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Regionalização e

Organização do Espaço
Mundial
Prof.ª Leia de Andrade
Prof.ª Rosani Lidia Dahmer

2015
Copyright © UNIASSELVI 2015

Elaboração:
Prof.ª Leia de Andrade
Prof.ª Rosani Lidia Dahmer

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

327.111
A553r Andrade, Leia de
Regionalização e organização do espaço mundial /Leia de
Andrade, Rosani Lidia Dahmer. Indaial : UNIASSELVI, 2015.

312 p. : il.

ISBN 978-85-7830-916-9

1. Globalização e regionalização.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

Impresso por:
Apresentação
Numa época em que as escolas e universidades se abrem para o
mundo contemporâneo ou pós-moderno, a geografia deveria ser uma das
disciplinas ou cursos que poderia contribuir para a leitura e interpretação
deste mundo.

Cada vez mais caracterizada pela abstração, a geografia e, em especial,


a geografia escolar tem se distanciado do “real” e do concreto.

O espaço mundial é ao mesmo tempo uno, diverso e complexo.


Estudá-lo, a partir da inter e transdisciplinaridade é um dos desafios que
se estabelece na contemporaneidade. O espaço geográfico linear, liso e
fragmentado passa a ser estudado como um espaço estriado, complexo, uno
e diverso, cada vez mais plural.

O conhecimento científico, assim como o conhecimento geográfico


produzido desde meados dos séculos XVII e XVIII, apesar de terem conduzido
a humanidade a avanços tecnológicos extraordinários, se apresentam cada
vez mais específicos e fragmentados. Crises contemporâneas, como, crises
sociais/identitárias, educacionais e a socioambiental, reconfiguram novas
necessidades de se fazer ciência.

Nas escolas, o saber ensinado na geografia não permite aos jovens


e futuros cidadãos o entendimento do mundo, quanto mais interferir nele,
contribuindo para a transformação. Percebe-se uma necessidade iminente
pela busca da totalidade, da religação de saberes e conhecimentos.

A análise apresentada neste Caderno de Estudos pretende contribuir


para a Geografia Escolar. Através dos conteúdos aqui relatados deseja-se
contribuir com a formação inicial do futuro professor, permitindo a aquisição
de conhecimentos para um trabalho holístico e contextualizado.

Para estudar o espaço geográfico recorremos a outras ciências, de


onde vem seu caráter interdisciplinar que estabelece categorias de análise
geográfica. “As categorias fundamentais do conhecimento geográfico
são, entre outras, espaço, lugar, área, região, território, habitat, paisagem
e população, que definem o objeto da Geografia em seu relacionamento”.
(SANTOS, 1986, p. 20). Para acompanhar as atualizações em curso no campo
da educação e da ciência é imprescindível que o ensino da geografia seja
permeado por análises complexas e totalizantes, uma vez que o espaço
geográfico se caracteriza desta forma.

III
O presente caderno pretende de forma desafiadora apresentar uma
análise das possíveis regionalizações do espaço mundial, discutindo noções
de região que buscam dar conta de explicar a des/re/organização dos espaços
mundiais. Procura-se diante dos pressupostos e processos contemporâneos
(globalização, pós-modernidade e fundamentalismos) estudar e compreender
o espaço mundial ou global, rompendo com as tradicionais dicotomias e
descrições, para através de uma análise dialética apreender a complexidade
e multidimensionalidade do mundo contemporâneo.

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA .
CONTEMPORANEIDADE.......................................................................................... 1

TÓPICO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA


CONTEMPORÂNEA........................................................................................................ 3
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA E PARADIGMA CIENTÍFICO................................................. 4
2.1 GEOGRAFIA CIÊNCIA VERSUS GEOGRAFIA ESCOLAR...................................................... 6
3 ESPAÇO GEOGRÁFICO...................................................................................................................... 8
3.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E AS TECNOLOGIAS E INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS......... 12
3.2 O SISTEMA DE POSICIONAMENTO GLOBAL OU GLOBAL
POSITIONING SYSTEM – GPS....................................................................................................... 13
4 AS ESCALAS DE ANÁLISE GEOGRÁFICA E O TEMPO: CONCEITOS-CHAVES DA .
GEOGRAFIA PARA COMPREENSÃO DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL.... 14
4.1 A ESCALA......................................................................................................................................... 14
4.2 DESLIZAMENTOS DAS ESCALAS E MULTIESCALARIDADE............................................. 18
5 TEMPO OU TEMPO-ESPAÇO............................................................................................................ 23
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 27
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 29

TÓPICO 2 – A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE................................................................... 31


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 31
2 MODERNIDADE.................................................................................................................................. 32
3 MODERNIDADE E ESTADO NACIONAL..................................................................................... 33
3.1 O ESTADO TERRITORIAL MODERNO....................................................................................... 34
3.2 O ESTADO NACIONAL.................................................................................................................. 35
3.3 O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU........................................... 39
3.3.1 As agências e programas da ONU........................................................................................ 41
4 GLOBALIZAÇAO, UMA BREVE INTRODUÇÃO........................................................................ 43
5 PÓS-MODERNIDADE......................................................................................................................... 45
5.1 PÓS-MODERNIDADE E ESPAÇO GEOGRÁFICO..................................................................... 47
6 O ESTADO NACIONAL EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E PÓS-MODERNOS............ 48
6.1 FRAGILIDADE E INSTABILIDADE DE ALGUNS ESTADOS-NAÇÕES E/OU
FALÊNCIA DO ESTADO................................................................................................................ 53
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 56
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 58

TÓPICO 3 – REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES................................................................................ 59


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 59
2 REFLEXÕES SOBRE A NOÇÃO DE REGIÃO................................................................................ 60
2.1 REGIÃO E GEOGRAFIA................................................................................................................. 63
3 REGIONALIZAÇÕES TRADICIONAIS DO ESPAÇO MUNDIAL........................................... 65
3.1 A REGIONALIZAÇÃO POR CONTINENTES............................................................................ 65
3.2 REGIONALIZAÇÃO EM TEMPOS DE GUERRA FRIA E MUNDO BIPOLAR..................... 67

VII
3.3 REGIONALIZAÇÃO PÓS-GUERRA FRIA.................................................................................. 68
3.4 REGIONALIZAÇÃO DO CONTINENTE AMERICANO.......................................................... 69
3.5 A REGIONALIZAÇÃO DO BRASIL............................................................................................. 71
3.5.1 Os complexos regionais da década de 1960 e a regionalização proposta por Milton
Santos no início do século XXI............................................................................................... 72
4 A REGIONALIZAÇÃO FRENTE AO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO............................... 73
4.1 REGIONALIZAÇÃO GLOBAL EM REDE................................................................................... 75
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 77
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 79

TÓPICO 4 – TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES................. 81


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 81
2 TERRITÓRIOS....................................................................................................................................... 81
3 CONCEPÇÕES DE TERRITÓRIO..................................................................................................... 82
4 TERRITORIALIDADES....................................................................................................................... 86
5 DESTERRITORIALIZAÇÃO E RE-TERRITORIALIZAÇÃO...................................................... 87
6 O TERRITÓRIO-REDE......................................................................................................................... 87
7 AGLOMERADOS DE EXCLUSÃO.................................................................................................... 89
7.1 TERRITORIALISMO: O MAU USO DA TERRITORIALIDADE............................................... 91
8 A REDE TERRORISTA AL-QAEDA: EXEMPLO DE TERRITÓRIO-REDE .
CONTEMPORÂNEO............................................................................................................................ 93
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 96
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 98

TÓPICO 5 – ESPAÇO JURÍDICO E A GEOGRAFIA...................................................................... 101


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 101
2 DIREITO E GEOGRAFIA.................................................................................................................. 101
2.1 A CONCEPÇÃO ISLÂMICA DE ESPAÇO JURÍDICO............................................................. 103
2.2 O ESTADO E O DIREITO.............................................................................................................. 107
RESUMO DO TÓPICO 5...................................................................................................................... 110
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 111

UNIDADE 2 – A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA .


ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES E DINÂMICAS................................ 113

TÓPICO 1 – A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A .


GLOBALIZAÇÃO............................................................................................................. 115
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 115
2 UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO......................................................................................... 116
3 A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA DA GLOBALIZAÇÃO.. 118
3.1 DIMENSÃO SOCIOECONÔMICA DA GLOBALIZAÇÃO – O FLUXO DE
MERCADORIAS............................................................................................................................. 119
3.2 A ACELERAÇÃO DOS FLUXOS DE CAPITAIS: A GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA...... 120
3.3 O LADO NEGATIVO DA GLOBALIZAÇÃO............................................................................ 122
3.4 A GLOBALIZAÇÃO E O MUNDO DO TRABALHO............................................................... 124
4 O BRIC: PAÍSES EMERGENTES DIFERENCIADOS E SUAS CARACTERÍSTICAS.......... 127
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 130
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 132

VIII
TÓPICO 2 – A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS: ORGANISMOS .
SUPRANACIONAIS ...................................................................................................... 135
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 135
2 OS ORGANISMOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS........................................................ 135
2.1 FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL – FMI................................................................... 136
2.2 O BANCO MUNDIAL................................................................................................................... 137
3 AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS............................................................................................. 139
4 ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ONGS.......................................................... 142
5 MÍDIA GLOBAL.................................................................................................................................. 143
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 146
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 148

TÓPICO 3 – O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS


REGIONAIS...................................................................................................................... 151
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 151
2 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO – OMC......................................................... 151
3 O MUNDO EM BLOCOS................................................................................................................... 157
3.1 UNIÃO EUROPEIA – EU.............................................................................................................. 158
3.1.1 As instituições da União Europeia...................................................................................... 159
3.1.2 Nem todos a favor da integração........................................................................................ 162
3.1.3 Estudo de caso: A imigração ameaça a estabilidade da União Europeia...................... 164
3.2 NAFTA – ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO DA AMÉRICA DO NORTE........................... 165
3.3 MERCOSUL..................................................................................................................................... 167
3.3.1 A integração das infraestruturas territoriais...................................................................... 169
4 APEC – COOPERAÇÃO ECONÔMICA DA ÁSIA E DO PACÍFICO....................................... 171
5 COMUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DA ÁFRICA AUSTRAL – SADC.......... 173
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 174
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 176

TÓPICO 4 – ÁFRICA.............................................................................................................................. 179


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 179
2 CIVILIZAÇÕES NEGRO-AFRICANAS......................................................................................... 179
3 PROBLEMAS DA ÁFRICA E SUA ORIGEM................................................................................ 181
4 ÁFRICA SUBSAARIANA.................................................................................................................. 183
4.1 RAÍZES DO SUBDESENVOLVIMENTO E DOS CONFLITOS NA ÁFRICA........................ 184
4.2 CONFLITOS A SEREM DESTACADOS...................................................................................... 185
4.3 O DRAMA DA AIDS NA ÁFRICA.............................................................................................. 186
4.4 ESTABILIDADE POLÍTICA VERSUS SAÚDE MATERNA..................................................... 187
4.5 AS RIQUEZAS NATURAIS E OS MINÉRIOS DE CONFLITO............................................... 188
4.6 A ÁFRICA DO SUL DURANTE E DEPOIS DO APARTHEd................................................... 191
4.7 SUDÃO, O NORTE CONTRA O SUL......................................................................................... 193
4.7.1 Darfur: outra questão sudanesa.......................................................................................... 195
4.8 SOMÁLIA: GUERRA ENTRE CLÃS........................................................................................... 196
4.9 ANGOLA: DO DRAMA DA GUERRA À RECONSTRUÇÃO NACIONAL........................ 197
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 199
RESUMO DO TÓPICO 4...................................................................................................................... 200
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 202

IX
TÓPICO 5 – ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO....................................................................... 205
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 205
2 CHINA: CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A NOVA POTÊNCIA............................................. 205
2.1 O IMPERIALISMO E A REVOLUÇÃO CHINESA.................................................................... 206
2.2 O PERÍODO DE MAO TSÉ-TUNG.............................................................................................. 208
2.3 DENG XIAOPING E AS REFORMAS ECONÔMICAS............................................................ 209
2.4 A CHINA NA GLOBALIZAÇÃO................................................................................................ 213
3 A RÚSSIA: GEOPOLÍTICA, CONJUNTURA INTERNACIONAL E INFLUÊNCIA .
REGIONAL........................................................................................................................................... 214
3.1 A RÚSSIA E OS CONFLITOS DO LESTE EUROPEU: O CASO DA UCRÂNIA E DA
CRIMEIA.......................................................................................................................................... 215
4 OS TIGRES ASIÁTICOS................................................................................................................... 220
4.1 SINGAPURA................................................................................................................................... 221
4.2 COREIA DO SUL............................................................................................................................ 221
4.3 HONG KONG................................................................................................................................. 222
4.4 TAIWAN........................................................................................................................................... 222
5 NOVOS TIGRES ASIÁTICOS.......................................................................................................... 223
6 O SUDESTE ASIÁTICO E A ASSOCIAÇÃO DE NAÇÕES DO SUDESTE
ASIÁTICO – ASEAN........................................................................................................................... 223
7 ÍNDIA..................................................................................................................................................... 224
7.1 A INVESTIDA TECNOLÓGICA DA ÍNDIA.............................................................................. 226
7.2 O PESO DEMOGRÁFICO E A GEOPOLÍTICA INTERNA DA ÍNDIA................................. 227
8 ESTUDO DE CASO: CRISES MIGRATÓRIAS NA ÁSIA.......................................................... 229
8.1 DIFERENÇAS ENTRE AS CRISES MIGRATÓRIAS NA ÁSIA E NA EUROPA................... 230
RESUMO DO TÓPICO 5...................................................................................................................... 234
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 237

UNIDADE 3 – MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E .


MIGRAÇÕES................................................................................................................. 239

TÓPICO 1 – CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO................... 241


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 241
2 TERRORISMO..................................................................................................................................... 242
2.1 FUNDAMENTALISMOS RELIGIOSOS...................................................................................... 243
2.2 O CASO DE ISRAEL E DA PALESTINA.................................................................................... 244
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 253
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 254
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 255

TÓPICO 2 – A MILITARIZAÇÃO DE ESPAÇOS GEOPOLÍTICOS E ESTRATÉGICOS....... 257


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 257
2 ESPAÇOS GEOPOLÍTICOS.............................................................................................................. 258
3 ESPAÇOS ESTRATÉGICOS.............................................................................................................. 261
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 262
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 263

TÓPICO 3 – FORÇAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA.................................................. 265


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 265
2 FARC – FORÇA REVOLUCIONÁRIA DA COLÔMBIA............................................................. 265
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 272
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 273

X
TÓPICO 4 – O SIGNIFICADO DA FRONTEIRA ENTRE O MÉXICO E OS ESTADOS .
UNIDOS DA AMÉRICA PARA AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS............ 274
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 274
2 MIGRAÇÕES POR MOTIVOS ECONÔMICOS.......................................................................... 275
3 MIGRAÇÕES POR MOTIVOS RELIGIOSOS E POLÍTICOS................................................... 279
RESUMO DO TÓPICO 4...................................................................................................................... 283
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 284
TÓPICO 5 – CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO............... 287
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 287
2 O ESTADO ISLÂMICO...................................................................................................................... 288
3 A NIGÉRIA........................................................................................................................................... 290
4 SÍRIA E IRAQUE................................................................................................................................. 292
4.1 SÍRIA................................................................................................................................................. 292
4.2 IRAQUE............................................................................................................................................ 295
RESUMO DO TÓPICO 5...................................................................................................................... 301
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 302

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 303

XI
XII
UNIDADE 1

REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E
FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA
CONTEMPORANEIDADE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade você estará apto a:

 compreender a relação entre a ciência, paradigma científico e a geografia;

 correlacionar geografia do campo científico com a geografia;

 analisar as realidades espaciais em sua diversidade, multidimensionalidade


e pluralidade cultural;

 reconhecer que a geografia escolar é uma disciplina que exige formações


continuadas e atualizações constantes;

 identificar o espaço geográfico como objeto de estudo da geografia;

 estabelecer correlações entre a modernidade e pós-modernidade para


compreender a atual organização do espaço em Estados Nacionais, com a
atuação de atores supranacionais coadjuvantes;

 assimilar a região como conceito e a regionalização como metodologia de


estudo do espaço, através das partes, numa concepção dialética, em que
cada parte é uma totalidade em si mesma;

 compreender os diferentes conceitos acerca dos territórios, das


territorialidades e dos processos que levam à des-re-territolialização;

 reconhecer a existência simultânea e, por vezes, conflitantes de territórios


políticos, territórios-redes, aglomerados de exclusão e territorialismo;

 compreender as diferenças entre direito jurídico ocidental e islâmico.

1
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos em que você vai analisar os temas abordados
a partir de uma contextualização. No desenvolvimento do tópico, você vai encontrar
sugestões para complementar sua leitura e atividades de aprofundamento e de discussão
que o(a) ajudarão a aprender ativamente. Nesta unidade você irá estudar:

TÓPICO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA


CONTEMPORÂNEA

TÓPICO 2 – A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE: ESPAÇO DIVERSO E


MULTIDIMENSIONAL

TÓPICO 3 – REGIÕES E REGIONALIZAÇÕES

TÓPICO 4 – TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

TÓPICO 5 – ESPAÇO JURÍDICO E A GEOGRAFIA

2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA
GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

1 INTRODUÇÃO
Ao se deparar com o material desta disciplina, talvez o questionamento
que você tenha feito foi: o que estudaremos em “Regionalização e Organização do
Espaço Geográfico Mundial”? Quais são os critérios que poderão ser utilizados
para diferentes regionalizações do espaço mundial? E, como uma abordagem
sobre a organização espacial poderá contribuir na aquisição de compreender o
espaço geográfico mundial ou planetário a partir de recortes, em que a questão
das escalas de análise geográfica, uma das categorias, ou um conceito secundário
da geografia, contém em si uma problemática espacial?

Para que possamos responder a estas perguntas ao longo deste caderno


e da disciplina, é necessário lembrar-se das unidades de Fundamentos
Epistemológicos da Geografia, em que você estudou aspectos importantes da
história do pensamento geográfico e seus conceitos; da Geografia Econômica,
em que estudou a importância dos espaços para as teorias do desenvolvimento
econômico e sistemas econômicos e economia do Brasil; da Geografia Cultural e
Política, em que estudos sobre as posições de poder e domínio que se relacionam
a questões políticas, culturais, econômicas e sociais. Estas disciplinas se inter-
relacionam com esta disciplina que estamos iniciando.

Desta forma, caro(a) acadêmico(a), procuramos trabalhar os conceitos,


conteúdos e reflexões aqui apresentados com o pensamento aberto para a
complexidade do mundo contemporâneo, momento em que as ciências, a
educação e paradigmas estão sendo repensados e reconstruídos.

3
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

2 CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA E PARADIGMA CIENTÍFICO


Os últimos quinze anos, os primeiros do século XXI, podem ser
caracterizados e adjetivados como densos, com multiplicidade e simultaneidade
de acontecimentos, muitos dos quais não previstos, nem sequer imaginados pelos
teóricos e intelectuais. O ataque ao World Trade Center, ao Pentágono, ataques
às Estações Ferroviárias de Madrid e de Londres e outros lugares com carga
simbólica para a civilização ocidental, a guerra empreendida contra o terror pelas
civilizações ocidentais e democráticas, a primavera árabe, crises econômicas e
uma sucessão de eventos atmosféricos extremos, abalos sísmicos e catástrofes
ambientais. Pipocam produções científicas cada vez mais fragmentadas e
específicas, desde a nanotecnologia, microeletrônica, robótica, aeroespacial,
expansão da cultura digital (iPhones, iPads e tablet) e outros. O maior acelerador de
partículas do mundo (Grande Colisor Elétron-Pósitron ou Large Hadron Collider –
LHC) foi acionado e a existência da 13ª partícula foi comprovada.

Na geografia, principalmente na área da geografia física, o uso de


geotecnologias permitiu maior precisão nos estudos de determinados fenômenos
natural e socioespacial, pois trazem avanços significativos utilizados no
desenvolvimento de pesquisas, em ações de planejamento, em processos de
gestão e em tantos outros aspectos da questão espacial. As geotecnologias
surgem concomitantemente a partir do desenvolvimento dos computadores e se
difundem com a internet. Imagens de satélite, dos sistemas Landsat, Landsat TM7
e Kronos, dados de localização através do Sistema de Posicionamento Global ou
Global Position System – GPS e do GeoRadar permitem o acesso a um conjunto de
dados e informações associadas à análise espacial ou geográfica.

A revolução técnica científica, a pós-modernidade e a globalização


são fenômenos que se desencadearam após a segunda metade do século XX e
suas implicações e consequências, além de influenciar os rumos da economia,
política e sociedade, determinaram novas formas de pensar, de conceituar e
explicar o mundo. Paralelamente a esse panorama, a crítica à ciência moderna
fez-se necessária. A ciência, influenciada por estes processos e fenômenos,
passou por reformulações. Na geografia, novas configurações paradigmáticas
conferem novos sentidos ao espaço (e ao tempo) e suas representações também
se renovam. Questionamentos às noções de razão, verdade, método e passado,
feito por pensadores e filósofos como Michael Foucault, Guatarri, Deleuze,
Feyerabend, Edgar Morin, Lyotard tentam explicar o mundo baseados em uma
nova epistemologia, onde as ciências buscam reformulação. (RIBEIRO, 2008).

Edgar Morin (2011), em sua obra “Introdução ao pensamento complexo”,


chama a atenção para a urgência da necessidade de se procurar interpretar a
complexidade da realidade e do pensamento. A mudança de paradigma científico
visa à compreensão da realidade, e esta, de acordo com Morin (2011), é complexa,
como também o pensamento humano o é, portanto, a ciência por extensão também
precisa ser complexa. O autor reflete que ao invés das certezas, das verdades, da
ordem, da previsibilidade compreende-se hoje que a Ciência progride através do

4
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

erro, das incertezas, e das emergências (acontecimentos não previstos, ruídos que
perturbam os sistemas...) e que todo conhecimento produzido é sempre precário,
provisório e incompleto. O conhecimento possui multidimensionalidade, e esta
deve ser uma das concepções do novo paradigma científico, buscando unicidade
e totalidade na pessoa humana. O conhecimento deve considerar a confluência da
razão e sensibilidade do corpo e espírito, da teoria e práxis, da ordem e desordem,
do caos e organização.

NOTA

Entre os cientistas são partilhados e observados conceitos, teorias, compromissos


de pesquisa para explicar e compreender o mundo. O primeiro grande paradigma foi o da
física mecânica ou newtoniana, pela qual o como “fazer” ou não fazer ciência, precisava
estar associada a embasamentos experimentais, e não apenas teóricos. A verdade baseada
no empirismo, buscada objetiva e racionalmente, era absoluta e o futuro previsível. Uma
troca de paradigma carrega consigo fatores sociais, políticos e pessoais, pois caso contrário
não haverá a necessidade da substituição de um por outro.

Edgar Morin em seu livro “Introdução ao pensamento Complexo”


defende a emergência de uma nova concepção de ciência, de explicar e conhecer
a realidade e o mundo. O autor (2011, p. 10) explica que:

O conhecimento opera por seleção de dados significativos: separa


(distingue ou disjunta) e une (associa, identifica); hierarquiza (o
principal, o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de
noções-chave); essas operações que utilizam da lógica são comandadas
por princípios supralógicos de organização do pensamento, do
indivíduo ou de uma comunidade (paradigma). Os princípios
supralógicos são princípios ocultos, os quais orientam nossa visão das
coisas e de mundo sem que tenhamos consciência disto.

Ao desenvolver princípios supralógicos para um pensamento complexo,


desenvolvemos a capacidade para apreender (cientificamente) a complexidade
da realidade.

Um período de crise do paradigma científico é caracterizado por um


conjunto de “anomalias”, as quais colocam em xeque as teorias científicas
modelares, fundamentadas neste paradigma existente, para em seu lugar, após
um período de contestações, se reafirmarem, estabelecendo fundamentações
teórico-filosóficas, as quais poderão ser relativizadas. (CHALMERS, 2011). Na
contemporaneidade, novos paradigmas científicos emergentes buscam dar conta
da complexidade, da multidimensionalidade e multiculturalidade das sociedades,
das coisas e do mundo.

5
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Nas ciências sociais, econômicas e políticas, os antigos centros de poder


perderam força. O jogo de forças que engendra a organização das sociedades,
sua organização e espacialização, teve reviravoltas, com a emergência e o
fortalecimento de novos atores sociais, políticos e econômicos. Os conceitos como
“mundo”, “lugar”, “espaço”, “escala”, “território” que costumavam ter conotação
nitidamente (embora não exclusivamente) geográfica transpuseram o terreno
das Ciências Sociais e as rígidas fronteiras disciplinares. Novas configurações
socioespaciais no decorrer do final do século XX e início do XXI precisam ser
analisadas, explicadas e compreendidas.

Assim, na contemporaneidade, sobre a epistemologia da ciência e


consequentemente da geografia, se tem refletido e produzido muito, embora seja
tarefa difícil, diante das diferentes tendências que se apresentam. Modificações
ocorridas na geopolítica dos últimos 30 anos, dentre as quais, as dissoluções dos
regimes socialistas de economia planificada, a desintegração do império soviético,
favoreceram o aparecimento de novos Estados Nacionais, novas resistências
ao status quo estabelecido, configurando as relações políticas internacionais em
permanente reestruturação, permeadas pelo multiculturalismo.

A Nova Ordem mundial, aparentemente liderada pelos Estados Unidos,


caracterizada pela interdependência, resistência, pluralidade cultural e étnico-
religiosa tem, ao mesmo tempo, produzido conflitos, exclusões e catástrofes. O
ressurgimento dos nacionalismos, as migrações e diásporas (internacionais e
intercontinentais), questões ambientais, o comprometimento da qualidade de
vida nas grandes cidades, assim como o papel das técnicas na produção do espaço,
globalização, redes, entre outros, são temas cruciais na agenda da Geografia no
século que se inicia. Conceitos como, territorialidade, desterritorialização e rede,
bem como as noções de meio técnico-científico-informacional e espaço-tempo,
revelam uma considerável capacidade de renovação. Paralelamente, os conceitos
de região, território, lugar e espaço passam por uma profunda re/avaliação e
ressignificação, compatíveis com o tempo presente. (RIBEIRO, 2008).

2.1 GEOGRAFIA CIÊNCIA VERSUS GEOGRAFIA ESCOLAR


Enquanto ciência, a geografia tem como objetivo explicar o espaço, (espaço
geográfico), o qual no senso comum é visto como superfície terrestre, a partir da
prática dos homens e de sua apropriação e des/re/organização, criando uma vasta
gama de áreas diferenciadas. O objetivo do geógrafo é analisar o processo de
produção, funcionamento, de organização e diferenciação dos espaços.

Assim, ciência geográfica é um campo de estudos em que se agregam e


se inter-relacionam saberes, tanto das ciências naturais como das ciências sociais,
que contribuem para o estudo de seu objeto, o espaço geográfico, no qual se
desenvolvem as relações entre sociedade e natureza. O pensamento geográfico,
desde sua concepção até a contemporaneidade ou pós-modernidade, continua
evoluindo, uma vez que a sociedade e o conhecimento têm caráter dinâmico.
(JOHNSTON, 2009).
6
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

No ensino, diversos fatores influenciam a forma de ensinar, entre os quais,


a concepção de ciência do professor é um dos principais. O senso comum, o livro
didático, recursos midiáticos, conteúdos e conceitos estudados na formação inicial
e/ou continuada, contribuem para o professor construir suas concepções. No
entanto, o conhecimento científico original chega aos estudantes dos diferentes
níveis de ensino através da transposição didática, sofrendo transformações,
adaptações e reinterpretações para torná-lo acessível, o que pode comprometer
sua originalidade e seu caráter dinâmico.

A geografia escolar é uma das disciplinas do currículo oficial do sistema


Nacional de Educação, que, através de um conjunto de conhecimentos específicos,
tem entre seus objetivos contribuir para o desenvolvimento humano e educação
geográfica, conduzindo os estudantes à apropriação de conceitos, desenvolvimento
de competências e habilidades. Entre as competências, a geografia escolar almeja
a participação ativa dos estudantes/cidadãos na tomada de decisões e nas
práticas locais cotidianas em relação à sua organização, interações, inter-relações
e problemáticas, ao mesmo tempo em que desenvolvem sua autonomia.

A geografia escolar, por muito tempo, apresentou aos alunos uma


geografia em que a realidade é estática e sem dinâmica, sem se preocupar com seus
problemas fundamentais. Fragmentação dos conteúdos, dicotomia entre o meio
e a sociedade e descrições de paisagens em um conjunto de informações a serem
memorizadas e que não contribuem para a compreensão da realidade dinâmica
dos nossos dias. No entanto, no ensino da geografia, principalmente na Educação
Básica, ainda se percebe resquícios e fragilidades da geografia tradicional,
ressaltando a necessidade de reflexões sobre os fundamentos epistemológicos,
ideológicos e políticos da disciplina. A busca por novos caminhos faz parte
da história da geografia escolar. Essas reflexões epistemológicas e teóricas
repercutiram lentamente na prática docente da disciplina.

Com o advento da geografia crítica os estudos têm seu ponto de partida na


sociedade, entendendo o espaço geográfico como produto da atividade humana
que transforma a natureza original em segunda natureza, isto é, na natureza
humanizada, reelaborada pela sociedade. Para operacionalizar pesquisas e
estudos os geógrafos trabalham com conceitos mais operacionais, como os de
paisagem, território, lugar e ambiente, entre outros. Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998), estes são conceitos mais operacionais, porque cada
conceito expressa uma possibilidade de leitura de espaço geográfico, assim como
uma metodologia de análise geográfica na geografia escolar. Portanto, o exercício
da profissão docente na geografia escolar requer do futuro professor de geografia
conhecimento, competências e habilidades para a leitura do espaço e sua ordem
ou des/ordem espacial para a compreensão dos fatos e fenômenos geográficos.
Lembrando que, as ações de cada um, inseridos num contexto social, político e
econômico resultam em atitudes com consequências, e cada ser humano atuando
em seu local tem influência na sociedade e no meio como um todo, através das
interações e interligações que se estabelecem em rede. Assim, a geografia a ser
ensinada deve estudar os fatos, fenômenos e processos expressos no espaço como
resultado das lutas, das disputas, do jogo de interesses e de poder.

7
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

3 ESPAÇO GEOGRÁFICO
O espaço geográfico, objeto de estudo da geografia, foi um conceito
considerado de forma diferenciada pelas diversas correntes do pensamento
geográfico. Optamos aqui pela concepção de geografia crítica, na qual se concebe
o espaço geográfico como produção do homem, num processo socioespacial
permeado por conflitos, disputas, jogo de interesses e de poder. O espaço
geográfico está sempre em construção e transformação, pois na extensão da
historicidade humana as ações, o trabalho, a técnica, as estruturas e os processos
vêm organizando social e materialmente o espaço. Objetos fixos ao solo, como
construções de moradias, fazendas, prédios, usinas, ruas que visam facilitar a vida
e possibilitar os fluxos de energia, de trabalho, de trânsito, de circulação de pessoas,
de veículos, de informação, de capital e de produtos. Mas essa organização não
ocorre de forma homogênea e pacífica é permeada por forças físicas da natureza,
forças sociais e dinâmicas conflituosas e contraditórias, influenciadas pela forma
de estruturação política e cultural da própria sociedade. O espaço geográfico
mundial é resultado do trabalho dos homens que organizados em sociedades
se apropriaram da natureza, fonte de todo o mundo real. A água, a madeira, o
petróleo, os solos, o ferro, o cimento são alguns dos aspectos ou elementos da
natureza reelaborados pelo trabalho com auxílio da técnica. Segundo os PCN
(BRASIL, 2000, p. 109): “O espaço geográfico é historicamente produzido pelo
homem, enquanto organiza econômica e socialmente sua sociedade”. Nesta
perspectiva, o espaço geográfico deve ser entendido como uma totalidade
dinâmica em que interagem fatores naturais, socioeconômicos e políticos.

Segundo Silva (2013), no ano de 2012, cerca de 7 bilhões de habitantes


conviviam no planeta Terra, gerando lixos, consumindo objetos, água, energia,
trabalhando, à procura de trabalho, estudando e outros sem estudos, uns se
divertindo, outros construindo, transitando, e/ou procurando sobreviver, destes,
milhares se alimentando muito bem, em excesso, e outros milhões precisando
de alimentos, ou tendo apenas o mínimo. Pela primeira vez, em que mais de
50% da população mundial vive em cidades, perfazendo um total de 3,5 bilhões
de pessoas em áreas urbanas. Assim, nestas primeiras décadas do século XXI,
temos cidades, metrópoles, cidades globais, megacidades, cada vez mais
conturbadas e complexas, nos cinco continentes. Muitos desses aglomerados
urbanos apresentam características comuns, como conjuntos arquitetônicos cada
vez mais modernos e complexos, enquanto em alguns bairros são preservadas as
características arquitetônicas locais e tradicionais, como forma de resistência aos
padrões globalizados.

As cidades classificadas como globais e/ou centros financeiros (Nova


Iorque, Londres, Berlim, São Paulo, Hong Kong etc.), apresentam características
homogeneizadoras, como prédios bem iluminados, shoppings centers, viadutos
e vias duplicadas, metrôs, bancos, escritórios de prestação de serviços e
condomínios residências de luxo. Enquanto as cidades pequenas e médias, os
centros locais regionais, procuram preservar características peculiares que as
diferenciem e caracterizem de forma única em determinado espaço geográfico.

8
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

Dentre as características preservadas e tombadas como patrimônio cultural


material estão construções arquitetônicas tombadas, festas típicas, danças, feiras.
Algumas dessas cidades são: Olinda – PE, Campina Grande – PB, Blumenau –
SC, Treze Tílias – SC, Bento Gonçalves – RS, Belém – PA, Capadócia – Turquia e
tantas outras.

As sociedades e suas cidades são plurais, multiculturais e complexas,


produziram espacializações à sua imagem. Os elementos, processos e interações
sociais foram se constituindo e se construindo histórica e dialeticamente, e num
continuum atuam na configuração e reconfiguração dos espaços, caracterizados
na contemporaneidade como complexos, diversos e múltiplos. É preciso ressaltar
que a multiculturalidade, cujas noções de cultura, etnicidade, cidadania etc. estão
adentrando e se instalando na esfera pública fazendo parte de políticas públicas e
de ações afirmativas. Constata-se que a ideia abstrata e republicana de cidadania
se incorpora de complexidade, pois a noção ampliada de cidadania, em alguns
países, incorporou, devido à porosidade das fronteiras nacionais, os cidadãos
que são portadores de valores socioculturais concretos e diversos, porém, estão
desterritorializados.

DICAS

Assista ao vídeo gravado por pessoas refugiadas que escolheram o Brasil


para morar. Disponível em: <G1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/refugiados-gravam-
musica-e-video-em-que-agradecem-abrigo-no-brasil.html?utm_source=facebook&utm_
medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar Musica dos refugiados>.

As migrações (internas e internacionais; leais e ilegais; permanentes e/


ou transitórias) estão conduzindo levas de cidadãos às cidades e/ou outros
países, caracterizando a população flutuante ou móvel de uma pluralidade tal,
que políticas públicas e ações afirmativas precisam garantir o mínimo para estas
populações. A cidade de São Paulo é um exemplo de cidade cuja sociedade
se caracteriza por um conjunto de população residente que nasceu, cresceu,
estudou e trabalha na região metropolitana conhecida como Grande São Paulo.
É igualmente significativa a população descendente de migrantes nordestinos,
sulistas e de estrangeiros, como chineses, japonese, sírio-libaneses, italianos e
mais recentemente bolivianos, equatorianos, haitianos e outras nacionalidades.
Os processos convergentes de urbanização, mobilidade e globalização têm
produzido nas cidades uma diversidade de problemas de ordem socioespacial,
que no seu conjunto estão relacionados a problemáticas multiculturais, ou seja, à
imigração, à segregação, ao racismo e ao etnocentrismo.

9
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

O espaço geográfico, segundo Almeida (2013), é complexo e abrangente;


combinação de elementos naturais e construídos pelos seres humanos, muitos
dos quais são fixos e outros tantos constituem fluxos. O espaço, resultado das
relações econômicas, políticas e culturais, tem como ator principal o ser humano.
Milton Santos (1996) se refere à natureza como natureza artificial, tecnificada, ou
natureza instrumental, pois a técnica no seu estágio atual e a própria vontade
humana permite a intervenção ou não, tanto nas formas como em muitos
processos naturais. O autor ainda se refere às transformações de determinados
elementos da natureza pela técnica, que modificam as paisagens e, portanto,
o espaço geográfico. Para entender melhor, e não somente focar nos espaços
urbanos, pensemos na produção de alimentos ou bens de consumo, cuja matéria-
prima provém da agricultura, pecuária e/ou silvicultura.

A Revolução Verde dos anos 1960 revolucionou a agricultura com a


utilização de insumos agrícolas (fertilizantes, agrotóxicos, sementes híbridas
e transgênicas) e teve como resultado imediato o aumento da produção e
da produtividade, amenizando as sérias expectativas sobre a produção de
alimentos. A aceleração dos ciclos de desenvolvimento de plantas agrícolas, com
sementes geneticamente melhoradas, tornando-as híbridas, e com o tempo, e/
ou modificadas geneticamente, tornando-as transgênicas, paralelo às técnicas de
correção de solos e irrigação, têm transformado vastas extensões da superfície
terrestre em áreas agrícolas cada vez mais artificializadas. O mesmo ocorre na
pecuária: reprodução artificial de animais, melhoramento genético, aceleração de
seu ciclo natural, cujo objetivo é o abate em tempo recorde, ganhos no aumento
da produção de carne, leite, ovos, peles e outros derivados. Na silvicultura,
tradicionais áreas agrícolas em declínio, são convertidas em áreas reflorestadas
com o plantio de espécies exóticas como o pinus e eucalipto. Dentre os efeitos
diretos e indiretos das ações humanas sobre o planeta, o efeito estufa, destruição
da camada de ozônio, contaminação das águas superficiais, escassez crescente
de recursos minerais, aquecimento global, têm-se uma natureza artificializada,
tecnificada, com perda da biodiversidade.

E
IMPORTANT

Revolução Verde foi um processo de modernização agrícola, que se iniciou


logo após a Segunda Guerra mundial, com o desenvolvimento de pesquisas em sementes,
correção e fertilização dos solos, uso de agrotóxicos e mecanização agrícola para aumento
da produtividade. Os resultados expressivos destas pesquisas foram comprovados nas
décadas de 1960 e 1970. Um dos financiadores destas pesquisas foi o grupo Rockefeller,
que expandiu seu mercado consumidor de insumos agrícolas, fortalecendo a corporação. O
processo de modernização e artificialização do campo alterou a estrutura agrária, contribuiu
para o êxodo rural de inúmeros pequenos agricultores para os espaços urbanos, resultando
no inchaço de cidades, periferias sem infraestruturas e problemas urbanos. O problema
da fome no mundo não foi resolvido, pois grande parte desta produção agrícola feita em
países em desenvolvimento (México, Filipinas, Índia e outros) destina-se à exportação para
os Estados Unidos, União Europeia e Japão.

10
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

FIGURA 1 - ESPAÇOS GEOGRÁFICOS (COM ELEMENTOS NATURAIS ARTIFICIALIZADOS)

FONTE: Disponível em: <https://geolocation. FONTE: Disponível em: <http://crismenegon.


ws/v/P/40891332/plantao-com-irrigao-por-piv- com.br/portal/agronegocio/5653-regiao-do-
central-m-a/en#>. Acesso em: 18 maio 2015. alto-vale-do-rio-negro-e-a-maior-produtora-
de-moveis-de-madeira-solida-de-pinus-do-
pais.html>. Acesso em: 18 maio 2015.

Cabe destacar, a manutenção de espaços geográficos naturais por


meio de decretos-leis ambientais, diante de projetos-leis em que são criadas
de áreas de preservação e/ou conservação ambiental, corredores ecológicos,
contribuindo para manutenção intacta e/ou recuperação de áreas florestadas, de
manguezais, cerrados e pantanal por força de lei, resultam espaços geográficos
com características naturais, preservando sua forma original, por vontade/
determinação humana, são, portanto, também resultado da transformação e
construção do espaço geográfico.

As sociedades cada vez mais caracterizadas pela multiculturalidade,


diversidade, acesso e uso diferenciado das tecnologias, têm produzido bens
materiais, alimentos, produtos e serviços diversos. Desta forma, as ações coletivas,
para a organização dos espaços geográficos mundiais possuem historicidade, e
dependem do conjunto de variáveis, são permeadas por contradições e conflitos.
Na geografia clássica ou tradicional, estas ações eram analisadas de maneira linear
e fragmentada, na contemporaneidade, busca-se analisá-las na totalidade, dentro
de uma concepção de sistemas, em que pensar globalmente significa compreender
que o mundo está cada vez mais interligado, cada vez mais complexo. Novas
formas de pensamento emergem no mundo acadêmico e intelectual, orientando
para uma visão não linear, de totalidade e complexidade, aceitando a incerteza
como parte da realidade, bem como o terceiro incluído, deixando de lado velhas
dicotomias. (TORRE, 2010).

O espaço geográfico contemporâneo, devido à revolução tecnológica,


especialmente na área da informática, telecomunicações e transportes (com
fluxos e fluidez vez mais rápidos e intensos) configura o meio técnico-científico-
informacional. Inicialmente, com objetivos de atender aos interesses econômicos
das empresas multi e transnacionais, a revolução da informática passou a ligar
lugares e integrar diversas estruturas de todos os setores da economia, como
vias de transportes, hidrelétricas, fábricas e empreendimentos agrários. O espaço
caracteriza-se pelo emprego das tecnologias, tanto nos espaços urbano-industriais

11
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

e agrícolas, como em áreas de difícil fixação humana, como as regiões polares,


desertos e montanhas. As ferramentas e produtos da revolução tecnológica,
principalmente a internet, a localização via satélite em tempo real (via GPS),
têm contribuído para mudanças na organização econômica, social e política de
sociedades, de Estados Nações, corporações e até de atividades ilegais. Fatos
estes que têm, consequentemente, influenciados na des/re/organização do espaço
planetário, ou seja, na espacialização, no deslocamento de pessoas, exércitos e
mercadorias.

3.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E AS TECNOLOGIAS E


INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS
Silva (2013) explica que o alto grau de sofisticação tecnológica possibilita o
conhecimento de toda a superfície terrestre, ressalta, porém, que este conhecimento
está concentrado na mão de alguns atores sociais e institucionais. A superfície
do planeta já está toda registrada e mapeada pelos satélites que o circundam 24
horas por dia. Já é possível obter imagens tridimensionais da terra. Há complexos
Sistemas de Informação Geográficos (SIGs), que tratam as informações em
softwares, possibilitando mapear, combinar e sobrepor os mais variados tipos de
dados físicos, sociais, econômicos, políticos e de saúde dos diversos lugares do
planeta. Esse registro de informações é fonte de poder. Tal tecnologia permite,
além do conhecimento dos territórios, transmissão e acesso aos dados de forma
rápida e eficiente em qualquer local do planeta, desde que se esteja conectado à
mesma rede de computadores. O fluxo de informações sobre o território torna-se
mais intenso e veloz, podendo ser acessado por um número maior de pessoas,
dentro ou fora do território. No entanto, apenas alguns países, através de suas
empresas transnacionais, dominam a tecnologia dos satélites. Assim, valiosas
informações, sobre os mais variados países são dominadas por poucas empresas
e governos, por vezes, acessadas por grupos criminosos que pagam fortunas.

No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, localizados


em São José dos Campos em São Paulo, utiliza os Sistemas Orbitais de
Monitoramento e Gestão Territorial, por meio dos quais desenvolve estudos
e pesquisas de imagens de satélites para obter dados e informações sobre a
superfície, os ecossistemas e as paisagens do território brasileiro. As imagens de
satélite podem ser utilizadas para fins diversos, desde bélicos até para a previsão
do tempo, assim, tecnicamente, estas dão suporte para a geração de informações
sobre os lugares. Geradas por sensoriamento remoto, o uso das informações
depende dos interesses de quem controla os satélites, e todo o processo técnico
de geração de imagens. Seus tratamentos e interpretações fazem parte de um
processo político, pois envolve decisões e usos específicos.

12
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

3.2 O SISTEMA DE POSICIONAMENTO GLOBAL OU


GLOBAL POSITIONING SYSTEM – GPS
O que conhecemos atualmente como Sistema de Posicionamento Global
– GPS começou a ser estudado e testado, separadamente, pelas forças militares
dos Estados Unidos. A necessidade de localização, de triangulação de posições e
orientação para a locomoção de navios, submarinos, aviões e tropas terrestres, por
intermédio de satélites fomentou experiências e parcerias para desenvolvimento
do sistema, inicialmente para fins militares. Segundo Silva (2013), na década dos
anos 2000, o uso do GPS foi aberto para uso público, até então controlado pelo
Departamento de Estado dos Estados Unidos. Desde então, milhares de pessoas,
instituições, empresas e órgãos públicos têm possibilidade de localização diária,
utilizando um aparelho de GPS, ou seus serviços, acoplados na mídia do carro,
aparelhos celulares e/ou em aparelhos específicos do tamanho de um telefone
móvel. O sistema de GPS é constituído de 28 satélites geoposicionados em órbita
da terra a uma distância de 20.200 quilômetros de altura da superfície terrestre.
Esses satélites se distribuem por seis planos de órbita, de modo que qualquer ponto
da Terra possa ser localizado e captado ao mesmo tempo por quatro satélites.
Para Almeida (2013), além de fornecer a altitude, a latitude e longitude de um
lugar, o GPS é também um recurso cartográfico, pois possibilita o mapeamento de
rotas marítimas e terrestres, de redes de transmissão de energia elétrica, correntes
marítimas, ecossistemas, bem como o monitoramento de desastres ambientais
e da fauna de certas regiões. Além do GPS norte-americano, outros sistemas de
posicionamento global estão sendo desenvolvidos na Europa, Rússia e Índia,
funcionando parcial ou integralmente.

As imagens de satélites, a rede de internet, o GPS são exemplos de


tecnologias pelas quais as relações e interações ultrapassam as fronteiras naturais
e construídas. Os lugares se interligam e dependem um do outro nas mais diversas
escalas, em diferentes níveis de realidade. O espaço é dinâmico e extremamente
influenciador da vida, tanto no plano individual como coletivo. O lugar não é
uma realidade sozinha ou isolada, faz parte de um conjunto de lugares marcados
por diferentes naturezas, mas unidas por uma complexa rede de relações que
poderão ser políticas, econômicas, culturais, religiosas, tecnológicas com
predominância de umas sobre as outras, diante das mutações do espaço/tempo
em curso, e inseridos no espaço planetário/global.

13
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

4 AS ESCALAS DE ANÁLISE GEOGRÁFICA E O TEMPO:


CONCEITOS-CHAVES DA GEOGRAFIA PARA COMPREENSÃO
DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL
Os geógrafos utilizam o conceito de escala, porém, poucas vezes, se teoriza
sobre seu conceito e sobre sua natureza, complexidade sendo que na geografia
escolar existe certa confusão entre escalas geográficas e cartográficas. Em termos
geográficos, a percepção espacial está relacionada com a amplitude da área
estudada, ou recorte espacial (entendido por alguns pesquisadores como níveis de
análise) para pesquisa, estudo e análise dos fenômenos socioespaciais. A visão dos
fenômenos e informações dentro da área estudada poderá ser afetada de alguma
forma pelo conceito de escala. O conceito de escala geográfica se contrapõe ao
conceito de escala cartográfica, sendo traduzida pela amplitude da área geográfica
em estudo. Quanto maior a extensão da área, maior será a escala geográfica
associada. Os conceitos de escala cartográfica e geográfica são antagônicos.

Vista como um problema metodológico essencial para a compreensão do


sentido e da visibilidade dos fenômenos numa perspectiva espacial é necessário
existir coerência entre o percebido e o concebido, pois cada escala só faz indicar
o campo da referência no qual existe a pertinência de um fenômeno (CASTRO,
2008). As escalas ou níveis de análise geográfica permitem o estudo de fenômenos
geográficos diferentes, conforme sua duração e extensão, ou seja, dependendo da
ordem de grandeza em que ocorrem.

O sistema mundo, por exemplo, com uma multiplicidade de elementos


geográficos sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais, todos integrados
a partir das relações que a sociedade estabelece entre si e com o suporte físico do
planeta, pressupõe nível ou escala de análise geográfica mais ampla, de dezenas de
milhares de quilômetros num período de tempo abrangente de décadas e séculos.
Quando queremos analisar as consequências ou implicações de fenômenos
globais, mais localmente, nas cidades, por exemplo, a escala de análise acionada
é de centenas de km ou dezenas de km, passamos do sistema mundo, para as
escalas nacional, regional, estadual e municipal ou local. Para as conexões, relações
e interações entre os fenômenos, precisamos ora nos aproximar, ora nos afastar,
pois não é possível aplicar a mesma escala de análise para todos os fenômenos.

4.1 A ESCALA
A escala de análise é um critério importante no estudo da geografia e
diretamente ligado ao conceito de região e à metodologia de regionalização do
espaço geográfico para melhor estudá-lo.

Escala é um conceito que possui muitos significados e caracteriza várias


dimensões de uma pesquisa científica ou um estudo geográfico. Pode ser
considerada uma estratégia de aproximação do mundo real, um mecanismo de
compreensão da realidade, devido à impossibilidade, de apreendê-la em sua

14
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

totalidade. (CASTRO, 2003 apud VENTURI, 2005). O conceito de escala vem a


definir a maneira como se pode perceber e compreender e pesquisar o espaço
geográfico.

Os geógrafos físicos estudam o mundo utilizando uma variada gama de


escalas que vão desde o molecular até o global. Burt (2009, p. 199) afirma: “em algum
lugar entre o átomo e o universo é a área de pesquisa do geógrafo”. O autor foi além
dos limites comumente impostos à geografia, foi além da atmosfera, além do planeta
e enfatizou a ampla área de pesquisa da geografia para introduzir o tema de escala.

Burt (2009) para explicar sobre a utilização de diferentes escalas de análise


geográfica utiliza a expressão “resolução”. Este é um termo amplamente utilizado
na área de sensoriamento remoto, pois, através dela se determina a resolução
espacial e resolução espectral dependendo da área de análise das pesquisas.
Conforme as escalas mudam, mudam as perguntas e respostas esperadas, assim
como as variáveis a serem utilizadas para estudar, analisar e compreender o
espaço. O autor chama a atenção para ter cuidado com os fenômenos que se
estudam, porque a inclusão ou não de determinadas variáveis podem mudar
os resultados e interpretações. Eis aqui a importância de verificar o número
de variáveis a serem estudadas e como estas estão relacionadas e ao mesmo
tempo uma das dificuldades em para compreensão do espaço mundial em sua
multidimensionalidade e complexidade.

Somando-se a ideia das diferentes escalas, a escala temporal também é


uma variável importante. Por exemplo, quando se estuda um fenômeno num
período longo de tempo, os resultados podem mostrar maior variação, maior
flexibilidade ou oscilação; num período mais curto, os resultados podem aparecer
estanques, sem variações.

A intervenção das sociedades humanas no espaço, intensificada pela


evolução do desenvolvimento tecnológico, vem transformando as paisagens
terrestres. Além da ação humana, a natureza também atua modificando as
paisagens através de fenômenos, como vulcanismo, tectonismo, a ação das águas,
dos ventos, dos glaciares e outros. As paisagens revelam os variados graus de
intervenção humana em diferentes épocas. Através da observação da paisagem
é possível reconhecer o trabalho humano impresso em tempos passados e no
tempo atual. Para explicar as transformações no espaço geográfico, o geógrafo
pode utilizar diferentes escalas de tempo: o tempo histórico (séculos, décadas,
anos, meses), o tempo cíclico e o tempo geológico.

Os estudos climáticos podem ser citados, como exemplo, é importante


trabalhar com escalas temporais mais amplos para poder entender os resultados.
O tempo cíclico marca a ocorrência de fenômenos que se repetem em ciclos, ou
seja, entre intervalos de duração variável (com variação de meses, anos, décadas
ou até séculos). Podemos citar, como exemplos, eventos sociais, como a migração
de trabalhadores rurais do agreste e do sertão nordestinos para a Zona da Mata
e cidades litorâneas nos períodos de safras (ciclo anual), eventos naturais, como

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UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

estiagens, terremotos, erupções vulcânicas. A frequência de eventos climáticos


como períodos de estiagens, e/ou de enchentes em determinados estados do
Brasil, exigem estudos de mais de 30 anos, sendo que para relacioná-los com o
fenômeno de aquecimento das águas do oceano Pacífico, o El Niño, estes devem
ser pensados na escala geográfica de continente sul americano e parte do oceano
Pacífico, relacionando com o tempo cíclico de várias décadas.

Já o tempo geológico, calculado em eras e períodos geológicos, diz respeito,


por exemplo, aos movimentos dos glaciares nos continentes, pois precisam
de um período do tempo geológico, o qual compreende milhões e bilhões de
anos. As tecnologias têm permitido a simulação de modelos e aplicar processos
detalhados para entender extensas escalas temporais e espaciais, principalmente,
nos fenômenos espaciais estudados na geografia física. (BURT, 2009). Escavações
em rochas ao longo da Falha de San Andreas, na Califórnia, Estados Unidos,
mostraram uma repetição de terremotos com grandes implicações espaciais no
intervalo de tempo aproximado de 125 anos. Os geólogos dos EUA esperam um
movimento das placas tectônicas com intensidade para os próximos anos.

Assim o espaço geográfico mundial e suas paisagens não podem ser só a


soma dos elementos (físico, sociais, políticos, culturais), mas uma simbiose, com
interdependência de relações entre seus elementos, nem sempre mensuráveis e
quantificáveis objetivamente. Um modo útil para entender o conceito de escala é
vê-la como uma propriedade espacial das relações e interações espaciais. Assim,
as escalas são concebidas como processos em constante dinâmica e não como
conceitos fixos. (HEROD, 2009).

A difusão da abrangência dos processos que organizam relações e inter-


relações que por sua vez estão diluídas no espaço, com interdependências,
constituindo redes, reforçando que a escala não deve ser pensada dentro de um
vazio ou de forma muito abstrata, mas sempre como dimensões de processos
sociais espacializadas. Os Estados Nacionais e o capital internacional, através da
regulação política e produção capitalista fixam escalas e, desta forma, o conceito
de global é associado ao poder sobre o local pelo fato de ser o local campo de
ação do global, porque um maior tamanho ou extensão implica dominação e
poder superior. Para compreender, por exemplo, podemos utilizar o exemplo de
uma camisaria tradicional do Médio Vale do Itajaí- SC, a qual já foi prestadora
de serviços para grandes marcas internacionais e também exportadora. Com as mudanças
da globalização e com a valorização do real, a empresa diminuiu a dependência
da exportação passando a focar no mercado nacional, produzindo peças para executivas
brasileiras, assim, investindo em marcas próprias, a empresa não parou de crescer.

O conceito de local, lugar, comunidade, é associado com o adjetivo


“defensivo”, pois as comunidades, as atividades não capitalistas e economia
solidária, por exemplo, tentam resistir e se opor à imposição de processos do global.
Fato que restringe uma ação política progressiva. Na tentativa de derrubar a visão
binária para demonstrar que o local tem bases poderosas para desafiar o global
e que as escalas construídas são temporárias, flexíveis e possuem mobilidades e
dinâmicas se busca ou se propõe uma análise geográfica multiescalar.

16
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

FIGURA 2 - REPRESENTAÇÃO DE POSSÍVEIS ESCALAS DE ANÁLISE GEOGRÁFICA

ESCALAS DE ANÁLISE
GEOGRÁFICA:
Resolução/Lentes/Zoom
ESCALA PLANETÁRIA NOSSO ESTADO E
OU MUNDIAL A REGIÃO DENTRO
- RELAÇÕES DO TERRITÓRIO
INTERNACIONAIS - NACIONAL
PROBLEMAS GLOBAIS
DA HUMANIDADE
ESCALA LOCAL:
O LUGAR ONDE
REGIÕES DO GLOBO MORAMOS: CASA,
VIZINHANÇA,
MUNICÍPIO,
O ESTADO NACIONAL REGIÃO
OU PAÍS
FONTE: A autora (2015)

Até por volta dos anos 1980 considerava-se a escala dos Estados Nacionais
como a mais importante, pois nela existem as fronteiras entre os territórios
nacionais, nas quais prevalece a soberania do poder público, ou seja, do Estado.
Geralmente, a maior parte da política e da economia é determinada por esta escala
nacional, é aí que se definem a moeda e o sistema financeiro do país, as políticas de
desenvolvimento, de educação, de saúde, de previdência etc. (VESENTINI, 2005).

A escala é complexa e dinâmica, conforme a Figura 2, sobre a representação


de possíveis escalas de análise geográfica, nos apresentou. Percebe-se que
dependendo do fenômeno a ser estudado, podemos utilizar uma ou mais escalas,
buscando compreender as relações e interações entre os espaços, numa relação
multiescalar, ou no deslizamento de uma escala para outra. O global e o local
determinam como vamos entender os processos entre o social e o natural, os
quais estruturam a paisagem física e humana, tendo por sua vez, consequências
políticas e culturais. A ampliação da escala de visualização, ou o distanciamento,
pode ser uma estratégia mais apropriada para a compreensão do objeto de
estudo, percebendo-se a noção de conjunto e de seu relacionamento com as outras
entidades. E quando serão necessárias ambas (aproximação/distanciamento, de
forma fibrosa ou de rede), para uma teorização sobre um determinado fenômeno,
processo, objetos de pesquisa. Vamos tentar exemplificar esta relação entre o
global e o local com duas análises, uma de ordem natural/social e outra de ordem
econômica.

O clima em todos os lugares apresenta-se em forma de microclimas. Na


agricultura, próximo do solo, dependendo da estação do ano e da fase agrícola,
teremos determinadas condições de temperatura, umidade e evapotranspiração.

17
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Estas condições podem favorecer ou não a atividade agrícola, a qual depende


também de condições climáticas regionais, levando-se em conta a localização
geográfica em relação à latitude e altitude, passagem ou não frentes decorrentes
do deslocamento das massas de ar, os quais dependem de condições e sistemas
globais. Sabe-se que estamos numa fase de mudanças climáticas em nível global,
como o aquecimento da água dos oceanos e aquecimento da temperatura
média global, intensificando as influências em sistemas atmosféricos como
monções, frentes, El Niño e La Niña, que por sua vez, num efeito dominó ou
cascata tem causado eventos climáticos extremos como a ocorrência de estiagens
cíclicas mais prolongadas, enchentes, enxurradas, deslizamentos, ciclones
extratropicais, furações/tornados, picos de temperaturas baixas nos invernos e ou
de temperaturas elevadas nos verões etc. Estes eventos climáticos estão exigindo,
localmente, políticas de gestão e de governança para percepção do risco e/ou de
vulnerabilidade e de ações preventivas e de ações rápidas por ocasião do evento.

4.2 DESLIZAMENTOS DAS ESCALAS E MULTIESCALARIDADE


A mundialização da economia, sustentada pelas novas tecnologias da
informação e comunicação, juntamente com os sistemas de transportes integrados,
cada vez mais rápidos e com capacidade de transporte de cargas maiores, modifica
as escalas territoriais e a relação das sociedades e dos indivíduos com os espaços.
Nunca se viajou tanto e tão facilmente, continuando ao mesmo tempo conectados
e próximos digitalmente aos familiares, empresas e clientes. (BENKO, 2001).
Empresas passaram a ser transnacionais, disseminou-se uma cultura de consumo
em massa juntamente com a mundialização capitalista. Áreas privilegiadas do
planeta concentram elementos do que se caracteriza como técnico-científico-
informacional, abrigando os chamados “cidadãos do mundo”. Simultaneamente
e de forma dinâmica se dispersam processos de fragmentação, regionalizações
e movimentos de resistência, de contracultura, de revalorização de identidades
locais e de seus lugares.

Na escala macro, ou global, constata-se a criação e reforço dos blocos


econômicos que permitiu mercados comuns passarem de uma etapa a outra,
constituindo-se em espaço econômico e politicamente unido, como por exemplo,
a União Europeia. Na escala micro, existe um reforço das unidades territoriais
em nível local e regional. “O nosso planeta tem assim quatro níveis espaciais
pertinentes de análise: o mundial ou planetário, o supranacional (dos blocos
econômicos), o nacional (Estados Nações) e o regional (local ou infranacional)”.
(BENKO, 2001, p. 7). No entanto, quando se estudam processos geológicos e
geomorfológicos, por exemplo, a escala temporal do planeta Terra, a escala
geológica apresenta modificações no espaço, decorrentes de sua evolução interna.
(CALLAI, 2000).

Estamos passando por uma mutação geopolítica das condições de


produção na qual as relações entre Estados Nacionais se diluem, em detrimento
de conexões entre economias regionais afastadas, porém ligadas entre si,
por redes, através das quais se estabelecem fluxos complexos carregados de
18
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

valores antagônicos de competição e, ao mesmo tempo de complementaridade


e colaboração (BENKO, 2001). A primeira década de século XXI foi marcada
por importantes mudanças no sistema econômico de relações econômicas e
geopolíticas do mundo globalizado. Houve o fortalecimento de regiões do mundo,
situadas à margem dos países desenvolvidos e do chamado Norte econômico,
que passaram a ser conhecidos como países emergentes. O poder econômico da
Tríade (Estados Unidos, União Europeia e Japão) diminuiu e novas potências
surgiram, como é o caso da Índia e da China. Os blocos econômicos estão se
fortalecendo, assim como as transnacionais e organismos supranacionais, como
o FMI e o Banco Mundial. Entre todos estes se estabeleceram redes comerciais
(varejistas e atacadistas), industriais, financeiras, que vão além das fronteiras e
ao mesmo tempo servem como limite das fronteiras. De acordo com Almeida
(2013, p. 251), “através das redes podemos reconhecer, grosso modo, três tipos
ou níveis de solidariedade, cujo reverso são outros tantos níveis de contradições.
Esses níveis são o nível mundial, o nível dos territórios dos Estados Nacionais e
o nível local”.

Estamos num período de transição em que o sistema econômico


internacional, caracterizado pela soberania dos Estados, a quem competia
definirem políticas monetárias e alfandegárias para um sistema econômico global
caracterizado pela competição e interdependência, para um sistema onde a
soberania passa a ser exercida e “compartilhada” e/ou disputada com organismos
supranacionais e/ou grupos fundamentalistas. (BENKO, 2001)

Os países sempre se relacionaram, mas, no mundo atual, as relações estão


cada vez mais intensas e diversificadas, reguladas e estabelecidas por acordos e
tratados internacionais, ou pela participação em organismos internacionais. Desses
organismos, o mais representativo é a Organização das Nações Unidas – ONU, que
reunia, em 2012, 197 países independentes. Não fazem parte da ONU o Vaticano
(Estado Católico) e Taiwan (considerada pela China uma província rebelde).

Ao escrever sobre a recomposição dos espaços, Benko (2001) teoriza sobre o


deslizamento de escala, ou seja, há um deslocamento vertical (e também horizontal)
do modo de olhar e de se aproximar ou se distanciar, dos espaços clássicos nos
quais os sistemas (econômico, social, político) evoluíram e atualmente estão se
caracterizando pela complexidade e simultaneidade, e, de totalidade onde as
partes se constituem elas mesmas numa totalidade. Este deslizamento de escalas,
na opinião de Callai (2000), é o trânsito entre os vários níveis de escala o qual é
fundamental para uma análise significativa e consequente. A permanência numa
escala pode induzir ao risco de se fazer reduções simplistas, as quais não abarcam
todas as dimensões e que levariam a justificar de forma natural (pela natureza)
problemas que são essencialmente sociais, ou seja, decorrem da construção social
do espaço.

A escala se constitui num problema epistemológico, por ser indutora de


conteúdos para a análise, ao dar mais ou menos visibilidade aos fatos, fenômenos
e processos espaciais. (CASTRO, 2008). As escalas geográficas são compreendidas

19
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

como níveis em que o espaço é subdividido para melhor ser compreendido e


analisado. As diferentes escalas (os recortes feitos para análise) são interligadas,
uma vez que todas elas são maneiras de compreender o espaço geográfico.

Os efeitos da distância, cada vez mais relativizados, exercem influência


sobre a estruturação das relações econômicas e sociais. Os Estados Nações não
desapareceram, continuam exercendo papel estratégico e vital, porém redefinido,
restrito entre a dimensão local e a global. Os elementos constitutivos do Estado
Nação, território, governo, população e soberania também estão sendo (re)
elaborados, teorizados sob novas concepções epistemológicas. Determinadas
regiões, destacando-se as metropolitanas, são reconhecidas como os motores de
prosperidade mundial, originando uma recomposição da hierarquia dos espaços
produtivos. Paralelamente, crescem espaços problemáticos, tanto do ponto de vista
social como ambiental, uma vez que os efeitos negativos do crescimento econômico
a todo custo foram ignorados por governantes e empresários (BENKO, 2001).

A complexidade das configurações espaciais decorre das interseções entre


as reconfigurações dos diferentes fenômenos e processos, bem como poderão
ser problemáticas, na medida em que não conseguir atribuir visibilidade ao
fenômeno. Castro (2008, p. 137), explica: “quando o tamanho muda, as coisas
mudam; o que não é pouco, pois tão importante quanto saber que as coisas
mudam com o tamanho, é saber como elas mudam, quais os novos conteúdos
nas novas dimensões”.

A escala parte da preocupação metodológica e epistemológica das análises


espaciais. Através de seus diferentes zoons e convergentes enfoques, a escala
geográfica não fragmenta os fenômenos geográficos, mas procura integrá-los. A
escala inclui a relação com a inseparabilidade entre o tamanho e o fenômeno.
A escala geográfica é considerada a pertinência de um fenômeno observado,
com intuito de que abarque multiplicidade e da diversidade de situações e de
processos espaciais. (SANTOS, 1996). Exemplificando, vamos citar o terremoto
que ocorreu no Haiti, no mês de janeiro de 2010. O tremor ocorreu apenas em
parte da falha Enriquillo-Plaintain Garden, que fica ao sul do Haiti. Se o objetivo
do geólogo e do geógrafo, e demais cientistas, é analisar os aspectos geofísicos
relacionados aos abalos sísmicos a escala será a local, determinando o epicentro,
e regional para as implicações dos movimentos das placas e há de se estudar
as falhas geológicas da ilha. O tempo cíclico de repetição de grandes tremores
também é analisado pelos geofísicos, buscando estabelecer padrões e possíveis
ações de remediação dos danos.

Passados cinco anos, as consequências socioeconômicas no Haiti ainda


são latentes. As condições de pobreza que continuam caracterizando o Haiti
como um dos Estados mais pobres da América. O déficit de moradias anterior
ao terremoto era de 1,5 milhão, com a ação humanitária, foram construídas em
torno de 9 mil moradias, apenas. Um enorme contingente de pessoas busca sair
do país por quaisquer meios, e tem o Brasil como um dos principais destinos,
denota a situação de desolação, falta de emprego ou oportunidades de educação

20
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

para a população mais jovem. (SADER, 2015). Percebe-se aqui que a escala
de análise, local/nacional de Porto Príncipe – Haiti passou para uma análise
continental, pois a imigração para o Brasil passa por outros países da América
do Sul, como Peru e Equador, tendo como porta de entrada o estado do Acre.
Não são somente haitianos que utilizam esta rota para imigração para o Brasil,
povos da África, como os senegaleses, já estão o fazendo (observem que a escala
já é intercontinental: América – África). Para compreender os fatores de repulsão
dos países pobres em direção tanto dos países ricos, como países emergentes, a
análise passa para a escala global, numa abordagem sócio-histórica de expansão
do sistema capitalista, passando pela colonização, imperialismo e globalização.

Agora, pensaremos e refletiremos sobre o destino de alguns destes


imigrantes dentro do Brasil, e na dimensão temporal atual. Foram recorrentes os
noticiários do mês de maio de 2015, quando o Ministério da Justiça suspendeu
o repasse de verbas para o estado do Acre, para encaminhar imigrantes para
a capital São Paulo. Uma liminar na justiça impedindo a entrada no estado de
imigrantes vindos do Acre, sem aviso prévio, em decorrência, três ônibus com
imigrantes haitianos e senegaleses foram enviados para o sul. Novamente,
as autoridades do Acre não avisaram as autoridades de Santa Catarina, ou da
prefeitura de Florianópolis da chegada na cidade de pelo menos três ônibus
com imigrantes (aqui passamos das escalas continental e nacional para a escala
estadual e municipal ou local).

Em Florianópolis, chegaram em final de maio quatro ônibus de imigrantes


que foram recebidos por funcionários da Secretaria de Estado da Assistência Social
e da Prefeitura Municipal de Florianópolis, no Ginásio de Esportes improvisado
como abrigo. Muitos destes seguiram para outras cidades dos estados de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, onde já tinham contatos, ou seja, um amigo ou
parente já estava residindo na cidade pretendida e empregado. Em Florianópolis,
os que preferiram ficar, foram entrevistados, cadastrados e vacinados.

NOTA

Instituto de Geração de Oportunidades de Florianópolis – IGEOF e o Sistema


Nacional de Emprego – SINE estão realizando os cadastros e orientando o deslocamento
dos imigrantes para cidades, como Chapecó, Blumenau e Jaraguá do Sul, onde existem
grandes empresas que necessitem de mão de obra. Disponível em: <http://g1.globo.com/
sc/santa-catarina/noticia/2015/05/haitianos-seguem-internados-com-sintomas-de-gripe-
em-florianopolis.html>. Acesso em: maio 2015.

21
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

NOTA

Quando a pressão por emprego não é grande, como na cidade de Joinville, a


chegada dos imigrantes passa despercebida pelas autoridades e população local, como se
percebe nesta reportagem sobre a cidade de Joinville, SC: “o número de refugiados haitianos
cresce pacificamente e silenciosamente. Até o fim do ano passado havia pouco mais de 700
pessoas cadastradas”, porém, a estimativa é que na cidade vivam mais de mil haitianos. 25 de
maio de 2015. Disponível em: <http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/radio-cbn-diario/19,1
176,4768275,Estimativa-e-de-que-mais-de-mil-haitianos-morem-em-Joinville.html>. Acesso
em: 10 maio 2015.

Teles e Valduga (2014) propõem aceitar a coexistência e multiplicidade de


escalas, e diferentes perspectivas permitirão uma análise de um fenômeno espacial.
A multiescalaridade é um recurso analítico complexo, no intuito de revelar a
complementaridade, o antagonismo e a interdependência de perspectivas sobre
um determinado fenômeno a partir do espaço. Esse recurso possui duas fases de
incorporação na discussão, como explica Castro (2008), a primeira como caminho
metodológico, e, a segunda como caminho epistemológico. Como caminho
metodológico, conforme explicado pelos exemplos da imigração haitiana e
senegalesa, a complexidade de análise envolve tanto os fatores de repulsão
específicas e diferenciadas das espacialidades do Haiti e do Senegal, como do
caminho escolhido para entrar no Brasil, e dos caminhos dentro de nosso país,
até um destino, onde o imigrante possa encontrar condições de acolhimento e
de permanência, com condições de sobrevivência dignas, apesar de nosso país,
também apresentar disparidades sociais e espaciais extremas.

Propõe-se a multiescalaridade como um caminho possível de superação


das preocupações estanques e de recortes. A natureza multiescalar dos fenômenos
decorre da complexidade dos mesmos e da natureza multidimensional do
território, e pode contribuir na tentativa de avanço e superação de reducionismos
de estudos geográficos sobre determinados temas. A abordagem sobre
determinados fenômenos, relacionados, por exemplo, com a categoria território,
possui uma mediação escalar múltipla.

A reflexão teórica sobre a escala de análise geográfica que acabamos de


fazer tem sua importância por estar diretamente relacionada com o conceito região,
possibilidades de regionalização do espaço mundial, territórios, territorialidades
e outros temas tratados.

22
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

5 TEMPO OU TEMPO-ESPAÇO
As inovações tecnológicas que através da geografia quantitativa dos anos
60 e 70 afetaram as pesquisas na geografia física implicaram uma mudança ente a
“velha ciência” e a “velha maneira de pensar” para introduzir uma “nova ciência”
e nova maneira de ver o mundo naquele período, com consequências positivas
até hoje. Estas mudanças revolucionárias, sobre o conceito de tempo na geografia,
sempre estarão relacionadas com uma visão não linear, que por sua vez alteraram
a maneira de ver o mundo. O tempo-espaço é dinâmico, constante e contínuo.

A visão clássica, linear e reducionista do mundo é inadequada para


aplicação no mundo atual caracterizado e estudado como sistemas e fluxos
complexos e multidimensionais (de organismos, energias e informações). O mundo
é caracterizado por mudanças repentinas e imprevisíveis onde a mentalidade de
causa-efeito tem que ser reajustada. Taylor (2009) exemplificou: a globalização é
um processo complexo, já que o tempo e o espaço estão conectados. Desta forma,
as atividades sociais estão conectadas, mesmo em longas distâncias, através de
uma rede de fluxos como a internet, os bancos internacionais, os sistemas de
transporte, entre outros. Esses fatos provocam a ideia de “encurtamento” do
espaço e do tempo. Isso ocorre também com a informação, pois a tecnologia
utilizada nos meios de comunicação permite que a informação percorra grandes
distâncias em um tempo menor. No livro, A condição pós-moderna, David Harvey
(1992), ao apresentar a “compressão tempo-espaço” explica que a atual fase da
globalização e revolução técnico-científica, principalmente com a telemática,
automação industrial, robótica e informática, vive-se uma aceleração do tempo
produtivo e do consumo (bem como do descarte), gestaram-se valores e virtudes
embalados pela instantaneidade e pela volatilidade.

Para Abrão (2012) o fenômeno socioespacial está inserido numa lógica


e perspectiva espaço temporal, isto é, não existe possibilidade de estudar um
fenômeno geográfico sem a dimensão temporal, pois é esta que lhe atribui
a característica de processo, e não de eventos estanques ou pontuais. Assim,
expressam movimento, e, a partir da conjugação espaço-tempo, onde o tempo
significa processualidade histórica e velocidade das relações. O tempo histórico
avança com diferentes velocidades, conforme a concentração das tecnologias e
acesso aos produtos da informática e demais tecnologias da Terceira Revolução
Técnica científica. Assim, a duração social, os tempos múltiplos e contraditórios
da vida dos homens não são apenas elementos do passado, mas também
preenchimento da vida social atual, onde ocorre a compressão tempo-espaço
apresentada por Harvey. Exemplificando, podemos pensar numa nação indígena
do interior da Amazônia e a possibilidade de seus líderes (caciques e pajés)
estarem conectados às tecnologias. Para os indivíduos da tribo que continuam
caçando, pescando, plantando, a dimensão espaço-tempo continua sendo a do
ritmo da natureza. Para os indivíduos líderes, professores bilíngues que atuam
em escolas indígenas, muitos conectados à internet, à Funai, às discussões dos

23
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

direitos indígenas, a dimensão espaço-temporal é outra diante da velocidade


em que podem se comunicar e também viajar. São velocidades diferentes, para
uma sociedade ou nação indígena ocupando os espaços delimitados pela reserva,
inseridas em sistemas naturais, culturais e econômicos mais amplos. As mudanças
introduzidas no ecossistema pelo desmatamento, exploração mineral, mudanças
climáticas, aquecimento global na escala planetária, afetarão a dimensão espaço-
tempo do ritmo da natureza dos indivíduos da nação indígena, pela diminuição
da flora e fauna, resultado de ações em tempos múltiplos e contraditórios.

A concepção de espaço geográfico, de acordo com Milton Santos (1986),


como espaço de acumulação desigual de tempos significa que o espaço é resultado
do processo histórico da relação entre homem e meio, através do trabalho e da
utilização da técnica. O autor também se refere ao espaço geográfico como espaço-
tempo, conduzindo uma reflexão sobre espaço como coexistência de tempos,
materializado e mediado pelas técnicas. O resultado dos diferentes ritmos,
decorrentes das tecnologias empregadas no trabalho, nas formas de produção
e sobreposição de estruturas e formas dos lugares é observado na maneira de
coexistir, na espacialização, cada vez mais complexa e carregada de herança e de
novas possibilidades.

Nesse sentido, Haesbaert (2006, p. 3) traz aportes teóricos sobre a temática


apontando processos fundamentais na construção do espaço-tempo nas últimas
três ou quatro décadas, são eles:

• A flexibilização da economia, com a implantação do chamado


capitalismo pós-fordista ou de acumulação flexível.
• A hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo; a
crise do Estado do bem-estar social e, consequentemente, dos
grandes projetos de planejamento regional-nacional integrado,
e a instituição ainda em processo de ‘Estados de controle’ ou de
‘segurança’.
• A difusão das tecnologias da informação, gerando uma violenta
e desigual ‘compressão do tempo-espaço’ na rica expressão de
Harvey (1989).
• E, a nível cultural, a propagação do chamado multiculturalismo e/
ou hibridismo cultural, onde seria cada vez mais difícil encontrar
identidades claramente definidas.

E
IMPORTANT

O processo de flexibilização da economia, em que o modelo de produção


industrial fordista passou por transformações para o que se denominou de Toyotismo ou
Just-in-time, ou acumulação flexível, juntamente com a hegemonia do capitalismo financeiro
foi trabalhado no caderno de estudos da Geografia Econômica. O terceiro e quarto itens da
difusão das tecnologias da informação, gerando a compressão espaço-tempo e sobre os
multiculturalismos estão presentes nas reflexões deste caderno pedagógico.

24
TÓPICO 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONCEITOS-CHAVE DA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

Uma das características da pós-modernidade foi a observação e vivência em


diferentes dimensões da experiência de espaço e de tempo, marcada especialmente
por aquilo que Harvey (1992) denominou “compressão tempo-espaço”. Os avanços
das tecnologias e sua difusão criaram a possibilidade de uma “contração” ou
“condensação” de um tempo-espaço que pode ser ao mesmo tempo global e local,
mundial e regional, ou seja, multiescalar e num processo de deslizamento de escalas.
Novas velocidades de transporte e comunicação permitiram enfraquecimento e a
suplantação parcial mais rápida da distância física, considerado no passado um
entrave espacial para a circulação de pessoas e mercadorias.

A evolução das telecomunicações possui como marco a internet. Através


dela é possível a transferência de dados (informações, conhecimentos e capitais)
entre qualquer parte do planeta, on-line e em tempo real. As noções de tempo e
espaço mudaram e continuam mudando rapidamente, refletindo em mudanças
nas relações entre as pessoas e entre estas com os lugares, alteram-se hábitos
culturais e relações sociais e econômicas. Parafraseando Rogério Haesbaert (2007),
a compressão tempo-espaço não está clara, e, nem diz respeito apenas aos que
conseguem se inserir nos fluxos de mobilidade turística, empresarial e trabalho
globalizado, mas também diz respeito à mobilidade dos capitais, serviços e
produtos, em constantes fluxos e movimentos. Diversos grupos sociais relacionam-
se mais ou menos intensamente com esta mobilidade, e de formas distintas em
relação às suas fases: início pelo comando, extremidades, receptores, intermediário-
passadores e os que são apenas expectadores e admiradores. Há ainda, conforme o
autor os que são aprisionados pela compressão tempo-espaço. “Muito mais do que
uma coisa ou objeto, o território é um ato, uma ação, na relação, um movimento (de
territorialização e desterritorialização), um ritmo, um movimento que se repete e
sobre o qual se exerce um controle”. (HAESBAERT, 2007, p. 127).

A visão de compressão tempo-espaço, em relação à evolução das


tecnologias nas telecomunicações, é facilmente compreendida. O espaço
geográfico, enquanto espaço material, onde se localizam as cidades, as atividades
práticas do cotidiano, são percebidas e vivenciadas de formas diferenciadas pelos
cidadãos que nela habitam, trabalham e se locomovem. O espaço físico do planeta,
ou seja, a distância física entre diferentes lugares dentro dos países e continentes
continua sendo medido em quilômetros de distância. A evolução dos meios de
transportes, cada vez mais velozes, com possibilidade de transportar maiores
volumes, com meios de transportes nodais interconectados e complementares
entre si. Nunca as mercadorias e pessoas viajaram tão rápido e com tanta
frequência. O fato contribui na mudança da relação tempo-espaço, porém não da
mesma forma como as telecomunicações.

As dimensões espaciais são relativizadas, pois, principalmente, as


desigualdades sociais limitam e negam o pleno acesso a essas novas tecnologias
(de telecomunicações e transportes) para uma parcela significativa da população
mundial. A mobilidade humana, o acesso e superação das distâncias físicas são
diferenciados para a população de um mesmo país, e para populações de países
de níveis socioeconômicos diferentes. Já a mobilidade urbana de metrópoles e

25
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

megacidades é mais complexa, depende de um conjunto de políticas públicas,


de infraestruturas e do próprio processo de formação socioespacial das cidades,
principalmente nos países emergentes e subdesenvolvidos. Percorrer uma
distância física, relativamente curta em quilômetros, de um bairro para outro,
ou do bairro para o centro, pode demorar mais tempo, para um conjunto de
trabalhadores e estudantes, do que uma viagem de avião desta mesma cidade
para outra capital ou cidade há muito mais quilômetros de distância. Na cidade
de São Paulo, que é ao mesmo tempo uma metrópole, capital e megacidade, com
aproximadamente 20 milhões de habitantes, uma pequena parcela da população
não precisa se preocupar com os congestionamentos urbanos, com greves das
empresas de transportes coletivos de superfície e/ou dos metrôs. A maior parte
da população que trabalha, estuda e/ou procura opções de lazer e cultura, tem
na mobilidade urbana um problema, ao mesmo tempo em que não possuem
conhecimento da cidade como um todo. As parcelas do espaço urbano percorrido,
visitado e/ou ocupado, portanto, conhecido, representam distâncias físicas
relativizadas dependendo dos meios de transportes utilizados e das formas de
acesso à moradia.

26
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você estudos que:

• A disciplina de Regionalização e Organização do Espaço Mundial se inter-


relaciona com os conteúdos das disciplinas de Fundamentos Epistemológicos
da Geografia, com a Geografia Política e Cultural e Geografia Econômica.
A análise e estudo dos fenômenos de forma articulada, contextualizada e
integrada remete à totalidade, à complexidade, enquanto a permanência
ou a ênfase demasiada nas especificidades poderá levar à fragmentação. As
dificuldades inerentes à esta abordagem integrada e articulada são inúmeras,
e, por vezes dificultarão o estudo.

• O paradigma da ciência, que tradicionalmente tem dado suporte teórico-


metodológico às ciências e suas diversas áreas, está sendo questionado, desde
meados do século XX. Novos aportes e fundamentações científicas têm se
consolidado, inserindo as tecnologias e descobertas conduzindo a avanços
tecnológicos e científicos impressionantes. No entanto, este conhecimento
científico, cada vez mais específico, fragmentado, não deu conta de resolver
todos os problemas, dilemas e crises da humanidade.

• A teoria da complexidade é apenas uma das novas orientações filosóficas


para um novo paradigma de ciência, buscando a interpretação da realidade,
pela sua complexidade, multidimensionalidade e totalidade. A necessidade
do desenvolvimento de competências e habilidades para esta nova forma de
compreensão dos fenômenos exigirá um pensamento complexo.

• A geografia, ciência praticada e estudada nos laboratórios e programas de


pós-graduação das universidades e centros tecnológicos, pesquisa e estuda
o espaço geográfico no qual se desenvolvem as relações entre a sociedade e
a natureza, o que exige do geógrafo pesquisador e cientista conhecimentos
abrangentes, contextualizados e filosóficos para analisar e explicar o processo
de produção, transformação, organização e diferenciação do espaço geográfico,
seus elementos e fenômenos.

• A geografia acadêmica estudada nas universidades nos cursos de bacharelado


(graduação do profissional geógrafo) e de licenciatura (graduação do professor
para a geografia escolar) através da primeira transposição didática estuda o
conhecimento geográfico.

27
• A geografia escolar, desde a educação infantil até o ensino médio, por meio
do currículo e transposição didática, adapta um conjunto de conteúdos da
área de conhecimento da geografia para trabalhar uma variedade de conceitos
e categorias de análise geográfica. Além de desenvolver competências,
habilidades e atitudes em relação à localização, orientação, e mobilidade
espacial, a geografia escolar deverá ajudar o aluno, futuro cidadão, a
compreender o mundo em que vive numa perspectiva multiescalar, para que
possa intervir de forma proativa em seu lugar e território.

• A concepção de ciência do professor de geografia é importante no sentido de


romper com as dicotomias e dualidades apresentadas na geografia tradicional.
A necessidade da constante atualização dos fatos e fenômenos geográficos
exige do professor de geografia uma postura investigativa e de formação
continuada permanente. As integrações e articulações entre os conteúdos do
currículo com fatos e fenômenos do presente, numa abordagem multiescalar,
tornam a tarefa de ser professor de geografia tão importante e difícil quanto
a do professor de matemática e língua portuguesa (as duas disciplinas mais
valorizadas do currículo).

• O espaço geográfico, objeto de estudo da geografia apresenta características


múltiplas, englobando diversidades e complexidades naturais, humanas,
sociais, políticas, culturais. A geografia tradicional ou clássica tratou de estudar
cada um destes aspectos ou dimensões de forma estanque e fragmentada. Com
os avanços surgiram especificidades do e no conhecimento geográfico que
incorporaram as tecnologias para melhor estudar, explicar e compreender o
espaço, cada vez mais transformado pelo trabalho, produção industrial, pela
técnica, tornando-se artificializado, humanizado e complexo.

• A escala é uma das categorias de análise do espaço geográfico que permite


diferentes zoons, ampliando ou diminuindo a visibilidade dos fenômenos a
serem estudados.

28
AUTOATIVIDADE

1 Em relação à geografia escolar, há necessidade do professor licenciado


possuir o domínio de um conjunto de conceitos e categorias de análise da
ciência geográfica. As formações continuadas serão importantes na medida
em que novas propostas teórico-metodológicas foram apropriadas. Sua
atuação profissional na geografia escolar, no ensino fundamental II ou no
ensino médio será significativa na medida em que o professor terá clareza
de sua concepção de ciência, de geografia e de currículo escolar. Acerca da
geografia escolar analise as afirmativas a seguir:

I - Os conteúdos trabalhados em sala de aula visam à aquisição de conceitos


específicos da geografia, juntamente com competências e habilidades para
a localização, orientação e mobilidade no espaço geográfico.
II - Dentre os objetivos da geografia escolar, destacam-se o aguçar o olhar
geográfico e sua representação, assim como, decodificar e decifrar símbolos
cartográficos, pois a cartografia e a geografia são ciências complementares.
III - Uma das competências a ser desenvolvida pela geografia escolar diz
respeito à participação proativa dos adolescentes, jovens e futuros adultos
para a resolução dos problemas da sociedade em relação aos espaços, sua
apropriação, transformação e preservação.
IV - A geografia escolar por se ocupar de fatos e fenômenos geográficos da
atualidade, pode se basear única e exclusivamente nas informações
veiculadas pelas mídias, para trabalhar em sala de aula.

Agora assinale a alternativa correta.

a) As afirmativas I, II e III estão corretas.


b) As afirmativas II, III e IV estão corretas.
c) As afirmativas I, III e IV estão corretas.
d) As afirmativas II, III estão corretas.

2 Um dos fenômenos geográficos contemporâneos diz respeito às migrações


internacionais. As implicações sociais, políticas, culturais, econômicas e
principalmente humanas são diversas e complexas. A multiculturalidade tem
nos conduzido para sociedades cada vez mais plurais em relação à cultura,
língua, tradições e interações sociais. Disserte sobre a multiculturalidade
no espaço ou lugar em que você vive, mora ou trabalha, relacionando este
contexto com conteúdos da geografia.

3 A primeira natureza é aquela que existe em decorrência da história geológica


do planeta Terra, em que as formas de relevo, estruturas geológicas,
hidrosfera, atmosfera e biosfera foram se desenvolvendo e se constituindo
nos ambientes e domínios morfoclimáticos conhecidos, com conjuntos
de flora e fauna específicos. O homem, através da técnica tem interferido
cada vez mais nestes ambientes naturais, transformando-os em segunda
natureza. Disserte considerando alguns elementos naturais, como o homem
tem transformado a primeira natureza numa segunda natureza.
29
30
UNIDADE 1
TÓPICO 2

A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

1 INTRODUÇÃO
Nesta seção buscar-se-á apresentar algumas reflexões sobre as sociedades
e os Estados e um conjunto de temas e noções que são complementares para a
compreensão da realidade espacial e suas dinâmicas da contemporaneidade.

Os princípios e características da modernidade que persistem e coexistem


até a contemporaneidade estão carregadas de ambiguidades, contradições e
tensões. Vivemos um mundo que se transmuta, rapidamente, para novas formas
de ser e viver, o que exige novas formas de pensar, de ver e de analisar fatos,
eventos e fenômenos. A ciência moderna responsável pelos avanços científicos e
tecnológicos mostra sinais, anomalias do paradigma.

Entre os objetivos deste texto, encontra-se a necessidade de estudar,


mesmo que resumidamente, alguns eventos da modernidade que determinaram
e influenciaram a organização do espaço geográfico mundial para compreender
os eventos e fenômenos que atualmente estão determinando e conformando os
espaços mundiais.

O deslocamento dos centros de poder e a ação dos novos atores, que se


fortaleceram, tiveram um conjunto de consequências, entre as quais, rompimento
das fronteiras nacionais, fortalecimento de minorias étnicas e religiosas e o
afloramento de conflitos e massacres com requinte de barbaridade, típico da
idade medieval. Concomitantemente, na espacialização planetária as grandes
cidades consolidam-se como cenários de excelência para a reprodução do
cotidiano. Multinacionais se expandem, espalham seus produtos e instalações
pelo mundo. A tradicional dicotomia próximo/distante perde razão de existência,
principalmente para os incluídos (digital, econômica e culturalmente) às benesses
da Revolução Técnica científica. Observa-se uma metamorfose na relação centro/
periferia e dos locais entre si, via redes de satélites, cabos de fibras ópticas e
internet (RIBEIRO, 2008). Paralelamente, crescem espaços caracterizados pela
informalidade, degradação (ambiental/social), exclusões e pela pobreza e miséria
em que se encontram milhões de pessoas.

31
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

2 MODERNIDADE
O período histórico compreendido do século XV ao XVII, ou Idade
Moderna, (numa análise linear e cronológica eurocêntrica), corresponde a um
período em que se estrutura e se organiza a “Modernidade”. Alguns fatos
importantes que marcaram a modernidade foram: a desagregação do feudalismo,
expansão marítima-comercial, Renascimento, Humanismo, Reforma Protestante,
o Estado Territorial Moderno, definindo uma interpretação racional e metódica
sobre a realidade. Impulsionada pela crença da transformação do mundo através
da ciência e da racionalidade. No decorrer do século XVIII ela se consolida como
forma de pensar o homem, a sociedade e o mundo, atingindo seu ápice no final
do século XIX e início do XX. Porém, no decorrer do século XX, a modernidade
começou a dar sinais de esgotamento, e as formulações teóricas produzidas até
então não dão conta de explicar as realidades e apresentar soluções aos problemas
da condição humana.

Dessa forma, podemos conceituar Modernidade como um movimento


cultural e científico, englobando modos de vida e formas de organização sociopolítico-
econômica, que se consolidou na Europa, o qual, através do desenvolvimento de um
conjunto de transformações e revoluções, mudou a visão de mundo dos europeus,
destacando-se entre as transformações, algumas rupturas, como, por exemplo,
separação entre o conhecimento (científico) e igreja, e entre igreja e Estado. O conceito
de “moderno”, no entanto, é mais complexo e abrangente, reunindo um conjunto
de fenômenos econômicos, sociais, políticos e culturais que se inter-relacionam com
um conjunto de eventos marcantes que ocorreram no mundo ocidental, e devido a
sua influência, se estenderam para o mundo.

É o período em que a ciência se sistematizou e se estruturou fundamentada


no paradigma da física clássica, mecânica ou newtoniana. A geografia como
ciência, dentro de uma concepção de modernidade, é a que denominamos de
tradicional ou clássica. Devido a sua importância, se tornou mundial, tem-nos
influenciado até o presente momento.

NOTA

Os conceitos de homem, sociedade e espaço foram estudados em suas


diferentes concepções, pelas ciências da modernidade, cujos pilares eram: a crença na
verdade, obtida através da razão, a linearidade histórica, na estabilidade, cuja trajetória
previsível conduziria a humanidade ao progresso e desenvolvimento. Tais pressupostos
eram fragmentadores, fechados e categorizáveis e atrelados ao capitalismo, daí vem seu
caráter pragmático, positivista e neopositivista.

32
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

NOTA

Mundo ocidental corresponde à Europa Ocidental (do século XV ao XIX), período


em que se constituíram os Estados-Nações Modernos, mas a expressão é utilizada até os
dias atuais. O Ocidente contemporâneo representa um conjunto de valores difundidos
pelas culturas europeia e americana (principalmente pelos anglo-saxões e estadunidenses),
pautada na razão, na ciência, na democracia, nos direitos individuais, mas também no
capitalismo e consumismo.

Além da sistematização das ciências, o Estado Moderno que nasceu


orientado por uma busca de centralidade, concentração e centralização do poder,
se consolida concomitante ao desenvolvimento do sistema capitalista de produção
para além do continente europeu.

3 MODERNIDADE E ESTADO NACIONAL


Apesar dos estudos e análises orientados por processos da globalização, a
mudança do foco das sociedades nacionais para a sociedade global ainda não é fato
consolidado ou totalmente concluído. O Estado Nacional continua sendo um dos
atores na configuração espacial mundial, apesar de um conjunto de transformações
apontarem na direção oposta. Busca-se, neste subtópico, resgatar a formação do
Estado Moderno e Nacional para posteriormente compreendermos um conjunto
de transformações em curso sobre as fronteiras, territórios, desterritorialização e
outros conceitos pertinentes.

Rejeitando antigas tradições e o passado, buscando a transformação e o


“moderno” foi forjado em meio e através de fenômenos como o Renascimento ou
Renascença, o Iluminismo e três Revoluções (a Inglesa ou Gloriosa, a Francesa e a
Industrial). Outros eventos integraram o conjunto de fenômenos que caracterizou
a Modernidade ou o período que se estende do século XVII ao XX. O antigo,
porém, não desaparece completamente, todavia, existe lugar para o novo, e,
ambos coexistem, conflituosamente, dando lugar à diversidade de pensamento,
criando tensões entre tempo passado e presente. As lutas sociais por liberdade,
igualdade e fraternidade reconfiguraram os Estados Territoriais Nacionais.

33
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

3.1 O ESTADO TERRITORIAL MODERNO


Os eventos e fenômenos se iniciaram com a expansão marítima e
os grandes descobrimentos acompanhados do colonialismo marcaram o
surgimento de um Mundo Novo. A ampliação dos horizontes geográficos, com a
comprovação da esfericidade da Terra e a incorporação de um novo continente,
até então desconhecido pelos europeus: a América. Iniciou-se um processo de
criação de algo novo na mentalidade dos homens, que mudaria o conceito de
mundo. Consequentemente, os europeus foram impulsionados a estudar, uma
vez que a ignorância da existência de novas terras, com outros povos, flora e
fauna desconhecidas, o exigiam. Para Giddens (1991), o século XVII marca o
surgimento da ciência moderna, onde conhecimento para ser válido, deve ser
prático, provado, empírico. Nesse contexto, o empirismo, busca a veracidade ou
falsidade por meio dos resultados de experiências e observações.

Entre as transformações institucionais e reordenação jurídica ocorridas


em meados do século XVII, está a instituição do Estado Territorial, como
forma geográfica de organização das sociedades moderna e contemporânea. O
Estado Territorial Moderno era a afirmação de um Monarca (soberano) que se
afirmava sobre um espaço delimitado por fronteiras forjado por meio de alianças
(casamentos e guerras). Soberano era o príncipe, o Estado, que reinava sobre um
território, constituindo-se num poderoso instrumento de controle de multidão. A
razão de Estado se coloca acima dos homens e mulheres comuns, e é um direito
que se quer universal. (GONÇALVES, 2002).

Um dos pressupostos da existência do Estado moderno é a capacidade


de manter a soberania interna e externa. Um pressuposto da existência do Estado
moderno é a capacidade de manter a soberania interna e externa. O poder
político deve ser capaz de garantir a obediência às leis nos seus limites territoriais
e, também, proteger as fronteiras em relação aos demais Estados tendo como
referência o direito internacional, cuja referência inicial é o Tratado de Paz da
Vestfália de 1648.

Entre os séculos XVI e XVII, o poderio militar e econômico dos primeiros


Estados Modernos europeus (Inglaterra, França, Espanha, Holanda e outros)
cria no imaginário dos demais povos europeus, a ideia de um Estado forte, de
potência e modelo a ser seguido em seu formato nacional, o qual passou a ser
elemento-chave para o sucesso. A soberania, antes concentrada no monarca passa
a estar no povo, que a exerce através de seus representantes. Isto é, o Estado na
modernidade passou a instância organizada jurídica e constitucionalmente dentro
de um território, delimitado por fronteiras construídas historicamente, através de
acordos, conflitos e/ou conquistas. Passou também a ser sinônimo de justiça, ao
garantir direitos e priorizar a qualidade de vida das pessoas, e hipoteticamente
controlaria o capitalismo (civilizado), o qual produziria a riqueza que poderia ser
distribuída igualitariamente.

34
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

3.2 O ESTADO NACIONAL


Da segunda metade do século XVIII em diante, através da união do Estado
moderno com a concepção de nação, este se transforma em Estado Nação, ou seja, no
Estado Nacional. A construção do Estado e da Nação foram processos independentes,
mas que convergiram para objetivos comuns. Atores como, advogados, diplomatas
e funcionários públicos, atuaram na construção de uma burocracia eficiente para
a constituição do Estado, simultaneamente, escritores, historiadores e jornalistas,
os quais se anteciparam às tentativas diplomáticas e militares de estadistas, na
divulgação e defesa de um projeto inicialmente imaginário, de uma nação unificada,
com base em aspectos históricos, étnicos e culturais.

A generalização das formas territoriais do Estado-nação se tornou


universal com a descolonização da América no decorrer do século XIX e da África
e da Ásia, durante o século XX, principalmente nos períodos entre e pós-guerras.
Mas este triunfo é ao mesmo tempo enganador e frágil: enganador, porque em
muitos sistemas de novos Estados o território é apenas uma concha vazia, sem
valor simbólico para a maior parte dos cidadãos; frágil, porque as filosofias sociais
sobre as quais repousava a modernidade são hoje criticadas.

Ao se tornar Estado-Nação, o Estado moderno pode favorecer o surgimento


de formas democráticas de legitimação, através da construção de identidades
nacionais, fomentando o aparecimento da figura do cidadão, com participação,
principalmente, política. Com o advento do Estado Nacional democrático a
forma de governo que se difunde é a república, porém, ainda coexistem regimes
monárquicos. Ocorre que a garantia de certos direitos civis e humanos consagra
a ideia de que o cidadão é ao mesmo tempo autor e obediente à lei, ou seja, a
vontade do povo consagra as normas legais. A soberania (antes do rei) mudou de
lugar (foi para o povo – soberania popular). Mas as noções de direitos humanos
e soberania popular, por serem abstratas, não foram suficientes para a integração
social da cidadania democrática, no entanto, conforme Habermas (1995, p. 92), a
ideia moderna de nação deu a coesão necessária ao Estado Nacional:

Somente a percepção de uma identidade nacional, cristalizada em


torno de uma história, língua e cultura comuns, somente a consciência
de pertencer à mesma nação é que fez com que pessoas distantes,
espalhadas em amplos territórios, se sentissem politicamente
responsáveis umas pelas outras. Dessa maneira, os cidadãos passaram
a se ver como partes de um mesmo todo, quaisquer que fossem os
termos legais abstratos em que esse todo pudesse estar constituído.
Esse tipo de autoconsciência nacional se refere ao Volksgeist, o
espírito singular de uma nação, que foi cuidadosamente construído
pelos intelectuais em termos de mitos, histórias e tradições literárias
românticos, e que se difundiu largamente por meio dos canais de
comunicação de massa da época. Essa identidade cultural fornece
o substrato socialmente integrador para a identidade política da
república.

35
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Por terem sido forjadas artificialmente por teóricos, as “identidades


nacionais”, que geram o sentimento de pertença nacionalista, acabam se tornando
terreno fértil para a manipulação política. Se observarmos os diversos usos da
psicologia de massas, sobretudo ao longo do século XX, vamos perceber o quanto
esse recurso foi utilizado para desviar a atenção dos problemas sociais internos e
criar unidade focando em conflitos externos.

Na discussão sobre a organização do espaço mundial, através dos Estados


Nacionais, Darcy Azambuja (2008) diferencia a sociedade humana da sociedade
política. A sociedade humana seria um conjunto de grupos sociais, que podem
variar de acordo com o nível de abrangência local, de uma cidade, país, ou de todos
os países. Já a sociedade política é a instituição máxima, o ESTADO, que possui a
proeminência sobre determinados grupos sociais que habitam determinada área,
da qual decorre uma obrigatoriedade de laços envolvendo o indivíduo, onde o
sentimento de pertença se mescla com um conjunto de obrigações ou deveres
para com o todo.

O nacionalismo pode ser identificado como ideologia e movimento


político no qual uma comunidade exprime a crença de que a população, ou
um povo, se identifica enquanto coletividade, no início pela linguagem (século
XVIII), e depois pelo sentimento de identidade nacional (século XX), valorizando
símbolos das cerimônias, costumes, história, enaltecendo heróis.

No decorrer dos séculos XIX e XX, a formação e expansão de Estados


pelos demais continentes foi espelhada na experiência das nações europeias.
A disseminação de um conjunto de valores culturais, éticos, morais e legais se
deu junto à expansão do imperialismo ocidental, os quais contribuíram para
a universalização dos Estados Nacionais. Cabe lembrar que este processo de
institucionalização dos Estados Nacionais pelos demais continentes se deu por
acordos, conflitos, emancipações tribais forjadas e guerras. Almeida (2013, p.
242), explica de forma didática:

Ao se estabelecer em determinado local do espaço geográfico, uma


população se organiza na forma de instituições sociais e culturais que
delimitam a sua identidade: a língua, a história e o território, cujas
fronteiras coincidem com o processo de construção social do espaço
geográfico. Um território é o produto do trabalho de uma sociedade
em determinado espaço geográfico com toda a sua complexidade
histórica e cultural. Um território também é formado pelas relações
de poder que diversos agentes exercem [...]. Ao transformar o meio
natural e organizar o espaço, esses agentes passam a disputar o
controle dos diversos territórios. O Estado-Nação é apenas um desses
agentes.

Do ponto de vista político, o espaço geográfico é divido em países, que


em sua maioria são Estados Soberanos, como o Brasil, a Argentina, Costa Rica,
Timor Leste e outros 194, reconhecidos pela ONU. O Estado-Nação é soberano
no território delimitado pelas fronteiras, onde exerce seu poder a partir de uma
cidade (a capital), que abriga órgãos governamentais. Segundo Ribeiro (2008, p.
36
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

5), “o Estado moderno é a referência máxima do entrelaçamento entre espaço,


poder e controle social, centralizando e unificando a dispersão da população e de
suas práticas econômicas, políticas e culturais em nome da Nação”.

Os conceitos de país e Estado são semelhantes, mas não são exatamente


a mesma coisa. O Estado é a entidade jurídica, que expressa também um direito
jurídico de cidadania para cada indivíduo que nele habita. O Estado exerce
soberania sobre o território e é reconhecido por outros Estados. Existem estados
constituídos por um único país, como o Brasil e estados formados pela união
política de mais de um país, como o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do
Norte, mais conhecido por Reino Unido, constituído por Inglaterra, País de Gales,
Escócia e Irlanda do Norte.

ATENCAO

Existe certa confusão sobre a utilização dos termos Reino Unido (Estado
soberano), Inglaterra e Grã-Bretanha. Vamos esclarecer começando com a definição
geográfica de arquipélago das Ilhas Britânicas, que é composto por duas grandes ilhas: a ilha
de Grã-Bretanha e a ilha da Irlanda.

FIGURA 3 - IMAGEM DE SATÉLITE DO ARQUIPÉLAGO DAS ILHAS BRITÂNICAS

ARQUIPÉLAGO DAS
ILHAS BRITÂNICAS

Ilha da Grã-Bretanha

Ilha da Irlanda

FONTE: Disponível em: <file:///C:/Users/05524964992/Pictures/aerq.png>. Acesso em: 10 maio


2015.

37
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Seguindo as definições políticas, a ilha da Grã-Bretanha está dividida em


três estados não soberanos: Inglaterra, cuja capital é Londres, País de Gales, com
Cardiff como a capital, Escócia com Edimburgo como a capital. A ilha da Irlanda é
dividida em dois estados: República da Irlanda, com Dublin como capital, (Estado
soberano) e, a Irlanda do Norte (Estado não soberano), cuja capital é Belfast.
O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (denominação oficial),
que é um Estado unitário e soberano constituído por quatro países: Inglaterra,
Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. A capital do Reino Unido é Londres.
O Reino Unido (como é mais conhecido) é governado por uma monarquia
constitucional parlamentarista, onde a rainha Elizabeth II é chefe de Estado e o
Primeiro Ministro David Cameron é chefe de governo. A base central do governo
fica na capital geral Londres, mas com mais três administrações nacionais
descentralizadas, cada um deles nas capitais dos estados constituintes. Os
países da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte não são países
independentes, mas os países constituintes do Reino Unido. Portanto, podemos
dizer que o Reino Unido é um país constituído por países que ocupa toda a ilha
da Grã-Bretanha e parte da ilha da Irlanda.

FIGURA 4 - REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA E DA IRLANDA DO NORTE

FONTE: Disponível em: <http://viagensinspiradoras.com.br/reino-unido-ou-gra-bretanha/mapa-


reino-unido/>. Acesso em: maio 2015.

Os estados que compõem o Reino Unido têm diferentes línguas co-oficiais.


A língua co-oficial do País de Gales é o Galês, da Escócia e da Irlanda do Norte é
o irlandês. Não se pode confundir a República da Irlanda com o Reino Unido. A
República da Irlanda, conhecida apenas como a Irlanda, é um país completamente
separado e diferente do Reino Unido, situado na ilha da Irlanda. Neste país, o
Inglês é amplamente falado.

38
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

3.3 O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU


A Organização das Nações Unidas – ONU, composta por 197 Estados-
Nações soberanas foi fundada em outubro de 1945, no contexto internacional que
se seguia após o término da Segunda Guerra. Sua criação teve como objetivos
centrais evitar a deflagração de novas guerras e manter a paz mundial. Antes da
ONU, a Liga das Nações, criada em 1919, após a Primeira Guerra, com objetivos
idênticos, fracassara, na tentativa de evitar confrontos abrangentes entre Estados,
motivo pelo qual foi extinta.

A criação da ONU não se deu de uma hora para outra. Seu projeto
embrionário é de 1942, quando 26 países assinaram um documento intitulado
Declaração das Nações Unidas em que se comprometiam em combater os países
do eixo. Ao término da Guerra em 1945, na cidade de São Francisco – EUA, 50
países assinaram o documento que estabeleceu os princípios do organismo,
a Carta da ONU. Estes 50 países são considerados os fundadores da ONU, e o
Brasil está entre eles.

Entre os princípios, destacam-se a igualdade soberana entre todos os


seus membros, o comprometimento em cumprir os compromissos da Carta,
resolvendo controvérsias internacionais por meios pacíficos, não ameaçando
a paz, a segurança e a justiça internacionais; a orientação de abster-se em suas
relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao emprego de força contra outros
Estados; a orientação de dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida
que a Organização tomar em conformidade com os preceitos da carta, abstendo-
se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem
de modo preventivo ou coercitivo; a orientação de não intervenção das Nações
Unidas em assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país.

A ONU possui seis idiomas oficiais (árabe, chinês, espanhol, francês,


inglês e russo), e apresenta uma estrutura com sete órgãos principais: Assembleia
Geral; Conselho de Segurança; Secretariado; Tribunal Internacional de Justiça;
Conselho de Tutela; Conselho Econômico e Social; Tribunal Penal Internacional.
Dois destes órgãos possuem mais evidência na agenda internacional que são a
Assembleia Geral e o Conselho de Segurança.

A Assembleia Geral da ONU reúne anualmente representantes de todos


os países (que queiram participar) no mês de setembro. Trata-se de uma instância
consultiva e democrática, para cada país, um voto. A função da Assembleia é
discutir e decidir sobre os principais problemas internacionais, assim como avaliar
o orçamento da ONU. A Assembleia é soberana para definir se determinado
assunto será encaminhado por maioria simples ou se será submetido a uma
aprovação de 2/3 dos membros. É no âmbito da Assembleia que são discutidos
alguns dos mais polêmicos assuntos internacionais e que novos membros são
aceitos ou expulsos. Tradicionalmente, nas reuniões anuais, a Assembleia é aberta
pelo chefe de Estado brasileiro, tradição que vem desde a Assembleia inicial,
realizada em 1947, quando o primeiro a discursar foi o diplomata brasileiro
Oswaldo Aranha.
39
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Já o Conselho de Segurança da ONU é tido como entidade máxima de


poder (geopolítico) mundial, a instância decisória sobre questões de segurança
internacional. Somente ele pode aprovar resoluções relacionadas a guerras.
Para entender o porquê disso, vamos conhecer um pouco sobre sua estrutura e
funcionamento.
O Conselho de Segurança da ONU é constituído por quinze membros,
mas com uma hierarquia de poder: cinco membros são permanentes e têm poder
de veto; os outros dez são rotativos e não possuem tal poder. Tal situação não
configura uma representatividade equânime, mas uma clara relação assimétrica
de poder, por isso a reforma de Conselho é atualmente um dos temas mais
debatidos nas relações internacionais contemporâneas.

Os cinco membros permanentes com poder de veto são: Estados Unidos,


Rússia, Reino Unido, França e China. Os outros dez são eleitos pela Assembleia
Geral para um mandato de dois anos. O que justifica, de maneira simples, o status
de membros permanentes dos quatro primeiros, é o fato de serem considerados
vencedores da Segunda Guerra, e China, último país aceito como membro
permanente, desde 1971, foi decorrente de uma manobra dos Estados Unidos, para
evitar o ressurgimento do Japão no cenário geopolítico, derrotado na Segunda
Guerra Mundial. A China reforçou a atuação dos países do Sul (subdesenvolvidos
e emergentes) no Conselho. O Brasil também tem aspiração de fazer parte do
Conselho da Segurança da ONU, como membro permanente, com poder de veto,
mas “barreiras e manobras diplomáticas” têm dificultado tal posição.

O Conselho de Segurança encontra-se em seção permanente, podendo


ser acionado a qualquer momento. O órgão é (teoricamente) a última palavra
em guerra; é ele quem decide, se haverá ou não, intervenção armada em algum
lugar do globo; também decide sobre sanções e embargos econômicos contra
países considerados violadores dos tratados internacionais ou tachados como
agressivos; em conjunto com a Assembleia, aprova ou recusa a entrada de algum
Estado/país que deseja tornar-se membro da ONU; aprova ou reprova envio de
“missões de paz” a países em estado de guerra civil e/ou atingidos por ocorrência
de eventos extremos, como terremotos ou tsunamis. Essas decisões do Conselho
são designadas como resoluções.

Para uma resolução ser aprovada no Conselho de Segurança da ONU, é


necessário que os cinco membros permanentes aprovem ou se abstenham, (o que
não é considerado veto) e mais quatro outros membros dos 1º rotativos, então,
nove votos. Mesmo que 14 países optem por aprovar uma Resolução, caso um
dos cinco vete, a Resolução está reprovada. Convém ressaltar, no entanto, que o
veto é sempre indesejado, e que as potências evitam ao máximo usar tal poder
para não se expor a tal desgaste político. Logo, a atuação nos bastidores é intensa
para se evitar que uma resolução seja encaminhada antes de um acordo. Contudo,
nem sempre há êxito em tais empreitadas. O caso da Guerra do Iraque, em 2003,
é emblemático. Houve uma rara e incontornável divergência entre os Estados
Unidos e a França, e o país europeu anunciou antecipadamente que vetaria
uma intervenção armada a outro país no Golfo Pérsico. Então, num raríssimo

40
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

caso desde a criação da ONU em 1945, um país foi atacado sem uma Resolução
específica para isso.

Por ser a instância de maior poder político da ONU e da evidente


concentração de poder nas mãos de cinco países, há alguns anos o Conselho
tem sido alvo de questionamentos, mais especificamente desde 1993, quando
se iniciaram os trabalhos para a ampliação do Conselho. Outros quatro países
anseiam pela reforma e por uma vaga como membro permanente. Alemanha,
Brasil, Índia e Japão. Paira certo consenso entre os países, que a representatividade
do Conselho, por ser inspirada no contexto da Segunda Guerra, não mais
responde à realidade internacional contemporânea, caracterizada por um maior
multilateralismo político e econômico. O Brasil é um dos mais ativos pleiteantes
à vaga permanente e brada pela mudança de estrutura de poder do conselho,
argumentado que a agenda internacional não pode estar refém de uma realidade
política de 1945. O grupo de aspirantes à inclusão como membros permanentes
defende que além dos quatro países no Conselho, o continente da África também
deveria possuir um país como membro permanente, sendo o mais indicado para
tal posição, a África do Sul. O Brasil, ao defender sua inclusão como membro
permanente, o faz com demonstração de flexibilidade, abrindo mão, por exemplo,
do poder de veto por 15 anos, período que seria de transição ao novo Conselho.
Para fazer valer sua pretensão, os diplomatas brasileiros se valem de argumentos
baseados na extensão territorial, no peso demográfico e econômico, condições
que, na visão brasileira, tornam o Brasil, um candidato natural à vaga de membro
permanente.

Os nós políticos para a reforma do Conselho não são facilmente destacados.


Uma eventual aprovação do aumento dos membros permanentes deverá ser
submetida à Assembleia Geral da ONU, que por sua vez, deverá ser aprovada
por 2/3 dos países que compõem a ONU.

3.3.1 As agências e programas da ONU


Na maioria das vezes, a imagem da ONU está vinculada à ideia de paz
e guerra. No entanto, a instituição vai muito além da mediação internacional,
cumprindo importante papel na área social, econômica, cultural e ambiental
e dos direitos humanos em todo o mundo. A ONU é um amplo e complexo
organismo composto de sete órgãos principais e diversas agências, programas,
fundos e comissões autônomas que processam as relações internacionais nos
mais variados espectros. Algumas dessas agências são:

OMS: A Organização Mundial da Saúde, uma das mais prestigiadas agências,


tem entre os objetivos o combate às doenças existentes no mundo, contribuindo
para uma melhor qualidade de vida da população. Atua, principalmente, no
combate a epidemias, especialmente, nas áreas pobres do mundo.

41
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

OIT: A Organização Internacional do Trabalho é anterior à própria ONU


e foi incorporada posteriormente. Com sede em Genebra, luta para que todos
tenham acesso e direito ao trabalho digno, assim como oportunidades iguais sem
diferença de sexo e religião.

FAO: A Organização para Alimentação e Agricultura tem como objetivo


principal elevar o padrão de vida das pessoas por meio de melhorias e acessos
à produção agrícola. Produz importantes relatórios sobre o estágio da fome no
mundo, assim como acompanhamento de novas tecnologias que viabilizem
maior segurança alimentar.

UNESCO: A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência


e Cultura visa promover a paz por meio do intercâmbio científico, intelectual,
cultural e artístico entre as nações.

BIRD: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento,


renomeado Banco Mundial, financia projetos de desenvolvimento a juros baixos
e longos prazos de financiamento aos países necessitados. Tem uma função de
patrocínio do desenvolvimento social.

FMI: O Fundo Monetário Internacional talvez tenha se tornado a mais


antipática das agências da ONU perante a comunidade internacional, porque se
distanciou de sua proposta inicial, original, que era a de socorrer países necessitados,
pois, muitas vezes, o socorro do FMI produz aumento da dívida externa e agrava
ou aprofunda a dependência econômica dos países que a ele recorrem.

OMC: A Organização Mundial do Comércio nasceu com o Acordo Geral


de Tarifas e Comércio, em 1947, é o principal fórum mundial de resolução de
conflitos comerciais e tem como objetivo estimular o comércio e combater os
protecionismos, por meio de uma política comum de tarifas alfandegárias.

TUROS
ESTUDOS FU

Reflexões sobre os papéis contemporâneos do Banco Mundial, Fundo


Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio serão apresentadas em
tópicos específicos na Unidade 2.

Entre os programas da ONU, destacam-se o Programa das Nações Unidas


para o Desenvolvimento – PNUD, responsável entre outros pela elaboração do
Índice de Desenvolvimento Humano – IDH e pelas metas de desenvolvimento
do milênio; o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA; o
Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF; o Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados – ANCUR; o Programa Conjunto das Nações
42
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

Unidas sobre HIV/AIDS; o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime
é o programa da ONU que combate o tráfico de drogas, crime organizado
internacional em geral e o terrorismo; e a Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe, não é propriamente um programa, mas uma das cinco comissões
regionais da ONU e tem como objetivo a promoção de desenvolvimento latino-
americano (SILVA, 2013).

Como se vê, é importantíssima a presença da ONU nos mais variados


segmentos. Se o mundo está repleto de problemas mesmo com a forte presença
da ONU, apenas podemos imaginar ou supor como o mundo seria sem ela e
entidades a ela vinculadas.

4 GLOBALIZAÇAO, UMA BREVE INTRODUÇÃO


Historicamente, numa visão linear, afirmar-se-á que a globalização
do mundo iniciou desde o final do século XV, com a transição do feudalismo
para o capitalismo comercial, quando as grandes navegações e descobrimentos
ampliaram os horizontes geográficos e pouco a pouco a superfície do planeta
foi desbravada, conquistada e integrada, no sistema capitalista mundial. Este foi
o período em que a modernidade foi se estruturando, se firmando no decorrer
dos séculos XVII e XVIII, enquanto a ciência também foi se estruturando, se
sistematizando, atrelada ao capital e ao Estado Moderno, cujos valores eram
ancorados no desempenho, eficiência e produtividade. A Primeira e a Segunda
Revolução Industrial e o imperialismo das potências industrializadas tiveram
papeis significativos na configuração espacial. Globalização, neste contexto, é
sinônimo de mundialização do capitalismo.

Entretanto, em meados do século XX, um novo ciclo de expansão do


capitalismo, denominado financeiro, paralelo à Terceira Revolução Técnico-
científica, reforçou e ampliou sem precedentes o capitalismo como modo de
produção mundial e motor de um processo civilizatório de alcance mundial.
Devido às proporções e implicações decorrentes dos fatos que se seguiram a
Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, desestruturação do império soviético e
estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial na década de 1990, simultaneamente
às benesses das tecnologias contemporâneas, assistimos à emergência de uma
sociedade global, como uma totalidade abrangente, complexa e contraditória,
que tem atuado na des/re/organização dos espaços geográficos. Nações,
nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais são reconfigurados diante
de novos atores exercendo e disputando poder, os organismos supranacionais,
grupos radicais extremistas ou fundamentalistas e lideranças locais. Ao mesmo
tempo, tem-se a impressão de que grupos sociais, classes sociais, sociedades e
culturas se veem diante e dentro de uma conjuntura e estrutura global, a qual
parece possuir vida própria (IANNI, 2007).

43
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Dessa forma, o processo de globalização contemporâneo, além de se


configurar como força econômica do capitalismo, é uma força política, cultural
e social, e, principalmente uma força civilizatória, que confere sustentação às
transformações socioespaciais (IANNI, 2007).

Nesse contexto contemporâneo globalizante, as relações socioespaciais,


relações de trabalho e culturas marcadas e moldadas por laços econômicos,
porém, não somente por estes, apresentam-nos realidades, sociedades e mundo
que necessitam de novas interpretações. Conhecimento, informação, inovações
tecnológicas eletrônicas e da robótica que caracterizam espaços concentrados,
como meios técnico-científico-informacionais são fontes de lucro e mais
inovações. O des/locamento das corporações transnacionais para diversas áreas
da superfície terrestre, a especulação do mercado financeiro internacional e
ascensão de conglomerados das telecomunicações e da internet ultrapassaram
fronteiras, exigindo a discussão de conceitos tais como, território, direito jurídico
nacional e internacional, redes, entre outros.

A sociedade de consumo e a onda do consumismo, cujos produtos


tornam-se sucateados, descartáveis e substituíveis num curto prazo, necessidade
do capitalismo, é característica tanto da pós-modernidade como da globalização.
Esta característica perpassa a existência humana (ocupacional, emocional, sexual,
política) passa a ser orientada e direcionada por contratos sociais e laços cada
vez mais temporários, superficiais, inseguros, mas ao mesmo tempo, ousados,
flexíveis e criativos. Como consequência deste conjunto de rápidas e simultâneas
transformações em curso convergem a pós-modernidade.

A atual ordem mundial se apresenta caracterizada pela complexidade e por


uma aparente desordem. A dinâmica de relações internacionais política, ideológica
e parcialmente econômica, que era bipolar, passou, após a década de 1990, por
transformações rápidas e imprevisíveis. A dinâmica de globalização econômica
não foi acompanhada por um comando político e uma ideologia com um sentido
amplo, ou com um conjunto de valores que poderiam fazer parte de um projeto
coletivo para a democracia, pluralidade cultural e pela e para a humanidade.

TUROS
ESTUDOS FU

O tema globalização será estudado com maior abrangência, detalhamento e


profundidade na Unidade 2.

44
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

5 PÓS-MODERNIDADE
Como já vimos, o fim da II Guerra Mundial, a descolonização na África
e Ásia, a Terceira Revolução Técnica Científica foram determinantes empíricos
para o surgimento de interpretações de caráter diferenciado, desconstrucionista e
irracionalista, compondo o que se denominou de Pós-Modernidade. A incessante
busca do novo, a constante e desenfreada evolução tecnológica, a emergência de
novos paradigmas científicos e a reflexão sobre os fundamentos epistemológicos
das ciências, em condições de modernidade, mostram a necessidade de novas
interpretações.
A modernidade sustentada na racionalidade e na ciência produziu
conhecimentos, embora fragmentados, traduzidos em segurança, avanços
tecnológicos e produtos que prolongam a vida, incrementaram os transportes
e comunicações. Acredita-se no movimento, através do qual se percorrem
espaços e distâncias a velocidades cada vez mais rápidas. As técnicas avançaram
extraordinariamente, na crença de que o mundo poderia ser melhorado. Tentou-
se, porém, sem êxito, resolver os problemas da humanidade através desta mesma
racionalidade, pois, a mesma ganhou corpo social, mecanismo social, identidades
individuais e coletivas. Poder-se-á afirmar que o alto investimento do ser humano
na modernidade foi na segurança, na estabilidade (emocional, financeira, afetiva),
na organização e na racionalidade (BAUMAN, 1999).
Contudo, a própria modernidade foi produzindo uma consciência pós-
moderna, cujo processo foi fruto dos lugares nos quais a modernidade se instalou
de forma mais plena. Desta forma, sem necessariamente se opor ou resistir, há
o florescer de um movimento cultural de re/valorização das subjetividades, da
arte, do estético, da sensibilidade, do local, das diversidades, de minorias, da
multiculturalidade e outros. Assim, podemos perceber os contornos de uma
ordem nova e diferente, que é pós-moderna.

No mundo pós-moderno o movimento continua, passa a ser rotina e cada


vez mais fluído. Metaforicamente, a realidade torna-se líquida, tomando espaços
onde era sólida (na modernidade). As verdades absolutas estão sendo substituídas
por narrativas por conta da valorização e voz de minorias, mulheres e outros
atores sociais, aos poucos, entram em cena. Assim, a pós-modernidade, ao negar
a racionalidade moderna oferece a possibilidade de valorizar e discutir a vida e
o ser humano em dimensões antes negadas. Em relação aos espaços geográficos
podemos explicar este fenômeno com o deslocamento de setores industriais de uma
região para outra por conta da competitividade e lucratividade. No mesmo ritmo
de movimento, a geração mais jovem de trabalhadores também se movimenta
de uma empresa para outra, do trabalho formal para o informal, ou vice-versa.
Amorin (2012), ao analisar o processo de crescimento da economia chinesa e
introdução de mecanismos de mercado de gestão econômica, inviabilizou o modelo
soviético de industrialização aplicado na década de 1950 e 1960, resultando em
extensos corredores de indústrias abandonadas no nordeste da China. A função
social exercida por estas indústrias na China não foi suplantado, exigindo dos
governantes e da própria sociedade chinesa movimentos em busca de alternativas
viáveis para superação de desafios como a sustentação dos cidadãos chineses

45
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

idosos. Nos Estados Unidos, em cidades pioneiras do ramo automobilístico, como


Detroit, Chicago e Michigan, também existem fábricas abandonadas, algumas em
processo de demolição, para em seu lugar construir outros empreendimentos. No
Brasil, também temos exemplos desse denso movimento de formas e estruturas,
principalmente em áreas urbanas litorâneas. No Paraná, a Renault, a Audi e a
Chrysler iniciaram suas atividades na região metropolitana de Curitiba na década
de 1990. O Governo do Estado na época concedeu às empresas, benefícios fiscais,
como a isenção de impostos, o que gerou críticas por parte da mídia e do movimento
ambiental. No início da década de 2000, uma reestruturação da empresa em nível
global e as baixas vendas do modelo produzido pela empresa no Brasil, levaram
ao fechamento da montadora instalada em Campo Largo, região metropolitana de
Curitiba. Os críticos relacionaram o fechamento da fábrica, com o fim do período
de isenção de impostos.

Contudo, tanto Harvey (2013) quanto Bauman (1999) discutem as


implicações da substituição da ideia de opressão da modernidade pela ideia de
liberdade plena, principalmente do capital, das transnacionais e elite financeira,
que consequentemente se estende aos demais atores sociais, e juntos atuam na
mudança de valores culturalmente aceitos. A negação do racionalismo moderno
(do uso da razão) com a intenção de negar toda a modernidade não se sustenta. É
preocupante a aceitação do efêmero, do passageiro, da volatilidade, da liberdade
sem limites. Os valores não são mais o que pareciam ser, porque acreditamos
entender o mecanismo de produção de valores. Valores, definidos como um
conjunto de comportamentos aceitos culturalmente como certos na extensão do
tempo dos séculos XVIII, XIX e XX, os quais contribuíram para a organização
dos comitês de ética de cada disciplina, ou área do conhecimento, de pesquisa e
exercício das profissões (PONDÉ, 2015).

O espaço geográfico, com o advento da “pós-modernidade”, permite


a utilização de ângulos diferentes para analisar a questão distância física, a
mobilidade e sedentarismo urbanos. As noções de proximidade – longinquidade,
ausência – presença, modificaram-se. Hoje, o ausente físico, pode, ao mesmo
tempo estar longe e presente. Fatos, que ocorrem no aqui e agora, podem
ocorrem lá e acolá, numa verdadeira justaposição e reação em cadeia. O acesso
às redes sociais via internet, permite sensibilizações, mobilizações, participações,
influência e decisões sobre pessoas, fenômenos e lugares muito distantes. Pode-
se gerenciar equipes, empresas e/ou executar operações cirúrgicas a distância,
monitorar eventos climáticos, multidões e acompanhar em tempo real o fluxo de
trânsito das principais vias de trânsito urbano.

46
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

UNI

Um mal-estar da pós-modernidade é a liberdade. Vive-se na democracia,


estamos livres das tradições, não somos obrigados a obedecer muita coisa, apenas a lei do
mercado “livre”, que sobrou da modernidade e continua se impondo. Esta liberdade atormenta
e angustia, pois ser livre tem implicações para as quais nem todos têm consciência plena. Ao
mesmo tempo, em que a falta de limites tem conduzido parcelas da humanidade ao caos, à
barbárie. Vivenciamos a situação em que o alto investimento humano é a liberdade carregada
de subjetividades. O ser humano, na pós-modernidade, precisa pensar em que cada um serve,
descobrir e aprender a ser, o que é e quem é na essência? Como fazer isto em meio a um
mundo com valores efêmeros? Tudo pode ser inventado, tudo é moda, tudo é cultura.

5.1 PÓS-MODERNIDADE E ESPAÇO GEOGRÁFICO


Nossas escolas ainda são da modernidade. A geografia ao estudar o espaço
e relações que nele se estabelecem também o faz em condições de modernidade.
Porém, um conjunto de espaços caracterizados como meios técnico-científico-
informacionais concentram mudanças em determinados espaços, cada vez
mais velozes, intensos e estéticos (SANTOS, 1996). A geografia, e os geógrafos
precisam elaborar novos conceitos e categorias (o que já está em curso, e ainda em
aberto) procurando explicitar tais processos, recorrendo aos diversos métodos
de abordagem. As práticas empíricas, perpassadas pelo meio técnico-científico-
informacional, conferem novos sentidos ao espaço e ao tempo, à compressão
espaço-tempo, resultando em novas representações.

Escrever sobre a organização do espaço geográfico mundial é desafiador


diante de um cenário instável, incerto, aparentemente uno, quando é diverso
e multidimensional. É imprescindível reconhecer a interdependência dos
fenômenos geográficos, a partir de uma visão de contexto, permitindo uma
percepção de mundo holística, global, sistêmica, bem como o entrosamento dos
indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos físico-naturais por inúmeras
conexões e ligações, em diferentes níveis de realidade.

O cenário geográfico mundial, apesar da mundialização capitalista e


fenômeno da globalização é instável, marcado pela diversidade, desigualdade
(social, cultural, étnica, religiosa etc.) e pela multidimensionalidade. O espaço,
suas paisagens, lugares, regiões, identidades e culturas são tomados por uma
trama de redes de muitos ou poucos nexos, fixos e fluxos, as quais manifestam
uma complexidade de inter-relações e de exclusões. Assim, num contexto de
pós-modernidade o espaço pode ser analisado, interpretado e explicado tanto
a partir dos processos econômicos que o produzem, como referenciais inseridos
na vida cotidiana, pois é no lugar que se manifesta os fluxos da globalização e
onde as possíveis resistências e manifestações das subjetividades, das minorias e
excluídos se constroem e se fortalecem.

47
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Faz-se necessário lembrar que o espaço geográfico está impregnado de


realizações e características da modernidade, produzidas pela ótica capitalista,
pragmática, racional e funcional. As cidades, por exemplo, são uma organização
socioespacial da modernidade. Muitas delas, principalmente as cidades globais,
apresentam aspectos da pós-modernidade, os quais iniciaram pela arquitetura,
na revitalização de espaços de lazer, prática de esportes e manifestações culturais.
Interessante, o fato de alguns pós-modernistas incorporarem o “movimento” na
arquitetura urbana, em princípio, estática, padronizada, elitista. As alterações e
marcas do pós-modernismo no espaço urbano têm alterado a paisagem e alguns
lugares de forma sutil, apenas aparente e superficial, pois, o cerne, a essência
das cidades continua impregnado das características e funcionalidades da
modernidade, ou seja, é híbrido. (HARVEY, 2009).

6 O ESTADO NACIONAL EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO


E PÓS-MODERNOS
A dimensão política da globalização tem sido analisada por teóricos
internacionais. A tendência de ver os Estados como atores mais importantes no
processo da globalização baseia-se na organização do sistema interestatal. Entre
os problemas que surgiram no contexto socioespacial decorrentes da globalização
e era pós-moderna estão o comprometimento da soberania dos Estados, o risco às
democracias e o direito (jurídico).

Um problema considerável para os Estados nacionais, por exemplo,


refere-se à força de sua ordem jurídica. Como punir os chamados crimes
tecnológicos, de difícil prova? Como diferenciar dinheiro com origem
legal e aquele que se ganhou por atividades ilegais em um cenário
de transferências eletrônicas, realizadas no mesmo segundo que se
toma a decisão por um investimento? Afinal, não há necessidade de
transferência física de dólares, pode-se realizar uma simples operação
de débito e crédito eletronicamente e transferir valores de um país
para outro. O fluxo internacional de capitais também se processa da
mesma forma. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/
direito/article/viewFile/38325/23379>. Acesso em: 10 maio 2015.

Porém, assistimos ao enfraquecimento relativo dos Estados-Nações que


têm perdido soberania, concomitante ao aumento da assimetria do poder. Outros
fatores, alguns antigos, outros novos, atuam no cenário político e econômico
internacional, entre todos destacam-se: Organização Mundial do Comércio;
Grandes conglomerados transnacionais: norte-americanos, japonesas e/ou
europeias; indústrias, bancos, fundos de pensão, corretoras de valores e outras;
Organizações não governamentais – ONGs: Greenpeace, Anistia Internacional,
World Wildlife Fund – WWF, Transparência internacional, Comitê Olímpico
Internacional, Associações Internacionais de doutores, cientistas economistas
e outros; Os blocos regionais de comércio: União Europeia, Nafta, Mercosul.
(STRANGE, 1995, apud SENE, 2014).

48
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

Os Estados Nacionais têm sido levados constantemente a dividir poder


e autoridade com outros atores, levando a uma descentralização. Assim, estão
em declínio, se redefinindo e, sobretudo, obrigados a rearticular-se com as forças
que predominam no capitalismo global, com a pós-modernidade e forçado a
reorganizar-se internamente, em conformidade com a injunção destas forças. O
que continuará a existir? A resposta para esta pergunta é bem clara: O Estado
Nacional continuará a existir com sua sociedade nacional, história, geografia,
cultura, tradições, língua, dialetos, religião, seitas, moeda, hino, bandeira, santos,
heróis, monumentos, ruínas etc., entretanto, não será mais como era há 15,
10, 5 anos. Ainda poderá utilizar a retórica da soberania e até mesmo falar em
hegemonia, mas tudo isso mudou de figura. (IANNI, 1994 apud SENE 2014).

O grande propulsor, dentre outros fatores destas mudanças em curso, são


os efeitos cumulativos das transformações nas correntes da atividade econômica
ao redor do globo, as quais de tão poderosas, abriram canais inteiramente novos
para si próprios, desconsiderando as linhas de demarcação dos mapas políticos
tradicionais. Em termos de fluxos, seja de capitais, serviços e mercadorias,
os Estados-Nações já perderam seus papéis como unidades significativas de
participação na economia global de fronteiras abertas. (OHMAE, 1996 apud
SENE, 2014).

No entanto, percebeu-se que alguns autores não consideram as enormes


diferenças entre os vários Estados Nacionais, pois existe a possibilidade de
confundir a expansão do poder e da influência da globalização com a expansão
econômica e do poderio militar dos Estados Unidos da América e haver certa
confusão entre enfraquecimento do Estado-Nação, subordinação e dependência
de Estados-Nações em relação ao poderio norte-americano. A hegemonia
estadunidense é exercida, além de suas fronteiras nacionais, com consentimento e
colaboração de Estados mais dependentes economicamente, ou pelo uso da força
bruta, ameaças econômicas e militares e até intervenções e invasões. Durante o
século XX, essa situação era denominada de imperialismo e área de influência
(econômica, militar, política e culturalmente).

Historicamente, o imperialismo, durante os séculos XIX e XX, foi


responsável pela europeização e a globalização do final do século XX e início
do XXI foi responsável pela “americanização” do mundo. Os fundamentalistas
islâmicos, na justificação para o terrorismo, utilizam a expressão “Ocidente” para
se referir ao modelo de sociedade e de Estado soberano e laico, cujos valores
foram difundidos pelas sociedades europeias e americanas.

Após a segunda metade do século XX, a hegemonia e supremacia de Estados


Nacionais imperialistas e/ou militares foi endossada por atores internacionais ou
supranacionais, como o FMI e Banco Mundial. As potências, mais destacadamente
os Estados Unidos, possuem representações preponderantes nestes organismos,
evidenciando a assimetria de poder.

49
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

DICAS

Sobre a americanização, analise a letra da música “AMERIKA” da banda alemã


Rammsteim. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y3I51H1DkyA>.

TUROS
ESTUDOS FU

Os organismos supranacionais FMI e Banco Mundial serão estudados na


Unidade 2.

Há indícios no plano econômico, científico-tecnológico, geopolítico-


militar e cultural atestando que por serem o principal comandante do processo
de globalização e única superpotência remanescente, os Estados Unidos estão se
fortalecendo diante dos outros Estados do mundo. A decisão do governo George
W. Bush em 2003 de atacar o Iraque sem a aprovação do Conselho de Segurança
da ONU confirma esta percepção. O geógrafo britânico, radicado nos Estados
Unidos, David Harvey no prefácio para a tradução brasileira do seu livro “Novo
Imperialismo” escreveu:

No dia 15 de fevereiro de 2003, milhões de pessoas ao redor do mundo


participaram de manifestações públicas contra a possibilidade de os
Estados Unidos e a Inglaterra moverem uma guerra antecipatória
contra a nação soberana do Iraque. Foi um movimento surpreendente,
talvez a primeira ocasião na qual a opinião pública global viu-
se dotada de alguma espécie de voz coletiva. Iniciei a redação de
‘O novo imperialismo’ pouco antes destas manifestações, tendo-a
concluído antes da ocupação de Bagdá no mesmo ano. Os eventos
se desenrolaram com enorme rapidez e não havia muito de incerto.
(HARVEY, 2004, p. 9)

Analisando as políticas liberais e neoliberais, encontramos Estados-


Nações como o Japão, França e China que continuaram mantendo o Estado no
papel de planejador e interventor econômico, mostrando que os Estados-Nações
continuam se guiando por um conjunto de interesses próprios, é evidente,
porém, que os Estados mais poderosos têm mais capacidade para fazer valer seus
pontos de vista no sistema internacional. Por exemplo, as principais potências
não estão seriamente interessadas em abrir seus mercados, e, apesar do discurso
em contrário, continuam protecionistas. Alguns representantes de Nações
menos favorecidas têm explicado estas contradições em várias oportunidades.
A implantação de cláusulas sociais e ambientais no comércio internacional é
identificada como nova forma de protecionismo.

50
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

A globalização, diferentemente do cenário otimista traçado pelos


neoliberais, está aprofundando as desigualdades entre os Estados e povos,
exatamente por que esse processo tem centros de comando e interesses específicos
a defender. Milton Santos (2005) em sua obra “Por uma outra globalização”, ao
identificar as técnicas de informação como mecanismo criador das desigualdades,
relacionou-as a apropriação por alguns Estados e empresas, e ao aprofundamento
das desigualdades. Um grupo numeroso de Estados-Nações não dispõe dos novos
meios de produção, nem de controle. O que o autor tenta colocar nesta reflexão,
a respeito das técnicas de informação, é que estas deveriam permitir a ampliação
do conhecimento do planeta, dos objetos que o formam, das sociedades que o
habitam e dos homens em sua realidade intrínseca. Todavia, nas condições atuais
do capitalismo, da globalização e das relações sociais, as técnicas estão sendo
utilizadas por apenas alguns atores (nacionais ou globais) em função de seus
objetivos particulares ou a favor do capital.

As técnicas de informação e demais tecnologias estão apropriadas e


são controladas por alguns Estados e algumas empresas, aprofundando assim
os processos de criação de desigualdades. É desse modo que a periferia do
sistema capitalista acaba se tornando ainda mais periférica, seja porque não
dispõe de novos meios de produção, nem de capitais, seja porque lhe escapa a
possibilidade de controle. As desigualdades, cada vez mais díspares, tanto nos
países subdesenvolvidos emergentes como nos mais dependentes, por sua vez
contribuem para fragilizar as instituições estatais e o próprio Estado.

Percebe-se também que, a diminuição do poder dos Estados frente ao


processo de globalização tem sido desigual, ou seja, os Estados com menos
atividades, com menor inserção na globalização, são afetados justamente por não
serem sujeitos participantes e atuantes do processo, tornando-se sujeitos passivos,
que apenas acompanham seu fluxo, inseridos parcial, ou insatisfatoriamente no
processo. Os países deste grupo, emergentes, subdesenvolvidos, dependentes
econômicos, conhecidos como periféricos e/ou países do Sul, não possuem
autonomia para decisões internas, a situação é agravada por fatores externos,
como, por exemplo, quando estes países mais pobres precisam submeter seus
interesses aos centros de comando e de decisões (O G-7, organismos supranacionais
e transnacionais). Os Estados Nacionais centrais se valem da globalização para
incrementar seu poder de influência interna e externa.

A globalização, em seu aprofundamento da mundialização capitalista, como


uma aceleração dos fluxos, tem provocado transformações no espaço geográfico
mundial e nas relações internacionais; no entanto, é antes de tudo, comandada
por homens, não sendo, portanto, um fenômeno incontrolável, como muitas
vezes é ideologicamente descrito. De acordo com Sene (2014, p. 115), “aos Estados
Nacionais, mesmo nos países subdesenvolvidos, ainda resta alguma margem de
manobra para regulá-la, ou pelo menos, minimizar seus efeitos negativos”. O autor
argumenta que uma das alternativas para lançar uma luz sobre esta situação é o
investimento em recursos humanos, e, sobretudo na qualidade das instituições
educacionais e políticas, para os quais converge o complexo de leis e regulamentos

51
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

que cria condições para que os mercados funcionem. Apesar do grande motor de
desenvolvimento ainda estar centrado no mercado, este continua precisando de
um mínimo de estabilidade macro e microeconômica que só pode ser fornecido
pelo Estado. Assim, mesmo sendo avassaladora, a globalização não acabou com o
Estado. Ele continua tendo um papel fundamental no gerenciamento das questões
econômicas, sociais, culturais, políticas e jurídicas. O Estado precisa atuar onde
o mercado deixa um vácuo, mas não atuar como um complemento. Assim, cada
Estado-Nação deve criar condições adequadas para o enfrentamento das novas
questões colocadas pela globalização.

Cabe a cada Estado criar as condições para o enfrentamento das


novas questões colocadas pela globalização. Cabe aos dirigentes dos
respectivos estados que compõem o sistema internacional, com o
aval dos cidadãos que os elegeram, fazer as melhores escolhas para
a sociedade, considerando os interesses nacionais, porque, apesar
do discurso ideológico de cunho neoliberal que a acompanha, a
globalização, embora tenha reduzido as margens de manobra dos
Estados, sobretudo dos países mais pobres, não acabou com a política.
(SENE, 2014, p. 118)

Assim como Sene (2014) ressalta a importância da política, Giddens (2000)


também traz aspectos positivos da globalização. Destaca que no nível político,
as comunicações globais instantâneas ou em tempo real contribuíram para a
consolidação e expansão dos Estados Nacionais democráticos em várias partes do
mundo. Os exemplos, segundo o autor vão desde a cobertura da mídia televisiva
e jornalística na queda do Muro de Berlim, e da abertura da Alemanha Oriental
para o mundo, o que culminou com sua absorção ou incorporação pela Alemanha
Ocidental. A divulgação dos fatos nas transformações que abalaram o Leste da
Europa em 1989/1990, a cobertura das eleições da Rússia, Polônia e outros países
mostram conquistas democráticas e de liberdade política. No entanto, ainda
é necessário um aprofundamento da democracia em países da Ásia e África
assolados por guerras civis e tribais, assim como um exercício democrático numa
escala transnacional, principalmente nos organismos supranacionais.

Outro ponto positivo, do ponto de vista do Ocidente, além do avanço dos


governos democráticos no mundo, são as manifestações e revoltas populares que
deflagraram a Primavera Árabe, e o movimento de multidões que vai para as ruas
lutando por soluções ou alternativas viáveis para problemas em destaque. As
redes sociais, mídias e meios de comunicação digitais e informacionais tornaram-
se peças fundamentais na expansão e adesão dos cidadãos aos movimentos. O
dia 15 de março de 2015 foi um dos exemplos do papel das redes sociais para
a sensibilização e participação do povo brasileiro nas manifestações populares,
agora chamadas de manifestações de massas.

Outros avanços na política e no exercício da cidadania são as


regulamentações jurídicas para os modelos de famílias não tradicionais.
Impulsionadas pela pós-modernidade, pela globalização, pela mudança de
paradigmas científicos ocorrem mudanças de forma positiva e progressista na

52
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

percepção das sociedades sobre os direitos das mulheres, igualdade de gêneros,


homoafetividade, casamento e relação pais-filhos, adoção e tantas outras.

Para Giddens (2000), em Estados-Nações com fronteiras ainda fechadas


para aspectos culturais homogeneizadoras ou em relação aos temas elencados
anteriormente, ou, em relação à regulamentação das redes sociais e internet
(China, países do Oriente Médio, e Coreia) estes têm se mostrado mais flexíveis e,
progressivamente poderão se globalizar em algumas dimensões.

O Brasil, por sua vez, avançou significantemente nos direitos aos


homoafetivos e de gênero. Em 2011, foi promulgada a lei de união estável,
permitindo a casais do mesmo sexo ter acesso a um contrato matrimonial, a
transmitir herança e declarar o(a) companheiro(a) como dependente, para fins
de declaração de impostos, ou mesmo ter acesso ao plano de saúde. Contudo, é
importante salientar que ainda não há jurisprudência específica para crimes ou
ofensas homoafetivas no país. Além do mais, são extremamente altos os índices
de violência e assassinatos de caráter homofóbico.

6.1 FRAGILIDADE E INSTABILIDADE DE ALGUNS ESTADOS-


NAÇÕES E/OU FALÊNCIA DO ESTADO
Um Estado-Nação é o resultado de uma série de processos históricos
por meio dos quais uma sociedade estabelece uma organização política e uma
organização jurídica. A organização política implica a criação de um governo
que tenha poder, por um determinado período, sobre toda a sociedade e que
administre o Estado. A organização jurídica é o conjunto de normas que permitem
que o Estado seja administrado. Do ponto de vista jurídico é impossível um
Estado falir, por que ele não é uma entidade econômica, nem uma empresa.

Ocorre que em determinados Estados não existe uma soberania plena


no sentido de organização política e jurídica. Estados falidos são Estados que
se destacam pela insegurança, pela instabilidade, fraqueza e pobreza de suas
populações, são dependentes de ajuda humanitária. Nos países assolados por
conflitos a estrutura governamental é incapaz de assegurar uma administração
e um controle eficiente sobre o território. Os conflitos, os embates entre facções
rivais e/ou grupos políticos antagônicos, e a insegurança deles decorrente, eleva
os índices de criminalidade, de violência e de barbárie. As instituições públicas,
pela falta de verbas, ou desvio destas para fins militares, caracteriza uma situação
de falência, com altos índices de corrupção, presença de grupos paramilitares ou
terroristas que dominam parte do território e a população nele residente sofre a
violação dos direitos humanos. A pressão demográfica em países fronteiriços é
agravada quando parcelas da população nativa precisa partir, deixando para traz
bens e redes de sociabilidade, tornando-se parte de uma população de refugiados,
acampada provisoriamente, em condições deploráveis, além das fronteiras de
seu país (ALMEIDA, 2013).

53
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Resumidamente, os Estados falidos vivem uma situação em que as forças


legitimadas do governo e de suas Forças Armadas não são as únicas a utilizarem
da força física e armada no território, como ocorre na Ucrânia, no Sudão, e na
República Democrática do Congo, onde facções e grupos paramilitares medem
foça com as do governo. O Estado falido pode se caracterizar por um governo
ilegítimo, ditatorial que não possui o apoio da população, como é o exemplo da
Síria, cujo líder do governo Bashar Al Assad herdou o cargo de seu pai, depois
de 30 anos de governo, reconfirmado pelo eleitorado nacional como presidente
da Síria, em 2000 e 2007, porém, segundo noticiários, é discutível Al Assad ter o
apoio da população, assim como é discutível o fato do ter sido conivente com a
invasão do Estado Islâmico justamente nas províncias que não aprovaram sua
eleição à presidência. Um Estado falido tem dificuldades para fazer valer seu
território, manter suas fronteiras políticas e governo central único, como é o caso
da Somália, onde tribos e clãs disputam controles territoriais e governos paralelos
(ALMEIDA, 2013).

A Organização Não Governamental Fundo para a Paz, juntamente


com a revista Foreign Policy são responsáveis pela criação do Índice de Estados
Falidos (FSI, na sigla em inglês), em 25 de junho de 2014, junto à revista o Índice
de Estados Frágeis ou Instáveis. A publicação que é feita desde 2005 sob o nome
de Estados falidos mudou de nome para chamar a atenção dos organismos e
autoridades internacionais sobre o aspecto mais amplo das causas da fragilidade e
estabilidade de alguns Estados. Segundo os responsáveis pelo estudo a mudança
na terminologia da pesquisa tem como objetivo divulgar a ideia de que o novo
nome transmita de fato a fragilidade como parte de processo histórico que aflige
um conjunto de sociedades que não conseguem exercer de fato relações de poder,
de segurança e de proteção com seus territórios, desconstruindo a ideia antiga
somente como algo acabado, como resultado. Para os coordenadores da pesquisa,
“um Estado pode ser muito fraco internacionalmente. No entanto, ainda que
exija tempo, ele pode se recuperar, não significando que ele permaneça falido
para sempre”. As instituições destes Estados fragilizados e instáveis não dão
conta de suas metas e atividades, e, ao mesmo tempo representam perigo para
a comunidade internacional devido à vulnerabilidade ao terrorismo e pobreza
extrema em que vivem suas populações (GOMES, 2014).

O estudo permanece centrado na análise de 178 países a partir de 12


indicadores que, segundo os investigadores, exercem pressão sobre
os governos, em temas sociais, econômicos e políticos. Os indicadores
avaliam questões como o desenvolvimento desigual, a legitimidade
dos Estados, os grupos de protestos (reclamação), direitos humanos e
outros. Na lista de 2014, aparecem Sudão do Sul, Somália, República
Centro-Africana, República Democrática do Congo, Sudão, Chade,
Afeganistão, Iémen, Haiti e Paquistão. Disponível em: <http://
paulagomes.com.br/depois-dos-estados-falidos-vem-ai-os-estados-
instaveis/#.VW37nc9Viko>. Acesso em: 20 mar. 2015.

54
TÓPICO 2 | A GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE

Existe uma relação de causalidade entre alguns Estados frágeis e instáveis


com terrorismo. A fragilidade de tais países associada a causas domésticas,
essencialmente à ausência de instituições democráticas e de uma economia
dinâmica dissociada de qualquer relação com outros países, com o próprio
sistema internacional e com as dinâmicas do capitalismo contemporâneo, ou seja,
a exclusão de uma parte de Estados-Nações da globalização, deixou um vácuo,
um espaço vazio, ocupado pelas redes terroristas.

55
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A modernidade foi um movimento cultural e científico responsável por um


conjunto de fenômenos econômicos, políticos, culturais e sociais que se inter-
relacionaram com uma série de eventos marcantes que ocorreram na Europa e
no mundo ocidental e que, devido sua repercussão e influência se estenderam
para o mundo. É o período de sistematização e consolidação das ciências e do
Estado Moderno dentre outras instituições.

• O Estado Moderno (Nacional) de origem europeia surgiu como afirmação da


soberania exercida pelo monarca. Com o tempo os Estados autoritários se
transformaram em Estados democráticos, em que a soberania passou para o
povo representado pelos seus governantes eleitos democraticamente. A razão
do Estado (da União, do coletivo, da Nação) se coloca acima dos homens e
mulheres comuns, e é um direito que se quer universal. A existência de uma
constituição, e o ordenamento legal derivado, organizado politicamente, faz
parte de um conjunto de fatores que conduzem à garantia da obediência
das leis dentro dos limites territoriais políticos de cada Estado, e proteção às
fronteiras em relação aos demais Estados.

• O Estado Nacional é uma construção histórica através de conquistas, invasões,


ocupações por vezes através de guerras, seguidas de acordos e concessões.
A existência do Estado Nacional pressupõe a existência de uma população,
constituída de uma ou mais nações e grupos étnicos e linguísticos, ocupando
um território delimitado por fronteiras políticas sinalizadas, as quais podem
estar baseadas em elementos naturais e fronteiras naturais, como rios,
riacho e montanhas e picos. Sobre este território a população, através de
seus governantes e organização administrativa do Estado exerce soberania
(independência política). A constituição garante o ordenamento civil e jurídico
e quando o Estado é democrático há a separação dos três poderes: Legislativo,
Executivo e Judiciário.

• A Organização das Nações Unidas – ONU é a representação máxima dos


Estados-Nações criada no contexto do final da Segunda Guerra Mundial, é
uma instituição jurídica (do ponto de vista e concepções ocidentais) que preza
pela igualdade soberana das nações, pela paz, pelos direitos e desenvolvimento
humanos.

56
• O movimento contemporâneo posterior à modernidade, denominado pós-
modernidade, relaciona-se com revolução técnico-científica, com a globalização
e com o questionamento que se tem feito sobre a realidade. As relações sociais,
políticas e culturais solidificadas e enraizadas pela modernidade estão sendo
alteradas pela pós-modernidade. Enquanto a modernidade se sustentava na
racionalidade, na organização metódica, na estabilidade e previsibilidade, a pós-
modernidade se sustenta na revalorização das subjetividades, da afetividade,
na valorização da arte e da estética, nas populações locais (excluídas muitas
vezes da globalização), minorias étnicas, na multipluriculturalidade.

• O movimento é uma das máximas da pós-modernidade, porém, as direções


deste, muitas vezes dúbias, bifurcadas conduzem os indivíduos para o
desconhecido. A percepção da realidade e as relações humanas na pós-
modernidade apresentam-se num extremo, como líquidas e fluídas, portanto
voláteis, efêmeras e superficiais. Em outro extremo, o movimento de resistência,
de percepção e visibilidade de fenômenos, fatos e elementos antes invisíveis,
busca dar vez e voz a realidades socioespaciais historicamente excluídas,
invisíveis e silenciadas.

• Em tempos de globalização e pós-modernidade, o Estado Nacional divide


poder político com atores coadjuvantes, como, por exemplo, os organismos
supranacionais, as transnacionais, as ONGs, a mídia global e outros agentes e/
ou forças clandestinas, paralelas e até paramilitares. Internamente os Estados
Nacionais enfrentam problemas como excesso de burocracia, corrupção, e
ineficácia de suas instituições. No entanto, apesar da perda ou diminuição de
seus poderes, de seus problemas internos e demais deficiências, o Estado ainda
é a forma mais universal de organização política e jurídica do espaço. Vários
são os Estados que através de suas políticas públicas têm avançado na garantia
de um conjunto de direitos negados, historicamente, às mulheres, aos idosos,
crianças, questões de igualdade de gênero, homoafetividade e relações entre
pais e filhos, entre outros.

• Um grupo de Estados instáveis, frágeis e erroneamente chamados de falidos,
assolados por eventos extremos (catástrofes naturais ou conflitos armados),
sem um governo democrático exercendo poder central, colocam em risco suas
populações, que forçadas a migrações e sobrevivência em campos de refugiados
estendem os problemas destes países a outros, vizinhos ou não.

57
AUTOATIVIDADE

1 Durante o Tópico 2, relacionamos o tema do presente caderno, com o


movimento da modernidade e do surgimento dos Estados modernos,
Nacionais com o movimento da pós-modernidade e da contemporaneidade,
onde as fronteiras antes fechadas e vigiadas passam a estarem mais
abertas, em que os Estados Nacionais perdem poderes. Deixamos claro,
no entanto, a simultaneidade de eventos que demonstram que existem
situações complexas em que persistem os efeitos da modernidade, os quais
se contrapõem aos da pós-modernidade. Disserte sobre os novos atores
supranacionais na organização do espaço mundial, argumentando quando
ou em que situações estes realmente se destacam no cenário mundial.

2 O sistema capitalista permite que um investidor turco, indiano ou


israelense compre ações de empresas brasileiras ou mexicanas, utilizando
seu computador. Para essa situação não existe fronteira. Entretanto um
brasileiro não entra no território norte-americano ou canadense ou japonês
sem antes passar pelo processo de retirar um visto que permita sua visita.
Ainda assim, ele pode ser barrado pelas autoridades que cuidam de suas
fronteiras. O conceito de fronteira tem significados diversos, dependo do
contexto abordado. Disserte sobre os conceitos de fronteira a partir do texto
abordado, e também sobre as fronteiras em nossos cotidianos.

58
UNIDADE 1
TÓPICO 3

REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

1 INTRODUÇÃO
Esse tópico se propõe a analisar as novas conceituações utilizadas para
definir região e regionalização, bem como discutir os territórios e suas novas
relações no que diz respeito à globalização.

Regionalização significa dividir o espaço geográfico em partes, levando-


se em conta as diferenças e semelhanças das diversas áreas, baseando-se nas
variedades paisagísticas naturais ou na organização socioeconômica. O espaço
geográfico (em diferentes escalas) pode ser regionalizado, agrupando ou dividindo
de acordo com critérios pré-estabelecidos. Um bairro, por exemplo, pode ser
dividido em áreas residenciais, industriais, comerciais. O mundo, dividido em
um conjunto de Estados-Nações agrupados e estudados por continentes, ou
conjuntos mais amplos como os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, ou
em grupos específicos menores como o G8, G20, países em desenvolvimento ou
emergentes, exportadores de petróleo, produtores de commodities e outros.

A regionalização do espaço geográfico mundial é o agrupamento de áreas


que possuam aspectos que apresentam certa homogeneidade, pode ser feita
utilizando-se determinados critérios, como os aspectos físicos (tipos de clima,
vegetação, solo, relevo, flora, fauna entre outros) ou socioculturais (características
demográficas, grupos linguísticos, religiões, tipos de atividades econômicas
praticadas etc.), ou ainda, semelhanças na formação sócio-histórica-espacial.

Existiram e persistem várias regionalizações do espaço geográfico mundial,


dependendo dos objetivos e dos critérios que foram valorizados. Nenhuma é a
única verdadeira, ou absurda e equivocada. A regionalização permite estudar as
áreas ou países do mundo em conjunto, comparando, analisando aspectos gerais,
porém estas podem, por vezes, apresentar-se como superficiais, quando as áreas
são muito extensas e diversificadas, através das generalizações, desconsiderando
as particularidades existentes no espaço.

59
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

2 REFLEXÕES SOBRE A NOÇÃO DE REGIÃO


A expressão “região”, considerada de caráter polissêmico, apresenta
diferentes significados, é muito utilizada no cotidiano como parte da linguagem
comum da população letrada ou não. No senso comum, a palavra “região” é
empregada para se referir a uma localidade ou uma área em frases como: “Aquela
região é muito perigosa”; “Em regiões montanhosas faz mais frio”; “vivemos na
região norte” etc. ou empregam o termo como um recorte espacial que apresenta
um atributo específico. (CAMPOS; BUTTONI, 2010).

Na linguagem cotidiana do senso comum, a noção de região parece estar


relacionada aos princípios de localização e de extensão, de certo fato ou fenômeno, ou
ainda se referir a limites mais ou menos habituais atribuídos à diversidade espacial.
Por exemplo, emprega-se cotidianamente sem muito rigor científico, expressões
como: “a região mais pobre”, “a região montanhosa”, “a região da cidade X”, como
referência a um conjunto de área onde há o domínio de determinadas características
que distingue aquela área das demais. (GOMES, 2008, p. 53).

Por outro lado, a região, enquanto noção ou conceito é ambígua, complexa


e dinâmica. A transposição didática do conceito acadêmico para a esfera escolar
tem se esbarrado em questões como: simplificações, naturalizações, definições
estanques e estáticas e, total ausência de reflexões sobre a regionalização como
metodologia de análise espacial e a região como conceito fundante ou categoria
de análise geográfica em diferentes escalas. A representação que o aluno tem da
palavra, formada no uso da linguagem cotidiana, sobretudo oral, o remete ao
emprego que até então tem feito do termo.

Campos e Buttoni (2010) ressaltam que um dos objetivos do ensino é


transformar o senso comum em conhecimento científico, ressignificando-o. Partir
do conhecimento prévio do aluno é essencial porque além do conflito entre o
significado das mesmas palavras em contextos distintos, o acadêmico e o senso
comum têm variadas apreensões na própria universidade, variando de acordo
com a orientação teórico-metodológica em que são utilizadas. Na extensão do
tempo, uma palavra, o significante, ganha diferentes significados. A própria
evolução da disciplina e da realidade impõe adequações, atualizações ao seu
referencial teórico.

Historicamente, a noção de região possui um caráter dinâmico. Presente


na linguagem comum, a palavra região é de uso fluído e tem dificuldades em se
estabelecer como conceito. (LEONCINI, 2009). Na linguagem coloquial, indica
recortes do espaço que os indivíduos ou grupos sociais elaboram e passam a ser
reconhecidos, ou não, socialmente. Recortes que se diversificam e se multiplicam
à medida que a percepção do espaço de cada um se amplia, fazendo-o perceber o
homogêneo e o diferente acerca do mundo. A percepção do outro está acompanhada
da percepção do espaço do outro. A noção de região está presente na construção
das realidades individuais ou de grupos, e faz parte do senso comum.

60
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

Entre os conceitos-chave da geografia, o da região tem sido objeto de


estudos acadêmicos, porque por um breve período de tempo, desde a década
de 1980, os conceitos de espaço e território foram mais valorizados na geografia
crítica. Nos últimos anos, com a corrente da geografia humanista, o conceito de
região, juntamente com o de lugar tem sido retomado, de maneira controversa,
“há os que preconizam o seu fim e os que advogam pela renovação de seu
conteúdo, sua ressignificação”. (CAMPOS; BUTTONI, 2010, p. 90). O primeiro
grupo entende que o conceito ou categoria de análise regional perdeu sua função
na geografia com o processo da globalização e consequente homogeneização
aparente do espaço. Argumentam que o mundo contemporâneo é marcado pela
velocidade dos sistemas de informação, os quais caracterizam o espaço pela fluidez
do sistema de fluxos materiais e imateriais. O segundo grupo, diante do mesmo
cenário, advogando pela sua ressignificação, explica que concomitantemente ao
processo de homogeneização dos espaços, ocorre a fragmentação, o que por sua
vez não faz desaparecer a região, mas, sim, dota-a de outro significado, de outro
conteúdo.

Os documentos curriculares nacionais, principalmente os Parâmetros


Curriculares Nacionais – PCN integram o conceito de região como conceito-chave,
com maior ênfase no Ensino Fundamental I e II. No Ensino Médio, apesar de não
ser listada como conceito fundante da disciplina de Geografia, a região aparece
como elo na estruturação e articulação de conteúdos e conceitos relacionados à
natureza, sociedade e território, quando estes são considerados em diferentes
escalas de análise, por permitir a apreensão das diferenças e particularidades
no espaço geográfico. Os Guias dos Livros didáticos, especificamente o de 2010
evidenciam a importância do conceito de região (CAMPOS; BUTTONI, 2010).

No Brasil, a região tem um sentido de unidade administrativa e, neste


caso, a divisão regional é o meio pelo qual se exerce frequentemente a hierarquia
e o controle na administração dos estados. As divisões administrativas presentes
na cartografia moderna da Europa, mesmo com denominações diversas (Régions
na França, Províncias na Itália e Laender, na Alemanha) eram baseadas no tecido
regional. (GOMES, 2008). Ainda de acordo com o autor, muitas instituições
e empresas de grande porte também utilizam este recorte como estratégia de
gestão dos seus respectivos negócios dentro do mesmo sentido de delimitação de
circunscrições e hierarquias administrativas.

A noção de região também tem sido trabalhada pela mídia cinematográfica


hollywoodiana, onde determinadas regiões são retratadas através de cenários
idílicos, produzindo equívocos em relação à natureza e relações e interações
estabelecidas pelos grupos humanos. Equívocos sobre a localização geográfica e
acontecimentos, como exemplo, as narrativas e cenários sobre o desbravamento,
“conquista”/ocupação do oeste americano. Apesar de tratar-se de arte e não
ciência, quando o equívoco sobre a naturalização, extensão das paisagens, suas
inter-relações sociais, culturais e a ocupação territorial de determinadas regiões
naturais específicas na história, aparecem como verdade e se tornam consenso.
A arte através dos filmes e séries pode estar mascarando a dinâmica social real,

61
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

naturalizando sua história, mostrando as paisagens como idílicas, exóticas,


desprovidas de seus sistemas e simbioses. A noção de região torna-se passível de
mistificação, que Leoncini (2009) denomina de mistificação geográfica.

Outro fato que contribui para a mistificação do tema região é a manipulação


política da identidade regional, quando a mesma é forjada ou utilizada para
garantir privilégios políticos. Campanhas que apelam para o regionalismo na
busca de recursos orçamentários e defesa de interesses regionais têm servido
para manipulação política e social. Estrategicamente, ao apelar para o discurso
regionalista, o político busca criar uma identidade com os eleitores, fundado
na ideia de que sendo todos do mesmo lugar haveria o mesmo interesse e as
necessidades e projetos não dependeriam da posição social ou inserção de cada
um na sociedade. A construção de uma identidade regional baseada na estratégia
de unificação de carências e esforços mascara a distinção social entre as pessoas de
uma determinada região. No entanto, até pode haver interesses comuns, de base
territorial, que aglutinem estratos sociais diferentes, em que o uso da identidade
regional corresponde à realidade e é utilizada para garantir objetivos relativos às
questões territoriais (LEONCINI, 2009).

A ideia de região faz parte da linguagem comum, é passível de mistificação


social e de manipulação política e se constitui na construção da própria
sociabilidade dos homens, demonstrando o quanto a geografia está presente em
suas vidas. O saber geográfico e a ideia de região são também saberes populares
com historicidade próprios de qualquer sociedade.

Historicamente, nas diversas civilizações, a percepção de mundo tornou-se


cada vez mais ampliada, faz emergir diferenças, levando à elaboração de recortes
sobre este mundo, conduzindo (de forma genérica) à ideia de parte do todo. Este
todo poderia ser o mundo conhecido que, por ser um conhecimento socialmente
produzido varia de limite segundo as civilizações, chamado por Leoncini (2009)
de horizonte geográfico. Assim, a noção de região, como parte de um todo, impõe
que se compreenda o quê em cada momento histórico, segundo cada cultura ou
civilização, era entendido como mundo.

A região já foi pensada e continua sendo analisada e estudada (empírica


e cientificamente) para a compreensão da realidade, ora como parte, ora como
categoria de análise, como conceito, ou como noção utilizando, entretanto,
procedimentos diferenciados. Segundo Lencioni (2009), não é apenas a Geografia
que trata da região no âmbito de parâmetros científicos, outras disciplinas
também o fazem. Gomes (2008) corrobora explicando que em ciências, como,
por exemplo, matemática, biologia, geologia etc., a noção de região possui um
emprego associado à localização de certo domínio, ou seja, domínio de uma
propriedade matemática, domínio de uma dada espécie, de um afloramento ou
domínio de certas relações biogeográficas e ecológicas.

62
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

2.1 REGIÃO E GEOGRAFIA


É na geografia que se encontram as bases e o desenvolvimento de conceitos
ou noções relativas à região, tornando seu uso mais complexo, pois ao tentarmos
fazer dela um conceito científico, herdamos as indefinições e a força de seu uso na
linguagem comum, somando-se a estas questões as discussões epistemológicas que
acompanham este conceito dinâmico e múltiplo. Cientificamente, é no âmbito da
geografia que se constrói e se discute o que seria a região e a Geografia Regional.

Em meados do século XIX, o conceito de região surge na geologia, passando


a ser utilizado por Vidal de La Bache no início do século XX. O conceito de região
natural, como um elemento da geografia física, foi inspirado na geologia e na
própria geografia, quando as bacias hidrográficas foram vistas como demarcadores
naturais das regiões. No entanto, o conceito de região natural trazendo a ideia de
que o meio ambiente tem certo domínio sobre a orientação do desenvolvimento
da sociedade, ou a perspectiva de um meio natural explicativo das diferenças
sociais e do conjunto da diversidade espacial foi refutada por Lucien Fébvre, em
1922, quando forja a expressão “possibilismo” baseado nos postulados de Vidal
de La Bache. A natureza pode influenciar e moldar certos gêneros de vida, mas
é sempre a sociedade seu nível de cultura, de educação, de civilização que tem a
responsabilidade de escolha na sua relação com a natureza. Em outras palavras,
as relações estabelecidas entre o meio físico e a organização social são complexas
e inúmeras, havendo várias possibilidades, várias alternativas e várias escolhas
(LEONCINI, 2009).

A constituição de blocos regionais supranacionais aponta para um


rearranjo espacial do espaço mundial. Corroboram para este, questionamentos
internos a respeito de fundamentações teóricas, filosóficas e metodológicas
dentro da Geografia. A região, enquanto noção, ideia, conceito ou categoria de
análise do espaço geográfico continua a existir e é empregada de forma variável
no âmbito da ciência e pela própria geografia. Reconhecer a noção de região
significa assinalar sua existência, aceitar seu uso, bem como aceitar a inserção
de outros meios de operar esta noção, concedendo-lhe caráter de multiplicidade
(GOMES, 2008).

O estudo sobre os blocos econômicos em escala regional conduzirá aos


estudos para analisar seus impactos em escala local, numa determinada cidade,
porém sem possibilidade de desconexão ou desconsideração da influência na
escala global.

O conceito de região na geografia está vinculado à ideia de parte do


todo. Nesse sentido, conduz diretamente à ideia de divisão e à questão
da dimensão das partes. Mas cada parte é igualmente parte de um
todo, mas também se constitui numa totalidade. A possibilidade de
ser ao mesmo tempo parte e todo só pode ser compreendida mediante
uma concepção dialética da totalidade considerando-a como uma
totalidade aberta e em movimento. (LENCIONI, 2009, p. 27).

63
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Segundo Haesbaert (2014), região é um conceito caro para o geógrafo.


Apesar de sua utilização no senso comum e nas demais ciências sociais é na
geografia que a região adquire maior centralidade, a ponto de ter sido tido,
equivocadamente, como objeto de estudo da geografia ciência. Para a geografia
escolar continua sendo um dos conceitos fundamentais, uma vez que o currículo
traz geografia Regional como componente, pois o espaço é regionalizado nas
escalas nacional e mundial.

Atualmente, são duas perspectivas da abordagem regional em Geografia,


sendo a primeira mais ampla e contemporânea e outra, na perspectiva mais
tradicional. Conforme Haesbaert (2014, p. 13), primeira perspectiva se refere à:

[...] região latu sensu, em que a região é praticamente sinônimo


de recorte espacial, (dotado de alguma uniformidade e/ou coesão
interna), que varia conforme os critérios adotados pelo pesquisador, e,
outra, a região em sentido mais estrito e tradicional, em que esta seria
um espaço integrado, entidade geográfica definida a partir da inte(g)
ração de múltiplas dimensões (físico-natural, econômica, política e
simbólica-cultural).

Sabe-se que o conceito de região tem sido marcado pela diversidade de


concepções, sendo uma noção polissêmica e amplamente utilizada no senso
comum. Desde sua origem, região tem a dupla conotação de área, sob o domínio de
um fenômeno, e, de recorte que ordena e orienta. A regionalização, nos dois casos,
serve para a orientação em geografia: é um instrumento de análise ou normativo
para um determinado ordenamento de pesquisa ou de ação. Desta forma,
região pode estar ligada tanto a um processo de natureza política (movimento
regionalista) como a uma dinâmica intelectual, de caráter metodológico quando
envolve uma divisão ou um agrupamento organizado para efeito de análise da
composição de determinado espaço.

Ainda poder-se-á utilizar mais duas perspectivas de regionalização:


uma refere-se a ações político-sociais de planejamento, de curto ou longo
prazo, para uma área abrangente, que poderá ser uma bacia hidrográfica, um
loteamento urbano, um condomínio ou área rural; a outra perspectiva é de caráter
pedagógico, quando a região é utilizada como meio de ensino (não deixando de
ser instrumento de análise).

Segundo Haesbaert (2014), a região e a regionalização do espaço mais


amplo, seja estadual, nacional ou mundial, em partes, no processo pedagógico,
é necessário devido à necessidade de o aluno reconhecer o espaço geográfico
como um espaço concretamente diferenciado. É importante lembrar que pode
haver formas diferentes de regionalização, desde que observados determinados
critérios para divisão ou agrupamento de áreas e/ou estudar o espaço a partir
das articulações e interações que ocorrem em rede. Por outro lado, é importante
discutir com os alunos os critérios utilizados como instrumentos analíticos do
pesquisador, instituição e/ou autor utilizados para agrupar ou conectar unidades
espaciais menores por suas semelhanças e/ou dividir unidades maiores (Estado-

64
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

Nação ou o mundo) por suas principais diferenças. Sem a divisão em partes ou


agrupamento de áreas, sem a regionalização, não teríamos como conhecer ou
estudar e analisar a diversidade de espaço geográfico.

Um bom exercício a ser feito com os alunos da Educação Básica é discutir


os critérios de semelhança (dentro de uma região) e diferença (entre regiões)
utilizados nas regionalizações apresentadas pelo livro didático. Proporcionar
oportunidades para que realizem atividades de regionalização de países fictícios,
levando em conta apenas um fenômeno, que pode ser agricultura, manifestações
culturais tradicionais e outros. Os alunos compreenderiam as diferentes
possibilidades colocadas pelos processos de regionalização, dependendo dos
objetivos propostos em nossa investigação sobre o espaço geográfico.

Muitas empresas capitalistas também regionalizam suas áreas de atuação,


principalmente em termos de mercado consumidor, alcançando de forma
monopolista algumas áreas e disputando outras. Até mesmo atividades ilegais
dividem seu espaço em regiões, cada uma sob o comando de um grupo. O jogo do
bicho em grandes metrópoles brasileiras, como no Rio de Janeiro, ou, as facções
do narcotráfico do México são exemplos de divisões regionais do espaço, seja ele
municipal ou nacional. Nesse caso, como se trata também de exercer o controle,
domínio ou poder sobre uma área, configura-se ao mesmo tempo uma região e
um território.

Cada regionalização, como instrumento de análise do geógrafo e/ou como


metodologia e instrumento pedagógico tem seus méritos e suas limitações.

3 REGIONALIZAÇÕES TRADICIONAIS DO ESPAÇO MUNDIAL


Durante o século XVIII e XIX, quando da institucionalização da geografia
como ciência, denominada como geografia clássica ou tradicional, desenvolveu-
se uma geografia regional, na qual, a região era o objeto de estudo da geografia.
Decorrido um tempo, ainda no século XIX, a geografia regional se constitui como
método de estudo e pesquisa, deixando de ser um campo específico da geografia.
Assim existiram diferentes regionalizações do espaço, tanto mundial, como
nacional e estadual.

3.1 A REGIONALIZAÇÃO POR CONTINENTES


No que diz respeito ao espaço mundial, a forma mais utilizada para
regionalizar a superfície terrestre levava em conta os critérios físico-geológicos,
ou seja, os continentes.

65
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 5 - ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO POR CONTINENTES

FONTE: Disponível em: <http://www.geoensino.net/2011/10/blog-post.html>. Acesso em: jul. 2015.

A organização da superfície terrestre, levando em consideração a posição


dos continentes, utiliza para a divisão o critério história natural do planeta, onde
ocorreu a separação entre massas líquidas (oceanos e mares), partes sólidas e as
terras emersas (ilhas e continentes). A divisão do espaço geográfico mundial em
Oceania, Antártida ou Antártica, América, África, Ásia e Europa foi uma forma
de regionalização muito utilizada para estudar e descrever o espaço geográfico
mundial, principalmente, na geografia tradicional ou clássica. Ocorre, porém,
que os continentes da Ásia e da Europa se situam em apenas um bloco de terras
emersas contínuas, um supercontinente do ponto de vista físico e geológico: a
Eurásia. Apoiados no “eurocentrismo” em fatores histórico-culturais dos povos
que habitavam terras do que hoje conhecemos por Ásia e Europa. Os europeus
sustentaram e justificavam a divisão em dois continentes. Argumentavam que
as distâncias físicas e diferenças culturais (produzidas desde a pré-história até
a modernidade) explicariam as diferenças entre os povos da atual Europa e
Extremo Oriente e estágios de evolução técnica.

NOTA

O eurocentrismo é um conceito que se relaciona com etnocentrismo, ou seja,


a ideia coloca a Europa, sua produção científica e a visão de mundo como centro ou como
polo na constituição da sociedade moderna, bem como protagonista da história do homem,
desconsiderando os papéis desempenhados por outras sociedades, dando aos europeus
poder para dominação e exploração sobre outros povos. A expressão é também vinculada
à ideia de que os europeus se consideravam superiores e dominavam economicamente
vastas áreas da superfície terrestre, no final da idade Média e Moderna. Disponível em:
<http://ednarslima.blogspot.com.br/2012/05/mapas-mundi-america-do-sul-e-do-brasil.
html>. Acesso em: 10 mar. 2015.

66
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

A geografia dos continentes apresenta os aspectos físicos, humanos,


econômicos e políticos de forma compartimentada, e há a sobreposição de
elementos. O ponto de partida desta classificação é a terra, ou seja, a natureza
anterior à ação do homem. Esta regionalização vê o espaço geográfico como
contínuo, valorizando a proximidade ou contiguidade entre as áreas e entre os
países, que são divididos em função do continente no qual se localizam. Há o
encaixe do homem e das sociedades num quadro espacial definido pela natureza
(VESENTINI, 2005).

Outro argumento para explicar e justificar a regionalização da superfície


terrestre condiz com a geografia pragmática e positivista do século XIX e início
do século XX. “Parece claro de repente que as divisões dos continentes e do globo
como um todo foram função das distâncias, outrora impositivamente reais devido
aos transportes primitivos e às dificuldades de viagem”. (BAUMAN, 1999 apud
RIBEIRO, 2008, p. 62).

3.2 REGIONALIZAÇÃO EM TEMPOS DE GUERRA FRIA E


MUNDO BIPOLAR
A regionalização utilizada após a Segunda Guerra, principalmente na
geografia crítica, baseava-se no sistema socioeconômico. Dividia o mundo em
três grandes grupos: Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo. O primeiro mundo
indicava os países capitalistas, que passaram as fases da industrialização clássica,
de economia desenvolvida. O segundo mundo indicava os países de economia
socialista ou de economia planificada. Alguns países como a Coreia do Norte,
Cuba e China afirmam que ainda são socialistas, mas o termo deixou de ser
utilizado após a desintegração do império da ex-União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas no início da década de 90. O termo Terceiro Mundo se referia aos países
capitalistas menos desenvolvidos economicamente.

67
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 6 – PRIMEIRO, SEGUNDO E TERCEIRO MUNDO

FONTE: Disponível em: <https://www.youthareawesome.com/favourite-first-world-problems-2/>.


Imagem modificada. Acesso em: 27 abr. 2018.

3.3 REGIONALIZAÇÃO PÓS-GUERRA FRIA


Em seu lugar, a regionalização do ponto de vista econômico-social
agrupa países ou áreas independentes do continente em que se localizam. Os
conjuntos denominados Norte (desenvolvido e industrializado) e Sul (países em
desenvolvimento e dependentes economicamente do Norte), têm como ponto
de partida a sociedade. Admitem-se descontinuidades e rupturas e se procura
entender como as sociedades constroem e reconstroem continuamente seu espaço.
A natureza passa a ser estudada em função da dinâmica social. No entanto,
esta é a visão onde prevalece a dicotomia entre dois polos opostos, que já não é
mais coerente ­diante dos efeitos adversos do processo da globalização, os quais
ocorrem tanto em áreas do Norte como no Sul. Paralelamente, dicotômica é a
utilização das expressões países ricos ou centrais e pobres ou periféricos. Os países
centrais (ricos) seriam um pequeno número de Estados-Nações hegemônicas,
cujo símbolo máximo de dominação econômica é o Fórum Econômico Mundial –
World Economic Forum Annual Meeting realizado anualmente na cidade de Davos-
Suíça. Nos países periféricos (pobres) estaria agrupado o restante dos países, com
menor desenvolvimento econômico e tecnológico, dependentes, em relação aos
países centrais cujo símbolo de resistência ao primeiro grupo é o Fórum Mundial
Social, realizado desde 2001, de forma itinerante, em várias cidades e países.

68
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

Regionalização similar em países Desenvolvidos e Subdesenvolvidos é utilizada


pela ONU – Organização das Nações Unidas, tendo por base os indicadores
econômicos e sociais.

Como todas as regionalizações esta representa a maior fragilidade ao


generalizar, colocando no mesmo grupo países como os Estados Unidos e
Portugal ou Grécia e no outro China, Bolívia e Honduras, por exemplo.

FIGURA 7 – A REGIONALIZAÇÃO NORTE E SUL

FONTE: LOWE, Norman. História do mundo contemporâneo. Porto Alegre: Penso, 2011. p. 605.

3.4 REGIONALIZAÇÃO DO CONTINENTE AMERICANO


Em relação ao continente Americano existem duas regionalizações muito
utilizadas: uma baseada em critérios físico-geológicos que divide o continente
em América do Norte, América Central e América do Sul; outra, de acordo com
critérios histórico culturais e econômicos, regionaliza o espaço do continente
americano em América Latina e América Anglo-Saxônica, a ser observada na
figura a seguir, identificando alguns dos países de cada uma delas.

69
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 8 - AMÉRICA LATINA E AMÉRICA ANGLO-SAXÔNICA

FONTE: Disponível em: <https://suportegeografico77.blogspot.com.br/p/atlas-


digital_2.html>. Acesso em: 27 abr. 2018.

Dentre o conjunto de países da América Latina (36 países) existem os


que são denominados emergentes, com elevado PIB, estando entre as economias
mais dinâmicas do planeta, e no outro extremo, países com grandes disparidades
sociais, baixo Índice de desenvolvimento humano e dependência econômica.

Percebemos assim, que a estabilidade regional não existe mais,


comprometendo as formas de regionalização para estudar os espaços.
Corroborando, Santos (1996) explica que o mundo atual é volátil e o próprio capital
identifica, se instala em determinados espaços ou áreas que possam oferecer
condições para a sua ampliação e reprodução, pode, após um determinado
período, abandonar estes espaços rapidamente, pois a instabilidade e a tecnologia
informacional caracterizam e dominam os espaços. Em outras áreas, por meio de
movimentos de resistência à homogeneização e fortalecimento das identidades
locais ocorre um retorno aos enraizamentos mais conservadores, com apelos para
manifestações de etnicidade, fundamentalismos religiosos, nacionalismo etc. e
que este é um complicador a mais para nossas regionalizações.

70
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

3.5 A REGIONALIZAÇÃO DO BRASIL


O Estado Brasileiro, através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE, propôs uma regionalização para efeito de obtenção e tratamento de dados
estatísticos (na realização dos censos, começando pela definição de recortes ou
setores censitários) ou para o planejamento regional (que no caso brasileiro vai
da escala microrregional e mesorregional dentro dos estados a macrorregiões
(Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste) definidas pelo IBGE em 1960-70,
resultando nas atuais superintendências de desenvolvimento regional: SUDENE,
SUDAM, SUDESUL, SUDECO. Alguns autores de livros didáticos adotaram
esta regionalização em suas obras para estudo e análise do espaço geográfico
brasileiro, naturalizando-a.

FIGURA 9 – BRASIL, DIVISÃO REGIONAL OFICIAL

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/brasil/regioes-brasileiras.


htm>. Acesso em: 10 mar. 2015.

71
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

3.5.1 Os complexos regionais da década de 1960 e a


regionalização proposta por Milton Santos no início do
século XXI
Em 1967, o geógrafo brasileiro Pedro Pinchas Geiger propôs uma divisão
regional do país, em três Regiões Geoeconômicas ou Complexos Regionais.
Esta proposta se baseia no processo histórico de formação do território
brasileiro, levando em conta, especialmente, os efeitos da industrialização.
Dessa forma, ela busca refletir a realidade do país e compreender seus
mais profundos contrastes. De acordo com Geiger, são três as regiões
geoeconômicas: Amazônia, Centro-Sul e Nordeste. Essa organização regional
favorece a compreensão das relações sociais e políticas do país, pois associa os
espaços de acordo com suas semelhanças econômicas, históricas e culturais.
Diferentemente da divisão proposta pelo IBGE, os complexos regionais não se
limitam apenas às fronteiras entre os Estados. Nessa regionalização, o norte
de Minas Gerais, por exemplo, encontra-se no Nordeste, enquanto o restante
do território mineiro está localizado no Centro-Sul. Essa organização regional
é muito útil para a geografia, pois oferece uma nova maneira de entender a
história da produção do espaço nacional.

FONTE: Disponível em: <http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto


=1553&evento=5>. Acesso em: 10 mar. 2015.

FIGURA 10 - BRASIL DIVISÃO REGIONAL GEOECONÔMICA

FONTE: Disponível em: <https://atlasescolar.ibge.gov.br/images/atlas/mapas_


brasil/brasil_regioes_geoeconomicas.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2018.

72
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

Milton Santos colocou em discussão outra divisão regional pautada na difusão


diferencial do meio técnico-científico-informacional e nas heranças do passado. Na
visão do geógrafo, o Brasil poderia ser dividido em quatro regiões: Concentrada,
Centro-Oeste, Nordeste e Amazônia. A região concentrada compreenderia porções
espaciais da região Sudeste e sul. (SANTOS; SILVEIRA, 2008).

4 A REGIONALIZAÇÃO FRENTE AO PROCESSO DE


GLOBALIZAÇÃO
Transformações econômicas e sociais que vêm ocorrendo no espaço
geográfico produzindo diferenciações, reforçadas pela atuação das forças de
mercado e da economia globalizada, acompanham-se de novos territórios, novas
des/re/territorialidades e formas de regionalização diferenciadas. Essas mudanças
são parte de uma escala planetária, mas se manifestam mais intensamente em
áreas geográficas industrializadas e urbanizadas. Debates contemporâneos sobre a
região e o processo de globalização tem des/reconstruído o conceito de região num
constante ir e vir, onde, segundo Haesbaert (2014), podemos identificar três etapas:

1ª A região “unitária ou integrada”, moldada por uma relativa uniformidade


paisagística, onde o conceito de região natural e o de região como síntese das
relações homem meio (através dos gêneros de vida propostos por Vidal de La
Bache).

2ª A região “estrutural”, fundamentada na base econômica, seja uma vertente


funcional-conservadora (das regiões a partir da centralidade urbana ou de
relações complementares entre centro e periferia), seja num viés mais ou menos
crítico (das regiões como produto da divisão espacial do trabalho, na ótica do
materialismo histórico ou relações de interdependência e/ou subordinação/
exploração entre centro e periferia).

3ª A região contemporânea, “múltipla e fragmentária” tanto no sentido das


diversas matrizes teórico-conceituais que convivem na atualidade, quanto
da multiplicidade e fragmentação internas às próprias regiões dentro dos
processos global-fragmentadores em que estamos inseridos.

Durante esta trajetória cada uma das etapas foi marcada por arrefecimento
intelectual do discurso regional, motivado tanto por transformações no espaço
geográfico concreto como pelas ideias, orientando o pensar sobre a região. A última
fase se estabelece diante da possibilidade de o processo de globalização buscar
uma aparente homogeneização do espaço, cuja diferenciação é o fundamento
da abordagem regional. A improvável homogeneização, caracterizada pelas
resistências e reapropriações, ou mesmo pela produção das diferenças pelos
próprios processos capitalistas globalizadores, ao criar novos nichos de mercado
e/ou abandonando outros. Supôs-se erroneamente o colapso do conceito de região
pelo aumento da fragmentação ou descontinuidade espacial e da ênfase aos
processos de transformação e diferenciação em bases locais. (HAESBAERT, 2014).

73
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Por mais que se pense e se perceba (aparentemente) que os processos


globalizadores tenham desestabilizado ou até mesmo extinguido a região (a
tradicional), ela continua a existir. A questão básica da diferenciação do espaço
geográfico, pano de fundo de toda a regionalização, se manifesta de outras
formas, muito mais complexas, o espaço continua em permanente processo de
diferenciação. Santos (1999 apud Haesbaert, 2014, p. 17) corrobora com este
pensamento: “A região continua a existir, mas com um nível de complexidade
jamais visto pelo homem”. Na atual fase da mundialização, nenhuma área
escapa ao processo simultâneo de globalização e fragmentação, ou seja, de
individualização/regionalização. Sejam por resistências locais, questões políticas
de planejamento territorial-regional, como forma de recorte espacial para pesquisa
ou por questões pedagógico-metodológicas para estudar, analisar e compreender
a complexidade do espaço geográfico.

Dessa forma, um caráter integrador dos espaços regionais deve ser


buscado. Existe continuidade destes espaços (regionalizados, divididos,
fragmentados), intercaladas por áreas de transição, e não por rupturas bruscas, ou
limites políticos, artificialmente definidos. Uma região poderá estar se mesclando
com sua vizinha em determinados aspectos e, ao mesmo tempo, se diferenciando
em outros, mas há continuidade. Assim, a escala prioritária de análise deve
contribuir para encontrar um mínimo de unidade e/ou de coesão espacial.

Para Massey (2000) apud Haesbaert (2014) o sentido global de cada lugar
é definido como espaço de encontros e conexões, cuja especificidade é marcada,
sobretudo, pela combinação própria de redes que ali se verifica, ou seja, os
lugares conservam um pouco de suas características peculiares e tradicionais,
combinadas com elementos mais massificadores da globalização, das migrações,
do consumismo, dos modismos etc.

DICAS

O professor, em sala de aula, poderá problematizar este tema a partir do próprio


espaço cotidiano do aluno, em geral bastante fragmentado entre suas esferas social e
cultural (onde vive com sua família, onde estuda e onde frequenta igrejas e clubes, realizando
atividades de lazer ou desportivas); econômica (onde trabalha e/ou compra produtos e
utiliza alguns serviços); política (onde vota ou onde se manifesta politicamente). Dificilmente
ele participa de todas essas esferas da vida num mesmo espaço, ou “região” relativamente
próximo, contínuo e integrado.

74
TÓPICO 3 | REGIÕES – REGIONALIZAÇÕES

4.1 REGIONALIZAÇÃO GLOBAL EM REDE


A sociedade nacional faz parte do paradigma clássico das ciências
sociais. Conceitos, categorias e interpretações estão sendo postos em causa.
A mundialização capitalista, a globalização cultural e conexões mundiais
do mercado financeiro estão moldando e caracterizando a sociedade global,
reforçando a noção de humanidade, a globalização se estabelece como forma de
pensar o paradigma emergente. A sociedade nacional e a sociedade global não
são objetos distintos, se implicam reciprocamente em articulações sincrônicas e
anacrônicas diversas, algumas divergentes e antagônicas, outras convergentes.
(IANNI, 2007).

A sociedade global e seu espaço geográfico planetário, quando vistos em


sua unicidade, como um todo ou como um sistema na escala macro, apresenta-
se inicialmente e aparentemente homogênea, pelo fato do planeta ser concebido
como a morada da humanidade em permanente simbiose (troca de energias).
No entanto, a heterogeneidade e as consequentes complexidades, dinâmicas e
simbioses específicas, devem ser vistas e analisadas pelo olhar da diversidade,
da pluriculturalidade e multidimensionalidade e cada parte constituindo uma
totalidade em si mesma, porém aberta, integrando uma totalidade maior.

A dinâmica globalizante não apaga as marcas do passado, tampouco


reconstrói o novo a partir do nada, mas modifica seu significado e acrescenta
novos objetos e ações características de um tempo contemporâneo e pós-moderno
ao já existente. Agravam-se diferenças e disparidades decorrentes destes novos
dinamismos, orientados por outras formas de comando e dominação, como,
por exemplo, o novo papel da informação. Novas formas de compartimentação
dos territórios, fragmentações em diferentes escalas ganham visibilidade e são
inerentes à dinâmica espacial. (SANTOS; SILVEIRA, 2008).

O processo de globalização, as telecomunicações, a informática e as


características atuais do capitalismo financeiro configuram uma nova maneira de
estudar e analisar o espaço mundial como regionalização global em rede.

Se antes a região podia ser vista de forma contínua, como unidade


espacial não fragmentada, hoje o caráter altamente seletivo e muitas
vezes ‘pontual’ da globalização faz com que tenhamos um mosaico
tão fragmentado de unidades espaciais que ou a região muda de
escala (focalizada muito mais sobre o nível local, onde ainda parece
dotada de continuidade) ou se dissolve entre áreas descontínuas e
redes globalmente articuladas. Nesse caso, uma proposta interessante
seria realizar uma regionalização global em rede, onde poderíamos
distinguir territórios-rede de múltiplos agentes, como os que envolvem
as grandes diásporas de imigrantes, os circuitos do narcotráfico, do
contrabando, do sistema financeiro, do turismo internacional etc.
Eles funcionam integrados ao sistema-mundo, mas têm importantes
especificidades que permitem uma leitura geográfica particular de
suas atuações. (HAESBAERT, 2008, p. 31, grifo nosso).

75
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Na contemporaneidade, os sentidos e usos atribuídos ao termo rede


podem ser de significados múltiplos e difusos. Percebe-se no contexto atual uma
necessidade de delimitação frente à diversidade de manifestações da realidade,
possíveis de serem apreendidas pelo uso da ideia de rede. Destacamos aqui duas
interpretações: 1ª a rede como um modo de raciocínio, configurado como um
conceito-chave interdisciplinar para explicação de sistemas complexos (sociedade,
sistema nervoso e cérebro, corpos, planeta e mundo); 2ª a rede como um modo de
orga­nização do espaço-tempo, regulado e orientado pela técnica acompanhado
de carga simbólica, observada na existência de uma realidade densa, complexa
e interligada, cujo sistema de infraestruturas técnicas viabiliza as novas
possibilidades de organização territorial das sociedades, sendo ao mesmo tempo
agente ideológico de transformação socioespacial, em busca da democratização,
liberalização dos fluxos, viabilidade das redes técnicas, destacando-se a internet.
(NETO, 2013).

Algumas palavras-chave que resumem os possíveis significados de rede e


retratam sua lógica espacial: conexão, ligação, trama, mobilidade, fluxo, circulação,
reticularidade, linearidade, e, de forma mais ousada, malha não linear, estriada e
rizomática. Esses termos e seus sentidos foram largamente acionados nos debates
realizados sobre a rede e o território, como focalizaremos mais à frente.

76
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Diante da impossibilidade de se estudar o espaço geográfico em sua totalidade,


a regionalização apresenta-se como uma das metodologias para o estudo das
partes, na tentativa de compreender o todo. A regionalização de um espaço
mais amplo, a partir de determinados critérios pré-estabelecidos pode resultar
em partes, denominadas, regiões, com características internas semelhantes
dando um sentido de unicidade e uniformização entre determinados
elementos geográficos, de acordo com os critérios elencados. A regionalização
pode também conduzir ao agrupamento de porções do espaço, não contínuas,
ou contíguas localizadas distantes geograficamente uma das outras, com
semelhanças e identidades comuns.

• A noção de região utilizada cotidianamente no senso comum, de forma


polissêmica, relaciona-se com os princípios de localização e de extensão de
certos fatos e fenômenos ou a delimitações mais um menos habituais.

• Para a ciência geográfica a região é ambígua, complexa e dinâmica, muitas


vezes simplificadas e naturalizadas na transposição didática para a geografia
escolar. Dependendo da abordagem feita através dos conteúdos sobre regiões,
este conceito não é objeto de reflexão, sequer é questionado, permanecendo-se
nas noções do senso comum. Na escola, é necessário ressignificar os conceitos
do senso comum de acordo com o conhecimento científico, sendo o conceito de
região um deles, por se tratar também de uma categoria de análise geográfica.

• No Brasil, um dos conceitos atribuídos à região é o de delimitações de


circunscrições e hierarquias administrativas, onde o país é dividido em cinco
regiões oficiais. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no
início da década de 1970, utilizando critérios da geografia física, humana e
econômica, do ponto de vista da geografia tradicional ou clássica, dividiu o
país em regiões, corroborando com as superintendências de planejamento para
conjuntos de estados. Os limites da divisão regional do IBGE seguem os limites
dos estados, portanto, não é dinâmica nem atualizada conforme surgem novas
transformações e alterações espaciais. As regiões do Brasil, de acordo com a
divisão feita pelo IBGE são: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste.

• A região, conceito e categoria de análise geográfica é empregada, utilizada de


forma variável, tanto na geografia como em outras ciências que se apropriaram
deste conceito, pois depende de critérios para sua espacialização. Os critérios
que podem variar conforme os objetivos de determinado estudo, pesquisa ou
atividade devem sempre estar bem especificadas e claras.

77
• Sendo a região uma parte do todo, conduz a ideia de divisão, e, à dimensão das
partes, as quais podem mudar de acordo com os critérios estabelecidos. Numa
abordagem dialética, cada parte, ou região, ao mesmo tempo em que cada uma
é parte do todo, é simultaneamente uma totalidade em si. Quando orientada
para o processo metodológico, a região envolve uma divisão ou agrupamento
organizado para efeito de análise da composição de determinado espaço
geográfico.

• O estudo do espaço mundial por continentes é uma das regionalizações da


geografia tradicional. A organização dos países em três grandes conjuntos:
Primeiro Mundo (capitalistas, industrializados e desenvolvidos), Segundo
Mundo (países socialistas de economia planificada) e Terceiro Mundo (países
subdesenvolvidos e dependentes economicamente), de acordo com critérios
sócio-político-econômicos, pela geografia crítica, foi válida durante a Ordem
Mundial Bipolar.

• A regionalização do espaço mundial do ponto de vista socioeconômico em


apenas duas grandes macrorregiões, o Norte (desenvolvido e industrializado:
os Estados Unidos, Canadá, os países da Europa, Japão, Austrália e Nova
Zelândia) e Sul (reunindo a América Latina, países da África e da Ásia),
evidenciou-se após a desintegração da ex-URSS e início da transição das
economias socialistas planificadas para a economia capitalista de mercado,
com exceção de Cuba e Coreia do Norte. A China se autodenomina como país
socialista de economia de mercado.

• O continente americano pode ser regionalizado do ponto de vista geográfico,


(América do Norte, América Central e América do Sul) e do ponto de vista
histórico cultural, linguístico e socioeconômico (América Latina e América
Anglo-saxônica). A América Latina é o conjunto de países constituído pelo
México (da América do Norte), países da América Central e do Sul, colonizados
principalmente pelos espanhóis e portugueses, através de colonização
de exploração, são atualmente, grosso modo, classificados como países
subdesenvolvidos, com desigualdades sociais e dependência econômica. A
América Anglo-saxônica, formada pelos Estados Unidos e Canadá, povoados
pelos ingleses e franceses, predominaram colônias de povoamento e são
atualmente classificados como países industrializados e desenvolvidos.

• Com o processo de globalização e a interdependência entre os Estados, economias


e sociedades, surge uma dicotomia entre a globalização, ou mundialização, como
um processo de homogeneização que está sendo contraposto por um processo
de resistência, de individualização e de regionalização através da formação
dos blocos econômicos e dos mercados regionais. A regionalização global em
rede é uma nova metodologia e estratégia para estudar a complexidade do
espaço através das partes, onde os fixos representam as estruturas e formas
materiais e os fluxos representam os elementos móveis, com fluidez.

78
AUTOATIVIDADE

1 A América Latina compreende 36 países, na maioria ex-colônias de potências


europeias de idiomas latinos e falam espanhol, português ou francês, e que
hoje são países com graves problemas sociais e com dependência econômica,
inclusive países colonizados por Holanda e Inglaterra, caso de Guiana,
Belize e Suriname. A expressão “América Latina” refere-se, de modo geral,
ao México, que se localiza na América do Norte, e a todos os países da
América Central e da América do Sul. Observação: A ilha da Groenlândia é
uma possessão da Dinamarca, não é considerada neste contexto histórico-
cultural e econômico. Pinte o mapa identificando a América Latina e Anglo-
saxônica e complete a legenda.

Continente Americano

OCEANO
ATLÂNTICO

OCEANO
PACÍFICO

FONTE: Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfvr4A


D/exercicios-revisao-sobre-continente-americano>. Acesso em: 20
fev. 2015.

2 Uma regionalização tradicional ainda utilizada na geografia é a que


considera os países agrupados por continentes. Com o surgimento dos blocos
econômicos supranacionais, alguns destes se restringem a agrupar países
de apenas um continente, enquanto outros agrupam países de continentes
diferentes. Disserte sobre a União Europeia, no contexto das relações
internacionais e políticas internas em relação às questões econômicas.

79
3 No texto sobre o MERCOSUL, refletimos sobre a admissão da Venezuela
como Estado-membro pleno no Mercosul em julho de 2012. Observe o mapa.

FONTE: Disponível em: <https://viajantecolorido.com.br/viaje-com-o-seu-rg/paises-mercosul/>.


Acesso em: 27 abr. 2018.

A admissão da Venezuela se deu em meio a uma situação inusitada, após


discussões polêmicas, pela sua localização geográfica no norte da América do
Sul, e possui fronteiras apenas com o Brasil e não com os demais membros,
o que poderia beneficiar os dois países em detrimento dos demais do bloco.
A questão geográfica e geoeconômica da Venezuela foi o principal pretexto
para não questionar, diretamente, o governo de Hugo Chávez. Disserte
sobre o contexto apresentado, explicando a necessidade de estudos e análises
geográficas do ponto de vista de novas regionalizações.

80
UNIDADE 1
TÓPICO 4

TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS


AGENTES

1 INTRODUÇÃO
Analisando a urgência e as necessidades que configuram o espaço mundial,
onde pipocam conflitos armados, migrações, conexões e redes, faz-se necessário
apresentar uma reflexão sobre os territórios e os processos de desterritorialização
e de reterritorialidade, que são acompanhados por relações de poder, identitárias
e de pertencimento, tanto de caráter material como simbólico.

As redes geográficas adquiriram uma importância estratégica no contexto


atual, a ponto de questionar poderes tradicionais de controle e coerção. A rede
pode ser definida como um conjunto de nós interconectados. Nó é um ponto
no qual uma curva se interconecta. Os nós das redes podem ser representados
por vários elementos do espaço, como, por exemplo, centros urbanos, bolsa de
valores, sistemas de televisão, modais de transportes etc. As redes são o meio
através do qual se desenvolvem e se manifestam os diferentes tipos de fluxos,
conforme o tipo de rede e seus nós. (ALMEIDA, 2013).

2 TERRITÓRIOS
O território pode ser definido, sumariamente, como uma área ou uma
porção espacial delimitada, sob posse de uma pessoa ou um grupo de pessoas,
como também de uma instituição ou organização. Ainda, território diz respeito
à apropriação de uma parcela do espaço geográfico por um indivíduo ou uma
coletividade. Politicamente falando, o território compreende as terras emersas,
o espaço aéreo, os rios, lagos e as águas territoriais, sob a jurisprudência do
Estado Nacional.

A geografia é também a ciência dos territórios, das redes, das


territorialidades como mecanismo de fortalecimento das lutas sociais, seja
dos horizontes democráticos possibilitados pela atuação em redes, seja pela
espacialização. Ainda prevalecem posições dicotômicas que demonstram
incompatibilidade da associação e complementaridade entre as redes e território,
argumentado que são lógicas espaciais distintas e irreconciliáveis. Por outro lado,
mesmo admitindo suas especificidades, prevalece um entendimento que aponta
na direção das possibilidades de uso conjugado dos dois conceitos, amparado em
reciprocidades e implicações, surge assim o conceito território-rede.

81
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Para facilitar sua reflexão, analisar-se-ão, inicialmente, as múltiplas


concepções do conceito território, bem como os processos de territorialidade e
desterritorialidade.

3 CONCEPÇÕES DE TERRITÓRIO
Para a palavra território, Haesbaert (2007) destacou dois sentidos
originários do latim: um com conotação de terra (que se encontra com uma
definição naturalista), tomando o território como materialidade; e o outro,
relacionado aos sentimentos que o território provoca, ou seja, “[...] medo para
quem dele é excluído, de satisfação para aqueles que dele usufruem ou com
o qual se identificam” (HAESBAERT, 2007, p. 44). Este segundo sentido traz
componentes de limites e/ou de fronteira no conceito de território bem definidos
que demarcam a exterioridade e/ou alteridade. Juntando os dois sentidos, surge
a concepção de território como área, superfície ou extensão de terra, controlada
por uma jurisdição político-administrativa, base geográfica da soberania de
um Estado, para com a qual existe um sentimento de pertença, de inclusão do
cidadão. Desta forma, na geografia, pensar o território como conceito, implica
pensar a presença de um poder que delimita o território (mesmo que ainda
reduzido ao poder estatal) com fronteiras demarcadas, pressupondo a existência
de uma exclusividade de uso (dos recursos) que se configura pelo controle e pela
soberania nacional.

O conceito de território clássico (tradicional) cuja definição passava pela


simples ideia de relações de poder e demarcação de um determinado espaço de
um país ou Estado-Nação. O território passou a ser entendido como extensão
apropriada e usada. Nos últimos anos com a globalização para explicar a noção
de território é preciso considerar a complexidade na definição de recortes
territoriais, fruto de diversos fatores agindo em múltiplas escalas. (SANTOS;
SILVEIRA, 2008).

[...] a concepção de território na tradicional Geografia Política, fixado


na escala nacional e assentado na figura do Estado-nação, pres­supunha
limites espaciais e temporais com pequena mobilidade, pois, entende
a durabilidade como geradora de raízes e identidade sociocultural.
As durabilidades das fronteiras nacionais permitiram a construção
da ideia de fixidez dos territórios, naturalizando as fronteiras estatais.
(SOUZA, 2009 apud NETO, 2013).

O território é também espaço de controle e exercício de poder político, um


espaço de acesso controlado pelo Estado Nacional, no qual ocorrerem processos
e dinâmicas sociais. No entanto, com a atual debilidade de alguns Estados há
uma ressignificação das fronteiras, as quais poderão estar abertas em relação
às bases econômicas, mas fechadas ou vigiadas com mais rigor em relação à
dimensão humana, apesar do aumento da mobilidade populacional. Território
pode ser definido em função da racionalidade da produção do próprio espaço, de
sua independência técnica. O modo como o Estado Nacional, tradicionalmente,

82
TÓPICO 4 | TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

organiza o território (juridicamente) faz com que alguns se tornem mais aptos que
outros, permitindo com que determinadas atividades se instalem. O território,
no sentido tradicional, político, como no sentido contemporâneo e pós-moderno,
tem relação com controle, com poder, movimento, inclusão, exclusão. Em relação
à dimensão “poder” diz respeito tanto no sentido mais concreto, de dominação,
quanto no sentido mais simbólico, de apropriação (HAESBAERT, 2007)

Santos (2009) apresenta a noção tradicional de território como uma


parcela do espaço submetido a uma lei, a instância jurídica a qual estabelece
comportamentos e sanções formando porções espaciais formais e instituídas.
“O espaço territorializado, delimitado e controlado, se refere a uma porção da
superfície terrestre”. (SANTOS, 2009, p. 5). Seu caráter político (naturalizado) é
antigo, estudado desde Friedrich Ratzel, no século XVIII. Atualmente, a temática
da territorialidade é mais abrangente e crítica e vai da complementaridade entre
as dimensões política e cultural da sociedade, à flexibilidade da visão do que seja
território. Uma destas dimensões de base cultural vê o território como um espaço
simbólico, com referências identitárias de valores e sentimentos.

Corroborando, Souza (2008) explica que a palavra território normalmente


evoca seu caráter ideológico, ou seja, o “território nacional”, remetendo-nos ao
Estado Nacional, gestor do território, para o qual convergem elementos, porções
do espaço (maiores e/ou menores) sentimentos patrióticos, governo, dominação,
guerras, delimitações, vigilância etc. A associação do território à escala nacional,
cujo Estado é gestor, o qual perde privilégios com a globalização, não deve ser
única. Territórios existem e são construídos e des/re/construídos nas mais diversas
escalas, da mais simples e acanhada, na escala do lugar e/ou local, à internacional
e/ou supranacional. Devem também ser consideradas as escalas temporais nestes
processos, pois os territórios podem ter um caráter mais ou menos permanente,
uma existência periódica, cíclica e até de certa forma instável e volátil.

O Estado Nacional necessita ressituar-se diante do contexto


contemporâneo, uma vez que a globalização, principalmente a econômica,
abalou as bases sociais que garantiam certa clareza e continuidade às categorias
de pensamento geográfico, provocando uma mudança de lugar e significado
na noção de território e fronteira, bem como no conceito de província e estados
membros e limites entre os mesmos, no lugar e na paisagem gerando novas
maneiras de estudar, analisar e representar o mundo. A transnacionalização do
território é uma das novas interpretações, onde o território, visto como planetário,
ou como um todo, é complexo e problemático, onde se desenvolvem processos e
estruturas que configuram globalismo, globalização e mundialização capitalista,
onde os atores principais são os conglomerados transnacionais (IANNI, 2007).

Na contemporaneidade, a noção de território recebe novas interpretações


e é revestido por novos conteúdos e conduz a novos comportamentos. A ciência,
as técnicas e as informações criam condições para uma maior especialização do
trabalho nos lugares, para a valorização de áreas periféricas e para a remodelação
de áreas já ocupadas. A territorialidade, como processo, se expressa na relação

83
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

e interação que os indivíduos, organizações e instituições estabelecem o


território ou com o espaço geográfico, configurando diversas territorialidades,
as quais são flexíveis, dinâmicas, individuais e coletivas. A relação homem versus
espaço vem constituindo os territórios e construindo territorialidades, onde se
estabelecem relações de poder e soberania, existem também as relações sociais
entre os homens. As territorialidades e as des/re/territorialidades são conjuntos
de relações e interações que se estabelecem no tripé: sociedade – espaço – tempo,
numa busca incessante de autonomia compatível com os recursos do sistema em
vigor. Em vista da diversidade e dinâmicas dos fatores a serem consideradas na
relação do tripé, as des/re/territorialidades podem ser estáveis e menos instáveis
(HAESBAERT, 2007).

TUROS
ESTUDOS FU

Na Unidade 2 estaremos nos aprofundando sobre o tema da transnacionalização


dos territórios através das relações de poder dos Organismos Supranacionais e Empresas
Transnacionais.

Continuando a refletir, Haesbaert (2007) conceitua território a partir de


duas linhas de raciocínio. Uma, materialista, onde território é compreendido no
sentido de materialidade, de espaço fixo, real, associando-se a distância física e é
ao mesmo tempo recurso natural e área de abrigo. Na linha relacional o território
é compreendido como elemento constituidor da sociedade. Numa visão mais
simples, território é o espaço de localização econômica com dependência de
relações locais, onde se estabelecem os fixos, os nós das redes e onde as empresas
necessitam dos lugares para se re/organizarem e produzirem mercadorias. Numa
visão mais complexa, o território é também movimento, fluidez, interconexão e
temporalidade.

As sociedades atuam sobre o espaço e transformam a natureza e seus


elementos com o trabalho, utilizando a técnica, expandida hoje nas e pelas
indústrias, tecnologias e maquinários robotizados. A ocupação com transformação
é produtora de habitats, de formas diferenciadas de uso dos recursos (tribos de
nativos americanos, africanos; comunidades tradicionais e sociedades urbano-
industriais de diferentes países). Identificamos um território em particular, quando
em uma determinada área há ocupação por um grupo que a habita, produzindo
seu habitat com características específicas que advém de uma cultura e de uma
forma própria de uso dos recursos existentes. (HEIDRICH; HEIDRICH, 2010).

84
TÓPICO 4 | TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

Para Haesbaert (2007) o território político ou território zona é uma


construção histórica, política e social, resultado das relações de poder, as quais
podem ser concretas, pelas conquistas, pelo movimento, pelo trabalho e pela
técnica e, principalmente simbólico, a partir da constituição de identidades, do
sentimento de pertença, que envolvem, concomitantemente sociedade e espaço
geográfico. A formação socioespacial do território brasileiro teve início com o
acordo do Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, entre Portugal e Espanha,
antes mesmo de sua descoberta, mediado pelo papa da Igreja apostólica Romana.
Com a colonização portuguesa e espanhola na América do Sul, durante mais
de três séculos, as conquistas e a apropriação pela posse das terras exigiu novos
acordos e tratados de limites. Durante o século XVIII, as relações de poder entre
Portugal e Espanha, na Europa, resultaram no Tratado de Madri, que deu ao Brasil
uma configuração territorial, idêntica à que possui atualmente. Neste período
histórico, apenas no Sul, na região dos Sete Povos das Missões existiram disputas.
A convergência e participação de atores, como os bandeirantes paulistas e padres
jesuítas, pelo movimento e pelo trabalho em relação aos indígenas reunidos nas
missões, resultaram em novos acordos. Com o passar do tempo, entre os séculos
XVIII e XX, a identidade da nacionalidade brasileira foi sendo construída.

O território incorpora tanto uma dimensão política quanto as dimensões


econômicas e culturais, pois está diretamente relacionada ao modo como as
pessoas utilizam a “terra”, ou porções da superfície, ou seja, como se organizam
no espaço geográfico e como dão significado aos lugares onde vivem. Muitas
concepções clássicas de território são construídas em cima de dicotomias ou
dualidades. O conceito, no entanto, é múltiplo, se estendo das esferas individuais,
locais quanto para esferas coletivas e mundiais ou planetárias.

As concepções contemporâneas de território, territorialidade e des/


reterritorialização devem inserir a interação dos movimentos, como, por exemplo,
a fixação e a mobilidade no e pelo movimento. Territórios construídos através da
mobilidade humana não é novidade. Os povos nômades, os comerciantes e suas
caravanas em suas rotas de deslocamentos integravam controle e experiências
sobre o espaço através de redes, ou seja, estruturavam território-rede em termos
tradicionais. No cotidiano, nós podemos passar de um território para outro, pelo
e no movimento. Por exemplo, cidadãos trabalhadores percorrem o território
familiar e o território do trabalho, cada qual com seus agenciamentos, seus
controles e redes.

85
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

4 TERRITORIALIDADES
O território e a territorialidade possuem multiplicidade de manifestações
e de exercício de controle e poder, incorporados através dos múltiplos agentes/
sujeitos envolvidos. É necessário analisar os territórios de acordo com os sujeitos
que os constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais ou instituições como
Estados, empresas, religiões e outros. As ações de exercício de poder, de soberania
e de controle social pelo espaço podem mudar conforme a sociedade e a cultura,
do grupo e/ou do indivíduo. Pode-se controlar uma porção do espaço geográfico
exercendo influência e poder sobre pessoas próximas, grupos sociais, fenômenos,
relacionamentos e/ou estruturas.

A territorialidade, fenômeno comportamental de relações socioespaciais,


associadas à organização do espaço em esferas de influência ou de territórios
demarcados parcial ou radicalmente por seus ocupantes, agentes e/ou instituições,
pela posse ou pelo movimento. Fundada na exterioridade e interioridade, inclusão
e exclusão, a territorialidade faz referência à noção de limites e delimitação
através de marco construído histórico culturalmente, resultando na manifestação
de poder sobre área precisa. O exemplo mais elementar, dentro das sociedades
ocidentais, a posse da propriedade privada. Desse modo, dos Organismos
Supranacionais, passando pelos Estados até os indivíduos e por organizações
pequenas ou grandes encontram-se atores produzindo territorialidades, pois,
em graus diversos, em momentos diferentes e lugares variados somos todos
atores atuando sobre territórios. A complexa sociabilidade humana atua sobre
a territorialidade nas diversas escalas (políticas, geográficas, sociais, religiosas,
econômicas etc.), e pode ser estruturada, com base em três atitudes e sentimentos
coletivos: a identidade espacial, a exclusividade e a interação humana. A identidade
espacial é manifestada no sentimento de afetividade ou de  topofilia, conforme
Yi-fu Tuan; o senso de exclusividade, (geralmente um sentimento adormecido)
aflora quando existe uma ameaça de invasão; a interação espacial estabelece-se
num jogo de vantagens mútuas em função da proximidade (SANTOS, 2009).

Santos (2009) explica que a territorialidade é  um comportamento


humano espacial, cuja expressão de poder se constitui em uma estratégia
para afetar, influenciar e controlar o uso social de determinada porção do espaço
e o que nele contém. Essa porção do espaço, denominada território, está sob o
controle de autoridades regidas por um conjunto de leis, portanto, se trata de
um espaço organizado jurídico e politicamente. A acessibilidade a recursos,
como uma propriedade da territorialidade, ocorre em diferentes graus de
acesso, manifestando-se numa delimitação espacial, onde vigora uma forma de
comunicação, que evidencia controle de acesso tanto ao conteúdo interno quanto
à entrada/saída externa.

86
TÓPICO 4 | TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

5 DESTERRITORIALIZAÇÃO E RE-TERRITORIALIZAÇÃO
Ianni (2007) explica que a desterritorialização ocorre porque se multiplicam
e se agilizam os meios de comunicação, informação e decisão, tornando as coisas,
gentes e ideias voláteis ou volantes, porém, desterritorialização caminha lado a lado
com reterritorialização. Além de ser permeado por relações complexas de poder, o
território passou a contar com a (des) e ou (re) valorização das identidades culturais,
religiosas e étnicas, ora reforçando, ora destruindo, para reconstruir laços de coesão
e solidariedade, bem como capacidade de auto-organização social e política.

Parafraseando Guatatari e Rolnik (1986) apud Haesbaert (2007), os


territórios podem se desterritorializar, abrindo-se ou engajando-se em linhas
de fuga, e até sair de seu curso e se destruir. Simplificando, o autor explica
que a desterritorialização é o movimento pelo qual se abandona o território,
e reterritorialização é o movimento de sua construção, num movimento
indissociável. No cotidiano, nós podemos passar de um território para outro,
sem necessariamente destruir o território abandonado. Os trabalhadores móveis,
denominados de boia-fria, morador das periferias urbanas, facilmente em
deslocamento, estão também em constante processo de desterritorialização e
reterritorialização. Enquanto a colheita não chega, estes trabalhadores habitam
a periferia urbana num conjunto de agenciamentos tipicamente urbanos,
terceirizados, temporários, informais e muitas vezes até ilegais. Quando chega a
época da colheita, eles se desterritorializam do espaço urbano e se reterritorializam
no espaço agrário.

6 O TERRITÓRIO-REDE
Em relação à rede, algumas palavras-chave sintetizam sentidos nucleares
que retratam sua lógica espacial difundida pela literatura: conexão, ligação,
trama, mobilidade, fluxo, circulação, reticularidade, linearidade. Esses termos e
seus sentidos foram largamente acionados nos debates realizados sobre a rede
e o território. Haesbaert (2008) explica que nos dias atuais a forma de território
descontínuo, moldado fundamentalmente através do elemento “rede” passou
a dominar, se destacar e se impor. As atuais redes e suas articulações, muito
diferentes das tradicionais, integram o fenômeno da compressão tempo-espaço.

Assim, nas atuais concepções destes conceitos a dimensão tempo-espaço


é indissociável, sendo o tempo a quarta dimensão do espaço (TAYLOR, 2009).
O território-rede incorpora a mobilidade, facilitada e impulsionada pelos meios
tecnológicos, pela cultura digital e perspectiva totalizadora e integradora,
permeada pela descontinuidade espacial/material e aglomerados de exclusão.
As redes, enquanto “linhas conectadas e não superfícies” se estendem por quase
todos os lugares e se expandem tanto no tempo quanto no espaço, sem, no entanto,
preencher todo o tempo e todo o espaço (HAESBAERT, 2009). A concepção
de território-rede é mais complexa, o elemento rede aparece como um de seus
elementos constituintes territorializadores. A rede está sobreposta ou diluída na
superfície, compondo de forma indissociável o conteúdo territorial.
87
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

A própria rede poderá tornar-se território à medida que do ponto de vista


da pós-modernidade se tornou importantíssima. O território-rede se aproximaria
da noção rede-território, tamanha a importância da rede na formação territorial,
enquanto repetição de fluxos e de movimentos. Mudanças tecnológicas recentes
vêm a contribuir na reformulação das concepções de território, a ponto de
inclusão nos debates da noção de territórios móveis, não somente em seus limites
mais fluídos ou que mudam mais frequentemente em função da dimensão
simbólica. Assim, a territorialização se faz em torno de diversos territórios-
rede, frente à possibilidade da mobilidade acessível a todos os setores sociais,
econômicos e religiosos, que se constitui ao mesmo tempo em instrumento de
poder, extremamente diferenciado e que não pode ser sobrevalorizada.

Em sua reflexão sobre a noção territórios-rede, Haesbaert (2007) busca


apoio nos territórios tradicionais, controlados pelas fronteiras, que continuam
sob o controle dos Estados-Nações, denominados territórios-zona. Os elementos
relativos aos limites ou fronteiras dos territórios-redes são motivo de preocupações
entre os teóricos. A discussão perpassa a questão jurídico-político, que apresenta
formas de controle ou limitação das redes que impedem que elas se desenvolvam
ao infinito. Na pós-modernidade existe certo controle sobre a mobilidade dos
fluxos/redes, assim como por suas diversas conexões. Na medida em que o
movimento se tornou elemento fundamental na (re)construção do território
surgiram contrapontos limitantes entre os antigos territórios-zona e os chamados
territórios-rede.

A territorialidade tradicional dos territórios-zona, focados na lógica estatal


de controle dos fluxos que definem mecanismos de domínio de áreas, ora se
contrapõem, ora complementam os territórios-rede, que baseados principalmente
na lógica empresarial controlam fluxos canalizados prioritariamente através de
nódulos de conexão que garantam maiores resultados econômico-financeiros.

TUROS
ESTUDOS FU

A multiterritorialidade pós-moderna, com princípios de multifuncionalidade,


multiescalaridade, flexibilidade e versatilidade, se estende por entre setores formais, informais
e ilícitos. Exploraremos no próximo tópico a relação entre o mercado financeiro mundial e
a economia criminal, redes e territorialidades.

88
TÓPICO 4 | TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

7 AGLOMERADOS DE EXCLUSÃO
O principal objetivo deste Caderno de Estudos e da disciplina é
estudar o espaço mundial, sua regionalização e organização, numa perspectiva
paradigmática emergente complexa, multidimensional, contemporânea e pós-
moderna. Desta forma, Haesbaert (2007) apresenta três “tipos ideais” em relação
às formas de organização espaço-territorial: os territórios-zona, os territórios-
rede e os aglomerados de exclusão.

A lógica dos territórios-zona mais tradicionais, forjados nos domínios dos


Estados-Nações da modernidade, com áreas, limites e/ou fronteiras, (a maioria
bem demarcadas e algumas bem vigiadas) com grupos sociais mais enraizados,
nos quais a organização em rede adquire um papel secundário e/ou paralelo e
complementar a este. Impõem-se sobre estes, as características da modernidade,
que apesar das contestações persistem. Concomitantemente, surge a lógica
descontínua dos territórios-rede, a qual admite sobreposição territorial na
partilha de múltiplos territórios, referindo-se menos ao controle espacial e mais ao
controle de fluxos (canalizações ou dutos), e/ou conexões (emissores, receptores
ou simplesmente relais). As redes subordinam os territórios-zona, produzindo
formas diferentes de desterritorialização, as quais resultam nos aglomerados de
exclusão.

Haesbaert (2008), ao escrever a introdução ao tema, aglomerados de


exclusão, se refere aos fenômenos da modernidade: urbanização, industrialização,
funcionalidade e utilitarismo capitalistas, cujas estruturas e formas permanecem
e se apresentam na pós-modernidade. Existem assim, espaços geográficos e
territórios diferenciados, ora com concentração de meios técnico-científico-
informacionais resultando nas regiões concentradas e/ou espaços com geometrias
arquitetônicas padronizadas, os quais seriam espaços “arrasados” e padronizados
a feição do modelo dominante (agricultura comercial irrigada, mineração em
grande escala, meios de transportes com linhas sem fim e bairros urbanos com
condomínios cada vez mais fechados e protegidos, considerados espaços sem
história e sem identidade). Ambas as espacializações são servidas por conexões
de redes informacionais, conectam os capitalistas com as bolsas mais importantes
do mundo, aceleram a circulação da elite planetária, seja pelo turismo, pelo
intercâmbio ou trabalho e negócios.

Ribeiro (2008) refere-se às “elites extraterritoriais” para definir e


caracterizar uma parcela da população dos países centrais ou emergentes como
um grupo que declarou e pratica certa independência frente ao espaço, ou seja,
para estas não haveria restrição espacial. Explicando, o autor mostra que estas
elites conquistaram a independência em relação aos territórios dos Estados-
Nações não se submetendo (parcialmente) ao poder político e cultural exercido
por estes Estados, privilégio desfrutado por poucos que viajam frequentemente,
consumindo mercadorias e lugares. De forma metafórica, o autor denomina
“vagabundos” os que compõem a parcela, (mais numerosa e significativa, e
situada no extremo oposto) “para quem o espaço é uma verdadeira prisão, um

89
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

peso a fixá-los em uma única escala ou, no máximo, transportá-los não segundo
seus desejos e aspirações, mas de acordo com as demandas do mercado de
trabalho”. (RIBEIRO, 2008, p. 6). Produziu-se uma massa de despossuídos sem as
menores condições de acesso a estas redes e sem a menor autonomia para definir
seus “circuitos de vida”. Essa massa estrutural de despossuídos, desempregados,
incluindo inclusive os trabalhadores de chão de fábrica, trabalhadores informais,
terceirizados, temporários, fruto do novo padrão tecnológico imposto pelo
capitalismo, fica marginalizada, a parte do processo de produção e consumo
de bens mínimos de sobrevivência, moradia e de mobilidade, formando assim
verdadeiros amontoados humanos, os “aglomerados de exclusão”. (SENE, 2014)

Como consequência desta contradição, o acirramento dos impasses e


embates entre as parcelas da população de determinados países que contam com
um domicílio e um emprego permanente e as que vivem à deriva, à procura de
uma subsistência precária e de um alojamento provisório, produzem tensões,
conflitos, insegurança, territorialismos, extremismos e movimento de multidões.

O crescimento e expansão em número de indivíduos nos aglomerados


pelo mundo contemporâneo não é fenômeno exclusivo do grupo de países do que
costumamos denominar Terceiro Mundo ou Sul Subdesenvolvido. Os excluídos,
ou as multidões de despossuídos e de “deslocados”, ou os trabalhadores que
conseguem atender apenas as condições mínimas de sobrevivência crescem a cada
dia. O resultado são migrações maciças de trabalhadores de países periféricos ou
emergentes para países centrais na ilusão de trabalho e melhores condições de
vida. O desemprego estrutural afeta as diversas sociedades e a proliferação dos
aglomerados humanos, ora menos visíveis e compactos espacialmente, ora mais
visíveis, são expressivos em várias partes do mundo.

Na escala mundial ou planetária, alguns aglomerados, resultantes de


processos diversos e complexos de exclusões, estão em situações de miséria, penúria
e até de sobrevivência limítrofes para a condição humana. Os acampamentos de
refugiados, os sem-teto urbanos, (lumpers, dos países centrais), são cada vez mais
numerosos, cujo número de indivíduos só tende a aumentar, possuem precárias
condições de organização e segurança, contando com a ajuda humanitária para
atendimento de suas necessidades básicas, ao menos parcialmente.

Entre os casos mais graves de refugiados, o dos somalis se destaca. A


população da Somália expulsa e/ou fugindo da guerra civil, que por sua vez
agrava a fome, concomitante à ocorrência de estiagens cíclicas. Os países vizinhos
como o Quênia e a Etiópia são os que mais tem recebido esta população somali
refugiada, que estendendo suas tendas por terrenos estéreis só tem agrupado ou
reunido milhares de pessoas que sofrem de desnutrição aguda e agonizam em
meio à aridez e fata de infraestrutura. Mas há campos de refugiados também na
Ruanda, Afeganistão, Bósnia, Moçambique, Paquistão e outros. De acordo com
Foulkes (2014), da BBC de Genebra, “O número de pessoas forçadas a deixar
suas casas devido a guerras ou perseguição superou a marca de 50 milhões em
2013 pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, informou a agência de

90
TÓPICO 4 | TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

refugiados da ONU”. Refugiados da Síria, República Centro Africana e Sudão do


Sul estão multiplicando os números já alarmantes.

A situação de penúria, insegurança e transitoriedade vivida nos


acampamentos de refugiados é problemática no sentido de preservação e
atendimento das necessidades básicas. Mas, talvez a condição humana mais
crítica e dramática seja a dos “lumpen” – “sem-teto urbanos”, que são cada vez
mais numerosos, desde a Índia, Rússia, Estados Unidos, Brasil e demais países em
pleno processo de urbanização e/ou em reestruturação econômica. O conjunto dos
indivíduos denominados “sem-teto urbanos” seria uma espécie de aglomerado
flutuante, disperso, que mergulha nos dutos das redes legais (por habitarem as
galerias das redes de esgotos) e se aloja nos públicos, de propriedade Estatal, e/
ou propriedades privadas abandonadas obsoletas, permeados pelos territórios
controlados pelas elites empresariais e demais indivíduos ditos cidadãos.

Consequentemente, as questões demográficas estão voltando à tona entre


as discussões de intelectuais e política pública, uma vez que a massa de miseráveis
do planeta tem causado preocupações no que tange à reprodução biológica, à
indigência e às epidemias. Os aglomerados de exclusão não cessam de crescer,
tanto em número de indivíduos como em aglomerados (flutuantes, dispersos
e/ou fixos), ameaçando tanto o futuro como a saúde ecológica do planeta. Este
seria um dos níveis de desterritorialização mais contraditório e complexo, porém,
não estanque, nem rígido, pois pode haver a reterritorialização através da (re)
construção de identidades tradicionais, novas e até as forjadas simultaneamente
com a ação das atividades e redes de economia informal, e num outro extremo
aliciamento para atividades criminais, ilícitas e terrorista.

7.1 TERRITORIALISMO: O MAU USO DA TERRITORIALIDADE


Outra expressão muito divulgada nos meios midiáticos é “territorialismo”.
A expressão definida pelo mau uso da territorialidade, quando se valoriza de
forma exacerbada o território de pertencimento, ao ponto de pretender excluir o
outro, considerando-o diferente, invasor, imigrante, ilegal e/ou pobre e miserável.
Este termo tem sua origem relacionada com a visão animalesca, de demarcação,
de defesa, de expulsão do território, de quem não foi convidado ou não é bem-
vindo. Há uma tendência de naturalização em detrimento de sua historicidade do
território em questão. Os sentimentos territorialistas são associados ao terrorismo
e podem ser consequência tanto da exclusão econômica como da diferenciação
através da valorização do que é meu ou nosso, em detrimento da inferiorização
do que é do outro (questão cultural, religiosa, étnica), diante das mudanças
trazidas pela pós-modernidade. Existe uma sensação de vazio centrado na
percepção de vida sem significado e sem objetivos, e estes sentimentos podem
ser redirecionados tanto à violência indiscriminada, como também sem sentido
quanto ao aparecimento dos fundamentalismos.

91
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

O terror foi usado em diferentes momentos da história para conseguir o


poder ou para manter-se nele, e poder, aqui, tem o sentido de territorialidade,
de controle sobre o que está inserido neste, bem como sua expansão. O início
do século XXI marca uma nova era do terrorismo internacional, iniciada com
os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Em consequência,
os EUA e alguns países europeus elegeram o terrorismo islâmico, como um
novo inimigo, definiram políticas que atingiram as relações internacionais.
Consequentemente, as fronteiras foram rediscutidas, os mercados das bolsas de
valores foram atingidos e uma cultura de atenção e de combate aos extremistas se
disseminou entre a população estadunidense e europeia.

No Caderno de Estudos da Geografia Política já foi explicado o conceito


de terrorismo na extensão histórica e os vários contextos e tipologias destas ações
sistemáticas de uso da violência para criar situações de medo coletivo, visando
algum objetivo político e não cabendo aqui sua revisão. No entanto, tendo em
vista os objetivos deste caderno em discutir e refletir sobre a organização do
espaço mundial, do ponto de vista de critérios contemporâneos e complexos,
podendo haver alternância entre aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais,
étnicos e religiosos, os quais têm de alguma forma influenciado a espacialização
de fenômenos geográficos, refletiremos sobre o terrorismo internacional, tendo
em vista seus desdobramentos em várias áreas do conhecimento.

No terrorismo internacional as ações de grupos fundamentalistas se


voltaram contra a expansão e imposição de valores morais, políticos, sociais,
econômicos e culturais do mundo ocidental. A tradição religiosa, latente em
alguns grupos extremistas, elegeu os Estados Unidos um inimigo a ser destruído.
Outros atentados terroristas de menor impacto ocorreram, inclusive na Europa,
deixando todo o continente em alerta.

NOTA

Fundamentalismo: crença absoluta nos preceitos de uma religião e a necessidade


de impô-la a outros, através da força e ações extremas. O fundamentalismo islâmico tem a
pretensão do Islã de instituir Estados Islâmicos e tornar-se uma nova força mundial, exigindo
unidade entre religião e política, nos países por ele dominados. Os fundamentalistas islâmicos
lutam pela fundação de Estados nos quais não exista a separação entre Estado e religião,
a Sharia (conjunto de normas e preceitos baseados no Alcorão, que constituem o Direito
Islâmico), interpretada de forma rígida, seja aplicada no cotidiano político, econômico e
social. (ALMEIDA, 2013).

92
TÓPICO 4 | TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

8 A REDE TERRORISTA AL-QAEDA: EXEMPLO DE


TERRITÓRIO-REDE CONTEMPORÂNEO
Haesbaert (2007) recorre ao exemplo da rede terrorista Al-Qaeda
para ilustrar a configuração dos territórios-rede e a diversidade de modos de
organização espaço-territorial. Este exemplo dará suporte para entendermos
mais adiante outros conceitos. A espacialidade da rede Al Qaeda, considerada por
alguns intelectuais desterritorializada, usufrui, na opinião do autor, de diferentes
tipos de territórios, enquadrando a multiterritorialidade complexa. A riqueza
acumulada por seus líderes, paralela à força de mobilização de seus símbolos
religiosos, permitiu aos membros da Al-Qaeda fazer uso de uma multiplicidade
de tipos de territórios, pelo menos em seu sentido funcional, enquanto construiu
e consolidou um território-rede mundializado, flexível, em constante processo de
des-re-territorialização.

Gray (2004) apud Almeida (2013) descreve a Al-Qaeda como uma


organização moderna (no sentido de atual), uma rede mundial, com postos
avançados em regiões que nenhum Estado controla. O autor destaca que apesar
dos Estados Unidos possuírem uma superioridade militar inquestionável sobre
todos os outros Estados, eles continuam vulneráveis a um ataque devastador.
A título de exemplo, o risco crescente de terrorismo cibernético: a disseminação
dos conhecimentos computacionais avançados entre os soldados de exércitos
sem Estado cria o potencial de uma guerra cibernética voltada a alvos civis,
como aeroportos, usinas elétricas, redes de abastecimento de água e estruturas
de comando militar. A pirataria na internet já foi utilizada pelos zapatistas do
México para tumultuar os mercados financeiros. Houve relatos de que a Al-
Qaeda fez tentativas semelhantes.

Ao comparar os atentados da Al-Qaeda (nos EUA e na Europa) aos atos de


uma guerra não convencional, mas assimétrica na qual o lado mais fraco procura e
explora as vulnerabilidades do mais forte, a Al-Qaeda obteve vantagens rejeitando
convictamente o individualismo. A força de aglutinação e mobilização baseava-
se na valorização das relações de confiança entre os membros da organização,
as quais ultrapassavam justificativas e argumentações racionais (e fronteiras) na
medida em que estes sujeitos estavam dispostos a ir até a morte. As sociedades
liberais não podem duplicar esta solidariedade suicida. Nelas, os valores da
opção pessoal e da autorrealização estão profundamente codificados, e seus
Estados estão fadados a se defender. Com o uso de tecnologias de espionagem,
reconhecimento de rostos, os Estados Modernos liberais vêm adquirindo poder
de vigilância sem precedentes sobre a população dentro de suas fronteiras. No
esforço de encontrar potenciais terroristas em seu meio, estão submetendo toda
a população a um alto nível de monitoramento. O preço do individualismo está
sendo a perda da privacidade.

A complexibilidade e flexibilidade da rede terrorista são provas de que seu


poder advém, em parte, da versatilidade com que consegue circular em torno de
várias territorialidades de nosso tempo, beneficiando-se de suas distintas vantagens.

93
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Pode-se afirmar que enquanto a rede estava em atividade e sendo “procurada”


por organismos ou instituições de inteligência internacionais, os mentores da rede
usufruíram tanto das prerrogativas do território-zona, como do território-rede para
esquivar-se e pôr em ação uma série de atividades. As cavernas das montanhas
próximas de Kandahar eram utilizadas como abrigo e proteção, que eram
privilegiadas devido a sua localização em meio a montanhas de relevo acidentado e
de clima frio e árido, interligadas por galerias subterrâneas de vários andares, eram
ao mesmo tempo dotadas de autonomia para a sobrevivência de um grupo de mais
de oitenta pessoas, por um período de pelo menos seis meses. O mais interessante
era a conexão destas cavernas às redes do ciberespaço, ou seja, à internet, de onde
partiam as ordens para as atividades terroristas (HAESBAERT, 2007).

A multiterritorialidade ainda era constituída de campos de treinamento


em áreas isoladas do interior do Afeganistão (quartéis-generais) não somente
para os membros da Al-Qaeda, como para os militantes do Talibã e outras
redes menores, mais localizadas. Estados-Nações que os apoiava ou apoiaram,
como participação em redes econômicas globais ilícitas, como a de exploração e
comércio de diamantes (a partir de Serra Leoa), e, a rede financeira (de lavagem
de dinheiro), onde realizavam seus investimentos (principalmente através da
suíça e da Irlanda). Outra característica: grande parte dos ativistas da rede Al-
Qaeda eram cidadãos globalizados ou globais, de ampla circulação internacional,
e que construíram células (territórios-zona menores) em espaços não específicos,
como residências em bairros de classe média, em grandes metrópoles de países
centrais (Hamburgo, Londres, Nova Iorque, por exemplo). Cabe destacar a
multifuncionalidade das células alternando entre a hibernação/inatividade e
ativação para fins de arrecadação de fundos, atividades pacifistas e/ou extremistas.

Uma característica pós-moderna, mais ampla dentro deste processo de


des-re-territorialização do grupo Al-Qaeda, na constituição de seu território-rede
é sua carga simbólica condensada em alguns pontos mais específicos do espaço. A
escolha de alvos específicos também é marcada por esta carga simbólica. O World
Trade Center, Pentágono, grandes hotéis, estações de metrôs, eventos abertos e
públicos, como maratonas.

Percebeu-se que um dos trunfos desta organização na manutenção de seu


território-rede amplo, foi o fato de este ser globalizado e dotado de flexibilidade,
se contrapondo a pouca flexibilidade dos domínios dos Estados-Nações. Os
territórios-zona (Estados-Nações) não representaram em nenhum momento o
centro da organização, apenas servia como apoio logístico à rede. Os escolhidos
eram alguns Estados com a territorialidade fragilizada, instável, como a Somália
(dividida em pelo menos três unidades políticas), o Sudão (com a mais guerra
separatista) e o Afeganistão (onde a repressão talibã e depois a guerra ao terror
não suprimiu as inúmeras diferenças clânicas internas).

Outra faceta da rede, apontada por Haesbaert (2007), é a possibilidade de


a rede Al-Qaeda ativar as células que se conectam à rede e desativadas a qualquer
tempo, o que lhe confere um caráter maleável, a ponto de funcionar mais como

94
TÓPICO 4 | TERRITÓRIOS E TERRITÓRIOS-REDE DE MÚLTIPLOS AGENTES

um rizoma, com subrredes replicantes, seguindo por vários cantos, sem controle
direto da organização. Trata-se também de aglutinar forças e alimentar a rede
terrorista ou de reterritorializar em torno de seus territórios-rede alguns dos
grupos sociais mais desterritorializados, ou seja, naquilo que o autor denominou
de “aglomerados de exclusão” como os refugiados palestinos, sírios, libaneses e
outros, ou populações mais pobres do interior do Afeganistão.

Apesar da aparente imprevisibilidade e “desregulação” de ações terroristas


da rede, estas se contrapõem a uma estratégia territorial muito dinâmica, bem
montada em termos de articulação, dependendo da perspectiva do território-
rede, bem como, da conjugação das benesses dos Estados-Nações com poderes e
aparato jurídico legal local e/ou noutros momentos as benesses das redes globais.
O resultado: mobilidade, fluidez, descentralização e fragmentação espacial,
articulação complexa e multiescalar, que permite ao terrorismo internacional
acionar vários tipos de “recursos territoriais” desde a base física natural como
as cavernas das montanhas do interior de Afeganistão, até as redes técnicas mais
sofisticadas da globalização.

Uma das leituras necessárias em relação ao terrorismo é a de que a eficácia


do poder, atualmente, passa pela capacidade e agilidade (velocidade) de atuar
nas mais diferentes escalas ou deslizamento de escalas para atuar em diversos
territórios articulados em rede, usufruindo das vantagens que cada um deles
proporciona. O poder pode estar nas mãos de quem é capaz de “jogar” ou de
atuar neste processo de deslizamento de escalas (BENKO, 2001).

95
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O território é a base material e legal para as estruturas que compõem o espaço,


onde se localizam os nós e os fixos das redes. Tradicionalmente, o território é
conceituado como a parcela do espaço geográfico ocupado e delimitado por
uma sociedade política e juridicamente organizada no Estado-Nação, porém
as territorialidades não dizem respeito apenas aos Estados Nacionais.

• Na contemporaneidade, o conceito de território é bem mais amplo e


complexo, por abarcar uma concepção e domínio e uso tanto pela posse
como pelo movimento, por indivíduos, grupos sociais, empresas, instituições
e pela sociedade. Vinculado ao exercício de poder e de certa autonomia e
soberania (do mais restrito ao mais amplo), a delimitação de fronteiras (não só
internacionais) é uma constante. Dentro das fronteiras, a mobilidade passa a
ser livre. Ocorre, porém, que um determinado território poderá estar inserido
em outros, mesclando-se, e assim limitando o acesso e mobilidade.

• O território é múltiplo e, dependendo do exercício de poder e controle sobre o


mesmo, o movimento de seus atores e agentes poderá levar ou à inclusão, ou à
exclusão, que por sua vez conduzirá os grupos sociais e indivíduos a constantes
processos de des-re-territorialização.

• As territorialidades e as des/re/territorialidades são conjuntos de relações e


interações que se estabelecem no tripé: sociedade – espaço – tempo, numa busca
incessante de autonomia compatível com os recursos do sistema em vigor. Em
vista da diversidade e dinâmicas dos fatores a serem considerados na relação
do tripé, as des/re/territorialidades podem ser estáveis e menos instáveis.
A desterritorialização é o movimento pelo qual se abandona o território, e
reterritorialização é o movimento de construção de mesmo, num movimento
indissociável.

• A territorialização possui quatro objetivos básicos que se combinam conforme


o contexto em que se dão: território como abrigo físico (solo e subsolo sendo
fonte de recursos materiais/ meio de produção); relações socioespaciais, onde
identificam-se grupos com interesse comuns, circunscritos em dimensões
espaciais (fronteiras geográficas); o exercício de controle através do espaço, por
meio dos espaços individualizados; e construção/controle de conexões e redes.

• O território-rede incorpora a mobilidade, facilitada e impulsionada pelos meios


tecnológicos, pela cultura digital e perspectiva totalizadora e integradora,
permeada pela descontinuidade espacial/material e aglomerados de exclusão.
As redes, enquanto “linhas conectadas e não superfícies” se estendem por quase
todos os lugares e se expandem tanto no tempo quanto no espaço, sem, no
entanto, preencher todo o tempo e todo o espaço. A rede estaria sobreposta ou
diluída na superfície, compondo de forma indissociável o conteúdo territorial.

96
• Para Haesbaert (2007) existem os territórios-zona, que correspondem às
extensões espaciais dos Estados Nacionais, os territórios-rede com apropriações
espaciais descontínuas, que abarcam os fixos e fluxos das redes econômicas,
geopolíticas e culturais e os aglomerados de exclusão. Os aglomerados de
exclusão são espaços que funcionam como verdadeiras prisões para milhares
de pessoas, pois sua mobilidade e acesso às benesses da globalização são
restritos e até impossíveis.

• O territorialismo, definido como o mau uso da territorialidade, associado ao


terrorismo, em suas diferentes manifestações, desde a imposição da força e
do medo por facções criminosas e do tráfico, como grupos paramilitares e/
ou fundamentalistas religiosos. A rede terrorista Al-Qaeda é um exemplo de
território-rede, que estabeleceu territorialismo, principalmente, em países do
Oriente Médio. Ao organizar células (grupos de adeptos à causa da luta contra
o ocidente) em diferentes países, a Al-Qaeda se enquadra na concepção de
multiterritorialidade, por fazer uso de múltiplos territórios, caracterizados pela
flexibilidade, pelo dinamismo, pela complexidade e em constante processo de
des-re-territorialização.

• A possibilidade de a rede Al-Qaeda ativar as células espalhadas por diferentes


territórios, escamoteados em seus cotidianos (inativas, porém latentes), que
se conectam à rede para determinado fim, tornando-as ativadas (a qualquer
tempo), lhe confere um caráter maleável, a ponto de funcionar mais como uma
rede em forma de rizoma, com subrredes replicantes, seguindo para várias
direções, sem controle direto da organização e invisíveis para as autoridades
constituídas nos territórios políticos. Do ponto de vista do povo islâmico
extremista e da própria Al-Qaeda, trata-se também de aglutinar forças e
alimentar a rede terrorista ou de reterritorializar em torno de seus territórios-
rede alguns dos grupos sociais mais desterritorializados, ou seja, os que estão
em “aglomerados de exclusão” como os refugiados palestinos, sírios, libaneses
e outros, ou populações mais pobres do interior do Afeganistão.

97
AUTOATIVIDADE

1 Observe o esquema e leia o trecho a seguir, extraído de um texto de Haesbaert


e Porto Gonçalves (2006) que apresenta uma proposta de regionalização que
cujo título é: A Nova des-ordem geográfica mundial: uma proposta de
regionalização.

A nova des-ordem geográfica mundial:


uma proposta de regionalização

TERRITÓRIOS REDES
Distância Rede chinesa
Estado com
Cultural forte identidade
cultural
Difusão do islã

Estado
Semiperiferia Potência mundial

Oligopólio
Economia
Mundo Área de
influência da Rede mundial
rede mundial
Sociedade
Mundo
Fonte: LÉVY et al. (1992), atualizado.

98
O espaço mundial sobre a nova des-ordem é um emaranhado de zonas (áreas),
redes e aglomerados, espaços hegemônicos e contra hegemônicos que se
cruzam de forma complexa na face da Terra. Fica clara a polêmica que envolve
uma nova regionalização mundial. Como regionalizar um espaço (mundial)
tão heterogêneo e, em parte, fluído, com inúmeros fixos e fluxos!

O mapa procura representar a lógica espacial do mundo contemporâneo pós-


União Soviética no contexto do avanço da globalização e do neoliberalismo,
quando a divisão entre países socialistas e capitalistas se desfez e as categorias
de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos perderam sua validade explicativa.
Considerando este objetivo interpretativo, tal distribuição espacial aponta para:

a) A estagnação dos Estados Nacionais com forte identidade cultural.


b) O alcance da racionalidade anticapitalista.
c) A influência das grandes potências econômicas.
d) A dissolução dos blocos políticos regionais.
e) Alargamento da força econômica dos países islâmicos.

99
100
UNIDADE 1
TÓPICO 5

ESPAÇO JURÍDICO E A GEOGRAFIA

1 INTRODUÇÃO
Este tópico apresenta uma pequena reflexão a respeito da interação entre
direito e geografia, na medida em que é a geografia que define tanto as fronteiras
externas de um Estado em relação a outros Estados, como as fronteiras internas,
como, por exemplo, as regiões, estados e municípios no Brasil, ou províncias e
departamentos em outros Estados Nacionais. O direito (público) define as regras
e normas de forma hierárquica da constituição até as penalidades, circunscritas a
um território nacional.

Direito, geografia e política foram mais estudas em meados séculos XIX e


início do século XX, associados, muitas vezes, a ideologias de Estados totalitários.
Voltaram a ser objeto de reflexões sob o tema das relações internacionais no
contexto da globalização, do neoliberalismo e da internacionalização do capital.
O fato de que a globalização mudou a percepção do espaço também no mundo
jurídico exige refletir sobre estes temas. As fronteiras dos Estados estão sendo
diluídas, a conquista espacial e a navegação aérea e marítima exige novos aportes
legais. As empresas transnacionais, ao elaborar regras supranacionais autocráticas
estão beneficiando a elas mesmas em detrimento das sociedades nacionais e/ou
excluídas da globalização.

2 DIREITO E GEOGRAFIA
Losano (2014) reflete sobre os vínculos e interações existentes entre o
direito e a geografia, buscando respostas e direcionamentos para a necessidade
de adaptação do direito atual, nascido dentro dos limites do Estado Nacional do
século XVIII e XIX, a um mundo com fronteiras diluídas e fragilizadas, cada vez
mais tecnológico e globalizado com territórios-rede e aglomerados de exclusão
com poderes e regras paralelas. Diante da possibilidade do Direito rígido
(produto do Estado democrático) ser substituído pelo Direito maleável (soft law)
resultante das empresas transnacionais e organismos financeiros, autocráticos,
o autor defende o retorno e o fortalecimento do primeiro (um hard law estatal
ou supranacional, democrático) também para empresas transnacionais, bancos e
bolsas de valores.

101
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

A tradicional relação entre direito e espaço se encontra hoje em crise,


consequência de fenômenos que estão colocando igualmente em crise o
Estado Nacional: a multiplicação de estruturas financeiras, transnacionais e
supranacionais, a globalização econômica e a pós-modernidade. No mundo
jurídico, as noções de soberania e de território sempre estiveram vinculadas
aos direitos e deveres dos cidadãos que compõem a população de determinado
Estado-Nação. Por exemplo, a relação clássica entre a geografia e o direito público,
resultou entre outros, no direito administrativo, que determinou e ainda determina,
no interior dos Estados, sua divisão administrativa em regiões, províncias e/ou
estados membros. No Direito internacional, os limites ou fronteiras nacionais
foram objeto de tratados e de renegociações, sobretudo como consequência de
guerras, conquistas e invasões. Muitos políticos e juristas não consultavam e nem
escutavam os geógrafos. Entretanto, a globalização colocou em debate, entre os
juristas e geógrafos, a concepção tradicional do espaço como suporte físico do
ordenamento jurídico, onde o limite espacial do Estado (a fronteira) assinalava
também o limite da eficácia de seu ordenamento jurídico. (LOSANO, 2014).

Na área de conhecimento do direito constitucional, a noção de território


(tradicional, ou clássica) foi essencial para definir o Estado e seu ordenamento
jurídico em relação a si mesmo, e, em relação aos demais. Juridicamente não se
concebe o Estado Nacional sem território, sem população e sem soberania. Assim,
as relações entre direito e espaço geográfico se basearam no eurocentrismo, cuja
concepção de espaço jurídico está vinculada às fronteiras nacionais, às quais
circunscrevem a soberania do Estado, vista como principal fonte de guerras
durante o século XX. Consequentemente, de acordo com a visão ocidental, as
pessoas que se encontram dentro de certo Estado estão sujeitas ao direito interno
desse Estado. Em outras palavras, o direito do Estado se aplica a quem se encontra
no território desse Estado. Essa coincidência, entre espaço geográfico e espaço
jurídico, parece óbvia para nós europeus ou ocidentais, mas não é necessariamente
para todas as culturas ou civilizações, como a islâmica.

A organização jurídica apresenta deficiências e necessidade de atualização


diante das transformações trazidas pela globalização como, por exemplo, a
mudança da percepção do espaço no mundo jurídico, para a geopolítica. As
fronteiras dos Estados já não são tão relevantes para empresas multinacionais,
internet, satélites, ecologia, problemas atômicos ou poluição, e organismos
supranacionais. Vislumbra-se uma nova ordem jurídica global. No campo legal,
as empresas multinacionais estão elaborando as próprias regras supraestatais,
as quais continuam vinculadas (em parte) aos Estados Nacionais de origem das
mesmas. A mudança do enfoque jurídico da soberania e do território para o
espaço (geográfico) no decorrer do final do século XX, início do XXI, é resultado
da diminuição do poder político exclusivo dos Estados Nacionais. A mudança
do foco de território e soberania para o espaço, ou espaço do direito, se deve à
coexistência de novas leituras e interpretações sobre o direito. Observe como o
autor reflete sobre a relação entre o espaço e o direito:

102
TÓPICO 5 | ESPAÇO JURÍDICO E A GEOGRAFIA

O direito opera no mundo físico, ou seja, naquilo que os geógrafos


chamam de ‘espaço’; contudo, tende a tomá-lo em consideração o
menos possível. O direito, sustentam os juristas, se ocupa somente das
relações entre pessoas, como se as pessoas não estivessem com os pés
no chão, ou seja, no ‘espaço’. De fato, o direito não pode esquivar-se
de ocupar-se do espaço geográfico, seja no interior do Estado-nação,
seja nas relações entre os Estados, seja, hoje, no ainda não delimitado
espaço cósmico. (LOSANO, 2014, p. 85).

Percebe-se na citação que historicamente o estudo e análise da relação


entre Espaço – Direito foi negligenciada, pois a relação se estabelecia, sendo
objeto de estudos e análises geopolíticas, ou seja, a constituição do território
político do Estado-Nação e Direito era a base que orientava o Direito público
e administrativo. Lembrando que nas relações entre direito e espaço geográfico
nossa percepção e análise estão carregadas de valores eurocentristas.

Da concepção europeia de espaço jurídico, assentada nas fronteiras


nacionais que circunscrevem a soberania do Estado, derivam-se duas
consequências: a primeira, é que a soberania do Estado e as inúmeras fronteiras
políticas foram vistas como principais fontes de guerras; a segunda tem relação
com o fato de que, em nossa visão ocidental, as pessoas que se encontram dentro
de certo Estado estão sujeitas ao direito interno desse Estado, ou seja, o direito
se aplica, a quem se encontra no território deste Estado. Essa coincidência entre
espaço geográfico e jurídico parece óbvia, mas não é necessariamente assim para
os islâmicos, como veremos mais adiante.

O termo espaço cósmico começou a ser utilizado após a década de 1970,


com a competição aeroespacial, quando alguns juristas começaram a utilizar
os termos “espaço aéreo” e “espaço extraterrestre” para designar espaços mais
amplos e longínquos. As frequentes viagens ao espaço “sideral” e a tecnologia
espacial transformaram o espaço aéreo em um espaço estratégico, com implicações
econômicas e militares. O conflito de interesses entre a globalização e o campo
jurídico Estatal tem suscitado reflexões e debates.

2.1 A CONCEPÇÃO ISLÂMICA DE ESPAÇO JURÍDICO


A concepção islâmica de espaço jurídico difere da concepção de espaço
europeu e ocidental. Desta forma, para compreendermos, na Unidade 3, os
conteúdos sobre o fundamentalismo, terrorismo e Estado Islâmico, faz-se
necessário este tópico sobre a concepção islâmica do espaço jurídico, ou direito
islâmico, pois este é um tema atual, desconhecido em sua essência e detalhes,
estando ao mesmo tempo atrelado a princípios religiosos e políticos.

Enquanto a “nossa” concepção de espaço jurídico está atrelada ao Estado


Nacional, a islâmica está ligada à fé da pessoa, independentemente de sua
pertença a um Estado Nacional ou de sua presença em determinado território.
Todo islâmico praticante está sujeito ao direito islâmico, onde quer que se
encontre geograficamente. Simultaneamente, ao encontrar-se geograficamente

103
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

dentro de certo Estado, o cidadão islâmico (perante sua fé e religião) estará sujeito
também ao direito desse Estado. “Esse pluralismo jurídico gera situações jurídico-
geográficas incompatíveis com nossa visão ocidental, mas normais num contexto
islâmico”. (LOSANO, 2014, p. 86).

O direito islâmico constitui um dos grandes sistemas jurídicos do mundo,


regulando as relações de milhões de pessoas.

O direito islâmico não pode ser confundido com o direito positivo laico
dos Estados de população muçulmana. Há Estados em que ambos os
sistemas convivem, com predominância de um ou outro; e há Estados
que, não obstante sua população praticar a religião muçulmana, se
declaram laicos em suas Constituições e adotam um sistema de direito
autônomo. (LIPOVETSKY; SILVA, 2009).

O Direito Islâmico, a Sharia, engloba o conjunto de normas que procura


regular os comportamentos e as relações sociais dos que se autodenominam
islâmicos praticantes. A regulação do culto, a relação do fiel com Deus, as normas
jurídicas que organizam as relações sociais (familiares, comerciais, penais etc.)
e outras regras, constituem em parte o “reto caminho”. O direito islâmico é o
conjunto de regras jurídicas que regulam os comportamentos. Nós, ocidentais,
além de comparar a Sharia ou o Direito Islâmico a um conjunto de valores
éticos, o consideramos bizarro, principalmente quando olhamos especificamente
e isoladamente para a condição da mulher, para o direito de família e para o
código de direito penal. Porém, quando se aprofunda os estudos sobre o
sistema este funciona de modo racional e lógico, como qualquer outro sistema
jurídico, apresentando também suas próprias lacunas e controvérsias sobre os
fundamentos, sobre o conteúdo das normas e sobre sua aplicação.

O direito islâmico não incorpora valores universais proclamados pela


ONU, nem tem no Estado (ou na constituição) a fonte da ordem legal, pois o
direito islâmico e sua ordem jurídica se assentam na continuidade das tradições
(religiosas). Pelo fato do direito islâmico não estar circunscrito aos limites
territoriais de um Estado-Nação, todo crente islâmico está sujeito ao direito
islâmico, onde quer que se encontre geograficamente. Entretanto, este crente
sempre se encontrará geograficamente dentro de certo Estado, estará sujeito
também ao direito desse Estado, pois, a superfície terrestre (terras emersas) é
dividida em Estados-Nações. Esse pluralismo jurídico, ao qual se soma o direito
internacional, gera situações jurídico-geográficas incompatíveis com nossa visão
ocidental, mas normais num contexto islâmico.

A história começa com o advento do Islã. Quando o profeta Mohamad


[ou Maomé] começa a receber a revelação, esta inclui, num primeiro momento,
as obrigações do culto e, gradualmente, também as interações em sociedade. Um
aspecto que talvez torne o Direito Islâmico mais relevante e mais persistente do
que outros sistemas religiosos ou tradicionais é o fato de que muito rapidamente
se constitui um Estado muçulmano, ou seja, muito rapidamente, já em vida do
profeta, a religião se transforma em poder secular. Nesse contexto, o poder secular
104
TÓPICO 5 | ESPAÇO JURÍDICO E A GEOGRAFIA

precisava encontrar a ligação entre as normas jurídicas e sua origem divina, assim
como precisava pensar a relação entre o Direito Islâmico e as normas preexistentes
nas sociedades islamizadas. Hoje, Direito Islâmico resiste de modos diversos
e desempenha papéis variáveis nos vários países árabes ou muçulmanos, na
medida em que esses países decidem soberanamente como querem que se dê a
relação entre o Direito produzido pelo Estado e aquele religioso a que sentem que
devem prestar alguma homenagem ou reservar algum lugar. (LOSANO, 2014).

As dificuldades culturais que dificultam possibilidades mais concretas


de aproximação entre o islamismo e o ocidente, a partir de uma concepção
iluminista da modernidade, e seus princípios de liberdade, dignidade e direitos
fundamentais, residem na perspectiva de humanismo construída na concepção de
Direito e poder impensável para o direito islâmico, que se efetiva na autoridade
da religião e da fé.

Vamos recordar o exemplo da condenação à morte de Salman Rushdie por


seus “Versos satânicos” fato que ocorreu em 1989. Um Aiatolá iraniano decreta
uma fatwa (édito religioso muçulmano) que condena à morte um indiano, cidadão
inglês, que vive na Grã-Bretanha, onde cometeu o delito/pecado de escrever um
livro blasfemo. O título do livro, “Versos Satânicos”, se refere a um conjunto de
versos supostamente excluídos do Alcorão. Neles, o profeta Maomé solicitaria a
intercessão de três deusas pagãs de Meca. Segundo a lenda, esses versos foram
eliminados do livro sagrado por não estarem de acordo com o monoteísmo do
islã. Essa condenação bate de frente contra todos os nossos princípios jurídicos
ocidentais (baseados na concepção territorial do direito), mas é, por outro lado,
uma consequência direta da concepção jurídica islâmica (baseada na concepção
da sujeição pessoal ao direito). Rushdie, como islâmico, está sujeito ao direito
islâmico independentemente do lugar em que se encontre: para o Ocidente, é
uma situação aberrante, porque conduz ao conflito entre dois ordenamentos; para
o Islã, é normal, porque o direito islâmico é de origem divina e, por conseguinte,
superior a qualquer ordenamento humano. (LOSANO, 2014). O direito jurídico
islâmico é, portanto,

[...] uma ordem jurídica não temporal e não espacial, um chamado à


espécie humana que deve criar para si os meios e as instituições que
farão o direito islâmico aplicável e efetivo. É, acima de tudo, uma
ordem jurídica que não pode ser dissociada da profissão de fé e do
conjunto de crenças de um número muito significativo de pessoas
que, em princípio, deve a esta ordem jurídica uma lealdade que deve
superar qualquer outra ligação política ou social. (NASSER, 2012, p. 5).

No exemplo, a condenação à morte de Salman Rushdie (que não se


concretizou, mas fez com que o autor vivesse recluso por muitos anos) bate de
frente contra os princípios jurídicos ocidentais (baseados na concepção territorial
do direito), mas é, por outro lado, uma consequência direta da concepção jurídica
islâmica (baseada na concepção da sujeição pessoal ao direito). Rushdie, como
indiano islâmico, está sujeito ao direito islâmico, independentemente do lugar
em que se encontre (Grã-Bretanha). Para o Ocidente, este fato e tantos outros

105
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

conduzem ao conflito entre duas concepções de ordenamento jurídico. Para o


Islã, é normal, porque o direito islâmico é de origem divina e, por conseguinte,
superior a qualquer ordenamento humano. As duas concepções jurídicas, a
ocidental e a islâmica, a territorial e a pessoal, são inconciliáveis.

Importante lembrar que o direito muçulmano, embora seja um dos


grandes sistemas jurídicos do mundo, orientando e regulando relações de
milhões de pessoas, não pode ser confundido com o direito positivo laico dos
Estados de população muçulmana. Existem Estados de população muçulmana
em que ambos os sistemas convivem, podendo um predominar sobre o outro. Há
Estados, onde a população, apesar de praticar a religião muçulmana, se declaram
laicos em suas constituições e adotam um sistema de direito autônomo.

Na opinião de Nasser (2012), diferentes culturas incluem os diferentes


sistemas jurídicos, e têm muito a aprender umas com as outras. No mínimo,
deve haver um aprendizado sobre a variedade das sociedades humanas e sobre a
importância de conhecer e reconhecer o outro. O constante respeito e tolerância à
autocrítica e autorreflexão sobre os valores e dos instrumentos que são pensados
para avançar esses valores. Olhando para o outro, ainda que não queiramos
incorporar seus valores ou nos importar com seus instrumentos, para o mundo
muçulmano o desafio é manter a conexão vital com os valores da religião, da
história do Islã e, ao mesmo tempo, com a gradual abertura para repensar o
Direito, de modo inventivo e ágil. Quanto a nós, ocidentais, também devemos
repensar nosso conjunto jurídico, pois,

[...] os mal-entendidos nascem do fato de que os europeus pensam


o Estado, a soberania e as fronteiras segundo o seu modelo [...].
Entretanto, antes de rejeitar a concepção islâmica do direito, é
necessário recordar que também no Ocidente estamos nos separando
de uma concepção rigorosamente territorial do direito. Basta pensar
na cada vez mais frequente presença de normas que atribuem
jurisdição universal a um Estado particular. Um promotor público
belga, por exemplo, pode abrir um procedimento contra uma pessoa
que tenha violado os direitos humanos na Ásia ou na América do
Sul. O problema é, pois, a aplicação desta norma individual: deve-se
voltar ao princípio da presença do acusado no espaço geográfico do
Estado de onde emana a denúncia. Isso não significa que os direitos
ocidentais estão se islamizando; significa somente que os direitos
ocidentais estão se afastando do princípio da rígida territorialidade na
aplicação do direito. (LOSANO, 2014, p. 86).

O espaço do direito de hoje não é mais o espaço do direito do passado.


Com o fim do mundo bipolar e com a intensificação da globalização a relação
entre o espaço geográfico e o Direito passa a ser influenciada pela economia, que
se plasma com a economia. No debate jurídico o espaço volta ao primeiro plano
e em termos novos.

A emergência de atores internacionais e supranacionais, conquistando


hegemonia em escala mundial, as quais estão relacionadas com as novas
dinâmicas do espaço geográfico, forçam a criação de leis onde o poder, antes

106
TÓPICO 5 | ESPAÇO JURÍDICO E A GEOGRAFIA

restrito ao território dos Estados-Nações, passa a se fragmentar, especializando-


se por setores não mais se restringindo apenas a um território específico.

O período histórico contemporâneo em sua dimensão da realidade


territorial apresenta certo pluralismo jurídico, não explorado e pesquisado
suficientemente pelos geógrafos. A globalização, a internacionalização dos
mercados, a mobilidade de parcelas da população, fazem emergir uma nova
regulação, a qual incide diretamente sobre as formações socioespaciais, regiões
e lugares do mundo todo. A noção de pluralismo jurídico é importante para
compreender a tolerância ou intolerância de grupos sociais, pois sistemas e
subsistemas de ações estão em copresença em determinados lugares com intensa
pluralidade histórico-cultural.

2.2 O ESTADO E O DIREITO


Desde a década de 1990, a geopolítica do petróleo está consolidando
novas alianças e novos conflitos territoriais, sendo que os discursos do poder
ideológico e político se entrecruzam com as pressões e as regras das companhias
petrolíferas. A necessidade iminente de produção e acesso a mais alimentos está
levando a China a adquirir terras na África. A crise da água conduz a tensões
entre Estados Nacionais, quando um destes constrói diques sobre rios, ou desvia
água para irrigação comprometendo o suprimento subsequente para outros
Estados, ao mesmo tempo, os lobies e o soft law das transnacionais de bebidas
estão empurrando em direção a uma privatização da água. Estas e outras pressões
visam restringir sempre mais o âmbito do direito de origem estatal, o direito
produzido por órgãos supranacionais de forma democrática. Contrariamente,
alguns Estados mais fortes conseguem projetar suas políticas e regras para além
de suas fronteiras nacionais, como as posses da Rússia sobre o Ártico, do G-7
sobre a Antártida e sobre o espaço aéreo. O dilema que se estabelece é se estas
atividades fora do espaço do Estado devem sujeitar-se às regras das entidades
supranacionais (organizadas democraticamente) ou se a política do próprio
Estado deve fundar-se em normas jurídicas tradicionais, do Direito Interacional
Público, para não gerar tensões e conflitos militares.

107
UNIDADE 1 | REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E FENÔMENOS SOCIOESPACIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

NOTA

O lobbie é uma forma de comunicação e de pressão utilizada por pessoas ou


empresas para influenciar os espaços decisórios do poder público. O conjunto de pessoas,
instituições e empresas (influentes) que procuram influenciar as decisões públicas é
chamado de grupo de pressão. Resumidamente, lobby é uma forma de comunicar, debater
e de tentar convencer parlamentares ou executivos do governo a votar, vetar ou tomar
decisões para atender a interesses particulares ou gerais. O lado negativo da prática do lobby
ocorre quando as pressões são exercidas e acompanhadas de chantagens, negociações
ilícitas e subornos, beneficiando, assim, indivíduos e seus interesses privados, particulares
em detrimento dos interesses e do patrimônio público, social ou ambiental.

Apesar da globalização não ser reversível, Losano (2014) explica que


este movimento/processo de mundialização, principalmente econômico,
precisa de regras, precisa ser dominado e controlado, não apenas pela soft
law das transnacionais. O voto dos cidadãos poderá fazer a grande diferença
na sequência de fatos no futuro próximo. Estes controles, defendidos como
necessários pelo autor deverão ser democráticos, aprovados por parlamentos
nacionais e supranacionais, mas em todos os casos, eleitos democraticamente. O
direito hierárquico e a existência dos três poderes voltaria a exercitar sua função
reguladora mais rígida, a hard law. A inexistência de mecanismo de controle da
globalização poderá resultar em uma nova crise globalizada, porém de extensões
e profundidades imprevisíveis.

No mundo contemporâneo estamos inseridos num contexto de riscos,


pois além de acumularmos problemas econômicos, a crise do meio ambiente, as
tensões sociais, os arsenais bélicos e atômicos em mãos de grupos paramilitares
e/ou governos não confiáveis, criam problemas de segurança internacional.
A exportação e imposição de modelos políticos (tanto democráticos, como
teocráticos) poderá gerar conflitos armados; as crises alimentares causarão
migrações em massa, como as já observadas do norte da África e Oriente Médio
para a Europa, poderão gerar reações violentas, como a construção de barreiras
físicas e murros de contenção. Caso uma destas crises potenciais ocorrer em
concomitância a uma queda econômica, o colapso será global, humanitário e
planetário, justificando-se assim a necessidade de controle, de regras e restrições
para a globalização econômica, com o desenvolvimento de uma consciência
humana de respeito à diversidade, à multiculturalidade, com a valorização de
sociedades e saberes tradicionais, de minorias, das mulheres.

Em relação ao direito islâmico e Estado, não há como se referir a um bloco


homogêneo, em decorrência de condições políticas, culturais e religiosas que
variam de um país para outro, e o grau de combinação entre o direito islâmico
(baseado nas tradições, costumes e religião) e direito positivo laico apresentar
diferentes nuances. Segundo Silva (2013), até 1960 existiu um movimento que

108
TÓPICO 5 | ESPAÇO JURÍDICO E A GEOGRAFIA

tendia à ocidentalização do Islã, e depois de 1960, um conjunto de acontecimentos


históricos conduziu repentinamente ao retorno do Islã, às tradições e costumes e
ao seu direito jurídico.

Diante da complexidade das realidades do mundo contemporâneo


percebemos, em relação ao tema, posições extremistas, intolerâncias e desrespeitos
ao ser humano, a grupos sociais e sociedades, que só vem a agravar o clima de
crise e de instabilidade social, política, religiosa. Resta-nos a confiança e esperança
de que num futuro não tão distante, o humanismo presente no texto do Alcorão
seja visto e colocado em prática.

109
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você estudos que:

• Geografia, espaço e direito estão inter-relacionados e imbricados, na medida


em que os conceitos de direito público e espaço jurídico, antes vinculados
diretamente aos territórios, agora precisam estar vinculados ao espaço
geográfico. As fronteiras políticas estão sendo rediscutidas, pois estão sendo
diluídas e facilmente ultrapassadas pelos elementos da globalização (e suas
consequências tanto positivas como negativas), e pelos indivíduos em sua
mobilidade e migrações. A globalização, os avanços tecnológicos e a pós-
modernidade colocaram em debate, entre os juristas e geógrafos a concepção
tradicional do espaço como suporte físico do ordenamento jurídico, onde o
limite espacial do Estado (a fronteira) assinalava também o limite da eficácia
de seu ordenamento jurídico.

• A organização jurídica apresenta deficiências e necessidade de atualização


diante das transformações trazidas pela globalização como, por exemplo,
a mudança da percepção do espaço no mundo jurídico, para a geopolítica.
A mudança do enfoque jurídico da soberania e do território para o espaço
(geográfico) no decorrer do final do século XX, início do XXI, é resultado da
diminuição do poder político exclusivo dos Estados Nacionais.

• As concepções de espaço jurídico ocidental e islâmico são diferentes. Enquanto


o direito público ocidental é baseado na razão, nos ideais iluministas de
liberdade, fraternidade e igualdade, ou seja, dignidade humana e direitos
fundamentais, atrelados e garantidos pelo Estado Nacional, o direito islâmico,
um ramo da religião, que data de mais de quinze séculos é baseado nas tradições
e costumes do Islã, se constitui num dos grandes sistemas jurídicos do mundo.

• A concepção de direito islâmico está ligada à fé da pessoa, independentemente


de sua pertença a um Estado ou de sua presença em determinado território.
Interessante o fato de que todo praticante islâmico está sujeito ao direito
islâmico, onde quer que se encontre geograficamente. No entanto, ao estar
fisicamente em outro país, automaticamente, o indivíduo estará também sujeito
ao ordenamento jurídico deste país. As implicações desta tensão e imposição
dos diferentes pontos de vista e concepções têm-se mostrado avassaladoras
e conflituosas na medida em que não há tolerância religiosa e desrespeito às
culturas e religiões.

• Outras questões geopolíticas contemporâneas colocam em pauta a necessidade


de se rediscutir as noções e concepções do Direito e suas relações e interações
com atores supranacionais democráticos, na esperança de futuro para a
humanidade.

110
AUTOATIVIDADE

1 Sempre existiram vínculos e interações entre o direito e a geografia. A


adaptação do direito atual, nascido dentro dos limites do Estado Nacional
do século XVIII e XIX, a um mundo com fronteiras diluídas e fragilizadas,
cada vez mais tecnológico e globalizado com territórios e aglomerados de
exclusão, com poderes e regras paralelas se faz urgente e necessária. O Direito
rígido (produto do Estado democrático, o hard law) pode ser substituído
pelo Direito maleável (soft law) resultante das empresas transnacionais e
organismos financeiros, autocráticos, o que nem sempre é benéfico para
as sociedades. Losano (2014) defende o retorno e/ou o fortalecimento do
primeiro (um hard law estatal ou supranacional, democrático) também
para empresas transnacionais, bancos e bolsas de valores.

Disserte sobre o espaço geográfico e o direito das empresas transnacionais


e os direitos dos cidadãos comuns, convivendo neste mesmo espaço
geográfico. Se em seu município existe uma grande empresa, procure
estabelecer reflexão sobre o espaço ocupado por esta, seus direitos e a
relação da municipalidade com a população em geral.

2 A tradicional relação entre direito e espaço se encontra hoje em crise,


consequência de fenômenos que estão colocando, igualmente, em crise o
Estado Nacional: a multiplicação de estruturas financeiras, transnacionais
e supranacionais, a globalização econômica e a pós-modernidade. Disserte
sobre a possibilidade de criação de um conjunto de leis que possam
valer em qualquer território nacional, ou seja, leis supranacionais válidas
globalmente.

111
112
UNIDADE 2

A ORGANIZAÇÃO DOS
ESPAÇOS SOB O PONTO DE
VISTA ECONÔMICO, SUAS
CONTRADIÇÕES E DINÂMICAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Nessa unidade vamos:

• compreender e analisar o mundo regionalizado, sem perder de vista


a totalidade. Nesta unidade pretende-se estudar a globalização como
fenômeno e processo global e contraditório na organização dos espaços
mundiais. Assim, são objetivos da unidade:

• estudar como alguns fatos pontuais e específicos podem atuar na dinâmica


econômica mundial;

• entender como os fatos com consequências regionais ou mundiais


interligados refletem na organização do espaço geográfico;

• aprofundar conhecimentos a respeito da globalização, e de seus atores


cujas ações econômicas e políticas são determinantes para a organização
dos espaços;

• compreender as contradições e consequências do sistema capitalista


através do imperialismo e da globalização, através da análise de aspectos
do continente africano e alguns de seus países;

• refletir sobre a organização espacial frágil e instável do continente africano;

• reconhecer que por mais que os conflitos armados se localizam em áreas


específicas, suas consequências são regionais, continentais e globais;

• analisar como os processos chamados globais, podem ser sentidos e


percebidos localmente, no lugar onde vivem e atuam os diferentes grupos
sociais;

• identificar atores e agentes de poder e também forças e atores de resistência


à globalização, e como estas reconfiguram e reorganizam o espaço.

113
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos, você vai analisar os temas abordados a partir
de uma contextualização. No desenvolvimento do tópico, você vai encontrar sugestões
para complementar sua leitura e atividades de aprofundamento e de discussão que o(a)
ajudarão a aprender ativamente. Nesta unidade, você irá estudar:

TÓPICO 1 – A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A


GLOBALIZAÇÃO

TÓPICO 2 – A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS: ORGANISMOS


SUPRANACIONAIS

TÓPICO 3 – O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS


REGIONAIS

TÓPICO 4 – ÁFRICA

TÓPICO 5 – ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

114
UNIDADE 2
TÓPICO 1

A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO


MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Pretende-se, nesta unidade, analisar a organização espacial mundial
do ponto de vista econômico, aprofundando temas sobre a globalização e seus
principais atores: os organismos supranacionais, empresas transnacionais,
as Organizações Não Governamentais – ONGs, a mídia global, o comércio
multilateral e os blocos econômicos regionais. A ordem mundial e a organização
espacial territorial por Estados-Nações, organismos supranacionais e/ou blocos
econômicos não podem ser estudados como fenômenos ou processos estanques,
isolados e concluídos. As recentes migrações internacionais, cujos polos de
repulsão são os países frágeis e instáveis, têm se mostrado como fatores de
desestruturação de uma ordem aparentemente consolidada, como, por exemplo, a
União Europeia. A organização e expansão das redes de terrorismo internacional,
do fundamentalismo islâmico e da economia informal/ilegal, principalmente, em
áreas de conflitos têm alterado a configuração espacial territorial, sobre a qual
ainda não se tem estudos mais aprofundados.

Diante do fato da globalização produzir exclusões e contradições, assim


como o sistema capitalista produziu, inseriu-se nesta unidade capítulo sobre a
África, com o intuito de dar visibilidade a este continente muitas vezes deixado
de lado nos estudos da geografia. De forma alguma a abordagem que se apresenta
sobre o continente, e alguns de seus países, deve ser vista como única e exclusiva.
O que se procurou fazer no estudo foi analisar alguns dos espaços geográficos do
continente, principalmente os caracterizados como Estados frágeis e instáveis, por
estes serem também exemplos da dinâmica da organização espacial territorial,
e de alguma forma ter implicações no processo global. Escreveu-se sobre as
civilizações da África, origens, diferenças, sobre a África subsaariana e conflitos.
Incluem-se reflexões sobre o drama da saúde e sobre a contradição da existência
de riquezas naturais e conflitos delas decorrentes.

Finalizando a unidade, trouxemos capítulo sobre a China, Rússia, Tigres


asiáticos e sobre a Índia. O estudo de caso apresentará reflexão sobre as migrações
do sudeste asiático, paralelo com aspectos das migrações para a Europa.

115
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

2 UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
A primeira década do século XXI foi marcada por importantes mudanças
no sistema de relações econômicas e geopolíticas do mundo globalizado.
Embora uma nova ordem mundial não tenha se consolidado, a situação
que se verificava na década de 1990 e no conflito Norte Sul se alterou.
Houve o fortalecimento de outras regiões mundiais, situadas na margem
dos países desenvolvidos e do chamado Norte econômico, que passaram
a ser conhecidos como países emergentes. O poder econômico da Tríade
(Estados Unidos, União Europeia e Japão) diminuiu e novas potências
regionais surgiram, como é o caso da China, da Índia, do Brasil e da
Rússia. Com a consolidação das relações entre países emergentes (Sul-
Sul), essas novas forças econômicas passaram a questionar o domínio
dos países desenvolvidos sobre as instituições que regulam as relações
políticas (ONU, FMI, Banco Mundial). O mercado financeiro que antes
estava muito mais concentrado na Europa e na América do Norte se
expandiu e se deslocou para o continente asiático. A supremacia dos
Estados Unidos passou a ser contestada, ameaçada pelo terrorismo e
pelas crises que abalaram a economia do país. (ALMEIDA, 2013a, p. 40).

Por ocasião da virada dos anos 1990 para os anos 2000 se criou grande
expectativa sobre o bug do milênio, uma possível falha dos sistemas de informática,
que poderia se estender para a economia, afetando os bancos, sistemas de
cálculo de juros, causando uma desordem no sistema econômico mundial.
Apesar da onda de apreensão e certo pânico, o bug do milênio não passou de
especulação. Outros fatos, logo no início da década de 2000, tiveram, no entanto,
grandes repercussões mundiais, os quais marcaram profundamente as relações
geopolíticas e econômicas. Os atentados de 11 de setembro de 2001 ao World Trade
Center – WTC, em Nova Iorque, tiveram um impacto nas relações geopolíticas
internacionais sentidas até os dias atuais, os quais implicaram transformações
econômicas e políticas dentro dos Estados-Nações.

Quando Almeida (2013a) afirma que as relações Norte versus Sul se


modificaram, a autora se refere ao conjunto de mudanças que se sucederam
nas últimas décadas onde alguns países emergentes conquistaram mais espaço
de influência econômica e estão questionando a hegemonia e poder de decisão
dos países do Norte e buscando maior participação junto aos organismos
supranacionais. Apesar dos Estados Unidos continuarem exercendo o papel de
maior potência mundial, principalmente no setor militar e econômico, as crises
econômicas estão solapando e corroendo sua economia. Bresser-Pereira (2012)
corrobora explicando que o dinamismo econômico mundial está na Ásia, nos
Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong), nos novos
Tigres (Malásia, Tailândia, Indonésia e Vietnã) e nos dois gigantes asiáticos: China
e Índia. Em consequência deste dinamismo econômico, as bolsas de valores de
Hong Kong e de Xangai estão se fortalecendo.

116
TÓPICO 1 | A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

Os Estados Nacionais no espaço econômico mundial têm mostrado uma


dinâmica do processo de globalização em que as potências mundiais se agruparam
de forma tal que alguns Estados detêm poder de comando, porém, estes grupos
recebem denominações diferentes, dependendo dos pontos de vista em que são
observados e analisados. Assim, têm-se ouvido e lido na mídia internacional
expressões se referindo a determinados grupos.

Desde 1970 até por volta da década de 1990, em tempos da Guerra Fria,
durante a ordem bipolar, um conjunto dos países capitalistas, especificamente
as potências, realizavam reuniões econômicas anuais, em Davos na Suíça, que
faziam parte do Fórum Econômico Mundial. As potências formavam o grupo
dos sete – G-7: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Alemanha e
Japão. Com as mudanças que ocorreram no mundo socialista, no início da década
de 1990 (queda do muro de Berlim, reunificação da Alemanha e desintegração da
ex-União Soviética), o grupo passou a se constituir de oito países, o G-8: incluindo
aos sete anteriores, a Rússia. A partir de 1999, os países em desenvolvimento
foram também convidados a participar das reuniões do Fórum e dessas conversas
surgiu o Grupo dos 20, o G-20, também chamado de G-20 financeiro.

O grupo G-20 financeiro considera também a força dos países emergentes,


junto com os mais industrializados e mais desenvolvidos. Estão no topo do
G-20 financeiro os ministros das finanças e os presidentes dos bancos centrais
de dezenove Estados, juntamente com o presidente do Conselho Europeu e o
do Banco central Europeu, ambos da UE, assim como os presidentes do Banco
Mundial – BM e do Fundo Monetário Internacional – FMI.

O grupo G-20 financeiro agrega dezenove Estados mais a UE. Os estados


são: EUA, Canadá, Alemanha, Reino Unido, Itália, França, União Europeia,
Rússia, Japão, Turquia, Arábia Saudita, China, Índia, Coréia do Sul, Indonésia,
Austrália, África do Sul, Brasil, Argentina e México. A representatividade do
G-20 financeiro é muito grande, pois, somados os países membros, eles possuem
aproximadamente 90% do produto nacional bruto mundial, 80% do comércio
internacional e cerca de 65% da população do planeta.

O grupo denominado G-20 comercial reúne os países emergentes, busca


também se fortalecer entre si e a países menos desenvolvidos, se preocupando
principalmente com relações comerciais entre países ricos e emergentes. Este
grupo, que já agrega mais de 20 países, nasceu em 2003, em uma reunião
ministerial da Organização Mundial do Comércio – OMC realizada na cidade de
Cancun, no México. Liderado pelo Brasil, o grupo procura defender os interesses
agrícolas dos países em desenvolvimento perante as nações ricas, que fazem uso
de subsídios para sustentar sua produção. O G-20 comercial é integrado por países
de três continentes: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba,
Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, México, Nigéria, Paquistão, Peru, Paraguai,
Tailândia, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue. O agrupamento representa
60% da população rural, 21% da produção agrícola, 26% das exportações e 18%
das importações mundiais de grãos.

117
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

3 A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE


VISTA DA GLOBALIZAÇÃO
Globalização, tema presente nos meios de comunicação, debates políticos,
seminários, congressos e fóruns econômicos, tanto quanto, nos livros de Geografia
e Sociologia, não apresenta um conceito único, nem possui uma definição exata.
Como fenômeno, é antiga, pois remete à possibilidade de mobilidade populacional
para fins diversos, com tendência de ultrapassagem dos domínios territoriais,
em busca de novas interações sociais e espaciais. Recordando, a globalização é
o processo histórico de expansão do sistema capitalista, que se iniciou desde os
séculos XVI e XVII com as Grandes Navegações e Grandes Descobrimentos. No
entanto, atualmente, o estágio de sua expansão em sua fase informacional, cujos
avanços técnico-científicos têm contribuído para uma crescente aceleração em
todos os setores da vida tem dotado empiricamente a globalização no cotidiano,
na mídia, congressos, na economia e outros. No campo da economia, o aumento
dos fluxos de capitais (produtivos e especulativos), de mercadorias e serviços
pelo mundo, é constatado por especialistas e dados estatísticos.

Atualmente, na contemporaneidade, o processo de globalização


vinculado ao sistema de produção capitalista consiste na mundialização do
espaço geográfico por meio da interligação econômica, política, social e cultural
em âmbito planetário. Porém, esse processo ocorre em diferentes dimensões, que
apresentam consequências diferentes para determinados conjuntos de países.
Para os Estados-Nações centrais (desenvolvidos e industrializados) os benefícios,
tais como: expansão de mercados consumidores com a deslocação das empresas
transnacionais e expansão dos sistemas de comunicação por satélite, informática,
transportes e telefonia proporcionando-lhes um aparato técnico e estrutural para
a intensificação das relações socioeconômicas em âmbito mundial.

O processo da globalização, ao mesmo tempo em que potencializa o


aparato técnico-científico-informacional é também consequência da Revolução
Técnico-Científico-Informacional, uma vez que, por meio dos avanços tecnológicos
obtidos, foi possível promover a integração econômica e cultural entre regiões e
países de diferentes pontos do planeta. Mesmo países rotulados de socialistas ou
comunistas, como a China, o Vietnã e Cuba, têm incorporado práticas capitalistas
no modo de vida de sua população. Exemplos dessa tendência é a criação de
enclaves capitalistas, denominadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs); o uso
corrente do dólar norte-americano em Cuba, reflexo do incremento do turismo
na ilha; o ingresso das transnacionais no Vietnã.

Além da dimensão socioeconômica, a globalização possui uma dimensão


cultural capaz de interferir nos aspectos culturais das populações. O grande
fluxo de informações obtidas por meio de programas televisivos, internet,
telefonia móvel, redes sociais e outros meios exerce influência sobre a mudança
de hábitos e padrões comportamentais, como a proliferação das redes de fast food,
que promovem mudanças nos costumes locais. Entretanto, apesar da perda de
elementos da cultura local em meio à população, há movimentos inversos de
resistências, promovendo, assim, a diferenciação cultura.
118
TÓPICO 1 | A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

3.1 DIMENSÃO SOCIOECONÔMICA DA GLOBALIZAÇÃO


– O FLUXO DE MERCADORIAS
Segundo Sene (2014), a dimensão econômica da globalização é a mais
analisada e debatida entre os intelectuais. Talvez porque seus impactos no
cotidiano das pessoas são mais imediatos no plano econômico, ou, porque há
uma hegemonia dos economistas neste debate, em decorrência, muitos tendem
ver a globalização como um fenômeno apenas econômico. Entretanto, a
globalização é multidimensional, e nesta seção pretendemos estudar a dimensão
socioeconômica, sabendo de antemão da dificuldade em esgotar a temática.

No atual estágio do sistema capitalista, as empresas transnacionais, que


já operavam em diversos países do mundo capitalista durante a Guerra Fria,
conseguiram uma vantagem muito grande e passaram a constituir os principais
agentes da globalização, concentrando em suas mãos cada vez mais riquezas.
Um terço de todo o comércio internacional se refere às trocas entre as diversas
unidades das cem maiores corporações transnacionais. As dez maiores empresas
do mundo faturavam em 2003 e 2004 mais de 1,5 trilhões de dólares ao ano,
montante superior ao Produto Interno Bruto – PIB conjunto do Brasil, México e
Argentina. (TAMDJIAN, 2005).

Para Martinez (2013), aliada ao processo de globalização está a expansão


dos fluxos comerciais proporcionadas pelo desenvolvimento de meios de
transportes e das comunicações, cada vez mais eficientes, integrando o espaço
mundial pela crescente circulação de mercadorias, informações, capitais e pessoas.
Assim, a globalização se estende em múltiplas dimensões, se constitui no ápice
da expansão e da hegemonia do capitalismo em escala planetária.

A crescente participação das corporações transnacionais em escala


planetária está acirrando a concorrência, o que resultou em estratégias de atuação
e de inserção em novos mercados. As fusões de grandes corporações, inclusive
de países diferentes, têm objetivos de garantir a própria inserção em mercados
restringidos por leis protecionistas. Outra estratégia em prática desde a década
de 1990 é o lobby, isto é, a pressão que estas grandes empresas exercem sobre
os governos de seus países de origem para que interfiram nos assuntos internos
de outros Estados, forçando-os a adotar os dois pilares do neoliberalismo: as
privatizações e a abertura econômica (TAMDJIAN, 2005).

A expansão histórica do comércio mundial foi resultado de acordos


interestatais no âmbito do GATT (OMC, desde 1995), mas também da dinâmica
do próprio capitalismo. Com o crescimento das corporações e conglomerados
nos países do centro do sistema capitalista e com o aumento da competitividade
entre elas, houve uma crescente busca de novos mercados para o escoamento
de seus produtos e implantação de novas plantas industriais aproveitando
vantagens competitivas oferecidas por muitos países periféricos emergentes.
Esse movimento colaborou para a industrialização de um conjunto de países
conhecidos como NICs (do inglês Newly Industrialized Countries), em português,

119
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

NPIs (Novos Países Industrializados) denominadas popularmente de economias


emergentes. Dentre os países emergentes destacam-se: Brasil, México, Argentina,
Chile, China, Índia, os Tigres Asiáticos (velhos e novos) e alguns países antes
socialistas, como, a Polônia, República Tcheca e Rússia. Importante destacar
que o maior fluxo de capitais produtivos pelo mundo, como a maior troca de
investimentos externos diretos ocorre entre os países do centro do sistema, e em
segundo plano estão as economias emergentes. (SENE, 2014).

O conceito de país emergente está relacionado com o tamanho dos


mercados e o crescimento da economia. Por isso não pode ser confundido com
o conceito de subdesenvolvimento que é socioeconômico – uma situação muito
mais complexa de desigualdade social (diferenças sociais e econômicas que se
expressam na qualidade de vida das populações), e dependência econômica, a
qual se discutirá na Unidade 3.

3.2 A ACELERAÇÃO DOS FLUXOS DE CAPITAIS: A


GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA
De acordo com Sene (2014), a faceta mais peculiar da globalização econômica
encontrasse no sistema financeiro. As movimentações financeiras cresceram
muito mais do que o produto mundial bruto, o fluxo de mercadorias e mais até
que o fluxo de capitais produtivos. Os capitais produtivos são investimentos que
se instalam no território de determinado país visando lucros com a produção
e prestação de serviços, ou seja, são investimentos aplicados diretamente em
atividades produtivas, como na instalação de indústrias, supermercados, lojas,
empresas prestadoras de serviços. Ao se instalar os capitais produtivos tendem a
manter certa relação ou envolvimento com esse território, interferindo de forma
direta no mercado de trabalho e na arrecadação tributária.

A “desregulamentação” imposta pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha


nas décadas de 1970 e 1980, após colapso do sistema de Bretton Woods, resultou
num crescimento exponencial do fluxo de capitais especulativos pelo mundo.
Embora Martyinez (2013) advirta sobre a imprecisão de dados ou informações, a
sucessão de crises atingindo vários países ao longo dos anos 1980 e, sobretudo,
anos 1990, evidenciou a magnitude e influência do sistema financeiro globalizado.
Os capitais especulativos são investimentos que buscam apenas a obtenção de
vantagens imediatas (de curto prazo) em razão de certas oportunidades oferecidas
pelo mercado. O capital especulativo é aquele valor do exterior que entra na bolsa
de valores num dia e sai logo em seguida, assim que as ações valorizam, dando
lucro ao investidor. Na busca por lucros exorbitantes, o capital especulativo se
torna extremamente volátil, podendo ser transferido para vários países de uma
hora para outra. Por conta da rapidez com que circula, 24 horas, começando com
as bolsas do Extremo Oriente Asiático (Tóquio, Seul, Hong Kong, Xangai, Jacarta)
por estarem adiantadas em relação à Europa e América. Conforme as horas
passam, o dinheiro é aplicado nas bolsas da Europa e depois nas da América.
O capital especulativo é conhecido por algumas denominações sugestivas,
como, por exemplo, smart money (dinheiro esperto) e hot money (dinheiro quente)
(MARTYINEZ, 2013).

120
TÓPICO 1 | A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

NOTA

A “desregulamentação” é considerada um dos três pilares básicos do


neoliberalismo, juntamente com a desestatização das forças produtivas das economias
nacionais e desuniversalização dos direitos e benefícios sociais. As políticas neoliberais foram
progressivamente implantadas nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e países emergentes,
como Chile, México e Brasil no início da década de 1990. A desregulamentação progressiva
das atividades econômicas e sociais (incluindo as relações de trabalho) visava à redução
da interferência estatal na economia, garantindo mais liberdade às forças de mercado
para elevar a eficiência do capitalismo (FERNANDES, 1997). De acordo com Houaiss; Villar
(2001), a desregulamentação pode ser explicada como: o ato ou efeito de desregulamentar
através da eliminação das regras ou das normas (especialmente governamentais) para
qualquer instituição ou corpo coletivo. Ainda poder ser a eliminação das disposições
governamentais que normatizam a execução de uma lei, decreto etc. Na economia
neoliberal, a desregulamentação é a redução da participação direta ou indireta, do Estado
na economia e nos mercados. Essa tendência surgiu nos países industrializados, a partir
de 1970, e defendia a tese de que as empresas, preços e alocação de recursos são mais
eficazmente controlados e administrados pelas forças de mercado do que por regulamentos
governamentais. Recordando Santos (1996) a “desregulamentação” não suprime as normas,
por isso está entre aspas.

Santos (1996, p. 166) explica que, “paralelamente a globalização, a


atividade financeira ganhou autonomia, justificando-se a si mesma, e ganhando
um volume muitas vezes maior que o comércio de mercadorias. Cada vez que
se troca um dólar em mercadoria, trocam-se 40 dólares no mercado financeiro”.
O fluxo financeiro é o mais veloz e aquele que melhor representa a globalização.
Chesnais (1996) denomina o processo de globalização como mundialização
capitalista, cuja esfera financeira representa seu posto avançado. As operações
atingem o mais alto grau de mobilidade, numa realidade onde a defasagem entre
prioridades dos operadores e as necessidades mundiais estão destoadas.

A hegemonia do setor financeiro na globalização econômica explica-se


pela desmaterialização do dinheiro, cada vez mais eletrônico, virtual, digitalizado,
em função dos avanços das tecnologias da comunicação e informações digitais.
Na era informacional, ou digital, o dinheiro tornou-se informação. Assim,
transferir altíssimas somas de dinheiro (legal ou ilegal) de um lugar para outro,
em tempo real, tornou-se uma atividade relativamente fácil e simples, restrita a
digitação de números e códigos em um teclado. Os capitais especulativos de curto
prazo ganharam grande mobilidade pelo mundo por conta dessa combinação
entre o avanço das técnicas de informática e telecomunicação e a crescente
“desregulamentação” financeira.

No capitalismo globalizado, a expressão “tempo é dinheiro”, revela o


quão rápido o capital financeiro se reproduz. Os países emergentes são muito
procurados com a aplicação dos capitais especulativos de curto prazo, por
oferecem juros altos e segurança. Na realidade, a aplicação destes capitais traz

121
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

pouco ou nenhum benefício para as economias nacionais; não gera produção


nem emprego, apenas lucro fácil para quem aplica. Como este capital pode ser
transferido de uma hora para outra, ao menor sinal de insegurança do mercado, ele
é retirado por seus aplicadores, gerando graves crises nas economias emergentes.

3.3 O LADO NEGATIVO DA GLOBALIZAÇÃO


A globalização econômica  vincula-se à  exclusão social  a partir do
momento em que a expansão massiva dos meios tecnológicos e
de informação não atinge de forma democrática toda a população
do planeta, favorecendo o acúmulo de riqueza para os mais ricos e
dificultando, assim, a emancipação social dos mais pobres. Disponível
em:<http://www.mundoeducacao.com/geografia/globalizacao
economica-exclusao-social.htm>. Acesso em: jul. 2015.

Assim, a parte cruel da atual fase do capitalismo financeiro é a globalização


da pobreza e da miséria. O abismo entre os mais ricos e os cada vez mais pobres,
sejam pessoas, regiões ou países. Verifica-se um gradual empobrecimento da
população, mesmo nos países desenvolvidos.

Podemos dizer que a mesma tecnologia que trouxe conforto e melhoria


de vida às pessoas reduziu os postos de trabalho. A demanda de mão de obra
qualificada aumentou e a oferta para trabalhadores sem o preparo necessário
diminuiu. Até nas competições desportivas os países vencedores refletem as
desigualdades econômicas. Os países com os melhores desempenhos são os
centrais, e em sua maioria se localizam na Europa. Os países com os piores
desempenhos são os mais pobres, localizados em sua maioria, na África, América
Latina e nas pequenas ilhas da Oceania.

Exemplificando, citamos a notícia sobre o Banco HSBC de 9 de junho de 2015:

O HSBC, maior banco europeu e com sede em Londres, reduziu em


30 mil seus postos de trabalho em 2011, estuda a conveniência de
transferir sua sede no final do ano (2015), para Hong Kong. Segundo
várias publicações econômicas, citando uma apresentação feita pela
companhia pela internet, está em andamento um plano estratégico
que inclui uma reestruturação de 10% de sua equipe no mundo todo,
representando em torno de 20 mil demissões, e, a saída dos mercados
do Brasil e da Turquia. A entidade justifica o corte em medidas
como a automatização de serviços e o banco digital. Disponível
em:<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40636/
hsbc+anuncia+mais+de+20+mil+demissoes+e+saida+de+mercados+de
+brasil+e+turquia.shtml>. Acesso em: 10 ago. 2015.

A charge a seguir é do cartunista e ativista Carlos Latuff, cujo trabalho,


que já foi divulgado em diversos países, é conhecido por se dedicar a diversas
causas políticas e sociais, tanto no Brasil quanto no exterior.

122
TÓPICO 1 | A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

FIGURA 11 - POSSIBILIDADE DE SAÍDA DO BANCO HSBC DO BRASIL

FONTE: Disponível em: <jrapolicialtatui.blogspot.com>. Acesso em: 10 ago. 2015.

A charge representa a facilidade com que as empresas transnacionais e


também o capital especulativo saem dos países e procuram áreas mais atrativas
para se instalarem. O HSBC, ao mesmo tempo em que está abandonando
os mercados como Brasil e Turquia, está buscando ampliação de negócio no
continente asiático, e cogitando a cidade de Hong Kong como futura sede,
com possibilidade de investimentos na China e no sudeste asiático. A empresa
estabeleceu a meta de reduzir custos em até US$ 5 bilhões e conseguir um retorno
sobre o patrimônio líquido de mais de 10% para 2017. Em contrapartida, a China
prevê intensificar a expansão da gestão de ativos e seguros, começado pelo delta
do Rio das Pérolas, além de potencializar a internacionalização do yuan.

A política neoliberal, as transnacionais e as desigualdades econômicas


aprofundadas pela globalização tem sido alvo de protestos em vários países do
mundo. Existem movimentos antiglobalização que, apesar do nome, não lutam
necessariamente pelo fim da globalização, mas sim, para que ela ocorra de uma
forma diferente, em que haja a inclusão das classes sociais menos favorecidas e
que o conhecimento e os bens de consumo não sejam privilégio de poucos. O
principal movimento de contestação da Globalização é o Fórum Social Mundial.

Em 2001, 2002, 2003 e 2005, o Brasil sediou o Fórum de Porto Alegre


(Fórum Mundial Social), realizado como oposição ao Fórum de Davos (Fórum
Econômico Mundial) promovido pelo Grupo dos Sete – G7, na Suíça, e à forma de
globalização excludente defendida pelos países que formam esse grupo. O Fórum
Social Mundial tem como lema “Um outro mundo é possível!” As formas de
protesto, muitas vezes, envolvem depredações, violência, ataques à propriedade
privada, o que certamente não leva a nenhuma conquista efetiva. Apesar disto,

123
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

está claro que uma globalização mais igualitária, com a erradicação da pobreza
e da miséria e respeito ao meio ambiente, é o que todos pretendemos ter um dia.

Entre os dias 24 e 28 de março de 2015 foi realizado na cidade de Túnis


(Tunísia) o Fórum Mundial Social – FSM/2015. O evento representa um movimento
de descontentamento, de resistência e de luta de grande parte da humanidade
diante do curso atual do mundo globalizado. Neste encontro articulou sobre
alternativas viáveis para a sobrevivência da civilização e das espécies.

3.4 A GLOBALIZAÇÃO E O MUNDO DO TRABALHO


O processo de globalização trouxe transformações ao mundo do trabalho,
nas estruturas elementares do sistema capitalista, maior fluidez na composição
do comércio e da produção internacional, bem como mudanças nos sistemas
de produção nos setores  primário  e secundário. A conjuntura específica sobre
o  trabalho na globalização, acompanhada da composição informacional das
sociedades, resultou em significativas mudanças estratégicas para a ampliação
dos lucros dos investidores, com impacto sobre a classe dos trabalhadores.

O crescimento da produção flexível – toyotismo, passou a pautar-se pela


flexibilização da produção, conforme a demanda, resultando em modalidades
diferenciadas da produção industrial. No âmbito das relações de trabalho, o
funcionário que antes se limitava à realização de funções mecânicas e repetitivas,
começou a ser mais multifuncional, proativo, com maior formação técnica e um
maior deslocamento no âmbito produtivo. Outro aspecto no cerne das relações
trabalhistas é o crescimento dos processos de terceirização, ou seja, a indústria
sem fábrica, em vários setores – outsourcing. As empresas encontram outras
empresas, que são contratadas para a execução de um ou mais serviços.
Assim, a terceirização é mais uma das formas que as empresas
encontraram para enxugar suas despesas, reduzindo custos. Um exemplo comum
de terceirização são os sistemas de vigilância dos bancos executados não mais
por estes, mas sim por empresas especializadas nesse tipo de serviço. As facções
de fundo de quintal, de corte, costura, tinturaria, estamparia são exemplos de
terceirizações da indústria têxtil do Vale do Itajaí.

Apesar das vantagens financeiras, quem terceiriza sua produção corre


riscos. Além da quebra de sigilo, a empresa contratada pode repassar o serviço a
outras através das subcontratações e, com isso, haver queda de qualidade. Mas, na
verdade, os maiores prejudicados são os trabalhadores que podem ser despedidos
se o setor em que trabalham for terceirizado. Atualmente, é prática corriqueira as
grandes empresas contratarem prestadores de serviços, como firmas de limpeza,
de segurança e preparo de refeições (ALMEIDA, 2005).

O impacto da terceirização da economia, em resumo, é o aumento


da precarização do trabalho. Ao mesmo tempo em que a empresa
investidora reduz os custos com o serviço realizado, a empresa
terceirizada oferece uma remuneração média muito inferior aos seus

124
TÓPICO 1 | A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

funcionários, que também passam a dispor de uma menor estabilidade


em seus empregos. Afinal, para o serviço terceirizado ser rentável para
as empresas, o custo da terceirização precisa ser menor, o que passa pela
redução da folha salarial dos empregados. (ALMEIDA, 2005, p. 52)

Com a urbanização das sociedades, fenômeno em processo nos países


subdesenvolvidos e emergentes, ampliou-se o contingente de trabalhadores de
reserva, formado pelos trabalhadores desempregados no âmbito das cidades.
Consequentemente, além das exclusões de várias formas, ampliou-se o trabalho
informal e até ilegal, que é visto como um problema, pois os empregados não
registrados ou autônomos em áreas não regulamentadas passam a contar com
pouquíssimos direitos sociais e nenhum trabalhista, o que contribui para uma
precarização ainda maior das relações de trabalho. A estes fatos somam-se, a crise
dos sindicatos, a rotatividade dos empregos, deslocamento de fábricas e empresas,
entre outros. Conjunturas que juntas acirram os desafios em termos econômicos
para a preservação dos direitos trabalhistas em tempos de globalização. Seguem
alguns recortes de noticiários sobre a precarização do trabalho, um dos aspectos
negativos da globalização.

Costureiros bolivianos viviam sob condições degradantes em


alojamentos, cumpriam jornadas exaustivas e estavam submetidos à servidão
por dívida em oficina terceirizada na periferia de São Paulo (SP). A Renner,
rede varejista de roupas presente em todo o Brasil, foi responsabilizada por
autoridades trabalhistas pela exploração de 37 costureiros bolivianos em
regime de escravidão contemporânea em uma oficina de costura terceirizada
localizada na periferia de São Paulo (SP). Os trabalhadores viviam sob
condições degradantes [...] e parte deles estava submetida à servidão por
dívida. Notícia do dia 28 nov. 2014. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.
br/2014/11/fiscalizacao-flagra-exploracao-de-trabalho-escravo-na-confeccao-
de-roupas-da-renner/>. Acesso em: 29 mar. 2015.

“Nike apoia a exploração de trabalhadores em suas fábricas na


Indonésia e outros países asiáticos”. Manchete do dia 16 mar. 2012. Disponível
em:<http://globedia.com/nike-admite-explotacion-trabajadores-plantas-
indonesia-paises-asiaticos_1>. Acesso em: 29 mar. 2015.

O MPF (Ministério Público Federal) denunciou, nesta semana, à Justiça


Federal de Americana (a 127 km de São Paulo) quatro pessoas acusadas de manter
em condições análogas a de escravos 51 trabalhadores, 45 deles bolivianos.
Os funcionários trabalhavam em uma confecção que produzia roupas para
grifes, como a espanhola Zara, dentre outras, como Ecko, Gregory, Billabong,
Brooksfield, Cobra d'Água e Tyrol. No esquema, os trabalhadores eram
mantidos alojados dentro da própria confecção, o que configura desrespeito às
leis trabalhistas. Eles trabalhavam até 14 horas por dia e recebendo entre R$ 0,12
e R$ 0,20 por peça. Além disso, os trabalhadores ficavam três meses sem receber,
logo que chegavam, para cobrir os custos da viagem. Eles eram mantidos dentro

125
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

do local com portões fechados com cadeado e não podiam sair sem autorização.
Não havia contrato formal de trabalho e a denúncia também aponta as más
condições de higiene e acomodação no alojamento.

A reportagem do UOL tentou falar com representantes da Zara, ontem


e hoje, mas não conseguiu contato. Logo depois de a operação que constatou
a irregularidade ser realizada, a fabricante Zara disse que o que houve foi
uma "terceirização não autorizada". "A Zara Brasil jamais obteve qualquer
vantagem financeira com a irregularidade", disse a empresa, na ocasião.

Eduardo Schiavoni, Do UOL, em Americana (SP). Notícia do dia 1º


maio 2014.

Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/05/01/por-trabalho-


escravo-mpf-denuncia-4-pessoas-de-confeccao-da-zara.htm>. Acesso em: 6 mar. 2015.

Santos (2005) afirma que com a globalização o espaço geográfico adquire


novos contornos, novas características, novas definições. E também uma nova
importância, porque a eficácia das ações está estreitamente relacionada com sua
localização. Os atores mais poderosos reservam o que há de melhor e de mais
interessante dos territórios deixando o resto para os outros.

Numa situação de extrema competitividade, os lugares repercutem os


embates entre os diversos atores e o território como um todo revela os movimentos
de fundo da sociedade. A globalização, com a proeminência dos sistemas
técnicos e da informação, subverte o antigo jogo da evolução territorial e impõe
novas lógicas. Os territórios tendem a uma compartimentação generalizada,
onde se associam e se chocam o movimento geral da sociedade planetária e o
movimento particular de cada fração, regional ou local da sociedade nacional.
Esses movimentos (de compartimentação) são paralelos a um processo de
fragmentação que acompanhado de novos atores não dispõem de instrumentos
de regulação que interessam à sociedade em seu conjunto. A agricultura moderna
cientifizada e tal como a que se desenvolveu no Brasil, constitui um exemplo dessa
tendência e um dado essencial para o entendimento de que no país constituem
compartimentação e fragmentação atuais do território.

O papel das finanças na reestruturação do espaço geográfico ocorre


quando o dinheiro usurpa em seu favor as perspectivas de fluidez, buscando
conformar sob seu comando, outras atividades. No entanto, o território não é
neutro, nem um ator passivo.

Produz-se uma verdadeira esquizofrenia, já que os lugares escolhidos


acolhem e beneficiam os vetores da racionalidade dominante, mas
também permitem a emergência de outras formas de vida. Essa
esquizofrenia do território e do lugar tem um papel ativo na formação
da consciência. O espaço geográfico não apenas revela o transcurso da
história, como indica a seus atores o modo de nela intervir de maneira
consciente. (SANTOS, 2005, p. 80).

126
TÓPICO 1 | A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

Na extensão da história humana, olhando o planeta como um todo ou


observando a superfície terrestre através dos continentes e países, o espaço
geográfico sempre foi objeto de uma compartimentação. Nos primórdios existiam
apenas ilhas de ocupação devido à presença de grupos, tribos, nações, cujos
espaços de vida formariam verdadeiros arquipélagos.

4 O BRIC: PAÍSES EMERGENTES DIFERENCIADOS E SUAS


CARACTERÍSTICAS
Alguns países emergentes assumiram um papel importante no mundo
globalizado, seja por sua população, seja por seu crescimento econômico, seja
por sua participação no comércio mundial. Entre eles destacam-se Brasil, Rússia,
Índia e China – o chamado BRIC, acrônimo formado pelas iniciais desses países.
Segundo Prado (2014), não é mais BRIC, e sim BRICS, pois a África do Sul foi
incorporada designando a letra “S” na língua inglesa – South Africa. A inclusão do
país africano ocorreu em 2011 e foi motivada apenas por interesses geopolíticos,
pois a África do Sul não é a economia mais dinâmica do seu continente. De acordo
com o repositório estatístico do Banco Mundial, em 2010 a Nigéria ultrapassou
o PIB da África do Sul. Ressalta-se que os sul-africanos constituem um centro
financeiro e industrial importante para o continente e entre os nigerianos ainda
predominam indicadores econômicos inferiores aos da África do Sul.

A composição inicial dos países BRIC surgiu a partir do estudo desenvolvido


pelo inglês JIM O’Neill em um estudo publicado em 2001 com o título: Building
Better Global Economic – BRIC – Construindo uma melhor economia global: Bric.
Em 2003, os países do BRIC foram objeto de estudo do Banco Goldman Sachs, grupo
de investimentos globais com sede em Nova Iorque, que analisou o desempenho
dessas economias a partir desse ano e comparou-as com as economias do G-6
(Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália). Nesse estudo
o banco utilizou um conjunto de variáveis para fazer uma projeção para 2050.
Dentre as variáveis estudadas destacam-se: as últimas projeções demográficas,
um modelo de crescimento da produtividade, o PIB (Produto Interno Bruto),
considerável abrangência de recursos naturais disponíveis em seus territórios
políticos, a renda per capita e as variações cambiais de cada país, o dinamismo da
economia interna, crescimento do consumo e a distribuição da renda nacional.
Também pesou o fato destes Estados Nacionais usufruírem de liderança regional
e a soma de suas características resultarem em um grupo de nações com influência
relevante na geopolítica mundial. Nesse documento e na projeção obtida, muito
provavelmente, em 2050, das economias do atual G-6, apenas Estados Unidos
e Japão estarão entre as maiores do mundo, mas poderão ser ultrapassadas no
conjunto pelo BRIC. (ALMEIDA, 2013a; PRADO, 2014).

Para fins didáticos, Prado (2014) apresenta projeção cartográfica que


representa a disposição geográfica dos cinco países constituintes do grupo BRICS.
Ressalta-se que não se trata de um bloco econômico, nem de uma associação de
comércio, mas de um grupo de países cujos governos têm empenhado esforços

127
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

para consolidar um projeto político de um bloco de nações com condições


concretas para interagir na geopolítica global, ou seja, os países integrantes
querem transformar seu poder econômico em influência geopolítica no mundo
globalizado. Periodicamente, são realizados encontros oficiais dos chefes de
Estado dos cinco países, com propósitos de avanços na parceria.

FIGURA 12 – MAPA MUNDO COM DESTAQUE PARA OS BRICS

FONTE: Prado (2014)

Entre os países que compõem o BRICS, dois são NICs (Newly Industrialized
Countries) ou NPIs (Novos Países Industrializados) – Brasil e Índia; uma antiga
potência socialista – a Rússia; um país socialista de economia de mercado
– a China; e um país com algumas características econômicas comuns aos
dois primeiros – a África do Sul. O Brasil e a China possuem uma população
etnicamente homogênea, embora na China exista uma diversidade de dialetos;
A Índia, África do Sul e a Rússia possuem grande diversidade étnica. Os cinco,
porém, apresentam características em comum: grande extensão territorial,
(juntos possuem 28,8% da área mundial); têm grandes populações, (em conjunto,
representam cerca de 40% da população mundial); são ricos em recursos naturais
e importantes exportadores de matérias-primas no mercado mundial; apresentam
grandes desigualdades de nível econômico entre as várias regiões do seu território
(ALMEIDA, 2013).

128
TÓPICO 1 | A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO MUNDIAL E A GLOBALIZAÇÃO

Prado (2014) explica que entre os BRICS prevalecem condições internas


distintas, algumas que os separam no plano individual e outras que os aproximam
no âmbito coletivo. Santos (2010, p. 26) corrobora, explicando que “a China, por
exemplo, no aspecto econômico, é a que dá mais sentido e dinamismo ao grupo,
superada apenas pelos Estados Unidos, é a segunda potência econômica mundial,
ultrapassando o Japão”. Já no que se refere à importância política e geopolítica,
Brasil, Rússia e Índia evidenciam relevância e fortalecem o grupo nos fóruns
econômicos mundiais e nas organizações multilaterais.

Na atual era técnico-científica-informacional, Prado (2014, p. 21) defende


que o conhecimento e a lógica da produção científica tornaram-se fundamentais
para o exercício do poder hegemônico dos interesses políticos e corporativos em
âmbito internacional, “o acesso aos produtos oferecidos pela ciência caracteriza
o domínio efetivo em tecnologias e a garantia de produção e comércio que
constituem os aspectos das relações internacionais entre as nações do globo” (grifos
nossos). Dessa forma, a dinâmica da participação de cada país, processo da produção
científica, é condição vital para que se possa elaborar meios e mecanismos de uma
política nacional e institucional bem estruturada. A ciência se caracteriza como
faceta para consolidação das condições estruturais do desenvolvimento econômico
e social, pois seus escopos científicos culminam no aprimoramento, na ampliação
do conhecimento, da tecnologia e da inovação. Prado (2014) se propôs a analisar,
de forma articulada, a produção científica e os indicadores econômico, sociais e
estratégicos dos países BRICS, buscando caracterização descritiva das relações
mantidas na cooperação destes sujeitos geográficos e seus contornos conjunturais
que efetivam práticas de colaborações científicas.

129
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos que:

• Diversos processos e atores com seus fatores e/ou variáveis atuam de forma
dinâmica e contínua na organização do espaço mundial. Dentre estes processos
e fatores, a globalização é um dos processos que mais tem contribuído para
novas configurações socioespaciais.

• A dimensão socioeconômica da globalização é uma das mais influentes, e por


vezes determinante na reconfiguração e reorganização do espaço geográfico.
Fatores geopolíticos são igualmente importantes, atuando como coadjuvantes
junto aos fatores socioeconômicos, no plano internacional.

• A globalização contemporânea apresenta-se como processo multidimensional,


possuindo forças tanto antagônicas e opostas como forças convergentes
e complementares. Antagônicas porque existem resistências locais e
regionais, se contrapondo aos movimentos de globalização. Convergentes
e complementares porque as forças da globalização atuam na expansão, na
fixação e no fortalecimento do sistema capitalista e seus atores, como as grandes
corporações transnacionais, sistemas financeiros e organismos supranacionais.

• Em relação à dimensão socioeconômica da globalização, o aumento da pobreza


e da miséria, em praticamente todos os países, é o seu lado negativo, com
implicações diretas na mobilidade à procura por trabalho, o que resulta nas
migrações internacionais, na favelização, na informalidade e outras formas de
vida e de sobrevivência humana.

• A expansão dos fluxos comerciais, acompanhada da evolução dos meios


de transportes e das comunicações, tem seu ápice na hegemonia do
sistema capitalista em sua atual fase, em escala planetária, representada no
fortalecimento da Organização Mundial do Comércio, concomitante ao
enfraquecimento dos Estados-Nações.

• Os Novos Países Industrializados ou economias emergentes são apontados


como atores econômicos globais, desempenhando papéis decisivos no processo
de globalização, na expansão das empresas transnacionais, comércio mundial
e na organização de blocos econômicos.

• A globalização financeira em constante expansão vem superando o fluxo de


mercadorias e de capitais produtivos. Os capitais especulativos têm autonomia e
podem se deslocar rapidamente entre as bolsas de valores de diferentes países.

130
• A desmaterialização do dinheiro e sua crescente digitalização, fluidez e
volatilidade, acrescidas de facilidades para mobilidade tem gerado crises nas
economias emergentes com efeitos e consequências planetários.

131
AUTOATIVIDADE

1 Leia o texto para responder as questões.

“Historicamente, a África é a região mais explorada pela globalização:


durante os anos de colonialismo, o mundo tomou seus recursos, mas deu
muito pouco em troca. Em anos recentes, a América Latina e a Rússia também
ficaram desapontadas com a globalização. Elas abriram seus mercados, mas
a globalização não cumpriu suas promessas, especialmente para os pobres”.
(STIGLITZ, 2007, p. 71-72).

a) Para este autor estadunidense, ganhador do prêmio Nobel de economia


em 2001, a globalização ocorre desde o colonialismo, com a expansão do
capitalismo. Para outros autores, a globalização é um fenômeno recente, da
última metade do século XX, só efetivada após os progressos tecnológicos
alcançados.

Disserte sobre o os conceitos de globalização, expressando seus pontos de


vistas, com justificativas que relacionem fatos os fenômenos que ocorrem no
lugar em que vive e trabalha.

b) Milton Santos, em várias obras, defendeu a ideia de que a globalização possui


um lado perverso que aprofunda as disparidades sociais, explora espaços
ricos em recursos naturais e deixa um rastro de degradações ambientais e
sociais. Disserte relacionando globalização e pobreza.

3 A globalização ora em curso está para o atual período científico-tecnológico


do capitalismo como o colonialismo esteve para sua etapa comercial ou o
imperialismo para o final da fase industrial e início da fase financeira. Trata-
se de uma expansão que visa aumentar mercados e, portanto, lucros, que
é o que de fato move os capitais produtivos ou especulativos na arena do
mercado. (SENE; MOREIRA, 1998, p. 64).

Sobre capitalismo, globalização e suas consequências, analise as afirmativas:

I- A globalização da economia pressupõe processos iguais de produção


de mercadorias em todas as partes do mundo em que as empresas
multinacionais e transnacionais atuam sem considerar adaptações aos
mercados locais em função de diferentes fatores econômicos, climáticos,
jurídicos e culturais.
II- O FMI tem como meta a liberalização das economias capitalistas nacionais,
sobretudo nos países menos desenvolvidos, para impedir o endividamento
externo dos mesmos, que seria uma forma de dependência entre os povos.
III- A globalização do capitalismo é formada por um conjunto de processos
que possibilitam produzir, distribuir e consumir bens, serviços e capitais.

132
São exemplos desses processos os cartões de crédito, a rede informatizada
interbancária, redes de mercados, lojas de alimentos como o fast-food e
outros.
IV- O capitalismo, após a Segunda Guerra Mundial, consolidou sua
internacionalização com o processo de globalização e formação dos
oligopólios internacionais a partir da fusão entre empresas de diferentes
nacionalidades que originou as empresas multinacionais e transnacionais.
Os Estados Unidos, por exemplo, como potência econômica capitalista,
orientaram a transformação interna das empresas norte-americanas para
a nova realidade.
V- Uma parte da força de trabalho empregada pelas transnacionais está
fora de seus países de origem. A produção capitalista internacional
incorporou a mão de obra de muitos países em uma estrutura empresarial
mundialmente integrada, em processos de terceirizações.

Assinale a afirmativa correta:

a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.


b) ( ) As afirmativas III, IV e V estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, III, IV e V estão corretas.
d) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.

3 A economia globalizada caracteriza-se por extrema movimentação de


capitais, que circulam diariamente por diferentes mercados financeiros do
mundo. Em muitos casos, esses capitais direcionam-se para investimentos
produtivos; porém, em grande parte, essa movimentação tem caráter
especulativo, que pode devastar economias mais frágeis.

Analise as características dessa fase do Capitalismo Financeiro, marcada pela


supremacia do capital especulativo sobre o capital produtivo.

I- Na contemporaneidade um amplo movimento de abertura econômica e


de redução do papel regulador do Estado sobre os capitais privados tem
permitido a consolidação do capitalismo financeiro.
II- A formação de megablocos econômicos tende a promover uma ampla
abertura comercial e financeira entre seus membros para se fortalecerem
regionalmente e fazer frente à concorrência global.
III- A financeirização foi responsável pela universalização de direitos sociais,
que se estendem ao conjunto das populações mundiais, uniformizando o
processo de desenvolvimento.
IV- O neoliberalismo econômico pregou a redução do papel do Estado nas
economias nacionais por meio da privatização de empresas e atividades
econômicas anteriormente exercidas por empresas estatais.

133
Assinale a alternativa correta:

a) ( ) As afirmativas I – II e III estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I – II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas II – III e IV estão corretas.
d) ( ) As afirmativas I – III e IV estão corretas

134
UNIDADE 2 TÓPICO 2

A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS:


ORGANISMOS SUPRANACIONAIS

1 INTRODUÇÃO
No tópico anterior estudamos sobre as dimensões da globalização e como
esta pode contribuir para reorganizar o espaço mundial, ao mesmo tempo em que
é responsável por novos arranjos geopolíticos e regionalizações. A explicação do
sistema de Bretton Woods mostrou, além da supremacia econômica dos Estados
Unidos, a criação de Organismos Supranacionais, os quais, num período de meio
século, se fortaleceram e estão atuando no cenário internacional.

As fronteiras dos Estados Nacionais na globalização têm sido ultrapassadas


por fronteiras mais amplas e mais abrangentes: as fronteiras supranacionais dos
organismos internacionais de financiamento (FMI e Banco Mundial), das empresas
transnacionais e dos blocos econômicos regionais. Estes organismos supranacionais
que agem no território do Estado-Nação ultrapassando ou perpassando suas
fronteiras colocando em xeque a própria soberania do Estado Nacional.

O setor terciário da economia assume uma importância cada vez maior e


suas atividades se adequaram à produção em massa e à substituição do ser humano
pela máquina. Entre as atividades terciárias em grande expansão na economia
globalizada estão os meios de transporte, as empresas de telecomunicação, o
turismo e o comércio mundial. Nas próximas seções pretendemos analisar como
determinados agentes ou atores supranacionais estão ultrapassando fronteiras e
modificando a soberania do Estado-Nação.

2 OS ORGANISMOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS


Em 1944, na Conferência de Bretton Woods foram criados o Fundo Monetário
Internacional – FMI, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
e uma instituição do Banco Mundial, duas instituições para financiar e orientar a
reconstrução econômica dos países da Europa ocidental, destruídos pela II Guerra
Mundial. Estas instituições tinham a missão de financiar e orientar a reconstrução
dos países da Europa Ocidental, cuja economia havia sido destruída pelo conflito,
visando garantir certa estabilidade econômica mundial. Com a recuperação,

135
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

crescimento e autonomia das economias europeias, estas instituições voltaram-


se para os países subdesenvolvidos, especialmente os que já haviam iniciado
seu processo de industrialização nas décadas de 1950 e 1960. Entre as tarefas ou
atividades complementares que se mantém até hoje, apesar da adequação de cada
organismo às mudanças do capitalismo no mundo nas últimas décadas. Enquanto
o FMI se encarrega do setor financeiro mundial, o Banco Mundial é responsável
por projetos de longo prazo que visam ao desenvolvimento dos países-membros
e à redução da pobreza. (ALMEIDA, 2013a).

Essa ajuda, na época bem recebida pelos governantes dos países


emergentes, foi responsável pelo agravamento da dependência econômica e pela
dívida externa dos países subdesenvolvidos. De acordo com Almeida (2005, p. 454),
“apesar disso, esses organismos desenvolveram em algumas partes do mundo
bons trabalhos com as populações mais necessitadas, que estariam mais pobres
sem essa onerosa colaboração”. Teoricamente, com a globalização da economia,
essas instituições deveriam contribuir para diminuir as diferenças entre ricos e
pobres para que o processo econômico da globalização beneficiasse, igualmente,
ambas as partes. Porém, ocorre o contrário. Como a maior parte do capital dessas
instituições pertence a países desenvolvidos, estes acabam sendo favorecidos
em detrimento das necessidades dos mais pobres. Nas últimas reuniões, a crise
financeira na Europa, e a desaceleração da economia mundial como um todo tem
sido o tema das discussões, e vistos como importantes desafios a serem vencidos.

2.1 FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL – FMI


Quarenta e quatro países participaram da criação do FMI, em 1944.
Desses, 29 assinaram o Conselho Constitutivo do Organismo em 1945. Hoje são
188 países membros, representados pelo Diretório Executivo, constituído por
um diretor gerente, que supervisiona um grupo de funcionários contratados
internacionalmente e 24 diretores executivos. Os principais representantes são
dos maiores acionistas, Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, e
dos que possuem assento garantido no Diretório executivo China, Arábia Saudita,
Canadá e Rússia e por outros 15 integrantes eleitos por um período de dois anos.

Quando ingressam no FMI, os países compram cotas de participação,


assim, cada país membro possui uma cota de participação no fundo, estabelecida
preliminarmente, o destaque é para os países desenvolvidos, que são os maiores
cotistas, por essa razão, são eles que gerenciam o organismo. O número de cotas
de um país dá a dimensão de sua força na economia mundial, determinando a
influência dentro do FMI. Os Estados Unidos, maior acionista tem 17,7% de cotas,
Palau, arquipélago da Oceania, possui apenas 0,001%. O Brasil tinha em 2010,
2,2% aumentou para 2,3% sua cota, conforme noticiado no “Estadão”, em 23 de
julho de 2013. No entanto, segundo o site oficial do FMI, o Brasil tem oficialmente
1,78% de cotas. Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/sec/memdir/
members.aspx>. Acesso em: 15 maio 2015.

136
TÓPICO 2 | A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS: ORGANISMOS SUPRANACIONAIS

Outros países emergentes também aumentaram sua participação. Os


recursos provenientes dessas cotas e posteriores revisões formam o capital do FMI.

O FMI é acionado por um país em crise, para solicitar empréstimos ou a


moratória, que é suspensão e/ou prorrogação de empréstimos anteriores vencidos.
Os agentes da instituição são enviados para analisar a situação financeira e
a partir do observado são feitas sugestões de medidas que poderão contribuir
para a resolução dos problemas. O principal objetivo desses agentes é evitar que
tais problemas se alastrem e tomem proporções maiores, que possam repercutir
internacionalmente na economia. Os empréstimos do FMI são concedidos aos
países com problemas financeiros. Para receber os empréstimos a equipe do
governo deste país, que recorre ao FMI, assessorada pelos técnicos da instituição
elaboram um plano econômico emergencial denominado Carta de Intenções,
com medidas de austeridade para resolver e diminuir os problemas financeiros,
ou seja, metas são estipuladas por parte do devedor, para o ajuste orçamentário,
com cortes nos gastos públicos, redução da inflação, monitoramento da taxa
cambial, barramento do consumo excessivo com a diminuição salarial, aumento
das exportações e diminuição dos déficits, entre outros.

O Brasil é membro do FMI desde janeiro de 1946. Recorreu ao FMI em


1982, quando recebeu a quantia de três bilhões de dólares. Em dezembro de 2005,
o país saldou sua dívida com o Fundo. Em 2009, O Brasil se converteu em credor
do FMI, para ajudar a economia mundial em crise desde 2008, oferecendo 10
bilhões de dólares em troca de mais direitos de voto na instituição.

2.2 O BANCO MUNDIAL


O Banco mundial foi outra instituição criada na Conferência de Bretton
Woods, como já comentamos, esse organismo financeiro teve papel importante
na reconstrução dos países europeus após a II Guerra Mundial. Sua sede fica em
Washington, EUA.

Atualmente, o Banco Mundial assumiu outras atribuições, relacionadas


aos países não desenvolvidos e de economias em transição, e a
reconstrução de países depois de catástrofes naturais. Sua prioridade,
porém, é a diminuição da pobreza no mundo. A mesma pobreza que os
países que o controlam têm contribuído para aumentar. (ALMEIDA,
2013a, p. 273).

A complexidade da instituição, que conta com 188 países-membros


e escritórios em mais de cem países, estabelece projetos que visam ao
desenvolvimento e as melhores condições de vida da população, por meio da
cooperação técnica financeira. Apesar disso, sua ação sobrecarrega a dívida
externa de países pobres e aumenta a dependência desses países em relação aos
organismos financeiros internacionais. Até o ano 2000, o Banco Mundial realizou
no Brasil, cerca de 345 projetos com um investimento de aproximadamente
30 bilhões de dólares. Muitos desses projetos foram realizados nos setores de

137
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

transportes, energia e no setor industrial, o que contribuiu para o aumento da


dívida externa. Atualmente, projetos se concentram nas áreas de gestão pública,
infraestrutura, desenvolvimento urbano, educação, saúde, agricultura e meio
ambiente, em várias partes do país.

A título de exemplificação de como o Banco Mundial interfere na


organização dos espaços, examinemos a notícia de 4 de agosto de 2014, sobre
o Projeto que destinou US$ 200 milhões em financiamento de emergência para
ajudar a Guiné, a Libéria e Serra Leoa a conterem a disseminação de infecções
de ebola, bem como ajudar as respectivas comunidades a enfrentarem o impacto
econômico da crise e a melhorar os sistemas de saúde pública em toda a África
Ocidental. O comércio transfronteiriço diminuiu consideravelmente, devido
ao fechamento das fronteiras terrestres dos países vizinhos e diminuição e
cancelamento de voos domésticos e internacionais, nos meses do segundo
semestre de 2014 a esses países. A consequência imediata foi diminuição de
receitas e de fluxos financeiros, queda no número de projetos que envolvem
pessoas expatriadas, ou viagens de pessoas a negócios. No setor de mineração,
se persistisse a evacuação de expatriados especializados, a queda de produção
comprometeria as atividades das empresas. Na Libéria, as escolas foram fechadas
como parte do estado de emergência decretado pelo governo, pois a epidemia se
constituiu num problema de saúde pública de grande preocupação, a ponto do
Grupo do Banco Mundial disponibilizar verba para a contenção e erradicação
da doença. Percebe-se que a situação de caos que assola estes países em função
da doença, que se tornou epidemia, com potencial de cruzar fronteiras e ter
propagação internacional.

Outro projeto do Banco Mundial, divulgado em 17 de julho de 2014,


para ajudar a República de São Tomé e Príncipe é a Segunda Estratégia para
Redução da Pobreza, com ações ao longo de quatro anos, para ajudar a reduzir
a pobreza (atualmente acima de 60%), promover o crescimento, criar empregos
e reduzir a vulnerabilidade aos choques do país. A Associação Internacional de
Desenvolvimento – IDA do Banco Mundial, criada em 1960, presta ajuda aos
países mais pobres do mundo, fornecendo empréstimos e concessões a zero juro
para projetos e programas que ajudam a promover o crescimento econômico,
reduzir a pobreza e a melhorar a vida das populações pobres. A associação é uma
das maiores fontes de assistência, para os 82 países mais pobres do mundo, 40 dos
quais estão na África. Os recursos aplicados trazem mudanças positivas para 2,5
milhões de pessoas.

Embora os financiamentos e desenvolvimento de projetos pelo Banco


Mundial em determinados países resulta em aumento das dívidas externas, estes
continuam sendo implantados em diversos países, nas mais diferentes áreas.

138
TÓPICO 2 | A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS: ORGANISMOS SUPRANACIONAIS

3 AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS
Iniciemos recordando sobre as empresas multinacionais, que são aquelas
que estão registradas em um país de origem, onde se localiza a matriz, mas, que
desenvolvem atividades em vários outros países, geralmente subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento com determinadas vantagens. As primeiras, constituídas
desde o século XIX, conhecidas como filiais de empresas estrangeiras atuaram
no setor extrativista minerador, extrativista madeireiro, construção de ferrovias,
fornecimento de energia elétrica etc. Depois da segunda Guerra Mundial, um
conjunto de empresas da Segunda Revolução Industrial, ou indústrias pesadas
atuando nos setores secundário (fábricas e indústrias) e também empresas do
setor terciário (bancos, lojas, seguradoras) expandiram unidades produtivas
e filiais para alguns países do então Terceiro Mundo, que apresentassem
condições favoráveis para recebê-las. Entre as condições favoráveis para o
deslocamento destas unidades estava a necessidade de manutenção de altas taxas
de lucratividade, conseguidas na exploração de contingentes de trabalhadores
excedentes em países com população numerosa, como México, Brasil, Índia,
Argentina, África do Sul e outros. Estas empresas buscavam ainda menores
custos de matérias-primas, fontes de energia, menos rigor em relação à cobrança
das leis ambientais, incentivos fiscais e novos mercados consumidores. Como
consequências, os países subdesenvolvidos que receberam estas filiais se
industrializaram (industrialização retardatária, ou tardia) e se tornaram os NICs
(Newly Industrialized Countries) ou NPIs (Novos Países Industrializados), mais
conhecidos como países emergentes. O termo transnacional substitui o termo
multinacional, pois com a fusão de empresas, formando monopólios e oligopólios
as empresas passaram a ter capitais e ações comercializadas em vários países.

Segundo dados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio


e Desenvolvimento (UNCTAD), elas são responsáveis por 25% da produção
mundial. As cem maiores transnacionais movimentam um quarto do comércio
mundial de mercadorias e serviços. Dessa forma, as empresas transnacionais
têm ultrapassado fronteiras nacionais, expandindo seus limites para fora do
país de origem e exercendo influência nas regiões onde passaram a atuar. Com a
globalização, elas assumiram a forma de empresas globais, pois mantem unidades
de produção separadas em diversos países (ALMEIDA, 2013a).

Na contemporaneidade, as empresas transnacionais continuam a se


expandir, instalando unidades produtivas nos países emergentes, e num novo
conjunto de países em desenvolvimento, que continuam ofertando mão de
obra barata, o principal atrativo para se instalarem em países. Outros fatores
são a infraestrutura de transportes e exportação, incentivos fiscais e mercado
consumidor. A presença destas empresas nem sempre beneficia os países que as
recebem, apesar de gerar empregos e renda, pois a maior parte de seus lucros é
remetida ao país de origem (ALMEIDA, 2013a).

139
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Como as transnacionais se expandem para além de suas fronteiras,


procuram reduzir ao máximo as barreiras comerciais e, por isso, às vezes, seus
interesses entram em conflito com os do Estado Nacional. Por seu poder econômico,
elas podem interferir em decisões do governo ou de organismos internacionais.
No entanto, o fator negativo é o não respeito às leis ambientais e trabalhistas.

DICAS

Para saber mais sobre o desrespeito às Leis ambientais e trabalhistas, acesse:

<http://www.conjur.com.br/dl/relatorio-shell-greenpeace.pdf>;
<http://www.banasqualidade.com.br/2012/portal/conteudo.
asp?Secao=Noticias&codigo=18056>;
<http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2015/04/multa-shell-e-basf-
por-poluicao-financiara-pesquisa-contra-cancer.html>;
<http://www.greenpeace.org.br/bhopal/docs/Bhopal_desastre_continua.pdf>.

A empresa anglo-holandesa Raízen Combustíveis S/A, popularmente


conhecida como “Shell”, uma multinacional do petróleo, iniciou sua instalação
no bairro Recanto dos Pássaros, cidade de Paulínia, estado de São Paulo, em 1975,
começando suas atividades, produzindo pesticidas, agrotóxicos organoclorados
Endrin, Dieldrin e Aldrin, em 1977. Componentes químicos destes produtos
foram encontrados no lençol freático sob as chácaras localizadas entre a fábrica
e o Rio Atibaia, um dos principais afluentes do Rio Piracicaba e que abastece
de água, entre outras, as cidades de Americana e Sumaré (SUASSUNA, 2009).
A fábrica de agrotóxicos foi vendida em 2000, para a indústria química alemã
Basf, que a manteve ativada até o ano de 2002, quando houve interdição pelo
Ministério do Trabalho e Emprego.

Investigações realizadas durante anos apontaram a negligência das


empresas Shell e Basf S/A com a proteção aos trabalhadores. A indústria contaminou
o solo e as águas subterrâneas com produtos químicos compostos de substâncias
cancerígenas, às quais os trabalhadores foram expostos. A contaminação causada
pela Shell em Paulínia é tóxica, persistente e bioacumulativa, podendo causar sérios
danos ao meio ambiente e à saúde humana. O processo contra a empresa possui
centenas de milhares de páginas derivadas de documentos e laudos, prova que
a exposição dos ex-empregados a contaminantes tem relação direta com doenças
contraídas por eles anos após a prestação de serviços na planta. Desde o ajuizamento
da ação, foram registrados mais de 60 óbitos de pessoas que trabalharam na fábrica.
Dezenas de ex-trabalhadores foram diagnosticadas com diferentes tipos de câncer
(próstata, tireoide, aparelho circulatório, hepáticas, intestinais), além de alterações
na fertilidade e impotência sexual (SUASSUNA, 2009).

140
TÓPICO 2 | A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS: ORGANISMOS SUPRANACIONAIS

Além da multa de R$ 370 milhões por contaminação ambiental, outra


multa de R$ 200 milhões foi aplicada pelo Ministério Público do Trabalho, pelo
que se refere a danos morais coletivos. Parte dos valores das multas será destinada
a projetos de saúde. Ambas as empresas foram também condenadas a pagar uma
multa de R$ 170 milhões para os trabalhadores que tiveram graves sequelas na
saúde devido à exposição de substâncias tóxicas. Parte da  indenização à qual
foram condenados, Shell e o grupo BASF, por contaminação no Brasil, financiará
pesquisas sobre o câncer, informou nesta sexta-feira (24 abr. 2015) o Ministério
Público do Trabalho.

E
IMPORTANT

Os “Drins” (Aldrin, Endrin, Isodrin, Dieldrin) são uma “família” de pesticidas ou


biocidas, utilizados no manejo agrícola e pecuário contra diversas pragas, ácaros, formigas
e parasitas, fabricados por alguns países, inclusive o Brasil. São extremamente tóxicos para
animais mamíferos, podendo ser absorvidos pela pele, inalação, olhos, ingestão e foram
associados ao câncer, a disfunções e comprometimento dos sistemas reprodutor, endócrino
e imunológico. Os biocidas são compostos destinados a matar, eliminando pragas e moléstias
provocadas por invertebrados e microrganismos. Esses insumos agrícolas têm destaque no
Brasil, devido ao modelo agrícola e estão relacionados ao aumento da produção no país. Após
1945 os biocidas organossintéticos, passaram a ocupar o recente seguimento de defensivos
agrícolas no mercado industrial para a agricultura, primeiramente nos países desenvolvidos
e posteriormente nos subdesenvolvidos. Atualmente estão incluídos na lista dos Poluentes
Orgânicos Persistentes (POPs), regulados internacionalmente pela Convenção de Basel
(que regula o lixo tóxico), foram proibidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em
maio de 2001, quando foi assinada a Convenção de POPs, em Estocolmo, na Suécia. Estes
compostos são bastante estáveis em meio alcalino e permanecem por períodos prolongados
no meio ambiente. A maioria dos POPs, uma vez liberados no meio ambiente, não se
degradam facilmente e acabam penetrando na cadeia alimentar, provocando impactos
ambientais elevados. Em geral, acumulam-se nos tecidos gordurosos dos animais. Como
não são solúveis em água, também não são metabolizados com facilidade. Assim, sofrem o
processo de bioacumulação, afetando mais os animais do topo da cadeia alimentar, entre os
quais está o homem. Diversos são os riscos à saúde, quando ocorre a intoxicação por esse
tipo de substância. Há casos de más-formações de fetos, anormalidade de desenvolvimento
de animais e seres humanos, diversas formas de câncer e queda da resistência imunológica,
podendo também causar tumores hepáticos e de tireoide. Disponível em: <http://ambiente.
hsw.uol.com.br/substancias-toxicas5.htm>. Acesso em: jul. 2015.

141
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Pelo exemplo apresentado, em sua maioria, estas empresas multi e


transnacionais têm sua sede em países desenvolvidos, que embora os países
onde se instalassem, possuíssem leis trabalhistas e de proteção ambiental,
houve descaso e desrespeito a elas. A interferência dos órgãos públicos, como
o Ministério Público do Trabalho foi de extrema importância na tentativa de
reparação dos danos ambientais e sociais da população diretamente afetada pela
omissão e negligência da empresa citada no exemplo.

4 ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ONGS


As organizações Não Governamentais – ONGs são organizações
formadas pela sociedade civil e não estão ligadas a governos, partidos políticos
ou empresas, agindo de maneira autônoma (realizam sua própria gestão).
Desenvolvem atividades de interesse público (embora não pertençam ao
Estado), fazendo parte do Terceiro Setor, ou seja, fazem parte de um conjunto de
entidades sem vínculo direto com o Primeiro Setor (Público, o Estado) e nem com
o Segundo Setor (Privado, o Mercado). As ONGs são formadas pela sociedade
civil, com fins públicos e não lucrativos. Essas organizações criaram mecanismos
de ação que pressionam o Estado e grupos econômicos em defesa de interesses
sociais, como ajuda humanitária, defesa dos direitos humanos e do meio
ambiente, campanhas pela paz etc., ou promovem ações no sentido de combater
a corrupção e as desigualdades sociais, ou mesmo na qualidade de assessoras
de movimentos sociais. Atuam de diferentes formas, organizando movimentos
locais como passeatas, utilizando as redes sociais para mobilizar a população
civil, promovendo intervenções políticas etc. Podem complementar o trabalho
do Estado recebendo doações deste ou recebem recursos de empresas privadas,
de entidades internacionais (Banco Mundial) ou até mesmo, contribuições dos
cidadãos (ALMEIDA, 2013a).

Segundo Vesentini (2008), o Terceiro Setor vem se expandindo


enormemente nas últimas décadas, sendo um setor amplo e diversificado. O
integram: cooperativas, clubes, associações e as ONGs. São milhares de ONGs
atuando em dezenas e até centenas de países, possuindo uma grande importância
nas questões internacionais. Algumas atuam na área política e social (contra a
tortura, pela anistia de presos políticos, combatendo a fome, a pobreza, a AIDS
etc.), outras em questões ambientais ou ainda na questão do desenvolvimento.
Entre as principais ONGs podem-se citar as seguintes: Anistia Internacional,
Cruz Vermelha Internacional, Amigos da Terra, a Organização Mundial Contra
a Tortura – OMCT, Derechos Humanos e Human Rights Watch – HRW (ambas
defendem e realizam pesquisas e defendem os Direitos Humanos), Médicos Sem
Fronteiras, Comissão Internacional de Juristas, Greenpeace, Pangea, Transparência
Internacional, a World Wide Fund for Nature – WWF.

A expansão das ONGs representa mais um indicador do enfraquecimento


do Estado Nacional, pois grande parte das atividades que elas propõem ou realizam
“deveria ser objeto de preocupação e ação das instituições públicas. Mas existe um

142
TÓPICO 2 | A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS: ORGANISMOS SUPRANACIONAIS

descrédito a respeito das instituições estatais, vistas como ineficientes ou, às vezes,
até corruptas, e uma busca de alternativas a elas, advindo daí, a popularidade e a
expansão das ONGs”. (VESENTINI, 2008, p. 217). No entanto, o autor faz ressalvas,
explicando que apesar de comumente defenderem causas bem vistas pelo público
em geral, uma grande parte delas gasta muitos recursos em propagandas, (o que
gera mais recursos, isto é, mais doações de pessoas ou firmas), e em pagamento
aos seus diretores, muitos deles com salários altos. As ONGs não costumam ser
internamente democráticas, pois é regra geral existir um, ou alguns fundadores,
diretor ou presidente, que age como bem entende, de forma autoritária, na chefia da
organização. Existem ONGs concorrentes, lutando pelas mesmas causas e também
oponentes, isto é, que defendem causas contraditórias entre si. Por exemplo: há
muitas ONGs que combatem o uso de produtos geneticamente modificados (e
algumas, não todas, recebem verbas de empresas produtoras de agrotóxicos, pois as
plantações transgênicas em geral utilizam muito menos esses produtos), enquanto
outras defendem os cultivos dos transgênicos, e que, em alguns casos, recebem
recursos de firmas de biotecnologia; há ONGs que defendem os interesses dos
agricultores da França ou dos Estados Unidos, a quem os seus governos fornecem
subsídios, e outras que criticam esses subsídios, e advogam uma maior abertura
comercial com maiores chances para os países pobres exportarem seus produtos
agrícolas para a Europa e Estados Unidos.

5 MÍDIA GLOBAL
A expansão nas últimas décadas, da mídia de alcance global, destacando-
se a internet, e as mídias televisivas nacionais e internacionais, tiveram uma
grande importância para a vida política dos países democráticos e para as relações
internacionais. A mídia, ou os meios de comunicação em geral, influenciam as
eleições e até mesmo os rumos de governos. Ela quase obriga os políticos a se
ocuparem de assuntos diversos, inclusive os conflitos militares. Ao abordar temas
polêmicos como corrupção, aborto, genocídio, crise econômica e assédio sexual a
mídia direciona a vida política, forçando os governos, especialmente nos países
do Norte, onde há um maior temor e respeito à opinião pública, a tomar decisões
rápidas sobre assuntos cada vez mais complexos. (VESENTINI, 2008). Vieira
(2013) corrobora afirmando que na primeira década do século XXI observam-se
importantes eventos políticos com a participação de atores não governamentais
utilizando a internet enquanto ferramenta política, ampliando e reforçando
acontecimentos de natureza nacional e internacional.

Alguns exemplos: Somália, país africano assolado por uma guerra civil
(conflitos tribais) por décadas. O sofrimento desse país foi mostrado pela mídia
ocidental e chocou a opinião pública, levando o governo estadunidense e enviar
tropas para garantir a paz, com apoio da ONU, em 1992, e logo em seguida,
1993, se retiraram sem terem conseguido êxito para a paz. Tanto a intervenção,
como a retirada, de acordo com Vesentini (2008), teriam sido produto da ação da
mídia. No início, a mídia apelativa mostrava os somalis como vítimas indefesas
e inocentes, no entanto, depois da morte de alguns soldados estadunidenses, a
mídia muda o discurso, desinteressando-se pela sorte da população somali que
143
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

não se identificou com as tropas estrangeiras. Além disso, havia os “Senhores da


Guerra” que lucravam com as guerras tribais e praticavam táticas de guerrilhas.
As pesquisas de opinião pública nos EUA mostravam que a maioria já não estava
mais preocupada com as frequentes matanças naquele país da África. Existe
também uma “guerra das comunicações” que é um fator decisivo em qualquer
conflito militar no século XXI, principalmente aqueles de alcance global, que
chamam a atenção da opinião pública, principalmente em países desenvolvidos.
Há quem diga que a mídia pode influenciar nas batalhas e nos rumos da guerra.

Vesentini (2008) explica que na política interna a influência dos meios de


comunicação é fundamental para alcançar a população e exercer o poder, a não
ser em algumas poucas comunidades pequenas, onde todos se conhecem. Sem a
presença ativa da mídia, as propostas políticas ou os candidatos não têm chance
de obter uma ampla base de apoio. Existem especialistas em imagens e vídeos (os
marqueteiros), que pesquisam o que a população quer ouvir (e o candidato deve
dizer exatamente isso), como um político deve se vestir, comportar-se, falar etc.
A ideologia não é mais a base do discurso, e sim os resultados das pesquisas de
opinião. No entanto, pensar de forma simplista é um erro. Pensar, por exemplo, que
a mídia faz o que bem entende, ou que apoia, ou que derruba quem bem entende,
que impõe suas opções à opinião pública, que seria apenas uma receptora passiva
de suas mensagens. Ocorre que as mídias são diversas, podem ser concorrentes
e tem pontos de vista diferentes entre si. Outro dado relevante é sobre a opinião
pública, boa parte da população é esclarecida e escolarizada, não é passiva, e nem
aceita tranquilamente qualquer mensagem da mídia. Os meios de comunicação,
eventualmente, se posicionam contra o governo ou determinado grupo social,
procurando também agradar seus anunciantes, patrocinadores. Os movimentos
sociais (ambientalistas, de bairros, de sem-teto, ou sem-terra, de mulheres, de
etnias minoritárias dentro de uma sociedade) exercem influência sobre a opinião
pública, pois são fontes de transmissão de informações e/ou organizadores de
atividades políticas e podem exercer influência sobre a mídia.

Analisemos um evento recente, a Primavera Árabe, cujas revoltas


começaram com manifestações na Tunísia, país do norte da África, em dezembro
de 2010. No dia 17 daquele mês, o vendedor de rua, Mohamed Bouazizi se matou,
em um ato de protesto contra as condições de trabalho no comércio, cobrança de
impostos e propinas, as quais resultavam em más condições de vida. O ato gerou
a mobilização de milhares de pessoas nas ruas, pressionando o presidente Zine
Al-Abidine Ben Ali a deixar o poder, em janeiro. Ben Ali estava no poder havia
mais de 20 anos.

Tem se divulgado sobre o significativo e ilustrativo papel da mídia, em


especial a internet no conjunto de levantes populares iniciados em dezembro de 2010
e que se propagou em países do Norte da África e Oriente Médio. O termo “primavera
árabe” é o termo usado para designar o conjunto sucessivo de levantes da região
árabe, e que resultaram em mudanças na organização política de alguns países. A
onda de protestos, mobilizações e ocupações fez parte de um processo que repercutiu
com a queda de governos em países como a Tunísia, Líbia e Egito, caracterizando-

144
TÓPICO 2 | A GLOBALIZAÇÃO E SEUS ATORES INTERNACIONAIS: ORGANISMOS SUPRANACIONAIS

se, sobretudo, como um movimento transnacional, na medida em que afetou não


apenas regimes nacionais, mas também seus vizinhos. (VIEIRA, 2013).

Kevin Connolly (2013), correspondente da BBC no Oriente Médio,


afirma que as rebeliões ajudaram a derrubar regimes que estavam consolidados
há décadas, portanto, a Primavera Árabe, do contrário do que parece, tem
historicidade. Aos protestos que se iniciaram na Tunísia, se seguiram protestos no
Egito, que antecederam a queda do presidente Hosni Mubarak, e ao conflito na
Líbia, que resultou no fim do regime de Muammar Khadafi. E, três anos depois do
início dos protestos o Oriente Médio ainda está em estado de tensão. A Primavera
Árabe também marcou o início do levante na Síria, país que hoje é palco de uma
guerra civil envolvendo simpatizantes e opositores do presidente Bashar Al-
Assad. Por outro lado, a onda de protestos também teve outras consequências
menos previsíveis.

Em especial o caso egípcio, Almeida (2013b) descreve que foram


usadas ferramentas disponíveis no espaço cibernético para a luta por um
Estado democrático e que culminou na queda do Presidente Hosni Mubarak.
A pesquisadora salienta o papel decisivo, no caso egípcio, do uso das mídias
sociais para a organização do movimento da sociedade civil egípcia em 2011. A
participação de atores estrangeiros e transnacionais na conexão e disseminação
de informações foi fundamental.

Sabe-se que o governo tentou barrar o funcionamento da internet dentro


do território egípcio por horas, na tentativa de desmobilização da população.
Essas participações via Internet tornaram o movimento egípcio de alguma forma
global, o que faz com que este, possivelmente, possa ser qualificado como parte
do novíssimo regime de cyber política. O Egito de hoje passa por um momento
complexo e não há modo de prever o que acontecerá no futuro. No entanto,
independentemente do resultado futuro dos processos vividos pelo país, os
grandes movimentos de protestos de 2011 marcarão a história mundial tanto
por sua grandeza, onde reuniu milhões de cidadãos nas ruas com o objetivo de
derrubar um ditador, quanto por sua capacidade de influenciar outros países a
fazerem o mesmo e, ainda, por seu modo inovador de mobilizar a grande massa
via Internet. (ALMEIDA, 2013b).

No entanto, Kevin Connolly (2013) afirma que no começo dos movimentos


havia bastante entusiasmo na imprensa ocidental sobre o papel do Twitter e
Facebook, em parte porque jornalistas ocidentais pessoalmente gostam das mídias
sociais. Essas redes têm papel importante em países como a Arábia Saudita, onde
servem para dar vazão às opiniões que são reprimidas pela imprensa oficial.

No começo, elas também tiveram um papel importante nos protestos,


mas isso ficou limitado a pessoas mais educadas e bilíngues. Os
políticos liberais, que usaram mais intensamente as redes sociais, não
ganharam grande apoio nas urnas. Já canais de televisão por satélite
tiveram influência muito maior, chegando a pessoas analfabetas
e que não possuem acesso à internet. Disponível em: <http://
www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131213_primavera_
arabe_10consequencias_dg>. Acesso em: 10 ago. 2015.

145
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos que:

• Os organismos supranacionais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional e


do Banco Mundial, criados no contexto geográfico e histórico do pós-Segunda
Guerra, cujos objetivos que podem ser resumidos no auxílio à reconstrução
europeia. No decorrer da segunda metade do século XX, à medida que os
objetivos iniciais foram sendo alcançados, estes organismos, que são ao mesmo
tempo, Agências da Organização das Nações Unidas – ONU, voltaram seus
interesses e novos objetivos para os países subdesenvolvidos. Com os novos
objetivos atrelados ao capitalismo, à financeirização dos capitais e apoio às
áreas de influência dos Estados Unidos, principalmente, estes órgãos voltaram-
se aos países subdesenvolvidos. Dentre os resultados o agravo da dependência
econômica dos países emergentes, a alteração das relações de poder entre
Estados-Nações, transformações em relação aos conceitos de territorialidade
nacional, soberania (econômica) e fronteiras nacionais.

• O Fundo Monetário Internacional – FMI é composto por uma organização onde


a representação dos países é através de cotas de participação. Os acionistas
com maiores cotas de participação possuem assentos garantidos no Diretório
Executivo. Os países centrais ou do Norte desenvolvido são os que possuem o
maior número de cotas, tornando visível a dimensão de sua força econômica
mundial, e consequentemente sua influência política. Os recursos provenientes
das cotas de participação formam o capital do FMI, o qual poderá ser utilizado
para “socorrer” um país em crise econômica.

• Ao recorrer à ajuda do FMI, o país em crise se submete a um plano de


organização e ajuste econômico com metas e ações que incluem desde, por
exemplo, cortes orçamentários para obras públicas, monitoramento das taxas
cambiais, contenção do consumo interno, manutenção dos níveis salariais
baixos e aumento das exportações. O objetivo principal de um país que recorre
ao FMI passa ser a obtenção de valores cada vez maiores, em dólares para o
pagamento das parcelas da dívida externa. Os custos sociais destas políticas
econômicas oneram as classes médias e baixas.

• O Banco Mundial é uma instituição complexa que estrategicamente organiza


e executa projetos que visam ao desenvolvimento e melhoria das condições
de vida da população, por meio da cooperação técnico-financeira. Estes
projetos podem beneficiar determinadas parcelas da população de diferentes
países, com o custo de representar aos governos locais onde os mesmos são
aplicados, agravo da dependência econômica (pois nem todos os projetos são
perdidos) e enfraquecimento da soberania nacional. Os empréstimos do Banco
Mundial são vinculados a metas e avanços sociais a curto e longo prazo em
consonância com a cultura e valores ocidentais. Os projetos implementados

146
exigem relatórios comprobatórios minuciosos da aplicação do dinheiro da
forma como orientado no projeto, cumprindo prazos e objetivos estabelecidos.
O não atendimento das premissas estabelecidas poderá implicar a devolução
das verbas que poderiam ser recebidas e/ou devolução dos valores recebidos e
não aplicados corretamente.

• As empresas transnacionais, anteriormente denominadas multinacionais,


transferiram unidades produtivas (fábricas e indústrias) para países que
oferecessem determinadas vantagens. Em decorrência desta expansão,
uma nova Divisão Internacional do Trabalho se estruturou. Alguns países
subdesenvolvidos, com uma industrialização nacional incipiente, alavancaram
seus processos industriais com a abertura para a internacionalização e pela
presença das transnacionais. As transnacionais têm ultrapassado fronteiras
nacionais, pressionando governantes a reduzir barreiras comerciais e
protecionismos. As políticas neoliberais de desregulamentação e privatizações
orientadas pelo capitalismo internacional e potências do Norte industrializado
contribuíram para mudanças na organização econômica e política mundial.

• Os Novos Países industrializados – NPIs (em inglês, Newly Industrialized


Countries – NICs) também denominados de emergentes, formam grupos de
Estados Nacionais que apresentam com algumas diferenças, crescimento
econômico, Produto Interno Bruto – PIB elevado, destaque nas exportações,
com, no entanto, permanência das disparidades sociais e dependência
econômica.

• As Organizações Não Governamentais em ascensão desenvolvem atividades


de interesse público, fazem parte do Terceiro Setor e sua expansão e atuação no
contexto nacional e internacional representa mais um fator que contribuiu para
o enfraquecimento e/ou mudança do significado das fronteiras nacionais.

• A mídia global, destacando-se a internet e a televisão, possuem um alcance


cada vez mais global, assumindo, assim, papel de destaque junto à população
no que se refere às questões de interesse coletivo (das massas populacionais).
Através da internet já foram organizadas mobilizações tanto para pressionar
governantes, influenciando nas decisões políticas, como para mudar os rumos
da política e das formas de governo em alguns países. É preciso estar atento
para o poder de manipulação e visões defendidas pela mídia. Suas escolhas
e enfoques, muitas vezes apelativos para determinados eventos e fenômenos
sociais, podem tanto gerar solidariedade e mobilização para a solução proativa,
como, sentimentos de repulsa, intolerância e ódio, que levam à violência.

• A mídia global exerceu papel preponderante nos processos e eventos ocorridos


entre 2010 e 2014 no norte e nordeste da África, e Oriente Médio, denominados
em seu conjunto de Primavera Árabe. A sequência dos fatos (mobilizações,
passeatas, ocupações de praças e reinvindicações) resultaram na queda de
governantes totalitários e ditatoriais.

147
AUTOATIVIDADE

1 Leia o que Celso Furtado, um dos principais economistas brasileiros,


escreveu sobre a globalização. Depois responda às questões.

“Tudo indica que prosseguirá o avanço das empresas transnacionais, graças


à crescente concentração do poder financeiro e aos acordos no âmbito da
Organização Mundial do Comércio – OMC sobre patentes e controle da
atividade intelectual, o que contribui para aumentar o fosso entre países
subdesenvolvidos e desenvolvidos”. (FURTADO, Celso. O capitalismo Global.
7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 37).

Disserte caracterizando as empresas transnacionais.

2 Sobre a sociedade global, Praxedes et al. (1997) escrevem:

“As pessoas se alimentam, se vestem, moram, se comunicam, se divertem, por


meio de bens e serviços mundiais, utilizando mercadorias produzidas pelo
capitalismo mundial, globalizado.

Suponhamos que você vá com seus amigos comer Big Mac e tomar Coca-
Cola no McDonald’s. Em seguida, assiste a um filme de Steven Spielberg e
volta para casa num ônibus de marca Mercedes. Ao chegar em casa, liga seu
aparelho de TV Philips para ver o videoclipe de Michael Jackson e, em seguida,
deve ouvir um CD do grupo Simply Red, gravado pela BMG Ariola Discos
em seu equipamento AIWA. Veja quantas empresas transnacionais estiveram
presentes nesse seu curto programa de algumas horas”. (PRAXEDES et al. O
Mercosul. São Paulo: Ática, 1997).

Diante do contexto apresentado analise as afirmativas:

I- Dentre as características do capitalismo globalizado está a eliminação das


particularidades culturais dos povos da terra e substituição por cultura de
consumo, espelhada na civilização ocidental.
II- A cultura do consumismo está se expandindo por todos os continentes, não
interferindo nos padrões de comportamento das sociedades tradicionais.
III- A globalização econômica, ao mesmo tempo em que busca uma massificação
do consumismo, prega e incentiva a todo custo a manutenção de costume,
valores e comportamentos locais.
IV- Filmes, programas de televisão e música são mercadorias como quaisquer
outras, e contribuem para a mudança de comportamentos.

148
Agora, assinale a alternativa correta.

a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, III e IV estão corretas.
d) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.

149
150
UNIDADE 2 TÓPICO 3

O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS


ECONÔMICOS REGIONAIS

1 INTRODUÇÃO
O comércio entre povos é uma atividade que existe desde os tempos
primitivos e antiguidade. Foi através do comércio que os povos expandiram seus
horizontes geográficos, divulgaram aspectos culturais e trocaram experiências e
inventos. O comércio mudou a Europa medieval, conduziu ao sistema capitalista,
e por sua vez ao colonialismo, imperialismo e faz parte da globalização. A economia
contemporânea está cada vez mais dependente do comércio internacional,
exigindo fortalecimento através de regras e acordos.

Após a segunda metade do século XX, houve um vertiginoso crescimento


do comércio internacional, marcado pelo expressivo aumento dos fluxos
comerciais, ou seja, das exportações e importações de bens e serviços entre os
países do mundo.

Na tentativa de se fortalecer para competir no mercado internacional


surgiram acordos entre os países que se uniram, a princípio para comercializar
entre si, eliminando entraves comerciais, e negociar com terceiros, em grupos,
obtendo vantagens para os associados. Assim, no decorrer da segunda metade
do século XX, foram se constituindo os mercados regionais, renomeados como
Blocos Econômicos.

2 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO – OMC


A Organização Mundial do Comércio – OMC é o órgão que regulamenta
o comércio internacional de bens e serviços, que pode ser realizado de duas
maneiras: sob a forma de relações comerciais multilaterais ou bilaterais e por meio
da regionalização criada pelos blocos econômicos. As duas formas podem ocorrer
simultaneamente. Criada em 1995, a OMC, tem sua sede em Genebra, na Suíça, é
composta por mais de 150 países. A criação de uma entidade que regulamentasse
o comércio multilateral em escala mundial, evitando favorecimentos e
protecionismos, surgiu no final da II Guerra Mundial, mais especificamente, na
reunião de Bretton Woods, em 1944, que fundou o Banco Mundial e o FMI. Após a
criação da ONU, em 1945, tiveram início os trabalhos para a redação da carta da
151
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Organização Internacional do Comércio – OIC, porém não houve unanimidade


entre os representantes dos países reunidos nos dois anos que se seguiram.
Em 1948 foi assinado um acordo provisório, por 23 países, entre eles o Brasil,
denominado Acordo geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, sigla do inglês,
General Agreement on Tariffs and Trade. Por estabelecer regras provisórias, o GATT
não tinha bases muito sólidas, e qualquer país, denominado “parte contratada”,
podia vetar suas decisões, em qualquer disputa comercial. O acordo provisório
se tornou duradouro, perdurando até 1995, quando depois de anos de reuniões,
chamadas de “rodadas”, se transformou na Organização Mundial do Comércio
(ALMEIDA, 2013b).

Durante os anos de negociações para a transformação do GATT em


organização, várias negociações e discussões giraram em torno da redução das
barreiras tarifárias. A derrubada das medidas protecionistas, como a cobrança de
altas de importação, que até então, ao proteger certos mercados, dificultavam a
expansão das trocas comerciais. Medidas como a redução das barreiras tarifárias
e a harmonização de política aduaneira favoreceram a intensificação do comércio
internacional, e principalmente os países mais industrializados.

O GATT estabeleceu a principal regra para o comércio mundial que


continua sendo o princípio básico da OMC: o Princípio da Não Discriminação
entre as Nações, que proíbe o protecionismo e as diferenças de tratamento entre
os países membros. Outros acordos do GATT para o comércio de bens e produtos
foram incorporados na OMC, a qual se ampliou e se solidificou como entidade
de regulação comercial contando com países membros por ser uma organização.
O país que viola as regras da OMC deve retroceder, sob pena de sofrer sanções
comerciais. A economia mundial, e consequentemente o comércio mundial, se
tornaram complexas. Além de bens e produtos, são comercializados serviços
(transportes, turismo, bancos, seguros, telecomunicações) e ideias (consultoria,
livros, propriedade intelectual, patentes). Esta ampliação do comércio mundial
se deve, principalmente, à ampliação do setor produtivo nos países mais
industrializados e desenvolvidos (Estados Unidos, Canadá, países da Europa
Ocidental e Japão), fato que motivou a expansão das filiais das multinacionais e/
ou transnacionais para países em desenvolvimento, e como num efeito dominó,
precisaram da eliminação das tarifas aduaneiras que ainda vigoram em países que
haviam adotado a política de industrialização via substituição de importações.

152
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

ATENCAO

Propriedade intelectual: refere-se aos direitos que uma pessoa ou uma


empresa tem como autora de livros, poesias, músicas, filmes etc.
Patente: documento que atesta o direito de uma pessoa ou empresa a um invento (fórmulas
de medicamentos, por exemplo). Ao registrar a patente seu detentor tem assegurados os
direitos exclusivos para fabricar o produto ou gerar o serviço durante determinado tempo.
No Brasil, este período é de vinte anos.
Royalties: é o pagamento de taxas ou um valor fixo por cada unidade do produto, ou um
percentual do faturamento obtido na produção e venda de um produto ou serviço que
tenha patente ou propriedade intelectual registrada. Os royalties também podem ser uma
forma de remuneração pela utilização de processos tecnológicos patenteados (ou que
estão protegidos por licença) para a produção de algum produto.

Ao se expandirem pelo mundo em busca de custos mais baixos e de maior


produtividade para aumentar seus lucros, as multinacionais promoveram uma
reorganização da produção em escala planetária. As diferentes fases de produção
e de montagem das mercadorias passaram a ser compartilhadas entre diferentes
unidades produtivas, espalhadas pelo mundo, promovendo uma fragmentação
do processo produtivo internacional, como ocorrem com a produção de
aviões, automóveis, computadores e telefones, cujas peças ou componentes são
fabricados ao mesmo tempo em unidades produtivas instaladas em diferentes
países (MARTINEZ, 2013).

Com a expansão das multinacionais, a produção industrial em larga escala


tornou as relações comerciais entre os países mais complexas, estabelecendo uma
nova divisão internacional do trabalho, que também se tornou mais complexa.
O processo de industrialização desigual em relação ao tipo de indústrias e
tecnologias reflete relações desiguais no comércio, apesar dos princípios da
OMC. Com status permanente, a OMC, é um organismo supranacional como o
FMI e o Banco Mundial, e suas resoluções têm base legal porque seus membros
concordaram em seguir as regras estabelecidas, não significa, porém, que não
existam discordâncias e conflitos.

A divisão internacional do trabalho e as transações comerciais dela


decorrentes são realizadas entre os três grandes grupos de países: Os do
Norte desenvolvido e industrializado produzindo e exportando produtos
com tecnologias avançadas (nanotecnologias, aeroespaciais, química fina,
biotecnologias), patentes, tecnologias de ponta, capitais em forma de
investimentos e crédito financeiro, e recebem royalties, pagamentos e juros; os
NICs ou NPIs (Newly Industrialized Countries – Novos Países Industrializados),
onde alguns continuam produzindo e exportando matérias-primas (agrícolas e
minerais), exportam produtos industrializados dos mais diversos, e capitais em
forma de lucros, juros/dividendos e royalties. Estes países, no entanto, continuam
subdesenvolvidos, com desigualdades sociais e dependência econômica; e o

153
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

terceiro e mais numeroso conjunto de países é formado pelos subdesenvolvidos


que apenas produzem e exportam produtos primários.

As transformações econômicas, determinando novos papéis na Divisão


Internacional do Trabalho e a disseminação do neoliberalismo econômico defendido
pelas nações mais ricas e industrializadas, deram grande impulso ao comércio
internacional, que adquire cada vez mais complexidade. Com a adoção das políticas
neoliberais os países subdesenvolvidos em fase de industrialização, promoveram
a abertura de seus mercados e reduziram a participação do Estado na economia.
Os programas de privatizações, combinadas com a abertura das economias ao
capital estrangeiro, levaram ao avanço das empresas transnacionais pelo mundo,
ampliando ainda mais a expansão das trocas comerciais no espaço mundial.

Há que se ressaltar, ainda, que essa expressiva expansão do comércio


internacional ao longo das últimas décadas ocorreu apoiada nos avanços dos meios
de transportes, sobretudo pelo desenvolvimento de grandes aviões cargueiros e
navios de grande porte (superpetroleiros, graneleiros, porta-contêineres). Com
meios de transportes mais rápidos e eficientes, capazes de transportar milhares
de toneladas de produtos ao mesmo tempo, os custos logísticos diminuíram de
maneira significativa, estimulando ainda mais as relações econômicas e as trocas
comerciais entre o mundo.

ATENCAO

Tarifas aduaneiras são taxas alíquotas cobradas em importações de mercadorias.


Barreiras tarifárias são tributos e taxas estabelecidos por decretos governamentais de caráter
político e econômico, aplicados ao intercâmbio internacional de mercadorias.

DICAS

Para saber mais sobre a atuação do Brasil na OMC, leia as reportagens, disponíveis
em: <http://www.dw.de/brasil-%C3%A9-um-dos-mais-ativos-na-omc-e-ampliou-mercados-
em-20-anos/a-17573895>;<http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/10/uniao-
europeia-questiona-na-omc-politica-de-impostos-do-brasil.html>.

154
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

NOTA

Protecionismo é o sistema de proteção que o governo oferece aos produtores


nacionais, por meio de subsídios (ajuda financeira, custeio agrícola) elevação das taxas ou
impostos de importação ou de outras barreiras, como a imposição de cotas (limites) para a
entrada de mercadorias e serviços de outros países.

Apesar da crescente expansão do comércio mundial ocorrida ao longo


das últimas décadas, a distribuição dos fluxos comerciais é desigual no espaço
terrestre. Os países do Norte, industrializados e desenvolvidos detêm a hegemonia
deste comércio respondendo pelo enorme volume das trocas de matérias-primas
e mercadorias que circulam no mundo. São três os grandes eixos que estruturam
o comércio mundial: 1º eixo: Estados Unidos e o Canadá, na América do Norte;
a União Europeia; e alguns países asiáticos, com destaque para o Japão, China,
Índia e Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura). O
volume das trocas comerciais ocorre com maior intensidade entre as regiões
mais desenvolvidas, em função destas liderarem o comércio de produtos mais
avançados do ponto de vista tecnológico e, portanto, de elevado valor agregado,
enquanto a grande maioria dos países subdesenvolvidos da América Latina,
África e Ásia depende, basicamente, das exportações de matérias-primas
básicas (gêneros agropecuários, recursos minerais e energéticos) de menor valor
agregado. (MARTINEZ, 2013).

Segundo Lucci (2010), os países desenvolvidos têm praticado um


protecionismo disfarçado, para dificultar, ou até mesmo impedir, a entrada
de mercadorias de outros países em seus territórios, através de barreiras não
tarifárias. As mais comuns são:

• Defesa comercial: relativa a práticas comerciais que desrespeitam os princípios


e as regras estabelecidas, como o dumping, prática internacional em que são
comercializadas mercadorias com preços muito baixos, às vezes, até inferiores
aos preços de produção, com o objetivo de eliminar concorrentes e conquistar
novos mercados. Há ainda o dumping social, em que os países subdesenvolvidos
são acusados de aplicar normas e condições trabalhistas muito precárias,
barateando seus produtos e ganhando em competividade.

• Defesa técnica: nos casos em que o produto não apresenta tecnologia adequada,
como um veículo cujo sistema de freios é pouco eficiente, um brinquedo que
pode afetar a saúde das crianças etc.

• Defesa sanitária: envolve principalmente produtos agropecuários. A importação


de uma mercadoria pode ser impedida quando são detectadas doenças em um
rebanho, como febre e aftosa, ou doença da vaca louca, ou produtos agrícolas que
foram cultivados com uso excessivo de agrotóxicos, fertilizantes e/ou adubos.

155
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

• Garantia de preços mínimos na compra de safras agrícolas dos produtos


nacionais e prioridade para a compra interna.

Percebe-se que apesar do discurso pela liberalização comercial, estes


protegem amplamente os setores produtivos que podem ser afetados pela
concorrência de mercadorias importadas. É o que se chama de protecionismo.
Contraditoriamente, esses países (Estados Unidos, e membros da União
Europeia e Japão) exigem dos subdesenvolvidos maior abertura econômica,
com facilidades para investimentos financeiros de curto prazo, importações e
ingresso de empresas comerciais (como redes de hipermercados) e de serviços
(sobretudo telecomunicações e energia elétrica). Lucci (2010) alerta que por traz
do discurso de abertura econômica dos países desenvolvidos e dos organismos
internacionais (FMI, Banco Mundial e OMC) está, entre outros aspectos, o
interesse das transnacionais por mais liberdade de atuação, a fim de ampliar
suas margens de lucros, aproveitando-se das chamadas vantagens competitivas.
Assim, a globalização mostra-se um processo assimétrico, no qual os países
subdesenvolvidos obtêm pouca vantagem, e os países do Norte, amplos benefícios.

DICAS

Segundo a Revista Exame, de 16 de janeiro de 2014, a rede Walmart lidera de


longe a lista das 250 maiores varejistas do mundo, com receita quatro vezes maior que a
segunda colocada, a britânica Tesco.

Disponível em: <HTTP://EXAME.ABRIL.COM.BR/NEGOCIOS/NOTICIAS/QUEM-SAO-AS-10-


MAIORES-VAREJISTAS-DO-MUNDO> Acesso: 20 maio 2015.

Segundo Claudia Rolli, da Folha UOL, em 8 de agosto de 2014, o grupo é o maior varejista
do mundo e terceira maior rede de supermercados no Brasil, após passar por um processo
de reestruturação no país, pretende retomar os planos de expansão e abrir lojas no ano de
2015. Em 2014, o Walmart não inaugurou unidades no país e concentrou gastos na reforma
de 35 lojas. Em 2013, o grupo abriu outras 22 unidades, mas foram fechadas 25 lojas em
algumas regiões do Brasil e demitidos funcionários, principalmente da área administrativa.
A prioridade para 2014 e 2015 é a integração das lojas com diversas bandeiras, a integração
pelo sistema Walmart, o qual é um sistema global, responsável por automatizar as operações,
facilitar a gestão e aumentar a eficiência. No Brasil, o grupo tem 75 mil empregados em 18
Estados, distribuídos em 544 unidades.

Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/10/1529086-walmart preten


de-voltar-a-reabrir-mercados-em-2015.shtml>. Acesso em: 20 maio 2015.

156
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

3 O MUNDO EM BLOCOS
Paralelamente às negociações multilaterais para a liberalização comercial
no âmbito da OMC, são conduzidas diversas negociações de caráter regional, entre
dois países (bilaterais) ou num grupo mais amplo (multilaterais) para formação de
blocos econômicos ou para ampliar os acordos nos blocos já constituídos. A maior
parte dos países que participam da OMC está também envolvida em negociações
e acordos comerciais regionais ou faz parte de algum bloco econômico. Os
acordos de livre comércio trazem uma série de consequências para as empresas
e a população dos países integrantes dos blocos. Para a atividade produtiva de
um país que compõe um bloco, haverá ganhadores e perdedores. Geralmente,
os ganhadores serão as empresas ou produtores mais competitivos, ou seja,
aqueles que têm melhores condições de venda, pois podem conquistar mercados
nos outros países do bloco. Perdedores serão os pequenos produtores. Por serem
menos competitivos, com o aumento da concorrência, poderão até mesmo falir. A
população também pode se beneficiar, podendo consumir produtos mais baratos
que entram no país, ou ser atingida pelo desemprego, em virtude da falência
ou redução da produção das empresas nacionais. Apesar dessas implicações, o
processo de formação de blocos econômicos, de modo geral, acontece sem que
haja participação da sociedade nas decisões tomadas pelos governantes e pela
elite econômica. Durante o processo de formação da União Europeia, ao menos
nas etapas finais, porém, antes de decisões mais importantes, os governantes
consultaram a população por meio de plebiscitos (LUCCI, 2010).

Silva (2013) explica que a formação de blocos econômicos regionais é mais


uma das características da globalização que se expandiu consideravelmente,
enquanto Martinez (2013) questiona se a formação dos blocos econômicos
significaria um retrocesso, ou mesmo uma barreira ao processo de globalização,
e a possibilidade de formação de mercado global único. Para Silva, no entanto,
a relação globalização versus regionalização não deixa de ser paradoxal. A
finalidade desses blocos é estreitar os laços econômicos entre países membros e
dificultar a entrada de produtos e serviços oriundos de países ou regiões externas
a eles. Eis um procedimento protecionista, discutido nas páginas anteriores, na
seção sobre a OMC. A ideia geral da globalização é de integração comercial, de
expansão e de descentralização. A globalização e regionalização são processos
simultâneos, concomitantes e, se influenciam mutuamente por serem ao mesmo
tempo oposição ou resistência e complementação.

Almeida (2013a) destaca que desde que os países da Europa Ocidental


optaram pela integração econômica para enfrentar os Estados Unidos no mundo
pós-guerra, a fórmula tem sido seguida em outros continentes com o mesmo
objetivo: fortalecer-se no cenário internacional. A atual União Europeia tem um
alto grau de integração (não só econômica, mas também política). Entretanto,
nem todos os blocos adotaram as mesmas medidas, ou chegaram aos mesmos
estágios de integração. Assim, existem diferentes graus de integração entre as
diversas associações:

157
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Zona de livre-comércio: a intenção é apenas criar uma área de livre


circulação de mercadorias e capitais sem a cobrança de taxas alfandegárias, como
estabeleceu o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte – NAFTA.

União Aduaneira: a intenção dos países é um estágio além da livre


circulação de mercadorias e capitais, na união aduaneira é utilizada uma tarifa
externa comum em relação aos países que não integram o bloco, como acontece
no Mercosul – Mercado Comum do Sul.

Mercado comum: com as mesmas características das associações


anteriores, o mercado comum compreende também a livre circulação de pessoas
e a padronização da legislação econômica, trabalhista, fiscal e ambiental, como
ocorreu na União Europeia até 1998.

União econômica e monetária: atual estágio da União Europeia, após a


adoção da moeda única, o euro.

União Europeia, Nafta, Mercosul, CEI – Comunidade dos Estados


Independentes da Ex-União da Repúblicas Socialistas Soviéticas e a APEC –
Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, são os mais importantes blocos
econômicos do mundo globalizado.

3.1 UNIÃO EUROPEIA – EU


A união Europeia é um bloco fortíssimo no mercado internacional, mesmo
com a troca comercial entre países do bloco, em 2010 a UE correspondia por cerca
de 20% do comércio mundial e tem como principais parceiros comerciais os
Estados Unidos e a China. Contudo, a crise econômica e financeira que assolou
o planeta em 2008, seguida por forte recessão em 2009, não poupou os países
europeus. Itália, Espanha, Chipre, Irlanda, Portugal e Grécia apresentaram
grandes problemas em suas economias nacionais, o que contaminava a economia
do bloco. Tais países apresentavam elevadíssimo grau de endividamento público
junto a instituições financeiras e não conseguiam alavancar suas economias por
meio de geração de recursos advindos das próprias produções para saldar suas
dívidas. Seria impossível, sem a ajuda de todo o bloco, o que gerou polêmicas,
controvérsias e divergências entre seus Estados-membros. A crise se alastrou
pela zona do euro e chegou a resvalar na França, por causa da quantidade de
empréstimos feitos pelos bancos franceses aos países endividados (SILVA, 2013).

A crise se mostrou mais aguda na Grécia, que, em 2011, precisou da


intermediação dos líderes francês e alemão para negociar com 50% de desconto
a dívida grega junto aos bancos privados. A grande tensão do bloco e do mundo
era a de que o não saneamento de dívidas nacionais de países do bloco alastrasse
a crise para toda a economia europeia e, pior ao mundo. Ainda, em 2011 o
Parlamento britânico colocou em pauta a possível saída da Grécia da UE, o que
levou à votação da proposta de realização de um referendo popular, que foi

158
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

rejeitado pela maioria parlamentar. Mas a situação já coloca o país em situação


de desconfiança perante os demais membros da UE em relação ao compromisso
inglês com o bloco. No início de 2013, a crise ainda não tinha sido superada e
continuava a causar preocupação nos mercados financeiros.

Com sua expansão e o fortalecimento de suas instituições, a União


Europeia tornou-se uma potência mundial, em termos econômicos, comerciais e
tecnológicos. Em 2011, se comparado aos países não europeus, o bloco era o 13º
em área, o 3º em população, o 1º em PIB e ocupava o segundo lugar em número
de usuários da internet e de telefones celulares, conforme dados da CIA – The
World Factbook. O bloco europeu ocupou o 3º lugar no que se refere ao volume
mundial tanto de exportações, quanto de importações, perdendo apenas para a
China e os Estados Unidos. (ALMEIDA, 2013a).

3.1.1 As instituições da União Europeia


Considerado único no mundo, o sistema institucional da UE conta com
três organismos principais: o Parlamento Europeu, o Conselho da UE ou Conselho
Europeu e a Comissão Europeia, além de um Tribunal de Justiça e um Tribunal
de Contas.

O Conselho Europeu é a principal instituição ou instância política, mas


partilha com o Parlamento, que representa os cidadãos, decisões legislativas,
econômicas, orçamentárias e de política de segurança. Os chefes de Estado e
de Governo (Presidentes e/ou Primeiros-Ministros representantes dos países
membros da União Europeia) reúnem‑se, regra geral, quatro vezes por ano
em Bruxelas, em Conselho para definir a orientação política global da EU,
tomar decisões sobre questões políticas essenciais e preparar legislação da
União. Tem um presidente permanente, a quem cabe coordenar os trabalhos
do Conselho e assegurar a sua continuidade. O Conselho Europeu aborda
ainda problemas da atualidade internacional através da “Política Externa e
de Segurança Comum”, que constitui um mecanismo de coordenação das
políticas externas dos Estados‑Membros da União Europeia.

O Parlamento Europeu é o órgão eleito que representa os cidadãos


da União Europeia. Controla as atividades da União e participa no processo
legislativo, juntamente com o Conselho. Desde 1979, os seus membros são
eleitos por sufrágio universal direto, de cinco em cinco anos. No total, são 751
representantes, e cada Estado membro, tem direito a um número diferenciado
de representantes. A Alemanha e Reino Unido, por exemplo, têm direito a 96
e 73 representantes respectivamente, enquanto Chipre, Luxemburgo, Malta e
Estônia têm direito a seis, cada um.

159
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Os membros do Parlamento Europeu reúnem-se mensalmente


para debates e estudos de propostas, geralmente na cidade de Estrasburgo,
localizada na França, às margens do Rio Reno, na fronteira com a Alemanha.
Todas as sessões extraordinárias são realizadas em Bruxelas, Bélgica, assim
como o trabalho preparatório para as reuniões é igualmente feito em Bruxelas,
quando os presidentes dos grupos políticos juntamente com o Presidente
do Parlamento, define a ordem de trabalhos das sessões plenárias e as 20
comissões parlamentares redigem as alterações legislativas que vão ser
debatidas. O trabalho administrativo diário do Parlamento é realizado pelo
Secretariado‑Geral, em Luxemburgo e em Bruxelas. Cada grupo político possui
ainda um secretariado próprio, o que mostra a complexidade da instituição

FONTE: Disponível em: <http://pt.slideshare.net/raffaellaergun/ue-em-12-lies>. Acesso em: 20 jul.


2015..

A Comissão Europeia representa o interesse comum da UE, é a instituição


executiva por excelência, apresentando propostas de legislação e assegurando
que as políticas da União sejam adequadamente aplicadas, e representa a União
em escala mundial. Os 28 Comissários, um para cada país da UE, são responsáveis
pela direção política da UE durante o seu mandato. O Presidente da Comissão
atribui a cada Comissário a responsabilidade por áreas políticas específicas.
Os comissários são nomeados por cinco anos de comum acordo pelos Estados
membros, após aprovação do Parlamento Europeu.

A Comissão é responsável perante o Parlamento e é obrigada a demitir‑se


em bloco se for objeto de uma moção de censura aprovada por esta instituição.
Enquanto órgão executivo da União Europeia, a Comissão põe em prática as
decisões tomadas pelo Conselho, em domínios como a política agrícola comum,
por exemplo. Dispõe de amplos poderes na condução das políticas comuns da
UE como são a investigação e a tecnologia, o auxílio externo e o desenvolvimento
regional, cujos orçamentos lhe estão confiados. Os comissários são assistidos
por uma administração dividida em 44 departamentos e serviços, sediados
principalmente em Bruxelas e em Luxemburgo. Existem ainda várias agências
constituídas para executarem determinadas tarefas em nome da Comissão,
sediadas, na sua maioria, noutras cidades europeias. (FONTAINE, 2014).

A gestão corrente da Comissão é assegurada pelo seu pessoal,


constituído por administradores, juristas, economistas, tradutores,
intérpretes, pessoal de secretariado etc., repartido por vários serviços
ou direções-gerais. O termo “Comissão” pode ser usado para se referir
aos 28 Comissários, ao pessoal permanente ou à instituição no seu
conjunto. Disponível em: <https://europa.eu/eyd2015/pt-pt/european-
union>. Acesso em: 20 jul. 2015.

O Tribunal de Justiça resolve os litígios entre países integrantes, sua


sede é em Luxemburgo. Um juiz por cada Estado membro é assistido por nove
advogados‑gerais, todos designados por comum acordo entre os governos dos
Estados membros para um mandato renovável de seis anos.
160
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

O Banco Central Europeu (BCE), sediado em Frankfurt, é responsável pela


gestão do euro e pela política monetária da União Europeia. As suas principais
funções consistem em garantir a estabilidade dos preços e supervisionar os
bancos da área do euro. Já o Banco Europeu de Investimento (BEI), sediado no
Luxemburgo, concede empréstimos e garantias para ajudar as regiões menos
desenvolvidas da União Europeia e tornar as empresas mais competitivas.

Percebe-se que as instituições da UE funcionam como os três poderes de


um Estado moderno: Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas, a União não se
constitui, porém, num Estado Confederado a exemplo dos Estados Unidos, e nem
como um Estado Federativo a exemplo do Brasil.

A União Europeia é mais do que uma confederação de Estados, mas


não é um Estado federal. Na realidade, a sua estrutura não se insere
em nenhuma categoria jurídica clássica. É historicamente única e o seu
sistema de tomada de decisões tem vindo a evoluir constantemente há
cerca de 60 anos. (FONTAINE, 2014, p.11).

A democracia, uma das preocupações dos líderes da UE, é exercida


através dos referendos e/ou por intermédio do Comitê das Regiões. Este Comitê
das regiões é composto por representantes das autoridades regionais e locais,
nomeados por cinco anos, pelo Conselho, sob proposta dos Estados Membros,
pode apresentar e emitir pareceres por sua iniciativa. Tanto o Conselho como a
Comissão, devem consultar o Comitê das Regiões sobre matérias relevantes para
as regiões.

Fora das suas fronteiras, a União Europeia é representada por delegações


que assumem funções semelhantes às de uma embaixada. Entre as áreas de
intervenção em nível da política externa cita-se o auxílio para a consolidação
da paz através de apoio político, econômico e prático; envio de missões civis
e militares para o reforço da segurança a nível mundial ao abrigo da política
comum de segurança e defesa; manutenção de relações de amizade com os países
que fazem fronteira com a UE no quadro da política europeia de vizinhança;
ajuda ao desenvolvimento, resposta a situações de crise, ajuda humanitária, luta
contra as alterações climáticas e defesa dos direitos humanos.

Desde 1983, a UE tem definido a cada ano, um tema específico para


incentivar o debate e o diálogo a nível nacional e entre os países europeus, com
o objetivo de sensibilizar o público, incentivar o debate e alterar mentalidades
em relação ao tema específico escolhido. O Ano Europeu pode se constituir
em um compromisso político forte de empenho das instituições europeias
e dos governantes para que o tema em questão seja alvo de elaboração de
políticas futuras. Em alguns casos, a Comissão Europeia pode propor nova
legislação sobre o tema. A escolha dos temas nos anos que se passaram e do
atual foi proposta pela Comissão e aprovado pelo Parlamento Europeu e pelos
governos dos países da UE.

161
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

O ano de 2015 foi definido para ser o Ano Europeu do Desenvolvimento.


É a primeira vez, desde que foi instituído o ano europeu, que este tem por
tema a política internacional de desenvolvimento do bloco. Tratam-se dos
objetivos de Desenvolvimento do Milênio e de ações conjuntas para erradicar
a pobreza, promover o desenvolvimento sustentável e combater as alterações
climáticas. Para pôr em prática um conjunto de ações, pretende-se implicar os
cidadãos da UE, em especial os jovens no debate sobre o nosso mundo, a nossa
dignidade, o nosso futuro e no qual todos devem intervir proativamente.

FONTE: Disponível em: <http://europa.eu/eyd2015/pt-pt/european-union>. Acesso em: 20 jul. 2015.

3.1.2 Nem todos a favor da integração


Historicamente, europeus se posicionaram a favor da xenofobia,
discriminando estrangeiros, minorias étnicas e religiosas e enaltecendo sua
nacionalidade. Silva (2013) explica que a Aliança Francesa, liderada por Jean Marie
Le Pen, não se cansa de lutar por uma “França para os franceses”, e em compartilhar
das opiniões de 18% dos eleitores que lhe colocaram no segundo turno em 2002.
Sua sucessora na liderança do partido e filha, Marine Le Pen, chegou em terceiro
lugar na disputa à presidência da França em 2012. Ela propõe o retorno da pena
de morte no país, compara os muçulmanos no país com a ocupação nazista e
clama por severas restrições à imigração e aos direitos de cidadania a estrangeiros
residentes no país. Ela prega a saída da França da União Europeia, e em março
de 2013 encaminhou ao presidente François Hollande pedido para a realização
de um referendo, uma consulta popular, sobre a permanência da França na UE.

UNI

Segundo notícia do dia 4 de maio de 2015, no site do G1, desde 2011 Marine
Le Pen iniciou uma mudança nas concepções políticas da Frente Nacional (Aliança Francesa),
abandonando os compromissos do partido com movimentos neonazistas e antirrepublicanos,
mas conservando uma linha nacionalista e contra a imigração. Esta estratégia permitiu à Frente
Nacional obter uma série de sucessos eleitorais: dois deputados nas eleições legislativas de
2012, 11 cidades conquistadas nas eleições municipais, uma primeira cadeira entre os europeus
no Parlamento Europeu e dois senadores em 2014. Marine Le Pen expulsou seu pai, fundador
do Partido, Jean Marie Le Pen do Partido por declarações inadequadas sobre o holocausto
e imigração. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/05/lider-da-direita-
francesa-jean-marie-le-pen-e-suspenso-de-partido.html>. Acesso em: 21 maio 2015.

162
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

O Primeiro-Ministro da Itália, Sílvio Berlusconi, compôs com os


neofascistas, em 2008, a Liga do Norte, e adentrou o governo com seu líder
Humberto Bosi, um conhecido xenófobo. O desejo máximo da Liga é separar a
parte norte da Itália do sul. Enquanto não consegue seu intento, e dificilmente o
conseguirá, a Liga vem inferindo na vida institucional e conseguiu, em troca de
apoio a Berlusconi, impor uma nova política tributária pautada no federalismo,
que dificulta a transferência dos impostos arrecadados do Norte para o Sul. De
inspiração fascista a Liga é uma minoria barulhenta. Após ondas de escândalos
e forte pressão política, em 2011, Berlusconi renunciou ao seu terceiro mandato
como Primeiro-Ministro, mas demonstrou sua força nas eleições de 2013. Embora
tenha perdido as eleições na Câmara dos Deputados, a frente de centro-direita
liderada por ele, obteve a maioria dos votos no Senado Italiano.

A Holanda, até o final da década de 1990, tolerante, assistiu à ascensão


metafórica na extrema-direita do político Pim Fortuym. O político intolerante foi
assassinado por um ecologista igualmente intolerante, que discordava de suas
propostas em relação aos animais. O assassinato do sociólogo político causou
forte comoção, e o recém-fundado partido teve expressiva votação e chegou a
compor a coalizão que governou o país, porém de curtíssima duração.

No Reino Unido, a representação parlamentar de extrema-direita fica por


conta do inexpressivo Partido Nacional Britânico cuja principal bandeira é uma
Grã-Bretanha branca. Contudo, o controle político está instaurado há décadas
entre conservadores e trabalhistas, e os nacionalistas extremados têm tímida
participação na vida política.

Na Alemanha, o Partido Nacional Democrático da Alemanha, organização


partidária de extrema-direita, é combatida pelo governo, e não possui representantes
no Congresso, por não conseguir atingir 5% de votos, o mínimo exigido.

Ainda que, seja grande o número de partidos de extrema-direita europeia,


seu peso político é insignificante no universo global do continente; comportam-
se mais como uma minoria raivosa, impotente na vida parlamentar. Contudo, há
de se ressaltar que uma parcela de ultradireitistas não conduz suas aspirações
pela via partidária, e, sim, por ações extremistas quando a intolerância étnica
abandona o campo político e parte para ações violentas. No afã de defender suas
convicções, é assim que agem os Skinheads e diversas outras facções neonazistas
atuantes, sobretudo na Alemanha e Reino Unido. A Espanha é outro país que
convive com uma onda xenófoba. Já foram registrados mais de quatro mil casos
de racismo, e o número de neonazistas cresceu mais de 400% nos últimos dez
anos. Em todos os países com casos de xenofobia, racismo e discriminação, o
aumento da imigração (legal e ilegal) é a causa recorrente. (SILVA, 2013).

Uma das principais cláusulas da UE diz respeito à livre circulação das


pessoas dentro do bloco, e em 2007 se instituiu uma política comum de vistos e
imigração a países do espaço de livre circulação de pessoas. Algumas exceções:
Reino Unido e Irlanda não aceitaram todas as atualizações dos acordos. Os
cidadãos da Noruega, Islândia e Suíça, que não são membros do bloco, têm o
direito de transitar na Comunidade.

163
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

3.1.3 Estudo de caso: A imigração ameaça a estabilidade


da União Europeia
Reportagem do dia 21 de maio de 2015: O Primeiro-Ministro, David
Cameron, anunciou um conjunto de medidas com objetivo de tornar o Reino
Unido menos atrativo para imigrantes ilegais. O corte de benefícios sociais
segundo a repórter Ana Gomes Ferreira, paralelo a poderes à polícia para
confiscar salários de imigrantes ilegais, vigiar contas bancárias de suspeitos,
e investigação aos arrendamentos de casas suspeitas. As empresas que
contratarem ilegais são sujeitas a multas, podendo vir a se constituir delito
no futuro. O controle da imigração foi um dos pontos fortes da campanha de
reeleição do Primeiro-Ministro no início de maio de 2015, sendo seu principal
argumento: a imigração não controlada prejudica o mercado de trabalho
interno, e reduz os salários. Camerom, segundo a repórter, observou que as
medidas que anunciou, são necessárias para salvaguardar o funcionamento
das estruturas britânicas e considerou que a imigração afeta a qualidade da
educação e dos serviços de saúde do Reino Unido. Segundo o instituto de
estatísticas, prometeu ainda em campanha, a realização de referendo sobre a
permanência do país na União Europeia.
FONTE: Disponível em: <http://www.publico.pt/mundo/noticia/cameron-vai-cortar-beneficios-aos-
imigrantes-da-uniao-europeia-1696402>. Acesso em: 21 maio 2015.

O caso da Dinamarca: O governo da Dinamarca, com aprovação do


parlamento dinamarquês, impôs em 5 de julho de 2011, postos de controle
improvisado em suas fronteiras, com a Alemanha e Suécia, visando impedir a
entrada de novos imigrantes, drogas e armas. As ligações marítimas e terrestres
pela ponte de Oresund, que liga a capital Copenhague com a cidade de Malmo,
com a Suécia e com a Alemanha passaram a ter um controle mais rígido
pelas autoridades. A Alemanha anunciou ser contra a medida, a qual causou
preocupações e receios na UE, perante a possibilidade de violação do tratado que
garante a livre circulação de pessoas. As autoridades dinamarquesas pretendiam
investir 270 milhões de coroas dinamarquesas (36 milhões de euros) em pessoal e
equipamento tecnológico para os controles fronteiriços até 2013. (O Estado de São
Paulo. 6 jul. 2011, apud SILVA, 2013).

Reportagem do Jornal Nacional, no dia 13 de maio de 2015, sobre o


plano que estabelece cotas para países membros da União Europeia receberem
imigrantes. O plano, declarado como ousado, apresenta uma divisão controversa
que levará em conta, além da população e da situação econômica, a taxa de
desemprego e o número de refugiados já acolhidos em cada país. Alemanha,
França e Itália receberiam a maior parte dos imigrantes que seriam escolhidos
entre aqueles que escaparam de conflitos e estão em acampamentos na Turquia e
Jordânia. De acordo com os assessores de imprensa, vinte mil refugiados seriam
recebidos na Europa por ano. No entanto, o número é irrisório diante do número
que circula pelas fronteiras. Na rota do Mediterrâneo, há semanas em que o número

164
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

de pessoas tentando atravessar o mar em embarcações frágeis, superlotadas, chega


a sete mil. Os que já estão ilegalmente em solo europeu, em abrigos superlotados,
como os do sul da Itália, seriam redistribuídos entre outros países do continente.

Alguns países, como a Dinamarca, Reino Unido e Irlanda têm direito a


se recusar a receber os estrangeiros, segundo a repórter. A ministra britânica do
Interior declarou que os imigrantes deveriam ser mandados de volta para o país
de origem para evitar que a crise se agrave. A República Tcheca e a Eslováquia
também se mostraram contrárias ao sistema de cotas. A União Europeia ainda vai
discutir ações militares para combater os traficantes de seres humanos. Pretende
aumentar a cooperação com a Líbia e o Níger, que estão na rota da imigração
clandestina. Mas a Líbia já avisou que não vai aceitar nenhuma embarcação
estrangeira patrulhando suas águas. O plano será analisado pelo parlamento
europeu. O Conselho de Segurança da ONU vai decidir se aprova ou não os
ataques aos barcos dos traficantes.
FONTE: Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/05/uniao-europeia-
estabelece-cotas-para-paises-receberem-imigrantes.html>. Acesso em: 21 maio 2015.

Segundo Silva (2013), até 2013, a Europa tinha 224 casas de detenção,
exclusivamente voltadas aos imigrantes, que comportavam até 30 mil detentos à
espera do repatriamento. Uma política comum era a prisão e expulsão dos que
chegassem a ser pegos na fronteira, para depois analisar os casos dos que já haviam
entrado. Essa, segundo o autor é uma das partes perversas da globalização. Ao mesmo
tempo, em que a Europa precisa dos imigrantes, o que é um dilema paradoxal, estes
estão chegando demasiadamente, e em condições deploráveis fugindo dos conflitos,
da fome e da miséria, tornando-se alvos fáceis de contrabandistas do tráfico humano.

3.2 NAFTA – ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO DA AMÉRICA


DO NORTE
O bloco vinha se estruturando desde 1988, com a proposição da eliminação
gradativa das barreiras alfandegárias em suas transações comerciais. Entrou em vigor
em 1º de janeiro de 1994, após a formalização dos acordos comerciais entre Estados
Unidos, Canadá e México. Na tentativa de fazer frente à União Europeia, o Nafta
se restringe a acordos comerciais, sem pretender a integração política alcançada
pela EU, ou seja, sem criar tribunais supranacionais ou órgãos legislativos, sem a
harmonização das leis verificada na União Europeia.

Seu grande destaque é a economia dos Estados Unidos, que sozinha


representa 84% do PIB do bloco, enquanto a participação das economias canadense
e mexicana representa apenas 10% e 6%, respectivamente. Juntos, formam um
mercado de aproximadamente 440 milhões de habitantes e respondem por um PIB
de aproximadamente 16,1 trilhões de dólares (dados de 2007). (LUCCI, 2010). O Nafta
vem consolidando ainda mais a influência e controle da economia estadunidense,
sobre os países vizinhos, que até por volta de 2003, havia gradualmente eliminado as

165
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

barreiras e tarifas sobre produtos, serviços e recursos financeiros. O impulso alcançado


pela economia canadense ao longo do século passado, por exemplo, dependeu de
grandes investimentos e capital estadunidense. Com o Nafta, a economia do Canadá
se tornou ainda mais subordinada aos interesses dos empresários vizinhos do Sul,
que detêm o controle acionário de grande parte das empresas canadenses, inclusive
daquelas ligadas aos setores estratégicos ou mais avançados tecnologicamente
(informática, aeroespacial, eletroeletrônicos, química fina). Em decorrência deste fato,
alguns especialistas consideram o território canadense uma extensão da economia
dos Estados Unidos (MARTINEZ, 2013).

Já no México, a influência do capital estadunidense se fortaleceu com


o avanço das chamadas maquiladoras – empresas estadunidenses que se
instalaram em território mexicano na fronteira com os Estados Unidos, em
cidades como Tijuana, Mexicali e Ciudad Juarez. Entre estas empresas destaca-
se um grande número de indústrias do setor automobilístico (montadoras de
automóveis, autopeças e acessórios), montadoras de produtos eletroeletrônicos
e de informática, cuja produção se destina principalmente ao abastecimento do
gigantesco mercador consumidor estadunidense. Com a garantia de condições
de competição leal no interior do bloco, para a mão de obra especializada, a
criação do bloco favoreceu as economias do Canadá e do México, aumentando
a produtividade e fortalecendo o comércio da região, além de aumentar a
dependência econômica do Canadá e do México em relação aos Estados Unidos,
maior parceiro comercial dos dois países.

Uma das preocupações da população dos três países é com o desemprego,


pois se teme que a automação industrial e a robotização das indústrias de
tecnologia de ponta (instaladas nos EUA e no Canadá) reduzam a necessidade de
mão de obra nativa, além de outras se transferirem para o México onde a mão de
obra é mais barata.

Como não existe a perspectiva de integração política e livre circulação de


pessoas entre os países do bloco, a grande diferença socioeconômica e as disparidades
sociais entre a população do México e a dos outros dois países do Nafta trouxe vários
problemas para a sociedade e a economia mexicana, e também para trabalhadores
estadunidenses e canadenses. A questão da disparidade socioeconômica na União
Europeia, além de não ser tão grave, foi resolvida gradativamente, à medida que
foram direcionados investimentos das economias mais vigorosas (Alemanha, Reino
Unido e França) para os países menos desenvolvidos do bloco. Isso não ocorreu
com o Nafta em relação ao México. Desde sua implantação, muitas empresas dos
EUA se instalaram no México, atraídas pela mão de obra barata e pela legislação
trabalhista mais flexível. Em razão disto, no setor industrial dos EUA, milhares de
postos de trabalho foram fechados.

O Nafta não trouxe avanços tecnológicos significativos para o México,


pois muitas das novas indústrias que se instalaram eram apenas montadoras, as
maquiladoras, e boa parte dos componentes que integram os produtos, sobretudo
os de maior valor agregado, vêm de fora, principalmente dos EUA. Na agricultura

166
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

mexicana, os impactos foram igualmente negativos. Os cultivadores de trigo,


batata e arroz passaram a sofrer a concorrência dos fazendeiros estadunidenses,
tecnologicamente mais bem preparados e fortemente amparados pelos subsídios
do governo. Como consequência, pequenos e médios agricultores em crise, e
em dificuldades de sobrevivência, incrementaram o processo de êxodo rural e
urbanização já em curso. É inegável o crescimento da economia mexicana, desde
a implantação do livre-comércio. O Nafta impulsionou a economia mexicana
aumentado o valor da produção anual do PIB, além de receber investimentos dos
EUA. No entanto, além destas conquistas não serem duradouras, a população,
de modo geral, não se beneficiou com as mudanças resultantes do Nafta. A
manutenção das disparidades econômicas, junto ao acelerado processo de
urbanização, com a oferta anual de um número expressivo de trabalhadores no
mercado de tralho, resultou no aumento das taxas de migração ilegal de mexicanos
para os EUA, apesar das fronteiras estarem fechadas e vigiadas (LUCCI, 2010).

3.3 MERCOSUL
Em 1991, em Assunção, capital do Paraguai, os então presidentes do Brasil,
Paraguai, Argentina e Uruguai assinaram um acordo que visava à formação de
Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Até 1994 foram desenvolvidas políticas de
ajuste nos quatro países para a integração econômica, consolidando condições
políticas, econômicas e jurídicas internacionais. Com a assinatura do Protocolo
de Ouro Preto, as negociações avançaram na direção da União Aduaneira,
padronizando as tarifas externas para muitas mercadorias e restrições comerciais
não tarifárias, como o estabelecimento de cotas para a importação de certos
produtos, na tentativa de proteger o mercado interno do bloco. A partir de 1995,
a área de livre-comércio permite a comercialização dos produtos produzidos
nos quatro países sem cobrança de tarifas de importação entre estes. As medidas
visaram integrar a economia e fortalecer a negociação em bloco com os outros
países. (ALMEIDA, 2013; SILVA, 2013; MARTINEZ, 2013).

A viabilização do Mercosul, assim como outros blocos econômicos,


também tem, necessariamente, caráter político, pois a estabilidade regional
sem guerras e conflitos entre os Estados membros é um dos pressupostos para
a integração. Os documentos do Mercosul preveem que seus países devem ter
estabilidade política garantida, democracia fortemente instituída e consolidada,
respeito ao ambiente e à meta de desenvolvimento sustentável, estado de paz,
combate à pobreza, procurar a justiça social e o desenvolvimento econômico de
forma igualitária entre seus cidadãos. Foi com base nos argumentos relacionados
à estabilidade política e consolidação à democracia que, em junho de 2012, Brasil,
Argentina e Uruguai suspenderam temporariamente o Paraguai como membro
do bloco, a suspensão se estendeu inclusive para as reuniões da União das
Nações Sul-americanas – UNASUL, criada em 2008, por 12 países da América
do Sul. Tal decisão foi motivada pelo processo de impeachment do presidente
paraguaio Fernando Lugo, vista como um golpe para tirar Lugo do poder,
eleito democraticamente. Apesar dos protestos por parte dos líderes políticos

167
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

do Paraguai, a decisão se manteve, abrindo precedente para a Venezuela entrar


no bloco, já que anteriormente, havia sido barrada pelo Congresso paraguaio
(SILVA, 2013).

Além dos Estados membros, ou Estados parte, o bloco admite a participação,


com direitos restritos, de países associados, que podem vir a se tornar Estados
membros. Com isso, e visando à intensificação das relações econômicas no Cone
Sul do continente americano, outros países ingressaram no bloco como membros
associados: Bolívia e Chile (desde 1996), Peru (desde 2003), Equador e Colômbia
(desde 2004) e a Venezuela (desde 2006, como Estado membro associado e em
2012 como Estado parte). O Mercosul considera a possibilidade de outros países
latino-americanos, membros da Associação Latino-Americana de Integração –
ALADI, integrar o bloco. O México ocupa uma posição de país observador, pois
já se cogitou a sua entrada no bloco, o que ampliaria a participação dos países
latino-americanos.

E
IMPORTANT

A ALADI é um bloco precursor do Mercosul, se configura como uma zona


de preferência tarifária que atua no âmbito regional. É o maior grupo latino-americano de
integração, formado por treze países membros: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
Cuba, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Entre seus princípios
citam-se: pluralismo em matéria política e econômica, convergência progressiva de ações
parciais para a criação de um mercado comum latino-americano, flexibilidade, tratamentos
diferenciais com base no nível de desenvolvimento dos países membros e multiplicidade nas
formas de concertação de instrumentos comerciais.

A admissão da Venezuela como Estado parte no Mercosul, foi tema de


debate e discussões polêmicas, por que no âmbito geográfico e geoeconômico,
o país se localiza no norte da América do Sul, e possui fronteiras apenas com
o Brasil e não com os demais membros, o que poderia beneficiar os dois países
em detrimento dos demais do bloco. Os estados do Norte do Brasil viram nesta
adesão da Venezuela, uma possibilidade real de integração, por se localizarem
geograficamente distantes dos centros comerciais e da concentração das atividades
do Cone Sul. Polêmicas de caráter geopolítico questionavam a forma de governo
da Venezuela, sob o comando de Hugo Chavez na época. O fato de a Venezuela
ser membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, pois
concentra a 6ª maior reserva de petróleo do mundo, é um fator econômico com
extremo valor político e logístico para a região e para o bloco. (SILVA, 2013).

168
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

Além das relações comerciais de automóveis, minérios, alimentícios e


têxteis, principais produtos negociados entre os países, uma importante e polêmica
negociação bilateral entre Brasil e Argentina foi realizada em 2010: um acordo
para produção conjunta de energia nuclear para fins pacíficos. O tema sempre
levanta discussões sobre os possíveis usos bélicos, o que chocaria frontalmente os
princípios do Mercosul. A Argentina é o maior parceiro comercial do Brasil dentro
do bloco, o que se deve ao fato dos dois países serem os mais industrializados da
América do Sul, e também, concentrarem os maiores PIBs no bloco.

3.3.1 A integração das infraestruturas territoriais


A integração comercial do Mercosul está propiciando a intensificação
de transportes no Cone Sul do continente. O Corredor Comercial Sul pretende
ampliar a utilização do transporte intermodal, ou multimodal. O transporte
rodoviário, apesar de deficitário e insuficiente, ainda predomina na circulação
de mercadorias do bloco. As ferrovias, com diferenças de bitolas, (desde o século
XIX) inviabiliza a efetivação de uma malha ferroviária integrada. Hidrovias
em fase de construção e ampliação de seus usos encontram como obstáculos
os altos custos portuários no Brasil; a Usina Hidrelétrica de Itaipu dificulta a
ligação hidroviária entre Brasil e Argentina; os movimentos ambientalistas,
contrários à construção de hidrovias, defendem que os danos ambientais para
os rios seriam irreparáveis (poluição, erosão, assoreamento, desaparecimento
de espécies animais) em decorrência da intensificação dos fluxos. As duas
hidrovias em funcionamento, a Paraná-Paraguai e o Tietê-Paraná possibilitam o
transporte de produtos, enfrentam movimentos contrários dos ambientalistas. O
Rio Paranaíba passa a se chamar Rio Paraná a partir da divisa do Estado de São
Paulo com o Estado do Mato Grosso do Sul, sendo nesta região que a hidrovia
Paraná-Paraguai interliga Cáceres-MT até o estuário do Rio da Prata, num trecho
de 3.342km, servindo como via de escoamento de mercadorias do interior do
continente para os portos. No território brasileiro, a hidrovia percorre 1.270km,
por onde são transportados minérios de ferro e manganês, soja e outros produtos.
A hidrovia Tietê-Paraná interliga Conchas-SP a São Simão-GO e a Itaipu, divisa
com o Paraguai, totalizando um trecho de 2400km. São transportados soja, cana-
de-açúcar, combustíveis, fertilizantes, areia, cascalho integrando as áreas do
Centro-Oeste e Sudeste no interior do Brasil.

Apesar dos esforços de integração desde sua criação e da adesão de novos


países, o futuro do Mercosul é colocado em xeque por diversos fatores econômicos
e financeiros dos países membros em função da baixa quantidade de trocas
comerciais que ocorrerem, principalmente em momentos de turbulência política
em um dos países. Nesses momentos os Estados tomam medidas unilaterais,
com vistas a proteger suas economias nacionais, principalmente as indústrias
(muitas delas transnacionais). Alguns analistas indicam que o destacado caráter
comercialista do bloco é responsável por esta dinâmica.

169
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Essas análises são fortalecidas ao se verificar a criação de outro grupo


com pretensão de bloco econômico em 2008, também de integração regional, a
União das Nações Sul-Americanas – Unasul. A tendência de esta vir a substituir
o Mercosul é remota, mas se ocorrer, será pelo fato da Unasul ser mais ampla
tanto geograficamente como nos princípios. Reúne todos os países da América
do Sul, exceto a Guiana Francesa por ser um Departamento Ultramarino da
França, esta integra indiretamente a União Europeia. Para estudiosos do tema,
este novo bloco unifica iniciativas sul-americanas de integração com o Mercosul,
Comunidade Andina das Nações e a Integração Regional Sul-Americana. Suas
características resolvem alguns problemas de integração mais efetiva. Assim,
regionalmente unidos, os países sul-americanos teriam mais condições de enfrentar
economicamente as grandes potências ou os outros blocos. (SILVA, 2013).

Para Almeida (2013a) a Unasul terá um Conselho Sul-Americano de Defesa


e o Banco do Sul, encarregado de estabelecer a política monetária e financiar
projetos de desenvolvimento econômico. Para Silva (2013) a possibilidade de
governabilidade compartilhada, através de uma Secretaria Geral e Presidência,
ocupados rotativamente por representantes dos países, e a organização em
Conselhos representa avanços. No entanto, cabe lembrar, que talvez lá na frente,
em um futuro ainda distante, estes acordos resultem na formação de uma grande
zona de livre-comércio.

Martinez (2013) explica igualmente que, apesar dos avanços já alcançados,


o processo de integração e fortalecimento das relações entre os países do Mercosul
é problemático, uma série de obstáculos e dificuldades têm impedido a total livre
circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas no interior do bloco. Alguns
acordos comerciais podem afetar negativamente um ou outro país. A abertura do
setor agropecuário, por exemplo, no Brasil afetou os agricultores e pecuaristas
brasileiros menos competitivos que os argentinos; a abertura do setor industrial
prejudicou os empresários argentinos, que sofrem com a concorrência brasileira,
mais competitiva e avançada tecnologicamente. Por outro lado, Uruguai e
Paraguai reivindicam concessões econômicas a fim de compensar assimetrias
de mercados decorrentes de suas fragilidades econômicas. Juntas estas duas
economias representam menos de 2% do PIB do total do bloco. Essas assimetrias
também são observadas em indicadores como taxas de desemprego, inflação,
renda per capita, endividamento externo, entre outros fatores que comprovam
as imensas disparidades socioeconômicas entre os países membros do bloco.
Problemas dessa ordem emperram o avanço das negociações e dificultam o
estreitamento das relações comerciais e diplomáticas necessárias para a plena
integração entre os parceiros.

O Mercosul, além das ameaças do plano interno, sofre ameaças que vem
do plano externo. Muitos blocos de integração econômica estão organizados
regionalmente em todos os continentes. Em 1994, os Estados Unidos lançaram o
projeto de formar um bloco envolvendo todo o continente americano, com exceção
de Cuba, por filiação ideológica socialista. A Área de Livre-Comércio das Américas
– ALCA reuniria 34 países. Os membros do Mercosul se posicionaram contra esta

170
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

ideia, temendo o seu fim, bem como, a afirmação da hegemonia estadunidense


em toda a região. O Brasil, especialmente, poderia ser prejudicado com a entrada
na ALCA, porque o setor industrial não seria capaz de competir com as indústrias
estadunidenses, mais competitivas e avançadas tecnologicamente. Por outro
lado, setores com maior destaque na economia brasileira, como os de mineração,
siderurgia, agroindústria, são prejudicados por barreiras protecionistas dos EUA
e do Nafta (subsídios, cotas, dumping, restrições fitossanitárias e administrativas).
Por conta disso, em vez de ingressar na ALCA em condições desvantajosas, a
política externa brasileira tem buscado o fortalecimento do Mercosul, ampliando
as relações políticas e econômicas com esse bloco para obter vantagens em
uma futura negociação com os EUA. Até 2011, a iniciativa da Alca não havia se
concretizado, e as discussões estavam enfraquecidas (MARTINEZ, 2013).

Além dos blocos econômicos, há outras formas de integração entre os


países em tempos de globalização. Em 1996 foi formada a Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa – CPLP, cujos objetivos são aproximar os países de língua
portuguesa, promover o aprofundamento da amizade mútua e de cooperação
entre seus membros em áreas diversas (educação, saúde, ciência e tecnologia,
cultura, defesa, agricultura, administração pública, comunicação etc.). Em 1990,
antes mesmo da oficialização da Comunidade, os países de língua portuguesa
assinaram o Acordo Ortográfico da língua portuguesa. Em 2009, o Brasil aderiu
oficialmente ao Acordo, mas não de forma obrigatória. Em 2012, o governo
brasileiro marcou para 1º de janeiro de 2016 a aplicação obrigatória do novo
acordo ortográfico, que implica uma reforma ortográfica no Brasil. Os países que
integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa são: Angola, Brasil,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor
Leste (SILVA, 2013).

4 APEC – COOPERAÇÃO ECONÔMICA DA ÁSIA E DO


PACÍFICO
Em inglês, Asia-Pacif Economic Cooperation – APEC, é formada por diversos
países do sul, leste e sudeste asiático, da Oceania e também Hong Kong (região
administrativa especial chinesa) integrando ainda o Chile e Peru (países que
possuem acordos dentro do Nafta). Seu objetivo é a criação de uma grande zona
de livre-comércio de mercadorias e de capitais entre seus membros, prevista
para ser concluída até 2020. A integração completa do bloco, entretanto, terá que
superar inúmeros problemas, como as grandes disparidades políticas existentes
entre os países membros. Alguns países, como a China, possuem projetos
nacionais de desenvolvimento que não caminham para a abertura completa de
seu mercado. A diminuição das disparidades socioeconômicas é outro grande
problema a ser superado.

Até 2020, conforme Almeida (2013a), está prevista a instalação gradual e a


efetivação de uma área de livre-comércio abrangendo países da Ásia, da América
e da Oceania banhados pelo Pacífico. A intenção é aproveitar o crescimento

171
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

econômico da bacia do Pacífico e da costa oeste do continente americano uma vez


que os Estados Unidos e Canadá são banhados pelo Atlântico e pelo Pacífico. Fazem
parte do bloco 20 países: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, China, Cingapura,
Coreia do Sul, Estados Unidos, Filipinas, Indonésia, Japão, Malásia, México, Nova
Zelândia, Papua-Nova Guiné, Peru, Rússia, Tailândia, Taiwan e Vietnã, mais Hong
Kong, região administrativa especial da China. Como é possível perceber, a Apec
é formada por países com grandes diferenças econômicas, sociais e culturais de
população e território. Neste bloco estão duas das maiores economias do mundo,
Japão e Estados Unidos; países desenvolvidos, Austrália e Nova Zelândia; países
em desenvolvimento, Indonésia, Chile, Peru e outros; países subdesenvolvidos,
Tailândia, Papua-nova Guiné; e a China, segunda economia do planeta no início
do século XXI.

Para os países mais industrializados do bloco, a Apec é vantajosa, pois


eles importam matérias-primas e exportam produtos industrializados. Porém,
os países mais pobres, subdesenvolvidos, exportadores de produtos primários,
a situação não é benéfica, pois continuam dependentes, com desiquilíbrios
em sua balança comercial. Fundamentado no crescimento econômico da bacia
do Pacífico, o bloco sofreu grande abalo econômico nos últimos anos do final
do século XX. Entre 1997 e 1999, vários países, como a Indonésia e a Tailândia,
entraram em crise, afetando a economia japonesa e de grande parte da região. O
mesmo aconteceu em 2008, quando uma crise econômica mundial prejudicou o
desempenho das maiores economias do bloco.

Apesar das disparidades entre os países e crises enfrentadas, para


Martinez (2013), o processo de construção do bloco já provocou um grande
crescimento econômico, impulsionado pela expansão das trocas comerciais entre
países membros. Com o estreitamento de suas relações comerciais há uma maior
complementaridade entre as economias do bloco. Os minérios e os combustíveis
fósseis explorados em abundância na Austrália, por exemplo, passaram a abastecer
o mercado do Japão, que apresenta escassez de matérias-primas naturais em seu
território. Atualmente 9% das exportações australianas são para o Japão.

Segundo Vesentini (2008), o oceano Pacífico e não a Ásia é que acabou


sendo o elemento de união da APEC, um megabloco. Alguns estudiosos
afirmam que este oceano será a grande via de comércio mundial no século XXI,
substituindo o oceano Atlântico. Essa expansão do comércio que passa pelo
Pacífico foi determinada pela dinâmica da economia japonesa, pelo menos até o
início da década de 90; pelo arranque industrial e comercial dos países do sudeste
e leste asiático, em especial dos Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Hong
Kong, Cingapura) Malásia, Índia e recentemente a China que possui o segundo
maior PIB do mundo; e por último, não menos importante, o crescimento da costa
oeste dos Estados Unidos, notadamente a Califórnia. De fato, a região banhada
pelo Pacífico na produção econômica mundial vem aumentando a cada ano.

172
TÓPICO 3 | O COMÉRCIO MULTILATERAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS REGIONAIS

5 COMUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DA ÁFRICA


AUSTRAL – SADC
A comunidade integra 15 países, e desde 1992 se constitui no acordo
comercial mais importante do continente africano, visa assegurar a cooperação
econômica na região, em inglês, Southern African Development Community –
SADC. O bloco integra África do Sul, Lesoto, Suazilândia, Botsuana, Madagascar,
Maurício, Moçambique, Namíbia, Zimbábue, Zâmbia, Angola, Malauí, República
Democrática do Congo, Seicheles e Tanzânia.

Do ponto de vista econômico, a África do Sul é o país mais importante


do bloco, possui um parque industrial diversificado, sua produção econômica
responde a quase 62% do PIB total do bloco. Possui também um dos
maiores mercados consumidores da região, formado por uma população de
aproximadamente 50 milhões de pessoas, o que representa cerca de 24% da
população da Comunidade.

Os objetivos da SADC são: a busca do desenvolvimento econômico da


região por meio da criação de um mercado comum, estabelecido por acordos
comerciais entre países parceiros, com a redução e a unificação de tarifas
alfandegárias; diminuir a pobreza e melhorar as condições de vida da população;
promover o combate à AIDS (doença que se tornou uma epidemia em vários
países da região); reafirmar os legados socioculturais africanos; estabelecer a paz
e a cooperação política como forma de evitar a ocorrência de conflitos e guerras
civis. O processo de integração  na Comunidade de Desenvolvimento da África
Austral já avançou e prevê as seguintes etapas: Criação de uma Zona de Livre-
Comércio em 2008. Doze dos quinze Estados membros da SADC são parte da
Zona de Livre-Comércio, enquanto  Angola, República Democrática do Congo
e Seychelles ainda não pertencem  a ela. O estabelecimento da União Aduaneira
com impostos externos comuns para a Zona de Livre-Comércio vigora a partir de
2010. O Mercado Comum será efetivado ao serem acordadas políticas comuns em
matéria de regulação de produção prevista para o ano 2015. O passo seguinte será
a União Monetária, através da convergência macroeconômica prevista para 2016, e
a aceitação de uma Moeda Única para uma possível conversão da região em uma
União Econômica está prevista para 2018 (MARTINEZ, 2013; ALMEIDA, 2013).

173
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico vimos que:

• O comércio internacional, uma das atividades mais antigas do mundo, tem


crescido e prosperado na contemporaneidade, contribuindo de forma decisiva
no processo da globalização e internacionalização econômica. A modernização e
evolução dos meios de transportes e dos meios de comunicação, juntamente com
o estabelecimento de regras e acordos, têm contribuído para a movimentação
cada vez maior de cargas materiais e imateriais pelo mundo. As implicações
e reordenamentos espaciais decorrentes da ampliação das estruturas para o
comércio internacional têm impulsionado transformações em várias regiões do
globo.

• A Organização Mundial do Comércio – OMC é uma das Agências da ONU que


mais demorou a se estruturar e se consolidar como organismo supranacional.
O Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT foi o acordo que antecedeu a
OMC, até a década de 1990. Dentre os principais pontos de reflexão e discórdia,
as medidas de redução de barreiras tarifárias e a harmonização de políticas
aduaneiras, favorecendo o comércio internacional e consequentemente os
países do Norte industrializado, que comercializam a maior quantidade de
volumes de bens e mercadorias, informações, ideias e conhecimentos, eram
empecilhos para assinatura da Organização.

• A complexidade do comércio internacional, da compra e venda, da importação


e exportação, desde os mais simples commodities aos mais sofisticados produtos
tecnológicos e informações e conhecimentos, tem implicações diretas e indiretas
na organização interna dos Estados Nacionais, que passam a organizar suas
economias e políticas para atender às exigências da OMC e demais organismos
financeiros internacionais.

• O efeito dominó ou efeito borboleta da globalização econômica, ou seja, os


efeitos da expansão das transnacionais, produção industrial complementar
em diferentes países, fragmentação do espaço produtivo internacional, e
a consequente inclusão/exclusão de espaços produtivos refletem relações
desiguais no comércio e na distribuição desigual de fluxos comerciais.

• A organização de grupos de países em associações, firmando acordos deu


origem aos blocos econômicos e aos mercados regionais, vistos tanto como um
dos aspectos complementares da globalização como de oposição e resistência.
Dentre os blocos econômicos, a União Europeia, por ter começado a se
estruturar logo após a Segunda Guerra, é o mais consolidado, passou pelas
diferentes etapas de integração, estando na fase da moeda única, integrando
mais de 25 países.

174
• A União Europeia está nesta segunda década do século XXI, enfrentado novos
desafios, os quais vão da gestão e governança a questões diplomáticas com
países vizinhos. A crise da Grécia, o conflito na Ucrânia, o impasse da Rússia e
a entrada cada vez mais numerosa de imigrantes da África e Oriente Médio.

• Mercados regionais como o Nafta, Mercosul, APEC, SADC, e outros foram


organizados após a década de 1970 e 1980. Espelhando-se em aspectos da União
Europeia, nenhum deles, porém, atingiu os estágios de integração vividos pela
UE. O processo de integração econômica, almejados por todos os grupos, tem
avançado lentamente em todos eles, reflexo de diversidades histórico-culturais
e disparidades sociais entre os países.

175
AUTOATIVIDADE

1 Os conflitos mundiais (não necessariamente armados) da atualidade


ocorrem, também, em função do domínio dos fluxos do comércio
internacional, onde o intercâmbio entre os países do capitalismo central
e periférico são extremamente desiguais. Diante deste contexto analise as
afirmativas a seguir:

I- A formação dos blocos econômicos mundiais não proporcionou um


crescimento equitativo para todos os países membros.
II- A Divisão Internacional do Trabalho influencia no intercâmbio do
comércio mundial.
III- Os países do capitalismo central estabelecem trocas desiguais com o
mundo periférico, principalmente pelo domínio científico-tecnológico.
IV- Os centros de poder que compõem a nova ordem mundial possuem um
ator hegemônico, os Estados Unidos, que controlam e comandam todos os
demais países, evidenciando a monopolaridade da nova ordem mundial.

Assinale a alternativa correta:

a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.


b) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, III e IV estão corretas.
d) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.

2 Entre os temas mais polêmicos das reuniões da Organização Mundial do


Comércio – OMC estão as reinvindicações dos países subdesenvolvidos,
que pedem a redução dos subsídios para a produção agrícola e o fim da
proteção dos mercados internos nos países desenvolvidos. Tais países
aplicam elevadas tarifas de importação de produtos agrícolas, prejudicando
as exportações do mundo subdesenvolvido.

Sobre esta realidade analise as afirmativas a seguir e assinale apenas a correta.

a) As barreiras zoossanitárias e fitossanitárias eliminam a necessidade das


elevadas tarifas sobre produtos importados, diminuindo assim o custo dos
gêneros alimentícios.
b) As barreiras zoossanitárias e fitossanitárias consideradas não tarifárias são
necessárias aos países subdesenvolvidos e pobres, já que são obrigados a
importar grande volume de produtos agrícolas.
c) O Dumping, comercialização de uma mercadoria com preço muito baixo para
eliminar a concorrência é uma forma de defesa dos países subdesenvolvidos
contra a importação.
d) Os países ricos, para reduzirem ainda mais a importação de produtos
agrícolas, utilizam também as barreiras zoo e fitossanitárias, já que protegem
a saúde humana de risco e contaminação.
176
3 Com a multidimensionalidade da globalização os Estados Nacionais estão
perdendo poder, principalmente na esfera econômica, para os mercados
comuns e blocos econômicos. A respeito da formação dos blocos econômicos
supranacionais, analise as afirmativas a seguir:

I- O Acordo de Livre Comércio da América do Norte – NAFTA, mesmo sendo


um acordo de livre-comércio, acaba beneficiando as grandes corporações
multinacionais e transnacionais, especialmente as dos Estados Unidos.
II- A União Europeia, que atravessa uma crise, tornou-se um complexo projeto
que engloba simultaneamente vários níveis de integração regional: zona
de livre-comércio, união aduaneira, mercado comum e união política (com
o desaparecimento dos Estados Nações), econômica (mercado comum) e
monetária (moeda única).
III- O estágio mais complexo e avançado de um bloco supranacional é atingido
quando os países membros adotam a mesma política econômica, além da
moeda única.
IV- A Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico – APEC reúne países muito
diferentes entre si, sendo que uns têm uma industrialização extremamente
avançada e outros são países de mão de obra barata ainda com graves
problemas sociais. Entre estes países estão Estado Unidos, Canadá,
Malásia, Vietnã, China, México, Chile e Peru, dentre outros.
V- No MERCOSUL o maior volume de negócios se faz entre Argentina e
Brasil, com fases de retrocesso e de retomadas de bons ritmos de trocas
comerciais.

Agora, assinale a alternativa correta:

a) ( ) As afirmativas I, II, III e V estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I, III, IV e V estão corretas.
c) ( ) As afirmativas II, III e V estão corretas.
d) ( ) As afirmativas III e IV estão corretas.

177
178
UNIDADE 2
TÓPICO 4

ÁFRICA

1 INTRODUÇÃO
A África é o único continente atravessado simultaneamente pela Linha
do Equador e pelo Meridiano de Greenwich, possuindo terras em todos os
hemisférios. Com uma área de aproximadamente trinta milhões de quilômetros
quadrados, o continente apresenta paisagens muito diversificadas, com fauna e
flora que muitas vezes fizeram-na ser vista como terra exótica, com paisagens
idílicas, contrastando com uma série de problemas histórico-sociais e econômicos.
Falar da África, neste caderno de Estudos sobre Regionalização e Organização do
Espaço Mundial, requer uma atenção redobrada, pois a tendência é apresentar o
continente e seus mais de 50 Estados-Nações de forma reducionista e simplista,
e/ou reproduzir narrativas do ponto de vista da filosofia, política e geografia
ocidentais. Diante da dificuldade de acesso a uma geografia escrita e produzida
por intelectuais de um ou outro país africano, onde os povos africanos sejam
protagonistas de novas narrativas, optamos em refletir sobre narrativas e
análises existentes, conscientes da necessidade de alguns questionamentos e
desconstruções.

2 CIVILIZAÇÕES NEGRO-AFRICANAS
As civilizações negro-africanas abrangem toda a região ao sul do deserto de
Saara, portanto, a maior parte do continente africano. São culturas diversificadas,
produzidas por povos africanos com a cor da pele negra (VESENTINI, 2008).
Alguns especialistas calculam que existam nesta área oito civilizações principais,
cada uma delas abrangendo uma diversidade de povos, de idiomas e costumes
diferenciados, mas com características importantes em comum. Vale destacar
que para compreender esta diversidade de povos, os conceitos estruturantes e
categorias de análise utilizadas para estudar os povos europeus, nem sempre são
os mais adequados. Sem a pretensão de uma análise aprofundada da África e de
sua história para a contextualização geográfica atual, apontamos apenas alguns
pontos, com objetivos de aclarar as dificuldades pelas quais o continente e seus
povos passam na contemporaneidade. As civilizações negro-africanas, em geral,
têm por base povos e etnias, onde os grupos de base são ou eram rurais, com redes
de parentesco em comum, códigos de conduta, chefes, príncipes e curandeiros etc.,

179
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

e religiões fetichistas ou animistas. A família desempenha um papel fundamental


nesta civilização. Entretanto, cabe esclarecer que a família nas civilizações negro-
africanas não é a nuclear (pais e filhos) como a ocidental. Ela é formada por um
imenso conjunto de centenas de indivíduos, que inclui os primos e seus parentes,
avós e seus primos, sobrinhos, cunhados e seus parentes etc. É muito comum
quando alguém tem um cargo importante e com poder, logo se cercar de inúmeros
parentes. O nepotismo, isto é, a colocação de parentes em cargos públicos, é
algo considerado praticamente normal nas culturas afro. A África já foi palco de
grandes civilizações, as mais conhecidas pelos ocidentais, são a egípcia, localizada
às margens do Rio Nilo e a do Cartago, que durante muito tempo rivalizou com
o Império Romano, localizava-se neste continente, na área onde hoje se situa a
Tunísia, o Marrocos e parte da Argélia. Existiram, no entanto, outras, cujos estudos
contemporâneos estão lhes garantindo a devida historicidade.

Quando no século XVI, os europeus iniciaram o tráfico de escravos,


levando mão de obra compulsória para a América, existiam impérios, reinos e
uma diversidade de tribos na África Negra (as quais hoje denominadas etnias).
Alguns impérios conheciam a metalurgia do ferro, do cobre e do ouro, e eram
organizados sociopolíticos e economicamente à sua maneira, e que, no entanto,
foram desagregados, subjugados com a dominação ocidental (Europeia).

A título de exemplificação, em uma região chamada hoje de Congo e de


Angola, havia um rei, o Sr. Manicongo. Ele tinha o controle sobre um território
maior do que o Estado da Bahia. Nesse reino, as pessoas viviam da caça, da pesca,
do artesanato e, principalmente, da agricultura. Eles plantavam e colhiam de
tudo que podiam na época de chuvas e guardavam os alimentos para enfrentar
as épocas de seca, que acontecia entre os meses de maio e setembro. Porém, a
riqueza gerada pela população era concentrada nas mãos de poucas pessoas,
consideradas nobres. Assim, apesar de existirem pessoas com regalias e prestígio
no reino do Congo, havia também pessoas sem regalias, que apenas trabalhavam.
Havia disputas entre os grupos para conseguir o poder. A resistência, somada
às guerras pelo poder, gerou uma quantidade de presos. Muitos desses presos
acabaram se tornando escravos. Alguns deles ficavam na África, principalmente
as mulheres, outros, foram vendidos a comerciantes europeus para serem
revendidos na América.

Em muitos lugares na África, o escravo era adquirido para aumentar o


tamanho das famílias, para trabalhar ao lado do seu dono, por isso, o escravo na
África, apesar de ser explorado, era muitas vezes considerado parte da família. Com
a chegada dos portugueses e de outros europeus à África, os escravos africanos
passaram a ser adquiridos também por eles. Assim, se por um lado, não foram os
europeus que inventaram a escravidão dos africanos, por outro, eles criaram outro
tipo de escravidão (mais cruel do ponto de vista humano) na América.

180
TÓPICO 4 | ÁFRICA

3 PROBLEMAS DA ÁFRICA E SUA ORIGEM


A forma como os colonizadores europeus se apropriou do continente é
uma das principais causas das mazelas africanas. Muitos dos conflitos existentes
hoje no mundo, envolvendo disputas por territórios, como os que ocorrem em
várias partes do continente africano, têm origem histórica ligada ao processo
de expansão do capitalismo ao longo dos últimos séculos e suas implicações na
delimitação das fronteiras dos Estados Nacionais, durante o século XX. A partilha
e a colonização das terras da África foram feitas sem levar em consideração
os interesses ou as características dos seus povos. Algumas fronteiras são retas,
alguns Estados-Nações possuem a delimitação de seus territórios assemelhando-se
a figuras geométricas. Essas fronteiras, também denominadas artificiais por alguns
estudiosos, foram resultados do processo de expansão capitalista industrial, na
segunda fase de colonialismo ou também chamada de imperialismo que ocorreu
após a segunda metade do século XIX. Em plena Revolução Industrial, os países
europeus necessitavam de matérias-primas em grande escala e a baixos custos para
abastecer seus parques industriais em expansão. Para assegurar seu suprimento,
Holanda, França, Inglaterra, Bélgica, por último, Alemanha e Itália, se apropriaram
do vasto território africano (e também de extensas regiões do continente asiático),
como forma de explorar os recursos naturais nele existente e utilizar suas terras
para o cultivo de grandes monoculturas tropicais, as chamadas plantations.
Para isso estabeleceram a divisão que ficou conhecida como Partilha da África.
As terras da África foram divididas pelas potências europeias do século XIX em
fase de industrialização, sem considerar os povos e etnias, nem as diversidades e
características culturais. Assim, povos historicamente inimigos ficaram reunidos
numa mesma colônia, subjugados pela metrópole, assim como, povos e etnias com
identidade e coesão cultural, foram divididos em colônias diferentes.

As sociedades africanas já vinham sofrendo uma desestruturação em suas


bases com o êxodo forçado de milhões de pessoas dos séculos XVI até meados
do século XIX para a escravidão na América. Novas alterações resultantes dessa
divisão do território em colônias desestruturaram ainda mais a organização
econômica, social e política da maioria dos povos africanos. Novas formas de
escravidão, em suas próprias terras, fronteiras traçadas de maneira arbitrária
pelos europeus, paralela à colonização e dominação cultural, sendo obrigados a
aprender a língua do colonizador, mudar seus hábitos alimentares e a se vestirem
como europeus, ou seja, se constituírem em mercado consumidor dos produtos
industrializados europeus. Os povos que tentaram resistir à colonização foram
brutalmente reprimidos em violentos conflitos. Mas bem armados, os soldados
europeus massacraram os movimentos de resistência que, em certos casos,
exterminaram grupos étnicos quase que inteiramente (MARTINEZ, 2013).

Exemplificando, Mesgravis (1994 apud MARTINEZ, 2013) relata ações


realizadas no Congo sob as ordens de Leopoldo II, rei da Bélgica, entre 1865 a 1909:
Os congoleses deviam pagar impostos, e os pagavam em espécie ou com trabalho,
o território ocupado foi dividido em postos chefiados por civis ou militares, e

181
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

estes estavam encarregados de obter o máximo possível de marfim e borracha.


Os belgas cobravam das etnias nativas todo tipo de tarefas como: construções,
transporte, plantio, coleta, caça, pesca etc. As cotas eram cobradas de acordo com
o arbítrio de cada chefia e o pagamento era ínfimo, resumindo-se em quantidades
de sal, tecidos e outros utensílios. Esses administradores belgas administravam
ou governavam suas áreas com plenos poderes e muita ganância, explorando
a população com exigências excessivas, que eram cobradas implacavelmente.
Enquanto mulheres, crianças e velhos eram acorrentados, mantidos como reféns,
os homens deviam ir para a floresta coletar látex e marfim. Os que falhavam na
entrega de cotas eram mortos ou tinham dedos, mãos, pés ou narizes decepados.

Somente a partir de meados do século XX, com o enfraquecimento político,


econômico e militar dos países europeus, principalmente após a II Guerra Mundial,
é que a luta contra o colonialismo no continente africano ganhou impulso.
Num movimento amplo e coletivo conhecido como descolonização, surgiram
movimentos de independência em quase todas as colônias europeias na África (e na
Ásia), reivindicando ruptura dos laços mantidos com a metrópole. Alguns desses
rompimentos foram pacíficos, enquanto outros ocorreram por meio de violentos
conflitos que se arrastaram por várias décadas, opondo a população local e os
colonizadores e/ou seus descendentes que fizeram de tudo para manter os antigos
privilégios e regalias. Contudo, mesmo após a independência política, muitos desses
países mantiveram praticamente os mesmos limites territoriais estabelecidos pelos
colonizadores europeus. Um conjunto de fatores, dos quais a desestruturação e
desorganização étnico-cultural, resultantes de séculos de exploração e dominação,
a permanência das elites descendentes dos colonizadores no poder (político e
econômico) dos novos países, a própria dificuldade dos povos africanos de gerir
seus países tem contribuído para os inúmeros conflitos territoriais e guerras civis
na extensão da historicidade africana. (VESENTINI, 2008).

Durante a década de 1980, ocorreram graves conflitos ao longo de


todo o limite sul do deserto do Saara, na região conhecida como Sahel. Nessa
região, as populações que ali viviam praticavam uma agricultura de técnicas
rudimentares que, ao longo do tempo, paralelo às alterações climáticas naturais
globais, comprometeu a fertilidade do solo, provocando fome e desnutrição.
Essas populações tentaram avançar em direção de terras mais férteis no Sul, e
acabaram entrando em choque com outros grupos étnicos, que já ocupavam estas
terras. Lembrando que, as terras férteis e mecanizáveis já estavam em mãos dos
descendentes dos colonizadores que organizaram as plantations.

Vale lembrar que durante a Guerra Fria, as potências haviam armado


grupos rivais na expectativa de ampliar suas áreas de influência. Essa prática
gerou inúmeras tragédias de grandes proporções, que ainda apresentam efeitos
devastadores sobre as populações desta parte da África. Os casos mais drásticos
se verificam na Somália, Etiópia, Chade, Mali, Níger e Sudão, onde milhões de
pessoas morreram de fome.

182
TÓPICO 4 | ÁFRICA

A maioria dos povos africanos não se beneficia dos progressos da tecnologia


e da medicina, que melhoram a qualidade e a expectativa de vida das sociedades
de outros países. Os países da África Subsaariana não representam importância
para o mercado consumidor, e de modo geral fornecem produtos primários a
preços baixos no mercado mundial. Reféns do Fundo Monetário Internacional
– FMI e do Banco Mundial, em consequência do endividamento ocorrido na
década de 1980, os países africanos passaram da dependência das potências que
os colonizaram para o domínio dos organismos financeiros internacionais.

As culturas negro-africanas encontram-se em crise. Além de sofrerem


efeitos da longa dominação ocidental, continuam até hoje a sofrer as influências
da globalização e da internacionalização do capital. Observa-se uma urbanização
acelerada em todas as sociedades, a industrialização exógena (de fora para dentre,
através das filiais das transnacionais) em algumas áreas, novos valores e hábitos
(de consumismo) gerados pela publicidade e pela globalização, mas também,
uma recente expansão do islamismo, que vem do Oriente Médio e do Norte da
África, frequentemente conquistando novos adeptos no centro e até no sul do
continente. (VESENTINI, 2008).

Com a urbanização as comunidades tradicionais de origem rural se


desfazem aos poucos e as pessoas nas grandes cidades aos poucos vão perdendo
suas referências culturais. Os referenciais de identidade coletiva do indivíduo
dentro da comunidade interiorana, e do indivíduo no espaço urbano de uma
metrópole ou megacidade não serão válidos, apesar da manutenção dos dialetos
e outros aspectos culturais viáveis no centro urbano. Se as migrações de povos
africanos prosseguirem até as grandes cidades da Europa, como às vezes acontece,
a perda de identidade poderá se dar por completo, o indivíduo poderá ser visto
apenas como um negro. Daí a atração exercida pelo islamismo, pois esta cultura
possui uma longa tradição de confronto com o Ocidente, que é, ao mesmo tempo,
admirado e odiado. Além disso, o islamismo unifica as pessoas, deixando de
diferenciá-las pela cor da pele e apregoando a igualdade racial de todos nas suas
obrigações e deveres (VESENTINI, 2008).

4 ÁFRICA SUBSAARIANA
A própria natureza encarregou-se de separar dentro do continente
africano duas porções com características distintas. Com 9.260.000 quilômetros
quadrados, o Saara, o maior deserto do planeta, isola a África do Norte da África
Subsaariana, embora ocupe áreas de ambas as partes. O deserto do Saara tem
como limite meridional uma extensa área, o Sahel, em processo de avanço do
próprio deserto. A região, uma faixa contínua desde o oceano Atlântico até o mar
Vermelho, é uma área de transição entre o deserto e as áreas mais úmidas do
centro-sul do continente africano, onde predomina a vegetação de estepes e o
clima semiárido. Em consequência do mau uso do solo, o Sahel vem aumentando
sua extensão nos últimos anos.

183
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

A África Subsaariana estende-se do sul do deserto do Saara ao extremo


sul do continente africano. Pobreza, guerras civis, Aids, fome e, acima de tudo,
exclusão social, tecnológica e econômica no mundo globalizado marcam a atual
situação dessa parte do continente africano. Os países com os 25 piores Índices de
Desenvolvimento Humano – IDHs no Relatório do Desenvolvimento Humano
2011, da ONU são africanos, com exceção do Afeganistão, e comprovam essa
exclusão (ALMEIDA, 2013a).

4.1 RAÍZES DO SUBDESENVOLVIMENTO E DOS CONFLITOS


NA ÁFRICA
Ao longo dos milênios sempre existiram enfrentamentos étnicos e/ou entre
os povos que habitavam o Oriente Médio, África e Ásia. Os povos perdedores
dos conflitos eram subjugados e dominados, e passavam a pagar tributos aos
vencedores. Em alguns casos os povos dominados eram transformados em mão
de obra escrava. Quando os portugueses e espanhóis, no final do século XV e
início do XVI, passaram a construir feitorias no litoral africano, para abastecerem
seus navios no caminho para as Índias, perceberam que poderiam se beneficiar
com o mercado de escravos, implantando o comércio triangular, para efetivar
a colonização na América. Assim, de acordo com Mendonça (2008 apud
MARTINEZ, 2013) o fato é que o continente africano foi alvo de uma pilhagem
sistemática, por parte das nações europeias desde o século XVI.

Com efeito, o tráfico negreiro correspondeu do ponto de vista


demográfico, a uma verdadeira sangria, uma vez que foram os
indivíduos mais vigorosos e, portanto, os mais aptos ao trabalho,
aqueles que foram arrancados do continente pelo comércio de escravos.
Isso levou, durante mais de três séculos a uma redução do ritmo de
crescimento da população no continente como um todo. Sendo que ao
que tudo indica, houve até mesmo decréscimo em algumas regiões. Se
no século XVII, a população africana correspondia a cerca de 1/5 da
população mundial, no século XIX esse índice não ultrapassava 1/15.
Disponível em: <http://www.faap.br/revista_faap/rel_internacionais/
rel_04/marina.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

Nas últimas décadas, porém, após o processo de descolonização,


verdadeiras tragédias se abateram sobre as populações de diversos países. A
população da Ruanda foi vitimada por um dos piores massacres do século XX.
Em 1994, as duas maiores etnias do país, os Tutsis e os Hutus, entraram em guerra,
disputando poder e território. Essa rivalidade que existe desde o século XV,
agravou-se durante o domínio alemão, no século XIX, e durante o domínio belga,
durante o século XX. Em meados de 1994 os confrontos ficaram cada vez mais
violentos e milhões de ruandeses começaram a fugir do país, gerando problemas
nos países vizinhos para onde estes se refugiaram. Cerca de 1 milhão de pessoas
foram mortas por grupos paramilitares ou pela epidemia de cólera que se abateu
sobre o país. O problema se estendeu a outros países da região, como Uganda e
Burundi, também habitados por pessoas das etnias Tutsis e Hutus em constante

184
TÓPICO 4 | ÁFRICA

clima de rivalidade. Em outras nações africanas os conflitos armados estão


associados à exploração de jazidas minerais. Em Serra Leoa, o grau de violência
dos confrontos afetou toda a infraestrutura do país. Ocorreram mutilações em
massa de inimigos, e especula-se a participação, ou conivência de multinacionais
mineradoras no financiamento dessa barbárie (TAMDJIAM, 2005).

As experiências de implantação de socialismo nas antigas colônias


portuguesas de Angola e Moçambique, numa tentativa de rompimento com o
capitalismo, resultou no financiamento de guerrilhas mercenárias que destruíam
estradas, centrais elétricas e pontes dificultando o desenvolvimento do país. Uma
das faces mais desumanas desses conflitos, com contornos de guerra civil, foi a
instalação de milhões de minas terrestres. Especialmente em Angola, essas minas
chegaram a ser a principal causa de mortalidade no país e ainda por muitos
anos, na extensão do século XXI, serão responsáveis pela mutilação de dezenas
de milhares de pessoas do meio rural. Atualmente, Angola e Moçambique
tentam retomar seu crescimento com uma abertura gradual para o capitalismo,
com parcerias de empresas estrangeiras e transnacionais, inclusive a Petrobras
do Brasil, interessadas em exploração mineral, entre estes, petróleo e minas de
diamantes (TAMDJIAM, 2005).

4.2 CONFLITOS A SEREM DESTACADOS


Sudão: Os grupos separatistas cristãos contra o domínio muçulmano
no Sudão se arrastaram por duas décadas e resultou na morte de mais de dois
milhões de pessoas. O confronto desencadeou o movimento separatista cuja luta
dividiu territorialmente o país com a formação do Sudão do Sul em 2011.

Argélia: Rebeldes islâmicos e o governo da Argélia estiveram em conflito


armados entre 1991 e 2002 deixaram um saldo estimado entre 150 e 200 mil mortos.

Nigéria: Conflitos armados na Nigéria ocorridos entre muçulmanos e


milícias cristãs, os dois principais grupos religiosos do país, são persistentes. Em
notícia do dia 26 de maio de 2015, site “Observador”, traz:

Dezenas de pessoas morreram nos últimos dias em vários confrontos


entre agricultores da etnia Fulani e comunidades agrícolas no estado
nigeriano de Benue, centro da Nigéria, informou uma fonte da polícia
estadual.
Citado pela Agência France Press, o porta-voz da polícia de Benue, [...],
confirmou que a maioria dos mortos eram agricultores e camponeses
locais, mas não deu um número oficial. Um residente local disse à
imprensa que as patrulhas de bairro contabilizam uma centena de mortes.
Os confrontos entre pastores Fulani, uma etnia seminômade
maioritariamente muçulmana, e comunidades agrícolas, que são muitas
vezes cristãs, são bastante comuns na região central da Nigéria, devido
à exploração dos recursos hídricos e ao acesso às áreas de pastagem.
Em 16 de março de 2015, homens armados, supostamente da etnia
Fulani, atacaram várias comunidades do estado de Benue, causando a
morte de pelo menos 80 pessoas.

185
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

De acordo com o Instituto Francês de Investigação para África (IFRA),


entre 2006 e 2014, mais de uma centena de confrontos entre estas
comunidades causou mais de 600 mortes no país. Disponível em: <http://
observador.pt/2015/05/26/confrontos-entre-etnia-seminomada-e-
agricultores-provocam-dezenas-de-mortos-na-nigeria/>. Acesso em:
10 maio 2015. (Grifos nossos).

ATENCAO

Dia 15 de janeiro de 2015: “O grupo militante islâmico Boko Haram, acusado de


realizar um massacre na Nigéria na semana passada, luta para derrubar o governo e criar um
Estado islâmico. Além de ataques [...] ele também realiza sequestros e assassinatos, desde 2002”.

FONTE: Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150115_boko_


haram_entenda_rb>. Acesso em: 10 maio 2015.

Os conflitos entre Burkina Fasso e Mali, em 1974 e 1985, pela posse da


região de Agacher, território rico em recursos minerais e gás natural.

A guerra civil no Chade, iniciada em 2005, entre as forças governamentais


e grupos rebeldes apoiados por milícias árabes.

A guerra entre Etiópia e Eritreia (1998-2000), na região conhecida como


chifre da África, pela demarcação das fronteiras entre os dois países, pode ter
causado a morte de até 300 mil pessoas.

4.3 O DRAMA DA AIDS NA ÁFRICA


A disseminação do vírus HIV, agente causador da Aids, é outro problema
grave que vem alterando a estrutura da população dos países da África e
interferindo em sua economia, já que a população ativa está diminuindo. É
grande o impacto da Aids na demografia de alguns países, pois há uma mudança
nas estruturas etárias. Geralmente, as taxas de mortalidade são mais elevadas
entre crianças mais novas e de adultos próximos à velhice. Ocorre que, em países
onde a contaminação pelo HIV é alta, a mortalidade é maior entre as pessoas
adultas de até 30 anos justamente durante os anos sexualmente mais ativos ou
um pouco depois. Em um contexto diferente, estas pessoas estariam em plena
idade de trabalhar.

A expectativa de vida do continente africano tem sido afetada por essa


epidemia. Atualmente, a média da expectativa de vida da África Subsaariana é
de 47 anos, ao passo que se a epidemia fosse controlada, seria de 62 anos. Apesar
desses dados, as altas taxas de natalidade ainda persistentes podem elevar o

186
TÓPICO 4 | ÁFRICA

total da população em determinados países. Assim, outro fator preocupante é o


número de mulheres infectadas com o vírus HIV, o que significa que a expectativa
de vida feminina está caindo muito depressa. O Programa Conjunto das Nações
Unidas sobre HIV/Aids – Unaids, calcula que em alguns países africanos, a
probabilidade de as mulheres jovens com idade entre 15 e 24 anos contraírem o
vírus HIV é duas a seis vezes maior do que em homens da mesma idade. Desde
o início da epidemia, aproximadamente 14 milhões de crianças perderam um dos
pais ou ambos para a Aids.

Segundo o Unaids report on the Global Aids Epidemic 2012, dos 34 milhões de
pessoas que vivem com o vírus da Aids no mundo, cerca de 69% estão na África e
58% são mulheres. A África é o lugar do planeta onde a doença se espalhou mais
rápido, embora recentemente, alguns avanços já sejam notados na prevenção
da doença. Entre os países mais atingidos citam-se a Namíbia, a África do Sul,
Zâmbia, Zimbábue (onde dados estimam que de 13% a 20% dos adultos estejam
infectados), e ainda integram a lista Botsuana, Lesoto e Suazilândia (onde a taxa
de infecção supera os 20% dos adultos). Como resultado da epidemia, os serviços
de saúde nestes países estão à beira do colapso por falta de pessoal e recursos.
Nos hospitais públicos da África do Sul, por exemplo, grande parte dos leitos
são ocupados por pessoas com Aids. Apesar de alguns países terem investido em
educação e prevenção sexual, incentivado o uso de preservativos, só uma política
de prevenção mais incisiva e disseminação das formas de tratamento podem
minorar o problema. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação – FAO calcula que, em 2020, outros 16 milhões de africanos poderão
morrer em virtude da Aids.

4.4 ESTABILIDADE POLÍTICA VERSUS SAÚDE MATERNA


Os países africanos com boas estatísticas sobre saúde materna costumam
ser os que têm uma prolongada estabilidade política, mostrando, ser este um fator
determinante para o desenvolvimento. Até os países ricos em recursos naturais,
mas com conflitos internos, como a Nigéria e República Democrática do Congo
continuam tendo altas taxas de mortalidade materna, a ponto de chagarem
a mil casos para cada cem mil nascidos vivos, segundo estatísticas de 2011 da
Organização Mundial da Saúde – OMS. Em países afetados pela guerra, como a
Somália, a situação é ainda pior, com 1200 de mães mortas a cada cem mil bebês
nascidos vivos.

Segundo Pailtza (apud ALMEIDA 2013a), mais de 550 mulheres morrem


durante o parto por dia, em países africanos, dado desproporcional em relação aos
países de alta renda. O risco de uma mulher morrer em decorrência da gravidez
ou do parto em um país em desenvolvimento é 36 vezes maior do que em um
país industrializado. A morte de uma mãe tem consequências subjetivas e afetivas
numa comunidade, e impactos negativos na vida das crianças, incluindo a nutrição,
a saúde e a educação. Como a mãe costuma ser a principal responsável pelo seu
entorno, sua morte tem consequências diretas sobre sua família. A economia dos

187
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

países se ressente, pois, com a morte de mães, perdem-se 15 bilhões de dólares ao


ano em produtividade por esse problema. Apesar desse problema, a saúde materna
não está entre as prioridades das políticas públicas de países africanos com outras
ameaças políticas e/ou outras emergências humanitárias. Os primeiros cortes são
sentidos na saúde materno-infantil e no planejamento familiar. Mais de um terço
das mulheres grávidas não recebe atenção pré-natal, enquanto 70% carecem de
cuidados pós-parto. Além disso, menos de 15% das mulheres da África Central
e Ocidental têm acesso a métodos anticoncepcionais e a serviços de planejamento
familiar. A prioridade dos governos costuma ser a luta contra a pobreza e a fome, e
há o descuido com a saúde materna. Pouquíssimos são os governantes convictos e/
ou sensibilizados da estreita ligação entre os dois fatores.

4.5 AS RIQUEZAS NATURAIS E OS MINÉRIOS DE CONFLITO


A África é um continente rico em recursos naturais, minérios e fontes de
energia, ocorre, porém, que não são as populações africanas e/ou suas empresas
que exploram e usufruem destas. Empresas transnacionais de países do Norte e
emergentes (China, Índia e Brasil) têm explorado sistematicamente os recursos
naturais deste continente.

Dois países, com reservas de petróleo e gás natural, Angola e Nigéria,


são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP. Mas
estes recursos são explorados também no Gabão, Guiné-Bissau; Senegal, Sudão e
Moçambique. Outros minerais em reservas e explorados em países africanos são:
bauxita, diamante, urânio, cobre, manganês, minério de ferro, gás natural, cobalto,
carvão, lítio, níquel, amianto, vanádio, cromo e quatro minerais chamados de
minerais de conflito, cassiterita (estanho), coltan (tântalo), wolframita (tungstênio)
e o ouro. Sobre estes quatro nós optamos para tecer algumas considerações,
uma vez devido a sua importância estratégica para a indústria de tecnologias,
tem influenciado na organização de espaços de exploração ilícitas, financiado
conflitos, gerado exploração de mão de obra barata e conduzido à elaboração
de leis cuja certificação da origem da matéria-prima deva ser certificada, o que
implica a adaptação das indústrias transnacionais à conjuntura.

Alguns países africanos com reservas e áreas de exploração de recursos


naturais conhecem o lado negativo da exploração dos minérios. Grupos armados
locais aproveitam essa riqueza e fazem negócios (ilícitos) com as empresas
transnacionais. Os recursos obtidos sustentam guerras civis em um fenômeno
denominado a “maldição dos recursos”. Explorados para além do nível
sustentável, destroem habitats naturais, deslocam comunidades locais, afetam a
vida das pessoas, até com novas formas de escravização. O aproveitamento dos
minérios está relacionado com conflitos armados e violência.

Pontes (2013) numa reportagem da Revista Galileu, “Gadgets de sangue”,


apresenta texto sobre a extração ilegal dos chamados minérios de conflito, como
tântalo, tungstênio, estanho e ouro são utilizados na indústria de tecnologias
das mais diversas formas. Desde 1996, a exploração de um conjunto de minerais,
188
TÓPICO 4 | ÁFRICA

explorados nas minas da região oriental da República Democrática do Congo, e


na região dos Grandes Lagos (Burundi, Uganda, Ruanda etc.) é controlada por
grupos armados rebeldes, ou milícias, as quais estão envolvidas num dos piores
conflitos da África. De acordo com as estimativas da organização americana
de direitos humanos Enough Project, só em 2009 os grupos armados congoleses
teriam recebido US$ 185 milhões com a mineração ilegal, dinheiro utilizado
na compra de mais armas no mercado ilícito e pagamento e manutenção
dos exércitos, apesar da guerra civil ter acabado oficialmente em 2003. Sabe-
se que algumas das guerras civis ocorridas nestes países (e diretamente por
causa do controle e exploração dos minerais) causaram mais mortes do que a II
Guerra Mundial (5,5 milhões), além de mutilações, estupros e outras formas de
violências físicas e simbólicas. E continuam a morrer pessoas todos os dias nos
chamados "Minerais de conflito".

FIGURA 13 - A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO E PAÍSES FRONTEIRIÇOS

FONTE: Disponível em: <http://www.atkearney.fr/documents/10192/2f2d0972-bf76-468a-8b94-


dc9120ac568b>. Acesso em: 26 maio 2015.

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UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

NOTA

O tântalo é um elemento químico (Ta), pertencente ao Grupo 5 da  tabela


periódica dos elementos, é um metal raro, duro e resistente. Na natureza aparece associado
a minerais compostos como tantalita, columbina-tantalita ou coltan. O tântalo é um
excelente condutor de eletricidade, maleável e extremamente resistente à corrosão. É
utilizado em diversas aplicações, em toda a tecnologia de comunicação, nos satélites e
graças à sua ductilidade (grau de deformação que o material suporta) é usado em “superligas”
aplicadas na produção de motores (de aeronaves) e na fabricação de peças para mísseis,
reatores nucleares, equipamentos médicos e implantes.

A extração do coltan (mineral composto) e deste do tântalo (elemento


químico) tem custos elevadíssimos, devido à elevada procura da
indústria de tecnologias e, a localização das jazidas. As guerrilhas
perceberam sua importância estratégica para as transnacionais e
controlam a atividade mineira em seus países e até invadem país
vizinho para controlar a exploração ilícita. Ruanda, Uganda, Burundi,
Angola, Namíbia, Zimbábue, Chade, Sudão, constituem o conjunto de
Estados Nações por onde os minérios são facilmente contrabandeados
pelas porosas fronteiras destes países, evitando gastos com impostos.
As guerrilhas da República Democrática do Congo são as que mais têm
se beneficiado da exploração dos minérios de conflito, pois o território
possui em torno de 20% do minério utilizados pelas indústrias,
possuindo, no entanto, mais de 80% das reservas de coltan. Disponível
em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/533522-coltan-da-mina-ao-
celular>. Acesso em: 26 maio 2015.

Os minérios de conflito são enviados, principalmente, para a Europa e


sudeste asiático, onde são utilizados na indústria de equipamentos eletrônicos,
condensadores, equipamentos de eletrônica, câmeras, computadores portáteis
e celulares. Os automóveis e trens em suas funções automatizadas, esteiras,
equipamentos de ginástica, latas de alimentos e bebidas, secadores de cabelo,
escovas de dente elétricas, baterias para o armazenamento de energia de
smarphones e notebooks. A procura advém das transnacionais dos países ocidentais
como os Estados Unidos, Alemanha e Holanda.

Dentre as consequências cita-se a invasão de parques ecológicos nacionais


da República Democrática do Congo, onde a população de elefantes e de gorilas
está sendo ameaçada de extinção local.

Em julho de 2010, o governo americano aprovou uma lei que dá prazo


até abril de 2011 para que fabricantes identifiquem os minérios que usam em sua
produção e publiquem seus esforços para resolver a questão. Outro passo para
uma certificação foi a criação de programa de análise de fundições pelo Electronic
Industry Citizenship Coalition (EICC, Coalização de Cidadania da Indústria de
Eletrônicos), que tem entre seus 53 membros, companhias de eletrônicos, de
informação e de tecnologia de comunicação.

190
TÓPICO 4 | ÁFRICA

4.6 A ÁFRICA DO SUL DURANTE E DEPOIS DO APARTHEd


A África do Sul, país localizado no extremo sul do continente da África,
banhado pelos oceanos Atlântico e Pacífico, foi colonizado por holandeses
e ingleses. Em 1910, as terras ocupadas pelos ingleses e descendentes dos
holandeses (Cabo, Durban, Orange e Transvaal) se converteram em um país,
(quase) independente: a União Sul-Africana, sob o domínio Britânico, obtendo
uma condição de autonomia idêntica à do Canadá e da Austrália. Cinquenta
anos depois, em 1961, o país seria convertido em República, cortando laços com
o Reino Unido. Atualmente, é a maior economia do continente, representa mais
da metade de todo o PIB do continente africano. É um país emergente, e o “S” do
acrônimo BRICS.

Durante séculos o país foi importante fornecedor de diamantes para as


potências europeias. O desenvolvimento da economia mineradora conduziu
o país a um forte aporte financeiro que melhorava o nível de vida de uma
minoria branca (a elite que comandava politicamente o país). Os africanos não
foram beneficiados por esse desenvolvimento. Segundo Silva (2013), a histórica
divergência entre os bôeres (descendentes dos holandeses e outros povos
europeus não saxões que foram os primeiros a ocupar as terras da África do Sul)
e britânicos (que chegaram ao decorrer do século XVIII, e se impuseram no final
do século XIX), não interferiu no desejo de explorar a mão de obra africana e
asiática já presente neste espaço. Desde o princípio da presença europeia, foram
os bôeres ou africânderes – africanos brancos, os mais intolerantes e contrários à
igualdade racial. Quando a Grã-Bretanha aboliu o trabalho escravo em 1835, os
bôeres ficaram revoltados. Eles sempre acreditaram na “supremacia branca”, ou
seja, no darwinismo social e, a Igreja Reformada Holandesa, oficial na África do
Sul, corroborava essa crença com um discurso espiritual pautado na supremacia
do homem branco perante os demais. Outras igrejas cristãs foram contrárias a
esta postura.

No início do século XX, esse discurso racista arraigado e a perseguição


aos não brancos eram diretrizes do Partido Nacional, que aglutinava a população
Bôer. De maioria rural, conservadores extremados, nacionalistas, a população
Bôer apresentava maior crescimento demográfico em relação aos britânicos
urbanos. As eleições de 1948 se beneficiaram dessa conjuntura demográfica, e
uma minoria branca africana, descendente europeia, colocou em prática uma
série de medidas discriminatórias contra a população não branca.

A política oficial do Apartheid, regime de segregação, foi implantada no


país para garantir hegemonia branca, continha medidas segregacionistas, parte
delas já colocadas em práticas, quando limitaram o acesso dos nativos às terras no
início do século XX. Nas décadas de 1930 e 1940 as medidas do Apartheid foram
institucionalizadas, legalizadas na constituição. Algumas medidas destacavam-
se: proibição de casamentos inter-raciais; restrição à circulação de pessoas negras,
criando áreas exclusivas para a população branca. As escolas eram distintas,
consequentemente as dos africanos negros eram de condições precárias, o alto

191
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

índice de analfabetismo destes nos dias atuais explica-se por este motivo e, a lei da
segurança nacional, permitia prender sem julgamento qualquer negro que não se
subordinasse às leis dos brancos. Durante a vigência do regime da população sul-
africana apresentou uma composição de 70% de africanos, 18% de brancos e 12%
de asiáticos e mestiços (cujos antepassados foram trazidos pelos colonizadores
para serem escravos).

Essas medidas tinham uma expressão territorial, pois a população negra


era obrigada a viver em reservas rurais ou em distritos urbanos denominados
bantustões, áreas supostamente autônomas, mas cercada pelo aparelho repressor
oficial. Para sair dos seus espaços e circular por outros espaços da África do Sul,
a população nativa e mestiça precisava de autorização expressa do governo, os
que trabalhavam e precisavam se deslocar o faziam portando um documento, o
“passe” que era uma autorização das autoridades políticas da cidade. Estavam
constantemente submetidos a toques de recolher noturnos, que limitava o horário
de circulação nas ruas (TAMDJIAN, 2005).

Segundo Silva (2013), a estrutura de sustentação do Apartheid (1948-1992),


estava baseada em três pilares principais:

a) Educação: os africanos negros e mestiços não tinham acesso à escolarização, a


não ser em condições precaríssimas.
b) Política: os africanos negros e mestiços eram alijados do processo eleitoral,
portanto, de participação política.
c) Terra: os brancos detinham as maiores e melhores extensões de terras do país.

A insubordinação e luta da população negra à colonização sempre existiu.


A superioridade econômica e, principalmente, bélica da civilização europeia
foi determinante para garantir a posse e domínio das terras. A organização da
população nativa foi dificultada pela diversidade de povos e etnias que viviam
nas terras da África do Sul, cada qual com suas tradições culturais e línguas e
dialetos. Durante o século XX, e especificamente durante o apartheid, a resistência
à dominação e discriminação dos brancos sobre os negros e mestiços se fortaleceu
e se intensificou, através da organização de entidades negras, dentre as quais se
destaca o Congresso Nacional Africano. A pequena e insuficiente historicidade
destes povos, assim como, a falta de registros com narrativas próprias de suas
lutas, não possibilita conhecermos todo seu protagonismo, são imprecisos
também os números de óbitos durante os conflitos entre manifestantes e policiais.

Após a II Guerra Mundial, com a disseminação de meios de comunicação,


novas formas de organização e união de outros fatores intensificaram a resistência
na África do Sul. Os movimentos de luta contra o apartheid eram comandados pela
frente denominada Congresso Nacional Africano, cujo líder principal era Nelson
Mandela, condenado à prisão perpétua pelos tribunais da minoria branca. Durante
a década de 70, a luta dos negros ganhou força com os protestos no subúrbio de
Soweto, na cidade de Johanesburgo. No plano exterior a truculência policial em
relação aos civis africanos e dominação da minoria branca causavam espanto e
192
TÓPICO 4 | ÁFRICA

indignação. O regime de segregação foi condenado pela ONU, que manteve durante
anos o Comitê Especial Antiapartheid. A comunidade internacional começou a
pressionar a África do Sul, que foi boicotada nos circuitos esportivos e artísticos,
além de sofrer bloqueio econômico de seus produtos por parte de diversos países,
para forçá-la a acabar com o apartheid (TAMDJIAN, 2005; SILVA, 2013).

Durante a década de 1980 e início da década de 1990, o regime de segregação


racial já não podia fazer frente à pressão internacional, nem às pressões internas,
cujos movimentos se intensificaram cada vez mais, forçaram mudanças, as quais
foram acontecendo. No ano de 1990, foi libertado o líder Nelson Mandela, que
estivera preso por 27 anos. Nas primeiras eleições livres, em 1994, Mandela foi
eleito presidente.

Embora o apartheid tenha sido extinto e todos os cidadãos da África do


Sul sejam agora iguais perante a lei, persistem enormes diferenças sociais entre
a minoria branca e a maioria negra pauperizada. A composição da população,
segundo Silva (2013), demonstra um ligeiro aumento, de mais 70% de negros,
e aumentando também o percentual de mestiços, além dos 12%. Da população
negra, as etnias zulu e xhosa são as mais numerosas, seguidas por inúmeras
outras. O país ainda tem graves problemas estruturais, como baixa escolaridade
dos jovens negros, crescente epidemia de Aids e a explosão da violência, expressa
em assaltos e sequestros.

4.7 SUDÃO, O NORTE CONTRA O SUL


No dia 8 de julho nascia o Sudão do Sul, o mais novo país do mundo.
Geograficamente e historicamente este fato está ligado à divisão religiosa-cultural
que existia na prática entre a população sudanesa do Norte e do Sul. O norte,
muçulmano, e o sul cristão-animista, nunca foram muito amistosos, mas com a
independência política do Sudão, em 1956, a convivência entre os dois grupos
foi ficando cada vez mais tensa, chegando a uma situação caótica na década de
1980, quando o governo resolveu adotar a Sharia para todo o país. As regiões
não muçulmanas se revoltaram e o clima de instabilidade levou a uma sangrenta
guerra civil ocorrida de 1983 a 2011. A criação do novo Estado no Sul não garante
o término dos conflitos.

UNI

Animista é a crença religiosa que parte do pressuposto de que todos os seres


vivos e outros elementos da natureza têm anima (alma). Há vários tipos de rituais animistas
presentes em grande parte dos povos e etnias africanas que crê na divindade de rios, chuvas,
montanhas, animais e florestas.
Sharia é a Lei do Alcorão, que rege algumas sociedades islâmicas ou muçulmanas.

193
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

No entanto, a complexidade da questão sudanesa está além do aspecto


religioso. As terras do Sudão fizeram parte do domínio colonial britânico, e sua
sociedade é caracterizada pela diversidade de etnias distintas, são mais de 500,
falando mais de 100 idiomas. Árabes e núbios, seguidores do Islã, concentram-
se no Norte e somam aproximadamente 50% do conjunto demográfico. A outra
metade está distribuída entre as demais etnias. Após 1983, surgiu no Sul um
grupo de unidade nacional para se contrapor ao norte muçulmano, o Movimento
Popular do Sudão, anti-islâmico e socialista (na época, e que na extensão do
conflito permaneceu como ideal para uma sociedade mais igualitária). Entre
suas principais ideias constavam o respeito à pluralidade religiosa, o combate
à proposta teocrática do governo e uma forma de governo socialista. No Norte,
um grupo armado começou a agir, e o país mergulhou numa guerra civil com
um claro contraste regional: o Norte versus o sul. O governo central assumia uma
nítida postura fundamentalista em impor valores do Islã para toda a sociedade.
Aí reside o furor e a reação das demais comunidades contrárias ao governo, e a
guerra civil foi tomando proporções violentas.

O quadro sudanês inseriu-se no contexto internacional, quando os


Estados Unidos se deram conta que a frente opositora ao governo central tinha
inspirações marxistas, que a potência tanto combatera, mas era a única opção
ante um governo que estreitava os laços com a Al-Qaeda de Osama Bin Laden, e
dava retaguarda ao famoso terrorista.

Durante a guerra civil, milícias cristãs atacavam aldeias muçulmanas do


Norte. Por sua vez, o governo central realizava uma política de isolamento das
comunidades cristãs e animistas, dificultando sua sobrevivência numa área de
natureza desfavorável por causa das frequentes estiagens. Durante o período
desta guerra civil, o Sudão enfrentou longas secas, o que agravou a prática
agrícola, principal atividade econômica da população. O que se seguiu a esta
combinação foi uma crise humanitária de proporções assustadoras, de 1983 até
2005, aproximadamente dois milhões de pessoas morreram no Sudão, vítimas
da guerra civil e das secas, enquanto outros seis milhões tornam-se refugiados,
juntos representam 25% da população do país.

Após 20 anos de conflito, em 2005 foi assinado um acordo de paz entre o


governo central e os rebeldes do Sul e a negociação surpreendeu a comunidade
internacional quanto à aceitação das duas partes envolvidas: a divisão do Sudão
em dois Estados distintos, diante da realização de um plebiscito para a população
do Sul, a ser realizado nos anos seguintes. Enquanto o plebiscito não fosse
realizado, cada parte já teria leis e exército próprios, embora tendo que conviver
no mesmo território.

Fator decisivo para a realização dos acordos de paz foi a descoberta


de petróleo no país, com grande parte das reservas localizadas no sul. Para
uma exploração conjunta, os líderes de ambos os lados optaram por uma
reaproximação. O plebiscito foi realizado em 2011 e 99% dos sul-sudaneses
votaram pela independência, e o Sudão do Sul foi aceito e reconhecido como 193º
membro da ONU.
194
TÓPICO 4 | ÁFRICA

Apesar do clima de euforia, as incertezas continuariam, pois, o Sudão do


Sul nascia como o mais pobre país do mundo, onde 90% de sua população estaria
vivendo com meio dólar por dia, a taxa de mortalidade infantil por volta dos
10%, índice de analfabetismo feminino de 84%, a maior parte das crianças fora da
escola, a mais alta taxa de mortalidade em partos do mundo, entre outros péssimos
indicadores sociais. Na questão geopolítica e territorial, seguiam indefinidos os
pontos mais tensos da fronteira com o Sudão do Norte, especialmente quanto às
áreas ricas em petróleo. Novas tensões poderão ocorrer, uma vez que, a maior
parte das reservas está no Sul, mas as refinarias e os oleodutos se localizam no
Sudão do Norte.

4.7.1 Darfur: outra questão sudanesa


No oeste do Sudão, na região de Darfur, num mosaico político, cultural
e religioso paralelo à cisão norte-sul, desde 2003, a população formada por
vários grupos étnicos, alegando estar abandonada à própria sorte e sentindo-se
desprezada pelo governo do Sudão, organizou um movimento contestatório,
lutando pela emancipação política de Darfur. O conflito com o governo muçulmano
se intensificou quando este recrutou milícias mercenárias Janjaweed, composta
de indivíduos das tribos nômades africanas de língua árabe e de religião islâmica.
Enquanto as secas assolavam o Sul, e o governo combate os rebeldes do Sul, no
Oeste, as milícias, desde 2003, têm causado terror, violência e morte. A ONU
descreve o conflito de Darfur como uma crise humanitária afetando cerca de três
milhões de pessoas, com aproximadamente 400 mil mortos e os demais vivendo
como refugiados. Inspetores da ONU, que estiveram em Darfur, compararam
as gangues de Janjaweed a grupos de extermínio, e que os grupos já existiam
antes da eclosão do conflito. Foram rotulados de saqueadores e de promoverem
a limpeza étnica. A comunidade internacional condenou a posição do governo
do Sudão pelo silêncio sobre uma situação que beira o genocídio, embora a ONU
negue esse termo, alegando não haver evidências.

Após a divulgação da possibilidade da existência de petróleo em Darfur,


tanto os governantes do Sudão como as elites políticas e econômicas se inseriram
numa contenda energética global que envolve as duas maiores potências dos
dias de hoje, os Estados Unidos e a China. A China vem há tempos estendendo
sua influência na África, particularmente junto aos países ricos em petróleo, e o
Sudão é um dos que já contam com investimento chinês. De outro lado, como os
Estados Unidos são o maior consumidor mundial, igualmente tem interesse, mas
condenam as atitudes de governo sudanês, contra o qual, inclusive já realizou
ataque militar em 1998, quando o governo do país foi acusado de dar suporte à Al-
Qaeda, durante as embaixadas estadunidenses em Nairóbi, no Quênia, e em Dar es
Salaan, na Tanzânia. Um frágil acordo entre Cartum e os rebeldes foi assinado em
2004, mas a péssima situação do povo em Darfur persiste, assim como a tensão. O
conflito de Darfur levou o presidente do Sudão, Omar Al-Bashir, a ter sua prisão
decretada pelo Tribunal Penal Internacional – TPI, acusado de crime de guerra e
responsabilidade pela tragédia humanitária, assim como de dar apoio velado aos
grupos de extermínio. O governo do Sudão, contudo nega as acusações.
195
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

4.8 SOMÁLIA: GUERRA ENTRE CLÃS


A Somália localiza-se no leste africano na região conhecida como Chifre da
África que engloba ainda Etiópia, Eritreia e Djibuti, países marcados nas últimas
décadas por instabilidade política. A Eritreia é um desmembramento da Etiópia
depois de intensa guerra civil nos anos 1980. As infames cenas da degradação
humana que comumente são vistas nesta região estão ligadas a dois fatores
entrelaçados: guerra e seca. Nos últimos anos é a Somália que desperta a atenção
da comunidade internacional por viver uma interminável guerra civil.

O marco histórico contemporâneo da Somália é o ano de 1991, quando


o regime militar de governo pró-Moscou caiu, em consequência da transição no
plano internacional, das Ordens mundiais. A aliança entre os rebeldes, que se
uniram, durou apenas o suficiente para a derrubada do antigo governo. Após as
lutas entre diferentes facções para assumir o governo, instaurou o caos.

Aproximadamente 20 clãs, que caracterizavam a população de somali não


chegaram a um acordo sobre quem iria assumir o governo e armados partiram
para um confronto. Segundo Silva (2013), não se trata de uma guerra étnica, pois a
Somália é um raro caso de uniformidade étnico-linguística no continente africano.
Apesar da homogeneidade étnica, o país apresenta guerra civil a mais de 20 anos
e os protagonistas centrais são os clãs rivais. Uma conferência em 2004, contando
com quase todos os chefes tribais levou a um acordo mais consistente e elegeu
um parlamento. Criou-se um governo transitório cuja composição obedeceria à
proporcionalidade demográfica das tribos, mas que por motivos de segurança
permanecia instalado provisoriamente no Quênia, país que patrocinou o mais
bem-sucedido acordo de paz até então. Um plebiscito que estava marcado para
os anos seguintes, mas este não foi realizado devido à violência que não cessou.
O país entrou em colapso, sem a mínima infraestrutura administrativa. Há um
governo eleito, surgido do acordo de 2004, mas está refugiado no Quênia, pois
não conseguiu assumir. O quadro se tornou mais obscuro nos últimos anos, com
o fortalecimento de uma das milícias, a Al-Shabad, ligada à Al-Qaeda, domina
grande parte do país, e impõe nestas áreas que domina a Sharia. O país é afetado
por estiagens cíclicas e depois da seca de 1997, que levou milhares à morte e
suscitou um cessar fogo. Em 2011, outra seca, a mais grave dos últimos 50 anos,
tornou a região ainda mais caótica.

Durante estes mais de 20 anos de guerra civil, muitos clãs autodeclararam


suas independências, fazendo surgir pseudopaíses, obviamente não reconhecidos
pela ONU, nem por nenhum país. Diante da total ausência de Estado, e do cenário
posto, a navegação marítima nas imediações do litoral da Somália tornaram-se
zona de risco por causa da proliferação de piratas somalis realizando frequentes
assaltos, inclusive de petroleiros.

196
TÓPICO 4 | ÁFRICA

4.9 ANGOLA: DO DRAMA DA GUERRA À RECONSTRUÇÃO


NACIONAL
Enquanto foi colônia portuguesa, a Angola assistiu ao surgimento de dois
importantes grupos contestatórios e de libertação nacional, porém de orientações
ideológicas distintas. De um lado, estava o Movimento Popular de Libertação
de Angola – MPLA, de inspiração marxista, e de outro, a União Nacional pela
Independência Total de Angola – Unita. Uma terceira força de atuação mais
modesta estava em cena, Frente Nacional pela Libertação de Angola.

Assim que findou o domínio português em 1975, as duas facções mais


fortes entraram em atrito, e a Angola adentrou numa longa guerra civil, opondo
as organizações e inserindo o país no contexto da Guerra Fria. Quando o conflito
eclodiu, o marxista MPLA passou a ter apoio logístico direto de Cuba e indireto
da ex-URSS. Os Estados Unidos financiaram e incentivaram da FNLA, por
intermédio do ditador do Zaire, atual Congo, o general Maputo e a Unita por
intermédio da África do Sul, através de um corredor territorial na Namíbia, na
época um domínio sul-africano. Estava configurada em Angola, uma reprodução
em pequena escala da Guerra Fria. Num primeiro momento o grupo de orientação
marxista foi vitorioso, assumindo o governo.

Os conflitos persistiam ao longo das décadas de 1980 e 1990. As


transformações internacionais, na Ordem Bipolar, refletiram em Angola. A
dissolução da ex-URSS, a imediata retração cubana, o fim do Apartheid na África
do Sul e a independência da Namíbia, reconfiguraram o contexto angolano e
culminaram no acordo de paz em 1991, com imediato cessar fogo e realização de
eleições supervisionadas pela ONU. Realizadas as eleições em 1992, o candidato
perdedor Jonas Savimbi, da Unita não aceitou o resultado e retomou os combates,
instaurando nova onda de violência na Angola (SILVA, 2013).

Uma das faces mais desumanas desse conflito foi a instalação de milhões
de minas terrestres, as quais têm sido responsáveis pela mutilação de milhares
de angolanos. As minas chegaram a ser a principal causa de mortes no país, e
no decorrer do século XXI serão responsáveis por mais mortes e mutilações de
pessoas no meio rural. Mesmo sendo proibidas pela convenção de Genebra, foi
uma das estratégias utilizadas pelas guerrilhas (TAMDJIAN, 2005).

O acirramento da guerra teve como consequência, durante um período,


uma média de mil mortes diárias. A guerra não era mais produto de ingerência
internacional, mas de responsabilidade exclusiva da Unita e de seu líder, Jonas
Savimbi, um autêntico “Senhor da Guerra”, alcunha para designar alguns líderes
tribais africanos marcados pela agressividade militar. Savimbi controlava boa
parte das jazidas de diamantes angolanos e, com isso, comprava armas que
prolongaram o conflito armado no país.

197
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

A guerra durou até 2002, quando Savimbi morreu em combate e a Unita,


enfim se rendeu. Seus combatentes foram anistiados ou foram aceitos no exército
oficial angolano. Desde então, a Angola tem retomado projetos econômicos,
construindo-se nacionalmente, com abertura gradual para o capitalismo e entrada
de transnacionais para a exploração dos diamantes e outros minerais. A prestação
de serviços e possibilidades de prospecção de petróleo também está entre os
atrativos para empresas estrangeiras, inclusive para a brasileira Petrobras. A
China tornou-se grande parceira comercial.

DICAS

Assista ao vídeo “A convenção de Genebra em quatro minutos”.Disponível em:


<http://politike.cartacapital.com.br/?p=966>. Acesso em: 10 jul. 2015.

198
TÓPICO 4 | ÁFRICA

LEITURA COMPLEMENTAR

ENTENDA A SECA NO CHIFRE DA ÁFRICA

A mais severa seca dos últimos 60 anos afeta de 12,5 a 13 milhões de pessoas
na região conhecida como Chifre da África, incluindo terras de vários países. A
ONU declarou fome crônica em duas regiões do sul da Somália, e anunciou que,
caso nada seja feito, a situação pode se transformar numa catástrofe humanitária.
Segundo reportagem da revista Exame, de 2 de maio de 2013, um estudo
elaborado por várias agências da ONU, pelas americanas USAID, e FEWS NET a
crise da fome (decorrente da guerra, da estiagem e da ausência de governo central
e suas instituições estruturadas) foram responsáveis pela morte de mais de 250
mil pessoas entre os meses de outubro de 2010 e setembro de 2012, representando
4,6% da população do Sul e do centro da Somália e 10% dos menores de cinco
anos na região.

Cientistas de diferentes universidades e centros de pesquisa pesquisando


sobre as causas naturais dos eventos extremos, defendem que a seca não é
novidade para os moradores do nordeste africano – ela acontece a cada dois anos
ou mais. No entanto, o estudo publicado no começo de 2013, por cientistas de
Serviço Geológico dos Estados Unidos e da Universidade da Califórnia mostra
que o aquecimento global pode estar por traz da piora da seca dos últimos anos.
Segundo os cientistas, as observações e modelos climáticos indicam que o oceano
Índico está aquecendo muito depressa, o que implica mudanças climáticas nas
proximidades.

Além da questão climática há fatores políticos que pioram as condições dos


moradores da região. Não é a seca que está produzindo a fome, pois as secas são
endêmicas. Elas acontecem a cada poucos anos, mas as pessoas desenvolveram
mecanismos para lidar com isso durante os anos. Esses mecanismos foram
destruídos pela guerra civil, pela guerra ao terror e pela ocupação etíope. As
pessoas ficaram tão vulneráveis porque perderam tudo antes da seca, quando a
seca chegou, elas já não tinham nada e ficaram famintas. A explicação foi dada
pelo professor de geografia e estudos globais da Universidade de Minesota, nos
EUA, Abdi Samatar. Ainda, segundo o professor que é de origem somali, os
muitos anos de guerra, a pirataria, o avanço do grupo extremista Al-Shabaab e a
inimizade com os etíopes tornou a situação da Somália Insustentável. Assim, na
opinião do professor há situações que o mundo precisa ajudar a resolver.

199
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico vimos que:

• O continente africano é extenso, diverso e complexo, tanto aos aspectos naturais


e paisagistas como nos aspectos políticos, econômicos e culturais. Seus estudos
na contemporaneidade exigem análise socioespacial capaz de abarcar esta
complexidade e diversidade, onde além de observar as especificidades locais
e regionais que compõem o continente, não percamos de vista a totalidade.
Apesar de numa primeira observação, pensar-se no continente africano e
seus mais de 50 Estados-Nações ou simplesmente países (questionando suas
soberanias), estarem excluídos do processo de globalização, estes sofrem suas
consequências, diretas e/ou indiretas. As realidades africanas estão inseridas
num contexto global, planetário apesar de sua menor visibilidade.

• Muitos dos problemas vividos pelas populações africanas foram produzidas


e agravadas pelos processos sócio-históricos e culturais impostos pelas nações
europeias e ocidentais, e atualmente outras como, por exemplo, a China.
Colonialismo, imperialismo e globalização, não importa o período histórico, os
interesses e populações africanas foram desrespeitados, silenciados e fadados
à invisibilidade.

• Entre os atuais conflitos e problemáticas que assolam muitos países da África,


destacam-se os conflitos armados entre rebeldes, que organizam grupos
paramilitares e forças dos governos, disputando o controle de áreas e regiões
muitas vezes estratégicas e/ou ricas em recursos minerais.

• A disseminação do vírus HIV/Aids, provocando morte prematura de grande


número da população adulta em alguns países tem comprometido parte da
população ativa adulta. Campanhas para prevenção e remediação dos infectados
têm exigido dos governantes políticas públicas e dotações orçamentárias na
tentativa de minimizar a problemática. A saúde da mulher é ponto crítico da
saúde da população feminina em países mais pobres do continente africano.

• Em alguns países da região central do continente (Congo, Burundi, Ruanda


e Uganda e outros) a exploração ilegal, ou clandestina de minerais raros,
(Gadgets de sangue) muito valorizados no mercado internacional por serem
indispensáveis na indústria de informática e de eletrônicos é controlada por
grupos armados rebeldes, os quais investem no armamento e treinamento
de grupos paramilitares. Esta situação, entre outros fatores, tem provocado
migrações humanas, campos de refugiados e mortes. Os governos destes
países, após os conflitos armados anteriores e saída de efetivos, têm recrutado
mulheres na tentativa de reorganização de seus exércitos. Enquanto a situação
persiste, milhares de pessoas são obrigadas, pelos rebeldes, ao trabalho forçado

200
(escravo), nas minas de cassiterita (estanho), coltan (tântalo), wolframita
(tungstênio) e ouro.

• A África do Sul, após extinção do apartheid e longo e demorado (ainda não


concluído) processo de transição para uma sociedade com equidade de direitos,
e igualdade de oportunidades ainda enfrenta graves problemas sociais.

• O Sudão, após guerra ocorrida em intervalos irregulares entre 1983 e 2011,


resultou na divisão do país, formando o Sudão do Sul e o Sudão. Alguns
pontos de conflito, no entanto, ainda persistem. A região de Darfur, no Sudão,
continua em conflito armado, ocupada parcialmente pela milícia muçulmana,
cujos interesses conflitam com a intenção do governo e interesses de outros
países, como a China, diante da possibilidade de investimentos na exploração
petrolífera.

• A Somália, um dos países mais pobres e problemáticos do Chifre da África,


vem sofrendo com estiagens cíclicas, que agravadas com a desestruturação
causada pelos conflitos internos e falta de um governo central, tem causado
a morte de quase 5% da população, desde 2011, e deslocamento de parcelas
significativas de sua população.

• A Angola, apesar de seu crescimento econômico e das políticas públicas para


reconstrução do país, ainda possui em seu território grande número de minas
terrestres, as quais continuam causando mortes e mutilações.

201
AUTOATIVIDADE

1 Leia com atenção o poema do português Rogério Martins Simões, depois


responda o que se pede:

DARFUR – SUDÃO
Era noite, tão noite,
Nem uma só luz existia,
As velas acesas não brilhavam,
Lá fora nem luar havia...

Metia medo, ninguém dizia!


Ninguém murmurava...
O silêncio era gélido!
Esperavam o dia
e os corações sangravam....
Medrosa agonia,
Metia medo!
Ninguém diria...

Vieram os cavaleiros de negro...


Despedaçaram as portas!
Violaram! Mataram!
Derramaram sangue!
Verteram-se as lágrimas!
Levaram os moços!
Incendiaram o chão!
Queimaram corpos em pira!
Envenenaram os poços!
E partiram sedentos de ira!
Que tragédia é essa Sudão (interrogação)

Voltou o dia!
Fez-se noite!
Viram-se de novo as estrelas!
Que é do teu povo, Sudão (interrogação).
Disponível em: <http://poemasdeamoredor.blogs.sapo.pt/91899.html>. Acesso em: 11 jul. 2015.

202
a) Explique o conflito que envolve a área mencionada do poema.
b) “Metia medo!” é o primeiro verso da segunda estrofe. O que metia medo
(interrogação).
c) O eu lírico (quem narra o poema) retrata nos versos o sofrimento do povo
sudanês diante do inimigo. Retire do poema versos que comprovam as
atrocidades inimigas para com o povo sudanês.
d) Conflitos internos no Sudão provocaram a criação de um novo país na
África. Identifique-o e descreva-o.

203
204
UNIDADE 2 TÓPICO 5

ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

1 INTRODUÇÃO
Localizada no leste do continente asiático, a China, com 9,6 milhões de
quilômetros quadrados, é o terceiro maior país em extensão, e o mais populoso
com 1,4 bilhão de habitantes. A China tem se destacado no cenário mundial pelo
crescimento de seu Produto Interno Bruto – PIB em torno de 10% ao ano entre
2001 e 2008, o que tem influenciado o processo de globalização, principalmente
nos aspectos econômicos, comerciais e financeiros. Após um conjunto de ajustes
internos, a China passou a integrar a Organização do Comércio Mundial – OMC
em 2001, o que foi importante para alavancar suas exportações. A China integra
o bloco econômico da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico – APEC, e é
a maior economia dos BRICS, é também membro permanente do Conselho de
Segurança da ONU. O estudo sobre a China, neste Caderno de Estudos, tem como
objetivo a compreensão da inserção do país na economia mundial como grande
exportador de produtos industrializados e as implicações deste fenômeno.

2 CHINA: CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A NOVA


POTÊNCIA
Além dos Estados Unidos, que hoje são a maior potência mundial, da União
Europeia, dos organismos supranacionais, os países componentes do BRICS (Brasil,
Rússia, China, Índia e África do Sul) também aparecem no cenário mundial com
força. No grupo se destaca a China. Como segunda economia mundial, a tendência
é de rivalizar economicamente e geopoliticamente com os Estados Unidos nos
próximos anos. A China encontra-se em ascensão há três décadas, tudo indica que
se igualará economicamente aos EUA em aproximadamente 10 anos.

Segundo Oliveira (2012), nesse contexto, uma ideia que é preciso descartar
é a de que a China busque assumir a hegemonia mundial, por não dispor de
meios necessários para aventuras militares. Ao contrário dos lugares comuns que
retratam a China apenas como poluidora, é possível construir novos conceitos
onde aparece como economia dinâmica, como liderança regional, com gestão
e governança interna de valorização de áreas tradicionais na direção oeste e
interior de seu imenso território. O terreno da convergência de chineses e norte-

205
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

americanos há de estar na edificação de um novo perfil energético para a economia


global. A mídia internacional vem recolhendo informações que mostram a China
se tornando, na segunda década do século XXI, um país líder na manufatura e
na utilização instrumental para a geração de energias solar e eólica. Nos EUA, os
líderes políticos são adeptos desse tipo de energia.

O governo chinês ainda participa ativamente da economia como


proprietário dos meios de produção, e além de ser o planejador econômico (o que
já está sendo questionado) tenta controlar o sistema financeiro, a participação da
iniciativa privada tem crescido no país.

Nenhum país cresceu tanto como a China em tempos de crise global


capitalista. Para entender melhor o caminho percorrido, faz-se necessário uma
análise de três momentos decisivos que perpassaram pelo país no século XX: o jugo
colonial; a Revolução chinesa; e as reformas econômicas de 1978 (SILVA, 2013).

2.1 O IMPERIALISMO E A REVOLUÇÃO CHINESA


O imperialismo subjugou o império Chinês entre o final do século XIX
e início do século XX. Contra a dominação estrangeira, explodiu no final do
século XIX forte levante popular, o qual foi reprimido com êxito pelos britânicos
e japoneses. Os japoneses iniciaram sua investida imperialista no Oriente e
ocuparam parte da China desde 1895. Os britânicos desde a primeira Guerra do
Ópio, nos anos de 1840, quando a Grã-Bretanha declarou guerra aos chineses por
impedirem o negócio da droga comercializada por eles. O resultado da vitória
britânica foi, entre outras reparações de guerra impostas à China, a apropriação
de Hong Kong.

E
IMPORTANT

Imperialismo é a uma prática de interferência econômica e cultural de países


hegemônicos ou potências industrializadas em países dependentes economicamente.
Nesta influência, as potências não precisam instalar representações de seus governos, e
nem interferir diretamente nos rumos da política do outro país, por exemplo, na época
da vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil (início do século XIX), em troca da ajuda
recebida, D. João VI abriu os portos brasileiros às Nações amigas, beneficiando diretamente
a economia britânica. Assim, durante o século XIX e início do século XX, a Inglaterra realizou
no país vários projetos de construção de ferrovias, de fornecimento de energia elétrica, de
pequenas fábricas etc. Com as Guerras Mundiais, o imperialismo passou a ser exercido pelos
Estados Unidos, grande vencedor da guerra.

206
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

Império é a denominação a um país governado por um Imperador ou


monarca, respaldado na constituição do mesmo. O império abarca o domínio
político de um território, administrado por um soberano (rei, rainha, monarca,
imperador), podendo ser um conjunto de terras contínuas ou descontínuas.
Exemplos: O Brasil, no século XIX, enquanto foi governado por D. Pedro I e D.
Pedro II, foi um Império. Em 1889 foi proclamada a República, e o Brasil deixou
de ser Império.

Ao mesmo tempo em que o Brasil era um Império, governado pelo


Imperador D. Pedro II, a Inglaterra continuou praticando, aqui, em terras
brasileiras, o imperialismo, controlando setores estratégicos da economia
brasileira, como o da energia e transportes férreos, pois as primeiras indústrias
brasileiras dependiam de máquinas e tecnologias inglesas. Durante a Guerra do
Paraguai o Brasil fez empréstimos da Inglaterra, os quais resultaram no aumento
da dívida externa brasileira. Durante o Século XIX, grande parte das importações
de bens de consumo provinha da Inglaterra. Após a Primeira Guerra Mundial,
os Estados Unidos, que foram os grandes beneficiados, substituíram a Inglaterra
na prática do imperialismo, ou seja, passaram a exercer influência econômica,
hegemonia e supremacia internacional.

A Inglaterra, juntamente com Escócia, país de Gales e Irlanda do


Norte, é um império até os dias atuais, por sua forma de governo: Monarquia
Parlamentarista, onde a Rainha Elizabeth é chefe de Estado e David Cameron é o
Primeiro-Ministro, chefe de governo, eleito democraticamente pelo Parlamento.
A China, até o século XIX e início do século XX, era um conjunto de impérios,
com os fatos históricos que se sucederam após o final da Segunda Guerra, o país
passou a ser uma República Comunista, com um poder central.

Uma nova resistência surgiu em 1900, através do partido Nacionalista,


que combatia a monarquia fragilizada e a presença estrangeira no país. Em
1912 foi criada a república, porém o regime não foi reconhecido pelas forças de
ocupação. Pouco mais tarde, nos anos 1920, surgiu outra frente de resistência: O
Partido Comunista Chinês – PCCh (1921). Na extensão da década de 1920, os dois
partidos rivalizaram-se, chegando a constituírem aliança em 1927, quando uma
rebelião de operários foi durante reprimida em Xangai.

Entre os comunistas a imagem do lendário líder Mao Tsé-Tung, foi sendo


construída. Na década de 1930 uma guerra civil assolou as estruturas tradicionais
chinesas baseadas nas grandes propriedades rurais (senhores feudais, cada
qual vivendo de forma autônoma e isolada) e a organização política baseada na
monarquia, ao mesmo tempo em que rivalizavam nacionalistas e comunistas.
Em 1934 fugindo das perseguições que o grupo do Partido Comunista estava
sofrendo, Mao Tsé-Tung e seus seguidores empreenderam Marcha pelo interior
do país, ao norte, percorrendo uma distância de nove mil quilômetros, numa das
mais reverenciadas táticas de guerrilha de todos os tempos, conhecida como a
Grande Marcha. Foi uma forma de manifesto, de propaganda e de semear ideias
para uma China diferente.

207
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Entre 1935 e 1945, os dois partidos uniram-se e conclamaram os chineses


para expulsar os japoneses, que haviam ocupado o norte do país. Dessa luta contra
os invasores, os comunistas, liderados por Mao Tsé-Tung, saíram fortalecidos,
aumentaram seu efetivo militar e territorial promovendo reforma agrária nas
terras conquistadas, ganhando apoio da população rural.

Após o desfecho da II Guerra Mundial, com a rendição japonesa e o


enfraquecimento das forças britânicas de ocupação, a aliança entre nacionalistas
e comunistas se encerrou. O impasse e disputas internas voltaram a ocorrer entre
1945 e 1949. Os comunistas sagraram-se vitoriosos e, em 1º de outubro de 1949, na
Praça da Paz Celestial, Mao Tsé-Tung anunciou a fundação da República Popular
da China: era o fim de quase cinco mil anos de império. Os chineses partidários
fervorosos do partido nacionalista, não aceitando o novo regime, partiram da
China Continental, e se instalaram na ilha de Formosa, atual Taiwan, na tentativa
de organização de resistência, anunciou a fundação da República Nacionalista
da China (de economia capitalista, apoiada pelos EUA, durante a Guerra Fria),
não reconhecida pela China (Continental) até hoje, considerada por um período
como província rebelde. Os líderes chineses comunistas concentraram-se na
organização do novo país.

2.2 O PERÍODO DE MAO TSÉ-TUNG


Após séculos, existia na China um poder central e único. A reestruturação
dentro dos princípios socialistas esteve acompanhada de amplas reformas
burocráticas, desmantelando as velhas estruturas. A economia passou a ser
estatizada e planificada dentro das concepções marxistas. A reforma agrária
imposta para todas as terras agriculturáveis e pastoris foi o evento central
nas inovações, uma vez que a China era majoritariamente rural. As grandes
propriedades foram confiscadas pelo Estado e redistribuídas pelos camponeses,
e entre estes foram organizadas cooperativas agrícolas, as comunas, aumentando
a produção agrícola.

Os meios de produção urbanos (companhias, bancos, meios de comunicação


e transportes) foram estatizados. Houve investimento no desenvolvimento
com a construção de ferrovias, usinas hidrelétricas e diques. Na primeira etapa
do governo de Mao foram criados 24 ministérios, estabelecendo-se entre as
prioridades: agricultura, educação, indústria de bens de produção, indústria
leve e outros. Os planos quinquenais tentavam alavancar a economia chinesa.
Entretanto, não é possível mudar as velhas estruturas e formas tradicionais de
produção em pouco tempo. Os planos e a reorganização econômica custaram
a encaixar. A população de 650 milhões de habitantes em 1960, em processo de
êxodo rural teve dificuldades para encontrar emprego nas áreas urbanas. Uma
onda de fome, seguida da morte de milhões de pessoas, assolou o país.

208
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

Sentindo-se ameaçado o Partido Comunista Chinês, porque nem todos


os líderes comunistas aprovaram o distanciamento da ex-URSS, outros estavam
descontentes com a política econômica do governo comunista. Um confronto com
os intelectuais conduziu a uma convulsão social. Os estudantes estavam desejosos
de uma maior participação na vida política nacional. A cúpula do Partido
Comunista dividiu, de um lado o grupo da linha dura, e do outro os revisionistas,
que foram acusados de serem condescendentes aos valores burgueses e, por isso
foram vistos como uma ameaça à Revolução.

A revolta explodiu em 1966 e as massas populares se viraram contra os


opositores de Mao. A Revolução Cultural é interpretada como “radical” devido
à violência dos atos. Os adeptos de Mao e a denominada “guarda vermelha”, a
vanguarda revolucionaria maoísta, sagraram-se vitoriosos e o que se observou
foi um verdadeiro expurgo comunista com a maioria dos adversários de Mao
Tsé-Tung destituídos dos principais cargos da vida pública: alguns foram
exilados, outros presos ou, simplesmente executados. Tudo que fosse ameaça ao
sistema socialista chinês deveria ser eliminado, inclusive pessoas. Mao Tsé-Tung,
conhecido como o grande Timoneiro, implementou a Revolução Cultural (1966-
1976), na tentativa de resolver o desordenamento político e a crise econômica.
A revolução cultural perseguiu e prendeu pessoas, impôs o pensamento de
Mao expresso no Livro Vermelho e inseriu o país em um isolamento em escala
internacional. A ordem seria retomada em princípios do ano de 1967 e dali por
diante, Mao governaria a China com relativa tranquilidade por mais nove anos.

Com a intenção de contrabalançar a hegemonia soviética no mundo


socialista, a China reorientou suas relações com os Estados Unidos, buscando
uma aproximação política e comercial com a potência do Ocidente. O auge desse
movimento se deu em 1972, quando o presidente Richard Nixon visitou a China.
No ano anterior, a China havia conquistado a vaga de membro permanente no
Conselho de Segurança da ONU, desbancando Taiwan, que lá esteve desde 1949.
Em 1979, os Estados Unidos e China reataram relações diplomáticas, não sem
antes a potência ocidental rompê-las com Taiwan (SILVA, 2013).

2.3 DENG XIAOPING E AS REFORMAS ECONÔMICAS


A morte de Mao Tsé-Tung em 1976 desencadeou um processo de
disputa no Partido Comunista entre os seguidores maoístas e os revisionistas,
que se reorganizaram nos anos que antecederam a morte do líder chinês, e
gradativamente reocuparam importantes cargos, ou seja, estavam fortalecidos.
Após algumas tumultuadas reuniões da cúpula do Partido comunista, Deng
Xiaoping, um dos líderes da revolução de 1949, mas rival de Mao, perseguido
na Revolução Cultural, por ser considerado extremamente liberal, capitalizou os
dividendos políticos desse novo momento e emergiu como o grande vencedor da
disputa interna do PCCh. A China entraria numa nova era e o sucessor de Mao
recontaria a história chinesa por outros caminhos.

209
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Em 1978, Deng deu início a um amplo programa de reformas econômicas


que revolucionaria o país. Eram reformas liberalizantes, basicamente concessões
ao capitalismo, iniciativa jamais admitida no período de governo de Mao. Foi
retomado o programa das quatro modernizações, concebida ainda no início
dos anos de 1950, enfatizando a agricultura, a indústria, a ciência, tecnologia e
a defesa. A adoção de mecanismos da economia de mercado, a permissão para
a existência de indústrias privadas e mistas e a entrada de capital estrangeiro no
país alavancou a economia chinesa.

NOTA

Mao Tsé-Tung, enquanto governou, pautou-se por construir a igualdade, mesmo


que sacrificando o desenvolvimento. Deng inverteu a premissa, colocando em primeiro
plano o desenvolvimento, mesmo que isso levasse ao comprometimento da igualdade. Esta
é a China de hoje, mais forte, mais rica, mais desigual.

Segundo Silva (2013), a nova política econômica estabeleceu:

• Dissolução parcial das comunas agrícolas e uso privado da terra


pelos camponeses. Criou o trabalho assalariado no campo e
permitiu que os agricultores vendessem o excedente da produção,
aumentando a produtividade. Forneceu subsídios para que o povo
comprasse produtos agrícolas, o que ativou esse mercado. Surgiu
dessa transformação uma classe abastada de agricultores.
• Diferenciação salarial entre os operários das fábricas, baseado
no critério da produtividade. A abertura no setor industrial, que
começou na década de 1990, com a entrada do capital estrangeiro
possibilitou a instalação de empresas de capital misto. As empresas
estatais passaram a enfrentar vários tipos de concorrência.
• Criação da Bolsa de Valores de Beijing (Pequim).
• Inversão da prioridade industrial, uma vez que a ênfase a partir das
modernizações seria para produção de bens de consumo.
• Criação das Zonas Econômicas Especiais – ZEEs, que num primeiro
momento foram quatro, depois inúmeras.
• Abertura controlada a investimentos estrangeiros em zonas
determinadas.
• Priorização às exportações e busca por mercados externos.

A entrada dos investimentos estrangeiros ocorreu devido a um conjunto de


fatores responsáveis: disponibilidade de mão de obra, relativamente qualificada,
disciplinada e de baixo custo; existência de um gigantesco mercado consumidor
interno (1,3 bilhão de pessoas); abundância de recursos minerais utilizados como
matéria-prima e fontes de energia; infraestruturas (portos, ferrovias e rodovias)
implantadas nessas áreas por meio de investimentos realizados pelo governo; a
desoneração dos custos de produção por meio de facilidades fiscais e tributárias,
além de incentivos ao setor exportador; existência de uma legislação ambiental
pouco rígida e até certo ponto permissiva em relação às atividades poluidoras
(MARTINEZ, 2013).

210
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

No contexto de mudanças, a abertura da economia chinesa teve, dentre


outros objetivos, o acesso a novas tecnologias, numa associação entre o Estado
com o capital externo. A realização de inúmeras joint ventures com empresas
estrangeiras, nas Zonas Econômicas Especiais – ZEEs foram decisivas para este
processo. De acordo com Almeida (2013a), as ZEEs foram e ainda são verdadeiros
“oásis capitalistas” em que o capital, experiência e tecnologia estrangeiras eram
e ainda são muito bem-vindos. As exportações tornaram-se prioridade para
o governo. Amorin (2012) descreve as ZEEs como áreas nas quais empresas
estrangeiras encontraram condições favoráveis para a instalação das unidades de
processamento de mercadorias para o mercado externo, aproveitando a mão de
obra barata e disciplinada. Paulatinamente, o conceito de ZEE foi se estendendo
a outras cidades e regiões, tanto for determinação oficial quanto por iniciativas
informais de lideranças regionais, a ponto de, na prática, quase toda a China ser
hoje uma ZEE.

ATENCAO

Joint venture é uma associação entre empresas, por um tempo determinado,


no caso, as estatais da China, com transnacionais, sem que nenhuma delas perca a
autonomia jurídica.

Em um determinado momento, o governo chinês assumiu o novo modelo econômico


como “socialismo de mercado”, entretanto, constitucionalmente, o governo (totalitário)
continua sendo controlado pela cúpula do Partido Comunista Chinês, não existe democracia,
liberdade de expressão, imprensa livre. Do ponto de vista político, a China é uma República
Socialista Parlamentarista.

No processo de abertura econômica que se iniciou no final da década


de 1970 e início de 1980, os primeiros a investirem na China foram os “chineses
ultramar”, ou seja, os que com o regime comunista, na década de 1950 e 1960
emigraram para Hong Kong, Taiwan, Macau e Indonésia, onde tinham se
estabelecido e muitos prosperaram e se tornaram empresários, suas famílias
retornaram e continuaram suas atividades como empresários associados às
empresas estatais,

A combinação de grandes investimentos em infraestrutura, facilidades


burocráticas, mão de obra, fomento a um ambiente empresarial competitivo e
acesso a um mercado consumidor formado pela maior população absoluta
mundial induziu a formação de um parque industrial em poucos anos. Em
algumas áreas litorâneas, como estuários e ilhas chinesas existem uma grande
concentração industrial de vestuários, brinquedos, eletrônicos e vários outros
artigos de consumo. A formação desta estrutura industrial propiciou saltos
qualitativos e quantitativos na produção chinesa, cujos efeitos repercutem em todo

211
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

o mundo, seja por meio do acirramento da competição em diversos segmentos


industriais, seja pelo efeito deflacionário que o acesso aos produtos chineses tem
para os consumidores.

O sucesso da competitividade chinesa não se deve apenas ao fator


mão de obra, mas a um conjunto de fatores que são os pesados investimentos
em infraestrutura, simplificação burocrática e desoneração fiscal do produtor/
exportador, facilitação dos procedimentos de licenciamento e aprovação de
investimentos, desenvolvimento de clusters produtivos, formação maciça de
técnicos e engenheiros. Assim, o estabelecimento de um parque industrial grande
e diversificado na China não só induziu a mudanças importantes nos padrões de
produção interna, mas também forçou a reconfiguração de arranjos produtivos
internacionais, sobretudo no sudeste asiático (AMORIN, 2012).

As reformas de Deng Xiaoping fizeram com que a China, em poucos anos,


abandonasse a planificação e controle econômico estatal e passasse a adotar os
mecanismos dinâmicos do capitalismo contemporâneo, resultando em alguns
problemas estruturais, também contemporâneos: excesso de produção e estoques,
redundância industrial, degradação ambiental, informalidade e violação dos
direitos trabalhistas, violação dos direitos de propriedade intelectual e outros.
Os efeitos colaterais são do tamanho do crescimento da China e resultado do
processo de abertura, que não foi acompanhado, na mesma escala e velocidade,
pela introdução de regulamentação, instituições e mecanismos de controle da
atividade produtiva.

Segundo Amorin (2012), é inevitável que um processo de crescimento com


as características do chinês, gere diversos e sensíveis desiquilíbrios. A proporção
destes, contudo, acarreta riscos sistêmicos consideráveis para o funcionamento
do Estado e a governabilidade do país, a percepção de legitimidade do regime do
partido único e a preservação da estabilidade social.

O primeiro desequilíbrio é geográfico, pois os benefícios da modernização


e dinamicidade se concentram no litoral e vales próximos deste. O segundo é
reflexo do primeiro na esfera social, pois os meios urbano e rural na China são
muito distintos. Internamente, o sistema do hukou (certificado de residência)
instaurado nos anos 50 por Mao Tsé-Tung para travar o êxodo rural, ainda
não foi revogado e continua a estigmatizar as populações rurais em relação às
populações urbanas. Sem a obtenção deste certificado, é praticamente impossível
para quem parte para as cidades conseguir alojamento, trabalho, subvenções
ou pôr os filhos na escola. Em 2000, quando do último recenseamento nacional,
11,6% da população, cerca de 145 milhões de pessoas, já tinham dado início a
estas migrações internas (AMORIN, 2012).

A renda média dos cidadãos urbanos cresceu mais de 10% ao ano em


detrimento a do campo que cresceu apenas 2,5% anuais durante os primeiros
vinte anos de abertura. Na última década houve uma pequena aceleração.
Desequilíbrio semelhante ocorre entre os trabalhadores industriais, levando-se

212
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

em conta as desigualdades de educação e treinamento, somando-se às deficiências


dos mecanismos de seguridade social. Os resultados previsíveis apontam para a
concentração de renda.

O terceiro problema estrutural é o impacto ambiental do crescimento


sobre os recursos naturais e nos diferentes tipos de poluições decorrentes deste
processo, com implicações globais. É amplamente sabido, entre outros fatos, que
16 das 20 cidades mais poluídas do mundo são chinesas, que o país caminha para
uma provável crise de abastecimento de água potável, que a matriz energética,
dependente do carvão mineral, não contribui para soluções rápidas do problema.
São recorrentes os episódios de contaminação com produtos tóxicos em larga
escala, por falta de controles públicos.

2.4 A CHINA NA GLOBALIZAÇÃO


Desde que a China realizou a abertura econômica, e ingressou na OMC,
tem apresentado índices de crescimento econômico positivos, mesmo tendo
passado por períodos difíceis, decorrentes das crises asiáticas de 1998-1999
e as crises mundiais de 2008 e 2011. Em 2010, a China ultrapassou o Japão e a
Alemanha e se tornou a segunda economia do mundo, e também está entre os
maiores exportadores mundiais. Apesar de produzir matérias-primas minerais e
agrícolas e também alimentos, a China é uma grande importadora, principalmente
de fontes de energia e minerais, devido à demanda gerada por seu crescimento
econômico e população.

Na busca por produtos ausentes em seu território, ou não produzidos


em seu país, a China tem investido em lugares como a África, sudeste asiático,
Índia, Austrália, América do Norte, e América Latina, inclusive o Brasil. Os
investimentos chineses no exterior vêm aumentando nos últimos anos. Segundo
Almeida (2013a), Austrália, Estados Unidos, Nigéria, Irã e Brasil estão entre os
países que receberam os maiores volumes de investimento chinês.

O país é o principal sócio comercial da África. O seu comércio com o


continente disparou, tendo triplicado desde 2006. Segundo a OMC, um terço do
petróleo consumido pela China vem da África, principalmente de Angola. Cerca
de 20% do algodão de que a China necessita vem da África. Ao ser acusada de
neoimperialista, a China se defende com a alegação de que existe um equilíbrio
em sua balança comercial e que os seus empréstimos são realizados com taxas
de juros baixos e sem os rígidos programas de ajustes, impostos pelo FMI e pelo
Banco Mundial. No período entre 2001 e 2010, os empréstimos chineses do Exim
Bank – Banco de Exportação e de Importação da China, destinados à África foram
estimados em 67,2 bilhões de dólares contra 54,7 bilhões de dólares do Banco
Mundial. Esses investimentos, na maioria, estão concentrados em países como
a África do Sul, Nigéria, Zâmbia, Gana, Chade, Tanzânia, Zimbábue e Angola,
em setores de exploração de petróleo e gás natural, construção de rodovias,
mineração, construção de usinas hidrelétricas, construção civil, de aeroportos e
portos dentre outros.
213
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

A China tem também transnacionais (estatais) que se beneficiaram dos


financiamentos oferecidos pelos bancos estatais que investem no exterior. A alta
taxa de poupança interna, o grande desempenho exportador e alguns avanços
em tecnologia, ciência e inovação criaram condições para que muitas empresas
investissem no mercado externo e aproveitassem estratégias de diversificação
e desenvolvimento. Segundo Amorim (2012), a China possuía três companhias
entre as dez maiores do mundo. Duas no ramo do petróleo e uma no ramo da
eletricidade. A transnacional Lenovo comprou a divisão de computadores
pessoais da IBM. Porém, de modo geral, no exterior, as transnacionais chinesas
enfrentam o protecionismo em muitos países desenvolvidos.

3 A RÚSSIA: GEOPOLÍTICA, CONJUNTURA


INTERNACIONAL E INFLUÊNCIA REGIONAL
Segundo Silva (2013), superpotência do período da Guerra Fria e Ordem
Mundial Bipolar, a Rússia mantém determinada importância no cenário global e
regional, especialmente no campo militar e político, uma vez é a maior detentora
de ogivas nucleares e arsenal bélico que a deixam atrás apenas dos Estados
Unidos. O domínio da tecnologia espacial dos tempos da Guerra Fria contribui
para a manutenção de seu status de grande potência. É membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU, ocupando o lugar da antiga União Soviética.

A transição para economia capitalista na década de 1990 foi acompanhada


de crise nos setores produtivos, lançando o país em uma forte recessão econômica.
O aumento do desemprego, a queda da renda per capita, aumento dos preços,
endividamento externo, queda acentuada da produção industrial e do PIB foram
os principais desafios enfrentados com a transição de uma economia planificada
para a economia de mercado, acompanhada da abertura política (a perestroika e a
glasnost, processos de abertura econômica e política iniciaram durante a década
de 1980).

A recuperação econômica da Rússia tem sido favorecida, entre outros


fatores pela enorme disponibilidade de recursos minerais e energéticos em
seu vasto território. A entrada de investimentos estrangeiros melhorou a
produtividade, promovendo aumento das exportações. Atualmente, a Rússia
é a nona maior economia mundial. Desde 2002 a Rússia integra o G-8, com os
sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo.
É classificada também como economia emergente e integra o grupo dos BRICS.
Desde 2012, o país ingressou na OMC, depois de uma longa espera.

214
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

3.1 A RÚSSIA E OS CONFLITOS DO LESTE EUROPEU: O


CASO DA UCRÂNIA E DA CRIMEIA
A Ucrânia é um Estado da Europa Oriental, cujo litoral sul está para o
Mar Negro. Possui fronteiras com a Rússia, Bielorrússia, Polônia, Eslováquia,
Hungria, Romênia e Moldávia. Historicamente, por sua posição, foi ocupada
e governada por vários povos e permaneceu dividida não se constituindo
um reino ou república com unidade política. Sofreu influência da cultura,
principalmente da língua russa. Em 1921, a Ucrânia foi anexada ao império da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Tornou-se um Estado independente
apenas em 1991. Herdou da ex-URSS um grande exército (o segundo maior da
Europa, depois da Rússia) e grande arsenal bélico. Enfrentou uma desaceleração
econômica com a transição da economia planificada e estatal para a economia
de mercado (capitalista). Inflação, diminuição do PIB, taxas de crime, corrupção
e venda informal de armamentos estavam entre as problemáticas enfrentadas.
Possui terras férteis que permitem a prática da agricultura extensiva, e lhe
conferem o título de “celeiro da Europa”. Em 2011, a Ucrânia foi o terceiro maior
exportador de grãos do mundo, com uma área de 603.628 quilômetros quadrados.
A economia ucraniana se estabilizou desde o final da década de 1990, início de
2000. Em 2004 e 2006, houve problemas políticos, com suspeitas da manipulação
das eleições para Primeiro-Ministro.

A Ucrânia é um Estado Unitário que adota o regime de república


parlamentarista, ou seja, o presidente eleito é o chefe de Estado, que representa,
quando necessário, o Estado, opina em questões de governança e o Primeiro-
ministro, eleito pelo Parlamento ou Congresso é o Chefe de Governo, decidindo
sobre a administração interna. A Ucrânia tem como capital Kiev e é composta
por 24 províncias e pela república autônoma da Crimeia. A cidade de Sevastopol
abriga a Frota do Mar Negro da Rússia por intermédio de um contrato de leasing.
Tensões e disputas com a Rússia sobre dívidas de gás natural interromperam o
fornecimento de gás à Ucrânia em 2006 e em 2009, levando também à escassez
do produto em outros países europeus, por que os gasodutos que abastecem
estas áreas passam pelo território da Ucrânia. Além do gás natural, pelo território
ucraniano passa grande parte dos oleodutos, pelos quais a Rússia exporta petróleo
para países europeus.

Em 2013, líderes da União Europeia tentaram aproximação com as


antigas repúblicas soviéticas, através de reuniões diplomáticas em que os líderes
da Lituânia, Geórgia, Moldávia Bielorrússia, Armênia e Azerbaijão se fizeram
presentes e atuantes. O presidente da Ucrânia não aceitou o acordo de associação
com a União Europeia, em detrimento de um acordo com a Rússia (por pressão
russa). O presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, de origem russa, na ocasião,
preferiu fechar acordo com Moscou que prometera um pacote de ajuda financeira
e desconto no preço do gás natural. A população da Ucrânia residente em Kiev
organizou manifestações e protestos, exigindo dos governantes uma aproximação
e integração com a União Europeia – UE.

215
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Em fevereiro de 2014, o presidente Yanukovich e seu Primeiro-Ministro


deixaram o país, e um governo provisório interino pró-UE assumiu o poder.
O Ocidente Europeu, inclusive o governo dos Estados Unidos reconheceu o
novo governo, mas as autoridades russas e moradores da fronteira, favoráveis à
Rússia, entenderam que houve um golpe de Estado. Alegando possíveis ameaças
aos cidadãos de etnia russa que viviam na república autônoma da Crimeia, e
por sua importância estratégica para a Rússia, o exército russo, sob as ordens do
então presidente Vladimir Putin, foi aos poucos tomando o controle da área da
península da Crimeia, procurando ampliar a autonomia da região e consolidar
um centro de oposição ao governo instaurado na Ucrânia.

Dos atuais dois milhões de pessoas que moram na península da Crimeia,


mais da metade se considera de origem russa, cuja língua russa é a predominante.
A península resume a divisão política e cultural que acontece na Ucrânia. O
leste do país tende à pró-Rússia e o oeste, pró-UE, o que reflete no resultado
das eleições. A região sul da Ucrânia e península da Crimeia possuem como
valor estratégico, por sua posição geográfica da região, saída para o Mar Negro,
importantíssimo para a Rússia por abrigar seu único porto de águas quentes,
conferindo relevância no plano comercial e militar para os russos, assim, a Rússia
anexou a Crimeia a seu território.

A Ucrânia também ocupa uma posição estratégica em relação aos dois


lados, porque cerca de 80% das exportações russas de gás para a Europa passam
pela Ucrânia, e a Europa importa cerca de um terço do gás que consome. Os
gasodutos mais importantes são aqueles que levam à Eslováquia, e, depois, à
Alemanha, à Áustria e à Itália, e existia no início de 2014, a preocupação de que
uma guerra atrapalhe o abastecimento.

Essa interferência da Rússia desagradou os governos Ocidentais,


principalmente, os Estados Unidos e União Europeia, que veem a posição
russa como manifestação do imperialismo na região. Um conjunto de sanções
econômicas comerciais e diplomáticas cujo objetivo é limitar as ações de Moscou
e pressionar o presidente russo a recuar, o que vem aumentando as tensões e
conflitos na Ucrânia (que é apenas a coadjuvante), com repercussões em escala
mundial. Desde abril de 2014, movimentos separatistas surgiram no leste do país,
fronteira com a Rússia, onde vivem cerca de 7 milhões de pessoas, quase 15% da
população da Ucrânia, que falam russo e se alinham à política de Moscou.

O choque da Rússia com o Ocidente ressuscitou linguagem e práticas


da Guerra Fria. O governo da Ucrânia, eleito por intermédio de eleições
extraordinárias convocadas em fevereiro de 2014, e realizadas em maio do mesmo
ano, em meio ao conflito entre forças ucranianas e forças separatistas do leste
(pró-Rússia), apoiou ações militares contra o movimento separatista e aderiu a
União Europeia. O governo da Ucrânia acusa a Rússia de patrocinar e dar armas
aos rebeldes. Moscou, em sua defesa, diz que Kiev faz operação punitiva contra
os separatistas com atos criminosos.

216
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

A posição dos países sobre a crise e o conflito varia de acordo com a


relação comercial que cada um tem com a Rússia. Os Estados Unidos
impõem sanções e ameaçam. A União Europeia depende do gás russo,
mas ofereceu dinheiro à Ucrânia. A proximidade geográfica faz a
Alemanha parecer cautelosa, mantendo-se mais silenciosa, enquanto
a França é mais agressiva. O Reino Unido tenta falar alto, mas não
tomaria medidas concretas contra a Rússia. A China permanece em
silêncio.
O Boeing-777 de Malaysia Airlines caiu na região leste da Ucrânia,
na província de Donetsk, palco dos combates separatistas em 17
junho de 2014 com 298 passageiros. Após a queda, autoridades dos
governos russo e ucraniano, além do representante da República
Autoproclamada de Donetsk, negaram ter abatido o avião. Mas,
especialistas dizem que mísseis terra/ar, guiados por calor e fornecidos
pela Rússia aos rebeldes, seriam capazes de abater um avião comercial.
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/2014/07/17/entenda-o-conflito-envolvendo-ucrania-e-russia.
htm>. Acesso em: 12 jul. 2015.

FIGURA 14 - LOCALIZAÇÃO DA CRIMEIA E DA UCRÂNIA

BELARUS

RÚSSIA

UCRÂNIA

ROMÊNIA

CRIMEIA

FONTE: Uniasselvi.

217
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

E
IMPORTANT

A Crimeia é uma província da Ucrânia semiautônoma, localizada no sul do


país numa península que adentra o Mar Negro, localização geográfica que lhe confere
importância estratégica. Pela sua história, possui fortes relações étnicas e políticas com a
Rússia, tendo sido anexada ao império russo ainda no século XVIII. No século XIX foi palco
de guerra entre a Rússia e o Império Otomano, o último apoiado pelo Reino Unido e França.
O conflito teve consequências no quadro diplomático, influenciando na Primeira Guerra.
Em 1921, a península, então povoada principalmente por tártaros adeptos do islamismo, se
tornou parte da União Soviética. Os tártaros foram deportados em massa pelo líder soviético
Joseph Stálin, no final da Segunda Guerra, por supostamente colaborarem com os nazistas.
A ocupação da região por russos foi incentivada pela ex-URSS.

FONTE: Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/03/1422015-entenda-


porque-ucrania-e-russia-brigam-pelo-controle-da-crimeia.shtml>. Acesso em: 12 jul. 2015.

No início de julho de 2015 os líderes do G-7 estiveram reunidos na


Alemanha discutindo questões referentes aos conflitos na Ucrânia (que do ponto
de vista do grupo, é uma agressão russa na Ucrânia) e dificuldades econômicas
da Grécia. O presidente dos Estados Unidos defende a duração e continuidade
das sanções impostas à Rússia, dentre elas a suspensão do Grupo, na qual era
considerada a oitava potência G-8, enquanto não forem respeitados os acordos
assinados em Minsk, em fevereiro de 2015, e a soberania ucraniana.

Richard Sakwa (apud GOMEZ, 2015) é considerado uma autoridade


acadêmica em política russa e pós-soviética, escreveu ensaios e livros sobre o
tema. Em seu livro recém-lançado na Grã-Bretanha, Frontline Ukraine - Crisis in the
Borderlands ("Frente de Batalha Ucrânia ─ Crise na Fronteira", em tradução livre)
Sakwa reflete sobre as principais causas do conflito, resumidas na incapacidade
do Ocidente de criar uma nova ordem geopolítica inclusiva para a Federação
Russa no pós-Guerra Fria e a divisão política ucraniana. Segundo o pesquisador,
a primeira causa é associada ao fato do Ocidente não ter sido capaz de reconhecer
instituições positivas da Guerra Fria, criando um ambiente inclusivo para Moscou.
Do ponto de vista russo, a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN
avançou para o leste, para perto da fronteira russa, se constituindo numa ameaça
ao espaço de influência e de existência russa. A segunda causa tem relação com
a formação da Ucrânia como Nação multilinguística, com destaque para duas
frentes: no leste e sul, russófona, e oeste simpático com a Europa Ocidental, com
uma distinta identidade ucraniana. Se Sakwa estiver certo em suas observações,
qualquer solução equilibrada para o conflito precisa contemplar as duas
questões, ambas de difícil concepção. A primeira envolve uma mudança radical
de paradigmas em vigor desde 1991, em que se acredita que apenas o mundo
capitalista é o grande vitorioso da Guerra Fria. A segunda envolve mudanças
políticas na Ucrânia, considerando os fatos recentes.

218
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

Do ponto de vista do Ocidente, o que vem acontecendo desde o ano


passado é uma tentativa de um líder inescrupuloso, Vladimir Putin, de restaurar
a glória da velha União Soviética. De se impor à força, sem diálogo, retomando
práticas que todos esperavam que tivessem ficado no passado da Europa – a
anexação da Crimeia, por exemplo. Para Putin, porém, o Ocidente quer se impor
com sua visão de mundo, suas instituições, suas regras, e não deu a Moscou a
real chance de participar, de forma conjunta, da construção dessa nova ordem.
No pós-Guerra Fria, criou-se o que Sakwa chama de "Paz Fria" ─ com Moscou
e o Ocidente mantendo uma lógica de competição sem, entretanto, reconhecer
que ela existisse. Evidentemente, a Europa e os Estados Unidos esperavam que,
sob o peso das sanções econômicas do último ano, Putin perdesse apoio político
internamente na Rússia. Não foi isso que aconteceu, pelo contrário, pesquisas
mostram que o apoio a suas políticas continua alto e o ambiente doméstico russo
é de crescente antagonismo com o Ocidente. O que não se fala é integrar a Rússia
num processo real de diálogo político interno na Ucrânia, nem um compromisso
europeu com a criação de novas instituições que levem em conta a visão russa
de um mundo multipolar. A simples ideia de a solução americana ser cogitada,
além da existência e ampliação das sanções, alimenta ainda mais a desconfiança
dos russos, que só tendem a ficar cada vez mais inflexíveis, obstinados frente às
imensas dificuldades, como em tantos momentos em sua história.

De acordo com dados do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas


para os Direitos Humanos, o custo humano da crise na Ucrânia é de mais de 5 mil
mortes, mais de 12 mil feridos, mais de 900 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas
internamente, incluindo 136 mil crianças e 600 mil pessoas que fugiram para países
vizinhos, dos quais 400 mil deixaram a Ucrânia rumo à Rússia.

Rafael Gomez, mestre em estudos da Rússia e da Europa Oriental pela


Universidade de Birmingham, no Reino Unido, explica que contrário do que
muitos pensam, a Rússia se beneficiaria se a Ucrânia mantivesse sua união
nacional. Em um artigo publicado no jornal  Moscow Times, Josh Cohen, ex-
funcionário do Departamento de Estado dos EUA, enumera alguns motivos,
entre eles, o problema do custo de reconstrução do leste ucraniano, que poderia
ser dividido com o Ocidente.

Putin defende a federalização ucraniana, com Donetsk e Lugansk


passando a ter poder de veto em qualquer aprofundamento das relações de Kiev
com o Ocidente, mas na prática tendo imensa autonomia do governo central
podendo, inclusive, participar da União Euro asiática que a Rússia criou com ex-
países soviéticos. A questão duvidosa desta possibilidade é se a elite política que
derrotou os russos em Kiev, capital da Ucrânia, no ano de 2014, estaria disposta a
voltar atrás e dividir o poder com os ucranianos da etnia russa? Quais seriam as
possíveis consequências de armar o exército ucraniano (leia-se: com a ajuda dos
Estados Unidos) para o leste europeu? Talvez os problemas que Obama enfrenta
na esfera internacional (com os avanços o autodenominado 'Estado Islâmico', por
exemplo), sejam mais urgentes que a questão ucraniana.

219
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

A proposta europeia, com a continuidade das negociações diplomáticas,


é a saída mais lógica, ainda que já venha sendo tentada desde o ano passado sem
sucesso. Se a negociação continuar, uma guerra mais abrangente com reflexos
internacionais é evitada, entretanto, internamente a Ucrânia prossegue dilacerada.
O efeito cumulativo das sanções tem efeito direto sobre a Rússia, sobre a Ucrânia
e indiretamente sobre a União Europeia.

Entre as sanções com reflexos internacionais, o Ocidente pode banir a


Federação Russa do Swift, o sistema que integra os bancos globalmente. Isso seria
um imenso baque para os bancos do país. As apostas sutis dos líderes dos países
que integram a União Europeia são de que em algum momento o governo de
Putin da Rússia entre em crise por manter seu envolvimento na Ucrânia e se
criem rachaduras na elite que o sustenta, afastando-o do poder. Se isso poderá
acontecer é a grande incógnita. E, se acontecer, não se sabe quem o irá suceder.
Nada impede que seja um substituto do mesmo grupo partidário.

4 OS TIGRES ASIÁTICOS

A partir da década de 1970, alguns países do sudeste asiático, até então de


economia essencialmente agrária, com escassos recursos minerais ou combustíveis
fósseis, de população pouco numerosa e alto índice de analfabetismo passaram
por um rápido processo de industrialização e crescimento econômico. Por conta da
projeção econômica alcançada no cenário internacional, esses países, Coreia do Sul,
Taiwan, Singapura e Hong Kong, se tornaram conhecidos como Tigres Asiáticos.

Entre as medidas que favoreceram tal crescimento econômico, apesar de


algumas particularidades, cita-se a forte participação do Estado na economia,
como planejador e regulador dos mercados. A adoção de medidas e criação de
estratégias para o desenvolvimento da atividade industrial e para o aumento das
atividades de exportação e devida diminuição dos impostos sobre os produtos
exportados, criação e investimentos na infraestrutura (transportes e energia),
adoção de medidas protecionistas (tarifárias) contra a concorrência estrangeira.
Internamente, dentre outros fatores, destacam-se o aumento da carga tributária
(impostos) sobre os produtos como forma de conter o consumo e elevar o nível
da poupança interna e, aplicação de investimentos em educação, necessária para
aumentar a qualificação da mão de obra e sustentar o crescimento econômico.
Assim, no decorrer dos anos, o crescimento das economias da Coreia do Sul,
Taiwan, Hong Kong e Singapura foi acompanhado pela melhoria nas condições
de vida de seus habitantes, com aumento da renda salarial, diminuição do
desemprego, queda acentuada de analfabetismo e da pobreza.

Consideradas plataformas de exportação, o contexto econômico e


geopolítico internacional nas décadas de 1970 e 1990 também favoreceu a atração
de investimentos estrangeiros nos Tigres asiáticos. A proximidade com o Japão,
que estava em plena ascensão econômica, ao mesmo tempo em que atraía
capital, suas empresas buscaram novos mercados. Os Estados Unidos também
220
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

fizeram pesados investimentos no conjunto destes países com o objetivo de


criar uma sólida economia capitalista naquela parte da Ásia. Do ponto de vista
estadunidense, em pleno contexto de Guerra Fria, isso era necessário para inibir
uma possível expansão do regime socialista na região, já implantado em países
como a Coreia do Norte, Vietnã, Laos e Camboja, sob a influência dos soviéticos
e/ou dos chineses.

4.1 SINGAPURA
Singapura foi uma colônia Britânica até 1959, fez parte da Federação
Malaia até 1965, quando se tornou independente. Localizada entre os oceanos
Índico e Pacífico, no estreito de Málaca, ocupa uma posição estratégica, por se
situar na rota de navios petroleiros que abastecem os países do extremo oriente.
Singapura é um dos mais movimentados portos do mundo, e é formada por
apenas uma cidade Estado, tendo 100% da população urbana.

Entre 1961 e 1984, Singapura passou por um processo de urbanização


e modernização com desfavelização, e melhoria e reconstrução das habitações
públicas. Tornou-se um importante centro industrial e financeiro, porém com
dependência do capital estrangeiro. Importa alimentos, fontes de energia e
matérias-primas em geral. Os principais ramos industriais são os de máquinas,
equipamentos de tecnologia de ponta e petroquímica. Sedes de empresas
transnacionais estão instaladas em seu território. A mão de obra escolarizada é
qualificada e sindicalizada, não é barata.

4.2 COREIA DO SUL


Em consequência da Guerra da Coreia (1950-1953), travada entre o sul
capitalista e o norte a favor do comunismo, dentro da lógica da Guerra Fria, a
península foi dividida, dando origem à Coreia do Sul, capital Seul, capitalista e
à Coreia do Norte, comunista. A Coreia do Sul sempre foi apoiada pelos Estados
Unidos, até mesmo militarmente, passando a depender muito dos capitais
estadunidenses.

Entre 1960 e 1970, a economia sul coreana cresceu, em média 8% ao


ano e, entre 1980 e 1993, atingiu uma das taxas de crescimento mais altas, cerca
de 9% ao ano. O crescimento, baseado na industrialização com a produção
voltada para a exportação, se baseou em grandes conglomerados familiares,
chamados chaebol, que se fortaleceram com a ajuda do Estado. Mais tarde
estes conglomerados, que se expandiram, tornaram-se empresas globais como
a Hyundai, Samsung e a LG. Destacam-se ainda os setores de sapatos, tecidos,
automóveis, eletroeletrônicos, navios, siderurgia e de alta tecnologia (monitores
digitais, celulares e semicondutores). Dos quatro Tigres asiáticos, a Coreia do Sul
é a que tem a economia mais diversificada. Foi atingida, como os demais, pelas
crises de 1997 e pela crise em andamento.

221
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

4.3 HONG KONG


Depois de 150 anos de domínio inglês, Hong Kong voltou a ser
administrada pela China em 1997. É um importante centro financeiro, que tem um
dos portos mais movimentados do mundo. Ao ser devolvida para a China, Hong
Kong, se manteve capitalista, ganhando status de região administrativa com certa
autonomia em relação à China. Possui seu próprio sistema legal, força policial,
política de imigração, moeda (dólar de Hong Kong) e alfândega. Depende da
China para relações diplomáticas com outros países e para a defesa nacional.

A economia de Hong Kong, voltada para o comércio exterior é


extremamente liberal, quase não há taxas e o governo não interfere na economia.
É um dos maiores centros financeiros e comerciais do mundo, abrigando muitas
sedes de empresas transnacionais. Sua economia está fortemente concentrada
no setor terciário, principalmente serviços que representa 90% do PIB. O setor
secundário, o das indústrias tem diminuído sensivelmente, com a transferência
das indústrias para os novos Tigres e até para a China em busca de mão de obra
barata e espaço físico.

4.4 TAIWAN
Localizada na ilha de Formosa, com a situação política indefinida, desde
1949, com a proclamação da China Comunista, Taiwan, também chamada de
China Nacionalista (capitalista) foi considerada província rebelde por muito
tempo pela China. Politicamente foi governada de forma totalitária pelo partido
Nacionalista, Taiwan passou por um processo de democratização, na década de
1990, realizou as primeiras eleições presidenciais diretas, elegendo representantes
do outro partido político. Atualmente, de acordo com a posição dos governantes,
Taiwan é um Estado independente e soberano.

Tornou-se plataforma de exportação na década de 1960, após um intenso


processo de industrialização. Atualmente, as empresas transnacionais de Taiwan
estão se transferindo para outros países do sudeste asiático que possuem mão de
obra excedente e barata, tais como China, Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas,
Vietnã. O setor terciário está em pleno desenvolvimento, com destaque para as
megalojas de vendas (a atacado e varejo). Os setores financeiro e imobiliário estão
entre os que mais cresceram nos últimos anos. A indústria de tecnologia de ponta,
concentradas nos parques científicos de Hsin-Chu, localizados no centro e sul da
ilha é o principal ramo do setor secundário. São produzidos monitores de tela
plana, chips de circuitos integrados e de instrumentos de precisão. Destacam-se
também indústrias siderúrgicas, petroquímicas e de materiais de transportes. Na
agricultura, sobressaem-se as culturas de hortaliças e frutas (abacaxi, melancia,
cítricos, banana) e chá. O país tem ainda importante setor pesqueiro.

222
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

5 NOVOS TIGRES ASIÁTICOS


Durante a década de 1980, grandes investimentos do Japão e também dos
próprios Tigres Asiáticos se dirigiram para outros países da região, cuja economia
também passou a crescer de maneira acelerada. Assim, países como a Tailândia,
Malásia, Indonésia, Filipinas e Vietnã se industrializaram rapidamente tornando-
se conhecidos por isso. Os investidores vão em busca das mesmas vantagens que
permitiram a mudança da economia de seus países, como a mão de obra barata e
de condições que nunca tiveram, os recursos minerais.

Comparando-se os dois grupos, diante do processo da globalização, da


competividade estabelecida, o processo de crescimento dos novos Tigres é mais
modesto e lento e são menos avançados do ponto de vista tecnológico, a mão de
obra é menos qualificada e são menos competitivos no mercado mundial. Alguns
destes países têm um forte e expressivo setor primário, como, por exemplo,
Malásia (borracha) e a Tailândia (arroz). A atividade turística tem crescido
bastante, apesar das destruições causadas pelo Tsunami, na Indonésia.

Os Novos Tigres têm recebido investimentos em diversos setores


industriais: alimentos, roupas e equipamentos elétricos (Filipinas); indústrias
químicas, de componentes eletrônicos, de pneus, de papel, têxtil, cimento e
bicicletas (Indonésia); indústrias de computadores, eletroeletrônicos, sapatos
e joias (Tailândia); cimento, aparelhos eletrônicos e pneus (Malásia); indústria
alimentícia, têxtil, química e de máquinas (Vietnã).

A Indonésia se destaca por possui indústrias de extração de petróleo,


tendo feito parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, no
período de 1962 a 2009.

6 O SUDESTE ASIÁTICO E A ASSOCIAÇÃO DE NAÇÕES


DO SUDESTE ASIÁTICO – ASEAN
O sudeste asiático é uma expressão que não necessariamente se refere a uma
regionalização do continente asiático, mas é uma das expressões utilizadas para
fazer referência a uma porção do continente asiático, constituído geograficamente
por territórios com litorais recortados, formados por países insulares (Estados
e países organizados ocupando terras de ilhas, arquipélagos e/ou penínsulas).
É uma das áreas mais populosas e mais povoadas do planeta, com grande
diversidade cultural, étnica, religiosa, linguística e econômica. As disparidades
econômicas entre alguns Estados e Países e suas populações também estão entre
as maiores do mundo.

223
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Quando tratamos dos blocos econômicos, no capítulo anterior, explicamos


e refletimos sobre a APEC, o bloco da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico.
Não citamos a Associação de Nações do Sudeste Asiático – ASEAN, sigla da
expressão em inglês – Association of Southeast Asian Nations, por se tratar de
uma associação de países de visibilidade regional. Optamos em abordá-la nesta
seção. A ASEAN é uma organização regional de dez Estados membros do Sudeste
asiático instituída em 1967. Atualmente é composta por Indonésia, Malásia,
Filipinas, Singapura, Tailândia, Vietnã (Tigres Asiáticos), Brunei, Myanmar e
dois observadores que são Camboja e Laos. Os objetivos são o fomento da paz,
incentivo ao crescimento econômico e estabilidade regional.

Segundo Oliveira (2012), a crise financeira asiática de 1997 demonstrou


a inaptidão da APEC, para acorrer com medidas reparadoras, dando à China,
a oportunidade de minorar os efeitos da crise sobre as economias do sudeste
asiático, estimulando-as a se aproximarem das posições chinesas. As elites
governamentais e empresariais da ASEAN passaram e se empenhar para o bom
relacionamento da área com a China e com outros blocos econômicos.

7 ÍNDIA
Localizada ao sul da Cordilheira do Himalaia, na península do Decã,
a Índia possui aproximadamente uma área de 3,3 milhões de quilômetros
quadrados, e uma população absoluta de 1,2 bilhão de habitantes. (É o terceiro
maior país da Ásia, possui a segunda maior população do mundo). Seu ritmo de
crescimento demográfico gira em torno de 1,3% a 1,6% ao ano, continua fazendo
sua população crescer, tendendo a ultrapassar a população chinesa em 20 anos. É
um país de contrastes extremos.

Historicamente, a maior parte do território da Índia foi uma colônia


britânica desde meados do século XIX. Outras potências europeias também
estabeleceram entrepostos comerciais em seu litoral. O país conquistou sua
independência em 1947, depois de uma longa campanha liderada por Mahatma
Gandhi. Gandhi e seus seguidores convocaram o povo a lutar pacificamente contra
o colonialismo britânico por meio da não violência, o que incluía desobediência
civil e boicotes aos produtos britânicos. O contexto da Segunda Guerra contribui
no processo da independência sem violência.

Após a independência o governo procurou desenvolver a economia do país


por meio da industrialização. Durante a Guerra Fria e Ordem Mundial Bipolar, a
Índia não se alinhou a nenhum dos lados, inclusive defendeu o “movimento dos
não alinhados”, fato que fez com que o país recebesse capitais do Reino Unido,
sua antiga metrópole, e dos Estados Unidos; além de ajuda técnica e de capitais
da antiga União Soviética.

224
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

A economia indiana caracterizou-se pela adoção de um planejamento


quinquenal, onde eram traçadas estratégias de desenvolvimento entre as décadas
de 1950 e 1970. Grandes investimentos estatais foram direcionados para setores
considerados estratégicos para o desenvolvimento da atividade industrial
(mineradoras, siderúrgicas, metalúrgicas, químicas e de armamentos). A Índia
dispõe de importantes jazidas minerais em seu subsolo (minério de ferro,
bauxita, manganês, entre outras) cuja exploração abastece a crescente demanda
do parque industrial em expansão. Cerca de 92% da matriz energética se apoia
principalmente nos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural).
Esse modelo de desenvolvimento estatal e centralizado favoreceu o crescimento
acelerado da indústria nacional num primeiro momento, mas se mostrou ineficaz
a longo prazo. No decorrer das décadas de 1970 e 1980, a economia indiana foi
decrescendo à medida que a produção nacional não se mostrou produtiva o
suficiente para competir com o mercado externo. Com o aumento das importações
o que comprometeu o desempenho da balança comercial, a acumulação de déficits
aumentou o endividamento do país.

Na tentativa de superar tais problemas, no final da década de 1980, o


governo indiano recorreu ao Fundo Monetário Internacional – FMI, buscando
empréstimos e renegociação das dívidas pendentes, em contrapartida, o país foi
obrigado a promover uma série de reformas e ajustes econômicos estruturais.
Conforme as orientações neoliberais, o Estado reduziu sua participação e seu
controle sobre a economia (empresas estatais foram privatizadas), eliminaram-se
barreiras alfandegárias e diminuiu-se o protecionismo, como forma de facilitar e
incentivar a entrada de capital estrangeiro. O planejamento estatal foi mantido,
em parte, como suporte estratégico para as atividades econômicas.

Ao atraírem muitos investimentos estrangeiros, essas medidas


promoveram a retomada do crescimento econômico, sobretudo com a expansão
da atividade industrial e aumento das exportações. Com isso, a economia indiana
vem apresentando taxas de crescimento positivas, como a de 2011, cuja taxa foi de
6,3% ao ano. O volume de seu PIB faz com que a Índia esteja entre as 12 economias
mais dinâmicas do mundo, destacando-se como uma potência emergente.

Apesar das taxas de crescimento positivas, principalmente para o


capitalismo mundial, a Índia apresenta profundos contrastes socioeconômicos.
Aproximadamente 33% de sua população (algo em torno de 400 milhões de
pessoas, o dobro da população absoluta brasileira), vivem abaixo da linha
internacional de pobreza, ganhando menos de 1,22 dólar por dia, o que explica os
elevados índices de fome e subnutrição, bem como as precárias condições de vida
de grande parte da população.

225
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

7.1 A INVESTIDA TECNOLÓGICA DA ÍNDIA


Ao longo dos últimos anos, a Índia vem se transformando em um
importante polo mundial de inovações tecnológicas. A existência de profissionais
qualificados e relativamente mal remunerados, de acordo com o padrão
internacional, aliada aos elevados investimentos em instituições de pesquisa,
como o do Instituto Indiano de Tecnologia – IIT, com 16 unidades espalhadas
pelo território, faz da Índia um grande exportador de softwares (o maior do
mundo), de hardwares e serviços para informática. Além destes, a industrialização
de produtos eletrônicos, químico-farmacêuticos, tecnologias de satélites, e de
fibras ópticas de alto desempenho. A principal cidade na produção de softwares
é Bangalore, localizada no centro-sul do país, é conhecida como o Vale do Silício
Indiano, por concentrar grande parte das empresas de alta tecnologia, sobretudo
de informática e telecomunicações. O país abriga filiais de grandes empresas
transnacionais, como a Microsoft, Motorola, Siemens, Nokia, Alcatel e a IBM que
se associou com a chinesa Lenovo.

As empresas transnacionais instaladas na Índia, e as indianas investem


em criação de produtos, em consultoria e estão expandindo para outros países,
inclusive o Brasil. Existem empresas de Tecnologias da Informação Indianas
em Brasília (DF), Campinas (SP), Barueri (SP) e Curitiba (PR). A indústria de
automóveis e de autopeças tem crescido bastante, existem empresas nacionais e
estrangeiras.

O crescimento da indústria de TI acabou por incentivar a terceirização


de serviços, setor que passou a ser fundamental na economia indiana. Muitas
outras empresas seguem a tendência mundial de contratar empresas situadas em
outros países para realizar parte de suas atividades, como estratégia de redução
de custos. Esse processo é denominado “business process outsourcing”. Quando a
empresa contratada para essa terceirização está situada em outro país o processo
é chamado de “offshore outsourcing”. A Índia é o país líder nesse setor.

Outro setor de atividade que se destaca é o de telemarketing, em que as


empresas estrangeiras levaram para a Índia seu setor de atendimento ao cliente
e de assistência técnica. Assim, empresas mistas indianas, funcionam como call
centers (centros de chamadas) contratadas pelas de outros países (num processo
de terceirização) para prestar serviços de informações telefônicas, como suporte
técnico, atendimento ao consumidor, propagandas, oferecimento de produtos e
serviços etc.

O setor têxtil, que representa 6% do PIB, 30% das exportações e emprega


cerca de 35 milhões de pessoas, é o mais antigo do país. O algodão, a seda, a juta
e a lã são as principais fibras utilizadas nas indústrias de tecidos. Outros setores
industriais que se destacam são o de fertilizantes, cimento, eletroeletrônica, aço,
alimentos, biotecnologias, petroquímica e indústria cinematográfica.

226
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

Seguindo o modelo chinês, para incentivar ainda mais a produção


industrial e as exportações do país (beneficiando, claramente, o capitalismo
internacional) foram criadas na Índia Zonas econômicas Especiais – ZEEs.
A partir de 2005, as áreas da ZEEs destinadas para a instalação das filiais das
transnacionais, empresas mistas e ou estatais, apresentam como atrativos: isenção
fiscal por quinze anos e infraestrutura (aeroportos, portos, ferrovias e rodovias).
As ZEEs são acompanhadas de Zonas de Processamento de Exportação – ZPEs
para facilitar o processo de exportação com diminuição e eliminação das tarifas e
agilização dos documentos.

7.2 O PESO DEMOGRÁFICO E A GEOPOLÍTICA INTERNA


DA ÍNDIA
A demografia indiana assume proporções preocupantes tanto pela
população absoluta, em torno de 1,2 bilhão de habitantes, como pelo crescimento
demográfico e pelas precariedades sociais que caracterizam o país. Semelhante ao
Brasil em vários aspectos geográficos, a desigualdade é característica marcante.
Mas, ao contrário do Brasil, a desigualdade na Índia tem origem religiosa e está
arraigada, presa em valores difundidos pelo hinduísmo. Esta religião propõe
uma sociedade estamental (sem possibilidade de mobilidade vertical, de um
grupo sem privilégios para outro com privilégios), hierarquizada (organizada
em forma de pirâmide, onde os poucos que estão no topo possuem privilégios e
bens, enquanto a maioria que está na base possui pouco ou quase nada) e fechada
(os que nasceram fora do hinduísmo não poderiam ser incluídos). A sociedade
indiana começou a se organizar em castas e subcastas há mais de três mil anos,
adotando uma hierarquização baseada na religião, etnia, cor, hereditariedade
e ocupação. Todos esses fatores foram levados em consideração para definir
as castas. Na Índia, até 1950, esses elementos definiam a organização do poder
político e a distribuição da riqueza gerada pela sociedade. Embora o sistema de
castas tenha sido abolido, alguns de seus traços ainda sobrevivem pela força da
tradição. Na medida em que o capitalismo avança na Índia, o sistema de castas se
mistura ao sistema de classes e vai se desintegrando aos poucos.

A população indiana é fortemente marcada pela diversidade linguística.


Somam-se ao menos 22 línguas reconhecidas e centenas de dialetos. No entanto,
a língua mais falada é o híndi, o inglês também é reconhecido como língua oficial.
A constituição indiana aceita e estabelece línguas oficiais distintas aos Estados
membros, pois o híndi não se firmou como língua oficial para todo o país.

A diversidade religiosa e cultural tem trazido tensões e conflitos diante da


dificuldade de convivência pacífica. A maioria da população é hinduísta (73%),
uma minoria muçulmana (13%) é bem forte, existem ainda cristãos (5%) e sikhs
(2%) e outras minorias. A maior consequência dessa instabilidade cultural e
religiosa são os conflitos regionais e movimentos separatistas.

227
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

A Caxemira é uma região do norte da Índia (e do Paquistão) habitada


majoritariamente por muçulmanos que não se identificam com a Índia hinduísta
e reivindicam a separação para pertencer ao Paquistão. Tanto a Índia como o
Paquistão, que eram colônias do Reino Unido, conseguiram suas independências
em 1947, sendo que os limites entre os dois países foram estabelecidos observando-
se as religiões predominantes. Em relação à Caxemira, este critério não foi
observado.

Já foram travadas três guerras ao longo da segunda metade do século XX.


Em tempo de Guerra Fria a Caxemira possuía uma posição estratégica, sendo o
Paquistão apoiado pelos Estados Unidos e a Índia pela antiga União Soviética.
Neste contexto, o ambiente ficou propício para que os dois países iniciassem os
testes para a produção de armas nucleares, visto que tanto os EUA quanto a URSS
não gostavam da ideia de a China Popular ser a única potência em tecnologia
nuclear na Ásia. Assim, a Índia possui armas atômicas desde 1974 e o Paquistão
desde 1998.

Também na fronteira com o Paquistão, pouco mais ao sul de Caxemira,


há outro foco separatista: o Punjab, região habitada por sikhs, que reivindicam
a independência. O separatismo é violento e já vitimou a Primeira-Ministra
indiana Indira Gandhi em 1984. O assassinato da Primeira-Ministra teria sido em
represália ao ordenamento da invasão do Templo Dourado de Amritsar, quando
morreram 800 sikhs.

Em 1991, o então Primeiro-Ministro Rajiv Gandhi (filho de Indira) também


foi assassinado em atentado terrorista cometido por outro grupo separatista: os
Tigres Tâmeis. O separatismo tâmil ocorre ao norte da ilha de Sri Lanka, vizinha à
Índia, onde parte da população do sul da Índia é de origem tâmil e o país envolveu-
se na questão durante os anos 1980. O Sri Lanka é composto basicamente de duas
etnias rivais: os cingaleses e os tâmeis. O governo de Nova Délhi apoia o governo
cingalês, e como resultado é odiado pelos tâmeis. No leste-nordeste da Índia há
outros focos separatistas desde a década de 1970, que também estão envolvidos
com atos terroristas. Na região nordeste existem outros grupos separatistas com
menor representatividade, porém, são em torno de 20 grupos, lutando pela
independência de outras unidades indianas.

Manter a integridade territorial diante de tantas reivindicações separatistas


tem sido um desafio e mérito, pois apesar desse cenário de tensão nacional e
territorial, a Índia configura-se como uma democracia, concedendo o máximo de
autonomia possível, tentando “respeitar” as identidades nacionais sem aceitar
a separação de nenhuma delas. Da autonomia à independência há uma grande
distância política. Dependendo da região, esses focos separatistas têm tanto
bandeira religiosa como linguística.

228
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

NOTA

Os sikhs são adeptos do Sikhismo ou Siquismo. A palavra deriva do termo em


sânscrito “sisya” que significa discípulo. O Sikhismo é uma religião fundada no século XVI,
por Baba Namak, na região de Punjab entre os atuais Estados da Índia e o Paquistão. O
objetivo de Namak ao dar impulso ao movimento de reforma do hinduísmo era criar uma
religião com aspectos tanto da religião hindu como da islâmica. A crença de que cada
indivíduo possui o seu próprio karma e realiza a cada reencarnação terrestre, uma evolução
espiritual é característica herdada do hinduísmo. A crença em apenas uma divindade, a
proibição da idolatria e da não representação nem de Deus, foram herdados da religião
muçulmana. O Sikhismo possui mais de 20 milhões de adeptos no mundo, configurando
a quinta maior religião. Na Índia encontra-se concentrada, principalmente na região de
Punjab, mais de 80% da população sikh. Como a religião sikh é contrária aos preceitos
hinduístas de segmentação da sociedade em castas e, ao mesmo tempo, é mais flexível
do que a religião islâmica, aceitando a igualdade entre homens e mulheres, por exemplo,
seus adeptos sempre buscaram maior autonomia. Iniciaram um movimento separatista na
década de 1980, porém este foi duramente reprimido, ocasião em que o exército indiano
invadiu o templo Dourado, localizado na cidade de Amritsar, local de maior organização
de rebeldes. Do confronto, com centenas de sikhs mortos, seguiram outros eventos que
marcaram a história da Índia.

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/religiao/sikhismo/>. Acesso em: 12 jul.


2015.

Em notícia divulgada pelo G1, dia 20 de março de 2015, ainda continuam


ocorrendo atos violentos isolados, com combatentes dos grupos separatistas
paramilitares que lutam pela separação da Caxemira da Índia e anexação ao
Paquistão atacando postos policiais da Caxemira indiana. Vez ou outra, são os
paquistaneses que são atacados, como o noticiado em 3 de novembro de 2014,
no mesmo site, onde Paquistão reforça segurança nas principais cidades, após
atendado suicida na fronteira com a Índia ter matado 55 pessoas de minoria xiita.

8 ESTUDO DE CASO: CRISES MIGRATÓRIAS NA ÁSIA


A mobilidade humana, intensificada com a globalização é motivada por
um conjunto de fatores estruturais de repulsão em determinadas áreas e regiões,
simultaneamente a fatores de atração em outras. Questões econômicas, políticas,
religiosas e culturais que possam colocar em risco a sobrevivência humana atuam
como repulsão, em contrapartida, a relativa prosperidade e pujança econômica,
tolerância religiosa e cultural e não ocorrência de conflitos armados são fatos
que atuam como fatores de atração. Políticas migratórias de incentivo e/ou de
restrição foram estabelecidas no decorrer da história na tentativa de incentivar ou
proibir migrações.

229
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

No sul e sudeste asiático as migrações sempre existiram, porém na


literatura científica, nem sempre foi lhe dada a devida atenção e visibilidade.
Atualmente, mais de 50% da população mundial vive hoje na Ásia, concentrados
principalmente no sul e sudeste. Na contemporaneidade estas são cada vez mais
volumosas e intensas, tanto dentro dos Estados-Nações como entre estes. Os
trabalhadores migrantes da região asiática saem principalmente do Bangladesh,
da Birmânia, do Camboja, da China, da Indonésia, do Laos, do Nepal, das Filipinas,
do Sri Lanka ou do Vietnã, sendo que o número de migrantes e os destinos variam.
Fatores de repulsão como instabilidade política, índices de pobreza e/ou eventos
extremos forçam decisões de consequências mais sérias. Na maior parte das vezes
trata-se de trabalhadores pouco qualificados (trabalham, designadamente, na
construção civil, na pesca ou ainda como empregados domésticos). Geralmente
são mal remunerados e têm empregos caracterizados pelos 3D: dirty, dangerous and
difficult, em textos escritos na língua inglesa, que trazido para a língua portuguesa
significam trabalho sujo, perigoso e difícil. A proximidade geográfica e cultural
é outro fator que influencia a escolha dos destinos, por exemplo, os emigrantes
que deixam a Birmânia, Laos e do Camboja em direção à Tailândia o fazem pela
proximidade geográfica e semelhança cultural.

Entre estes países de saída, Filipinas destaca-se por adotar uma política
interna que incentiva a saída de trabalhadores, tornando-se grande exportadora
de mão de obra. Os filipinos partem para Arábia Saudita, Japão, Malásia,
Hong Kong, onde trabalham na construção. As migrações no sul e sudeste
asiático são motivadas por fatores de atração em países em desenvolvimento e
industrialização, como Malásia, Coreia do Sul e Tailândia, Singapura, Brunei,
Japão, Taiwan e Hong Kong. Estas migrações favorecem as remessas de dinheiro
para o país de origem.

Entre os aspectos negativos destas migrações nem sempre divulgados


ou estudados, estão a feminização destas migrações, o tráfico humano e a
escravização contemporânea e a discriminação feita aos migrantes.

8.1 DIFERENÇAS ENTRE AS CRISES MIGRATÓRIAS NA ÁSIA


E NA EUROPA
Apesar de estarem separadas geograficamente por milhares de
quilômetros e grandes extensões de mar, milhares de pessoas que arriscam suas
vidas, subindo em embarcações clandestinas ou não, parecem seguir o mesmo
roteiro: a decisão de sair de seus países de origem, de se submeter a riscos não
calculados é justificado quando contraposto às ameaças de conflitos, perseguição
e miséria. No circuito político, muitas são as manifestações de preocupações
com os migrantes, porém poucas são as ações mais concretas para ajudá-los,
oferecendo-lhes refúgio.

Se compararmos as migrações do sul e sudeste da Ásia, com as do Mar


Mediterrâneo para a Europa, sua visibilidade é menor. Da mesma forma como

230
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

milhares de pessoas deixam o norte e nordeste da África em direção à Europa, no


sul e sudeste da Ásia, outros tantos, ou até mais, também deixam seus países de
origem em direção a países vizinhos e mais distantes.

Diante das atuais possibilidades de divulgação pela mídia em tempo real


de histórias com naufrágios, mortes, resgates envolvendo números cada vez mais
significativos e preocupantes, autoridades políticas asiáticas e europeias estão
se reunindo para discutir medidas de emergência e comprometendo-se a buscar
soluções de curto prazo. Entre as discussões, destacam-se questões a respeito do
ônus com os que serão acolhidos, diante do status de refugiado e os que serão
repatriados.

A seguir algumas das semelhanças e das diferenças importantes entre as


crises no sudeste asiático e na costa sul da União Europeia observada na mídia
em maio de 2015.

QUADRO 1 - SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS


Ásia União Europeia
A maioria dos migrantes faz parte da Os migrantes que procuram chegar à Europa
perseguida minoria muçulmana rohingya, são em sua maioria sírios, afegãos e somalis
de Mianmar, enquanto outros são bengaleses desesperados para escapar dos conflitos,
fugindo da pobreza. Os rohingya fogem da ou eritreus, em muitos casos fugindo de
perseguição e discriminação, razão pela qual, recrutamento militar forçado. Mais de 80 mil
pela lei internacional, podem ter direito ao migrantes já chegaram à costa europeia em
status de asilados ou refugiados. Mais de três 2015, até o mês de maio.
mil deles desembarcaram em pontos da costa
do sudeste asiático no mês de maio. E, segundo
grupos humanitários, há milhares de outros à
deriva no mar.

A viagem de muitos dos rohingyas e bengaleses A viagem da maioria dos migrantes que querem
é em embarcações não adequadas para longas chegar à Europa atravessa o Mediterrâneo em
viagens operadas por traficantes humanos, embarcações improvisadas, partindo da Líbia
passando pelo mar de Andaman em direção à ou Turquia e desembarcando na Itália, Grécia
Tailândia, Malásia e Indonésia. e Malta. Também eles são canalizados por
traficantes de pessoas. Muitos também viajam
por terra, passando pela Turquia e chegando à
Bulgária ou Grécia.

231
UNIDADE 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS SOB O PONTO DE VISTA ECONÔMICO, SUAS CONTRADIÇÕES
E DINÂMICAS

Os traficantes atraíram milhares de rohingyas,  Quadrilhas criminosas que atuam em torno do


foram atraídos por traficantes de pessoas e, em Mediterrâneo deslocam seu centro de operações
muitos casos, mantidos em cativeiro a bordo em resposta a qualquer ação repressora da
de seus barcos ou em acampamentos na selva guarda costeira. A UE autorizou uma operação
da Tailândia, em troca de resgate. Mas, após militar  para derrubar seu "modelo econômico"
repressão regional, os traficantes e seus capitães e destruir suas embarcações, mas especialistas
abandonaram os navios e sua carga humana no acham provável que o esforço tenha grande
mar. Muitos refugiados já morreram no mar. impacto.

Nenhum país do sudeste asiático lançou A agência de fronteiras da UE tem a operação


qualquer esforço naval para salvar os refugiados Triton patrulhando o Mediterrâneo. Seus navios
à deriva. Em alguns casos, pescadores indonésios e aviões resgatam pessoas, até nas proximidades
resgataram os migrantes  desesperados e os da costa Líbia, quando um chamado de
levaram para a terra. emergência é feito por migrantes. Mas muitas
embarcações civis e comerciais também vêm
salvando pessoas.

Os governos dos países do sudeste asiático em Após uma semana na qual se temeu que
uma reunião de emergência na quarta-feira quase mil migrantes tivessem morrido
debateram que Malásia e Indonésia concordaram afogados,  líderes da UE convocaram uma
em "oferecer alguma acolhida temporária, desde cúpula de emergência  em 23 de abril. Eles se
que o processo de assentamento e repatriação comprometeram a destinar embarcações, aviões
seja feito em um ano pela comunidade e outros equipamentos para a operação Triton,
internacional". A Tailândia disse que já está de modo provisório. A Comissão Executiva da
sobrecarregada de refugiados de Mianmar, mas UE lançou uma agenda de mais longo prazo
concordou em oferecer assistência humanitária. para a migração e na próxima semana vai propor
um mecanismo emergencial temporário para
redistribuir pessoas aceitas como candidatas a
asilo. Os planos para um sistema de cotas não
são bem-vistos.

FONTE: Adaptado de Cooke; Lorna (2015)

232
TÓPICO 5 | ASPECTOS DO ORIENTE ASIÁTICO

FIGURA 15 – CRISE MIGRATÓRIA NA EUROPA E NA ÁSIA

FONTE: Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/05/1631851-entenda-as-


diferencas-entre-as-crises-migratorias-na-europa-e-na-asia.shtm>. Acesso em: 30 jun. 2015.

233
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico vimos que:

• A China com 9,6 milhões de quilômetros quadrados, com 1,4 bilhão de


habitantes, com um PIB de mais de 5,2 trilhões de dólares é o terceiro país em
extensão territorial, o primeiro em população absoluta e a segunda economia
mundial. Estes fatores têm dado um destaque à China no cenário mundial, ao
lado de potenciais industrializadas e organismos supranacionais, tanto quanto
como país emergente e, inclusive em relação a países subdesenvolvidos, como
Sudão, Angola e outros do continente africano que têm recebido investimentos
chineses.

• A China possui uma historicidade de mais de quatro mil anos, fato que não
impediu sua subjugação pelo império britânico do século XVIII ao início do XX.
Condições internas peculiares contribuíram para organização da resistência e
por ocasião da Segunda Guerra Mundial e invasão japonesa, forças internas se
uniram para expulsar os japoneses. Após a Segunda Guerra Mundial, conflitos
locais isolados e lutas internas entre os grandes grupos políticos continuaram
a ocorrer até 1949.

• Em outubro de 1949, o grupo liderado por Mao Tsé-Tung conduziu a China


ao comunismo. Os dissidentes contrários ao novo regime se refugiaram na
ilha e cidade de Hong Kong, sob domínio britânico e/ou na ilha de Formosa,
chamada por um tempo de China Nacionalista (capitalista), atual Taiwan,
considerada por muito tempo uma província rebelde. Com a proclamação da
República Comunista da China, o país passa a ter, depois de um longo período
de fragmentação política, um governo e poderes centrais. Dentre as medidas
iniciais adotadas pelo governo, além da estatização dos meios de produção,
constavam a reestruturação e planificação econômica que foi responsável por
um conjunto de infraestruturas necessárias para alavancar a economia chinesa
no futuro, ou seja, na atual contemporaneidade. Contestações e crises internas
tiveram seu ápice na Revolução Cultural na década de 1960. Repressão e
imposição das ideias de Mao Tsé-Tung, através do Livro Vermelho, deixou um
vácuo em setores como tecnologia, ciência e cultura.

234
• Em 1976 Deng Xioping assumiu o governo, implementando uma série de
reformas econômicas liberalizantes e concessões ao capitalismo (permitiu-se
entradas de capitais e investimentos de indústrias estrangeiras), as reformas
foram chamadas de modernizações. A combinação de fatores internos
(disciplina, mão de obra excedente, infraestruturas e políticas de abertura,
dentre outras) e fatores e interesses externos (globalização e mundialização
capitalista) foram e ainda são o motivo do sucesso da competividade chinesa
no mercado externo. No entanto, nem sempre é dada a devida atenção para
a questão política, para a falta de liberdade da população chinesa, bem como
questões sociais, como a ausência de um sistema de seguridade social, assim
como de legislação ambiental e trabalhista mais consistente.

• Rússia, principal República da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas


– URSS (superpotência do período da Ordem Mundial Bipolar e Guerra Fria),
ainda mantem status semelhante, principalmente dentro dos continentes
europeu e asiático, sobretudo por ter herdado a maior parte do arsenal bélico
da antiga URSS. A transição da economia socialista planificada para a economia
capitalista de mercado, desde a década de 1990, esteve acompanhada de um
conjunto de problemas políticos, econômicos e sociais, que aos poucos foram
sendo minimizados.

• Apesar de seus problemas internos, em 2002, a Rússia passou a integrar o grupo


dos países do Norte, industrializados e desenvolvidos – o G-7, o qual passou
a ser denominado G-8. Porém, no início de 2015, devido ao posicionamento
da Rússia no conflito interno da Ucrânia e anexação da Crimeia, a Rússia
foi suspensa do grupo. O conflito armado interno na Ucrânia (que já causou
milhares de mortes) pode ser entendido como uma manifestação local do jogo
de interesses e influências de jogadores externos, a União Europeia de um lado
e a Rússia de outro. E questões diplomáticas e geopolíticas prosseguem tensas.

• O conjunto de países conhecidos como Tigres Asiáticos formam um grupo


do sudeste asiático (não fronteiriços), cujas economias apresentam algumas
características semelhantes, entre as quais se destacam a dinamicidade,
a imposição e a agressividade em relação ao mercado externo, depois de
passarem por um processo de industrialização que conjugou estatização,
empresas transnacionais e investimentos externos de países capitalistas. Os
novos Tigres são os que atualmente estão recebendo investimentos externos,
tantos dos primeiros Tigres como de outros países, por oferecerem atrativos
externos que correspondem aos interesses dos investidores dentro da atual
conjuntura do sistema capitalista produtivo.

235
• A ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático está em ascensão,
por ser uma associação de países em nível regional, com objetivos modestos,
como fomentar a paz, incentivar o crescimento econômico e contribuir para a
estabilidade regional.

• A Índia, um país de contrastes, com a segunda maior população mundial, vem


se destacando no cenário internacional, tanto por problemas econômicos (o país
recorreu ao FMI na década de 1980), como pela forma como estes problemas
foram conduzidos, resultando numa guinada econômica que colocaram o
país entre as 12 economias mais dinâmicas e de maior PIB. A Índia se destaca
como país emergente, faz parte do BRICS, atrai investimentos estrangeiros
que contribuem para a modernização do país. No entanto, internamente,
grandes disparidades sociais, dependência econômica e conflitos internos nas
províncias de Caxemira, Punjab, Sri Lanka e outros carecem de atenção dos
governantes, e estão longe de uma solução mais duradoura.

• O sul e sudeste da Ásia abrigam mais de 50% da população mundial. Os países


com as maiores populações absolutos se localizam nestas regiões geográficas.
Diante das facilidades trazidas pela globalização, pela evolução dos meios de
transportes e comunicações, os deslocamentos e migrações se intensificaram.
Apesar dos poucos estudos, sabe-se que nestas regiões as migrações legais e
clandestinas são numerosas. As migrações clandestinas resultam em maus-
tratos, extorsões, desrespeito aos direitos humanos e ao trabalho forçado, ou
seja, novas formas de escravidão.

236
AUTOATIVIDADE

1 (ENEM, 2011) “Os chineses não atrelam nenhuma condição para efetuar
investimentos nos países africanos. Outro ponto interessante é a venda
e compra de grandes somas de áreas, posteriormente cercadas. Por se
tratar de países instáveis e com governos ainda não consolidados, teme-
se que algumas nações da África tornem-se literalmente protetorados”.
(BRANCOLI, F. China e os novos investimentos na África: neocolonialismo
ou mudanças na arquitetura global? Disponível em: <http://opiniaoenoticia.
com.br>. Acesso em: 29 abr. 2010).

A presença econômica da China em vastas áreas do globo é uma realidade do


Século XXI. Assinale a alternativa correta que explica partir do texto, como é
possível caracterizar a relação econômica da China com o continente africano:

a) Pela presença de órgãos econômicos internacionais, como o Fundo Monetário


Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que restringem os investimentos
chineses, uma vez que estes não se preocupam com a preservação do meio
ambiente.
b) Pela ação de ONGs (Organizações Não Governamentais) que limitam
os investimentos estatais chineses, uma vez que estes se mostram
desinteressados em relação aos problemas sociais africanos.
c) Pela aliança com os capitais e investimentos diretos realizados pelos países
ocidentais, promovendo o crescimento econômico de algumas regiões desse
continente.
d) Pela presença cada vez maior de investimentos diretos, o que pode
representar uma ameaça à soberania dos países africanos ou manipulação
das ações destes governos em favor dos grandes projetos.

2 (ENEM, 2011) As migrações transnacionais, intensificadas e generalizadas


nas últimas décadas do século XX, expressam aspectos particularmente
importantes da problemática racial, visto como dilema também mundial.
Deslocam-se indivíduos, famílias e coletividades para lugares próximos
e distantes, envolvendo mudanças mais ou menos drásticas nas condições
de vida e trabalho, em padrões e valores socioculturais. Deslocam-se
para sociedades semelhantes ou radicalmente distintas, algumas vezes
compreendendo culturas ou mesmo civilizações totalmente diversas. (IANNI,
O. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996).

237
A mobilidade populacional da segunda metade do Século XX teve um papel
importante na formação social e econômica de diversos estados nacionais.
Assinale a afirmativa que contém corretamente uma razão para os movimentos
migratórios nas últimas décadas e políticas migratórias atuais dos países
desenvolvidos.

a) A busca de oportunidades de trabalho e o aumento de barreiras contra a


imigração, até com a construção de muros nos países da União Europeia.
b) A necessidade de qualificação profissional e a abertura das fronteiras para
os imigrantes.
c) O desenvolvimento de projetos de pesquisa e o acautelamento dos bens dos
imigrantes.
d) A expansão da fronteira agrícola e a expulsão dos imigrantes qualificados.
e) A fuga decorrente de conflitos políticos e/ou religiosos, o fortalecimento de
políticas sociais em alguns Estados Nações e aumento das barreiras contra a
imigração em outros.

238
UNIDADE 3

MULTICULTURALISMO,
RELIGIOSIDADE,
FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:

• entender o que são as identidades culturais;

• analisar as diferenças entre os espaços segregados e espaços refugiados;

• identificar a geografia das religiões e a formação do território;

• compreender a relação dos conflitos no oriente e a formação dos grupos


radicais;

• analisar o conceito de terrorismo;

• assimilar o fundamentalismo religioso e os conflitos do Oriente Médio;

• reconhecer o caso de Israel e da Palestina acerca dos conflitos;

• compreender os espaços geopolíticos e os estratégicos a partir da


militarização e do uso do poder dos Estados-nações;

• entender os processos de imigração/migração e os conflitos relacionados a


esses processos;

• identificar o terrorismo e o fundamentalismo nos conflitos em alguns


países do Oriente médio.

239
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No desenvolvimento de cada um deles, você
vai encontrar sugestões para complementar sua leitura e atividades de aprofundamento e
de discussão que o(a) ajudarão a aprender ativamente.

TÓPICO 1 – CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO

TÓPICO 2 – A MILITARIZAÇÃO DE ESPAÇOS GEOPOLÍTICOS E ESTRATÉGICOS

TÓPICO 3 – FORÇAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA

TÓPICO 4 – O SIGNIFICADO DA FRONTEIRA DO MÉXICO E DOS ESTADOS


UNIDOS PARA AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS

TÓPICO 5 – CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO

240
UNIDADE 3
TÓPICO 1

CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO


ISLAMISMO

1 INTRODUÇÃO
O conflito ao longo das linhas de separação entre as civilizações
ocidental e islâmica tem prosseguido há 1.300 anos. Entre os séculos XI
e XII, os cruzados tentaram, com um sucesso temporário, trazer de volta o
cristianismo e a lei cristã à Terra Santa. Entre os séculos XIV e XVII, os Turcos
Otomanos inverteram a relação de forças, estenderam o seu domínio sobre o
Médio Oriente e os Balcãs, conquistaram Constantinopla e, por duas vezes,
cercaram Viena. No século XIX e em princípios do século XX, enquanto o
poder otomano declinava, a Grã-Bretanha, a França e a Itália estabeleceram o
controle ocidental sobre a maior parte do Norte da África e o Médio Oriente.

FONTE: Disponível em: <http://textosdehistoria.xpg.uol.com.br/unidade_V_texto_10_huntington


_o_choque_de_civilizacoes.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2015.

Os grupos radicais do Islamismo utilizam de métodos violentos ou


ameaçadores para alcançar um determinado objetivo político. Assim como
sequestros, atentados a lugares públicos e privados, ataques aéreos, assassinatos
ou outras formas de agressão podem ser relacionados com o terrorismo. Os
principais grupos radicais, que são conhecidos mundialmente, destacam-se em
suas ações violentas e suicidas, são eles: Al-Qaeda, o nome significa “a base” em
árabe, essa é a organização terrorista mais conhecida do mundo, em razão dos
atentados às torres do  World Trade Center, nos Estados Unidos da América. O
grupo é composto por muçulmanos fundamentalistas e esses objetivam erradicar
a influência ocidental sobre o mundo árabe. Foi criada em 1980 para defender
o território do Afeganistão contra a URSS, que buscava expandir o domínio
socialista sobre o país. Inicialmente, essa organização contava com o apoio dos
EUA, mas rompeu relações com esse país no início da década de 1990.

O grupo Hamas, que significa em árabe “Movimento de Resistência


Islâmica”, o grupo atua nos territórios da Palestina, tendo como objetivo a
destruição do Estado de Israel e a consolidação do Estado da Palestina. O seu braço
armado é uma frente chamada de  Al-Qassam, esse grupo também se configura
como um partido político que venceu as eleições em 2006 e que hoje controla a
Faixa de Gaza. Países que apoiam o Hamas, Turquia e Qatar, são considerados
um grupo com uma política legítima.
241
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

2 TERRORISMO
O terrorismo, na maioria das vezes, envolve violência física ou psicológica
contra alvos não combatentes, selecionados ou aleatórios. É uma forma
instrumental de impor o medo sobre um povo, um governo ou um Estado.

Onde começou? A primeira referência escrita reporta-se a um grupo de


judeus extremistas separatistas, que impunham o terror para instigar
à mudança de comportamento na sociedade judaica de então, contra
a ‘imoralidade’ dos que colaboravam com os invasores romanos.
Disponível em: <http://pascal.iseg.utl.pt/~cesa/files/Doc_trabalho/
WP117.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2015.

Ao longo dos tempos o terrorismo assumiu diferentes formas, mas


enquanto protagonizada por agentes não estaduais, voltou a ser alvo de destaque
no século XIX, por causa dos anarquistas.

No século XXI sobressaem às manifestações violentas protagonizadas pela


Al-Qaeda, responsável pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, nos
EUA, e de 11 de março de 2004, em Madrid. Admite-se a possibilidade de estar
relacionada com outros atentados, como os de 7 de julho de 2005, em Londres e
de 26 de novembro de 2008, em Mumbai.

A Al-Qaeda é uma rede que tem muitas características das máfias


internacionais do crime, com tentáculos em todo o mundo. A organização
terrorista financia-se através do narcotráfico na Ásia Central, pela produção e
tráfico de ópio e da lavagem de dinheiro de fontes legítimas como organizações
de caridade. Foi associada a Usāmah Bin Muhammad bin 'Awæd bin Lādina,
mais conhecido por Bin Laden, até maio de 2011, quando foi capturado e morto
na sequência de uma ação de inteligência do exército dos Estados Unidos da
América. Alguns dos atentados terroristas têm motivação essencialmente
política, como aqueles realizados pelo ETA, grupo separatista basco que age
na Espanha e na França. Outros têm motivação religiosa, como as organizações
extremistas islâmicas e os tâmeis do Sri Lanka, na Ásia. Essas duas modalidades se
confundem na ação de grupos que defendem uma causa política e se apresentam
sobre a bandeira de uma religião. Desse modo, o terrorismo existe no mundo
inteiro e são assim considerados por manifestarem o terror na luta por seus ideais,
através de explosão de bombas em lugares públicos, de grande movimento, ou
de sequestro de pessoas e de meios de transporte. O terrorismo islâmico é uma
das formas de manifestação do fundamentalismo islâmico, por isso, muitos dos
atentados que acontecem em nome do fanatismo atingem principalmente os
Estados Unidos, considerando os costumes ocidentais que são condenados pelos
extremistas islâmicos. Entre os países que adotaram a religião islâmica e que
causam inúmeros problemas aos governantes estão: Sudão, Líbia, Argélia, Egito,
Palestina, Iêmen, Quênia e Iraque. Outros países como Irã, Síria e Afeganistão são
acusados pelos Estados Unidos de proteger e abrigar terroristas. Veja no mapa a
seguir as principais organizações terroristas que existem no mundo.

242
TÓPICO 1 | CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO

FIGURA 16 - PRINCIPAIS ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS DO MUNDO


Grécia
Organização Revolucionária 17 de novembro
Irlanda do Norte Luta do Povo Revolucionário
Exército Republicano Irlandês (IRA)
Turquia
Força Voluntária Legalista
Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK)
IRA Autêntico
Partido de Liberação do Povo Revolucionário
França
Libano Paquistão
Armata Corsa
Hezbollah Harakat ul-Mujahedin
Frente Nacional
Espanha de Liberação da
Hizb ul-Mujahedin
Pátria Basca e Corsega
Afeganistão Jamaat ul-Fuqra
Liberdade (ETA) Al-Qaeda Lashkar-e-Toiba

Japão
Ensino da Verdade
Suprema
Exercito Vermelho
Japonês

Itália Camboja
Brigadas Khmer Vermelho
Vermelhas
Filipinas
Abu Sayyaf
Colômbia
Frente Moro de
Exército de Liberação Libertação Nacional
Nacional (ELN)
Autodefesas Unidas
da Colômbia (AUC) Sri Lanka
Forças Armadas Argélia Tigres da
Revolucionárias da Libertação do
Grupo Lelam Tâmil
Colômbia (Farc) Armado
Islâmico
(GIA) Irã
Peru Mujahedin Khalq
Sendero Luminoso
Movimento
Egito Palestinos
Revolucionário Al-Gama'a África do Sul Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP)
Tupac Amaru al-Islamiyya Israel Hamas
Grupo Pagad contra
Grupo Jihad Kach Jihad Islâmica
Gangsterismo e
Kahane Chai Frente Popular para Liberação da Palestina (FPLP)
Drogas

FONTE: Disponível em: <www.cefetps.br>. Acesso em: 30 maio 2015.

2.1 FUNDAMENTALISMOS RELIGIOSOS


O termo "fundamentalismo" nasceu em contexto religioso e desde o início
foi usado para designar um movimento cristão. Tanto o movimento quanto o
nome surgiram e se firmaram nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do
século passado. A corrente fundamentalista, nascida no seio do cristianismo
protestante, reafirma a absoluta importância da Bíblia e sua autoridade suprema
para a fé e para a ética.

O termo é utilizado para justificar atitudes religiosas fanáticas, como


um retorno à sociedade pré-Moderna ou mesmo práticas violentas. Sua origem
histórica encontra-se no universo religioso, entretanto, o seu envolvimento na
sociedade atual ultrapassa esse universo e ocupa o espaço da política e da economia,
carregando consigo um traço também ideológico. Ter consciência de sua abundância
é resguardar as várias especificidades que o fenômeno vem produzindo.

O fundamentalismo defende o entendimento das verdades bíblicas e nega


a presença de erros no livro sagrado, o fundamentalismo atua na modernidade,
faz críticas à modernidade cultural e usufrui das produções da modernização
tecnológica, buscando o maior benefício para o movimento. Alimenta o cenário
apocalíptico do combate final entre o bem e o mal.
243
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

As regiões que praticam o Islamismo são conhecidas pelo nome de ‘Islã’.


Os muçulmanos formam uma comunidade religiosa como as demais. Deste
modo é preciso diferenciar o terrorismo islâmico da religião, pois, ao rotularmos
todos os islâmicos de terroristas, corremos o risco de cair na intolerância religiosa
que caracteriza os grupos fundamentalistas. O fundamentalismo, como crença
absoluta nos preceitos de uma religião e a necessidade de impô-lo a outros,
sempre existiu nas correntes religiosas. Os fundamentalistas querem fundar o
Estado Islâmico onde a Xariá, o código de leis do Islamismo, possa ser aplicado
no cotidiano político, econômico e social do país.

Nos países mais ortodoxos, o Irã e a Arábia Saudita, as leis islâmicas


chegam a ser incorporadas aos códigos civil e penal do Estado. Nos países
considerados moderados, como Egito e Jordânia, o fundamentalismo religioso
funciona como partido de oposição ao governo.

A origem do grupo radical sunita, da etnia pashtun, denominada também


como milícia Talibã aconteceu através da união de mais de mil estudantes da
doutrina islâmica na fronteira do Paquistão com o Afeganistão. Esta milícia
extremista prometia combater a corrupção e restabelecer a ordem no país,
devastado pela guerra civil. No entanto, o poder do Talibã impôs severas regras
aos habitantes do país, as mulheres foram as mais sacrificadas. O governo Talibã
foi derrubado por tropas norte-americanas que invadiram o país à procura de Bin
Laden, em 2004, foram realizadas as primeiras eleições presidenciais da história
do país, foi eleito presidente Hamid Karzai. Após a queda o Talibã refugiou-se
na fronteira com o Paquistão, na Ásia. E ainda realiza ataques a comboios dos
Estados Unidos e da Otan.

2.2 O CASO DE ISRAEL E DA PALESTINA


A história do Estado no Médio Oriente é inseparável do encontro com
o Ocidente. O Ocidente faz parte da configuração do mundo islâmico atual,
para o melhor e para o pior, da mesma forma que faz parte do pensamento
fundamentalista e dos valores de consumo das sociedades atuais. O processo
histórico de construção dos Estados árabes e muçulmanos remonta ao início
da colonização do Marrocos, Egito, Irã e até mesmo o Afeganistão. No século
XIX, estes três últimos países e o Império Otomano iniciaram um processo de
transformação do Estado.

O Oriente Médio, do ponto de vista histórico, abrange um período que


tem início na Antiguidade, com o início da utilização da escrita até a queda do
Império Romano, por volta de 2.000 a.C., atravessa a Idade Média, que vai do
século V até a queda de Constantinopla em 1453, e a Idade Moderna, período
entre a queda de Constantinopla e a Revolução Francesa, em 1789, e chega à
Idade Contemporânea, a partir da Revolução Francesa até a atualidade.

244
TÓPICO 1 | CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO

Desde a antiguidade dois calendários têm guiado os povos no oriente


médio para a contagem do tempo de acordo com a cultura, o calendário cristão foi
adotado no mundo ocidental a partir do século VI, nesse calendário a contagem
do tempo adotou como referência o nascimento de Jesus Cristo como o ano 1 do
século 1. O calendário judaico começou quando, segundo a tradição judaica, o
mundo foi criado. A data adotada é 7 de outubro de 3761 a.C. Dessa forma, o
ano 2010 do calendário cristão, corresponde ao ano 5.771 no calendário judaico.
O calendário muçulmano estabeleceu como ano 1 a data da fuga de Maomé de
Meca para Medina, que ocorreu em 16 de julho de 622. Nesse calendário, o ano
2010 corresponde ao ano 1388.

O Oriente Médio é uma região geográfica localizada no continente


asiático, considerado o maior continente e o mais populoso da Terra. É formado
pelos seguintes países: Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos,
Iêmen, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Palestina, Síria, Chipre,
Turquia e pela parte asiática do Egito. Como mostra o mapa.

FIGURA 17 - DIMENSÕES DE ISRAEL E DOS PAÍSES ÁRABES

FONTE: Disponível em: <http://orient-se.blogspot.com.br/2011/>. Acesso em: 27 abr. 2018.

245
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

Os conflitos no ocidente já duram mais de quatro décadas, tanto no plano


político, quanto na esfera jurídico‐internacional, são visíveis algumas mudanças
que nada mais servem, senão a inflar, cada dia mais, tal conflito. Na Palestina
existe desde que se deu a criação do Estado de Israel, em 1947. Essa guerra, que
dura até hoje, parece não ter fim.

No caso da Palestina, que é uma região banhada pelo Mediterrâneo a oeste,


tendo ao norte Fenícia e Síria, a leste e sul a Arábia, e ao sul parte do Egito. Desde
a Antiguidade recebeu várias denominações. A Terra da Promessa, no sentido
amplo da palavra, refere-se em toda sua extensão que Deus havia prometido a
Abraão, é a Terra das Doze Tribos, que abrange Canaã e a região Transjordânica.
Esta foi possuída por Israel somente durante uma parte dos reinados de Davi e
Salomão. Embora este lugar tenha recebido vários nomes ao longo da história,
nenhum é plenamente adequado. A utilização dos nomes dos países atuais
também não satisfaz a todos os povos ligados de alguma forma a esta região
devido às mudanças políticas e de fronteiras que ocorreram, sobretudo após 1948
com a criação do Estado de Israel. Para amenizar as dificuldades relacionadas
à questão do nome desta região, parece que o termo mais aceito vem sendo o
de Terra Santa, que exatamente por ser vago é facilmente adaptável à realidade
geográfica e política, pois a região é terra santa, do ponto de vista religioso, para
judeus, cristãos e muçulmanos.

A questão do conflito de Israel e da Palestina trata-se de um conflito ligado


à política, no entanto é importante que se compreendam os fatores históricos para
entender se realmente há donos da terra ou não.

No século XIX, a região do Oriente Médio era dominada pela


Inglaterra. Isso acontece durante o Imperialismo, e o Império Britânico
estende seus domínios na África e Ásia. Com a Palestina acontecia o
mesmo, a região historicamente marcada desde a Antiguidade como
entreposto comercial, pois a região sempre foi ponto de passagem da
Europa para a Ásia, como China e Japão. No final do século XIX, a
região era chamada de ‘Grande Síria’, compreendendo além da Síria,
Líbano e Jordânia, e era controlada pelos britânicos e em alguma
medida pelos franceses. Na Europa, o recém-criado movimento
sionista, em 1897, procurava apontar a necessidade do retorno dos
judeus a sua terra natal, o que era feito através de grandes ondas de
migração estabelecendo as famílias judaicas em colônias agrícolas. A
Inglaterra apoiava e financiava este processo, e em 1917, o ministro
do exterior inglês afirmava que era favorável à criação de um lar para
o povo judeu na Palestina e que empregaria todos os seus esforços
para essa realização, estando claramente entendido que não se fará
nada que possa acarretar prejuízos aos direitos civis e religiosos
das comunidades não judias da Palestina. Disponível em: <https://
petsociaisufpr.files.wordpress.com/2011/02/a_questao_israel_x_
palestina.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2015.

246
TÓPICO 1 | CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO

NOTA

O movimento Sionista foi um movimento que impulsionou a decisão da criação


de um Estado independente para os judeus no território Palestino. Com a realização do
Primeiro congresso Sionista em 1897, os sionistas marcaram seu nome na história. Sion é o
nome de uma colina de Jerusalém que deu origem ao termo.

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/sionismo/>. Acesso em: 21 jul.


2015.

O conflito se agrava ainda mais com a Segunda Guerra Mundial e a


perseguição aos judeus, que migraram para a Palestina, em torno de 150 mil
judeus entram na Palestina no período de 1939-1945.

Nesta conjunção surgem o Irgum e o Stern, grupos terroristas judeus que


atacaram os palestinos e também os britânicos, visando estabelecer a autonomia
dos judeus assentados na Palestina. No final da Segunda Grande Guerra, a
Inglaterra está em ruínas e não tem condições de continuar controlando a região.
Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU), recém-criada, vota um plano
para a partilha da Palestina em um país judeu e outro árabe. No ano seguinte, é
decretada a criação do Estado Nacional de Israel em 14 de maio. No entanto, após
esta criação, os árabes declaram guerra aos israelenses e são derrotados. Com
isso, Israel avança sobre territórios palestinos, ocupando 22% a mais de território
do que o previsto no plano da ONU. A cidade de Jerusalém, que ganharia status
internacional, fica dividida entre Israel e Jordânia. Os palestinos, bombardeados,
fogem e abrigam-se em campos de refugiados na Jordânia e no Líbano. No ano de
1950, a ONU cria um serviço (UNRWA) para assistir os refugiados da Palestina,
dando a eles acesso à moradia, alimentação, vestuário, saúde e escola, mesmo que
tenha havido melhoras, o fundo não obteve maiores sucessos pela falta de verbas.

Esses campos se caracterizam pela extrema miséria e os refugiados não


têm permissão para entrar em Israel. Assim, começa a emergir, na Universidade
de Beirute, um movimento liderado por intelectuais e estudantes, o que se tornaria
o embrião do Movimento de Resistência Árabe. Dez anos depois é assumido o
fracasso da tentativa da libertação da Palestina por um movimento unido dos
países árabes, liderado pela Síria e pelo Egito. Em 1964, cria-se a OLP, Organização
para a Libertação da Palestina, além da criação de academias militares para
treinamento de soldados palestinos e o fundo nacional de financiamento.

247
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

A Guerra dos Seis Dias aconteceu em 1967, na qual Israel em guerra contra
o Egito ocupa a península do Sinai, a Cisjordânia que estava em poder da Jordânia,
a Faixa de Gaza e o sul da Síria. Em desacordo com as resoluções da ONU para
que os refugiados pudessem retornar a seus antigos lares, Israel não permite a
volta dos palestinos aos territórios que ocupou. Outra guerra eclode em 1973, a
chamada Guerra do Yom Kippur, ou Dia do Perdão, para os judeus, atacando a
área sul da Síria, onde se encontravam campos de refugiados palestinos. Mesmo
com o fim da guerra e os acordos de paz assinados no ano seguinte, Israel não
recuou na ocupação dos territórios.

Em 1952, na Universidade de Beirute na Síria, estudantes começam a


constituir o Movimento Nacional Árabe, que busca combater de alguma forma a
opressão israelense. Nos dois anos seguintes combatem também a política da ONU
em relação aos campos de refugiados e os planos de integração econômica. Em
1962, os palestinos reconhecem que devem lutar sozinhos por sua autonomia. Pois
até então os países árabes como o Egito, Síria, Líbano, formavam uma espécie de
Liga Árabe, que praticavam um discurso radical, apoiando a Palestina contra Israel.

Foi criada a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), em 1964, para


formar um exército treinado e um fundo de financiamento para a militarização.
Dirigida por um presidente subordinado a um conselho, a OLP sai derrotada,
por despreparo militar, na guerra de 1967. Já no ano de 1969, Yasser Arafat é
eleito presidente da OLP, propondo a criação de uma nação laica para os judeus,
cristãos e muçulmanos. Rejeita as resoluções da ONU para refugiados em campos,
por entender que se tratava de assentados e não de refugiados. Desenvolvendo
a política e as relações externas. Em 1973, Arafat consegue levar os palestinos à
vitória na guerra do Yom Kippur, atraindo os olhos da comunidade internacional.
A região do Oriente Próximo, onde estão Israel e Palestina, é produtora de grande
parte do petróleo do mundo, e após a guerra, os países árabes começam a boicotar
as potências ocidentais, que se utilizam do mineral como combustível. Arafat
cresce mais e torna-se, em 1974, representante, assim a região começa a ganhar
mais atenção no cenário internacional. É importante salientar como outros países,
que não Israel e Palestina, se inserem no conflito, no caso do Egito, o governo de
Gamal Nasser tinha um forte ideal árabe e anticomunista radical, se colocando
contra Israel. Na Guerra do Yom Kippur (1973) o Egito chegou a perder a
península do Sinai para Israel e só seria recuperada pelo Acordo de Camp David
em 1978, mediado pelos Estados Unidos, prevendo também soluções para a
questão palestina; soluções estas que foram desprezadas pelos árabes por não
estarem inseridos no diálogo que dava condições para a resolução do conflito.

No caso do Líbano, o país foi usado como base de operações palestinas,


sofreu duas invasões maciças de Israel em 1978 e em 1982, que desejavam
desmantelar os campos e as bases palestinas lá existentes. O que aconteceu foi um
massacre, tanto de militares quanto de civis, a ponto de organizações de vários
países mediarem acordos para que o conflito cessasse.

248
TÓPICO 1 | CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO

Em 1988, a OLP decide aceitar, após quarenta anos, o plano de proposição


da ONU, e reconhece Israel como Estado soberano, proclamando
também o Estado independente da Palestina, participando de
conferência internacional da paz, em Genebra, na Suíça. Em 1993, após
um longo tempo de negociação, o primeiro-ministro israelense Yitzhak
Rabin, e Yasser Arafat assinam uma declaração dando autonomia
palestina a Faixa de Gaza, primeiro passo nas negociações de paz entre
os dois países, o que é interrompido pelo assassinado de Rabin por
um extremista judeu. Arafat morre dez anos mais tarde, ainda sem ver
concretizada a paz entre palestinos e judeus. O conflito ficou marcado
a todo tempo por tensões, promove uma paz instável. Disponível
em: <https://petsociaisufpr.files.wordpress.com/2011/02/a_questao_
israel_x_palestina.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2015.

Em 2002 iniciou-se o projeto para a construção do Muro da Cisjordânia,


também chamado como Muro de Israel, o qual tem como objetivo colocar uma
barreira entre o território árabe da região da Cisjordânia e o território judeu,
representado pelo Estado de Israel. O muro começou a ser construído em 2004.
Com o levantamento do muro algumas regiões, como vilas, ficaram sem terras
agrícolas e algumas cidades foram isoladas. A construção possui enormes
dimensões, com uma extensão de 721 km, 8 metros de altura, trincheiras com
2 metros de profundidade, arames farpados e torres de vigilância a cada 300
metros, tudo isso para ser intransponível. Foram erguidos dois muros; um muro
que cercou as fronteiras da cidade de Jerusalém, bloqueando a passagem livre
dos palestinos para a parte ocidental de Jerusalém; e o outro muro foi construído
externamente, onde Israel visou cercar e controlar suas colônias na faixa de Gaza,
como mostra o mapa a seguir.

249
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

FIGURA 18 - MAPA DE LOCALIZAÇÃO DO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO MURO


DE ISRAEL, NA CISJORDÂNIA

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Cisjordânia
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Jerusalém

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Faixa de
Gaza

Muro de Israel
Território de Israel
Território da Palestina

FONTE: Wikimedia Commons, 2015

Em 2005, Israel retira seus assentamentos da Faixa de Gaza, mas volta


a atacar palestinos no mesmo local em 2008, cessando fogo no ano seguinte,
devido à ascensão do presidente Obama nos EUA, procurando evitar incidentes
diplomáticos.

O governo Olmert se sustentou a duras penas até fevereiro de 2009,


quando ocorreram eleições parlamentares. Porém, sob a justificativa do disparo
de foguetes sobre localidades israelenses próximas a faixa de Gaza o governo do
Kadima tentou se reeleger, desencadeando um intenso bombardeio sobre a Faixa
de Gaza, seguido por ações terrestres que causaram a morte de aproximadamente
1.400 palestinos, em sua maioria crianças, velhos e mulheres. Esta ação foi
condenada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU. Mesmo assim, a eleição
foi vencida pelo Likud, retornando Netanyahu, que compôs um governo em
aliança com outros partidos, ainda mais à direita e os trabalhistas que já estavam
coligados com Olmert. A figura a seguir mostra como, ao longo de seis décadas,
a Palestina perdeu seu território.

250
TÓPICO 1 | CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO

FIGURA 19 – PERDA DE TERRITÓRIO DA PALESTINA

FONTE: Disponível em: <http://mepr.org.br/siteantigo/internacional/israel>. Acesso em: jul. 2015.

A questão Palestina envolveu outros países árabes do Oriente Médio na


luta contra Israel. O Egito, Jordânia, Síria e Líbano participaram dos conflitos
de 1956, 1967 e 1973. O primeiro a assinar um acordo de paz com Israel foi o
Egito, em 1979. A Jordânia assinou a paz com os vizinhos em 1994. Entre Israel
e o Líbano os problemas se acirraram quando este país abrigou os palestinos
expulsos da Jordânia. O sul do Líbano foi ocupado por Israel em 1978, somente
em 2000 as tropas foram retiradas, no entanto, continua o enfrentamento entre a
organização tida como terrorista.

A Síria é o único país que não assinou nenhum acordo de paz com Israel,
pois não obteve negociação quanto às colinas de Golan, território ocupado
em 1967. Através das colinas é possível controlar umas das principais fontes
de abastecimento de água de Israel: o Rio Jordão, e correntes que descem do
Monte Hermon e das próprias colinas. Outro importante motivo é que as colinas
permitem ter controle visual do Vale de Huleh, uma das mais ricas áreas agrícolas
de Israel.

251
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

DICAS

Dicas de Leitura

1. O Atlas do Oriente Médio. São Paulo: Publifolha, 2008. O Atlas analisa a questão do
petróleo e da água, das diferenças étnicas e religiosa, de Irã e Iraque, Israel e Palestina, dos
curdos, entre outras questões, permite compreender porque o Oriente Médio, região de
confronto e instabilidade, tornou-se centro da política internacional.
2. Atlas dos conflitos mundiais. Dan Smith. São Paulo: IBEP/Nacional, 2007. Aborda os
problemas da guerra e dos acordos de paz no século XXI: as causas, as consequências e as
tendências dos conflitos em cada continente.
3. Oriente Médio e a Questão Palestina, Nelson Bacic e Beatriz Canepa: São Paulo: Moderna,
2006. O livro traça um panorama da geopolítica do Oriente Médio, uma das regiões mais
conturbadas do planeta, cujos conflitos parecem estar longe de uma solução pacífica.
4. 11 de setembro de 2001: a queda das Torres Gêmeas de Nova York. José Carlos S. B.
Meihy. São Paulo: IBEP/Nacional, 2005. (Serie Lazulli – Rapturas). O livro aborda o dramático
episódio que foi a queda das Torres Gêmeas, inserido num quadro complexo que merece
ser examinado para atualizar o debate sobre o futuro da sociedade.

252
TÓPICO 1 | CONFLITO OCIDENTE X GRUPOS RADICAIS DO ISLAMISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

Texto 1 – O ponto de vista de Israel

Israel é o lugar onde nasceu o povo judeu. Onde esse povo formou seu
caráter espiritual, religioso e nacional. É o lugar onde os judeus alcançaram sua
independência e criaram uma cultura que se tornou universal. Exilados da Terra
Santa, os judeus permaneceram fiéis ao seu lugar de origem, durante toda a Diáspora,
e nunca deixaram de querer o retorno à terra natal. A catástrofe nacional que se
abateu sobre esse povo sem pátria com o massacre de 6 milhões de judeus, deixou
evidente a necessidade de encontrar uma solução e de estabelecer um Estado judeu.

Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU adotou uma


resolução pedindo a criação de um Estado judeu na Palestina e convidou os habitantes
locais da região a tomar as medidas necessárias para viabilizar essa resolução.

O Estado de Israel estará aberto a toda imigração judia procedente da


diáspora; incentivará o desenvolvimento do país em benefício de todos os seus
habitantes; se fundamentará na liberdade, na justiça e na paz, segundo os ideais
dos profetas de Israel; assegurará a mais completa igualdade social e política
a todos os seus habitantes, sem distinção de raça, religião ou sexo; garantirá a
proteção dos lugares sagrados de todas as religiões e será fiel aos princípios das
Nações Unidas.

(Palavras proferidas por Bem Gurion, em Telavive, em 14 de maio de 1948).

Texto 2 – A visão do povo árabe

Se a imigração de judeus na Palestina tivesse como objetivo o fato de eles


viverem ao nosso lado, gozando dos mesmos direitos e tendo os mesmos deveres,
teríamos lhes aberto as portas, na medida em que nosso solo pudesse acolhê-los.
Mas o objetivo dessa imigração foi usurpar nossa terra, desalojar-nos e fazer de
nós cidadãos de segunda categoria. Isso é algo que não podemos aceitar.

Por esse motivo, desde o início, nossa revolução não está fundamentada
em fatores raciais nem religiosos. Jamais nos opusemos ao homem judeu pelo
fato de ele ser judeu, nos colocamos, sim, contra o sionismo racista e como reação
a mais flagrante das agressões. Nós estabelecemos uma distinção entre sionismo
e judaísmo. Opomo-nos ao sionismo colonialista, mas respeitamos a fé judia.

Nosso povo perdeu a esperança na comunidade internacional que persiste


em ignorar nossos direitos. Quando se deu conta de que não poderia recuperar o
solo de sua pátria por meios exclusivamente políticos, escolheu a revolução. Na
qualidade de presidente da OLP e como chefe da revolução palestina convido-os
a apoiar a luta do nosso povo por seu direito à autodeterminação.

(Palavras proferidas por Yasser Arafat, na ONU, em 1974).

253
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você estudou que:

• O terrorismo no mundo e como ele acontece, a partir dos principais fatos


ocorridos nas últimas décadas. Com destaque para as organizações terroristas
no globo terrestre.

• O fundamentalismo religioso e a sua formação diante do sistema mundial de


desenvolvimento. Entendendo que o fundamentalismo como crença absoluta
nos preceitos de uma religião e a necessidade de impô-lo a outros, sempre
existiu em todas as correntes religiosas.

• O conflito entre Israel e a Palestina perpassa durante séculos e este conflito, que
atualmente envolve contingente internacional, massacrou milhões de pessoas
em nome de um desacordo territorial e religioso.

254
AUTOATIVIDADE

1 (UNICAMP-2001) Leia atentamente o texto a seguir e analise o mapa


apresentado. Desde meados dos anos 60, o Oriente Médio tem sido palco
de inúmeras guerras e dezenas de atentados, resultantes das lutas pela
delimitação de territórios israelenses e palestinos. As recentes reuniões de
cúpula em Camp David (EUA) têm gerado alguns avanços nas negociações
entre esses povos.

1 - Monte do Templo
Cidade Antiga 2 - Igreja do Santo Sepulcro
Jerusalém 3 - Muro das Lamentações

Escala
0 200m

a) Que território está sendo utilizado atualmente como sede provisória da


Autoridade Palestina?

b) Com base no mapa, responda como está distribuído o espaço religioso na


área urbana de Jerusalém.

255
256
UNIDADE 3
TÓPICO 2

A MILITARIZAÇÃO DE ESPAÇOS GEOPOLÍTICOS E


ESTRATÉGICOS

1 INTRODUÇÃO
A extensão dos territórios estatais e os seus limites são produtos
das diferentes formas de relações entre as sociedades. Os limites podem ser
construídos pela natureza ou não. Esses limites foram estabelecidos após séculos
de um passado em que houve guerras, acordos, conquistas e tratados. Por isso, os
limites e as fronteiras entre os países terem mudado radicalmente com o passar
do tempo e a história dos povos.

No século XX dois fatos alteraram os limites e as fronteiras de alguns


continentes; o primeiro foi o processo de descolonização da África e da Ásia,
após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o segundo foi o fim do comunismo
no leste europeu e a desintegração da URSS (União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas) na década de 1990.

O primeiro fato, a descolonização da África e da Ásia, alterou


profundamente o traçado das fronteiras e dos limites desses continentes. Muitas
colônias africanas e asiáticas conquistaram sua independência nas décadas de
1950 e 1960. Na África, os limites dos novos países foram reflexos da divisão
territorial colonial. Nesta divisão não foram consideradas pelas metrópoles
europeias a existência de tribos nativas, de etnias e culturas diferentes. No
segundo fato, na década de 1990, o leste europeu foi afetado pelas mudanças de
limites e de fronteiras políticas. Após a queda do comunismo, no mapa do leste
da Europa, alguns países ficaram independentes e outros se desmembraram ou
se juntaram.

A questão militar se refere à existência de corpos políticos


institucionalizados e armados, cujas funções e objetivos estão estreitamente
ligados à gestão dos territórios, das pessoas e das coisas por um aparelho central
que os dirige, o Estado.

257
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

2 ESPAÇOS GEOPOLÍTICOS
A geopolítica busca entender as relações recíprocas entre o poder político
e o espaço geográfico. A geopolítica procura responder à questão de até que ponto
a ação dos estados nacionais é ou não determinada pela situação geográfica.
Deste modo, a geopolítica tem por finalidade orientar a atuação dos governos
no cenário mundial e permitir a análise mais precisa das relações internacionais.

O aproveitamento do espaço territorial e os limites que impõe a ação do


Poder dos Estados influenciaram os governantes desde a Antiguidade. Porém, a
normatização da geopolítica ocorreu no século XIX. O geógrafo alemão Friedrich
Ratzel (1844-1904) formulou conceitos fundamentais para a abordagem geopolítica
da realidade. Buscando esclarecer conceitos Ratzel definiu que a função do Estado
é expandir e defender o espaço territorial nacional, considerando que as fronteiras
nacionais são móveis, pois são determinadas pela capacidade político-militar de
ampliá-las e de mantê-las. Para Becker (2009) o Estado é a única unidade política
do sistema internacional e o território é fundamental para o poder nacional à
medida que permite desenvolvimento autárquico necessário ao exército do poder
mundial. No contexto histórico Ratzel destaca a unificação da Alemanha pela
Prússia, esse processo foi marcado pela expansão militar.

Outro autor precursor da geopolítica foi o americano Alfred Thayer


Mahan, que elaborou uma proposta global para seu país. Para ele os Estados
Unidos da América eram como uma “grande ilha” e que por isso seria um
país quase impossível de ser invadido, contando que o Canadá e o México
fossem seus aliados e manter a América Central como uma zona de influência.
Nesta perspectiva, para Becker (2009) a herança da Geopolítica reside em dois
pressupostos: o excepcionalismo nacional, centrado no estado-nação como única
unidade política da ordem mundial; e o determinismo geográfico, o poder que o
Estado tem é atribuído ao contexto do território, é a condição do desenvolvimento
autárquico que garante o exercício do poder, este compreendido como a
capacidade de tomar decisões e mantê-las frente ao interesse de outros Estados.

Segundo Lacoste (1989), a prática de estratégia do poder é o controle


do território, enquanto para os geopolíticos, a geografia informa apenas sobre
o espaço e a geopolítica utiliza essa informação para planejar a política. Para
o discurso da geopolítica é o oposto, pois trata o espaço como controlador do
poder, em particular ao meio físico.

Para Vesentini (2003) a crise econômica de 1929-33 e a sua superação


e, após a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e os seus resultados, uma nova
racionalidade parece ter se imposto na estruturação (contraditória) do capitalismo
mundial. Essa nova racionalidade tornou-se mais evidente após a derrocada do
mundo socialista entre 1989-91, com a revolução técnico-científica iniciada em
meados dos anos 1970 e com esse novo patamar da internacionalização do capital,
que é a globalização.

258
TÓPICO 2 | A MILITARIZAÇÃO DE ESPAÇOS GEOPOLÍTICOS E ESTRATÉGICOS

Os conflitos e guerras interimperialistas cessaram e as crises militares


desde 1945 ocorrem somente em áreas periféricas (inclusive ao Leste europeu)
e não mais entre as grandes potências capitalistas, como era a regra geral até a
Segunda Grande Guerra. Os tratados militares, principalmente a OTAN, parecem
ter unido os países centrais, que hoje agem de forma mais ou menos coordenada
frente às ameaças ao sistema global. Ocorreu também a desagregação dos
impérios coloniais europeus (britânico, italiano, alemão, francês, belga etc.) com
a chamada da descolonização, especialmente de áreas/povos asiáticos e africanos,
que se deu com mais vigor entre 1945 a 1960.

Ainda para Vesentini (2003) as novas dimensões e características do


militarismo e da guerra implicaram uma reatualização da geopolítica e da
geoestratégia em nível planetário. Houve uma geoestratégia do período da
Guerra Fria, e outra, diferente, no mundo Pós-Guerra Fria. Neste sentido, o autor
ainda destaca que toda guerra, mesmo que local, tem sempre uma influência
e significado planetário e a partir das armas atônicas e também das armas
químicas a guerra pode chegar ao extermínio da humanidade, ou pelo menos
a desarticulação total desta forma de civilização. Ainda refletimos que, de fato,
a militarização e a tecnocratização do social, que caminham juntas, conduzem
ao enfraquecimento da política como participação, como consultas, debates,
trocas de ideias: a velocidade da máquina de guerra, a “necessidade” do sigilo, a
vigilância e a primazia da "segurança nacional", isto realmente acontece no Estado
em detrimento dos cidadãos. Tudo isso liquida uma estrutura política "normal",
baseada no diálogo e no confronto de ideias, que precisam de um longo tempo
de maturação. Essa tendência é auxiliada pela enorme importância da mídia
nas sociedades modernas, que molda, ou tenta moldar, pois nunca consegue
totalmente a opinião pública. Transformando-a em expectadores, está sempre
em busca do imediato, da notícia que terá uma repercussão planetária imediata
e no dia seguinte será substituída por outra. A guerra passou, então, a ser um
estado permanente nas sociedades hodiernas e, longe de se extinguir pelo avanço
do conhecimento científico e da industrialização como apregoava Comte e a sua
doutrina positivista, ela os incorporou e os colocou a seu serviço, ou, no mínimo,
convive muito bem com eles.

As considerações de Becker (2009) ressaltam que a geopolítica não se


restringe ao pragmatismo das hipóteses sobre o poder mundial. Deste modo, o
Estado não é uma forma acabada, mas é um processo e se vinculou ao espaço
através de uma relação complexa que resultou em dois momentos cruciais para
as relações do Estado moderno: a produção de espaço físico, o território nacional,
que tem centro na cidade; e a produção de um espaço social, político, conjunto de
instituições hierárquicas, leis e senso, que é o próprio Estado.

Como destaca Vesentini (2003), as geopolíticas da ordem bipolar


enfatizavam sempre a existência de duas superpotências militares, os Estados
Unidos e a ex-União Soviética. O conceito de “grande potência mundial”, tão caro
aos autores clássicos, foi deixado de lado, embora ele tenha sido recuperado no
mundo Pós-Guerra Fria, e no seu lugar empregou-se esse conceito de superpotência

259
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

com uma base tecnológica-militar, armas atômicas no início, e principalmente a


capacidade de agir militarmente, sem enfrentar grandes obstáculos, em toda a
superfície terrestre.

A Guerra Fria foi o elemento mais importante da geopolítica planetária


do mundo de 1945 até 1991. Ela implicou um jogo estratégico e numa relação
complexa entre as duas superpotências, na qual havia, ao mesmo tempo, uma
rivalidade e uma conivência, uma competição com uma espécie de vínculo ou
acordo tácito. Como demonstra o mapa a seguir, destacando o que cada país
objetivava no período da Guerra Fria.

FIGURA 20 - GEOPOLÍTICA NA ÉPOCA DA GUERRA FRIA

FONTE: Disponível em: <http://barralito.blogspot.com.br/2009/10/war-da-geopolitica-na-epoca-


da-guerra.html>. Acesso em: jul. 2015.

Para Becker (2009) os conflitos e a instabilidade se ampliaram com a


formação de mercados supranacionais devido à competição, ao confronto cultural
e aos excedentes de população não inserida na nova forma de produção. Essas
tensões influirão na posição de liderança futura. O Estado será capaz de utilizar
todas as capacidades de gestão para enfrentar três grandes desafios: a regulação, ou
seja, a administração da interdependência na economia do mundo; a distribuição,
rompendo círculo das desigualdades; o reconhecimento do outro. O autor ainda
ressalta que o Estado, certamente, não é a unidade única representativa do
político nem o território nacional a única escala de poder. Sendo que o poder

260
TÓPICO 2 | A MILITARIZAÇÃO DE ESPAÇOS GEOPOLÍTICOS E ESTRATÉGICOS

tecnoeconômico é efetivo, e isso reduz a autonomia dos Estados, resultando em


uma geopolítica de negociação e arranjos políticos entre os Estados e destes com
a sociedade civil organizada. Conferindo um valor estratégico aos territórios, em
diferentes escalas geográficas.

3 ESPAÇOS ESTRATÉGICOS
Para Vesentini (2008) a Geoestratégia é uma dimensão espacial da
estratégia. Isto soa como uma redefinição da “arte da guerra”, onde uma tropa
estaciona, para onde ela se desloca. A geoestratégia tem o critério de considerar
que tem a ver com os problemas estratégicos, as situações de conflito com o
emprego de meios de coação no âmbito da Geopolítica. Entendendo-a como
uma espécie de setor da geopolítica, com a qual o relacionamento de certa forma
reproduziria o que existe entre Política e Estratégia. Portanto, consideramos
que, geoestratégia são as relações entre os problemas estratégicos e os fatores
geográficos à escala regional ou mundial, procurando deduzir a influência dos
fatos geopolíticos, econômicos, demográficos e sociais nas situações estratégicas e
nos respectivos objetivos. Constitui uma forma específica de interpretar a política
e analisar os conflitos.

A estratégia consiste na coordenação das táticas com vistas a atingir


os objetivos da guerra. Enquanto a tática diz respeito à batalha, ao momento
específico de confronto, a estratégia leva em conta o conjunto das batalhas, a
sucessão e coordenação desses confrontos, na perspectiva da guerra como um
todo. Assim, a estratégia toma por referência o plano e as condições militares da
guerra, embora seja constantemente repensada frente aos resultados provisórios
e à ação do inimigo. A geoestratégia, dessa forma, subordina-se à geopolítica,
constitui uma parte desta na medida em que a guerra depende das relações de
poder. (VESENTINI, 2003).

As geoestratégias anteriores à Segunda Guerra Mundial eram baseadas


na guerra convencional e de forma especial, ou seja, as guerras nada mais são,
em última instância, que sociedades ou nações em confronto e não apenas
exércitos. Ainda para Vesentini (2003), até meados do século XX, a geopolítica e a
geoestratégia planetária não levavam muito em conta a aviação, a velocidade e o
espaço externo à superfície terrestre clássica. Eram teorias e doutrinas da guerra
ocorrendo essencialmente na terra, isto é, nos continentes e ilhas e também,
embora de forma secundária para alguns, nos mares. A partir da Segunda Guerra
Mundial isso mudou radicalmente.

261
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você estudou:

• As formações dos espaços geopolíticos e estratégicos dependem dos limites a


serem construídos pela natureza ou não, ou se os limites foram estabelecidos
após séculos de um passado em que houve guerras, acordos, conquistas e
tratados.

• Os espaços geopolíticos, as relações recíprocas entre o poder político e o espaço


geográfico.

• Até que ponto a ação dos estados nacionais é ou não determinada pela situação
geográfica. Assim, os espaços têm por finalidade orientar a atuação dos
governos no cenário mundial e permitir a análise mais precisa das relações
internacionais.

• Os espaços estratégicos envolvem os espaços geopolíticos e tem por critério


considerar o que tem a ver com os problemas estratégicos, com situações de
conflito ou com o emprego de meios de coação no âmbito internacional das
relações entre os países.

262
AUTOATIVIDADE

1 (ESPM-2006) Observe cinco afirmações sobre geopolítica feitas por Yves


Lacoste (1989):

• A causa principal do fraco desenvolvimento da reflexão geopolítica é a


verdadeira mutilação que sofreu o raciocínio geográfico.
• As reflexões geopolíticas não se situam somente no nível planetário ou em
função de vastíssimos conjuntos territoriais ou oceânicos, mas também no
quadro de cada Estado.
• Os professores de geografia propagaram na opinião essa concepção muito
mutilada de sua disciplina e que, durante decênios, os geógrafos, na
qualidade de pesquisadores, recearam aplicar seus métodos à análise dos
conflitos.
• O raciocínio geopolítico não é, por essência, de direita ou de esquerda.
• Uma notável parte da opinião começa a pressentir que é importante levar
em consideração as configurações espaciais no exame das relações de forças
e é isso que explica a atenção que a geografia dedica, desde algum tempo, a
tudo aquilo que faz referência à geopolítica.

Podemos depreender como a mais pertinente dentre as afirmações feitas pelo


geógrafo:

a) A primeira afirmação conduz à ideia vigente nos dias atuais de que a


geografia deve se afastar da geopolítica devido a seu caráter bélico.
b) Conflitos nacionais dentro de um mesmo Estado, como na Rússia, confirmam
a segunda afirmação do autor.
c) A data da obra e as ideias do geógrafo nos permitem afirmar que não houve
renovação do pensamento geográfico.
d) O pensamento geopolítico surgiu na extinta União Soviética, daí a
preponderância dos pensamentos geopolíticos de esquerda.
e) As configurações espaciais são de ordem urbana e sociológica e por esse
motivo a geografia deixou de se interessar pela geopolítica.

2 (UFPR-2002) “A Geografia é, antes de mais nada, um saber estratégico


intimamente ligado a um conjunto de práticas políticas e militares e são essas
práticas que exigem a acumulação articulada de informações extremamente
variadas”. (LACOSTE, 1989. p. 21).

263
Aplicando essas considerações de Lacoste aos recentes conflitos que têm
ocorrido em diversos continentes, classifique as alternativas em verdadeiras
(V) ou falsas (F):

( ) As estratégias de guerra implicam uma análise precisa de combinações


geográficas entre elementos heterogêneos para planejar a ocupação de
determinada área, para torná-la inabitável ou mesmo para levar a cabo
um genocídio.
( ) As zonas de tensão do mundo atual são espaços geográficos onde
ocorrem, de forma aguda, conflitos étnicos, nacionalistas e separatistas.
Esses conflitos são conduzidos por grupos organizados nacional ou
internacionalmente.
( ) Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados da OTAN
intervinham militarmente em países estrangeiros para manter ou
expandir sua hegemonia política. Com a derrocada do comunismo, essas
intervenções passaram a ser feitas para evitar que tensões localizadas
tenham repercussões econômicas e geopolíticas mais amplas, que podem
afetar os interesses desses países e a dinâmica econômica mundial, como
no exemplo da Guerra do Golfo.
( ) O emprego das novas tecnologias bélicas utilizadas no Vietnã, na Sérvia,
no Iraque e no Afeganistão independe do conhecimento das condições
ambientais, pois os fatores geopolíticos é que são decisivos.

264
UNIDADE 3
TÓPICO 3

FORÇAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA

1 INTRODUÇÃO
Para se compreender como as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (FARC) surgiram e se fundamentaram ao longo do tempo é necessário
entender o Estado colombiano e a conjuntura internacional presente no contexto
regional da segunda metade do século XX. Os primórdios do surgimento das
FARC têm sua origem procedente do combate e ataques constantes por parte
do governo colombiano contra grupos e cooperativas de agricultores que se
mobilizavam a favor de melhorias de condições de vida, inspirados e pautados
sob ideais socialistas. Tais ataques ocorriam com o objetivo de se impedir a
organização de movimentos comunistas e revolucionários que contestasse ou
pusesse em risco a estrutura do Estado colombiano (PARDO, 2000).

2 FARC – FORÇA REVOLUCIONÁRIA DA COLÔMBIA


Segundo Ceará (2009), a guerrilha colombiana tem suas raízes na guerra
civil que dilacerou o país a partir do final dos anos 1940, e que fora provocada
por um choque entre as facções do partido conservador e do partido liberal. Este
adotava uma posição um pouco mais avançada sobre a necessidade de colocar
em prática um modelo de desenvolvimento nacional, até para angariar apoio
popular contra os conservadores. O episódio que deflagrou a Guerra Civil foi o
assassinato, em 9 de abril de 1948, do caudilho liberal e populista Jorge Eliécer
Gaitán, militante da ala radical do Partido Liberal, que havia fundado a União
Nacional de Esquerda Revolucionária e que liderava uma campanha a favor de
reformas políticas e sociais. Em campanha presidencial, o candidato assassinado
contava com o apoio e refletia o anseio dos trabalhadores. A notícia de sua morte
causou uma onda de manifestações de operários e camponeses em todo o país. O
mundo vivia o início da Guerra Fria e a revolta foi considerada insuportável pela
Casa Branca. Os conservadores colombianos, no poder, receberam instruções de
Washington para desencadear a repressão, o que deu lugar ao período situado
entre 1948 e 1953 conhecido como “La Violencia”.

265
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

Em 1966 aconteceu a fundação das FARC, tendo como seus principais


responsáveis Manuel Marulanda Velez ou “Titofijo”, Jacobo Arenas e outros
membros do Partido Comunista Colombiano que adotaram esta denominação
para designar o grupo na segunda reunião de agricultores rebelados contra o
governo colombiano na região de Marquetalia. As FARC têm suas raízes na luta
dos movimentos de autodefesa Liberal e Comunista durante o período conturbado
e de fortes repressões do governo, mas surgiu de fato como grupo guerrilheiro
após os ataques militares aos campesinos, quando após terem sido desalojados
pelo exército, passaram a se agrupar em guerrilhas móveis (PARDO, 2000).

O Estado colombiano, naquele contexto, passava por uma série de


problemas estruturais de ordem econômica e política que refletiam de maneira
geral em toda sua sociedade e, de maneira específica em seus setores mais carentes
e fragilizados, tais como, a população campesina. Nesse sentido, pelo fato dos
contingentes mais debilitados do Estado não receberem uma assistência social
que condizia com suas expectativas, percebe-se que se começava a arquitetar a
formulação de um organismo, que visava responder e suprir as necessidades
eminentes presentes na sociedade colombiana, surgindo assim um campo
propício para o surgimento das FARC. A partir desse momento, percebe-se a
mobilização de agentes que mesmo estando desvinculados dos aparatos estatais
passavam a se posicionar de forma proeminente entorno da defesa das causas da
população marginalizada (MEZA, 2001).

Para Ceará (2009), durante a década de 1970, aconteceu um movimento,


através das conferências realizadas, que procurou estabelecer um projeto
educativo, cujo objetivo principal era a formação ideológica no momento em que se
defendia a ideia de expansão pelo território colombiano, pautada, principalmente,
nos planos de desenvolvimento militar. Para esta nova fase de organização foram
criados o Estado Maior e o Secretariado Central. A quinta conferência realizada no
Departamento de Meta, no ano de 1974, propôs a ampliação da força guerrilheira
até a formação do exército revolucionário, desenvolveu-se a criação da V Frente
em Antioquia e da VI em Valle e em Cauca. Ainda, segundo o autor, as FARC
passaram a se estruturar militarmente com a esquadra a unidade básica que
contava com 12 homens, duas esquadras formam uma guerrilha, duas guerrilhas
formam uma companhia, duas companhias formam uma coluna e duas ou mais
colunas formam uma frente. Com o avanço territorial que foi ocorrendo surgiram
os Blocos de Frente: um bloco de frente consta de cinco ou mais frentes, é a
estrutura militar que está abaixo do Secretariado e do Estado Maior Central. Com
essa nova linha de ação buscava-se criar uma correlação de forças para que fosse
possível o desenvolvimento de uma ofensiva geral.

O movimento contou com uma política de esclarecimento dos camponeses,


objetivando obter apoio no campo, buscando diminuir a inferioridade das
forças materiais que devem ser compensadas por uma superioridade crescente
dos meios morais à medida que uma ação vai sendo descoberta. De tal sorte, a
operação se desenvolve simultaneamente em dois planos: o plano material das
forças militares e o plano moral de ação psicológica. Em seu estatuto as FARC

266
TÓPICO 3 | FORÇAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA

vão se definir ideologicamente como uma organização marxista-leninista, que


buscava aplicar os fundamentos ideológico-políticos desta corrente à realidade
colombiana. No entanto, com a evolução do conflito interno e com a realidade
que se foi desenhando para os insurgentes, fez com que o movimento insurgente
passasse a ser menos dogmático no discurso sobre o socialismo e o comunismo
(CEARÁ, 2009).

Segundo Guevara (2010), os motivos condicionantes para a formulação


FARC giraram em torno de aspirações que visavam à conquista de um
desenvolvimento nacional alternativo, uma vez que na década de 1960 a Colômbia,
assim como a maioria dos países da América Latina, permanecia sobre uma forte
influência de políticas neoliberais por parte dos Estados Unidos da América.
Estas aspirações, de um desenvolvimento nacional alternativo na Colômbia,
referiam-se essencialmente ao fato de procurarem propiciar a sua sociedade, em
sua maioria campesinos e agricultores, uma vida digna, não mais dependentes
em sua totalidade do Estado colombiano, que por sua vez estava influenciado,
político e economicamente pelas potências estrangeiras e que, em detrimento
deste fato, não lhe era cedida a assistência necessária a seu povo.

Ceará (2009) destaca que outro ponto que fortaleceu as FARC, neste processo
de expansão, é o seu envolvimento com o tráfico de drogas que gradativamente
passou a fortalecer a economia dos guerrilheiros e facilitou a aquisição de armas
leves para o combate. No sul do país, nos Departamentos de Guaviare, Caquetá e
Putumayo houve um grande crescimento na produção de coca na década de 80, áreas
estas controladas pelos guerrilheiros. Este incremento nas produções é em grande
parte resultado do combate estadunidense às plantações de coca na Bolívia e Peru,
o que os especialistas consideram de “efeito balão”, que consiste em, apertando o
cerco de um lado pode-se até obter alguma diminuição, porém, o balão, a plantação,
se expande em outra frente, agora em território colombiano, estabelecendo novas
fronteiras agrícolas. A imagem a seguir mostra o exército das FARC.

FIGURA 21 - EXÉRCITO DAS FARC

FONTE: Disponível em: <www.historiadomundo.com.br>. Acesso em: jul. 2015.

267
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

Segundo Oliveira (2008), os narcotraficantes mantêm-se hostis às FARC,


organizando exércitos paramilitares para combater a guerrilha, normalmente
associados aos setores conservadores e de direita, representantes da burguesia
nacional e dos interesses estrangeiros no país. O poder das FARC sobre os
territórios colombianos é produto do controle que elas detêm sobre a circulação
de bens e pessoas no espaço regional, controlando as estradas, rios, portos,
aeroportos, redes de eletricidade e combustíveis. Esse controle permite às FARC
extrair seu sustento da exploração dos “recursos” disponíveis, como a coca,
esmeraldas, café, e exigir a cobrança de tributos sobre a atividade do narcotráfico,
desde a base da produção, atingindo os “cocaleiros” de forma pouco intensa, até
a cobrança de um imposto de cerca de 4% sobre o valor da produção de folhas de
coca. As alíquotas são crescentes em direção a setores mais complexos e lucrativos
da cadeia da coca, sendo as maiores alíquotas cobradas sobre a cocaína refinada
saída do laboratório e pelo uso das pistas de pouso e decolagem de aviões.

Ao observar os meios utilizados pelas FARC nas práticas de suas ações,


percebem-se algumas particularidades que merecem ser mais bem analisadas.
A entidade exerce suas atividades financiadas, na maioria das vezes, através do
dinheiro arrecadado pelo narcotráfico de drogas, além de uma série de outros
atos ilícitos, haja vista, por exemplo, a prática de sequestros e contrabando de
mercadorias ou de armas que se tornam um complicado e complexo grupo.
(MEZA, 2001).

Para exemplificar a prática de ilicitudes desempenhadas pelas FARC,


são factíveis de destaque os seguintes indícios, cada uma de acordo com suas
peculiaridades. Segundo pesquisas oficiais elaboradas pelo Fundo Nacional
para a Defesa da Liberdade Pessoal (FONDELIBERTAD), vinculados ao governo
colombiano, a incidência de sequestros praticados pelas FARC de 1996 até 2008 são
altíssimos, mantendo sobre seu domínio uma média de reféns que ultrapassam
a cifra de setecentas pessoas por ano. Entre estes reféns, estão incluídas
personalidades importantes da vida política e econômica da Colômbia, em que
são mantidos em cativeiro por uma extensa data, até que passam a ser negociados
por meio do pagamento de resgates ou, servirem de barganha para a libertação
de seus membros que foram presos pelas autoridades legais (GUEVARA, 2010).

Um fator determinante neste movimento é a definição concedida pelos


Estados Unidos às FARC, no mandato do presidente George W. Bush. Ele
as denomina um grupo terrorista e as considera uma ameaça inerente à paz
mundial e que deve ser combatida, independentemente de quão custoso isso
se torne (AMIN, 2004). Em parceria ao governo de Álvaro Uribe, os Estados
Unidos promovem um plano denominado “Plano Colômbia”, em que consistia,
principalmente, em formar uma Força Nacional de combate aos grupos terroristas
insurgentes e a erradicação do cultivo da folha de coca, ou seja, às FARC e suas
práticas. Este plano passaria a ser financiado, econômica e tecnologicamente
pelos EUA, além de possuir um acompanhamento periódico de oficiais norte-
americanos no território colombiano e nas dependências de suas Forças Armadas.
Posteriormente a este “Plano Colômbia”, surgiu um segundo plano, denominado

268
TÓPICO 3 | FORÇAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA

como o “Plano Patriota”, em que basicamente serviria como continuidade ao


anterior, desenvolvendo as mesmas práticas e aspirando os mesmos objetivos,
se diferenciando apenas na redução de investimentos financeiros (MEIRA, 2007).
Para melhor compreender a abrangência das FARC no Estado colombiano, o
mapa a seguir mostra um território nacional multifacetado.

FIGURA 22 - MAPA DAS ÁREAS CONTROLADAS PELOS GRUPOS NÃO ESTATAIS

FONTE: Disponível em: <http://www.naturefund.de/erde/atlas_der_welt/ungeloeste_


konflikte/kolumbien_paramilitaers_und_guerilla.html>. Acesso em: jul. 2015.

269
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

O território colombiano abriga outros grupos armados não estatais,


como é o caso dos paramilitares e do Exército de Libertação Nacional. O ELN
se caracteriza por ser um grupo marxista-cristão criado em 1964 e fortemente
inspirado pelos ideais da Revolução Cubana, atraindo estudantes, padres,
sindicalistas e remanescentes das guerrilhas do Partido Liberal. A estratégia inicial
do grupo, que se apoiava fundamentalmente em uma liderança carismática, era
iniciar uma guerra de libertação nacional começando com uma revolução rural
similar ao que ocorreu em Cuba (PRADO, 2000).

De acordo com Ceará (2009), a diplomacia norte-americana é uma


possível internacionalização de que o conflito garantiria apoios regionais para
combater a guerrilha interna. Assim, o governo colombiano procurava uma
possível liberdade de ação sobre o território de vários países fronteiriços com
a Colômbia, no caso de uma possível invasão de perseguição à guerrilha ou
para realizar uma manobra de envolvimento pelos flancos. Brasil e Venezuela
prontamente se mostraram contrários a essa perspectiva que passava por cima
da soberania dos países da região, o que significava ignorar o princípio basilar de
organizações internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA)
e a Organização das Nações Unidas (ONU).

O então presidente Uribe amplia o processo de militarização que vinha


sendo implantado no país em decorrência do apoio financeiro e do impulso
dado pelos Estados Unidos, via Plano Colômbia. Durante o governo de Uribe
é elaborada a Política de Defesa e Segurança Democrática (PDSD), que tinha
como objetivo a retomada do controle territorial das mãos da guerrilha e dos
paramilitares. Na aplicação da nova política ficou manifesta a euforia militar do
novo presidente com a criação de uma divisão de exército, quatro novas brigadas,
nove brigadas móveis, seis batalhões de alta montanha, trinta e um esquadrões
móveis de carabineiros, dez companhias meteoro e treze grupos de forças
especiais antiterrorismo urbano. Também se constata um aumento considerável
nas compras de armamento e de equipamento militar, como a aquisição de vinte
e cinco aviões supertucanos, doze helicópteros Bell, duzentos e seis Rangers e
oito Black Hawk (CRUZ ATEHORTÚA, 2007, p. 53).

De 2002 a 2006, o número de homens nas Forças Armadas teve um


acréscimo de 36,2%. O número total era de 247.042, assim distribuídos:

Exército contava com 211.046, na Armada existiam 26.466 e a Força


Aérea tinha 9.530. Este aumento no efetivo levou o governo a destinar
5,3% de seu PIB para as questões militares, juntamente com o ‘impuesto
al patrimonio’ (recursos obtidos com exclusividade para a Polícia
Nacional e as Forças Armadas), o que leva o país andino a contar
com um dos maiores orçamentos para Defesa na América do Sul
(HERRERA, 2006, p. 86, grifos do original).

270
TÓPICO 3 | FORÇAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA

Essa transformação militar trouxe bons resultados para o atual governo,


praticamente foram retomadas todas as localidades que se encontravam nas
mãos da guerrilha. Porém, a reinstalação dos poderes centrais nessas localidades
levou os grupos insurgentes a se fixarem principalmente na área fronteiriça, em
consequência da débil presença estatal e da sua “alta porosidade”, facilitando,
desta forma, a manutenção da sua logística. As FARC-EP não conseguiram mais
levar a cabo, como no período anterior, sucesso às operações militares de real
valor estratégico e viram-se obrigadas a retornar à guerra de guerrilhas, evitando
a concentração de amplas unidades militares frente ao avanço da Força Aérea
(LEONGÓMEZ, 2007).

Até fins de 2006, a força pública estava presente nos 1.098 municípios do
país. O presidente Uribe gradativamente passou a obter, ao longo dos últimos
anos, vitórias expressivas, o que vem propiciando ao seu governo um alto grau de
aceitação por parte dos colombianos. No entanto, após a vitória de Barack Obama
e de uma maioria democrata no parlamento norte-americano que são contra a
escalada militar do ex-presidente W. Bush, o governo colombiano viu ameaçada
a continuidade do apoio financeiro estadunidense que patrocina a sua política
militarista e que fere os direitos humanos. Diante das pressões internacionais, o
atual governo se encontra numa grande encruzilhada: sentar para negociar com a
guerrilha, numa mesa de diálogo entre interlocutores, o que conferiria às Farc um
caráter beligerante, indo desta forma contra a classificação norte-americana de
grupo terrorista; ou, continuar com a opção militarista, colocando em risco a vida
dos reféns que estão em mãos dos guerrilheiros e podendo aprofundar ainda mais
o abismo social pelo qual passa toda a população colombiana (CEARÁ, 2009).

DICAS

Acesse o site com um estudo sobre os acontecimentos da FARC: <www.bbc.


com/portuguese/noticias/2010/09/100921_betancourt_rojas_livro.shtml>.

O habitus guerrilheiro e as forças armadas revolucionárias da Colômbia (FARC-EP). Jesus


Izquierdo. Disponível em: <http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v37n1/rcs_v37n1a3.pdf>. Dossiê
sobre a vida na guerrilha.

271
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você estudou:

• Como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) surgiram e


se fundamentaram ao longo do tempo para entender o Estado colombiano e a
conjuntura internacional presente no contexto regional da segunda metade do
século XX.

• As relações presentes nas FARC e a repercussão no cenário mundial. Os


conflitos e as mudanças para impedir a expansão da guerrilha no território
colombiano e nos países vizinhos.

272
AUTOATIVIDADE

1 (ENEM-2008) Na América do Sul, as Forças Armadas Revolucionárias da


Colômbia (Farc) lutam, há décadas, para impor um regime de inspiração
marxista no país. Hoje, são acusadas de envolvimento com o narcotráfico,
o qual supostamente financia suas ações, que incluem  ataques diversos,
assassinatos e sequestros. Na Ásia, a Al-Qaeda, criada por Osama Bin Laden,
defende o fundamentalismo islâmico e vê nos Estados Unidos da América
(EUA) e em Israel inimigos poderosos, os quais deve combater sem trégua.
A mais conhecida de suas ações terroristas ocorreu em 2001, quando foram
atingidos o Pentágono e as torres do World Trade Center.

A partir das informações acima, conclui-se que:

a) As ações guerrilheiras e terroristas no mundo contemporâneo usam métodos


idênticos para alcançar os mesmos propósitos. 
b) O apoio internacional recebido pelas Farc decorre do desconhecimento, pela
maioria das nações, das práticas violentas dessa organização. 
c) Os EUA, mesmo sendo a maior potência do planeta, foram surpreendidos
com ataques terroristas que atingiram alvos de grande importância
simbólica. 
d) As organizações mencionadas identificam-se quanto aos princípios
religiosos que defendem. 
e) Tanto as Farc quanto a Al-Qaeda restringem sua atuação à área geográfica
em que se localizam, respectivamente, América do Sul e Ásia.

273
274
UNIDADE 3
TÓPICO 4

O SIGNIFICADO DA FRONTEIRA ENTRE O MÉXICO E OS


ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA PARA AS MIGRAÇÕES
INTERNACIONAIS

1 INTRODUÇÃO

A população se movimenta pelo espaço geográfico dentro de um


mesmo país, e muitas vezes, atravessando oceanos e mudando de continentes.
Esses movimentos horizontais da população são chamados migratórios, que
compreendem a imigração, que significa a entrada de pessoas em uma região
ou país, e a emigração que significa a saída de pessoas em uma região ou país.
Quando esse processo acontece dentro de um país, as migrações são internas,
quando acontecem de um país para outro são as migrações internacionais.

Quando as pessoas procuram outro lugar para viver que não seja
aquele onde nasceram, elas o fazem por vários motivos. Quando as razões
são econômicas as pessoas buscam melhores condições de vida, por isso as
migrações ocorrem dos países pobres para os países ricos. Quando as razões
são políticas e religiosas, as pessoas vão para outros países, fugindo de
perseguições de ordem religiosa, política ou porque seu país de origem está
em guerra. Na globalização do mundo podemos considerar migrações por
motivos econômicos, políticos ou/e religiosos.

FONTE: Disponível em: <https://angelogoes.wordpress.com/>. Acesso em: 20 jul. 2015.

275
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

FIGURA 23 - RETIRANTE BUSCANDO UMA DIREÇÃO PARA SUA MUDANÇA

FONTE: Disponível em: <www.valberlucio.com>. Acesso em: 20 jul. 2015.

2 MIGRAÇÕES POR MOTIVOS ECONÔMICOS


Os Estados Unidos e os países da União Europeia são os chamados
“paraísos”, pois são os mais procurados pelos migrantes da globalização. A
maior parte das correntes migratórias ocorre por motivos econômicos, por
isso, as migrações internacionais no mundo globalizado se realizam de regiões
subdesenvolvidas para países desenvolvidos. Como esses países possuem
leis severas de regulamentação de entrada de imigrantes suas fronteiras são
extremamente vigiadas e, muitas vezes, são pontos de confronto entre policiais e
aqueles que entram nesses territórios, tentando embaçar a lei.

Duas fronteiras geopolíticas se destacam como ponto de tensão pela


entrada de imigrantes, em grandes partes ilegais; as fronteiras do México com
os Estados Unidos e a das cidades espanholas de Ceuta e Melilla, na costa do
Marrocos. Como mostra o mapa, a seguir, dos fluxos migratórios.

276
TÓPICO 4 |O SIGNIFICADO DA FRONTEIRA ENTRE O MÉXICO E OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA PARA AS MIGRAÇÕES
INTERNACIONAIS

FIGURA 24 – PRINCIPAIS FLUXOS MIGRATÓRIOS DO INÍCIO DO SÉCULO XXI

FONTE: Disponível em: <www.professorbrunobarros.blogspot.com>. Acesso em: 20 jul. 2015.

As migrações para a União Europeia são de imigrantes de países da


Europa Oriental, do norte da África e da Ásia. Esse movimento da população já foi
mais intenso entre os países da União Europeia, pois os benefícios concedidos aos
países-membros de economia mais fraca têm ajudado a diminuir os movimentos
no interior da comunidade.

No caso dos Estados Unidos, em 1990, tinham 253,9 milhões de


habitantes sendo que 9,3% eram hispânicos, na primeira década do século XXI,
as taxas de crescimento de hispânicos no país foram muito maiores do que as
taxas de crescimento da população total. Em 2008, os 47 milhões de hispânicos
representavam cerca de 15% da população dos Estados Unidos, essas etnias já
ultrapassaram a população afrodescendente do país.

O governo americano, para conter o fluxo migratório ilegal, construiu


em alguns estados um muro de 3.200 km de extensão, que são severamente
monitorados por policiais na fronteira do México, essa barreira na fronteira
Tijuana - San Diego, no Arizona, no Novo México e no Texas. O país do México
é o que fornece maior número de imigrantes para os Estados Unidos, existem
cerca de 20 milhões em condições legais no país, no entanto, muitos mexicanos
entram ilegalmente, conduzidos por agenciadores que são chamados de ‘coiotes’
que cobram altas quantias para fazer a travessia da fronteira. Nessa tentativa,
muitas pessoas perdem a vida.

277
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

Para Assis (2008) “Passar pelo México” é a única alternativa que resta
àqueles que não conseguem o visto de turista para entrar nos Estados Unidos e,
por isso, recorrem à estratégia de atravessar a fronteira pagando a um “coiote”.
Os “coiotes” são, em geral, mexicanos que cobram muito caro para atravessar
imigrantes clandestinamente do México para os Estados Unidos através da
fronteira, num tráfico de migrantes que tem crescido à medida que crescem as
medidas restritivas à migração.

Para Mendes (2013) a transformação social como ponto principal para o


entendimento dos fatores que a migração pode causar nos níveis locais, sociais e
nacionais constituem um elemento articulador, como também fazem inferência às
unidades temáticas: padrões migratórios, estado, cidadania e direitos humanos,
identidade e etnia, gênero e suas inflexões e os desafios ao estudo da migração
internacional.

Segundo Assis (2008), as fronteiras no mundo contemporâneo são


apropriadas e atravessadas de diferentes maneiras pelo capital, pelos viajantes,
turistas e migrantes. Ao mesmo tempo em que comerciais de TV e propagandas
anunciam seu fim “um mundo sem fronteiras”, estas são reafirmadas no sentido
mais estreito nas tentativas de controle do policiamento do território e da
população.

Nos Estados Unidos vive, também, um número significativo de porto-


riquenhos e cubanos. Os hispânicos fazem parte do grupo latino segundo o U.S.
Census Bureau, órgão oficial responsável pelo senso demográfico nos Estados
Unidos.

GRÁFICO 1 - ORIGEM DE LATINOS NOS ESTADOS UNIDOS

FONTE: Disponível em: <http://factfinder.census.gov>. Acesso em: 21 jul. 2015.

278
TÓPICO 4 |O SIGNIFICADO DA FRONTEIRA ENTRE O MÉXICO E OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA PARA AS MIGRAÇÕES
INTERNACIONAIS

O alto percentual de hispânicos na população dos Estados Unidos


não significa que esses estejam integrados à sociedade americana, em geral os
imigrantes vivem segregados formando as suas colônias de acordo com a sua
nacionalidade. No entanto, eles se destacam pelo expressivo poder de compra,
que deve ter atingido cerca de um bilhão de dólares em 2010.

A influência da cultura dos imigrantes latinos é cada vez maior na


sociedade americana, principalmente no que se refere à língua espanhola, à
religião católica e à culinária. Outro fator importante nessa temática é a migração
feminina, durante muito tempo a migração das mulheres foi pouco expressiva.
Nas últimas décadas, as mulheres constituem quase a metade dos migrantes
internacionais no mundo. O que significa cerca de 95 milhões de mulheres, a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) denomina esse
processo de ‘feminização’ da imigração. Como mostra a figura a seguir.

FIGURA 25 - MULHERES IMIGRANTES EM CIMA DA ‘BESTA’

FONTE: Disponível em: <noticiasr7.com>. Acesso em: 21 jul. 2015.

As migrantes mulheres ocupam milhões de empregos em países de destino


e enviam milhões de dólares para seus países de origem. As latino-americanas
trabalham como cozinheiras, faxineiras, garçonetes, babás e acompanhantes de
idosos nos Estados Unidos. No entanto, a migração feminina também tem os seus
problemas, as mulheres podem ser vítimas de redes de exploração sexual, do
tráfico de escravos e exploração em serviços domésticos.

279
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

Ainda consideramos os problemas da imigração nos países ricos, pois os


imigrantes que conseguem entrar nos países enfrentam problemas, vivendo em
condições de ilegalidade, realizam trabalhos que a população local não se dispõe
a fazer. Outro grave problema é o tráfico de imigrantes, um negócio lucrativo que
cresce cada vez mais. Nos países da América Latina, até mesmo no Brasil, no leste
europeu e no norte da África, também é uma prática ativa onde grande número
de pessoas pretende ingressar na União Europeia.

Segundo Assis (2008), quando as pessoas desejam cruzar as fronteiras


para trabalhar em outros países, a criminalização que recai sobre o contrabando
de imigrantes torna a questão bastante complexa, pois a noção de ajuda é muito
forte entre os que desejam migrar. As pessoas nos países de origem confiam
naqueles que, em sua cidade, vão ajudar a migrar: são os conterrâneos, vizinhos,
parentes ou amigos que fornecem a informação, emprestam o dinheiro, ajudam a
organizar o projeto de cruzar a fronteira e vivem junto à expectativa de chegada
ao destino.

O imigrante ainda enfrenta a intolerância, o racismo e discriminação


em sua nova pátria. A aversão ao estrangeiro é denominada de xenofobia e o
racismo cresce rapidamente no mundo globalizado, principalmente, em países
desenvolvidos. A concorrência no mercado de trabalho tem sido a principal causa
da discriminação de imigrantes nos países ricos. Ainda, grupos extremistas unem
a xenofobia à intolerância às minorias e praticam atos de extrema violência. A
resistência à imigração também parte do próprio governo desses países, no caso
dos Estados Unidos já ergueram barreiras na fronteira com o México para impedir
a entrada de imigrantes da América Latina.

A União Europeia, em 2008, aprovou uma polêmica lei que permite


a expulsão de imigrantes ilegais em todo bloco, a lei indica que os imigrantes
ilegais podem ser presos em centros de detenção especiais por até dezoito meses
antes de serem expulsos.

3 MIGRAÇÕES POR MOTIVOS RELIGIOSOS E POLÍTICOS


Neste tipo de imigração, as pessoas pertencem a um grupo especial, que
são os refugiados, pessoas que fogem de guerra ou de perseguição em sua pátria.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados (ACNUR) é um órgão
filiado a ONU que define como refugiados “pessoas que saem de seu país de
origem porque correm o risco de serem mortas por perseguição religiosa, políticas
e raciais”. O órgão foi criado em 1951 para tentar solucionar essa situação, que é
uma das grandes tragédias da atualidade.
O Alto Comissariado realiza as seguintes tarefas: providencia asilo
a refugiados que não querem voltar a seu país de origem; ajuda
refugiados que preferem retornar ao seu país de origem depois que
a situação se acalmar; consegue recolocação para refugiados que não
podem regressar ao seu país de origem; e presta auxílio aos chamados
‘deslocados internos’, esses que são pessoas que sofrem perseguições

280
TÓPICO 4 |O SIGNIFICADO DA FRONTEIRA ENTRE O MÉXICO E OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA PARA AS MIGRAÇÕES
INTERNACIONAIS

ou ameaças dentro do próprio país, sem poder contar com a proteção


do governo. Esse é o grupo de imigrantes que mais cresce no mundo.
São casos comuns na Bósnia-Herzegovina, no Sri Lanka, no Azerbaijão,
em Serra Leoa, na Costa do Marfim, na Rússia e no Afeganistão. Nesse
país, o movimento de refugiados aumentou consideravelmente após
os ataques dos Estados Unidos, em resposta ao atentado terrorista de
11 de setembro de 2001. Disponível em: <http://espacodapopulacao.
blogspot.com.br/2010/04/migracao-e-xenofobia.html>. Acesso em: 4
ago. 2015.

Acontece uma diferença entre refugiados e deslocados internos, sendo


que quando uma pessoa é ameaçada em seu país e cruza a fronteira, recebendo
assim asilo e ajuda internacional torna-se um refugiado. Quando uma pessoa
em situação semelhante é deslocada dentro do próprio país para sua segurança
torna-se um deslocado interno. No final de 2007 havia cerca de 13,7 milhões de
deslocados internos sobre a proteção da ACNUR. Veja no gráfico, a seguir, quais
foram os países que receberam maior número de pedidos de asilo em 2008.

GRÁFICO 2 - SOLICITAÇÃO DE ASILO EM PAÍSES DESENVOLVIDOS

EUA

OUTROS
CAN

FRA
NOR

CHE
ITA
GRC

DEU UK
SWE

FONTE: Disponível em: <http://www.acnur.org/>. Acesso em: jul. 2015.

Para Mourão (2008) é possível agrupar os países acolhedores de imigração


como “países de refúgio”, como “países empregadores” ou como “países de
valorização superior”. O primeiro grupo, “países de refúgio”, é constituído por
países que acolhem cidadãos estrangeiros que, na sua maioria, fogem de violações
graves de direitos humanos e de direitos dos agrupamentos nos países de origem.
Situações como guerras, perseguições genocidas, usurpação da propriedade
privada ou desrespeito pelos direitos políticos geram fluxos migratórios no sentido
de países receptores que garantem a sobrevivência imediata dos indivíduos e dos

281
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

seus grupos. O segundo agrupamento de países, “países empregadores”, tende


a acolher cidadãos estrangeiros que se deslocam na procura de oportunidades
de trabalho e/ou emprego de modo a melhor valorizarem as suas competências
profissionais. Para o autor os indivíduos que alimentam estes fluxos migratórios
são indivíduos que julgam poder obter uma remuneração mais elevada em termos
reais nestes países por um esforço equivalente ao que executavam nos países de
origem. O terceiro grupo de países, “países de valorização superior”, são países
acolhedores de cidadãos que têm em vista, principalmente, um enriquecimento
pessoal. Os indivíduos aqui caracterizados são indivíduos que procuram padrões
superiores de conforto e de lazer nos países receptores. Um exemplo tradicional é
constituído por estudantes do ensino superior ou por intelectuais e artistas que se
deslocam para determinado país na intenção de encontrarem uma resposta cabal
às suas necessidades de formação intelectual, científica ou de vivência.

Os imigrantes que chegam à Europa partem principalmente das regiões


que já foram colonizadas pelos europeus e que se transformaram em países
independentes e pobres. É o caso de Marrocos, Argélia e Tunísia, na África do
Norte, países dos quais saem anualmente milhares de trabalhadores em direção à
França. É também o caso da Índia e do Paquistão, que geram intensos fluxos em
direção à Inglaterra. Existem ainda outras rotas importantes, como a Alemanha.
Esse é o país europeu com o maior número de trabalhadores estrangeiros,
recebendo principalmente imigrantes turcos e afegãos. Já a Espanha recebe árabes
do norte da África, em especial de Marrocos, bem como um grande contingente de
paquistaneses. Muitos países da Europa também declararam guerra à imigração
ilegal, controlando suas fronteiras da forma mais severa possível. Apesar das
restrições, mais de 500 mil pessoas chegam anualmente ao continente europeu.
Além disso, existe um intenso movimento migratório intraeuropeu, isto é, que
tem origem e destino no próprio continente. Trabalhadores de países do Leste
Europeu dirigem-se em massa para a Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e
França, em busca de ofertas no mercado de trabalho, mesmo que sejam empregos
que exijam pouca qualificação. Nesse caso, não existem restrições legais, pois um
acordo entre os países que compõem a União Europeia tornou livre o trânsito de
mercadorias e de pessoas através de suas fronteiras.

282
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você estudou:

• Os fatores da migração, da imigração e da emigração. As principais fronteiras


em destaque na geração de conflitos pela imigração.

• As condições que geram o fenômeno da imigração dos países subdesenvolvidos


para os países desenvolvidos.

• A imigração de mulheres a procura de melhores condições de vida tem gerado


graves consequências, como o tráfico de pessoas, o trabalho escravo, entre
outros.

• As barreiras geradas pela imigração, os bloqueios dos países receptores


e as relações sociais formuladas a partir da entrada de pessoas de outras
nacionalidades em determinados países da Europa e nos Estados Unidos.

283
AUTOATIVIDADE

1 (UFPR-2002) “Recentemente, o presidente George W. Bush manifestou a


intenção de legalizar os mais de 3 milhões de mexicanos clandestinos nos
EUA. Na Alemanha, o governo afrouxou as exigências para a entrada de
estrangeiros dispostos a trabalhar, sejam eles qualificados ou não. O mesmo
fenômeno se passa na Itália”. (VEJA, 1º ago. 2001). Avaliando as causas
dessa recente mudança de tendência na política migratória de alguns países
desenvolvidos, assinale a alternativa correta.

a) Essa mudança deve-se, sobretudo, aos recentes avanços nas pesquisas


sobre a genética humana, que comprovaram a falácia das teses racistas que
serviam de justificativa para as barreiras impostas à imigração.
b) A causa da mudança é o impacto econômico negativo que a queda das taxas
de fecundidade nos países desenvolvidos pode lhes trazer no longo prazo.
c) A mudança está ocorrendo como forma de os governos dos países
desenvolvidos compensarem economicamente os países emergentes pela
imposição de barreiras ao comércio de produtos primários.
d) A revisão parcial da política imigratória em alguns países é resultado da
pressão política interna dos imigrantes já estabelecidos nesses países, que
constituem colégios eleitorais de considerável importância.

2 (Unirio-1999) O texto abaixo retrata uma das faces do processo de globalização:


Sob pressão dos vizinhos, Espanha e Itália erguem barreiras contra refugiados.
O sinal mais evidente da política de linha dura para barrar a migração é a
cerca que está sendo erguida em torno de Ceuta e Mililla, dois entrepostos
comerciais encravados no território de Marrocos, em pleno norte da África,
mas que pertencem à Espanha desde o século XVI.

Da leitura do texto podemos inferir corretamente que a(s):

a) Abertura das fronteiras comerciais, em decorrência da globalização, não foi


acompanhada da liberação dos fluxos populacionais.
b) Integração econômica, alavancada pelo processo de globalização, tem
rompido as fronteiras dos estados nacionais.
c) Americanização do planeta, promovida pela globalização, tem
descaracterizado a cultura dos países africanos.
d) Formação de blocos econômicos tem proporcionado maior integração entre
a África e a Europa.
e) Antigas metrópoles procuram resguardar, da influência globalizante, seus
domínios territoriais na África.

284
3 (Mack-2001) Geograficamente, não é difícil entender as estratégias adotadas
pela máfia albanesa e a escolha da Itália como meta principal do tráfico de
seres humanos.

Assinale a alternativa que não explica a escolha da Itália:

a) Sua posição estratégica na Europa, possuindo 8.000 quilômetros de costa e


a proximidade da Grécia, Turquia e dos países árabes.
b) A fase de forte desenvolvimento econômico e social, fenômeno que tem
mudado a história do país.
c) A transformação, ao longo deste século, de um país de emigração, para um
destino sonhado por milhares de pessoas do Leste Europeu e do Norte da
África.
d) A diversidade racial da população devido à presença de grande número de
imigrantes oriundos das antigas colônias do país.
e) A sua atual riqueza econômica e a relativa ausência de atitudes racistas
generalizadas.

(Fuvest-2002) O processo de descolonização na África foi acompanhado por:

a) Elevação nas taxas de crescimento da população do campo, que foi


modernizado para produzir alimentos para o mercado interno.
b) Abertura da economia dos países africanos, devido à dimensão do seu
mercado consumidor, aumentando significativamente sua participação no
comércio mundial.
c) Democratização do continente, que se livrou das ditaduras nele instaladas
nos anos noventa do século XX, com apoio das antigas metrópoles.
d) Imposição política externa de limites fronteiriços, que gerou uma série de
lutas políticas internas em vários países.
e) Migração controlada da população africana, decorrente dos conflitos tribais,
para países que anteriormente dominaram o continente.

5 (PASUSP-2009) Com base no mapa e nos seus conhecimentos sobre as


migrações internacionais, assinale a alternativa INCORRETA:

285

LEGENDA

Cidades com 4300 km


mais de 100.000
imigrantes
internacionais.

a) Alguns países europeus e os EUA apresentam um significativo número de


cidades com grandes contingentes de população imigrante.
b) A União Europeia e os EUA têm estabelecido rigorosos controles de
imigração, sobretudo em relação aos imigrantes ilegais vindos do Canadá.
c) Os países americanos, em particular os EUA, receberam um número
significativo de imigrantes europeus até meados do século passado.
d) A Europa ocidental caracteriza-se, atualmente, por ser um polo de atração
de imigrantes, o que tem levado a uma regulamentação mais severa no
controle da imigração.
e) O Oriente Médio, a Austrália e a China apresentam algumas cidades com
grandes contingentes de população imigrante.

286
UNIDADE 3
TÓPICO 5

CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E


FUNDAMENTALISMO

1 INTRODUÇÃO
As guerras entre os Estados-Nações, guerras civis são as lutas internas
entre facções de um país. As ocupações de território à força e os movimentos
separatistas dentro dos Estados-Nações ocorrem em todos os continentes, exceto
na Oceania.

No continente Europeu, as regiões mais afetadas por conflitos de diferentes


culturas e religião na Europa são a região de Cáucaso, a Irlanda do Norte e o país
Basco, uma comunidade autônoma da Espanha.

A região do Cáucaso é uma das antigas repúblicas soviéticas europeias,


Geórgia, Armênia e Azerbaijão, e o sul da Rússia, Chechênia, Daguestão, Ossétia do
Norte e Inguchétia são marcados pela cadeia de montanhas terciárias do Cáucaso,
onde estão as maiores altitudes do continente. Mesmo com a independência das
ex-repúblicas soviéticas o desejo de liberdade desse povo não morreu, a região é
palco de conflitos em razão de rivalidades por diferenças étnicas que originaram
o nacionalismo, e pela diversidade religiosa.

No Continente asiático, a grande diversidade étnica e religiosa é


responsável pelos movimentos separatistas e pelas disputas entre os Estados-
Nação. A Índia tem cerca de 400 línguas e dialetos pertencentes aos grupos de
línguas indo-europeias, dravidianas e sino-tibetanas e austro-asiáticas. O hindi
e o inglês são as línguas da administração federal. A religião predominante no
país é o hinduísmo, depois vem o islamismo, o cristianismo, entre outras. Essa
grande variedade religiosa e cultural causa muitos problemas entre as minorias
étnicas. Entre elas estão a disputa pela Caxemira, e a disputa da minoria Sikh
que luta pela independência do estado de Punjab. No Sri Lanka os separatistas
Tâmeis lutaram durante muito tempo por um estado independente no norte e
no nordeste do país. Na China, a existência de Taiwan está ligada à rivalidade
entre o Partido Nacionalista e Kumintang. Os membros derrotados do Partido
Nacionalista refugiaram-se na ilha de Formosa ou Taiwan onde estabeleceram a
República da China Nacionalista, que adotaram o modo de produção capitalista.
Desde então o governo chinês considera Taiwan uma província rebelde. Esses são
alguns dos conflitos que aconteceram no mundo.

287
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

2 O ESTADO ISLÂMICO
O Estado Islâmico é uma organização política que professa o islamismo
sunita. Os sunitas acreditam que Maomé não deixou herdeiros legítimos e que
seu sucessor deveria ser eleito com uma votação entre as pessoas da comunidade
islâmica. A maioria dos muçulmanos é sunita, formam o lado mais radical do
islã. A organização islâmica foi fundada na Jordânia, em 1999, com o nome de
Jama'at al-Tawhid wal-Jihad que significa o Grupo de Monoteísmo e Jihad, por
Abu Musab al-Zarqawi. Apesar de fundado na Jordânia, o grupo desenvolveu-se
no Iraque, na resistência à invasão dos Estados Unidos e aliados.

Em 2004, o grupo ligou-se a Osama Bin Laden e mudou de nome para Al-
Qaeda, tornando-se uma das principais forças da resistência. Os seus objetivos
eram forçar a retirada das tropas ocupantes, derrubar o governo títere iraquiano,
assassinar os colaboracionistas, derrotar as milícias xiitas e estabelecer um Estado
puramente islâmico. Com a morte de al-Zarqawi, em 2006, o grupo juntou-se a
outras organizações sunitas e formou o Estado Islâmico do Iraque. Mas a sua
influência diminuiu diante da criação dos conselhos de líderes tribais sunitas
Sahwa (Despertar), que rejeitavam as suas táticas ultraviolentas.

Em 2010, assumiu o comando Abu Bakr Al-Baghdadi. Ele nasceu


na cidade iraquiana de Samarra e acredita-se que começou a carreira como
pregador salafista. Envolvido na resistência à ocupação, foi preso pelas tropas
norte-americanas na prisão de Camp Bucca. Mas há versões divergentes quanto
a esta detenção: al-Baghdadi foi preso entre fevereiro e dezembro de 2004; ou
entre 2005 e 2009. Seja em que período for, parece coincidir a versão que diz que
foi libertado por decisão de uma comissão de revisão dos processos dos presos
que reorganizou o grupo, e voltou a crescer à medida que o próprio governo
iraquiano, dominado pelos xiitas, marginalizava os sunitas e incentivava os
conflitos sectários. A nova liderança levou a organização a envolver-se também
na guerra da Síria, onde combateu o governo de Bashar al-Assad. Em 2013, Abu
Bakr Al-Baghdadi anunciou a unificação das forças do Iraque e da Síria numa só
organização, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante.

Em maio de 2010, o Estado Islâmico anunciou que al-Baghdadi era o novo


líder da organização. E em 29 de junho de 2014 aconteceu a criação do califado
e a sua nomeação como califa, com o nome de  Ibrahim. Em junho de 2014, o
EIIL, depois de uma imparável ofensiva que o levou a conquistar dezenas de
cidades, entre elas as estratégicas Raqqa, na Síria, e Mossul, no Iraque, proclamou
a criação de um Califado, o Estado Islâmico. Como não se trata de um estado
consolidado nem reconhecido e muitas áreas estão em disputa e uma guerra está
em curso, o cálculo é difícil, mas o Washington Post, baseado no Centro Nacional
de Contraterrorismo dos EUA, calcula a área em cerca de 210 mil quilômetros
quadrados, em média a área total da Grã-Bretanha, mas que inclui territórios
desabitados.

288
TÓPICO 5 | CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO

O Estado islâmico controla quase metade do território da Síria e uma


parte do norte do Iraque, separando o território curdo do resto do Iraque, como
mostra o mapa a seguir. A sua capital é Raqqa, perto da qual se situa a barragem
de Tabqa, a maior do Rio Eufrates e da Síria. Controla cidades como Deir es-Zour
que é um importante centro petrolífero da Síria, Sinjar, Mossul, a segunda cidade
do Iraque, com 1,8 milhão de habitantes. A barragem de Mossul, a maior do rio
Tigre, situada a 60 km a norte da cidade, foi reconquistada pelas tropas curdas
com o apoio aéreo dos EUA.

FIGURA 26 - ÁREA CONTROLADA PELO ESTADO ISLÂMICO


Em vermelho
está o território
controlado pelo
Estado Islâmico, o
que está em bege
é o território que
o Estado Islâmico
quer controlar,
em bege claro é
território da Síria e
do Iraque.

FONTE: Disponível em: <www.bbc.com/portuguese>. Acesso em: 22 set. 2014.

A atual fonte de financiamento do Estado Islâmico é o petróleo iraquiano,


pois esse não destrói as fontes energéticas de conquista militar, pelo contrário,
põe-nas a render para financiar o Estado que quer construir. Mossul, uma das
cidades dominadas pelo grupo, produz cerca de dois milhões de barris de
petróleo por dia. Eles também controlam a central de gás de Shaar e Deir es-Zour,
o maior centro petrolífero da Síria. Theodore Karasik, do Institute for Near East and
Gulf Military Analysis (INEGMA) e Robin Mills, autor do livro The Myth of the Oil
Crisis, "O Mito da Crise do Petróleo", calculam que o Estado ganhe um milhão de
dólares por dia com a exploração do petróleo iraquiano. E que vende o barril a 30
dólares no mercado negro, muito mais barato que os 100 ou mais dólares/barril
praticados no mercado internacional e usa intermediários na Turquia e na Síria.

289
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

Além disso, o Estado Islâmico tenta sustentar um sistema de impostos nas


áreas conquistadas. Mas, no tempo em que ainda não tinha conquistado qualquer
território ou poço de petróleo, o financiamento decisivo para o seu crescimento
veio do apoio da Arábia Saudita e dos países do Golfo, segundo o jornalista Patrick
Cockburn e outros analistas, que calculam que esses países já teriam canalizado
centenas de milhões de dólares para insurgentes sunitas na Síria.

Outro importante fator são as estratégias de práticas violentas utilizadas


pelo exército do Estado Islâmico, pois o desmoronamento do exército iraquiano
diante da avançada do exército deveu-se em boa parte ao pavor incutido pelos
vídeos de execuções em massa. As práticas ultraviolentas, que remontam aos
tempos do fundador da organização Al-Zarqawi, têm como objetivo apavorar
os inimigos e dar uma imagem de invencibilidade que atrai a adesão de novos
recrutas entre os sunitas.

Mesmo sem uma aliança formal, os Estados Unidos e o Irã estão lado a
lado contra o inimigo comum, o Estado Islâmico, os EUA estão a bombardear
o Estado Islâmico, para satisfação de Bashar Al-Assad, inimigo declarado de
Washington.

3 A NIGÉRIA
A Nigéria tem a maior população de todos os países na África,
aproximadamente 140 milhões, e a maior diversidade cultural, modos de
viver, cidades e terrenos. Com uma superfície total de 923.768 km². A Nigéria
é o 14º país com maior superfície na África. Seu litoral, no Golfo de Guiné,
cobre 774 km (480 milhas). A Nigéria divide a sua fronteira internacional, de
4.470 km, com quatro vizinhos: Chade, Camarões, Benin e Níger. Até 1989, a
Capital da Nigéria era Lagos, que tem uma população de cerca de 2.500.000,
mas o governo se mudou para a nova Capital Abuja em 1991.

Praticamente todas as raças nativas da África são representadas na


Nigéria, isso explica a grande diversidade do seu povo e da sua cultura. Foi na
Nigéria que os povos bantu e semibantu, migrando do sul e do centro da África,
se misturaram com os sudaneses. Em seguida, migraram os demais grupos,
tais como os shuwa-árabes, os tuaregues, e os fulanis que estão concentrados
no extremo norte, para a região norte da Nigéria, dando seguimento às ondas
migratórias que sacudiram o deserto de Saara. Os primeiros ocupantes da
Nigéria se instalaram na faixa florestal e na região do Delta do Níger. Hoje, se
estima que há mais de 250 grupos étnicos na Nigéria. Enquanto não há nenhum
grupo com absoluta maioria numérica, quatro grupos principais detêm 60% da
população: Hauçá-Fulani no norte, Yoruba no oeste e Igbo no leste. Os demais
grupos incluem: Kanuri, Binis, Ibibio, Ijaw, Itsekiri, Efik, Nupe, Tiv, e Jukun.

290
TÓPICO 5 | CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO

Muitas culturas da Nigéria não se transformaram em monarquias


centralizadas. Dessas, os Igbos são provavelmente os mais notáveis devido ao
tamanho do seu território e à densidade da sua população. As sociedades Igbo
eram organizadas em aldeias autossuficientes, ou federações de comunidades
de aldeias, com uma sociedade de anciões e associações de grupos da mesma
faixa etária que desempenhavam várias funções governamentais. A mesma
coisa acontecia entre o povo Ijaw (Izon ou Zon) do Delta do Níger e os povos da
região de Cross River, onde as sociedades secretas também desempenhavam
um papel importante na administração e nas funções de governo. Mas no
século XVIII, o comércio com os territórios ultramarinos começara a incentivar
a evolução de sistemas centralizados de governo nessas regiões.

Nigéria se tornou uma nação independente em 1° de outubro de 1960,


e se tornou uma República em 1963, com uma estrutura federal e três governos
regionais baseados nos pontos da bússola de norte, leste e oeste. Uma quarta
região, o centro-oeste, foi acrescentado depois. A estrutura política do país foi
aumentada para doze estados em 1967, e para dezenove estados em 1976, sendo
Abuja a Nova Capital Federal. Entre 1987 e 1991, um total de onze estados
foram criados e em 1996 foram acrescentados seis estados, o que fez com que a
estrutura administrativa da federação chegasse a trinta e seis estados.

FONTE: Disponível em: <http://www.nigerianembassy-brazil.org/portugues/historia/historia.doc.>.


Acesso em: 4 ago. 2015.

No entanto, a má governança provoca desgosto e frustração da população,


perfazendo as condições para o crescimento de grupos extremistas que usam
esses problemas, além da questão religiosa, para se fortalecer e ganhar seguidores.
A política mal administrada e ainda a corrupção e pobreza estão intimamente
ligadas na Nigéria, sendo uma consequência da outra. A política nigeriana
é movida pelo dinheiro e o país é considerado como um dos mais corruptos.
Quando só a corrupção não funciona, os políticos apelam para “chefões”, e por
grupos como o Boko Haram, que usam da violência para intimidar os oponentes
e manter o poder em suas áreas de influência. A população nigeriana é em sua
maioria pobre e sofre com aumento de preços, a estagnação dos salários, péssima
infraestrutura e problemas crônicos de energia elétrica. Segundo Paladini (2014)
a alienação da educação por parte do governo é aproveitada por esses grupos
radicais espalhados pelo país, baseados em diversidades étnicas e religiosas.
Muitas vezes, não é necessária a criação de uma milícia para que o grupo consiga
seu objetivo.

Ainda de acordo com Paladini (2014), a Nigéria pode ser dividida em duas
regiões, o Norte de maioria islâmica que domina a política, e o Sul de maioria cristã
que domina a economia. Os problemas, portanto, são divididos entre políticos e
econômicos, étnico e religioso. Um importante fato econômico da Nigéria é a sua
produção de petróleo, que em 2010 foi classificada como a 10ª maior produtora
do mundo, com grandes reservas na Região do Delta do Rio Níger, localizada

291
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

no Sul do país. Porém, o alto nível de pobreza associado à corrupção torna a


quase inexistente distribuição de renda um problema crônico. Os problemas de
caráter étnico e religiosos se dão por conta dos constantes desentendimentos entre
muçulmanos (Norte) e cristãos (Sul), que vêm se intensificando desde 1999, quando
alguns estados implantaram a Sharia em desrespeito ao Estado laico nigeriano.

Além disso, uma nova visão de terrorismo surgiu após os ataques de


11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos, fazendo com que a Al-Qaeda
ganhasse notoriedade, incentivando e influenciando grupos radicais islâmicos
em todo o mundo. Na Nigéria, alguns desses grupos surgiram com a intenção de
transformá-la em um país islâmico. Atualmente, um desses grupos radicais que
ganhou destaque foi o Boko Haram. Seu nome significa que a educação ocidental
é pecado e faz uma rígida leitura das leis islâmicas. O presidente Goodluck
declarou, em 2012, que alguns dos grupos radicais são financiadores e simpati­
zantes dos que estão no Executivo do governo, outros no Legislativo, enquanto
alguns estão inclusive no Judiciário. Quanto às fontes de financiamen­to dos
grupos elas não são claras. Atualmente, sabe-se que as elites nigerianas também
são fontes de dinheiro para os grupos radicais, não somente por simpatizarem
com suas propostas, mas também de­corrente de extorsão. Sem provas concretas,
mas com claras evi­dências, há também indicações de fundos vindos da Al-Qaeda
e do Al-Shabaab da Somália.

4 SÍRIA E IRAQUE

4.1 SÍRIA

A República Árabe da Síria é uma das sociedades mais divididas no


contexto do Médio Oriente e do Norte da África, um mosaico imenso
de etnias que se cruzam, por sua vez, com uma multiplicidade de
línguas e religiões, desaguando numa grande diversidade identitária
e, sobretudo, numa elevada compartimentação dentro dos próprios
grupos. Daqui resulta o desenho de alianças de geometria variável
entre as minorias e maiorias de uns com maiorias e minorias de
outros, mesmo dentro dos próprios grupos. Disponível em: <https://
minionu15anoscsnu.wordpress.com/page/4/>. Acesso em: 4 ago. 2015.

Cerca de 90% da população da Síria são árabes, há também minorias


curdas, circassianas, turcas e armênias.

A maioria dessa população fala a língua arábica oficial, o dialeto sírio,


sendo o circassiano também amplamente compreendido por todo o país. O curdo,
o armênio e o aramaico são apenas moderadamente falados, assim como o francês
e o inglês. A esmagadora maioria é muçulmana, um elemento potencialmente
unificador, mas que se subdivide em distintos grupos, entre eles sunitas, alauítas
e drusos, ismaílis e xiitas. Cristãos de muitas confissões perfazem 10% da
população total e regista-se também uma presença relativa de outras confissões,

292
TÓPICO 5 | CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO

como a judia que vive em pequenas comunidades principalmente em Damasco,


Al-Qamishli e Aleppo. A somar a estas divisões, há ainda a separação por clãs
que não correspondem, necessariamente, a linhas etnorreligiosas. O seu território
resulta da amputação do histórico território da Grande Síria que integrava os
atuais Estados da Síria, Líbano, Jordânia, Israel e Territórios Palestinos por meio
de intervenções externas, principalmente europeias e raramente pacíficas.

Segundo Santos (2014), a economia da Síria tem um perfil tradicionalmente


diversificado. Ainda que o setor dos serviços tenha uma clara predominância,
67% face aos restantes, a agricultura 17%, a indústria 16%, a sua economia
encontra-se distribuída pelos diferentes setores de produção, não dependendo
exclusivamente de nenhum deles. Antes das convulsões sociais e da guerra, a
economia era altamente controlada pelo Estado, apesar de se ter iniciado políticas
de liberalização econômica, como a baixa de taxas de juro a empréstimos, a
abertura de bancos privados, o aumento de preços a produtos subsidiados e
a criação da bolsa de Damasco. O atual conflito armado tem previsivelmente
levado a economia a contrair-se, sendo difícil estimar o tempo da recuperação.
Em 2010, o PIB era de 60 milhões de dólares e em 2013 rondava os 33 milhões,
quase metade, de acordo com os dados do Banco Mundial.

Para Santos (2014) do ponto de vista geopolítico, a localização da Síria


é extremamente sensível. É um ponto-chave no controle do poder terrestre na
região, faz fronteira com a Turquia, o Iraque, o Líbano, a Jordânia e Israel, países
que partilham questões altamente complexas e delicadas para a segurança e a
paz da região, como são as clivagens étnico-religiosas, a questão do povo curdo,
a exploração de petróleo num mundo que lhe é crescentemente dependente, o
conflito Israel-árabe e suas ramificações regionais. É ainda o último bastião de
projeção do poder russo no Médio Oriente desde a Guerra Fria e um corredor
crucial tanto de transporte de gás e petróleo para toda a região, como de
abastecimento de material militar para o Hezbollah, no Líbano.

Com uma posição estratégica no Oriente Médio, a Síria enfrenta, desde


março de 2011, uma guerra civil que já deixou pelo menos 130 mil mortos,
destruiu a infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária regional. Tudo
isso teve início quando os protestos, conhecidos como Primavera Árabe, serviram
de inspiração e exemplo para ativistas e civis desafiarem a ditadura no comando
do país. O presidente Assad se recusou a renunciar, porém, fez concessões,
encerrando o estado de emergência, que duravam 48 anos, aprovou uma nova
Constituição e realizou eleições multipartidárias, mas a oposição continuou
combatendo e exigindo sua queda. Os motivos por trás da guerra civil estão
enraizados de forma muito profunda em sua história, desde a antiguidade. Na
formação do Estado Sírio, independente em 1946, a disputa étnica e religiosa
pelo poder esteve sempre em evidência, como consequência da política colonial
francesa de enfraquecer a unidade árabe, instaurando pequenas divisões no país,
governadas por um grupo que representava a minoria da população, os alauítas,
em detrimento da maioria sunita. Na década de 1960, dois golpes de estado
favoreceram ainda mais os alauítas.

293
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

Além do grupo do presidente Bashar Al-Assad, alauíta, não representar


a maioria, o regime ditatorial do presidente, com a restrição das liberdades,
repressões violentas a qualquer pessoa considerada ameaça para a segurança
nacional, e o controle da população, foram motivos que ajudaram a inflamar
no povo a vontade de derrubar no governo. No conflito é possível observar a
influência e interferência de vários grupos em diferentes formas. A guerra civil
tomou uma proporção que torna difícil determinar todos os envolvidos, porém,
o conflito reviveu antigas tensões entre o Ocidente e o Oriente. Como mostra a
figura a seguir.

FIGURA 27 - GUERRA NA SÍRIA

FONTE: Disponível em: <www.revistafacil.net>. Acesso em: 22 jul. 2015.

Desde o dia 15 de março de 2011, após manifestações pacíficas da


população Síria, que protestavam contra o governo do presidente
Bashar Al-Assad, que o país vivencia uma das crises mais violentas
de sua história recente. A reivindicação de parcela da população
por reformas constitucionais que favorecessem uma maior abertura
política do país recebeu como resposta um sonoro não, que ao passar
dos meses se transformou em uma guerra civil. Disponível em:
<file:///C:/Users/05524964992/Downloads/43387-174344-1-PB.pdf>.
Acesso em: 22 jul. 2015.

294
TÓPICO 5 | CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO

4.2 IRAQUE
A República do Iraque é um país do Oriente Médio de 434.128 km²,
localizado entre a Arábia Saudita, a Síria e o Irã, com saída para o Golfo Pérsico.
A principal fonte de renda do Iraque são suas grandes reservas de petróleo.
Outras atividades típicas são o cultivo de cereais, tâmara, maçã, figo, uva,
azeitona e laranja, a criação de bovinos, ovinos, caprinos, cavalos e aves e a
produção industrial de metais, tecidos e alimentos. Porém, após a guerra Irã-
Iraque (1980-1988), a Guerra do Golfo (1990-1991), a invasão e a ocupação do país
em 2003 pela aliança militar liderada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido e
os conflitos que se seguiram, a economia encontra-se praticamente destruída. O
PIB iraquiano é de US$ 82,2 bilhões, a moeda do país é o dinar iraquiano.

Sua formação histórica consiste que na antiga Mesopotâmia o território


do Iraque abrigava várias civilizações a partir de 3.000 a.C.: os sumérios, os
acádios, os babilônios e os assírios.

Conquistada por persas, gregos e romanos, torna-se o centro do Império


Árabe nos séculos VIII e IX. Os árabes fundam Bagdá em 762 e introduzem ali
a religião islâmica. Seguem-se invasões dos mongóis e dos turcos. De 1638 até
a I Guerra Mundial, o território é incorporado ao Império Turco-Otomano.

O Iraque moderno nasceu em 1920, quando esse império é dividido. A


Liga das Nações põe o novo país sob a tutela do Reino Unido, que instala no trono,
em 1921, um monarca árabe da dinastia hachemita, Faisal Hussein. Em 1932, o
Iraque entra para a Liga das Nações como Estado independente, mas os britânicos
controlam seu governo, com direitos exclusivos de exploração do petróleo.

Em 1958, a monarquia iraquiana é derrubada por um golpe militar


liderado pelo general 'Abd Al-Karim Qasim, que instala um regime nacionalista.
Há várias tentativas de golpe, lideradas principalmente pelo partido Socialista
Árabe Baath ("renascimento", em árabe). Qasim é fuzilado em 1963, num golpe
militar com participação do Baath. Sucedem-se diversos governos instáveis,
até que, em 1968, o Baath sobe ao poder e se torna partido único. Em 1972, o
petróleo é nacionalizado. Uma rebelião da minoria curda no norte do país é
reprimida, com milhares de mortos, entre 1974 e 1975.

O vice-presidente Saddam Hussein amplia sua influência nos anos 1970,


até assumir a Presidência, em 1979. Em 1980, o Iraque invade o Irã, iniciando
uma guerra que dura até 1988. O país tem o apoio dos Estados Unidos (EUA),
de Israel, da União Soviética (URSS) e de regimes árabes conservadores, entre
eles Arábia Saudita e Egito, temerosos de que a Revolução Islâmica iraniana
se expandisse por outras nações do Oriente Médio e repúblicas soviéticas da
Ásia Central. O conflito mata 300 mil iraquianos e 400 mil iranianos, devasta os
dois países e termina sem vencedor. Guerrilheiros separatistas curdos atacam
militares iraquianos a partir de 1985. Em 1988, as Forças Armadas do Iraque
usam armas químicas contra a aldeia curda de Halabja, matando 5 mil civis.

295
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

A Guerra do Golfo provoca um conflito internacional ao invadir o


Kuweit, em agosto de 1990. Saddam culpa o país vizinho pela baixa no preço do
petróleo, por vender mais do que a cota estipulada pela Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP). A Organização das Nações Unidas (ONU)
condena o ataque ao Kuweit, aliado do Ocidente, e decreta embargo comercial
ao Iraque. Saddam anexa o Kuweit. Fracassam as tentativas diplomáticas, e,
em 16 de janeiro de 1991, forças coligadas de cerca de 30 nações, lideradas
pelos EUA, bombardeiam o Iraque, na Operação Tempestade no Deserto. Em
24 de fevereiro, a coalizão ataca por terra e põe fim à ocupação do Kuweit.
O cessar-fogo é assinado no início de março. Morrem 100 mil soldados e 7
mil civis iraquianos, 30 mil kuweitianos e 510 homens da coalizão. No fim da
guerra eclodem revoltas contra o regime de Saddam.

No sul, a comunidade xiita toma várias cidades. No norte, separatistas


curdos ocupam territórios. A repressão do governo é violenta. Pressionado
pela ONU, Saddam suspende as ações militares, e uma zona de exclusão para
voos iraquianos é imposta no norte e no sul do país. O governo negocia com
dirigentes curdos um projeto de autonomia para o Curdistão. Os problemas
com os EUA e seus aliados prosseguem, por causa das violações ao acordo
de cessar-fogo. O Iraque se comprometera, entre outras coisas, a permitir a
inspeção e a destruição de suas armas químicas, biológicas e nucleares, mas
deixa de cooperar com os inspetores da ONU.

As forças norte-americanas respondem com bombardeios ao Iraque. O


primeiro ocorre em 1993. Sob o risco de nova ação militar, o Iraque retira tropas
próximas à fronteira do Kuweit em 1994 e reconhece a soberania do vizinho.
Em 1997, após acordo com a ONU, o Iraque volta a vender petróleo apenas em
troca de comida e medicamentos para a população, seriamente atingida pelo
embargo. Em dezembro de 1998, o Iraque volta a suspender a cooperação com
a ONU e torna-se alvo de novos bombardeios dos EUA e do Reino Unido.

Em 2002, EUA e Reino Unido acusam Saddam Hussein de acumular


armas de destruição em massa. O governo de George W. Bush começa os
preparativos para a guerra, que é apresentada também como parte de sua
ofensiva contra o terrorismo. As autoridades iraquianas negam as acusações e
aceitam a volta das inspeções de armas da ONU. No início de 2003, EUA e Reino
Unido pressionam a ONU a aprovar o uso da força para desarmar o Iraque,
mas enfrentam a resistência de países liderados pela França. Norte-americanos
e britânicos decidem, então, atacar o Iraque, mesmo sem o respaldo da ONU.
Em 19 de março iniciam a guerra e rapidamente derrotam os iraquianos. Os
EUA conquistam Bagdá em 9 de abril, instalando um governo de ocupação,
chefiado pelo diplomata norte-americano Paul Bremer. Os protestos contra o
domínio estrangeiro surgem em seguida e as forças de ocupação tornam-se
alvo de atentados e ataques. Em julho, as autoridades de ocupação formam um
Conselho de Governo, constituídos por iraquianos de vários grupos étnicos e
religiosos. Saddam é capturado em dezembro. As ações contra as forças dos

296
TÓPICO 5 | CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO

EUA intensificam-se em 2004. Os ataques ocorrem em todo o país, causando


grande número de mortes.

Os insurgentes sunitas e xiitas incluem entre seus alvos as tropas


aliadas, as organizações internacionais e os civis iraquianos que colaboram
com as tropas estrangeiras. Vários cidadãos estrangeiros que trabalham nas
empresas contratadas para reconstruir o país são sequestrados e mortos.
Entre os combatentes há nacionalistas, partidários de Saddam Hussein e
fundamentalistas religiosos de outros países árabes, alguns dos quais ligados
à rede terrorista AI-Qaeda. Em março, o Conselho de governo assina uma
Constituição provisória, aceita com críticas pelo aiatolá Ali Al-Sistani, o mais
importante líder religioso xiita. A divulgação de imagens de soldados norte-
americanos cometendo atos de violência e humilhação sexual contra detentos
da prisão iraquiana de Abu Ghraib alcança repercussão mundial. Em junho,
Bremer transfere a soberania para um governo provisório. O poder formal
passa ao xiita Iyad Allawi, novo primeiro-ministro.

O governo dos EUA e o do Reino Unido reconhecem que Saddam


não tinha armas de destruição em massa em janeiro de 2005, ocorrem as
eleições à Assembleia Nacional Provisória, encarregada de formar um
governo transitório e de redigir a nova Constituição. Apesar das ameaças de
atentados de grupos contrários ao pleito e do boicote de lideranças sunitas,
58% dos eleitores (cerca de 8,5 milhões de pessoas) votam. A coalizão xiita
Aliança Iraquiana Unida conquista a maioria das cadeiras do parlamento.
Em abril, a Assembleia Nacional elege o curdo Jalal Talabani presidente do
Iraque. O xiita Ibrahim Al-Jaafari é nomeado primeiro-ministro, o cargo mais
importante. Uma comissão da Assembleia Nacional apresenta após alguns
meses o projeto de Constituição. O texto desagrada às lideranças sunitas por
prever a possibilidade de criação de federações autônomas no Iraque, que
controlariam os rendimentos obtidos com o petróleo. Os sunitas temem o
desmembramento do país, com a formação de governos regionais dos curdos
(no norte) e dos xiitas (no sul), que são as regiões onde se concentram as jazidas
de petróleo. As áreas de maioria sunita são pobres. As negociações sobre o
texto ultrapassam a data prevista para a apresentação do projeto, em agosto.
O governo dos EUA intervém diretamente, pressionando todas as partes a
aceitar a Constituição, que não é votada formalmente pelos parlamentares.
Em outubro, a Constituição é submetida a referendo popular e aprovada por
78,6% dos votantes. Novas eleições parlamentares são realizadas em dezembro.
Mais uma vez, a Aliança Iraquiana Unida é a vencedora, mas não consegue a
maioria absoluta, conquistando 128 das 275 cadeiras.

O segundo maior bloco é a Aliança do Curdistão, que elege 53


parlamentares, seguida pelo principal partido árabe sunita, a Frente do
Acordo Iraquiano, que conquista 44 assentos. Na negociação que se abre para a
formação do governo, xiitas e curdos buscam atrair os sunitas para fazer parte
do gabinete. São necessários meses até se chegar a um acordo. A aliança xiita

297
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

indica para o cargo de primeiro-ministro Nuri Al-Maliki, do Partido Islâmico


Dawa. O curdo Jalal Talabani mantém-se como presidente. Em fevereiro de
2006, a Mesquita Dourada, em Samarra, local reverenciado pelos xiitas, ao
norte de Bagdá, é atingida por uma explosão. O atentado não causa vítimas
imediatas, mas acirra os conflitos sectários (entre xiitas e sunitas) numa escala
mais ampla do que antes. Nos meses seguintes, bombas e chacinas causam
milhares de mortes.

As milícias xiitas e sunitas passam a enfrentar-se abertamente. Muitos


especialistas afirmam que a situação no Iraque já é de guerra civil, embora
o governo dos EUA relute em usar essa classificação. A capital, Bagdá, é
particularmente atingida pela ação das milícias. Os iraquianos passam a
conviver cotidianamente com atentados e tiroteios. Um dos grupos mais
conhecidos, o Exército Mahdi, comandado pelo líder religioso xiita Muqtada Al-
Sadr, é responsável por diversas ações, ao mesmo tempo que seus partidários
ocupam cadeiras no Parlamento e no ministério de Al-Maliki.

O Parlamento aprova em outubro a lei que permite a formação de


federações no interior do Iraque. Por concessão aos sunitas, no entanto, a
medida só entrará em vigor em 2005. Nos EUA, o Grupo de Estudos do Iraque,
comissão integrada por republicanos e democratas, divulga suas conclusões
em dezembro de 2006. O grupo recomenda a gradual saída das tropas dos
EUA e uma ação diplomática dirigida ao Irã e à Síria. Bush, porém, não se
compromete com suas conclusões. O presidente iraquiano, Jalal Talabani,
critica o texto, afirmando que trata o Iraque corno se fosse uma colônia.
Depois de 13 meses de julgamento, Saddam Hussein é condenado à morte, em
novembro de 2006, por crimes contra a humanidade. Seu enforcamento, em
30 de dezembro, é gravado de forma clandestina e as imagens circulam pela
internet.

Em janeiro de 2007, o presidente Bush anuncia o envio de mais 21,5


mil soldados ao Iraque. As forças norte-americanas e iraquianas lançam, em
fevereiro, amplo plano de segurança, com o objetivo de combater as ações dos
insurgentes, principalmente na região de Bagdá. Quatro meses depois, porém,
o jornal The New York Times informa que o Exército dos EUA controla menos
de 30% das províncias próximas à capital. Em fevereiro, o governo iraquiano
apresenta ao Parlamento projeto de lei sobre a divisão das receitas de petróleo.
O texto, elaborado com a participação direta da embaixada norte-americana,
prevê a entrega da exploração das jazidas a empresas estrangeiras. Segundo a
proposta, o petróleo continua em mãos do Estado iraquiano, mas os governos
regionais poderão assinar contratos de longo prazo com as multinacionais do
setor, que ficarão com parte significativa dos lucros. Divergências entre xiitas,
sunitas e curdos impedem a aprovação da lei.

298
TÓPICO 5 | CONFLITOS ARMADOS, TERRORISMO E FUNDAMENTALISMO

Em maio, Bush anuncia nova estratégia para o Iraque, inspirada nas


recomendações do Grupo de Estudos do Iraque, a comissão bipartidária dos
EUA. Além de procurar atrair a Síria e o Irã para uma negociação mais ampla
sobre o Oriente Médio, os EUA estabelecem metas a serem cumpridas pelo
governo iraquiano, para que possa gradativamente assumir o controle integral
do país. Apesar dessa tática, os EUA mantêm os ataques ao Irã, acusado de
auxiliar militantes xiitas iraquianos. O clérigo Al-Sadr procura estender
sua influência no país em 2007. Em abril, seus partidários realizam grande
manifestação contra a ocupação estrangeira. No mês seguinte, Al-Sadr dirige-
se a milhares de fiéis, após meses sem aparecer em público, com um discurso
hostil aos EUA. Prega uma campanha pacífica pelo fim da ocupação e orienta
seus seguidores a não entrar em confronto com o exército iraquiano. Turquia
envia em maio tropas para suas fronteiras com o Iraque, com o objetivo de
rechaçar ataques do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) a partir do
território iraquiano. Os curdos administram um território autônomo no norte
do Iraque, mas na Turquia não têm sua nacionalidade reconhecida. Em junho,
o governo iraquiano faz um protesto formal contra a Turquia, acusando-a de
bombardear áreas curdas iraquianas. Para evitar novo conflito numa região
relativamente estável do Iraque, os EUA fazem esforços diplomáticos para
evitar qualquer ação da Turquia. Em outubro, porém, o Parlamento turco
autoriza o governo a invadir o território iraquiano e caças do país fazem
incursões no Iraque, o que eleva as tensões.

Em setembro de 2007, um episódio envolvendo a empresa privada de


segurança Blackwater levanta a discussão sobre a ação de mercenários no Iraque.
Integrantes da empresa que faziam segurança de um comboio diplomático
abrem fogo contra supostos atacantes, em Bagdá, que causam a morte de 17
pessoas. Segundo o governo iraquiano, não houve ataque e os membros da
Blackwater atiraram primeiro. O governo caça a licença de operação da empresa
e exige providências dos EUA. Não se sabe ao certo quantos desses "soldados
privados" (ou mercenários), como são chamados, atuam e/ou atuaram no
Iraque. As estimativas variam entre 20 mil e 130 mil. Na hipótese mais alta, o
número é próximo ao total de soldados dos EUA.

Em fevereiro de 2006, a Mesquita Dourada, em Samarra, reverenciada


pelos xiitas, ao norte de Bagdá, é atingida por uma explosão. O atentado
amplia os conflitos. Nos meses seguintes, bombas e chacinas causam milhares
de mortes. O Exército Mahdi e a Al-Qaeda no Iraque são responsáveis por
diversas ações. Muitos especialistas afirmam que a situação é de guerra civil,
embora os EUA relutem em usar essa classificação. Condenado à morte por
crimes contra a humanidade, Saddam Hussein é enforcado em dezembro. Há
uma diminuição da violência em 2008, após o pico atingido em 2006 e 2007.
Analistas atribuem essa queda a alguns fatores: a ampliação das tropas norte-
americanas na Operação Liberdade do Iraque (Iraque e arredores), que atinge
o recorde de 218,6 mil soldados em 2007; o início de operações especiais de

299
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, RELIGIOSIDADE, FUNDAMENTALISMO E MIGRAÇÕES

contraterrorismo; a cooptação das milícias sunitas Al-Sahwa (Despertar) para


o combate ao lado dos norte-americanos; e a derrota do Exército Mahdi em
Bagdá e Basra, em 2008. No fim de 2008, o governo dos EUA, ainda sob a
administração de George W. Bush, assina um acordo para pôr fim à ocupação
militar até 2011. Ela acontece em etapas, durante o governo do novo presidente
norte-americano, Barack Obama.

Em janeiro de 2009, as tropas norte-americanas entregam às forças


iraquianas o controle da segurança do Iraque e, em junho, se retiram das
vilas e cidades. Em agosto de 2010, Obama anuncia o término das operações
de combate no Iraque é à saída da maior parte das tropas. Permanecem no
país 48 mil soldados não mais em missões de combate, mas em operações
contraterrorismo e treinamento das forças iraquianas. Nenhuma coalizão
obtém a maioria dos 325 assentos no Parlamento, na eleição de março de 2010.
A lista mais votada é do Movimento Nacional Iraquiano, ou Iraqiya, formada
por grupos seculares xiitas e sunitas sob a liderança do ex-primeiro-ministro
xiita Ayad Allawi. Segue-se a majoritária xiita Coalizão Estado de Direito,
do primeiro-ministro Nuri Al-Maliki; os radicais xiitas da Aliança Nacional
Iraquiana, dominada por partidários de Muqtada Al-Sadr; e a coalizão Lista
Aliança do Curdistão, formada pelos dois principais partidos curdos. Após
nove meses de negociações, um novo governo é formado em dezembro. São
reeleitos o primeiro-ministro Maliki e o presidente.
FONTE: Disponível em: <http://www.arturbruno.com.br/images/conteudo/file/Iraque2014.pdf>.
Acesso em: 4 ago. 2015.

300
RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico, você estudou:

• Os contextos que acontecem os grandes conflitos no mundo, a sua relação


histórica de formação de Estado-nação.

• Como a religião, mas especificamente o Fundamentalismo modela os conflitos


no Oriente Médio.

• A formação do Estado Islâmico e sua repercussão no cenário mundial. A partir


das interferências que os Estados Unidos sobrepõem nos conflitos.

301
AUTOATIVIDADE

1 (PUC - SP-2006) Em 25 de janeiro de 2006, o Hamas, grupo político palestino


de posições e ações mais extremas, venceu as eleições para o parlamento
Palestino derrotando o Fatah (considerado mais moderado), ligado à OLP
e a Yasser Arafat, líder que faleceu em 2004. Essa vitória levou, entre outras
coisas, à interrupção da ajuda financeira à região por parte de alguns países
e organizações, entre os quais a União Europeia. Essa reação se deve,
sobretudo, ao fato de que o Hamas.

a) Firmou tratados de paz e de cooperação econômica com Israel, dispensando,


portanto, ajuda humanitária do ocidente.
b) Ascendeu como um movimento que tem práticas terroristas, cujo principal
objetivo é a eliminação do Estado de Israel.
c) Tem íntimas relações com o Irã e a Arábia Saudita, os quais passaram a
fornecer vultosos empréstimos financeiros e apoio militar e energético para
a Palestina.
d) Recusa qualquer ajuda financeira que tenha origem no ocidente cristão, por
ser um partido de ex-esquerda islâmico.
e) Organizou vários atentados terroristas na Europa e nos EUA, segundo a
União Europeia.

2 (ESPM-2006) O cenário político no Oriente Médio foi afetado no primeiro


semestre de 2006 com o resultado de duas eleições: entre os palestinos e em
Israel. Quanto aos resultados do pleito na Palestina, em janeiro, e em Israel,
em março, é correto afirmar que:

a) Entre os palestinos saiu vitorioso o Hamas, considerado um grupo terrorista


pelos Estados Unidos e por Israel; já em Israel venceu o Kadima, partido há
pouco criado pelo ex-premiê Ariel Sharon.
b) Entre os palestinos venceu o Fatah, consolidando a hegemonia dos
partidários do falecido Iasser Arafat; em Israel a vitória pertenceu ao Likud
de Benjamin Netanyahu.
c) Entre os palestinos venceu o Jihad Islâmico, o que intensificou as ações de
homens bombas e os ataques contra alvos israelenses; em Israel a vitória foi
do Partido Trabalhista liderado por Amir Peretz.
d) Entre os palestinos, a vitória foi do Fatah liderado por Mahmoud Abbas; em
Israel a vitória foi do Kadima, novo partido liderado por Ehud Olmert.
e) Entre os palestinos a vitória foi do Hamas, apoiado por sírios e iranianos;
em Israel a vitória foi do Partido Trabalhista liderado por Shimon Peres,
Nobel da Paz de1993.

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ANOTAÇÕES

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