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Aula 5

É possível ver e sentir os efeitos das


correntes marinhas no litoral?

Luiz Saavedra Baptista Filho


Jorge Soares Marques
Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Meta

Caracterizar as correntes marinhas e mostrar sua presença e suas intera-


ções na formação e dinâmica dos ambientes costeiros.

Objetivos

Esperamos que, ao final dessa aula, você seja capaz de:


1. explicar os mecanismos que propiciam a ocorrência das correntes
marinhas no planeta;
2. identificar que existe variabilidade na ocorrência das correntes;
3. explicar como atuam as correntes marinhas e como elas interagem
com outros processos geomorfológicos.

Pré-requisito

Para ter um melhor aproveitamento desta aula, é importante você re-


lembrar os fenômenos atmosféricos da matéria de Climatologia.

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Geomorfologia Costeira

Introdução

Certamente, já há muito tempo, você tem conhecimento de algumas


coisas relativas às correntes marinhas. Na infância, em suas primeiras
aulas de História do Brasil, você foi apresentado a elas e às calmarias,
na sempre evocada discussão sobre o acaso ou não do descobrimento
do país. Também na praia, no passado, como filho muito protegido, ou
agora, na posição de pai cuidadoso, não deve estar esquecendo a reco-
mendação sempre dada às crianças pequenas: pode ir, mas cuidado com
as ondas e as correntezas.

Figura 5.1: Perigo de correnteza na praia.

Possivelmente, ao estudar as correntes, você poderá entender melhor


porque elas são úteis para a navegação e como perceber se elas estão pre-
sentes em uma praia. Entretanto, não apenas para isso será necessário
o seu aprendizado. Em áreas de aplicação de conhecimentos que lidam
com os ambientes costeiros, aprender como essas correntes se formam,
como atuam e quais os seus efeitos é indispensável. Para a Geomorfo-
logia Costeira, não é diferente. Além de gerarem ações capazes de criar
relevos, as correntes também influenciam as condições climáticas das
áreas costeiras, que, por sua vez, acabam sendo responsáveis pelos mo-
dos de atuação dos processos geomorfológicos locais.
Assim, diretamente, as correntes, com sua capacidade de transporte
de sedimentos, podem promover ou auxiliar a retirada de sedimentos de

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um local que está tendo seu relevo modelado por erosão e colocá-los em
outro, onde está sendo criado um relevo por deposição. Ao levar, per-
manentemente ou temporariamente, águas mais frias ou mais quentes
para um litoral, estará contribuindo para imprimir nele suas influências.

Figura 5.2: A corrente de Humboldt, bordejando o litoral oeste da América


do Sul com suas águas muito frias, é conhecida por criar condições de alta
Piscosidade piscosidade no litoral do Peru e, também, por sua influência na presença de
áreas de clima seco, como a do deserto de Atacama, no Chile.
Local ou área onde
existe grande quantidade Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Corrente_de_Humboldt#mediaviewer/Ficheiro:Peru_
de peixes, atraindo e current.jpg
favorecendo a realização
de atividades de pesca.

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Geomorfologia Costeira

Mariordo
Figura 5.3: Praia de Pajuçara (AL). A corrente Norte do Brasil, com suas
águas quentes, bordeja o litoral nordestino. O clima tropical úmido da zona
costeira sofre a sua influência. Suas águas quentes, mesmo no inverno, ga-
rantem a frequência de banhistas às praias, fato que tem estimulado o turismo
na região.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paju%C3%A7ara_(Macei%C3%B3)#mediaviewer/
Ficheiro:Maceio02.jpg

Como será visto ao longo da aula, existem vários tipos de correntes


que se fazem presentes nos mares e oceanos. Elas ocupam diferentes
escalas geográficas representadas por espaços locais, regionais e plane-
tários. Elas podem atuar de forma permanente ou temporária, além de
ocorrer em diferentes escalas temporais, em intervalos variáveis ou em
intervalos constantes, como, por exemplo, horas, dias ou meses.
Não se deve esquecer, como já assinalado para marés e ondas, de que
correntes ocorrem em outros ambientes além dos marinhos. Isso impli-
ca reconhecer que os conhecimentos a serem adquiridos são passíveis
de serem empregados para rios, lagos e represas.
Em aulas anteriores, foi mencionado que algumas correntes estão di-
retamente relacionadas à existência de ondas e marés. Elas e as demais
serão vistas nesta aula.

Movimentos das águas dos oceanos

Os movimentos da água dos oceanos são muito diversificados e deri-


vam de variações induzidas por agentes internos e externos.
Os internos dizem respeito às próprias características físicas e quími-
cas da água, como sua composição, temperatura, salinidade e densidade.

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É necessária bastante atenção para entender por que as densi-


dades poderão mudar de valor. Para isso, basta que, por alguma
causa, a substância mude de peso, de volume ou de ambos. A di-
minuição do peso e/ou o aumento de volume da substância ou
objeto fazem o valor de sua densidade diminuir. Caso contrário,
o valor da densidade aumenta.

Os agentes externos vinculam-se principalmente ao comportamen-


to dos astros, dos movimentos de rotação e translação da Terra, da
pressão atmosférica e dos ventos. Nas aulas anteriores, foram apresen-
tadas as características desses agentes e a forma como eles atuam na
formação de ondas e marés. Porém, falta ainda compreender como se
estabelecem e como variam as densidades das águas dos oceanos. Essas
variações dependem das temperaturas, salinidades e pressões/profun-
didades presentes na água.
O estudo dessas correntes marinhas é do domínio da Oceanografia
Física Dinâmica. Elas influenciam diretamente a distribuição das pro-
priedades físico-químicas da água do mar, suas interações com proces-
sos geológicos/geomorfológicos, como erosão, transporte e sedimenta-
ção na área costeira, assim como processos biológicos que propiciam a
distribuição dos seres vivos em qualidade e em quantidade, tornando
este estudo de grande interesse para outras áreas, tais como Biologia,
Ecologia, Geografia e Geologia.

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Geomorfologia Costeira

Temperatura (T)

Nos oceanos, a densidade das águas e suas mudanças estão relacio-


nadas preponderantemente à temperatura, cujo valor, maior ou menor,
depende dos ângulos de incidência dos raios provindos do Sol.
Na superfície do planeta, tanto no continente quanto no mar, a tem-
peratura diária de um lugar também está relacionada ao aquecimento
produzido pelos raios luminosos vindos do Sol que, ao atingirem a Ter-
ra, transformam-se em energia calorífica.
Do Sol são lançados em direção à Terra raios luminosos que aqui
chegam de forma paralela. As áreas entre os trópicos de Câncer e Capri-
córnio, onde se localiza a zona do Equador, recebem esses raios solares
ao longo do ano, desde uma posição vertical até, no máximo, um pouco
mais de 23° de inclinação. Esses raios solares para latitudes acima dos
trópicos chegam com inclinações superiores, portanto agregando a es-
ses lugares menor aquecimento.

Figura 5.4: Incidência dos raios solares na Terra.

Quando os raios solares chegam verticalmente a um local, concen-


tram maior energia luminosa por área e, consequentemente, produzem
um maior nível de aquecimento. Quando chegam obliquamente, a ener-
gia é mais dissipada e a absorção de calor por área diminui.

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Quando se aumenta a temperatura de um corpo, ele se aquece e


se expande, aumentando de volume e diminuindo de densidade.
Em situação contrária, ao resfriar-se, ele se contrai e sua densida-
de aumenta.
Uma experiência bem simples pode ser feita por você para ajudá-
-lo a entender como funciona essa concentração ou dissipação do
calor pelos raios solares.
Em casa, à noite, de posse de uma lanterna, apague a luz do cô-
modo onde você está. Acenda a lanterna e a leve, em posição per-
pendicular, para bem próximo da parede. Você irá ver na parede
um circulo com o seu interior fortemente iluminado. Depois, ao
ir gradativamente inclinando a lanterna, verá que a área ilumina-
da aumentará, porém a intensidade da luz em seu interior ficará
cada vez menor. Na primeira situação, haverá concentração da
luminosidade e, na segunda, dissipação.

Dessa energia luminosa, grande parte é absorvida pelas águas mais


superficiais como energia calorífica, aquecendo-as até cerca de 200 me-
tros de profundidade nas zonas equatoriais, onde os raios solares inci-
dem de forma mais eficaz, mais perpendiculares à superfície. Assim, as
águas superficiais tornam-se mais quentes, menos densas, mais leves do
que as que estão abaixo, em maior profundidade.
Nas regiões polares, por outro lado, a baixa eficácia no aquecimento
promovido pelo sol deixa as águas superficiais mais frias e naturalmente

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Geomorfologia Costeira

mais densas. Como ficam mais pesadas, as águas nessas áreas tendem a
descer, formando uma camada mais profunda, na qual são mantidos os
valores de temperatura e salinidade que tinham na superfície.

Salinidade (S)

Por certo, causará espanto, para muitas pessoas, ouvir dizer que água
pura é uma substância difícil de encontrar. Talvez pensem que se está
falando dos atuais níveis cada vez mais altos de poluição; entretanto,
não é bem isso. Praticamente, quase toda água, mesmo a que é utilizada
pelos seres humanos como água potável, dificilmente será encontrada
sem estar agregando, em sua composição, outros elementos ou substân-
cias químicas.
A água é uma substância com alta capacidade de agregar solutos,
ou seja, incorporar outras substâncias a ela. Entre essas substâncias,
algumas são encontradas na forma de sais, dissolvidos quando em con-
tato com a água (como, por exemplo, o sal de cozinha). Se, por aqueci-
mento, essa água evaporar, o sal reaparecerá sob a forma sólida.

A água é um líquido capaz de dissolver outras substâncias, sendo,


portanto um solvente. A substância dissolvida é denominada soluto.
A mistura de um solvente com um soluto é chamada solução.

Levando-se em conta a presença desses componentes, pode-se ca-


racterizar cada água pela sua composição, pela quantidade desses ele-
mentos e pelo peso deles. Água do mar é caracterizada por ser salgada,
isto é, ela possui, em sua composição, vários elementos químicos, com
uma participação maior do cloro e do sódio, que juntos formam o que
conhecemos como o sal de cozinha (cloreto de sódio).

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Por que o mar é salgado?

Existem muitas teorias quanto à origem da água salgada do mar.


Entre elas, destacam-se aquelas que levam em conta a erosão e/
ou o transporte de materiais continentais para os oceanos, feito
principalmente pelos rios. Em milhões de anos, a drenagem con-
tinental constantemente levou para os oceanos águas com sedi-
mentos e diversos elementos químicos em sua composição. Parte
da água que chega à bacia oceânica é evaporada e, na forma de
vapor d’água, é transportada por correntes aéreas e volta para o
continente na forma de chuva. Dessa forma, esses solutos foram
se acumulando e, consequentemente, aumentando a salinidade
das águas dos oceanos. Quando a água chega novamente ao con-
tinente, ela volta a erodir, solubilizar, suspender, arrastar e trans-
portar mais solutos até as bacias oceânicas, fechando o ciclo. Note
que este ciclo é o hidrológico, visto por outro prisma.

A água é uma substância que, nos processos de suas transformações


em vapor ou gelo por aquecimento ou congelamento, perde os solutos
que continha. Essa liberação de massa é a causa para que a água, nes-
ses novos estados (respectivamente de gás e de sólido), fique com sua
densidade diminuída.
Conforme a água se aquece, a vibração natural existente entre as
moléculas de água vai aumentando e, consequentemente, aumentando
também o seu volume, até que essas moléculas conseguem evaporar,
sem levar junto os solutos que nelas estavam contidos.
Ao se congelarem, as pontes de hidrogênio, que ligam seus dois áto-
mos ao de oxigênio, se expandem e enrijecem, aumentando os espaços
interatômicos e intermoleculares, resultando também no aumento de
seu volume. Nessa situação, os elementos dissolvidos nessa água que
está se transformando em gelo “escorregam” por entre esses espaços,
aumentando a salinidade das águas, que ainda permanecem em estado
líquido nas redondezas das que congelaram.

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Geomorfologia Costeira

Como podemos observar na Figura 5.5, o valor da salinidade da


água não é igual em todos os mares. Variações de seus valores são obser-
vadas na distribuição horizontal e vertical (em profundidade) das águas
dentro de cada oceano e também entre oceanos.

Figura 5.5: Níveis de salinidade nos diferentes mares e oceanos em PSU


(Unidades Práticas de Salinidade).
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3e/Wiki_plot_04.png

Entre os motivos dessas variações, estão aqueles – de caráter zonal,


conforme a latitude – que ocorrem na superfície das águas, provocados
pela evaporação e pela precipitação.
Na zona equatorial, a salinidade superficial não é tão alta, devido
à alta pluviosidade verificada sobre essa área, provocada por ação de
Mecanismo
ventos alísios produtores de cinturões ciclônicos, de baixa pressão. As termohalino ou
características de altas temperaturas e relativamente baixas salinidades termossalino
conferem baixas densidades a essas águas. Processo que gera
movimentos resultantes
Nas zonas tropicais, a evaporação prevalece sobre a precipitação, que de combinações dos
efeitos produzidos
é baixa na região, devido à formação de potentes anticlones, o que faz a pela temperatura e
salinidade aumentar. pela salinidade sobre a
densidade das águas.
Assim como o movimento
Nas zonas polares, embaixo das calotas de gelo durante o inverno, do vento se estabelece das
as águas (solventes) que congelam deixam para as demais os elemen- zonas de maior pressão
de ar para as de menor, os
tos que continham, favorecendo a concentração da salinidade e, conse- movimentos das águas são
estabelecidos das regiões
quentemente, aumentando sua densidade. Essa situação estabelece um de maiores densidades
eficiente mecanismo termohalino, que conduz as águas superficiais para as de menores.

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para posições de maior profundidade. A Figura 5.6 mostra como se


promove a principal circulação termohalina nos oceanos e como, nos cir-
cuitos, as correntes de profundidade se interligam com as superficiais.

Figura 5.6: Circulação termohalina.


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Thermohaline_circulation#mediaviewer/File:
Thermohaline_Circulation_2.png)

Há também variações de salinidade relacionadas à presença de


desembocaduras fluviais, principalmente nas de maior porte. Mesmo
nos períodos de menores vazões desses rios, a chegada de água doce
tende a diminuir a salinidade das águas do mar nesses locais e, conse-
quentemente, a densidade. Em períodos de maiores vazões, o volume
de água doce que chega aumenta, fazendo diminuirem mais a salini-
dade e a densidade.

Pressão (P)

A pressão deve ser entendida como uma força. Nesse caso, destaca-
-se essa força em função da ocorrência de águas com diferentes densida-
des que se posicionam em camadas umas sobre as outras.
Nas áreas costeiras, em função de menores profundidades, essas
condições têm menor relevância do que em áreas mais profundas, onde
podem ser encontradas camadas superpostas, que interagem com suas
diferentes densidades e consequentes pesos.

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Geomorfologia Costeira

Essas estratificações produzem condições de mobilizações dessas


águas. Nas camadas menos densas, menos pesadas, as águas tendem a
subir, enquanto nas camadas mais densas, mais pesadas, tendem a des-
cer. A estabilidade ocorre quando camadas mais leves ficam sobre ca-
madas mais pesadas. Esses comportamentos estão relacionados às con-
dições existentes em cada zona climática terrestre. As extremas, como
as polares e as equatoriais, apresentam comportamentos mais estáveis.
As regiões temperadas frias apresentam grandes amplitudes de va-
riação de temperaturas e, por isso, estações do ano mais marcadas. Du-
rante as estações transicionais (primavera e outono), pode-se encontrar
desde uma alta estratificação das massas d’água mais superficiais que,
afetadas pelo calor do verão, ficam menos densas, até uma desestrutu-
ração dessa estratificação, devido ao esfriamento das águas superficiais
durante o inverno. As correntes mais frias tendem a descer, promovendo
a circulação ascendente das menos densas que estão abaixo e os turbi-
lhonamentos, que promovem a homogeneização das águas superficiais.
Como já foi visto, as variações das condições climáticas, ao longo
do ano em cada local, alteram a densidade das águas superficiais. Cada
camada com sua densidade e, consequentemente, com sua temperatura
e salinidade, passam a exercer ou sofrer pressões diferenciadas em fun-
ção das características das outras que lhe são adjacentes. A Figura 5.7
mostra a distribuição média das densidades na superfície dos oceanos.

Figura 5.7: Densidade média das águas superficiais dos oceanos.


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Thermohaline_circulation#mediaviewer/File:Sea
SurfaceDensity.jpg

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É importante também salientar que diferentes massas d’água que


compõem os oceanos podem fluir umas sobre as outras, por vezes em
direções opostas vinculadas às suas zonas de geração, sempre buscando
a estabilidade. Esses processos, assim como os vinculados às movimen-
tações das massas de ar, promovem equilíbrios na distribuição do calor
na superfície do planeta.

Atividade 1

Atende ao objetivo 1

1. Na figura a seguir, observamos a representação da circulação termo-


halinano norte do Oceano Atlântico. Nessa região, há duas formações
de águas profundas.

Figura 5.8

Com base nas informações oferecidas na figura acima, explique por que
nesses locais as correntes de superfície se transformam em correntes
de profundidade.

2. Existem causas que aumentam e outras que diminuem a densidade


das águas. Quais são as que atuam no equador? Como elas atuam e quais
resultados produzem (ou seja, geram baixa ou alta densidade)?

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Geomorfologia Costeira

Resposta comentada

1. Quando as águas da corrente superficial alcançam essas posições,


aumentam sua densidade por duas razões: 1. por chegarem a uma área
com baixas temperaturas, as águas se resfriam, o que diminui seu vo-
lume; 2. por ganharem os sais das águas que se congelam. Ao se tor-
narem mais pesadas, por pressão elas descem, formando uma corrente
de profundidade.

2. As temperaturas elevadas no equador aumentam o volume das


águas e, consequentemente, diminuem suas densidades. As temperatu-
ras elevadas também provocam evaporação, aumentando a salinidade
das águas e produzindo aumento da densidade. Entretanto, há uma ação
compensatória: os altos níveis de precipitação diluem a salinidade, di-
minuindo a densidade. O resultado desse balanço de efeitos caracteriza
a zona equatorial como área de águas de baixa densidade.

Aspectos gerais que classificam correntes

Como foi visto até aqui, a origem das correntes está ligada a
causas específicas.
As condições de temperatura e salinidade que foram apresentadas
afetam a densidade da água do mar, alterando a distribuição de suas
massas. O vento transfere energia à superfície marinha, gerando ondas
e correntes. A atração do Sol e da Lua faz o nível do mar variar conti-
nuamente, sendo os efeitos desses fenômenos geradores do movimento
das águas na forma de um fluxo, que é modificado pela rotação da Terra.
Além disso, ainda se fazem presentes a viscosidade da água, que amorte-
ce os movimentos, e os acidentes geográficos que os limitam.
De forma geral, as correntes observadas no mar, segundo essas várias
causas que a produzem e condicionam, podem ser classificadas como:

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• permanentes ou circunstanciais;
• persistentes ou alternadas;
• velozes ou lentas;
• superficiais ou profundas.

Os diferentes tipos de correntes

As correntes são geralmente identificadas e caracterizadas pelas cau-


sas que as provocam, dentre as quais, destacamos as correntes devido às:
• distribuições de massa de água;
• ações do vento;
• ações das ondas;
• ações de maré;
• ações de ondas internas;
• convecções verticais.

Correntes devido à distribuição de massa de águas

São conhecidas como as grandes correntes oceânicas permanentes


que transportam grandes quantidades de águas.
Considere que os movimentos em fluidos, como a água e o ar, se es-
tabelecem das zonas mais densas para as menos densas. Considere, ain-
da, que existem desníveis da superfície líquida, porém dentro de certos
limites, isto é, se a água sai de algum lugar, esse espaço deixado é logo
preenchido por outra água que chega, mantendo estável o nível do mar.
Os movimentos desses tipos de correntes se fazem em virtude das
diferenças de densidade, causados primariamente pela rotação terrestre.
A manutenção dessa circulação, por sua vez, é causada:
• pelo aquecimento e resfriamento das águas que aumentam ou dimi-
nuem as suas densidades;
• pela diluição das águas com a precipitação, o aporte fluvial e a fusão
do gelo, que diminuem a salinidade e, por conseguinte, a densidade;
• pela evaporação e congelamento que, aumentando a salinidade das
águas, produzem o aumento da densidade.

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Geomorfologia Costeira

Considera-se, assim, o mecanismo termohalino como mantenedor


desses movimentos horizontais de distribuição de massa/densidade.
Das regiões subtropicais para as equatoriais, no lado oriental dos ocea-
nos Atlântico e Pacífico, ocorrem condições mais favoráveis ao estabe-
lecimento de correntes superficiais por esse mecanismo de forma per-
manente. Isso porque nas áreas equatoriais há um maior aquecimento
junto a um excesso de precipitação, tendendo ambos a fazer decrescer a
densidade. Enquanto isso, nas áreas subtropicais, o menor aquecimento
em relação à região equatorial e a evaporação em excesso tendem, con-
juntamente, a aumentar a densidade.
Já no lado ocidental dos mesmos oceanos, esse mecanismo não se
estabelece. No entanto, o acúmulo de água provocado pelas correntes
Sul e Norte equatoriais (menos densas), devido ao bloqueio da massa
continental americana, acaba por impulsionar parte dessa água rumo
às altas latitudes, para zonas de maior densidade onde é resfriada. Isso
pôde ser observado na Figura 5.6.
Há que se considerar, também, que, em termos mais gerais e aliado
à circulação e distribuição das massas d’água, ocorre o estabelecimen-
to de contracorrentes que fluem em sentido oposto (lateralmente e/ou
por baixo dessa circulação), repondo as que foram retiradas (no caso
da região equatorial oriental) e, assim, ocupando o espaço deixado. Em
climatologia, você aprendeu algo similar quanto à movimentação do ar
formando células (circuitos), ao interligar, em altitude e em superfície,
coluna de ar quente ascendente com coluna de ar frio descendente.
A rotação terrestre e os acidentes geográficos desviam e limitam esse
tipo de movimento, que é mais intenso na camada superficial (em que
sua velocidade não excede 2 m/s). Porém esses fatores não exercem in-
fluência abaixo de 500 metros de profundidade, aproximadamente, ex-
ceto na região polar. Lá os íngremes e profundos taludes que circundam
a Antártida, associados à rotação terrestre e ao afundamento de novas
massas d’água profundas, produzem a Corrente Circumpolar Antártica.
Essa corrente gira para leste movimentando uma espessura de cerca de
4 km de água e distribuindo águas profundas nos três oceanos contíguos.
Ela move-se para norte mais lentamente devido às suas águas apresenta-
rem características mais homogêneas de temperaturas e salinidade. Me-
canismo análogo é observado na região ártica, produzindo massas d’água
profundas que migram para sul (PICKARD; EMERY, 1995).

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São estabelecidas assim células de circulação de água, bastante seme-


lhantes às dos ventos, promovendo a ligação das circulações profundas
e superficiais. Estas últimas bem caracterizadas nos oceanos Pacífico e
Atlântico, que se estendem nos dois hemisférios por um sistema equato-
rial de correntes que separa dois giros: no sentido horário no hemisfério
norte e anti-horário no hemisfério sul (Figura 5.8).

Figura 5.9: Representação simplificada dos grandes giros de correntes


oceânicas.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Oceanic_gyres.png

As descrições a seguir devem ser acompanhadas da visualização dos


circuitos existentes na Figura 5.9.
No Atlântico Sul, temos um giro composto pelas correntes de Ben-
guela, que sobe a costa da África aquecendo-se e mudando seu curso na
zona equatorial, formando a corrente Sul Equatorial. Essa nova corrente
continua aquecendo-se e, ao chegar ao Brasil, bifurca-se. Uma pequena
parte se direciona para noroeste, formando a corrente Norte do Brasil,
e a maior parte se direciona para o sul, formando a corrente do Brasil, a
qual vai esfriando. Ao se encontrar com as correntes das Malvinas (ou
Falklands) na zona denominada convergência subtropical, as duas cor-
rentes se misturam, afundam e mudam seu curso para leste, esfriando
e formando a corrente do Atlântico Sul. Esta última, juntamente, com
a corrente Circumpolar Antártica, alimenta a corrente de Benguela, fe-
chando o giro.

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Geomorfologia Costeira

Vale observar que interações com águas de profundidade, mas não


tão profundas quanto às das zonas polares, são estabelecidas em áreas
de convergência de correntes, como a Subtropical e em áreas de diver-
gência de correntes, como as existentes no sistema equatorial, onde a
separação das correntes promove a ascensão de águas profundas. Na
Oceanografia, este fenômeno denomina-se ressurgência.
As áreas de ressurgência costeira podem ocorrer tanto de forma
permanente, como a encontrada na costa africana em função da mudan-
ça de curso da corrente de Benguela, quanto sazonalmente, ocasionada
pela atuação de ventos, como a que ocorre na região de Cabo Frio (RJ).

Correntes produzidas pelo vento

O vento transmite à superfície do mar uma força de deslocamen-


to que se comunica às camadas subjacentes, gerando uma corrente de
pouca profundidade, a qual dependerá da velocidade e persistência do
vento em uma direção.
Esse fluxo recebe o nome de corrente de deriva, e ocorre quando o
vento sopra persistentemente sobre a água, que acaba sendo levada por
ele. Essa ação se transmite verticalmente; entretanto, o deslocamento
resultante de toda coluna d’água sob a ação do vento é defletido em 90o
para a esquerda no hemisfério sul e para a direita no hemisfério norte
(Figura 5.10).
A rotação terrestre e a Força de Coriolis a ela associada afetam esse
movimento. O resultado, na superfície, é o desvio em 45o na direção da
corrente em relação à direção do vento. Da superfície ao fundo, a inten-
sidade da corrente decresce e sua direção se afasta cada vez mais da do
vento, até uma profundidade denominada resistência friccional. Nessa
profundidade, a direção da corrente se estabelece em sentido oposto à
da corrente de superfície e representa a separação da camada superficial
submetida à ação do vento sendo, em geral, inferior a 200 metros. Esse
efeito de mudança da direção das correntes induzidas por ventos com
redução progressiva de sua intensidade, conforme a profundidade, é de-
nominado efeito, camada ou espiral de Ekman.

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Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Figura 5.10: Ilustração do transporte de Ekman, gerado pelo vento no


hemisfério sul.

A ação do vento, como exposto anteriormente, promove um trans-


porte de água de superfície para a direita no hemisfério norte, e para a
esquerda no hemisfério sul. Se a água soprada pelo vento encontrar pela
frente uma costa, ela será bloqueada (encontrou uma barreira) e come-
çará a ser empilhada próximo ao litoral. Esse empilhamento forma um
declive (ou gradiente) na superfície do mar, que se estende de sua parte
mais alta no litoral para uma parte mais baixa em alto-mar. Em função
da rotação da Terra, a água que está se deslocando para o litoral será
desviada lateralmente e, considerando a ação contínua que está sendo
exercida pelo vento, acabará reforçando o desvio, fazendo com que as
águas se desloquem paralelamente à costa. As águas mais quentes que
estavam no litoral e receberam por cima as águas vindas de alto-mar
são pressionadas e se deslocam para repor a água que saiu do alto-mar.
Como exemplo, pode ser citada a costa sul do Brasil, na qual a ação
de frentes frias rumando para o norte desvia o transporte de água para
oeste, em direção à costa, produzindo a chamada maré meteorológica
(Figura 5.11).

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Geomorfologia Costeira

Figura 5.11: Ação de marés meteorológicas no estado do Rio Grande do Sul,


em função da ocorrência de uma frente fria (recolocação da figura apresenta-
da na Aula 3).

Se o vento está soprando do litoral para alto-mar, a água mais quen-


te do litoral se desloca com ele também tendo sua trajetória desviada
em função da força de rotação. Essas águas mais quentes, ao se empi-
lharem no alto-mar, pressionam e forçam as mais frias, que estão abai-
xo, a aflorarem no lugar de onde as quentes saíram. Esse fenômeno é
chamado ressurgência.
No Brasil, esse fenômeno ocorre em Cabo Frio. Nessa região, quan-
do ventos de NE sopram intensa e persistentemente, eles possibilitam,
junto à costa, o afloramento em superfície de águas frias, ricas em sais
nutrientes. Esse fenômeno favorece a existência de áreas de alta produ-
ção orgânica, bastante procuradas para as atividades de pesca.

Correntes de onda

Você aprendeu na Aula 4 que as ondas, ao se aproximarem da zona


costeira, têm a velocidade diminuída, bem como o seu comprimento, o
que resulta em aumento de sua altura. O deslocamento das partículas
d’água assume forma elíptica por influência do fundo do mar. O perfil
da onda, nessa condição, não é mais simétrico, e a parte anterior da
onda assume um declive cada vez mais acentuado até a sua quebra. Ao
se projetar, ocorre o fluxo e o refluxo da água, que também leva e trás
sedimentos sobre a superfície da praia.
As correntes longitudinais costeiras são geradas a partir da inci-

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Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

dência de trens de onda que atingem obliquamente o litoral. As águas


projetadas pela quebra das ondas tendem a se movimentar paralela-
mente à linha do litoral, seguindo a mesma direção de deslocamento
do trem de ondas. Assim, se as ondas estão chegando do lado direito do
litoral, a corrente longitudinal seguirá para a direita. Se vierem da es-
querda, a corrente será nessa direção. A corrente de água, ao se deslocar,
pode levar consigo sedimentos.

As correntes longitudinais agem em todos os litorais. Em aulas


posteriores, que irão abordar processos de erosão e de deposição
em áreas costeiras, você entenderá mais e melhor o modo de ação
dessa corrente.

Em função da existência dessa corrente, pode-se entender que, ao


longo da linha do litoral, continuamente trafegam sedimentos. Se de
um local saem sedimentos e não chegam outros para o seu lugar, haverá
erosão. Se em outro local, os sedimentos que chegam não conseguem
continuar a se deslocar, haverá deposição. Teoricamente, é possível ad-
mitir que, no local onde está ocorrendo apenas transporte, não há nem
erosão nem deposição.
Em um litoral que está compartimentado por pontões rochosos, po-
derão acontecer, entre eles, movimentação e acumulação de sedimen-
tos, pela ação das correntes longitudinais para um lado e, posteriormen-
te, inversão dessa situação em direção ao outro.
Além de a corrente longitudinal estar atuando quando há a chegada
de trens de onda com altas frequências em uma praia, há diminuição da
capacidade do refluxo da onda e acúmulo de água entre a arrebentação e
a praia. Esse empilhamento de água chega a um nível capaz de ter força
para romper a arrebentação. Ultrapassando esse limiar de resistência
ao retorno das águas, um fluxo de alta energia forma um canal de saída
(boca na linguagem popular), por onde água e sedimentos agregados
(areias) saem, criando momentaneamente uma passagem na arreben-
tação. Logo em seguida, esse fluxo começa a se dissipar e a depositar os

156
Geomorfologia Costeira

sedimentos (Figura 5.12). Essas correntes chamadas de retorno (ou de


saída) serão tão mais intensas quanto maior for a frequência do trem de
ondas, bem como mais paralelo este chegar à praia.

Figura 5.12: Esquema mostrando a ação de correntes de retorno e longitu-


dinais costeiras geradas pela incidência de trem de ondas paralelo à praia.

Assim, quando a linha de arrebentação tende a ser paralela à costa,


o retorno da água acumulada é feito pela corrente, que consegue levá-la
de volta, junto com sedimentos, para além da zona de arrebentação. Cúspides
Esse tipo de ocorrência acaba por gerar cúspides na praia (Figura Tipo de relevo formado
pelas correntes de
5.13), que correspondem às formas de ondulação derivadas dos trans- retorno e longitudinais,
portes de sedimentos, tanto transversal, efetuado pelas correntes de re- geradas pelas ondas,
transportando sedimentos
torno, quanto o paralelo ao longo da praia, realizado pela atuação de ao longo de uma praia.
Essas ondulações podem
correntes longitudinais costeiras. ter tamanhos variados
de menos de um metro
até dezenas de metros.
Elas não são estáticas. Os
sedimentos se deslocam
ao longo do litoral, que
passa a ter a forma de uma
linha ondulada enquanto
o mesmo tipo de onda
continuar atuando.

157
Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Figura 5.13: Trecho da praia da Barra da Tijuca – Rio de Janeiro (RJ) – Na fai-
xa branca de areia ao longo da praia, são visualizadas as cúspides e os efeitos
das correntes de saída. Elas se apresentam tendendo a ter formas mais simé-
tricas. A assimetria vista na imagem pode ter sido provocada por mudanças
nas condições de incidência e intensidade das ondas.
Fonte: Google Earth

Correntes de maré

As correntes que se fazem presentes com o fenômeno da maré não


fluem sempre alternadamente em direções opostas como observado em
canais de acesso a baías, por exemplo. Elas giram dando uma volta com-
pleta em um período de maré e, geralmente, sua velocidade e direção
mudam continuamente, devido, principalmente, à rotação da Terra e
à influência do fundo, além do recorte geográfico da região, especifica-
mente, e dos blocos continentais, de forma geral.
No interior de uma área mais abrigada, como a Baía de Guanabara,
por exemplo, é possível perceber a variação das correntes de maré. Ao
passar na ponte Rio-Niterói, pode-se ver que os navios fundeados (an-
corados) no porto estão todos com as proas voltadas para o mesmo lado.
Os navios ficam nessa posição porque a corrente de maré, quando
sobe, empurra-os para o interior da baía. Quando ela desce, empurra-os
para o outro lado. Mas por que isso acontece? Como os navios estão
presos pelas proas às âncoras, eles só podem se deslocar ao redor delas.
Assim, quando as marés atingem seus pontos máximos, as embarcações
estarão posicionadas com as cordas distendidas e com suas proas volta-
das para a direção das âncoras, ora para um lado, na maré alta (de frente
para a entrada da baía), ora para o outro, na maré baixa (de frente para
o interior da baía).
158
Geomorfologia Costeira

Assim, se de hora em hora for traçado um vetor que represente a


velocidade e a direção da corrente de maré em um dado ponto, que não
seja em um canal, e se os extremos desses vetores forem unidos por uma
curva, será obtida uma elipse imperfeita em condições normais. Dessa
maneira, reproduz-se, através das correntes, a mesma forma que ela as-
sume nos oceanos sob a influência das forças de atração do sol e da lua,
ou, excepcionalmente, uma circunferência.
Ao longo de uma costa com dominância da força da maré, a preamar
é precedida por uma corrente de maré que flui na mesma direção de
propagação da onda de maré, seguindo-se, após a estofa de preamar,
uma corrente no sentido contrário. Em uma costa dominada pelas on-
das, os fluxos da maré podem ser inibidos ou mascarados pela maior
energia desses movimentos cíclicos de curto período.
Como anteriormente mencionado, em um canal de acesso a uma
baía ou golfo, quando a onda de maré passa por sua entrada, na prea-
mar, produz-se uma corrente em direção ao seu interior e, quando ocor-
re a baixa-mar, a corrente flui para fora, sendo observados somente dois
sentidos de corrente em função da característica do local. No entan-
to, esses dois sentidos apresentam variações de velocidades, que serão
maiores durante a enchente ou vazante, e menores ou nulas por curto
intervalo de tempo durante as estofas.
Em um canal que conecta duas baías submetidas à ação da maré,
a direção e a intensidade das correntes dependerão da altura do nível
das águas em uma e na outra baía. Nos rios, o regime das correntes de
maré é influenciado pela corrente fluvial. O contorno da costa, os baixos
fundos e as ilhas também afetam as correntes de maré, bem como os
ventos que podem chegar a suplantar, em um local, o efeito das forças
astronômicas ao gerarem marés meteorológicas.
As cartas náuticas apresentam indicações sobre as correntes de maré,
principalmente em passagens estreitas, pois se tornam muito perigosas
à navegação pela velocidade que atingem. Essas cartas são de funda-
mental importância para as embarcações que adentram em um porto,
pois fornecem infomações não só sobre as correntes de maré, mas tam-
bém sobre profundidade referenciada a um nível de segurança abaixo
da mais baixa baixa-mar local, informação essencial, devido ao calado
(parte imersa) das embarcações que ali transitam.

159
Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Correntes geradas por ondas internas

Como já abordado, os oceanos são compostos por diferentes massas


d’água sobrepostas conforme suas densidades, da mais densa (no fun-
do) à menos densa (na superfície). Cada uma delas é individualizada
por suas características de variação de temperatura e de salinidade, que
lhe conferem um intervalo de variação de suas densidades. Ondas in-
ternas são produzidas pelo atrito existente nas interfaces dessas massas
d’água, que se movem na mesma direção com velocidades diferentes ou
em direções opostas. O atrito produzido acaba por gerar perturbações
ao longo da interface das camadas na forma de ondulações.
Esse fenômeno pode ser observado pelo aspecto peculiar que identi-
fica essas ondas na superfície do mar, com as quais se formam compri-
das faixas paralelas onde se acumulam detritos, conforme esquematiza-
do na Figura 5.14.

Figura 5.14: Esteira de detritos formada por ondas internas superficiais.

Note que as oscilações são geradas mais facilmente em uma inter-


face oceânica interna do que na interface ar/mar, pois a diferença de
densidade entre duas massas d’água é menor do que na interface ar/
mar. Assim, menos energia é necessária para, por exemplo, gerar ondas
internas com igual amplitude de uma superficial, sendo que as internas
se propagam mais lentamente.
As ondas internas são relevantes em processos de mistura vertical das
águas. Elas ocorrem em áreas de ressurgência, bem como em áreas de de-
pressão e de montanhas submarinhas, nas quais movimentos horizontais
conjugados com os ascendentes ou descendentes geram atritos capazes
de produzir ondas internas com grandes alturas e comprimentos.

160
Geomorfologia Costeira

Observando as ondas do espaço

Fotografias tomadas do espaço permitem observar ondas inter-


nas com 100 metros de altura e comprimentos de onda de cente-
nas de quilômetros na região equatorial atlântica, próxima à ilha
caribenha de Trinidad. Acesse o link: http://www.megacurioso.
com.br/terra/35542-ondas-submarinas-sao-fotografadas-do-
-espaco.htm.

Correntes verticais convectivas

Essas correntes, já referidas anteriormente, são as que promovem


movimentos ascendentes e descendentes de massas d’água, vinculando
os movimentos superficiais aos profundos. Incluem-se, nesse tipo de
corrente, aquelas geradas por circulação termohalina nas altas latitudes,
devido ao intenso resfriamento e consequente afundamento da água su-
perficial (movimento descendente), bem como as ocorridas em áreas
de convergência (movimento descendente menos profundo) e de diver-
gência (movimento ascendente menos profundo), e em áreas de ressur-
gência costeira (movimento ascendente menos profundo).
A circulação termohalina é, portanto, particularmente importante no
desenvolvimento de correntes verticais, sobretudo nas altas latitudes onde
o afundamento das águas produz, por convecção, uma camada de água
homogênea cuja profundidade depende do grau de estabilidade da coluna
d’água, da intensidade da corrente convectiva e da duração do processo.

Atividade 2

Atende ao objetivo 2

Responda à seguinte pergunta: em um mesmo local poderiam existir


duas correntes atuando motivadas por causas diferentes? Exemplifique
e explique por que o comportamento delas nesse local pode variar ao
longo do tempo.

161
Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Resposta comentada
Sim. Existem várias situações desse tipo que podem ser exemplificadas.
A mais simples de exemplificar são as correntes geradas por marés e
pelas ondas que podem atuar simultaneamente em um mesmo local.
Além disso, como já foi aprendido, os valores das marés e as caracterís-
ticas das ondas podem variar frequentemente ao longo do tempo. Essas
condições, por sua vez, irão responder pela possibilidade de variações
nas características das correntes por elas geradas.

Classificação de correntes pelo critério geográfico

Pode-se observar que as diferentes forças descritas anteriormente


geram vários tipos de movimentos nos oceanos. No entanto, em função
da proporção de suas influências em distintas regiões, é possível dividi-
-los pela utilização de critérios geográficos:
Circulação oceânica
É a circulação realizada pelas correntes que mobilizam grandes
massas de águas oceânicas, levando em conta diferenças nos valores de
suas características, como salinidade, temperatura e densidade. É algo
semelhante à circulação que é feita pelas massas de ar na atmosfera.
Circulação costeira
Nas proximidades da costa, a circulação está representada por dois
sistemas de correntes: o costeiro (paralelo ao litoral), que faz limite com
o oceânico de um lado e com o litorâneo de outro. E o litorâneo, locali-
zado entre o costeiro e a linha do litoral propriamente dita.

162
Geomorfologia Costeira

O sistema costeiro é de intensidade uniforme e deve-se à ação


dominante da maré e da distribuição de massa d’água.
O sistema litoral, de maior interesse para a Geomorfologia Costeira,
é estabelecido devido à influência das ondas e das marés. Entretanto,
não se pode esquecer que existem interações entre as duas e que, depen-
dendo do lugar, uma pode prevalecer sobre a outra. Nessa faixa de atua-
ção, tanto marés quanto ondas podem promover transportes de águas,
ao longo do litoral, para a praia e em direção contrária a ela. Como as
atuações das ondas e das marés se fazem em escalas de espaço e tempo
variáveis, elas geram correntes que variam em direção e velocidade. Es-
sas correntes viabilizam o transporte de sedimentos incessantemente,
tendendo a promover remodelagens da superfície de fundo das áreas
submersas e a configuração da costa.
As correntes geradas por ondas internas, bem como as verticais con-
vectivas, podem se estabelecer em áreas costeiras e oceânicas. Podem
ser localizadas dentro de amplas áreas geográficas de ocorrência. Nas
áreas polares, por exemplo, sempre ocorrem essas correntes; já nas áreas
temperadas mais frias, elas só ocorrem no inverno.
As correntes de deriva produzidas por ventos também apresentam
ampla distribuição geográfica. No entanto, podem influenciar, tem-
porariamente, qualquer região que venha a apresentar as variações de
pressão atmosférica suficientes para a produção de ventos, por tempo
necessário ao estabelecimento desse tipo de corrente. Elas podem assu-
mir especial influência sobre o sistema costeiro em regiões propícias à
ressurgência do tipo sazonal, nas quais importantes deflexões e movi-
mentos ascendentes de massas d’água ocorrem.

Determinação de correntes marinhas

A possibilidade de caracterizar as correntes marinhas e estabelecer


previsões sobre o seu comportamento tem objetivos semelhantes aos
que já foram explicitados para marés e ondas. As correntes permitem
conhecer melhor a atual dinâmica ambiental das áreas costeiras e fazer
projeções sobre suas condições futuras. Com isso, é possível atuar nes-
sas áreas de forma mais racional e adequada em processos de preserva-
ção ambiental, ocupação e utilização de seus enormes recursos naturais.
Dois métodos tornam possível a determinação de correntes mari-
nhas: o Eureliano e o Lagrangeano.

163
Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Método Euleriano: baseia-se na determinação da direção e da velo-


cidade das correntes que passam por um ponto fixo ao longo do tempo,
podendo ser definidas tanto na camada mais superficial quanto em de-
terminadas profundidades através de equipamentos específicos.
Os equipamentos são lançados ao mar e presos por cabos a uma poi-
ta no fundo e a uma boia, que faz bastante pressão para cima a fim de
mantê-los sempre na mesma posição na vertical. Como já descrito nas
mensurações de marés e ondas, para recolhê-los, é acionado um dispo-
sitivo que faz o cabo com a boia e os equipamentos se soltarem da poita.
Atualmente, determinações correntométricas do tipo euleriana são
realizadas através de correntógrafos, como o da Figura 5.15. Através
desse equipamento, são obtidas as velocidades das correntes. Nele há
uma espécie de hélice (localizada na parte inferior do equipamento
mostrado), cuja velocidade de giro é associada à velocidade da corrente.
Sua direção é determinada através da posição relativa de um leme (em
vermelho na figura), associado a uma agulha magnética que orienta o
aparelho para onde a corrente se dirige. Deve-se regular a taxa de aqui-
sição (quantidade estimada) desses dados com o tempo de fundeio e
a duração da bateria, sendo os mesmos armazenados na memória do
equipamento e apresentados na forma de tabelas ou gráficos.
Luiz Saavedra

Figura 5.15: Fotografia de um correntó-


grafo marca Sensordata SD 6000.

164
Geomorfologia Costeira

Outro equipamento atualmente desenvolvido é o Perfilador de Cor-


rentes por Doppler Acústico - ADCP (Accoustic Doppler Current Profi-
ler). Ele permite a obtenção das correntes existentes em toda a coluna
d’água de modo simultâneo, podendo estar o equipamento localizado
no fundo marinho ou adaptado ao casco de uma embarcação. Neste
caso, durante sua rota, o aparelho vai determinando os perfis das cor-
rentes, corrigidas da velocidade e rumo da embarcação.
Método Lagrangeano: consiste no monitoramento periódico da po-
sição de boias oceanográficas que, soltas, se movimentam com a corren-
te (derivam). Essas boias, que podem ser superficiais ou subsuperficiais
(reguladas para derivarem em uma determinada pressão/profundida-
de), são munidas com diversos sensores, que possibilitam a aquisição de
parâmetros físico-químicos da massa d’água (ao longo de sua trajetória),
como temperatura, salinidade, oxigênio dissolvido e pH, por exemplo.
Assim, de tempos em tempos, através de rastreamento por satéli-
te, são obtidos dados físico-químicos da massa d’água onde a boia está
imersa, bem como suas coordenadas indicando seu trajeto.
A velocidade é estimada, grosso modo, através do tempo despendido
por ela para passar de uma posição a outra. No entanto, não há garantias
de que seu trajeto foi realizado de forma reta e direta de um ponto ao
outro, principalmente se o intervalo de tempo entre as posições for
grande demais. Por exemplo, a existência de um vórtice entre duas po-
sições acaba por mascarar a velocidade, que será registrada com um
valor menor do que realmente é em função da boia ficar efetuando giros
no vórtice.
Em áreas mais abrigadas, como baías cercadas por promontórios ou
falésias que permitem sua ampla visualização, suas correntes superficiais
podem ser facilmente determinadas por esse método através do monito-
ramento periódico da posição em que pelo menos dois teodolitos são Teodolito
posicionados estrategicamente nesses locais mais elevados realizando Instrumento de precisão
óptico que mede
leituras simultâneas de pequenas boias de isopor jogadas em diversos ângulos horizontais e
pontos da baía e ligadas a um saco plástico fechado contendo ar e água verticais, utilizado em
diversas atividades, tais
que serve tanto de lastro quanto para garantir que a corrente da água, e como levantamentos
topográficos para diversos
não a de vento, predomine sobre seu deslocamento. Posteriormente, em fins, na construção civil e
gabinete, faz-se a plotagem na carta. na navegação.

165
Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Conclusão

Embora os ambientes marinhos ocupem a maior parte da superfí-


cie da Terra, tudo que se sabe sobre eles é ainda relativamente pouco se
comparado às áreas continentais. Nas últimas décadas, o grande de-
senvolvimento das ciências e de novas tecnologias está permitindo co-
nhecer melhor os oceanos e entender a importância do mar para a vida
no planeta.
No mar, a presença de correntes já é de conhecimento dos homens
há muito tempo. Entretanto, elas ainda carecem de mais estudos, que
envolvam aprofundar os conhecimentos sobre suas origens, dinâmicas
e atuações, em diferentes escalas espaciais e temporais.
Para a Geomorfologia Costeira, sua participação na atuação dos
processos geomorfológicos é efetiva. Como já foi visto para as ondas e
as marés, entender o comportamento das correntes em cada área cos-
teira e suas interações com outros processos também é fundamental.
É preciso levar em conta os contextos regionais e planetários em que
estão inseridas.
Se o desafio de pesquisar mais sobre os oceanos já é grande, maior
ainda é a obrigação de divulgar os resultados obtidos. No Brasil, com seu
território marinho de mais de 1 milhão de km², recentemente ganhando
mais importância pelos sucessos da exploração de petróleo, essa situa-
ção é cada vez mais notada. Há uma grande demanda de caráter técni-
co para aplicação desses conhecimentos, mas há também uma grande
necessidade de levá-los ao ensino, em todos os níveis de escolaridade.

Atividade final

Atende ao objetivo 3

1. Por que o sistema litorâneo é relevante para a Geomorfologia Cos-


teira e quais as correntes mais importantes que nele atuam?

2. Qual a relação dos astros e dos ventos com essas correntes?

166
Geomorfologia Costeira

3. Por que elas podem existir em todos os litorais, tendo a sua frequência
e intensidade variando de um lugar para o outro e, também, ao longo
do tempo?

Resposta comentada

1. Porque é nessa área que o relevo costeiro é modelado pela erosão


e pela deposição. São as correntes produzidas pelas ações das marés e
das ondas.

2. As marés se devem às características e ao comportamento dos as-


tros. As ondas têm, na ação do vento, sua causa principal.

3. A frequência e a intensidade dessas correntes podem variar, pois de-


pendem das marés e das ondas que são fenômenos de comportamento
variável ao longo do tempo e que, além disso, em função das caracterís-
ticas de cada lugar, assumem diferentes maneiras de atuação.

Resumo

A atuação das correntes marinhas, assim como das marés e ondas, tem
papel importante, individualmente ou interagindo com outros proces-
sos, na produção de relevos nas áreas costeiras.
Também a presença das correntes tem influência direta nas condições
do clima nos ambientes costeiros que, por sua vez, definem os tipos e os
comportamentos de processos geomorfológicos de erosão e deposição
nessas áreas.
A geração e a movimentação dessas correntes estão relacionadas à exis-
tência de fenômenos de naturezas diversas e complexas, tais como o
comportamento dos astros, as pressões atmosféricas e os ventos. A esses
fenômenos juntam-se outras causas que produzem esses movimentos,
como as variações das densidades da água, motivadas por variações de
temperatura, salinidade e pressão. Não menos importantes e sempre
presentes estão as forças que atuam na superfície da terra: a gravidade e
a força de Coriolis.

167
Aula 5 • É possível ver e sentir os efeitos das correntes marinhas no litoral?

Vários são os tipos de correntes que atuam nos mares e elas são oriundas
da distribuição das massas de água, das ações do vento, de ondas, de
maré, de ondas internas e verticais conectivas.
As correntes podem ser vistas como circulações oceânicas e costeiras, sen-
do que esta ocorre desde a borda das áreas costeiras até a linha do litoral.
As direções de deslocamento e as velocidades das correntes podem ser
medidas por métodos e equipamentos específicos. Estes geram valores
que permitem avaliar o comportamento das correntes para diversos
fins, desde o necessário entendimento de sua presença na dinâmica am-
biental até a aplicação desses conhecimentos para ocupação e utilização
das áreas oceânicas e costeiras para diversas atividades humanas.

Informações sobre a próxima aula

A próxima aula terá como assunto principal a atuação dos processos


marinhos como responsáveis pelas ações de erosão que ocorrem no li-
toral e as formas de relevo que a ela são associadas.

Referências

CHRISTOPHERSON, R. W. Geossistemas: Uma Introdução à Geografia


Física. Porto Alegre: Editora Bookman, 2012.
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SVERDRUP, K. A.; DUXBURY, A.B.; Duxbury, A. C. Fundamentals
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TRUJILLO, A. P.; THURMAN, H. V. Essentials of Oceanography. 10.
Edition. USA: Prentice Hall, 2011.

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