação de diferentes processos geomorfológicos é assunto que


vem sendo discutido desde a primeira aula. Para se entender como é
possível a existência de dunas na área costeira, é necessário saber onde e
como interagem os processos marinhos e eólicos.
Especificamente na zona costeira, as praias são consideradas lugares
importantes na disponibilização de sedimentos a serem utilizados na
construção de feições eólicas. Conforme mostra a Figura 11.3, há uma
mobilização de sedimentos em dois sentidos entre a zona submarina, a
praia e as dunas.

Figura 11.3: Sentidos de troca de sedimentos entre a zona submarina, a


praia e as dunas, a partir da ação das ondas e do vento.

As ondas trazem areias para as praias, e os ventos, que vêm do mar


para terra, remobilizam e transportam os grãos mais finos desses sedi-
mentos em direção ao continente. A partir do pós-praia para o interior,
a vegetação pioneira pode colonizar as dunas incipientes, auxiliando seu
desenvolvimento com a contínua retenção de grãos de areia. Quando as

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Geomorfologia Costeira

dunas estão fixadas pela vegetação, passam a ser denominadas dunas


frontais estabilizadas. Quando a vegetação não consegue se fixar e as du-
nas passam a migrar em direção ao continente, formam-se as chamadas
dunas transgressivas.
Em eventos de ressacas, nos quais a energia das ondas aumenta,
ações de erosão podem chegar até as dunas, levando de volta esses se-
dimentos para a zona submarina, formando bancos de areia. Em con-
dições de tempo bom, o trânsito dos sedimentos do mar para as dunas
tenderá novamente a acontecer.
Esse movimento bidirecional de troca de sedimentos permite enten-
der que as dunas têm um importante papel para as áreas costeiras. Elas
protegem o litoral da erosão provocada pelas ondas e permitem que a
praia seja reconstruída após ser erodida.
Em abril de 2010, uma forte ressaca atingiu a costa fluminense com
altura de ondas que chegaram a 4,0 metros. No arco de praia entre Cabo
Frio e Arraial do Cabo, o trecho da praia do Forte sofreu os piores danos,
com a destruição parcial do calçadão, quiosques e abrigos de salvamar
(Figura 11.4). Justamente nesse local, existiam campos de dunas que
foram suprimidos durante o processo de urbanização da orla, realizada
há algumas décadas passadas, tornando esse trecho mais vulnerável à
ação das ondas.
Thais B. da Rocha

Figura 11.4: Praia do Forte, Cabo Frio (RJ). Efeitos da ressaca na praia, no
ano de 2010. Observe que as dunas estão ausentes no trecho mais impacta-
do, enquanto ao fundo aparecem preservadas.

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Apesar de a praia ter um importante papel na formação das dunas,


nem todas as praias apresentam condições favoráveis a sua formação.
As principais variáveis que influenciam a interação praia-duna são a de-
clividade da praia, a granulometria dos sedimentos e a largura da praia
(SHORT; HESP, 1982).
• Declividade da praia: quanto mais suave a declividade da praia, me-
nor será a perturbação na velocidade do fluxo de ventos e mais efi-
ciente será o trabalho eólico no transporte de sedimentos.
• Granulometria: apesar de as praias poderem ser compostas de ta-
manhos de grãos distintos, de silte a seixos, os grãos de areia fina à
muita fina são ideais para serem transportados pelo vento.
• Largura da praia: quanto maior a largura da praia, maior é a área
(pista) disponível para a retirada dos sedimentos pelo vento e, con-
sequentemente, maior será o volume de sedimentos disponíveis para
formar as dunas.
Como visto nas aulas sobre as praias, estas podem ser agrupadas em
estados morfodinâmicos de acordo com suas características granulomé-
tricas, hidrodinâmicas e morfológicas, podendo ser dissipativas, refleti-
vas e intermediárias. Considerando as características ideais para a for-
mação das dunas, as praias dissipativas oferecem as melhores condições
para o retrabalhamento eólico.
Esse tipo de praia ameniza a alta energia de suas ondas incidentes de-
vido à larga e dinâmica zona de surfe, construída pelas próprias ondas,
apresentando, consequentemente, uma declividade praial suave, extensa
e estável, formada de sedimentos finos a muito finos. Em praias desse
tipo, o potencial do trabalho eólico é ampliado, favorecendo o aumento
da dimensão das dunas, com tendência à formação de dunas transgres-
sivas ou dunas frontais bem desenvolvidas.
As praias refletivas possuem ondas cuja energia aplicada é capaz de
retirar seus sedimentos, bem como os da zona submarina contígua, e
transportá-los para áreas marinhas mais distantes e profundas. Em con-
sequência, apresentam zona de surfe mínima, zona submarina adjacen-
te à praia com pouco estoque sedimentar, declividade praial elevada,
sedimentos mais grossos e praia subaérea de pequena largura. Sendo as-
sim, essa tipologia de praia tem formação de dunas limitada ou ausente.
As praias intermediárias possuem energia de ondas moderada a alta,
zona de surfe bastante complexa e intensa mobilidade no perfil de praia.

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Geomorfologia Costeira

Nesse caso, o potencial de transporte eólico dependerá da disponibili-


dade de sedimentos na zona submarina e das características morfoló-
gicas da praia. São mais comuns, nesse estado morfodinâmico, dunas
frontais moderadamente estáveis.

Atividade 2

Atende o objetivo 2

1. Como as areias das dunas podem voltar para áreas submersas?

2. Em que tipo de praia se encontram as melhores condições para o


aparecimento e o desenvolvimento de dunas? Justifique sua resposta.

Resposta comentada

1. Pela erosão provocada pelas ondas, o mar avança sobre as dunas re-
tirando areia para a parte submersa da praia. Isso pode ocorrer durante
períodos em que chegam à praia ondas de maior porte, normalmente
associadas às situações de tempestades. No sul e sudeste do Brasil, essas
ocorrências (as ressacas) se associam ao avanço das frentes frias.

2. As melhores condições ocorrem nas praias dissipativas porque elas


apresentam características favoráveis ao trabalho do vento para a for-
mação de dunas. Esse tipo de praia recebe mais sedimentos finos trazi-
dos pelas ondas, por isso tem declividades pequenas, é mais rasa e larga,
portanto, com maiores superfícies expostas ao trabalho eólico.

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Dunas costeiras: formação,


desenvolvimento e tipologias

As dunas costeiras podem ser agrupadas em dunas primárias e se-


cundárias (HESP; WALKER, 2013). As primárias se formam a partir do
fornecimento direto de sedimentos oriundos da praia, são mais próxi-
mas à linha da costa e são diretamente influenciadas pela ação das on-
das. A duna frontal é a tipologia mais representativa desse grupo.
As dunas secundárias são resultado da subsequente modificação das
dunas primárias pelo contínuo processo eólico. As principais tipologias
são os cortes eólicos (blowouts), dunas parabólicas, dunas barcanas e
dunas transgressivas.

Dunas frontais

São acumulações paralelas à linha da costa desenvolvidas no setor


de pós-praia. A zona submarina e a praia apresentam o papel de fontes
de sedimentos, que são remobilizados pelos ventos, criando depósitos
estabilizados pela vegetação. Podem ser de três tipos: dunas frontais in-
cipientes, dunas frontais estabilizadas e dunas frontais reliquiares.
A duna formada no início do processo de criação de uma duna fron-
tal recebe o nome de duna frontal incipiente. Nessa fase, os sedimentos
são gradualmente depositados no pós-praia, acima da linha de maré
alta, a partir da presença da vegetação que reduz a velocidade do vento.
Nesse momento, elas são caracterizadas com uma topografia bem suave,
com altura e largura bem reduzidas e vegetação rasteira e esparsa, como
as espécies Ipomoea pes-caprae e Spinifex (Figura 11.5).

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Geomorfologia Costeira

Thaís B. da Rocha
Figura 11.5: Dunas frontais incipientes e estabilizadas na parte norte da praia
do Peró, em Cabo Frio (RJ). Note a colonização da espécie Ipomoeapes-ca-
prae nas dunas incipientes.

Dunas desse tipo podem ter feições efêmeras, ou seja, elas tendem
a ser erodidas parcialmente ou completamente devido aos efeitos de
ressaca, em um intervalo de tempo entre meses e anos. Caso se mante-
nham preservadas e a largura da praia aumente, torna-se cada vez mais
difícil o alcance da maré e das ondas nas dunas incipientes. Com menos
salinidade no pós-praia, a vegetação torna-se mais desenvolvida e passa
a reter cada vez mais sedimentos.
A face sotavento da duna frontal, voltada para o continente, é nor-
malmente colonizada por espécies mais arbustivas, o que contribui para
sua estabilização. Os sedimentos tendem a se depositar na face barla-
vento e na crista da duna. Por sua vez, gradualmente ela vai tornando-
-se mais larga e alta, passando a ser caracterizar como dunas frontais
estabilizadas (Figura 11.6).

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Thaís B. da Rocha
Figura 11.6: Dunas frontais estabilizadas na parte central da praia do Peró
(Cabo Frio, RJ). Note que essas dunas são mais altas e largas. Nesse setor,
não há presença de dunas incipientes.

As dunas frontais tendem a ser mais desenvolvidas em praias dis-


sipativas devido às altas taxas de transporte sedimentar, mas outros
fatores também influenciam sua morfologia, como as taxas de progra-
dação da praia. Quanto mais alta é a taxa de suprimento sedimentar
oriunda da praia, maiores as chances das dunas incipientes tornarem-se
dunas estabilizadas.
Com a progradação da praia e consequentemente do pós-praia, uma
nova série de dunas incipientes tende a aparecer gerando uma nova se-
quência de dunas. O resultado é a formação de um campo de dunas
frontais com largura extensa, porém altura mais reduzida. Com o tem-
po, uma sucessão de dunas frontais pode ser desenvolvida e, nesse caso,
algumas acabam ficando em uma posição geográfica mais interiorizada
e isolada da fonte direta de suprimento sedimentar, isto é, a praia. Nesse
momento, essas dunas frontais mais antigas passam a ser caracterizadas
como dunas frontais reliquiares (Figura 11.7).

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Geomorfologia Costeira

Figura 11.7: Dunas frontais incipientes, estabilizadas e reliquiares na planície


de Warnbro, oeste da Austrália.
Fonte: Google Earth

Uma planície costeira pode ser formada por dezenas ou até cente-
nas de dunas frontais reliquiares. Esse tipo de duna marca antigas po-
sições de linha de costa ou paleolinhas de praia. Essas feições são im-
portantes para auxiliar a reconstrução de uma planície costeira durante
o Quaternário.

Cortes eólicos (blowouts)

Apesar de as dunas serem caracterizadas como feições deposicionais,


elas podem possuir feições erosivas causadas pela ação do vento na for-
ma de cava ou depressão, conhecidas como cortes eólicos (blowouts).
Os cortes eólicos geralmente são iniciados a partir de eventos que
causam a supressão da vegetação nas dunas, o que facilita a ação erosiva
causada pelo vento. Em caso de ressacas, a ação das ondas pode destruir
a vegetação e retirar partes das dunas, que sofrerão também os efeitos
das fortes rajadas de vento, que costumam ocorrer nessas situações.
Outro fator que pode explicar o desenvolvimento desses cortes ero-
sivos são alterações climáticas, que podem favorecer aumento da aridez.
Nesse caso, o clima mais árido pode inibir a fixação das dunas pela vege-
tação e/ou aumentar a intensidade dos ventos trazendo erosão para elas.

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As atividades antrópicas também podem ser responsáveis pelo de-


senvolvimento dos cortes eólicos. Por exemplo, atividades recreacio-
nais, como passeios com automóveis ou motocicletas, e a consequente
abertura para passagens de trânsito e até mesmo de acesso para banhis-
tas que buscam a praia tendem a fragilizar a vegetação, podendo resultar
em sua supressão.
Na praia de Tucuns, no município de Búzios (RJ), cortes eólicos
foram mapeados no topo da duna frontal, associados a passagens de
motocicletas (Figura 11.8 e 11.9). O acesso criado para essa ativida-
de foi responsável pela supressão da vegetação e a formação das de-
pressões erosivas. Com o tempo, essas feições podem deixar instáveis
as dunas frontais, transformando-as em outros tipos de dunas, como
as parabólicas.

Figura 11.8: Representação tridimensional do sistema praia-duna na praia


de Tucuns (Búzios, RJ) e corte eólico associado à atividade antrópica.
Fonte: Bittencourt et al. (2013).

378
Geomorfologia Costeira

Thaís B. da Rocha
Figura 11.9: (A) Desenvolvimento de feições erosivas nas dunas frontais na
forma de blowout e fácies de avalanche, indicando migração pela supressão
da vegetação. (B) Estrada localizada sobre o topo da duna para passagem de
motocicletas.

Dunas parabólicas

Possuem uma geometria que ganha uma forma de U ou V, com a


convexidade voltada para sotavento, e seus pés, para barlavento. São
caracterizadas como semifixas, pois tendem a ter pés fixados pela ve-
getação, embora sua face de avalanche tenda a migrar pela ação eólica,
deixando rastros residuais. São tipicamente formadas a partir de cortes
eólicos, conforme mostra a Figura 11.10.

Figura 11.10: Dunas parabólicas na praia do Saco em Sergipe.


Fonte: Google Earth

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Dunas barcanas

Caracterizadas com uma forma de meia-lua, cujos pés (pontas)


apontam o sentido do vento. São associadas a ambientes de ventos
moderados e fornecimento de areia limitado. No Brasil, elas são mais
comuns também na zona costeira e aparecem soldadas umas às outras,
sendo mais conhecidas como barcanoides (Figura 11.11).

Figura 11.11: Campo de dunas móveis no delta do Parnaíba (MA). Destaque


para as dunas transgressivas próximas à linha de costa e as barcanoides mais
interiorizadas.
Fonte: Google Earth

Dunas transgressivas

São extensas feições eólicas formadas por ventos de mar para ter-
ra, que migram em direção ao continente, normalmente sem ou com
pouca vegetação (Figura 11.11). Também são conhecidas como dunas
móveis, cujas taxas de migração raramente excedem a 10 m/ano. Podem
soterrar outras feições preexistentes, como drenagens, lagoas, mangues
e brejos. Elas podem se desenvolver a partir do aumento das dimensões
de feições como blowouts e dunas parabólicas, associadas à remoção da
vegetação e consequente instabilidade delas, ou em locais com abun-
dante suprimento sedimentar e intensa ação eólica, que impede a vege-
tação de se fixar.
Esse tipo de duna pode apresentar centenas de metros de extensão
ou quilômetros de largura, estendendo-se para dentro do continente.
Sua morfologia pode assemelhar-se a um extenso lençol de areia, sem

380
Geomorfologia Costeira

feições eólicas definidas. No Brasil, as principais áreas de ocorrência


de campos de dunas transgressivas são a costa norte-nordeste, onde se
destacam os Lençóis Maranhenses; o litoral do Rio Grande do Norte; o
delta do São Francisco, entre Sergipe e Alagoas, e o extremo sul do Rio
Grande do Sul. Cabe destacar ainda a ocorrência no litoral de Cabo Frio,
no Rio de Janeiro (Figura 11.12).

Figura 11.12: Principais locais de ocorrência de campos de dunas trans-


gressivas na costa brasileira: (A) Maranhão; (B) Rio Grande do Norte; (C) Cabo
Frio (Rio de Janeiro); (D) Rio Grande do Sul; (E) delta do São Francisco (entre
Sergipe e Alagoas).
Fonte: Google Earth

A ocorrência localizada das dunas em Cabo Frio é explicada em par-


te pelas características da área, considerada um enclave climático com
características próximas ao semiárido. Pode chover até menos que 800
mm por ano, o que configura um clima bastante seco quando compa-
rado às demais áreas do estado do Rio de Janeiro, onde há níveis ele-
vados de precipitação. Essa característica é fundamental para deixar os
grãos de areia soltos, para serem remobilizados pelo vento constante, e
desenvolver as dunas. Além disso, a praia garante o aporte sedimentar
constante, por ser formada majoritariamente de areia fina a muita fina.
Em geral, os campos de dunas transgressivas na costa brasileira mi-
gram preferencialmente para o quadrante oeste, onde se destacam as
direções sudoeste (Maranhão, Cabo Frio), noroeste (Rio Grande do
Norte) e oeste (delta do São Francisco). Esse arranjo está associado à
distribuição dos centros de alta pressão e, consequentemente, às massas
de ar e ventos que atuam no litoral brasileiro.

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Na costa norte-nordeste, atuam os alísios de nordeste, sudeste e leste-


-nordeste que estão relacionados respectivamente ao Anticiclone do Atlân-
tico Norte, ao Anticiclone do Atlântico Sul e à Massa Tropical Atlântica.
Já na costa sul do Brasil, os ventos mais intensos são de sul e sudoeste,
que estão relacionados à entrada das frentes frias. Apesar de os ventos
serem nessa direção e terem maior velocidade, as dunas transgressivas
migram para sul, associadas aos ventos mais frequentes de leste e nor-
deste do Anticiclone do Atlântico Sul e Anticiclone Migratório Polar.
Ainda que os ventos de sul sejam intensos, eles estão associados a
passagens de frentes frias, o que faz com que tragam consigo elevados
índices de pluviosidade. Isso torna as areias úmidas e coesas, impossi-
bilitando o transporte eólico. Por essa razão, as dunas transgressivas do
extremo sul do Brasil migram em sentido diferente dos demais campos
de dunas das áreas costeiras.

Atividade 3

Atende ao objetivo 2

Estabeleça as relações entre os tipos de dunas e suas características:


a) Parabólicas (  ) são paralelas à linha da costa.
b) Frontais estabilizadas (  ) deixam rastros residuais.
c) Barcanas ( ) soterram lagoas.
d) Frontais (  ) são em formato de meia-lua.
e) Cortes eólicos (  ) apresentam vegetação arbustiva.
f) Transgressivas (  ) são formados pela ação de erosão.

Resposta comentada
A sequência correta é d-a-f-c-b-e. As dunas possuem características
de forma, posição e dinâmica. As barcanas têm formas que se parecem
com meias-luas. As frontais sempre se estabelecem paralelamente à li-
nha do litoral. Sob o ponto de vista da dinâmica, algumas são fixadas
pela vegetação, como as frontais, outras deixam rastros de sua passagem
como as parabólicas e, ainda, outras se projetam sobre outros ambientes
como frequentemente fazem as transversais. Outro aspecto curioso é o

382
Geomorfologia Costeira

aparecimento de cortes eólicos, que são feições de erosão dentro de uma


forma de deposição.

Dunas inativas ou paleodunas e os


registros de climas pretéritos

Conforme já destacado, a vegetação tem um importante papel no de-


senvolvimento das dunas. Quando o clima torna-se mais árido, a vege-
tação pode ser suprimida, e as dunas podem ficar instáveis, tornando-se
móveis. Logo, um campo de dunas pode preservar sequências de dunas
que guardam registros importantes dos climas pretéritos.
O tempo do Quaternário, vinculado aos últimos dois milhões de
anos, é caracterizado pelas mudanças climáticas correspondentes aos
períodos glaciais e interglaciais. Nos glaciais, houve expansão das gelei-
ras e diminuição do nível do mar; nos interglaciais, com temperaturas
mais altas, houve retração das geleiras e aumento do nível do mar. Além
dessas mudanças, uma série de oscilações secundárias teria ocorrido
nesse período.
As reconstruções paleoclimáticas do Quaternário podem ser feitas a
partir do estudo de dunas inativas ou paleodunas. Quanto mais antigas
as dunas, mais elas tendem a ter sua forma original alterada, pois, ao Processos
longo do tempo, são submetidas a processos pedogenéticos e a mo- pedogenéticos
dificações produzidas por ações de animais e plantas. Processos formadores
dos solos que sustentam
No Rio Grande do Norte, diversas gerações de dunas costeiras coe- a vida no planeta. A
superfície da terra pode
xistem na paisagem, podendo ser diferenciadas pela cor, textura e idade ser constituída por rocha
que aflora, por material
de seus sedimentos. Datações obtidas dão conta que as mais antigas, pa- rochoso intemperizado ou
leodunas, possuem idades em torno de 390.000 anos. Durante o Quater- por solo.

nário, essas paleodunas teriam sido geradas tanto em situação de dimi-


nuição do nível do mar quanto de seu aumento (GIANNINI et al., 2005).
A área costeira do Maranhão, por exemplo, possui um dos maiores
campos de dunas móveis do Brasil, os Lençóis Maranhenses, e também
um dos maiores campos de dunas inativas, com cerca de 16.000 km².
Conforme visto na Figura 11.13, na retaguarda do campo de dunas
móveis, localiza-se um campo de dunas inativo, coberto por densa ve-
getação, cuja formação é datada entre 19.000 e 14.000 anos. Para esse
período, existem registros de um evento climático caracterizado pela

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diminuição dos ventos alísios e aumento da precipitação, o que levou ao


pleno desenvolvimento da vegetação e à estabilização das dunas (GUE-
DES et al., 2011).

Figura 11.13: Dunas móveis (Lençóis Maranhenses) e dunas ina-


tivas na costa do Maranhão.
Fonte: Google Earth

Dunas costeiras e ocupação: uma relação difícil

As dunas costeiras são feições importantes na dinâmica das praias,


constituindo uma relação mútua em termos de balanço sedimentar. Sua
preservação deve ser considerada crucial, principalmente no caso das
dunas frontais, pois elas possuem importância ímpar na proteção à ação
das ondas, na recuperação das praias frente aos eventos de ressaca e na
prevenção à erosão costeira. Contudo, por estarem muito próximas às
praias, as dunas frequentemente são alvos de projetos de ocupação tu-
rística ou de adensamento urbano.
O que se verifica é que, apesar de as dunas serem consideradas áreas
de preservação permanente, sua preservação, frequentemente, é posta
em risco pela falta de ação do poder público em fiscalizar e fazer cum-
prir as leis que as protegem. Dois exemplos recentes são as dunas costei-
ras dos municípios de Búzios e Cabo Frio, que são alvos da pressão de
empreendimentos turísticos. Segundo Pereira et al. (2010), a construção

384
Geomorfologia Costeira

do resort na praia de Tucuns, em Búzios, foi responsável pela supres-


são de quase 20% do total das dunas dessa enseada. Atualmente, outro
resort encontra-se em processo de licenciamento ambiental na planície
do Peró, apesar de as dunas estarem na Área de Preservação Ambiental
Pau-Brasil (Figura 11.14).

Figura 11.14: Dunas alteradas ou suprimidas para o início das


construções do resort e de loteamentos na planície do Peró,
Cabo Frio (RJ).
Fonte: Google Earth

Infelizmente, algumas vezes o poder público entende como dunas


apenas as móveis e as fixas com formas bem definidas, autorizando a
ocupação em dunas vegetadas ou em planícies de deflação.
Os empreendedores tendem a considerar as áreas de deflação, devi-
do a seu aspecto, como locais degradados, que não fazem parte do am-
biente de dunas. Entretanto, essas áreas funcionam como um corredor
eólico de transporte de sedimentos para os campos de dunas, possuindo
um papel tão importante quanto as próprias dunas.
Outra situação difícil em termos de ocupação é o avanço das dunas
transgressivas sobre edificações, estradas e, às vezes, cidades inteiras,
fato ocorrido em Itaúnas (ES), conforme mencionado no início da aula.
Em Cabo Frio, uma estrada que dá acesso à cidade foi construída sobre
a planície de deflação, na qual ocorre uma intensa migração de dunas

385
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barcanoides. Frequentemente é necessário retirar os sedimentos de du-


nas que avançam sobre a estrada para permitir a passagem dos veículos,
o que contribui para a alteração da dinâmica natural dos campos de
dunas (Figura 11.15).

Figura 11.15: Corredor de migração das dunas interrompido de-


vido ao traçado da estrada e residências muito próximas à praia,
que sofrem com a migração das dunas.
Fonte: Google Earth

Segundo Giannini et al. (2005), os conflitos entre atividades antrópi-


cas e a dinâmica dos campos de dunas constituem uma das mais com-
plexas questões ambientais do litoral brasileiro, sendo necessário pon-
derar a dinâmica dunar por meio de previsões em médio prazo.

Entendendo a ocupação das


dunas em Cabo Frio (RJ)

Para mais detalhes sobre o processo de ocupação das dunas do Peró,


acesse o link http://oglobo.globo.com/rio/para-proteger-dunas
-do-pero-inea-impoe-restricoes-obra-10697184.

386
Geomorfologia Costeira

Dunas costeiras e impactos decorrentes


das mudanças climáticas

Com o atual cenário das mudanças climáticas, as dunas costeiras


tendem a sofrer significativas alterações decorrentes das mudanças de
temperatura, precipitação, aumento da frequência de eventos de ressaca
e comportamento do nível do mar (DAVIDSON-ARNOTT, 2010).
Como foi visto nas aulas anteriores, as mudanças do nível do mar
têm repercussões imediatas como, por exemplo, a alteração da posi-
ção da linha do litoral. Tal fato implica necessários reajustes na ação
individual de cada processo atuante na área costeira, assim como em
suas interrelações.
Pelo que foi apresentado, efeitos podem ser esperados em todas as
zonas costeiras do planeta, tornando importante ampliar o conheci-
mento sobre cada tipo de ambiente. Portanto, também é preciso conhe-
cer melhor os papéis ativos e passivos das dunas na dinâmica ambiental
como um dos passos iniciais e necessários para saber enfrentar os desa-
fios tanto dos problemas atuais quanto futuros.

Observando as dunas e seu futuro

Segundo já comentado, as áreas costeiras com presença de dunas


frequentemente estão sofrendo impactos decorrentes da atividade
antrópica, com ocupações mal planejadas e atividades turísticas e
recreacionais sem fiscalização dos órgãos públicos.
Para promover a preservação das áreas litorâneas, é fundamental a
compreensão de como se formam as dunas e de como elas se compor-
tam e evoluem em uma planície costeira. É importante avaliar os fatores
que controlam essas feições, como a frequência e direção do vento, o
tipo de praia e o papel da vegetação. Tais fatores geram os diferentes
tipos de dunas primárias e secundárias.
Ao serem considerados pelo poder público, através da legislação,
como áreas de conservação, os ambientes de dunas ganharam o
reconhecimento de seus diversos valores. A presença e as formas
das dunas criam paisagens valorizadas, pela beleza, para práticas de
atividades de turismo. O nível de interação das dunas com outros
processos, particularmente com os existentes em praias e restingas,
permite que, no presente e também no futuro, elas possam servir para

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reequilibrar ambientes submetidos aos efeitos de processos erosivos, os


atuais e os previstos com a elevação futura do nível do mar.
Não menos importante é levar em conta que desequilíbrios provoca-
dos pela degradação de ações antrópicas em áreas de dunas podem criar
consequências também de degradação para outros ambientes costeiros,
inclusive para áreas habitadas.
A compreensão dos processos e da geomorfologia das dunas costei-
ras é necessária para auxiliar o planejamento e a implantação de uma
ocupação atual que respeite a dinâmica das dunas, reduzindo os riscos
presentes e futuros, tanto para o homem quanto para a natureza.

Atividade final

Atende ao objetivo 3

Digite “Cabo Frio, Rio de Janeiro” na janela de busca do Google Earth e


use o zoom até atingir uma boa visualização das feições eólicas existentes
no trecho do litoral de Cabo Frio, visto na imagem a seguir, e responda:

Figura 11.16
Fonte: Google Earth

388
Geomorfologia Costeira

1. Em que direção as dunas migram preferencialmente? Justifique


sua resposta.

2. Quais tipos de dunas podem ser identificadas na zona costeira e


próxima à praia? Justifique sua resposta.

3. Como você avalia o padrão de ocupação e o arranjo do campo de


dunas no local? Cite e justifique os possíveis problemas com a migração
das dunas.

4. Pesquise se, no local, existem áreas de proteção legal para as dunas


costeiras e diga quais são.

Resposta comentada

1. Tanto a forma da duna quanto a sua mobilidade obedecem a direção


do vento. Na imagem da área de Cabo Frio, cujo litoral tem a direção
predominante norte/sul, é possível identificar que a direção de migra-
ção das dunas é nordeste/sudoeste.

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2. Os dois maiores trechos da área costeira de Cabo Frio têm, na linha


do litoral, as praias do Peró e do Forte. Nos reversos dessas praias, po-
dem ser identificadas dunas frontais. Mais para o interior, nas planícies,
em ambas as praias, estão presentes dunas transgressivas. Dunas para-
bólicas e registros de seu movimento também são identificados, princi-
palmente, no trecho da praia do Forte. O trecho referenciado da praia
do Forte, além de apresentar a maior ocorrência e dimensão de dunas,
também permite a melhor identificação de barcanas.

3. A ocupação urbana é grande e ocorre, inclusive, sobre áreas de de-


flação e de dunas. Construções residenciais e loteamentos implantados
são os principais padrões de ocupação. Há sinais de trabalho de retirada
de vegetação e de mobilização do solo, e todas as áreas mostram de-
gradação ambiental. Existem estradas, ruas e caminhos passando pelo
interior de campos de dunas. Nota-se, na área mais urbanizada, a densa
presença de edificações junto às dunas frontais. Nesses locais, é possível
observar que existem construções e lotes situados na trajetória de des-
locamento de dunas móveis. Tal situação justifica admitir problemas de
risco ambiental, em futuro próximo, para a população já presente e para
outras que venham a se instalar no local.

4. Foi possível identificar na planície do Peró, onde ocorre a maior


concentração de dunas, o Parque Municipal das Dunas.

Resumo

O vento atua fazendo erosão, transporte e deposição de sedimentos,


destruindo e construindo relevos. Intensidade, frequência e direção são
suas principais características. Na erosão, o trabalho do vento ocorre
com o auxílio dos sedimentos que transporta, por ações de impacto e de
atrito. No local em que atua (área de deflação), ele retira e transporta os
sedimentos mais finos e deixa os mais grosseiros.
O vento é seletivo, ele trabalha com materiais cujos pesos (tamanhos)
estão diretamente relacionados a sua intensidade (velocidade). As for-
mas de relevo de deposição, como as dunas, são criadas quando o vento
perde energia. A vegetação e a presença de água, ao darem coesão aos
sedimentos, constituem fatores que limitam a atuação do vento. A pre-
sença de sedimentos soltos, como os de restinga e praias, quando secos

390
Geomorfologia Costeira

e acima do nível do lençol freático, favorece o trabalho dos ventos e o


aparecimento de dunas no ambiente.
As praias são ambientes importantes para a criação e o desenvolvimento
de dunas, e as características de cada uma influenciam esses processos.
As praias em estado mais dissipativo são as que oferecem melhores con-
dições para o aparecimento de dunas, ao contrário das refletivas. Isso
ocorre porque as praias dissipativas possuem grande disponibilidade de
sedimentos finos, apresentam baixa declividade e são mais largas. Tudo
isso favorece a ação do vento.
Nesta aula, foram descritos os principais tipos de dunas com suas for-
mas, características e dinâmicas. Dunas frontais, transgressivas, bar-
canas e parabólicas têm suas formas relacionadas ao tipo de material
disponível, à presença da vegetação e às condições climáticas locais,
principalmente ao modo mais constante de atuação do vento. Caracte-
rísticas das dunas são relacionadas aos valores de frequência, intensida-
de e direção de atuação dos ventos.
Foi destacado que, além das dunas atuais, existem campos de dunas
antigas que podem guardar registros que permitem reconstituições de
condições paleoambientais. Esse tipo de trabalho possibilita conhecer
melhor o papel desses terrenos na evolução da paisagem, assim como
sua importância para a caracterização do ambiente atual.
Assim como os demais ambientes costeiros, as dunas têm constituição
frágil e, por isso, são passíveis de sentir os efeitos das mudanças climá-
ticas e da variação do nível do mar. Em função de suas características
e interação com os ambientes de praias e restingas, elas desempenham
um papel importante para a proteção das áreas litorâneas. Em eventos
atuais de erosão nesses locais, as dunas se constituem em fontes fornece-
doras de sedimentos, que tendem a reequilibrar o ambiente.
Os conflitos existentes entre as atividades antrópicas e a dinâmica dos
campos de dunas é uma das mais complexas questões ambientais do
litoral brasileiro. A ocupação desordenada, ao longo do tempo, tem
contribuído para a degradação dos ambientes costeiros. Com a criação
de unidades de conservação ambiental, eles passaram a merecer mais
atenção e proteção do poder público. Ainda assim, áreas de dunas de-
gradadas e ambientes eólicos de erosão, próximas de locais valorizados,
atraem interessados, que pressionam o poder público, para que se possa
utilizar esses locais em projetos de ocupações residencial e turística.

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Aula 11  •  Para onde foi a duna que estava aqui?
Aula 11  •  
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Nesta aula, foi possível entender que a presença das dunas valoriza, por
sua beleza, a paisagem e oferece contribuições positivas para o equilí-
brio ambiental das áreas costeiras. Entretanto, ações antrópicas, como a
retirada de vegetação, podem propiciar ou aumentar a mobilidade das
dunas, criando riscos ambientais para populações que se estabelecem
junto a esses locais. Riscos similares também devem ser considerados e
previstos para o futuro, levando em conta as questões relativas às mu-
danças climáticas, que poderão alterar as características do vento e da
umidade de áreas costeiras.
A partir do que foi abordado na aula, pode-se dizer que o conhecimento
dos ambientes de dunas e de suas dinâmicas é de grande importância
tanto para sua conservação quanto para a compreensão dos limites de
uso dessas áreas.

Informações sobre a próxima aula

Os assuntos a serem abordados em nossa próxima aula são estuários


e deltas.

Referências

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