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VI T O R S CA L ER C IO
Licenciado e Mestre em Geografia (UFRJ)
Professor do Colégio Pedro II (Campus São Cristóvão III)
Pesquisador do LENpGEO – Laboratório de Ensino de Geografia e Pensamento Espacial (CPII)
Coordenador adjunto do Curso de Especialização em Teorias e Práticas da Geografia Escolar (CPII)
scalerci o@cp2.g12.br
RESUMO: EM 2018, FUNDAMOS NO COLÉGIO PEDRO II O LABORATÓRIO DE ENSINO DE GEOGRAFIA E PENSAMENTO ESPACIAL (LENPGEO) ONDE
TRABALHAMOS COM ALUNOS DE ENSINO MÉDIO E DESENVOLVEMOS ATIVIDADES DE INICIAÇÃO CIENTIFICA JÚNIOR. COMPARTILHAMOS NESTE ARTIGO
ALGUMAS REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS QUE TÊM SIDO REALIZADAS DENTRO DO GRUPO PREOCUPADAS COM A IDENTIDADE E RAZÕES DE SER
DA DISCIPLINA NA EDUCAÇÃO BÁSICA. TAMBÉM APRESENTAMOS O PROJETO MAPEANDO MEUS COLEGAS, QUE BUSCA ATRAVÉS DA CARTOGRAFIA
E DE ANÁLISES GEOGRÁFICAS ESTIMULAR O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO ESPACIAL PARA A COMPREENSÃO DO ESPAÇO URBANO,
ASPECTO ESSE QUE ARGUMENTAMOS DEVER SER PERSEGUIDO PELO ENSINO DE GEOGRAFIA ATRAVÉS DE UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA.
PALAVRAS-CHAVE: ENSINO DE GEOGRAFIA; EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA; PENSAMENTO ESPACIAL; RACIOCÍNIO GEOGRÁFICO; COLÉGIO PEDRO II.
RESUMEN: EN EM AÑO DE 2018, EN EL COLÉGIO PEDRO II FUNDAMOS EL LABORATORIO DE GEOGRAFÍA Y PENSAMIENTO ESPACIAL (LENPGEO) DONDE HACEMOS
INVESTIGACIONES JUNTO A ALUMNOS DEL BACHILLERATO. EN ESTE ARTÍCULO VAMOS COMPARTIR ALGUNAS REFLEXIONES EPISTEMOLÓGICAS QUE SE HAN LLEVADO A CABO
DENTRO DEL GRUPO, RELACIONADAS CON LA IDENTIDAD Y LAS RAZONES DE LA DISCIPLINA EN LA ESCUELA. ADEMÁS PRESENTAREMOS NUESTRO PROYECTO LLAMADO
MAPEANDO MÍS COLEGAS, QUE INTENTA, A TRAVÉS DE LA CARTOGRAFÍA Y DEL ANÁLISIS GEOGRÁFICO, ESTIMULAR EL DESARROLLO DEL PENSAMIENTO ESPACIAL PARA
COMPRENDER EL ESPACIO URBANO A TRAVÉS DE UN APRENDIZAJE SIGNIFICATIVO.
PALABRAS-CLAVE: ENSEÑANZA DE GEOGRAFÍA; EPISTEMOLOGÍA DE GEOGRAFIA; PENSAMIENTO ESPACIAL; RACIOCÍNIO GEOGRÁFICO; COLÉGIO PEDRO II.
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O ambiente escolar nem sempre é visto como acadêmico, de reflexões sobre a escola enquanto
um espaço de produção de conhecimento, produtora de ciência – quando esta se encontra
e o adolescente não é concebido como composta por laboratórios de pesquisa, grupos
uma pessoa com maturidade suficiente para de reflexão e projetos de investigação onde os
construí-lo. (SILVA et al., 2014. p. 10) próprios secundaristas são os protagonistas
dessas atividades, muitas vezes como alunos de
O desenvolvimento de atividades iniciação cientifica.
cientificas, assim, parece ser uma realidade
longe de ser cotidiana nas redes públicas do O LENpGEO E A NECESSIDADE DA RETOMADA DA
país, o que faz pensar que a massificação de DISCUSSÃO EPISTEMOLÓGICA DA GEOGRAFIA NA
uma escola pública, gratuita e de qualidade EDUCAÇÃO BÁSICA
passa necessariamente pelo reconhecimento do
professor como uma figura intelectual e produtora Como se pode perceber, o nome do
de conhecimento com potencialidades de ação coletivo não é exatamente uma abreviação. Por
para além da transmissão de conteúdo e da dois motivos, uma questão prática de sonoridade,
realização de atividades pedagógicas puramente cadência; e outra por desdobramentos
mecânicas e pautadas na mera reprodução de conceituais. A duas palavras principais que
conteúdos curriculares. Não menos necessário, dão vida ao nome do laboratório são “ensino” e
salários adequados junto com uma carga horária “pensamento”. Debruçamo-nos sobre o ensino de
que permita o engajamento em outras atividades geografia tanto no seu sentido amplo, do ensinar
são fundamentais para o desenvolvimento de um e trabalhar a disciplina, como também no stricto
trabalho comprometido com a formação cidadã senso, ao encaixar-se a proposta do laboratório
e também inclusiva, no sentido de fazer com a um subcampo da geografia (chamada por
que o aluno se veja enquanto ator da ciência e muitos de educação geográfica ou ensino de
produtor de conhecimento. geografia). Já a parte do pensamento diz respeito
Apesar da busca bibliográfica, sobretudo a uma filiação epistemológica de compreensão
diante da nossa necessidade de compartilhar da geografia como um modo de pensar. Optamos
anseios e dificuldades, tivemos pouco êxito em no laboratório por utilizar pensamento espacial,
encontrar publicações ou textos que versem mas já adianto que a escolha poderia também
sobre a atividade (iniciação cientifica junior) ter sido por pensamento geográfico ou mesmo
de pesquisa com alunos secundaristas, o que raciocínio geográfico. Ainda que apresentemos
revela não só possíveis entraves institucionais tal discussão a seguir, acreditamos merecer
que impossibilitam a realização dessas maior espaço e aprofundamento (no sentido de
atividades como também a pouca atenção uma revisão bibliográfica) das diferenciações
que esta oportunidade tem recebido por parte e nuances entre as noções mencionadas.
da comunidade cientifica. Apenas para ilustrar Pensamento Espacial (Spacial Think) e
essa lacuna, nunca conseguimos inscrever pensamento geográfico – ou geoespacial – são
(diretamente) nossos bolsistas em eventos de compreensões mais recentes e que tem ganhado
ensino de geografia, pois sequer há o campo força no ensino de geografia através dos nomes
de participantes enquanto alunos do ensino das professoras Sônia Castellar (USP), Valéria
médio. Como defendemos, uma educação no Roque Ascensão (UFMG), Ronaldo Duarte
sentido mais amplo permite despertar a vocação (UERJ), Carolina Busch (UFTO), Rafael Straforini
científica e os seus potenciais em alunos de (UNICAMP) entre outros. Com forte influência
ensino médio, antes mesmo que estes atinjam e diálogo com autores estrangeiros, mais
o ensino superior, o que nos faz pontuar a falta precisamente dos Estados Unidos, tal como Sarah
de visibilidade e volume de produção, no campo Bednarz e Injeong Jo (Texas A&M University),
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esses professores tem trazido para o Brasil uma o conhecimento geográfico e o pensamento
discussão que nasceu no geoprocessamento e espacial vêm assumindo centralidade nas
tem repercutido fortemente na cartografia escolar, pesquisas, nas defesas em torno dessa disciplina
mas que acreditamos ser válida e necessária para escolar e também na sua presença enquanto
o ensino de geografia como um todo. superfície textual em alguns currículos, a exemplo
Duarte (2017) e Straforini (2018) da própria Base Nacional Comum Curricular,
contextualizam a discussão em torno do que também opera com esse conceito ao
pensamento espacial e sua maior difusão a apresentar um quadro dos princípios do raciocínio
partir de uma publicação do Conselho Nacional geográfico. (STRAFORINI, 2018, p. 180)
de Pesquisa Estadunidense (National Research
Council – NRC, 2016) preocupada com o ensino Os autores aqui citados, além de
de geografia naquele país. Roque Ascenção & Valadão (2014) e outros,
destrincharam a noção conceitual de pensamento
Learning to Think Spatially: GIS as a espacial a partir de um conjunto de perspectivas
Support System in the K-12 Curriculum. que merecem nossa atenção. De Miguel (2016
Em tradução livre: ‘Aprendendo a pensar apud Straforini, 2018, p. 180) estabelece, por
espacialmente’: Sistemas de Informações exemplo, diferenças entre pensamento espacial,
Geográficas como sistemas de apoio que estaria mais vinculado aos processos de
ao currículo da escola básica (ensino cognição e inteligência espacial, e pensamento
fundamental e médio). O documento foi geográfico, mais voltado à disciplina, pautando-se
elaborado pelo Comitê de Apoio para Pensar nos atributos de análise do espaço e menos nas
Espacialmente (Committee on the Support relações topológicas. A partir da compreensão da
for the Thinking Spatially), ligado à NRC, Straforini (2018) discorre sobre o conjunto
Comissão de Geografia do NRC. (DUARTE, de habilidades cognitivas e a estrutura do
2017, p. 201) [grifo nosso] pensamento espacial baseada na inter-relação de
três elementos: conceitos espaciais, processos
De modo coaduante com as noções de raciocínio e formas de representação.
sobre pensamento espacial, Duarte (2017) Não obstante, neste momento, mas também
afirma que já há algum tempo tem havido retomando a nossa justificativa de ‘batismo’
uma “defesa de algo que se aproxima da do laboratório, tomaremos a compreensão
noção relacionada a algum tipo de cognição de pensamento espacial num sentido mais
espacial” por parte de autores do ensino de amplo. Poderíamos tratar da mesma maneira
geografia (Idem, 2017, p. 199). Outro elemento outros nomes similares - ainda que saibamos
importante, ressaltado por Straforini (2018), diz que possuam diferenças entre si – raciocínio/
respeito ao protagonismo que o pensamento pensamento geográfico/espacial, ou até mesmo
espacial/raciocínio geográfico ganhou uma vez a expressão “olhar geográfico”, que faz parte de
estando presente na atual BNCC. Neste sentido, uma longa tradição dentro da epistemologia da
acreditamos ser necessário discutirmos melhor geografia (GOMES, 2012). Independente do termo
o que isso pode significar e focar de modo ou noção empregados, buscamos trazer à tona
mais prático os fundamentos dessas noções a necessidade de uma clareza epistemológica
sobre uma “cognição espacial”. Sabemos que para o ensino de geografia e nossas atividades
o documento em tela tem caráter orientador, de de pesquisa com os alunos, o que não significa
nada servindo se não encontrar reverberação em nenhum momento advogar pela imprecisão
e protagonismo na atuação docente da sala conceitual ou menosprezo pelo rigor que cada
de aula e das pesquisas. Como mencionado, uma das escolhas pode trazer consigo.
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Concordamos com os diversos autores aqui Explicar por que as coisas estão ali onde
mencionados de que geografia enquanto ciência estão, por que são diferentes quando
ou disciplina escolar permite o desenvolvimento aparecem em outras localizações, explicar
de um raciocínio ou pensamento próprio. Mas o graus de proximidade e de distância, a
que isso pode significar efetivamente? De que posição, a forma e o tamanho envolvem um
forma os professores de geografia da educação raciocínio bastante sofisticado. (GOMES,
básica podem se aproximar dessa perspectiva na 2017, p. 145)
construção de suas aulas e abordagens?
Na mesma direção da compreensão e
A Educação Geográfica cumpre uma função problematização do que isso pode significar,
social importante, como conhecimento que autores da área de ensino também tem mirado na
possibilita a compreensão da realidade, dos mesma preocupação epistemológica:
lugares onde se vive e das relações entre
a sociedade e a natureza. (...) Constitui, Para tanto, a localização é assumida para
portanto, um conhecimento que estrutura mais do que seu referencial cartesiano,
a leitura do mundo, na compreensão da que a baliza através de coordenadas
formação espacial e desenvolvimento geográficas. Localizar nessa perspectiva
do pensamento espacial que promove significa indicar os atributos do fenômeno
a formação de cidadãos críticos. e dos demais constituintes do espaço
(CASTELLAR, 2017, p. 160) onde esse se materializa/materializou. A
distribuição (dispersão/concentração) de
Para responder a pergunta anunciada, tais atributos do fenômeno e de seu local de
acreditamos que Paulo Cesar da Costa Gomes, ocorrência constituirá a descrição. Essa, em
um dos expoentes no campo da epistemologia da associação com a localização, permitirá a
nossa área, nos esclarece bastante ao concluir em produção de interpretações dos processos
sua obra mais recente (“Quadros Geográficos”) que atuam sobre/a partir do fenômeno e
que a geografia é uma forma de pensar que em interação aos demais componentes
(GOMES, 2017). Segundo nossa avaliação, esta presentes numa dada localidade, produzem
compreensão é balizadora tanto para pensamos certa espacialidade. (ROQUE ASCENÇÃO &
a geografia estritamente acadêmica, sem VALADÃO, 2014, p. 6)
preocupações pedagógicas, como também para
pensamos o ensino da disciplina de geografia na Anteriormente a sua última obra,
escola. Para o autor, o raciocínio geográfico tem Gomes (1997) já havia utilizado do conceito de
como pergunta fundadora “por que isso está onde ordem espacial na compreensão das razões
está”, cabendo a geografia analisar e interpretar a epistemológicas da disciplina, “[...] esta ordem
ordem espacial das coisas, pessoas e fenômenos espacial das coisas quer dizer que sua distribuição
(GOMES, 2017, p. 144). Aparentemente simples, tem uma lógica, uma coerência. É esta lógica
esse propósito epistemológico possibilita a criação do arranjo espacial a questão geográfica por
de um sistema explicativo baseada em diversas excelência.” (GOMES, 1997, p. 35). Explicar onde
escalas, variáveis e referências, conectando as coisas estão e como elas estão distribuídas no
elementos muito diversos e que necessitam, espaço, ou seja, a lógica do arranjo espacial seria
para sua compreensão, de descrições e análises o proposito fundamental da geografia. Assim,
bastante complexas. sempre que houver uma distribuição e explicação
sobre certa disposição no espaço, haverá uma
[...] ‘a ordem espacial do mundo’ pode geograficidade ou espacialidade.
parecer simples, mas de fato não o é.
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Brasil” pode ser o gatilho geográfico na condução e desejado para nossa atividade de pesquisa é
de uma abordagem do conteúdo de forma tratar geograficamente os fenômenos, coisas ou
investigativa e espacial. objetos, dado que
Haverá [...] sempre uma geografia quando Não cremos, pois, que seja indispensável
o fenômeno da dispersão espacial construir continuar buscando a definição de um
a questão central do problema, a geografia objeto com existência separada, isto é,
existe em qualquer fenômeno em que haja uma existência geográfica em si. A partir do
uma ordem espacial. (GOMES, 1997, p. 11) entendimento que tivermos do que deve ser
o objeto da disciplina geográfica, ficamos
Vejam que a questão geográfica em em condição de tratar, geograficamente, os
nenhum momento se limita a simplesmente objetos encontrados. (SANTOS, 1999, p. 77)
localizar as coisas. A localização é apenas o ponto
de partida que estarta o pensamento geográfico, E por meio desta discussão que o
ou se preferirem, o pensamento espacial. Pensar LENpGEO se funda enquanto laboratório de
geograficamente é sobretudo estabelecer geografia e pesquisa na educação básica,
conexões; compreender relações entre diferentes tendo em vista o desenvolvimento de um modo
escalas e elementos que têm posições diferentes de olhar que se pergunta não somente onde os
e se inter-relacionam. Criar tramas e elencar um fenômenos se localizam, mas porque lá estão.
conjunto de elementos que ajudam a explicar o Assim, buscamos construir com os alunos um
onde e o porquê das coisas estarem onde estão. exercício metal para aprenderem a abordar,
Para ajudar na construção do tratar, geograficamente os assuntos e conteúdos
entendimento da geograficidade de um estudados. E acreditamos que isso terá de serventia
fenômeno, quer dizer, de sua dimensão espacial, não somente em relação ao êxito acadêmico,
podemos (e devemos) utilizar da cartografia mas sobremaneira como forma problematizadora
como ferramenta. Podemos afirmar que um e crítica na compreensão da realidade.
fenômeno é geográfico na medida em que ele
pode ser cartografado, ou seja, mapeado. Por O PROJETO MAPEANDO MEUS COLEGAS
exemplo, estudar a geografia das indústrias nos
permite mapeá-las e produzir ou analisar um O projeto Mapeando Meus Colegas foi
mapa com a distribuição espacial delas. criado no ano de 2016 e começou efetivamente
Por tudo isso e sendo o LENpGEO um com alunos bolsistas do ensino médio no
laboratório de pesquisa preocupado com o ano de 2017, encontrando-se em sua terceira
ensino de geografia e pensamento espacial, edição em 2019. O projeto busca através do
pouco nos importa a temática ou conteúdo a ser levantamento de dados do corpo discente
trabalhado dentro das inúmeras possibilidades e promover o mapeamento como uma ferramenta
interesses. Podemos nos engajar, por exemplo, metodológica para o desenvolvimento do
sobre a geografia urbana ou econômica, raciocínio geográfico (ou pensamento espacial)
questões ambientais ou especificamente com de modo prático e significativo.
o desenvolvimento de materiais cartográficos. “Onde moram os alunos do Colégio Pedro
Epistemologicamente, estamos de acordo com II?” foi o gatilho geográfico do nosso projeto,
Milton Santos (1999) e Paulo Cesar Gomes (1997) que se justifica por algumas especificidades
quando colocam que a geografia não se define da instituição de ensino. Além da notoriedade
por um objeto específico de estudo, mas por uma alcançada no cenário da educação brasileira ao
pergunta, ou uma forma especifica de analisar longo dos seus recém completos 180 anos de
os fenômenos. Dessa maneira, o fundamental fundação, o CPII é uma das maiores instituição
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de ensino do Brasil. Em 2016, 12.716 discente informações dos mais variados tipos, almejando,
estudavam nos quatorze campi localizados ao longo do processo, que eles assumissem o
majoritariamente na cidade do Rio de Janeiro, papel de produtor do saber escolar.
além dos municípios de Duque de Caxias e Niterói O projeto Mapeando Meus Colegas
(ambos integrantes da Região Metropolitana). apresenta, portanto, dois movimentos
Assim, somente na capital fluminense, há doze sincronizados. O primeiro diz respeito a uma
unidades escolares espalhadas em todas as dimensão de ensino-aprendizagem, que
regiões da cidade, Centro, Zona Sul, Zona Norte podemos chamá-la de formação, na medida em
e Zona Oeste. O apetite investigativo nasceu, que objetivamos desenvolver com escolares o
portanto, da necessidade de saber exatamente de pensamento espacial (ou raciocínio geográfico)
onde vinham os 1.100 alunos da unidade escolar através da utilização da cartografia e da operação
São Cristóvão III (SCIII), lugar onde atuamos como de um conjunto de dados e informações do
professor de geografia no ensino médio e onde se próprio corpo discente e da sua realidade urbana
encontra o LENpGEO. vivida, facilitando um processo de leitura de
Não se limitando a simples identificação e mundo, posto que
descrição da localização do local de residência,
desejava-se analisá-la à luz da compreensão do Ler o mundo e representá-lo significa
espaço urbano metropolitano e do conjunto de desenvolver a prática do letramento
outros dados dos discentes e de suas famílias, geográfico e cartográfico (...) O Letramento
características do domicílio e de seus bairros. Geográfico permite o desenvolvimento
Deste modo, queríamos qualificar a distribuição das noções de espacialidade do aluno,
espacial dos alunos a partir de um conjunto de conduzindo-o à leitura do seu mundo e
outras variáveis geograficamente sabidas e reconhecimento do seu papel social na
estruturadas. A partir dos dados encontrados na sociedade. (...) [Nele] a cartografia é peça
escola, poderíamos compará-los e problematizá- fundamental para a construção dos saberes
los em relação aos dados socioeconômicos e geográficos. Isto porque a leitura do mundo
urbanos do país e da região metropolitana. se faz através da identificação das categorias
Diferentemente da maioria das escolas de localização, distribuição e extensão dos
públicas das redes municipais e estaduais, o lugares que podem ser representados em
Colégio Pedro II se destaca por possuir uma mapas. (SOUZA, 2013, p. 500-501)
dinâmica para muito além de uma “escola de
bairro”, sobretudo no que diz respeito a sua O segundo movimento, que se desdobra
capacidade de atração do corpo discente. Assim, com a realização do primeiro, diz respeito à
é facilmente notado que os campi são compostos dimensão de pesquisa, pois pode-se enxergar
por alunos residentes em diversos bairros do a escola e a sua comunidade como objetos de
Rio de Janeiro e de cidades vizinhas. E como pesquisa em si. Neste sentido, o levantamento de
já se supunha, a variedade dos bairros não se dados sobre os alunos possibilita a compreensão
daria apenas pelos números, mas nos perfis da capacidade de atração (ou polarização) da
socioeconômicos muito amplos e distintos. Tendo escola na Região Metropolitana e a qualificação
em vista a prática de pesquisa na escola - tal como do público discente dentro da realidade
apontaram Silva et al. (2014) em discussão sobre socioeconômica da mesma. Conhecer melhor
a formação cidadã e significativa - queríamos a realidade dos alunos, sua composição social,
executar um projeto junto a adolescentes que padrão de vida, formas de acesso ao colégio, entre
desenvolvessem competências para elaboração outras informações que podem ser fundamentais
e utilização de métodos na coleta de dados, para a promoção de ações que visem a maior
produção de material, seleção e interpretação de eficiência do ensino ou até mesmo no diagnóstico
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de alguns problemas que acometem os alunos. tornando-o mais autônomo, visto que o auxilia
Como um dos objetivos nos conduzia à na sua realidade. Ainda sobre a importância
elaboração de mapas temáticos com dados dos do desenvolvimento do chamado letramento
discentes que habitam a região metropolitana cartográfico e, consequentemente, geográfico,
fluminense, era fundamental qualificar os bolsistas Silva et al. (2014) apontam que:
para melhor compreensão sobre a própria
“geografia” do espaço urbano fluminense. Nosso A cartografia escolar deve criar um
objetivo principal nunca residiu na dimensão conjunto de conceitos que permitam
técnica da cartografia, mas nas potencialidades o desenvolvimento de habilidades e
de se pensar geograficamente através dela. competências para o sujeito se deslocar
No currículo de geografia do ensino médio no espaço conhecido – e desconhecido
do CPII há menção específica ao estudo sobre o – por ele. Além disso, deixá-lo capaz
estado do Rio de Janeiro apenas na 3ª série do EM, de referenciar fenômenos de diferentes
num ponto nodal do primeiro trimestre (no caso, áreas do conhecimento no espaço. Uma
regionalização do estado). O peso das análises do pessoa que sabe se localizar no espaço
currículo privilegia o regional, nacional e global, possui maior autonomia para se deslocar
sem deixar muitas brechas para maior destaque à em cidades, bairros ou países. Consegue
escala vivida ou intraurbana. Nas reuniões iniciais interpretar uma informação de um veículo
do projeto com os alunos, constatamos esta lacuna da mídia, contextualizando espacialmente
ao diagnosticar a falta de intimidade deles com aquela informação. (SILVA et al., 2014. p. 17)
representações cartográficas da cidade do Rio de
Janeiro ou de sua região metropolitana. Relataram Acreditamos que a operação da escala
nunca haver visto um mapa dos bairros da cidade, local no estudo do urbano - sem anular e articular
nem tampouco sabiam se localizar ou apontar com as demais escalas - é fundamental para
os principais equipamentos urbanos ou eixos de a compreensão das distâncias, localizações,
transporte. Sequer demonstraram a capacidade extensões, limites, arranjos regionais e orientação
de identificar as regiões administrativas, ou as no espaço urbano vivido. Como apontou
zonas, nem noções de distância entre elas ou Duarte (2017), o espaço geográfico vai além
tamanho das mesmas. da concepção física-concreta, mas ao mesmo
Decerto que professores do colégio fazem tempo não esvazia a sua importância. Diversos
esforços para mostrar e trabalhar fenômenos fenômenos que conformam a realidade são
que ocorrem em nossa cidade, mas não há um difíceis de serem compreendidos sem levarmos
conjunto de conteúdos encadeados que conduza em conta as propriedades geométricas do espaço
a aulas com o objetivo de se estudar, por exemplo, e as noções de distância. De nada adianta sempre
a localização na cidade, suas regionalizações, os citarmos exemplos de fenômenos ou fatos que
sistemas naturais, os componentes econômicos, ocorrem em nossa cidade se os alunos pouco
as infraestruturas e toda a complexidade de uma dominam ou pensam espacialmente essa cidade.
metrópole de mais de seis milhões de habitantes No final, corre-se o risco de ensinar o pensar
e 1.200 quilômetros quadrados que é o Rio de sobre a cidade apenas como algo abstrato, uma
Janeiro. De alguma maneira, acabamos por nos espécie de entidade social ou política esvaziada
debruçar mais sobre o “Brasil” e o “Mundo”, do que da sua dimensão efetivamente geográfica.
a escala local ou do vivido. Souza (2013) ressalta Por último, outro aspecto que norteia o
que a importância de se ensinar cartografia não projeto passa pela defesa da necessidade de
reside somente à técnica de aprender a ler e operacionalização do saber geográfico, que é
produzir mapas, mas, sobretudo, de perceber a potencialmente mais eficaz quando observamos
localização de lugares e utilizá-los no cotidiano, e analisamos fenômenos geográficos que
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correm na escala intraurbana, que podem ser Rio de Janeiro, no Centro da cidade;
observados em nossas práticas espaciais • Segunda etapa: elaboração coletiva de
cotidianas. Yves Lacoste há tempos já questionário-censo estruturado; criação
sublinhava a importância de que os geógrafos do questionário de forma digital no Google
docentes deveriam retomar a consciência das Formulários; levantamento de todas as
verdadeiras dimensões desta ciência, pois a turmas da unidade escolar visando criação
razão de ser desse “saber pensar o espaço” é a de cronograma de sua aplicação nas aulas
compreensão do mundo para melhor podermos de geografia do campus; tabulação dos
agir com eficácia sobre ele. De acordo com autor, questionários pelos bolsistas diretamente
há a necessidade de se pensar geograficamente do Formulário online do Google;
e buscar maneiras pelas quais os cidadãos se • Terceira etapa: reuniões para discussão
interessassem pela geografia e compreendam dos dados e informações levantados,
a sua utilidade como forma de ver e pensar o buscando a criação de gráficos, tabelas
mundo. Para ele, este se constituía, pois, como e de mapas; produção de relatórios
um dos desafios da geografia (LACOSTE, 1989). analíticos e descritivos; criação de
gráficos e tabelas em Excel e produção
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E METODOLOGIA de mapas temáticos no programa QGIS 4.
Um dos pontos principais na construção
Em resumo, compartilhamos a metodológica dizia respeito sobre como obter os
metodologia desenvolvida no projeto através dados do corpo discente da nossa unidade escolar.
de algumas etapas e atividades realizadas. Ao Decidimos pela elaboração de um questionário
longo das três edições fizemos adaptações e estruturado a ser aplicado nas turmas durante as
alguns caminhos distintos, sobretudo diante das aulas de geografia dos professores do campus
dificuldades colocadas pelo calendário escolar (total de oito professores da disciplina). Após
e início da concessão das bolsas. Vale aqui a decisão do nosso instrumento metodológico
observação de que o tempo da pesquisa na principal, o ponto de partida se deu com o
escola, ao menos no CPII, é bem distinto daquele estudo e discussão sobre o censo demográfico
ritmo universitário. Na escola, temos efetivamente realizado pelo IBGE. Nenhum dos bolsistas havia
menos de seis meses de pesquisa e de bolsas, visto até então um questionário de censo e nem
com muitas interrupções. Semanas de provas e mesmo faziam ideia da sorte de perguntas e itens
recuperações chegam a paralisar por quase um existentes. De lá, nos inspiramos e elaboramos
mês os encontros e as atividades de pesquisa, um questionário-censo com itens de perguntas
tornando muito desafiador dar andamento a sobre dados pessoais, ocupação e domicílio. A
investigação e garantir o comprometimento dos estrutura ficou dividida em seis partes, a saber: I)
alunos. Sobre as etapas: Dados do Estudante; II) Dados do responsável; III)
• Primeira etapa: reuniões semanais de Dados do Domicílio; IV) Mobilidade; V) Dados de
planejamento e discussões teórico- Ingresso ao Colégio VI) Informações Adicionais,
conceituais, com ajuda de textos base estas com perguntas subjetivas e de impressões.
sobre cartografia e espaço urbano do Rio Reproduzidos numa folha frente e verso, sendo
de Janeiro e Região Metropolitana; aulas que, majoritariamente, as perguntas eram
práticas no laboratório de informática “fechadas”, visando a facilitação da tabulação e
com a utilização e exploração do Google obtenção de respostas. Apenas na última parte
Earth, da plataforma virtual Data Rio trabalhamos com respostas abertas.
(http://www.data.rio/), de noções básicas Para a aplicação dos questionários, os
de Excel, Google Drive e Docs; trabalho bolsistas fizeram o levantamento de todas as 38
de campo sobre evolução urbana do turmas do campus SCIII. Criaram uma planilha
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e se distribuíram como aplicadores (pelo menos Ao longo das reuniões, foi fundamental a
dois deles por turma) ao longo de quatro semanas. compreensão da Teoria das Localidades Centrais
Em 2017 obtivemos os dados dos alunos da de Walter Christaller (1933) e a discussão de
1ª e 2ª série e em 2018 das novas turmas de relatórios e estudos sobre centralidade dos
1ª série, recém-ingressos no ensino médio. Ao bairros da cidade do Rio de Janeiro (por exemplo
fim, 850 questionários foram respondidos. Não o Caderno Metropolitano 2 “Centralidades –
conseguimos chegar à totalidade dos 1.200, mas Perspectivas de Políticas Públicas”, desenvolvido
vale sublinhar que com o volume obtido já temos em parceria com o Sebrae/RJ e com o Instituto
uma amostra bastante representativa. de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), além
Ainda que nosso projeto surja como de publicações do Instituto Pereira Passos e o
pesquisa de iniciação científica júnior, “Observatório Sebrae”).
acreditamos que a metodologia, com recortes Alguns alunos moram em bairros a mais
e adaptações, pode ser desenvolvida como de 40 km (em distância reta) do campus. São
atividade pedagógica e de pesquisa pelos Cristóvão, bairro carioca onde está localizado
professores de geografia em diferentes contextos, SCIII, corresponde ao maior quantitativo de
com segmentos escolares variados e distintos discentes por um único bairro, seguido pelos
grupos de alunos. Por exemplo, o levantamento bairros da Zona Norte tal como Tijuca, Irajá,
dos dados demográficos e domiciliares pode ser Bonsucesso, Penha e Olaria, todos da Zona Norte
feito através de questionários mais simplificados, (63% moram na Zona Norte, 20% Zona Central,
aplicados em sala de aula e tabulados pelos 6% Zona Oeste e 3% Zona Sul), conforme
próprios alunos como atividade de avaliação. pode ser observado na Figura 1. Ainda que
seja perceptível o “efeito vizinhança”, o alcance
RESULTADOS DA PESQUISA espacial do campus é metropolitano (sendo 8%
proveniente de outros municípios da Região
Ainda que não seja objetivo principal deste Metropolitana), cujos alunos são provenientes de
artigo, compartilharemos alguns resultados sobre todas as dezesseis Regiões de Planejamento do
os dados levantados e analisados ao longo das Rio, menos a de Santa Cruz.
edições. Em publicações anteriores falamos sobre Para melhor compreender a centralidade
o diálogo entre o projeto e a cartografia escolar da unidade escolar, os alunos perceberam a
(CARDOSO & SCALERCIO, 2018) e explicamos necessidade de compreensão sobre o tema da
com mais detalhes toda a metodologia de mobilidade urbana. Assim, fizeram levantamentos
pesquisa e demais desdobramentos (Idem, dos principais equipamentos de transportes,
2019). Numa perspectiva interdisciplinar entre principais vias de circulação, linhas de ônibus
a geografia e a sociologia, cruzamos os dados e itinerários. Para isso, consultaram mapas de
levantados e analisamos especificamente o transportes da região metropolitana e discutiram
público cotista do campus, o que nos possibilitou as principais características e problemas da
melhor compreensão da política afirmativa e do mobilidade na cidade. Apesar de haver a menos
perfil dos alunos atendidos por ela, delimitando de um quilômetro da escola uma estação de trem
algumas das condições sociais de atuação na e outra de metrô, constatamos que 66% dos
escola (PERRUT & SCALERCIO, 2019). alunos usam ônibus como modal principal. A partir
Como era esperado, a maioria dos alunos desse dado discutimos quais seriam as possíveis
habita a cidade do Rio de Janeiro, mas 6% vivem razões da subutilização dos modais ferroviários, o
em municípios vizinhos da região metropolitana. que, com uso de entrevistas informais com alunos
A partir dos dados levantados, evidenciamos da escola e com algumas discussões feitas em
que o complexo de SCIII tem a capacidade de sala de aula, nos levou a constatar que a baixa
atrair estudantes de localidades muito distantes. “caminhabilidade” entre as estações e a escola
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Figura 1 – Mapa da distribuição espacial do alunos (CPII campus SCIII) no município do Rio de Janeiro
Fonte: Produção de Phillipe Valente Cardoso, DAGEOP, UERJ-FFP
seria um dos fatores principais da não utilização de conversa na escola para debater os
desse modal. Outros fatores associados seriam a números encontrados e o que isso pode
insegurança (criminalidade) e a sensação de “ser significar. Outro dado muito relevante foi
longe”. Outra causa que nos chamou bastante sobre o percentual de 24.3% de população
atenção e que representa um grande problema que mora em favela, número que é
no contexto da mobilidade urbana na cidade praticamente o mesmo do total do Rio de
diz respeito a dificuldade de integração entre os Janeiro, nos permitindo uma conclusão de
modais e o restrito uso do passe estudantil no que neste quesito a escola reverbera com o
metrô (não há integração tarifaria entre trem e microcosmo da própria cidade.
ônibus, por exemplo). Vale ressaltar que para cada dado levantado
Algumas questões não necessariamente no questionário, fazíamos ao longo das reuniões
geográficas foram debatidas diante dos o movimento de busca dos dados demográficos
dados que apareceram. Os bolsistas ficaram ou econômicos do Brasil, estado ou município.
intrigados com as respostas sobre religião. Tal Assim, a partir do universo escolar, buscamos ver
como no Brasil, de acordo com os dados dos semelhanças/diferenças e possíveis explicações
censos, a maioria é católica; porém, em SCIII com um contexto mais amplo. Por fim, outro
o segundo maior grupo é de ‘sem religião’, diagnostico interessante que a investigação nos
não de evangélicos, tal como aponta o IBGE conduziu dizia respeito sobre o perfil dos alunos
em relação ao país. Diante deste dado, os moradores da Zona Sul do Rio, conhecida por
alunos tiveram o interesse de criar uma roda ser majoritariamente composta por bairros de
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classe média e média-alta. A maioria que lá formação, pois, em virtude dessa nova
vive não mora em favelas, contudo tem perfil compreensão, sou capaz de me localizar
socioeconômico muito mais baixo da média dos e interpretar o espaço urbano de maneira
alunos da Zona Norte e, de acordo com relatos mais satisfatória. A pesquisa me encorajou
dos próprios alunos, muitos deles eram taxados a buscar ter um novo olhar para o ambiente
de “riquinhos” ou “burgueses” pelos seus colegas urbano e escolar.
simplesmente pelo fato de viverem naquela
zona. Ou seja, a partir da pesquisa eles puderam Ter esse retorno dos escolares tem sido
perceber a complexidade socioeconômica dos muito gratificante na medida em que se espera
perfis demográficos que habitam a cidade, para exatamente o desenvolvimento dessa curiosidade
além de preconcepções. e capacidade de associações de variáveis e
Se nosso projeto alcançou seus dados dos alunos e que podem ser estruturados
primeiros resultados de produtos cartográficos, geograficamente.
muita coisa ainda pode ser feita. Ao longo da
última edição, diante das limitações técnicas CONSIDERAÇÕES FINAIS
e de tempo, percebemos que o nosso foco
principal não seria a produção cartográfica Ao longo deste artigo buscamos
em si, mas a análise dos dados levantados e compartilhar algumas de nossas preocupações
a utilização de mapas já prontos da capital e epistemológicas e caminhos percorridos com
região metropolitana. Como desdobramento a atividade de pesquisa feita com alunos da
natural de uma investigação, percebemos a educação básica. O LENpGEO surge a partir de
necessidade de recortar mais os caminhos inquietações sobre a identidade da disciplina
possíveis de pesquisa e trabalhar com e seus propósitos, seja na nossa atuação
objetivos mais específicos diante das tantas enquanto professor em sala de aula ou em outras
entradas que o projeto permite. Assim, em atividades fora dela. O projeto “Mapeando
2019 concentramo-nos na discussão sobre o Meus Colegas” se desdobrou a partir do
alcance espacial máximo do campus e suas gatilho geográfico sobre a própria escola, mas
razões. O principal desafio vindouro é dar que se revelou extremamente complexa: onde
conta das análises do que foi levantado. Uma moram “meus colegas”? Todas as análises,
vez tendo os dados tabulados, nos deparamos correlações, inquirições e encaminhamentos
com um mar de informações que nos sugerem da pesquisa partiram das questões
outra infinidade de associações e relações fundamentais da geografia, onde e por quê?
geográficas que podem ser estabelecidas. Avaliamos que um dos aspectos positivos
Na elaboração do relatório final da da pesquisa foi de tornar a cartografia mais próxima
edição de 2018, identificamos algumas falas dos dos discentes, pois ela ajudava a evidenciar a
bolsistas nesta mesma direção, além de um certo realidade dos próprios colegas dentro de um
desenvolvimento da capacidade do pensamento contexto do seu espaço vivido ou conhecido. No
espacial. Uma bolsista registrou: mural externo do laboratório, alunos costumam
passar e ver com muita curiosidade mapas e
O Projeto me proporcionou a oportunidade gráficos produzidos pelo projeto. Os bolsistas
de realizar novas descobertas sobre a aprenderam na prática a manipular dados de
organização social, econômica e política diferentes tipos, especialmente através do uso de
da cidade do Rio de Janeiro [...] pude tabelas que geram banco de dados, desenvolvendo
ampliar minhas percepções em relação ao a capacidade de criação e construção de
espaço urbano e suas características. Essa informações gráficas e sistematizadas.
experiência foi significativa para a minha
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