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RESUMO
continentes. Essa atividade, no entanto, tem sido seriamente ameaçada pela erosão
costeira, fenômeno que já é considerado mundial, pois afeta a maioria das costas do
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Instituto Geológico – SMA/SP. Av. Miguel Stéfano, 3900. 04301-903. São Paulo-
SP. Programa de Pós-Graduação do Depto. de Geografia da Universidade de São
Paulo. celia@igeologico.sp.gov.br
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planeta. No Brasil e, em especial, no Estado de São Paulo, a situação não é diferente,
uma vez que mais de 50% das praias paulistas se encontram em risco alto e muito alto
nível do mar e seus impactos. Este trabalho apresenta alguns dos principais conceitos
sobre o ambiente físico das praias e aborda o fenômeno da erosão costeira, suas causas,
Paulo.
1. Introdução
praias oceânicas são os mais dinâmicos e sensíveis, pois dependem também de uma
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As praias sofrem diversas pressões oriundas de atividades e intervenções
antrópicas sobre elas ou na zona costeira, mas também pressões naturais importantes,
como a elevação do nível relativo do mar (NM) e os reflexos das mudanças climáticas.
situações de risco à erosão costeira, que devem se intensificar nas próximas décadas,
Dados relativos à década de 1990 mostravam que, já naquela época, 70% das
naturais e antrópicas. Entretanto, a maioria dos autores acreditava e ainda acredita que a
Bruun & Schwartz (1985), por exemplo, concluíram que entre 10 e até 100% das causas
da erosão observada nas praias arenosas do planeta podem ser atribuídas à elevação
atual do NM.
contribuições parece ser a expansão termal dos oceanos, que foi responsável por cerca
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Para os próximos 90 a 100 anos, as previsões do IPPC (2007) para o NM são
de elevação entre 0,18 e 0,59 m acima do atual, com aumento da temperatura do planeta
et al. (2007) prevêem que essa elevação do NM será bem maior, de até 1,6 m.
para as Mudanças Climáticas em 2001 (IPCC, 2001), indicam que, mesmo que as
forma que o NM também continuará a subir por muito mais tempo, devido aos efeitos
Este trabalho apresenta alguns conceitos importantes sobre o ambiente físico das
2. Praias Oceânicas
através da diferenciação dos respectivos processos que ocorrem em cada zona ao longo
de um perfil transversal à linha de costa (Souza et al., 2005). Este perfil apresenta como
pelo homem como muretas, muros, anteparos etc.), e limite inferior ou externo (no mar)
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Abaixo desta área está a zona de transição para a plataforma continental interna (zona
de costa-afora), sendo o limite entre ambas o nível base das ondas de tempestade.
determinam o clima de ondas (ex. altura e período das ondas) e as condições de maré e
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Assim, o conceito de estado morfodinâmico de uma praia é usado para
formas deposicionais e sua relação com os processos hidrodinâmicos que nela atuam
(Sazaki, 1980 apud Carter, 1988; Short, 1991, 1999; Masselink & Short, 1993).
tipos principais: dissipativo (praias amplas, de areias finas, perfil plano e suave, larga
zona de surfe e várias quebras de ondas), reflexivo (praias de menor extensão, de perfil
íngreme com bermas, em geral formadas de areias muito grossas a grossas, com zona de
surfe muito estreita e uma quebra de ondas na face praial), e intermediário que, segundo
Short (1999), é formado por quatro estados intermediários entre os outros dois.
Masselink & Short (1993) definiram ainda um outro tipo, no qual predomina a ação das
ainda os conceitos de “alta energia” (costas abertas) e “baixa energia” (costas abrigadas)
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Figura 2. Tipos morfodinâmicos de praias existentes no Estado de São Paulo (fotos da
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(Ubatuba): Reflexiva de Alta Energia; D: Praia de Domingas Dias (Ubatuba) –
costeiras.
as correntes geradas por esses agentes. Dentre os diversos fatores geológicos atuantes
ganhos/entradas de sedimentos nessa praia. Essas trocas podem ocorrer entre a praia e o
continente (através dos rios e canais de maré, dunas e terraços marinhos adjacentes à
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de sedimentos, haverá um déficit sedimentar, predominando a erosão da praia, com
do sistema praial.
severo e permanente ao longo de toda essa praia ou em trechos dela, ameaçando áreas
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atenção de cientistas e autoridades, pois a costa está sob balanço sedimentar negativo
e, portanto, em risco.
Segundo Clark (1993) e Souza et al. (2005), as áreas com problemas de erosão
costeira/praial são aquelas que apresentam pelo menos uma das seguintes
características:
de erosão;
manutenção.
fenômenos que podem ser atribuídos a fatores naturais e fatores antrópicos. Em geral,
individualizar a atuação de cada um. Uma síntese das causas naturais e antrópicas de
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Tabela 1. Causas naturais e antrópicas da erosão costeira no Brasil (Souza et al., 2005).
2 Morfodinâmica praial: praias intermediárias 8 Elevações do nível relativo do mar de curto 15 Implantação de estruturas rígidas ou flexíveis,
têm maior mobilidade e suscetibilidade à período devido a efeitos combinados da atuação de paralelas ou transversais à linha de costa: espigões,
erosão costeira, seguidas das reflexivas de alta sistemas frontais e ciclones extratropicais, marés molhes de pedra, enrocamentos, píers, quebramares,
energia, dissipativas de alta energia, reflexivas astronômicas de sizígia e elevações sazonais do NM, muros, etc., para “proteção costeira” ou
de baixa energia, dissipativas de baixa energia resultando nos mesmos processos da elevação de contenção/mitigação de processos erosivos costeiros
e ultradissipativas. NM de longo período. ou outros fins; canais de drenagem artificiais.
3 Aporte sedimentar atual naturalmente 9 Efeitos atuais da elevação do nível relativo do 16 Armadilhas de sedimentos associadas à implantação
ineficiente ou ausência de fontes de areias. mar durante o último século, em taxas de até 30 cm: de estruturas artificiais, devido à interrupção de
forte erosão com retrogradação da linha de costa. células de deriva litorânea e formação de pequenas
células.
4 Fisiografia Costeira: irregularidades na linha 10 Efeitos secundários da elevação de nível do mar 17 Retirada de areia de praia por: mineração e/ou
de costa (mudanças bruscas na orientação, de longo período: Princípio ou Regra de Bruun e limpeza pública, resultando em déficit sedimentar na
promontórios rochosos e cabos inconsolidados) migração do perfil praial rumo ao continente. praia e/ou praias vizinhas.
dispersando as correntes e sedimentos para o
largo; praias que recebem maior impacto de
ondas de maior energia.
5 Presença de amplas zonas de transporte ou 11 Evolução quaternária das planícies costeiras: 18 Mineração de areias fluviais e desassoreamento de
trânsito de sedimentos (by-pass), contribuindo balanço sedimentar de longo prazo negativo e desembocaduras; dragagens em canais de maré e
para a não permanência dos sedimentos em dinâmica e circulação costeira atuante na época. na plataforma continental: diminuição/perda das
certos segmentos de praia. fontes de sedimentos para as praias.
6 Armadilhas de sedimentos e migração 12 Balanço sedimentar atual negativo originado por 19 Conversão de terrenos naturais da planície costeira
lateral: desembocaduras fluviais ou canais de processos naturais individuais ou combinados. em áreas urbanas (manguezais, planícies fluviais/ e
maré; efeito “molhe hidráulico”; depósitos de lagunares, pântanos e áreas inundadas) provocando
sobrelavagem; obstáculos fora da praia (barras impermeabilização dos terrenos e mudanças no padrão
arenosas, ilhas, parcéis, arenitos de praia e de drenagem costeira (perda de fontes de sedimentos).
recifes). 13 Fatores Tectônicos: subsidências e soerguimentos 20 Balanço sedimentar atual negativo decorrente de
da planície costeira. intervenções antrópicas.
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Algumas dessas causas aparecem citadas mais de uma vez porque geram
perfil praial, observadas nas figuras 4a e 4b. Note-se bem que, embora ambos os
fenômenos tenham sido descritos para elevações do NM de longo período, eles também
de tempestade).
Figura 4a. Princípio ou Regra de Bruun: erosão dos sedimentos na porção emersa do
perfil praial e deposição dos mesmos no perfil submerso (nas mesmas proporções),
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Figura 4b. Migração do perfil longitudinal da praia rumo ao continente, como
praia, mas também a vários ambientes naturais e aos usos e atividades antrópicas na
for urbanizada, pode não haver “espaço” físico para essa migração);
praia;
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espécies que habitam esses ambientes (ex.: o crustáceo popularmente
da planície costeira;
costa;
ao lazer na praia.
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Em geral, as conseqüências da erosão costeira ou praial são percebidas como
econômicos. Entretanto, como visto, mesmo quando ela ocorre em locais não habitados
pelo homem, deve ser motivo de preocupação do poder público e de cientistas, porque
Paulo, onze indicadores de erosão costeira (Souza & Suguio, 1996; Souza, 1997), que
desde então têm sido monitorados pela autora. As figuras 5 a 9 mostram exemplos
mundo.
ao longo da linha de costa, Souza & Suguio (2003) elaboraram uma classificação
matricial de risco à erosão costeira para as praias de São Paulo, que resultou em um
Mapa de Risco à Erosão Costeira (SMA, 2002; Souza, 2007) (Figura 11).
Atualmente, 33,3% das praias paulistas encontram-se sob risco Muito Alto
(MA), 20,7% em risco Alto (A), 25,3% sob risco Médio (M), 18,4% em risco Baixo (B)
e apenas 2,3% (o que corresponde a 2 praias) estão sob risco Muito Baixo (MB) (Souza,
2007).
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Em relação a cada um dos três setores costeiros paulistas, tem-se o seguinte
panorama:
Esses dados mostram que mesmo em uma região com muito baixa taxa de
as taxas de riscos MA e A são muito elevadas (somam 62,5%). Isso ressalta a grande
Metropolitana da Baixada Santista, por outro lado, que é a região mais ocupada do
litoral paulista, essa taxa é bastante próxima, totalizando 65,3% de praias sob riscos MA
e A.
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Figuras 5. Indicadores I e II de erosão costeira (fotos da autora).
17
Figuras 6. Indicadores III e IV de erosão costeira (fotos da autora).
18
Figuras 7. Indicadores V e VI de erosão costeira (fotos da autora).
19
Figuras 8. Indicadores VII e VIII de erosão costeira (fotos da autora).
20
Figuras 9. Indicadores IX, X e XI de erosão costeira (fotos da autora).
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Figura 10. Principais locais de observação e monitoramento dos indicadores de erosão costeira em São Paulo (Souza & Suguio, 1996).
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Figura 11. Mapa de Risco à Erosão Costeira para o Estado de São Paulo (Souza, 2007)
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Outro fato alarmante é que, comparando os resultados da primeira avaliação de
risco feita para São Paulo, em 2001 (SMA, 2001; Souza & Suguio, 2003), com os de
sua atualização, em 2007 (Souza, 2007), conclui-se que em seis anos: 25 praias
aumento da urbanização em praias até então pouco ocupadas. Causas naturais não
anuais, como em 2006, quando pelo menos seis fortes eventos atingiram a Baixada
ressacas atingem o litoral paulista no período entre o final de abril e agosto, e são
de sizígia e NM mais elevado devido a efeitos esteáricos (maior aquecimento das águas
4. O que Fazer?
A resposta a essa pergunta não é muito fácil, visto que o cenário que se
vulneráveis, que estão sob forte ameaça, requerendo ações imediatas para
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realocação ou remoção de estruturas urbanas e/ou obras de engenharia,
b) Praias sob Risco Médio - são praias que requerem atenção, pois poderão
c) Praias sob Riscos Baixo e Muito Baixo - são praias comparativamente mais
gerenciamento costeiro.
principalmente no que se refere a certos tipos de usos e atividades antrópicas nas praias,
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existentes e seus instrumentos, como o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro
planície costeira, paralela e contígua à praia, com determinada largura mínima medida a
partir do limite superior da praia (este limite poderá se dar com a planície costeira
propriamente dita ou com algum tipo de estrutura construída pelo homem), no sentido
grau de risco), ou da projeção da taxa de recuo da linha de costa para os próximos anos
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original ou, não havendo esta possibilidade, ser efetuado o plantio de
Agradecimentos
Referências Bibliográficas
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BRUUN, P. 1962. Sea level rise as a cause of shore erosion. Journal of Waterways and
DAVIDSON-ARNOTT, R.G.D. 2005. Conceptual model of the effects of sea level rise
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IPCC - INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. 2001. Climate
http://www.grida.no/climate/ipcc_tar/wg1/005.htm).
(http://www.ipcc.ch).
MASSELINK, G. & SHORT, A.D. 1993. The effect of the tide range on beach
B.A.A.; BOLSHAW, M. & KUCERA, M. 2007. High rates of sea-level rise during
2007), doi:10.1038/ngeo.2007.28.
SHORT, A.D. 1999. Beaches. In: A.D. Short (ed). Handbook of Beach and Shoreface
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Universidade de São Paulo, São Paulo. Volume I – Texto (184 p.) e Volume II –
SOUZA, C.R de G. 2001. Coastal erosion risk assessment, shoreline retreat rates and
causes of coastal erosion along the State of São coast, Brazil. Revista Pesquisas em
ROM.
08/agosto/2008. CD-ROM.
SOUZA, C.R. de G. & SUGUIO, K. 1996. Coastal erosion and beach morphodynamics
along the state of São Paulo (SE Brazil). Anais da Academia Brasileira de Ciências,
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SOUZA, C.R de G. & SUGUIO, K. 2003. The coastal erosion risk zoning and the São
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Arenosas e Erosão Costeira. In: C.R. de G. Souza et al. (eds.). Quaternário do Brasil.
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